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consumo, e não da produção (Fabian 1998)
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. O mito parece figurar em Exu um poder levado
às últimas conseqüências, à anti-socialidade, e mesmo à autodestruição. Por outro lado, essa
fonte “natural” de poder passa a ser canalizada graças ao estabelecimento de uma aliança, que
socializa e codifica a sua capacidade de intervenção ao conformar aquilo que antes era
mobilidade predatória em uma força de mediação comunicativa. Assim, declara-se a paz da
guerra que é Exu, mas uma paz fundada em um contrato nem um pouco perpétuo, já que
fadado à renovação cotidiana.
Nesses termos, e continuando com o insight da ialorixá, a IURD parece deixar correr de
forma distinta essa propensão predatória de Exu, capitalizando a troca em consumo, e não o
contrário.
Outro dia mesmo eu tive que salvar um homem ali no Iguatemi. O homem saiu desesperado, eu
tava com meu filho, e ele louco, com a mão na cabeça. Eu disse: “Ave Maria, ele vai se jogar do
túnel! Vamos parar pra ver”. E meu filho disse: “Não minha mãe, o que é que a senhora vai
fazer aí, deixe lá, deixe lá!”. Peguei o rapaz, botei assim num canto e disse: “O que é rapaz, o
que é que você tem?”. Ele tava desesperado, saiu do emprego, esperava receber um seguro
desemprego veio outro, muito pouco. Ele desesperado com tanto compromisso que tinha pra
pagar, casa, tudo, foi pra Igreja Universal. Chegando lá, mostrando ao pastor, chorando, se
lamentando, o pastor disse: “Bote meu filho, bote aqui, que vai render, vamos pedir a Jesus que
vai render!”. E ele bota o dinheiro todo, quando é daqui a pouco, ele esperando. Cadê o pastor?
Ele já tinha ido lá pro fundo da igreja, se picou, e ele perdeu o dinheiro todo. Isso é ajudar? O
rapaz tava desesperado, onde é que ele ia ver mais esse dinheiro? Não tinha prova concreta,
ficou o dito pelo não dito. Quer dizer, muitos de levar televisão, par de aliança grossa de ouro,
terreno, tomando carro, tudo, quem botar o dízimo maior vai ter a salvação maior. Eles devoram
tudo, querem tudo que você tem, e não importa se você pode ou não pode dar, eles são um poço
sem fundo
.
Ela segue com o argumento, desdobrando-o na oposição sacrifício/expropriação, e
colocando inclusive o catolicismo ao lado do candomblé, ambos ocupando o primeiro pólo:
Quando, lá no candomblé, chega uma pessoa perturbada, uma pessoa desesperada, a gente tem
um banho, a gente tem um remédio, um acalento. E todas as pessoas que chegam no candomblé
desesperadas, eles saem em paz..Porque ele vai receber o sacrifício, pro ori. O ori, a cabeça,
estando sã, o corpo anda. É como a Igreja Católica, lá também tem o sacrifício que eles fazem.
Colocam o santíssimo sacramento dentro de si, pra dar paz. E essas igrejas estão fazendo o que?
Só tirando. Dar o dinheiro, dar o dízimo, arrancar. Aqui no candomblé é diferente, na maioria
das vezes a pessoa vem sem nada, sem nada. E sai todo feito, todo bonitinho, todo arrumado,
pra depois dar... Uns te reconhecem depois, outros não.
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De acordo com Fabian, utilizando-se de uma frase nativa, quando se trata de política na África negra, deve-se
saber que lá “le pouvoir se mange entier” (127).