![](bg6d.jpg)
95
Os trechos acima expressam o que os moradores de rua destacam como
dificuldades para a reprodução da vida. A indiferença, o desrespeito e o preconceito
são apontados, dentre outros aspectos, como o lado ruim de estar vivendo nas ruas,
pois tornam-se invisíveis como cidadãos. A concepção de cidadania fundada na
modernidade esta associada à idéia de direitos, estes ao longo do tempo foram se
ampliando, do direito político, seguiu-se para os direitos civis, sociais e culturais. No
entanto, percebe-se que quando se fala em políticas públicas para o morador de rua,
estas limitam-se, de forma superficial, aos direitos sociais. Tal entendimento leva às
práticas assistencialistas que passam pelo discurso da recuperação, da reabilitação
e da moralização, ignorando e perdendo de foco os direitos civis e políticos a que
estas pessoas anseiam. Este foi o caso da criação da AMORES – Associação dos
Moradores de Rua de Salvador, idealizada por Lorenilson
24
, que, no entanto, não se
sustentou por muito tempo, justamente porque o apoio só aconteceu até a chegada
do período eleitoral, depois disso, como o mesmo afirmou: "quando a política passou
que todo mundo ganhou, todo mundo sumiu e eu fiquei procurando saber o erro".
Tal experiência evidencia que a falta de apoio (e de políticas públicas apropriadas)
aos moradores de rua, para que estes busquem conquistar a sua emancipação
política, se constituiu numa negação dos seus direitos políticos e civis, portanto de
conquista
25
à sua cidadania.
24
Morador de rua que idealizou a criação da Amores. Segundo ele, a Associação começou com o
apoio de três colegas com o objetivo de lutar pelos seus direitos. Chegaram até a ocupar o prédio da
Semal, colocando uma bandeira da associação. Além disso, conseguiram o apoio do Conselho
Regional de Psicologia e de políticos, culminando na participação no primeiro Fórum de população
de rua de Salvador, em dezembro de 1999. Lorenilson morreu assassinado no final de 2004, próximo
à casa que recebeu do programa de assentamento. Segundo, informações de Carlos Pinho,
colaborador da AVSI, ONG, que atua no Loteamento Moradas da Lagoa, em parceria com o governo
do Estado, o assassianto de Lorenilson “é nebuloso”. O mesmo acredita que, nesse caso, existe a “lei
do silêncio” e que há hipótese de Lorenilson está envolvido com traficantes, e que estes, vendo a
vítima, dando outro rumo na vida dele, inclusive, articulando, movimento de conscientização dos
moradores de rua, quanto à necessidade de conquistar a autonomia, não deixaram que ele desse
continuidade, eliminando-o. Para o Sr. Carlos Pinho, Lorenilson era um “cara” de coragem, porque
não era acomodado.
25
Sobre a questão de estimular que pessoas "sem voz" nessa cidade conquistem os seus direitos,
destaca-se aqui o trabalho desenvolvido em 2004 pelo professor Felipe Serpa, no Curso de Pós-
graduação da Faculdade de Educação da UFBA. As atividades realizadas no âmbito da disciplina
Universidade, Nação e Solidariedade levam para o âmbito da universidade representantes de
pessoas que cotidianamente fazem a cidade, mas que são "pessoas sem voz". Dentre esses
representantes esteve presente em uma das atividades Lorenilson, representando os moradores de
rua. A proposta principal é que, com a presença e as palavras proferidas por Lorenilson e demais
representantes, a universidade soubesse e fizesse um esforço para silenciar e compreender o
"idioma" deles. Essa iniciativa permitiu aos participantes conhecerem melhor o universo e as
dificuldades dos moradores de rua, em especial a difícil tarefa, para eles, de estabelecer qualquer
diálogo com o poder público, pois o mesmo "só reconhece o idioma hegemônico" e nega as