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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E
AGRONEGÓCIO
ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE VIOLENTA:
ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS HOMICÍDIOS NO MUNICÍPIO DE
CASCAVEL/PR
FERNANDA PAMPLONA RAMÃO
TOLEDO
2008
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1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E
AGRONEGÓCIO
ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE VIOLENTA:
ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS HOMICÍDIOS NO MUNICÍPIO DE
CASCAVEL/PR
FERNANDA PAMPLONA RAMÃO
Orientadora: Profa. Dra. Yonissa Marmitt Wadi
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Desenvolvimento Regional e
Agronegócio, Nível de Mestrado, da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE/Campus de
Toledo, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre.
TOLEDO
2008
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2
Catalogação na Publicação elaborada pela Biblioteca Universitária
UNIOESTE/Campus de Toledo.
Bibliotecária: Marilene de Fátima Donadel - CRB – 9/924
Ramão, Fernanda Pamplona
R165e Espaço urbano e criminalidade violenta : análise da
distribuão espacial dos homicídios no município de
Cascavel/PR / Fernanda Pamplona Ramão.Toledo, PR :
[.s. n.], 2008.
110 p.
Orientadora: Drª Yonissa Marmitt Wadi
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e
Agronegócio) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Campus de Toledo. Centro de Ciências Sociais Aplicadas
1. Cascavel (PR) - Criminalidade urbana 2. Cascavel (PR)
- Homicídios (Distribuição espacial) 3. Distribuição espacial
urbana 4. Espaço urbano 5. Cascavel (PR) - Crimes de
homicídio – Estudo de caso 6. Geografia urbana 7. Crime e
criminosos (Distribuição espacial) - Cascavel (PR) I. Wadi,
Yonissa Marmitt, Or. II. T
CDD 20. ed. 330.98162
364.98162
3
FERNANDA PAMPLONA RAMÃO
ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE VIOLENTA:
ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS HOMICÍDIOS NO MUNICÍPIO DE
CASCAVEL/PR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Desenvolvimento Regional e
Agronegócio, Nível de Mestrado, da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE/Campus de
Toledo, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
Orientadora: Profa. Dra. Yonissa Marmitt Wadi
Unioeste – Campus Toledo
_____________________________________
Prof. Dr. Jefferson Andronio Ramundo Staduto
Unioeste – Campus Toledo
_____________________________________
Prof. Dr. Pedro Rodolfo Bodê de Moraes
Universidade Federal do Paraná
Toledo, 03 de março de 2008.
4
AGRADECIMENTOS
A meus pais, Rosa e Francisco, as pessoas mais importantes de minha vida,
que sempre me apoiaram, incentivaram meus estudos e estiveram presentes em todas as
minhas conquistas, pessoais e profissionais.
Aos colegas de mestrado e grandes amigos, que faço questão de nominar:
Crislaine, Giane, Iara, Isabel, José Flávio, Leoveraldo, Luiz Carlos, Roselis, Sandra, Sérgio e
Susã. Obrigada pelo companheirismo e apoio nos momentos difíceis.
A todos os professores do Programa, em especial ao professor Jefferson
Andronio Ramundo Staduto, pelos conselhos, pela disposição em ajudar e pelas sugestões no
desenvolvimento do trabalho. À Clarice Stahl, pela atenção, simpatia e dedicação com que
auxilia os alunos e professores do Programa.
Ao professor José Luiz Parré, pela disposição em me ensinar a desenvolver
a metodologia utilizada. Também ao professor Eduardo Simões de Almeida, pelos conselhos
sobre análise espacial.
Ao Marco Antonio Silveira Almeida, amigo e conselheiro, cujas sugestões
foram fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho.
À Sandra Cristiana Kleinschmitt, pela opinião e auxílio no decorrer da
pesquisa. Ao amigo Silvio Alexandre Porto, pela amizade e editoração das figuras.
Aos professores Edson Belo Clemente de Souza e Cristina Maria Quintão
Carneiro, pelas apreciações e recomendações feitas na banca de qualificação deste trabalho.
Ao professor Pedro Rodolfo Bodê de Moraes, pela avaliação criteriosa desta
dissertação na banca de defesa, pelas críticas construtivas e contribuições norteadoras ao
desenvolvimento de pesquisas posteriores.
À Thaís Damaris da Rocha, pelo permanente estímulo e amizade sincera.
Um agradecimento especial à professora Yonissa Marmitt Wadi, minha
orientadora e amiga, que sempre me incentivou e me fez percorrer com satisfação o trajeto
que resultou nesse trabalho. Dotada de uma grande sensibilidade e sabedoria, sempre me
acolheu, me ouviu com atenção e me ajudou a prosseguir. Além da minha admiração e
respeito, possui todo meu carinho e gratidão.
À CAPES, pelo fomento.
A todos os que colaboraram para a realização deste trabalho.
5
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................10
2 DESENVOLVIMENTO URBANO E CRIMINALIDADE VIOLENTA NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO...........................................................................................................18
2.1 O processo de urbanização brasileiro e o desempenho das cidades de porte médio.........18
2.2 Considerações sobre o processo de desenvolvimento urbano...........................................26
2.3 Expansão urbana e desenvolvimento desigual no Brasil...................................................29
2.4 Espaço urbano e criminalidade violenta: o problema dos homicídios ..............................34
2.4.1 A dinâmica recente dos homicídios................................................................................35
3. CRIMINALIDADE VIOLENTA: REFLEXÕES SOBRE OS HOMICÍDIOS NO
ESPAÇO URBANO...............................................................................................................46
3.1 Violência e criminalidade urbana violenta: introduzindo a discussão ..............................46
3.2 Violência e criminalidade no Brasil: o estado atual da temática no campo sociológico...49
3.3 O crescimento dos homicídios no Brasil...........................................................................51
3.4 A distribuição espacial da criminalidade violenta e dos homicídios.................................56
3.5 A espacialização da criminalidade violenta e a questão da desigualdade.........................64
4. ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS HOMICÍDIOS EM
CASCAVEL/PR (2000-2006)................................................................................................67
4.1 Padrões gerais dos homicídios no município de Cascavel/PR ..........................................67
4.2 Padrões intra-urbanos dos homicídios em Cascavel..........................................................71
4.3 Procedimentos metodológicos de análise exploratória de dados espaciais (AEDE).........74
4.3.1 Descrição das variáveis e fontes de dados......................................................................79
4.4 Análise exploratória dos padrões espaciais dos homicídios em Cascavel/PR ..................81
4.5 A incidência desigual dos homicídios no espaço urbano de Cascavel: uma proposta de
compreensão............................................................................................................................86
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................99
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................103
FONTES...............................................................................................................................110
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Distribuição espacial das cidades brasileiras de porte médio em 1970 .................23
Figura 2 – Distribuição espacial das cidades brasileiras de porte médio em 2000 .................24
Figura 3 – Localização da Cidade de Cascavel/PR........................................................... .....26
Figura 4 – Distribuição espacial das taxas de homicídio no Brasil em 1980.................... .....38
Figura 5 - Distribuição espacial das taxas de homicídio no Brasil em 2003..................... .....38
Figura 6 – Distribuição espacial das taxas de homicídio em Cascavel em três intervalos .....44
Figura 7 – Unidades administrativas urbanas municipais de Cascavel/PR....................... .....72
Figura 8 - Diagrama de dispersão de Moran ..................................................................... .....78
Figura 9 – Distribuição espacial das taxas de homicídio em Cascavel em relação à média ...81
Figura 10 – Identificação dos outliers............................................................................... .....82
Figura 11 – Cartograma de outliers................................................................................... .....83
Figura 12 - Diagrama de dispersão de Moran para as taxas médias de homicídio ........... .....85
Figura 13 - Mapa de clusters das taxas de homicídios (2000-2006)................................. .....86
Figura 14 - Diagramas de dispersão do I de Moran bivariado ................................................ 87
Figura 15 – Mapas bivariados de clusters......................................................................... .....90
Figura 16 – Padrão construtivo das edificações urbanas de Cascavel............................... .....93
Figura 17 – Rede de coleta do lixo urbano de Cascavel.................................................... .....94
Figura 18 – Rede de pavimentação urbana de Cascavel ................................................... .....95
Figura 19 – Qualidade da rede de infra-estrutura e de serviços urbanos de Cascavel ...... .....96
7
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Evolução da população rural e urbana no Brasil (1950-2000).............................19
Gráfico 2 – Grau de urbanização por regiões brasileiras (1950-2000)....................................20
Gráfico 3 - Composição da população da cidade de Cascavel (1960-2000)...........................25
Gráfico 4 – Número e taxa de homicídios por cem mil habitantes no Brasil (1980-2002).....37
Gráfico 5 – Número de homicídios nos Estados brasileiros em 2004.....................................40
Gráfico 6 – Taxas de homicídios por cem mil habitantes nos Estados brasileiros em 2004...41
Gráfico 7 – Evolução das taxas de homicídio no Brasil, Paraná e Cascavel (1980-2006)......42
Gráfico 8 Crescimento do número de homicídios e taxas por cem mil habitantes na cidade
de Cascavel/PR (1980-2006)...................................................................................................43
Gráfico 9 – Comparativo de fontes de dados sobre homicídios em Cascavel (número de
registros)..................................................................................................................................68
Gráfico 10 – Taxas de homicídios em Cascavel segundo o Instituto Médico Legal...............69
Gráfico 11 – Local de ocorrência do homicídio (em número de ocorrências)........................71
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Crescimento populacional médio nas áreas urbanas dos Estados da Região Sul de
1950 a 2000 (em %) ................................................................................................................ 21
Tabela 2 Classificação dos municípios brasileiros de acordo com sua classe de tamanho
(1970-2000) ............................................................................................................................. 22
Tabela 3 - Evolução de indicadores socioeconômicos de Cascavel, Paraná e Brasil.............. 70
Tabela 4 – Números e taxa média de homicídios por cem mil habitantes em cada unidade
administrativa urbana de Cascavel (2000-2006) ..................................................................... 73
Tabela 5 – Coeficiente de I de Moran para a variável “taxa média de homicídio”................. 84
Tabela 6 – Coeficiente de I de Moran bivariado da taxa média de homicídios e demais
variáveis explicativas............................................................................................................... 88
9
RAMÃO, Fernanda Pamplona. Espaço urbano e criminalidade violenta: Análise da
distribuição espacial dos homicídios no município de Cascavel/PR. 2008. Dissertação
(Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio). Universidade Estadual do Oeste
do Paraná/Campus Toledo.
RESUMO
A pesquisa visa examinar e compreender a incidência desigual dos homicídios no perímetro
urbano do município de Cascavel/PR, no período compreendido entre os anos 2000 e 2006.
Busca-se entender por que esse tipo de crime varia de uma unidade administrativa municipal
para outra e a relação existente entre esse femeno, as desigualdades socioeconômicas, de
infra-estrutura e de serviços urbanos. Parte-se da discussão sobre o acelerado processo de
urbanização no Brasil, ao qual sobrepõe-se o processo escalar de homicídios vivenciado nas
últimas décadas. A expansão urbana no Brasil ocorreu, em larga medida, de forma
desordenada e caracteriza-se pela heterogeneidade e segregação socioespacial, o que
favoreceu a emergência e/ou intensificação de diversas problemáticas, dentre as quais a da
criminalidade violenta, sobretudo os homicídios. Demonstra-se que as cidades médias não-
metropolitanas – como Cascavel - vêm apresentando taxas de crescimento mais acentuadas
que as metrópoles e paralelamente está ocorrendo um processo de interiorização dos
homicídios no Brasil (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS IBERO-AMERICANOS, 2007).
A cidade de Cascavel, que se insere de modo peculiar nesse processo de rápida expansão
urbana, apresenta altas taxas de homicídio, sendo que poucas unidades administrativas as
concentram. Nesse contexto e com base nas explicações postuladas na literatura de referência,
realiza-se uma pesquisa empírica sobre a distribuição espacial dos assassinatos no cenário
intra-urbano municipal. Busca-se testar a relação existente entre o fenômeno ora estudado, as
desigualdades socioeconômicas, de infra-estrutura e de serviços urbanos, no intuito de
identificar elementos que contribuam para a compreensão dessa dinâmica em Cascavel. Para
tanto, utiliza-se a técnica estatística de Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE),
visando compreender os padrões espaciais do tipo de crime em análise, bem como o grau de
correlação espacial com as variáveis independentes do estudo obtidas em formato numérico
na base de dados do IBGE. Ainda, considerando algumas informações expressas apenas em
formato cartográfico desenvolvidas pela Secretaria de Planejamento Municipal, realiza-se
uma análise qualitativa de sobreposição espacial de informações. De forma complementar,
essas análises contribuem, em larga medida, para a compreensão do fenômeno ora estudado.
Palavras-chave: Espaço urbano. Desigualdade. Homicídios. Cascavel
10
RAMÃO, Fernanda Pamplona. Urban Area and violent criminality: Analysis of the space
distribution of homicides in the city of Cascavel/PR. 2008. Dissertation (Master in Regional
Development and Agribusiness). State University of the West of Paraná / Campus Toledo.
ABSTRACT
The aim of this work is to examine and understand the unequal incidence of homicides in the
urban area of the city of Cascavel / PR, between the years 2000 and 2006. The paper searches
to understand why this type of crime can vary from one city to another unit and the relation
between this phenomenon with the socioeconomic inequalities, infrastructure and urban
services. The discussion has its origins in the accelerated process of urbanization in Brazil,
which was concurrent with the large number of murders experienced in recent decades. Urban
expansion in Brazil occurred, in large standard, in a confused way that was characterized by
heterogeneity and socio segregation, which favored the emergence and / or intensification of
various issues, including the violent crime, in special homicides. It revels that the non-
metropolitan medium cities are showing bigger growth rates than the bigger cities and in this
time is happening an internalization process of the murders in Brazil (IBERO-
ORGANIZATION OF AMERICAN STATES, 2007). The city of Cascavel presents high
homicides rates and it is introduced in a special way in this rapid urban expansion process.
Few administrative urban units present high homicides rates and this fact shows that is
necessary to understand this phenomenon in this city. Considering this context and the
explanations present at the literature about the topic, an empiric research was done about the
space distribution of murders in Cascavel urban setting. The paper searches to taste the
relation between the phenomenon in discussion, the socioeconomic inequalities, infrastructure
and the urban services, and identify elements that can contribute to the comprehension of this
happening in Cascavel. Therefore, a statistic technique of exploratory analyzes of data space,
(Técnica estatística de Análise Exploratória de Dados Espaciais – AEDE) is used to
understand the space standard of the crime in question, as well as the level of the space
correlation with the independent variable of the study which were obtained in a number shape
in the database of IBGE. Considering some information expressed only in cartographic format
developed by “Secretaria de Planejamento Municipal”, a qualitative analysis was done on the
space information. This analysis has an expressive contribution for the comprehension of the
phenomenon studied.
Key–Words: Urban space. Inequality. Homicides. Cascavel.
10
1 INTRODUÇÃO
Esta dissertação visou examinar e compreender a problemática da
distribuição espacial desigual dos homicídios no perímetro urbano do município de
Cascavel/PR, no período compreendido entre os anos 2000 e 2006. Buscou-se entender por
que a ocorrência deste tipo de crime variou de uma unidade administrativa urbana municipal
para outra e a relação existente entre este fenômeno, as desigualdades socioeconômicas e de
infra-estrutura e serviços urbanos.
A violência e a criminalidade são temas cada vez mais debatidos no cenário
regional e nacional, pois com a mesma intensidade com que as sociedades se desenvolvem,
ambas – violência e criminalidade – crescem, atingindo os mais variados segmentos da
população. Trata-se de uma das problemáticas mais expressivas da contemporaneidade. Em
razão disso faz-se necessário analisar tal fenômeno à luz da literatura especializada, para que
seja possível refletir sobre estratégias mais eficazes de prevenção e combate.
A criminalidade violenta no Brasil, sobretudo os homicídios no espaço
urbano, tem crescido de modo acentuado desde a década de 1960 (CARDIA; ADORNO;
POLETO, 2003), movimento sobreposto ao acelerado processo de urbanização vivenciado
nas últimas décadas no país. Hoje a criminalidade atingiu patamares acima da média mundial
e desperta a atenção e a preocupação generalizada da sociedade. De acordo com dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é um dos países com os maiores números de
homicídios do mundo, tendo liderado o ranking mundial em 2003 (HUGUES, 2004), o que
coloca o problema na pauta dos maiores desafios a serem superados no cenário nacional.
A violência urbana resulta em um elevado número de vidas humanas
suprimidas no ápice de seu estágio produtivo e reprodutivo. Ademais, é considerada um dos
maiores entraves ao desenvolvimento socioeconômico no Brasil, na medida em que tem
afugentado investimentos externos e demandado altos investimentos internos, tanto públicos
quanto privados, em segurança (DINIZ; BATELLA, 2004). Nesse sentido, pensar a
criminalidade urbana violenta significa, direta ou indiretamente, refletir acerca do processo de
desenvolvimento econômico, político e social brasileiro, desenvolvimento entendido como
um processo de eliminação das privações de liberdade que limitam as escolhas e as
oportunidades das pessoas (SEN, 2000).
Muito se tem pesquisado sobre o fenômeno, considerado um dos temas mais
candentes da atualidade, mas há a supremacia de estudos sobre regiões metropolitanas ou
tomando o município como unidade de análise. As análises espaciais da criminalidade de
11
natureza intra-urbana são mais escassas e, quando existem, referem-se predominantemente às
metrópoles brasileiras, o que reveste de importância a presente pesquisa, que tem como
recorte espacial uma cidade de porte médio. Tal importância é reforçada quando se considera
que, nos anos recentes, as cidades de porte médio estão apresentando taxas de crescimento
mais acentuadas que as metrópoles brasileiras e que, paralelamente, está ocorrendo um
processo de interiorização dos assassinatos no Brasil, conforme levantamento divulgado pela
Organização dos Estados Ibero-Americanos, em 2007.
O número reduzido de áreas que concentram altas taxas de homicídio no
espaço intra-urbano demonstra que há diferenças significativas nessa escala, que são
desconsideradas quando analisadas na escala inter-municipal. As taxas de criminalidade,
segundo a literatura, são distintas nos diferentes grupos e segmentos sociais, bem como nas
diferentes localidades e “[...] a estrutura urbana municipal seria um dos elementos da estrutura
de oportunidades que levam à ocorrência de crimes” (BEATO; PEIXOTO; ANDRADE,
2004, p. 86). O resultado de uma pesquisa municipal conseguiria explicar com alto grau de
confiança as variações territoriais na distribuição de distintos tipos de delitos, à medida que as
características do local estão diretamente relacionadas à ocorrência de crimes.
Não existem muitos estudos sobre a distribuição espacial da criminalidade
que preocupam-se em incorporar a estrutura urbana municipal como um importante elemento
explicativo para a incidência desigual do fenômeno. Além disso, quando incorporam este
elemento, muitos não consideram os efeitos espaciais na análise, isto é, as complicações
causadas pela autocorrelação espacial (interação entre os agentes, que faz com que o
comportamento de uma unidade geográfica de análise dependa de seus vizinhos) e pela
estrutura espacial (heterogeneidade do espaço). A consideração desses efeitos é fundamental,
pois a criminalidade urbana violenta comumente apresenta padrões de concentração espacial.
Essa forma de abordar o tema constitui-se em uma inovação desta
dissertação, pois essa opção implica em associar, direta ou indiretamente, a relação entre
planejamento urbano e criminalidade violenta em uma perspectiva sociológica, além das
desigualdades sociais e econômicas, fazendo uso de ferramentas de estatística espacial.
Parece ser consenso na literatura que a violência e a criminalidade são
decorrentes da confluência de múltiplos fatores, tanto individuais como estruturais. Nesta
análise, embora se credite o fenômeno a uma associação entre esses aspectos, a análise centra-
se sobre a segunda perspectiva, visto que as raízes estruturais da violência são as que podem
(e devem) sofrer intervenções do Estado por intermédio de políticas públicas. Sendo assim,
buscou-se confrontar as idéias e as explicações postuladas na literatura de referência sobre o
12
tema analisado com a realidade empírica atual da cidade de Cascavel. Um problema de
pesquisa se colocou: – É possível afirmar que cenários de maior desigualdade socioeconômica
e carências na infra-estrutura e nos serviços urbanos potencializaram a ocorrência da
criminalidade violenta, especificamente dos homicídios? A hipótese que foi testada é a de que
houve uma relação proporcional entre as desigualdades socioeconômicas e as carências na
infra-estrutura e nos serviços urbanos em cada unidade administrativa municipal com altas
taxas de homicídio.
De modo similar à Sen (2000), a desigualdade, nesta dissertação, foi
concebida como o acesso diferenciado às oportunidades econômicas e sociais, que implicam
também em falta de oportunidades políticas, culturais, de lazer, etc. Esse acesso diferenciado
às oportunidades se materializa no espaço urbano
1
e limita as escolhas individuais e a
possibilidade das pessoas exercerem sua condição de agente, de sujeito.
Para atingir os objetivos previstos nesta pesquisa, realizou-se inicialmente
um levantamento bibliográfico, com respectiva análise temática e teórica, que norteou o
trabalho junto às fontes. Precedeu-se, em seguida, a uma compilação dos dados gerais dos
homicídios registrados entre os anos 1980 e 2004, no Brasil, no Paraná e na cidade de
Cascavel/PR, no intuito de visualizar os movimentos recentes deste tipo de crime nessas três
escalas. As informações foram extraídas do Departamento de Informática e Informação do
Ministério da Saúde – Datasus, que disponibiliza informações oriundas do Sistema de
informações sobre Mortalidade – SIM
2
.
A base de dados do SIM/Datasus, implantada em 1979, encontra-se
organizada de acordo com a Classificação Internacional de Doenças. Inicialmente, as mortes
decorrentes por homicídios eram computadas no Grupo CID9: E960, E961, E962, E963,
E964, E965, E966, E967, E968 e E969. A partir de 1996, essas mortes passaram a ser
consideradas no Grande Grupo CID10: X85-Y09, conforme critérios estabelecidos pelo
próprio departamento. Nessa base de dados, o município é a menor unidade de análise, porém,
como o enfoque desta pesquisa é a distribuição espacial dos homicídios no espaço intra-
urbano da cidade de Cascavel/PR, fez-se necessária a realização de um levantamento em
1
Por opção metodológica e de operacionalização da pesquisa, o espaço urbano, uma das categorias centrais
desta dissertação, foi considerado principalmente em sua dimensão locacional. Sabe-se, contudo, que o espaço
é um conceito mais amplo, um produto social de desigualdades de tempos acumulados, ensejados por agentes
que produzem e reproduzem esse espaço. Para uma discussão mais aprofundada sobre o espaço numa
perspectiva crítica, ver autores como: Santos (1996), Castells (1983) e Gottdiener (1993).
2
O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) é um sistema gerido pelo Departamento Nacional de
Vigilância em Saúde em conjunto com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e alimentado com
dados coletados nos Laudos de Óbitos (LO) produzidos pelos Institutos Médicos Legais.
13
órgãos locais, no intuito de descobrir informações precisas sobre o local da ocorrência desses
crimes no município.
Inicialmente, foram obtidas as planilhas completas das ocorrências policiais
registradas pelo 6º Batalhão da Polícia Militar de Cascavel, referentes aos anos 2003 a 2005.
Em seguida, para confrontar os dados produzidos pelas diferentes agências encarregadas da
administração de conflitos, foram coletados os dados anuais do período 2000-2006, dos
assassinatos registrados pela Polícia Civil. Esses dados foram comparados entre si e também
com o levantamento organizado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, para os anos
de 2004 e 2005, a partir dos registros das Polícias Civis de todo Brasil. Ainda, esses números
foram contrapostos aos obtidos junto ao SIM/Datasus. Após a comparação dessas diferentes
fontes de dados, verificou-se que as informações mais confiáveis eram as divulgadas pelo
Sistema de Informações sobre Mortalidade, sendo os dados divulgados pela Policia Civil de
Cascavel os que mais se aproximavam desses números.
Alguns autores (CERQUEIRA; LOBÃO; CARVALHO, 2005; CARDIA;
ADORNO; POLETO, 2003) indicaram que a única base de dados minimamente consistente e
confiável no Brasil e que cobre um período relativamente longo é o Sistema de Informação
sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, embora se refira ao homicídio como causa mortis,
e, conseqüentemente, não apresente nenhuma informação sobre o homicida ou sobre a
intencionalidade do crime.
De modo geral, a análise de dados oficiais acerca da violência e
criminalidade requer certa cautela, na medida em que estas informações sofrem vieses
aparentemente insanáveis. As estatísticas oficiais refletem não apenas a propensão
diferenciada das diversas camadas sociais em registrar queixas relativas a certos crimes, mas
também refletem as vicissitudes da organização policial, tais como a sua capacidade
organizacional. Há que se considerar também os estereótipos que os policiais têm do infrator
que constituem a referência mais importante para sua atuação (COELHO, 2005). Ainda,
podem ocorrer variações nas taxas de delitos em períodos eleitorais e, nesse caso, a elevação
das ocorrências criminais pode estar associada ao aumento no número de policiais em
atividades nas ruas e não necessariamente ao aumento de delitos.
Pode-se dizer que mais registros de crimes não significam propriamente
mais oferta de crimes e os dados oficiais da criminalidade não revelam toda a amplitude e
distribuição do fenômeno da criminalidade no meio social. Os dados oficiais são comumente
subestimados e revelam apenas uma parcela dos delitos, além de privilegiarem determinados
14
tipos de crimes. Entretanto, vale dizer que para os crimes de homicídio, essa disparidade
tende a se minimizar em relação aos demais.
Misse (1997) chama a atenção para os mecanismos de seletividade das
amostras e contaminação das estatísticas oficiais do crime, fato que independe do controle e
dos procedimentos metodológicos adotados pelo pesquisador, pois pertencem ao tipo de
sociedade e de cidadania que também participam da construção do desse objeto de pesquisa.
O autor argumenta que o processo de criminalização e a seletividade do aparato policial e
judicial não podem ser considerados de forma descolada da sociedade e do Estado no Brasil.
As chamadas “cifras negras” representam a diferença entre a “criminalidade
real” e a criminalidade registrada ou “aparente”. Para Misse (1997) a confiabilidade dos dados
oficiais não seria um problema se os mesmos fossem uma amostra aleatória do crime que é
mais perseguido por ser também o delito que mais cresce e que provoca maior reação da
coletividade. Porém, essa suposição dependeria de algumas condições: que as vítimas
denunciem; que a polícia não selecione o que vai registrar quando ocorre um delito; que os
efetivos policiais estejam proporcionalmente bem distribuídos pela cidade e registrem e
busquem apurar todos os delitos que são notificados; e, por fim, que classificação da denúncia
pelos policiais seja regida por uma regra comum e que esta não seja modificada ao longo do
tempo (MISSE, 1997). Para o autor, esta situação ideal-legal não existe em parte alguma,
servindo apenas para comparação e para possibilitar perceber a contaminação das fontes
oficiais, que é parte integrante do próprio processo social de construção dessa criminalidade.
Misse (1997) afirma ainda que o problema das ‘cifras negras’ não é
particularidade do Brasil, mas um fato universal, mesmo em países de ampla cidadania.
Apesar disso, a contabilidade oficial do crime não se invalida, pois a criminalidade oficial ou
registrada é também aquela que é mais perseguida e que provoca maior reação moral da
sociedade. O autor destaca, contudo, que o emprego dessas fontes em qualquer tipo de análise
deve ser cauteloso.
Considera-se que, embora existam limites na aplicação das informações
obtidas em fontes oficiais para estudo da criminalidade, essas estatísticas constituem-se no
material disponível melhor qualificado para o estudo proposto. No caso desta dissertação,
optou-se por trabalhar com dados coletados diretamente nos Laudos de Necropsia do Instituto
Médico Legal de Cascavel o que, em tese, reduz significativamente o grau de contaminação
das informações. Assim, estatísticas oficiais de criminalidade podem ser utilizadas, contanto
que se considere as condições nas quais essas informações foram produzidas, bem como seus
limites e possíveis aplicações.
15
A partir dessa constatação, realizou-se um levantamento nos livros de
registros de Laudos de Necropsia do IML de Cascavel, a partir dos quais seria possível a
obtenção de informações detalhadas sobre a ocorrência do homicídio, tais como: sexo, cor,
idade, data do crime, tipo de arma utilizada, local do crime, endereço, se a morte ocorreu no
local do fato ou horas depois, etc., embora a presente pesquisa centre sua análise apenas no
local do crime. Essas informações possibilitaram a espacialização dos homicídios intra-
urbanos na cidade de Cascavel, de acordo com as 31 unidades administrativas municipais
(bairros). Com isso, constatou-se que poucos bairros concentravam altos índices de
criminalidade que resultou em morte no município. Verificou-se que, entre os anos 2000 e
2006, alguns bairros foram o cenário de apenas 1 crime de homicídio, enquanto em um outro
bairro ocorreram 74 assassinatos, o que confirma o caráter espacial heterogêneo desse
fenômeno.
Visando compreender elementos estruturais presentes nessa complexa
dinâmica da incidência desigual da criminalidade urbana violenta, testou-se a associação
existente entre a distribuição espacial dos crimes de homicídios (variável dependente), as
desigualdades socioeconômicas, de infra-estrutura e de serviços urbanos (variáveis
independentes).
A desigualdade socioeconômica foi mensurada a partir dos indicadores de
renda, escolaridade, proporção de jovens em relação à população total, adensamento
populacional, média de moradores por habitação, proporção de idosos em relação à população
total e mortalidade infantil, cujas informações se encontram todas em formato numérico. Já a
infra-estrutura urbana foi avaliada a partir de indicadores de domicílios com esgoto ligado à
rede geral, domicílios sem banheiro e sanitário, domicílios com água canalizada, variáveis que
se encontram também em formato numérico, além do padrão construtivo das edificações, rede
municipal de coleta de lixo, rede de pavimentação, de serviços e de equipamentos urbanos,
em cada unidade administrativa estudada, cujas informações foram obtidas apenas em
formato cartográfico.
Pela necessidade das informações acerca dessas duas variáveis
independentes terem que ser desagregadas por bairros, elas foram obtidas na Secretaria de
Planejamento (SEPLAN), da Prefeitura Municipal de Cascavel/PR, e também no site do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no Censo Demográfico de
2000. Dados gerais sobre o município foram extraídos do Atlas de Desenvolvimento Humano
16
no Brasil, de 2000
3
, cujos indicadores foram elaborados a partir dos Censos Demográficos de
1991 e 2000.
No caso dos indicadores em formato numérico, utilizou-se o método de
Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE) com a realização da análise bivariada para
mensurar o grau de correlação espacial entre a variável dependente e as variáveis
independentes ou explicativas. Para complementar a análise realizada com as variáveis
numéricas, realizou-se uma avaliação qualitativa visando auxiliar a compreensão da
incidência desigual dos assassinatos no território cascavelense, a partir da “sobreposição”
espacial de informações cartográficas. Tais procedimentos são detalhados no transcorrer da
pesquisa.
***
Visando elucidar a problemática ora analisada, a presente dissertação
encontra-se organizada em quatro seções, além desta introdução.
O segundo capítulo descortina o contexto do objeto desta dissertação,
buscando compreender as relações entre o desenvolvimento urbano e a criminalidade violenta
no Brasil. Apresentam-se as principais características do processo de urbanização acelerada
vivenciado pelo país nas últimas décadas, evidenciando o desempenho das cidades de porte
médio brasileiras, que são as que crescem em ritmo mais acentuado no cenário nacional
atualmente. Em seguida, tecem-se algumas considerações conceituais sobre desenvolvimento,
especialmente o urbano, buscando nortear a discussão que segue sobre o processo de
expansão urbana e desenvolvimento desigual, característicos da história da sociedade
brasileira. A rápida urbanização favoreceu a emergência e/ou a intensificação de diversas
problemáticas, dentre as quais destaca-se a criminalidade violenta, sobretudo os homicídios.
Apresentam-se, logo após, os movimentos recentes dos homicídios, demonstrando que há um
processo de crescimento da criminalidade que resulta em morte no Brasil, ainda que não seja
exclusividade deste país. Embora se trate de um fenômeno predominantemente metropolitano,
as taxas de homicídio vêm apresentando crescimento mais acentuado em municípios
interioranos e distantes de regiões metropolitanas. A cidade de Cascavel apresenta altas taxas
de assassinatos e insere-se de modo bem peculiar nesse processo de expansão urbana. A
incidência desses crimes no território intra-municipal é bastante heterogênea. Poucas unidades
3
Download disponível em: <www.pnud.org.br/atlas>.
17
administrativas concentraram grande parte das ocorrências fatais, o que indica a importância
de se compreender os determinantes dessa dinâmica na escala local.
O terceiro capítulo apresenta uma revisão da literatura especializada sobre a
temática, que se constitui no ponto de partida da pesquisa propriamente dita e irá balizar as
análises posteriores. Realiza-se uma discussão conceitual acerca da violência e da
criminalidade, para, em seguida, caracterizar a criminalidade violenta, especialmente os
homicídios. Apresentam-se propostas de sistematizações deste campo de estudo e o estado
atual da temática e, em seguida, algumas explicações propostas por especialistas acerca das
possíveis causas do processo escalar de violência no Brasil, sobretudo desde a década de
1960, quando o país vivenciou um aceleramento em seu processo de urbanização. Seguem a
apresentação de estudos recentes que tratam da distribuição espacial da criminalidade
violenta, seja no cenário intra-urbano ou não, destacando os resultados e as conclusões a que
os autores chegaram. Por fim, apresentam-se algumas especificidades sobre a espacialização
do crime e a questão da desigualdade, indicando os limites e aplicações dessa abordagem.
No quarto capítulo analisa-se a distribuição espacial desigual dos
homicídios no espaço intra-urbano de Cascavel, no período compreendido entre os anos 2000
e 2006, comparativamente a indicadores de desigualdade econômica e social, bem como de
infra-estrutura e de serviços urbanos de cada unidade administrativa. No primeiro momento
analisou-se os padrões gerais deste tipo de crime, para, logo após, examinar, com o auxílio de
técnicas de estatística espacial, os padrões espaciais intra-urbanos e as associações existentes
entre as variáveis do estudo, buscando identificar elementos que contribuam para a
compreensão da dinâmica presente na incidência desigual dos homicídios.
Nas considerações finais, sumaria-se a dissertação, indicando as principais
contribuições de cada capítulo para a elucidação da problemática analisada. Indica-se que o
eixo central da pesquisa foi sua proposição empírica e tecem-se as principais conclusões.
18
2 DESENVOLVIMENTO URBANO E CRIMINALIDADE VIOLENTA NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO
Este capítulo apresenta o contexto no qual a pesquisa se desenvolveu, no
qual discute-se as principais características do processo de urbanização acelerada vivenciado
no Brasil, evidenciando o acentuado crescimento das cidades de porte médio neste cenário.
Seguem-se algumas considerações conceituais sobre desenvolvimento, especialmente o
urbano, buscando nortear a discussão sobre o processo de expansão urbana e desenvolvimento
desigual, característicos da história da sociedade brasileira. A urbanização acelerada, de
acordo com a literatura, favoreceu a emergência e/ou a intensificação de diversas
problemáticas, dentre as quais se destaca a criminalidade violenta, sobretudo os homicídios.
Nesse sentido, apresenta-se o movimento recente dos assassinatos, considerado um fenômeno
urbano no Brasil. Por fim, evidencia-se que, no espaço intra-urbano da cidade de Cascavel,
poucas unidades administrativas (bairros) concentraram grande parte dos homicídios,
demonstrando a importância de se compreender os determinantes dessa dinâmica na escala
local.
2.1 O processo de urbanização brasileiro e o desempenho das cidades de porte médio
O processo de urbanização é um elemento-chave para se compreender a
configuração espacial brasileira na contemporaneidade. Para que um país seja considerado
urbano é preciso que a maioria de sua população resida nas sedes urbanas dos municípios ou
em suas vilas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de
2002, o Brasil atingiu um índice de urbanização de 84,14%, configurando-se como uma nação
predominantemente urbana. Ferreira (2000) afirma, com base em dados da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), que em 2000 a taxa média de
urbanização da América Latina era de 75%, sendo esta já considerada alta.
Do ponto de vista técnico, tal como adotado por órgãos que fazem a
contagem da população, atualmente no Brasil é considerado urbano quem habita as sedes
urbanas dos municípios, independentemente das funções desempenhadas e do tamanho deste
município. Por conseqüência, é considerado rural quem habita fora desses limites. Trata-se de
uma definição de caráter político-administrativo, na medida em que considera todas as sedes
19
de municípios e distritos. Por isso, depende mais de decisões administrativas do que de
considerações substantivas do significado e das funções dessas áreas (CUNHA, 2003)
4
.
A urbanização é um incremento na proporção da população urbana
relativamente à população rural. Para Singer (2003), este fenômeno em si pode ser
considerado como uma conseqüência demográfica do rearranjo espacial das atividades
econômicas. A urbanização da economia, marcada pela crescente industrialização, para o
autor, certamente urbaniza a população, pois, como a cidade fica mais dinâmica
economicamente, há maior geração de empregos e de oportunidades.
A rápida expansão urbana brasileira é um fenômeno relativamente recente.
Embora as cidades fizessem parte do cenário nacional desde o período colonial, elas possuíam
pouca representatividade demográfica. Foi especialmente na segunda metade do século XX
que o Brasil vivenciou uma intensa urbanização, inserida num contexto de transformações
econômicas, sociais e políticas na sociedade. No final da década de 1960, a população urbana
tornou-se maior que a rural, conforme apresentado no Gráfico 1, o que reforça o caráter
relativamente recente do processo (BRITO, 2006).
0
20.000.000
40.000.000
60.000.000
80.000.000
100.000.000
120.000.000
140.000.000
160.000.000
1950 1960 1970 1980 1991 2000
Rural Urbana
Fonte: Censos Demográficos de 1950 a 2000. Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Gráfico 1 – Evolução da população rural e urbana no Brasil (1950-2000)
O que mais chama a atenção no caso brasileiro é a velocidade do processo
de expansão urbana. De 26,3% de população urbana em 1940, o país atingiu a casa dos 81,2%
em 2000. Em números, isso significa um aumento de 18,8 milhões para aproximadamente 138
milhões de habitantes. Apenas na década de 1990 as cidades brasileiras aumentaram em
22.718.968 habitantes (MARICATO, 2001). Na segunda metade do século XX, a população
4
Uma discussão mais aprofundada do que é urbano e do que é rural no Brasil contemporâneo, bem como das
diferentes abordagens sobre o tema pode ser encontrada em SPOSITO; WHITACKER, 2006.
20
urbana multiplicou-se 7,3 vezes, com uma taxa média anual de crescimento de 4,1%, o que
representou em média mais de 2,3 milhões/ano de novos habitantes nos espaços urbanos no
Brasil (BRITO, 2006).
Embora o processo de urbanização tenha se estendido por todo o território
nacional, tal fenômeno não foi uniforme. Diferentes regiões sofreram impactos desiguais e
apresentam um quadro contrastante na distribuição populacional. Para Camarano; Beltrão
(2000), a distribuição demográfica nacional é resultado de taxas de crescimento vegetativo
5
diferenciadas, mas, sobretudo, de movimentos migratórios, que se desdobram em rurais-
urbanos e interestaduais. Em alguns períodos de nossa história também os imigrantes
desempenharam um papel importante nesse incremento populacional. Dentre esses elementos,
para Brito (2006), a expansão das migrações internas é considerada o maior elo entre as
mudanças sociais e econômicas que transformaram a estrutura brasileira e o processo de
urbanização. Esse processo não foi homogêneo e as disparidades regionais resultaram das
diferentes temporalidades em que o fenômeno atingiu cada região, em decorrência também
das especificidades regionais (CAMARANO; BELTRÃO, 2000).
O Gráfico 2, abaixo, ilustra o grau de urbanização por regiões brasileiras,
evidenciando o ritmo diferenciado com que cada região sofreu os impactos da expansão
urbana. Verifica-se que o Sudeste é a região mais urbanizada do país, porém a maior taxa de
crescimento da população urbana nas últimas décadas ocorreu no Centro-Oeste. A Região Sul
apresentava, em 2000, o mesmo grau de urbanização do país, superando a casa dos 80%.
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1950 1960 1970 1980 1991 2000
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
Fonte: Censos Demográficos de 1950 a 2000. Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Gráfico 2 – Grau de urbanização por regiões brasileiras (1950-2000)
5
Diferença entre os números de nascimentos e mortes de uma região específica.
21
Na Região Sul, o Estado do Paraná sofreu um intenso processo de
crescimento demográfico e urbanização. Em 1950, a população total do Estado era de 2,1
milhões de habitantes. Em 1970, já era de quase 7 milhões e, entre 1991 e 2000, o Paraná
atingiu a cifra de 9,5 milhões de habitantes (MOURA, 2004).
Em 2000, de acordo com dados do IBGE, 81,41% da população paranaense
residia em áreas urbanas. O Paraná ocupou lugar de destaque entre as décadas de 1950 a
1980, apresentando as maiores taxas de crescimento urbano da região, conforme pode ser
verificado na Tabela 1.
Tabela 1 – Crescimento populacional médio nas áreas urbanas dos Estados da Região Sul de
1950 a 2000 (em %)
Estado 1950/1960 1960/1970 1970/1980 1980/1991 1991/2000
Paraná 151,37 88,57 78,59 38,57 25,55
Santa Catarina 91,70 79,35 72,73 48,93 31,27
Rio Grande do Sul 71,99 45,32 47,71 33,26 18,81
Fonte: Censos Demográficos de 1950 a 2000. Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Para Moura (2004), a inversão de proporcionalidade entre rural e urbano
ocorreu no Paraná sobretudo entre as décadas de 1970 e 1990, quando o índice de urbanização
passou de 36% para 78%, mantendo-se em alta até o final do século. Ainda segundo a autora,
esses números relacionam-se intrinsecamente com a reestruturação econômica e os
movimentos populacionais resultantes. Em 2000, 10 municípios paranaenses, dos 399 que
compunham a rede urbana estadual neste ano, apresentavam uma urbanização superior a 90%
e 83 municípios, ou 20,8%, superavam a média nacional de 81,4%. No ano de 2000, 7,7
milhões de habitantes residiam nas áreas urbanas do Estado, ao passo que 1,7 milhões viviam
no meio rural. Em 2002, segundo o IBGE, o Estado atingiu os 83,13% de urbanização.
Principalmente até o início da década de 1980, a urbanização brasileira se
caracterizava por uma progressiva concentração na Região Sudeste, especialmente em São
Paulo e, em menor medida, pelo relativo crescimento das regiões de fronteiras agrícolas
(CUNHA, 2003). Para Camarano; Beltrão (2000), a população brasileira continua ainda
bastante concentrada na Região Sudeste, especialmente nas grandes cidades, constituindo-se
em uma marca da organização territorial brasileira na atualidade. Desde a década de 1970
22
houve, contudo, uma relativa desconcentração da população nas metrópoles
6
, tanto devido à
queda da fecundidade, como à diminuição das migrações. Nesse contexto, quem tem
aumentado sua participação demográfica relativa são as cidades médio porte
7
não-
metropolitanas, porém as metrópoles, especialmente as do Sudeste, mantêm ainda uma
importância demográfica incontestável (CAMARANO; BELTRÃO, 2000; CUNHA, 2003;
BRITO, 2006).
De acordo com Cunha (2003), embora nas duas últimas décadas se possa
verificar uma relativa desconcentração populacional, não se pode pensar que a rede de cidades
no Brasil está próxima a uma situação de equilíbrio, na medida em que a população está se
concentrando em municípios de maior tamanho. Segundo o autor, entre os anos de 1970 e
2000, os municípios pequenos diminuíram sua participação demográfica relativa, enquanto os
municípios médios foram os que mais aumentaram sua participação relativa, conforme
apresentado na Tabela 2, a seguir. Em 1970, as cidades com mais de 100 mil habitantes já
concentravam mais da metade da população urbana, sendo aproximadamente um terço
naquelas cidades com mais de 500 mil habitantes. Dessa forma, a urbanização foi
acompanhada de um processo de concentração demográfica nas maiores cidades (BRITO,
2006).
Tabela 2 – Classificação dos municípios brasileiros de acordo com sua classe de tamanho
(1970-2000)
1970 1980 1991 2000 Classe de
tamanho dos
municípios
(mil habitantes)
Nº de
municípios
% na
pop.
total
Nº de
municípios
% na
pop.
total
Nº de
municípios
% na
pop.
total
Nº de
municípios
% na
pop.
total
< 20 2.875 28,1 2.758 21,3 3.095 19,6 4.022 19,8
Entre 20 e 50 828 26,4 859 22,1 930 19,2 958 16,9
Entre 50 e 100 158 11,0 236 13,1 281 13,1 303 12,4
Entre 100 e 500 80 15,5 120 19,1 160 21,7 193 23,3
Mais de 500 11 19,0 18 24,4 25 26,5 31 27,6
Total 3.952 100,0 3.991 100,0 4.491 100,0 5.507 100,0
Fonte: STAMM; WADI; STADUTO, (2005), com base nos Censos de 1970 a 2000.
6
De acordo com Braga; Carvalho (2004), atualmente o conceito de metrópole abriga várias configurações
espaciais bastante diferenciadas, mas a essência está ligada à primazia de uma cidade em relação a outras ou
um aglomerado urbano constituído de várias cidades que cresceram e se uniram por aglutinação.
7
O conceito de cidade média, segundo Braga; Carvalho (2004), é histórico e geograficamente relativo. Há
cinqüenta anos, quando o Brasil possuía uma população de cerca de 50 milhões de habitantes, da qual pouco
mais que um terço estava urbanizada, uma cidade com 20 mil habitantes poderia ser considerada uma cidade
média. Hoje, com a população mais que triplicada e superando a casa dos 80% de urbanização, esse limiar
aumentou. Estudos recentes sobre a urbanização brasileira identificam como 100 mil habitantes o limite
demográfico mínimo para a identificação de uma cidade média na maior parte do território nacional.
23
Considerando todos os municípios com mais de 100 mil habitantes no ano
de 2000, o que representa apenas 4% do total, verifica-se que eles concentravam mais de 50%
dos habitantes do país (CUNHA, 2000).
Segundo Stamm; Wadi; Staduto (2005), no período de 1970 a 2000, as
cidades de médio porte não metropolitanas aumentaram consideravelmente sua participação
relativa, de 10,29% para 17,31%. Na seqüência, As Figuras 1 e 2 ilustram as transformações
na configuração da rede urbana das cidades de porte médio no Brasil.
Fonte: STAMM; WADI; STADUTO (2005).
Figura 1 – Distribuição espacial das cidades brasileiras de porte médio em 1970
Conforme ilustra a Figura 2, as cidades de médio porte não metropolitanas
apresentaram um elevado índice de crescimento nas últimas décadas, contribuindo, em larga
escala, para uma maior dispersão da população no território nacional. Trata-se de um processo
complexo, associado não apenas à desconcentração industrial no país, mas também a diversos
fatores sociais e culturais que guiam os deslocamentos humanos em geral (MOTTA;
MUELLER; TORRES, 1997).
24
Fonte: STAMM; WADI; STADUTO (2005).
Figura 2 – Distribuição espacial das cidades brasileiras de porte médio em 2000
A urbanização da população brasileira apresentou uma clara tendência de
dispersão relativa ao longo do território, porém, para Cunha (2003), essa constatação de
desconcentração demográfica deve ser relativizada, primeiro porque está implicando o
surgimento de outras concentrações, ainda que menores e, segundo, porque essa redução
demográfica relativa das grandes cidades está ocorrendo, sobretudo, no seu entorno ou no
interior de seus próprios Estados. O Sudeste e o Sul, juntos, englobam 70% dos municípios
com população entre 100 e 500 mil habitantes (ANDRADE; SERRA, 2001).
Na perspectiva de Moura; Magalhães (1996), o Estado do Paraná foi a
unidade federativa que mais sofreu os impactos do processo de urbanização no cenário
nacional, dada a celeridade e a amplitude do fenômeno. Paralelamente, foi verificado um
acentuado crescimento da participação demográfica relativa das cidades de médio porte, como
o caso da cidade de Cascavel, cenário deste estudo. Em 1970 havia só cinco municípios nesta
classe de tamanho no Estado e, em 2000, havia 10.
O município de Cascavel insere-se de modo característico no amplo
processo de mudança estrutural da sociedade brasileira ocorrido nas últimas décadas.
25
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
1960 1970 1980 1991 2000
Habitante
s
População Urbana População Rural
Emancipado em 1952, no contexto do movimento conhecido como “marcha para o Oeste”
8
,
Cascavel vivenciou, nas últimas décadas, um processo de rápido crescimento demográfico e
de urbanização. Segundo o IBGE, no ano de 1960 a população total de Cascavel era de
39.598 habitantes. Em 1980 atingiu a casa dos 163.459 habitantes e, no ano de 2006, estima-
se que tenha alcançado os 284.083 habitantes. Foi na década de 1970 que a população urbana
superou a população rural e, desde então, a distância só se tem ampliado, como pode ser
verificado no Gráfico 3. No ano de 2000, a cidade de Cascavel atingiu um grau de
urbanização de 93,20%, acima da média estadual (83,13%) e nacional (84,14%).
Fonte: SEPLAN (2004).
Gráfico 3 - Composição da população da cidade de Cascavel (1960-2000)
Na década de 1960, Cascavel foi considerada a cidade que mais crescia no
Paraná e a quarta do Brasil (SPERANÇA, 1992). Entre as décadas de 1970 e 1980, o
município ultrapassou a casa dos 100.000 habitantes, tornando-se um município considerado
de médio porte, dentre os dez municípios desta classe de tamanho no Estado do Paraná, no
ano de 2000.
A cidade de Cascavel, considerada pólo regional do Oeste do Paraná, é
dotada de singularidades na construção de seu espaço urbano, cujas origens remontam ao
período de ocupação intensa da região Oeste do Paraná. Segundo Sperança (1992), Cascavel
foi a única cidade regional que nunca teve projeto de colonização, bem como as que dela se
desmembraram posteriormente. Sua ocupação intensa e seu crescimento rápido e incessante
ocorreram, em larga medida, de forma desordenada, decorrente de sua localização geográfica
8
Para uma descrição detalhada sobre a história do município de Cascavel/PR, ver SPERANÇA (1992) e PIAIA
(2004).
26
privilegiada (Figura 3), num entroncamento, local de passagem e de pouso de muitos
viajantes. Aliou-se a isso a possibilidade de exploração de suas riquezas naturais,
principalmente a madeira.
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Figura 3 – Localização da Cidade de Cascavel/PR
9
Desde sua formação, o município apresentou um crescimento rápido e
incessante, do ponto de vista demográfico, econômico, de serviços, etc. Crescimento,
contudo, não significa desenvolvimento. É importante tecer algumas considerações sobre
esses conceitos, que nortearão o desenvolvimento da pesquisa subseqüente.
2.2 Considerações sobre o processo de desenvolvimento urbano
Segundo Boisier (2006), o conceito de desenvolvimento encontra-se
atualmente em um momento de transição. Na antiga concepção, o desenvolvimento era
associado à idéia de crescimento econômico. Nesse caso, o desenvolvimento seria mensurado
a partir de conquistas materiais, estando associado, portanto, a algo objetivo e quantificável.
9
Na ausência de um mapa histórico, esta figura identifica a situação contemporânea de Cascavel. A confluência
atual das principais rodovias no município foi constituída a partir de rotas tradicionais.
27
A nova concepção o representa como um processo e estado intangível, subjetivo e
intersubjetivo que, ao contrário da antiga concepção, associa o desenvolvimento muito mais
às atitudes. Nessa linha de pensamento, o desenvolvimento depende diretamente da auto-
confiança coletiva na capacidade para inventar recursos, movimentar os que já existem e agir
de forma cooperativa e solidária, a partir do próprio território. Nesse sentido, o
desenvolvimento pode ser compreendido como
[...]
a obtenção de um contexto, meio, momentum, situação, âmbito, ou como se
prefira chamá-lo, que possibilite a potenciação do ser humano para que ele se
transforme em pessoa humana, na sua dupla dimensão biológica e espiritual, capaz
nesta última condição de conhecer e amar (BOISIER, 2006, p. 69).
De modo similar, Sen (2000) acredita que o desenvolvimento consiste na
eliminação das privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas
de exercer ponderadamente sua condição de agente. A liberdade individual deve ser
considerada como um compromisso social. A condição de agente de cada um é restrita e
limitada pelas oportunidades políticas, sociais e econômicas. As principais fontes de privação
de liberdade seriam: a pobreza e a tirania, a carência de oportunidades econômicas e a
destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência
excessiva de Estados repressivos. Por isso, o autor considera que a superação desses
problemas é parte central no processo de desenvolvimento.
Assim, a perspectiva de Sen (2000), tal como a de Boisier (2006), contrasta
com as visões de desenvolvimento associadas ao crescimento do Produto Nacional Bruto, ao
avanço tecnológico, ao das rendas pessoais ou à modernização social. Para o autor, o
desenvolvimento está mais associado ao processo de expansão das liberdades que as pessoas
desfrutam. Embora o PNB ou o crescimento das rendas sejam importantes para a expansão
das liberdades dos indivíduos, a expansão depende de outros determinantes, tais como
disposições sociais e econômicas (serviços de educação, saúde, etc.) e direitos civis (liberdade
de participar de discussões públicas, etc.). O processo de desenvolvimento integra
considerações econômicas, sociais e políticas. Embora não desvinculado do processo de
crescimento econômico e de acumulação do capital físico e humano, o alcance e abrangência
do desenvolvimento vão muito além dessas variáveis.
Nesta abordagem, a expansão da liberdade é o principal fim e o principal
meio do desenvolvimento. O autor enfatiza, particularmente, cinco tipos de liberdade:
liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência
e segurança protetora (SEN, 2000).
28
Souza (1996) acredita que o termo desenvolvimento implica um juízo de
valor, na medida em que estipula um objetivo ou um conjunto de objetivos, sejam econômicos
ou sociais. Assim, não haveria um estágio final, nem apenas um paradigma ou direção
possíveis. Para o autor está, porém, cada vez mais difundida a idéia, sobretudo no meio
acadêmico, de que crescimento econômico e progresso por si só não induzem ao
desenvolvimento, pois beneficiam geralmente apenas determinados grupos. Por isso, é preciso
que uma política de desenvolvimento esteja voltada para a satisfação das necessidades básicas
de toda população.
Do ponto de vista local, como propõe esta pesquisa, o desenvolvimento, de
acordo com Boisier (2006), é um processo de mudança socioestrutural, mapeado sobre um
território próximo, definido geograficamente pela própria escala do processo. Esse processo
se caracteriza pelo viés endógeno (autonomia, reinvestimento, inovação, identidade), pelo
papel dos recursos, especialmente os não materiais, pelos agentes e suas relações, tanto diretas
como mediadas, pela escala e funcionalidade das organizações, pela cultura local, cujo fruto é
uma sinergia que resulta no progresso sistemático do território (até atingir a condição de
sujeito coletivo), do tecido social (até atingir a condição de comunidade imaginada) e de cada
um dos seres humanos que o habita (até atingir a condição de pessoa). Desse modo, o
desenvolvimento local resulta da interação do território com sua vizinhança e da interação
interna do sistema.
Sob o aspecto urbano, enfoque analítico complementar desta pesquisa,
Souza (2003) afirma que, para muitos, uma cidade se desenvolve ao crescer, ao se expandir,
ao modernizar seu espaço e seu sistema de transportes e ao ter certas áreas embelezadas e
remodeladas. São, porém, geralmente desconsiderados os custos sociais e ambientais desses
progressos, geralmente seletivos do ponto de vista social e espacial.
Se considerados os interesses legítimos de toda a sociedade, sob um prisma
social amplo, Souza (2003) acredita que o desenvolvimento que importa é o socioespacial.
Aliado ao crescimento econômico e modernização tecnológica, é preciso reconhecer que o
sistema político, os valores e os padrões culturais e a organização espacial também
influenciam o nível de bem-estar e justiça social em uma sociedade. Souza (2003, p. 100),
portanto, defende o conceito de “desenvolvimento sócio-espacial”, convicto de que trata-se de
[...] um processo de mudança para melhor, um processo incessante de busca de
mais justiça social e melhor qualidade de vida para o maior número possível de
pessoas – e isso exige, tanto em matéria de análise de problemas quanto de
formulação de estratégias para a superação dos problemas, não somente a
29
consideração das várias dimensões que compõem as relações sociais, mas também
uma visão de como essas relações se concretizam no espaço.
Deste modo, um desenvolvimento urbano autêntico é, acima de tudo, um
desenvolvimento espacial na e da cidade, o que significa a ampliação da qualidade de vida
para um número crescente de pessoas e de cada vez mais justiça social (SOUZA, 2003).
Ferrera de Lima (2005) acredita que o elemento mais importante do
desenvolvimento é a integração entre as diversas sub-regiões que formam dado território. Para
o autor, essa integração deve transcender o viés econômico e envolver aspectos sociais e
culturais, que envolvem as disparidades na renda e na qualidade de vida ao longo do espaço.
No Brasil, com o advento da rápida urbanização, o rearranjo demográfico
muitas vezes ocorreu de forma mais acentuada do que a realocação dos recursos básicos para
garantir uma vida digna a amplas parcelas da população, favorecendo alguns grupos ou
regiões em detrimento de outras. Segundo Moura (2004), as áreas mais urbanizadas são as
que possuem os mais expressivos indicadores de atividades econômicas, mas também as que
ostentam indicadores sociais de grande desigualdade. Essa desigualdade inerente ao processo
de crescimento das regiões deve ser combatida para gerar maiores e melhores benefícios para
todos. Nesse sentido, analisar a urbanização e as implicações decorrentes desse processo,
dentre as quais o fenômeno da criminalidade urbana violenta, significa, direta ou
indiretamente, refletir acerca do processo de desenvolvimento econômico, social e político
brasileiro.
2.3 Expansão urbana e desenvolvimento desigual no Brasil
A sociedade brasileira caracteriza-se por um desenvolvimento desigual. Em
geral, este fato é típico de sociedades que iniciaram o processo de crescimento e de mudança
estrutural com desigualdades consideráveis na distribuição da renda, riqueza e oportunidades,
que não são significativamente atenuadas com o desenvolvimento econômico (MOTTA;
MUELLER; TORRES, 1997). Esse quadro fica ainda mais acentuado quando o crescimento
da economia resulta em acelerada urbanização de sua população, como o caso brasileiro,
principalmente nas últimas cinco décadas.
O processo de concentração populacional nos espaços urbanos não é
particularidade da sociedade brasileira, pois é um fenômeno que se generaliza pelo mundo,
30
trazendo consigo benefícios e avanços, mas também constrangimentos e precarizações,
afetando as pessoas, o ambiente e as respectivas estruturas de poder (MOURA, 2004).
Segundo Moura (2004), é preciso considerar não apenas o rearranjo
demográfico da população, a dinâmica de organização do espaço e gestão das cidades, que se
expandiram e se tornaram mais complexas, mas também as condições de vida dos citadinos.
Nesse movimento, os hábitos sofreram alterações, muitos vínculos relacionais se romperam e
laços de identidade se desfizeram, tanto de contingentes populacionais oriundos do meio rural
– caso da maioria - como daqueles que já habitavam o espaço urbano, na medida em que
vivenciaram uma mudança vertiginosa em seu entorno.
Foi necessário um enorme movimento de construção para assentar a
crescente população urbana, bem como para satisfazer suas necessidades de trabalho,
abastecimento, transporte, energia, água, etc. Embora o rumo tomado pelo desenvolvimento
urbano não tenha atendido satisfatoriamente a todas essas necessidades, o território foi
ocupado e foram criadas condições para habitar esses espaços. Apesar das condições nem
sempre satisfatórias, em 2000, cerca de 138 milhões de habitantes moravam em cidades
(MARICATO, 2000).
Para Maricato (2000), o crescimento urbano brasileiro sempre foi marcado
pela exclusão social, desde a emergência do trabalhador livre na sociedade brasileira, quando
as cidades passaram a ganhar nova dimensão e se iniciou o problema da habitação no cenário
nacional. Entre 1940 e 1980, segundo a autora, o Brasil apresentou um notável crescimento
econômico, porém sem redução da alta desigualdade social. Nas décadas de 1980 e 1990, com
o declínio econômico, a exclusão social foi aprofundada e a “cidade legal” passou a ser cada
vez mais um espaço da minoria.
Na perspectiva de Ferreira (2000), a situação social das cidades no final da
década de 1990 chegou a um estágio alarmante, pois o crescimento urbano desigual atingiu
um estágio de descontrole. Desse modo,
[...] cada vez mais faz-se necessária uma opção mais radical entre a manutenção de
um status-quo urbano, em que as estruturas das relações sociais, econômicas e
políticas chegaram a níveis intoleráveis, e a adoção de medidas que abalem
radicalmente esses estruturas no sentido da construção de uma cidadania baseada em
princípios de eqüidade social. No caso das cidades brasileiras, pode-se dizer que se
vive, hoje em dia, uma situação limítrofe entre a “cidade e a barbárie” (FERREIRA,
2000, p. 15).
Desde a formação da rede urbana brasileira já havia contradições nas
cidades, mas, após a intensa urbanização registrada sobretudo nos últimos 50 anos, muitas
31
contradições foram acirradas. Com isso, ampliou-se o número de redes de serviços e de
construções, foram criados novos loteamentos e os bairros mais antigos foram se
densificando. Emergiram também, neste cenário, construções verticais e a segregação
socioespacial, com áreas mais bem servidas e equipadas ao lado de favelas e de periferias
carentes. Esse processo foi rápido, intenso e resultou num sobrecarregamento das estruturas
urbanas existentes (MOURA, 2004).
A organização socioespacial urbana está cada vez mais se segmentando e
sendo constituída por fronteiras invisíveis, simbólicas e não oficiais, que delimitam, em
alguma medida, a mobilidade intra-urbana e, logo, as relações sociais entre os citadinos. Ao
mesmo tempo em que, no novo padrão de organização dos espaços, emergem condomínios
residenciais homogêneos, aumenta a heterogeneidade da paisagem urbana, que passa a se
constituir de diferentes segmentos sociais em uma mesma área. Há proximidade física, mas
distância social. O território municipal acabou se heterogeneizando econômica e socialmente,
uma vez que a territorialidade, nesse caso, é seletiva (GOMES, 2003).
O processo de exclusão e de segregação socioespacial de parcelas da
população associa-se ao contexto socioeconômico e histórico de cada cidade. O espaço é
ocupado, definido e redefinido de forma desigual. A hierarquia social torna-se o principal
fator de organização do espaço, o que significa que há uma associação bastante significativa
entre estrutura social e estrutura espacial (BARCELLOS et alii, 2002). Segundo Souza
(1995), a exclusão revela-se pela eliminação de pessoas do próprio processo de produção do
espaço e a segregação joga parcelas da população em lugares de risco, circunscritos e
violentos da cidade.
Nas cidades materializa-se o padrão de produção e consumo do atual estágio
de desenvolvimento. As cidades apresentam-se como locus privilegiado das oportunidades,
tais como da inovação, do trabalho, da riqueza, da cultura e da política, na medida em que o
grau de concentração populacional do espaço urbano favorece o acesso a bens e a serviços.
Entretanto, as cidades apresentam-se ao mesmo tempo como o espaço da carência e da
desigualdade no acesso às oportunidades (MOURA, 2004).
No espaço intra-urbano, os problemas que se apresentam são diversos:
pobreza, escassez de recursos financeiros, congestão do tráfego, assentamentos precários,
subemprego, degradação ambiental e carência de infra-estrutura e de serviços urbanos. A
atual distribuição espacial das cidades configura uma rede heterogênea que apresenta grandes
desafios à gestão urbana. Na última década, houve uma significativa periferização da
população das cidades de médio e grande porte, fato justificado, principalmente, pelas
32
dificuldades das famílias de baixa renda em ter acesso à terra urbana. A maior parte do
crescimento das grandes aglomerações urbanas está ocorrendo fora das regras do jogo do
planejamento (MOTTA; MUELLER; TORRES, 1997).
Na perspectiva de Rolnik (2004), se fosse para apontar apenas um elemento
para definir as cidades brasileiras histórica e regionalmente distintas, este seria a existência, e
a manutenção no tempo, de profundos contrastes entre condições urbanas radicalmente
distintas que convivem, muitas vezes conflitam, no interior de uma mesma cidade. As
desigualdades de oportunidades urbanas definem nossas cidades. Mais do que expressar
diferenças econômicas e sociais, esse contraste tem implicações profundas na forma e no
funcionamento das cidades, criando, nesse quadro, espaços de “não-cidade”, em oposição à
“cidade legal”.
A exclusão territorial característica das cidades brasileiras é mais que uma
imagem da desigualdade, é a condenação da cidade como um todo a um urbanismo de risco
10
.
Esse urbanismo é de risco para toda a cidade, na medida em que há uma concentração das
qualidades num espaço exíguo, de tal forma que elas não sejam partilhadas por todos. Assim,
os espaços mais bem equipados da cidade encontram-se constantemente ameaçados por
cobiças imobiliárias, congestionamentos e assaltos (ROLNIK, 2004).
Simultaneamente a uma alteração positiva em vários indicadores sociais do
Brasil, como mortalidade infantil, expectativa de vida, redução do crescimento demográfico e
aumento da escolaridade, o processo de urbanização nacional carrega consigo a reprodução de
novos e antigos males, tais como os crescentes índices de violência, de pobreza, de
depredação urbana e ambiental, de poluição, etc. (MARICATO, 2000).
A ausência de ação estatal nas periferias urbanas brasileiras foi uma forte
marca da urbanização vivenciada no país, gerando uma estrutura urbana precária, com
insuficientes equipamentos sociais (escolas, postos de saúde) e déficits de infra-estrutura e de
melhorias urbanas essenciais (como saneamento básico), fruto de uma ocupação desordenada
que comprometeu a qualidade de vida, a mobilidade e o acesso da população aos serviços e ao
mercado de trabalho (HUGUES, 2004).
De acordo com Moura (2004), considerando a dinâmica econômica e
populacional do Estado do Paraná, a urbanização no Estado materializa uma associação forte
do urbano não somente com a modernidade, mas com a pobreza. A cidade absorveu os
contingentes populacionais, porém não evitou os altos e crescentes níveis de segmentação
10
Para Rolnik (2004), urbanismo de risco é aquele marcado pela inseguridade, quer do terreno, quer da
construção, ou ainda da condição jurídica da posse de território.
33
social e espacial. Mesmo que cada vez mais as áreas consideradas nobres e as áreas
periféricas estejam cada vez mais próximas, a concentração da renda e o aumento da demanda
por habitação, engrossaram o processo segregador e excludente de ocupação do espaço
urbano. Assim, a dimensão do processo de expansão urbana paranaense traduz a quantidade
de vidas que foram transformadas, bem como de cidades construídas para abrigar novos
contingentes populacionais que se deslocaram, especialmente do meio rural, e a qualidade de
vida mínima exigida pelo espaço urbano e seu modo de vida.
Devido à acelerada expansão urbana e demográfica ocorridas também no
município de Cascavel, o poder público municipal, reconhecidamente, “perdeu o controle”
sobre o crescimento da cidade, que ocorreu, em larga medida, de forma desordenada. No
Perfil Municipal de Cascavel 2004, elaborado pela Secretaria de Planejamento (SEPLAN),
consta que
O crescimento desordenado do passado propiciou vários loteamentos em áreas
próximas a fundos de vale sem a infra-estrutura básica adequada. Estas distorções
acarretam em ocupações, hoje consideradas indevidas. A preocupação atual é com
estas áreas que estão ocupadas por classe de extrema pobreza e baixa renda,
irregulares ou de risco, sem a infra-estrutura necessária para o bem-estar de toda a
população. A periferia é também ocupada por classe de baixa renda com
construções de padrão baixo e médio (SEPLAN, 2004).
Associado a esse quadro de crescimento demográfico e de expansão urbana
acelerada, já mencionados anteriormente, está ocorrendo um processo de ampliação da
segregação socioespacial da parcela mais privilegiada da população em Cascavel, que pode
ser identificado pelo acréscimo no número de condomínios fechados de classes médias e altas.
De acordo com a SEPLAN, no ano de 2004 já havia nove residenciais fechados no perímetro
urbano, número que não pára de crescer. Trata-se de uma recente estratégia de defesa por
parte da população mais privilegiada economicamente, a partir dos crescentes índices de
criminalidade do município.
Apresenta-se, na seqüência, um panorama mais detalhado sobre o problema
da criminalidade no espaço urbano e o processo escalar de crescimento dos homicídios no
cenário nacional.
34
2.4 Espaço urbano e criminalidade violenta: o problema dos homicídios
A análise do espaço urbano, para Gomes (2005), requer imediata
consideração da questão da criminalidade, na medida em que o aumento desta se refletiu na
configuração espacial, transformando consideravelmente a paisagem urbana. O cenário que
vem se consolidando no Brasil e em Cascavel está marcado pela segregação: condomínios
fechados, muros altos e cercas elétricas. Assim, a criminalidade torna-se um elemento-chave
para a compreensão da crescente segmentação do espaço urbano e, logo, fragmentação das
redes de relações sociais entre os citadinos
11
.
De acordo com Maricato (2000), um dos indicadores mais expressivos da
piora nas condições de vida urbana é o aumento da criminalidade a patamares antes nunca
vividos no Brasil. Dadas as suas dimensões, trata-se de um fenômeno desconhecido
anteriormente a 1980 na sociedade brasileira, quando ganhou expressão significativa.
No Brasil, na perspectiva de Souza (2004), as condições de conquista de
uma maior autonomia individual e coletiva, pré-requisitos para um desenvolvimento
socioespacial autêntico, têm sido minadas pela violência, pelo crescente sentimento de
insegurança e por aquilo que é o vetor resultante disso tudo, que é a deterioração do clima
social no cotidiano, com a disseminação da desconfiança, do medo e de agressividade. As
grandes disparidades sociais e espaciais (concentração de renda, segregação e auto-
segregação) ajudam a formar o caldo de cultura da criminalidade urbana violenta, ainda que
não a expliquem de modo simples e linear.
A associação entre exclusão e criminalidade com o processo de urbanização
demonstra que esta gera a impessoalidade das relações urbanas, reduz os laços familiares e
diminui os mecanismos de controle social, que podem levar à prática de crimes. Alto índice
de criminalidade não é, porém, apenas típico de áreas de exclusão, mas estas são comumente
as atingidas com maior grau de severidade (FÉLIX, 2002).
A fragmentação do espaço urbano não é privilégio da época atual, porém
atualmente a criminalidade a tem acompanhado. No entender de Uriarte (2001), uma cidade
partida é representada por imagens coletivas ameaçadoras, falta constante de segurança,
sentimento coletivo de temor, sobressalto, desconfiança, intolerância e agressão, que tornam o
espaço urbano cada vez mais fragmentado e com mais violência. Para a autora, quanto mais
11
Não foi objetivo deste trabalho discutir todos os conceitos dos diferentes autores sobre as características do
espaço urbano brasileiro (exclusão social e territorial, segregação, fragmentação, estigmatização, etc.), porém,
vale dizer que todos eles, de alguma forma, se referem às disparidades sociais, econômicas e de oportunidades
que se cristalizam nas cidades.
35
partida, mais violenta será uma cidade. Nessa linha de pensamento, mais que a pobreza, é a
exclusão (falta de emprego, escola) e a estigmatização (uso de drogas, cor da pele) que criam
respostas violentas dos habitantes citadinos.
De acordo com Hugues (2004), o desenho urbano e os territórios estão
relacionados à criminalidade de um modo bastante direto, denotando a vinculação desses
eventos aos constrangimentos inerentes às situações de precariedade urbana e à exclusão
social, especialmente ao desalento causado por estas.
Gomes (2005) defende que o espaço urbano está se fragmentando em
inúmeros territórios com características próprias e excludentes da cidadania, favorecendo a
instalação da criminalidade e o enfraquecimento da sociedade. Para o autor, a criminalidade é
multiforme, crescente e penetra na estrutura social por meio das inúmeras oportunidades
existentes no espaço urbano, fracionado entre espaços ocupados de forma irregular (como
invasões) e espaços murados (condomínios fechados), formas que caracterizam territórios
separados e, ao mesmo tempo, pertencentes à mesma cidade. Ainda que estejam afastados,
compartilham certos espaços e, inclusive, os efeitos da violência. As transformações urbanas
recentes aprofundam o processo de segregação socioespacial, cujo quadro é agravado pela
violência.
A criminalidade violenta, especialmente os homicídios, é um fenômeno
considerado urbano no Brasil e “[...] um dos pontos altos da precariedade que caracteriza a
transição de um país predominantemente rural (como até cinqüenta anos atrás) para um país
urbano” (CARDIA; ADORNO, POLETO, 2003, p. 43-44). No item subseqüente, descortina-
se o movimento recente dos homicídios no panorama nacional.
2.4.1 A dinâmica recente dos homicídios
Ainda que o crescimento da criminalidade urbana seja matéria
controvertida, segundo Adorno (2002), os dados oficiais indicam que, desde os anos 1950, há
uma tendência mundial em curso para o crescimento de crimes e da violência social e
interpessoal. Para o autor, era de se esperar que o Brasil, assim como os demais países,
também estivesse inserido nesse movimento crescente de criminalidade, embora seja
fundamental considerar que no Brasil o fenômeno possui contornos específicos que reforçam
a tendência mundial.
36
Segundo Costa (1999), na década de 1970, as ocorrências violentas
(homicídios, chacinas, tráfico de drogas, etc.) multiplicaram-se assustadoramente no Brasil.
Na década seguinte, esse quadro foi agravado e, desde então, o problema da violência só tem
ganhado magnitude. A partir de 1989, por exemplo, os homicídios no Brasil passaram a ser a
segunda causa de óbito, caracterizando o fenômeno como um dos principais problemas da
atualidade (NERY et alii, 2005).
Cardia (1999) afirma que o crime violento, sobretudo o crescimento dos
homicídios, parece estar no cerne dos sentimentos de medo e de insegurança dos habitantes
do espaço urbano. Nesse sentido, alguns autores (ADORNO, 2002; LIMA, 2000) vêm
chamando atenção para a fragilidade do tecido social frente às tensões e aos confrontos que,
ao que parece, anos atrás não convergiam tão abruptamente para um desfecho fatal. Lima
(2000) indica que regiões de São Paulo vêm apresentando uma redução no número de
ocorrências de lesões corporais, porém com simultâneo aumento do número de crimes de
homicídios, o que parece confirmar a proposição anterior.
Especificamente no que se refere aos homicídios, objeto desta pesquisa, de
acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil liderou o ranking
mundial no ano de 2003. Foram 45 mil assassinatos por ano ou 1 a cada 12 minutos.
Totalizando cerca de 3% da população mundial, em 2003 o país foi o cenário de 13% do total
das mortes por homicídio no mundo (HUGHES, 2004).
Com base em Camargo et alii (1995), Adorno (2002) observa que, no
transcorrer da década de 1980, enquanto o número total de óbitos cresceu 20%, o número de
mortes por causas violentas cresceu 60%. De 1980 a 1998, a taxa de homicídios cresceu
209% no Brasil, e só nas doze regiões metropolitanas cresceu 262,8%.
As estatísticas indicam que, entre os anos de 1979 e 1997, a participação dos
homicídios no número total de mortes passou de 1,57% para 4,4%, o que significa que a cada
100 óbitos, quase 5 foram decorrentes de assassinatos. Além disso, cerca de 90% dos
homicídios são cometidos em áreas urbanas (POMPEU, 2000 apud LIMA, 2000).
De acordo com Cerqueira; Lobão; Carvalho (2005), ocorreram 794 mil
homicídios no Brasil nos últimos 25 anos, o que corresponde a um crescimento médio anual
de 5,6%, tendo o país atingido uma taxa de 28,5 homicídios para cada 100 mil habitantes,
conforme apresentado no Gráfico 4.
37
Fonte: SIM/Datasus. Elaboração: Ipea (CERQUEIRA; LOBÃO; CARVALHO, 2005).
Gráfico 4 – Número e taxa de homicídios por cem mil habitantes no Brasil (1980-2002)
Observa-se que em 1980 foram registrados 13.877 homicídios no território
nacional e, em 2002, 49.587. Em se tratando de taxas de homicídios, verifica-se que estas
aumentaram de 11,7 em 1980 para 28,5 por 100 mil habitantes em 2002.
Para se ter uma noção da dimensão desse fenômeno em nosso país é
importante comparar as taxas nacionais com as de outros países. De acordo com dados do
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR), para o ano de 2001
(apud GOMES, 2005), a taxa média de homicídios para países industrializados era de
5/100.000 habitantes. Os Estados Unidos, considerados o país mais violento do G7
12
,
apresentavam uma taxa de 9/100.000 habitantes, enquanto o Brasil, como mencionado acima,
apresentou uma taxa de 28,5/100.000 habitantes.
A partir das Figuras 4 e 5, verifica-se a distribuição espacial das taxas de
homicídio no Brasil nos anos de 1980 e 2003, com base no Sistema de Informações sobre
Mortalidade do Datasus. Percebe-se que, em 1980, raros eram os municípios com taxas de
homicídio por 100 habitantes superiores a 20.
12
O G7, grupo das nações mais industrializadas do mundo, em 2001 era composto pelos países: Alemanha,
EUA, França, Grã-Bretanha, Japão, Itália e Canadá. O objetivo do grupo é o de coordenar a política econômica
e monetária mundial.
38
Fonte: Cerqueira; Lobão; Carvalho (2005), elaborado com base no SIM/Datasus.
Figura 4 – Distribuição espacial das taxas de homicídio no Brasil em 1980
Já no ano de 2003 (Figura 5), nota-se claramente a elevação das taxas
médias de homicídios nos municípios que compõem o território nacional. Áreas com altas
taxas de assassinato se disseminaram pelo país, evidenciando a amplitude do problema em
questão.
Fonte: Cerqueira; Lobão; Carvalho (2005), elaborado com base no SIM/Datasus.
Figura 5 - Distribuição espacial das taxas de homicídio no Brasil em 2003
39
A partir dos altos índices de homicídio, nota-se que o Brasil passou a
integrar o grupo dos países mais violentos do mundo. Constata-se, a partir dos dados, que o
crescimento do número de assassinatos não foi apenas característico de regiões
metropolitanas, mas se propagou por quase todas as regiões do país, o que demarca o
processo endêmico de criminalidade que culmina em morte no Brasil (CERQUEIRA;
LOBÃO; CARVALHO, 2005).
Para Cerqueira; Lobão; Carvalho (2005, p. 1), o crescimento da violência
letal foi estatisticamente regular e espantoso. Nesse sentido, tal fenômeno não é considerado
como uma explosão súbita de criminalidade, mas sim
[...] uma tragédia anunciada, cujos incidentes evoluem com regularidade estatística
espantosa, em um verdadeiro processo endêmico, tendo em vista a sua generalização
espacial e temporal, bem como a presença de um conjunto de fatores estruturais e
locais que alimenta esta dinâmica criminal
13
.
Já Lima (2000) caracteriza a criminalidade violenta no Brasil como
epidêmica, pois sua disseminação, embora atinja boa parte do país, é bastante heterogênea.
Em 2003, os municípios com taxas maiores que 50/100.000 habitantes totalizavam 127.
Destes, 51 ou 40% localizam-se em regiões metropolitanas, sendo 44 (34,5% do total)
localizados no Sudeste brasileiro, o que demonstra o caráter ainda relativamente concentrado
do fenômeno (CERQUEIRA; LOBÃO; CARVALHO, 2005).
Segundo Lobão; Cerqueira (2003), nas décadas de 1980 e 1990, os Estados
de São Paulo e do Rio de Janeiro foram o cenário de quase metade das mortes por homicídio
no Brasil, enquanto o crescimento da taxa de assassinatos para o resto do Brasil foi de 64%,
nesses dois Estados foi de 230%.
Com base em dados sobre mortes violentas registrados no país pelo
Ministério da Saúde, a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) divulgou em 2007
um novo mapa dos assassinatos no país. O levantamento revela que 10% dos municípios
brasileiros, com grande participação dos municípios interioranos e distantes das regiões
metropolitanas, foram o cenário de 72% dos 48,3 mil assassinatos registrados no ano de 2004.
O ranking nacional organizado a partir desse estudo indica que, das dez cidades com as
maiores taxas médias de assassinatos entre 2002 e 2004
14
, apenas duas delas possuíam uma
13
Endemia refere-se a uma doença habitualmente comum entre pessoas de uma região, cuja incidência associa-
se a fatores locais. A hipercriminalidade brasileira seria um processo endêmico de criminalidade, na medida
em que ocorre com regularidade estatística e que pode ser explicada em grande parte por fatores
macroestruturais (CERQUEIRA; LOBÃO; CARVALHO, 2005).
14
Colniza-MT (taxa de 165,3/100.000), Juruena-MT (137,8/100.000), Coronel Sapucaia-MS (116,4/100.000),
Serra-ES (111,3/100.000), São José do Xingu-MT (109,6/100.000), Vila Boa-GO (107,0/100.000), Tailândia-
40
população superior a 100 mil habitantes (Serra-ES, com uma população de 322.518 habitantes
em 2000, e Macaé-RJ, com uma população residente de 132.461 pessoas).
A média nacional em 2004 foi de 27 homicídios por 100.000 habitantes. A
cidade de Colniza, no Mato Grosso, com apenas 12,4 mil habitantes em 2004, apresentou uma
taxa de 165,3 homicídios por 100.000 habitantes, ou seja, mais de seis vezes superior à média
nacional, que já é considerada elevada. Dentre as capitais, a primeira a aparecer na lista é
Recife, ocupando a 13ª posição (OEI, 2007).
De acordo com a OEI (2007), está em curso um processo de interiorização
dos assassinatos no Brasil. Os 556 (10% do total) municípios com as maiores taxas
concentram-se, sobretudo, no Centro-Oeste, sul do Pará e Pernambuco, o líder nacional. O
crescimento médio anual do número de homicídios nas grandes cidades entre 1994/1999 e
1999/2004 passou de 6,1% para 0,8%, enquanto no interior do país ocorreu o inverso: foi
registrado um crescimento de 4,9% para 5,3%.
Em termos estaduais, os números de homicídios no ano de 2004, segundo o
mesmo levantamento da OEI (2007), encontram-se expressos no Gráfico 5. O Estado do
Paraná ocupa a 5ª colocação neste ranking, com 2.813 homicídios, atrás de São Paulo
(11.216), Rio de Janeiro (7.391), Minas Gerais (4.241) e Pernambuco (4.173).
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
8000
9000
10000
11000
12000
A
C
AL
A
M
A
P
BA
CE
D
F
E
S
GO
MA
MG
M
S
M
T
PA
PB
PE
PI
PR
RJ
RN
RO
RR
RS
SC
SE
SP
TO
Homicídios
Fonte: Levantamento realizado pela Organização dos Estados Ibero-Americanos, 2007. Elaboração: RAMÃO,
Fernanda P.
Gráfico 5 – Número de homicídios nos Estados brasileiros em 2004
PA (104,9/100.000), Aripuanã-MT (98,2/100.000), Ilha de Itamaracá-PE (95,1/100.000) e Macaé-RJ
(94,5/100.000).
41
Os números absolutos de homicídios não constituem, contudo, a forma mais
indicada de se analisar a incidência da criminalidade, na medida em que não levam em
consideração sua relação com a densidade demográfica. Desse modo, visando complementar
o entendimento da distribuição espacial da criminalidade nos Estados brasileiros, é importante
considerar também esses crimes em suas taxas por cem mil habitantes, conforme ilustrado no
Gráfico 6.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
A
C
A
L
AM
AP
BA
CE
DF
ES
G
O
MA
MG
MS
M
T
PA
PB
PE
P
I
PR
RJ
RN
RO
RR
RS
SC
SE
SP
TO
Taxa de homicídios por 100.000 habitantes
Fonte: Levantamento realizado pela Organização dos Estados Ibero-Americanos, 2007. Elaboração: RAMÃO,
Fernanda P.
Gráfico 6 – Taxas de homicídios por cem mil habitantes nos Estados brasileiros em 2004
A partir das respectivas taxas por cem mil habitantes expressas no Gráfico
6, nota-se uma alteração no ranking dos Estados. O Paraná, que em números absolutos
ocupava a 5ª colocação, em taxas passou para a 11ª posição, com uma taxa de 27,69
assassinatos por 100.000 habitantes. Os cinco mais violentos Estados brasileiros foram,
respectivamente: Pernambuco, (50,03/100.000 habitantes), Rio de Janeiro (48,5/100.000
hab.), Espírito Santo (48,47/100.000 hab.), Rondônia (37,18/100.000 hab.) e Distrito Federal
(35,56/100.000 hab.).
No levantamento organizado pela OEI (2007), com base nos anos de 2002 a
2004, a cidade de Cascavel ocupou a 578ª posição, na lista dos 5.560 municípios brasileiros.
No cenário paranaense, no período de referência do estudo, dentre os 399 municípios que
compunham a rede urbana estadual, a cidade em análise ficou na 50ª posição, com uma taxa
média no período 2002-2004 de 29,1 homicídios por cem mil habitantes. A cidade
42
considerada a mais violenta do Estado é Foz do Iguaçu, tendo apresentado uma taxa média de
99,4 homicídios por 100.000 mil habitantes no período considerado.
Para perceber o movimento das taxas de homicídio no cenário nacional,
estadual e municipal de Cascavel, foram elaboradas séries temporais a partir do Sistema de
Informações sobre Mortalidade do Datasus, conforme ilustra o gráfico 7:
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
1
980
1981
1
9
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1984
1
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6
1
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1988
1
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1
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1992
1
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4
1995
1
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96
1
99
7
1
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1999
2
0
00
2
00
1
2
002
2003
2
0
04
2
00
5
2
006
Brasil Paraná Cascavel
Fonte: SIM/Datasus. Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Nota: Os dados da cidade de Cascavel para os anos 2005 e 2006 foram obtidos junto ao Instituto Médico Legal
de Cascavel/PR.
Gráfico 7 – Evolução das taxas de homicídio no Brasil, Paraná e Cascavel (1980-2006)
Constata-se, pelo gráfico 7, que as taxas de homicídio da cidade de Cascavel
são bastante expressivas quando comparadas às do Paraná e do Brasil. Na série temporal,
nota-se que as taxas do município estudado sempre estiveram acima da média estadual. Em
1980, a taxa cascavelense era de 15,29 e em 2006 foi de 38,72 por cem mil habitantes,
enquanto a paranaense era de 10,76 por cem mil habitantes em 1980 e em 2004 foi de 28,08.
Desde sua formação, Cascavel é caracterizada por altos índices de violência,
especialmente de delitos de grande teor ofensivo. No início de sua ocupação intensa, por volta
das décadas de 1950 e 1960, a cidade era muito temida devido às lutas pela posse das terras e
por interesses econômicos (SPERANÇA, 1992; PIAIA, 2004). Hoje a população de Cascavel
ainda considera a insegurança pública o maior problema a ser enfrentado pela administração
43
local, tendo sido apontada como área que deve ser alvo prioritário de ação pública por 22,76%
dos entrevistados, conforme pesquisa realizada pela Prefeitura do município no ano de 2004
15
.
É possível perceber a partir do Gráfico 8 que embora a partir de 1980 tenha
ocorrido uma escalada no número absoluto de assassinatos em Cascavel, as taxas médias
apresentaram variações menores, fato que se justifica pelo intenso incremento populacional
vivenciado pela cidade nas últimas décadas.
0
10
20
30
40
50
60
70
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1981
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1985
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1989
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1992
19
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3
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1996
19
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7
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1
9
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2000
20
0
1
20
02
2
0
03
2004
20
0
5
20
06
mero de homicídios Taxa por cem mil habitantes
Fonte: SIM/Datasus e Laudos de Necrópsia do Instituto Médico Legal de Cascavel, 2006. Elaboração:
RAMÃO, Fernanda P.
Gráfico 8 – Crescimento do número de homicídios e taxas por cem mil habitantes na cidade
de Cascavel/PR (1980-2006)
A análise temporal apresentada (Gráfico 8) evidencia as taxas e as
tendências gerais dos assassinatos em território cascavelense, porém, como esta pesquisa
centra sua análise no espaço urbano intra-municipal, foi fundamental verificar a distribuição
espacial deste tipo de crime em cada unidade administrativa municipal do perímetro urbano. É
consenso, na literatura específica sobre a temática, que os crimes não se distribuem de forma
homogênea e nem aleatória ao longo do tempo e do espaço.
O mapa a seguir apresenta a distribuição espacial das taxas médias de
homicídios por 100.000 habitantes na cidade de Cascavel, dividido em três intervalos
constituídos pelas 31 unidades administrativas que compõem o perímetro urbano municipal.
As informações foram obtidas junto aos Livros de Laudos de Necrópsia do Instituto Médico
15
Informações disponíveis no site: <www.cascavel.pr.gov.br/seplan>.
44
Legal de Cascavel referente ao período compreendido entre os anos 2000 e 2006,
evidenciando a heterogeneidade na incidência desse tipo de crime no espaço
16
.
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Figura 6 – Distribuição espacial das taxas de homicídio em Cascavel em três intervalos
Percebe-se que as áreas com incidência mais regular de homicídios foram as
representadas pela cor marrom no cartograma, com destaque para as unidades administrativas
do Norte, Leste e Sudoeste, localizadas nas regiões mais periféricas. De forma oposta, as
regiões em amarelo claro foram as com as menores taxas médias de homicídio, a maioria
localizada em áreas intermediárias entre o centro da cidade e as que delimitam o perímetro
urbano municipal.
Apesar das taxas médias de homicídio em Cascavel serem mais ou menos
constantes ao longo do tempo, os índices apresentados foram sempre altos e o que interessa
mais: caracterizam-se pela concentração espacial. A partir do exposto no presente capítulo,
uma questão se colocou: – Quais os elementos que influenciaram na complexa dinâmica de
incidência da criminalidade urbana violenta, sobretudo os homicídios na cidade de Cascavel?
16
Um estudo detalhado da distribuição espacial dos homicídios no perímetro urbano de Cascavel será
apresentado no Capítulo 4 deste trabalho.
45
Nas sociedades contemporâneas, a onda crescente de violência tornou-se um
dos maiores desafios. Para entender esse crescimento é preciso considerar que vivemos em
um sistema globalizado, mas também que o fenômeno possui particularidades e
fragmentações locais, que podem auxiliar em sua compreensão (COSTA, 1999).
Para tentar elucidar a problemática dessa pesquisa, ou seja, examinar e
compreender a distribuição espacial desigual dos homicídios no espaço intra-urbano de
Cascavel/PR, no capítulo que segue realiza-se uma revisão da literatura sobre criminalidade
violenta. As diretrizes dessa discussão teórica nortearam a posterior realização de um teste
empírico na cidade de Cascavel, visando identificar elementos capazes de contribuir para a
compreensão do fenômeno ora analisado.
46
3 CRIMINALIDADE VIOLENTA: REFLEXÕES SOBRE OS HOMICÍDIOS NO
ESPAÇO URBANO
Este capítulo apresenta uma revisão da literatura especializada recente sobre
a temática da violência e da criminalidade, que norteia o desenvolvimento da pesquisa
empírica apresentada no capítulo seguinte. Inicialmente, tecem-se considerações conceituais
sobre violência e crime, para, em seguida, caracterizar a criminalidade violenta, especialmente
os homicídios. Seguem-se propostas de sistematizações deste campo de estudo e algumas
considerações sobre o estado atual da temática nas humanidades. Na seqüência apresentam-se
algumas explicações propostas por especialistas acerca das possíveis causas do processo
escalar de violência no Brasil, sobretudo desde a década de 1960. Logo após, mostram-se
alguns estudos que tratam da distribuição espacial da criminalidade que culmina em desfechos
fatais, objeto desta análise, destacando as conclusões a que os autores chegaram, bem como as
convergências e divergências entre os resultados. Por fim, apresenta-se as especificidades da
abordagem espacial do crime urbano.
3.1 Violência e criminalidade urbana violenta: introduzindo a discussão
O termo violência é derivado do latim violentia, que remete à vis e
corresponde ao emprego da força física ou aos recursos do corpo para exercer sua força vital.
Quando esta força ultrapassa os limites e regras que ordenam as relações sociais/pessoais e
adquirirem uma carga negativa, a ação torna-se violência. “É, portanto, a percepção do limite
e da perturbação (e do sofrimento que provoca) que vai caracterizar um ato como violento,
percepção esta que varia cultural e historicamente (ZALUAR, 1999, p. 8).
Em todas as definições de violência presentes no debate acadêmico, destaca-
se “[...] o pouco espaço existente para o aparecimento do sujeito da argumentação, da
negociação ou da demanda, enclausurado que fica na exibição da força física pelo seu
oponente ou esmagado pela arbitrariedade dos poderosos que se negam ao diálogo”
(ZALUAR, 1999, p. 13-14).
A violência apresenta múltiplos níveis de significação e também não se
reduz à esfera das violações penais. Para Adorno (2002), quando a violência é codificada nas
leis penais, então é que se tem um crime, sendo este um conceito jurídico. Entretanto, para o
47
autor, “[...] nem todo fenômeno socialmente percebido como violento é categorizado como
um crime. Do mesmo modo, há modalidades de violência que, embora codificadas como
crime, não encontram adequado enquadramento na legislação penal correspondente”
(ADORNO, 2002, p. 88).
Santos (1999, p. 19) entende que a violência é resultado de diversos fatores
sociais que atuam “[...] sobre os indivíduos e que a forma de resposta individual não depende
apenas de atributos individuais, mas de características socioeconômicas, demográficas e
culturais dos grupos sociais aos quais os indivíduos pertencem”. Assim, a violência decorre
de complexas relações entre atributos individuais e do contexto social onde ocorre. Propor-se
a estudar o fenômeno não é tarefa fácil. É preciso reconhecer a dificuldade e o inevitável
recorte conceitual que é necessário fazer para proceder a uma abordagem sistematizada do
tema.
A violência é um fenômeno universal, que não conhece fronteiras de etnia,
de geração, de gênero ou de classe social. Tenha sido ela perpetrada pelo Estado ou por seus
agentes, por grupos dominantes ou por indivíduos comuns, sempre deixou marcas sociais
profundas (COSTA, 1999). Contudo, tanto na realidade histórica quanto na representação
coletiva e como objeto de análise e de reflexão para as humanidades, a violência
contemporânea parece modelar um novo paradigma, idéia que é comportada tanto pelo exame
das mudanças que remetem aos significados, às percepções e aos modos de abordagem da
violência (WIEVIORKA, 1997).
Para Wieviorka (1997), há certamente uma relação entre mudanças sociais e
violência, porém não de forma automática e imediata, mas mediatizada. A violência não é
resultado direto da crise ou da mobilidade social descendente, mas corresponde, sobretudo, a
sentimentos fortes de injustiça e de não-reconhecimento, de discriminação cultural e racial. O
desemprego e a pobreza, mesmo quando implicam uma queda social brusca, não geram
imediatamente violências sociais, mas principalmente alimentam frustrações.
Embora ocorra em intensidades diferentes no mundo, a violência não é
particularidade do Brasil, nem de países em desenvolvimento e marcados por estruturas
sociais e econômicas injustas. Tal fenômeno faz-se presente também em nações consideradas
desenvolvidas. O crescimento da criminalidade violenta nas grandes nações européias e
americanas alarma a população, sobretudo pelo fato de essas ações serem praticadas não
apenas por pobres e excluídos. Dessa forma, a violência, especialmente nas últimas décadas,
estaria se apresentando de forma diferente. Ela teria sido renovada em suas manifestações
(COSTA, 1999).
48
Acredita-se que a violência tenha se renovado nos significados de suas
expressões mais concretas, especialmente desde o fim da década de 1960. Entende-se que a
violência não é apenas um conjunto de práticas, é também uma representação. Assim, a
violência mudou não apenas no que o fenômeno apresenta de mais concreto e objetivo, mas
nas percepções que sobre ele circulam e nas representações que o descrevem (WIEVIORKA,
1997).
Assumindo contornos específicos ao longo da temporalidade histórica e do
lugar, a violência sempre fez parte da história das coletividades humanas. Atualmente a
criminalidade urbana violenta ocupa lugar de destaque no cenário nacional e mundial.
Violência e criminalidade são conceitos que não podem ser generalizados.
Não há crime no singular, mas uma vasta gama de práticas criminosas, relacionadas a
dinâmicas sociais diversas (SOARES, 2006). Coelho (2005) observa que os crimes possuem
etiologia diversa e incidência variável segundo as áreas. O universo da criminalidade é
bastante heterogêneo, não sendo possível identificar apenas uma tipologia, nem uma causa.
Cada tipo de crime possui especificidades.
De modo geral, a noção de crime em uma sociedade denota uma ação
proibida, cujo agente deve sofrer as sanções institucionais, porém a variedade dessas ações
pode ser imensa (MISSE, 1997). O conceito de crime apresenta um relativismo espaço-
temporal, na medida em que as normas e os comportamentos sociais mudam ao longo do
tempo (BRUIT; ABRAHÃO, 2001).
Na perspectiva de Durkheim (1995), o crime é considerado um ato ofensivo
à sociedade que é repudiado por ferir padrões de comportamento coletivamente aceitos.
Durkheim tratou o crime como um fenômeno social “normal” e necessário, sendo impossível
visualizar uma sociedade onde ele seja ausente. Desse modo, o crime faz parte da natureza
humana porque sempre se fez presente ao longo da história, nas diferentes classes sociais. A
criminalidade pode mudar seus contornos e não ser a mesma em toda parte, podendo variar de
forma e de intensidade, porém sempre haverá atos que agridam sentimentos coletivos e que
serão qualificados como crime, ou seja, como um desvio em relação às normas sociais.
A criminalidade é tida como qualquer ato caracterizado pela vontade, pelo
dolo, que suscita a reação organizada da sociedade (GOMES, 2005). Especificamente no caso
da criminalidade violenta, Cardia; Adorno; Poleto (2003, p. 64) salientam que, do ponto de
vista sociológico, distinguem-se os crimes violentos dos não violentos: “Os violentos
compreendem ações que ameaçam a vida ou a integridade física de quem quer que seja”.
Trata-se de crimes de maior gravidade, praticados mediante o emprego de meio destinado a
49
constranger a vítima, tais como as armas de fogo e as armas brancas. Dentre estes, encontram-
se tipificados os homicídios voluntários, roubos, roubos seguidos de morte (latrocínio),
extorsão mediante seqüestro e estupro. Dentre esses, os homicídios ocupam lugar de destaque,
visto o alto crescimento de suas taxas, sobretudo nas últimas décadas.
Proveniente do latim homicidium (morte violenta), a designação da palavra
homicídio no sentido penal exprime a destruição da vida de um ente humano, provocada por
ato voluntário (ação ou omissão) de outro ser humano. A constituição do homicídio como
crime depende de três fatores elementares: a preexistência de vida humana; o ato voluntário
do agente, causa eficiente da morte ou da destruição provocada, seja esta conseqüente de ação
ou de omissão; e a intenção humana determinada no agente para produzir a destruição, isto é,
o animus necandi (ânimo de dar a morte) (PLÁCIDO; SILVA, 2000).
O homicídio pode ser classificado como doloso ou culposo. É culposo
quando não houve a intenção de matar, como no caso de um acidente. O homicídio doloso,
por sua vez, é aquele caracterizado pelo dolo ou intenção de matar, também denominado
como assassinato.
A supressão física de um indivíduo por outro – o rompimento máximo das
relações de sociabilidade – é a ação humana mais constantemente criminalizada nas diferentes
sociedades e ao longo de toda temporalidade histórica. Segundo Fausto (1985, p. 92): “o
alcance da definição, a maior ou menor reprovação social do ato, de acordo com as
circunstâncias ou contra quem se dirija, podem variar, porém a regra básica é a da cominação
de pena a quem suprime uma vida”. O fenômeno da criminalidade é global, porém acorre com
diferentes magnitudes, formas e motivações (GOMES, 2005).
3.2 Violência e criminalidade no Brasil: o estado atual da temática no campo sociológico
Segundo Zaluar (1999), o debate sobre violência e criminalidade no Brasil
associa-se aos rumos da história política recente do país. O tema tornou-se um dos mais
candentes problemas urbanos no período, como indicaram diversas pesquisas de opinião.
Embora as preocupações com o crescimento da criminalidade violenta
datem do século XIX (ADORNO, 1993), foi durante a década de 1970 que surgiram as
primeiras pesquisas de cunho sociológico sobre a temática, embora houvesse uma produção
pequena e esparsa nas décadas antecedentes. A produção científica foi crescente durante os
50
anos 1980, década de sua institucionalização, mas apenas se consolidou na década de 1990
(KANT DE LIMA; MISSE; MIRANDA, 2000).
Para Zaluar (1999), foi, contudo, no final da década de 1980 que o problema
se tornou nacional e social, devido à escalada nas taxas de violência e de criminalidade,
período no qual as pesquisas sociológicas romperam com a supremacia que juristas e
psiquiatras até então tinham sobre o assunto no Brasil. Foi nesta década que o aumento da
violência e da criminalidade desencadeou uma significativa comoção pública e ganhou o
destaque da mídia no Brasil e entrou na pauta das grandes preocupações do governo federal.
O debate sobre o tema da violência e da criminalidade nunca foi bem
organizado e fundamentado teoricamente. Nos últimos 25 anos delinearam-se diversos
campos temáticos, cada qual com suas próprias questões metodológicas, teóricas e
ideológicas. Zaluar (1999) comenta que falar em temas ou abordagens é menos complicado
do que falar em teorias, na medida em que estas muitas vezes se sobrepõem, inclusive em
termos de precursores. Segundo Bruit; Abrahão (2001), sob o prisma das teorias, não há uma
explicação medianamente aceita e satisfatória entre os que estudam o tema. A bibliografia é
vasta, complexa e contraditória. Há que se considerar ainda, de acordo com Cano; Santos
(2001), que as teorias são para o entendimento sobre quem comete o crime, mas os dados
geralmente se referem às vitimas, uma vez que as informações sobre os criminosos são mais
escassas e também há vários outros elementos explicativos além da estrutura socioeconômica
para o comportamento das taxas de homicídio que não são contemplados nas teorias. Neste
trabalho, optou-se pela mesma perspectiva de Zaluar (1999), isto é, a de analisar abordagens
sobre o crime e não teorias.
Adorno (1993) propôs uma sistematização acerca dos diferentes enfoques
teóricos dos estudos brasileiros que abarcam os temas da violência e da criminalidade. Dentre
as quatro abordagens apontadas pelo autor, existem os estudos que analisam o movimento da
criminalidade; os que descrevem e problematizam o senso comum a respeito do perfil social
dos autores de delitos; os que examinam a organização social do crime sob a perspectiva do
delinqüente; e os que analisam as políticas públicas penais.
Já na perspectiva de Zaluar (1999), o campo de estudos pode ser
classificado em cinco áreas: uma sobre a reflexão do que é violência e seus múltiplos planos e
significados; uma sobre as imagens e/ou representações sociais do crime e da violência e o
medo da população; outra que conta as vítimas e os crimes (em números e sentidos); uma área
que procura explicações para o aumento da violência e da criminalidade; e uma última que
aborda o problema social da criminalidade como tema de política pública.
51
Em artigo mais recente, Kant de Lima; Misse; Miranda (2000) afirmam que,
após cerca de 20 anos de produção acadêmica relativamente regular sobre o tema, é possível
propor uma sistematização de suas áreas temáticas dentro das Ciências Sociais: a discussão
sobre delinqüência e criminalidade violenta; sobre a polícia e o Sistema de Justiça Criminal;
sobre a temática das políticas públicas de segurança e, por fim, a temática da violência urbana
(imagens, práticas e discursos).
No item subseqüente, apresenta-se uma discussão sobre as possíveis causas
do processo escalar de violência no Brasil, postuladas na literatura de referência.
3.3 O crescimento dos homicídios no Brasil
Os homicídios no Brasil são cada vez mais freqüentes, principalmente nos
centros urbanos, evidenciando um alto grau de tensão social. Diante desse quadro, nas últimas
décadas muitos estudos vêm sendo realizados sobre o tema. Embora muito se tenha avançado
na caracterização do fenômeno nos últimos anos, Adorno (2002) chama atenção para a falta
de consenso entre os cientistas sociais quanto às causas desse crescimento. De modo geral, o
autor agrupou os esforços de explicação do fenômeno em três direções:
a) mudanças na sociedade e nos padrões convencionais de delinqüência e
violência;
b) crise no Sistema de Justiça Criminal;
c) desigualdade social e segregação urbana.
No primeiro caso, o autor argumenta que os últimos 50 anos foram
marcados por intensas transformações, jamais experimentadas anteriormente, tais como
[...] novas formas de acumulação de capital e de concentração industrial e
tecnológica; mutações substantivas nos processos de produção, nos processos de
trabalho, nas formas de recrutamento, alocação, distribuição e utilização da força de
trabalho com repercussões consideráveis nos padrões tradicionais de associação e
representação sindicais; transbordamento das fronteiras do Estado-nação,
promovendo acentuadas mutações nas relações dos indivíduos entre si, dos
indivíduos com o Estado e entre diferentes Estados, o que repercute na natureza dos
conflitos sociais e políticos e nas modalidades de sua resolução (ADORNO, 2002, p.
101).
Essas mudanças teriam repercutido na esfera da violência, do crime e dos
direitos humanos. Nos padrões tradicionais de delinqüência no Brasil e no mundo antes
52
predominavam ações individuais, em torno de crimes contra o patrimônio, cuja ação se
limitava ao âmbito local. Ocorre, contudo, que cada vez mais o crime tem se organizado
empresarialmente, com bases transnacionais e conectando diferentes formas de criminalidade.
O tráfico internacional de drogas seria uma de suas modalidades mais significativas
(ADORNO, 2002).
No segundo caso, a criminalidade cresceu e mudou de perfil, mas o Sistema
de Justiça Criminal permaneceu inalterado nos últimos 30 ou 40 anos. Na década de 1980, o
problema se alterou em decorrência dos problemas de reforma e de controle institucional
propostos pela transição política e pela consolidação do regime democrático. Essa crise do
Sistema de Justiça Criminal acabou resultando em impunidade penal e em descrença nas
instituições promotoras de justiça no Brasil (ADORNO, 2002).
No que se refere à desigualdade social e à segregação urbana, Adorno
(2002) comenta que o debate sobre violência e crime é recente no Brasil, tendo se iniciado há
cerca de três décadas, quando o fenômeno começou a ganhar maior visibilidade. Na década de
1970, a persistência da violência institucional, como forma rotineira e organizada de conter os
crimes, levou à crença de que a criminalidade teria raízes estruturais, devido ao modo de
organização societário. Em decorrência deste fato, passou-se a associar pobreza e
criminalidade. Os criminosos passaram a ser, assim, representados socialmente como vítimas
potenciais de um modelo fundado na injustiça social.
A partir deste discurso, ainda na perspectiva do autor, não tardou para que
forças conservadoras se contrapusessem a esse argumento. Nesta linha, defendia-se que,
mesmo que a sociedade atingisse um patamar de maior justiça social, os crimes cresceriam da
mesma forma, pois a violência estava mais associada à falência de políticas retributivas
(calcadas na repressão do crime e na rigorosa aplicação das leis penais) do que na falência de
políticas distributivas. Esse debate levou a uma revisão dos argumentos de muitos
pesquisadores e essa tese, que associava pobreza e delinqüência, já foi bastante combatida,
pois, embora muitos delinqüentes sejam trabalhadores urbanos de baixa renda, a maior parte
destes não envereda pelo mundo do crime. Assim, o que acontecia era a criminalização dos
pobres. O debate é, porém, polêmico e ainda não foi concluído
17
(ADORNO, 2002).
17
Zaluar (1994; 1999), Coelho (2005) e Beato (1998) são exemplos de autores que contestam a relação entre
pobreza e criminalidade. Por outro lado, Santos (1999), Silva (2000) e Rodrigues (2006), são alguns dos
autores que indicam haver maior incidência de crimes contra a vida em áreas com condições socioeconômicas
inferiores. Porém, Cano; Santos (2001) indicam que problemas metodológicos impedem a verificação precisa
e clara sobre a relação renda e taxa de homicídio, controvérsia que retroalimenta o debate.
53
O debate sobre as raízes estruturais da violência e da criminalidade, para
Cano; Santos (2001), esteve freqüentemente centrado nas influências que a pobreza poderia
ter ou não sobre a criminalidade e em que medida seria essa associação. Existe uma grande
controvérsia em torno dessa questão no Brasil e no mundo. Os autores acreditam que essa
controvérsia justifica-se por dois fatores, sendo o primeiro os resultados contraditórios obtidos
de acordo com o estudo de diferentes populações e/ou escalas, e o segundo é a falta de
especificidade dos modelos teóricos para relacionar a renda e os homicídios.
De acordo com Adorno (2002), na sociedade brasileira não se pode,
contudo, deixar de reconhecer uma associação entre a manutenção da concentração de
riqueza, da precariedade do nível de qualidade de vida coletiva nos bairros periféricos nas
cidades de maior porte e o alto crescimento da violência que resulta em morte. Referindo-se
às capitais, o autor afirma que bairros dotados de melhor infra-estrutura urbana, com oferta de
postos de trabalho e de serviços de lazer e de cultura, apresentam menores índices de
homicídios. Esse fato indica haver uma maior predisposição contextual para desfechos fatais
em bairros periféricos onde residem populações de baixa renda.
De modo similar, Santos (1999) afirma que, embora não seja possível
realizar uma transposição mecânica do aprofundamento das desigualdades para a
intensificação da criminalidade e do clima de conflito e desintegração social, na qual vivem
atualmente os centros urbanos de maior porte, não há como negar a sinergia entre eles.
Cerqueira; Lobão; Carvalho (2005) acreditam que a generalização espacial e
temporal da criminalidade, características de uma endemia, apresenta uma dinâmica
alimentada por um conjunto de fatores estruturais e locais. Os autores acreditam que, no
Brasil, a criminalidade urbana evoluiu em um processo de intensas transformações
demográficas e sociais ao longo dos últimos 30 anos, que contribuíram na difusão do
processo. Associada a essas vulnerabilidades e desigualdades socioeconômicas tem-se a
falência do Sistema de Justiça Criminal, fonte primária da impunidade. Esses condicionantes
estruturais teriam favorecido o crescimento do crime organizado e desorganizado:
Espaços urbanos altamente complexos; grande contingente de jovens sem
supervisão e orientação, incluídos (pela mídia de massas) na cultura do consumo,
mas excluídos dos meios econômicos para sua realização; grande difusão e
descontrole do acesso a elementos altamente criminogênicos como armas, drogas e
bebidas alcoólicas; e perspectiva de impunidade, ditada pela falência do Sistema de
Justiça Criminal (CERQUEIRA; LOBÃO; CARVALHO, 2005, p. 1).
54
Os autores identificaram cinco elementos explicativos para a situação atual,
que eles identificam de hipercriminalidade no país:
a) Crescimento da população urbana no país que passou de 52 milhões em 1970
para 138 milhões em 2000, ocasionando inúmeras demandas características
da vida urbana nos grandes centros (políticas habitacionais, educacionais,
laborais e nas áreas de saúde, e de segurança pública), que não puderam ser
adequadamente supridas pelo Estado;
b) A exclusão conjugada à desigualdade econômica, pois considera-se que não
há como amenizar a criminalidade sem que sejam superadas as
desigualdades socioeconômicas, sobretudo as referentes à renda e ao
adensamento populacional, que potencializam desajustes sociais;
c) A proliferação e o uso indiscriminado das armas de fogo pela população,
fatores que aumentam a taxa de letalidade e que potencializam o medo de
toda população;
d) Falência virtual do Sistema de Justiça Criminal;
e) Ausência histórica de uma Política de Segurança Pública consistente, proativa,
preventiva, baseada nas comunidades, em que a polícia moderna fosse
apenas um dos pilares, e cujo planejamento fosse balizado a partir de
informações estatísticas minimamente confiáveis.
Na perspectiva de Caldeira (2000), o aumento da violência possui
associação com o colapso das agências encarregadas de garantir a ordem (Polícia e Judiciário)
e das tentativas de consolidar um Estado de Direito, além da difusão de estratégias extralegais
e privadas de enfrentamento do crime, seja por parte do Estado ou de civis. Portanto,
[...] o aumento da violência é resultado de um ciclo complexo que envolve fatores
como o padrão violento de ação da polícia; descrença no sistema judiciário como
mediador público e legítimo de conflitos e provedor de justa reparação; respostas
violentas e privadas ao crime; resistência à democratização; e a débil percepção de
direitos individuais e o apoio a formas violentas de punição por parte da população
(CALDEIRA, 2000, p. 101).
Caldeira (2000) indica três explicações para a criminalidade que comumente
se fazem presentes na produção sociológica. Na primeira explicação, o crime é associado à
urbanização, à migração, além de pobreza, industrialização e analfabetismo. Na segunda, ele
55
depende do desempenho e das características das instituições responsáveis pela manutenção
da ordem. Na terceira, o crime seria explicado por aspectos psicológicos individuais dos
infratores. De acordo com a autora, para se entender o aumento da violência é preciso
considerar não apenas variáveis socioeconômicas, de urbanização ou gastos públicos em
segurança, mas também que há uma série de fatores socioculturais que acabam
deslegitimando o sistema de justiça em seu papel de mediador de conflitos, além da crescente
privatização dos processos de vingança. Essas tendências só fazem a violência proliferar.
Adorno (2002) argumenta que, embora tenham ocorrido importantes
avanços econômicos, o hiato entre os direitos civis, sociais e econômicos se manteve. Com o
processo de transição democrática ampliaram-se os direitos políticos, porém isso não gerou
maior justiça social. Desse modo, “O aprofundamento das desigualdades sociais persiste
sendo um dos grandes desafios à preservação e respeito dos direitos humanos para a grande
maioria da população” (ADORNO, 2002, p. 113). Apesar de o nível de desigualdade e de
concentração ter permanecido relativamente estável nas últimas duas ou três décadas, o autor
defende que a desigualdade social nunca foi tão vívida e experimentada como atualmente. Os
padrões de consumo se ampliaram, inclusive para os segmentos mais pauperizados, mas as
restrições de direitos e de acesso às instituições promotoras de bem-estar e cidadania
permanecem.
Silva (2006) afirma que os homicídios são causados por fatores individuais
e estruturais, que se encontram intimamente relacionados. Os fatores individuais referem-se
aos perfis sociobiográficos de vítimas e acusados, enquanto os fatores estruturais denotam o
contexto sociodemográfico e territorial, características urbanas e sociais nas quais os
indivíduos estão inseridos.
Para Bruit; Abrahão (2001), há dificuldades para a caracterização do crime
como produto puramente das relações sociais ou econômicas ou apenas dos caracteres
biológicos e/ou psicológicos. Apesar das dificuldades teóricas que cercam o tema, os autores
afirmam que não restam dúvidas de que o ato criminoso tem associação com a desorganização
social. Assim, o crime seria decorrente de ações individuais combinadas com fatores
socioculturais e econômicos.
A violência letal, para Cardia; Adorno; Poleto (2003), não está espraiada por
todo o país, mas concentra-se especialmente nas áreas metropolitanas, porém não
exclusivamente. A combinação entre múltiplas carências econômico-sociais soma-se a graves
violações dos direitos humanos, criando um contexto propício para que a violência prospere.
Nessas áreas, os governos municipais e estaduais pouco têm feito para prover seus moradores
56
de meios adequados à existência digna. Os autores acreditam que, no Brasil, o crescimento da
violência nas áreas urbanas não possa ser compreendido adequadamente se o abismo que
caracteriza o acesso aos direitos econômicos e sociais, para amplas parcelas da população, não
for considerado.
Registros de homicídios revelam que os cenários mais recorrentes são os
bairros que compõem a periferia urbana, onde as condições sociais de existência coletiva são
precárias e a qualidade de vida encontra-se degradada. Nesse sentido, Adorno (2002, p. 124-
126) questiona:
[...] é possível falar em direitos humanos numa sociedade na qual vigem extremas
desigualdades sociais? Vale dizer, como não falar em violência se sequer os direitos
sociais fundamentais – o direito ao trabalho, à educação, à saúde, ou seja, aqueles
direitos que recobrem a dignidade da pessoa humana – não estão universalizados,
isto é, assegurados para todos os cidadãos?
Inseridos no contexto dessa discussão mais ampla sobre as possíveis causas
do processo de crescimento da violência criminal registrado no Brasil nas últimas décadas,
apresenta-se na seção seguinte estudos de autores que problematizaram o tema da distribuição
do crime urbano violento, enfatizando sua dimensão espacial, tal como se propõe esta
dissertação.
3.4 A distribuição espacial da criminalidade violenta e dos homicídios
Discute-se a seguir estudos que abordam o tema da criminalidade violenta,
com destaque para os homicídios, especialmente considerando a dimensão espacial deste
fenômeno. Apesar das diferentes abordagens e métodos utilizados, a proposição empírica
encontra-se na base de todas as análises, assim como nesta dissertação.
Visando explorar algumas implicações da abordagem espacial da
criminalidade também em Minas Gerais, Beato (1998) analisou as características
socioeconômicas dos 756 municípios mineiros, no ano de 1991, associadas aos dados de
criminalidade violenta (homicídio tentado ou consumado, estupro, roubo e roubo à mão
armada) em cada unidade de análise. O autor buscou responder a pergunta: – Quais foram as
características estruturais dos municípios que propiciaram a ocorrência de diferentes tipos de
delitos? As regiões do Estado pouco desenvolvidas apresentaram altas taxas de homicídio
“em virtude de preferências determinadas por valores oriundos de códigos tradicionais de
57
honra e da valorização da mediação violenta de conflitos entre membros de um mesmo grupo,
bem com da pequena possibilidade de punição” (BEATO, 1998, p. 8). O crime de homicídio
apresentou correlação negativa com o percentual de casas com esgoto, ou seja, em áreas com
baixo percentual de casas com esgoto há maior ocorrência de homicídios. Assim, o autor
supõe que em localidades aonde as redes de água e esgoto ainda não chegaram, a polícia e o
Sistema Judiciário estejam igualmente distantes.
Santos (1999) realizou um estudo sobre o perfil socioespacial dos locais
onde se concentram residências de vítimas de mortes por homicídios no município de Porto
Alegre, no ano de 1996. A autora buscou identificar os grupos mais suscetíveis e avaliar
algumas hipóteses sobre os fatores associados à incidência de homicídios. Neste enfoque, os
determinantes do problema analisado não se relacionam apenas à região, mas também a
[...] processos sociais gerados pelas estruturas política, econômica, ideológica que
reproduzem e mantêm a formação social vigente. Esses processos levam os
residentes de locais desfavorecidos do espaço urbano a se exporem como vítimas
e/ou sujeitos de diversas situações de conflito num contexto que também dificulta a
busca de alternativas e de apoio social (SANTOS, 1999, p. 39-40
).
A autora verificou que os locais com piores condições socioeconômicas
apresentaram índices mais altos de homicídios, congregando vários fatores que podem ter
contribuído para a ocorrência do crime. Duas áreas de Porto Alegre se destacaram,
diferenciando-se das demais por abrangerem setores censitários com baixa condição
socioeconômica e onde o envolvimento de grupos residentes com tráfico de drogas é
amplamente conhecido. A autora constatou que a presença dos equipamentos públicos de
segurança e de educação mostrou-se deficitária nessas localidades.
Silva (2000) realizou uma análise espaço-temporal dos homicídios ocorridos
no período de 1995 a 1999, na cidade de Belo Horizonte. O autor buscou explicar por que,
numa mesma cidade, algumas comunidades apresentavam maiores taxas de assassinatos que
outras. Para tanto, o autor adotou arcabouços teóricos que consideram tanto a racionalidade
dos atores criminosos no ambiente urbano, como o próprio ambiente urbano como fator
determinante das taxas de delinqüência. O foco do autor recaiu sobre o contexto no qual o
delito ocorreu e não no crime em si. O autor concluiu que os homicídios seguiam um padrão
espaço-temporal e que havia uma tendência de crescimento nas taxas. Os índices de
homicídios variaram em função das distintas condições de controle da criminalidade. Nos
bairros onde foram identificados os conglomerados de risco de homicídio em Belo Horizonte,
verificaram-se condições socioeconômicas bem inferiores à média da cidade. Esses bairros
58
foram considerados ambientes socialmente degradados, locais pouco assistidos pelos
mecanismos de proteção social do Estado (creches, escolas, áreas de lazer). Silva (2000)
finalizou defendendo que políticas voltadas ao controle da criminalidade urbana, sobretudo os
homicídios, deveriam focar a revitalização dos espaços urbanos, principalmente nas favelas,
locais nos quais os serviços de proteção social se fizessem mais presentes, pois poderiam
promover ali um decréscimo nas elevadas taxas de assassinato.
Em uma análise sociológica dos homicídios cometidos no município de São
Paulo no ano de 1995, Lima (2000) buscou verificar qual a contribuição do crime organizado
em torno do tráfico de drogas para o cometimento de homicídios na cidade. O autor propôs-
se, também, a contribuir para uma compreensão mais detalhada da transformação do
homicídio em um problema social relevante. Embora não centre a discussão na espacialização
dos homicídios, o autor apresenta importantes elementos que contribuem para a compreensão
deste fenômeno.
Para Lima (2000) há uma vasta gama de abordagens explicativas para os
homicídios na literatura especializada, o que indica a necessidade de considerar que o
fenômeno não está contido em uma única tipologia criminal e causal. O homicídio seria fruto
de processos sociais múltiplos. Em alguma medida, este tipo de crime estaria indicando
características diversas da forma como a sociedade se organiza e como seus conflitos são
mediados. Contrariando o senso comum, o autor constata que o tráfico de drogas não é
principal motivo de homicídios em São Paulo. Estes seriam decorrentes de uma
multiplicidade de motivos que se encontram inseridos
[...] numa lógica urbana mais ampla que fragmenta valores tidos como chave no
processo de socialização e, ainda, que este tipo de crime atinge de forma
diferenciada diversos segmentos da população paulistana, variando de acordo com
sexo, etnia, idade, área de residência e outros atributos biográficos e sociais (LIMA,
2000, p. 13-14).
Lima (2000) conclui que o crime emerge como um elemento a mais num
cenário de profundas carências estruturais e ilegalismos. São Paulo estaria convivendo com
uma falência da cidade, caracterizada pela falta de ações globais de incentivo e falta de
construção da cidadania e, ainda, falta de políticas de pacificação social. O autor acredita que
Em um turbilhão de tensões e carências da paisagem urbana, os conflitos que resultam
em morte estariam inseridos numa lógica (informada de forma multifacetada) que
opera simbolicamente o imaginário social de como estes deveriam ser resolvidos.
Abre-se mão, ou talvez, abandona-se a legitimidade do Estado como o meio mais
eficaz de mediação e resolução de conflitos. Um Estado que não consegue fazer-se
presente no espaço urbano – a não ser pelo lado obscuro e violento da ação policial -,
59
não consegue legitimidade suficiente para habilitar-se como instrumento de
pacificação social. Emblemática desta situação, a falência gerencial pela qual passa a
cidade provoca rupturas importantes na forma como o indivíduo vê o seu entorno e
como ele constrói suas relações sociais. Nesse processo, a vida perde seu valor moral
e a morte violenta passa a ser a linguagem corrente (LIMA, 2000, p. 103).
Beato; Reis (2001) buscaram explicar o crescimento e a variação na taxa de
crimes violentos no Estado de Minas Gerais através de uma análise que partiu não das
características sociais dos delinqüentes, mas das condições contextuais que favoreceram a
incidência de crimes, isto é, o ambiente de oportunidades que estava correlacionado com a
incidência de crimes violentos. Os autores acreditam que aspectos da vida urbana foram
importantes para a compreensão do fenômeno, como a expansão urbana desigual, que segrega
espaços e pessoas. Sob este prisma, o espaço urbano constitui-se por territórios que
geralmente não são integrados e que, inclusive, podem se diferir da estruturação oficial. Essa
segregação territorial gerou acessos diferenciados a serviços e a equipamentos urbanos de
necessidade básica e às formas de lazer, mais presentes nas regiões centrais. A desigualdade
de oportunidades e a segregação espacial influenciaram a incidência de crimes violentos.
Os autores associaram as taxas de criminalidade a indicadores de
desigualdade ou à carência de serviços básicos providos pelo Estado. Os autores concluíram
que os crimes violentos contra o patrimônio possuíam forte correlação com densidade
demográfica e grau de urbanização, assim como com o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), com o número médio de anos de estudo e com a taxa de incidência de drogas. Trata-se
de indicadores que se referem a um contexto urbano de desenvolvimento. Por outro lado, os
crimes violentos contra pessoas, dentre os quais os homicídios, apresentaram uma correlação
negativa com os índices de prosperidade e de desenvolvimento. Essa modalidade de delito
apresentou-se como inversamente correlacionada com o IDH e diretamente correlacionada
com as taxas de analfabetismo e de mortalidade infantil. Por fim, considerando o espaço intra-
urbano de Belo Horizonte, os autores chamam a atenção para a predominância de crimes
contra a vida nas favelas e nos bairros mais pobres, em contraposição ao maior número de
crimes contra o patrimônio no centro da cidade. Embora não avancem na análise, os autores
indicam que, nos locais pobres da cidade, os assassinatos parecem estar relacionados ao
tráfico e ao consumo de drogas.
Cano; Santos (2001) se propuseram explorar o comportamento dos
homicídios e sua relação com as dimensões econômicas em diferentes escalas, tais como entre
países, estados, cidades e bairros. Partindo da controvérsia existente sobre os determinantes
estruturais da violência, especialmente a relação entre pobreza e criminalidade, os autores
60
buscaram examinar a convergência ou a divergência dos resultados nesses diferentes níveis de
análise. Na comparação entre os países, os autores verificaram que há uma clara relação entre
baixa renda e alta desigualdade com altas taxas de violência letal, apesar de esses efeitos não
serem muito sólidos devido ao reduzido número de países considerados e pela presença de
casos com valores extremos (outliers).
No caso dos Estados brasileiros, Cano; Santos (2001) não comprovam a
relação entre a renda e a desigualdade com os homicídios, mas sim com as taxas de
urbanização. No cenário intermunicipal, especificamente no Estado do Rio de Janeiro, o
resultado foi contrário às expectativas. A maioria das municipalidades com altas taxas de
homicídio possuía renda per capita alta ou relativamente alta. A taxa de urbanização mostrou-
se mais significativa quando excedia a casa dos 70% e o indicador de desigualdade de renda
utilizado (L de Theil) surpreendeu também, porque as municipalidades mais desiguais
apresentavam baixos índices de mortes violentas. De modo geral, a renda não se mostrou
significativa no Estado do Rio de Janeiro para a análise proposta. Entretanto, por se tratar de
uma realidade particular, os resultados não podem ser generalizados a outros Estados ou
municipalidades.
Quando consideradas diferentes áreas de uma cidade, como os bairros,
algumas dificuldades se impõem. Não existem índices de desigualdade de renda menores que
os das municipalidades, o que inviabiliza o uso dos indicadores habituais para essa escala.
Diversos estudos intra-urbanos demonstram que habitantes de baixa e média renda correm um
risco maior de serem assassinados, cujos resultados da análise indicavam correlações
superiores a 0,60 em alguns casos, entre as taxas de homicídio e índices de desenvolvimento
urbano ou indicadores socioeconômicos. Por isso, no espaço urbano é forte a evidência da
influência da desigualdade para a incidência dos homicídios. O nível intra-municipal de
análise foi o que revelou uma influência mais forte da renda (CANO; SANTOS, 2001).
Cano; Santos (2001) afirmam que é, de fato, muito difícil desvendar a
associação entre pobreza, renda e desigualdade, ainda mais quando se trabalha com dados
agregados. Os autores concluem que as relações entre as variáveis podem não ser as mesmas
nos diferentes níveis de escala, cuja força pode variar de intensidade ou ser influenciada por
outros fatores particulares em cada nível. Por fim, afirmam que a urbanização parece ser um
fator determinante da violência, junto com a questão da renda no interior das cidades. Os
autores acreditam que “Poderia ser uma combinação de fatores – urbanização rápida sem
serviços sociais, pobreza, falta de controle social e anonimato, desigualdade, falta de
61
oportunidades para a juventude etc. – o que provocaria, nas cidades, altos níveis de violência”
(CANO; SANTOS, 2001, p. 85).
Por intermédio da associação de indicadores de qualidade de vida, dados da
prefeitura e dados de vitimização da cidade de Marília/SP, para o ano de 2000, Teixeira
(2004) buscou a compreensão dos diversos e múltiplos aspectos que podem influenciar a
prática do crime urbano, aspecto fundamental para o desenvolvimento de qualquer ação
preventiva. O autor constatou que a chance de ser vítima de um crime contra o patrimônio
(roubos e furtos, reflexos das condições materiais) tem relação com a renda, que é o mais
forte indicador de qualidade de vida. Tal relação não é, contudo, absoluta, na medida em que
nas regiões centrais há também maior concentração de atividades comerciais. Por outro lado,
populações que dispõem de precária qualidade de vida estão mais sujeitas a serem vítimas de
crimes contra a pessoa (homicídios, lesões corporais e demais distúrbios sociais). Teixeira
(2004, p. 101) finaliza afirmando que
[...] não devemos realizar interpretações simplistas de associação inequívoca entre o
aumento recente da violência/criminalidade e sintomas de desigualdade social e
pobreza, mas não podemos fechar os olhos e os ouvidos para as possíveis influências
que as características socioeconômicas trazem para a dinâmica da violência e
criminalidade.
Em uma análise espacial dos determinantes socioeconômicos dos
homicídios no Estado de Pernambuco, Lima et alii (2005) investigam a associação entre
variáveis socioeconômicas e taxas de homicídio, considerando a localização espacial dos
indicadores. Por intermédio de um estudo puramente quantitativo, os autores identificaram
uma associação significativa entre índice de pobreza, analfabetismo e homicídio.
Cardia; Adorno; Poleto (2003) realizaram um estudo sobre o crescimento
das taxas de homicídio e suas relações com o escasso acesso aos direitos econômicos e sociais
para largos setores da população da cidade de São Paulo. Os autores examinam os cenários
sociais singulares que mais favorecem as elevadas taxas de criminalidade letal. Perceberam
que há bairros com taxas bem mais elevadas que a da cidade como um todo e que, atualmente,
essas unidades administrativas parecem estar exportando essa tendência para os espaços em
seu entorno, em um efeito que os autores denominaram similar ao de “contaminação”. Esse
crescimento pode estar sendo estimulado pela impunidade combinada à ampliação de
múltiplas carências, o que evidencia a importância do Sistema de Justiça Criminal e o poder
público local aplicarem medidas voltadas à contenção desse crescimento.
As variáveis utilizadas nesse estudo foram crescimento da população,
concentração de jovens (crianças e adolescentes), densidade demográfica, congestionamento
62
habitacional, renda, escolaridade do chefe do domicílio, presença de grupos vulneráveis à
violência (crianças e jovens), acesso à saúde, taxa de mortalidade infantil, acesso à infra-
estrutura (esgotamento sanitário, em especial) e acesso a emprego. Os autores acreditam que
não é a pobreza em si que possui relação com os assassinatos, “[...] mas a combinação de
fatores que também sugere que as carências não são temporárias (conjunturais), porém se
estendem no tempo” (CARDIA; ADORNO; POLETO, 2003 p. 54).
Os autores concluem que a concentração de carências e desigualdade social
não é suficiente para explicar a ocorrência de homicídios, mas há indícios de que a
sobreposição da violência, das graves violações dos direitos humanos e das carências de
direitos econômicos e sociais torna alguns grupos sociais potencialmente mais expostos, mais
vulneráveis e em situação de risco de serem vítimas potenciais de ocorrências fatais. Os
autores destacam, contudo, que
[...] a relação não é direta, mas mediatizada pelo mundo das instituições privadas e
públicas. Cenários de graves violações de direitos humanos – quer direitos civis,
como sociais e econômicos – tendem a enfraquecer as relações dos grupos sociais
com as instituições de proteção social (CARDIA; ADORNO; POLETO, 2003, p.
62).
Em trabalho de cunho quantitativo sobre a criminalidade violenta
(homicídio tentado ou consumado, estupro tentado ou consumado, seqüestro e cárcere
privado) nas regiões de planejamento de Minas Gerais, no ano de 2003, Diniz; Batella (2004)
buscaram identificar os crimes que se apresentam espacialmente mais concentrados, no intuito
de levantar elementos que auxiliem no planejamento da segurança pública no Estado. Os
autores utilizaram como fontes os registros de ocorrências policiais da Polícia Militar de
Minas Gerais, que foram analisadas por intermédio de medidas clássicas de análise regional
(quociente locacional, coeficiente de localização, coeficiente de especialização e de
reestruturação). Diferentes padrões de distribuição regional da criminalidade foram
identificados. Dentre as categorias analisadas, o homicídio tentado foi a modalidade de crime
que se distribuiu de forma mais homogênea ao longo de espaço e os homicídios consumados
se concentraram mais na região central do Estado. Os autores concluíram que a composição
dos crimes nos últimos anos tem se mantido sem alterações.
Em uma reflexão sobre as relações entre o espaço urbano e a criminalidade,
especialmente na cidade de Salvador, em 2005, Gomes (2005) destacou que as características
da violência que culmina em desfecho fatal se apresentaram da seguinte forma: a maior parte
dos homicídios foram cometidos com armas de fogo; foi um crime que envolveu sobretudo
63
homens com idade entre 15 e 30 anos; tratou-se de um crime urbano; de um problema que
afetou fundamentalmente a população de baixa renda, ao contrário de outros tipos de crime; a
maioria dos homicídios estava vinculada ao crime organizado, mas uma boa parcela foi
decorrente de vingança ou de bebidas; a violência urbana mostrou-se concentrada espacial e
socialmente, mas a favela por si só não foi um fator determinante do crime (as favelas mais
violentas foram as que contam com a ausência do Poder Público, onde os equipamentos e
serviços urbanos são precários ou inexistentes, baixa condição de habitabilidade das moradias
e desenho urbano desorganizado); o grau de escolaridade dos moradores era menor, a taxa de
analfabetismo e de ocupação no mercado informal foram maiores.
Rodrigues (2006), ao analisar a distribuição espacial dos assassinatos na
cidade de São Paulo, em 2000, identificou uma correlação espacial entre os locais de
moradias precárias e as taxas de homicídio. Para a autora, as condições de habitação,
educação e trabalho da população residente em moradias precárias levam a crer que esses
grupos sofrem desvantagens econômicas e sociais tão ou mais graves que a dos pobres de
renda em geral, a despeito de as moradias precárias não serem habitadas apenas por pobres de
renda. A autora argumenta que favelas e loteamentos clandestinos se localizam em áreas
isoladas, com carências de serviços urbanos de necessidade básica que acabam até
dificultando o funcionamento normal das patrulhas de policiamento. Assim, o local de
moradia dos pobres serviria como denominador comum para associar pobreza e assassinatos
na cidade de São Paulo.
Partindo da constatação de que as taxas de crimes que antes preocupavam só
os habitantes dos grandes centros urbanos passaram a fazer parte do cotidiano das cidades que
ocupam posições intermediárias na hierarquia urbana, Diniz; Batella (2006) realizaram um
estudo sobre a distribuição espacial da criminalidade violenta nas cidades médias mineiras e
sua evolução temporal, entre 1995 e 2003. Os dados foram extraídos dos registros de crimes
violentos da Polícia Militar de Minas Gerais. Os autores detectaram padrões espaciais e
temporais em relação à manifestação da criminalidade violenta no Estado analisado, que
apresentou crescimento substantivo, principalmente os crimes contra o patrimônio. O método
utilizado foi o de regressão linear múltipla e as variáveis explicativas do estudo foram o
percentual da população alfabetizada, com idade entre 20 e 29 anos, pessoas em idade de
trabalho ocupadas, o índice de Gini e o total da população. Os resultados apresentaram
padrões distintos, com um melhor ajuste encontrado para os crimes contra o patrimônio.
O coeficiente de determinação do total de crimes violentos contra a pessoa
revelou que o conjunto das variáveis independentes explicou 28,9% da variação do fenômeno
64
estudado. Apenas três variáveis mostraram-se significativas: índice de Gini, percentual de
população com idade entre 20 e 29 anos e taxa de alfabetização, sendo esta a que teve maior
associação. No caso dos crimes contra o patrimônio, o conjunto de variáveis conseguiu
explicar 72,2% da variação do fenômeno, ainda que apenas duas variáveis tenham sido
significativas: população entre 20 e 29 anos e população total. Os autores finalizaram
afirmando que esses resultados colocam em xeque a suposta superioridade da qualidade de
vida nas cidades médias, levantando questionamentos acerca do potencial das mesmas cidades
no planejamento e desenvolvimento socioeconômico do Estado de Minas Gerais.
De modo geral, ainda que os autores apresentados tenham se utilizado de
diferentes arcabouços teóricos e métodos de pesquisa para analisar a dinâmica espacial da
criminalidade violenta, sobretudo dos homicídios, existem importantes convergências nos
resultados. As análises evidenciaram, por intermédio da realização de pesquisas empíricas,
que os homicídios apresentam padrões de concentração espacial e temporal, cuja incidência
desigual associa-se, em maior ou menor medida, com disparidades econômicas, sociais e
demográficas. Além disso, o ato do homicídio foi indicado como mais recorrente em
contextos de acentuadas desigualdades e carências estruturais de infra-estrutura e serviços
urbanos. A próxima seção apresenta as especificidades da abordagem espacial do crime
urbano, considerando seus limites e aplicações.
3.5 A espacialização da criminalidade violenta e a questão da desigualdade
A abordagem espacial da violência e da criminalidade parte do pressuposto
de que “[...] crimes não ocorrem no vácuo, mas sim em contextos espaciais concretos, dotados
de atributos específicos que favorecem, em boa medida, a ocorrência dos mesmos” (DINIZ;
BATELLA, 2005, p. 55-56).
Uma abordagem espacial é mais do que o mero mapeamento dos eventos,
mas também uma forma de manipular dados espaciais de diferentes formatos e, através de
diversas operações, extrair informações importantes. Além da identificação dos grupos mais
suscetíveis ao fenômeno estudado, neste caso a criminalidade urbana que resulta em morte, é
possível avaliar algumas hipóteses sobre os fatores associados a sua incidência. A análise
espacial possibilita identificar grupos populacionais que estão submetidos a riscos de natureza
difusa, geralmente superpostos, que se expressam em características socioeconômicas e
65
demográficas que condicionam e são condicionadas pela forma de ocupação do espaço urbano
(SANTOS, 1999).
Beato (1998) apresenta algumas implicações do estudo da distribuição
espacial do crime urbano em geral:
a) Os chamados mapas da criminalidade enfocam o delito em si e não o
comportamento criminoso. A análise espacial considera especialmente os
componentes racionais da atividade criminosa, a escolha de locais e alvos
mais viáveis para a realização de determinados tipos de crimes.
b) Análises espaciais não tratam do crime de modo geral, mas das condições de
incidência de determinados tipos de crimes. Há distintas modalidades de
crimes e essa mudança de enfoque demonstra que certos crimes tornam mais
visível o processo de tomada de decisão cuja orientação é estritamente
instrumental.
c) Um diagnóstico das “causas” da criminalidade pode identificar padrões
espaciais e temporais e orientar ações de combate e prevenção, considerando
que os crimes não ocorrem aleatoriamente no tempo e no espaço.
Dessa forma, a identificação de problemas nos contextos específicos de sua
ocorrência pode contribuir para a implementação de políticas públicas preventivas. No debate
de políticas públicas, aumenta a discussão sobre a importância de ações locais, tornando-se
fundamental identificar áreas que serão alvo de intervenção governamental em âmbito
municipal.
No caso específico dos homicídios, estudos recentes indicam a existência de
uma correlação das taxas de homicídio no espaço urbano com contextos de acentuadas
desigualdades sociais, econômicas e de carências na infra-estrutura e de serviços coletivos de
necessidade básica, embora a intensidade dessa associação possa variar no tempo e no espaço.
Por isso, buscou-se testar a relação entre as desigualdades citadas e os homicídios em
Cascavel, para verificar qual o poder explicativo desses atributos para a compreensão do
fenômeno no referido município. Desse modo, a presente pesquisa insere-se na linha
explicativa que Adorno (2002) denominou como referente à desigualdade e à segregação
urbana.
A sociedade brasileira é permeada por uma profunda desigualdade que serve
de cenário para a violência e o crime e “[...] todos os dados indicam que o crime violento está
66
distribuído desigualmente e afeta especialmente os pobres” (CALDEIRA, 2000, p. 134).
Como pobreza e desigualdade são marcas históricas da sociedade brasileira, não se pode
afirmar, contudo, que há uma relação direta com o aumento da criminalidade violenta. A
desigualdade é um fator importante para a explicação do fenômeno, não porque a pobreza se
correlacione diretamente com criminalidade, mas porque ela ajuda a formar o ambiente
propício para que a violência prospere. O atual ciclo de violência tem uma base
socioeconômica que explica algumas das desigualdades e injustiças associadas ao descrédito
nas agências da ordem e à propagação da violência. Explicações decorrentes apenas dessa
vertente são, porém, insuficientes para o entendimento do fenômeno, que é multicausal.
Assim, ainda que esta dissertação não seja capaz de explicar o fenômeno em
toda sua complexidade e nem associar a multiplicidade de fatores que contribuem para a
compreensão dos crimes de homicídio, a análise proposta é de fundamental importância. De
acordo com a literatura especializada apresentada anteriormente, os determinantes estruturais
da violência - que podem ser alvo de intervenção governamental - respondem por uma parcela
significativa da explicação do comportamento dos homicídios e se combatidos podem causar
uma decréscimo significativo nas taxas de homicídio no espaço urbano.
67
4 ANÁLISE DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS HOMICÍDIOS EM
CASCAVEL/PR (2000-2006)
Neste capítulo analisa-se a criminalidade urbana violenta na cidade de
Cascavel/PR, mais especificamente os crimes de homicídio registrados no período
compreendido entre os anos 2000 e 2006. Inicialmente examinou-se os padrões gerais deste
tipo de crime no município estudado, porém como o enfoque desta pesquisa recai sobre o
espaço urbano, uma análise mais minuciosa foi realizada sobre a distribuição espacial dos
homicídios no cenário intra-urbano de Cascavel, com base nas 31 unidades administrativas
que o compõem. Buscou-se testar a relação entre a incidência desigual dos homicídios, as
desigualdades socioeconômicas e de infra-estrutura e serviços urbanos, visando identificar
elementos presentes na complexa dinâmica deste fenômeno em Cascavel/PR.
4.1 Padrões gerais dos homicídios no município de Cascavel/PR
De acordo com dados extraídos do Sistema de Informação sobre
Mortalidade do Datasus, foram registradas 586 mortes por homicídio em Cascavel no período
2000-2006. Entretanto, um levantamento realizado diretamente nos livros de Laudos de
Necrópsia do Instituto Médico Legal de Cascavel indicou um número um pouco diferenciado:
foram encontrados 554 registros de mortes decorrentes de homicídio no mesmo período
18
. O
comparativo entre as fontes de dados citadas encontra-se ilustrado no Gráfico 9, abaixo.
Verifica-se que, no ano 2000, a diferença foi de 8 casos; em 2001, de apenas
1 caso; em 2002, a disparidade foi de 4 casos; em 2003, foi de 6 registros; em 2004, ano em
que as fontes de dados apresentaram maior divergência, a diferença foi de 11 casos; já em
2005 os números foram coincidentes e, em 2006, a diferença foi de 2 casos.
18
Não é possível afirmar com segurança a causa dessa diferença no número de homicídios, porém acredita-se
que tal fato expresse a falta de orquestração entre as diferentes agências no momento de “classificar” os casos.
É fato que algumas mortes deixam grande margem de dúvida sobre a causa mortis e sua intencionalidade, o
que “abre espaço” para interpretações subjetivas. Além disso, é importante destacar também que,
eventualmente, alguns números de laudos não existem nos livros de registro, o que nos leva a pensar que
alguns desses laudos tenham sido extraviados (o que poderia justificar parcela da diferença) ou, no mínimo,
que haja desatenção dos funcionários no momento de numerá-los seqüencialmente.
68
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
120
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
SIM/Datasus IML
Fonte: SIM/Datasus e Livros de Laudos de Necrópsia do Instituto Médico Legal de Cascavel/PR.
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Gráfico 9 – Comparativo de fontes de dados sobre homicídios em Cascavel (número de
registros)
Apesar da identificação de algumas divergências entre os números de
homicídios, especialmente em 2004, os dados coletados diretamente no IML foram
considerados confiáveis para a realização da pesquisa empírica proposta. Segundo Caldeira
(2000), vale considerar as estatísticas oficiais e uma das principais razões é a possibilidade de
pressupor que as distorções nessas fontes são relativamente constantes ao longo do tempo, o
que permite identificar as tendências temporais e espaciais.
É importante destacar que as informações do SIM/Datasus tomam o
município como a menor unidade de análise, o que impossibilitou a espacialização dos crimes
no contexto intra-municipal de Cascavel. As análises que seguem foram, portanto, baseadas
somente nos dados do IML local. O comportamento das taxas de assassinatos no período
considerado encontra-se expresso no Gráfico 10.
No período 2000-2006, a taxa de homicídios por 100.000 habitantes
apresentou oscilações. No ano de 2003 foi registrada a menor taxa média: 23,32/100.000
habitantes, e a maior taxa média foi registrada em 2006: 38,72/100.000 habitantes. Em se
tratando de números absolutos, conforme apresentado no Gráfico 9, no ano de 2002 foi
registrado o menor número de ocorrência de homicídios, 60 casos, ao passo que em 2006
foram registradas pelo IML 110 mortes por homicídio.
69
35,45
29,42
23,4
23,32
32,25
30,55
38,72
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Taxa de homicídio por 100.000 habitantes
Fonte: Livros de Necrópsia do IML de Cascavel. Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Gráfico 10 – Taxas de homicídios em Cascavel segundo o Instituto Médico Legal
Partindo do pressuposto de que a ampliação da desigualdade econômica e
social potencializa a ocorrência da criminalidade violenta, especialmente os homicídios,
conforme discussão realizada nos capítulos anteriores, foi realizada uma breve análise sobre a
evolução das desigualdades no município de Cascavel. Para tanto, as informações foram
obtidas no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, de 2000, elaborado com base em
dados censitários produzidos pelo IBGE.
Considerando os dados apresentados na Tabela 3, nota-se que em Cascavel
houve um aumento na renda per capita média e no Índice de Desenvolvimento Humano
19
(IDH) entre os anos censitários de 1991 e 2000. Nesses anos, ambos os indicadores se
apresentaram sempre acima da média estadual e nacional, demonstrando o bom desempenho
socioeconômico municipal. Esses dois indicadores (IDH e renda per capita), por si só, não
demonstram, no entanto, uma melhoria das condições de vida de toda a população, uma vez
que retratam a média geral. Por isso, foi necessário visualizar também a evolução das
desigualdades.
Verifica-se que o Índice de Gini cascavelense era de 0,571 em 1991 e
aumentou para 0,593 em 2000, enquanto a média estadual era de 0,60 e cresceu para 0,61 no
mesmo período. No cenário nacional, esse indicador era 0,63 e aumentou para 0,65. Desse
modo, embora com um indicador de desigualdade menor que o paranaense e brasileiro, a
19
O IDH municipal é composto pelos seguintes elementos: expectativa de vida ao nascer (69,6 anos); taxa de
alfabetização de adultos (0,930); taxa bruta de freqüência escolar (0,951); renda per capita (R$ 347,00). Em
2000, Cascavel ocupava a 15ª posição no Estado do Paraná, com um IDH considerado alto (0,810).
70
cidade de Cascavel apresentou uma ampliação acentuada dessa desigualdade, ainda que
ambos tenham apresentado crescimento.
Tabela 3 - Evolução de indicadores socioeconômicos de Cascavel, Paraná e Brasil
CASCAVEL
PARANÁ
BRASIL
INDICADORES
1991 2000 1991 2000 1991 2000
Renda per capita (em R$) 266,52 347,00 226,28 321,38 230,30 297,23
IDH 0,730 0,810 0,711 0,787 0,696 0,766
Índice de Gini 0,571 0,593 0,60 0,61 0,63 0,65
Razão entre a renda dos 10% mais
ricos e os 40% mais pobres
18,87 21,66 22,64 23,84 30,43 32,93
Intensidade da pobreza 35,89 42,78 43,12 42,31 49,18 49,68
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano (2000). Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Nota: O Índice de Gini é uma medida de desigualdade relativa. Os valores podem variar entre 0 e 1 e quanto
mais próximo de 1, maior é a desigualdade.
A mesma inferência pode ser feita quando considerada a razão entre a renda
dos 10% mais ricos e os 40% mais pobres. Esse indicador cascavelense também se encontra
abaixo da média estadual e nacional, sugerindo que essa disparidade é menos aguda no
cenário municipal, porém apresentou uma ampliação maior do que o Paraná e o Brasil no
período analisado. De 18,87 em 1991, a razão aumentou para 21,66 em 2000, ao passo que no
mesmo período este indicador paranaense passou de 22,64 para 23,84 e no Brasil passou de
30,43 para 32,93.
No que tange à intensidade da pobreza na cidade de Cascavel, verifica-se
que em 1991 ela era de 35,89, menor do que a média paranaense (43,12), tendo, contudo, em
2000, atingido a casa dos 42,78, acima da média estadual (42,31). Enquanto em Cascavel
esse indicador apresentou uma variação positiva e bem acentuada, o que indica um aumento
significativo da intensidade da pobreza, no Paraná houve uma redução média desse indicador
no período considerado. Considerando a média nacional, constata-se que ela é bem superior à
do Paraná e de Cascavel, porém apresentou pouca oscilação no intervalo de tempo analisado,
passando de 49,18 em 1991 para 49,68 em 2000.
A partir da evolução da renda per capita média, IDH e dos três indicadores
de desigualdade apresentados na Tabela 3 – Índice de Gini, Razão entre a Renda dos 10%
mais ricos e os 40% mais pobres e Intensidade da Pobreza, pode-se inferir que, embora com
indicadores econômicos e de desigualdade mais favoráveis que os do Paraná e do Brasil, a
cidade de Cascavel apresentou uma ampliação mais acentuada das desigualdades. Se houve
71
um significativo crescimento econômico na cidade, o mesmo foi simultâneo à concentração
da riqueza e à ampliação da desigualdade econômica e social.
Seria precipitado realizar uma associação direta e inequívoca entre a
ampliação da desigualdade socioeconômica no município de Cascavel e as altas taxas de
homicídio, porém, com base na literatura de referência e nos indícios apresentados, não se
pode desconsiderar uma sinergia entre eles.
Partindo do pressuposto que as taxas de homicídio variam ao longo do
tempo e do espaço e poucas unidades administrativas urbanas as concentram no contexto
municipal - diferenças que são desconsideradas quando analisadas em escalas maiores -,
buscou-se, na seqüência, examinar o comportamento dos homicídios no espaço intra-urbano
municipal de Cascavel e compreender sua dinâmica.
4.2 Padrões intra-urbanos dos homicídios em Cascavel
É importante destacar que, assim como indica a literatura de referência, já
apresentada no capítulo anterior, os homicídios em Cascavel/PR, no período compreendido
entre os anos 2000 e 2006, também se consumaram, majoritariamente, na área urbana,
conforme ilustrado no Gráfico 11.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
110
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Área urbana Área rural
Fonte: Livros de Laudos de Necropsia do IML de Cascavel. Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Gráfico 11 – Local de ocorrência do homicídio (em número de ocorrências)
72
Dos 554 homicídios registrados pelo IML no período ora analisado, 505
ocorreram no perímetro urbano de Cascavel, o correspondente a 91,15% dos casos, enquanto
49 casos, ou 8,85%, tiveram como cenário a área rural do município. Da mesma forma que os
homicídios foram mais recorrentes no cenário urbano, algumas unidades administrativas
municipais (bairros) concentraram altas taxas de crimes desta natureza. É importante destacar
que o perímetro dos bairros de Cascavel foi redefinido no ano de 2004, conforme a Lei
Municipal nº 3.825/2004 (SEPLAN, 2004). A composição atual das unidades administrativas
urbanas municipais possui 31 bairros, distribuídos em 80,87 km
2
, conforme a Figura 7.
Fonte: SEPLAN, 2004.
Figura 7 – Unidades administrativas urbanas municipais de Cascavel/PR
Considerando a composição atual das unidades administrativas urbanas de
Cascavel, procedeu-se à espacialização dos homicídios urbanos, conforme Tabela 4, abaixo.
Os bairros que registraram o maior número de homicídios no período entre 2000 e 2006
foram: Interlagos (74 casos), Brazmadeira (37), São Cristóvão e Cascavel Velho (ambos com
35 casos), Floresta (32 casos) e Centro (31 casos). Por outro lado, os bairros Recanto
Tropical, Parque Verde e Canadá foram o cenário de apenas um caso de homicídio cada. Em
seguida, encontram-se os bairros Pioneiros Catarinenses (3 casos), Esmeralda e Country (4
casos cada). A espacialização dos homicídios em números absolutos não é a melhor forma de
se analisar dados de criminalidade, na medida em que não levam em consideração a
73
população relativa do local. É fundamental considerar as taxas por 100.000 habitantes,
tradicionalmente utilizada na literatura sobre o tema, que também encontram-se expressas na
Tabela 4.
Tabela 4 – Números e taxa média de homicídios por cem mil habitantes em cada unidade
administrativa urbana de Cascavel (2000-2006)
20
Bairro
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Total
Taxa
Média
Alto Alegre 0 1 1 0 0 2 2
6 10,95
Brasília 5 3 1 0 1 0 0
10 14,67
Brazmadeira 3 5 7 4 3 3 12
37 104,62
Canadá 0 0 0 0 1 0 0
1 5,61
Cancelli 0 2 0 0 2 3 3
10 15,67
Cascavel Velho 1 4 5 4 7 5 9
35 48,47
Cataratas 4 2 2 5 2 4 2
21 53,81
Catorze de novembro 0 2 2 1 1 2 2
10 36,72
Centro 3 6 2 3 7 3 7
31 20,47
Coqueiral 1 1 0 0 2 2 2
8 17,17
Country 1 1 1 0 0 0 1
4 14,09
Esmeralda 0 2 1 0 0 1 0
4 42,10
Floresta 4 1 7 3 4 8 5
32 37,84
Guarujá 2 0 1 2 0 0 5
10 20,70
Interlagos 16 6 8 11 8 10 15
74 101,73
Maria Luíza 0 2 0 1 0 2 1
6 18,31
Morumbi 3 6 1 2 2 6 3
23 81,20
Neva 1 2 1 1 1 0 0
6 8,13
Pacaembu 3 0 0 1 1 0 1
6 46,18
Parque São Paulo 0 3 1 1 1 1 1
8 11,35
Parque Verde 0 0 0 0 1 0 0
1 3,01
Periolo 1 0 3 3 1 2 1
11 16,25
Pioneiros Catarinenses 0 0 0 0 1 0 2
3 15,56
Recanto Tropical 0 0 0 0 0 0 1
1 4,89
Região do Lago 1 1 0 0 1 0 2
5 13,95
Santa Cruz 7 3 2 2 8 4 2
28 34,27
Santa Felicidade 5 2 3 3 4 8 4
29 35,91
Santo Onofre 1 1 0 3 1 2 4
12 53,37
Santos Dumont 0 0 1 0 0 2 3
6 47,25
São Cristóvão 8 6 0 1 5 7 8
35 42,86
Universitário 1 2 1 0 1 0 3
8 12,08
Total de homicídios 71 64 51 51 66 77 101 481 31,91
Fonte: Livros de Laudos de Necropsia do IML de Cascavel. Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
20
Dos 505 homicídios ocorridos no espaço urbano de Cascavel, foram espacializados com precisão 485 casos
(96% do total). Isso porque em alguns laudos faltou precisão na informação (14 casos), ou o endereço foi
informado de forma incorreta, não possibilitando sua localização (16 casos). Ainda, dos 485 homicídios
espacializados com precisão, 4 tiveram a Cadeia Pública local como cenário, localizada no Centro da cidade.
Esses 4 casos foram excluídos da análise para que não enviesassem o resultado da pesquisa ao superestimar os
crimes ocorridos no centro de Cascavel. Assim, o universo analisado foi de 481 casos.
74
Quando foram consideradas as taxas, a espacialização dos assassinatos
sofreu alterações. As unidades administrativas urbanas mais violentas nesse quesito foram:
Brazmadeira (104,62/100.000 habitantes), seguido do Interlagos (101,73/100.000 habitantes)
e Morumbi (81,20/100.000 habitantes). Os menos violentos foram os bairros Parque Verde
(3,01/100.000 habitantes), Tropical (4,79/100.000 habitantes) e Canadá (5,61/100.000
habitantes).
É possível perceber que houve uma grande disparidade em sua distribuição
ao longo do espaço, havendo indícios da existência de padrões de concentração espacial na
distribuição das ocorrências de homicídio no perímetro urbano de Cascavel
21
. Para comprovar
a existência ou não desses padrões, na seqüência será realizada uma análise estatística
exploratória de cunho espacial, cujos procedimentos e resultados são apresentados a seguir.
4.3 Procedimentos metodológicos de análise exploratória de dados espaciais (AEDE)
Nesta dissertação utilizou-se uma técnica de análise estatística espacial.
Trata-se de um método que se difere da estatística convencional por considerar efeitos
espaciais na análise de dados do tipo corte seccional ou com um painel de dados
22
(ALMEIDA, 2004). Se esses efeitos espaciais forem desconsiderados, os resultados tornam-se
enviesados e, portanto, inválidos.
A análise espacial vem se destacando, na medida em que leva em
consideração aspectos que permitem uma compreensão do fenômeno mais aproximada. Essa
técnica possibilita considerar o padrão da interação entre os agentes de um sistema e as
características da estrutura espacial desse sistema na modelagem estatística.
Segundo Lima et alii (2005), a incorporação da estrutura espacial das
variáveis contribui para a análise do problema como um fenômeno social particularizado em
seu contexto cultural, ambiental e socioeconômico. A técnicas espacial, além de aumentar o
poder explicativo de um modelo estatístico, possibilita a identificação de áreas e de grupos da
população com maior risco, o que serve de base para orientar ações mais incisivas.
21
O objetivo deste estudo foi analisar apenas a distribuição espacial dos homicídios no perímetro urbano de
Cascavel, entre os anos 2000 e 2006. Entretanto, vale dizer, para fins informativos, que, dos 554 homicídios
registrados pelo IML, 467 ou 92% das vítimas eram do sexo masculino, 191 ou 37,8% possuíam idade entre
20 e 29 anos, 425 ou 84% eram da cor branca, 350 ou 69% dos crimes aconteceram à noite ou de madrugada,
346 vítimas ou 68,5% do total entraram em óbito no local do crime, 319 ou 63% destes homicídios tiveram
como cenário vias públicas e em 69,5% ou 351 casos os óbitos foram causados por instrumentos pérfuro-
contundentes (projéteis de arma de fogo).
22
Análise dinâmica, considerando as variações num intervalo de tempo.
75
Almeida (2004) explica que a estatística convencional não se preocupa com
o contexto espacial, mas considera o comportamento do agente de forma atomística, ou seja,
leva em consideração apenas os fatores exógenos independentes do espaço que interferem no
comportamento do agente. Já a estatística espacial aborda quantitativamente, além do
comportamento atomístico do agente, sua interação com outros agentes heterogêneos no
espaço, sendo este também heterogêneo.
Os efeitos espaciais dizem respeito às complicações causadas pela
autocorrelação espacial (interações entre os agentes: o comportamento de uma unidade de
análise depende do comportamento de seus vizinhos) e pela estrutura espacial
(heterogeneidade do espaço). O primeiro efeito espacial relaciona-se ao papel da proximidade,
que pode ser geográfica ou de interação/relacionamento. Essa dependência espacial ocorre,
basicamente, a partir de quatro processos (difusão; troca de mercadorias e transferência de
rendas – a renda de uma região pode ser gasta em outra; interação – os agentes influenciam e
são influenciados por outras regiões; e dispersão – de população) e é mensurada pela
autocorrelação espacial. Esta objetiva verificar se o valor de uma variável de interesse em
determinada região depende do valor dessa variável nas regiões vizinhas.
O segundo efeito espacial considera que as relações variam no espaço, não
apresentando estabilidade estrutural. Assim, dependendo da localidade ou escala, pode haver
diferentes respostas, isto é, diferentes relações entre variáveis ao longo do espaço. Esses
efeitos espaciais são imbricados, pois a heterogeneidade do espaço resulta em dependência
espacial, tal como esta leva à heterogeneidade (ALMEIDA, 2004).
Uma análise estatística espacial é bem mais complexa do que uma análise
tradicional. Conhecer a natureza da estrutura e da interação de um fenômeno no espaço é
importante para se sugerir padrões e auxiliar na escolha do melhor modelo estatístico. Nesse
sentido, faz-se necessária uma análise exploratória de dados espaciais (AEDE). Segundo
Perobelli et alii (2005), este método descreve a distribuição espacial do fenômeno, seus
padrões de associação global e local (clusters), verifica a existência de regimes espaciais
diferenciados, assim como outros modos de instabilidade espacial (não-estacionariedade) e
identifica observações atípicas, chamadas outliers. Nesse tipo de análise, é aconselhável
trabalhar com variáveis densas ou intensivas. No caso de homicídios, convencionou-se
utilizar a taxa por 100.000 habitantes
23
, tradicional na literatura de referência.
23
Taxa de homicídios = nº de ocorrências em determinado território x 100.000/ população total deste território.
76
Ambos os efeitos apresentados são fundamentais para o estudo de dados
espaciais – como dados de criminalidade - e, nesse sentido, é importante determinar a
estrutura da dependência espacial, o que significa indicar a influência de uma unidade de
análise sobre as demais.
Matriz de pesos espaciais
A matriz de peso espacial é a forma mais comum para se verificar a
estrutura de dependência espacial, ou seja, como as relações de vizinhança (que pode ser
geográfica, socioeconômica, ou ambas) influenciam no comportamento de cada unidade de
análise. A seleção da matriz é um passo importante, pois dela derivam as inferências
estatísticas que seguem. Os resultados variam de acordo com a matriz considerada.
Os limites entre os vizinhos podem se diferenciar quando se adota a noção
de contigüidade. As relações de vizinhança variam dependendo do tipo de associação
realizada entre as diferentes unidades espaciais. De modo análogo ao jogo de xadrez, as
grades a seguir expressam exemplos de combinações possíveis de vizinhança.
B
B A B
B
C B C
B A B
C B C
Torre Rainha
A matriz também pode apresentar outras configurações, como o tipo k-
vizinhos mais próximos, no qual se estabelece o número de vizinhos desejado. A seleção
desses vizinhos se dará com base na distância entre o ponto central de cada unidade espacial
circunvizinha ao centro da unidade espacial de referência. Há várias possibilidades de
formalização de uma matriz de contigüidade e, por isso, é importante que se teste mais que
uma.
Pinheiro (2007) afirma que, após a seleção da matriz mais adequada,
procede-se ao estudo das variáveis consideradas mediante a Análise Exploratória de Dados
77
Espaciais (AEDE), que permite identificar as medidas de autocorrelação espacial global e
local, assim como analisar a influência dos efeitos espaciais no fenômeno ora estudado.
Autocorrelação espacial global
A autocorrelação verifica a aleatoriedade dos dados e visa identificar a
estrutura espacial que melhor descreva esses dados. O objetivo é mensurar a magnitude da
autocorrelação espacial entre as diferentes áreas. Essa estatística pode variar entre -1 e 1,
fornecendo uma medida geral da associação linear (espacial) entre os vetores Z
t
no tempo
t
e a
média ponderada dos valores da vizinhança ou “lags” espaciais (WZ
t
).
A autocorrelação espacial global pode ser univariada (envolvendo apenas
uma variável) ou bivariada (com duas variáveis). Calcula-se a autocorrelação pelo I de Moran,
que indica o grau de associação linear entre os vetores observados e a média ponderada dos
valores da vizinhança.
Os valores de I de Moran maiores (ou menores) que o valor esperado
[E(I)=-1/(n-1)] significam que há autocorrelação positiva (ou negativa). Se houver um
elevado grau de autocorrelação espacial positiva significa que os valores observados em certa
unidade de análise tendem a ser semelhantes aos das áreas vizinhas. De forma oposta, quando
houver uma forte correlação espacial negativa, significa que uma área de valor baixo será
rodeada por outras com altos valores da variável analisada, e vice-versa.
Pinheiro (2007) chama atenção para o fato de que o I de Moran é uma
medida de associação global, que pode ou não estar em conformidade com padrões locais. A
medida global pode esconder padrões locais de associação. Por isso, de forma complementar
ao I de Moran global, utilizam-se estatísticas de autocorrelação espacial local.
Autocorrelação espacial local
É importante examinar os padrões espaciais de forma mais detalhada, pois
em diferentes localizações de uma mesma área podem aparecer diferentes regimes espaciais.
Segundo Anselin (1995, apud ALMEIDA, 2004), o I de Moran local faz uma decomposição
do indicador global de autocorrelação na contribuição local de cada observação em quatro
categorias, cada uma correspondendo a um dos quadrantes no diagrama de dispersão de
Moran, que será apresentando na seqüência.
Perobelli et alii (2005) afirma que estatísticas de autocorrelação espacial
local demonstram a existência de clusters espaciais locais de valores altos ou baixos e verifica
quais as regiões que mais contribuem para a existência desse fenômeno. O mapa de clusters é
78
gerado por intermédio da associação das informações do I de Moran e do mapa de
significância das medidas de associação local, na medida em que é fundamental testar o nível
de significância da estatística. Por intermédio do teste de pseudo-significância, são geradas
diferentes permutações dos valores de atributos associados às regiões, onde cada permutação
gera um novo arranjo espacial, pois os valores são redistribuídos entre as áreas. Caso o valor
de I corresponda ao extremo da distribuição simulada, significa que é um evento com
significância.
Diagrama de dispersão de Moran
O diagrama de dispersão ou espalhamento de Moran é uma forma adicional
de visualização da dependência espacial e reflete a estrutura espacial nas duas escalas de
análise: vizinhança e tendência (CÂMARA et alii, 2005).
Ferreira Jr. (2007) afirma que o diagrama de dispersão é uma ferramenta de
interpretação gráfica do I de Moran e representa o coeficiente de regressão, expresso na
inclinação da curva de regressão. Se o coeficiente angular é positivo (negativo), há indícios de
que a autocorrelação espacial também seja positiva (negativa).
De acordo com Almeida (2004), por intermédio desse diagrama é possível
saber, além da medida global de associação linear espacial, os clusters ou agrupamentos
existentes. Há quatro tipos de associação linear espacial representados por quatro quadrantes:
Alto-Alto (AA), Baixo-Baixo (BB), Alto-Baixo (AB) e Baixo-Alto (BA), conforme ilustrado
na Figura 8.
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Figura 8 - Diagrama de dispersão de Moran
O quadrante 1 representa a associação do tipo Alto-Alto, o que significa que
as unidades espaciais desse agrupamento apresentam altos valores da variável analisada e são
circundadas por unidades espaciais de valor também elevado. O quadrante 2 representa a
Wz
Q
3
Q
1
Q
2
Q
4
Z
0
79
associação do tipo Baixo-Baixo, que engloba as regiões com valores baixos próximas à
regiões também com valores baixos. O terceiro quadrante representa a associação Alto-Baixo.
Neste caso, o agrupamento possui um valor alto, mas é rodeado por áreas com baixos valores.
O quadrante 4 representa a associação Baixo-Alto, referente a unidades espaciais com valores
baixos que são circunvizinhas de áreas com valores altos.
Esse instrumental, a AEDE, conforme Almeida (2004), pode ser utilizado
para uma análise univariada ou multivariada (entre diferentes variáveis). Neste caso, calcula-
se o I de Moran bivariado, para mensurar a correlação espacial entre diferentes valores de
atributos.
Devido às limitações de estatísticas desagregadas na escala intra-municipal,
somadas aos diferentes formatos dos dados disponíveis, fez-se necessária a realização de uma
associação entre análises quantitativas e qualitativas que, de forma complementar,
contribuíram para a compreensão do fenômeno ora estudado. As informações quantitativas
serviram de base para a realização da AEDE, do mesmo modo como as informações
cartográficas serviram de base para uma análise quantitativa de sobreposição espacial de
informações.
4.3.1 Descrição das variáveis e fontes de dados
Conforme já descrito anteriormente neste estudo buscou-se analisar a
relação existente entre a distribuição espacial dos homicídios no cenário intra-urbano de
Cascavel/PR, no período 2000-2006, e algumas variáveis de desigualdade social, econômica e
de infra-estrutura e serviços urbanos ao longo do espaço.
A variável dependente desta pesquisa foi a distribuição espacial das taxas de
homicídio por 100.000 habitantes em Cascavel, desagregada por unidades administrativas
urbanas (UA), obtidas a partir dos laudos de necropsia do IML de Cascavel e referente aos
anos 2000 a 2006. Optou-se por trabalhar com a média do período para suavizar eventuais
oscilações atípicas registradas em um ano em algum bairro. Além disso, quando se trabalha
com uma amostra maior, as tendências ficam mais definidas. As variáveis foram selecionadas
ou construídas com base na literatura de referência. A literatura especializada (temática,
teórica e metodológica) guiou o trabalho junto às fontes.
A variável densidade demográfica foi medida em habitantes por km
2
e foi
construída com base em dados populacionais divulgados pelo IBGE com base no Censo
80
demográfico de 2000, proporcionalmente à área de cada bairro, informação obtida na
Secretaria de Planejamento Municipal de Cascavel.
A variável média de moradores por domicílio indica a média de residentes
por domicílio em cada unidade administrativa. Essa informação foi obtida junto ao IBGE. Da
mesma forma, foram coletados dados referentes à escolaridade dos chefes de família
residentes em cada UA. Foram selecionadas, a partir desta variável, três classificações, no
intuito de mensurar o grau de correlação espacial quando consideradas diferentes faixas de
instrução: o percentual de chefes de família sem instrução e menos de um ano de estudo;
percentual de chefes de família com até 4 anos de estudo; percentual de chefes de família com
15 anos ou mais de estudo. Essas variáveis foram elaboradas com base no número de chefes
de família em cada categoria e o número de domicílios particulares permanentes em cada UA.
A variável referente à renda foi obtida no IBGE e foi desagregada em
diferentes categorias, também com o objetivo de se analisar o grau de correlação espacial
entre a variável dependente (homicídios) e diferentes faixas de renda. Foram aqui
considerados os percentuais de chefes de família sem rendimento; de chefes de família com
rendimento de até 1 salário mínimo; de chefes de família com rendimento de até 2 salários
mínimos; de chefes de família com rendimento de até 3 salários mínimos e percentual de
chefes de família com rendimento superior a 20 salários mínimos.
As variáveis pessoas com mais de 60 anos de idade e pessoas com idade
entre 10 e 19 anos foram extraídas do site do IBGE e transformadas em percentuais relativos à
população total.
É importante destacar que as variáveis relativas à renda e escolaridade do
chefe de família, bem como proporção de população idosa e jovem, foram selecionadas nos
seus valores extremos (as faixas mais elevadas desses atributos e as mais baixas), para captar
a influência desses extremos sobre o comportamento do fenômeno ora analisado.
As variáveis de infra-estrutura urbana foram: percentual de domicílios com
água – rede geral e canalizada em pelo menos um cômodo; percentual de domicílios com
esgoto ligados à rede geral e percentual de domicílios sem banheiro e sanitário. Tratavam-se
de variáveis numéricas e foram obtidas no Censo Populacional disponível no site do IBGE.
As demais variáveis de infra-estrutura urbana analisadas nesta pesquisa eram cartográficas:
padrão construtivo das edificações, pavimentação asfáltica, rede de coleta de lixo e serviços e
equipamentos urbanos, e foram produzidas pela Secretaria de Planejamento Municipal
(SEPLAN), de Cascavel/PR, no ano de 2004.
81
A amostra compôs-se de 31 observações, referentes às 31 unidades
administrativas municipais do perímetro urbano do município em análise. É importante frisar
que, dadas as limitações das agências produtoras dessas fontes, os resultados foram uma
aproximação, porém acredita-se que possuam um grau de confiança elevado. Ademais,
acredita-se que outras variáveis possam contribuir para a compreensão da distribuição
espacial dos homicídios no perímetro urbano de Cascavel (taxa de desemprego, acesso a
cultura, rotatividade residencial no bairro, etc.), porém as mesmas inexistem para o contexto
intra-urbano do município em análise.
4.4 Análise exploratória dos padrões espaciais dos homicídios em Cascavel/PR
Por intermédio do método de AEDE, buscou-se identificar a existência de
padrões espaciais na distribuição territorial dos homicídios nas diferentes unidades
administrativas do perímetro urbano de Cascavel, especificamente no período 2000-2006. A
Figura 9, a seguir, apresenta a distribuição espacial das taxas médias de homicídios por
100.000 habitantes, evidenciando a heterogeneidade na incidência desse tipo de crime no
espaço.
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Figura 9 – Distribuição espacial das taxas de homicídio em Cascavel em relação à média.
82
Percebe-se que as áreas com a menor incidência de homicídios foram os
bairros Recanto Tropical e Parque Verde, em azul médio. A área em azul claro, predominante
no centro da cidade e seu entorno, além de alguns bairros periféricos, se caracterizaram
também por apresentar taxas médias de assassinatos inferiores à média, que foi de 31,91
homicídios por 100.000 habitantes.
Com base no indicador de violência ora analisado (homicídios), pode-se
afirmar que as regiões mais violentas da cidade foram as unidades administrativas do
Interlagos e do Brazmadeira (em vermelho), com taxas superiores a 84,83/100.000 habitantes,
seguidas do bairro Morumbi (em laranja) com uma taxa entre 58,37 e 84,83/100.000
habitantes.
A Figura 10, abaixo, apresenta a distribuição espacial do tipo de crime
analisado, considerando os outliers, ou seja, observações discrepantes superiores e inferiores.
Um outlier significa que a área em questão não segue o mesmo processo de dependência
espacial das demais. Os outliers baixos são representados pela cor azul mais escura e os
outliers altos pela cor vermelha. Como pode ser verificado, dentre as 31 unidades
administrativas, Cascavel só apresentou outliers altos no período considerado, constituídos
pelos bairros Interlagos e Brazmadeira, situados no norte da cidade.
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Figura 10 – Identificação dos outliers
83
Uma outra forma de representar os outliers superiores e inferiores é a
utilização do cartograma (Figura 11). Essa ferramenta transforma os polígonos referentes a
cada unidade administrativa em círculos, cujo tamanho se torna proporcional ao valor da
variável considerada. Os círculos podem ser preenchidos pelas cores verde, vermelho e azul.
As esferas verdes indicam as áreas que seguem o mesmo padrão quanto às taxas de
homicídio. As esferas azuis representam as áreas com valores discrepantes inferiores e as
esferas vermelhas indicam áreas com valores discrepantes muito elevados, segundo o critério
do 1,5 hidge
24
(ALMEIDA, 2004).
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Figura 11 – Cartograma de outliers
Um outlier significa que essa área não segue o mesmo processo de
dependência espacial das demais e, assim, acaba exercendo uma influência espúria sobre a
medida global de autocorrelação. Embora apresentem informações importantes, a mera
visualização dos mapas pode levar ao erro. É fundamental realizar testes de aleatoriedade para
verificar a tendência geral do agrupamento de dados.
Para verificar a presença de autocorrelação espacial entre os agentes, deve-
se analisar o índice de I de Moran, que indica a associação espacial global. Os valores
positivos deste índice demonstram que há autocorrelação espacial positiva, o que significa
que os agentes (unidades administrativas) interagem no espaço. Especificamente nesta
pesquisa, isso equivaleria a dizer que as regiões com altas taxas de criminalidade são
circundadas por outras com altas taxas de criminalidade, da mesma forma que áreas de baixa
criminalidade também são rodeadas por outras com as mesmas características.
24
O critério do 1,5 hidge indica que a observação aparece fora do intervalo interquartílico em um montante que
é, no mínimo, 1,5 vezes o valor do intervalo interquartílico (ALMEIDA, 2004).
84
O I de Moran esperado, E(I)=-1/(n-1), seria o valor encontrado caso não
houvesse padrão espacial nos dados. Sendo “n” o número de unidades espaciais do território
analisado, que nesta pesquisa é 31, referente às unidades administrativas urbanas de Cascavel,
o valor esperado é E(I)=-0,033. Os valores acima deste indicam uma autocorrelação espacial
positiva, da mesma forma que os valores inferiores indicam uma autocorrelação espacial
negativa.
A seleção da matriz de ponderamento ou de peso espacial é um passo
importante para a subseqüente análise dos dados, pois influencia as inferências estatísticas.
Assim, a Tabela 5 apresenta os valores de I de Moran para a variável taxa média de
homicídios de acordo com três diferentes tipos de matrizes de pesos espaciais que expressam
as relações de vizinhança (rainha, torre e 5 vizinhos mais próximos). Constata-se a existência
de autocorrelação espacial positiva entre as unidades espaciais consideradas, pois, nas
diferentes convenções testadas, o valor encontrado está acima do valor esperado para essa
estatística caso não houvesse padrão espacial nos dados, que é de -0,033.
Tabela 5 – Coeficiente de I de Moran para a variável “taxa média de homicídio”
Convenção I Probabilidade Significância
Rainha 0,2932 0,0090 1%
Torre 0,2797 0,0210 5%
5 vizinhos mais próximos 0,2334 0,0060 1%
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Nota: A pseudo-significância empírica é baseada em 999 permutações aleatórias
25
.
A Figura 12, abaixo, ilustra o Diagrama de Dispersão de Moran para os três
tipos de matriz de peso espacial consideradas. Os diagramas de dispersão referem-se às taxas
médias de homicídios nas unidades administrativas do perímetro urbano de Cascavel, no
período compreendido entre os anos 2000 e 2006.
Considerando que a matriz de peso espacial Rainha apresentou o coeficiente
de I de Moran mais significativo, esta será utilizada de base para as análises subseqüentes.
Constata-se que o I de Moran na convenção Rainha foi de 0,2932 e, portanto, bem superior ao
valor esperado para este índice (-0,033). Deste modo, considerando que o p-valor
26
desta
estatística foi de 0,0090, com uma significância de 1%, pode-se afirmar que os homicídios
ocorridos no cenário cascavelense no período de referência foram fortemente correlacionados
25
Segundo Almeida; Almeida; Sartoris (2006), no teste da pseudo-significância são geradas diferentes
permutações dos atributos associados às regiões consideradas. Cada permutação cria um novo arranjo espacial,
pois os valores são redistribuídos entre as áreas.
26
O p-valor é o nível de significância observado.
85
no espaço. Regiões violentas estavam rodeadas por outras regiões violentas, assim como
regiões pouco violentas eram vizinhas de outras pouco violentas.
Rainha Torre 5 vizinhos mais próximos
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Figura 12 - Diagrama de dispersão de Moran para as taxas médias de homicídio
Conforme apresentado no item 4.3, os padrões globais podem esconder
padrões locais ou estar sendo influenciados por eles. Assim, é imprescindível verificar a
formação de agrupamentos (clusters). Cada quadrante do diagrama de dispersão de Moran
indica um agrupamento, que pode ser do tipo Alto-Alto (Quadrante 1), Baixo-Baixo
(Quadrante 2), Baixo-Alto (Quadrante 3) e Alto-Baixo (Quadrante 4), conforme apresentando
anteriormente na Figura 8. Para facilitar a visualização dessas informações já expressas no
diagrama acima (Figura 12) referente ao tipo Rainha, fez-se uso da ferramenta “Lisa cluster
map”, cujo resultado se encontra expresso na Figura 13, na sequência.
Com base na visualização do mapa de agrupamentos, verifica-se a presença
de dois clusters. Um do tipo Baixo-Baixo, que inclui o centro da cidade e algumas áreas
circunvizinhas, também caracterizadas por baixos índices de homicídio, e outro cluster do
tipo Alto-Alto, localizado na região norte da cidade e representado pelas unidades
administrativas Interlagos e Floresta, que também foram circundados por outras áreas com
altos índices de homicídio, no caso o Brazmadeira e o Brasília.
86
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Figura 13 - Mapa de clusters das taxas de homicídios (2000-2006)
De modo geral, verificou-se a autocorrelação espacial global e local
(presença de clusters), o que nos permite inferir que se trata de uma problemática
caracterizada pela dependência e pela heterogeneidade espacial. Diante de tal cenário, uma
dúvida se coloca: – Que características e/ou elementos poderiam estar relacionados à
dinâmica da incidência desigual da criminalidade violenta, aqui mensurada pelo homicídio?
No item subseqüente, buscou-se avaliar, a partir do cálculo do coeficiente
do I de Moran bivariado, a autocorrelação espacial entre a variável dependente (taxa de
homicídios) e as variáveis independentes. No caso das variáveis explicativas expressas apenas
em bases cartográficas, foi realizada uma análise qualitativa, de sobreposição espacial de
informações.
4.5 A incidência desigual dos homicídios no espaço urbano de Cascavel: uma proposta
de compreensão
No intuito de identificar elementos que auxiliassem na compreensão da
complexa dinâmica da incidência desigual dos assassinatos no território urbano cascavelense,
foram testadas algumas variáveis de desigualdade socioeconômica e de infra-estrutura urbana.
Devido às limitações das fontes disponíveis, foram selecionadas para essa análise variáveis
numéricas (disponibilizadas pelo IBGE com base no Censo Populacional de 2000) e variáveis
87
expressas em formato cartográfico (produzidas pela Secretaria de Planejamento Municipal,
em 2004).
Para a avaliação das variáveis em formato numérico, foi utilizado o I de
Moran bivariado. Este objetiva basicamente descobrir se o valor de uma variável observada
em uma determinada unidade espacial possui uma relação com os valores de outra variável
observada nas unidades espaciais circunvizinhas (ALMEIDA, 2004).
A Figura 14 apresenta os diagramas de dispersão do I de Moran bivariado
que serviram de base para a elaboração da Tabela 6 seguinte. A variável dependente (taxa de
homicídios) foi comparada com cada variável independente ou explicativa.
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Figura 14 - Diagramas de dispersão do I de Moran bivariado
88
Para facilitar a visualização, a tabela a seguir apresenta o coeficiente I de
Moran bivariado das taxas de homicídio em relação às demais variáveis.
Tabela 6 – Coeficiente de I de Moran bivariado da taxa média de homicídios e demais
variáveis explicativas
E(I) I Probabilidade Significância
Densidade demográfica
-0,033 0,1909 0,0470 5%
Média de moradores por habitação
-0,033 0,3400 0,0030 1%
Chefes de família sem instrução e até 1 ano de estudo
-0,033 0,3498 0,0010 1%
Chefes de família com até 4 anos de estudo
-0,033 0,3426 0,0020 1%
Chefes de família com mais de 15 anos de estudo
-0,033 -0,3185 0,0040 1%
Chefes de família sem rendimento
-0,033 0,2906 0,0040 1%
Chefes de família com renda de até 1 salário
-0,033 0,3227 0,0040 1%
Chefes de família com renda de até 2 salários
-0,033 0,3427 0,0010 1%
Chefes de família com renda de até 3 salários
-0,033 0,3464 0,0010 1%
Chefes de família com renda superior a 20 salários
-0,033 -0,2904 0,0030 1%
População com mais de 60 anos de idade
-0,033 -0,1819 0,0590 5%
População com idade entre 10 e 19 anos
-0,033 0,2119 0,0670 10%
Domicílios com água canalizada
-0,033 0,5950 0,5950 Não sig.
Domicílios com esgoto (rede geral)
-0,033 -0,3837 0,1760 1%
Domicílios sem banheiro e sanitário
-0,033 0,0977 0,0010 Não sig.
Mortalidade infantil
-0,033 0,0669 0,4840 Não sig.
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Nota: A pseudo-significância empírica foi baseada em 999 permutações aleatórias.
Dentre as dezesseis associações entre variáveis analisadas, verifica-se que
apenas três não foram significativas com base no teste da pseudo-significância empírica:
a) domicílio com água canalizada; b) domicílios sem banheiro e sanitário e c) mortalidade
infantil. As demais variáveis apresentaram correlação espacial significativa.
É importante frisar que uma análise de correlação espacial possui uma
interpretação diferente da correlação convencional. A associação identificada não é em
relação à mesma unidade de análise, mas sim a associação do comportamento de uma variável
em determinada área com o valor de outra variável nas áreas vizinhas.
A correlação espacial mais forte entre as variáveis analisadas foi com a
variável explicativa “domicílios com esgoto ligados na rede geral”, cujo índice I de Moran
encontrado foi de -0,3837, significativo a 1%. Isso significa que áreas com baixo percentual
de domicílios com serviço de esgoto ligado à rede geral eram vizinhas de áreas com altas
taxas de homicídio, assim como áreas com alto percentual da variável considerada estavam
rodeadas por áreas com baixos índices de assassinato.
A segunda variável de maior influência para a distribuição espacial dos
homicídios foi o “% de chefes de família sem instrução e até um ano de estudo” em cada
89
unidade administrativa urbana, que apresentou correlação espacial positiva. O I de Moran foi
de 0,3498, significativo a 1%, indicando que unidades administrativas com elevado percentual
de chefes de família sem instrução ou até um ano de estudo eram cercadas por unidades
administrativas com alta incidência de homicídios. De forma similar, áreas com baixo
percentual de chefes de família sem instrução e até um ano de estudo eram cercadas por áreas
com baixa incidência de homicídios.
A variável “% de chefes de família com renda até três salários” apresentou a
terceira maior correlação espacial com as taxas de assassinato. O I de Moran foi de 0,3464,
demonstrando uma correlação espacial positiva. Assim, os bairros com alta proporção de
chefes de família com renda até três salários mínimos eram circunvizinhos de unidades
administrativas com alto grau de homicídios, da mesma forma como áreas com baixo
percentual desta variável estavam cercadas por áreas de baixa criminalidade violenta.
Também apresentaram correlação espacial positiva as variáveis “densidade
populacional”, “média de moradores por habitação”, “chefes de família com até 4 anos de
estudo”, “chefes de família sem rendimento”, “chefes de família com renda de até 1 salário
mínimo”, “chefes de família com renda até 2 salários” e “população com idade entre 10 e 19
anos”. Portanto, áreas com altos valores dessas variáveis eram vizinhas de áreas com altas
taxas de homicídio, assim como unidades administrativas com baixos valores dessas variáveis
eram rodeadas por áreas com baixa incidência de crimes que resultaram em morte. Podemos
afirmar que essas variáveis apresentaram-se como potencializadoras dos homicídios. De
acordo com a literatura discutida no Capítulo 3, esperava-se que essas variáveis
apresentassem correlação espacial positiva com as taxas de assassinato em Cascavel – como
de fato ocorreu -, pois se referem a contextos urbanos com fracos indicadores
socioeconômicos e baixa qualidade de vida.
As demais variáveis apresentaram correlação espacial negativa, o que nos
permite dizer que apresentaram-se como inibidoras dos assassinatos ou pouco presentes nos
cenários mais violentos do perímetro urbano. Foram elas: “chefes de família com mais de 15
anos de estudo”, “chefes de família com rendimento superior a 20 salários mínimos” e
“população com mais de 60 anos de idade”. Logo, áreas com baixos valores dessas variáveis
estavam rodeadas por áreas com alto índice de homicídio, bem como unidades espaciais com
altos valores dessas variáveis eram circunvizinhas de áreas com baixa criminalidade violenta.
Da mesma forma que algumas características potencializaram a ocorrência
de um conflito violento que culminou em morte, comprovou-se que algumas variáveis
reduziram significativamente essa possibilidade. Estas eram variáveis indicativas de melhor
90
nível socioeconômico e de um contexto de melhores oportunidades sociais, conseqüentemente
de qualidade de vida da população residente.
De forma complementar, os mapas bivariados de clusters a seguir (Figura
15) apresentam os padrões locais de associação (agrupamentos) entre a variável dependente
(taxa de homicídio) e cada uma das variáveis explicativas analisadas nesse estudo.
As áreas em azul escuro indicam clusters do tipo Baixo-Baixo, ou seja,
áreas com baixo valor da variável analisada que estavam rodeadas por áreas de baixa
incidência de homicídios. As áreas em azul médio representam a formação de clusters do tipo
Baixo-Alto, indicando áreas com baixo valor do atributo analisado, circundadas por áreas de
elevada incidência de homicídios.
Da mesma forma, as áreas em vermelho escuro ilustram os clusters do tipo
Alto-Alto, unidades espaciais com alto valor da característica analisada contíguas a áreas de
alta ocorrência de assassinatos. As áreas em vermelho mais claro representam os clusters do
tipo Alto-Baixo. Assim, unidades espaciais com alto valor da variável analisada estavam
cercadas por áreas de baixa criminalidade.
Densidade demográfica
Média de moradores por habitação
Chefes de família sem instrução e até 1 ano de
estudo
Chefes de família com até 4 anos de estudo
91
Chefes de família com mais de 15 anos de
estudo
Chefes de família sem rendimento
Chefes de família com rendimento de até 1
salário
Chefes de família com rendimento de até 2
salários
Chefes de família com rendimento de até 3
salários
Chefes de família com rendimento superior a
20 salários
População com mais de 60 anos de idade
População com idade entre 10 e 19 anos
92
Domicílios abastecidos com água (rede geral)
Domicílios com esgoto (rede geral)
Domicílios sem banheiro e sanitário
Mortalidade infantil
Elaboração: RAMÃO, Fernanda P.
Figura 15 – Mapas bivariados de clusters
A partir da análise dos clusters, pode-se inferir que, em geral, as áreas
centrais da cidade apresentaram os valores mais desejáveis dos atributos considerados nesse
estudo e também apresentaram baixa incidência relativa de assassinatos. Por outro lado, a
região norte da cidade, principalmente os bairros Interlagos e Floresta, formou um cluster
caracterizado por valores indesejáveis das variáveis explicativas, bem como apresentou
valores altos de homicídios, da mesma forma que as áreas vizinhas a eles.
Para complementar a análise realizada com as variáveis numéricas foi
realizada uma avaliação qualitativa para auxiliar na compreensão da incidência desigual dos
assassinatos no território cascavelense, a partir da “sobreposição” espacial das informações
cartográficas. Serviram de base para esta análise as bases cartográficas referentes ao padrão
construtivo das edificações, à rede municipal de coleta de lixo, à rede de pavimentação e à
qualidade dos serviços e dos equipamentos urbanos, produzidas pela Secretaria Municipal de
Planejamento (SEPLAN), em 2004.
A primeira base cartográfica (Figura 16) ilustra o padrão construtivo das
edificações no perímetro urbano de Cascavel. Por intermédio da legenda, constata-se que as
93
MAPA PADRÃO CONSTRUTIVO
áreas com as edificações mais precárias da cidade estão ilustradas nas cores amarelo,
vermelho e rosa. Se forem “agregadas” essas categorias, verifica-se que unidades
administrativas situadas na faixa compreendida entre o norte da cidade até o extremo leste são
as áreas com o mais baixo padrão construtivo da cidade. Destacam-se também neste quesito
as áreas localizadas no sul e no oeste do perímetro urbano.
As moradias mais precárias localizam-se no limite do perímetro urbano, em
áreas ditas periféricas. As unidades administrativas que se destacam são: Interlagos, Floresta,
Cataratas, Esmeralda, Catorze de Novembro, Santa Cruz, Morumbi, Brasília e Periolo.
Excetuando os dois últimos bairros citados, os demais apresentam taxas de homicídio acima
da média municipal, conforme apresentado anteriormente (Tabela 4).
Fonte: SEPLAN, 2004.
Figura 16 – Padrão construtivo das edificações urbanas de Cascavel
No que se refere à extensão da rede de coleta de lixo, o cartograma a seguir
(Figura 17) demonstra que este serviço não abrange todo o perímetro urbano. Os moradores
dos bairros Morumbi e Cataratas, localizados no extremo leste, praticamente não contam com
a prestação desse serviço. Também os bairros Floresta e Interlagos, situados no norte, contam
com esse serviço em apenas uma área muito limitada de seus territórios. Outros bairros
periféricos, especificamente Canadá, Santa Cruz, Esmeralda, Guarujá, Catorze de Novembro,
94
COLETA DIURNA (2º,4º,6º)
COLETA NOTURNA DIÁRIA
COLETA DIURNA (3º,5º, SÁBADO)
COLETA NOTURNA (2º,4º,6º)
COLETA NOTURNA (3º,5º, SÁBADO)
ECOLIXO
LAGO MUNICIPAL
Santa Felicidade e Universitário, também usufruem apenas parcialmente do serviço de coleta
de lixo urbano. Destes, apenas Canadá, Universitário e Guarujá apresentam taxas de
homicídio inferiores à média da cidade e, embora apresentem deficiências no serviço de
coleta de lixo, não acumulam uma “sobreposição de carências” (CARDIA; ADORNO;
POLETO, 2003), como os demais.
Fonte: Seplan, 2004
.
Figura 17 - Rede de coleta do lixo urbano de Cascavel
A rede de pavimentação urbana, de acordo com a Seplan, pode ser
classificada em: asfalto, sem pavimentação ou pavimentação com pedra irregular. As
unidades administrativas que mais se destacam pela inexistência de vias públicas
pavimentadas com asfalto (ilustradas em azul) na Figura 18 são: a norte, Interlagos e
Brazmadeira; a leste, Morumbi, Periolo, Cataratas e Cascavel Velho; a oeste, Santa Cruz e
Santo Onofre.
Mais uma vez, as áreas com deficiência de infra-estrutura e de serviços
urbanos são as situadas no cinturão que limita o perímetro urbano de Cascavel, com destaque
para as unidades administrativas do norte e do extremo leste (Figura 18). De todos os bairros
95
sem pavimentação, o único com taxa de assassinato inferior à média é o Periolo, situado na
região norte.
Fonte: Seplan, 2004.
Figura 18 - Rede de pavimentação urbana de Cascavel
A Figura 19 ilustra o grau de satisfação da infra-estrutura urbana e de
serviços coletivos em cada unidade administrativa, de acordo com a avaliação da gestão
municipal. Observa-se que o centro da cidade, assim como seu entorno, possui uma qualidade
de 90% a 100% de satisfação no atendimento à população em infra-estrutura e em serviços
públicos, bem como as áreas a seu entorno. Por outro lado, os bairros com a mais baixa
avaliação neste quesito (de 60% a 70% de satisfação) localizam-se nos extremos norte a leste
do perímetro urbano. São os bairros: Brazmadeira, Interlagos, Floresta, Brasília, Periolo,
Morumbi e Cataratas. No oeste da cidade também os bairros Santa Cruz, Santo Onofre e
Santos Dumont possuem os mesmos patamares de oferta dessas benfeitorias urbanas.
Mais uma vez, verifica-se que a maioria dos bairros com os menores índices
de satisfação nos quesitos infra-estrutura e serviços urbanos apresentam também altas taxas de
homicídio (exceto o Brasília e o Periolo). A faixa que se estende de norte a leste é a mais
deficitária nos diferentes atributos analisados nesta pesquisa e, dessa forma, se caracteriza por
96
um quadro semelhante ao que Cardia; Adorno; Poleto (2003) definiram – embora para a
cidade de São Paulo - como “sobreposição de carências”, ou seja, um contexto propício à
proliferação de crimes violentos, especialmente os que resultam em morte.
Fonte: Seplan, 2004.
Figura 19 – Qualidade da rede de infra-estrutura e de serviços urbanos de Cascavel
A unidade administrativa que se destacou nessa análise foi a do Interlagos,
localizada no norte da cidade. De acordo com o Perfil 2004 de Cascavel, organizado pela
SEPLAN, trata-se do bairro com maior área de loteamentos irregulares (30% do total), bem
como de loteamentos públicos invadidos e focos de pobreza, o que evidencia, juntamente com
as outras carências já indicadas, um cenário urbano degradado e com alta incidência de
assassinatos (74 mortes no total). Com 2,23% do território urbano, o referido bairro foi
cenário de 15,38% do número total de homicídios da cidade, com uma taxa por cem mil
habitantes de 101,73 (no período).
De modo geral, se os cartogramas apresentados forem comparados (Figuras
16 a 19) com os de homicídios (Figura 9), podem ser identificadas importantes sobreposições.
As regiões mais violentas foram algumas das periféricas, assim como as menos dotadas dos
patamares desejáveis das variáveis apresentadas nos cartogramas, o que indicou uma
97
associação entre o fenômeno da distribuição espacial dos homicídios e a desigualdade na
infra-estrutura e nos serviços urbanos na cidade de Cascavel.
Com base nas análises do presente capítulo pode-se tecer importantes
inferências sobre o fenômeno dos homicídios em Cascavel. Considerando todo o município,
constatou-se que as taxas de homicídio foram superiores às médias estaduais em toda a
temporalidade histórica delimitada. Verificou-se também, com base em dados do Atlas do
Desenvolvimento Humano no Brasil, que, entre os anos censitários de 1991 e 2000, houve um
acentuado crescimento econômico, paralelamente à ampliação da desigualdade econômica e
social no município, que foi mais aguda do que no cenário estadual e nacional. Com base na
literatura e nos dados empíricos levantados, acredita-se que tal processo – o de ampliação das
desigualdades - possa estar retro-alimentando a dinâmica da criminalidade violenta no
município analisado, especialmente os homicídios.
No cenário urbano verificou-se que a incidência desigual dos assassinatos
ao longo do espaço possuiu uma forte associação com a desigualdade econômica, social e de
infra-estrutura e serviços urbanos. As variáveis quantificáveis que apresentaram maior
correlação espacial com o fenômeno ora estudado foram o percentual de domicílios com
esgoto ligado à rede geral (correlação negativa, que expressa uma relação inversa), percentual
de chefes de domicílio sem instrução e até um ano de estudo, e percentual de chefes de
família com renda de até três salários mínimos (correlações positivas). Dentre as variáveis
numéricas, as únicas que não se mostraram significativas foram: mortalidade infantil,
percentual de domicílios com água canalizada e percentual de domicílios sem banheiro e
sanitário. Dentre essas, a que causou maior surpresa foi a mortalidade infantil, indicada em
importantes estudos como altamente significativa para a compreensão da distribuição espacial
de crimes de homicídio (BEATO; REIS, 2001; CARDIA; ADORNO; POLETO, 2003).
Talvez tal fato se justifique pelo número reduzido da amostra, cuja base foi o ano de 2000, no
qual foram registrados poucos casos de mortalidade infantil. Possivelmente, se fosse realizada
uma análise de um período mais longo, considerando a taxa média deste, tal resultado poderia
ter sido relevante.
As variáveis explicativas apresentadas em formato cartográfico foram
consideradas significativas para a compreensão da distribuição espacial desigual dos
assassinatos, indicando que áreas com infra-estrutura e serviços urbanos precários foram o
cenário mais recorrente para a consumação de um homicídio. Nesse sentido, constatou-se que
as unidades administrativas centrais, dotadas de melhor infra-estrutura urbana e de melhores
indicadores socioeconômicos apresentaram taxas de homicídio abaixo da média. Do mesmo
98
modo, algumas áreas periféricas que delimitavam o perímetro urbano especialmente no norte
e extremo leste, com condições precárias de infra-estrutura urbana e indicadores sociais e
econômicos baixos, foram os lugares de maior incidência de conflitos que resultaram em
desfechos fatais, com destaque para Brazmadeira, Interlagos e Morumbi.
Isto posto, fica claro que se trata de uma problemática concentrada
espacialmente, em larga medida decorrente de carências na infra-estrutura urbana e
desigualdades de natureza social e econômica. Certamente, visto tratar-se de um fenômeno
complexo e multidimensional, resultante da confluência de fatores individuais e estruturais, as
variáveis consideradas neste estudo não explicam totalmente a heterogeneidade espacial do
fenômeno em questão, mas constituem-se em elementos importantes e com alto grau de
confiabilidade para sua compreensão.
No que se refere aos fatores estruturais explicativos da incidência desigual
dos homicídios no espaço urbano de Cascavel, os resultados convergem, de modo geral, como
os estudos apresentados no Capítulo 3 desta dissertação. Embora a realidade empírica de
Cascavel tenha apresentado contornos específicos, pode-se afirmar que a “sobreposição de
carências” (CARDIA; ADORNO; POLETO, 2003) potencializou a ocorrência de conflitos
que resultaram em morte.
Uma das contribuições das relações apresentadas foi evidenciar a
importância da estrutura urbana e das desigualdades diversas ao longo do espaço para o
entendimento dos padrões de concentração da criminalidade violenta no contexto municipal.
Trata-se de um problema de gestão pública e de desenvolvimento urbano, além de um
problema de polícia.
99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo buscou-se examinar e compreender a distribuição espacial
desigual dos homicídios no perímetro urbano do município de Cascavel/PR, no período
compreendido entre os anos 2000 e 2006, a partir dos determinantes estruturais da violência e
da criminalidade urbana, especificamente a que resultou em morte.
No segundo capítulo apresentou-se o contexto geral da problemática
analisada, evidenciando as transformações urbanas recentes e a disseminação da
criminalidade violenta no Brasil. Partiu-se da discussão sobre o processo de urbanização
vivenciado no país especialmente nas últimas décadas, cuja principal característica foi a
celeridade desse processo. Embora tenha se estendido por todo o território nacional, as
diferentes regiões sofreram um impacto desigual, bem como as diferentes classes de tamanho
dos municípios e, a partir da década de 1970, as cidades de porte médio brasileiras foram as
que cresceram em ritmo mais acentuado. A cidade de Cascavel, cenário privilegiado neste
estudo, apresentou um rápido crescimento demográfico e uma urbanização em grande parte de
forma desordenada, entretanto, como crescimento não significa desenvolvimento, realizou-se
uma discussão conceitual sobre desenvolvimento, especialmente o urbano. Nesta análise,
considerou-se que, mais do que crescimento econômico e modernização tecnológica, é preciso
priorizar o bem-estar da população e sua qualidade de vida ao longo do espaço.
Indicou-se que no Brasil, com o advento da rápida urbanização, o rearranjo
demográfico ocorreu de forma mais intensa que a realocação dos recursos básicos para
garantir uma qualidade de vida digna a amplas parcelas da população, tal como ocorreu no
município de Cascavel. Em conseqüência, as cidades brasileiras caracterizam-se pela
heterogeneidade e pela segregação socioespacial. Paralelamente à expansão urbana
desordenada, o Brasil vivenciou uma escalada em suas taxas de homicídio por cem mil
habitantes nas últimas décadas, cujas dimensões atingiram patamares alarmantes. Indicou-se
também, de acordo com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), que está em
curso um processo de interiorização dos assassinatos no país, pois apesar das metrópoles
brasileiras possuírem as taxas mais altas, os municípios interioranos e distantes das regiões
metropolitanas estão apresentando as maiores taxas de crescimento dos homicídios no país. A
cidade de Cascavel, uma cidade de porte médio não metropolitana do Paraná, apresentou altas
taxas de assassinato ao longo da temporalidade histórica analisada, sempre superiores à média
estadual. Demonstrou-se, contudo, que essas taxas não se distribuíram de forma homogênea
100
no cenário intra-municipal, evidenciando a heterogeneidade espacial na incidência deste crime
no espaço urbano e a importância de buscar compreender este fenômeno na escala local.
No terceiro capítulo realizou-se uma revisão da literatura especializada
sobre a temática da violência e da criminalidade, com ênfase na criminalidade violenta e nos
homicídios. Teceu-se inicialmente uma discussão conceitual sobre violência e seus múltiplos
níveis de significação, para, em seguida, definir o crime, que é um conceito jurídico. Indicou-
se que a violência e o crime são decorrentes de uma multiplicidade de relações entre atributos
individuais e do contexto onde ocorre, o que torna o tema bastante complexo. Assumindo
contornos específicos ao longo da temporalidade histórica e do espaço, a violência sempre
esteve presente nas sociedades humanas e, embora ocorra em intensidades diferentes no
mundo, não é particularidade da sociedade brasileira. Além disso, a supressão física de um
indivíduo por outro, o homicídio, é a ação humana mais constantemente criminalizada nas
diferentes sociedades, embora o ato ocorra de diferentes formas, por motivos diversos e com
incidência mais ou menos regular.
Destacou-se que os homicídios nos centros urbanos no Brasil são cada vez
mais freqüentes, o que indica um alto grau de tensão social. Não há consenso na literatura
especializada sobre as causas desse crescimento, que se acentuou desde a década de 1960,
quando o país acelerou seu processo de urbanização, porém as análises apresentam
convergências em muitos aspectos. A crise e a descrença no Sistema de Justiça Criminal, o
rápido crescimento urbano que gerou várias demandas características da vida urbana que não
puderam ser adequadamente supridas pelo Estado, a grande desigualdade social e econômica
vigente, potencializadora de desajustes sociais, os novos padrões de delinqüência, o uso
indiscriminado de armas de fogo, etc., são fatores que teriam repercutido na escalada das
taxas de criminalidade no país.
Foram apresentadas propostas de sistematizações do campo de estudo e o
estado atual da temática, além de pesquisas recentes sobre a distribuição espacial da
criminalidade violenta, principalmente os homicídios. Apesar dos recortes analíticos
diferenciados, abordagens e métodos utilizados, todos os autores indicaram a existência de
uma associação entre a incidência desigual dos crimes violentos no espaço urbano com
indicadores de desigualdade, embora a intensidade da relação possa variar no tempo e no
espaço. No final do capítulo foram apresentados os limites e as aplicações da análise espacial
da criminalidade violenta, indicando que ela prioriza a compreensão dos determinantes
estruturais do fenômeno estudado.
101
No quarto capítulo apresentou-se a pesquisa empírica sobre o
comportamento dos homicídios no município de Cascavel entre os anos 2000 e 2006. Uma
análise dos padrões gerais deste tipo de ocorrência iniciou o capítulo. Verificou-se, a partir da
evolução de indicadores socioeconômicos e de desigualdade (renda per capita, IDH, índice de
Gini, razão entre a renda dos 10% mais ricos e os 40% mais pobres e intensidade da pobreza),
que a cidade de Cascavel apresentou índices positivos em relação à média estadual e nacional,
porém, entre os anos censitários de 1991 e 2000, sofreu um processo mais agudo de
ampliação das desigualdades. Houve crescimento econômico significativo no município, mas
este foi simultâneo à maior concentração da riqueza. Conforme já indicado, não se pode
afirmar que tal fato tenha associação direta com as altas taxas de homicídio, mas, de acordo
com a literatura especializada, não se pode negar a sinergia entre eles.
Quando analisado o espaço intra-municipal, comprovou-se que, da mesma
forma que os homicídios incidiram majoritariamente sobre a área urbana, poucas unidades
administrativas as concentraram. No intuito de compreender os determinantes estruturais da
incidência desigual dos assassinatos no perímetro urbano do município de Cascavel, realizou-
se uma análise estatística exploratória de cunho espacial, além de correlação bivariada entre a
variável dependente (taxa média de homicídios) e as variáveis explicativas, referentes a
indicadores de desigualdade social, econômica e de infra-estrutura e serviços urbanos. De
forma complementar, procedeu-se a uma análise qualitativa de “sobreposição” espacial de
informações cartográficas.
Foi comprovado que apenas três variáveis do estudo não se mostraram
significativas (domicílios com água canalizada; domicílios sem banheiro e sanitário e
mortalidade infantil). Algumas apresentaram correlação espacial positiva (chefes de família
sem instrução e até um ano de estudo; chefes de família com renda até três salários; densidade
populacional; média de moradores por habitação; chefes de família com até 4 anos de estudo;
chefes de família sem rendimento; chefes de família com renda de até 1 salário mínimo;
chefes de família com renda até 2 salários; e população com idade entre 10 e 19 anos), o que
significa que são elementos potencializadores dos contextos de maior incidência dos
assassinatos. Em outras palavras, isso significa que áreas com alto índice de homicídio eram
cercadas por áreas com altos valores dessas variáveis, assim como áreas com baixa incidência
de homicídio eram rodeadas de unidades espaciais com baixo valor dessas variáveis.
As demais variáveis (domicílios com esgoto ligados na rede geral; chefes
de família com mais de 15 anos de estudo; chefes de família com rendimento superior a 20
salários mínimos; e população com mais de 60 anos de idade) apresentaram correlação
102
espacial negativa e podem ser consideradas inibidoras ou características contextuais ausentes
nos lugares de maior incidência de homicídios. Assim, unidades administrativas urbanas com
altas taxas de homicídio eram rodeadas por áreas com baixo valor dessas variáveis, do mesmo
modo como áreas com baixo índice de homicídio eram cercadas por unidades administrativas
com alto valor desses atributos.
As variáveis analisadas em formato cartográfico também se mostraram
significativas (padrão construtivo; serviço de coleta de lixo; pavimentação; infra-estrutura e
serviços urbanos), indicando que, onde há carências nesses atributos, o contexto favorece a
ocorrência de homicídios.
As análises realizadas demonstraram que os homicídios foram altamente
concentrados no espaço e que possuíam uma grande associação com as carências na infra-
estrutura urbana e com as desigualdades sociais e econômicas ao longo do território.
Comprovou-se que cenários caracterizados pela “sobreposição de carências” potencializaram
a ocorrência de crimes violentos que resultaram em morte.
Pode-se dizer que os resultados da pesquisa foram condizentes com a linha
explicativa predominante na literatura especializada, que enfatiza a desigualdade como
elemento-chave para o entendimento da dinâmica espacial dos crimes violentos, sobretudo os
homicídios. Nesse sentido, a hipótese sugerida no início deste estudo foi confirmada. Pode-se,
portanto, afirmar que há relação proporcional entre as desigualdades socioeconômicas e as
carências na infra-estrutura e nos serviços urbanos em cada unidade administrativa urbana de
Cascavel/PR com a incidência de altas taxas de homicídio.
O eixo central dessa pesquisa foi sua proposição empírica, cujo objetivo foi
identificar elementos estruturais presentes na complexa dinâmica da distribuição espacial
desigual dos homicídios no perímetro urbano de Cascavel/PR entre os anos 2000 e 2006.
Além de contribuir para o debate sobre desenvolvimento municipal e estratégias de combate e
prevenção do crime urbano, esta pesquisa serve como reflexão sobre a realidade social na qual
estamos inseridos.
Por fim, é importante dizer que não se pretendeu esgotar o tema, nem
fornecer uma receita infalível de contenção da criminalidade urbana, especialmente a violenta,
mas levantar o debate acerca do tema e indicar caminhos e ações capazes de contribuir para a
minimização desta problemática no município de Cascavel.
103
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