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FACULDADE DE MEDICINA
A INDEPENDÊNCIA DO SOFRIMENTO EM RELAÇÃO AO
NÚMERO DE INCIDENTES DE VIOLÊNCIA SEXUAL,
SEGUNDO A SUBJETIVIDADE DAS (DOS)
SOBREVIVENTES
Autor: Valdi Craveiro Bezerra
Orientador: Prof. Dr. Dioclécio Campos Jr.
Brasília, 2008
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VALDI CRAVEIRO BEZERRA
A INDEPENDÊNCIA DO SOFRIMENTO EM RELAÇÃO AO
NÚMERO DE INCIDENTES DE VIOLÊNCIA SEXUAL,
SEGUNDO A SUBJETIVIDADE DAS (DOS)
SOBREVIVENTES
Tese apresentada à Faculdade de Medicina
da Universidade de Brasília – UnB, como
requisito para a obtenção do grau de Doutor
em Medicina.
Orientador: Prof. Dr. Dioclécio Campos Jr.
Brasília, 2008
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Dados Internacionais de catalogação-na-publicação (CIP)
Biblioteca da Escola Superior de Ciências da Saúde - DF
______________________________________________________________
Bezerra, Valdi C.
A independência do sofrimento em relação ao número de incidentes de violência
sexual, segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes / Valdi C. Bezerra; Orientador
Dioclécio Campos Júnior. ___ 2008
Tese (Doutorado) – Faculdade de medicina da Universidade de Brasília – UnB,
Brasília – DF, 2008
1. Violência sexual. 2. Incidentes. 3. Sofrimento. 4. Subjetividade. I. Campos,
Dioclécio, orientador. II. Título
CDU 347.62 CDD 362.7
_______________________________________________________________
VALDI CRAVEIRO BEZERRA
A INDEPENDÊNCIA DO SOFRIMENTO EM RELAÇÃO AO
NÚMERO DE INCIDENTES DE VIOLÊNCIA SEXUAL,
SEGUNDO A SUBJETIVIDADE DAS (DOS)
SOBREVIVENTES
Tese apresentada à Faculdade de Medicina
da Universidade de Brasília – UnB, como
requisito para a obtenção do grau de Doutor
em Medicina.
Orientador: Prof. Dioclécio Campos Júnior.
Data da Aprovação
Banca Examinadora
Presidente Dioclécio Campos Júnior - Doutor
Universidade de Brasília - UnB
Membro Maria Lúcia Machado Salomão - Doutora
Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo - FMUSP
Membro Vera Lucia Vilar de Araújo Bezerra - Doutora
Universidade de Brasília - UnB
Membro Marilucia Rocha de Almeida Picanço - Doutora
Universidade de Brasília - UnB
Membro Denio Lima - Doutor
Universidade de Brasília - UnB
Suplente Lenora Gandolfi - Doutora
Universidade de Brasília - UnB
Ao meu pai, Valdi Magalhães Bezerra, que com seu exemplo me
ensinou a importância de aprender, sempre.
À minha mãe, Hilda Maria Craveiro Bezerra, com a qual aprendi
que, vencer as dificuldades, é apenas uma questão de tempo.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador e amigo, Dr. Dioclécio Campos Júnior, pela coragem e
ousadia de “me soltar” o suficiente para transformar este estudo em uma
grande aventura sem volta.
Prof. Dr. Luis Fernando Gonzalez-Rey, pela chance de tê-lo conhecido e ser
arrebatado por sua Teoria da Subjetividade e por sua Epistemologia
Qualitativa, as quais me apresentaram novas áreas de sentido e que deu
sentido a todas minhas rupturas necessárias.
Aos meus filhos Felipe Benévolo Bezerra e Carolina Benévolo Bezerra, que me
ajudaram muito nesse percurso ao ponto de eu desejar ser como eles quando
eu crescer.
Aos filhos maravilhosos que a vida me deu, Carmen Cira Lustosa da Costa,
Felipe Linhares Lustosa da Costa, e Gabriela Linhares Lustosa da Costa, pelos
momentos de carinho, amizade e reconhecimento suficientes para que eu
continuasse esse trabalho.
À uma grande paixão, Ana Carolina, amiga e companheira que sempre me
apoiou, incentivou e acreditou, até demais, que eu conseguiria realizar esse
projeto.
À Dra. Ana Maria Nogales, amiga e demógrafa,
por sua generosidade em me ajudar e ensinar a pensar cientificamente, em
nossos pequenos e proveitosos encontros.
À EquipeNúcleo, com muita saudade de tudo que vivemos juntos. Ninguém
vai tirar isso de nós: Regina Maria Silva Borges, Ana Carolina Bessa Linhares,
Vanessa Canabarro Dios, Maria Aparecida Lacerda, Ivan Lisboa Fialho Júnior,
Ana Miriam Garcia e José Domingues dos Santos Júnior.
Aos profissionais que integraram a equipe do Programa de Atenção a Vivências de
Violência Sexual: Ana Paula Tuyama, Cleine Britto Rego, Giani Silvana Cezimbra,
Ivaneide Oliveria Lopes, Juliana Cristina Paim, Marina Saraiva Calgaro, Michelle
Andreza Rodrigues,
Aos profissionais do Adolescentro que de forma direta e indireta com seus
trabalhos contribuíram para a realização deste studo: Admilta Serafim de Melo -
Aldeny Pereira de Araújo - Amanda Gonzaga Pinto - Ana Angélica Coelho -
Angela Maria Rosas - Benhur Machado Cardoso - Cleide Mendes Rodrigues -
Deusamar Vieira Damasceno - Dilce do Carmo Nascimento - Elita Lima N’Debi
- Eloisa Reis dos Santos - Fernanda Vieira Espíndula - Francisco Jacinto
Ibiapina - Geraldo Pereira da Costa - - Glauce Xavier Silva - João Amélio
Louzano - Josenilda José de Sales - - Kelly Pinheiro de Souza - Laura Tavares
Barbosa - Lilian Cunha Lima - Lúcia Edna Silva - Mª das Graças Paulino - Mª
Ivana Ribeiro Lima - Marcos Alves Maria - Maria José Borba - Maria Laura
Lustosa - Maria Lúcia Viana - Maria Milda Diniz - Marilene de Amorim Maciel -
Marines Teixeira Santos, - Mirtes Luiza Lima - Nelson Edson Estrellado -
Orlando Rocha de Queiroz - Rita Ferreira de Assis - Rosa Maria Dornelas -
Rosangela Mª Bruno - Rosineide Francina Gouveia - Shirley Costa - Silvana
Gonçalves Cançado - Sônia de Fátima Pinto - Tatiana Campos Nora - Tatiana
Leonel Costa - "Tinna" Nascimento da luz - Vera Silva.
À Sirlene, amiga carinhosa e cuidadora que, no seu jeito de ser, me apoiou nos
momentos difíceis.
Ao amigo Ruy Cuba que apesar de distante se fez presente com suas reflexões
e observações, às vezes ácidas que, manteve meus pés no chão e minha
cabeça nas nuvens na medida certa,, para eu não desistir nem me “achar” bom
demais.
Meu muito obrigado!
“Como pesquisadores, nós temos sempre
que estar dispostos a mudar nossa opinião
a respeito dos assuntos que estudamos”.
(Susan Brawnmiller 1975)
RESUMO
Contexto – Nas várias definições de violência sexual, a percepção das (dos)
sobreviventes não participa dos critérios utilizados. As conseqüências são
limitadas à prevalência de sintomas e transtornos mentais, e os vários
incidentes sofrido pelo mesmo sujeito são aglutinados em um caso.
Objetivo - Verificar a persistência do sofrimento nos incidentes de violência
sexual na infância e adolescência e seus fatores associados e, testar a
hipótese de independência entre os diferentes incidentes vividos pelo mesmo
sujeito e o sofrimento causado.
Métodos: Estudo transversal em 93 sujeitos totalizando136 incidentes de
violência sexual com 33% de múltiplos incidentes. Foram usados os testes de
Mann-Whitney e o Teste da Mediana e o teste do Qui-quadrado de Pearson ou
Fisher quando necessário (α= 0,05). Para análise multivariada utilizou-se a
Regressão Logística, método Backward Stepwise.
Resultados: Os incidentes ocorreram em 82% na faixa etária de 5 a 14 anos.
A prevalência da persistência do sofrimento foi de 70% e não houve diferença
estatística entre o grupo que sofreu um e o grupo com dois incidentes (p=0,42)
ou entre os últimos e quem sofreu três ou mais incidentes (p=0,13). No entanto,
apresentou relação significante com: duração maior que 180 dias (p=0, 014) e
o número maior que 15 eventos por incidente (p=0,007), violência sexual com
contato (p=0.021), e com penetração (p = 0.003), ser ameaçada (p = 0.004) e
sentir-se como “coisa” (p = 0.004). Não houve diferença entre os casos de
violência sexual com penetração por dedos, pênis ou língua em vagina, ânus
ou boca Na análise multivariada foram significativos estatisticamente a duração
acima de 180 dias (p=0,003; OR 3,98) e VS com penetração (p=0,002; OR
4,53).
Conclusões: A persistência do sofrimento independe do número de incidentes
sofridos pelo mesmo sujeito e sua prevalência não diminui em função do
tempo. A utilização da subjetividade das (dos) sobreviventes na pesquisa
amplia sobremaneira a compreensão da violência sexual e suas
conseqüências.
Palavras-chave: Transtornos mentais, abusos sexual, violência doméstica,
sofrimento emocional, sofrimento psíquico, subjetividade.
ABSTRACT
Suffering independence in relation to the number of incidents of sexual
violence according to the points of view of the survivors.
Context: The consequences of child sexual abuse (CSA) have been evaluated
by the objective analyses of mental and physical disorders. However, this
approach ignores the peculiarities of each abuse incident and considers that
many incidents suffered by a same individual results in a single effect.
Objective: We tested the hypothesis that suffering generated by CSA is
independent of the number of incidents suffered by a same victim. We used the
subjective perspective of victims of one or more CSA incidents to assess, for
each incident, the persistence of suffering (PS) and related factors.
Methods: a cross-sectional study was carried out on 93 victims from 136
incidents of sexual abuse (33% repeated incidents). PS concerning the
incidents and its relation to the perpetrator and victim characteristics were
assessed in interviews.
Results: Most of the victims (82%) were aged between 5 and 14 years. PS was
detected in 70% of the victims and was similar between victims of one or two
abuse incidents (P=0.42) and between victims of two or more incidents
(P=0.13). PS was associated to CSA if the incident lasted more than 180 days
(P = 0. 014) or comprised more than 15 events per incident (P = 0.007), if the
abuses involved physical contact (P=0.021) or penetration (0.003), “survivor
threat” (P = 0.004) and if the victim “felt like an object” (P = 0.004). The Logistic
Regression model selected six variables, but only two were significant: CSA
duration for over 180 days (P=0.003; OR 3.98) and CSA with penetration
(P=0.002; OR 4.53).
Conclusions: The perception of suffering does not depend of the number of
sexual abuse incidents inflicted on a same individual and persists in most of the
cases (70%). Suffering is not ameliorated over time and its persistence is not
related to variables usually associated to the severity of the sexual abuse. The
consideration of survivor subjectivity in this kind of research widens our
understanding of sexual abuse and its consequences.
Key words – suffering, consequences, child sexual abuse, subjective
perspective, emotional suffering, mental disturbance, mental disorder
SUMÁRIO
RESUMO /
ABSTRACT /
INTRODUÇÃO 13
CAPÍTULO 1 VIOLÊNCIA SEXUAL 18
1.1 - Contextualização histórica 19
1.2 - O que é violência sexual? 22
1.3 - Violência sexual com penetração 24
1.4 - Ampliação da definição de violência sexual 26
1.4.1 - Comportamento sexual do perpetrador 27
1.4.2 - Sem o consentimento da vítima 28
CAPÍTULO 2 CONSEQÜÊNCIAS 32
2.1 - Transtornos psiquiátricos 32
2.2 - Outros transtornos na vida 33
2.3 - Persistência dos transtornos psiquiátricos 34
2.4 - Sofrimento humano 35
2.5 - Sofrimento existencial 37
2.6 - Violência sexual como traição humana 38
2.7 - Múltiplos incidentes, múltiplas configurações 40
CAPÍTULO 3 –OBJETIVOS 41
3.1 Objetivos gerais 41
3.2 – Objetivos específicos
CAPÍTULO 4 – RECORTE EPISTEMOLÓGICO 42
4.1 - Paradigma da Complexidade 42
4.2 - Epistemologia Qualitativa 44
4.2.1 Sujeito 45
4.2.2 Subjetividade 46
4.2.3 - Personalidade 48
CAPÍTULO 5 MÉTODO 52
5.1 - Estudo e população alvo 52
5.2 - Cálculo da amostra 52
5.3 - Seleção da amostra 53
5.4 - Critérios éticos 53
5.5 - Critérios de inclusão e exclusão 54
5.6 - Delineamento 54
5.7 - Coleta de dados 57
5.8 - Variáveis 57
5.8.1 - Duração da violência 58
5.8.2 - de eventos 58
5.8.3 - Tipo de violência sexual 58
5.8.4 -Vínculo psicossocial 58
5.8.5 - Reação da(do) sobrevivente 58
.8.6 - Persistência do Sofrimento (PS) 59
5.8.7 - Como se sentiu? 59
5.9 Estudo estatístico 60
5.9.1 Análise bivariada 60
5.9.2 Análise multivariada 61
CAPÍTULO 6 RESULTADOS 62
6.1 Entrevista 62
6.2 Variável dependente 62
6.3 Análise bivariada 63
6.3.1 Sobreviventes 65
6.3.2 Perpetradores 67
6.3.3 Incidentes 67
6.4 Análise Multivariada 70
CAPÍTULO 7 DISCUSSÃO 71
7.1 Persistência do sofrimento 71
7.2 Variáveis e critérios 72
7.3 Uso da força 74
7.4 – Subjetividade e dados objetivos 75
7.5 Diferença de idade 78
7.6 Subjetividade e gênero 79
7.7 U ma visão complexa 82
CAPÍTULO 8 CONCLUSÕES 83
9
REFLEXÕES E PERSPECTIVAS 84
9.1 Limitações do estudo 84
9.2 – Perspectivas para novas pesquisas 84
10. REFERÊNCIAS 85
11. ANEXOS 97
11.1 – Anexos referentes à metodologia – M 97
11.1.1 - Termo de consentimento livre e esclarecido - M1 97
11.1.2 - Cadastro de Vivência de Violência Sexual - M2a 99
11.1.3 - Incidente de violência sexual – M2b 101
11.2 - Anexos referentes aos resultados – R 105
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 13
INTRODUÇÃO
“Eu escrevi este livro porque sou uma mulher que mudou sua
maneira de pensar a respeito do estupro.” (Susan Brownmiller)
(1)
A violência sexual (VS) é um fenômeno tão complexo que qualquer
intervenção, abordagem ou estudo, suscitará dúvidas e contradições com o que já
se conhece. Foi esta a experiência que vivemos no Programa de Atenção a
Vivências de Violência Sexual (PAVVS) do Adolescentro – Centro de Pesquisa,
Capacitação e Atenção à Adolescência – ligado à Secretaria de Estado de Saúde
do Governo do Distrito Federal.
Esse programa (PAVVS) recebe, para tratamento, adolescentes
encaminhados por outras instituições, como a Delegacia de Proteção à Criança e
a Adolescentes (DPCA), a Vara da Infância e Juventude (VIJ), a Casa Abrigo, os
Conselhos Tutelares, bem como de outros programas do Adolescentro. Esses
jovens são adolescentes com história de violência sexual, ocorrida na infância ou
na adolescência, e só agora revelada, ou de violência atual, revelada ou
denunciada por familiares ou terceiros.
No atendimento a esses adolescentes, observamos alguns fatos que nos
pareceram discordantes com a literatura especializada, tais como:
1. A maioria das adolescentes atendidas relatava não ter reagido diante
da violência sexual, bem como permanecia sem ação mesmo quando
essa violência se repetia. Da mesma forma, nos casos em que a
diferença de idade era menor que cinco anos entre os envolvidos, não
havia dúvida quanto a terem sofrido violência sexual. Contudo,
segundo a literatura, essas duas situações não se enquadravam como
violência sexual. De uma maneira geral, os estudos usam dois critérios
fundamentais para caracterizar a relação de violência sexual: a) ser
uma relação com conotação sexual e b) ser forçada, o que geralmente
14 Valdi Craveiro Bezerra
é medido pela diferença de cinco anos de idade entre perpetrador e
sobrevivente, pois diferença de idade menor que esta é considerada
relação entre pares.
(2-7)
2. O sofrimento, a vergonha e as conseqüências dessa violência
pareciam não ter ligações apenas com os tipos mais graves de VS,
como o estupro. Adolescentes que viveram VS sem contato, como o
exibicionismo, apresentavam sofrimento semelhante àqueles sujeitos
que tinham sofrido estupro. Tanto na literatura como no senso comum,
as conseqüências da VS são geralmente relacionadas aos casos
graves de VS.
(5;8;9)
3. Quando os pacientes pormenorizavam a VS sofrida na infância,
mesmo aqueles que acreditavam já terem resolvido essa questão
apresentavam grande sofrimento.
(10)
Tanto na literatura quanto na
atenção à VS, considera-se que o sofrimento e as conseqüências
diminuem e desaparecem com o tempo.
(9)
4. Para os adolescentes atendidos, episódios de VS diferentes
provocavam mágoas, sofrimentos e conseqüências diversas na
mesma pessoa. Os estudos consideram o sujeito como objeto de
pesquisa e não cada relação de violência isolada.
(11)
As informações
obtidas deste sujeito representam, portanto, o somatório de várias
relações de VS com características e repercussões diferentes. Essa
diversidade, observada em nossos pacientes, é perdida.
Essas aparentes contradições resultaram em quatro questões de
interesse clínico para nosso serviço:
9 Qual a porcentagem dos sobreviventes de VS que permanece
sofrendo?
9 Que variáveis estão associadas a essa persistência?
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 15
9 Os múltiplos incidentes de VS, sofridos pelo mesmo sujeito,
comprometem a percepção do sofrimento de cada um de forma
isolada?
Estes questionamentos mostraram a necessidade de mudança no
Programa de Atenção a Vivências de Violência Sexual (PAVVS) do Adolescentro.
Para responder a esses questionamentos, o PAVVS deveria introduzir a pesquisa
em sua prática, essencialmente assistencial, sem comprometer o atendimento. A
criação de um núcleo de pesquisa clínica em violência sexual, no programa,
forneceria dados epidemiológicos da população atendida, permitiria avaliações
periódicas do processo terapêutico e, principalmente, forneceria possíveis
respostas aos problemas encontrados.
Para isso, o primeiro passo era estruturar e padronizar todas as ações do
PAVVS, com a elaboração de uma entrevista semi-estruturada, o Roteiro de
Anamnese para Avaliação de Vivências de Violência Sexual (RAAVVS), com o
objetivo de realizar uma pesquisa para, utilizando uma amostra da população
atendida pelo programa, responder às perguntas suscitadas.
O segundo passo seria escolher um referencial teórico de acordo com os
objetivos do estudo, um paradigma que possibilitasse também a participação
da(do) sobrevivente e do contexto da construção do fenômeno. A(O)
sobrevivente, assim como o perpetrador, seria sujeito da relação de violência
sexual, e o contexto, por sua vez, deixaria de ser um mero cenário expectante,
tornando-se parte atuante nesse processo histórico-sócio-cultural.
Foram, então, escolhidas as epistemologias da complexidade como
referencial teórico, por duas razões. Em primeiro lugar, por ser esse o referencial
teórico da Abordagem Biopsicossocial, modelo clínico utilizado na atenção ao
adolescente em família no Adolescentro. Em segundo, por essas epistemologias
terem o conceito de sistema como orientação epistemológica, permitindo
investigar a violência sexual como fenômeno complexo, condição sine qua non
para alcançar os objetivos desse estudo, que são:
16 Valdi Craveiro Bezerra
1. Testar a hipótese de que o sofrimento gerado pelo incidente de VS
independe do número de incidentes vividos pelo mesmo sujeito;
2. Avaliar a persistência do sofrimento existencial conseqüente a cada
incidente de VS vivido na infância ou na adolescência;
3. Verificar a correlação das variáveis tradicionalmente utilizadas nas
pesquisas sobre VS e o sofrimento causado por essa.
Nesse percurso de quatro anos, procurar alcançar esses três objetivos
proporcionou dois grandes aprendizados. Um deles foi descobrir o quanto a
pesquisa é fundamental para o exercício clínico diário, não apenas no que tange à
atualização do conhecimento, mas principalmente por modelar o pensamento. O
maior ganho foi desaprender a pensar, usando o senso comum, e desenvolver o
pensamento científico. Este salto significou:
a) Problematizar situações clínicas, possibilitando a pesquisa científica;
b) Organizar as informações da prática clínica, como variáveis, tornando-
as úteis para a pesquisa;
c) Ser humilde, tolerante e jubiloso com o conhecimento e tê-lo sempre
como provisório;
d) Compreender que modelar o pensamento no método científico é um
processo, e não um fim;
e) Não esmorecer diante de um endereço errado de pesquisa;
f) Recomeçar sempre.
O outro grande aprendizado veio como presente. Um presente de
pessoas que tiveram suas almas roubadas, pois esta era a sensação que eu
tinha, quando distraidamente acompanhava suas histórias e era jogado em um
grande vazio existencial. Com este sentimento quase absoluto de nadificação, eu
pude perceber meus preconceitos e minha soberba, envergonhar-me e sentir a
culpa por ser homem. Só então pude, aos poucos, aprender a ouvir, sem julgar o
relator, sobre a experiência mais vil, cruel, silenciosa, invisível e reificante da
espécie humana: a violência sexual. Foi muito sofrido aprender que só
poderemos compreender o que é violência sexual, quando formos aprisionados
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 17
por seus tentáculos. Talvez, esta seja a explicação para tamanha dificuldade,
além dos obstáculos técnicos, em levar a cabo esse projeto de pesquisa, que se
tornou um projeto de vida. Apesar de todos os percalços, hoje eu posso dizer que
só foi possível realizar este estudo, porque sou um homem que mudou
radicalmente sua maneira de pensar a respeito da violência sexual.
Norteado por essa perspectiva, este trabalho apresentará inicialmente o
referencial teórico utilizado neste estudo, dividido em dois capítulos. O Capítulo
01 tratará das definições de VS mais usadas nas pesquisas e suas implicações.
No Capítulo 02, apresento as conseqüências de VS, avaliadas e limitadas
tradicionalmente aos problemas psiquiátricos, e introduzo a concepção de
sofrimento que alguns autores comungam e que norteou este estudo. A sessão
Método (Capítulo 03) constará do desenho e de como foi realizado o estudo. Em
continuação, apresento o Capítulo 04, relativo ao recorte epistemológico utilizado
para justificar e viabilizar a participação da(do) sobrevivente como sujeito da
relação de VS. Os resultados serão apresentados no Capítulo 05 e, no Capítulo
06, encontram-se a discussão, o significado desses achados segundo o
referencial teórico e epistemológico utilizados, seguidos das conclusões do
estudo, Capítulo 07.
18 Valdi Craveiro Bezerra
Capítulo 1
1.
VIOLÊNCIA SEXUAL
“Os conceitos não são coisas, são formas de se dialogar com as
coisas”. (González-Rey, 2000)
(12)
A violência sexual (VS) é um fenômeno universal, comum a todas as
sociedades e presente em todas as classes sociais.
(13)
Como fenômeno
biopsicossocial complexo, envolve questões de gênero, poder, cultura e
religião.
(14)
É o maior problema de saúde pública do mundo, com efeitos
devastadores tanto para os indivíduos como para suas famílias e para a
sociedade.
(15;16)
Como fenômeno biopsicossocial, suas conseqüências não se
limitam ao componente físico e à época em que ocorreu, mas estendem-se no
tempo, de forma cruel e insidiosa.
(4;5;17-19)
As evidências mostram que mulheres
com história de VS na infância e na adolescência apresentam sérios problemas
psicológicos, mentais, sociais e físicos por longa duração, além do risco de
revitimização, independentemente de características pessoais específicas e do
contexto sócio-cultural.
(6;9;20-24)
Apesar de a VS ser um dos crimes mais cruéis
contra o ser humano, é o menos notificado.
(19)
Os poucos dados existentes sugerem que, no mundo, uma em cada
quatro a seis mulheres e aproximadamente 3% dos homens sofrem VS na vida e
que, em mais de um terço, a primeira relação sexual de uma adolescente é
forçada.
(25;26)
Como todas as formas de violência, a VS tem como característica
básica a desigualdade de poder e a reificação do outro na relação.
(27;28)
No
entanto, diferentemente dos outros tipos de violência, a VS é construída
basicamente na relação de gênero ou de gerações.
(29)
Em várias sociedades, este
detalhe torna o gênero masculino com poderes quase absoluto. Talvez, essa
característica contribua para explicar o porquê de, em muitas partes do mundo
desenvolvido, as pesquisas sobre VS serem negligenciadas e, na maioria dos
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 19
países em desenvolvimento, serem poucas ou quase inexistentes, contribuindo
para sua pouca visibilidade e conseqüente ausência nas políticas de saúde.
(26)
1.1 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
O livro de Susan Brownmiller (1975:1-3) Agaisnt our will: men, woman and
rape, além de revelador, foi um divisor na abordagem sobre o estupro. Até então,
os grandes pensadores e estudiosos, como Krafft-Ebing, Sigmund Freud, Alfred
Adler, Jung, Karen Horney, Max, Wilhelm Reich, tinham evitado o assunto ou
adejado o estupro como questões antropológicas, tradições tribais, primitivas ou
devido a sérios transtornos mentais. Apenas com o advento do movimento
feminista é que o estupro foi discutido como parte da sexualidade masculina e
colocado como uma violência deliberada do homem contra a mulher.
(1)
Brownmiller (1975:1-5)
(1)
reconhece que, antropologicamente, a anatomia
dos órgãos genitais faz do homem o predador e da mulher a presa. A capacidade
estrutural do homem para o estupro e a correspondente vulnerabilidade estrutural
da mulher fornecem as bases fisiológicas para o ato sexual primário em si, no
início da espécie humana. Nos primórdios da espécie não havia diferença entre
pênis e vagina ou entre coito e estupro como conhecemos hoje. O que havia era o
designo da natureza em perpetuar a espécie. O fato de a anatomia humana
possibilitar o intercurso forçado, com o tempo, pode ter sido suficiente para a
criação da ideologia masculina do estupro. Esta prerrogativa masculina torna-se
uma arma contra a mulher e o principal agente para impor a vontade dele e
implantar o medo nela. A penetração no corpo da mulher por um homem, mesmo
diante de protestos ou de luta, é o instrumento da vitória sobre a existência da
mulher, “é o teste definitivo de sua superioridade física, o triunfo de sua
masculinidade”.
Com o tempo, a ordem social separou o coito do estupro. No código de
Hamurabi (1.700 a.C.), o ícone da Lei de Talião, no artigo 130, diz que “[...] se
20 Valdi Craveiro Bezerra
alguém viola a mulher prometida que ainda não conheceu homem e vive na casa
paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto e
a mulher irá livre”. Como era um código relativo aos costumes, dava a
prerrogativa ao pai de ser apenas posto para fora dos muros da cidade, se ele
fosse o estuprador. Mil anos depois, a Lei de Moisés, recebida da mão de Deus
no Monte Sinai, determinava que: “se um homem mantivesse relação com uma
virgem dentro dos portões da cidade, ambos eram apedrejados até a morte”.
(30)
Os Juízes Patriarcas entendiam que, se ela tivesse gritado, teria sido resgatada.
No entanto, se isso ocorresse fora dos portões da cidade, quando ela estivesse
trabalhando no campo, e fosse utilizada a violência física, somente o homem seria
apedrejado, pois, nesse caso, ninguém poderia ouvi-la. Não havia a noção de
crime, mas uma desobediência à lei de Deus.
A lei escrita como a conhecemos surgiu para resolver problemas de
propriedade e atritos nos negócios de forma civilizada, sem a necessidade de se
recorrer ao uso da força, ou ao uso da máxima: “olho por olho, dente por dente.
Como a mulher, os escravos, os animais e os filhos eram propriedades do
homem, o estupro passa a ser crime contra a propriedade do pai, mas não contra
a mulher. Para o homem que cometesse o crime de estupro, a pena era a quantia
de cinqüenta peças de prata pagas ao pai. Este era o valor do hímen. (pp.7-12)
(1)
“Quando um homem achar uma moça virgem, que não for
desposada, e pegar nela, e se deitar com ela, e forem apanhados,
então o homem que se deitou com ela dará ao pai da moça
cinqüenta siclos de prata; e porquanto a humilhou, lhe será por
mulher; não a poderá despedir em todos os seus
dias”.(Deuterônimo 22: 28 – 29)
(30)
Portanto, o estupro era tratado como crime de propriedade. Era uma
questão restrita aos negócios do gênero masculino, e nesse contexto a mulher
não passava de propriedade. Três mil anos após o Código de Hamurabi, o Direito
Canônico tenta humanizar as leis e acabar com as penas de morte e amputações
penianas para os acusados de estupro. Essas penas foram sendo instituídas com
o tempo, orientadas pela noção dos pecados da carne e das possessões
demoníacas. Vale lembrar que, na mesma época, a igreja institui a Santa
Inquisição. Apesar da humanização das penas, a análise da lei sobre o estupro
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 21
como crime permanece inalterada quanto à questão de gênero. Um ato só era
considerado estupro, se a mulher fosse virgem e o ato fosse com uso de violência
ou força física de qualquer espécie. Assim, o mesmo ato contra uma mulher
casada não poderia ser caracterizado como estupro. A decisão de o estupro ser
crime ou não tinha como único referencial o gênero masculino. No que diz
respeito à mulher, apenas seu comportamento era avaliado. Se não houvesse
claros indícios de luta desesperada na defesa da honra, ficava provado que a
mulher queria ser estuprada. Em resumo, segundo a lei, para o ato ser
caracterizado estupro, a mulher tinha que ser virgem e seu comportamento dar
provas inequívocas de que não queria ser estuprada. Por outro lado, o crime de
estupro poderia deixar de existir, dependendo do pagamento do autor pelo dano,
em espécime ou casando-se com a vítima.
(31)
O estupro permanecia um crime
contra a propriedade ou como pecado, mas não um crime contra a mulher.
Semelhante à lei dos Patriarcas Hebreus e ao Direito Canônico, o Código
Penal Brasileiro, até o dia 28 de março de 2005, entendia o estupro como uma
simples questão de gênero, um negócio entre homens, pois o inciso VIII do Art.
107 determinava a extinção da pena, se a mulher vítima de estupro se casasse
com terceiros e não reivindicasse a continuidade do processo num prazo de
sessenta dias. Foram necessários 64 anos, 03 meses e 21 dias, para este inciso
ser revogado pela Lei nº 11.106.
(32)
Portanto, a evolução do Código de Hamurabi
nesses quatro mil anos, não mudou substancialmente os critérios para definir o
estupro nem reconhecê-lo como crime contra a mulher. Além disso, o Código
manteve até hoje, na subjetividade de nossa sociedade, a idéia de que a violência
sexual se resume ao estupro.
Limitados ao que vivemos hoje, a nossa subjetividade cria uma falsa idéia
de que os direitos que hoje existem acompanharam o desenvolvimento social
como um todo. No entanto, a história nos mostra outro processo. Infelizmente,
esses direitos, como gotas, foram e são conquistados após muito esforço e com
uma inexplicável diferença de tempo entre uma conquista e outra, a não ser pela
relação de poder e o seu exercício por parte do gênero masculino adulto em
relação a mulheres, crianças e adolescentes, que nunca tiveram direitos e sempre
22 Valdi Craveiro Bezerra
foram tratados como coisas. Somente em 1924, o direito da criança e do menor
foi estabelecido pela Convenção de Genebra em âmbito internacional. Sua
promulgação foi feita pela Convenção Internacional das Nações Unidas, em 1959.
A doutrina em vigor era, então, mais de repressão que de proteção. Em meados
dos anos oitenta, surge um novo paradigma, onde a criança e o adolescente
foram tidos como seres de direitos, sendo-lhes reconhecida a necessidade de
proteção integral. Após setenta anos de esforços pela luta por seus direitos, em
1989, foi aprovado um instrumento jurídico internacional de direitos humanos,
baseado agora na Doutrina da Proteção Integral. Este documento entrou em vigor
em 1990, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
(33)
A
importância do reconhecimento de direitos reside em se passar a existir e fazer
parte da lei. É a lei que estabelece os direitos e os deveres e as forma de resolver
os conflitos. Se não há direitos, não há lei. O primeiro artigo do Código penal
Brasileiro ilustra bem essa situação: “Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o
defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
(32)
Infelizmente, a existência da lei não garante os direitos. Em 13 de
julho de 1990, a lei Nº 8.069 é decretada pelo Congresso Nacional e sancionada
pelo Presidente da República. O Brasil era um dos primeiros países do mundo e o
primeiro da América Latina a criar uma lei baseada na Doutrina da Proteção
Integral, o Estatuto da Criança e da Adolescência. No entanto, após 18 anos de
existência ainda não é cumprido em suas premissas básicas de proteção. Além
disso, sofre constantes ataques e criticas, em sua maioria por ignorância e outras
por iniqüidade, geralmente disfarçadas de clamor por justiça, principalmente
encabeçadas por políticos oportunistas sem nenhuma formação técnica, além da
exigência mínima de saber ler e escrever.
1.2 – O QUE É VIOLÊNCIA SEXUAL?
Para definir o fenômeno VS, são necessários dois componentes básicos:
(1) as características da relação e (2) os critérios usados para definir se o ato foi
violento (
sexual act
abusive). O primeiro vai caracterizar o tipo de VS cometido e
será determinado pelos diferentes comportamentos, com conotação sexual e
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 23
erótica, do perpetrador em relação à(ao) sobrevivente. No âmbito das pesquisas,
os estudos consideram três tipos básicos de VS, ordenados genericamente
segundo a gradação da ação física do perpetrador sobre a(o) sobrevivente: (a) VS
com penetração, como o estupro, (b) VS com contato, mas sem penetração,
como os toques em seios e bolinações genitais e (c) VS sem contato, como o
perpetrador intencionalmente se masturbando para uma mulher à distância.
(2;3;34-
36)
O segundo componente trata de definir se o ato foi uma violência sexual.
Os critérios usados têm como objetivo caracterizar a ação coerciva do
perpetrador, obrigando a relação sexual com o uso da força ou com forte ameaça
à(ao) sobrevivente.
(2;37-41)
A criança e a(o) adolescente são mais vulneráveis tanto
fisicamente como na maturidade e capacidade de compreensão, por isso são
necessários critérios para sua proteção. São dois os critérios mais utilizados: (a)
idade limite para infância, como 18 anos no Estado americano da Califórnia, e 14
anos no Brasil, e (b) a diferença mínima de cinco anos de idade entre o
perpetrador e a(o) sobrevivente para descaracterizar uma relação de pares.
Esses critérios visam a evitar o viés da subjetividade
(6;42)
e, assim, obter
dados o mais objetivos possíveis, por estes serem considerados mais científicos e
confiáveis que os dados subjetivos, ou questionáveis.
(43;44)
O problema é que não
há consenso nem quanto aos tipos de VS, nem para os critérios que a
definem.
(4;9;14;45-48)
Essa multiplicidade de critérios pode estar relacionada a dois
fatores. O primeiro deve-se ao fato de a VS ser um fenômeno biopsicossocial
complexo, o que, per si, dificulta a elaboração de “uma definição consistente, que
dê condições para avaliar e monitorar a incidência e as variações da violência
sexual”, como sugere Basile et al. (2002:2).
(49)
O segundo fator interveniente
estaria condicionado à subjetividade dos pesquisadores. Para Tjaden (2004:1248-
9),
“Usar múltiplas definições e múltiplas medidas é intelectualmente
mais honesto. Isto demonstra que o entendimento científico não é
um processo objetivo puro. Envolve escolhas e decisões por parte
dos pesquisadores. Isto também reflete as diferenças que
freqüentemente existem no mundo real a respeito da definição e
medida destes atos de violência contra a mulher”.
(50)
24 Valdi Craveiro Bezerra
Parece paradoxal que, ao se estabelecer critérios e ao se evitar a
subjetividade para definir de forma incontestável um objeto de estudo, no caso a
VS, o resultado seja justamente o contrário. Para compreender esse processo,
torna-se imperativo perfazer o caminho entre os tipos de VS e suas variações,
identificando a maneira como os critérios contribuem para essa multiplicidade.
1.3 – VIOLÊNCIA SEXUAL COM PENETRAÇÃO
O estupro foi a primeira forma de violência sexual caracterizada como
crime, portanto, seu conceito pertence à área jurídica. No Código Penal Brasileiro,
Lei n
o
2.848 de 07 de setembro de 1940, o estupro é definido no artigo 213:
“Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”.
(32)
Portanto, o estupro é um tipo de VS com penetração e tem como critérios a
penetração de pênis em vagina, mediante violência. Em essência, mantém o
mesmo conceito do Código de Hamurabi e da Lei de Moisés. Julga-se a ação do
perpetrador pela reação da vítima.
Para ser comprovada a penetração de pênis em vagina, o perpetrador
tem que ser pego em flagrante ou, teoricamente, ela deve ser comprovada de
forma objetiva por exame físico. Para isso, o exame deve ser realizado dentro dos
padrões materiais e de tempo. Já a constatação de que o ato aconteceu mediante
violência ou forte ameaça, vai depender da resistência da suposta vítima diante
da agressão, o que objetivamente é traduzido pelas marcas e traumatismos
físicos em seu corpo. Sem as evidências físicas, tanto da penetração como da
violência, fica difícil caracterizar o crime de estupro. No entanto, mais difícil ainda
é confirmar objetivamente que houve forte ameaça, critério totalmente imaterial.
Este entendimento é bem exemplificado no comentário de Dresset et al. (2001):
“Em condições excepcionais, mesmo não ocorrendo o uso de força
ou de ameaça, pode-se igualmente caracterizar o crime sexual.
Essas situações, denominadas ‘violência presumida’, incluem
pessoas menores de 14 anos; deficientes mentais; ou aquelas que
não podem, por qualquer outra causa, oferecer resistência. O limite
de idade de 14 anos é fundamentado, legalmente, na condição de
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 25
inocencia consilli, traduzida pela completa falta de ciência em
relação aos fatos sexuais”.
(39)
Diferentemente da legislação brasileira, a Justiça australiana entende o
estupro como “Penetração da vulva (além dos grandes lábios) e/ou ânus por um
pênis ou outro objeto, e/ou penetração da boca por um pênis, forçada, sem o
consentimento da pessoa”.
(51)
Apesar dos critérios penetração e ser forçado
serem semelhantes, a Justiça australiana amplia as formas de penetração e
acrescenta ao critério ser forçado a expressão sem o consentimento. Para os
autores, é fundamental associar o estupro às palavras forçado e sem o
consentimento, para definir VS.
Comparando o uso do termo estupro nos dois estudos citados, fica
evidente que, apesar de a palavra ser a mesma, o objeto de pesquisa foi
totalmente diferente. Para Mein et al. (2003), independentemente do gênero, as
penetrações com pênis ou objetos em vagina e ânus e de pênis em boca foram
consideradas como estupro, se o ato foi forçado e sem o consentimento. No
entanto, no conceito utilizado por Drezzer, J. et al. (2001), apenas as penetrações
de pênis em vagina mediante violência ou forte ameaça foram consideradas como
estupro.
Ambas as definições são jurídicas e usam critérios teoricamente objetivos
para caracterizar o crime de estupro. O foco para a lei é a ação do perpetrador, do
réu sobre a vítima, mas o ônus da prova cabe à última, como uma peça do
processo, mas não como sujeito. A prova deve ser objetiva. Como comprovar
objetivamente as expressões grave ameaça e sem o consentimento, se não
houver uma resistência deliberada? Dificuldade semelhante é provar a penetração
de pênis em boca, a não ser por relato da pessoa que foi obrigada, o que torna o
critério subjetivo.
É justamente o que ocorre no estudo de Hanson e col. (1999:562)
(52)
,
quatro anos antes, quando definem estupro como:
"Uma relação sexual não
consensual com penetração na vagina, ânus ou boca da vítima, por pênis, dedos,
ou objetos pelo perpetrador, envolvendo o uso da força, ameaças ou coerção". Os
26 Valdi Craveiro Bezerra
autores ressaltam que deixaram a critério de cada sujeito da pesquisa o
entendimento do que seria o uso da força, ameaça ou coerção. Isso significa que
a percepção da(do) sobrevivente sobre a ação do perpetrador passa a ser aceita
como critério. Quem decidirá se a relação foi forçada, ou não, será a(o)
sobrevivente. Outro fator que se destaca é que, na definição de estupro, o critério
penetração é centrado na ação do perpetrador. Considera-se com o mesmo valor,
quanto a ser violência, a ação de penetrar com dedos, língua ou pênis em vagina,
ânus ou boca da(do) sobrevivente. Posição semelhante tem Patrícia Tjaden sobre
estupro e violência contra a mulher.
(50;53)
No entanto, em nenhum momento é
assumida ou discutida por esses autores a importância da subjetividade da(do)
sobrevivente na definição de estupro que utilizam. Como ficou evidente, a única
pessoa que pode definir o critério de que a relação sexual foi forçada, sob
ameaça, contra a vontade, sob coerção ou não consensual, sem se condenar,
será a(o) sobrevivente. Foi a essa conclusão que chegou Susan Brownmiller
(1975:8)
(1)
, quando comenta que:
“A definição feminina para estupro pode ser resumida em uma
simples sentença: Se a mulher não quiser ter uma relação sexual
com um homem específico e este homem quiser e proceder contra
a vontade dela, isto é um crime de estupro. No entanto, sem
nenhuma dúvida, esta não é e jamais será uma definição legal”.
(1)
Pode-se constatar que, nos últimos quatro mil anos, não houve mudança
substancial na subjetividade humana ocidental em relação aos critérios usados
para definir se o ato sexual foi contra a vontade da mulher. Ainda raciocinamos
como os Juízes Patriarcas.
“Quando houver moça virgem, desposada, e um homem a achar
na cidade, e se deitar com ela, então trareis ambos à porta
daquela cidade, e os apedrejareis, até que morram; a moça,
porquanto não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a
mulher do seu próximo; assim tirarás o mal do meio de ti.”
(Deuterônimo 22: 23-24)
1.4 – AMPLIAÇÃO DA DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL
Foi o Movimento Feminista, na década de setenta, que expôs a violência
contra a mulher, a criança e o adolescente. Os maus tratos, até então silenciados,
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 27
passaram a ser denunciados com freqüência. Esse fato pressionou e ganhou
espaço social, nas pesquisas e nas jurisdições sobre o tema. Em um artigo
recente, Kilpatrick, D.G. (2004:1209-11)
(42),
sugere que a Violência Contra a
Mulher (VCM) foi uma invenção do movimento feminista e questiona a dimensão
que o problema tomou, a ponto de ser considerado um problema de saúde
pública.
Esse fenômeno ocorreu por uma mudança epistemológica, muito bem
ilustrada por Susan Brownmiller (1975:xiii), uma pioneira do estudo da VS,
quando afirma na introdução de seu livro: “Eu escrevi este livro porque sou uma
mulher que mudou sua maneira de pensar a respeito do estupro”.
(1)
Essa
mudança estimulou a divulgação de relatos de violência sexual em vários livros e
a realização de pesquisas sobre as causas e conseqüências da VS. Nesse
processo, as mulheres aprenderam que eram vítimas de estupro, de violência
íntima, de incesto e, ao passar a pensar de forma diferente sobre a violência
contra a mulher, também passaram a agir de forma diferente.
(50)
A VS não ficou
mais restrita ao estupro, surgindo inúmeras outras formas de violência contra a
mulher. Com isso, a atenção voltou-se para a infância e a adolescência, fase em
que mais ocorriam violências físicas e sexuais.
(18)
Ampliar a abrangência da VS,
incluindo as formas sem penetração, como a VS com contato e sem contato,
também aumentou a dificuldade e a acuidade dos critérios básicos para definir a
VS: (a) comportamento sexual do perpetrador e (b) sem o consentimento da
vítima.
1.4.1 - COMPORTAMENTO SEXUAL DO PERPETRADOR
Alguns estudos limitam a VS à relação sexual com penetração e ao
contato em genitais para não haver dúvidas, isto é, para ter um critério objetivo ao
avaliar se o comportamento do perpetrador teve conotação sexual.
(54-57)
Outros
não restringem aos genitais a VS com contato. Consideram toque nos seios e
nádegas também como VS ou até mesmo carícias em qualquer parte do
corpo.
(2;18;35;58-61)
As definições mais abrangentes incluem a VS sem contato,
28 Valdi Craveiro Bezerra
como o exibicionismo, a exposição de material pornográfico à criança e ao
adolescente, entre outras situações.
(6;8;59;62)
A dificuldade de caracterizar a atitude do perpetrador como
comportamento sexual não se deve ao critério em si, comportamento sexual, mas
à maneira de mensurá-lo. Não é uma questão de decidir se um homem, ao se
masturbar intencionalmente para uma garota, mesmo à distância, ou ao ficar
tentando ver sua nudez propositadamente e constantemente, constrangendo-a
com esses comportamentos, pode ser considerado VS. O problema é que a
mensuração desse critério, facilmente realizada pela(o) sobrevivente, fica
extremamente difícil, quando se exige que seja confirmada por perícia médica,
confissão do ofensor ou condenação deste por sua família ou por um tribunal.
(63)
Essa exigência pode ser vista tanto metodologicamente como ideologicamente.
Por um lado, a confirmação da VS de forma objetiva garante o rigor metodológico.
Por outro, não aceitar a percepção da(do) sobrevivente traduz a atitude ideológica
de considerá-la como objeto, de ser apenas uma referência para a ação do
perpetrador da VS. A(O) sobrevivente permanece sem o direito de ser sujeito da
relação.
1.4.2 - SEM O CONSENTIMENTO DA VÍTIMA
Como no estupro, são vários os termos usados nas definições de VS sem
penetração para caracterizar que o ato sexual foi não consensual, tais como: uso
de violência, uso de força, ser forçado, forte ameaça, contra a vontade, sem o
consentimento. Como no primeiro critério, a dificuldade está em mesurá-lo de
forma objetiva. As definições de VS infantil apresentam geralmente três
características básicas: (a) uma relação de poder muito grande, (b) a ausência de
consentimento e, muitas vezes, (c) um nível de compreensão aquém do está
acontecendo. Como conseqüência, a VS infantil é freqüentemente praticada sem
o uso da força física, não deixa marcas visíveis, o que dificulta a sua
comprovação objetiva, principalmente quando se trata de crianças
pequenas.
(26;29;49;57;64;65)
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 29
A necessidade de critérios objetivos para caracterizar a pouca maturidade
da(do) sobrevivente e garantir que ocorreu uma relação entre um adulto e uma
criança, isto é, que não se trata de uma relação de pares, os pesquisadores e
legisladores passaram a usar critérios baseados na idade estatutária e na
diferença de idade entre o perpetrador e a(o) sobrevivente. A maioria das
definições se baseia nos conceitos de abuso sexual infantil de Wyatt, G.E. (1985)
e Russell, D.E., e col. (1983).
Wyatt – “Abuso Sexual Infantil inclui: (a) qualquer atividade sexual
intrafamiliar antes dos 18 anos não desejada ou que envolveu um
membro da família com diferença de idade de cinco anos ou mais
que a respondente; e (b) qualquer atividade sexual extrafamiliar
ocorrida antes dos 18 anos não desejada ou que ocorreu antes da
idade de 13 anos e envolvia uma pessoa com diferença de idade
de cinco anos ou mais que a respondente.”
(42)
Russell – “Abuso Sexual Infantil inclui: (a) qualquer atividade
sexual intrafamiliar antes dos 18 anos não desejada ou que
envolveu um membro da família com diferença de idade de cinco
anos ou mais que a respondente; e (b) qualquer atividade sexual
extrafamiliar não desejada ocorrida antes dos 14 anos, ou qualquer
intercurso sexual não desejado ocorrido nas idades de 14 a 17
anos.”
(3)
Apesar de as duas referências acima terem mais de 25 anos, seus
autores já começaram com idades limites diferentes, inclusive na mesma
definição, no caso de Russell. Para este fato, não há uma explicação baseada em
evidências, mas provavelmente na experiência. A idade limite, muito
acertadamente, visa à proteção do menor. Presume-se que, abaixo da idade
estabelecida por lei, a pessoa não tenha maturidade suficiente para fazer suas
escolhas e discernir o certo do errado sobre determinado tema. Portanto,
qualquer relação sexual abaixo dessa idade limite, mesmo que teoricamente
consentida, será considerada estupro presumível. No Brasil, essa idade
corresponde a 14 anos, na África do Sul e Nova Zelândia, a 15 anos, na Inglaterra
e China, a 16 anos, e a 18 anos em alguns estados da América do Norte, como
na Califórnia.
(3;6;7;18;26;32;59;66;67)
O problema desse critério é a afirmação de que um
adolescente da Califórnia (EUA) de 18 anos tem a mesma maturidade
biopsicossocial de um brasileiro de 14 anos e, também, de que não há nenhuma
diferença de maturidade entre os adolescentes situados na faixa etária
considerada menor de idade, mesmo com maturações diferentes.
30 Valdi Craveiro Bezerra
Para objetivar esse pressuposto, é usada a diferença de idade menor que
cinco anos entre perpetrador e sobrevivente.
(2-7)
Parte-se do princípio de que a
violência sexual infantil e na adolescência só ocorrem, quando adultos se
relacionam sexualmente com crianças ou adolescentes. Uma relação não
consensual entre adolescentes é apenas relação de pares, portanto, normal. Isso
significa que um garoto de 15 anos, com maturação sexual Tanner 4,
(68)
totalmente púbere, tem o mesmo discernimento, interesses e desejos que uma
garota de 11 anos com maturação sexual Tanner 2, isto é, no início da
puberdade. Uma relação sexual forçada entre os dois será uma relação entre
pares, o que significa que ela é considerada normal.
(2)
Para sair dessa armadilha, alguns autores criam vários critérios para a
diferença de idade na mesma definição. Senn et al. (2007:637)
(5)
definiram como
VS na infância e na adolescência os casos em que relatavam uma experiência
sexual (1) antes dos 13 anos, com alguém mais velho, cinco ou mais anos, (2)
entre 13 e 16 anos, com alguém com idade maior ou igual a dez anos, ou (3)
antes dos 17 anos, envolvendo força ou coerção. Outros autores declaram que
não consideraram a diferença de idade na definição de VS.
(57)
Outros excluem
incidentes de VS evidentes porque a(o) sobrevivente não soube dizer a idade do
perpetrador e, com isso, não se pode caracterizar a VS, ou pela diferença de
idade ser maior que cinco anos.
(2;6)
Uma característica comum nas definições,
quanto à diferença de idade, é que não é apresentado nenhum argumento ou
justificativa para os valores utilizados. Há uma aceitação a priori que deve ser
assim.
A idade estatutária é um parâmetro fundamental tanto para a Justiça
como para a Saúde. Para representar o que se propõe, ela teria que ser uma
avaliação da idade de maturação biopsicossexual, e não apenas uma idade
cronológica. Diga-se de passagem que, entre todos os países, a brasileira é a que
mais se aproxima desse critério. No entanto, se um garoto de 16 anos marca um
encontro com uma garota de 15 anos, afetivamente interessada nele, e
juntamente com amigo de 17 anos, a estupram, sem dúvida alguma, trata-se de
uma relação de pares, mas é também uma VS entre pares. Para a Justiça, a
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 31
violência sexual refere-se a um crime perpetrado por um autor. Para a Saúde, diz
respeito ao sofrimento da(do) sobrevivente causado por essa violência. A
violência sexual não é uma doença, é um fenômeno complexo, que tem o poder
de adoecer seriamente quem é envolvido por ela.
(38;69)
Portanto, a Saúde
necessita de um conceito do qual a(o) sobrevivente também faça parte como
sujeito que sofreu violência com conotação sexual e teve sua integridade
biopsicossocial seriamente ameaçada ou comprometida
Até o momento, todas as argumentações apontam para a dificuldade de
mensurar um critério subjetivo com relação à(ao) sobrevivente, utilizando-se de
dados objetivos sem o envolvimento de sua subjetividade. A objetividade na
pesquisa científica é importante para evitar o viés da subjetividade dos sujeitos
que estão sendo estudados.
(6;47)
No entanto, o rigor metodológico não deve
afastar o pesquisador da constatação empírica, o que é fundamental para a
pesquisa científica.
(70)
A percepção da(do) sobrevivente não participa da
elaboração do diagnóstico. Esse é feito por critérios objetivos, na perspectiva do
pesquisador, fato incomum no processo diagnóstico na área da Saúde. Excluir
totalmente a subjetividade da(do) sobrevivente da definição de VS para obter um
conceito objetivo e consistente, aparentemente, provocou um resultado contrário,
gerando uma multiplicidade de critérios, de acordo com a subjetividade de cada
pesquisador.
(4)
As alterações nos parâmetros e critérios usados para definir o que é VS,
não foram devidas às características intrínsecas da violência sexual em si, mas
por causa da subjetividade do pesquisador, levando a multiplicidade de
definições. Esta suposição é corroborada pelos dados disponíveis sobre a
prevalência da VS que pode variar de 6% a 62% para o gênero feminino e de 4%
a 76% para o masculino
(6;16;46;48;57;71-78)
Essa grande amplitude de resultados da
prevalência demonstram que os estudos pesquisam fenômenos diferentes..
32 Valdi Craveiro Bezerra
Capítulo 2
2.
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLÊNCIA SEXUAL
“A pior dor é aquela causada por um ser humano em outro”.
(Freud, S, 1955)
(79)
Apesar dessa diversidade de definições e critérios, há concordâncias
quanto às conseqüências causadas pela VS. Como fenômeno biopsicossocial,
estas conseqüências não se limitam ao componente físico e à época em que
ocorreu, mas estendem-se no tempo, de forma cruel e insidiosa.
(5;17;18)
Estas são
geralmente identificadas e tipificadas por sinais, sintomas, comportamentos e
transtornos psiquiátricos descritos na CID-10 ou no DSM- IV.
(69;80-84)
2.1 – TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS
Entre os transtornos psiquiátricos mais freqüentemente relatados como
conseqüência da VS estão: ansiedade, depressão, estresse pós-traumático,
dissociações, abuso de drogas, problemas cognitivos, desesperança,
somatizações, auto-agressões ou comportamento autodestrutivo e personalidade
limítrofe.
(38;69)
A associação com a depressão foi de OR=1,8 (95% IC 1,4-2,3),
distimia OR=1,9 (95% IC 1,3-2,8), mania OR=9,1 (95% IC 1,4-59), síndrome do
pânico OR=1,5 (95% IC 1,1-2,1), Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)
OR= 10,2 (95%IC 7,1-14,5), problemas com uso de drogas OR= 2,3 (95% IC 1,7-
3,0), dependência de drogas OR= 2,0 (95% IC 1,3-2,1), abuso sério de drogas
OR= 1,9 (95% IC 1,3-3,0)
(55)
Alguns comportamentos como a tentativa de suicídio,
alcoolismo e problemas no casamento no grupo com história de VS chega a ser o
dobro do grupo sem violência sexual.
(85)
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 33
Nelson, E.C., e col. (2002),
(86)
estudando problemas adversos entre o
irmão gemelar que sofreu estupro antes dos 18 anos, com seu irmão gemelar que
não viveu o incidente, controlando, assim, tanto a variável contexto familiar quanto
os aspectos genéticos, verificou os seguintes riscos relativos para: depressão
maior e dependência de álcool, OR 1,56 (95% IC, 1,06 - 2,29), dependência de
nicotina, OR 1,71 (95% IC, 1,18 - 2,47), ansiedade social, OR 2,33 (95% IC, 1,27 -
4,27), estupro após os 18 anos, OR 2,56 (95% IC, 1,18 - 5,52), tentativa de
suicídio, OR 2,73 (95% IC, 1,37 - 5,44), transtornos de conduta, OR 3,00 (95% IC,
1,35 - 6,68) e divórcio, OR 7,50 (95% IC, 1,72 - 32,80).
2.2 – OUTROS TRANSTORNOS NA VIDA
A violência sexual, como um atropelamento existencial, não produz
injúrias apenas de forma pontual, mas compromete a própria existência do sujeito,
a maneira de estar no mundo dessas pessoas. Coid e col. (2001)
(17)
verificaram
que mulheres que tinham sofrido relação sexual forçada, abaixo dos 16 anos,
sofreram 3,5 vezes mais violência doméstica quando adultas (OR 3,5; 95% IC
1,5-8,2) do que mulheres que não viveram essas violências. Também sofreram
2,8 vezes mais estupro (OR 2,8; 95% IC 1,1-7,4). Da mesma forma, crianças que
levaram surras severas de pais ou responsáveis sofreram 3,6 vezes mais
violência doméstica quando adultas, 2,7 mais estupros e 3,9 vezes mais outros
traumas, se comparadas com crianças e adolescentes que não sofreram
violência. No bojo desses transtornos psiquiátricos, a VS apresenta associação
estatisticamente significante com alguns comportamentos erotizados (jogo sexual
constante, masturbação excessiva, uso de objetos na vagina, procura de contatos
íntimos desnecessários, insinuações eróticas), retraimento social, medo,
pesadelos, fuga de casa e problemas escolares.
(9)
Por ser comportamento e não
sintoma, supõe-se que exista um componente psico-emocional entre a VS e o
comportamento.
(8)
Seguramente, os efeitos da violência interpessoal variam
substancialmente de pessoa a pessoa e não podem ser definidos por síndromes
pré-formuladas ou por listas de sintomas esperados. São o resultado de uma
grande variedade de fatores, como o trauma-específico, histórico da(do)
34 Valdi Craveiro Bezerra
sobrevivente e fatores sociais, de tal forma que o quadro clínico de determinado
indivíduo não pode ser sumarizado por um tipo de síndrome ou mesmo por um
diagnóstico do DSM-IV.
(38)
2.3 – PERSISTÊNCIA DOS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS
Em um estudo de revisão sobre o impacto da VS na infância, Kendall-
Tackett et al. (1993) avaliam que apenas 20% a 35% das(dos) sobreviventes de
VS apresentam conseqüências. Em sete estudos longitudinais, o estresse
emocional diminuiu 55% em 18 meses e, de uma maneira geral, houve redução
de 61% a 65% dos sintomas em um ano.
(9)
Recentemente, em uma amostra de
vinte adolescentes com história de VS, Ozbaran et al. (2008) observou que os
transtornos do estresse pós-traumático, de ansiedade e de depressão maior,
diagnosticados na época da VS, não se apresentavam dois anos após.
A utilização de critérios unicamente objetivos, para evitar o viés da
subjetividade da(do) sobrevivente, sugere que uma pequena parte das pessoas
que sofrem violência sexual apresentam conseqüências e que, com o passar do
tempo, essas tendem a diminuir ou desaparecer. Essa conclusão diz respeito aos
sintomas e transtornos psiquiátricos, a doença, a dados objetivos, mas não ao
sofrimento humano, que pode persistir por toda a vida em algumas pessoas.
(87)
Ao evitar o viés da subjetividade para definir se houve VS, excluindo a percepção
da(do) sobrevivente, assim como para avaliar suas conseqüências, pode-se criar
outros vieses. O primeiro é não avaliar o sofrimento gerado em cada incidente,
reduzindo as conseqüências a transtornos mentais, porque teríamos que
perguntar à sobrevivente, e o segundo, aglutinar os múltiplos incidentes de VS
sofridos pelo mesmo sujeito como um só.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 35
2.4 – SOFRIMENTO HUMANO
Um desses vieses é reduzir e limitar o sofrimento causado pela VS a
transtornos psiquiátricos e comportamentais previamente definidos.. A maioria
dos estudos sobre sofrimento envolve pacientes terminais ou com doenças
graves e sempre demonstram uma preocupação em separar a dor física do
sofrimento, deixando às vezes, nas entrelinhas, uma divisão entre o físico de um
lado e o psicossocial do outro. O sofrimento é a expressão do homem como um
todo e, apesar de a dor ser física, o sofrimento não se limita aos aspectos
emocional e social. Ele pode até ser desencadeado ou causado por uma emoção,
mas quem sofre é a pessoa.
Segundo Cassel (1982, 1999), o sofrimento tem como características:
a) Não estar relacionado nem com a quantidade nem com o tipo da
dor física, mas com o significado atribuído a essa dor;
b) Afetar as pessoas como um todo, não apenas uma parte do corpo
ou da mente;
c) Surgir quando o indivíduo percebe que paira uma ameaça à sua
integridade biopsicossocial e permanecer até que a ameaça de
desintegração tenha passado ou a integridade da pessoa possa ser
restaurada de alguma maneira;
d) Estar relacionado à sua existência, a algum aspecto ou papel do
indivíduo. O sofrimento humano não é uma alteração do humor,
mas da emoção. Ele diz respeito à subjetividade, à existência do
sujeito.
O Modelo para o Diagnóstico e Tratamento do Sofrimento, de Cassel, é
fundamentado em observações clínicas, e a avaliação do sofrimento se baseia na
subjetividade da pessoa que sofre. Esse pode variar em intensidade e duração, e
essas diferenças dependerão de como cada indivíduo significa sua experiência.
Os profissionais (clínicos) que tendem a valorizar mais os achados objetivos
podem encontrar dificuldades e não entenderem como o que causa sofrimento em
uma pessoa pode não causá-lo em outra. Por exemplo, o déficit neurológico
36 Valdi Craveiro Bezerra
incipiente da esclerose múltipla em uma violoncelista pode aniquilar o sentido de
sua vida e gerar um sofrimento insuportável. No entanto, o mesmo incidente em
um aluno universitário poderia não provocar o mesmo impacto.
(43)
A Medicina, como ciência, é baseada em evidências. A prática clínica
estimula os médicos a procurarem, tanto quanto possível, os aspectos físicos e
mensuráveis das doenças. Não é de se estranhar que exista um conflito entre a
maneira de se lidar com a informação objetiva e a subjetiva. Um dado objetivo é
considerado científico e valorizado, enquanto a informação subjetiva é
considerada de segunda classe, não confiável. Para o diagnóstico, a atenção e o
tratamento do sofrimento, este conflito além de falso é totalmente impeditivo.
(43)
Esta dicotomia entre objetivo e subjetivo está perdendo terreno no
pensamento científico nas últimas três décadas, devido a três características da
informação. Em primeiro lugar, o ato de pensar é feito por um sujeito, o clínico,
que avalia as informações colhidas, os resultados dos exames, os sentimentos
que tem pelo paciente e, objetivamente, elabora um diagnóstico, que é um objeto
de sua subjetividade. Em segundo lugar, não é uma questão meramente de o
dado ser falso ou verdadeiro, mas uma questão probabilística: ser mais ou menos
provável de ocorrer em um intervalo de confiança. A terceira é que a natureza
preditiva do futuro é a incerteza. A escolha entre usar uma informação objetiva e
uma subjetiva, ou ambas, visa aumentar a precisão, a acurácia e o valor preditivo
das inferências. Para isso, é necessário examinar novamente, olhar novamente,
refletir, escutar outra vez, fazer mais perguntas, aumentar o escopo da
investigação e pensar sobre o significado disso tudo. Essa conduta é que pode
diminuir os efeitos negativos, tanto da objetividade como da subjetividade, nas
inferências.
(43)
Em suma, o sofrimento envolve vários processos que ameaçam o
paciente, como o medo, o significado
dado ao sintoma e sua noção de futuro. É
um estado específico de estresse, que ocorre quando a unidade ou a integridade
do sujeito está ameaçada ou comprometida. O sofrimento permanece até que a
ameaça desapareça ou sua integridade seja restabelecida. Já o grau de
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 37
sofrimento dependerá de sua avaliação da seriedade ou ameaça do problema e
do quão impotente ele se sente. A dor se refere à doença e o sofrimento diz
respeito à existência do sujeito como um todo.
(43)
2.5 – SOFRIMENTO EXISTENCIAL
Paradoxalmente, a pessoa pode experimentar o sofrimento por estar
doente, sem sentir nenhum sintoma. Arthur Frank (2001)
(88)
relata que, em seu
exame de rotina, o Rx detectou vários linfonodos no pulmão e no diafragma, e, na
tomografia computadorizada, sugeriu outras cadeias comprometidas. A
possibilidade de ser um câncer, já com metástases, provocou intenso sofrimento
por quase um mês, apesar de não apresentar nenhum sintoma da possível
doença. Havia um terrível sofrimento, uma ameaça à sua existência, no entanto
não havia sofrimento físico. O resultado da biópsia veio com o diagnóstico de
sarcoidose inicial, e após o tratamento e cura, a ameaça desapareceu, assim
como seu sofrimento. Em nenhum momento existiu uma “doença” causando esse
sofrimento existencial.
Os profissionais da Saúde geralmente interpretam o sofrimento em
termos de dor, perda de função, morte, perda de esperança, medo de futuras
dores. Nós médicos tendemos a pensar que as pessoas nos procuram, com seus
sofrimentos, para que as curemos. Nós tendemos a reduzir seu sofrimento à sua
dor, no entanto, esta dor é apenas a manifestação de uma doença.
(88;89)
O
sofrimento diz respeito ao indivíduo com um todo, é uma ameaça à sua
existência. Portanto, o termo sofrimento para este estudo tem a conotação de
sofrimento existencial, o que é diferente de outros termos, principalmente os
englobados no descritor Estresse Psicológico do DeCS - Descritores em Ciências
da Saúde.
(90)
Os sinônimos para este descritor são: Estresse da Vida, Estresse
Relacionado a Aspectos da Vida, Angústia, Estresse Emocional, Tensão da Vida,
Sofrimento Psíquico, Sofrimento Mental. No DeCS, o sofrimento é definido como:
“Quadro mórbido característico, de natureza basicamente psíquica,
onde inexistem causas orgânicas capazes de serem evidenciadas
38 Valdi Craveiro Bezerra
pelos meios usuais de exame médico, que aparece em condições
especiais, de trabalho ou de guerra. Apresenta quadro
predominante psíquico acompanhado de repercussões orgânicas.
A sintomatologia é múltipla e polimorfa, com cefaléias, tonturas,
anorexia, tremores de extremidades, adinamia, dificuldades de
concentração, crises de choro.” DeCS-bvs(90)
O sofrimento existencial é indizível, está além do que é tangível, apesar
de causar dor. É perda presente ou antecipada, e perda é ausência, é não-coisa.
O núcleo do sofrimento existencial é a sensação de que algo irreparavelmente
errado aconteceu com nossa vida, e errado é o oposto do que deveria ser o certo.
O sofrimento existencial resiste à definição porque ele é a realidade do que não
é.(88) O idioma usado para definir o sofrimento existencial é diferente do idioma
usado pela Medicina. Entre a história clínica do médico e o relato do paciente, há
mais desencontros que coincidências. “Quando os médicos prestam atenção ao
corpo e aos sintomas em lugar da pessoa, eles não diagnosticam o sofrimento
existencial.”
(43)
Diferente do parto, o sofrimento existencial não dói apenas durante o
tempo em que ocorre. Nós intuitivamente compreendemos que, para muitos, a
experiência do sofrimento acaba dominando a vida toda e que isso, de fato, é a
realidade do sofrimento. Na língua inglesa, como em outras línguas, a exemplo do
português, sofrimento vem do latim,
sufferere
(port.
Sufferre).
A palavra sofrer
tem dois significados básicos. O primeiro é padecer dores físicas ou morais, dor
profunda. O outro significado é tolerar, suportar, resistir. Para Lucy Candib
(2002),
(89)
o sofrimento “significa resistir à dor no tempo, [...] portanto, ele não é
breve nem momentâneo”.
2.6 – VIOLÊNCIA SEXUAL COMO TRAIÇÃO HUMANA
O tipo de sofrimento que um ser humano inflige no outro é o mais
ultrajante, destrutivo, e o último a ser resolvido. Esse tipo de sofrimento destrói
toda a esperança, porque, por mais que as coisas aconteçam da forma como
acontecem, ainda acredita-se que o homem é fundamentalmente bom. Pesquisas
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 39
empíricas mostram que a intensidade e a persistência dos sintomas são maiores
nas(nos) sobreviventes que sofreram violência interpessoal, comparados com
aquelas(aqueles) que sofreram um desastre natural.
(89)
A violência não pode mais ser confundida com crime, uma violação da lei,
nem tão pouco ser usada como agressão ou destruição, como na expressão a
batida foi muito violenta. Na realidade, a batida aconteceu com grande impacto. O
termo violência é usado nessa expressão como uma analogia entre o tamanho do
impacto e a capacidade destrutiva da violência. A pensadora política Hannah
Arent conceitua violência como um instrumento nas relações humanas, portanto
possuidora de razão: “A violência não é nem bestial nem irracional”. (Arendt,
1994:47)
(91)
Entretanto, ainda temos a idéia de violência como uma coisa usada
contra o outro, e não a própria ação do outro. Entendemos e assumimos o termo
violência como defendido por Chauí (1985, 1999), como uma atitude de relação e
não como um substantivo. Nessa perspectiva, a violência apresenta duas
características fundamentais. A primeira é que ela ocorre em uma relação
desigual de forças que visa à opressão, à dominação e à exploração. A segunda
é a atitude de tratar o outro não como sujeito, mas como coisa.
(28)
Em seu artigo
Uma ideologia perversa, Chauí (1999) exprime com clareza e precisão a face da
violência que, sistematicamente, estudiosos sobre o assunto evitam:
"[...] violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou
psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e
sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o
terror. A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e
sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem
coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos e inertes ou
passivos."(92)
Portanto, a relação de violência se estabelece, quando, em uma relação
de poder, o lado mais fraco é desqualificado, é reificado nessa relação.
(27)
A
violência sexual é um ato em que um ser humano rouba a dignidade do outro e o
aniquila. Isso explica por que o estupro é tão usado nas relações de gênero, nas
questões étnicas e raciais, sempre subjugando e negando a existência do outro
como ser humano, por isso é traição. Por essa razão, o sofrimento existencial não
40 Valdi Craveiro Bezerra
pode ser posto em palavras, porque não faz sentido para a mente. A violência
sexual não faz sentido.
(15;89)
Quando o ser humano sofre uma injúria, são usados vários mecanismos
para afastar o sofrimento da consciência e, nesse processo, corpo e mente
passam a ser os depositários dessas memórias de fome, privação, tortura,
violência sexual e física. Por mais que a pessoa se esforce, mais cedo ou mais
tarde vai se deparar com uma dessas memórias. O sofrimento infligido por outras
pessoas se origina, pois, de ambas as memórias, física e mental. Ele tem
múltiplas dimensões, que podem não ser expressas explicitamente pelos
pacientes. Dessa forma, essas memórias podem ser organizadas em transtornos
como o Transtorno do Estresse Pós-Traumático, Transtorno de Ansiedade
Generalizado, Síndrome do Pânico, somatizações e outros. No entanto, o
sofrimento existencial não pode ser reduzido a eles, pois esses transtornos dizem
respeito a doenças e não à existência do sujeito.
(15;87-89;93)
2.7 – MÚLTIPLOS INCIDENTES, MÚLTIPLAS CONFIGURAÇÕES
Outro grande viés provocado pelo receio da subjetividade da(do)
sobrevivente é considerar os múltiplos incidentes de VS sofridos pelo mesmo
sujeito como apenas um, sobrepondo suas características e conseqüências, o
que comumente acontece com as pesquisas. A freqüência de múltiplos incidentes
no mesmo sujeito chega a 61%.
(11)
Considerando que os incidentes de VS
apresentam configurações distintas com diferentes perpetradores e contextos,
portanto, com diferentes significações para a(o) sobrevivente, podemos supor que
suas conseqüências também sejam diferentes.
(23)
As características de cada
incidente de VS tomado isoladamente, assim como o sofrimento e as
conseqüências causados, são uma lacuna nos estudos sobre o tema.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 41
Capítulo 3
3.
OBJETIVOS
“[...] o sujeito é ou o ruído, isto é, a perturbação, a deformação, o erro
que se deve eliminar a fim de atingir o conhecimento objetivo, ou o
espelho, simples reflexo do universo objetivo.” Morin (2006)
(94)
3.1 – OBJETIVO GERAL
Avaliar a violência sexual na perspectiva das(dos) sobreviventes.
3.2 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Testar a hipótese de que o sofrimento gerado pelo incidente de VS
independe do número de incidentes vividos pelo mesmo sujeito;
2. Avaliar a persistência do sofrimento existencial conseqüente a cada
incidente de VS vivido na infância ou na adolescência;
3. Verificar a correlação das variáveis tradicionalmente utilizadas nas
pesquisas sobre VS e o sofrimento causado por essa.
42 Valdi Craveiro Bezerra
Capítulo 4
4.
RECORTE EPISTEMOLÓGICO
“Todo mundo tem uma epistemologia e quem diz que não tem,
tem uma epistemologia muito ruim.” (Gregory Bateson)
(95)
Para estudar a VS como um sistema complexo, é necessário um
paradigma que considere tanto o perpetrador como a(o) sobrevivente, sujeitos da
relação de VS, que ocorre em um contexto ativo, que participa tanto na
construção do fenômeno como de seus personagens. Este é o paradigma da
complexidade.
Como a variável de desfecho escolhida, sofrimento (existencial), é
inerente à subjetividade da(do) sobrevivente, foi adotada a Epistemologia
Qualitativa como forma de estudar a subjetividade como parte constitutiva do
indivíduo e das diferentes formas de organização social
(12)
e por ser a expressão
do Paradigma da Complexidade na Psicologia.
(96)
4.1 – PARADIGMA DA COMPLEXIDADE
Como diz Edgar Morin (1998),
(97)
o Paradigma da Complexidade não deve
ser visto como uma solução, uma resposta ou uma receita, mas como um desafio
e uma motivação para o pensar. O ponto de partida é o conceito de sistema, o
qual define a orientação epistemológica do paradigma. O sistema é formado por
suas partes e por todas as inter-relações entre essas partes. Essas inter-relações
fazem emergir características em cada uma das partes que, de forma isolada,
essas características não surgiriam. As partes não estão fundidas nem se perdem
no todo. Elas permanecem com sua identidade própria, no entanto, ganham um
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 43
sentido e significado dado pelo todo, ganham uma identidade comum (Morin,
1998).
(97)
Para a Complexidade, a causalidade é resultado, objetivo, meta de um
sistema, de um subsistema ou de uma das partes do sistema. Desta forma, cada
parte do sistema tem uma causalidade própria, contudo, a causalidade do sistema
como um todo jamais será a simples soma das causalidades de suas partes. A
causalidade do sistema emergirá das inter-relações entre as partes como uma
endo-causalidade de natureza diversa das causalidades das partes.
(97)
Utilizando o exemplo de uma tapeçaria, Morin (2005)
(98)
chama a atenção
para o fato de que cada fio permanece com sua identidade, isto é, sua
causalidade própria. Podem ser fios de seda, de algodão, de cor branca ou
vermelha, dispostos e organizados de acordo com a endo-causalidade do todo,
que nada tem a ver com o material ou com a cor dos fios, mas com um desenho e
a estética da tapeçaria. Isso quer dizer que, examinando as propriedades de cada
fio isoladamente, a soma dessas propriedades jamais revelaria a tapeçaria.
Na análise complexa, o sistema violência sexual é formado pelo sujeito
que comete a ação (perpetrador), pelo sujeito que sofre a ação (sobrevivente) e o
contexto com todas as inter-relações. Cada sujeito da relação tem uma
subjetividade individual, construída na relação ativa com a subjetividade social,
em uma relação recursiva, onde cada uma interfere e sofre interferência da outra
dessa construção ativa. A construção é ativa porque essa interferência é o
resultado do processo realizado pelo sistema de sentido e significados da
configuração personológica do sujeito, em resposta ao estímulo ou informação
externa. Este é o processo de personalizar a informação. E o significado é
existencial, no sentido de ter como referência toda a existência da pessoa.
O contexto, como parte da subjetividade social formado por pessoas,
também com suas configurações personológicas, constantemente está em inter-
relação como partes do sistema. O contexto de uma VS formada pela família,
casa, escola, vizinhança e as pessoas que co-habitam esses espaços têm um
44 Valdi Craveiro Bezerra
caráter histórico-cultural, no qual os sujeitos da relação de violência foram
construídos recursivamente. É por isso que o contexto não é apenas um
referencial espacial, ele tem vida. Deste modo, o contexto é tão responsável
quanto os sujeitos da relação, na construção da endo-causalidade desse sistema,
a violência sexual.
4.2 – EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA
A investigação qualitativa, numa definição epistemológica, não se resume
à questão dos instrumentos utilizados para a obtenção de informações, nem ao
tipo de dado obtido, mas, essencialmente, na forma como é construído o
conhecimento. Uma de suas características é que a epistemologia qualitativa
assume o caráter histórico-cultural de seu objeto e do conhecimento como
construção humana. Para Gonzalez-Rey (2000),
(12)
a ciência não é só
racionalidade, é emoção, individualização e contradição. É a própria subjetividade
como expressão do fluxo da vida humana.
Para as linhas de investigação com influência positivista, os objetos
observados são independentes do sujeito que os observa e podem ser explicados
como realmente são.
(94)
Esse princípio cria o paradoxo do sujeito-objeto e do
objeto-sujeito, quando, por exemplo, a(o) sobrevivente não é vista(o) como um
sujeito da relação de violência sexual, mas como um simples objeto e, como tal, é
excluída(o) da definição ou do conceito do objeto de estudo.
Morin (2006)
(94)
faz uma análise interessante, quando mostra que o sujeito
é ou o ruído, isto é, a perturbação, a deformação, o erro que se deve eliminar a
fim de atingir o conhecimento objetivo, ou o espelho, simples reflexo do universo
objetivo. Apesar de indissociáveis, o pensamento positivista exclui um ou outro.
Conforme os momentos, nós podemos escolher entre o sujeito metafísico e o
objeto positivista. Esse conceito faz da consciência uma realidade, quando for
espelho, e uma ausência de realidade, quando for apenas reflexo.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 45
4.2.1 – SUJEITO
“O sujeito surge ao mesmo tempo que o mundo.”(Morin, 2006:38)
(94)
Na construção da Teoria da Subjetividade, Fernando Gonzalez-Rey
(1997)
(99)
desenvolve conceitos fundamentais para a pesquisa em Psicologia.
Diferente do sujeito positivista, da razão, o sujeito superior, universal, com
características definidas e acabado, resgata para a Psicologia o sujeito histórico,
em que, a cada momento da vida, é um momento produtor de sentido em relação
à experiência vivida.
(100)
O sujeito assume seu lugar como sujeito do
conhecimento, como a expressão da personalidade mais ativa e individualizada
da subjetividade humana. González-Rey
(99)
define o sujeito concreto como: ativo,
intencional, atual, interativo e consciente na definição de sua expressão nos
espaços de autonomia relativa.
O sujeito se caracteriza por sua atividade pensante, reflexiva, que sempre
ocorre dentro de uma configuração de sentido. Pensar é uma ação consciente,
tendo consciência como “representação, intencionalidade e reflexividade
enquanto processos comprometidos com a ação do sujeito”. Por isso, o pensar
não é uma ação cognitiva, mas um processo de sentido.
(100)
Para Gonzalez-Rey
(2003:227)
(100)
,
“O sujeito aparece nos momentos de sentido em que pensa, e é a
sua capacidade geradora de sentidos por meio do pensamento um
dos elementos centrais do desenvolvimento de sua capacidade
para produzir rupturas”.
Estar sujeito na vida é condição sine qua non para o crescimento e o
desenvolvimento da pessoa. É pensando seu pensamento imerso em
configurações de sentido, construídas historicamente, “que o sujeito se constitui
como elemento central de caráter processual da subjetividade”.
(100)
46 Valdi Craveiro Bezerra
4.2.2 – SUBJETIVIDADE
Outro conceito que o autor resgata é o da subjetividade como objeto de
conhecimento, com a mesma legitimidade ontológica que qualquer outro, só que é
constituinte do próprio sujeito do conhecimento.
(99)
A subjetividade, para
González-Rey, está longe de ser uma entidade suspeita que deturpa ou
contamina a observação, tornando-a imprestável. Da mesma forma, a
subjetividade não é uma constante universal da natureza humana.
“Considero subjetividade como o sistema de significações e
sentidos subjetivos, no qual se organiza a vida psíquica do sujeito
e da sociedade, portanto, a subjetividade não é uma organização
intra-psíquica que se exaure no indivíduo, mas um sistema aberto
e em progresso que caracteriza também a construção dos
processos sociais, [...] a subjetividade social.”(González-Rey,
2000)
(12)
A categoria subjetividade geralmente é traduzida como psicológico, e isso
gera muitas confusões. Nem tudo que é psicológico faz parte da subjetividade.
Como exemplo, alguns reflexos psicológicos autômatos, como os de fuga
involuntária, não fazem parte da subjetividade. Outra questão é que a
subjetividade é uma configuração sistêmico-complexa. O que as outras teorias
consideram como psicológico é visto como categorias de expressões
independentes e isoladas. Os processos como a auto-estima, valores,
motivações, identidade, representações, não têm nenhuma ligação uma com a
outra em suas expressões. A subjetividade, como uma configuração sistêmica de
sentidos e de significados, subentende que todas essas funções estão inter-
relacionadas e a expressão de cada uma é o resultado de todas as inter-relações,
o que torna a subjetividade multidimensional. Ela é também recursiva como
processo, no qual os produtos interferem na própria produção. Não como uma
relação causa-efeito, mas como uma endo-causalidade, isto é, o resultado de
todas as inter-relações das partes. É o criador sendo influenciado pela criatura, na
sua criação. A subjetividade como sistema é igualmente contraditória, não por ser
uma dicotomia ou polaridade do tipo ser bom ou ser mal, mas porque sua
competência sistêmica lhe permite ser simultaneamente bom e mal, dependendo
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 47
da articulação entre os sentidos subjetivos constituídos na sua história de vida e
os momentos atuais de sua ação como sujeito.
(96)
Duas pessoas podem ter os mesmos valores e preconceitos, seguir os
mesmos princípios e ter comportamentos diversos diante de certas situações. A
expressão da configuração personológica dependerá do resultado final de todas
as inter-relações estabelecidas entre os componentes personológicos, a
historicidade de cada um e o contexto no momento. É por isso que irmãos criados
com os mesmos valores e pelos mesmos pais, e isso é regra e não exceção, têm
expressões personológicas diferentes.
Outra conseqüência desse conceito sistêmico-complexo de subjetividade
é seu caráter recursivo entre a subjetividade individual e a social.
“As subjetividades social e individual constituem dois níveis que se
integram na definição qualitativa do subjetivo e que, ao mesmo
tempo, são momentos constantes de tensão e contradição que
atuam como força motriz em ambas as instâncias da
subjetividade.” (González-Rey, 2000) (12)
Dessa forma, acaba-se com a dicotomia entre o intrapsíquico e o social,
entre a subjetividade individual e a social, entre o interno e o externo, entre o
sujeito e o objeto. Ao mesmo tempo em que o indivíduo imerso na subjetividade
social, de forma crítica, ativa, reflexiva, constrói constantemente sua subjetividade
individual, também participa ativamente na construção da subjetividade social.
Assim, a subjetividade não pode ser considerada um produto da cultura ou
resultado subjetivo de processos objetivos externos à subjetividade. Para
González-Rey (2000:28), “O desenvolvimento do homem como subjetividade e a
cultura são processos constitutivos complexos, que acontecem de forma
simultânea”.
(12)
A subjetividade, como uma rede de configurações dos processos
de significação e sentido, articula-se emocionalmente com os sistemas de
relações social e individual no psiquismo humano. Portanto, a subjetividade não é
uma organização intrapsíquica, que se esgota no indivíduo.
(100)
Toda informação, verdade, valor, externos ao indivíduo, ao ser
subjetivado na configuração de sentidos e significados deste, torna-se expressão
48 Valdi Craveiro Bezerra
objetiva de uma realidade subjetivada. Esse processo de personalizar uma
informação implica uma ação ativa do indivíduo em comparar, distinguir,
reconstruir e integrar essa informação de acordo com sua configuração de
sentidos e significados. E essa construção expressa o sentido que a informação
tem para o indivíduo e pode modificar seu próprio sistema de sentidos.
(101)
A idéia
que fazemos das coisas não são as coisas, são idéias que fazemos delas. Dentro
do cérebro, em nosso pensamento, não temos coisas ou o objeto em si, temos
apenas idéias.
(102)
Não é o significado objetivo ou lógico atribuído que dará
sentido a uma nova experiência do sujeito. Toda nova experiência adquire sentido
dentro do processo de subjetivação que caracteriza o desenvolvimento da
personalidade
(12)
Da mesma forma que a subjetividade não se esgota no
indivíduo,
(100)
o sujeito compartilha da mesma subjetividade social com outros
sujeitos. De alguma forma, as subjetividades individuais constroem e usam a
mesma subjetividade social, na construção de cada subjetividade individual. As
diferenças individuais são devidas às configurações de sentido construídas
historicamente. De alguma forma, somos presos à subjetividade como um todo. É
por isso que o pensamento, como processo de sentido, é um dos elementos
centrais no desenvolvimento da capacidade do sujeito de produzir rupturas. Isso
explica por que uma nova teoria ou nova forma de ver um fenômeno só surge por
rupturas. Nesse entendimento é que Chalmers (1993:46-63)
(103)
afirma que “as
teorias precedem a observação na ciência”. A pessoa só observa se há uma
teoria que diz como fazer para testá-la.
4.2.3 – PERSONALIDADE
Personalidade é outro conceito fundamental desenvolvido de forma
recursiva, por Fernando González Rey, durante suas pesquisas sobre a
subjetividade e a elaboração da Teoria da Subjetividade e da Epistemologia
Qualitativa:
“A personalidade é a organização sistêmica, viva e relativamente
estável das distintas formações psicológicas, sistemas destas e
integrações funcionais dos conteúdos que participam ativamente
nas funções reguladoras e auto-reguladoras do comportamento,
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 49
sendo o sujeito quem exerce essas funções”. (Gonzélez-Rey,
1995:59)
(101)
Como uma configuração sistêmico-complexa, a personalidade é
multidimensional, recursiva, contraditória e histórica. Sua função principal é a
regulação do comportamento do sujeito, onde o cognitivo e o afetivo formam uma
unidade indissociável e essencial
(96)
e a emoção é condição permanente do
sujeito, na qual o pensamento, compreendido como processo de sentido, e a
linguagem se articulam e se “expressam na emoção de quem fala e pensa”.(235-
7)
(100)
“Em nossa concepção, a personalidade não representa um somatório
de elementos organizados de forma estática, que linearmente se
expressam em condutas. Quando enfatizamos o conceito de
configuração sobre o de elementos, desejamos destacar que elementos
similares podem expressar sentidos psicológicos distintos em
configurações diferentes”.
(101)
A maneira como essa configuração vai se expressar em condutas,
dependerá das inúmeras inter-relações de seus elementos. Duas configurações
podem ter os mesmos elementos, mas dependendo das interações e de como
estão hierarquicamente articuladas e do contexto, podem expressar condutas
totalmente diferentes. Mesmo irmãos univitelinos que foram criados juntos, no
mesmo contexto, suas configurações personológicas serão diferentes. A maneira
como cada um organizará e hierarquizará os mesmos elementos de sua
configuração personológica, resultará em diferentes inter-relações com a
construção de diferentes sistemas de sentidos e significados. Por outro lado,
pessoas podem usar sentidos, significados e hierarquias semelhantes e terem,
com isso, atitudes semelhantes apesar de serem totalmente diferentes como
sujeitos.
O que conhecemos como traços, atitudes ou estereótipos são unidades
psicológicas primárias e, dependendo da configuração personológica em que
estas estão integradas, seu sentido psicológico pode variar. Quando um desses
elementos se automatiza totalmente e sua expressão torna-se independente da
configuração personológica, deixa de ser um componente personológico e passa
a ser um traço individual
(101)
. Os preconceitos são bons exemplos. Apesar de
direcionar atitudes e comportamentos da pessoa, esta não consegue perceber, na
50 Valdi Craveiro Bezerra
maioria das vezes, nem fazer uma crítica a respeito. O sentido subjetivo da
conduta do sujeito está em suas necessidades, que são as bases de seus
comportamentos que é regulado pelo sujeito psicológico, o qual organiza de forma
consciente e intencional seu conjunto de vivências e cria um conjunto de
representações conscientes na sua integração com o meio, com outros e consigo
mesmo. Essas inter-relações estabelecidas por esse sujeito com outros sujeitos e
com o contexto atuante, provocarão nas partes desse sistema, pensamentos,
sensações, percepções e comportamentos que se estivessem separados não
ocorreriam. Em algumas dessas relações esses traços individuais são revelados e
denunciados criando condições para o portador refletir, segundo seu sistema de
sentidos e significados. No entanto, esse não é um processo cognitivo, mas
afetivo. Saber não é o suficiente, é necessário emoção, a qual mediatiza o
pensamento e a linguagem, condição sine qua non para a reflexão
(100;101)
.
A formação do sujeito é um processo evolutivo caracterizado pela
capacidade do indivíduo de se autodeterminar, de formular, organizar e planejar e
regular seus objetivos. “O sujeito e a personalidade se expressam em níveis
diferentes do desenvolvimento”.
(101)
As configurações personológicas e o sujeito
formam a subjetividade individual. Até a adolescência, essas configurações não
são integralmente formadas pela ação intencional do sujeito, devido seu próprio
estágio de desenvolvimento. No processo de adolescer, o sujeito se torna um
importante determinante no desenvolvimento da personalidade, da mesma forma
que essas configurações personológicas são importantes determinantes no que o
sujeito faz e na forma em que faz
(101)
.
Dentre as configurações personológicas, as mais complexas são as
formações motivacionais complexas e são responsáveis pela concepção do
mundo, das idéias, das intenções entre outras. Estas formações personológicas
complexas são assumidas intencionalmente pelo sujeito, o qual as atualiza
constantemente através de suas distintas representações na sua relação com o
mundo. São configurações subjetivas bem definidas em nível personológico, e
participam na regulação e auto-regulação do comportamento do sujeito, além de
ser utilizado por este em distintos momentos de sua vida cotidiana.
(101)
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 51
As necessidades orientam a formação de configurações personológicas
e ao mesmo tempo, orientam e organizam o desenvolvimento da personalidade
de acordo com o sistema de comunicação do sujeito e, estas configurações
personológicas formadas em função das necessidades. As necessidades tornam-
se como um começo, meio e fim.
(101)
52 Valdi Craveiro Bezerra
Capítulo 5
5.
MÉTODO
“O conhecimento do real é luz que sempre projeta algumas
sombras. Nunca é imediato e pleno. As revelações do real são
recorrentes. O real nunca é o que se poderia achar, mas é sempre
o que se deveria ter pensado”. (Bachelard, 1996)
(104)
5.1 – ESTUDO E POPULAÇÃO ALVO
Este é um estudo transversal, em uma amostra de 93 sujeitos de uma
população alvo de 298 adolescentes e familiares, que foram atendidos no período
de maio de 2005 a março de 2007, pelo Programa de Atenção a Vivências de
Violência Sexual (PAVVS) do Adolescentro. Os adolescentes foram
encaminhados com o diagnóstico de violência sexual, por entidades como a Vara
da Infância e Juventude (VIJ), a Delegacia de Proteção à Infância e Adolescência
(DPCA), os Conselhos Tutelares, Casa Abrigo e por outros programas do
Adolescentro. Os familiares, quando revelaram vivência de VS durante o
atendimento aos filhos, foram incluídos nesse estudo. Tanto para os adolescentes
como para os familiares, foram adotados dois critérios para a inclusão no
programa: (a) revelação de terem sofrido violência sexual, ou (b) estupro
presumido, isto é, o ato em que uma mulher, cuja idade não é maior que 14 anos,
tem relação genital com um homem. (Decreto-Lei nº 2.848, art. 224)
(105)
5.2 – CÁLCULO DA AMOSTRA
Para o cálculo da amostra, considerou-se o esquema de amostragem
aleatória simples para a estimação da prevalência da persistência do sofrimento
entre sobreviventes de VS. Utilizou-se o recurso StatCalc do Epi Info 3.4.1,
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 53
considerando 70% a prevalência média de persistência de sofrimento e 8% o erro
amostral,
(18)
para um Intervalo de Confiança (IC) de 95%. O tamanho mínimo da
amostra foi de 88 sujeitos.
5.3 – SELEÇÃO DA AMOSTRA
A seleção da amostra foi aleatória, de acordo com a ordem de chegada
para o atendimento, que era realizado por três profissionais. Cada profissional
chamava um adolescente para a primeira consulta, desconhecendo qualquer
informação sobre ele a não ser a de que tinha sido encaminhado por ter vivido
VS. Apenas um dos profissionais era pesquisador desse estudo, e a amostra da
pesquisa foi formada pelos adolescentes e familiares atendidos por ele. Essa
amostra foi composta por 93 sujeitos, sendo 83 do gênero feminino e 10 do
masculino. Da amostra, 61% foram encaminhados por instituições, 11%
procuraram espontaneamente o programa e 29% foram descobertos na consulta
no Adolescentro.
5.4 – CRITÉRIOS ÉTICOS
O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Secretaria de Estado de Saúde do DF, Processo n° 038/2005. A cada sujeito
selecionado, foi feito o convite para participar do estudo. O Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TECLE) era lido com a(o) adolescente e os
responsáveis, quando a primeira(o primeiro) era menor que 18. O TECLE (Anexo
– M1) apresentava os objetivos e as justificativas do estudo, bem como a forma
de participação do sujeito na pesquisa, o que facilitou a construção de uma
cumplicidade nessa relação. Não houve recusa em participar do estudo.
54 Valdi Craveiro Bezerra
5.5 – CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO
Foram incluídas neste projeto pessoas que revelaram ter vivido violência
sexual na infância (0 – 9 anos) ou na adolescência (10 a 19 anos) e firmaram o
TECLE. Os responsáveis pelos adolescentes com menos de 18 anos também
tiveram que firmar o respectivo TECLE. Foram excluídos os sujeitos com
incapacidade para fornecer as informações necessárias para completar o
instrumento de coleta de dados. As definições para infância e adolescência,
quanto à faixa etária, estão de acordo com a OMS e são ratificadas pelo
Ministério da Saúde.
(106)
5.6 – DELINEAMENTO
A elaboração e a aplicação do instrumento de avaliação da VS na
amostra selecionada seguiram o seguinte delineamento: (Fig.-01)
1º Passo – INSTRUMENTO 1
Baseado nos dados da literatura,
(26;34;38;50;54;76;107)
foi organizado um
instrumento para uma entrevista semi-estruturada, a qual foi aplicada aos
cinco primeiros adolescentes selecionados, quatro do gênero feminino e
um do masculino, e denominada amostra-A. Além dos dados da
entrevista, registrou-se a história detalhada de como cada sujeito
percebeu e significou o incidente de VS. As informações relevantes
foram organizadas em tópicos, sempre com questões abertas, e
incorporadas à entrevista semi-estruturada, nomeada de Instrumento-2.
2º Passo – INSTRUMENTO 2
O instrumento 2 foi, então, aplicado novamente à amostra-A, para
completar o questionário e fazer alguns ajustes.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 55
DELINEAMENTO
Populão
298 suj.
Amostra A
4F+1M
1º Passo
Instrumento 1
Amostra B
5F
2º Passo
Instrumento 2
Amostra A
4F+1M
3º Passo
Instrumento 2
Passo
Instrumento 3
RVVS
RESULTADOS
Amostras
A+B
Amostra C
74F+9M
Figura 01 – Processo de elaboração e aplicação do Roteiro de
Anamnese para Avaliação de Vivência de Violência Sexual.
3º Passo – AJUSTE FINAL
Foi selecionada uma nova amostra de cinco adolescentes e aplicado o
instrumento 2. Durante a entrevista, foi solicitado a cada sujeito que
reproduzisse, com suas palavras, o que cada questão estava
perguntando. Quando havia dúvidas sobre do que se tratava, pedia-se
esclarecimento e sugestões sobre sua melhor formulação. O roteiro final
foi denominado: Roteiro de Anamnese para Avaliação de Vivência de
Violência Sexual (RAAVVS) (Anexos - M2a, M2b).
Legenda
F - feminino
M - masculino
Suj. - sujeitos
56 Valdi Craveiro Bezerra
4º Passo – ENTREVISTA COM TODOS OS SUJEITOS DA PESQUISA
Foi aplicado o RAAVVS a todos os sujeitos da pesquisa, pelo mesmo
entrevistador, em sala com privacidade, garantindo-se o sigilo e o direito
de recusa em participar da pesquisa e continuar com processo
terapêutico com a equipe do Adolescentro. Essa entrevista teve duração
média de sessenta minutos e foi repetida de duas a três vezes, até que o
RAAVVS fosse completado.
5.7 – COLETA DE DADOS
As entrevistas foram realizadas no Adolescentro, Centro de Referência,
Pesquisa, Capacitação e Atenção à Adolescência, da Secretaria de Estado de
Saúde do Distrito Federal, no período de maio de 2005 a março de 2007. Foram
realizadas em ambiente acolhedor, com privacidade e aceitação incondicional do
discurso do sujeito, garantindo-lhe sigilo, como acordado no TECLE. Utilizou-se
para coleta dos dados o instrumento Roteiro de Anamnese para Vivência de
Violência Sexual (RAVVS).
Como técnica de entrevista, o profissional deveria ter as seguintes
posturas:
1. Entrevista “Socrática” - Partir do a priori de que jamais poderia saber,
conhecer ou vivenciar o que a(o) sobrevivente estava relatando, mesmo
que a experiência oferecesse alta previsibilidade estatística de saber a
resposta. Em nenhum momento o entrevistador deveria “completar frases”
ou entender o que o entrevistado estava falando de forma subentendida.
Algumas expressões de confirmação da dificuldade, do sofrimento, da raiva
e impotência da (do) sobrevivente diante da VS, podem ajudar o diálogo,
como: Não deve ser fácil falar do que aconteceu em detalhes. Faz a gente
se sentir impotente e deve dar muita raiva, e isso é muito ruim; ou É
necessário ser uma guerreira(o) e ter muita coragem para contar sobre
uma coisa tão terrível, que as vezes os outras pessoas não conseguem
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 57
entender.. No entanto, se o entrevistador não acredita ou vive de fato o que
expressa nas frases, o efeito pode ser desastroso para a entrevista.
2. Estimular a(o) sobrevivente a relatar o incidente na primeira pessoa, como
se estivesse vendo a cena acontecer, sabendo que ela(e) estava segura(o)
pela distância temporal. Essa técnica proporciona a apropriação da (do)
sobrevivente como sujeito na relação de VS. Após esse processo, ela (ele)
pode recontar historicamente a VS sofrida, refletir na perspectiva atual.
3. Colher a história do incidente da forma mais detalhada possível, na
perspectiva da(do) sobrevivente, principalmente sobre o que e como
aconteceu, quando, quanto e em que circunstâncias. Diante das
dificuldades da(do) sobrevivente, era apresentada uma lista das possíveis
situações, como no caso dos tipos de VS.
4. Ter como objetivo principal conhecer os possíveis significados dados
pela(pelo) sobrevivente a cada elemento envolvido na configuração de VS,
na época e no momento da entrevista.
5.8 – VARIÁVEIS
A disposição dos 13 tópicos do RAVVS orientou a entrevista, do incidente
físico para a percepção emocional. Os tópicos foram dispostos de tal maneira,
que facilitou a construção da cumplicidade profissional-cliente e o
aprofundamento nas questões de caráter emocional. Além das variáveis
demográficas, foram pesquisadas da seguinte forma as variáveis:
1. DURAÇÃO DA VIOLÊNCIA – Para o cálculo da duração da VS em dias,
considerou-se um mês como 30 dias e um ano como 365 dias. Quando um
sujeito sofria mais de um incidente de VS, foi realizada uma entrevista
distinta para cada acontecimento de VS. Incidente foi definido como uma
relação de violência sexual entre um perpetrador e uma (um) sobrevivente
num determinado tempo e contexto. Um mesmo sujeito pode vivenciar
vários incidentes.
58 Valdi Craveiro Bezerra
2. Nº DE EVENTOS – Um mesmo incidente pode ter de um a vários eventos.
Evento foi definido como cada encontro entre o perpetrador e o sujeito que
sofreu violência sexual. Para facilitar o cálculo, era indagado se os eventos
de VS aconteciam mais que uma vez por semana ou por mês e,
posteriormente, fez-se o cálculo.
3. TIPO DE VIOLÊNCIA SEXUAL – Foi pesquisada por meio de uma lista de
situações vivenciais, organizadas de acordo com o tipo de VS, segundo a
literatura: sem contato (VS-s/C), com contato (VS-c/C) e com penetração
(VS-c/P).
(66;85)
Penetração foi definida como introdução de dedos e língua
em ânus e vagina, e pênis em boca, ânus e vagina.
4. VÍNCULO PSICOSSOCIAL do perpetrador com a(o) sobrevivente – Foram
definidas cinco categorias de vínculo psicossocial, representando o tipo de
relação afetiva e social que a(o) sobrevivente tinha com o perpetrador da
VS. Os dois primeiros foram considerados vínculos fortes e os demais,
fracos:
a) Cuidador - formado por pais, padrastos, avós, tios e pessoas que
representavam um pai para a(o) sobrevivente;
b) Irmão - composto por irmãos e primos criados como irmãos com
a(o) sobrevivente;
c) Amigo
- relativo a pessoas íntimas da família ou da(do)
sobrevivente, com relação duradoura, como namorado ou ficante;
d) Conhecido
– pessoas apenas conhecidas, mas sem vínculo afetivo;
e) Desconhecido.
5. REAÇÃO DA(DO) SOBREVIVENTE – No início do estudo, baseado nos
dados da literatura, não havia esta variável. Pesquisava-se se a VS tinha
sido com ameaças, à força, com agressão física ou de armas, contudo, em
sua maioria, a(o)s sobreviventes não se encaixavam ou não entendiam a
pergunta. Foi criada então a variável reação da(do) sobrevivente, que fazia
mais sentido, separada da variável sofreu ameaças. Para pesquisar as
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 59
circunstâncias do incidente de VS, além da variável sofreu ameaças, foram
adotadas para a variável reação da(do) sobrevivente, as categorias:
a) Sobrevivente sem reação – situações em que a(o) sobrevivente não
reagiu, ficou sem ação, estática(estático);
b) Sobrevivente interrompeu a VS – quando a(o) sobrevivente reagiu e
conseguiu de alguma forma impedir a continuação da VS;
c) Violência sexual com uso da força ou armas – mesmo a(o)
sobrevivente reagindo fisicamente ou verbalmente, o perpetrador
leva a cabo a VS por uso de força ou ameaça.
6. Persistência do Sofrimento (SE) – Foi pesquisada em uma escala
dimensional de Likert(108), de cinco pontos, com um ponto médio (2): (0)
Sem sofrimento, (1) Sofri só na época, (2) Sofro apenas quando lembro, (3)
Sofro esse tempo todo, (4) Atrapalhou toda a minha vida. Para a análise
dos dados, as cinco dimensões foram transformadas em uma escala
dicotômica (Sim/Não). Os três primeiros foram considerados como sem
sofrimento no momento (Não) e os dois últimos como com sofrimento no
momento (Sim). A opção de considerar o item (2) Sofro quando lembro (o
ponto médio), como sem sofrimento, foi por rigor metodológico, já que, se a
pessoa sofre quando lembra, é porque o sofrimento persiste.
7. COMO SE SENTIU? – Essa variável foi pesquisada por uma questão
aberta e seu objetivo foi conhecer a percepção da(do) sobrevivente, de
como participou na relação de VS. Foram feitas duas perguntas: (a) Como
você se sentia como pessoa naquele momento? (b) Para você, de que
maneira foi tratada naquele momento? Posteriormente, foi destacado, de
cada resposta, uma palavra, ou uma frase, que melhor expressasse o
sentimento da(do) sobrevivente, e essas percepções foram organizadas
em três categorias:
a) Desqualificada
– quando se sentia como: coisa, objeto, lixo, um
nada, brinquedo, usada, como mulher dele, desvalorizada, uma
qualquer, puta, piranha, suja, não prestava;
60 Valdi Craveiro Bezerra
b) Impotente – quando sentia que ele podia usar, nojo, indefesa, frágil,
sem saída, desprotegida, abandonada, culpada, louca, traída;
contaminada, invadida;
c) Normal – quando o sujeito informava que foi bom ou que queria.
5.9 – ESTUDO ESTATÍSTICO
5.9.1 – ANÁLISE BIVARIADA
Inicialmente, as variáveis independentes foram analisadas em relação à
variável dependente, segundo suas características. Nas variáveis contínuas que
apresentavam grandes amplitudes, para evitar o efeito dos extremos, foram
usados os testes não-paramétricos por postos de Mann-Whitney e o Teste da
Mediana. Para as variáveis nominais, foi usado o teste do Qui-quadrado de
Pearson ou Fisher, quando necessário. Para avaliar o grau de associação ou de
relação entre os dois atributos ou variáveis, foi usado o coeficiente de correlação
V de Cramér, quando as variáveis eram categóricas.
(109;110)
Com o coeficiente de
correlação (r), foi calculado o Coeficiente de Determinação (r
2
), que é
“interpretado como a proporção da variabilidade de Y que poderia ser explicada
pela variabilidade de X, que pode ser dado em porcentagem [(r
2
) x 100 =
r
2
%]”.
(111)
Foi estabelecido o nível de significância (α) de 0,05 para todos os
cálculos. O Coeficiente de Determinação em porcentagem será representado
nesse estudo como r
2
(%). Depois, as variáveis foram ajustadas e transformadas
em variáveis dicotômicas para a análise multivariada e aplicado novamente o
teste do Qui-quadrado de Pearson, calculando-se a prevalência da PS nos
subgrupos (S/N) de cada variável, com o respectivo intervalo de confiança (IC) de
95%.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 61
5.9.2 – ANÁLISE MULTIVARIADA
Optou-se pela técnica de Regressão Logística para identificar as variáveis
com melhor poder explicativo para a variável de desfecho PS, por ser mais
apropriada para situações nas quais a variável dependente é dicotômica e os
resíduos não têm distribuição normal (112). Decidiu-se pelo método Backward
Stepwise (Likelihood Ratio), avaliando-se o peso de cada variável ao modelo pela
Razão de Verossimilhança e a estatística de Wald. As variáveis contínuas com
grandes amplitudes, nas quais foram usados os testes de Mann-Whitney e o
Teste da Mediana na análise bivariada, foram transformadas em variáveis
dicotômicas segundo sua mediana. Os critérios de escolha das variáveis
independentes, seguindo Hosmer (113), foram (a) variáveis que apresentaram
associação significativa até um p 0,20 na análise bivariada e (b) pela importância
teórica.
62 Valdi Craveiro Bezerra
Capítulo 6
6
RESULTADOS
“Se perguntar, o paciente responde.” (Currier, 2000)
(114)
6.1 ENTREVISTA
Foram entrevistados 93 sujeitos, com idade variando de sete a 48 anos e
média de 19±9 anos (Anexo R1). Sessenta e oito por cento tinha escolaridade no
primeiro grau e 26% no segundo grau. Seis por cento fazia ou tinha o curso
superior. O tempo decorrido entre a VS e a entrevista variou de um dia a 40 anos.
A maioria dos sujeitos (60%) foi encaminhada por outras instituições, 29% deles
foram descobertos durante as consultas em outros programas do Adolescentro e
11% procurou o programa de violência espontaneamente.
A distribuição por cidade de origem mostrou a predominância de Brasília.
(Anexo R2).
6.2 VARIÁVEL DEPENDENTE
A PS apresentou a seguinte distribuição: (1) Não sofri nada na época –
3%; (2) Sofri só na época do incidente – 10%; (3) Sofro apenas quando me
lembro – 17%; (4) Sofro esse tempo todo – 15%; (5) Atrapalhou toda a minha vida
– 55%. Transformada em escala dicotômica, ficou assim distribuída: Sim = 70%,
Não = 30%. Considerando que sofrer quando lembra significa ainda estar no
estágio de Resistência do sofrimento existencial(93), podemos sugerir que o
sofrimento persiste em 87% (n=118) das pessoas que viveram VS e apenas 13%
(n=18) de fato não sofre no momento.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 63
6.3 ANÁLISE BIVARIADA
As variáveis independentes contínuas foram analisadas pelos Testes de
Mann-Whitney e o Teste da Mediana (Tabela 01). Tomando a mediana como
ponto de corte, todas essas variáveis foram ajustadas e transformadas em
dicotômicas. Na análise bivariada final, não foi observada diferença da PS com as
características objetivas relativas às(aos) sobreviventes e ao perpetrador. A PS foi
estatisticamente correlacionada apenas com as variáveis relativas ao incidente:
duração maior que 180 dias (p=0, 014) e o número maior que 15 eventos por
incidente (p=0,007), VS com contato (p=0.021; V de Cramér = 0,20; r
2
% = 4%) ou
com penetração (p = 0.003; V de Cramér = 0,28; r
2
% = 7,8%), e relativas à
subjetivação da(do) sobrevivente, ser ameaçada (p = 0.004; V de Cramér = 0,24;
r
2
% = 5,7%) e sentir-se como “coisa” (p = 0.004; V de Cramér = 0,25; r
2
% =
6.2%). Não houve diferença entre o tipo de penetração com pênis, dedos ou
língua (p=0,227) (Tabela 02). A seguir, será apresentada a análise dos elementos
pesquisados da configuração de VS.
Tabela 01 – Relação entre persistência do sofrimento e as variáveis
independentes contínuas
Medidas de tendência central MW T. Mdn Variáveis Independentes
Média
DP
±
Mdn Mín. Máx.
p p
Idade Incidente (anos) 10 3,4
10
03 19 0,39 0,29
Idade Entrevista (anos) 19 9,2
16
07 48 0,10 0,14
Tempo Decorrido (anos) 8,8 9
5
0 40 0,21 0,23
Idade do Perpetrador
(anos)
32,8
13,1
31
10 65 0,43 0,23
Duração da VS (dias) 542 757,2
180
01 4380 0, 007* 0, 014*
Nº de Eventos da VS 164,4 294,2
15
01 2160 0, 005* 0, 007*
Diferença de Idade
Perpetrador-
Sobrevivente (anos)
23,2 22,5
22,5
02 56 0,70 0,85
MW - Teste por postos de Mann-Whitney; T. Mdn – Teste da mediana
Mdn – Mediana; Min – valor mínimo; Max – valor máximo
* Correlação estatisticamente significante ( p<α ).
64 Valdi Craveiro Bezerra
Tabela 02 – Correlação entre a PS e as características do incidente de VS
VARIÁVEL PERSISTÊNCIA DO SOFRIMENTO
Características do
Sobrevivente
Sim Não
Prevalência
PS %
IC 95% p
Gênero Homem 7 7 50 0,24 - 0,76 0,087
Mulher 88 34 72 0,64 - 0,80
Ser púbere Sim 60 20 75 0,66 - 0,84 0,118
Não 35 21 63 0,50 - 0,75
Menarca (sexo feminino) Sim 35 11 76 0,64 - 0,88 0,448
Não 53 23 70 0,59 - 0,80
Vivência de violência física Sim 72 27 73 0,64 - 0,82 0,232
Não 23 14 62 0,47 - 0,78
Idade no Incidente > 10 anos Sim 44 15 75 0,63 - 0,86 0,293
Não 51 26 66 0,56 - 0,77
Características do
perpetrador
Vínculo Fraco 52 16 76 0,66 - 0,87 0,093
Forte 43 25 63 0,52 - 0,75
Diferença de idade
perpetrador-sobrevivente > 5
anos
Sim 88 35
72 0,64 - 0,80
0,186
Não 7 6 54 0,27 - 0,81
Características do
incidente
Tipo
Com Contato Sim 86 31 74 0,66 - 0,82 0,021*
Não 9 10 47 0,25 - 0,70
Com Penetração Sim 73 21 78 0,69 - 0,86 0,003*
Não 22 20 52 0,37 - 0,67
Tipo de penetração em
vagina / ânus
Dedo/Língua 22 9
71 0,55 - 0,87
0,227
Pênis 15 5 75 0,56 - 0,94
Dedo/Língua/Pênis 31 4 89 0,78 - 0,99
Outro tipo 5 3 63 0,29 - 0,96
Duração acima de 180 dias Sim 52 13 80 0,70 - 0,90 0,014*
Não 43 28 61 0,49 - 0,72
Acima de 15 eventos Sim 54 13
81 0,71 - 0,90
0,007*
Não 41 28
59 0,48 - 0,71
Tempo transcorrido > 5 anos Sim 50 17 75 0,64 - 0,85 0,232
Não 45 24 65 0,54 - 0,76
Percepção / Reação do
sobrevivente
Na época sabia que era VS? Sim 36 9 80 0,68 - 0,92 0,070
Não 59 32 65 0,55 - 0,75
Seria julgada se contasse Sim 70 26 73 0,64 - 0,82 0,228
Não 25 15 63 0,47 - 0,78
Ser ameaçada Sim 53 12
82 0,72 - 0,91
0,004*
Não 42 29 59 0,48 - 0,71
Seria protegida se contasse Sim 21 39 35 0,23 - 0,47 0,273
Não 20 56 26 0,16 - 0,36
Sentiu-se como “coisa” Sim 91 33 73 0,66 - 0,81 0,004*
Não 4 8 33 0,07 - 0,60
Reagiu à VS Sim 24 14 63 0,48 - 0,78 0,289
Não 71 27 72 0,64 - 0,81
IC – Intervalo de Confiança; p-valor de Pearson.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 65
6.3.1 – SOBREVIVENTES
Noventa por cento dos sobreviventes era do gênero feminino, e do
masculino apenas 10%. A idade no momento do incidente variou de 03 a 19 anos,
com média de 10±3,4 anos. A maior incidência ocorreu nas faixas etárias de 05 a
09 anos (40%) e de 10 a 14 anos (44%), totalizando 84% de todos os incidentes
de VS da amostra. Apesar de o subgrupo masculino ser nove vezes menor que o
feminino (14/122), a distribuição da VS nas faixas etárias foi semelhante para os
gêneros (p=0,28). No entanto, houve uma inversão quanto ao estadiamento
sexual na época do incidente. Enquanto 71% (n=10) dos garotos ainda eram
impúberes, apenas 38% (n=46) das garotas o eram. Essa diferença foi
estatisticamente significante (p = 0,02) com uma fraca correlação positiva (V de
Cramér = 0,21) e com r
2
(%) com apenas 4,4% de explicação para essa relação
(Tabela 03).
Tabela 03 – Relação puberdade e gênero no
incidente de VS
Sexo do sobrevivente
Púbere Masculino Feminino Total
Sim 04 (29%) 76 (62%) 80
Não 10 (71%) 46 (38%) 56
Total 14 (100%) 122 (100%) 136
Qui-quadrado de Pearson = 5,90, p=0,02 (Teste exato de
Fisher), V de Cramér = 0,21; r
2
(%) = 4,4%.
A relação entre sofrer ameaças com o tipo de reação da(do) sobrevivente,
na relação de VS, não se mostrou significante estatisticamente (p=0,331) (Tabela
04).
Tabela 04 – Relação entre sofre ameaças e a forma de reagir à
VS
Tipo de Reação da vítima
Sofreu ameaças Sem reação Interrompeu VS forçada Total
Sim
50 5 10 65 (48%)
Não
48 11 12 71 (52%)
Total
98 (72%) 16 (12%) 22 (16%) 136 (100%)
p=0,331; 2 graus de liberdade.
66 Valdi Craveiro Bezerra
Em dez por cento (n=13) dos incidentes, a diferença de idade foi menor
ou igual a cinco anos. Apesar do critério diferença de idade 5 anos considerar
como relação de pares, apenas a sobrevivente nº 09 não significou como
violência sexual: “No começo me senti bem, mas depois me senti usada”. (Tabela
05)
Tabela 05 – Percepção da(o)s sobreviventes nos incidentes com diferença
de idade (perpetrador-vítima) menor ou igual a 05 anos
Idade
Sobrevivente Perpet
rador
Diferença Como se sentiu
01 07
10 03 Fui tratada como um objeto.
02 09
11 02 Eu me sentia um objeto. Eles faziam o que
queriam de mim.
03 10
15 05 Usada.
04 10
14 04 Mal. Que eu era nada; só servia para aquilo,
ele só me usava para aquilo. Ele sabia que eu
não gostava.
05 10
14 04 Sentia tristeza e raiva. Não sabia nem o que
era certo ou errado naquela época. Depois
soube que era abuso e toquei pra frente. Ele
era 04 anos mais velho e eu não podia bater
nele.
06 11
15 04 Eu me sentia invadida. Eu me sentia suja como
se ele tivesse me contaminado.
07 11
14 03 Envergonhada de saber que ele estava só me
usando. Eu era uma pirralha. Eu não sabia
direito o que ele estava fazendo. Eu me senti
usada.
08 11
16 05 Sei lá, me senti um ninguém. Eu me senti
usada.
09 12
16 04 No começo me senti bem, mas depois me
senti usada.
10 12
15 03 Um lixo, sem valor, desrespeitado, um nada.
11 14
13 Um lixo. Eu sentia nojo de mim. Eu cheguei a
pensar que havia uma maldição, já que não
tinha acontecido uma vez apenas, então a
culpa era minha. Tenho medo de ser chamado
de gay.
12 15
17 2 Como um objeto, sem defesa. É como se ele
pudesse cumprir com a ameaça de me matar.
13 15
20 05 Como uma coisa. Um objeto dele que podia
usar e ameaçar a qualquer hora.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 67
6.3.2 – PERPETRADORES
Os perpetradores da violência eram do gênero masculino em 96% e a
idade destes variou de 10 a 65 anos, com média de 33±13 anos. Na sua maioria,
(92%), os perpetradores eram próximos da(do)s sobreviventes e era do
conhecimento desta(e)s e de seus familiares que 40% deles já tinham cometido
VS em outras crianças e adolescentes. Quarenta e cinco por cento deles fazia
uso de álcool e outras drogas. Não houve diferença estatisticamente significante
entre o vínculo psicossocial da(do) sobrevivente com o perpetrador e a PS
(Tabela 06).
Tabela 06 – Persistência do sofrimento segundo o vínculo
psicossocial da(do) sobrevivente com o autor da
violência
Persistência do Sofrimento
Função de
vínculo
Não Sim Total
Cuidadores
41 (82%) 09 (18%) 50 (100%)
Irmãos
11 (61%) 07 (39%) 18 (100%)
Amigos
18 (62%) 11 (38%) 29 (100%)
Conhecidos
20 (70%) 09 (30%) 29 (100%)
Desconhecid
os
05 (50%) 05 (50%) 10 (100%)
Total
95 (70%) 41 (30%) 136 (100%)
Qui-quadrado de Pearson = 6,87, p = 0,14.
6.3.3 – INCIDENTES
A maioria dos incidentes (96%) foi cometida por apenas um autor. Em 04
incidentes (3%) houve a participação de dois, e uma ocorrência de VS foi
perpetrado por 05 autores. A duração de cada situação de VS variou de 01 dia até
4.380 dias ou 12 anos. O número de eventos em cada incidente, da mesma
forma, variou de 01 evento a 2.160 eventos, ou encontros de VS. Esses
ocorreram, em 67% das vezes, na residência da(do) sobrevivente ou de seus
familiares, e, em 15%, na residência do perpetrador. Apenas 15% foram
extradomiciliares.
68 Valdi Craveiro Bezerra
Foram estudados 136 incidentes de VS. Desses, 62 sujeitos (66,7%)
sofreram apenas um, e 31 (33,4%) sofreram múltiplos incidentes: 20 (21,5%)
sofreram dois incidentes, 10 (10,8%) três incidentes e um (1,1%) 4 incidentes.
Para verificar se o número de incidentes não interfere na persistência desse
sofrimento, ou se este sofrimento é percebido de forma independente em cada
incidente pelo mesmo sujeito, comparou-se a PS entre aqueles que sofreram
apenas um incidente com aqueles que sofreram múltiplos incidentes. Da mesma
forma, foram comparados os que sofreram dois incidentes com aqueles que
sofreram três ou mais. Tomando-se como unidade de análise os incidentes
relatados, utilizou-se o teste qui-quadrado para a análise bivariada entre a PS e
os fatores associados. Não houve diferença estatística significante entre a
persistência do sofrimento com o número de incidentes sofridos, quando se
comparou o grupo de sobreviventes com apenas um com o grupo com dois ou
mais incidentes (p=0,424) (Tabela 7), assim como com dois e com três ou mais
incidentes (p=0,135) (Tabela 8).
Tabela 07 – Persistência do sofrimento no primeiro e segundo
incidentes pelo número total de incidentes vivenciados
Primeiro Incidente n=93
Persistência do sofrimento
Nº de incidentes Sim Não Total Prevalência PS % IC 95%
p
1 45 17 62 72,6% 61,5 - 83,7 0,424
2 ou mais 20 11 31 64,5 47,7 - 81,4
Total 65 28 93
IC – Intervalo de Confiança; p – p-valor.
Tabela 08 – Persistência do sofrimento do segundo e terceiro ou mais
incidentes pelo número total de incidentes vivenciados
Segundo Incidente n=31
Persistência do sofrimento
Nº de incidentes Sim Não Total Prevalência PS % IC 95% p
2 16 7 23 80,0 62,5 - 97,5 0,319
3 ou mais 4 4 8 54,5 25,1 - 84,0
Total 20 11 31
IC – Intervalo de Confiança; p – p-valor.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 69
A relação do tempo decorrido entre o incidente e a entrevista, dividido em
quatro faixas de tempo (0-4 anos, 5-9 anos, 10-14 anos e 15 anos) não mostrou
correlação estatisticamente significante entre a persistência ou não do sofrimento
pelo teste de Pearson (p=0,394) (Tabela 09), assim como com o tempo decorrido
acima de cinco anos do incidente ou não (p=0,23) (Tabela 02). O diagrama de
caixa e bigodes (box plot) mostra distribuição semelhante apesar dos valores
atípicos. (Figura 02)
Tabela 09 Relação do tempo decorrido
entre o incidente e entrevista e a PS
Persistência do Sofrimento
Tempo decorrido
Não Sim Total
0 a 4 anos 22 36 58
5 a 9 anos 8 27 35
10 a 14 anos 5 14 19
15 a 19 anos 6 18 24
Total 41 95 136
X
2
= 2,986, p = 0,394.
Persistência do Sofrimento
Figura 02 – PS pele tempo decorrido
entre o incidente e a entrevista.
Sim Não
Tempo decorrido do incidente
40
30
20
10
0
19
122
95
73
10
6
91
44
113
107
70 Valdi Craveiro Bezerra
6.4 ANÁLISE MULTIVARIADA
Em sete passos, o modelo de Regressão Logística selecionou seis das 17
variáveis independentes testadas. Das seis do modelo final, apenas duas foram
significantes para α = 0,05: duração acima de 180 dias (p=0,003; OR 3,98) e VS
com penetração (p=0,002; OR 4,53) (Tabela 10). Esse resultado foi bastante
diferente do esperado, tomando por base as associações significativas
observadas na análise univariada, O tamanho da amostra e o número de
variáveis podem ter determinado a limitação dos resultados.
Tabela 10 – Modelo ajustado de Regressão Logística
B S.E. Wald dp p-value (OR) I.C 95.0%.
Ser púbere (S/N) 0.874 0.492 3.160 1 0.075 2.397 0.914 6.284
Duração > 180 dias 1.382 0.470 8.634 1 0.003* 3.984 1.584 10.015
VS com contato -1.069 0.610 3.075 1 0.080 0.343 0.104 1.134
VS com penetração 1.510 0.498 9.215 1 0.002* 4.529 1.708 12.010
Saber que era VS 1.009 0.542 3.468 1 0.063 2.744 0.948 7.940
Sentir-se um objeto 1.301 0.708 3.376 1 0.066 3.674 0.917 14.722
constante -2.512 0.898 7.815 1 0.005 0.081
* Estatisticamente significante; (OR) Razões de Chances, dp – graus de liberdade.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 71
Capítulo 7
7
DISCUSSÃO
“Na atividade científica, temos de inventar, temos de considerar o
fenômeno sob outro ponto de vista. Mas é preciso legitimar nossa
invenção: concebemos então nosso fenômeno, criticando o
fenômeno dos outros.” (Bachelard,1996)(104)
7.1 PERSISTÊNCIA DO SOFRIMENTO
A persistência do sofrimento (PS) independe do número de incidentes
sofridos pelo mesmo sujeito – isto é, a percepção do sofrimento pela(pelo)
sobrevivente é específica a cada incidente de VS –, apresenta prevalência de
70% e persiste independente do tempo. Se considerarmos como PS o fato da(o)
sobrevivente sofrer, quando lembra do ocorrido, sua prevalência chega a 85%,
diferentemente dos transtornos mentais que têm prevalência de 20% a 35% nos
incidentes de VS e cujos sintomas desaparecem 65% em um ano após o
incidente.
(9;115)
A independência da percepção do sofrimento em relação aos múltiplos
incidentes sofridos pelo mesmo sujeito permite que cada incidente de VS seja
analisado como um caso. Isso sugere que a subjetividade da(do) sobrevivente
que viveu múltiplos incidentes tem valor heurístico, não sendo, portanto, um viés,
um ruído de comunicação. Aqui, subjetividade é compreendida como uma
configuração sistêmica de sentidos e de significados, construída de forma crítica,
ativa, reflexiva e recursiva do sujeito com a subjetividade social, onde ele constrói
constantemente sua subjetividade individual e participa ativamente na construção
da subjetividade social.
(99)
Portanto, como sujeito da relação de VS, a(o)
sobrevivente é condição necessária na construção do diagnóstico de VS, aliás,
como na Medicina de modo geral. Desta forma, podemos supor que a exclusão
da(o) sobrevivente no diagnóstico de VS não se deva a critérios da área da
Saúde, pois isso seria um contra-senso.
72 Valdi Craveiro Bezerra
O reconhecimento da subjetividade da(o) sobrevivente reverte-se de
importância, pelas contribuições tanto na área das pesquisas como na área
clínica, desde o diagnóstico e o acompanhamento clínico da(o)s sobreviventes até
a prevenção. Dependendo da configuração de VS, às vezes é mais fácil falar
sobre um incidente de VS que sobre outros incidentes. Se o sofrimento persiste
mesmo com o tratamento, é fundamental pesquisar sobre outros incidentes,
independente de a(o) sobrevivente não apresentar sintomas ou transtornos
mentais. Considerar a subjetividade da(do) sobrevivente na avaliação das
conseqüências da VS pode esclarecer melhor a razão pela qual os efeitos da
violência interpessoal variam substancialmente de pessoa a pessoa, como
observou Briere e Jordan (2004),
(38)
e o motivo de as mulheres que não se acham
atraentes ou que têm vergonha de partes do corpo apresentarem uma forte
associação da VS com depressão,
(23)
em relação a outras que se culpam pelo
ocorrido e apresentam forte associação com transtorno de estresse pós-
traumático.
(116)
Esses resultados corroboram o aforismo estóico de que não são
os acontecimentos que causam sofrimento, mas o significado que damos a
eles.
(117)
7.2 VARIÁEIS E CRITÉRIOS
Na análise univariada, a PS foi estatisticamente correlacionada com as
variáveis relativas ao incidente e à percepção/reação da(do) sobrevivente, como a
duração, o número de eventos, o tipo de relação sexual, o fato de ser ameaçada e
se sentir como “coisa”. No entanto, não apresentou relação com variáveis
objetivas relativas aos sujeitos da relação, tais como, diferença de idade, idade
precoce e vínculo com o perpetrador, tradicionalmente associadas com a
gravidade da VS.
(5;8;9)
Um fato digno de nota é que o coeficiente de determinação
calculado a partir do V de Cramér dessas variáveis explicaria individualmente, de
4% a 7,8%, a variabilidade na persistência do sofrimento.
O modelo de Regressão Logística selecionou seis das 17 variáveis
independentes testadas e apenas duas, segundo os critérios estabelecidos a
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 73
priori, foram significativas na associação com a PS: duração acima de 180 dias
(OR 4,0; IC 1,59 – 10,02) e VS com penetração (OR 4,5; IC 1,71 – 20,01). Vale
ressaltar que as variáveis selecionadas pelo modelo inicialmente – ser púbere,
duração acima de 180 dias, VS com contato, saber que era VS, sentir-se um
“objeto” –, estão impregnadas de forte teor emocional e de significados. A razão
de chance (Odds Ration) como probabilidade, tal como o peso que a variável
contribui no conjunto de variáveis independentes para o desfecho final, nos instiga
a interpretá-las, também, como a medida da participação dessa variável no
significado dado pela(pelo) sobrevivente à VS sofrida. O significado é produto de
reflexão, de pensar o pensamento, o qual ocorre através da linguagem, e esta
articulação pensamento-linguagem ocorre na condição permanente do sujeito,
que é a emoção.
(100)
Portanto, além de inferir qualitativamente que o sofrimento
está mais relacionado às características subjetivas das variáveis para a(o)
sobrevivente, que as próprias variáveis em si, podemos tentar medir
quantitativamente o quanto cada variável pesa (OR), na construção subjetiva do
significado do incidente de VS para a PS. Podemos imaginar que, quando a
variável duração acima de 180 dias estiver presente, ela contribuirá quatro vezes
mais que as outras variáveis no significado dado à VS sofrida, assim como, se a
VS ocorrer com penetração, isso influirá cinco vezes e meia mais que outra
variável na configuração de significados da(do) sobrevivente.
Nos estudos sobre VS, a significância estatística das variáveis relativas
ao incidente, à(ao) sobrevivente, aos antecedentes familiares e ao contexto social
mudam de um estudo para outro.
(38;42;47;86;118;119)
Uma das razões dessa
variabilidade na importância das variáveis é que, na maioria das vezes, são
usados conceitos, amostras e metodologias distintas, nos diferentes estudos.
(14)
Esses resultados, muitas vezes contraditórios à luz do paradigma da objetividade,
devem-se, na maioria das vezes, à tentativa de se medir uma variável subjetiva
objetivamente, prescindindo de uma subjetividade para fornecer o dado. Não se
trata, contudo, de metrificar uma variável subjetiva, usando uma escala de
Likert,
(108)
por exemplo. Dessa forma, em face da dificuldade de medir a variável
subjetiva sem o consentimento, usando critérios objetivos, principalmente na
infância e na adolescência, criou-se outro critério: a diferença de idade de cinco
74 Valdi Craveiro Bezerra
anos. As definições passaram, então, a ser redundantes. Na mesma definição,
são usadas duas variáveis, o uso da força e a diferença de idade maior que cinco
anos, para medir o mesmo critério – sem o consentimento.
(2;3;6;7)
7.3 – USO DA FORÇA
A primeira variável, o uso da força, ocorreu apenas em 16% dos
incidentes. A reação mais freqüente da(do) sobrevivente foi ficar paralisada, sem
reação, em 72% das vezes. Essa diferença numérica do tipo de reação,
provavelmente, alterou a importância estatística do uso da força, como
apresentada em alguns estudos. Senn at al. (2007)
(5)
verificaram forte correlação
entre a VS na infância e na adolescência com comportamento sexual de risco na
fase adulta. Os incidentes sem penetração ou uso de força não apresentaram
diferença em relação ao grupo controle, formado por pessoas sem relato de VS.
Nesse estudo, Senn considerou coerção como uso de força. No nosso estudo,
coerção (ameaça) foi considerada distinta do uso da força, e não houve relação
significante entre essas duas variáveis. A ameaça não interfere na reação da(do)
sobrevivente, bem como, por si só, não provoca um comportamento padrão. Esse
achado corrobora com o princípio epistemológico utilizado, de que a maneira de
reagir da(o) sobrevivente é resultante das inter-relações da configuração de VS e
está condicionada aos sistemas de significados e à história de vida da(do)
sobrevivente, assim como ao contexto em que ela ocorre, não sendo, portanto,
devida apenas a um fator externo: a ameaça. Apesar do referencial teórico e
epistemológico diferentes, Briere e Jordan (2004:1255)
(38)
coadunam com essa
interpretação, quando observam que: “Além do aspecto da agressão em si, vários
estudos indicam que um grande número de variáveis específicas da vítima
também afeta os efeitos psicológicos.” A epistemologia da subjetividade torna
esses achados mais coerentes à luz do paradigma da complexidade, como o de
Nelson, E.C., e col. (2002),
(86)
que, estudando problemas adversos entre o irmão
gemelar que sofreu estupro antes dos 18 anos, com seu irmão gemelar que não
viveu o incidente, observaram, na produção de transtornos psiquiátricos, uma
contribuição maior do sujeito que do meio. Assim, em relação ao fenômeno em si,
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 75
esses achados reforçam a importância do significado dado ao fenômeno, que
resulta mais importante que o fenômeno em si.
7.4 – SUBJETIVIDADE E DADOS OBJETIVOS
Além da independência da percepção do sofrimento em relação ao
número de incidentes vividos, outro resultado corrobora a importância do
significado dado pela(pelo) sobrevivente ao incidente de VS sofrido.
Estatisticamente, não houve diferença significante, comparando a PS nos
incidentes com penetração na vagina, ânus ou boca, por pênis, dedo ou língua. É
evidente que, para a Justiça e para o perpetrador, a penetração em vagina com o
dedo é totalmente diferente de penetrar com o pênis. No entanto, para a(o)
sobrevivente, não há diferença, pois o que está em jogo não é o ato em si, mas o
significado, o que isto representa para ela(ele). A penetração parece simbolizar a
perda definitiva da dignidade. É como se, nesse momento, fosse roubada nossa
alma, no dizer de uma sobrevivente. Desta feita, tanto o uso da força como a
relação sexual sem o consentimento dependerão do significado dado pela(pelo)
sobrevivente.
Vogeltanz e col. (1999)
(6)
selecionaram 733 mulheres identificadas pelos
critérios de Wyatt (1985) e Russell (1983) (relação sexual não desejada +
diferença de idade, p.16) para Abuso Sexual na Infância, após confirmarem
experiências sexuais em uma lista (vide anexo M2b). Para evitar a
sugestibilidade, as mulheres não sabiam do que se tratava a pesquisa, nem, em
qualquer momento, lhes foi perguntado se tinham vivido violência sexual.
Posteriormente, perguntou-se a elas o quanto fora estressante ou difícil esta
experiência. Das mulheres que tiveram intercurso sexual vaginal/anal, 18,7%
acharam que tinham vivido abuso sexual e 77,6% que não. Das mulheres que
viveram exibicionismo do perpetrador, 70,6% acharam que foi abuso sexual e
apenas 23,4%, que não. Esses resultados deixam clara a importância da
subjetividade da(o) sobrevivente, a qual difere totalmente da subjetividade dos
pesquisadores. A opção foi relatar o dado, mas não comentá-lo. A dificuldade de
76 Valdi Craveiro Bezerra
interpretar os dados provém do fato de que, para o paradigma positivista, eles não
fazem sentido como fazem para o paradigma complexo, o qual amplia as
possibilidades de se pensar a respeito.
Da mesma forma ocorre com o caso da ausência do uso da força nos
incidentes de VS, nos estudos que usam esse critério. Ramos-Lira e col.
(1998:32) definiram abuso sexual infantil como: “Contato físico sexual, não
exclusivamente a penetração, contra a vontade da vítima mediante uma coerção
ou pressão, não se especificando uma diferença de idade entre o perpetrador e
vítima nem o sexo”(57). Ao perguntar se o ato tinha sido forçado, 94% dos
sujeitos responderam que não. Fleming (1997:67-8) usou três critérios em sua
definição de abuso sexual infantil: diferença de idade de cinco anos, contra a
vontade e sem o consentimento. Optou, também, por excluir 3% dos sujeitos do
estudo cuja diferença de idade fosse menor que cinco anos, classificados como
experiências sexuais não-desejadas com pares. Para o critério contra a vontade e
sem o consentimento, segundo a autora, a maioria das mulheres relatou que
foram “forçadas a consentir”, e 29% não sofreram nenhuma forma de coerção e
permaneceram no estudo. Se uma pessoa é forçada a algo é porque não o quer.
Se a pessoa consente, é porque quer, aceita. A contradição criada pela
expressão forçadas a consentir mostra, claramente, que este critério não mede o
comportamento da(o) sobrevivente diante da violência sexual como supõe a
definição. Foi necessário um ajustamento contraditório no critério para que ele
fosse usado, mas não discutido. A configuração de sentidos dos pesquisadores
permanece inalterada, apesar da contradição evidente. Independentemente dos
resultados, espera-se que as pessoas reajam de forma semelhante diante da
violência sexual. O grande risco desse aprisionamento subjetivo dos profissionais
é transformar a impotência da(o) sobrevivente em permissão, isto é, alcançar o
real objetivo do critério duvidar da inocência da vítima.
O grande dilema, portanto, está entre aceitar a reação da(do)
sobrevivente para definir se o perpetrador forçou a relação sexual, ou aceitar a
percepção da(do) sobrevivente para avaliar se ela ocorreu sem o seu
consentimento. A primeira situação é referencial usado há quatro mil anos. O
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 77
problema maior reside na segunda. Tjaden e Thoennes (2000:4-5)
(53)
definem
perseguição como uma violência:
“[...] como uma série de condutas dirigidas a uma pessoa
específica, que envolve repetidos olhares ou aproximação física,
comunicação verbal ou escrita não consensual, ou ameaças
implacáveis; ou a combinação destas ações, causando medo na
pessoa. Não é necessário haver ameaça ou violência física, mas o
fato de provocar alto nível de medo de um dano físico”.
Saltzman (2004:1238-9)
(47)
pondera que depender da percepção da
vítima, para identificar se o comportamento do perpetrador foi ou não
perseguição, dependerá da resposta emocional da vítima ao comportamento
perpetrado. Seu argumento é o de que as pessoas reagem de forma diferente ao
mesmo comportamento, e esta reação depende freqüentemente do tipo de
relação com o perpetrador e o contexto no qual ocorre o comportamento. Para
alguns, a forma de seguir, espiar ou falar alguns nomes pode ser ou não
percebido como emocionalmente abusivo e causar ou não sentimento de medo.
Assim, o autor conclui que, “partindo do pressuposto de que nossas definições
dependerão da percepção da pessoa cujo ato foi perpetrado e que nossas
medidas são baseadas nessas definições, haverá variabilidade nessas medidas”.
“Para comparar resultados, é necessário objetividade nas definições”.
(47)
O único
ponto em que não há controvérsias, na literatura, sobre o fenômeno violência
sexual é que não há objetividade nas definições nem nos critérios.
(4)
Apoiando esse modelo da objetividade do conceito de Saltzman, Kilpatrick
(2004:1214)
(42)
define melhor o dilema, quando se posiciona contrário ao conceito
da Organização Mundial de Saúde (OMS) de violência como sendo
“[...] o uso intencional da força ou do poder, ou ameaça real, contra
alguma pessoa, um grupo de pessoas ou uma comunidade, que
resulta ou tenha alta probabilidade de resultar em injúrias, morte,
dano psicológico, privação ou transtorno do desenvolvimento”.
(16)
(p. 5)
O autor argumenta que alguns perpetradores planejam causar danos às
vítimas, mas não conseguem atingir seus objetivos. Outros indivíduos, no entanto,
causam grandes danos às suas vítimas sem ter esta intenção (42). Os autores
ficam entre aceitarem heuristicamente o sofrimento da(do) sobrevivente ou a
78 Valdi Craveiro Bezerra
intenção do perpetrador, para definir se houve ou não violência. O dilema é se
aceitam a subjetividade de um ou do outro, mas, no fim, será sempre uma
subjetividade. Por essa razão, criou-se a fantasia da diferença de idade.
7.5 – DIFERENÇA DE IDADE
A idade estatutária no Brasil de 14 anos não provoca grandes problemas,
pois, nessa idade, a maturação sexual e as alterações psicossociais ocorridas no
período pubertário estão mais ou menos compatíveis. Maturação não é uma
questão de desenvolvimento físico, mas de tempo. No entanto, para a lei
brasileira, se uma mulher de 25 anos engravidar de um garoto de 12 anos, porque
achou que, por ser ele uma criança, isso não ia acontecer, ele não pode
processá-la como violência sexual, mas ela pode processá-lo para pensão
alimentícia.
Já a diferença de idade de cinco anos e todas as suas variações
apresentadas no Capítulo 1 têm como único objetivo definir se a relação
sexual foi forçada ou não, e seu foco está centrado na reação da(do)
sobrevivente.
(6;37-41;51)
Na amostra desse estudo, em 90% (n=123) dos
incidentes, a diferença de idade foi maior que cinco anos. Nos dez por cento
restantes (n=13), cuja diferença de idade foi menor ou igual a cinco anos, apenas
uma sobrevivente não significou o incidente como violência sexual: No começo
me senti bem, mas depois me senti usada. As(Os) doze restantes se sentiram
usada(o)s, impotentes, confusa(o)s e viram sua vontade violada e se sentiram
subjugados na relação. Não considerar esses incidentes como VS é negar a
percepção da(do) sobrevivente em detrimento da percepção do profissional. É o
mesmo que trocar os muros da cidade pela diferença de idade de cinco anos,
para decidir se a(o) sobrevivente deve ser apedrejada(o) com o perpetrador até a
morte ou não.
Até os dias de hoje, quatro mil anos após o código de Hamurabi, o critério
permanece inabalável: a(o) sobrevivente tem que provar que não é culpada(o). A
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 79
pergunta que se faz é: por quê? Tjaden, P. (2004)
(50)
é da opinião de que: “O
pesquisador social aborda o fenômeno de acordo com a idéia que ele faz desse
fenômeno”. Além disso, a realidade nunca é captada de forma pura como ela é.
Por mais objetiva que seja a observação, essa é feita por uma subjetividade, o
pesquisador. Em suma, a ciência não trabalha com dados, trabalha com objetos
elaborados e construídos pela interpretação do pesquisador sobre o
supostamente real que ele pesquisa. Sempre que o fenômeno social estudado
envolve crianças ou mulheres, emergem duas desigualdades, mesmo que de
forma disfarçadas: a de gênero e de gerações
(29)
. “A ciência não transmite a
realidade objetiva, mas aquela que interessa”
(120)
. Daí a importância da colocação
de Susan Brawnmiller (1975)
(1)
, que infelizmente passa despercebida ou
ideologicamente esquecida: “Como pesquisadores, nós temos sempre que estar
dispostos a mudar nossa opinião a respeito dos assuntos que estudamos”.
7.6 – SUBJETIVIDADE E GÊNERO
Em termos do sofrimento humano, todos os resultados discutidos
confirmam a colocação de Cassell (1999)
(43)
de que a subjetividade do clínico, e
incluímos a do pesquisador, não pode ser evitada, mas pode e deve ser treinada
e disciplinada, pois não há outra escolha a não ser trabalhar com a informação
subjetiva de seus pacientes, como sintomas, emoções, crenças, medos e
interesses, matéria-prima para as histórias clínicas dos pacientes e que
influenciam seus comportamentos, pois não há substituto para saber se um
paciente está sofrendo ou não. O interessante é que não há questionamentos
nem resistências a respeito da subjetividade como condição necessária para o
diagnóstico do sofrimento, como há para caracterizar se o ato sexual foi sem o
consentimento.
Seguindo a epistemologia de Bateson,
(121)
“buscando sempre entender
como se constroem as idéias que nós fazemos das coisas", voltamos ao início
dessa jornada que tinha como proposta avaliar a violência sexual na perspectiva
da(do) sobrevivente como sujeito dessa relação. O grande problema é que a
80 Valdi Craveiro Bezerra
relação sexual homem-mulher pode, em algum momento, ser forçada pelo
homem, independente da vontade da mulher. Esse tipo de relação foi considerado
por todo esse tempo, como quase um direito implícito ao gênero masculino. Mais
uma vez, Brownmiller (1975:5)
(1)
resume essa questão:
“A descoberta do homem de que sua genitália podia servir como
uma arma foi a maior das descobertas dos tempos pré-históricos.
Foi maior que o uso do fogo e do primeiro machado de pedra. Dos
tempos pré-históricos até o presente, eu acredito que o estupro
tem desempenhado uma função decisiva. Não é nem mais nem
menos o deliberado processo de intimidação pelo qual o homem
mantém toda mulher em estado de medo.”
A nossa subjetividade ainda está impregnada desse poder de direito. Daí
a grande dificuldade, para todos nós, envolvidos com a questão da VS, em decidir
quem priorizar: o perpetrador ou a(o) sobrevivente. Se a prioridade for o
perpetrador, a definição da Justiça não pode deixar dúvidas quanto ao crime. O
que é quase impossível sem a opinião da vítima. Segundo Faleiros (2006),
(45)
apesar de a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
adotarem que todas as formas de violência são violações dos direitos humanos,
no Código Penal Brasileiro, estes são classificados no Título VI, que trata dos
crimes contra os costumes. O estupro está definido no “Art. 213 - Constranger
mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. As outras
formas de VS são definidas como atentado violento ao pudor, isto é, ato de
provocar grande vergonha ao outro: “Art. 214 - Constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato
libidinoso diverso da conjunção carnal”(32).
Definitivamente, o fato não se resume em um jogo de palavras, mas em
uma séria questão de gênero e de gerações. As duas características básicas da
relação de violência são: (1) a relação assimétrica de poder e (2) a
desqualificação e reificação do outro. Considerar a VS como um crime contra os
costumes é atenuar uma violência contra os direitos humanos, e essa atitude
reforça, ao menos semanticamente, a desqualificação da mulher.
A Saúde, por sua vez, tem a(o) sobrevivente como objetivo principal. No
entanto, abandona seu paciente ao importar o conceito de VS da Justiça. A
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 81
Saúde, como um todo, deve focar sua definição na(no) sobrevivente, em sua
subjetividade, em suas dores, no seu sofrimento, de tal modo que possa intervir,
tratar, avaliar e principalmente prevenir a VS. No paradigma da ciência tradicional,
a VS é vista como uma maldade que um monstro faz contra uma vítima, em
algum lugar.
Nessa perspectiva, os componentes da VS são desmembrados e vistos
de forma isolada e independente uns dos outros. Em primeiro lugar, o perpetrador
é reduzido a um monstro, acabado e restrito a si mesmo, e sua conduta passa a
ser um ato propositadamente mau. Com isso, não se percebe sua atitude como
um desvio de conduta, um transtorno da configuração personológica de um
sujeito que desconhece limites e que, na relação de poder, trata o outro como
objeto. Não podemos esquecer que 92% dos monstros são próximos e
conhecidos da(o) sobrevivente e 58% são familiares (Anexo R6). Em segundo
lugar, a(o) sobrevivente é considerada(o) uma vítima e reduzida à sua impotência
ou culpa. Ao ser considerada como referência para a ação do perpetrador, é
negado a ela o direito de ser sujeito da relação. Sua percepção sobre a violência
passa a ser um viés, um erro. Em terceiro lugar, o contexto onde ocorreu o
incidente vira paisagem. Ninguém percebeu que há quatro anos um adulto
mantinha relações sexuais diárias com suas duas filhas, de nove e onze anos.
Com efeito, ninguém viu, porque não podia ver.
A maneira como pensamos a VS não nos permite acreditar na(no)
sobrevivente, aceitar que o perpetrador necessita aprender limites e que o
contexto participa ativamente, no incidente de VS, como parte da construção
sistemática tanto do perpetrador como da vítima. Pelo comportamento dos
adultos, as crianças aprendem logo cedo que não têm direitos e que devem
confiar e obedecer aos mais velhos. Além do mais, na visão tradicional, a
expectativa de solução da VS se reduz na prisão do perpetrador, o que
estatisticamente quase nunca ocorre e com isso o tratamento da(o) sobrevivente
é, em geral, negligenciado. Dos 136 incidentes de VS de nossa amostra, dois
perpetradores foram processados e apenas 4% da(o)s sobreviventes receberam
tratamento especializado no primeiro ano após o incidente.
82 Valdi Craveiro Bezerra
7.7 – UMA VISÃO COMPLEXA
Seguindo o processo epistemológico complexo e procurando entender o
significado dado pela(pelo)s sobreviventes à VS sofrida, construíram-se novas
idéias sobre a VS, como uma configuração complexa. Nessa perspectiva, a VS é
vista como o resultado de todas as inter-relações entre as partes, perpetrador,
sobrevivente e contexto, de tal maneira que o comportamento de cada parte é o
resultado dessas inter-relações, sem as quais, determinados comportamentos
não se apresentariam. Cada parte, portanto, tem duas identidades, a individual e
a dada pelo sistema como um todo. Desta forma, a atitude de cada pessoa, como
um todo biopsicossocial, será o resultado da construção das inter-reações dos
sistemas de sentidos e das configurações personológicas de cada sujeito
envolvido, e seus comportamentos só terão sentido se interpretados pelo sentido
e significado dado pelo fenômeno VS como um todo. O perpetrador, a(o)
sobrevivente e todas as pessoas que participam do contexto fazem parte dessa
construção que, por sua vez, encontra-se imersa na subjetividade social.
Sendo assim, a solução do problema não pode ser vista de forma isolada.
O perpetrador deve ser responsabilizado e obrigado a se tratar para aprender os
seus limites, assim como ser condenado a cuidar e proteger seus semelhantes.
Por outro lado, a(o) sobrevivente deve ser tratada(o) e orientada(o) a se cuidar e
a se apropriar de sua história, tornando-se capaz de realizar o resgate de sua
dignidade. O contexto, por sua vez, deverá ser intimado a assumir suas
responsabilidades, criando uma rede de proteção às crianças e aos adolescentes,
e a transformar sua subjetividade social de tal modo, que seja capaz de produzir
sujeitos, e não mais, objetos.
O resultado final desse processo epistemológico foi a construção do
conceito sistêmico de VS como uma relação desigual de poder, de força, de
compreensão do que esteja acontecendo entre um autor que desrespeita o desejo
e o direito do outro. Que o desqualifica como sujeito e usa-o para sua satisfação
sexual de forma física, psicológica ou social, em um contexto familiar e/ou social
que constrói esses personagens e propicia ou facilita a formação dessas relações.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 83
Capítulo 8
8
CONCLUSÕES
8.1 – A primeira conclusão que podemos tirar desse estudo é que, apesar das
tentativas criteriosas e metodológicas, as definições de VS utilizadas nos
estudos não apresentam uma aproximação com a VS sofrida e relatada
pelas (pelos) sobreviventes.
8.2 – A avaliação subjetiva do sofrimento causado por um incidente de VS não
sofre alterações do número de incidentes ou da ordem desses e a
prevalência da persistência do sofrimento é de 70%, e não tem relação
com o tempo entre o incidente e a entrevista. O sofrimento não diminui em
função do tempo e é um orientar para o tratamento clínico.
8.3 – As variáveis relativas à relação de VS e a percepção das(dos)
sobreviventes estão mais associadas ao sofrimento que as variáveis
relativas às características individuais da(do) sobrevivente e dos
perpetradores.
8.4 – As variáveis mais utilizadas como critérios para definir VS nos estudos,
como o uso da força, resistência da “vítima” e a diferença de idade entre o
perpetrador e a(o) sobrevivente, não contribuem para a persistência do
sofrimento causado pela VS.
8.5 – A subjetividade da(do) sobrevivente, além de seu valor heurístico para as
pesquisas, amplia sobremaneira a compreensão da VS como fenômeno
biopsicossocial.
8.6 - A abordagem complexa aproxima muito mais a VS estudada pelos
pesquisadores da VS sofrida pelas (pelos) sobreviventes.
84 Valdi Craveiro Bezerra
Capítulo 9
9 – REFLEXÕES E PERSPECTIVAS.
9.1 – LIMITAÇÕES DO ESTUDO
A primeira limitação foi o tamanho da amostra. Devido a envergadura do
projeto e o número de variáveis envolvidas, a amostra deveria ser grande o
suficiente para que a distribuição os valores das variáveis se aproximassem da
normal. Com isso, teria sido possível a utilização de estudos estatísticos
paramétricos e um detalhamento dos resultados, principalmente no que diz
respeito à análise multivariada.
Outra limitação foi não ter sido avaliado a existência de transtornos
mentais no momento da entrevista. Esse não era um objetivo do estudo e só foi
verificada sua importância para possível comparação, após os resultados
mostrando a prevalência do sofrimento e sua independência em relação aos
incidentes.
9.2 – PERSPECTIVAS E NOVAS PESQUISAS
A perspectiva mais importante criada por esse estudo, é a comprovação
do valor heurístico da subjetividade das(dos) sobreviventes, ampliando inúmeras
possibilidades de linhas de pesquisa sobre a VS, principalmente utilizando as
epistemologias complexas..
Outro ponto promissor é a utilização do sofrimento existencial como
parâmetro para o tratamento clínico e para as pesquisas dos transtornos
psiquiátricos como conseqüências da VS, no que diz respeito ao diagnóstico
clínico e sub-clínico desses transtornos.
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 85
10 – Referências
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11. ANEXOS
Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes 97
Termo de consentimento livre e esclarecido
Título da Pesquisa
- Desenvolvimento e validação de questionário
para avaliação biopsicossocial da violência
sexual em adolescentes
A violência sexual é a violência mais comum e a mais antiga na espécie
humana. Ela pode às vezes não machucar nosso corpo, mas com certeza machuca e
fere profundamente nossa alma, marcando nossa maneira de viver. Por esse motivo fica
difícil falar a respeito dela para outras pessoas, até mesmo para os profissionais.
Estamos realizando uma pesquisa que tem como objetivo a construção de um
questionário capaz de detectar a violência sexual em seus aspectos bio, psico e social.
Para isso é necessário obter um “retrato falado” da violência sexual em nosso meio.
Precisamos somar ao que já se conhece sobre os tipos de violências que mais ocorrem,
como acontecem, onde, com quem, quando, quais as relações das pessoas e qualquer
outra informação que possa ajudar a identificar, sem sombra de dúvidas, este “mal
perverso”, de tal modo que ele não possa mais se esconder nas sombras das ruas nem
dentro de nossas casas. Saberemos reconhecê-lo muito bem e poderemos unir forças e
esforços para fazer algo a respeito.
Estamos convidando-o para participar da construção deste questionário durante
seu atendimento no ADOLESCENTRO, pois acreditamos que você poderá nos ensinar a
perguntar e a fazê-lo da forma mais carinhosa e respeitosa possível. Precisaremos
também da sua ajuda para verificar se as pessoas entenderão o que estamos
perguntando quando forem responder o questionário elaborado nesta pesquisa.
Para que tudo isso se torne possível, solicitamos o seu consentimento por
escrito para gravarmos e usarmos as informações que você nos fornecer nas entrevistas,
durante as consultas e nos questionários elaborados com a sua ajuda.
É importante esclarecer que você tem toda a liberdade de participar ou não
desta pesquisa e tem o direito de desistir em qualquer momento da mesma, sem
prejuízo ou interrupção do atendimento que lhe é oferecido no ADOLESCENTRO.
Garantimos o sigilo de suas informações e sua privacidade. Em nenhum
momento será possível associar as informações que você forneceu com a sua pessoa,
porque elas serão agrupadas segundo a natureza e o tipo de informação. Ninguém que
não faça parte da pesquisa, sobre nenhum pretexto, terá acesso às mesmas, nem
mesmo após o encerramento e publicação do questionário.
Se a participação desta pesquisa provocar o surgimento de lembranças e/ou
vivências que tragam desconforto e sofrimento emocional, você continuará a ser atendido
no programa psicossocial do Adolescentro, mesmo que tenha desistido de continuar
como membro da pesquisa.
Se em algum momento da pesquisa você se sentir constrangida(o) por alguma
atitude dos responsáveis desta pesquisa, você tem o direito e o dever de reclamar ao
Conselho de Ética em Pesquisa da Secretaria do Estado de Saúde do DF utilizando os
telefones 325-4955 ou se preferir, no endereço: SMHN Quadra 501 BLOCO a – Asa
Norte. CEP- 70.710-904, Brasília - DF
Esta pesquisa não tem conflito de interesse e não recebe subsídio de nenhum
órgão público ou privado.
Pesquisador responsável – Valdi Craveiro Bezerra (61) 242-1447
Este TCLE será obtido individualmente e somente aos menores de 18 anos, por
relativa incapacidade, será solicitado o consentimento do responsável.
Termo de consentimento livre e esclarecido
ANEXO M1
98 Valdi Craveiro Bezerra
Após me inteirar e entender o exposto acima, eu ______________________
___________________dou meu consentimento para que sejam gravadas e usadas as
informações que eu fornecer nas entrevistas, durante as consultas e nos questionários
elaborados com a minha ajuda, exclusivamente nos termos desta pesquisa:
Desenvolvimento e validação de questionário para avaliação biopsicossocial da violência
sexual em adolescentes.
Data Nascimento ____/____/______
_____________________________ _____________ _____/_____/_____
Assinatura RG Data
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
Adulto Responsável
Eu, ________________________________________________________ responsável
legal (______________) da(o) menor ________________________________________,
reitero seu consentimento.
Data Nascimento ____/____;/_____
__________________________________ _____________ _____/____/____
Assinatura RG Data
Cadastro de Vivência de Violência Sexual 99
Julho2007
Cadastro de Vivência de Violência Sexual
1. ID _____
Acolhido por ___________________________________________ Data Acolhimento __/__/__
Encaminhado por ______________________________________________________________
2. IDENTIFICAÇÃO
Nome Cliente __________________________________________________________________
D.N Clie ___/___/___ Idade ____a____ m Endereço _________________________________
_________________________________ Cidade _______________ Fones _________________
Anos de estudo ____ Grau ________ Quem pede ajuda _______________________________
Resp.1 ____________________________________________ D.N __/__/__ Vínculo _________
Resp.2 ____________________________________________ D.N __/__/__ Vínculo _________
OBS __________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
Vinculados _____________________________________________________________________
CONTROLE DE CONSULTAS E GRUPOS
Eqp = 1-Ana Carolina, 2-Ana Mirian, 3-Domingues, 4-Ivan, 5-Regina, 6-Valdi, 7-Vanessa. OBS= Avaliação do processo
___/___/___ C G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
FAMILIARES QUE JÁ VIVERAM VS
Mãe Avó Nº Irmãs __ Nº Tias __ Nº Filhas __ Nº Primas __ Nº Sobrinhas __ Nº Filhos __ Irmãos __
1.Sujeito Nº____
TECLE S / N
ANEXO M2a
100
Laboratório de Pesquisa Sopa de Pedra
___/___/___ C G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
___/___/___ C
G Comp:______________________________ Eqp __________________
OBS:__________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
Roteiro de Anamnese para Vivências de Violência Sexual 101
Edição-jul2007
INCIDENE DE VIOLÊNCIA SEXUAL
Data da Entrevista ___/___/___ Incidente Nº ___ Quem pede ajuda _________________________
Idade Entrev. ___a Idade Inc. ___ a ___ m Tempo decorrido ____a. Entrevistador ____________
Sexo do Adol. (M) (F) Estadiamento Sexual M __ P ___ G __ Nº Autores _____
Menarca (N) (S) (NSA) Idade.Menarca ____anos
Semenarca (N) (S) (NSA) Idade Semenarca____anos
4. SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL
SEM CONTATO FÍSICO ENTRE PERPETRADOR E VÍTIMA
1. Tentativas de erotizar a vítima com gestos ou palavras.
2. Autor expondo seus genitais
3. Obrigar a vítima expor seus genitais ao abusador
4. Obrigar a vítima a comportamentos eróticos. (Tirar a roupa p.ex.)
5. Perpetrador se masturbar para a vítima
6. Mostrar material pornográfico impresso para a vítima.
7. Mostrar filmes pornográficos para a vítima
8. Vítima ser filmada para filmes pornográficos
9. Procurar olhar partes intima (nudez) da vítima em seu quarto, banho, etc.
10. Assediar a vítima com palavras ou olhares libidinosos, de forma insistente.
11. Assediar a vítima com bilhetes, cartas, e-mails, telefonemas indecorosos.
12. Obrigar a vítima a assistir relações sexuais ou atos libidinosos
13. Outros _________________________________________________________
COM CONTATO FÍSICO ENTRE PERPETRADOR E VÍTIMA
14. Tocar o corpo da vítima sobre a roupa (pênis, vagina, seios, nádegas, coxas..).
15. Esfregar os genitais no corpo da vítima, sobre a roupa ou não.
16. Tentar tirar a roupa da vítima à força
17. Acariciar eroticamente o corpo da vítima com mãos, boca, ou outra parte do corpo.
18. A vítima ser obrigada a pegar no pênis e/ou masturbar o autor.
19. Desqualificar a vítima com palavras durante o contato físico.
VS COM PENETRAÇÃO (DEDOS, PENIS, LINGUA)
20. Introduzir língua no anus ou vagina da vítima.
21. Uso de dedos do abusador no anus da vítima.
22. Uso de dedos do abusador na vagina da vítima.
23. Introduzir objetos no anus da vítima.
24. Introduzir objetos na vagina da vítima.
25. Tentativa de introduzir pênis na boca da vítima
26. Introduzir pênis na boca da vítima.
27. Tentativa de introduzir pênis no anus da vítima
28. Introduzir pênis no anus da vítima.
29. Tentativa de introduzir pênis na vagina da vítima
30. Introduzir pênis na vagina da vítima.
31 .Outro Tipo ____________________________________________________________
DURAÇÃO DA VIOLÊNCIA
Dias ____ Meses _______
Anos____ Nº / mês ______
Total _______
Tipo VS 0 1 2
Sujeito Nº____
NOTIFICADO
ANEXO M2b
102
Laboratório de Pesquisa Sopa de Pedra
5. LOCAL E AUTOR
Local do Incidente _________________
[Res. da vítima, do Autor,. Outros, Escola, Rua, Trabalho, Crecheira, ]
Autor (nome) _____________________________________________________ Sexo Autor M / F
Conhecido S/N Vínculo ___________ Vínculo psicossocial de 1
cuidador, 2 Irmãos, 3
amigos, 4 conhecidos, 5 desconhecidos. Idade do Autor ____ a Autor mora na casa da Vítima?
S/N. Conhecimento de uso de álcool pelo autor? S/N Uso de outras drogas pelo autor?S/N
Você acha que o autor tinha usado álcool ou outras drogas (no incidente)? S/N/NS
Você usava alguma droga na época? S/N Qual __________ Tinha usado antes? S/N
6. CIRCUNSTÂNCIAS DO INCIDENTE
Vítima sem reação 0
Sedução perversa 1 Vítima Interrompeu 2 VS c/ Uso da Força 3
Uso de Armas S/N _________ Ameaças à Vítima S / N Tipo das ameaças _______________
________________________________________________________________________________
Ameaças alguém da família S / N A quem?
______________________________ Agressão Física S / N
________________________________________________________________________________
7. MORADIA [Morava na época do incidente com]
Pai Esposo da mãe Mãe Esposa do pai Nº de Irmãs ____ Nº de Irmãos _______
Nº de Avós ____ Nº de Tios ____ Nº de Tias ______ De quem era a residência? ______________
8. CONHECIMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL S / N
Algum adulto sabia que você estava vivendo uma situação de violência sexual? S / N
Vínculo _________ Sexo M F Idade _____ Algum adulto desconfiava que você estivesse
vivendo uma situação de violência sexual? S / N Vínculo ___________ Sexo M / F Idade ______
OBS ____________________________________________________________________________
9. VIVÊNCIA DE VIOLÊNCIA FÍSICA S /N
Vivência de ameaças de violência física em casa S / N Autor _____________________________
Você viveu violência física em casa? S / N Autor 1________________ Autor 2 ________________
Você já presenciou violência física em casa S / N Contra quem? ____________ Outros_________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
10. REVELAÇÃO / DESVELAMENTO S / N
Quem revelou ________ A quem?
_______ A pessoa acreditou? S / N Quanto tempo após?
Dias___ dias Meses___ 10.7 Anos___ Por que revelou? ________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Por que não revelou? _____________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Roteiro de Anamnese para Vivências de Violência Sexual 103
Edição-jul2007
Revelou para a família S / N Foi feito o que? ___________________________________________
________________________________________________________________________________
Esquema de proteção devido a revelação_______________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Na época tinha alguém que não julgaria você se contasse? S/N Vínculo _______ Idade ___ Sx M/F
Na época havia alguém que podia proteger você S/N Vínculo __________ Idade _____ Sexo M/F
Na época você achou que vivia uma violência sexual? S / N / Não sabia o que era
Hoje você acha que viveu uma violência sexual na época? S / N / Não sabia o que era
11. NOTIFICAÇÃO S / N
Quem fez? _________________ Outros _________________ Data da Notificação ___/___/____
Boletim de Ocorrência (BO) S / N Nº: ______________ Delegacia ________________________
Notificação no Conselho Tutelar: S / N Cidade/Região ________________ Data CT ___/____/____
Nº.Proc. CT ____________ Notificação na VIJ S / N Data ___/___/___ Poc.Nº.______________
Exame de corpo delito S / N Data ECD ____/____/____ Nº.Proc. IML ______________________
Por que denunciou ou não?________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Contracepção de Emergência S / N Data CE ___/___/___ Local CE ________________________
Prevenção HIV (Retro-Viral) S / N Data (RV) ___/___/___ Local (RV) ______________________
Profilaxia DST S / N Data Prev.DST ___/___/___ Local Prev.DST _________________________
Medicamentos ____________________________________________________________________
Exames realizados: FTABs
Beta HCG Colpocitologia Outros _____________________
12. CONSEQUÊNCIAS S / N
Gravidez devido a VS S / N Aborto devido a VS S / N Conhecimento de pessoas que sofreram
VS pelo mesmo autor? S / N Fem ___ Mas___ Conhece pessoas que já sofreram VS? S/N
Fem ___ Mas___
Como você se sentiu como pessoa nesse incidente? ________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Quais as conseqüências negativas deste incidente em sua vida? ____________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Para você essa violência acabou? S / N Porque? _______________________________________
_________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
104
Laboratório de Pesquisa Sopa de Pedra
O quanto você sofre por causa deste incidente? (de 1 a 5 )
01-Sem sofrimento
02-Sofri só na época 03-Sofro apenas quando lembro
04-Sofro este tempo todo
05-Atrapalhou toda minha vida
HISTÓRICO (do incidente) _____________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
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________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
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________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
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________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Anexos Resultados 105
Anexos dos Resultados (R)
Anexo R1
Faixa Etária
45 a 49
anos
40 a 44
anos
35 a 39
anos
30 a 34
anos
25 a 29
anos
20 a 24
anos
15 a 19
anos
10 a 14
anos
5 a 9 anos
Porcentagem
40
30
20
10
0
2,2
4,4
2,2
4,44,4
8,1
39,7
31,6
2,9
Figura R1 – Idade das(dos) sobreviventes por faixa etária no momento da
entrevista, em porcentagem.
4
3
32
40
8
4
106 Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes
Anexo R2
40 a 44
anos
35 a 39
anos
30 a 34
anos
25 a 29
anos
20 a 24
anos
15 a 19
anos
10 a 14
anos
5 a 9 anos0 a 4 anos
Porcentagem
50
40
30
20
10
0
0,7
2,2
2,9
1,5
5,9
4,4
14
25,7
42,6
Faixas Temporais Tempo Decorrido
Figura R2 – Tempo decorrido entre o incidente e a entrevista, em
porcentagem.
Anexos Resultados 107
Anexo R3
Figura R3 – Distribuição dos sujeitos por cidades do DF e Entorno.
*Candan_NB = Candangolândia + Núcleo Bandeirante.
Á
g
uasClaras
108 Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes
Anexo R4
15 a 19 anos10 a 14 anos5 a 9 anos0 a 4 anos
Porcentagem
50
40
30
20
10
0
9,6
44,1
39,7
6,6
Faixas Etárias
Figura R4 – Idade das(dos) sobreviventes por faixa etária no
momento do incidente, em porcentagem.
Anexos Resultados 109
Anexo R5
65 a 69
anos
60 a 64
anos
55 a 59
anos
50 a 54
anos
45 a 49
anos
40 a 44
anos
35 a 39
anos
30 a 34
anos
25 a 29
anos
20 a 24
anos
15 a 19
anos
10 a 14
anos
Porcentagem
20
15
10
5
0
1,47
2,94
3,68
6,62
2,21
15,44
12,5
16,18
13,24
5,15
12,5
8,09
Faixa Etária dos Autores de Violência
Figura R5 – Idade dos autores da VS por faixa etária, em porcentagem.
110 Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes
Anexo R6
Figura R6 – Distribuição dos autores por vínculo com a vítima, em
porcentagem.
Tabela R6 – Persistência do sofrimento segundo o vínculo
biopsicossocial do autor da violência.
Persistência do Sofrimento
Função de
Vínculo
Não Sim Total
Cuidadores 41 (82%) 09 (18%) 50 (100%)
Irmãos
11 (61%) 07 (39%) 18 (100%)
Amigos 18 (62%) 11 (38%) 29 (100%)
Conhecidos 20 (70%) 09 (30%) 29 (100%)
Desconhecidos
05 (50%) 05 (50%) 10 (100%)
Total 95 (70%) 41 (30%) 136 (100%)
Qui-quadrado de Pearson = 6,87, p = 0,14, (α = 0,05).
Mãe
/
madrasta
Vizinho(a)
Padrasto
Anexos Resultados 111
Anexo R7
Atrapalhou toda
minha vida
Sofro esse tempo
todo
Sofro quando
lembro
Sofri só na épocaNão sofri nada
Percentual
60
50
40
30
20
10
0
54,4
15,4
16,9
10,3
2,9
Figura R7 Distribuição da persistência do sofrimento existencial, em três
situações: Não sofro, Sofro só quando me lembro do fato, Sofro atualmente.
Persistência do Sofrimento Existencial - 5
112 Violência sexual segundo a subjetividade das (dos) sobreviventes
Anexo R8
Tabela R8 – Relação da Persistência do sofrimento existencial
com a reação diante da VS.
Persistência do Sofrimento
Tipo de Reação da
Vítima
Sim Não Total
Vítima sem reação 71 (75%) 27 (66%) 98 (72%)
Vítima interrompeu 09 (9%) 07 (17%) 16 (12%)
VS forçada 15 (16%) 07 (17%) 22 (16%)
Total 95 (100%) 41 (100%) 136 (100%)
Qui-quadrado de Pearson = 1,75, p=0,42.
Anexos Resultados 113
Anexo R9
Figura R9 – Persistência do sofrimento existencial, em
percentagem, por faixa de tempo decorrido entre o incidente e a
entrevista em anos (p=0,39).
38
27
16
13
8
0
5
10
15
20
25
30
35
40
0_4 5_9 10_14 15_24 25_40
Faixa temporal em anos
Percentual
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