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dos domingos e feriados religiosos para descanso, ou, os escravos podiam utilizar
esses dias para suplementar a dieta com a produção de suas próprias hortas das
quais podiam vender o excedente nos mercados locais ou ao proprietário, e
guardar o dinheiro para fazer compras ou poupar para acabar comprando a sua
liberdade ou a de um ente querido
336
. Talvez muitas das revoltas ocorridas nas
fazendas em São Paulo de devessem, principalmente, ao tempo de trabalho e às
reivindicações dos escravos buscando garantir algum dia de descanso semanal.
O pólo a partir do qual se definiam os ritmos do trabalho e do descanso, o
sistema de exploração do trabalho, com suas cadências transitórias, determinava
as margens de tempo livre e, por conseguinte, as atividades autônomas dos
escravos
337
. De acordo com Maria Helena Toledo Machado,
O sistema de exploração do trabalho com seus ritmos alternativos e as
margens da autonomia escrava estiveram fortemente entrelaçados,
levando para o dia-a-dia das fazendas os mais ferozes conflitos entre os
escravos e seus senhores
338
.
Ainda segundo essa historiadora
comercializar o próprio escravo, e principalmente dessas áreas o fluxo de saída de mão-de-obra
escrava foi mais intenso. Em outras áreas como o Recôncavo e a Zona da Mata, menos afetadas
pelas secas, o trabalho escravo insistia em permanecer. Segundo Barickman, numa análise
retrospectiva, os senhores de engenho baianos, por continuarem a empregar a mão-de-obra
escrava e por não se prepararem para o fim inevitável da escravidão, talvez pareçam irracionais,
ou totalmente míopes. Mas um juízo desse tipo feito a partir da perspectiva do presente, deixa de
levar em conta que, mesmo na década de 1870 e início de 1880, os senhores da zona canavieira
tradicional do Recôncavo ainda contavam com um número significativo de trabalhadores
escravizados. Tal juízo também deixa de levar em conta aquilo que os senhores de engenho
baianos não podiam prever: a seca de 1888-91, a queda forte dos preços internacionais do
açúcar, a partir de mais ou menos 1880, e a perda do mercado norte-americano no final da
década de 1890. Nem tampouco podiam antecipar a rapidez com que as condições políticas no
Brasil sofreriam mudanças na década de 1870 e mais ainda na de 1880 - mudanças essas que
permitiram a abolição imediata da escravidão em 1888. Na verdade, ainda em 1881, os
proprietários de escravos, não só na Bahia, tinham motivos racionais para esperar que o regime
servil ainda se mantivesse no Brasil até o fim do século e talvez, até 1910. Ou seja, erraram em
seu cálculo da longevidade política da escravidão. Mas seu erro não demonstra sua
irracionalidade; atesta, antes, sua incapacidade de prever o futuro com certeza absoluta.
BARICKMAN, B. J. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do
Recôncavo baiano. (1850-1881). Afro-Ásia, v. 21-22, 1998-99, p. 177-237, p. 229.
336
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001, p. 99.
337
MACHADO, Maria Helena P. T. O plano e o pânico. Os movimentos sociais na década da
Abolição. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora da UFRJ/EDUSP, 1994, p. 21.
338
Idem, p. 22.