Em tempo de transformação 44
com pessoas próximas ou com a própria pessoa.
Às vezes quando eu converso com os outros eu falo, também não procuro assim
ficar só falando nisso não. Por que eu acho vamos deixar isso de lado, né. Mais
numa hora que você está numa reunião, numa hora que você está é conversando com
uma pessoa e ela te pergunta eu explicava (Angélica).
Isso aqui eu nem mostrei pra uma cunhada minha que teve. Ela é bem mais jovem
que eu, dentista, não tenho coragem de falar isso pra uma outra colega sabe. Então,
por exemplo, tem umas informações que eu sei e eu não passo pra ninguém de dó,
eu não tenho coragem [...] é uma desesperança, eu não tenho coragem de passar pra
alguém sabe. Eu vejo muitas, quantas eu já vi que depois de sete, dez anos voltou,
doze, né. Então é, eu nunca passei isso pra ninguém (Rosa).
Eu não lembro bem o tratamento dela pela minha idade a gente não envolvia muito,
né. Só que o tratamento dela foi muito como eu posso falar [...] difícil. Mais que
difícil até, o tratamento mesmo foi muito doloroso, doloroso é (Margarida).
A dificuldade da reflexão, da conversa que fortalece o interdito talvez seja a
maneira mais simples de se evitar que venha a consciência liame da doença com a simbologia
da morte, com o definhamento do corpo vivo, fato que pode ser observado quando Dona
Margarida descreve que, no momento em que o médico confirma o diagnóstico de câncer de
mama, seu primeiro pensamento foi a lembrança de que, quando tinha treze anos, ajudou
cuidar de uma tia que faleceu com a doença:
Na época eu tinha treze anos e eu acompanhei um pouco assim que ela ia fazer
tratamento, e minha mãe me deixava tomando conta das crianças né, tinha quatro. Aí
eu ficava assim de companhia até ela voltar. Ela voltava e era aquela tristeza o
tratamento dela. Ela chegava e já ia deitar e punha uma fralda, era exposta a cirurgia,
não é igual hoje. Até me marcou muito que quando eu fui fazer a cirurgia, que o
médico falou que eu tinha que fazer, eu lembrei daquilo que eu vi, né. Eu ficava lá
ela pediu a fraldinha e a fraldinha tava toda molhada, né, e ela me pedia outra e
falava assim: põe na Qboa, não põe a mão não. Aí eu enrolava, eu punha na Qboa
para ela. Eu não entendia, eu punha, aí eu punha lá no baldinho, já punha água, né.
Depois, ela mesmo, ela melhorava, ela ia lá lavava. Então era muito difícil para
família era muito triste e quando eu descobri o problema voltou aquele filme na
minha cabeça eu pensei será? Eu sofri mais por isso, porque eu não tinha contato
com ninguém que tinha feito cirurgia recente, da época de hoje, então eu achava
assim que eu ia passar tudo que ela passou, entendeu, ficar com a cirurgia exposta