14
Tudo isso ocorria em um contexto, cuja comunidade, alheia a toda discriminação,
olhava para o fato como algo positivo, como uma atitude altruísta da instituição filantrópica.
Toda ação era legitimada e inquestionável. A comunidade não percebia que somos elos
marcados e marcantes na vida de todas as pessoas com quem convivemos. Assim, ali, diante
de acontecimentos que não entendíamos direito, mas intuíamos alguma distorção, surgiu a
necessidade de continuar meus estudos pedagógicos para entender, por exemplo, por que uma
criança com paralisia cerebral, capaz de se comunicar, embora não verbalmente, não podia ser
alfabetizada.
Comecei, dessa maneira, minha formação na Educação. Cursei, inicialmente, o
Magistério, depois Pedagogia, Habilitação em Deficiência Mental, depois Mestrado e agora
Doutorado. Toda essa formação associada ao meu trabalho na Educação não diminuíram,
contudo, minhas inquietações. Ao contrário, elas aumentaram. A dúvida quanto àquela
questão inicial foi sanada: pessoas com deficiência física podem ser alfabetizadas. Mas, na
posição de professora, outros questionamentos foram se apresentando durante o percurso. Ao
trabalhar em classes especiais para alunos com deficiência mental na rede estadual de ensino,
descobríamos a discriminação que eles sofriam, sendo impedidos de aprender devido ao
próprio sistema educacional. O que fazer? Como nos posicionar diante da necessidade de
fazer o aluno que é estigmatizado pela comunidade escolar, ser aceito por professores em
classes do ensino comum?
1
No ano de 1996, na função de Assistente Técnico Pedagógico do ciclo I, na Delegacia
de Ensino de Pereira Barreto
2
, outros aspectos negativos pudemos observar. Professores de
três escolas encaminharam 246 alunos para avaliação psicológica
3
. Tais alunos, contudo,
apresentavam o mesmo perfil daqueles citados por Marcondes (1997, p.77) em seu estudo
sobre fracasso escolar em uma Delegacia de Ensino do interior de São Paulo: “[...] estamos
falando de crianças que nos são encaminhadas por fracassarem na tarefa de serem
alfabetizadas, de aprenderem a ler e a escrever segundo as exigências do ciclo básico”. Como
transformar esse sistema educacional? Esta era outra inquietação que se juntavam às
anteriores. Como se vê, vários desafios se apresentavam.
1
Marcondes (1997) relata em um trabalho que realizou em 1994 em uma Delegacia de Ensino de São Paulo, a
mesma dificuldade de professoras de classe especial em fazer o aluno que não é deficiente ser aceito por
professores em classes do ensino comum.
2
Em 1999 houve a reorganização das Delegacias de Ensino (DE), sendo a DE de Pereira Barreto agrupada à DE
de Andradina, tornando-se Diretoria de Ensino da Região de Andradina.
3
Trabalho realizado na Delegacia de Ensino de Pereira Barreto no ano de 1996 (não publicado).