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descrever o conteúdo do quadro, ela não o substitui, pois existem aspectos
dele que estão ligados à linguagem não-discreta da pintura. A linguagem
discreta e a não-discreta se complementam, mas não se substituem. Então as
palavras não dão conta de explicar uma outra linguagem que não a sua
própria. As palavras não explicam com exatidão a linguagem do cinema, da
fotografia, da escultura, da arquitetura... Mas as palavras são tudo o que
possuímos para explicar como compreendemos o funcionamento de outras
linguagens e como as utilizamos. As palavras são nossas ferramentas mais
preciosas para que possamos fazer o exercício da metalinguagem e, no
entanto, elas não são suficientes.
Então, uma vez que o único sistema do qual dispomos para realizar
a metalinguagem é nossa língua natural, essa função da linguagem encontra-
se comprometida, principalmente em se tratando da análise de signos não-
discretos. Mas para que os sistemas de signos se percebam enquanto
totalidade, tomando consciência do seu funcionamento, da sua interação com o
entorno e diferenciando-se dos demais sistemas, a metalinguagem é
necessária, e é então que surge o paradoxo: a única linguagem de que
dispomos para realizar a metalinguagem é nossa língua natural, mas uma vez
que esta é, em sua essência, um sistema de signos discretos, não possui a
capacidade de traduzir um sistema de signos não-discretos. Tal metalinguagem
não é impossível, tanto que a praticamos, nem é inútil, pois é a ferramenta que
possuímos para estudar, analisar e discutir as linguagens não-discretas, mas
ao ser realizado um processo de transdução, em que o texto escrito com uma
linguagem é traduzido para outra, a nova linguagem e o novo código em que o
texto é escrito infelizmente não contemplam todos os aspectos apresentados
pela linguagem original não-discreta. Enquanto sistema, a escrita alfabética
tem consciência de todas essas possibilidades de funcionamento que sua
estruturalidade lhe permite, de modo que, pouco a pouco, ela vai colocando
sua malinha nas costas e parte em peregrinação pelos diferentes espaços da
cultura, experimentando outras funções, percepções e linguagens. Assim, a
lista dos suportes em que encontramos o signo alfabético hoje em dia se
estende para além do que os dedos podem contar, numa miscelânea que
engloba livros, revistas, bulas de remédio, letreiro de ônibus, placas de
sinalização, mensagens via celular, salas de bate-papo na internet, camisetas,