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Este arquivo faz parte do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação
Social, que disponibiliza para consulta a Dissertação abaixo. O exemplar impresso está
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VALÉRIA MARCONDES
ESFERA PÚBLICA VIRTUAL: ELEMENTOS PARA O ESTUDO
TEÓRICO SOBRE COMUNICAÇÃO E POLÍTICA NO
CIBERESPAÇO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Comunicação Social da
Faculdade de Comunicação Social, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, como requisito para a
obtenção do grau de Mestre.
Orientador Prof. Dr. Francisco Rüdiger
Janeiro de 2006
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M321e Marcondes, Valéria
Esfera blica virtual: elementos para o estudo teórico sobre
comunicação e política no ciberespaço / Valéria Marcondes. Porto Alegre,
2006.
125 fls.
Diss. (Mestrado em Comunicação Social) – PUCRS. Faculdade de Comunicação
Social.
Orientação: Prof. Dr. Francisco Rüdiger.
1. Comunicação Aspectos sociais. 2. Ciberespaço Aspectos
sociais. 3. Internet Aspectos políticos. 4. Democracia. I. diger,
Francisco.
CDD 301.14
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VALÉRIA MARCONDES
ESFERA PÚBLICA VIRTUAL: ELEMENTOS PARA O ESTUDO
TEÓRICO SOBRE COMUNICAÇÃO E POLÍTICA NO
CIBERESPAÇO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós- Graduação em Comunicação Social da
Faculdade de Comunicação Social, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, como requisito para a
obtenção do grau de Mestre.
Aprovada em 11 de janeiro de 2006
BANCA EXAMINADORA
_________________________________
Prof. Dr. Francisco Rüdiger – PUCRS
_________________________________
Prof. Dr. Francisco Menezes – PUCRS
_________________________________
Prof. Dr. Valério Brittos – UNISINOS
4
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, meus olhos e pernas, pelo incentivo, pela dedicação incansável,
pelos conselhos firmes e pelo amor incondicional; aos meus irmãos, meus
exemplos de vida, pelas palavras de força; ao meu Bernardo, minha vida, meu
tudo, por tantos momentos felizes; ao meu Francisco, meu coração, pela
paciência nos dias difíceis, pelas risadas de doer a barriga e pelo ombro
aconchegante; a tia Rosa pelos abraços confortantes; ao meu outro Francisco,
meu eterno mestre, pelos ensinamentos de vida também; ao meu amigo e mestre
Francisco Menezes, por me mostrar outras leituras da vida; ao Heraldo, meu
professor de inglês, pela dedicação e amizade; e a mim mesma, por realizar um
sonho, ou o início dele. A todos pela confiança, estímulo e carinho.
5
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................ 7
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9
1 O CONCEITO DE ESFERA PÚBLICA: DE ARENDT A HABERMAS ............. 19
1.1 Hannah Arendt e a vita activa .............................................................. 25
1.2 Jürgen Habermas e as transformações da esfera pública................... 35
1.3 Reflexões sobre a contribuição de Habermas ..................................... 52
2 ESFERA PÚBLICA VIRTUAL, PODER E DEMOCRACIA............................... 63
2.1 William Bogard e a vigilância on-line ................................................... 63
2.2 Diana Saco e as possibilidades democráticas no ciberespaço............ 70
3 ESFERA PÚBLICA E POLÍTICA NO CIBERESPAÇO .................................... 78
3.1 Mark Poster, internet e esfera pública ................................................. 79
3.2 Andrew Shapiro e a questão dos intermediários.................................. 84
4 ESFERA PÚBLICA VIRTUAL E r
A r
6
4.1 Rousiley Maia e a motivação cívica..................................................... 93
4.2 James Bohman e as perspectivas tecnológicas da esfera pública ...... 97
4.3 Pierre Lévy e os primeiros passos rumo à ciberdemocracia.............. 101
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 109
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 124
7
RESUMO
Pesquisadores do ciberespaço afirmam ter surgido, em nosso tempo, uma esfera
pública virtual. O trabalho que aqui se apresenta expõe as idéias de alguns
desses teóricos. Trata-se de uma pesquisa de essência teórica, na qual se
interligam dois vastos campos de estudo: comunicação e política. Nela sintetizam-
se, analiticamente, as idéias referentes à situação do chamado “espaço público
virtual” no contexto das novas tecnologias da comunicação e da informação. O
pano de fundo deste estudo é a concepção política de espaço público conforme
elaborada por Jürgen Habermas. Tenta-se fugir da política enquanto técnica e
rotinização, embora sua reconfiguração moderna leve a isso. Partindo das idéias
de Habermas, analisam-se as teorias de pensadores como Diana Saco, Andrew
Shapiro, Mark Poster, William Bogard, entre outros. Baseados nesses trabalhos,
procura-se refletir sobre a chamada esfera pública virtual, chegando a algumas
conclusões, como a de que a tecnologia, por si só, não é suficiente para constituir
uma esfera pública, nem para revitalizar o conceito de democracia ou uma
comunicação pública mediada. Preservar o espaço destinado à comunicação e ao
debate público é condição essencial para o desenvolvimento da democracia.
8
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação – Esfera Pública Virtual - Política
ABSTRACT
Cyberspace researchers claim that a virtual public sphere has emerged in our
times. This paper aims at showing the ideas of some of these theoreticians. This is
an essentially theoretical research, in which we connected two important areas of
study: communication and politics. In this research, we synthesize analytically
9
INTRODUÇÃO
Conhecendo a importância do espaço público, suas características e o tipo
de debate que suscita, podemos entender a relevância do seu conceito na vida
democrática moderna. O espaço público, desde sua concepção, é o local
adequado para a excelência e realização do homem. É nele que o cidadão pode
exercer sua liberdade
Preservar o espaço destinado à comunicação e à deliberação pública é
condição essencial para o desenvolvimento da democracia. É o constante
movimento nessa esfera de participação popular que alimenta, revigora e vigia o
processo democrático e as ações políticas.
A esfera blica política sempre foi vista como o lugar da comunicação, da
deliberação, do debate e da participação cívica. Esse espaço permite a percepção
dos dilemas coletivos e o reconhecimento da diversidade de pontos de vista.
Nesse ambiente de conversação e diálogo, segundo Habermas, deve predominar
a universalidade, a racionalidade, a reciprocidade, a igualdade e a o-coerção.
Sem tais características, de nada adianta existir um espaço de deliberação
pública no qual se possa legitimar o processo democrático. Além disso, os
cidadãos que dela participam o fazem por motivações e anseios próprios.
10
Em tempos de cibercultura, a reflexão sobre a democracia e a participação
cívica dá-se em relação à esfera pública virtual. Porém, podemos nos perguntar
se as (tecno)estruturas comunicacionais são suficientes para fortalecer a
democracia ou o movimento deliberativo. As tecnologias digitais, com seus chats,
fóruns de discussão e todos os campos virtuais de interação, dependem de outras
questões que o as técnicas para promover ou revitalizar os mecanismos
democráticos. Nem mesmo a aproximação dos indivíduos conectados é
proporcionada unicamente por existirem sof twares para tanto.
Na tentativa de conceitualizar o ciberespaço, tomamos como guia as
proposições de Mark Nunes, que, como outros teóricos, encontra a origem do
termo “ciberespaço” em Neur omancer, obra de William Gibson’s. Nunes afirma
que a NET pode ser vista como uma topografia na qual o mapa é o território. É
popularmente conhecida como um novo mundo, no qual conceitos como espaço,
tempo e distância o pouco relevantes. Em oposição, interatividade,
simultaneidade, transparência, autonomia e controle passam ao primeiro plano.
Pierre Lévy baseia-se na metáfora da “superestrada da informação” para
afirmar:
É exacto que as cidades se constroem à volta de encruzilhadas ou
de espaços de comunicação. Porém, a analogia entre estradas e
auto-estradas da informação peca por simplismo. Dito em menos
palavras, tende a ocultar a seguinte diferença, que não é sem
conseqüências: as estradas clássicas veiculam corpos e
informações, ao passo que as auto-estradas da informação
transportam dados (LÉVY, 2002, p. 83).
Por sua vez, Nunes afirma que a popularização da rede como tal estrada
da informação representa um certo desejo de poder que apenas continuidade
às ideologias históricas de totalização.
11
Ao mesmo tempo, pela noção ilusória de que é possível viajar no
ciberespaço, o poder é “transferido do real pra o hiperreal”, o que capacita a
motivação modernista em direção ao domínio do mundo. Todavia, esse domínio
é possível num ambiente pós-moderno se o mundo for efetivamente reduzido,
substituído ou recolocado.
O ciberespaço costuma ser sedutor por não ter fronteiras, porém mesmo
seu território foi previamente mapeado. Não país por ser descoberto, nem
exploração a ser feira, somente recuperação do que já está posto. Nunes acredita
que o espaço não é um espaço de forma alguma; nenhum site existe além dos
seus parâmetros de busca. “Toda jornada no ciberespaço é uma repetição de
caminhos” repetição e simulacro, diríamos. A NET somente simula um terreno
desconhecido; o que está on-line foi mapeado, de forma que encontramos o
que foi encontrado, ou seja, nada de descobertas e novidades. A NET, em
última análise, torna-se um fabuloso sistema de auto-referencialidade, uma ilusão
de totalidade. De qualquer forma, uma totalidade com todas as chances de
sucesso, precisamente porque nunca tem de ir além de si mesma. A rede introduz
uma totalidade sem possibilidade de ir além, um campo imanente no qual o
operador pode interagir com elementos conhecidos, com sites estabelecidos e
com códigos compreensíveis (NUNES, 1997, p. 167-168).
Na análise de Nunes, a internet não pode suprir as condições de discurso
democrático, mesmo que os participantes acreditem estar numa arena de troca e
discurso aberto. A imagem produzida da rede é como uma superfície
bidimensional, que é incapaz de realizar uma assembléia democrática
tridimensional. As assembléias eletrônicas são programadas e condicionadas por
um sistema de controle e, conseqüentemente, não pode haver protestos, nem
12
decisões coletivas, nem consenso ou concordâncias que representem a vontade
das massas. O único consenso é um consenso congelado tecnologicamente.
Diferentemente da ágora ou de suas extensões contemporâneas, a NET o
capacita a objetivação nem a consolidação da vontade geral. Então, pergunta o
autor, se a NET não é um lugar na tradição da ágora, como podem as
comunidades virtuais ser consideradas como tais?
Tantas são as ambigüidades da internet que questões como as colocadas
até aqui ficam sem respostas concretas. Se, por um lado, protestos que envolvam
grande número de pessoas são viáveis e concebíveis na NET e através de outros
suportes tecnológicos, por outro, não se pode dizer que englobem uma massa de
indivíduos, mesmo porque à grande massa sequer é dado o direito de acesso às
novas tecnologias, nem aos conhecimentos operacionais necessários para que
possam participar de tais ações.
Nunes apóia-se nas explicações de Baudrillard, do hiperreal, da simulação
e da sedução, para explorar a metáfora geográfica da internet. Na linha de
Baudrillard, Nunes diz que a emergência da internet como um tipo de terreno
cibernético marca o fim da distância simbólica entre o metafórico e o real. O
ciberespaço abandona o real em direção ao hiperreal por presenciar uma
crescente simulação do mundo, na qual desaparecem noções como distância,
tempo e espaço. O modelo do mundo é o mundo em si mesmo. A internet pode
funcionar como um território simulado atravessado por nós via aparatos
tecnológicos. É um mundo simulado e, ao mesmo tempo, mais real do que o real.
Para Nunes, o ciberespaço vai além disso: é um modelo ou mapa de reprodução
do mundo. Esse mapa do território é, ele mesmo, o território: globo e mundo ao
13
mesmo tempo. Eis a metáfora geográfica utilizada para entender os conceitos de
internet e ciberespaço (NUNES, 1997, p. 167-168).
Na visão de Nunes, para milhares de internautas, o ciberespaço é um lugar
real, com potenciais reais. É precisamente essa indefinição do real e do não-real
que marca um momento pós-moderno. Dessa perspectiva, a imagem da internet
como um mundo nos estimula a ir além dos seus limites. Poder-se-ia defender a
idéia de que as ágoras eletrônicas não são mais do que simulações de arenas de
liberdade dentro de um espaço limitado de parâmetros operacionais. A NET cria
um efeito imaginário escondendo que a realidade não existe fora das fronteiras
impostas pelos parâmetros artificiais. Mais precisamente, uma comunidade pode
apenas existir numa sociedade mediada através do meio em si porque nenhum
outro real existe (NUNES, 1997, p. 173).
Howard Rheingold é um ardoroso apoiador das comunidades eletrônicas.
Em Comunida des virtuais, entende o ciberespaço como lugar conceitual no qual
palavras, relações humanas, dados e poder são manifestados por pessoas que
usam a tecnologia da comunicação mediada por computador. Brian Loader parte
desse juízo para dizer que o ciberespaço pode ser entendido como um domínio
público gerado por computador sem fronteiras ou a
14
qualidades transcendentes da TICs como meio para facilitar a
transformação das formas modernas de governo baseadas no
território, no controlo hierárquico e administrativo das populações,
e no policiamento. Considera-se que as fronteiras do Estado-
nação enfraquecem, quer pelo desenvolvimento das economias
globais onde “o ciberespaço está onde eso dinheirocomo pela
falta de controlo dos governos nacionais sobre as comunicações
no ciberespaço. Além disso, as mudanças políticas de identidade
caracterizadas pelo colapso da classe social, dos modos
patriarcais e raciais de organização política e a sua substituição
por um movimento alternativo defendendo a diferença social
também pode estar a encontrar a sua expressão no ciberespaço.
Neste contexto, o ciberespaço é encarado como meio para
explorar os conceitos de emancipação, e mpo wermen t e
transcendência da subjugação física (Haraway, 1985) (LOADER,
1997, p. 16).
Mais rigorosamente, segue Loader, podemos considerar o ciberespaço
como um conjunto de diversas tecnologias e redes multimédia que, apesar de se
manter unido por um protocolo informático normalizado (TCP/IP), não implica
necessariamente que os visitantes do c
15
O autor não nega que as TICs (tecnologias da informação e da
comunicação) possuam um significado de desafiar os modelos administrativos
governamentais: “[...] o ciberespaço pode ser compreendido em relação com a
reestruturação tecno-social que ocorre no mundo real: as TICs tanto comandam
como reagem a essa reestruturação; não estão a criar um domínio imaginado
separado dela” (LOADER, 1997, p. 23).
Por fim, a descentralização inerente à internet também permite a
construção de subjetividades opostas, até então excluídas da esfera pública.
Desse modo, essa característica é anunciada como o traço mais significativo da
rede, o que permite que ela subverta a autoridade política, ao mesmo tempo em
que enfraquece as formas estatais de controle.
Feitas essas observações mais gerais, cabe indicar o que nos interessa
aqui. Trata-se das questões que se referem à rede como uma suposta esfera
pública virtual. Para alguns, a internet é considerada como um lugar de
continuidade da cidadania, uma cidadania que se articula, essencialmente, em
torno de ideais de contratos entre indivíduos interessados.
Propomos, então, a reconstrução de alguns momentos reflexivos do debate
sobre o entendimento da chamada “esfera pública virtual” com a proposta de
esfera pública levantada, anteriormente, por Habermas. As idéias dos pensadores
do ciberespaço são apresentadas a partir da compreensão política de espaço
público sustentada por Jürgen Habermas.
Diana Saco, Andrew Shapiro, William Bogard, Mark Poster, entre outros,
desenvolvem as proposições centrais da tese sobre a “esfera pública virtual”.
Apresentar e examinar essas idéias é o objetivo principal do nosso trabalho.
Queremos entender a situação da esfera pública virtual no tempo das novas
16
tecnologias da comunicação e da informação, via expressões da literatura
especializada. Analisamos essa literatura observando se os autores vêem ou não
a internet como uma possível esfera blica e quais são as condições de
funcionamento desse suposto espaço de discussão pública.
Partimos de A condição humana , de Hannah Arendt, e Mudan ça estr utural
da e sfera pública, de Jürgen Habermas. Esses textos servem-nos como base
para o diálogo com teóricos da cibercultura aqui analisados, uma vez que muitos
deles partem das concepções de Arendt e Habermas, refutando-as e/ou nelas se
alicerçando. Tomamos a noção de política de Hannah Arendt: criação agenciada
pela ação e pela palavra. Tentamos fugir da política enquanto técnica e
rotinização, embora, como veremos, sua reconfiguração moderna nos leve a isso.
Salientamos, no entanto, que os dois pensadores são meios, não fim, do nosso
estudo, pois este não é um trabalho sobre as idéias de um ou de outro, tampouco
um trabalho filosófico. É uma pesquisa teórica sobre a “esfera pública virtualque
conecta dois vastos campos de estudo: comunicação e política.
Com os olhos voltados para os objetivos, começamos por relatar os dois
pensadores citados situando sua leitura por meio de Jean Cohen e Andrew Arato.
Como outros estudiosos que citaremos, eles fazem uma crítica à teoria
habermasiana e também à arendtiana, na tentativa de propor um outro olhar
sobre o mesmo tema.
Num segundo momento, remetemo-nos às teorias de Diana Saco, Andrew
Shapiro, Mark Poster e William Bogard, por exemplo, cujos trabalhos nos
permitem refletir sobre a chamada esfera blica virtual”. Encontramos nos
estudos desses pensadores a atualização da idéia de espaço público,
proposições quanto à revitalização da democracia, questões relacionadas ao
17
poder exercido na e pela NET, dentre outros assuntos de que trataremos no
decorrer da dissertação.
Nosso trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica, na qual
pretendemos identificar e expor os estudos referentes ao tema apontado em suas
considerações principais. Olharemos criticamente a atualidade estruturada pelas
modificações sobrevindas na instância blica política, segundo a ótica dos
autores citados.
O norte da dissertação centra-se em certas indagações a serem
respondidas no decorrer do texto, que, no entanto, não representam objetivos
específicos; o, isto sim, questões de pesquisa úteis para a compreensão da
esfera pública virtual, segundo a visão dos teóricos antes citados. São elas:
uma esfera blica virtual? Como ela se configura? Chegaremos a uma
ciberdemocracia? A democracia eletrônica apresenta características que a
distinguem qualitativamente da democracia moderna? No que se transfigurou a
política? A que política estamos nos referindo? O ciberespaço, nas suas
condições reais, efetivamente, abriga a política, o debate reflexivo e público,
pouco ou nada deliberativo, no sentido de ações concretas, que visem refletir
sobre o bem comum, que incentivem a participação democrática e que fortaleçam
o exercício da cidadania? E antes mesmo, o que representa o ciberespaço em
termos de relações sociais e debate político?
Repassar as idéias dos pensadores antes mencionados é a nossa maneira
de tentar iluminar essas inquietações no âmbito de uma dissertação de mestrado.
Assim, o trabalho caracteriza-se por uma revisão analítica e comentada da
seleção de literatura especializada, com vistas à exposição sistemática de tópicos
teóricos de estudo da cibercultura. Foi desenvolvido através da leitura,
18
fichamento, síntese, análise e sistematização das idéias contidas nos textos
selecionados. Num segundo momento, elaboramos a crítica e a construção do
texto, incluindo a reestruturação dos argumentos dos autores, através de um
posicionamento crítico e analítico, em busca de novos questionamentos. Também
nos focamos na teoria para, futuramente, no doutorado, dar continuidade aos
estudos, expandindo nossas análises para outras esferas da ciberpolítica.
O que nos move, enquanto pesquisadora, é a necessidade de compreender
os inúmeros questionamentos emergentes das próprias leituras e de uma
pretensa visão crítica da sociedade extremamente tecnologizada e cada vez
menos humanista em que vivemos. Encontramos nessas questões uma
contribuição relevante ao debate acadêmico e às discussões político-sociais
referentes ao cenário dito “pós-moderno”, uma vez que são temas sociais que têm
por base a comunicação e que nos permitem refletir acerca da sociedade em que
vivemos. A atitude de estudar cuidadosamente as idéias de pesquisadores que
analisam o campo social é um importante passo rumo ao desenvolvimento crítico-
reflexivo dos acadêmicos de s-graduação brasileiros, pois a maioria, enquanto
universitários, pouco tempo e incentivo tem para exercitar tais pensamentos,
porque as nossas faculdades de comunicação privilegiam a técnica à teorização e
leitura do mundo.
19
1 O CONCEITO DE ESFERA PÚBLICA: DE ARENDT A HABERMAS
Jean Cohen e Andrew Arato, em Civil society and political theory, tratam
sobre comunicação, espaço público e política, aproximando Jürgen Habermas e
Hannah Arendt. tínhamos conhecimento da justaposição dos dois últimos
autores pela leitura de um texto publicado na Coleção Grandes Cientistas Sociais,
de Bárbara Freitag e Sérgio Rouanet. Arato e Cohen contextualizam, no caso
específico deste estudo, as idéias de Arendt e Habermas.
Cohen e Arato demonstram a pertinência do conceito de sociedade civil
para a teoria política moderna. Para tanto, desenvolvem uma estrutura teórica a
fim de abordá-la de maneira adequada à realidade contemporânea. Num primeiro
momento, sustentam a diferenciação entre sociedade civil, sociedade política das
partes, organizações políticas e políticas públicas da sociedade econômica. Em
seguida, reivindicam a separação entre os três campos, parecendo indicar que a
sociedade civil deveria, de algum modo, incluir e reportar a todo fenômeno social
que não esteja ligado ao Estado e à economia.
20
De acordo com isso, sociedade civil se refere à estrutura de
socialização, associação, e formas de comunicação organizada do
mundo da vida até o pinto em que são institucionalizadas ou estão
em processo de institucionalização (COHEN; ARATO, 1992, p. x).
Entretanto, enfatizam que nas democracias liberais pode ser um erro opor
as três esferas. Sua noção de economia e sociedade política refere-se à
mediação desses campos com a sociedade civil, que pode ganhar influência
política, administrativa e econômica.
Uma relação antagônica da sociedade civil, ou seus atores, para a
economia ou o Estado surge somente quando essas mediações
falham ou quando as instituições da economia e da sociedade
política servem para isolar tomadas de decisões e legisladores da
influência das organizações civis, iniciativas, e formas de
discussão pública (COHEN; ARATO, 1992, p. xi).
Arato e Cohen sugerem a revisão do conceito de sociedade civil como uma
esfera privada, dividida pelo liberalismo e pela democracia radical, a fim de
compreender suas implicações institucionais e éticas. Renovando e revigorando o
conceito, aos autores interessa promover o desenvolvimento e justificar,
sistematicamente, a idéia de sociedade civil, repensando partes da noção de
autolimitação dos movimentos democráticos, procurando expandir e proteger o
espaço das liberdades, recriando formas igualitárias de solidariedade sem
prejudicar economicamente a auto-regulamentação. Para tanto, fazem uma
releitura crítico-analítica do espaço público visto por Arendt e Habermas.
Encontram a base da teoria de Hannah Arendt sobre a sociedade civil em
Alexis de Tocqueville, segundo a qual, sem a participação ativa dos cidadãos nas
instituições igualitárias, nas associações civis e organizações políticas, não
caminho para manter o caráter democrático da política sociocultural e de suas
instituições.
21
Precisamente porque a moderna sociedade civil é baseada nos
princípios de igualdade e inclusão universal, experiências em
articular o desejo político e a decisão coletiva é crucial para a
reprodução da democracia (COHEN; ARATO, 1992, p. 19).
Os teóricos localizam a nese da legitimidade democrática e da
participação direta num modelo de sociedade civil diferenciado em relação ao de
Arendt. Sua democratização e uma esfera pública organizada ajudam na abertura
estrutural contida, segundo eles, na política e nas instituições representativas. No
entanto, afirmam não ver os movimentos sociais como uma prefiguração da forma
de participação cidadã que desejam substituir os arranjos institucionais da
democracia representativa. Para os teóricos, são esses movimentos que
promovem e mantêm viva a democracia política e cultural:
Entre outras coisas, movimentos trazem novas discussões e
valores para a esfera blica e contribuem para a reprodução do
consenso que o modelo elitista/pluralista de democracia
pressupõe mas nunca se ao trabalho de provar esta idéia
(COHEN; ARATO, 1992, p. 20).
Cohen e Arato focam-se ainda na importância da dimensão cultural da
sociedade civil, na preservação da esfera da comunicação, do diálogo e da
interação entre os cidadãos. Compreendem a sociedade civil como uma esfera de
interação social entre Estado e economia, composta pela esfera íntima, a da
família em especial, além da esfera das associações (voluntárias), dos
movimentos sociais e das formas de comunicação pública. Ela é autocriação,
autoconstituição e automobilização.
Para esses autores, também, somente um conceito peculiarmente
diferenciado do econômico pode tornar-se centro de uma crítica política numa
sociedade em que o mercado econômico está prontamente desenvolvido, ou em
22
processo de desenvolvimento, na lógica da autonomia (COHEN; ARATO, 1992, p.
viii).
Entretanto, os teóricos argumentam que um modelo de d
o
u9e
23
Habermas retoma no texto a tarefa de descrever uma esfera pública
política caracterizada por dois processos interligados: a geração comunicativa do
poder legítimo, por um lado, e o uso manipulativo do poder da mídia na busca da
lealdade da massa, da demanda do consumidor e com os acordos com os
imperativos sistêmicos, por outro lado. A questão que havia sido deixada
pendente em relação a bases e fontes da formação informal de opinião em
esferas públicas autônomas, agora, o pode ser mais respondida com relação
às garantias de status do Estado de bem-estar social e com a demanda holística
pela auto-organização política da sociedade.
Ao invés disso, esse é o momento em que o círculo se fecha entre a
transformação estrutural da esfera pública e aquelas tendências de longa data
que a teoria da ação comunicativa concebe como uma racionalização do mundo
da vida. Uma esfera publica que funcione politicamente requer mais do que as
garantias institucionais do Estado constitucional; ela também necessita do espírito
de apoio das tradições culturais e dos padrões de socialização, da política
cultural, de uma população acostumada com a liberdade (HABERMAS, 1992, p.
452-453).
A questão central de Mudança estrutural da esfera pública é reavaliada sob
o nome de “redescoberta da sociedade civil”. A referência global a um espírito de
apoio de mundos de vida diferencialmente organizados não é suficiente para
tanto. A questão deve ser tornada mais concreta não somente com relação aos
padrões de socialização e às tradições culturais. Uma cultura politicamente liberal
enraizada em motivos e orientações de valor fornece um solo favorável para
comunicações públicas espontâneas. Todavia, as formas de intercâmbio e de
24
organização, as institucionalizações de apoio de uma esfera pública política não
subvertidas pelo poder são ainda mais importantes (HABERMAS, 1992, p. 453).
Habermas conclui tomando como referência o estudo que trata sobre o
impacto da mídia eletrônica na reestruturação das interações básicas, relacionado
com a assertiva da dissolução das estruturas dentro das quais os indivíduos que
vivem em sociedade têm identificado suas posições sociais e se posicionado a
respeito delas.
Agora, mesmo aqueles limites sociais que definiam as coordenadas de
espaço e tempo histórico do mundo da vida começaram a se alterar. Os meios de
massa difundidos em larga escala não têm somente um efeito nocivo. Em
contraste com o século XIX e o nascente século XX, a presença física das
massas, antes demonstrada nas praças e ruas, agora somente é demonstrada na
proporção em que a televisão faz essa presença ubíqua:
A diferenciação e desestruturação comove nosso mundo da vida
como resultado da onipresença eletronicamente produzida de
eventos e da sincronização de heterocronologias certamente tem
um considerável impacto na auto-percepção social. Esta remoção
de barreiras, entretanto, eslado-a-lado com a multiplicação das
regras tor
25
segundo a autora, o aparecimento de uma esfera social estruturada pelo
consumismo (dos meios de comunicação). Assim o fazendo, abre-se uma melhor
via de entendimento da obra de Habermas sobre o espaço público.
1.1 Hannah Arendt e a vita activa
As idéias de Hannah Arendt, por uma ótica clássica, talvez pré-moderna,
vistas em A co ndição h umana, traçam o caminho e as circunstâncias que
impuseram o fim da vita activa e o conseqüente surgimento da esfera social. Sua
análise vai da pólis ao surgimento da esfera social e da sociedade de consumo.
Levando em conta o objetivo do nosso trabalho, encontramos aqui os
fundamentos das questões referidas na introdução. A genealogia de alguns
conceitos vistos na obra de Hannah Arendt faz-se importante para a compreensão
daquilo que ela caracteriza como “esfera social” e para a futura justaposição entre
seus pensamentos e os de Habermas, dentre outros posteriormente citados.
Surgida no mundo antigo, a vita a ctiva é a esfera da ação que nega o ócio
e participa dos assuntos públicos e políticos; define o homem enquanto
humanidade, não enquanto animalidade. O seu oposto é a vida contemplativa, na
qual a quietude era o fundamental. Nesta, a ação estava ligada ao saber, à
reflexão, à filosofia, à teoria, não à ação política em si.
26
A principal diferença entre o emprego aristotélico e o posterior
emprego medieval da expressão é que o bios politikos denotava
explicitamente somente a esfera dos assuntos humanos, com
ênfase na ação, práxis, necessária para estabelecê-la e mantê-la.
Nem o labor nem o trabalho eram tidos como suficientemente
dignos para constituir um bios, um modo de vida autônomo e
autenticamente humano; uma vez que serviam e produziam o que
era necessário e útil, não podiam ser livres e independentes das
necessidades e privações humanas. Se o modo de vida político
escapou a este veredicto, isto se deve ao conceito grego de vida
na polis que, para eles, denotava uma forma de organização
política muito especial e livremente escolhida, bem mais que mera
forma de ação necessária para manter os homens unidos e
ordeiros (ARENDT, 1995, p. 21).
A condição humana define-se em três planos: labor, trabalho e ão. O
labor é atividade que assegura a sobrevivência física da espécie humana; é
considerado trabalho servil e feito por pessoas isentas de liberdade; sua condição
humana é a própria vida (animalidade). A escravidão é inerente à natureza da
vida humana. Ser livre é, ao mesmo tempo, não se sujeitar às necessidades da
vida, nem ao comando de outro, e também não comandar pela força ou pela
repressão, e, sim, pela palavra.
Na Antiguidade importava ser animal político, diferentemente da visão
moderna, na qual o homem é, antes de tudo, um animal social. Essa inversão
deve-se às necessidades de sobrevivência. No mundo antigo, ser político
representava a mais alta possibilidade do homem; não possuir um lugar próprio e
privado significava deixar de ser humano e tornar-se escravo.
O poder era exercido, por exemplo, pelo chefe de família sobre esta e seus
escravos. Na esfera privada não havia liberdade, mas dominação através da
força. A violência é justificada por ser um ato pré-político de desvencilhar-se das
exigências da vida para conquistar a liberdade no mundo: esse é o sentido da
política. Para os filósofos gregos, a liberdade situa-se na esfera pública política.
27
[...] todo o conceito de domínio e de submissão, de governo e de
poder no sentido em que o concebemos, bem como a ordem
regulamentada que os acompanha, eram tidos como pré-políticos,
pertencentes à esfera privada, e não à esfera pública (ARENDT,
1995, p. 41).
No espaço político, local adequado para a excelência e realização humana,
todos são, em tese, iguais. A igualdade, essência da liberdade, é imprescindível
para as relações sociais. Na esfera privada a dominação é repressiva, portanto,
desigualdade, violência e poder político, que se caracteriza pela autoridade
institucionalizada; já a potica é caracterizada pela ação criadora. A polis, para os
gregos, e a re spublica, para os romanos, são a garantia contra a futilidade da vida
privada.
Segundo Diana Saco, que analisaremos adiante, o espaço público em
Arendt está, em tese, aberto a rias interpretações, o que na prática,
evidentemente, não ocorre:
[…] Arendt baseia sua noção de público na existência de um
mundo comum compartilhado por pessoas na presença umas das
outras, mas para este mundo ser verdadeiramente público no
sentido dela e o meramente social, o qual ela considera em
termos de um conformismo não natural” (58) pessoas devem
ser reunidas para falar e agir pela sua própria individualidade a
conseqüentemente a pluralidade de suas opiniões e perspectivas
considerando as coisas e pessoas em torno delas (SACO, 2002,
p. 55).
Para Arendt, o espaço público requer a aparição pública do corpo, a
visibilidade pública, ou publicidade, através do discurso e da ação. A ação e o
discurso sem o eu, sem a presença do autor, são inexpressivos, pelo menos na
teoria democrática. Na idéia de Arendt, o trabalhador é o produtor de utensílio, o
homo faber. A fabricação e seus produtos asseguram durabilidade e permanência
à fragilidade da vida mortal e ao seu caráter efêmero. A condição humana do
trabalho é chamada pela autora de “mundanidade” - dimensão cultural e histórica.
28
Por fim, a ação é atividade política por excelência, independentemente da
sua funcionalidade, e gera condições para a lembrança, para a história criação
de obras, de seres, de instituições. Sua condição humana é a pluralidade, ou seja,
somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, de diferentes
ângulos, sem mudar de identidade, pode a realidade do mundo manifestar-se de
maneira real e fidedigna. A ação é única atividade que não pode ser imaginada
fora da sociedade dos homens depende da constante presença dos outros. Ser
político, viver na esfera pública, significa que tudo é decidido mediante atos,
palavras e persuasão, não pela violência, como no campo privado. Ação e
discurso constituem as mais altas atividades da esfera política.
A ação é iniciativa espontânea, plural, imprevisível e interdependente do
discurso. Através dela ocorre a inserção do homem no mundo e sua ligação com
os outros. A ação não apenas mantém a mais íntima relação com o lado público
do mundo, como a única atividade que o constitui. A pólis é o lugar de agir e falar
em conjunto espaço da aparência que nem sempre existe, porém. A
convivência entre os homens é fator essencial para a geração do poder; seu único
limite como ação é a existência da alteridade.
[...] embora todos os homens sejam capazes de agir e de falar, a
maioria deles o escravo, o estrangeiro e o bárbaro na
Antiguidade, o trabalhador e o artesão antes da idade moderna, o
assalariado e o homem de negócios da atualidade – não vive nele.
Além disso, nenhum homem pode viver permanentemente nesse
espaço. Privar-se dele significa privar-se da realidade que,
humana ou politicamente, é o mesmo que a aparência. Para os
homens, a realidade do mundo é garantida pela presença dos
outros, pelo fato de aparecerem a todos: “pois chamamos de
Existência àquilo que aparece a todos; e tudo o que deixa de ter
essa aparência surge e se esvai como um sonho íntima e
exclusivamente nosso mas desprovido de realidade (ARENDT,
1995, p. 211).
29
Dando um salto histórico, a autora diz que o motivo da promoção do labor
como trabalho na era moderna foi o aumento de sua produtividade, graças ao
conhecimento operatório funcional surgido no espaço da economia, isto é, o
desenvolvimento tecnológico. O surgimento das cidades-estado gregas originou a
distinção entre público e privado. Segundo Arendt, no espaço privado a vida
caracteriza-se pela privação de outros, de relações e da realidade.
A sociedade de massa não apenas destrói a esfera blica e a privada
como impede que os homens tenham privacidade, pois “invade” seu mundo
particular através dos mídias. Aqui há o triunfo do privado sobre o público, porém,
seguindo uma nova ênfase: a esfera social, a esfera do consumo. Arendt entende
essa interpenetração como um perigo e a necessidade de criação de normas
constitucionais que protejam o privado.
Antigamente, quem vivia na esfera privada não era considerado
inteiramente humano. Hoje, não nos ocorre esse sentimento de privação quando
empregamos o termo “privado”, o que se deve, em grande parte, ao
enriquecimento desse espaço através do moderno individualismo. A moderna
privatividade não se opõe à esfera política, mas à social (ARENDT, 1995, p. 48).
A esfera da sociedade burguesa, por sua vez, contrapõe-se ao Estado como setor
da autonomia privada.
[...] com o surgimento da sociedade de massas a esfera do social
atingiu finalmente, após séculos de desenvolvimento, o ponto em
que abrange e controla, igualmente e com igual força, todos os
membros de determinada comunidade. [...] a vitória da igualdade
no mundo moderno é apenas o reconhecimento político e jurídico
do fato de que a sociedade conquistou a esfera pública, e que a
distinção e a diferença reduziram-se a questões privadas do
indivíduo (ARENDT, 1995, p. 50-51).
30
Na era moderna dá-se a extinção das esferas pública e privada. A pública
porque se tornou função da esfera privada, e esta, por sobreviver como a única
preocupação comum. O perigo da extinção do espaço privado é que, sem a
propriedade, de nada vale o comum; sem ela, tudo tende a reduzir-se a objeto de
consumo. Aqui, a criação declina.
A Modernidade inverteu as tradições, mas não soube distinguir o anim al
labora ns do ho mo faber; alterou o arranjo da ação e da contemplação como
hierarquia da vita activa, glorificando o trabalho (labor) como fonte de todos os
valores e promovendo o animal laborans à posição de animal ra tionale. A ação
ganha proeminência sob a forma de trabalho. Aqui, mais uma mudança: ação é
reprodução técnica, rotinização, é economia, não mais política (ARENDT, 1995, p.
242). Salientamos a crítica da autora a Marx:
Deste ponto de vista puramente social, que é o ponto de vista de
toda a era moderna, [...] todo trabalho é “produtivo”; e perde sua
validade a distinção anterior entre a realização de “tarefas servis”,
que o deixam vestígios, e a produção de coisas suficientemente
duráveis para que sejam acumuladas. [...] dentro de seu sistema
de referências, todas as coisas tornam-se objetos de consumo.
Numa sociedade completamente “sociali
31
atividades exibidas em público. Segundo a ciência moderna, quase todo trabalho
é realizado sob forma de labor, ou seja, para suprir as necessidades sicas de
sobrevivência:
[...] a ação, o discurso e o pensamento têm muito mais em comum
entre si que qualquer um deles têm com o trabalho e o labor. Em
si, não ‘produzemnem geram coisa alguma: são tão fúteis quanto
a própria vida. Para que se tornem coisas mundanas, isto é, feitos,
fatos, eventos e organizações de pensamento ou idéias, devem
primeiro ser vistos, ouvidos e lembrados, e em seguida
transformados, “coisificados”, por assim dizer [...] (ARENDT, 1995,
p. 106).
Para sua materialização e realização, o trabalho empresta-se do mesmo
artesanato que constrói o artifício humano. O avanço da tecnologia acelera o
ritmo natural da vida, cujo resultado é a cultura de massa, o consumismo; o
problema, a infelicidade universal.
De acordo com a pensadora, as coisas precisam ser continuamente
reproduzidas para que permaneçam como parte do mundo humano. Entrementes,
a reificação contém elementos de violação e violência. O labor produz para o
consumo, fazendo com que a distinção entre meios e fins não tenha sentido. Tudo
é feito em relação ao objeto que se produzido, o qual tende a ser de curta
duração e a transformar-se em meio para outros fins. Tudo deve ter seu uso e
servir para o avanço do consumo.
Arendt ressalta que, na Modernidade, o homem instrumentaliza e rebaixa
as coisas à categoria de meios, o que acarreta a perda do seu valor intrínseco.
Chega-se a um ponto em que as coisas naturais perdem seu valor por não serem
dotadas da reificação resultante do trabalho. A continuada dessignificação e
instrumentalização do mundo e a generalização da reprodutibilidade mecânica
32
não decorrem, diretamente, da fabricação, mas do processo de reprodução da
condição animal (ARENDT, 1995, p. 170).
O h omo faber, ao deixar o isolamento, antes seu lugar de criação, surge
como mercador ou negociante, estabelecendo o mercado. Quem confere o valor
das trocas é a esfera pública, na qual tudo é valor cambiável. Torna-se a esfera
social baseada na economia política.
Já, na esfera social, o que iguala os homens não é mais a liberdade e a
possibilidade de discurso, como na Antiguidade. O dinheiro e a capacidade de
consumo é que determinam seu ingresso na sociedade; o indivíduo é lido
enquanto consumidor. A linha divisória entre o econômico e o político é
exclusivamente uma proposição da nova forma de governo, baseada na negação
da vida ativa, que bane a radicalidade das reivindicações econômicas e sociais. A
diferença entre o trabalho escravo e o moderno trabalho livre não é a posse da
liberdade pessoal, e, sim, o fato de que o operário é admitido na esfera pública e
emancipado enquanto cidadão passivo.
A Idade Moderna, no limite, baseia-se na pregação da inutilidade da ação e
do discurso. A ação mostra-se frágil devido à imprevisibilidade dos resultados, ao
anonimato dos autores e à irreversibilidade do processo. Substituí-la pela
fabricação conspira contra a democracia, o que requer o emprego da categoria de
meios e fins e a relação em termos de instrumentalidade, na qual os fins justificam
os meios.
Somente a era moderna venceu o desprezo com que a tradição via a esfera
da fabricação na Antiguidade. O animal laborans escapou da sua situão graças
ao surgimento do homo f aber, produtor de coisas e ferramentas, ao passo que
33
com a ação isso o ocorre. O recurso para ta
34
viver, ainda sentidas individualmente, e aquiescer num tipo funcional de conduta
entorpecida e “tranqüilizada” via consumismo.
[...] embora as invenções técnicas hoje existentes tragam em si
certo ímpeto que, provavelmente, gerará melhoras até certo ponto,
é pouco provável que o nosso mundo condicionado à técnica
pudesse sobreviver, e muito menos continuar a desenvolver-se, se
conseguíssemos nos convencer de que o homem é, antes de
tudo, uma criatura prática (ARENDT, 1995, p. 303).
John Keane entende que a autora lamenta a perda moderna da “vida
pública”, entendida como capacidade dos cidadãos de falar e interagir com o
propósito de definir e redefinir como desejam viver em comum. Segundo Arendt,
tal interação pública foi gradualmente corroída nos tempos modernos pelo ácido
do consumismo pingando ao longo de uma sociedade de trabalhadores que
ignoram a alegria e a liberdade, que resultam da comunicação em público de
assuntos de importância pública (KEANE, 1997, p. 9).
Em certa medida, as novas concepções de descentralização levam a uma
despolitização da política, que não se dirige para os resultados das decisões
políticas, mas às qualidades das estruturas e dos procedimentos da tomada de
decisão social. Como a tomada de decisão é cada vez mais apoiada e conduzida
pelos recursos tecnológicos, estes se tornam pontos centrais de direção, não
mais o conteúdo político.
Assim, mostra-nos Frissen, a política é mais sobre estilos do que sobre
conteúdos:
35
[p]odemos vir a testemunhar um desenvolvimento do sistema
político que seja relativamente indiferente aos conteúdos políticos,
mas normativo em relação às qualidades da direcção social e às
condições sob as quais esta tem lugar, e esta codifica o consenso
socialmente cristalizado. A política torna-se então uma questão de
estilo pode ser considerada uma “gramática” para a tomada de
decisão societal (White e McSwain, 1990: 52-3) (WHITE e
MCSWAIN, 1990: 52-3 apud FRISSEN, p. 157-158).
No entanto, “[a] pós-modernização cultural, no sentido da fragmentação,
não implica o desaparecimento do poder, do controlo e da desigualdade. [...] A
virtualidade não transforma o sistema capitalista – em certa medida, apóia-o”
(FRISSEN, 1997, p. 163). Cremos que isso resume bem as idéias de Arendt.
1.2 Jürgen Habermas e as transformações da esfera pública
A escolha de Hannah Arendt não foi aleatória. Estudamo-la em A condição
human a por ali se alicerçar o pensamento desenvolvido por Jünger Habermas em
Mudan ça estrutural da esfera blica. O trabalho da autora serviu-nos também
como apoio à leitura de Habermas, uma vez que nos mostrou a origem histórico-
filosófica da política enquanto criação e do poder político institucionalizado.
Em Habermas, da mesma forma, um diagnóstico histórico-filosófico da
transformação da esfera pública e da política na era moderna. Segundo ele, o
Estado é o “poder público”. A esfera pública tem como sujeito o público enquanto
portador da opinião, a sua função crítica é que se refere originalmente à palavra
“publicidade”. Os meios de comunicação são estruturas dessa esfera contraposta
ao poder político institucionalizado.
36
Michael Froomkin entende que o ideal discursivo almejado por Habermas
requer que todas as vozes sejam ouvidas, que o melhor argumento disponível ao
nosso conhecimento seja trazido à tona, sendo colocado sem utilização da força.
O objetivo de Habermas não é a democracia direta tal como ela é;
é improvável que a simples transposição do plebiscito para a
Internet melhore o nível de deliberação dado o mero de
decisões que necessitam ser tomadas. Antes disso, s
precisamos estruturas diferentes que aperfeiçoem a democracia,
suplemente o debate, e encorajem o envolvimento do cidadão o
que, em última análise, será mais parecido e sentido com a auto-
governaça (FROOMKIN, 2004, p. 15-16).
Isso implica também alguns pontos quanto à comunicação ou ao
pronunciamento do discurso: que ele seja compreensível, adequado à situação
em que é proferido e que seja verdadeiro, assim como aquele que o pronuncia.
Froomkin sugere uma nova escala de comunicação, baseada na reunião de
forças de pequenas comunidades, onde haja interação humana face a face, na
qual o princípio seja comunicar, não manipular, e onde a força seja a do
melhor argumento. Propõe uma renovação substancial das nossas esferas
públicas, assim como a criação de novos espaços e formas institucionais de
engajamento cidadão no processo de decisão política e governança (FROOMKIN,
2004, p. 8).
Na Grécia antiga a esfera da p ólis diferenciava-se do oikos (esfera
doméstica, oikonomia). Aquela era o reino da liberdade, pois ali não havia
dominação, e, como nos ensinou Hannah Arendt, dominar ou ser dominado
significava estar privado da liberdade.
No final da Idade Média, século XIII, iniciam-se as trocas de mercadorias
(mercantilismo) e de informações; no século XIV, o Estado moderno e a
administração financeira. As bolsas, o correio e a imprensa são corporações
37
praticamente contemporâneas. Ainda o publicidade, assim como “notícias”
no sentido atual; as informações veiculadas pelos incipientes jornais são
puramente mercantis e circulam, primeiramente, nas cidades ou centros
comerciais (HABERMAS, 1984, p. 31).
As pessoas privadas, sem cargos burocráticos no Estado, são excluídas da
participação no poder público. Nesse sentido, o autor afirma que “público” torna-
se sinônimo de estatal”, que se refere ao funcionamento regulamentado de um
aparelho munido do monopólio de utilização legítima da força. Aqui, nota-se uma
inversão: liberdade e política não o mais sinônimos. O conceito de poder pré-
político volta à realidade da esfera pública.
A oiko nomia deixa de se orientar pelo oikos e torna-se economia política na
polis, funde-se em virtude das trocas, tanto que, em seu lugar, agora está o
mercado. Uma esfera privada torna-se publicamente importante: a esfera social. É
nessa esfera privada da sociedade que Hannah Arendt pensa ao caracterizar, em
contraposição à sociedade antiga, a relação moderna entre esfera pública e
privada, mediante a formação do “social”:
A sociedade é a forma de vida conjunta em que a independência
do ser humano em relação a seu semelhante ocorre em função da
própria sobrevivência e o, de outro modo, de um significado
público onde, em decorrência disso, as atividades que afinal
servem para a manutenção da vida não aparecem
publicamente, mas podem inclusive determinar a fisionomia do
espaço público (ARENDT, apud HABERMAS, 1984, p. 33).
Em meados do século XVII instituem-se os “jornais políticos” e a imprensa
passa a ser útil aos interesses comerciais; às informações do governo apenas as
camadas cultas têm acesso. Essas assumem posição central junto ao blico:
são intermediárias entre a corte e a cidade.
38
A esfera pública burguesa, que, para Habermas, tem um discurso pseudo-
racional, quer dialogar sobre as leis das trocas na esfera privada, leis do
intercâmbio de mercadorias e do trabalho social. Constitui-se, então, o chamado
terceiro estado: uma esfera pública burguesa sem configuração política, cujo
papel é proteger a natureza blica do poder e as necessidades sociais advindas
da fusão entre membros da aristocracia e da esfera pública literária.
No século XVIII desenvolve-se o Parlamento e o Poder Judiciário. A esfera
da sociedade burguesa se contrapõe ao Estado como setor da autonomia
privada. À medida que a cidade assume configurações culturais, a esfera pública
modifica-se: A esfera da representação real [...] torna-se fachada mantida com
grandes dificuldades” (HABERMAS, 1984, p. 47).
Com a privatização da vida, o espaço familiar diminui e o isolamento é visto
como positivo. A autonomia baseia-se na propriedade privada. A família depende
da esfera do trabalho e da troca de mercadorias e também serve como agência
da sociedade, assumF1.0 1 Tf (d) Tj Tm( ) 4 0 0 0.24 99.36 0 0.24 144.96 359.6 0 0 0 50 695 0 972 0 Tm (d) Tj 50 0 0 50 41 im d
39
A ambivalência do campo privado corresponde à do espaço público: a
imbricação de ambas e a convergência de interesses privados com as liberdades
individuais. A esfera pública burguesa baseia-se na identidade fictícia das
pessoas privadas reunidas num público, em seus papéis de proprietários e de
simples seres humanos.
O público pensante de então é a esfera pública literária. O modo de
produção capitalista gera antagonismo entre as classes emergentes das camadas
conservadoras da burguesia: de um lado, o grupo interessado em conservar o
antigo modo de produção restritivo do capital comercial e financeiro; do outro, a
classe média protestante que trabalha na indústria e comércio, visando expandir o
capital manufatureiro e industrial. Os expansionistas, dominantes no plano social
e econômico, chegam ao domínio político. O acesso do público consciente das
funções de controle público faz-se paulatinamente, através da quebra da censura
reivindicada pelos comunicadores locais, por meio de críticas permanentes.
O jornalismo político teve, durante muito tempo, que burlar a repressão
para ter acesso às questões públicas debatidas no Parlamento. Para Habermas,
em 1726, com o surgimento da Gentlem an’s M agazine, a imprensa
estabeleceu-se propriamente como órgão crítico de um públi
co
40
eventos parlamentares”. Assim, a oposição política assume a configuração de
permanente controvérsia com o governo (HABERMAS, 1984, p. 81-82).
Habermas atenta para o fato de que tais acontecimentos não representam
o predomínio da opinião pública. As reivindicações de massa freqüentemente
organizadas depois de 1680 eram ineficientes. Mesmo a dissolução do
Parlamento, em 1784, não se devem à pressão da opinião pública, e, sim, aos
interesses do rei. Os jornais, hebdomadários e revistas eram instituições do
público politizado, assim como as assembléias públicas, os cafés, as ligas
políticas. A organização sólida dos partidos ocorreria pouco antes da
Revolução Francesa, porém somente em 1792 a opinião pública seria legitimada
pelo Parlamento. O direito ao voto passa ser concedido à classe média alta na
década de 1830.
A opinião blica se forma na luta dos argumentos em torno de
algo, não sem crítica, na aprovação ou rejeição, seja ela ingênua
ou plebiscitariamente manipulada, em relação a pessoas, através
do c ommon sense . Por isso é que ela precisa ter por objeto antes
a apresentação dos fatos do que a pessoa dos governantes
(HABERMAS, 1984, p. 85).
No último terço do século XVIII começaram a aparecer os clubes e
sociedades pensantes. A opinião pública instituiu-se como instância de controle
do governo a partir da publicação do orçamento nacional. Através dela
convocavam-se os estados gerais e, depois da revolução, as demais instituições
do público politizado: clube partidário e imprensa política diária. A opinião pública
vai de encontro à dominação absolutista: quer racionalizar a política em nome da
moral. A razão estabelecida com a esfera pública política pelos cidadãos
pensantes faz a mediação entre Estado e sociedade. Enfim, a esfera pública
política é institucionalizada e regulamentada juridicamente.
41
Na Europa do século XVIII, a esfera blica torna-se o princípio
organizatório dos Estados de direito burguês e passa a ter status de um órgão de
automediação da sociedade burguesa, com um poder estatal. Seu pressuposto
social é um mercado liberado, que faz da troca na esfera da reprodução social, na
medida do possível, assunto das pessoas privadas, completando, assim, a
privatização da sociedade burguesa.
Os seus modelos são as relações de troca estabelecidas segundo as leis
do mercado. Aqui, como a igualdade dos mercados no campo econômico e das
pessoas cultas na esfera pública, todos são sujeitos de direito, portanto, eleitores
em potencial. Contudo, ser cidadão requer autonomia, a qual se consegue
através da propriedade privada e da formação cultural, ou seja, continua sendo
privilégio da minoria. Na verdade, é uma esfera pública incompleta, ou, nas
palavras de Habermas, nem sequer é uma esfera blica”, falta-lhe o caráter
público universal (democrático):
O acesso geral a essa esfera que o Estado de Direito
institucionaliza em suas funções políticas precisa ser decidido de
antemão através da estrutura da sociedade civil burguesa e não,
depois, através da constituição política que se dá. Uma dimensão
publica é, então, assegurada quando as condições econômicas e
sociais oferecem as mesmas chances a todos para preencherem
os critérios de acesso: exatamente conquistar as qualificações da
autonomia privada que fazem o homem culto e proprietário
(HABERMAS, 1984, p. 106).
na metade do século XIX extinguiram-se os limites à valorização do
capital industrial. Impõem-se, assim, o modo de produção capitalista: a
propriedade é deixada ao livre intercâmbio dos mercadores e proprietários
individuais. Na fase liberal, o mercado regula a si mesmo eo permite influência
do Estado; as garantias jurídicas protegem a ordem do livre-mercado. Contra o
42
crescente poder e interesses da sociedade burguesa, o Estado cria um
instrumento que restringe sua publicidade e mantém seus segredos: a burocracia.
No continente Europeu, onde o ordenamento jurídico é sancionado na lei,
encontram-se articuladas as funções da esfera blica. Os direitos fundamentais
garantem tanto as esferas do público e do privado quanto as instituições e
instrumentos públicos e a base da autonomia privada, como as funções das
pessoas privadas: políticas, enquanto cidadãos, econômicas, enquanto
proprietários.
Segundo Habermas, Marx antecipa a mudança de função da esfera pública
burguesa à medida que camadas não burguesas penetram na esfera blica
política e se apossam das suas instituições ao participar da imprensa, dos
partidos, do Parlamento. A arma da publicidade, forjada pela burguesia, volta-se
contra ela própria. Marx tem a concepção de que, por essa via, a própria
sociedade há de assumir configuração política. As reformas eleitorais, dentro da
esfera pública estabelecida, aparentam indicar a tendência a sua própria
dissolução.
Entretanto, salienta Habermas, era de se prever que essa esfera pública,
em relação de sua própria dialética, passaria a ser ocupada por grupos que, por
não disporem de propriedade, não poderiam interessar-se pela manutenção da
sociedade como esfera privada. A esfera blica, democraticamente
revolucionada, torna-se uma esfera de deliberação e de decisão pública sobre a
condução e administração de todos os processos necessários à reprodução da
sociedade.
43
Uma vez desaparecidas as diferenças de classe ao longo do
desenvolvimento e estando concentrada toda a produção nas
mãos dos indivíduos associados, então o poder blico perde seu
caráter político. O poder político no sentido autêntico é o poder
organizado de uma classe para opressão de outra (MARX apud
HABERMAS, 1984, p. 153).
Inverte-se aí a relação entre esfera pública e privada. A crítica e o controle
do poder público ficam a cargo dos trabalhadores. A autonomia, agora, tem de ser
fundamentada na própria esfera pública; a opinião não intermedia mais uma
sociedade de proprietários privados. Ao público autônomo assegura-se, através
de uma esfera de liberdade pessoal, lazer e locomoção, um Estado que brota
desta sociedade. Porém,
nos cem anos que sucedem ao período áureo do liberalismo, num
capitalismo que pouco a pouco se “organiza”, dissolve-se de fato a
relação originária entre esfera blica e esfera privada;
decompõem-se os contornos da esfera blica burguesa. Mas
nem o modelo liberal nem o modelo socialistao adequados para
o diagnóstico de uma dimensão pública que, de modo peculiar,
flutua entre ambas as constelações estilizadas no modelo. Duas
tendências, dialeticamente interrelacionadas, assinalam uma
decadência da dimensão pública: ela penetra esferas cada vez
mais extensas da sociedade e, ao mesmo tempo, perde a sua
função política, ou seja, submete os fatos tornados públicos ao
controle de um público crítico. (...) A esfera pública parece perder
a força de seu princípio, publicidade crítica, à medida que ela se
amplia enquanto esfera, esvaziando, além disso, o setor privado
(HABERMAS, 1984, p. 167-168).
Dá-se, assim, a mudança na estrutura social da esfera pública e, junto a
ela, uma interpenetração público-privada. Ocorre o que Habermas chama de
“estatização da sociedade” e socialização do Estado”. O intervencionismo estatal
na esfera social corresponde às transferências de competências públicas para
entidades privadas. Esse setor passa a ter autoridade pública e o poder público é
“substituído” pelo poder social representado no Estado do “bem-estar” e na
política assistencialista das corporações. Todavia, a política neomercantilista leva
a uma espécie de “refeudalização” social.
44
Somente esta dialética de uma socialização do Estado que se
impõe, simultaneamente com a estatização progressiva da
sociedade, é que pouco a pouco destrói a base da esfera pública
burguesa: - a separação entre Estado e sociedade. Entre ambos
e, ao mesmo tempo, a partir de ambos, surge uma esfera social
repolitizada, que escapa à distinção entre “blico” e “privado”. Ela
também dissolve aquela parte específica do setor privado em que
as pessoas privadas reunidas num público regulam entre si as
questões gerais de seu intercâmbio, ou seja, a esfera pública em
sua configurão liberal. A decomposição da esfera pública, que é
demonstrada na alteração de suas funções poticas, está fundada
na mudança estrutural das relações entre esfera blica e setor
privado (HABERMAS, 1984, p. 170-171).
Para o pensador, em nome dessa nova configuração, a era liberal marcha
rumo a seu fim. O modo de produção capitalista cria antagonismos, demonstrados
pelos conflitos sociopolíticos, o que requer o poder coercitivo do Estado. Também
são feitas algumas reformas eleitorais. Os trabalhadores organizam-se em
instituições de representação, como os sindicatos, e tentam influenciar na
legislação. As intervenções estatais, de modo geral, visam assegurar o status
quo; surgem conexões entre essas intervenções e a tendência à concentração de
capital. Além de guardar a ordem, elas adotam, através da polícia, da justiça e de
uma política de impostos, uma função de estruturação. Têm poder de influenciar
investimentos privados e de regular transações públicas, ou seja, controlam o
equilíbrio da economia política. As prestações de serviços, antes a cargo da
esfera privada, passam ao seu controle. O Estado, agora social, é produtor e
distribuidor de serviços públicos.
[...] a “influencia democrática” sobre o ordenamento econômico
não pode ser negada: a massa dos o-proprietários conseguiu,
através de intervenções públicas no setor privado agindo contra a
tendência à concentração de capital e à organização oligopólica,
fazer com que a sua participação nos rendimentos do povo não
pareça ter diminuído a longo prazo, mas, aa metade do nosso
século, também o ter aumentado de modo essencial
(HABERMAS, 1984, p. 176).
45
A relação de classes que o capitalismo industrial desenvolve transforma o
vínculo jurídico da igualdade formal entre capitalistas e assalariados numa
condição de subordinação. Porém, essa esfera não pode ser entendida nem
como puramente privada nem como genuinamente pública. Com a
interpenetração, a esfera pública desprivatiza-se e a íntima recua para a periferia.
A família torna-se mais privada, ao passo que o mundo do trabalho torna-se mais
público; desaparece o privado na esfera do trabalho social. O campo, antes
reservado à família, no qual não cabiam questões políticas, agora é tomado pelo
consumismo via meios de comunicação de massa. O público infiltra-se no íntimo
através dos mídias, formando o que Arendt chamou de esfera social”. Pode-se
dizer que esse novo domínio é a junção daqueles dois espos, onde o caráter
político dá lugar ao mero caráter consumista.
O Estado junto à empresa, mediado pela imprensa, incorpora funções
econômicas, educacionais, culturais e de proteção, tornando-se tutor de uma
família que exige retorno. Com a possibilidade de consumo advinda dos
benefícios das indenizações e ajudas previdenciárias asseguradas pelo poder
público, a família ganha aparente privacidade e independência em relação ao
Estado protecionista. Entretanto, ele controla tudo e garantias em troca de
descontos salariais. Assim como o ambiente privado torna-se blico, o meio
público assume formas de intimidade.
Do mesmo modo, o raciocínio é vítima da refeudalização. Vai-se do público
pensador de cultura ao consumidor de cultura. No lugar da esfera pública literária
do culo XVIII, passa a existir um blico dedicado ao consumismo cultural,
influenciado pelos meios de comunicação de massa. O raciocínio converte-se em
consumo e o contexto da comunicação blica se dissolve nos atos
46
estereotipados da recepção isolada. A autonomia privada agora deriva das
garantias públicas de status de privacidade. A partir do cerne da esfera privada,
desenvolve-se uma esfera blica politicamente ativa, socializada pelo Estado e
pelo mercado de mídia. A tendência ao debate público mantém-se, porém
travestida de um caráter mercadológico, encontrado em seminários e fóruns
populistas. De fato, mais um bem de consumo.
A intermediação comercial faz surgir posicionamentos críticos e estéticos
que se sabiam independentes do mero consumo. As leis do mercado infiltram-se
na essência das obras: a criação orienta-se conforme as estratégias de vendas.
Sim, a cultura de massas recebe o seu duvidoso nome exatamente
por conformar-se às necessidades de distração de grupos de
consumidores com um nível de formação relativamente baixo, ao
invés de, inversamente formar o blico mais amplo numa cultura
intata em sua substância (HABERMAS, 1984, p. 195).
A cultura enquanto mercadoria aliena-se àqueles momentos cuja
compreensão exige uma certa escolarização e reflexão política. Seu consumo
transmite experiências não cumulativas e faze regredir a consciência política e
cidadã. O critério sociopsicológico da cultura consumista caminha junto do
momento sociológico de destruição da esfera pública. Nesse contexto falho
econômica e politicamente, às massas é dada a possibilidade de participar de
uma esfera pública política por meio dos jornais de penn y. Porém, a imprensa
sensacionalista não cede espaço a notícias e editoriais políticos. Ocorre que a
maximização da venda é concomitante à despolitização do conteúdo.
Para Habermas, a cultura difundida pelos novos meios de comunicação do
século XX promove o status quo, privilegiando a propriedade econômica e
política. A esfera pública assume funções da propaganda e, como meio de
47
influenciar política e economicamente, torna-se apolítica, aparentando estar
privatizada. O jornalismo crítico, partidário e político é substituído pelo
manipulativo, consumista e mercadológico. Altera-se também a idéia de esfera
pública politicamente ativa:
O modelo da esfera pública burguesa contava com a separação
rígida entre setor blico e setor privado; a esfera pública das
pessoas privadas reunidas num público, que fazia a mediação
entre Estado e as necessidades da sociedade, era computada ela
mesma no setor privado. À medida que o setor blico se imbrica
com o privado, este modelo se torna inútil. Ou seja, surge uma
esfera social repolitizada, que não pode ser subsumida, nem
sociológica nem juridicamente, sob as categorias do público e do
privado. Neste setor intermediário se interpenetram os setores
estatizados da sociedade e os setores socializados do Estado sem
a intermediação das pessoas privadas que pensam politicamente.
[...] O processo, politicamente relevante, do exercício e do
reequilíbrio dos poderes transcorre diretamente entre as
administrações privadas, as associações, os partidos e a
administração pública; o público enquanto tal só esporadicamente
é inserido neste circuito do poder e, então, apenas também para
que aclame (HABERMAS, 1984, p. 208).
O espaço social das relações privadas é prejudicado, por exemplo, pelo
poder de compra e pelo status socioeconômico. A integração entre os setores
contribui para uma desorganização da esfera pública. A função de intermediação
entre Estado e sociedade é deixada à publicidade, às instituições antes privadas,
como as associações, e aos entes públicos, como os partidos.
Dentro do setor privado também se apaga a distinção entre esfera pública e
privada, e começa a ascensão do campo social. A esfera pública deixa de ser
exclusividade do setor privado. A imprensa atua como mediadora e desenvolve-se
com a politização do público leitor. Surgem os jornais panfletários, partidários ou
ideológicos, seguindo o princípio da publicidade das idéias. Porém, a censura
regula e degrada a mídia a uma mera empresa sujeita às interdições e proibições
políticas.
48
Estabelecido o Estado de direito burguês e legalizada a esfera blica
politicamente ativa, a imprensa alivia-se das pressões sobre a opinião e se
assume como empresa comercial. A publicação de anúncios inicia com força,
ocasionando certa independência ideológica para com os anunciantes. Gerar
lucro virou necessidade, o que favorece a manipulação da imprensa
comercializada.
Ocorre uma concentração e centralização dos meios de comunicação,
conhecidos até hoje; muitos deles sob direção, controle ou dependência do
Estado, devido ao poder e às necessidades financeiras. A origem das instituições
jornalístico-publicitárias inverte-se. Mais uma vez, a esfera pública degrada-se
mediante os interesses privados, agora regulados pelo mercado:
[...] de acordo com o modelo liberal de esfera pública, as
instituições do público intelectualizado estavam, assim, garantidas
frente a ataques do poder público por estarem nas mãos de
pessoas privadas. Na medida em que elas passam a se
comercializar e a se concentrar no aspecto econômico, técnico e
organizatório, elas se cristalizam nos últimos cem anos, em
complexos com grande poder social, de tal modo que exatamente
a sua permanência em mãos privadas é que ameaçou por várias
vezes as funções críticas do jornalismo (HABERMAS, 1984, p.
220-221).
Segundo o pensador, trabalhar a opinião é assumir a esfera pública como
política. Seus destinatários são as pessoas privadas enquanto blico, o
enquanto consumidores imediatos; sua tarefa é fabricar consensos e conformismo
acrítico e uma falsa concordância de interesses gerais. No entanto, para a
comunicação ser considerada pública, é imprescindível que se dirija a uma
audiência indefinida de interações ilimitadas, de modo que não haja qualquer tipo
de exclusão.
49
uma subversão do princípio da publicidade: de crítica passou a
publicidade promocional. Arrancada das suas funções originais e com o
surgimento das relações públicas, está agora sob o patrocínio de empresas,
associações e partidos, mobilizada pela imposição de uma secreta política de
interesses, no processo de integração entre Estado e sociedade. A publicidade
passa a ser utilizada para exercer pressão política, e, à medida que ocorre essa
interconexão, a esfera pública perde algumas funções de intermediação, nela
sendo descarregados conflitos que alteram, na base, a estrutura do pacto político
(HABERMAS, 1984, p. 232).
Perante a esfera pública ampliada, os debates são estilizados num show e
a publicidade passa a ser apenas demonstrativa e acrítica. Arma-se um
espetáculo para publicizar as decisões oficiais repletas de burocracias, que
dificultam a compreensão pública. Os meios de comunicação de massa criam a
ilusão da interatividade: o público ouve, porém não opina, mas finge ter opinião.
Na tentativa de formar democraticamente a opinião e a vontade das
massas, as instituições públicas de caráter privado organizam-se conforme o
princípio da publicidade. Além das associações e partidos, o jornalismo político
subordina-se ao mandamento democrático de ser abertamente público.
Quer-se uma democratização das organizações sociais cujas atividades se
relacionem com o Estado, “pois o processo de transformação do poder social em
político precisa tanto de crítica e controle quanto o exercício legítimo do poder
sobre a sociedade”.
50
A idéia de esfera pública institucionalizada na social-democracia
de massas, de um modo não-outro que no Estado de Direito
burguês é, primeiro: a racionalização da dominação no âmbito do
pensamento público das pessoas privadas só pode ser, agora,
ainda realizada como uma racionalização – certamente limitada
pelo pluralismo dos interesses privados organizadosdo exercício
social e político do poder sob o controle mútuo de organizações
rivais, presas à esfera pública em sua estrutura interna bem como
no relacionamento com o Estado e delas entre si (HABERMAS,
1984, p. 245).
Emerge uma esfera pública política fabricada apenas em momentos de
eleição, enquadrando-se nos moldes da decadente esfera pública burguesa. Esse
espaço temporariamente estabelecido reproduz a esfera na qual vigora a lei da
cultura de integração: o setor político é conectado ao de consumo. A propaganda
também é assumida como função da esfera pública. Através do marketing político
tenta-se vender política, apoliticamente; os meios de comunicação tornam-se
meros transmissores de ideologias políticas; o próprio eleitorado enquanto público
se desintegrou. Tem-se um clima de opinião, não, efetivamente, uma opinião
pública. Para o autor,
[...] um público de cidadãos, desintegrado enquanto público, é de
tal maneira mediatizado por meios publicitários que, por um lado,
pode ser chamado a legitimar acordos políticos sem que, por outro
lado, ele seja capaz de participar de decisões efetivas ou até
mesmo de participar (HABERMAS, 1984, p. 258).
Vemos nas obras principais estudadas até agora o retrato da nova
configurão social, como as modificações na esfera pública e na própria política
levaram à extinção da racionalidade, do pensamento crítico e contestador em
relação às ações políticas.
Habermas e Arendt explicam a natureza da política da Modernidade e, sem
o dizer, na Pós-Modernidade. Habermas caracteriza historicamente a essência da
esfera pública e, portanto, da atividade política no uso público e argumentado da
51
razão; reconhece que, conforme avança a mudança estrutural da esfera pública e
se começa a vislumbrar um canário pós-moderno, a realidade é distorcida e entra
em declínio, pois a razão lugar à distrão e ao consumo. A extinção da crítica
na esfera pública contribui para a anulação das capacidades políticas do homem
e, em conseqüência, para o abuso de poder e a manipulação das massas.
O processo de transformação do poder social em político precisa tanto de
crítica e controle quanto do exercício legítimo do poder sobre a sociedade. Arendt
e Habermas vêem a atuação ideológica da cultura do consumo. A sociedade
mercadológica acabou com aquilo que poderia se contrapor ao status q uo,
minimizando a possibilidade racional de contestação séria e embasada.
Segundo esses críticos, uma inversão do conceito de vida ativa
conforme avança a Modernidade. Na Antiguidade e na Pré-Modernidade, era
fundamental a ação criadora da política; atuar na esfera pública significava status,
reconhecimento e utilidade; ter a possibilidade de usar a palavra para contestar os
governantes era um privilégio de poucos, diferentemente do ideal democrático
atual. Hoje, há o triunfo do privado sobre o público, porém sob uma nova ênfase:
a de uma esfera social contraposta à intimista.
Através da ação conjunta de forças opositoras, as classes subalternas
política e economicamente alcançaram suas maiores reivindicações, dentre as
quais o direito ao voto e as mudanças na Constituição trabalhista. Contudo, o
conformismo acrítico vigente não condiz com a utopia democrática, refletindo a
manutenção das condições em voga, uma vez que banaliza a capacidade
reflexiva e contestadora da sociedade civil.
Fernando Lattman-Weltman resume a questão:
52
[...] a “esfera pública” perde a força conceitual que Habermas tão
árdua e conscienciosamente erigiu, e reduz-se a uma mefora
que pode ou não seduzir, uma palavra-de-ordem que pode ou não
ser rentável. E já agora não mais n a arena dialógica do debate
informado e crítico, mas sim no palco errático e sinuoso da
persuasão, da manipulação. Do sta tus de conceito, síntese
dialética de teoria e empiria, a esfera blica” vê-se assim
degradada à condição de mero mbolo desencarnado, sem uma
referencia literal possível (1996, p. 170).
Apesar disso, o que depreendemos da obra de Habermas não é uma
negação do fato exposto por Lattman. Habermas demonstra claramente a
mudança que a esfera blica sofreu em suas estruturas em razão do avanço da
sociedade moderna e da primazia do capital. Em inúmeras passagens deixa claro
que a esfera pública constituída nos moldes da sociedade burguesa foi
substituída por uma simulação de esfera pública formada em momentos propícios
para sua encenação, como no caso das eleições (HABERMAS, 1984, p. 208).
Aproveitando o gancho de Lattman, vamos agora aos comentários feitos
por outros especialistas dos estudos de Habermas, analisando as contraposições
e corroborações ao modelo de esfera pública concebido pelo autor.
1.3 Reflexões sobre a contribuição de Habermas
Rousiley Maia, Craig Calhoun e o próprio Fernando Lattman-Weltman
atualizam a idéia de esfera pública tecendo importantes links com as novas
tecnologias de comunicação e informação. Com as reflexões desses autores,
acreditamos ter mais base para as leituras dos teóricos da chamada “pós-
modernidade”, uma vez que estes tratam basicamente das questões,
possibilidades e limitações da denominada “esfera pública virtual”.
53
Garnham lista algumas críticas feitas ao estudo de Habermas, as quais
dizem (1992, p. 359-360):
1. ele negligencia a importância do desenvolvimento contemporâneo de
uma esfera pública plebéia ao lado e em oposição à burguesa, uma esfera
construída sobre formas institucionais diferentes, como união de empresas,
e com valores diferentes, privilegiando a solidariedade, não a
competitividade individual;
2. Habermas idealiza a esfera pública burguesa;
3. excluindo os negócios domésticos e a economia da esfera, ele,
sistematicamente, suprime a questão da democracia justificada
(accoun tability) e, ao mesmo tempo, as relações de gênero e de produção;
4. seu modelo racionalista de discurso público racional incapacita-o para
teorizar sobre uma esfera pública plural, levando-o a negligenciar as
contínuas necessidades de compromisso entre posições políticas;
5. a última parte do seu livro permanece na dependência do modelo de
indústria cultural de Adorno, com sua tendência de elitismo cultural, seu
exagero de poderes manipulativos e de controle daquela indústria, e sua
negligência das possibilidades de modelos de serviço público de
intervenção estatal dentro da esfera informativa;
6. o modelo da ação comunicativa de Habermas, desenvolvido como
normas de discurso público, omite, quando revestido pela comunicação
distorcida, todas as formas de ação comunicativa que o vão em direção
a um consenso;
7. por essa razão, ele omite, ao mesmo tempo, os aspectos retóricos e
agradáveis da ação comunicativa, os quais levam à distinção entre
54
informação e entretenimento e à negligência da ligação entre cidadania e
teatralidade. Este último ponto é de particular importância ao se pensar
sobre a regra da mídia de massa nas democracias contemporâneas.
Conforme nos mostra Rousiley Maia, Habermas tenta mostrar que a
democracia pluralista depende da institucionalização das condições necessárias
para o estabelecimento da comunicação entre os cidadãos, além da
interpenetração entre tomada de decisão institucionalizada e a opinião blica
informal, mas racionalizada:
Em suas formulações recentes, Habermas (1992 e 1997) busca
construir um conceito de esfera pública a-histórico, não-datado,
“como um fenômeno social elementar, do mesmo modo que a
ação, o ator, o grupo ou a coletividade”: A esfera pública pode ser
descrita como uma rede adequada para a comunicação de
conteúdos, tomadas de posição e o piniõ es; nela os fluxos
comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se
condensarem em opiniões púb licas enfeixadas em temas
específicos (MAIA, 2002b, p.110).
Na sua opinião, há uma mudança substancial da percepção de Habermas
acerca do ideal de uma esfera pública única e singular para uma multiplicidade de
esferas públicas:
Em sociedades complexas, a esfera pública forma uma estrutura
intermediária entre o sistema político, de um lado, e os setores
privados do mundo da vida e sistemas de ão especializados em
termos de funções, de outro lado. Ela representa uma rede
supercomplexa que se ramifica especialmente num sem-número
de arenas internacionais, nacionais, regionais, comunais e
subculturais, que se sobrepõem umas às outras; essa rede
articula-se objetivamente de acordo com os pontos de vista
funcionais, temas círculos políticos, assumindo a forma de esferas
públicas mais ou menos especializadas, porém ainda assim
acessíveis a leigos [...] (1997: 107) (HABERMAS apud MAIA,
2002b, p. 111-112).
55
Habermas, indica Maia, constrói o modelo democrático deliberativo em
termos de circulação de poder. A democracia, na visão do autor, requer a
institucionalização dos procedimentos de comunicação entre os cidadãos e a
“interpenetração entre tomada de decisão institucionalizada e opinião pública
constituída de modo informal, mas ainda assim, racionalizada” (MAIA, 2002a, p.
49). A deliberação política é regulamentada por procedimentos democráticos e
orientada para a tomada de decisão: “[É] condição necessária para a obtenção da
legitimidade que o exercício blico do poder e a organização das principais
instituições sociais sejam o resultado do procedimento de deliberação na esfera
pública” (MAIA, 2002a, p. 49).
Para Maia, um consenso entre os teóricos da democracia de que sua
legitimação está relacionada aos meios de comunicação enquanto divulgadores
de informações, por sua fundamental relevância na formação da opinião pública.
Assim, espera-se que os mídias reflitam a diversidade política e cultural das vozes
sociais, pluralidade essa que proporciona uma reflexão mais justa, na qual
diferentes pontos de vista podem ser considerados. Daí a importância de atentar-
se para a manipulação e controle de informações por determinados segmentos da
sociedade ou conglomerados, uma vez que estes, além de controlar o que é
divulgado ao grande público, podem cercear a liberdade de expressão de vozes
dispostas a defender os direitos das maiorias (MAIA, 2002a, p. 62).
Em A “esfer a p ública”: do conceito à palavra de o rdem. Notas par a uma
alterna tiva pragmatista de intervenção na comunicação política brasileira,
Fernando Lettman-Weltman, do mesmo modo, faz uma crítica ao conceito
habermasiano de esfera pública, propondo em seu lugar algumas refutações
desse paradigma. O que nos interessa aqui, no entanto, é aquilo que o autor
56
chama de “delimitações e comprometimentos” da noção de esfera pública de
Habermas.
Segundo Lettman-Weltman, a investigação de Habermas dá-se num
contexto histórico bem delimitado: no modelo liberal de esfera pública burguesa,
originária de outro modelo histórico reprimido, a esfera pública plebéia.
Trata-se de um fórum muito especial em que os atores [...]
encontram-se em condições de dialogicamente exercer a cr ítica e
de se pôr sob o domínio da razã o, com a uton om ia, sem entraves
cognitivos ou imposições heteronômicas da coerção, da
persuasão e/ ou da ideologia (LATTMAN-WELTMAN, 1996, p.
164).
Mesmo reconhecendo a delimitação histórico-sociológica da esfera pública
liberal, Lattman-Weltman parece conduzir sua crítica neste sentido: “Surge assim,
comprometida desde o início com a noção da publicização do privado’.
Habermas reconhece esse envolvimento comprometedor para a concepção de
esfera pública, com a interpolarização entre a esfera privada e a blica”.
(HABERMAS, 1984, p. 69). Como vimos, essa interpenetração originou aquilo
que, anteriormente a Habermas, Arendt identificou como “esfera social”.
Fernando Lattman-Weltman faz a síntese da obra em questão:
O trabalho seminal de Habermas antecipa, deste modo, o
momento da contemporânea crítica de esquerda através da
denuncia do caráter “plebiscitário-aclamativo da “esfera pública”
dos modernos países industrializados [...] Desse modo, operar-se-
ia uma mudança fundamental no “papel” ou “função” exercidos
pelos órgãos de imprensa, transformados em meios industriais de
comunicação de massa; de instrumento de propagação e debate
de idéias e projetos políticos a agentes da produção de um
comportamento consumista e conformado às relações impostas
pelo “sistema” (LATTMAN-WELTMAN, 1996, p. 165-166).
57
Noutros termos, Lattman-Weltman critica Habermas por essencializar o
conceito de esfera pública, conforme é deixado claro na seguinte passagem:
[...] a esfera pública plebiscitário-aclamativa apresentar-se-ia como
um “simulacroda esfera pública autêntica, tal como definida pelo
autor, onde era possível se produzir a síntese pública igualmente
autentica, e não, como atualmente, a indução e a imposição
subliminar de seu oposto (LATTMAN-WELTMAN, 1996, p. 165-
166).
Lattman também discorda do autor quanto à linguagem autenticamente
representativa que possibilita a efetivação de um diálogo livre de imposições e
distorções linguagem esta que, segundo Habermas, é fundamental para um
debate objetivo e racional no espaço público. Lattman entende que os supostos
interesses objetivos e coletivizados “não podem se reconhecer sem que uma
linguagem ou uma cultura os nomeie; e isto é tudo quanto basta para a
criatividade e o artifício humanos instalarem a diversidade, a diferença e a
polissemia (ou, o caos, diria um racionalista)” (1996, p. 168-169).
Já, para Craig Calhoun, a análise de Habermas descreve n0 0 50 488 0 Tm (a) Tj 50 0Tj 50 0 0 50 124 124 124 10 0 0 50 209 0 0 0 0 50817 0 50 209 0 Tm (a) T8d2 0 0 0.24 414.2497m BT 50 0j 50 0 0 50 1504Tm (ve) TTj 50 0 0 50 884 0 Tm ( ) Tj 50 0 0 50 781 0 Tm (u)vj50 0 0 50 1602 Tm (1) Tl50 0 0 50 1319 0 Tm ( ) Tv Tj 50 0 0 50156 0 Tm (u)j 500 0 50 12332 0 Tm ( )Tj 50 0 0 50 884300 Tm ( ) Tj 50 0 0 50 783 0 Tm ( )Tj 50 0 0 50 8934 Tm (a) Tj 50 0 0 5076237m (ve) T Tj 50 0 0 50 351 Tm (1) Td50 0 0 50 1521 41 BT 50 0j 50 0 0 50 15044 Tm (9) Tssj 50 0 0 50 1249524Tm (i) Tj 50 0 0 50 89553 BT 50 0j 50 0 0 50 1504TmTm (9) TsfTj 50 0 0 50 58204BT 50 0j 50 0 0 50 1257 0 Tm (6) Tj 500 0 50 1285 0 Tm (8) Tj ET Q Q q 18 41.12 558.25(a)4209 0 0 0 0 50817 0 50 209 0 Tm (a) 0 0.24 50 0 0 50 1455 00 Tm ( )Tj 50 0 0 50 379 Tm (d) TTj 50 0 0 50 565 Tm (,) Tj 50 0 0 50 68Tm (9) Tú 500 0 50 1058 0 Tm ( )j 50 0 0 50 1149 40 Tm (n) Tj50 0 0 50 851 50 0 0 5 Tj 50 0 0 501164BT 50 0c Tj 50 0 0 5017810 Tm (i) Tj 50 0 0 50 36231 Tm (,) Tj 0 0 0 50 1955 Tm (,Tj 50 0 0 5076220 Tm (a) Tj50 0 0 50 8529Tm (9) T8 0Tj 50 0 0 50 222 0 Tm (n)Tj 50 0 0 50 89330 Tm (ci)iTj 50 0 0 50 583 0 Tm (u)c Tj 50 0 0 50173 0 Tm(a) Tj 50 0 0 50 36903 Tm ( )fTj 50 0 0 50 36910 Tm (i)Tj 50 0 0 507624 Tm (d) T 50 0 0 50 14554Tm (() TTj 50 0 0 50 379 Tm (1) TTj 50 0 0 50 895504BT 50 0d50 0 0 50 1521 53m (() Tj 50 0 0 50 1504TmTm (1) TTj 50 0 0 50 89557()) Tj Tj 50 0 0 50 554 Tm ( ) Tj 500 0 50 1233643 (() TTj 50 0 0 1.0 1 T1m (1) TTj 50 0 0 50 89568Tm (a) Tj 50 0 00 50 8957 Tm (e) TsfT 0.24 414.249775m (() Tj 50 0 0 50 150478Tm (1) T 50 0 0 50 1455 796(() TTj 50 0 0 50 379820 Tm ( ) Tj 50 0 0 50 70838 (() TTj 50 0 0 50 588mTm (9) T Tj 50 0 0 50 78990 Tm ( )Tj 50 0 0 50 89 908 Tm ( )Tj 50 0 0 50 88493Tm (d) T 50 0 0 50 1455 95m (() T Tj 50 0 0 50196Tm (e) TTj 50 0 0 50762991m (d) T 50 0 0 50 1455 100Tm (d) Tj 50 0 50 1521 0020 Tm (n) Tj50 0 0 50 8510350 0 0 5 Tj 50 0 0 50151044Tm (i) Tj 50 0 0 50 89 0 Tm (d) TTj 50 0 0 50 884 08Tm (9) Trj 50 0 0 50 5811Tm (e) Tj Tj 50 0 0 50817 00 TTm (1) T 50 0 0 50 1455 0 7 0 0 5 Tj 50 0 0 50151158 (() TTj 50 0 0 5015118Tm (9) T,j 50 0 0 50 581190 Tm(a) Tj 50 0 50 1257 0 Tm (6) Tj 500 0 50 1285 0 Tm (8) Tj ET Q Q q 18 41.12 558.0 50 2290.40 0 0 50817 0 50 209 0 Tm (a) 0 0.24 Tj 50 0 0 50 7828 (() TTj 50 0 0 50155m (ve) T Tj 50 0 01.0 17m (ve) TqTj 50 0 0 5015104 Tm (h) Tj 50 0 0 50 5513m (() TTj 0.24 414.24971mTm (1) T Tj50 0 0 50 851T1m (1) TTj 50 0 0 50 895191(() TTj 50 0 0 50 379210 Tm(a) Tj 50 0 0 50 3623 Tm (,Tj 50 0 50 1319 060 Tm (i)) Tj 50 0 0 50 62 0 Tm (l) Tj 50 0 0 50 33006 Tm ( ) Tj 50 0 0 50 783 0 Tm ( ) Tj 50 0 0 50 330 0 Tm (a) T13Tj 50 0 0 50 3587Tm (e) TTj 50 0 0 50762401m (1) TTj 50 0 0 50 8954Tm (sc) Tsj 0.24 414.24974 Tm (d) TTj 50 0 0 5076247Tm (e) Tj 50 0 0 50 1149501 (e) Tj 50 0 0 50 1455 51 BT 50 0j 50 0 0 50 150454m (ve) T Tj 50 050 1319 TmTm (9) TTj 50 0 0 50 89 57 Tm (, 50 0 0 50 1455 596 Tm ( )Tj 50 0 0 50 379620 Tm ( )j 50 0 0 50 114965m (() TTj 50 0 0 50 3768Tm (1) T Tj50 0 0 50 85691m (d) Th 50 0 00 50 8957 Tm (,Tj 50 0 50 1521 740 Tm (i)j 50 0 0 50 1291 79m (sc) Tj 50 0 0 50 1504819 (e) Tj 50 0 0 50 1455 836 (() TTj 50 0 0 50 3788m0 Tm ( ) Tj 50 0 0 50 58884 (sc) Tj 50 0 0 50 1504910 Tm (n) Tj50 0 0 50 85923 Tm ( )j 50 0 0 50 150495Tm ( ) TvTj 50 0 0 5015100Tm (e) Tdj 50 0 0 5 851031 (() TTj 50 0 0 50 378 0 0 Tm(a) Tj 50 0 0 50 3610 0 Tm ( )) Tj 50 0 0 50 611Tm (s ) Tj 50 0 0 50 1399 13Tm (d) Tlj 50 0 0 5 85114m (ve) Tj50 0 0 50 1602 170 Tm ( ) Tj 50 0 0 50 70119 Tm ( )dTj 50 0 0 50 70122m (() T Tj 50 0 0 501012350 0 0 5sc Tj 50 0 050 551311m (d) T 50 0 0 50 1455 1328 (() Tsj50 0 0 50 1602 381)) Tj Tj 50 0 0 50 701401m (1) Tc 50 0 0 50 1149 40Tm (d) T 50 0 0 0 50 58144m (e) Tj T 0Tj 50 0 0 50 22145Tm (9) TTj 50 0 0 50 89 0 70 0 0 5 Tj 50 0 0 50151481m (1) TcoTj 50 0 50 1257 0 Tm (6) Tj 500 0 5 1285 0 Tm 8) Tj ET Q Q q 18 41.12 558.467.5m 290.40 0 0 50817 0 0 50 150 Tm (a) 0 0.24-Tj 50 0 50 1257 0 Tm (6) Tj 500 0 50 1285  Tm 8
58
O advento das pesquisas de opinião em nada controlou este fato,
uma vez que elas simplesmente perguntavam a opinião de
pessoas discretas sem proporcionar uma ocasião para indivíduos
diferentes se informarem uns aos outros através da discussão.
Tais opiniões, por esta razão, tinham menores possibilidades de
estarem baseadas em conhecimento. De fato, as pesquisas de
opinião apenas fornecem melhores informações àqueles que
procuram influenciar ou controlar, tratando-as como objetos, ao
invés de capacitá-las a se tornarem melhores sujeitos do discurso
público (CALHOUN, 2004, p. 245).
Explica-nos Calhoun que, por trás do relato otimista de Habermas do
século XVIII e do seu relato pessimista das transformações subseqüentes, estão
as mesmas questões: a comunicação pública pode ser um meio de formar opinião
baseada na razão de melhorar o discurso crítico? Essas opiniões podem informar
a criação e a operação de instituições sociais e, mais geralmente, a constituição
da vida social? Em outras palavras, pessoas comuns podem usar suas
faculdades de raciocínio e de comunicação para escolher a natureza de suas
vidas em comunidade, ao invés de ter isso imposto pela tradição herdada, pelo
poder político ou riqueza econômica?
Para Habermas, a questão principal foi se os cidadãos poderiam guiar um
Estado, o que ajuda a explicar por que a esfera pública aparece no singular; ela é
a soma das maneiras nas quais o discurso crítico-racional e aberto dos cidadãos
na sua maioria pode informar o Estado (CALHOUN, 2004, p. 245-247).
Diferentemente de Lattman-Weltam, que afirma que,
[...] mesmo na mais autêntica esfera pública, com os mais letrados
e bem-intencionados interlocutores, o debate intersubjetivo
mobilizará linguagens, ou jogos de linguagens, cuja contingência
se por um lado não inviabiliza necessariamente a possibilidade da
síntese pública, por outro lado impede qualquer forma de se obter
garantias a este respeito. [...] Torna-se assim cada vez mais
complicado o recurso, ou a busca de uma objetividade que permita
o balizamento e a crítica institucional da esfera pública
(LATTMAN-WELTMAN, 1996, p. 168-169):
59
Calhoun acredita não haver comunicação que não seja também
participação na produção e reprodução da cultura. Mesmo o mais crítico e
racional dos debates públicos, organizado pelas regras mais íntegras de
procedimentos e baseado no mínimo de auto-interesses, é assim condicionado
pelo idioma cultural no qual é conduzido para a formação de uma cultura comum
(tanto quanto o reconhecimento das diferentes culturas) entre os participantes.
Além disso, na cultura comum é importante o comprometimento dos participantes
uns com os outros e com o processo do discurso público. Reconhecer a diferença
entre a simples afirmação do povo comum e o diversificado debate público o
deve nos levar a imaginar que o ideal do discurso racional é suficiente em si
mesmo para ser considerado em qualquer esfera (CALHOUN, 2004, p 247-248).
Craig Calhoun observa que a existência da comunicação, vital como ela é,
não responde às questões que nós precisamos fazer a respeito da esfera pública.
É necessário conhecer não somente como a ação comunicativa é e de que forma
a participação é inclusiva e aberta, mas quais são as qualidades dessa
comunicação. É necessário, diz ele, atentar para os processos pelos quais a
cultura é produzida e reproduzida no público, não a considerando como mera
herança ou produto privado de indivíduos ou pequenos grupos. Precisamos
perguntar quão responsiva a opinião blica é para argumentar de modo racional
e quão bem qualquer esfera pública se beneficia de um potencial de autocorreção
e educação implícitos nas possibilidades do discurso crítico-racional. Devemos
questionar o quanto comprometido estão os participantes com o processo público
de discurso e, por meio dele, com os outros. o menos importante, devemos
indagar quão efetivamente a opinião pública formada pode influenciar as
60
instituições sociais e aqueles que detêm o poder econômico, político e, até
mesmo, cultural.
Estas questões todas devem ser basicamente investigadas dentro
das implicações das novas tecnologias da informação para a vida
pública e a democracia. Várias tecnologiasm o potencial de
restringir ou facilitar a abertura, a razão, a criatividade cultural, a
auto-organização e a solidariedade. Isto é verdade tanto
internacionalmente quanto domesticamente. Além do mais,
questões de acesso desigual, diversidade cultural, e talvez mais
basicamente, a multiplicidade de agentes de poder e potenciais
objetos de influência pública pairam largamente na arena global
(CALHOUN, 2004, p. 248).
As conclusões de Calhoun nos levam a entender que as perspectivas para
a democratização da ordem global dependem, crucialmente, do desenvolvimento
da esfera blica transnacional, tanto quanto da atenção para as injustiças
mundiais dentro do discurso público de sociedades individualistas. Assim,
podemos considerar que as mesmas implicações tecnológicas valem para arenas
públicas de menor escala, como as nacionais, as estatais ou municipais.
Day e Schuler também intervêm nessa discussão partindo do princípio de
que uma esfera pública é uma “estrutura de mediação”, abstrata, como os
partidos políticos, os governos representativos e a mídia. Uma estrutura
mediadora é um mecanismo de ligação, cujas intenções são a conexão de pontos
de vista diferentes, a garantia de voz a todos.
Para os autores, o conceito de esfera pública habermasiano é impreciso. O
próprio Habermas o a explicaria exatamente, nem ofereceria uma teoria para
construí-la. uma única e central esfera pública, a qual todo o mundo poderia e
deveria usar, perguntam os críticos. Talvez haja dezenas, milhares, de esferas
públicas, tal como alguns têm sugerido, respondem eles. Quais as conseqüências
dessas limitações, questionam novamente: “[...] elas tornam o conceito inútil ou
61
ele pode ser salvo de alguma forma? Como podemos usar o conceito para que a
tecnologia sirva melhor às nossas necessidades? Como, por exemplo, ela nos
ajuda a pensar a internet e sua constante evolução?” (SCHULER; DAY, 2004, p.
5).
Para Garnham, todos esses argumentos são convincentes porém não
diminuem as virtudes centrais do pensamento do autor. A primeira virtude do
discurso de Habermas é seu foco sobre a indissolúvel ligação entre as instituições
e as práticas de comunicação pública e as inst
62
Feitas as considerações cabíveis ao entendimento das questões propostas
por Arendt e Habermas, em seus respectivos livros, A co ndição humana e
Mudan ça estrutural da esfera pública, conhecidas e compreendidas por nós por
intermédio de Arato e Cohen, Fernando Lattman-Weltman, Rousiley Maia e Craig
Calhoun, vamos aos teóricos da cibercultura, nos quais encontramos a
atualização da idéia de espaço público.
63
2 ESFERA PÚBLICA VIRTUAL, PODER E DEMOCRACIA
William Bogard e Diana Saco podem nos servir, entre tantos autores, como
indicadores de como se tem pensado a situação da política no contexto das novas
tecnologias da comunicação. A discussão gerada por Diana Saco inicia com a
possibilidade de existência de uma ágora eletrônica como uma esfera pública
similar à da antiga Grécia. Bogard trabalha a questão da vigilância, da
simulação e do controle exercido por intermédio das tecnologias do início do
século XXI.
2.1 William Bogard e a vigilância on-line
Foucault pensava nas relações de poder identificando o panóptico de
Benthan em relação ao domínio e à vigilância. A visibilidade do corpo funcionava
como cnica disciplinar. Hoje, os circuitos de comunicação são fundamentais
para a vigilância. A internet, como o panóptico do século XVIII, é uma avançada
tecnologia de invasão da privacidade. William Bogard, por exemplo, entende que
64
a simulação e a vigilância são formas de controle utilizadas por autoridades
(governos) e, sobretudo, pelo diversificado mercado capitalista.
Entretanto, o ciberespaço não é como qualquer outro espaço. É uma
“heterotopia”. Todavia, o termo de Foucault parece remeter a uma ambigüidade:
por um lado, seria um contralugar, onde encontramos uma diversidade positiva
que contraria o status quo; por outro, assemelha-se a uma desordem, ao caos
improdutivo, no qual é impossível distinguir determinadas coisas.
uma constante vigilância on -line e rastreamento de imagens e dados,
iniciados pelo governo norte-americano sob o pretexto da segurança nacional.
Mensagens e telegramas que contêm determinadas palavras, frases, nomes,
locais, remetentes, destinatários ou outras combinações são rastreados por
software s. Essa vigilância disponibiliza todas as ferramentas para a invasão de
privacidade: monitoramento de dados e imagens, distribuição de informações
coletadas para uma gama de pessoas interessadas; usurpação de dados para
possíveis atividades ilícitas; vigilância pelo cartão de crédito e roubo de dados
(data veillance), etc.
Tecnologias de computadores junto com a distribuída prática de
vigilância eles têm capacitado normalizar as formas de controle
social através da participação dos indivíduos, as quais eram
certamente o ponto de Foucault em sua análise da sociedade
disciplinar (SACO, 2002, p. 112).
A declaração de privacidade nos sites (uma espécie de retratação com o
visitante por estar invadindo sua privacidade) é, ela mesma, um efeito do debate
da decodificação e da preocupação com a maneira pela qual a tecnologia
computacional deve ser usada, secretamente, para coletar informações sobre os
usuários da internet.
65
Os oponentes ao programa de vigilância e decodificação de mensagens do
governo crêem que a proteção da privacidade individual promove a democracia,
mas a política do sigilo, na economia, abre possibilidades à corrupção, em razão
do anonimato das transações financeiras eletrônicas. Além disso, a
preocupação governamental em o conseguir arrecadar os tributos ou
igualmente causar a dissolução do Estado”.
William Bogard traz sustentação crítica sobre um cenário onde esse
controle rompe liberdades e impõe limites - um imaginário de percepções não
mediadas, cujos efeitos marcham em direção à suposta conversão de objetos,
eventos e pessoas em informação. Bogard tenta explicar como a revolução na
simulação tecnológica reconfigura e intensifica o papel da vigilância na guerra, no
trabalho, na sexualidade e na vida privada. Também alerta que a simulação está
começando a ser utilizada como um recurso de vigilância das autoridades,
capacitando formas de controle mais eficientes.
Baseado em Foucault, Bogard analisa a sociedade de controle, a crescente
vigilância individual e a conseqüente ausência de privacidade exercida pelas
tecnologias digitais. Para ele, justamente o que marca a emergência da sociedade
de vigilância são as tecnologias digitais. O teórico explora algumas relações entre
vigilância e tecnologias de simulação e suas conseqüências no fluxo do controle
nas sociedades telemáticas no final do século XX, amparando-se nas teorias de
Michel Foucault e Jean Baudrillard.
66
Tecnologias da simulação são formas de um hipervigilante
controle, onde o prefixo “hyper implica não somente a
intensificação da vigilância, mas o esforço para fazer emergir as
tecnologias da vigilância ao seu absoluto limite. Aquele limite é
uma linha imaginária através da qual o controle opera, para assim
falar, em um “avanço” dele mesmo e onde a vigilância – uma
tecnologia de exposição e registro envolve em uma tecnologia
de pré-exposição e pré-registro, uma operação técnica na qual
todos os controles das fuões são reduzidos a modulações de
códigos pré-ajustados (BOGARD, 1996, p. 4).
Nada escapa à vigilância uma vez que tudo é simulação. É isso o que
Bogard chama de “ficção científica social”. A vigilância é uma tecnologia social
do poder. Entender a simulação da vigilância é entender as possibilidades
imaginárias e ilimitadas da disciplina dentro de uma sociedade telemática”.
“Aperte um botão, insira um código, e a qualquer lugar, seja qualquer um ou
qualquer coisa” (BOGARD, 1996, p. 9). Para o autor,
onde a vigilância o pode capturar um evento, sua simulação
pode, e oferece esta (ilusão de) poder para qualquer um; onde a
vigilância não pode tornar um corpo conforme, o código pode, e o
faz de forma divertida (um corpo completamente edivel, somente
através de escolhas de uma lista de opções) (BOGARD, 1996, p.
182).
Simulação, para Baudrillard, não está ligada unicamente a falsidade, mas
também a ilusão, a ausência e a presença. É crer ter quando o se tem e, a
partir dessa crença, simular o ter.
Simulação, ao contrário, para Baudrillard torna-se o esquema
predominante” da era da informação ou pós-industrial,
aproximadamente definido pelo conceito de “sociedade
telemática”, um esquema cujo modo paradigmático de dominação
e controle é o código (BOGARD, 1996, p. 11).
Para Bogard, a simulação é a tecnologia que reproduz o real, o qual se
encontra em crise e ameaça desaparecer (BOGARD, 1996, p. 20). Continua o
autor:
67
Se a vigilância é sobre o real, a simulação, no fim, é sobre o
hiperreal, o mais que real. Vigilância detalha, descobre, mas a
simulação, nós podemos dizer, é a cobertura. Vigilância sempre
olha a travé s ou alé m de alguma coisa: simulação é a proteção
para alguma coisa (um tela) (BOGARD, 1996, p. 20).
Segundo Bogard, a simulação da vigilância não é uma ilusão; vai além
disso, funcionando, tal como o panóptico de Benthan, como uma autovigilância
que autodisciplina. É a mais alta realidade, mais real do que o real.
No caso dos computadores, o controle é mais adequadamente
concebido em termos da própria rede, especificamente, o lugar
68
A vigilância não é mera observação, ela interfere nas quebras e nos fluxos
do “organismo” observado. Para Bogard, a simulação da vigilância é, no limite, a
repetição avançada ou adiantada do registro; é pura repetição (BOGARD, 1996,
p. 44). Com o “apagamento” das distâncias a vigilância é maior:
Cada vez mais, nós precisamos ver o controle social menos como
uma função de supervisão e monitoramento (atras destas
formas ainda co-existe ao lado de novos métodos), e mais como
uma presunção paradoxal destes processos, os quais sem negá-
los ao mesmo tempo superando-os e completando-os. A nova”
vigilância, é a maior e a mais pura forma de supervisão (BOGARD,
1996, p. 77).
Com a hipervigilância das tecnologias telemáticas, o espaço e tempo do
trabalho são liberados em virtude de sua capacidade de monitorar tarefas
contínua, instantaneamente e em infinitas distâncias. É uma contínua invasão de
privacidade. Nada do que se faça estando on-line passa despercebido pela
sociedade e pelas instituições de controle.
Privacidade, na era moderna, está no direito a uma personalidade
inviolável, que se torna visível (público) quando o limite entre observador e
observado é rompido pelas tecnologias de vigilância (BOGARD, 1996, p.126). Já,
na era da revolução tecnocomunicacional e do hipercontrole social, privacidade
refere-se ao direito ao controle e acesso à informação; na contemporânea lei de
privacidade, acesso também a pessoas, a suas vidas privadas, aos seus
segredos e aos digos que governam suas interpretações (encryption). Bogard
reconhece a grande exposição da qual somos vítimas e/ou executores nos
momentos em que estamos on:
69
O que é privado em um campo imaginário onde toda comunicação
é precedida por sua senha ou cifra, onde a visibilidade e o segredo
coincidem, onde qualquer um é um vigilante e qualquer um está
plugado, onde todo corpo é um ciborg, onde mensagens chegam
antes de elas serem mandadas (e desta forma o sempre
repetitivas e imediatamente chatas)? A resposta não é que a
privacidade em um reino o exista mais, mas que ela é antes
disso uma realidade de dominação, excessiva, onipresente e
supercodificada. Em um imaginário telemático, a total privacidade
é totalmente coerente com a total publicidade (BOGARD, 1996, p.
126).
O autor conclui perguntando o que é privado quando o mais íntimo, como
informações biológicas, é traduzido de acordo com convenções de algum código
universal e disponibilizado para todos que tenham acesso àquele código?
(BOGARD, 1996, p. 129). Aqui, Bogard refere-se a inúmeras informações sobre
os indivíduos disponíveis àqueles cujos recursos permitem acesso: boletins
médicos do indivíduo, mapeamento genético (predisposição a doenças,
capacidade física, etc.), registro de transações financeiras e histórico de créditos,
sem falar, é claro, da transparência do cotidiano, como locais freqüentados,
esporte e entretenimento de interesse, produtos adquiridos, enfim, gostos e
preferências pessoais.
O teórico do ciberespaço aproxima-se muito das premissas de Michel
Foucault. Ambos discutem a vigilância e a privacidade seguindo os mesmos
moldes: primeiro, vendo nas tecnologias o fundamento dessas práticas; depois,
reconhecendo
70
são objeto de informação, não sujeitos da comunicação. Aqui, parece-nos
também que as premissas de Foucault se adaptam às relações sociais no
ciberespaço. Somos todos livres internos, ou livres prisioneiros”. São os
exercícios e as relações de poder em funcionamento.
2.2 Diana Saco e as possibilidades democráticas no ciberespaço
Diana Saco o é propriamente uma tecnófila, uma vez que os tecnófilos
crêem que a utopia tecnológica revoluciona positivamente a sociedade e pode
resolver seus problemas através da tecnologia. É um pensamento tecnicista, um
determinismo ou fetichismo tecnológico que nos parece insuficiente e restrito.
Saco não segue esse raciocínio nem apóia os tecnófobos e neo-Ludditas. Para os
tecnorrealistas, como parece ser o caso dela, esse é outro pensamento ingênuo e
radical. A técnica é tudo, menos neutra! Os benefícios e prejuízos da tecnologia
são revelados com ela, não apenas veiculados por ela. Além disso, o elemento
tecnológico necessita do conhecimento humano, o que inclui uma dimensão
simbólica. A própria técnica é algo humano, pois envolve subjetividade, fantasia, o
não-racional, um pensamento ou imaginário tecnológico.
As questões levantadas envolvem a possibilidade de existência de uma
ágora eletrônica, como um espaço similar ao da antiga Grécia. O poder e a esfera
pública digital são tratados por Saco com base nos estudos de Hannah Arendt e
Jürgen Habermas:
71
O que me interessa aqui é como o movimento discursivo (o fluxo
de pensamento) pode ser feito de um ideal de uma ágora
Ateniense alicerçada no espaço físico e em corpos de carne e
osso para o de uma ágora eletrônica que também tem bases mas
num ciber espaço e em corpos digitais. O que torna possível estas
diferentes inflexões do espaço, corpo, visibilidade, unir, encontrar,
enfrentar e assim por diante que são tacitamente pressupostos
associando o ciberespaço com a democracia Ateniense? (SACO,
2002, p. xv).
É ao conceito de espaço público desses autores que Saco consegue
vincular à exaltação do corpo não físico, ou da ausência do corpo, no
ciberespaço, particularmente através de suas crítica a respeito das modernas
tecnologias com Arendt e da comunicação de massa com Habermas:
Focando-se nas teorias de Hannah Arendt e Jürgen Habermas
sobre o reino-público, eu mostro como seus respectivos trabalhos
pressupuseram estratégias espaciais mais elaboradas e um
complexo entendimento de espacialidade para não mencionar o
mais decisivo deslocamento do corpo e das necessidades do
que muitos teóricos da política têm comentado. O que emerge de
da teoria de Arendt e Habermas são concepções de espaço
público que podem ser vistos, particularmente à luz das suas
constantes críticas da moderna tecnologia e da mídia de massa,
respectivamente (SACO, 2002, p. xxvi).
Saco vê a relevância dos estudos de Foucault e propõe que Vigiar e punir e
O nascim ento d a clínica sejam repensados, pois nos permitem refletir sobre a
extrema visibilidade ou espetacularização do corpo, que parece ressurgir com o
avanço tecnológico. Para ela, essa visibilidade, agora digitalizada, é uma violência
em si mesma: a violência do olhar, “a última invasão de privacidade” (ROTHMAN
apud SACO, 1996, p. 195).
72
Neste contexto, Foucault estabeleceu mais explicitamente que as
heterotopias se referem a relações entre espaços, da mesma
forma que elas “têm uma curiosa propriedade de existir em relação
a todos os outros lugares, mas em tais caminhos à suspeitar,
neutralizar, ou inverter a rede de relações que elas designam,
espelham, ou refletem” (24). Uma heterotopia, então, é um tipo de
espaço no meio de contradições, de contestações: um espaço que
imita ou simula os espaços vividos, mas que ao fazer isso, trazem
à tona os espaços vividos por nós (SACO, 2002, p. 14).
Diana Saco tenta mostrar que o espaço virtual não é apenas físico, mas
também mental e vivido; é um conjunto de componentes combinados; é um outro
espaço, um contra-espaço de relações, interações, ações ou contra-ações;
relações também entre espaços, palavras e coisas; é uma “heterotopia” (2002, p.
xxv; p. 11-14).
Para Saco, os espaços sociais e as identidades são socialmente
produzidos; a moderna identidade do público é uma construção mediada (2002, p.
64). Então, resta saber como a tecnologia contribui para a construção de novos
tipos de espaços e identidades (2002, p. 37). A pensadora analisa o ciberespaço
como uma esfera social que traz consigo um incomensurável fenômeno e
“implicações heterotópicas” do espaço físico em torno de si, um perturbador
contralugar. A mistura entre o institucional e o individual, linkados na rede, do
global e do local em conexão, cria contradições positivas, como para o ativismo
democrático, e negativas para as novas formas de controle secreto e vigilância
governamental. Também a ambigüidade existente entre visibilidade/invisibilidade,
na democracia cidadã, tem engendrado diferentes políticas, como é a da
reespacialização do ciberespaço (2002, p. xxvii).
A interface seria a zona limite entre máquina e homem, entre o que está
conectado e o humano, entre dois mundos estranhos entre si, porém simbióticos:
o cibernético e o humano. O problema é que, desse modo, ambos começam a
reivindicar sua própria realidade. Saco crê serem esses os traços da moderna
73
sociedade disciplinar: “produtivas técnicas de liberdade e controle social que
incluem, em suas bases, tecnologias de comunicação para a produção,
reprodução e dissiminação de conhecimentos disciplinares” (SACO, 2002, p. xix).
Saco consegue produzir uma crítica coerente e menos apaixonada do que
a de Bogard, por exemplo, acerca do mundo tecnológico, do poder e da vigilância
no ciberespo. Suas idéias referentes às duas últimas questões assemelham-se
às de Foucault, contudo não reconhece, unicamente, o lado lesivo das
tecnologias, pois parece deslocar-se da análise foucaultiana no que tange ao
tema do espaço, da materialidade, do discurso e da democracia. Seguindo esses
quatro pontos, seu discurso apoiar-se-ia mais no pensamento de Hannah Arendt
e Jürgen Habermas.
Para muitos, o ciberespaço não é uma realidade; simplesmente, inexiste.
Ao mesmo tempo em que alguns cidadãos podem falar, pessoas são excluídas do
ciberespaço. Como vimos em Arendt, na Grécia antiga muitos homens não
estavam habilitados a participar como atores políticos, por não possuírem bens,
cultura e liberdade (SACO, 2002, p. xxiii, xxiv).
O ideal de participação democrática depende de um modo de sociabilidade
derivada somente de interações face a face ou pode derivar de interações sem
face, ou mediadas pela tecnologia? (SACO, 2002, p. 45). Como o ciberespaço
constitui espaços e corpos diferentemente, é o âmago da questão para
compreender essas relações políticas, igualitárias, de outra maneira.
Saco pergunta-se como e em qual extensão a construção contemporânea
do cidadão tem dependido do entendimento convencional do corpo e do espaço?
Como a experiência de estar on-line pode ser vivida na carne? (2002, p. 134-138).
74
E ainda: Se você não tem corpo, você pode tomar uma posição?”. A resposta
está justamente em Arendt e Habermas:
[…] a profunda ambivalência de Arendt a respeito do corpo, cuja
exclusão é o que define sua política de visibilidade pública,
enquanto que a inclinação política depende da reunião dos
cidadãos, em carne e osso, em um espaço de aparência
compartilhado. Eu também notei que Habermas desloca o corpo
ainda mais, focando-se deste modo, em uma forma de publicidade
desencarnada (através da mídia) e na noção de opinião pública
cuja formação deriva somente incidentalmente de encontros face-
a-face de pessoas se encontrando em espaços blicos informais
(SACO, 2002, p. 139).
Arendt acredita que a pólis sobreviveria se o número de cidadãos se
mantivesse restrito, apesar de o lugar de aparência não se restringir ao espaço
físico (SACO, 2002, p. 52).
Fazendo uma releitura de Habermas, Saco conclui que a moderna
identidade do público é uma construção mediada:
Na medida em que o ponto forte da inscrição digital [...] tem criado
um separado e protegido espo não institucional para a
comunicação ente as pessoas, esta visão acena em direção à
esfera publica informal de pessoas privadas reunidas em público,
conforme o sentido de Habermas (SACO, 2002, p. 160).
A autora quer mostrar que o espaço virtual não é apenas físico, mas
também mental e vivido; é um conjunto de componentes combinados; é um outro
espaço, um contra-espaço de relações, interações, ações ou contra-ações;
relações também entre espaços, palavras e coisas; é uma “heterotopia”. Sugere
que pensemos se e como podemos caracterizar o não-físico no campo virtual,
como sendo um espaço social, ou, ao contrário, se esse espaço social pressupõe
um espaço físico, no senso convencional, como um espaço geográfico, no qual
75
pessoas podem ter encontros face a face. Nesse sentido, o ciberespaço é
incompatível com a promessa democrática ateniense. Explica Saco:
Ainda assim, porque o ciberespaço não é um tipo de espaço no
qual corpos físicos possam se encontrar face-a-face, parece
evidente, neste critério auto-evidente, ser incompatível com
reivindicações sobre suas promessas utópicas para um novo tipo
de democracia ateniense (2002, p. xxvi).
A questão-chave é entender como o ciberespaço tem sido conceitualizado
na teoria democrática, que tende a considerar o espaço como um depósito físico
dentro do qual os próprios cidadãos conduzem suas políticas (SACO, 2002, p.
41). Os componentes físicos são a condição de existência do ciberespaço. Aqui,
falamos do monitor à fibra óptica, dos satélites às torres de rádio aparatos
tecnológicos que tornam possível o acesso e a interação virtual. O espaço físico
tem sido o centro das discussões sobre democracia virtual: é possível uma
sociabilidade sem faces? (SACO, 2002, p. 29). Esclarece-nos Saco:
Mesmo assumindo que a socialidade humana tem sua fundação
nos encontros face a face, o tais encontros necessários para o
tipo de deliberação e participação aberta, defendida pelos
democratas? Colocada de outra forma: a participão política
democrática requer a produção de um espaço-tempo no qual os
participantes estão fisicamente co-presentes? E se o cidadão deve
estar presente uns aos outros em carne e osso, que tipo especial
de papel seus corpos representariam na performance da política
democrática? Ou, alternativamente, podem certas tecnologias
tomar o lugar da presença corpórea? Como, em resumo, o
espaço, a tecnologia e o corpo tem sido teorizados em relação à
democracia? (2002, p. 33).
Hannah Arendt percebe a tecnologia não como uma mera ferramenta
utilizada na conquista de espaço. Antes disso, são práticas espaciais delas
mesma, que engendram novos espaços, conhecimentos e identidades (SACO,
2002, p. 60).
76
o elemento humano no ciberespaço, chamado de wetware, ou liveware
ou, ainda, meatware, é considerado a terceira força na produção do ciberespaço.
Relacionando esse ponto à questão da personificação e à falta da presença física
(disemb ody), Saco afirma:
[...] isso fornece um lembrete vívido de que os usuários do
computador o seres de carne e osso, mesmo se suas práticas
on-line parecem, às vezes, a desencarnadas. Este lembrete
provoca perguntas sobre como a experiência de estar on-line pode
ser experimentada na carne e como tal experiência, por sua vez,
está transformando nosso senso de lugar e de identidade [...]
(2002, p. 107)
Saco indica que a liberdade está no campo privado e que o poder situa-se
no domínio público. Considera o Estado como o maior inimigo da liberdade
individual, pelo constrangimento e repressão física; é uma força coercitiva pública,
não digna de confiança (SACO, 2002, p. 160).
Ancorada em Habermas, sugere uma esfera pública informal de pessoas
privadas, para se opor ao controle e à vigilância governamentais. Entretanto, esse
“público” refere-se a uma pluralidade de indivíduos privados, cujo interesse é
exercer suas liberdades pessoais na privacidade. A comunicação efetuada aqui
seria do tipo privada, interpessoal, num local exclusivo de pessoas conhecidas
entre si, que dariam umas às outras as “chaves blicas” de acesso às
informações pessoais. Todavia, Saco vê um outro lado da questão:
[...] este não foi um esquema de comunicação que pretendia
produzir uma crítica, um espaço social proto-político para um tipo
de debate que qualquer um, no princípio, poderia incorporar. Por
esta razão, os esforços até o momento distantes de construir uma
criptografia que permita um tipo de uma comunicação democtica
tendem a soar falsos (SACO, 2002, p. 161).
77
É possível, segundo a autora, que a esfera pública informal e antecipada
em segredo, conforme Habermas, possa ser uma nova forma de hierarquia
política e de exclusão social, uma vez que não disponibiliza informações públicas,
configurando uma prática antidemocrática. Saco a ambigüidade em todo esse
processo de “reespacialização” do ciberespaço, de codificação e decodificação de
mensagens, de privacidade e vigilância: “um mix de visibilidade e invisibilidade”
(2002, p. 195).
As inquietações de Diana Saco relacionam-se à possibilidade de mudança
no fluxo do pensamento sobre a democracia política dita pós-moderna”. Sua
percepção é de que estamos vivendo uma mistura de formas democráticas: em
alguns lugares temos a participação democrática; em outros, a representação
democrática (2002, p. 201).
Diante disso, as indagações são nossas: por que a presença corporal é tão
importante para a legitimação do debate público? Qual é o objetivo do contato
físico na democracia? A sociabilidade, as relações sociais são visíveis no
ciberespaço. Por um lado, dizer que a corporificação é fundamental para a
democracia significa dizer que uma real impossibilidade de vermos triunfar
uma democracia eletrônica ou virtual. No entanto, se entendermos a questão
segundo a Grécia de Arendt e Habermas, perceberemos que, muito além do
físico, o indispensáveis as ações, o verbo, as interações, as trocas de idéias e
experiências. O próprio pensamento é interação. O ciberespaço é permeado por
práticas sociais; nele, a materialidade e as relações humanas codificam-se na
linguagem. Se considerarmos ainda que a relevância do físico está nas interações
e na sociabilidade, não na presença corpórea, a democracia e a política digitais
são tangíveis no cotidiano do mundo capitalista desenvolvido.
78
3 ESFERA PÚBLICA E POLÍTICA NO CIBERESPAÇO
Considerando as teses de Arendt e Habermas, o debate político, em seu
sentido estrito, perdeu há algum tempo seu espaço no terreno público. O
raciocínio crítico deu lugar às publicidades que visam à prosperidade do mercado;
o bem comum não mais importa. A política de hoje segue interesses lucrativos
individuais e das grandes corporações. Os meios de comunicação, em especial
os de massa, colaboram para o declínio da razão nos tempos modernos. O antigo
uso da palavra corrompeu-se através do patrocínio da espetacularização
midiática.
Neste capítulo veremos como dois pensadores da cibercultura discutem a
relação entre política e poder na era das novas tecnologias. Trata-se de um
relançamento do debate visto no capítulo anterior, porém em contexto
diferenciado: trabalhamos a questão da ação política em relação à cibercultura.
Assim, pretendemos levantar mais elementos para, na conclusão, apresentarmos
nosso balanço das discussões sobre comunicação e política no ciberespaço do
ponto de vista de sua reflexão teórica.
79
3.1 Mark Poster, internet e esfera pública
Para Mark Poster, a internet é, acima de tudo, um sistema de comunicação
descentralizado. A internet instala uma nova relação entre homem e matéria e
entre matéria e o-matéria, reconfigurando as relações da tecnologia com a
cultura e, desse modo, enfraquecendo o ponto de vista proveniente de um
discurso do passado, sobre os efeitos das novas tecnologias. Poster aborda a
instância das relações sociais entre os usuários da NET e procura compreender
qual é a força da estrutura tecnológica sobre a sociedade, a cultura e as
instituições políticas. Propõe, para tanto, construir a internet através de uma
“geografia eletrônica”.
Poster concorda com Saco e com Shapiro: a internet e os novos aparatos
tecnológicos, as potencialidades das novas mídias deram ao indivíduo mais
autonomia, tanto para criar programas, invadir arquivos secretos, quanto para
violar direitos civis.
Fundamentado na crítica de Foucault, Poster denomina esse esquema de
vigilância como um superpanóptico”, no qual não barreiras físicas, nem
centralização geográfica. Requer, porém, uma categorização de atitudes
humanas, conhecimento, testes, afiliações e status pessoais. Isso, obviamente,
exclui a subjetividade, levando a que as informações coletadas em bancos de
dados digam quem somos (SACO, 2002, p. 113). No entanto, preocupa-se
também com o processo histórico da perspectiva política na era virtual.
Peremptoriamente, afirma que a democracia, como a conhecemos, não existe
mais, pois o que temos é uma reconceitualização:
80
Democracia, o governo por todos, é certamente preferível às
alternativas históricas. E o termo deve ainda conter potenciais
críticos, uma vez que a existência de formas de democracia
seguramente não cumpre a promessa de liberdade e igualdade. A
colonização do termo pela existência de instituições encoraja um
outro olhar para o significado de nomear novos padrões de
relações de força emergentes em certas partes da Internet
(POSTER, 2001, p. 99).
Dois conflitos emergem daí: primeiro, não há uma adequada teoria política
“pós-moderna”; segundo, o problema da democracia, da política dominante de
normas e idéias, é por si mesma uma categoria moderna associada a um projeto
Iluminista. Para Poster, os grupos excluídos constituem-se como contra-esfera
pública, porém, da mesma forma, é preciso redefinir o conceito de público. Mas
como diferenciar público e privado no cenário da cibercultura? Quais as condições
de existência para um discurso democrático? Que tipo de “sujeito” atua e interage
nessa cibersociedade?
Não mais, para Poster, uma esfera pública como a concebida ou
delimitada por Habermas, na qual a igualdade era essência e os objetivos e
reivindicações eram comuns. Criticamente, o autor fala da internet como um novo
domínio político (mas qual seria ele?) e a como uma ameaça à democracia
(POSTER, 2001, p. 107).
A Internet, então, é moderna no sentido de continuar a tradição de
ferramentas como eficientes meios, e no sentido de que as
culturas modernas prevalentes transferem suas características
para o novo domínio. Estas questões ficam para serem estudadas
em detalhe e de uma variedade de pontos de vista, mas por
enquanto, é fácil conhecê-las do ponto de vista moderno. O exame
do ciberespaço levanta a questão de um novo entendimento da
tecnologia e finalmente leva à reavaliação de aspectos políticos da
Internet. Eu refiro-me aos serviços de murais que passaram a ser
chamados decomunidades virtuais”, ao fenômeno MOO, e à
síntese da realidade virtual tecnológica com a Internet (POSTER,
2001, p. 107).
81
De acordo com Poster, o discurso atual tende a reduzir a internet a uma
simples ferramenta, contudo é um artifício de produção cultural (POSTER, 2001,
p. 108). nós questionamos se a internet é uma extensão das instituições ou se
essas foram substituídas e reconfiguradas em suas funções sociais? Segundo
Poster, a rede incorpora organizações que não se ajustam às formas modernas.
Então, perguntamos: seriam essas instituições virtuais” também extensões do
governo? Que tipo de interação, intervenção e argüição os sites governamentais
permitem aos cidadãos? Ao nosso ver, as possibilidades oferecidas resumem-se
à escolha do botão a ser acionado.
O autor indaga se, realmente, uma nova forma de relação social
ocorrendo dentro daquilo que sugerimos ser uma nova forma de configuração
entre comunicações individuais. uma nova política” na internet? Quem povoa
a esfera pública virtual e como? Quem troca informação nela? Que tipo de
comunidade nesse meio? Que tipo de corporificação política está inscrita tão
dissipadamente no ciberespaço? Pode-se atribuir o termo “comunidade” a essa
nova esfera? um fenômeno de ciberdemocracia? (POSTER, 2001, p. 101). O
que emergirá com a política pós-moderna? Como será o governo eletrônico?
Quem será o eleitor dessa democracia digital? São todos motes políticos que nos
inquietam tanto quanto ao autor e que, por isso, tornaram-se nossas questões de
pesquisa.
Poster vê a interface como zona-limite entre máquina e homem, entre o que
está conectado e o humano, entre os dois mundos estranhos entre si, o
cibernético e o humano, que irão então depender um do outro. No entanto, ocorre
que ambos começam a reivindicar sua própria realidade. Nas interfaces de alta
qualidade, praticamente desaparecem essas fronteiras. Aqui, nossa questão é: a
82
interface é uma relação social na esfera pública virtual, ou somente uma interação
homem-máquina?
Em crítica à analise marxista, Poster entende que Marx não teorizou
suficientemente sobre os problemas da consciência revolucionária, a linguagem e
as interações simbólicas da cultura em geral. O que o autor ressalta nos estudos
marxistas é a importância da linguagem como mediadora entre tecnologia e
cultura. Há, contudo, uma interdependência entre tecnologia e cultura não
percebida por Marx, cujo resultado poderia ser um novo tipo de teoria crítica
social (POSTER, 1995, p. 105). Poster pensa a teoria apontando outras falhas no
texto: “a dificuldade na teoria Marxista não é que a consciência esteja relegada a
um estágio anterior do drama histórico mas que a riqueza categórica submete os
problemas da cultura àqueles da tecnologia” (1995, p. 97).
Contra Marx, o autor cita Baudrillard, que recorre à semiologia para
entender a lógica capitalista. O pensador a vantagem daquela teoria sobre a
concepção marxista do capitalismo, assim como a importância da mercadoria na
significação social. Para ele, Marx também não percebeu a relevância e a
necessidade simbólica das trocas comerciais para a sociedade. Nas palavras de
Poster,
[…] Baudrillard descobre a profusão de significados no sistema do
consume. Esta diferea entre os dois pensadores fala do valor
relativo de suas fontes: o pessimismo elitista da escola de
Frankfurt o qual falha em encontrar valores ‘autênticos’ em uma
sociedade de massa, rejeita o consumo popular da cultua fora de
controle; a semiologia empregada por Baudrillard, a qual considera
a validade deste consumo cultural popular suficiente para que se
faça uma análise firme da mesma (1995, p. 106).
Jean Baudrillard pensa as relações do homem com a quina.
Contornando a lógica da simulação, prevê uma segunda era da mídia, a qual,
83
contrastando com a radiodifusão, será dissolvida de tal modo que as políticas da
mídia podem emergir em outros termos mais modernos.
Por esboçar a gica da simulação, os escritos de Baudrillard
formam uma transação para a segunda era da mídia, na qual as
limitações da radiodifusão serão atravessadas de tal forma que a
política da mídia pode emergir em outros termos que não os
modernistas (POSTER, 2001, p. 63).
Segundo Poster, as mídias em ascensão não podem ser entendidas pelas
modernas posições. Os escritos de Baudrillard infundidos com a mídia
unidirecional não sustentam a iminente aparição das mídias bidirecionais e
descentralizadas, que são as novas oportunidades de reconstruir o mecanismo de
constituição do sujeito.
O problema da teoria crítica, para Poster, é pensar positivamente uma
estratégia que ultrapasse a relação de oposição entre humano e não humano,
que pense a máquina não como instrumento do homem, mas como seu sucessor.
Num caminho mais salutar, Poster abandona a lógica da reificação que tem
limitado a teoria crítica ao anunciar a incuro da máquina em direção ao humano
(POSTER, 2001, p. 65). Enfim, esta seria a base para uma possível reconstrução
da teoria crítica numa “era pós-humana” ou na “segunda era dos medias”.
Para Brian Loader, a segunda idade dos medias, de Poster, “faz a sinergia
da cultura s-moderna com as mudanças políticas, econômicas e sociais mais
vastas através da mediação das TICs(LOADER, 1997, p. 23). O autor observa
que a internet encoraja as pequenas narrativas e torna simétricas as relações
entre emissores e receptores.
Loader qualifica Poster com sendo um “pós-modernista” e afirma que esses
pensadores, entre eles Lyotard, concordam com o crescente desencantamento
84
com as ideologias políticas e com o recuo da participação nos partidos políticos
de massa:
Contudo, embora este discurso possa reflectir a fragmentação e o
pluralismo da idade política pós-moderna não é claro que essas
narrativas anunciem a emergência da democracia eletrónica. [...]
Muito do que é actualmente narrado na Internet tem mais em
comum com a política do altifalante barulhento, que consubstancia
a comercialização do discurso político, do que com o diálogo
político informado [...] (LOADER, 1997, p. 25).
Contrariamente, como veremos, Andrew Shapiro defende a premissa
segundo a qual, se as vozes periféricas não forem ouvidas, é como se não
existissem, de forma que a técnica torna-se irrelevante no contexto deliberativo.
Porém, não em Shapiro divergências quanto à abertura provinda das
tecnologias.
3.2 Andrew Shapiro e a questão dos intermediários
Andrew Shapiro, da mesma forma, apresenta-se como um tecnorrealista,
portanto, nem ustico, nem prometeico; consegue visualizar as deficiências da
técnica tanto quanto a liberdade em potência; não a tecnologia em termos de
causa e efeito, mas como um campo de interação entre técnicas e relações
sociais, uma moldando a outra. A internet é pensada pelo teórico não por seu viés
tecnológico em si, mas em relação às mudanças sociais dos últimos séculos. Seu
pensamento tecnorrealista abrange as possibilidades, os riscos e a fortuna que as
tecnologias comunicacionais trazem à sociedade pós-moderna.
85
Shapiro inquieta-se com a onda de “desintermediação” social advinda do
avanço da cnica e que segue junto à expansão do individualismo e ao
crescimento do controle: a revolução do controle permite-nos tomar o poder
desses intermediários e colocá-lo em nossas próprias mãos (SHAPIRO, 1999, p.
55). Segundo ele, precisamos caminhar em direção a uma efetiva mediação, não
para a desitermediação, como está ocorrendo (1999, p. 147).
“Há mais do que um grão de verdade no diagnóstico pessimista da
revolução do controle”, afirma James Bohman. Entretanto, segue o autor, ele
deixa de fora aquilo que explica como alguns exercícios públicos exercem
controle sobre os intermediários, ao menos por aqueles interessados na coisa
pública. Estes, sugere Bohman, representariam os contraintermediários”, que,
junto aos “contra-espaços públicos”, manteriam o seu caráter público.
Bohman discorda de Shapiro quanto à crescente desintermediação que diz
ocorrer na rede. O crítico dessa postura acredita que , sim, uma
“reintermediação”, novas formas de intermediações contrárias ao exacerbado
individualismo e privatização. Os intermediários criam seus próprios espaços,
promovem interações, conduzem a deliberação, tornam informações acessíveis.
A sociedade civil tem distintas vantagens, com os intermediários assumindo tais
responsabilidades para a publicização no ciberespaço.
Bohman afirma que o argumento do autor é de que os traços centrais da
internet e a comunicação mediada por computador geralmente enfraquecem o
tipo de esfera pública e de interação política requeridas para uma deliberação
democracia genuína.
Por sua vez, Shapiro entende que as novas tecnologias permitem a
transferência de poder do setor público para o privado. Dentre outras coisas, isso
86
mostra como a internet pode induzir-nos a abandonar a deliberação, central no
processo de representatividade democrática (SHAPIRO, 1999, p. x). O problema
é que, dessa forma, as relações sociais também se extinguirão e, com isso, as
trocas de conhecimento, a empatia, o serend ipity, ou encontros casuais,
descobertas inusitadas e outras inúmeras interações humanas.
Preservar a democracia, a verdade e o bem-estar individual numa
era incerta, requer um renovado senso de responsabilidade e
comprometimento pessoal, tanto quanto uma leve aproximação do
governo que toma questões e troca o controle das instituições
para o indivíduo. Nós devemos realizar um balanço do poder para
a era digital entre o interesse blico e o auto-interesse, o
mercado e o governo, o controle pessoal e o poder compartilhado
(SHAPIRO, 1999, p. xiv).
Passaram para as nossas mãos as decisões sobre o certo e o errado, o
que entender por ficção ou realidade. Em termos de dia, nós somos nosso
próprio editor; a responsabilidade é nossa, o poder foi-nos transferido, um típico
exemplo da revolução do controle, de acordo com o autor.
As premissas jornalísticas estão em transformação. Não como julgar a
veracidade das informações on-line. É necessário cada vez mais discernimento
ao selecionar e interpretar o que lemos e ouvimos. Devemos dar credibilidade
àqueles que publicam a informação exata, independentemente da velocidade com
que vai ao “ar”. Porém, essa não é a solução, apenas um mecanismo de defesa.
O indivíduo passa, aparentemente, a dominar sua própria vida, desde
ações corriqueiras a transações financeiras de grande porte. A mudança está no
controle das decisões, ou seja, quem decide que notícia quer ler, que veículos de
comunicação ouvir ou ver, a quem dar credibilidade, são os próprios cidadãos.
Temos, agora, a possibilidade de barrar pessoas e informações, os protestos, os
crimes e violência contra os direitos humanos, a miséria, a guerra e toda a dor
87
que permeia a vida e os noticiários ao redor do mundo. Podemos, perfeitamente,
alienar-nos à realidade, mesmo conectados à rede mundial de computadores. Se
a internet é a lente da vida, é uma lente que proporciona ao usuário uma alta
capacidade de seleção (SHAPIRO, 1999, p. 88),
Estamos caminhando em direção ao fim do homem intermediário, dos
representantes financeiros, políticos e sociais, dos vendedores, agentes de
viagens, corretores, gerentes, guias, bibliotecários e, até mesmo, dos educadores.
Embora surja, com o crescimento do acesso e com o avanço tecnológico, o
intermediário digital, suas funções também podem ser dispensadas.
A desintermediação política assemelha-se à descentralização das decisões
políticas: o governo federal transfere tarefas para os Estados, os quais as
delegam aos municípios, que, por sua vez, deixam-nas a cargo da comunidade.
Entregar a escolha ao povo não é uma inovação da Modernidade, embora a
popularização da democracia eletrônica seja recente. Shapiro vai à Antiguidade
buscar sua origem:
Atenas, onde as decisões políticas eram feitas não por
representantes leitos mas por cidadãos reunidos em assembléia
[...] os habitantes destas cidades-estado gregas viam isso como
suas obrigações para governar eles mesmos. Isso era uma
responsabilidade que incluía o somente o reunir-se
semanalmente para debater e votar em propostas, mas servira
para a administração do ano (SHAPIRO, 1999, p. 58).
Segundo Shapiro, a idéia de uma democracia eletrônica direta surgiu com
Buckminster Fuller, que em 1940 via a necessidade de modernizar a
democracia. Também em 1970 houve a experiência da teledemocracia, que deu
ao cidadão a oportunidade de votar sem sair de casa. Alguns estudiosos da
88
época questionam se a teledemocracia não acabaria com a democracia
representativa tornando, então, o governo federal obsoleto.
Os norte-americanos exercem a democracia direta através do plebiscito -
processo bastante utilizado na Califórnia e em outros estados do oeste. O
referendo público também é freqüente na Suíça. Ambos os mecanismos
requerem um esforço conjunto. a democracia eletrônica direta pode ser
simples, instantânea e progressiva (SHAPIRO, 1999, p. 59). É o que vem sendo
chamado de “política do aperto de botão” (push -button politics): um tipo de
democracia quase-direta no qual cidadãos manipulam seus representantes como
marionetes num palco – é um desenvolvimento preocupante na mesma razão que
a democracia direta é também perigosa (SHAPIRO, 1999, p. 156). Todavia, não
há democracia onde há imposição, e, sim, na liberdade de escolha e de discurso.
Os cidadãos podem usar a rede não para eleger representantes
públicos, mas para expressar suas preferências eleitorais e sua posição
referentemente a decisões políticas de forma instantânea e direta. A NET pode
ser usada por governos, empregadores e internautas para selecionar o
recebimento de materiais e o conteúdo a que serão expostos (SHAPIRO, 1999, p.
108). Os critérios de censura e bloqueio ficam a cargo do próprio usuário, o que é
um modo de personalização, um nível de controle pessoal das experiências.
Shapiro pensa que esse controle pessoal pode ser uma desvantagem quando mal
usado, visto que restringe os horizontes de quem o controla. Se determinarmos
nossa vida por um filtro (determinar interações, ambientes e informações, por
exemplo), podemos banalizar nossa capacidade de cognição, de perspectivas e
imaginação. Uma experiência não pode ou não deve ofuscar outra.
89
A personalização é um dos componentes da revolução do controle. O
desejo de personalizar experiências é tão básico que quase todos os homens
anseiam por controlar. Porém, seu excesso desencadeia um processo de
alienação dos indivíduos ao permitir seu distanciamento das questões sociais
pendentes e que desagradam à maioria, como a fome, os discursos marginais e a
própria política.
Estamos vendo, diz Shapiro, que as trocas de poder da revolução do
controle podem beneficiar alguns indivíduos mais do que outros. A interação entre
diferentes discursos e ideologias é fundamental para a idéia de democracia e
também para escapar um pouco do controle individual. O livre discurso, se for
excessivamente ignorado, perder-se-á no ciberespaço. Então, é o caso de se
perguntar se, na realidade em que vivemos, liberdade de discurso e escolha
ou é si
90
que a simples habilidade para votar por meio da técnica. Seria a oportunidade de
controlar as decisões dos funcionários públicos. Essas o idéias de utopistas
futuristas radicalmente contrários à representação política, os quais acreditam
que, como em Atenas, cada um de nós pode ser um cidadão-governante
(SHAPIRO, 1999, p. 153-155).
Agora, entretanto, a tecnologia pode permitir-nos fazer muitas
coisas por nós mesmos. Nós podemos não somente nos tornar
cidadãos, mas cidadãos-governantescada um de s exercendo
um papel em governar a distribuição de fontes, e controlar o poder
do estado, e proteger os direitos (SHAPIRO, 1999, p. 154).
Exemplificando, Shapiro pergunta por que poucos jurados devem decidir
sobre a culpa ou inocência de alguém como Tymothy McVeigh, homem-bomba de
Oklahoma City, quando nós podemos ser jurados eletrônicos? Entretanto,
perguntamos: quais seriam os critérios dessa votação? Ser um cidadão,
unicamente? Teriam todos discernimento, responsabilidade e imparcialidade
suficientes para tal decisão? Se ainda não temos mecan
91
Shapiro insiste: por que devemos confiar num juiz, na polícia ou nos
legisladores quando podemos julgar, vigiar e legislar? (1999, p. 154) Isso, ao
nosso ver, seria a total desintermediação. Sugere, entretanto, é uma
intermediação mais efetiva. A real liberdade requer moderação e um saudável
senso de limites, ou seja, uma mistura do poder individual com a autoridade do
Estado (SHAPIRO, 1999, p. 231).
Por fim, Shapiro lembra a importância da educação civil e das ferramentas
tecnológicas que facilitam a intercâmbio entre cidadãos e representantes na
deliberação de pautas. Mostra como a tecnologia digital pode contribuir para
melhorar a representatividade política, segundo ele, outro caminho para a
democracia direta.
Rousiley Maia concorda com o autor, lembrando a importância das redes
cívicas no desenvolvimento do processo deliberativo:
Os atores da sociedade civil pod em beneficiar-se da comunicação
mais horizontal e interativa proporcionada pelas novas tecnologias
da informação, a fim de estarem melhor informados e conhecerem
o posicionamento dos diversos atores sociais a respeito de
questões específicas. Eles p ode m definir e interpretar a própria
situação, diante de valores e compromissos divergentes. Os
participantes das redes cívicas pod em beneficiar-se da redução de
custos propiciada pela Internet para se auto-organizar, coordenar
a ação coletiva e recrutar membros, bem como para produzir e
distribuir material informativo de maneira autônoma (MAIA, 2002a,
p. 65-66).
A tecnologia, ao mesmo tempo em que contribui para a deteriorização da
crítica, vista na cultura de massa, possibilita, com maior ou menor exposição e
engajamento, a participação, isolada ou não, de cidadãos mais ou menos
conscientes. De qualquer maneira, com o avanço tecnológico info-
comunicacional, irromperam opções de acompanhar e, efetivamente, de participar
das discussões políticas isoladas e abafadas, mas resistentes. Se, antes,
92
estávamos restritos e à mercê dos meios de comunicação, agora, temos, em tese,
um novo canal de acesso e mais autonomia.
93
4 ESFERA PÚBLICA VIRTUAL E CIBERDEMOCRACIA
David Lyon afirma que a comunicação eletrônica pode encorajar a
participação e a contestação dos excluídos e marginalizados pela racionalidade e
autoridade modernas, apresentando, desse modo, desafios às instituições sociais
modernas. Nesse sentido, o presente capítulo é dedicado à questão da
participação civil, com Rousiley Maia, que nos chama a atenção para um fator
primordial: a motivação. James Bohman, numa escala diferente, possibilidades
que emergem da esfera pública. Por fim, Pierre Lévy, de forma esperançosa,
indica-nos os caminhos da ciberdemocracia.
4.1 Rousiley Maia e a motivação cívica
Pensando a internet como uma “arena conversacional”, Maia argumenta
que reduz os custos da participação política e pode proporcionar um meio de
interação através do qual o público e os políticos podem trocar informações,
consultar e debater, de maneira direta, contextualizada, rápida e sem obstáculos
94
burocráticos”, o que, de certa forma, propicia o aprendizado através da mídia
(MAIA, 2002a, p. 47).
As tecnoestruturas comunicacionais não são suficientes para fortalecer a
democracia. As tecnologias digitais, com seus cha ts, fóruns de discussão e todos
os campos virtuais de interação, potencialmente capazes de aproximar os
cidadãos do debate político, dependem de outras questões que não técnicas para
promover ou revitalizar os mecanismos democráticos. Assim, nas palavras de
Maia, “[...] a topografia da rede e o procedimento da interação comunicativa são
elementos simultaneamente autônomos na sua origem, mas interdependentes no
efeito que provocam”, ou, acrescentamos, que visam alcançar (MAIA, 2002a, p.
48).
À luz do que entendemos por universalidade, assim como a igualdade no
campo social, não é difícil perceber a ausência dessas características na dita
“esfera pública virtual”. Ao se falar em democracia e tecnologias, deve-se ter em
mente a questão das barreiras digitais que reforçam as assimetrias
socioeconômicas e culturais. Segundo a autora, deve-se ampliar a questão do
acesso às tecnologias da informação e da comunicação, não as focando apenas
na questão sica do processo, mas atentando para os níveis ou tipos de acesso
e, sobretudo, para aquilo que Maia chama de “problema relacionado à formação
da vontade”, ligado a uma cultura política incentivadora do potencial discursivo
(MAIA, 2002a, p. 51-52). Em outras palavras, as tecnologias poderão
beneficiar a deliberação à medida que houver motivação para participar do debate
político. Mais uma vez, o problema está para além da técnica, na apatia política
instaurada ainda no início do século XVIII.
95
Entretanto, Froomkin argumenta que todo discurso baseado na internet
ameaça excluir aqueles que não dispõem de acesso. Assim, qualquer decisão
que afete pessoas cujas circunstâncias materiais as tornem incapazes de
participar do processo deliberativo é profundamente suspeita e carece de
legitimidade (FROOMKIN, 2004, p. 9).
Dar apenas condições físicas ao acesso não é suficiente para permitir a
participação significativa no debate político e a legitimação do processo. Na
deliberação, a igualdade de acesso à informação e aos meios de obtê-la é
fundamental para a prática discursiva e para a legitimação do processo
democrático. “O fácil acesso à informação encoraja o cidadão, melhora o debate e
pode mudar os resultados” (FROOMKIN, 2004, p. 15).
Maia procura indagar quais são as condições necessárias para o
estabelecimento de uma esfera pública virtual: “Examino o sistema de conexão e
o ambiente de conversação propiciado pela Internet, buscando uma aproximação
com as regras de universidade, não-coerção, de racionalidade e de reciprocidade
do discurso, tal como proposto pelo quadro teórico habermasiano” (MAIA, 2002a,
p. 48). E continua:
O propósito da deliberação pública é buscar solucionar conflitos ou
divergências com outros que possuam perspectivas e interesses
distintos. Neste sentido, [...] é útil para esclarecer reciprocamente
os parceiros. [...] O debate blico ainda que seja uma atividade
constante de interpretação apresenta a tendência de selecionar
e sintetizar, no decorrer do processo, as diferentes compreensões
e os pontos de vista, de modo a aglutiná-los em feixes de opiniões
tematicamente especificadas (MAIA, 2002a, p. 62).
Maia nas redes cívicas (movimentos feministas, de grupos étnicos e de
minorias, organizações ou associações específicas, movimentos ecológicos, pela
paz, etc.) um potencial promotor da “politização das novas questões”, além de
96
agirem como ativos interlocutores de determinadas esferas sociais. Mesmo assim,
não deixa de salientar que, do ponto de vista institucional, essas redes cívicas são
ainda pré-políticas (MAIA, 2002a, p. 53-54).
Os grupos cívicos, como movimentos sociais e associações voluntárias, em
comparação com os cidadãos comuns, possuem aptidões específicas para
organizar conhecimentos próprios, deri
97
4.2 James Bohman e as perspectivas tecnológicas da esfera pública
James Bohman, por outro lado, crê que a questão a ser pensada é: “[...]
nós ainda falhamos em clarear o entendimento de como a Internet e outras
formas de comunicação eletrônica podem contribuir para um novo tipo histórico
de esfera pública e conseqüentemente para uma potencial nova forma de
democracia”. Segundo o autor, tanto a visão otimista quanto a pessimista em
relação à internet como uma esfera de interação sofrem de problemas
conceituais. Os primeiros admitem que a mediação tecnológica da comunicação,
por ela mesma, é capaz de constituir novas possibilidades para a democracia. Os
pessimistas, por sua vez, erram ao validar as instituições soberanas do Estado-
nação ou manter as instituições fixas (BOHMAN, 2004, p. 47).
Ao contrário, para o Bohman, parece haver uma tendência de que a rede
de comunicação mediada pode expandir o campo de certos traços da interação
comunicativa através do tempo e do espaço. A expansão desse espaço deve
ajudar a resolver alguns dos problemas de escala e das limitações culturais
inerentes à esfera pública literária, bem como trazer alguns resultados para a
deliberação em instituições de representação democrática:
Uma avaliação adequada então não somente terá de considerar
novas possibilidades; ela terá que levar em considerão o fato de
que a esfera blica, tecnologias e instituições democráticas não
existem independentemente uma da outra, mas em relações
históricas mutantes e contínuas (BOHMAN, 2004, p. 47-48).
Resumindo, o autor analisa a esfera pública e a democracia sob as
condições de uma comunicação mediada por computador. Primeiro, ocupa-se da
clarificação conceitual das condições necessárias para uma esfera pública com as
98
exigências da democracia deliberativa em mente, na qual o diálogo se torna
público somente se é capaz de expandir e transformar as condições da interação
comunicativa. Em segundo lugar, considera os potenciais da comunicação
mediada na internet à luz daquelas condições necessárias. Se é verdade, diz ele,
que o diálogo é público apenas quando se expande e transforma, então a internet
é uma esfera pública somente se agentes a tornam dessa forma, se agentes
introduzem um software institucional que construa o contexto da comunicação.
Bohman entende que a comunicação (para considerar-se pública) feita
nessa esfera deve dirigir-se a uma audiência indefinida de interações ilimitadas,
de modo que não haja qualquer tipo de exclusão, tendo em vista que isso
enfraqueceria sua existência. Um jornal que oferece a seus assinantes um espaço
personalizado diferente daquele disponibilii
99
ou de empresas privadas e reuniões reservadas face a face. Legítimos ou não, a
principal mudança é no suporte tecnológico pelo qual se esse tipo de sigilo.
São dois espaços paralelos que necessariamente não excluem um a outro,
tampouco alteram o espaço público como concebido por Habermas, uma vez que
não se configuram como tal, e, sim, como uma esfera privada, institucional.
A internet permite que o poder político e social seja distribuído na
sociedade civil (descentralizado), mas também possibilita que tais poderes sejam
menos manifestos na capacidade de interferência do que na capacidade de
exclusão, suprimindo, assim, a liberdade e a sinceridade da esfera blica
(BOHMAN, 2004, p. 51).
Ao invés de uma cultura de massa dopada, a comunicação
mediada torna possível um público racional, no sentido de que o
público como um todo pode geralmente formas preferências
políticas que refletem a melhor informação dispovel. Se nos
focarmos na totalidade da informação política disponível nessa
tendência empírica surpreendente, como notou Benjamin Page e
outros, para o público corrigir as distorções e os preconceitos
como as histórias e opiniões se desenvolvem e mudam ao longo
do tempo, é possível ver como a comunicação mediada pode
aprimorar a comunicação pressuposta na deliberação pública. Em
sociedades pluralistas complexas e de grande escala, a
comunicação mediada é inevitável se se deseja obter canais de
comunicação que sejam amplos o suficiente para se dirigir a uma
audiência altamente heterogênea de todos os seus membros e
para tratar de questões que variam com relação às exigências
epistêmicas de falantes de diversos locais que possam discuti-las
inteligentemente (BOHMAN, 2004, p. 52-53).
Dadas suas conexões entre instituições e tecnologias, defensores da
deliberação freqüentemente reivindicam haver na rede uma perda normativa na
mudança para a comunicação mediada, amplificada e promovida pela “revolução
do controle”, de Shapiro, pela qual inúmeras corporações e provedores dão
capacidade aos indivíduos para controlar quem se dirige a eles através da NET e
para os quais eles podem responder. Por esse ângulo, Bohman entende que a
100
esfera pública de massa não é substituída por qualquer esfera pública como um
todo; antes disso, a comunicação mediada é restituída por formas de controle que
elaboram o diálogo e a expansão dos traços deliberativos de comunicação.
Porém, ressalta, é errado dizer que os indivíduos gozem de controle imediato;
eles têm controle apenas dentro do consentimento para uma relação assimétrica
para rios agentes que estruturam as coisas no ambiente comunicativo do
ciberespaço (BOHMAN, 2004, p. 53).
Bohman conclui que, se o seu argumento estiver certo, ou seja, se a NET
realmente preserva e expande a característica dialógica da esfera pública numa
potencial forma cosmopolita, a democracia transnacional deliberativa pode ser
considerada uma “utopia realista”. A NET possibilitará diálogo através das
fronteiras e públicos somente se houver agentes que façam isso e se eles,
eventualmente, criarem instituições transnacionais cujos ideais busquem realizar
uma esfera pública transnacional como a base para a utopia realista de cidadania
num mundo conectado (BOHMAN, 2004, p. 59-60).
A esfera blica deveria ser uma fonte de ação e crítica social, oferecendo
um espaço para aqueles cujas reivindicações críticas expõem a limitação dos
seus intermedrios institucionais e tecnológicos, criando responsabilidade mútua
e interdependência. Assim, para que a internet crie uma nova forma de
publicização, além da mera agregação de usuários, deve, primeiro, ser constituída
como uma esfera pública por pessoas cujas interações exibam traços de diálogo
e que estejam interessadas em seu caráter público.
101
4.3 Pierre Lévy e os primeiros passos rumo à ciberdemocracia
Pierre Lévy, por sua vez, traz-nos uma mensagem de esperança sobre a
ciberdemocracia, defendendo uma governança mundial cibernética, um novo tipo
de Estado, transparente e a serviço da inteligência coletiva. O pensador sugere
que certas formas de organização social, nas quais os indivíduos são mais livres
e os procedimentos e ferramentas de cooperação intelectual são mais eficazes,
têm uma vantagem competitiva” em relação às sociedades em que as pessoas
são oprimidas, as singularidades, abafadas, e a cooperação, desencorajada.
Nesse sentido, portanto, a progressiva emancipação e autonomia do indivíduo
desde o fim da Idade Média vêm agora, com as novas tecnologias, aprimorar-se
ainda mais com sistemas de comunicação disponíveis à grande maioria cidadã,
uma vez que a capacidade de comunicar tem uma estreita ligação com o
desenvolvimento da liberdade. A aceleração do processo de emancipação
humana sentido a todas as outras. A emergência do ciberespaço apressa a
transformação do tempo. Estamos na sociedade do tempo real, diz ele.
O processo mais rápido é o crescimento e a complexificação desse
ciberespaço. Entre todas as mutações que nos esperam, as que concernem à
vida política e à democracia são bastante importantes.
Lévy, como outros, linka a palavra ciberespaço à cibernética, entendendo-a
como “a ciência do comando e do controlo, noutro termos, da governação”: Em
grego, a palavra kubernétès, em que Wiener se inspirou para construir
‘cibernática’, significa ‘o piloto’, ‘o homem do leme’. Nenhuma governação é
possível sem um circuito de comunicação, sem espaço de circulação de
comunicação [...]” (LÉVY, 2003, p. 28).
102
A internet aumenta as possibilidades de informação e controle democrático
sobre as ações governamentais, bem como sobre as grandes empresas e todos
os poderes de um modo geral. A longo prazo, é possível que seu uso conduza a
uma renovação da democracia participativa local e a formas de governo mundial
mais eficazes do que as atuais. Evidentemente, nada disso acontecerá sem um
comprometimento ativo dos cidadãos. A tecnologia limita-se a abrir possibilidades,
porém somente a atuação das pessoas permitirá, de fato, uma renovação.
Mais em geral, para a civilização da inteligência coletiva no
ciberespaço que se anuncia, a educação, o desenvolvimento
humano e o combate à pobreza tornam-se não só imperativos
morais, mas, de igual modo, pré-requisitos para a competitividade
internacional e condições para o desenvolvimento da
ciberdemocracia (LÉVY, 2003, p. 132).
Entretanto, para Lévy, é necessário compreender o crescimento da rede
como o prosseguimento do nascimento e da extensão da esfera pública, que se
manifestou com o desenvolvimento sucessivo da imprensa, do rádio e da
televisão. O conjunto da sociedade tornou-se um pouco mais visível, mais
transparente, e, sobretudo, um número maior de pessoas puderam exprimir seus
pontos de vista. Assim, pessoas que não podiam publicar suas idéias nas mídias
clássicas hoje podem se dirigir ao vasto público internacional.
Desde a invenção da escrita, as informações sobre a economia e a
administração das sociedades estavam em poder dos que detinham os
conhecimentos e as técnicas para decifrá-las. Obviamente, pouquíssimos
dominavam a escrita. O mesmo ocorreu com a invenção do alfabeto. Dando um
salto histórico, a imprensa proporcionou condições para a revolução da ciência
experimental. Também graças aos novos meios de comunicação, os indivíduos
103
foram expostos a uma variedade de idéias, imagens e informações. A opinião
pública teria sido impossível sem o desenvolvimento dos meios de comunicação.
A imprensa, a fotografia, o cinema, o telefone, a rádio e a
televisão, o todo acompanhado pelo desenvolvimento da instrução
pública e da facilidade dos transportes destes dois últimos
séculos, tornam o mundo mais visível, mais audível, mais
acessível, mais trans p arent e. Simultaneamente, o crescimento da
“esfera blica”, isto é, de um espaço partilhado de visibilidade e
comunicação coletiva, definiu o seu complementar? A esfera
privada, reservada, do indivíduo ou da família (LÉVY, 2003, p. 36).
Para o autor, a eclosão do ciberespaço apenas prosseguimento a um
movimento plurissecular de aumento da visibilidade e da transparência da
sociedade. Com seu desenvolvimento, essa característica de visibilidade social,
de informações e do Estado tende a progredir. Segundo ele, a transparência
tornar-se-á a base de uma ciberdemocracia ainda dificilmente imaginável. Essa
transparência, acredita Lévy, caminha para tornar-se simétrica. Não se deve
temer o totalitarismo, uma vez que “a corrida à potência tam bém o é à
transparência”. O autor quer dizer com isso que a visibilidade das ações do
Estado, das instituições governamentais e públicas é a essência da sua
legitimidade, consolidação e aprovação blica. De acordo com Lévy, essa
transparência permitida pelos instrumentos do ciberespaço é fator determinante
para o alcance da ciberdemocracia.
A derradeira meta do Estado transparente seria [...] o crescimento
da inteligência coletiva, que, nomeadamente, passa pela
transparência da sociedade humana relativamente a si mesma.
[...] A principal missão do Estado transparente universal não é
dirigir a sociedade e menos ainda planear a economia. Ele não é a
cabeça da sociedade, é o espelho graças ao qual o conjunto do
corpo social [...] poderá ver a complexa e inabarcável unidade do
seu processo de funcionamento (LÉVY, 2003, p. 177/182).
104
Com a ascensão da internet houve uma mutação dos meios de
comunicação de massa. Dentre as possibilidades e características levantadas por
Lévy encontramos as seguintes: convergência entre suporte mediáticos;
emergência dos automedias e mídias comunitários; desterritorialização dos novos
medias; constituição de novas formas de agências de notícias multimídias que
emergem da sociedade civil; criação de uma opinião pública mundial;
multiplicidade de pontos de vista em razão do acesso a incontáveis veículos de
comunicação do mundo inteiro.
Mesmo que sejamos apanhados desprevenidos perante este
crescimento da “esfera pública” (uma esfera pública fractal,
rizomática, que se refracta em milhões de ângulos diferentes nos
sítios e nas comunidades virtuais do ciberespaço), somos forçados
a constatar que parece irreversível. A evolução contemporânea da
liberdade de expressão no ciberespaço, assm como a exploração
quantitativa e qualitativa da rede parece levar a uma situação em
que todas as instituições, empresas, grupos, equipas e indivíduos
se torn arão o s eu pró pri o meio de co munic ação e animarão a
comunidade virtual correspondente à sua área de influência social.
As relações sociais, econômicas e culturais alinhar-se-ão com
relações de intermediação, trocas de hiperligações e verificações
de comunidades virtuais. Assim, aquilo que [...] foi dito sobre a
mutação dos m edias concerne, na verdade e em potência, todos
os agentes sociais, que, de certo modo, se tornam auto media
(LÉVY, 2003, p. 52-53).
Umas das características da NET em relação aos meios de comunicação
de massa é que, naquele espaço, todos que desejam e possuem recursos
suficientes podem exprimir seus pensamentos e idéias. Como nos mostraram
Shapiro e outros autores, o ciberespaço permite que o indivíduo tenha acesso a
milhares de informações sem ter, necessariamente, de passar por jornalistas ou
veículos de comunicação tradicionais. Cada internauta é seu próprio editor.
Conforme Lévy, esse fato representa um alargamento da esfera pública, de forma
a ultrapassar o espaço público clássico, ou seja, mediado. Essa mutação constitui
um dos fundamentos da ciberdemocracia (LÉVY, 2003, p. 57).
105
A opinião pública, segundo o autor, moldar-se-á cada vez mais pelas listas
de discussão, comunidades virtuais, fóruns, salas de bate-papo e outros
dispositivos tecnológicos de comunicação. Aliás, diz o autor, a maior parte das
comunicações no ciberespaço está a adquirir um caráter “público” (LÉVY, 2003, p.
53). Para o pensador, todos os tipos de comunidades virtuais “constituem o
fundamento social do ciberespaço e a chave da ciberdemocracia” (2003, p. 67);
são aquilo que o autor define como “ágoras de um novo gênero”. No ciberespaço,
as proximidades geográficas não desaparecem, mas o redefinidas como uma
categoria importante de proximidades semânticas, como a língua, a disciplina, a
orientação política, sexual (LÉVY, 2003, p. 69), diferentemente do que pensam
Nunes e Baudrillard.
O autor insiste nos fundamentos locais da democracia, lembrando que se
foi inventada em cidades, não em impérios, isso ocorreu porque a vizinhança é,
de certo modo, o degrau natural para compreendermos que dados assuntos
devem ser regulamentados e decididos coletivamente entre pessoas conhecidas.
No entanto, segue vy, não se pode reduzir a democracia à simples autogestão
de um grupo de vizinhos.
Actualmente, consideramo-la, no essencial, um regime político em
que o direito que se aplica a todos da mesma maneira tem a
primazia sobre a força e as fidelidades pessoais e em que a s
mudanças de governo ocorrem de modo regulamentado, pacífico
e conforme à expressão da maioria do povo (LÉVY, 2003, p. 79-
80).
Lévy nos relata como aquilo que chama de ágoras virtuais comercias”,
os quais provêm de empresas privadas. Ao contrário,
106
[...] uma comunidade virtual de informação, discussão e acção
política sob um gov erno seria suspeita de parcialidade. O papel
deste não é proporcionar aos cidadãos os meios da deliberação e
da acção política, é fazer cumprir a lei e prestar-lhes os serviços a
que têm direito. Por outro lado, o estando em concorrência com
outros ágoras virtuais, um agora virtual “público” o seria
constantemente impelido a melhorar os serviços (e, portanto, a
qualidade da informação, reflexão e da deliberação pública) a fim
de conservar e fazer crescer sua clientela (LÉVY, 2003, p. 117-
118).
A questão de vy é que os novos formatos de esfera pública o devem
partir do Estado, mas de empresas privadas, ou, diríamos nós, muito mais
importante, da organização voluntária da sociedade civil sem fins lucrativos, de
modo que houvesse maiores possibilidades de isenção por parte dos
moderadores. Contudo, acredita no potencial das “ágoras virtuais comerciais”:
Os ágoras virtuais também não foram inventados por organis mos
(ou a ssoc iações ) de fim não luc rat ivo. Com efeito, em geral, estes
defendem um partido, uma causa, uma ideia. É raro voluntários
benévolos estarem pronto a trabalhar para to das as opiniões. Os
sítios políticos não comerciais [...] são indispensáveis no plano da
informação “objectiva sobre os s ites comerciais, mas nenhum
deles organiza a deliberação e a acção com a eficácia dos ágoras
virtuais comerciais. Por disporem dos recursos financeiros
proporcionados pelo capital de risco (e, eventualmente, pelos seus
rendimentos), estes podem empregar os melhores profissionais do
universo dos meios de comunicação, da política e da universidade
(LÉVY, 2003, p. 117-118).
Para nós, a falha de Lévy está em dar demasiado crédito às instituições
financeiras da sociedade, ao passo que, em alguns aspectos, parece desacreditar
nas competências solidárias dos indivíduos dispostos a se doar pelo bem coletivo.
Atitudes como a participação em associações voluntárias representam a
preocupação do cidadão em defender e divulgar seus propósitos de bem coletivo,
sem interesses propriamente econômicos, como parece ser o caso das iniciativas
privadas.
107
Mesmo acreditando no seu ideal de esfera pública virtual, Lévy diz que, em
termos gerais, ainda não existe uma longa tradição em matéria de diálogo político
democrático pela internet. Porém, é esperançoso ao concluir que a
disponibilidade de informações a respeito da vida política torna o debate político
cada vez mais transparente e prepara uma nova era do diálogo político, que
conduz a democracia a um estágio superior: a ciberdemocracia (LÉVY, 2003, p.
123-124).
Também quanto às características e às potencialidades do cibermercado
em relação à ciberedemocracia, Lévy é positivo. Ressalta o notável
desenvolvimento de uma nova esfera pública na internet com todas as suas
possibilidades, tais como a livre expressão, a discussão cidadã ou a coordenação
autônoma dos movimentos sociopolíticos. Além disso, as cidades digitais, ao seu
ver, aperfeiçoam a democracia local; as ágoras virtuais renovam as fo
108
inteligentes”, nas “ágoras virtuais”, no ciberativismo, nas cidades digitais, no voto
eletrônico, enfim, na governação eletrônica, pensa Lévy. No entanto, sabe-se que
a internet é um suporte, um meio, que demanda aprendizados individuais; é uma
das ferramentas para o desenvolvimento da cooperação e da troca de idéias, que
oferece mais possibilidades na direção da iniciativa, da autonomia, da liberdade,
da cooperação, do diálogo. Porém, como salientamos em outra parte e como nos
mostraram diferentes autores trabalhados anteriormente, o desenvolvimento de
uma nova forma de democracia depende muito mais das questões o técnicas
do que da tecnologia em si.
109
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Alguns autores, como Poster e Shapiro, vêem a tecnologia como um campo
de interação entre técnicas e relações sociais, uma moldando a outra; uma
interação que reconfigura as relações entre tecnologia e cultura. Outros são mais
pessimistas, como Bogard, por exemplo, que entende a internet como uma
avançada tecnologia de invasão da privacidade. Para ele, o que marca a
emergência da sociedade de vigilância são as tecnologias digitais. Saco entende
o ciberespaço como um perturbador contralugar. Mostra que o espaço virtual o
é apenas físico, mas também mental e vivido; um conjunto de componentes
combinados; um contra-espaço de relações, interações, ações ou contra-ações
também entre espaços, palavras e coisas.
Após um estudo fundado nas teorias dos pensadores comentados,
conseguimos elaborar três considerações básicas. A primeira refere-se às
relações de poder encontradas no ciberespaço, poder esse apoiado nas
tecnologias digitais e subjacente ao imaginário pós-moderno. Quanto à esfera
pública virtual, a segunda conclusão: não se formará tal esfera somente por força
da técnica. Além disso, os teóricos, de um modo geral, sugerem uma revisão de
tal conceito. Em conseqüência dessa conclusão, uma terceira: a ciberdemocracia,
110
que, da mesma forma, é uma concepção a ser repensada, apesar do pensamento
esperaoso de Pierre Lévy, permanece mais como uma utopia de governo.
Passamos, então, a detalhar estas conclusões um pouco mais.
O poder
No ciberespaço as relações de poder dão-se através de mecanismos
tecnológicos de controle, simulação, vigilância e por meio da personalização das
experiências. São mecanismos utilizados por autoridades e governos e pelo
mercado capitalista, de um modo geral, na busca pelo controle dos indivíduos, do
acesso a informações pessoais, financeiras, registros médicos, mapeamento
genético e também do rastreamento de imagens e roubo de dados pela
codificação e decodificações de mensagens. O biop ower pretende criar novos
seres pela manipulação genética.
As trocas de informações entre empresas fomentam o mercado tecnológico
por meio da produção de software de invasão de privacidade. O mundo é
controlado por satélites de altíssimas tecnologias. O rastreamento de dados via
internet, cartão de crédito ou celular, movimentações de conta bancária, códigos
de barra e cruzamento de dados do imposto de renda, cadastros nacionais de
empregos, são algumas das inúmeras possibilidades de vigilância e controle
exercidos por grandes corporações, pelo próprio Estado e por hackers. Nós
cidadãos, muitos inocentemente, fornecemos centenas de informações pessoais
por meio de simples atos corriqueiros, como fazer compras num supermercado,
responder a simples questionários de pesquisa ou usar o cartão de crédito.
111
Somos todos objetos de informação. A origem dessa reificação está na sociedade
disciplinar do século XVIII. A diferença é que hoje, com a trasnvaloração da moral,
nosso corpo é menos visto como objeto de produção e mais como potência
consumista. Máquinas e homens produzem e consomem. Tanto quanto aqui, a
finalidade é econômica.
A preocupação com a vigilância na sociedade atual deve-se à invasão do
espaço íntimo. É uma vigilância simulada, real e constante, que intensifica o
poder através da capacitação de formas de controle mais eficientes; que se
converte em simulação e produz uma autovigilância disciplinar tal como
funcionava com o Panóptico do século XVIII. Ambos não apenas observam, mas
influenciam aquele que é vigiado, levando-o a modificar suas ações. Assim, a
vigilância pode ser entendida uma tecnologia social do poder.
O poder exercido no ciberespaço está baseado num imaginário tecnológico
enraizado na crença da dominação total, na ilusão de que qualquer indivíduo é
dotado de poder, uma vez que muitos dos softwares de invasão de privacidades
estão facilmente disponíveis na rede. Quanto mais conhecimento operatório tem o
internauta, mais poder ele tem em relação aos outros. Com efeito, basta um
pouco de conhecimento e dinheiro para que informações como registros
financeiros, o histórico de créditos e adados médicos confidenciais possam ser
levantadas. Dessa forma, as trocas de poder da revolução do controle podem
beneficiar alguns indivíduos mais que outros.
Não há mais limite entre privacidade e não-privacidade, uma vez que aquilo
que está na rede é passível do olhar dos outros. Na internet somos, ao mesmo
tempo, vigilantes e vigiados. É a ambigüidade do ciberespaço entre a visibilidade
e a invisibilidade. Esses mecanismos tecnológicos são sua própria condição de
112
existência no ciberespaço. A liberdade, que antes estava no campo privado,
agora também pode ser encontrada no espaço público; ela tem de trabalhar com
as relações de poder também encontradas nesse campo.
A descentralização vista na internet dá mais poder aos indivíduos, porém
não enfraquece o poder do Estado, ou seja, todos têm poder, talvez um poder
ilusório, a partir do momento em que o indivíduo pode controlar ações do governo
e das empresas.
Assim como são dadas às instituições privadas condições de manter
arquivos e áreas confidenciais e restritas, através de softwares especializados,
também é imprescindível dar esse poder ao indivíduo enquanto portador de
informações íntimas. Por sua instância, o acesso do cidadão às informações dos
órgãos públicos deve ser reconsiderado em sua base, antes mesmo de na arena
virtual, pois se constitui como instrumento de controle social e transparência
administrativa. O acesso aos materiais gerados pelos poderes instituídos é, em
tese, concedido a todos e deve ser possibilitado em grande escala, de modo
simples, ágil, gratuito e sem burocracia. Porém, o é o que vivencia a maioria
daqueles que buscam informações particulares ou coletivas.
A esfera pública virtual
A esfera pública concebida por Habermas não resistiu aos avanços da
sociedade moderna e aos gestos de um capitalismo sem controle. Existem grupos
ativistas de oposição governamental, porém não formam uma esfera pública
113
propriamente dita, mesmo porque o conceito de público deve ser repensado no
contexto das novas tecnologias.
Considerando as teses de Arendt e Habermas, o debate político, em seu
sentido estrito, perdeu há algum tempo seu espaço no terreno público. O
raciocínio crítico deu lugar às publicidades que visam à prosperidade do mercado.
O bem comum não mais importa. A política de hoje segue interesses lucrativos
individuais e das grandes corporações. Os meios de comunicação, em especial
os de massa, colaboraram para o declínio da razão nos tempos modernos. O
antigo uso da palavra corrompeu-se pelo do patrocínio da espetacularização
midiática. Isso significa dizer que não uma esfera pública “pós-moderna”,
tampouco uma “esfera pública virtual”.
Parece haver, no entanto, uma tendência de discurso que considera que a
rede pode expandir o campo de interação e que é possível que isso nos leve a
uma renovação da democracia participativa, embora tais disposições percebam
que nada disso acontecerá sem um comprometimento ativo dos cidadãos.
Por um lado, alguns sugerem que é necessário compreender o crescimento
da rede como extensão da esfera pública; por outro, afirmar que a corporificação
é fundamental para a democracia significa dizer que uma impossibilidade de
vermos triunfar uma democracia eletrônica ou virtual. No entanto, para a
existência de uma esfera pública, muito além do físico, são indispensáveis as
ações, o verbo, as interações, as trocas de idéias e experiências. O ciberespaço é
permeado por práticas sociais, e nele a materialidade e as relações humanas
codificam-se na linguagem. A relevância do físico está nas interações e na
sociabilidade, não na presença corpórea.
114
A maior parte das questões ainda não encontrou suas correspondentes;
por isso, permanecerão para serem pensadas pelas tantas reformulações
teóricas existentes.
A ciberdemocracia
A democracia, como a conhecemos, não existe mais, porém não
acreditamos que a internet se configure como uma ameaça à democracia;
apenas, outros modelos de governo são buscados através da ferramenta virtual.
Padrões de administração das relações entre os poderes mais adaptados à
realidade tecnológica da sociedade são pensados e procurados por aqueles que
se preocupam com as questões políticas.
As inquietações relacionam-se à possibilidade de mudança no fluxo do
pensamento sobre a democracia política pós-moderna. Parece haver uma mistura
de formas democráticas: em alguns lugares, temos a participação democrática;
em outros, a representação. Na democracia eletrônica o cidadão poderia exercer
um novo tipo de poder civil, o que significaria mais do que a simples habilidade
para votar por meio da técnica. Um dos fundamentos da ciberdemocracia seria a
mutação do conceito de esfera pública clássica. Da mesma forma, as bases
tecnológicas da ciberdemocracia se encontrariam nas comunidades virtuais, nos
software s de conversação, nas comunidades inteligentes”, nas “ágoras virtuais”,
no ciberativismo, nas cidades digitais, no voto eletrônico, enfim, na governação
eletrônica.
115
Entretanto, é necessário reforçar a democracia representativa antes de se
pensar numa
116
salientar, ainda com mais ênfase, a subjetividade que esse processo envolve,
percebendo que fatores essenciais, como motivação e autonomia, enquanto
iniciativa, não são propiciados pela tecnologia que se tem em mãos, mas por
razões pessoais, individuais, que são intrínsecas ao próprio ator enquanto
cidadão potencialmente interagente.
As tecnologias o determinam o procedimento da interação comunicativa,
tampouco garantem ou promovem a reflexão crítico-racional; tão-somente
facilitam o armazenamento e a circulação dos estoques informativos, agilizam as
buscas por uma diversidade de fontes informativa. Entretanto, sabemos que a
técnica não é neutra. Os benefícios e prejuízos da tecnologia são revelados com
ela, não veiculados por ela. O elemento tecnológico necessita do conhecimento
humano e inclui uma dimensão simbólica. A própria técnica é algo humano,
envolvendo subjetividade, fantasia, o não-racional, um pensamento ou imaginário
tecnológico.
A internet, como um todo, não é uma esfera blica autogerada,
compartilhada por visitantes regulares transformados magicamente, que
depositam atitudes, práticas e objetivos que mudem nossas instituições de
governo, ou seja, uma comunidade formada por qualquer razão, como tantas
vistas na rede, por indivíduos que convergem para ela por interesses diversos.
Por si só, não cria uma esfera pública, pois faltam-lhe as características básicas
sugeridas pelo ideal de esfera pública habermasiana, tais como o debate
argumentado com uso da razão, interesses coletivos, acima dos individuais,
habilidades para compreender e ouvir vozes distintas, engajamento político,
dentre outros.
117
É difícil conceber uma deliberação virtual pretensamente pública numa
sociedade cada vez mais individualizada como a nossa, na qual a humanização
da comunicação é cada vez mais encerrada na técnica; na qual todas as
informações que temos são apenas as que escolhemos de posse de filtros
egoístas que nos permitem excluir a dor alheia, a vioncia contra o próximo, a
fome dos outros; na qual o mundo que conhecemos é somente aquele “clicado”
por nós e, ainda assim, simulado por filtros pessoais e pela virtualização da
realidade; na qual o suposto cibercidadão, enclausurado em sua comunicação
mediada pelas tecnologias digitais, possa defender outros direitos que não
aqueles que visam ao seu próprio interesse, participar de discussões ditas
públicas senão para garantir suas liberdades individuais. Como participar de uma
discussão de interesse público se não conhecemos realidades tão primárias para
a compreensão do mundo e dos interesses universais; se alguns sequer têm
noção da existência de territórios, cidades e populações vizinhas abandonadas
por seus governos e pela própria comunidade; se não sabem da existência de
doenças primitivas que matam pessoas em virtude da falta de recursos básicos,
como higiene, alimentação e informação?! São questões políticas a serem
pensadas e para as quais as ferramentas tecnológicas, tanto quanto a mídia,
talvez, se bem utilizadas e coordenadas, possam contribuir para sua divulgação e
possível conscientização de um grupo de pessoas capazes de reflexão e atitude.
Muitos acreditam ser a internet um lugar democrático, porém não o é
(assim como a própria esfera blica entendida por Habermas), em razão,
sobretudo, dos fatores geradores de desigualdades. O que tem de democrático
um mecanismo no qual a condição sine qua non para ingresso diz respeito à
questão econômica? Pensando bem, o caráter econômico parece desde sempre
118
andar lado a lado com a democracia. Da antiga Grécia às sociedades capitalistas,
o acesso ao campo político requer dos interessados um certo status econômico.
Lembramos que para ser cidadão na Grécia da Antiguidade era preciso ser
homem primeiramente, ter propriedade, cultura e liberdade, pois idosos, mulheres
e escravos não participavam do processo democrático, propriamente dito. Nas
sociedades ditas “democráticas” de hoje, a priori, qualquer cidadão pode exercer
o direito ao voto. E a isso se resume a participação efetiva da maioria dos
cidadãos, fundamentalmente porque para participar do debate político numa
democracia deliberativa é imprescindível um mínimo de informações fidedignas e
responsáveis capazes de contribuir para a formação do senso crítico e reflexivo
daquele que pretende ingressar no processo deliberativo de uma chamada esfera
pública política (geralmente formada em períodos pré-eleitorais, como nos
recorda Habermas).
De modo geral, o que encontramos nos espaços deliberativos, sejam
virtuais ou não, é uma pseudo-racionalidade instrumental embasada num
pensamento mercadológico, funcional, controlado pelo m arketing político. Vendo
bem, o próprio espaço deliberativo transfigurou-se em apolítico. Para Habermas,
nele um público de cidadãos, desintegrado enquanto público, e “[...] de tal
maneira mediatizado por meios publicitários que, por um lado, pode ser chamado
a legitimar acordos políticos sem que, por outro lado, ele seja capaz de participar
de decisões efetivas ou até mesmo de participar” (HABERMAS, 1984, p. 258).
Para o autor, o blico só se encontra de fato com a política (enquanto ação) nos
momentos em que é chamado ao plebiscito.
Se antes, na esfera pública burguesa, havia condições para uma efetiva
reciprocidade (visto que aqueles que falavam tinham a “obrigação”, mesmo que
119
apenas ética, de ouvir outros deliberadores), hoje o espaço virtual destinado ao
debate político restringe a possibilidade de ocorrer um diálogo entre muitos, no
qual haja, de fato, uma reflexão acerca das argumentações
O diálogo e a interação proporcionam modificações, se não estruturais, em
termos de idéias. Numa conversação mediada pela tecnologia, dificilmente se
pode prever a reação, o feed-ba ck, pois retorno vai além das nossas capacidades
cognitivas, uma vez que envolve a subjetividade do outro, nossa e do próprio
diálogo.
Pensando a comunicação mediada por computador, acreditamos que parte
da subjetivação comunicacional é erradicada, empobrecendo o diálogo entre os
participantes. Diversos fatores são apagados além das questões físicas, como
olhar e gestualidade, o constrangimento da exposição, a intimidação, as
estigmatizações socioculturais; também uma variedade maior de pontos de vista é
suprimida do debate. No entanto, ao mesmo tempo, quando não se tem relação
com o papel social dos participantes, como é o caso de um fórum público virtual, o
argumento racional tem grandes chances de triunfar. Muito mais do que o livre
discurso, as práticas participativas da vida democrática requerem uma
deliberação racional, aberta e igual.
Não queremos dizer aqui que o debate face a face, por si , crie bases
para uma reflexão crítico-racional, porém tampouco as tecnologias determinam os
procedimentos de interação comunicativa nem garantem um raciocínio lógico
mais apurado. Porém, se todos falam, quem ouve? Ter em mãos condições de
expressão e questionamento não garante a escuta e a compreensão por parte
dos interlocutores. É de se examinar, portanto, as condições da racionalidade do
debate público na internet. O que vemos não é sequer a representação de um
120
debate, apenas a emissão de opiniões, muitas delas caracterizadas como
reflexões rasas e sem aprofundamento teórico.
O debate está sujeito à livre motivação e à ação dos cidadãos, além de ser
mais que uma pluralidade de vozes; deveria estar focado e se caracterizar por
discussões singulares; requer que os parceiros construam, de maneira
coordenada e cooperativa, um entendimento partilhado sobre uma matéria
comum. Os parceiros da interlocução devem expressar o que têm em mente,
devem ouvir o que os outros têm a dizer e responder às questões e objeções.
Falar que o público existe é dizer que uma comunicação auto-
organizada mais ou menos aberta. contextos nos quais tal comunicação
publica é mínima, nos quais estranhos se sentem constrangidos ou restritos
quanto ao que podem ou deveriam dizer uns aos outros, por exemplo. Esse senso
mínimo de caráter público diz muita coisa, entretanto não um sentido
adequado do que está em jogo na idéia de esfera pública.
Entre as variadas formas de integração social, a comunicação pública se
distingue porque oferece a possibilidade de ordenar a vida coletiva baseada nas
escolhas lógicas. A esfera pública tem o potencial de dar forma a todas as outras
formas de conexão, bem como de oferecer um tipo de conexão própria;
complementa os campos dos relacionamentos interpessoais diretos, como a
família, a vizinhança, mas que podem unir um número restrito de pessoas e não
estabelecer ligações entre estranhos. Além disso, quando mexem com questões
de Estado, ou política, normalmente isso ocorre por influência ilegítima de uma
facção política sobre os demais. A esfera pública deveria, potencialmente,
oferecer a chance a uma grande parte dos cidadãos de participarem no
gerenciamento do Estado. Isso implica dizer que sua legitimidade é baseada na
121
vontade das pessoas. No entanto, resta saber como essa vontade é formada: se
é pela herança ou tradição, ou uma questão de manipulação por aqueles que
detêm o poder econômico, ou da mídia sobre os empregos ou sobre organizações
interessadas. Ou seria essa vontade realmente formada através de debates e
discussões entre as pessoas?
Assim, não uma esfera pública eletrônica. Existem espaços
considerados públicos para o debate de questões de interesse dos participantes,
não exatamente questões coletivas ou blicas, uma vez que aquelas levam em
conta unicamente os participantes daquele espaço.
Chegaremos uma esfera pública virtual? Um espaço dedicado à
comunicação em seu sentido público, no qual todos estejam aptos e tenham
recursos críticos, econômicos, educacionais e tecnológicos para participar,
aproxima-se mais de uma utopia do que de um fato em potencial. Nem mesmo o
berço da democracia deu vozes a todas as necessidades. Tampouco uma
sociedade cada vez mais focada do capital financeiro poderá alcançar uma esfera
pública igualitária, universal e não coercitiva.
O chamado espaço público, virtual ou não, lança suas atividades e debates
tomando por base uma esfera midiática preponderantemente dominada pela
economia. Nada mais natural num mundo capitalista. O problema, no entanto, é
que este mundo capitalista poucas chances concede aos que mais precisam
delas, os menos favorecidos economicamente. A mídia, guiada pelo capital,
dirige-se aos cidadãos embebida de interesses financeiros, manipulando,
quando necessário, os menos avisados - mais uma vez, as classes inferiores.
Enquanto esse esquema continuar, o que é bem provável mesmo com o
crescente aparecimento das mídias alternativas e dos canais de comunicação
122
populares, uma esfera pública nos moldes daquela desejada por Habermas não
existirá e, da mesma forma, uma democracia igualitária. Nesse sentido, o nosso
século o verá a aurora de uma ciberedemocracia baseada na igualdade e nos
direitos universais.
Além dos aspectos econômicos antes mencionados, o tipo de discussão
política que na internet não está baseado num argumento crítico-racional, ou
seja, não há propriamente uma deliberação e debate crítico forte suficientes para
fazer valer os direitos sociais das classes inferiores.
O fim da vita activa teorizada por Hannah Arendt demonstrou isso, porém o
otimismo pós-moderno impede que se desenvolva esse aspecto. Como ficou claro
no nosso estudo, a descentralização leva a uma despolitização da política, que
não se dirige aos resultados das decisões políticas, e, sim, para as qualidades
das estruturas e dos procedimentos da tomada de decisão social, uma vez que é
cada vez mais apoiada e conduzida pelos recursos tecnológicos. Assim, de fato, a
política está mais relacionada a estilos, formatos e propaganda mercadológica de
idéias do que ao próprio conteúdo.
A grande maioria da massa é ainda manipulada e suscetível às vontades
da economia capitalista. Não se pretende aqui sugerir outra forma de economia,
mas, sim, pensar na questão social gerida por uma comunicação de massa que
pouco atenta para as necessidades humanas sem a pretensão de lucrar em cima
disso. Quem produz a imagem das sociedades o as mesmas empresas de
comunicação que correm atrás do lucro e jogam com a competitividade da
economia da comunicação. Estaria a nossa comunicação doente e impregnada
pelas causas econômicas a ponto de estimular um consumo desenfreado e
também doentio, antes do consciente, a ponto de manipular pesquisas de opinião
123
induzindo populações ao erro? Estamos tratando aqui de uma comunicação
mercadológica na qual o m arketing e a publicidade influenciam cada vez mais as
informações divulgadas. São informações mais e mais envoltas e confundidas por
um entretenimento de baixo escalão que impede uma reflexão crítica acerca do
contexto social representado. Como haver um debate crítico num espaço
destinado à pretensa comunicação pública desse tipo?
Nesse sentido, um grupo de cidadãos informados e engajados pode
enriquecer o processo político estimulando e contribuindo no processo de tomada
de decisão, de forma a legitimá-lo. Habermas sugere que somente um processo
de tomada de decisão aberto a todos pode ser considerado moralmente legitimo.
Além disso, as forças necessárias para impulsionar o processo de tomada de
decisão em direção àquilo defendido pela sua filosofia estão relacionadas a um
grupo de cidadãos engajados, ativistas e reenergizados, trabalhando juntos para
criar associações comunicativas de pequena escala, que, com o passar do tempo,
podem fundir-se com outras ou unir forças, ou seja, uma descentralização que
inclua e permita decisões plurais, diferentes daquelas instituídas. Seriam
pequenos grupos praticando o chamado “bom discurso”.
124
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( http://www.livrosgratis.com.br )
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