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Solania Beatriz Timm
ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO DR. CARLOS MESKÓ:
POSSIBILIDADES INTERATIVAS DE ENRAIZAMENTO SOCIAL EM
UMA ESCOLA RURAL DO IGUATEMI – CANGUÇU – RS
Pelotas, junho de 2007.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO DR. CARLOS MESKÓ:
POSSIBILIDADES INTERATIVAS DE ENRAIZAMENTO SOCIAL EM UMA
ESCOLA RURAL DO IGUATEMI – CANGUÇU - RS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, Curso de
Mestrado, da Faculdade de Educação da
UFPEL, como requisito à obtenção do título
de Mestre em Educação.
Mestranda: Solania Beatriz Timm
Orientador: Prof. Dr. José Fernando Kieling
Pelotas, junho de 2007.
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Revisão de texto: Daiane de Jesus Garcia
Elaboração do abstract: Josiane Spitzer Thurow
Dados de catalogação na fonte:
Aydê Andrade de Oliveira CRB - 10/864
T584e Timm, Solania Beatriz
Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Meskó :
possibilidades interativas de enraizamento social em
uma escola rural do Iguatemi – Canguçu - RS / Solania
Beatriz Timm. - Pelotas, 2007.
90f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação. Universidade Federal de Pelotas.
1. Escola rural pública. 2. Educação popular. 3.
Investigação colaborativa. I. Kieling, José Fernando
orient.
II. Título.
CDD 373.22463
2
Banca examinadora
_____________________________________
Dr. José Fernando Kieling. (FAE/UFPEL)
_____________________________________
Dr. Danilo Romeu Streck. (UNISINOS)
_____________________________________
Dra. Giancarla Salamoni (ICH/UFPEL)
_____________________________________
Dr. Gomercindo Ghiggi. (FAE/UFPEL)
3
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr. José Fernando Kieling, pelo incentivo constante, a
compreensão e a paciência nos momentos difíceis, o sorriso amigo. Pelo
inestimável e precioso auxílio, dispondo do seu tempo em favor do meu.
À professora Dra. Giancarla Salamoni, pela disponibilidade, dedicação
que muito contribuiu para a realização deste trabalho.
Aos meus pais Ervino Timm e Aldair Timm, pelas palavras de
compreensão e de incentivo, que me ajudaram a percorrer o caminho até o final.
Na confiança depositada em mim, acreditando sempre na minha capacidade.
À minha colega Carla Simone Batista Rodrigues, companheira constante
nesta caminhada, que sempre suavizou minha angústia com palavras amigas e
encorajadoras.
À Direção e professores da Escola Dr. Carlos Meskó, por acreditarem e
apoiarem minha proposta de trabalho.
4
RESUMO
O trabalho aborda a relação da escola rural com a comunidade camponesa, no
sentido de discutir com professores e alunos a aproximação dos programas de
ensino aos temas e problemas do entorno do educandário. Desenvolve
abordagem sobre a localidade, a escola e o cooperativismo camponês praticado
por famílias da comunidade, problematizando-os na perspectiva de serem
trabalhados como integrantes legítimos do currículo escolar. Relata e comenta o
ensaio de investigação com estudantes e professores e a profusão de
informações que podem ser qualificadas em pesquisas subseqüentes e servirem
como matéria prima das reflexões sobre a totalidade da realidade a partir do local.
Palavras-chave: Escola Rural Pública, Educação Popular, Investigação
colaborativa.
5
ABSTRACT
The work approaches the relation of the agricultural school with the farmer
community in the direction to argue with teachers and pupils the relation of the
programs of education to the subjects and problems of the educational
establishment. It described on the locality, the school and the cooperation peasant
practiced for families of the community, stimulating them in the perspective to be
worked as integrant legitimate of the pertaining to school resume.It tells and it
comments the assay of inquiry with students and teachers and the profusion of
information that can be qualified in subsequent research and serve as substance
cousin of the reflections on the totality of the reality from the place.
Key words: Agricultural School Public, Popular Education, Collaborator Inquiry.
6
Sumário
APRESENTAÇÃO......................................................................................................... 07
1 - HISTÓRIA DE VIDA: RETROSPECTIVA ............................................................ 10
2 - METODOLOGIA DA PESQUISA........................................................................... 15
2.1 – OBJETO E OBJETIVOS................................................................................. 16
2.2 - DECISÕES QUE CONSTITUÍRAM A PESQUISA (RELATO DE
TRAJETÓRIA).......................................................................................................... 19
3 - SITUANDO O LEITOR NO CONTEXTO DA PESQUISA ................................... 21
3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESPAÇO RURAL RIO GRANDENSE .................. 21
3.2. CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CANGUÇU E DA LOCALIDADE
DO IGUATEMI......................................................................................................... 22
3.3– COOPERATIVA E ESCOLA RURAL............................................................. 23
3.4 - FORMAÇÃO DA COOPAL: UM EXEMPLO DE ESTRATÉGIA DE
INCLUSÃO DOS PRODUTORES FAMILIARES DE CANGUÇU....................... 25
3.5 – IDENTIFICANDO O CONTEXTO DA ESCOLA.......................................... 30
4 - AGRICULTURA FAMILIAR: CONTEXTUALIZANDO O PEQUENO
PRODUTOR NA LOCALIDADE DO IGUATEMI.................................................... 33
5 – ENSAIANDO UMA INVESTIGAÇÃO COLABORATIVA COM OS ALUNOS 38
5.1 - PRIMEIROS CONTATOS NA ESCOLA ........................................................ 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 64
REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 67
ANEXOS........................................................................................................................ 70
ANEXO 1: Projeto Político-Pedagógico da Escola Estadual de Ensino Médio Dr.
Carlos Meskó ............................................................................................................. 71
ANEXO 2 : Depoimento da professora Joice – Geografia – na Escola Estadual de
Ensino Médio Dr. Carlos Meskó................................................................................ 81
ANEXO 3: Trabalho dos alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Meskó a
partir de problematizações em sala de aula..........................................................................85
7
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho visa refletir sobre um estudo investigativo e
colaborativo que vem sendo realizado na escola rural Dr. Carlos Meskó,
localizada no município de Canguçu/ RS. Aborda-se a relação desta escola rural
com a comunidade camponesa. Para dar conta desta tarefa, foi realizada uma
experiência com a comunidade a partir da mediação dos alunos da escola
identificando as preocupações das famílias e, objetivando incorporar,
legitimamente, os problemas discutidos no âmbito do conhecimento escolar.
Tal estudo originou-se em dois pontos:
z O primeiro preocupa-se com o conhecimento produzido e veiculado em
sala de aula e outras instâncias, e sua legitimidade em relação à realidade
local onde se insere a escola. Neste sentido há uma tensão difícil de ser
resolvida, que procura superar a alienação e a distância das grades
curriculares em relação às situações históricas das famílias e das
comunidades abrangidas pela escola.
z O segundo propõe o desenvolvimento da pesquisa a partir da centralidade
das condições históricas dos sujeitos do campo. Há aqui a necessidade de
estudos e pesquisas sistemáticas de caráter bem abrangente, que dêem
conta da complexidade das condições históricas vividas pelos colonos do
Iguatemi e arredores, que lhes são muito problemáticas.
8
Neste trabalho, procuramos, através de conversas e aproximações com
professores e alunos da escola, dar um ponto de partida nas discussões a partir
de dois fatos:
z o primeiro, com o eixo na escola, focalizando e problematizando os
programas de ensino;
z o segundo, com o eixo na comunidade, começando a visualizar e
problematizar o conhecimento que os alunos e seus familiares têm sobre
as condições históricas que ajudam a constituir e/ou sofrem.
Desta forma apresentamos este trabalho desmembrado em cinco
capítulos, a saber:
O primeiro trata de justificar a investigação através de uma retrospectiva
da minha vida no intuito de que o leitor entenda as motivações da pesquisa.
A metodologia e os procedimentos metodológicos são explicitados no
segundo capítulo. Neste, estão presentes o objetivo principal, bem como os
específicos, a escolha dos sujeitos, o local da pesquisa e os caminhos
percorridos, ou seja, as decisões que constituíram a referida investigação.
Considerações sobre o espaço rural rio-grandense são realizadas no
terceiro capítulo, em que traçamos um paralelo entre a escola rural e a solução
encontrada pelos pequenos produtores através da alternativa cooperativista.
Relatamos a forma como os pequenos agricultores produtores de leite no interior
do município de Canguçu se organizaram criando a COOPAL (Cooperativa dos
Pequenos Agricultores Produtores de Leite) como uma mediação social,
engendrada para dar conta da problemática comercialização do produto,
justamente numa perspectiva de resistência dos pequenos produtores à exclusão
dos mesmos da cooperativa dominante. Expomos, ainda neste capítulo, o entorno
da Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Meskó, situando o leitor no
contexto global do qual a instituição faz parte, como também na trama dos
sujeitos que participam direta ou indiretamente do processo político-educacional
da mesma.
9
No quarto capítulo, fazemos uma abordagem conceitual da produção
familiar na agricultura, fundamentadas nas idéias de autores como: Scaglione,
Salamoni e Gerardi, Kieling, entre outros.
O relato da prática realizada na escola, apontando os momentos de maior
densidade da pesquisa e a delimitação dos novos rumos tomados, é feito no
quinto capítulo. Os resultados iniciais da pesquisa são apresentados através da
análise e interpretação de dados e informações coletadas junto à comunidade
escolar e camponesa.
Nas considerações finais, analisamos as características e perspectivas do
trabalho desenvolvido, buscando apontar caminhos que possibilitem elaborar
estratégias para a educação rural em suas práticas pedagógicas.
10
1 - HISTÓRIA DE VIDA: RETROSPECTIVA
Aqui se faz necessária uma retrospectiva da minha vida familiar, para que
o leitor entenda os vínculos entre mim e a pesquisa a ser realizada. O seu teor
está intimamente ligado à minha vida particular.
Tudo seria diferente, se não tivéssemos sido vítimas do infortúnio.
Seríamos apenas mais uma família no censo do IBGE, que morava na zona rural.
Mas a confiança que meu pai depositou no próprio irmão nos trouxe uma
realidade bastante sacrificada. Isto porque meu pai jamais poderia imaginar que
não poderia confiar no próprio irmão, ainda mais em tempos em que a palavra
dada valia mais que a assinatura num papel. Era o que deveria ser. Mas não foi.
Meu pai comprou uma casa e alguns hectares de terra do próprio irmão,
no interior de Canguçu, na localidade de Herval, segundo subdistrito, mas não
pediu nenhum recibo assinado. Quando as prestações acabaram, naturalmente a
propriedade deveria ser escriturada em nome do meu pai. Porém, a surpresa foi
grande ao descobrir que a terra já havia sido escriturada em nome de outra
pessoa, para pagamento de dívidas do meu tio. Anos de trabalho pesado na
lavoura pagando uma terra que jamais seria sua. Desta forma, a miséria nos
alcançou e, junto, trouxe todos os infortúnios da vida. A doença de minha mãe,
conseqüência da infelicidade de terem acreditado em pessoa de tão pouco valor,
nunca foi de todo curada; segundo os médicos, não há cura total para doença
neurológica. Com tratamento e algumas internações o problema pode ser apenas
amenizado.
Na época, fomos acolhidos em uma pequena casa nos fundos da Igreja.
Não poderíamos pagar a moradia com dinheiro, mas havia outras formas de
pagamento, como, por exemplo, trabalho. Muito trabalho.
11
Mas, numa região, em que, apesar de predominar a pequena propriedade,
os colonos estão financeiramente bem providos, pessoas com menos recursos
não são bem vistas e assim fomos “convidados a nos retirar da casa”. Sem outros
meios de sobrevivência, tivemos como única alternativa, a vinda para a cidade.
Na época, não havia oportunidades como hoje, em que a cooperativa
(COOPAL) tem como objetivo ajudar os excluídos que já perderam as
esperanças, a força de vontade e, muitas vezes, a dignidade, conforme será
abordado mais detalhadamente no próximo capítulo.
Na inocência de criança, não percebia o quanto, desde a mais tenra
idade, eu estava relacionada, apegada à educação. Apenas agora, passados
tantos anos, consigo relembrar, como num filme, uma cena que mostra a minha
proximidade com a educação escolar.
Ainda lembro da cena: sentada em cima de uma mesa rústica, as
perninhas balançando. Eu, com apenas cinco anos de idade, tentando convencer
minha mãe, que cozinhava em um fogão a lenha, a falar com o diretor da escola
para fazer minha matrícula. Minha mãe argumentava que eu não tinha idade
suficiente para freqüentar a escola, mas que ia tentar falar com alguém. Creio que
dizia isso apenas para que eu parasse de “atormentá-la”.
Como no interior todos se conhecem e mantém boas relações de amizade,
minha mãe conversou com o diretor, explicando a minha vontade de ir ao colégio.
Ele não viu problemas em deixar que eu fosse, dizendo que eu apenas
acompanharia a turma da primeira série, mas que, na realidade, eu não estaria
matriculada. Para a surpresa de todos, entretanto, em época de provas e testes
de leitura, superei as expectativas e consegui bons resultados, tal era o meu
interesse. Percebendo tudo isso, o professor chamou minha mãe e disse que eu
estava aprovada para a segunda série. São reminiscências da infância que,
apesar de todas as dificuldades, foi feliz.
Foi então que minha família decidiu mudar-se para a cidade em busca de
melhores condições de vida. Meus pais sonhavam para os filhos uma vida melhor
do que a deles, pois trabalhavam na lavoura, onde nem proprietários eram. A
12
terra era trabalhada, arada, “de meia”, muitas vezes de “terça”, que significa que o
pouco que se ganhava era apenas para a subsistência da família e o lucro maior
era destinado ao proprietário da terra.
A crença de que a educação para os filhos era a única herança que
poderiam deixar e que o conhecimento jamais poderia ser tirado, fez com que a
cidade grande fosse uma alternativa para, via escola, preparar os filhos para uma
vida melhor, visto que, na localidade, havia somente o primário.
Minha família fez parte, então, do que se chama êxodo rural. Veio para a
cidade em busca de melhores condições de vida, uma vez que, além de emprego,
ela oferecia a chance de realizar o sonho maior: ver os filhos concluindo os
estudos. Estávamos então, no ano de 1974, época em que o Brasil crescia, sendo
chamado de Brasil potência, celeiro do mundo.
A vida mudou em todos os sentidos. Novos horizontes surgiram.
Adaptações se fizeram necessárias. A cidade oferecia oportunidades, e a minha
família não estava disposta a desperdiçar a chance que a vida apresentava. Mas
a luta diária não era fácil.
A expectativa se sobressaía ao medo do novo. Estava mais próxima da
realização de meus sonhos, que era dar continuidade aos estudos e um dia estar
dentro de uma sala-de-aula como educadora. Para mim, era encantador ver e
ouvir a professora, porque através de sua figura eu me transportava para um
mundo novo; diante de meus olhos de criança, se descortinava uma realidade
fascinante.
Concluí a 4
a
série na Escola Estadual Marechal Lima e Silva. Em 1975,
aos 10 anos de idade, fui para a escola Brum de Azeredo onde permaneci
durante um ano. Em seguida, consegui uma bolsa de estudos para cursar a 6
a
, 7
a
e 8
a
séries do primeiro grau no Educandário Nossa Senhora de Lourdes. Apesar
de estarmos a alguns anos na cidade, as dificuldades financeiras se faziam sentir,
mas com enorme esforço de toda a família, consegui concluir o 2
o
grau, agora na
Escola Estadual Nossa Senhora de Lourdes. Mas os obstáculos acentuavam-se,
13
fazendo com que o sonho de chegar à Universidade fosse adiado por mais de
quinze anos. Mesmo assim, jamais desisti.
Faço uma pausa na vida escolar; longa demais para contá-la em detalhes.
Em 1983, após concluir uma etapa escolar, ingressei no mercado de
trabalho como comerciária, onde permaneci durante quinze anos.
Em 1998, uma forte crise econômica atingiu o setor de serviços na cidade
e a falência da firma foi inevitável. Apesar do pânico de estar desempregada, veio
à tona a possibilidade de retomar os estudos; nada seria fácil. Mesmo sem
trabalho e, portanto, sem condições de pagar um curso preparatório para o
vestibular, nada foi suficientemente desestimulante naquele momento. Descobri o
Curso Preparatório Desafio, mantido por alunos da Universidade Federal de
Pelotas, me preparei e consegui uma vaga.
Ao retomar os estudos, após quinze anos, percebi as mudanças ocorridas
na área da educação, principalmente na relativização do caráter tradicional da
pedagogia utilizada pelos professores. Lembro-me de que antes os docentes
eram a autoridade máxima dentro da sala de aula, e a nós, alunos, não nos era
permitido sequer opinar ou sugerir. Às vezes era autorizado perguntar algo. Mas
eu não estranhava, pois essa autoridade era uma extensão da relação de casa,
em que a autoridade máxima era o pai: a ele e aos professores devíamos apenas
respeito.
A formação acadêmica do aluno de Licenciatura Plena em Geografia
exige uma Prática de Ensino que deve ser realizada através de estágio. Realizei-o
na Escola Estadual de Ensino Médio Areal, onde tive a oportunidade de colocar
em prática o conhecimento adquirido ao longo desses quatro anos de vida
acadêmica. No estágio, pude trabalhar o conteúdo a partir da realidade do aluno,
incentivando-o a buscar novos conhecimentos. Embora em um curto período de
tempo, procurei propor uma interação entre o conteúdo programático e a
realidade dos educandos para que eles tivessem condições de formular uma
visão crítica do mundo e, se possível, transformá-lo.
14
Outra oportunidade de colocar meu aprendizado em prática foi no Curso
Pré-Vestibular Desafio, em que me deparei com uma realidade diferente da
vivenciada no estágio, visto que ali os alunos já possuíam uma visão crítica mais
acentuada, talvez por serem pessoas mais experientes por já terem atravessado
uma trajetória escolar e que, como eu, tinham o objetivo de ingressar na
Universidade.
Para que eu pudesse concluir o curso de Licenciatura Plena em
Geografia, realizei uma pesquisa intitulada: “Produção Familiar e Cooperativismo:
o Caso da Cooperativa dos Pequenos Agricultores e Produtores de Leite –
COOPAL – Canguçu/RS”. O tema faz referência ao surgimento da Cooperativa e
aborda a exclusão dos pequenos produtores familiares de leite da cooperativa
dominante. A referida cooperativa localiza-se no sub-distrito de Posto Branco,
pertencente ao Município de Canguçu.
Em minha Especialização, no núcleo de interesse Educação Popular, o
tema foi aprofundado no artigo “COOPAL: O Associativismo Rural como Meio de
Inclusão dos Produtores Familiares de Leite”, que teve como objetivo responder
questões que relacionavam a instalação da COOPAL à diminuição da evasão
escolar; a participação dos produtores na cooperativa ao nível de vida do grupo
familiar e outros. O enfoque principal esteve na influência da cooperativa na auto-
estima das pessoas e nas mudanças percebidas pelos cooperados.
O começo da minha realização profissional veio em maio do ano de 2004,
quando, prestei concurso e, através de um telefonema da Secretaria Municipal de
Educação e Cultura de Canguçu, fui nomeada, para exercer o cargo efetivo de
Professora do Ensino Fundamental Etapas Finais, Geografia.
Quando comecei a analisar minha prática de ensino como educadora na
Escola Municipal de Ensino Fundamental Irmã Maria Firmina Simon, percebi que,
a cada dia, surgiam situações novas. E, o mais fantástico, foi descobrir,
diariamente, que não existe ensinar sem aprender. O ato de educar, portanto, não
é uma transferência mecânica de conhecimento, mas sim uma constante troca
que beneficia ambas as partes.
15
2 – METODOLOGIA DA PESQUISA
A principal razão da escolha do tema deve-se ao fato de eu ser filha de
pequenos produtores rurais e por ser natural do município de Canguçu, como já
exposto anteriormente. Outro fator relevante na escolha foi o trabalho de pesquisa
científica prévia, que desenvolvi, no curso de Licenciatura Plena em Geografia,
concluído no ano de 2003, no qual explorei o tema relativo ao surgimento da
COOPAL e as relações com a fixação do pequeno produtor rural no campo. Este
tema foi aprofundado em forma de Artigo, quando da Especialização, no Núcleo
de Educação Popular, concluído em 2004, onde o enfoque principal foi a
influência da cooperativa na auto-estima e quais as mudanças percebidas pelos
cooperados. A temática abordada até então, também faz referência à exclusão
dos pequenos produtores familiares de leite, da Cooperativa dominante.
À época das referidas pesquisas, já foi possível visualizar questões
inquietantes, mas a preocupação era apenas curiosa. Não conseguia perceber
naqueles trabalhos, uma perspectiva efetiva da ação de enfrentamento da
questão. No mestrado, passei a perceber que a pesquisa precisa se consolidar
numa ação colaborativa com as pessoas da escola e da comunidade, no sentido
de construir ações efetivas de integração e enraizamento da escola no seu
entorno.
Esta perspectiva guiou as tomadas de decisão face às contingências de
trabalho e condição de pesquisa durante todo o curso. Inclusive é essa mesma
orientação de aproximação solidária que pautou as nuances diferenciadas que
aparecem neste trabalho final, tal como a mudança do eixo inicial da cooperativa
para a escola e as famílias dos colonos.
16
Como metodologia, adotei a postura de trabalhar com os alunos de
maneira integrada, pois o saber deles é tão qualificado quanto o meu para
entender a realidade local.
Como procedimentos metodológicos adotei os seguintes passos:
z visita à escola;
z apresentação da proposta de pesquisa aos alunos;
z visita à comunidade;
z trabalho em sala de aula com os alunos;
z retorno para a finalização do trabalho.
A coleta de dados se deu através de entrevista com os colonos e também
através de questionário e produção textual dos alunos.
A metodologia da pesquisa está fundamentada em autores como Paulo
Freire, Fábio da Purificação de Bastos, Claiton José Grabauska, Carlos Rodrigues
Brandão, Orlando Fals Borda, Gomercindo Ghiggi, Giancarla Salamoni, José
Fernando Kieling e outros, que levam a sério a importância dos sujeitos na
elaboração do conhecimento e da ciência na constituição de novas abrangências
de percepções dos problemas das pessoas.
2.1 – OBJETO E OBJETIVOS
É importante explicitar que o objetivo principal deste trabalho foi e está
sendo, na sua permanência, organizar uma ação que incorpore os problemas
discutidos e as experiências desenvolvidas na comunidade e pelos colonos, como
17
as que vêm ocorrendo através da COOPAL, nas preocupações e no âmbito do
conhecimento escolar.
Nesta perspectiva, pretendíamos verificar as atividades pedagógicas na
Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Meskó em suas relações com a
COOPAL e comunidade, e as ações da COOPAL que estabelecem parceria com
a Escola para, em colaboração com professores, pais e alunos do Ensino
Fundamental e outros colonos da cooperativa, organizar um projeto de ensino em
que os conhecimentos da Escola tomassem por objeto as demandas locais, como
as que se apresentam nas discussões dos colonos na COOPAL. Em segundo
lugar, queríamos aproveitar a oportunidade para buscar referências na Geografia,
na História e nas Ciências Sociais Rurais que ampliassem e qualificassem as
análises dos problemas compartilhados.
Víamos, neste projeto, a possibilidade de discutir as questões históricas
atuais da comunidade, problematizando o conhecimento da Escola e da própria
comunidade e construindo, com os sujeitos do projeto, referências de análise que
qualificassem a percepção de realidade. Temos claro, nesse sentido, que o
conhecimento da Escola pode se tornar importante, desde que se enraíze em
problemas históricos e utilize as referências das áreas de conhecimento, com o
intuito de conceituar a realidade a partir de seu entorno.
Os conhecimentos das pessoas do lugar são muito próximos às questões
históricas que limitam a ação das pessoas e, por isso, são imprescindíveis. Sua
contingência – mérito e limite simultaneamente – pode ser problematizada com
referências das Ciências do Currículo escolar.
A superação dos limites de um e outro lado, da comunidade e da escola,
requer ações concretas de enfrentamento de problemas que, apesar do
conhecimento escolar e do senso comum qualificado das pessoas da
comunidade, permanecem desafiando os sujeitos que os constituem e sofrem.
Nessa direção, o foco das ações investigativas esteve centrado numa
estratégia que se considerou a mais acertada para colocar em questão os
problemas e as relações sociais da comunidade. No entanto, não mantivemos
18
esse foco. Pelo contrário, ele se tornou uma das condições de desvio das
atividades enquanto não percebemos que poucos familiares de alunos eram
associados à COOPAL. Redirecionamos a atividade para um processo mais
colaborativo com professores e alunos da escola e, com um projeto iniciado com
um grupo de alunos e de professores, conseguimos um movimento de
aproximação com a comunidade.
Buscamos conhecer atividades da escola em relação à COOPAL e à
comunidade; vimos, então, a pouca inserção dos colonos na cooperativa e vice-
versa. Na escola, estranhamos a não tematização das práticas da comunidade
nos programas de ensino e, especificamente, a ausência da COOPAL, apesar de
terem estabelecido várias parcerias.
Planejamos e realizamos, com as pessoas da escola, um projeto de
investigação-ação na disciplina de Geografia. Tal projeto pretendia:
tomar como objeto de conhecimento das disciplinas mediadas pela
discussão dos colonos e da COOPAL;
buscar referências na Geografia, História e Ciências Sociais Rurais
para qualificar análises.
Era uma aposta para:
discutir problemas históricos atuais;
problematizar o conhecimento escolar que perde o contato com a
realidade local;
problematizar o conhecimento da comunidade trazendo novas
referências teóricas para aprofundar a análise.
Cabe destacar que a construção desse saber torna-se relevante no
processo de uma ampla discussão sobre currículo em escolas rurais e possíveis
formas de organização de uma escola rural. Neste sentido Grabauska (2001,
p.19) diz que:
19
É esta investigação que pode garantir o desenvolvimento dos
empreendimentos curriculares. Isto porque o que está escrito (a grade
curricular) não é, necessariamente, o que vai se materializar nas
práticas educativas. Os professores, em geral, carregam consigo
crenças, ideologias, sistemas de valores que, ao interagirem com o que
está explícito no currículo, modificam as intenções deste. Ao
investigarem suas práticas, os professores podem explicitar o que se
encontra “escondido” – no que se refere à ideologia, aos valores, às
concepções de educação, sociedade, ciência; desta forma podem,
intencionalmente, por meio de mudanças nos currículos, modificar tais
concepções e, por extensão, contribuir para transformar a sociedade.
(GRABAUSKA e DE BASTOS, 2001, p.19).
2.2 - DECISÕES QUE CONSTITUÍRAM A PESQUISA (RELATO DE
TRAJETÓRIA)
A localização da Escola Dr. Carlos Meskó – situada a aproximadamente 8
km da COOPAL, foco inicial e primordial da pesquisa – foi fator determinante para
a escolha da mesma.
Também, a participação da Escola em projetos como, por exemplo, o
Educampo
1
, foi significativa para a determinação do local da pesquisa. Percebe-
se assim que a escola demonstra receptividade e abertura a trabalhos e
pesquisas que possam vir a contribuir para inovações pedagógicas, o que vem ao
encontro dos objetivos desta investigação.
Esta pesquisa vem sendo realizada através de decisões contingentes,
que, no conjunto, seguem e configuram um projeto viável. Dados foram sendo
compilados em diários de campo: foram feitas visitas à escola Dr. Carlos Meskó,
no intuito de viabilizar a mesma e, com a parceria de professores e alunos,
organizamos uma amostra da possibilidade de uma investigação educacional.
Embora com objetivos diferentes do projeto a parceria da colega Carla Simone B.
Rodrigues foi decisiva nas etapas iniciais.
1
Projeto realizado em escolas rurais, coordenado pela Doutoranda Rosa Elane Antória Lucas, que tem por
objetivo proporcionar às comunidades escolares vivências que despertem a valorização do trabalho do
campo.
20
A organização de uma atividade de investigação teve por objetivo
aproximar toda essa experiência dos colonos do entorno da Escola Dr. Carlos
Meskó com os processos de ensino e formação humana desenvolvidos pela
comunidade escolar.
Ao propor e planejar um projeto de investigação com o apoio e o
envolvimento de professores, alunos e comunidade, o projeto procurou considerar
várias dimensões da realidade, dando importância à heterogeneidade das ações
e da complexidade das relações que os sujeitos do local estabelecem.
Tencionava trazer à tona e à discussão as diferentes dimensões da cultura do
povo, com o intuito de compreender suas tradições, festas, religiões, crenças,
lugares históricos, músicas, danças, alimentação, etc.
Não perdemos de vista a importância de os estudantes vivenciarem a
pesquisa e o enfrentamento de questões históricas a partir do local. Eles
potencializam o ensino-aprendizagem através de uma construção coletiva e
colaborativa onde o educador desenvolva os conteúdos programáticos, permitindo
que o aluno relacione o seu conhecimento e a sua experiência cotidiana e
familiar, de forma a dar sentido e significado ao aprendizado, valorizando a
criatividade, a afetividade, as habilidades intelectuais e fazendo a ponte entre a
teoria e prática. Só deste modo é possível promover o aperfeiçoamento do ensino
e formar um aluno crítico e ético preparando-o para a vida e para o exercício da
cidadania.
Essa vivência e interação da escola com a comunidade têm em vista
possibilitar aos educandos agir sobre dados e fatos históricos relacionados à
realidade local, criando estratégias de participação, e construção cultural.
O movimento, na sua abrangência e permanência, pode criar uma
estrutura que legitime os conhecimentos históricos a partir da comunidade local
como constituintes centrais do currículo escolar.
21
3 - SITUANDO O LEITOR NO CONTEXTO DA PESQUISA
3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESPAÇO RURAL RIO-GRANDENSE
O Rio Grande do Sul é tradicionalmente um Estado voltado para o
meio agrário. Sua história econômica, apenas há uma década conseguiu
emparelhar os setores primário e secundário, até então sob amplo domínio do
primeiro.
A pecuária, com o gado introduzido pelos jesuítas, e a agricultura,
fortalecida em definitivo pelos imigrantes, estruturaram o espaço rio-grandense
numa divisão dualista. Segundo Waibel, “O colono era a antítese dos gaúchos
das campinas: era o homem da floresta, o agricultor isolado com técnicas ainda
predatórias, o pequeno proprietário”. (WAIBEL apud MOREIRA e COSTA, 1976,
p.72)
Encontra-se o contraste do espaço latifundiário, concentrado na região
da fronteira, e o espaço das pequenas propriedades, no planalto e em suas
encostas. Os minifúndios, mais numerosos, mas com menor área em relação ao
espaço latifundiário, tiveram origem na partilha imposta pelo governo imperial,
quando da criação das colônias:
[...] com a migração e o fracionamento por sucessão hereditária, esses
minifúndios tornaram-se ainda menores, havendo áreas, hoje, com
propriedades agrícolas em torno de 5 ha, dimensão incapaz para o
sustento de uma família que utilize métodos tradicionais. (MOREIRA e
COSTA, 1976, p. 72).
A queda da produtividade está diretamente ligada à dimensão da
propriedade, já que esta inviabiliza a necessária capitalização do agricultor,
22
condição imprescindível para a aplicação de métodos mais produtivos. Coloca-se,
assim, na estrutura fundiária gaúcha, profunda desigualdade na distribuição da
terra: “ao lado de minifúndios excessivamente explorados, grandes propriedades
subaproveitadas”. (MOREIRA e COSTA, 1976, p.74)
A empresa rural encontra-se em franca expansão, o que se explica
pela política econômica voltada para a exportação, visando a obtenção de capitais
para suprir as importações de bens mais sofisticados, especialmente do Sudeste.
Requisitando mecanização e conseqüentemente maior capital, o trigo
acabou por incentivar juntamente com a soja, numa etapa mais recente,
uma nova unidade de produção, a empresa rural, que fora
anteriormente iniciada com a lavoura de arroz. (MOREIRA e COSTA,
1976, p.77)
Excluído desse processo, pela dificuldade de acesso ao crédito para
obtenção de máquinas e pela escassez da terra, o colono teve como saídas o
êxodo rural, a migração para novas fronteiras agrícolas ou a venda de sua mão-
de-obra aos grandes agricultores.
Produtos tipicamente coloniais e de subsistência, como mandioca,
batata e feijão, têm tido pequena participação na produção primária do Estado.
“Na chamada ‘agropecuária colonial’, merecem destaque a produção de laticínios
e de ovos, a avicultura e suínocultura, responsáveis, em conjunto, por mais de
10% do produto primário estadual.” (MOREIRA e COSTA, 1976, p. 81)
O setor de aves tem-se expandido muito com a intensificação dos
métodos de produção e diante da possibilidade de comercialização. O Setor
laticinista também apresenta condições de direcionar-se ao mercado externo.
3.2. CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CANGUÇU E DA
LOCALIDADE DO IGUATEMI
O município de Canguçu localiza-se na região denominada Serra do
Sudeste, no escudo granítico rio-grandense, situando-se entre a latitude de 31
0
23
23’35”5 e a longitude 52
0
40’ 35”0, com uma altitude de 420 metros, tomando por
referência a sede do município.
Canguçu limita-se ao Norte com Encruzilhada do Sul, Amaral Ferrador
e Cristal. Ao Leste, faz divisa com São Lourenço do Sul, Pelotas e Morro
Redondo e, a Oeste, seu limite é o município de Piratini.
Segundo Simch,
A Br 392, que liga os municípios de Pelotas e Santa Maria, corta o
município de Canguçu, sendo esta rodovia de grande importância para a
economia de Canguçu, pois por elas passam boa parte dos produtos,
principalmente soja, produzidos nas regiões da Missões, Planalto Médio
Encosta da Serra, com destino ao porto de Rio Grande. (SIMCH, 2002,
p.102)
O município de Canguçu possui cerca de 5000 km de estradas vicinais,
sendo que 250 km correspondem a estradas intermunicipais que ligam a sede do
município à Morro Redondo, São Lourenço do Sul e Piratini, e o restante
correspondem a estradas de acesso às 120 localidades que compõem os cinco
distritos em que se divide o município. Já a localidade do Iguatemi fica a
aproximadamente 25 km da sede município onde foi realizada a pesquisa.
3.3 – COOPERATIVA E ESCOLA RURAL
A estratégia de ação camponesa, através da criação de uma instituição
como a COOPAL, traz à tona, a discussão dos problemas do mundo rural, que
não são exclusivos de Canguçu, mas afetam todos os colonos da região.
A definição desta estratégia articula vários grupos de colonos que, com
conhecimento mais qualificado das suas contingências, sustentam o projeto
cooperativo e tornam-se uma referência na busca de políticas próprias não
subordinadas às estratégias empresariais.
24
Nesse sentido, a visualização da cooperativa é privilegiado ponto de
partida de análise dos processos econômico-políticos dos colonos da região. E
isso é importante referência para a construção curricular das escolas do campo.
A conjuntura no campo continua marcada pela violência, fruto não só das
forças do atraso de uma oligarquia rural que consiste em fazer da terra
concentrada privilégio e poder político, mas também do resultado de uma
modernização capitalista concentrada que exclui os trabalhadores do campo.
Mas, se a violência rural continua a mesma, está mudando a posição dos
violentados. Da posição de meros espectadores, trabalhadores rurais passam a
protagonizar ações. Tomando consciência da situação e dos direitos que lhes são
negados, não aceitam continuar sendo vítimas desse processo de exclusão.
Dessa resistência nasce a organização em torno de lutas concretas por terra,
crédito, tecnologia, saúde, educação, justiça, etc.
Além disso, os cooperados começaram a sentir necessidade de ver seus
filhos darem continuidade aos estudos, pois a participação nas reuniões criou
uma nova cultura nas relações cotidianas da família. Houve melhora na auto-
estima, na qualidade de vida e qualificação a partir dos cursos que envolvem as
novas tecnologias nas discussões dos empreendimentos.
Todo este processo veio colaborar com a vontade dos agricultores
familiares de permanecerem no campo, pois eles compreendem que a vinda para
a cidade lhes oferece apenas empregos informais e moradias nas periferias
distantes do centro.
Com a ajuda do projeto pedagógico e das conversas mantidas com os
professores da escola, o contexto da Escola Carlos Meskó mostra que a trajetória
da instituição fortalece uma dinâmica que tenta a aproximação da comunidade e
especificamente da COOPAL.
25
3.4 - FORMAÇÃO DA COOPAL: UM EXEMPLO DE ESTRATÉGIA
DE INCLUSÃO DOS PRODUTORES FAMILIARES DE CANGUÇU
Nas últimas décadas, a agricultura familiar tem se mantido na agenda
política e no cenário das lutas sociais do campo graças à intensa mobilização
social dos setores excluídos do acesso à terra. Chegado o novo século, estas
questões ganham um significado teórico e político, uma vez que abrem
perspectivas para a construção de propostas concretas que venham a superar os
graves problemas decorrentes da imensa exclusão e miséria social no campo
brasileiro.
O papel das associações voluntárias na mudança social e na estratégia
do desenvolvimento tem se revelado de grande importância. Daí o interesse,
dedicado ao estudo do papel das cooperativas no desenvolvimento rural, pois
elas são um tipo de associação voluntária sem o qual o desenvolvimento rural é
hoje muito difícil.
Não resta dúvida sobre a importância e a eficiência das cooperativas na
modernização das estruturas econômicas e sociais dos países em
desenvolvimento, visto que representam um espaço privilegiado de exercício da
cidadania. O limite das cooperativas tem sido o caráter burocrático e não
participativo de seu funcionamento, apesar de sua origem. Além disso, a ideologia
que sustenta a forma mais oficiosa de cooperativa é de cunho elitista e autoritário.
Bem ao contrário da perspectiva participativa e democrática buscada pelos
movimentos sociais mais enraizados no pensamento e na vida dos próprios
colonos. Esses movimentos seguem o que foi colocado por Paulo Freire já nos
anos sessenta, concomitantemente ao apogeu de muitos dos movimentos sociais
mais radicais, a saber:
Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou
tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa.
Temos de estar convencidos de que a sua visão de mundo, que se
manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a sua situação no
mundo, em que se constitui. ( FREIRE:1998: p.87)
26
O tema aqui abordado trata de um processo que está sendo intensamente
vivido pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias em seu cotidiano. São
debates em diferentes espaços, não só sociais, como políticos e, também,
econômicos, buscando soluções e alternativas, mesmo confrontando diversos
posicionamentos e criando divergências.
Esta questão interroga, também, sobre a realidade que está sendo
construída e que demanda transformações macro-sociais, exigindo muitas vezes
atitudes pessoais.
No âmbito da sociedade global as formas sociais do espaço e do tempo
modificam-se e multiplicam-se. Dado que a globalização articula, tenciona e
dinamiza configurações sociais locais, nacionais, regionais, internacionais e
transnacionais, multiplicam-se as possibilidades do espaço e do tempo. Freire nos
faz compreender estas questões quando explicita a diferença entre humano e
animal nas respectivas vivências. Já mais conclusivamente diz:
O mundo humano, que é histórico, se faz, para o “ser fechado em si”,
mero suporte. Seu contorno não lhe é problemático, mas estimulante.
Sua vida não é um correr riscos, uma vez que não os sabe correndo.
Estes, porque não são desafios perceptíveis reflexivamente, mas
puramente “notados” pelos sinais que os apontam, não exigem
respostas que impliquem ações decisórias. O animal por isto mesmo,
não pode comprometer-se. Sua condição de a-histórico não lhe permite
assumir a vida, e, porque não a assume, não pode construí-la. E, se
não constrói, não pode transformar o seu contorno. Não pode,
tampouco, saber-se destruído em vida, pois não consegue alongar seu
suporte, onde ela se dá, em um mundo significativo e simbólico, o
mundo compreensivo e simbólico, o mundo compreensivo da cultura e
da história. (FREIRE:1998: p.89)
No dia 19 de maio de 1999, dava-se início a um novo sistema de
cooperativismo em Canguçu, decorrente dessa ebulição de pensamento e ação
dos colonos, reagindo às injunções neoliberais que os atropelava. Buscou ser um
cooperativismo que primasse pela inclusão social do pequeno produtor, numa
visão voltada para a autogestão. Era fundada a COOPAL, tendo em seu quadro
de fundadores 223 pequenos agricultores que buscavam uma alternativa para
permanecerem no campo com dignidade. Assumiam, nas contingências do seu
dia-a-dia, sua capacidade de pensar os problemas e buscar-lhes solução, ao
27
embalo da perspectiva emancipatória sonhada por Freire no exílio, o qual
expressa em seu texto clássico:
Os homens, pelo contrário, ao terem consciência de sua atividade e do
mundo em que estão, ao atuarem em função de finalidades que
propõem e se propõem, ao terem o ponto de decisão de sua busca em
si e em suas relações com mundo, e com os outros, ao impregnarem o
mundo de sua presença criadora através da transformação que
realizam nele, na medida em que dele podem separar-se e, separando-
se, podem com ele ficar, os homens, ao contrário do animal, não
somente vivem, mas existem, e sua existência é histórica.
(FREIRE:1998: p.89):
Essa cooperativa tem uma especificidade que a diferencia das demais:
sua função é atender aos pequenos agricultores que não se enquadram nas
normas de outras cooperativas e empresas, que estabelecem critérios mínimos
de produção para poderem ser aceitos e fazerem parte da racionalidade destas
formas empresariais de gestão. Essa motivação permite que a COOPAL venha
conseguindo melhorar a qualidade de vida do homem do campo através de
programas de incentivo, proporcionando convênios com o comércio local.
A COOPAL também investe na qualificação dos associados, já que está
ciente de que o conhecimento é o elemento chave para o sucesso do cooperado
e, conseqüentemente, o bem estar de sua família. Esta qualificação é verificada
nos diversos cursos proporcionados pela entidade.
A entrevistada E – contatada nos trabalhos que viemos fazendo para a
elaboração de nossos trabalhos de graduação, especialização e mestrado -
comprova em seu relato: Fui a Montenegro, passei um mês lá, fazendo um curso
de laticínios, esse curso foi a COOPAL que conseguiu pra gente, isso qualifica
nosso trabalho aqui na COOPAL. (Informação verbal da entrevistada E, 2004).
Facilitar a extensão e a prestação de serviços aos agricultores,
particularmente àqueles que tem menos acesso às fontes de tecnologia, é um dos
propósitos básicos da política da cooperativa. Conforme o que disse o
entrevistado C:
Temos acesso à tecnologia sim, a cooperativa tem um técnico à
disposição dos associados. Também tem parceria com as
28
universidades, engenheiros agrônomos, administração de empresas,
veterinários, químicos, tudo isso ta a nossa disposição.
(Informação
verbal do entrevistado C, 2004).
A idéia de mudança social, as transformações que aparecem na vida de
cada produtor familiar participante da cooperativa, pode ser verificada na fala do
entrevistado D quando diz: “A cooperativa abriu novos horizontes, valorizando
mais a permanência, como uma válvula de escape, seria mais uma opção,
tornando mais viável a permanência”. (Informação verbal do entrevistado D,
2004).
Esses colonos, nos seus enfrentamentos, redescobrem a necessária
radicalidade do conhecimento e do crescimento intelectual, algo tão bem colocado
por Freire em sua obra de síntese:
O progresso científico e tecnológico que não responde
fundamentalmente aos interesses humanos, às necessidades de nossa
existência, perdem, para mim, sua significação. A todo avanço
tecnológico haveria de corresponder o empenho real de resposta
imediata a qualquer desafio que pusesse em risco a alegria de viver dos
homens e das mulheres. A um avanço tecnológico que ameaça a
milhares de mulheres e de homens de perder seu trabalho deveria
corresponder outro avanço tecnológico que estivesse a servo do
atendimento das vítimas do progresso anterior. Como se vê, esta é uma
questão ética e política e não tecnológica. (FREIRE, 1999: p.147)
Nesse sentido, a COOPAL, localizada no distrito de Posto Branco,
município de Canguçu, constitui-se como instrumento viabilizador para os pobres
do campo, proporcionando melhores condições de vida para toda a família
cooperada e, permitindo assim, a sua permanência no campo. Desta forma
possibilita a manutenção dos filhos dos colonos na escola e, futuramente, a
continuidade dos estudos na Universidade. Além disso, a cooperativa promove a
inserção dos produtores, que foram anteriormente excluídos pelo processo de
modernização da agricultura, no contexto produtivo regional.
Segundo o entrevistado A:
Lá em casa somos cinco filhos, quatro estamos formados no segundo
grau em técnico agrícola, a gente pensa em fazer a faculdade, voltar e
ajudar a desenvolver alguma coisa em casa, com a família. A
cooperativa ampliando as instalações deverá contratar mão-de-obra
mais qualificada. Também, por isso que nós pensamos em fazer uma
faculdade.
(Informação verbal do entrevistado A, 2004).
29
Assim, a COOPAL além de articular a produção leiteira dos pequenos
produtores rurais em Canguçu, também possibilita efetiva melhoria nas condições
de vida de seus associados, no despertar de uma consciência cidadã aliada a
uma educação formal qualitativa.
De acordo com o entrevistado F:
Houve alteração na auto-estima, porque ao participar das reuniões, os
itens, os assuntos em geral discutidos lá, também são discutidos em
casa, então nós temos que ter argumentação na hora de dar nossa
opinião, a gente quer que a nossa argumentação prevaleça, prá isso a
gente tem que tá bem consciente do que acontece na nossa volta.
(Informação verbal do entrevistado E, 2004).
Dessa forma, essa cooperativa de pequenos agricultores luta e atua no
campo, buscando garantir o fortalecimento da solidariedade, a permanência no
campo e a produção de alimentos para sua subsistência. Eles, enfrentando os
problemas que afetavam sua forma econômica de vida, alcançam dimensões
muito mais radicais do ser humano. Alcançam uma totalidade percebida e exposta
por Freire já nos anos sessenta quando enfatiza:
E é como seres transformadores e criadores que os homens, em suas
permanentes relações com a realidade, produzem, não somente os
bens materiais, as coisas sensíveis, os objetos, mas também as
instituições sociais, suas idéias, suas concepções. (FREIRE; 1998:92).
Através de sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os
homens, simultaneamente, criam a história e se fazem seres histórico-sociais.
O estímulo que a COOPAL dá a seus associados, se verifica na obtenção
de créditos acessíveis, assistência técnica, preços justos e garantia de
comercialização. Como ratifica o entrevistado A: A união dos associados é que
facilita a obtenção de crédito, sozinho a gente não conseguiria. (Informação verbal
do entrevistado A, 2004)
Nos últimos anos, a evolução genética tem ajudado o produtor de leite a
alcançar rebanhos mais produtivos. Nesse sentido, a COOPAL está
comprometida com a melhoria do rebanho buscando acompanhar a mesma.
Nesta perspectiva o entrevistado B nos brinda dizendo que:
30
A cooperativa tem banco de sêmen que tá disponível aos associados
em toda a região, isso ajuda a gente a melhorar o rebanho. A
inseminação artificial, cursos de especialização do leite. A gente tem
acesso a essas coisas através da cooperativa.
(Informação verbal do
entrevistado B, 2004)
Assim, acreditamos que os pequenos produtores, através da cooperativa,
estão construindo um espaço de produção de conhecimentos que vêm dar conta
de suas demandas cotidianas e qualificar a produção.
3.5 – IDENTIFICANDO O CONTEXTO DA ESCOLA
A Escola Estadual de 1
o
Grau Dr. Carlos Meskó foi fundada em 24 de
maio de 1962, na localidade de Florida, sendo então denominada Escola Rural
Coxilha dos Teixeiras. Em agosto de 1970, passou a funcionar no Iguatemi. Em
1972, a Escola passou a denominar-se Escola Rural Dr. Carlos Meskó, em
homenagem ao Dr. Carlos Meskó, que atuava como médico nesta localidade.
No ano de 1973, a Escola ganhou o terreno onde estão construídas as
atuais instalações. Em 1977, foram implantadas as 7
a
e 8
a
séries. Em julho do ano
2000, foi inaugurada a ampliação do prédio da Escola para a implantação do
Ensino Médio e, só em 05 de janeiro de 2001 a Escola foi transformada em
Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Meskó.
Convém destacar que no Projeto Pedagógico da Escola (ver anexo 1) ela
se propõe a estar “voltada para a construção de uma sociedade comprometida,
através de uma escola atuante que desenvolva o conhecimento, a integração e a
formação da cidadania, despertando a participação, responsabilidade,
promovendo a transformação social.”
Além disso, tem por objetivo geral “a construção do conhecimento, a
participação social através de parceria, a valorização da integração à sua
realização e a busca de uma sociedade baseada na democracia, na igualdade e
na justiça.
31
Essa declaração de intenções problematiza os professores e direção da
escola, face às dificuldades para a sua efetivação.
Avançamos um pouco a descrição que consta no Projeto Político
Pedagógico. A localidade do Iguatemi, uma região de coxilhas, com um clima
ameno, onde a maioria dos moradores vive da agricultura, produzindo
principalmente fumo, mas também soja, milho, feijão, batata. Verifica-se ainda no
Projeto Político Pedagógico “que algumas famílias dedicam-se também à criação
de animais, utilizados em subsistência (carne, leite, ovos), e também à produção
de leite comercializada na COSULATI e na COOPAL” e que a população da
localidade é composta por brancos, predominando a colonização alemã, mestiços
e alguns negros e, que as opções de lazer desta comunidade são as “festas
beneficentes em igrejas e escolas, torneios esportivos, visita aos parentes, jogos
de cartas e, para os jovens, os bailes sábados à noite.
Há uma grande preocupação da Escola, pois apesar de não verificar
graves problemas de indisciplina, nota um “grande desinteresse e desmotivaçao
por parte dos alunos, o que nos leva a constatar que a prática pedagógica
necessita ser aprimorada, bem como deve haver uma reformulação do currículo,
buscando incrementá-lo com conteúdos ligados à realidade do aluno e da
localidade.
A participação das famílias na escola ainda é pouca, apesar dos esforços
dos professores, “os pais não procuram a escola para acompanhar efetivamente a
vida escolar dos filhos e também não participam efetivamente das reuniões e
demais atividades realizadas pela escola.
Os alunos pertencentes ao educandário Dr. Carlos Meskó, em sua grande
maioria, são filhos de pequenos agricultores, onde prevalece a pequena
propriedade, e nela residem, normalmente, além dos pais e irmãos, também os
avós, que são bem vindos, pois contribuem com a aposentadoria para aumentar a
receita.
32
Predomina a religião Luterana, “que perpassa, um pouco por tradição, de
geração em geração, e que aproxima as pessoas da comunidade, sendo uma das
poucas formas de integração”.
A perspectiva de educação da escola – expressa no Projeto Político
Pedagógico – não difere, em linhas gerais, do que se vê idealmente colocado na
maioria dos Projetos Políticos Pedagógicos de escolas, independente de sua
localização e de suas ações. O que diferencia a Escola Dr. Carlos Meskó é que
os professores se esforçam por conseguir e se angustiam quando não
conseguem o enraizamento local, a formação crítica, solidária, colaborativa e
cidadã dos alunos (conferir em Perspectiva de Educação na Escola, no Projeto
Político Pedagógico).
Vários itens abordados no Projeto Político Pedagógico são verificados na
fala da professora, como pode ser observado no anexo 2.
33
4 – AGRICULTURA FAMILIAR: CONTEXTUALIZANDO O
PEQUENO PRODUTOR NA LOCALIDADE DO IGUATEMI
A propriedade familiar é, segundo Scaglione, “entendida como unidade
produtiva, explorada economicamente por um grupo familiar e que propicia, aos
seus membros, trabalho digno, capaz de prover a reprodução dos mesmos como
produtores familiares.”(SCAGLIONE, 2002, p.19). Este tipo de agricultura se
define pela presença do produtor rural que possui uma propriedade e cultiva a
terra para obtenção de produtos que garantam a sua sobrevivência e a de sua
família.
O grupo familiar, normalmente, é constituído pelo pai e demais membros,
como a esposa e os filhos, além do pai ou da mãe de um dos membros do casal
principal. Também é comum a presença do trabalho de agregados, ligados ou não
por laços sangüíneos, dada pela necessidade que o produtor possui de explorar
suas terras. Contando com mão-de-obra complementar, “no seio do grupo
doméstico, encontramos, às vezes, indivíduos não ligados pelo sangue. Mas
todos vivem juntos e são subordinados ao chefe da família”. (SALAMONI, apud
SCAGLIONI, 2002, p.20)
É importante salientar que o trabalho feminino é duplamente explorado,
não aparecendo nas estatísticas sobre agricultura familiar. Nesse sentido,
Pereira diz que:
No caso das mulheres, elas são duplamente exploradas, pois além de
trabalhar na lavoura ainda desempenham atividades domésticas. O
serviço feminino não aparece nas estatísticas sobre o trabalho no
campo, sendo considerado como ajuda, não é reconhecido como mão-
de-obra.
(PEREIRA, 2001, p. 45)
Na família camponesa, em sua constituição, as crianças não trabalham,
mas consomem, no entanto, à medida que crescem, participam progressivamente
das atividades da unidade, adaptando-se conforme o sexo e a idade para
34
determinadas tarefas, isto para que haja um equilíbrio entre a produção e o
consumo, ou seja, entre ‘braços e bocas’.
Para Salamoni e Gerardi,
[...] cada família possui uma dinâmica demográfica própria, dada em
função do número de membros que a compõem e de suas idades. Esta
composição familiar determinará a variação no volume de trabalho e
consumo necessário para garantir a sobrevivência da família [...]
(SALAMONI e GERARDI, 1992, p.199)
A unidade de produção familiar caracteriza-se pela utilização da força de
trabalho dos membros da família, sendo que este não é remunerado,
diferentemente da unidade de produção capitalista que objetiva o lucro ou “a
acumulação de capital ao máximo, mesmo que seja necessário a apropriação de
trabalho alheio e a destruição da natureza”. (PEREIRA, 2002, p, 20)
Para garantir as necessidades básicas de sobrevivência, que podem ser
tanto necessidades biológicas, como a alimentação e o vestuário, quanto
necessidades socialmente impostas, como a compra de bens duráveis ou
pagamento de taxas, impostos, etc., é verificada a quantidade de trabalho e
consumo de uma determinada família através do número de pessoas que
integram a unidade produtiva “[...] esta composição familiar determinará a
variação no volume de trabalho e consumo, necessário para garantir a
sobrevivência da família[...]” (SALAMONI e GERARDI,1992, p.52)
Além destes fatores, existem outros, como suprimento de mão-de-obra
não-remunerada, além da influência de diversos fatos econômicos sobre os
processos de renovação e acúmulo de capital.
Porém, qualquer transformação que possa ter havido nas unidades
produtivas, mantém o caráter familiar da atividade, que permanece no contexto do
setor agrário atual com determinados tipos de trabalho, como o artesanato rural,
comércio em feiras, prestação de serviço, etc., que nada mais são do que
estratégias internas do grupo familiar para permanecerem como agentes ativos no
circuito da economia.
35
O mais importante deste trabalho é ressaltar que a formação econômica
do Rio Grande do Sul teve suas origens num contexto histórico específico e que
os produtores familiares estão integrados ao mercado.
No trabalho familiar, geralmente, a mão-de-obra utilizada são os membros
que pertencem à própria família, sendo uma característica comum o não
recebimento de salário em troca de seus serviços, mas o resultado de seu
trabalho é compartilhado por todos os membros, que estejam ou não envolvidos
na produção. Alguns, por não possuírem condições físicas para trabalhar,
participam apenas no consumo familiar, conforme Salamoni e Gerardi:
“[...] se por um lado é a participação direta dos membros no processo
de trabalho que os define como mão-de-obra familiar, por outro lado, o
resultado do seu trabalho é compartilhado por todos os membros da
família, estejam ou não envolvidos diretamente na produção[...]”
(SALAMONI E GERARDI, 1992, p.52)
É possível percebermos que os homens assumem o trabalho mais
pesado, trabalhando na lavoura, gerenciando a propriedade, e que, as mulheres,
atuam nos serviços mais leves, embora este seja constante, intenso e
diversificado. A mulher camponesa exerce várias funções como “[...] cuidar dos
filhos, da casa, da horta, dos animais domésticos, da alimentação[...] o trabalho
que a mulher dedica às tarefas agrícolas propriamente ditas é considerado
apenas como “ajuda”. (SALAMONI E GERARDI, 1992, p. 54). Isto faz com que o
trabalho feminino seja desvalorizado, subestimado e não computado na
realização de estatísticas.
De acordo com Salamoni e Gerardi,
O grupo familiar é remunerado de acordo com suas necessidades
(alimentação, vestuário, saúde, lazer e outros). Nos cálculos
econômicos realizados são computadas as despesas como adubos,
inseticidas, aquisição e manutenção de maquinário, ou ainda, despesas
com mão-de-obra contratada e as relacionadas aos financiamentos
bancários.
(SALAMONI E GERARDI. 1992, p.58).
Podemos notar que a força de trabalho do produtor rural não é
contabilizada e que para vencer todas as dificuldades encontradas os produtores
estão adotando atividades de policultura, uma alternativa de sobrevivência das
36
quais podemos salientar o milho, o feijão, a batata-inglesa e alguns
hortifrutigrangeiros, como a cebola e a abóbora.
Associados a estes,
a criação de animais de pequeno porte é de fundamental importância
para a economia dessa área, tanto por abastecer a unidade produtiva
com carnes e derivados, (leite, queijo, ovos, manteiga, banha e
outros),quanto por servir como força de trabalho, uma vez que a tração
animal é largamente utilizada nas tarefas agrícolas da unidade
familiares, e em contrapartida todos estes produtos visam ao auto
consumo gerando também um excedente comercializável.
(SALAMONI
E GERARDI, 1992, p.60)
Dentro deste contexto, observamos que o produtor familiar reforça a
importância de manter a indústria doméstica ativa, pois só a renda de produção
comercial não seria suficiente para adquirir todos os produtos necessários ao
consumo doméstico, e que apesar do aspecto econômico ser preponderante a
questão da qualidade, o sabor e o valor nutritivo são fatores decisivos para a
continuidade da industrialização caseira de muitos produtos. Conforme Salamoni
e Gerardi:
[...] o produtor familiar considera mais econômico beneficiar os produtos
na própria unidade produtiva, uma vez que dispõe, desde a matéria-
prima e os instrumentos até a mão-de-obra, isentando-se da maior parte
dos itens que implicam custos monetários. (SALAMONI E GERARDI,
1992, p.61)
Todo o agricultor tem o mesmo objetivo, o de extrair o máximo de lucro
para investir na terra. Já que a produção familiar tem enorme capacidade de
adotar novas tecnologias, como tratores, colheitadeiras, ordenhadeiras
mecânicas, isso lhe traz um extraordinário aumento na produtividade fazendo
disso uma razão para sua sobrevivência.
De acordo com Jean,
A capacidade de adotar inovações ou intensificar a produção são
características da propriedade rural familiar moderna que são
conseqüências de sua existência em nossas economias agrícolas, e
não causas, que, em última análise, explicariam sua sobrevivência,
sempre ameaçada na economia capitalista segundo alguns, ou a sua
manutenção e até sua consolidação [...] (JEAN, 1994, p.64).
Para compreender estas questões, Kieling propõe uma reflexão dizendo:
37
A percepção e a explicitação das mediações específicas que
impossibilitam reduzir as relações às formas especificamente
capitalistas de produção ajudam sobremaneira a construir
historicamente uma perspectiva de identidade social, tanto na re-leitura
de trajetórias vividas, quanto na articulação de projetos futuros.
(KIELING: 2005).
Estas indicações tomam mais peso para nosso trabalho quando assumem
a referenciação direta das relações do campo. Assim, na abrangência da unidade
familiar de produção, as inúmeras atividades precisam ser identificadas e
entendidas como atividades humanas das pessoas da família e na totalidade
própria que imediatamente constituem.
Por serem específicas as formas de inserção dos camponeses na
economia capitalista, todas as relações econômicas precisam ser
redimensionadas na perspectiva dos colonos, e não reduzidas simples e
unilateralmente à visão dos empresários.
No mesmo texto aparece, ao lado da não homogeneização conceitual, a
indicação dos conflitos e contradições que historicamente diferenciam e opõem
grupos sociais, especialmente a partir do meio rural. Completa Kieling: “São
tensas as relações entre esses grupos, o que lhes imprime uma dinâmica própria,
irredutível a formas mecânicas de correspondência”.
Segue o autor:
A contradição entre trabalhadores e capitalistas evoca uma referência
importante que é intrínseca à atividade das pessoas e relativa à
totalidade dos fazeres sociais dos membros de toda a sociedade. Trata-
se da referência que propõe discutir a importância própria dos sujeitos
pela avaliação da importância relativa de suas ações na constituição da
totalidade da sociedade. É aquilo que está implicado na questão do
valor social. Essa categoria traz à discussão a possibilidade de
compreensão da radicalidade mais profunda do fazer econômico: a
dimensão dos sujeitos que fazem acontecer a produção e sem os quais
ela deixa de ser. Essa tarefa decorre diretamente de uma asserção
ontológica chave na perspectiva dos trabalhadores: a de que a
realidade vem sendo constituída efetivamente pela atividade de todas
as pessoas. Isso redunda noutra asserção ontológica essencial: a de
que a sociedade é fundada no conjunto das atividades humanas das
pessoas. (KIELING; 2005)
38
5 – ENSAIANDO UMA INVESTIGAÇÃO COLABORATIVA COM OS
ALUNOS
O ponto em que estamos atualmente e no qual temos que dar um fecho
para efeitos da dissertação, mas não do processo da pesquisa, nos mostra a
profusão de informações que constituem o senso comum da comunidade. Essas
informações nos dão a visão da riqueza da relação educativa que pode se
estabelecer numa aproximação entre a Escola e a comunidade. Temos
informações sobre a intenção anterior às tomadas de decisão e as contingências
com fumo, com produção mercantil ou não do feijão, com produção mercantil ou
não de leite entre outros.
Poderíamos, para efeito de aproximação a essa densidade de
informações, listarmos, para fins apenas indicativos, temas que se mostram
imediatamente presentes nas falas, eles constituem uma espécie de complexo
temático das relações da comunidade do Iguatemi.
Soja
Fumo
Leite
Compra na cidade
Atividades complementares à produção mercantil
Atividades mercantis
Não temos tempo agora para problematizar o estado atual da qualificação
do senso comum. Em parte, pela interrupção do trabalho que se impõe para
conclusão da dissertação. E, como exigências da pesquisa, a problematização
39
dessas informações devem ser feitas coletivamente com os alunos, pais e alguns
professores, enfim, com a comunidade escolar. Mantemos por isso, no decorrer
do texto, a transcrição do contexto original das informações coletadas, com
algumas interferências, mas procurando respeitar a forma de transposição da
linguagem oral para a linguagem escrita.
5.1 - PRIMEIROS CONTATOS NA ESCOLA
A angústia que eu sentia nas primeiras visitas à escola, causadas pela
expectativa da receptividade quanto à exposição do meu trabalho de
pesquisadora, à direção e aos professores, era sempre suavizada pelas
conversas que mantinha com a Carla, minha colega do mestrado, que também
faz sua pesquisa na mesma escola. No longo caminho para chagarmos ao
educandário, Carla sempre tinha uma palavra amiga, de encorajamento e de
ânimo, portanto, por diversas vezes usarei o pronome nós.
Ao chegar à escola, era grande a expectativa, mas fomos muito bem
recebidas pela Diretora e pela Coordenadora, que viam nas pesquisas,
perspectivas de colaboração para posteriores mudanças nas práticas escolares.
Como se pode verificar na fala da Diretora:
Já era proposta do ano passado de estarmos convidando palestrante
para virem, então o que tu notares, que se sobressaia, o aspecto, o que
seja uma necessidade, que seja um fator mais determinante, uma
carência, eu gostaria que estivesses nos passando para podermos estar
convidando as pessoas, porque sem a gente ter alguma coisa
pensada...porque o teu trabalho direciona exatamente, é específico,
para onde a gente pode estar caminhando, encaminhando. Por
exemplo, pode aparecer todos usando veneno na lavoura, então dá pra
trazer alguém que direciona a palestra para este tema.
Inicialmente pretendia propor aos professores da escola um projeto
interdisciplinar abordando questões referentes àquela realidade escolar. As
dificuldades fizeram-me adotar outro caminho, pois os professores não residem
próximo à escola, trabalham em outros educandários e, portanto, não
40
disponibilizavam de tempo para reuniões fora do seu período de trabalho. Assim,
no início do ano letivo de 2006, foi escolhida uma turma (6ª série) e uma disciplina
(Geografia) para a realização do trabalho.
Conversa com a professora. Primeiros contatos com os alunos
O diálogo com a professora de Geografia foi rápido e tranqüilizador, pois
ela se dispôs a colaborar no que eu precisasse e, assim, fomos à sala de aula. A
apresentação foi carinhosa e a educadora solicitou dos alunos toda a
colaboração, carinho e atenção para comigo. Ela deixou-nos.
A turma era pequena, de apenas dez alunos. Fiz um círculo com as
cadeiras, para que o ambiente ficasse mais acolhedor e comecei a expor o meu
trabalho de pesquisa. Perguntei se estavam dispostos a me ajudar. A resposta foi
unânime: “Sim, com certeza”. A partir daí, já não estava mais sozinha no campo
de pesquisa, tinha comigo dez novos pesquisadores, meus “coleguinhas de
trabalho”.
Logo no início, pedi que se apresentassem e que contassem sobre sua
vida, na família, na escola, no lazer. Ficaram ariscos. Não compreenderam muito
bem o que eu estava pedindo. Expliquei outra vez e comecei a fazer perguntas
diretas para que pudessem desenvolver o relato. Qual o teu nome? Tua idade? O
que fazes fora da escola?. Quando perceberam que eu queria que eles falassem
sobre o que acontecia dentro e fora da escola, então sim, ficaram entusiasmados,
todos queriam falar ao mesmo tempo. As informações vinham em profusão. Pedi
que um de cada vez se apresentasse. Não mais induzi o relato, deixei a critério de
cada um contar o que pensava ser mais relevante, mais importante. Deu muito
certo.
41
A apresentação:
1- Gitane
2
– mora a 4 ou 5 km. A família possui 23 hectares. Mora com o
pai, a mãe e seis irmãos.
Planta fumo.
Milho para consumo.
Leite para a Cosulati.
De 2 em 2 dias com 5 vacas leiteiras entregam 50 litros.
A família possui 23 hectares.
2- Eva – mora a 2 km da escola com o pai, a mãe e duas irmãs.
Pai - trabalha no posto de gasolina e auto-peças.
Mãe - trabalha na lavoura plantando fumo de meia (terra arrendada).
A família tem venda e todos cuidam da mesma.
A terra possui açude.
3- Catiela – 11 anos – mora a 1 km da escola. Tem uma irmã de 15 anos
que mora em Canguçu
Pai – caminhoneiro.
Mãe – mini mercado, tem loja em Canguçu com a tia.
Bisavó vende leite para a COOPAL.
2
Para preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa optei por utilizar nomes fictícios.
42
A família possui 47 hectares divididos em cinco; possui açude.
4-Darizia – 14 anos – mora a 500 metros da escola. Tem um irmão que
estuda na 2
a
série da mesma escola.
Planta:
Fumo
Milho
Soja
Amendoim, horta.
Com cinco vacas leiteiras entrega de 20 a 25 litros para a COOPAL.
A família tem 20 hectares mais 20 hectares do outro lado da estrada mais
duas chácaras de aproximadamente 20 hectares.
Açude sem peixe.
5 - Juliana – 14 anos – mora na cidade e tem 4 irmãos; até os dez anos
morava no Herval.
Plantavam:
Milho
Fumo
Entregavam leite para a Cosulati.
43
6-Andrio – mora a 2 km com o pai, a mãe, a avó e dois irmãos.
Irmão - terceiro ano do Ensino Médio.
Irmã – 5
a
série
Planta:
Batata
Feijão
Fumo
Primeiro entregavam leite para a COSULATI e agora para a COOPAL.
Produz 90 a 100 litros de 2 em 2 dias
Possuem 10 vacas sendo que 3 não produzem leite.
A COOPAL financiou o resfriador.
O tio trabalha para a COOPAL.
A propriedade possui açude com peixe.
A família tem 12 hectares e a avó tem 7 hectares.
7- Merízia – 12 anos – de 7 a 10 km 3
o
distrito Rincão do Progresso
Mora a 5 anos no Iguatemi com o pai, a mãe e uma irmã.
Pai – zelador da prefeitura
Mãe – professora da escola rural, onde a família mora. Escola estadual,
provavelmente no ano de 2007, a mãe não mais estaria atuando na área de
educação sendo que teriam que morar em Canguçu.
44
8-Paulo – 12 anos – 7 a 10 km
Pai, mãe e 1 irmã
Planta
Batata
Feijão
Milho
Não vende mais leite
Logo que a Coopal surgiu vendia 20 litros dia. Parou para plantar.
Propriedade de 15 hectares
Luterano
9-Cledemir – 5 a 6 km
Pai, mãe e 1 irmão e 1 irmã.
Planta
Fumo
Feijão
Milho
23 hectares – 5anos que moram, pagaram 27 mil reais, não tem outro
dono e o financiamento foi feito pelo Banco da terra.
45
Vendiam leite para a COOPAL.
5 vacas que foram vendidas – de 4 em 4 dias produziam 20 litros de leite
produziam pouco leite pois não tinha pasto.
10-Roger – 12 anos – Mora a 3 a 4 km com o pai, a mãe, e um irmão e
uma irmã que são gêmeos (8 anos na 2
a
série).
Planta:
Fumo
Milho
Batata para consumo da casa
10 hectares de outro dono. Metade da plantação vai para o dono da terra.
1 vaca só para o consumo.
Terminou o horário. Tão agradável e empolgante tornara-se o nosso
diálogo que não percebemos o sinal. Era hora de encerrar o expediente. A
despedida foi alegre e com a promessa de estar de volta na próxima semana.
Promessa Cumprida (Novo encontro).
Ao chegar à escola, era hora do recreio e fui agradavelmente
surpreendida: um abraço carinhoso, um beijo e o desejo de “seja bem-vinda
professora” me emocionaram, eram as crianças me recepcionando no portão.
Fomos à sala de professores, onde Carla trabalharia com o seu grupo, e eu,
novamente mantive um agradável diálogo com a professora de Geografia. Era
46
hora de entrar em sala. Novamente pedi que formássemos um círculo para que
pudéssemos trabalhar melhor.
Perguntei se todos conheciam bem a localidade e se poderiam me
explicar onde moravam, as distâncias. Durante a conversação não tivemos
dúvidas, era melhor representar. Como? Nada melhor do que um desenho. Por
unanimidade foi escolhida a aluna Darizia, desenhista oficial da turma. Logo
entendi porque. Desenhava muito bem. Pegamos papel pardo e lápis, sentamo-
nos no chão, ao redor da desenhista, cada um contribuindo com informações e
detalhes da localidade, para que o desenho não apresentasse falhas. Enquanto o
desenho era feito, íamos conversando, os alunos contavam sobre o que faziam
na propriedade, não trabalhavam realmente, mas a ajuda era importante: “na
sexta feira vamos matar um porco, eu ajudo em tudo”, disse Andrio. A menina
desenhista, atenta ao diálogo, interpelou: “lá em casa também! No outro final de
semana vamos matar um porco”. Interessei-me e perguntei: vocês vendem a
carne? Ambos afirmaram: “Não. É só pro consumo da gente”. Percebi que eles
participavam ativamente das atividades domésticas. Também tiravam leite que
também, na maioria das casas, é só pro consumo. Apenas dois alunos
confirmaram que vendiam leite para a COOPAL. Apenas Andrio disse conhecer a
COOPAL: “meu tio trabalha na COOPAL, então eu vou lá”.
O fumo é importante fonte de renda nas propriedades, pois a menina
Darizia, orgulhosa, falou: “meu pai me deu mil pés de fumo, quando o fumo for
vendido, o dinheiro é meu”. Achando muito, perguntei: Mas é muito fumo, não é?
A resposta veio rápida: “Não professora, meu pai planta mais ou menos 50 000
mil pés”.
Todos queriam dar opinião. Contribuíram com informações a respeito dos
gastos com produtos químicos, herbicidas, fungicidas e agrotóxicos que devem
ser utilizados na lavoura. Também falaram sobre as conseqüências desastrosas
para as lavouras quando não chove e há muita seca, sobre a perda na qualidade
do produto que prejudica o faturamento, enfim, todos, sem exceção, não só
falaram, como demonstraram que compreendiam muito bem a relação da
produção e do custo final.
47
O assunto tomou grande proporção e questionei: “mas então vocês
plantam muito fumo?” Um dos alunos disse: “É 33”.
Brincando, perguntei: “33 pés?”. Risos.
“Não, 33 mil.”. A menina explicou que “33 mil pés são plantados em uma
parte da propriedade que é dividida pela estrada, o restante, os outros 17 mil, são
plantados na outra parte da propriedade. Se não os pais dela não podiam dar os
mil pés pra ela”.
“E quanto dá isso em dinheiro?”, perguntei.
Isso depende, se o fumo for bom pode dar mil reais. 50 reais a arrouba.
50 reais a arrouba? E como é que se faz o cálculo?
Bom, aí tem que fazer vezes por quantos mil pés.
No caso dela, quanto dá?
Aí tem que dividir por 50.
Falei admirada: Mas 33 mil pés é muito fumo?!!
Não, aqui tem vizinhos que plantam 42 mil pés, alguns plantam 60 mil
pés. Mas quem planta menos, cuida melhor. Lá embaixo onde nós morava, o
vizinho plantava 500 mil pés.
Achei muito, e repeti assombrada: 500 mil pés de fumo?
Quem planta cento e poucos mil pés de fumo tem que abandonar tudo o
resto, tem que se dedicar só a isso, não planta mais nada, não cuida da criação.
Mas não é o caso de vocês aqui?
Não, plantamos soja, fumo, nós cuidamos de todas as coisas, dos
animais.
48
Vocês plantam fumo?
Plantamos, mas não sei quantos pés, nós plantava outras coisas, mas
agora não. Animais nós só temos porco e uma vaca, mas não dá leite, a gente
não tiramos leite, a gente deixa ela solta no pasto.
Lá em casa tem um porco branco e um amarelo
Lá em casa tem um grandão e um pequenininho, e o pequenininho já tá
gordo e nem cresceu ainda.
Nós temos uma leitoa e um porco que nós vamos carnear na sexta-feira.
Tentando mudar de assunto, perguntei:
Tu falas em pomerano?
Minha mãe fala e o meu pai não, aí minha irmã e eu não entendemos
nada, diz Catiela.
Lá em casa só minha mãe fala o alemão, meu pai só um pouquinho. E eu
falo. Diz Gitane.
Lá em casa minha mãe fala com os mais velhos e eu não entendo nada,
diz Eva
Vocês duas falam em pomerano? Pergunto a Darizia e a Gitane.
Nós chegamos a fazer uma festa de Natal na Igreja em Pomerano.
Vocês vão matar porco também? É só pro consumo, ou é vendido?
Não, é só pro consumo.
No meu vô, eles matam uma novilha.
49
A minha mãe é professora ali, e o governo quer fechar a escola da mãe,
aí porque a escola é pequena tem que botar os alunos numa escola grande, aí a
mãe procurou uma casa em Canguçu e aí se fechar nós temos que nos mudar.
Eles falaram da Escola e do governo.
Durante todo o diálogo a menina desenhava;
vocês todos moram na estrada principal?
Não, eu agora vou fazer os desvios. Aqui na igreja é um.
O tempo passou e o desenho foi concluído.
A despedida foi novamente alegre e descontraída com a promessa de um
novo encontro.
Terceiro encontro
Novamente fui recebida com alegria e entusiasmo, as crianças estavam
distraídas com suas brincadeiras na hora do recreio, mas, ao perceberem minha
chegada, vieram correndo, com um sorriso alegre e espontâneo, para me abraçar
e desejar as boas vindas. Demonstravam amorosidade e alegria ao me ver, e isto
sempre me emocionava.
Bateu para o término do recreio e fomos, eu e a turma de dez alunos, à
sala de aula. A discussão sobre a localidade surgiu no primeiro momento e a
dúvida foi instantânea: Iguatemi é distrito ou subdistrito? Eva, pedindo licença,
saiu correndo da sala, voltou em seguida trazendo um mapa do município. Todos
se animaram para a discussão. Colocamos o mapa no chão e foi comprovado de
imediato que “Iguatemi é uma localidade e faz parte do 2
o
subdistrito de
Canguçu”, falou alegremente Catiela. Mas o entusiasmo foi geral ao perceberem
que podiam ver onde ficava a escola, cada um deles, ali, sentados no chão,
procurava sua casa ou um ponto de referência no mapa, ora verificando a
50
distância de uma casa a outra, ora medindo a distância até a escola. Coloquei
junto ao mapa, uma carta cartográfica da localidade e ficamos analisando o
material exposto. Hora de encerrar o encontro. Perguntei se podia fazer uma
visita à casa deles. Outra vez a resposta foi unânime, “claro que sim, professora”.
Já estávamos no final do ano letivo e prometi, então, visitá-los nas férias.
Orientações
Paralelo a esse processo, desenvolvi orientação e discussão com o
professor orientador José Fernando Kieling, para discutirmos estratégias de
organização das atividades com os alunos da Escola Dr. Carlos Meskó.
Chegamos à elaboração de um quadro de referências com um detalhamento
expandido de muitos indicativos para observação e coleta de dados sobre a
realidade a partir da família e da unidade familiar de produção.
Anexamos, em seguida, as grades mais formais, que deram início ao
trabalho de coleta dos alunos. As grades, em certo sentido, davam mais
segurança e balizavam uma proposta que, frente a qualquer injunção ou
contrariedade, pudesse chegar, mesmo com relativo êxito, a bom termo.
O movimento, entretanto, foi tão intenso por parte dos alunos e recebeu
colaboração tão expressiva dos pais, dos professores e das crianças, mesmo de
fora da turma, que extrapolou exuberantemente qualquer expectativa, mesmo as
mais otimistas. A profusão de dados atropelou-me. Tive dificuldade para entender
a nova abrangência que eles estabeleciam para o desenvolvimento do projeto.
Em reunião com os colegas do GAPE e com o orientador, fizemos um esboço
aproximativo em forma de rol de temas e rede de articulações trazidas oralmente
por mim para aquele encontro. O esboço foi mantido na seqüência do texto para
mostrar a organização dos primeiros dados trazidos pelos alunos e a rede de
problematização da unidade de produção rural e suas relações próximas,
evocadas a partir dos dados informados oralmente pelos alunos quando
refletimos, na escola, sobre a aquela entrevista inicial.
51
Algumas questões foram tratadas diretamente em sala de aula com a
colaboração entusiasmada dos alunos no desvelamento das relações históricas
que eles viviam. Uma grande parte das questões foi vista por mim e pelos colegas
do GAPE como o esboço de uma nova abrangência na permanência e na
continuidade do trabalho com a comunidade do Iguatemi e com a Escola Carlos
Meskó.
Deixei fora do texto, no anexo 3, alguns exemplos de respostas dos
alunos ao questionário inicial. Ajudam a ver melhor o movimento da própria
dissertação.
52
53
54
55
56
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Visita aos pais dos alunos do Posto Branco. (Visita durante as
férias)
A temperatura estava amena quando, num sábado de manhã, convidei
meu pai e minha mãe para acompanhar-me na visitação que faria aos pais dos
alunos que me ajudavam na pesquisa.
O passeio empolgava, campos verdejantes de um verão que chegava ao
fim, chamavam nossa atenção. Meu pai atento à paisagem comentou “parece um
tapete verde”. De fato, o panorama que se desenhava a nossa frente era
encantador.
Chegamos à localidade Posto Branco. Apesar da chuva que havia caído
durante a semana, a estrada de chão que nos levaria as residências estava boa.
Eu, apesar de ter feito o trajeto por diversas vezes para chegar à Escola e das
informações dos alunos no mapa feito no papel pardo, estranhei as distâncias.
Tudo me parecia mais longe.
Cheguei em algumas residências para pedir informações. A cada
propriedade que eu chegava, meu pai ia reconhecendo os lugares.
Reminiscências do passado lhe brotavam na memória. Lembranças de uma
juventude vivida há muito, muito tempo. Nos tempos de “moleque”, andava por
todas aquelas propriedades vendendo tamancos.
A cada residência que passávamos, recordava a família que ali morava.
Percebi sentimentos contraditórios, ora falava com melancolia, ora com
entusiasmo, mas sempre com saudade. Minha mãe apenas escutava.
Assim, cheguei na primeira casa. Fui recebida pela mãe da aluna Darizia,
a desenhista. Apresentei-me. Em seguida chegou o pai e a própria Darizia.
Conversamos sentados na grama. Minha mãe não se conteve, desceu do carro e
com a desculpa de querer mudas de flores, bem típico dela, entabulou uma
conversa em pomerano, dialeto alemão muito falado nos arredores. O casal
sentiu mais segurança para falar e os assuntos se diversificaram. Ao ser
perguntado sobre a produção de leite, o pai da garota disse que “a decisão de
58
parar de produzir leite se deve ao fato da relação produção x lucro se tornar
inviável, pois o valor de produção é muito alto e não compensa. Hoje temos só
três vacas. É só pro consumo. Paramos de produzir por causa do preço mesmo.
Plantamos fumo, porque o feijão é 25 a 30 reais. Muito trabalho pra pouco
dinheiro. Nem pensamos na possibilidade de trocar de plantação. Ao ser
perguntado sobre o tamanho da propriedade disse-me que é de
aproximadamente 24 hectares.”
Agradeci a atenção e nos despedimos. Seguimos adiante.
Chegamos à residência de Andrio, onde fui atendida pela mãe do garoto.
Aqui, minha mãe já estava junto comigo na hora de me apresentar e logo iniciou a
conversa, fazendo as devidas apresentações em pomerano. Pouco tempo depois,
as duas conversavam como se fossem velhas conhecidas. Entrei no assunto
pedindo que fizesse um relato da produção da propriedade:
“A gente planta fumo porque a necessidade manda. Criança pra sustentar,
colégio, isso dá dinheiro, mas já não é como antigamente, só tem aquilo, pra
sobreviver, pra sustentar tua família, já foi o tempo que se plantava pra ganhar
muito dinheiro.
E o leite como é?
O leite a mesma coisa, produzimos e entregamos para a COOPAL,
porque a necessidade manda, né? Porque é uma renda a mais, uma renda extra,
que entra todo mês, 130 litros mais ou menos por mês que nós produzimos,
temos seis vacas e a COOPAL recolhe de dois em dois dias. Eu sou a favor de
vender leite do que plantar fumo. Eu planto fumo por enquanto, porque os guris
tão ajudando. Temos 11 hectares e meio. Plantamos fumo mesmo porque é o que
mantém a família. Batata mesmo, colhemos mais de cinco sacos, tá tudo aí,
estragando, pra vender a 10 reais, não vale a pena, 10 reais o saco, faz a conta,
cinco sacos, dá 300 reais, faz o quê? Vai no supermercado com 300 reais? Dá
pra fazer o rancho pra um mês, e olha lá se dá. Tem que contar a semente, o
adubo, o trabalho.
59
Perguntei se pensavam na possibilidade de trocar a produção do fumo por
eucalipto, acácia ou girassol?
Sim, nós já estamos pensando nisso, eu to plantando fumo por enquanto,
porque o filho mais velho quer fazer vestibular pra Educação Física, ele não quer
ficar na propriedade, eu acho bom ele estudar, na colônia não dá mais. Porque
vê só, nós temos 11 mil reais de despesas, pela firma, eles mandam adubos,
mandam tudo, nosso já dá 11 mil reais, então nós temos que tirar isso primeiro e
depois divide isso pra ver o que sobra. Porque quem ganha 450 reais na cidade tá
melhor do que pra nós aqui fazendo 2 ou 3 mil reais por mês, tirando todas as
despesas, no final não sobra quase nada, que nem o leite, também, eu faço mais
ou menos 500 reais de leite por mês, pra fazer o rancho é bom, mas também! o
quanto eu invisto, o farelo, o sal, o medicamento pras vacas, tem tudo isso, mas
eu não penso em parar de vender leite, porque isso é certo. Antes parar de
plantar fumo do que vender leite. Faz de manhã, faz de noite, bota no resfriador, e
não tem mais com o que se preocupar, não te envolve mais. O fumo não, tem que
colher, atar, colocar na estufa, tem que pôr lenha. Essa semana mesmo choveu
todos os dias, mas começou tem que terminar, eu me molhei três vezes essa
semana na lavoura, chega no final do dia tu tá estressadíssima, tá que não
consegue nem mais ver o fumo.
Planta feijão, batata e o que mais?
Eu planto batata e dou pras vacas. Tudo o que sobra na agricultura,
mesmo na horta, o repolho, alface vai tudo pras vacas, abóbora.
Não pensam em vender?
Tem tanta moranga, mogango, eles dizem que não gostam de comprar,
preferem comprar da Ceasa. Então deixa, deixa lá que eu dou pras minhas vacas,
é menos farelo que eu compro. Tem um senhor que ao invés de comprar aqui,
não, ele prefere comprar lá, diz que é melhor, diz que comprava a batata de São
Paulo, que é melhor. Tu vê, se tivesse dito pra mim eu teria perguntado se aquela
batata era colhida em apartamento, vai ver se aquela batata não é colhida na
terra que nem aqui.
60
Vocês fazem empréstimo em banco?
Sim, nesse sentido a COOPAL ajuda porque foi através do presidente da
COOPAL que eu consegui o empréstimo.
A entrevista chegou ao fim e nos despedimos.
Chegamos à casa de Eva. Bati. Não houve resposta.
Continuamos o caminho até a casa da Catiela. A mãe da garota me
recebeu com atenção e a conversa tornou-se muito agradável. A família possui
um mini-mercado, e o marido é caminhoneiro, sendo que transporta
principalmente o fumo plantado na região. A respeito da plantação de fumo a
senhora expõe que “a produção de fumo é interessante para a fábrica, porque
exige a mão-de-obra familiar, não pode ser mecanizada. Os grandes proprietários
produzem soja, pois podem usar máquinas. É o caso do leite, os grandes usam
máquinas, ordenhadeira, o valor é muito baixo para o pequeno produtor. Em
grande quantidade é rentável.”
Fomos interrompidas com a chegada de Catiela, cumprimentou-me
alegremente, perguntando se já havia estado na casa da Eva. Respondi que
lamentava, mas não havia ninguém para me receber. Inconformada, pediu licença
e saiu correndo. Voltou em seguida, afirmando que todos estavam em casa e que
me acompanharia. Despedi-me e a garota entrou no carro, apresentei-a aos meus
pais que, pacientemente, me esperavam.
Chegamos à casa de Eva. Foi desnecessária a apresentação, as garotas
já haviam feito a propaganda da professora que estava fazendo uma pesquisa,
disse-me a mãe de Eva. Então, começamos a conversar.
Ao falar sobre a vida no campo percebi uma certa tristeza em seu relato:
a terra é arrendada, planto dez mil pés de fumo, é a única coisa que dá dinheiro.
O milho? - 10 reais o saco. O fumo? 1 arrouba – 100 reais. A gente sabe que o
fumo requer agrotóxico forte. Mas temos que usar.” Mas apesar de que o fumo dá
trabalho, passa o ano inteiro em função disso, só que é um serviço leve, tu não
61
trabalha no sol quente. Tem o veneno. Quem é fraco pro veneno não consegue,
eu não consegui, eu tirava o broto, as florzinha aquelas, sabe? Os vizinhos
botavam o veneno, mas cinco carreiras atrás de mim, mas o vento, o veneno é
muito forte, aquilo me sufocou, eu passei o dia inteiro muito mal, fui parar no
pronto-atendimento, sem poder respirar. Nem é tanto veneno assim, mas é muito
forte, é só pra tirar o broto.
Perguntei quanto tinha em um saco de milho e em uma arrouba de fumo.
Logo esclareceu: “o saco de milho tem 50 quilos e uma arrouba de fumo tem 15
quilos. A diferença é grande”.
Continuando o diálogo afirmou que “não uso mais o Pronaf porque não
sou mais associada à COOPAL e o banco dificulta o empréstimo por causa do
modelo 15”. O dono da terra me deu a terra para plantar, eu ajudo eles e eles me
ajudam. Os 10 000 mil pés são meus, livres de qualquer coisa, tudo que eu devo
na firma é o meu pedido, ele me emprestou a terra pra eu plantar esses 10 000
mil pés, ele me ajudou a plantar, me ajudou a limpar, me ajudou a colher, porque
na verdade eu não tenho ferramenta, eu não tenho cavalo, não tenho boi, arado,
grade, capinadeira , não tenho nada, então agente trabalha junto, só que quando
é na hora de colher, tá seco, cada um guarda o seu. Depois de novo, agora a
gente tá classificando o fumo, cada um ajuda o outro, classifica e manda pra
firma, cada um com seu nome e pronto. Quando terminar, terminou e deu. Eu
pago a terra com a mão de obra.
Ao me despedir, as garotas se prontificaram a ir conosco até a próxima
propriedade, na casa de Merízia, Pedi permissão à mãe de Eva, que não viu
problemas e partimos. A alegria, a jovialidade, próprias da idade, se refletia na
fala das garotas, que conversavam ininterruptamente. Falavam da escola e dos
finais de semana no interior. A estrada que nos levaria à casa era secundária e,
como havia chovido, em um determinado ponto tornou-se intransitável. Tive que
desistir. Não havia mais como continuar. Voltamos.
62
Minha jornada pelo interior chegara ao final, pois Juliana morava na
cidade de Canguçu e todos os outros moravam em estradas secundárias,
impossibilitando a continuação das visitas.
Recomeço do ano letivo.
Apresentei-me na escola no início do ano letivo de 2007 para dar
continuidade à pesquisa. Agora não mais na 6
a
série, mas na 7
a
. A alegria ao me
verem era a mesma de todos os outros encontros. Mas algumas mudanças se
fizeram notar. No caminho, perdi alguns coleguinhas e ganhei novos, como é o
caso do novo aluno Josias.
Mora com os pais e dois irmãos
16 anos
Mora aproximadamente a 20 km da escola.
Na propriedade plantam:
feijão
milho
fumo – pouco
leite – somente para o consumo. Tudo o que é plantado é vendido nas
vendas da localidade.
Nessa caminhada perdi a coleguinha Merízia, porque a escola em que a
mãe trabalhava foi fechada, obrigando a família a se mudar para Canguçu, e o
aluno Cledemir, que permaneceu na 6
a
série.
Ao propor um projeto de investigação foi importante o entusiasmo e a
empolgação dos alunos na ação colaborativa desencadeada. O término da
63
atividade, para efeitos de formalização da dissertação do Mestrado, deixa a
sensação de uma grande lacuna: o potencial vislumbrado no projeto alcança
proporções tais que não posso abraçar em um curto espaço de tempo.
Por exemplo, todas as informações que vieram a respeito das relações
dos colonos com o fumo e a complexidade de relações constitutivas dessa
atividade econômica. É evidente, que num processo educativo, escolar, a
investigação dessa realidade, além de poder ser bem melhor esquematizada e
qualificada com as informações dos próprios alunos, precisa ultrapassar o nível
local de determinação para entender a totalidade dentro da qual se inserem essas
relações.
64
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A origem do trabalho estava muito mais relacionada com a COOPAL do
que com a escola. Pretendíamos discutir, num projeto de ensino específico com
alunos do ensino fundamental da Escola Carlos Meskó, o movimento histórico em
que se originou a própria Cooperativa e que era resultante da ação dos sujeitos
da localidade impactados pelas políticas públicas e empresariais para a
agricultura familiar. No entanto, a aproximação com a escola mostrou uma
problemática maior: o processo cooperativista estava sendo acompanhado por
poucas famílias dos arredores, apesar delas vivenciarem problematicamente a
mesma conjuntura vivida pelos colonos que decidiram criar a cooperativa.
A questão, portanto, precisava focalizar de forma imediata as
contingências históricas vividas pelas pessoas do Iguatemi e arredores e
problematizar com eles as explicações que estavam sendo construídas e
veiculadas a respeito dos efeitos das políticas na vida das famílias.
O projeto, por conseguinte, não deixa de considerar a COOPAL como
síntese dos movimentos complexos e conflitivos que muitos colonos estão
fazendo na perspectiva de enfrentamento das contingências históricas que
vivenciam. Mas desloca a sua abordagem mais sistemática para um momento
posterior, quando se espera aprofundar a ação subjetiva e coletiva dos colonos,
problematizando-as na abrangência dos problemas que enfrentam e na
perspectiva das decisões que eles vêm tomando para sua superação.
O movimento que se mostrou necessário à medida que ocorria um contato
maior com a comunidade e a escola, foi problematizar o próprio currículo em
termos de sua transitividade às dimensões importantes da realidade do seu
entorno. Neste sentido, realizamos o projeto específico de pesquisa e ensino com
os alunos da 6ª série do ensino fundamental.
65
Foi possível analisar, através das atividades propostas, o quanto é
importante que o professor proporcione momentos de reflexão da realidade ao
qual o educando está inserido, onde os alunos possam demonstrar o
conhecimento e a capacidade de produzir sua própria história, onde as atividades
propostas possam proporcionar autonomia e criticidade.
O trabalho aqui exposto aponta caminhos que possibilitam elaborar
estratégias para a educação rural em suas práticas pedagógicas. A participação
dos alunos nesta perspectiva é imprescindível e torna o processo de ensino
aprendizagem fonte de inúmeras informações e concepções que desafiam nossa
capacidade de explicar e agir sobre o real.
A profusão de dados e a riqueza potencial para os processos de
conhecimento produzidos com as pessoas do entorno abrem perspectivas de
dinamização dos conteúdos programáticos da escola. Sua contextualização às
dimensões próximas da realidade abrem perspectiva mais consistente, enraizada
e histórica de conhecimento. Isto vem atender a uma necessidade verificada
também no Projeto Político Pedagógico, tal como descrito no capítulo 4.
As informações colhidas de forma fragmentária, num primeiro momento,
podem ser qualificadas e relacionadas à totalidade de vida dos colonos. Nesta
abrangência, eles passam a cobrar afinamento das disciplinas com os processos
locais. Informações como no exemplo dos agrotóxicos utilizados nas lavouras de
fumo, os cálculos e valores relacionados a produtos como fumo, feijão, batata, as
distâncias percorridas, os distanciamentos das plantas e árvores, a declividade
dos terrenos, a localização espacial das propriedades, das lavouras, da vila, da
sede do município, a coleta das práticas bilíngüe das pessoas da comunidade de
predomínio pomerano – colhidos na profusão de informações originadas nas
entrevistas, conversas e escritos dos alunos e professores nos mostram o rumo
para as tematizações dos programas de ensino da escola.
O professor/educador, ao utilizar trabalhos diferenciados, colaborativos e
contextualizados, neste caso, considerando a própria realidade do aluno,
respeitando as suas especificidades, pode proporcionar, apontar caminhos
66
radicalmente singulares e potencialmente originários de uma reflexão
problematizadora levada a efeito necessariamente com eles.
Durante as discussões que desenvolvi com a turma, as conversas com os
meus coleguinhas de pesquisa, considerei importante o dialeto da comunidade no
qual estão inseridos, respeitando a cultura local, valorizando a língua que
predomina no entorno da escola, porque percebi que quanto maior for o contato
com a realidade, maior se torna o interesse pelo conhecimento, mais fascinante e
aprazível fica para o estudante descrever o que de fato conhece e que faz parte
do seu cotidiano.
67
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70
ANEXOS
71
ANEXO 1: Projeto Político-Pedagógico da Escola Estadual de
Ensino Médio Dr. Carlos Meskó.
HISTÓRICO DA ESCOLA
A Escola Estadual de 1
o
Grau Dr. Carlos Meskó foi fundada em 24 de maio
de 1962, na localidade de Florida, sendo então denominada Escola Rural Coxilha
dos Teixeiras. Em agosto de 1970, passou a funcionar no Iguatemi. Em 1972, a
Escola passou a denominar-se Escola Rural Dr. Carlos Meskó, em homenagem
ao Dr. Carlos Meskó, que atuava como médico nesta localidade.
Sendo ele cidadão húngaro, nascido na cidade de Budapeste, capital da
Hungria, aos 19 dias do mês de julho de 1860. Em 27 de abril de 1887, com a
idade de 27 anos, chegou ao porto de Rio Grande, onde foi recebido por alguns
elementos da colônia húngara, já radicada em Pelotas. Transferiu-se
posteriormente para Bom Jesus, interior do município de São Lourenço do Sul,
onde clinicou. Gostando do esporte da caça, saía diversas vezes para o município
de Canguçu, onde começou a relacionar-se.
Casou-se em 31 de maio de 1891, com Zeferina Soares, domiciliada perto
de Posto Branco, no Arroio das Pedras. Deste matrimônio, o casal teve treze
filhos, oito homens e cinco mulheres, alguns nascidos na Coxilha do Fogo, alguns
na Florida e outros no Iguatemi, onde veio residir a partir de 1902 a 1929. Em 05
de maio de 1930, mudou-se para Novo Hamburgo, onde faleceu em 29 de julho
de 1930, aos 70 anos de idade.
Em 1973, a Escola recebeu do Sr. Arnoldo Strelow, o terreno onde estão
construídas as atuais instalações, passando a funcionar neste local. Em 1977,
foram implantadas as 7
a
e 8
a
séries e, em 1979, através do Decreto de
reorganização, a Escola passou a denominar-se Escola Estadual de 1
o
Grau Dr.
72
Carlos Meskó. Em julho do ano 2000, foi inaugurada a ampliação do prédio da
Escola para a implantação do Ensino Médio. Em 05 de janeiro de 2001 a Escola
foi transformada em Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Meskó.
A mesma tem por filosofia a “Educação voltada para a construção de uma
sociedade comprometida, através de uma escola atuante que desenvolva o
conhecimento, a integração e a formação da cidadania, despertando à
participação, responsabilidade, promovendo a transformação social.”
Tendo por objetivo geral “proporcionar ao educando a construção do
conhecimento, despertando para participação social através da parceria, visando
potencializar suas capacidades e habilidades, valorizando seus ideais para que
integrado à sua realidade busque uma sociedade baseada na democracia, na
igualdade e na justiça”.
IDENTIFICANDO O CONTEXTO GLOBAL DO QUAL A ESCOLA FAZ PARTE
A Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Meskó localiza-se no
município de Canguçu, zona rural, na localidade de Iguatemi, 2
o
distrito, distante
25 km da sede do município.
O município de Canguçu possui uma área de 3.215 km
2
, situando-se nas
Serras do Sudeste, o que explica seu relevo acidentado.
Canguçu apresenta-se como o município com o maior número de
minifúndios do país e cerca de 70% de sua população concentra-se na zona rural.
Nosso município, assim como os demais municípios da metade sul do Rio Grande
do Sul, é um município pobre, com economia baseada no setor primário e que
enfrenta dificuldades para seu desenvolvimento.
Dentro deste contexto, a localidade do Iguatemi, uma região de coxilhas,
com um clima ameno, apresenta-se como uma realidade sócio-econômica que
podemos considerar “média-baixa”. A maioria dos moradores vivem da agricultura
73
produzindo principalmente o fumo, além de soja, milho, feijão, batata. A produção
de fumo é comercializada em grandes indústrias fumageiras de Santa Cruz do Sul
e Venâncio Aires. Os demais produtos são comercializados na própria
comunidade em casas comerciais e armazéns que revendem os produtos em
Canguçu ou outros municípios, como Pelotas. A produção do fumo vem ganhando
espaço cada vez maior nas propriedades da localidade devido a grande
lucratividade do produto. Muitas famílias deixam de produzir alimentos para o
próprio consumo, como batata, feijão, hortaliças, comprando-os em mercados da
cidade, para produzir cada vez mais fumo. Algumas famílias dedicam-se também
à criação de animais, utilizados em subsistência (carne, leite, ovos), e também a
produção de leite que é comercializado na COSULATI – Cooperativa Sul-
Riograndense de Lacticínios de Pelotas, ou para a COOPAL – Cooperativa dos
Pequenos Agricultores e Produtores de Leite, de Canguçu.
Existe, na localidade, pequenas casas comerciais, armazéns que
comercializam produtos alimentícios, vestuários, utensílios, ferramentas,
sementes, ração para animais, açougue, moinho, posto de gasolina, carpintaria,
sapataria, oficinas mecânica e elétrica, etc.
As instituições existentes na localidade são a própria escola, as igrejas –
Igreja Luterana São Paulo, situada ao lado da escola, e a Igreja Evangélica
Independente Flor do Iguatemi, freqüentadas pela grande maioria das famílias
dos alunos – além da Associação Capão Bonito, que tem como objetivos auxiliar
os associados (agricultores) buscando financiamentos, sementes (sistema troca-
troca), compra de máquinas comunitárias, silagem, e a Associação de Criadores
que utilizam a inseminação artificial. Os moradores da localidade, em sua grande
maioria, são associados ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canguçu.
A localidade é servida por transporte coletivo municipal e intermunicipal
(Canguçu-Camaquã) com diversos horários durante o dia. A assistência à saúde
é precária no distrito. Não existe postos de saúde. A população sempre que
necessita de qualquer atendimento precisa deslocar-se à sede do município na
Secretaria Municipal de Saúde ou ao Hospital de Caridade de Canguçu, onde há
74
atendimento de pronto socorro. A Fundação Nacional da Saúde atua na
localidade realizando a vigilância sanitária.
Os meios de comunicação disponíveis na localidade são poucos. Não há
telefone público, algumas famílias possuem telefones em suas residências, sendo
que há grande dificuldade em se adquirir telefone fixo devido aos altos custos do
mesmo; apenas algumas pessoas dispõem de telefones celulares. A grande
maioria das famílias possui televisão e rádio.
Em termos de segurança, não existe atendimento na comunidade, ou seja,
quando acontece algo que requeira a presença da força policial, esta deve ser
solicitada à sede do município.
A população da localidade é formada por brancos, predominando a
colonização alemã, mestiços e alguns negros.
As opções de lazer da comunidade são festas beneficentes em igrejas e
escolas, torneios esportivos, visitas aos parentes, jogos de cartas e, para os
jovens, os bailes aos sábados à noite.
O grau de escolaridade da maioria é a 4
a
série do Ensino Fundamental, e
há alguns poucos analfabetos. A evasão escolar após a 5
a
série é bastante
grande, principalmente porque muitas famílias necessitam de mão-de-obra para o
trabalho na lavoura. Porém, verifica-se que nos últimos anos tem crescido a
procura e a valorização do estudo, sendo que muitos já possuem ensino
fundamental completo.
A localidade, com o passar dos anos vem sofrendo um certo
empobrecimento devido, em grande parte, à conjuntura nacional, à
desvalorização e a falta de incentivos ao homem do campo. O êxodo rural é
bastante acentuado, muitas famílias deixam a zona rural e vão se instalar nas
periferias da cidade, ou migram para cidades vizinhas em busca de melhores
condições de vida e de melhores oportunidades.
75
CARACTERIZANDO A REALIDADE ESCOLAR
A Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Meskó está localizada no
Iguatemi – 2
o
distrito do município de Canguçu, zona rural, distante 25 km da
sede do município. Prestou serviços, no ano 2000, a uma clientela de cento e
trinta e oito alunos distribuídos da Pré-Escola à 8
a
série do Ensino Fundamental
atendidos por onze professores, além da direção, vice-direção, coordenação
pedagógica e três funcionárias para merenda e limpeza. A escola funciona em
dois turnos de trabalho: pela manhã atende as turmas de 5
a
a 8
a
e, à tarde,
atende a Pré-Escola e as turmas de 1
a
a 4
a
séries.
Quanto ao espaço físico, a Escola possui seis salas de aula, sendo duas
com dimensões adequadas ao Ensino Médio e uma exclusiva para a Pré-Escola,
secretaria, biblioteca, sala de coordenação pedagógica, laboratório de ciências,
refeitório/cozinha/dispensa, um conjunto de sanitários masculino e um feminino,
sala de material didático e de áudio e vídeo, sala de professores, uma pequena
área coberta, praça de brinquedos e quadra poli-esportiva. A Escola, durante o
ano 2000, teve seu espaço ampliado, porém necessita ainda de mais ampliação
devido a sua transformação em Escola de Ensino Médio.
A grande maioria dos alunos são filhos de agricultores e auxiliam os pais
no trabalho da lavoura. Isso contribui significativamente para a evasão escolar
que é bastante elevada, principalmente a partir da 5
a
série. O rendimento escolar
caracteriza-se como satisfatório. Os maiores índices de repetência acontecem na
6
a
série, sendo que se constitui um desafio para a escola a queda dos índices de
evasão e repetência. Não existem problemas graves de indisciplina, porém nota-
se um grande desinteresse e desmotivação por parte dos alunos, o que nos leva
a constatar que a prática pedagógica necessita ser aprimorada, bem como deve
haver uma reformulação do currículo, buscando incrementá-lo com conteúdos
ligados à realidade do aluno e da localidade.
A escola tem procurado promover a participação da comunidade realizando
reuniões, confraternizações, festas, gincanas, celebrações em datas especiais,
76
participação no Orçamento Participativo, etc. No entanto, a participação das
famílias na escola é mínima. Os pais, em sua maioria, não acompanham
efetivamente a vida escolar dos filhos. A principal alegação é a falta de tempo e o
excesso de trabalho.
Buscando integrar-se à Comunidade, a Escola envolve-se nos eventos
educacionais, culturais, cívicos e esportivos promovidos no município como Feira
Municipal de Ciências, Semana do Município, Semana da Pátria, Jogos
Interescolares, ao mesmo tempo em que promove eventos nos quais conta com a
participação da comunidade, de outras escolas e dos próprios alunos para
integrarem-se entre si, como Feira Interna de Ciências, o Momento Cívico (que
acontece uma vez por mês, através de apresentações dos alunos), gincanas,
torneios esportivos, confraternizações e comemorações nas datas especiais,
como no dia do estudante, da criança, das mães, do professor e outras,
excursões para visitação de locais com atrações culturais, etc.
Procuramos fazer da escola o local em que a educação aconteça em todos
os seus aspectos e com resultados diretos na vida da comunidade, conscientes
de que ainda temos muito a crescer.
IDENTIFICANDO OS SUJEITOS QUE PARTICIPAM DIRETA OU
INDIRETAMENTE DO PROCESSO POLÍTICO-EDUCACIONAL NA ESCOLA
Já chegamos ao Terceiro Milênio, as mudanças e as transformações no
mundo acontecem cada vez mais rápido. Vivemos a era das comunicações. Fatos
que ocorrem do outro lado do mundo chegam até nós instantaneamente, o mundo
está em nossa casa através de satélites, Internet – a rede mundial de
computadores – TV a cabo, parabólicas, multimídia interativa, telefones celulares,
etc.
O avanço tecnológico e científico é uma realidade cada vez mais presente
no nosso dia-a-dia. E nós, seres humanos, avançamos tanto em tecnologia e
ciências e não conseguimos avançar em termos de relações humanas. As
77
guerras, a fome, a injustiça, a violência, a desigualdade social, a destruição do
meio ambiente também estão presentes no nosso dia-a-dia, e nós seres humanos
tão capazes de criar novas tecnologias, fazer descobertas científicas tão
importantes, não conseguimos acabar com problemas tão antigos, tão antigos
quanto a vida em sociedade.
Atualmente vivemos em uma sociedade capitalista (onde o que importa é
acumular riquezas, sem levar em conta os meios de alcançá-las, e onde o
importante é o ter e não o ser), consumista (objetivo de todos, e o que se procura
valorizar é o consumo de produtos que os grandes capitalistas querem
comercializar, fazendo com que as pessoas sejam valorizadas por possuírem ou
não determinados produtos) e individualista (“cada um por si”, não há
preocupação em buscar algo que vá beneficiar a todos; poucos lutam pelo bem
comum; as pessoas não se importam umas com as outras). Essa sociedade na
qual vivemos, tem objetivos e expectativas, mas parece não defini-los, e por isso
vive uma crise de valores sociais e morais.
Inserida nessa sociedade está a comunidade do Iguatemi, da qual faz parte
aquele que é o objetivo do nosso trabalho, o aluno.
Os alunos aqui contextualizados residem na zona rural, pertencem a
famílias de um nível sócio-econômico “médio-baixo”, que são, em sua maioria,
pequenos agricultores. Os alunos precisam auxiliar as famílias no trabalho, o que
muitas vezes provoca a evasão escolar, à medida que o estudo não é priorizado e
valorizado. Observa-se que principalmente nos jovens, há pouca motivação para
continuar o trabalho dos pais fazendo-o prosperar e que o objetivo da maioria é ir
para a cidade e arrumar um trabalho que lhe renda um salário no final do mês.
Os jovens iniciam muito cedo sua vida social, despertando para o namoro e
também para o alcoolismo, visto que o grande consumo de bebida alcoólica é
uma característica bem marcante da localidade. Talvez essa situação seja reflexo
do pouco apoio e incentivo da família para que eles permaneçam na escola, pois
são muito freqüentes afirmações do tipo: “se rodar, não estuda mais”, “já estudou
78
até a 5
a
série, já ta bom”, “pra que estudar se vai ficar trabalhando na lavoura?”,
“fulano não estudou e tá bem de vida”, “eu também não estudei” e tantas outras
que demonstram esta realidade. Parece que falta entusiasmo e objetivos de vida
para esses jovens. Por outro lado, a religiosidade é bastante forte na comunidade.
Predomina a religião Luterana que perpassa, um pouco por tradição, de geração
em geração, e que aproxima as pessoas da comunidade, sendo uma das poucas
formas de integração.
As famílias a que nos referimos aqui são, na maioria, de pequenos
agricultores, numerosos, com predominância da colonização alemã. São famílias
patriarcais e, normalmente, residem na casa: os avós, os pais e os filhos,
tornando a família ainda mais numerosa.
Quanto ao relacionamento com os filhos, não há muito diálogo, e as
famílias transferem cada vez mais para a escola a tarefa de educá-los. Os alunos
adolescentes buscam com os professores o esclarecimento de dúvidas comuns
nesta idade, ao invés de conversarem sobre estes assuntos com os próprios pais.
Muitos jovens, por falta de maturidade e pelo desejo de independência, acabam
abandonando a escola e buscando o casamento. Essa realidade, porém, já vem
sofrendo uma sensível mudança. Em algumas famílias já se percebe o incentivo e
o investimento na educação dos filhos, o que também é visível pelo fato de a
comunidade ter buscado no Orçamento Participativo a ampliação da escola para
a implantação do Ensino Médio.
A PERSPECTIVA DE EDUCAÇÃO DA ESCOLA
A educação que é proposta, baseada nos princípios religiosos,
humanísticos e sociais, deve estar direcionada à formação integral do ser humano
oportunizando o aprimoramento de suas potencialidades, tornando-os sujeitos do
processo, formando cidadãos críticos, questionadores, participativos, enfim,
transformadores da sociedade.
79
Para tanto, queremos uma escola aberta, em que alunos, professores, pais
e comunidade sintam-se chamados a participar das decisões e que haja
valorização na colaboração de cada um, levando-os a assumir a sua
responsabilidade. O aluno precisa gostar da escola, sentir que é respeitado, que é
estimulado em sua capacidade, para se expressar e se manifestar com confiança.
A Escola, assumindo a Educação, deve ser espaço de intercâmbio entre o
saber que o educando traz e o que ele adquire. Para isso, é necessário que a
avaliação seja parte integrante do processo ensino-aprendizagem, preocupando-
se com o processo como um todo. Nesta escola, o educando deve ter acesso a
conhecimentos que se interligam na interdisciplinaridade, na perspectiva de
construção da cidadania e dos valores religiosos, humanísticos e sociais, em que
assuma a valorização da cultura de sua própria comunidade. Ter acesso a
conhecimentos que os preparem para uma atuação ética, crítica e participativa na
sociedade, no âmbito cultural, social e político. Ao mesmo tempo, ultrapassar
seus limites para que o educando possa compreender o mundo em que vive em
seus diferentes aspectos, nele atuando com justiça, igualdade e fraternidade.
A Educação, sobretudo, forma a autonomia crítica e criativa do sujeito.
Sendo assim, a preocupação dos educadores deve estar centrada no crescimento
global dos educandos, sendo agentes transformadores, com seus objetivos
voltados para a inter-ação entre teoria e prática e na qualidade do processo
ensino-aprendizagem. Devem estar conscientes da necessidade de realizar um
trabalho interdisciplinar, buscando caminhos para uma prática pedagógica mais
eficiente.
O educador deve ver o educando como sujeito do processo educativo.
Para tanto, deve torná-lo parceiro neste processo, valorizando sua bagagem
cultural, sua capacidade e respeitando suas individualidades.
Na prática docente, o educador deve estar constantemente buscando
atualização, inovando suas metodologias, sendo flexível às mudanças, utilizando
80
recursos, tendo compreensão da realidade com a qual trabalha,
comprometimento político e competência no campo teórico do conhecimento.
Na maneira de desenvolver seu trabalho, o professor deverá auxiliar o
aluno a desenvolver suas capacidades, superar limites, estabelecer relações,
construir conhecimentos, resgatar valores, fazendo do seu agir diário o exercício
da ética, do respeito, do serviço ao próximo, consciente de que desta forma
estará contribuindo para o contínuo processo de aprendizagem.
Já o educando, sujeito de sua própria formação, cultiva valores religiosos,
humanísticos e sociais, faz da escola um espaço de questionamento para atuar
de forma responsável e consciente na formação de sua confiança em sua
capacidade de descobrir. Para isso, o educando deve ter a oportunidade de
participar das decisões da escola de forma global, opinar na sua organização e no
estabelecimento das normas escolares, reivindicar seus direitos, eleger seus
representantes, dar sugestões para melhoria da escola, assim como mostrar
interesse em construir novos conhecimentos e realizar suas tarefas com
responsabilidade para que possa tornar-se um cidadão crítico e atuante na
comunidade em que vive.
À medida que o educando desenvolve sua consciência política e adquire
uma nova compreensão e percepção da realidade e das formas para se operar a
transformação social, terá condições de participar efetivamente da vida social,
política e econômica do país, pois é na escola que o aluno deve vivenciar o livre e
o crítico exercício da experiência democrática que hoje tentamos construir na
sociedade.
81
ANEXO 2 : Depoimento da professora Joice – Geografia – na
Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Meskó
Durante os anos em que trabalho nesta escola, foi possível observar o
pouco envolvimento da comunidade, ficando restrita somente a sua participação
quando chamada para eventos realizados pelo estabelecimento. Quanto à
participação da COOPAL, hoje se faz presente na escola em uma parceria para a
realização de um curso de informática. Não observei nenhum outro envolvimento
além do citado, ficando claro uma relação distante entre as três entidades: Escola,
Comunidade, COOPAL.
As festas de casamento aqui começam de manhã e vão até altas horas da
madrugada, com a bandinha tocando, com a dança da noiva, o bolo da noiva,
tudo isso acontece aqui. O falar alemão para os mais novos não é corriqueiro,
eles até entendem, mas ao chegar aqui, os pais, os avós, nas próprias festas aqui
da Escola. Uma coisa muito comum aqui nas festas da Escola, os homens todos
reunidos na frente da copa tomando cerveja, muitas vezes conversando em
alemão enquanto as mulheres lá, os homens de um lado e as mulheres todas do
outro lado, isso é da cultura deles.
A COOPAL tem um convênio para manter um curso de informática, o aluno
paga uma taxa, eles nem estão fazendo aqui na Escola, eles estão fazendo no
salão da Igreja, no salão da comunidade, aqui na comunidade ao lado da Escola,
como foi acertado eu não sei, porque foi acertado com a direção, mas eu sei que
eles ficavam no turno inverso, os alunos da manhã do ensino médio, então eles
vinham de manhã pra aula e já ficavam a tarde uma vez por semana pro curso.
É esse convênio até onde eu sei COOPAL e Escola.
A comunidade vem pra Escola quando tem alguma coisa de interesse, por
exemplo, esse ano, com a questão do transporte, os pais ainda vieram para a
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reunião, alguns, não todos. Quando tem entrega de boletins, vem uma minoria.
Tanto é que no ano passado, na escola é assim, são dois semestres, então no
meio de cada semestre, é feito um parecer descritivo e era entregue aos pais.
Então ano passado a direção resolveu, ao invés de chamar os pais para vir
buscar o parecer, porque eles não vem, mandar pelo aluno, e ele retornar com o
parecer assinado pelo pais, para se ter uma certa certeza de que o pai olhou o
parecer. Então, quando chamados, muito pouco os que vem. Claro, se for uma
festa, aí eles vem bastante, porque é o lazer deles. Geralmente eles vem quando
eles ganham algo em troca, um benefício, por exemplo, a festa, o benefício é o
lazer, o encontro com os amigos, o dia das mães é porque vai ter um café ou algo
assim, me parece que é isso.
As festas da Escola não podem coincidir com nenhuma outra festividade,
porque a comunidade prefere outras festas. Por exemplo, na última festa, o que
aconteceu, tinha o encerramento de um torneio lá no Posto, todos preferiram o
futebol, inclusive os alunos se manifestaram, “eu não venho pra festa da Escola,
eu não, eu vou na rodada lá do Posto”, apesar da Escola ter auditório, quadra, ter
área, essa interação da Escola com a comunidade não tá acontecendo.
Claro, na Geografia, eu procurava buscar a realidade deles conforme a
gente vai trabalhando o conteúdo, mas o ano passado que eu tinha a disciplina
Economia Rural, então eu procurava fazer isso. Eu ia com eles pra horta, vamos
plantar, vamos semear uma beterraba, a aí muitos me diziam: “como eu vou
plantar a beterraba?” Eu respondia: “Vocês plantam em casa, como é que se
semeia, como é que se planta? Vamos plantar um pezinho de couve, dando um
espaço”. Então eu procurava aplicar aquilo que eles deveriam fazer em casa, na
horta, trazendo pra escola aquele conhecimento que ele tem, mas não tá
acontecendo isso. É muito difícil.
Muitos aqui trabalham no fumo, aqueles que trabalham, trabalham no fumo ou
dentro de casa, a horta foi deixada de lado. Tanto é, que é muito comum em dia
de pagamento de aposentados, chegar em Canguçu, os ônibus que vêm cheios
de ranchos, e o que vem nesses ranchos, vem a galinha, a banana, batata, feijão.
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Eu me admirava ao ver alunos do Ensino Médio ir na horta e não saber como
plantar um feijão de vagem, dá para perceber que tá se perdendo essa
valorização da agricultura, porquê? Porque eles têm a questão do fumo, então
eles se dedicam muito mais ao fumo, porque é um dos únicos meios de
sobrevivência deles, que faz com que eles tenham dinheiro. A soja eles produzem
pouco, o milho também é pouco. Então, porque plantar feijão, se dá pra ir no
supermercado e comprar?
Então se a gente pedir aqui na Escola, vamos capinar o pátio, vamos ali na
horta, a resposta da maioria dos alunos é: “ah, professora, eu já trabalho em
casa, vou trabalhar na Escola também?”.
Teve um ano em que eu entrei em sala de aula e questionei: e então, como
foram as férias? Foram boas? E um aluno respondeu: “férias professora? Nossas
férias estão começando agora”. Eu vejo que eles gostam de vir para a Escola,
porque é uma maneira de eles saírem de casa, onde eles vão ver os amigos, eles
vão conversar sobre o baile, sobre namoro, eles vão conversar sobre tudo.
Em época de plantar fumo, se marcar uma prova, a maioria não vem,
porque eles tão plantando fumo, se vem uma chuva eles tem que aproveitar a
terra. Porque é a mão de obra familiar, a pequena propriedade, e isso a gente
relaciona com a Geografia, dentro da sala de aula, consegue relacionar bem com
a realidade deles. Tá se perdendo a policultura, tá se tornando só a monocultura.
Cada dia mais a gente vê estufas sendo construídas, mais gente plantando fumo,
e tu vê? Dá dinheiro até ali, eu acredito que os primeiros agricultores ganharam
dinheiro e ainda ganham, mas aqueles que tão começando agora já não ganham
dinheiro, porque as firmas já não são mais tão “inocentes”, digamos assim, na
questão do fumo, antes ofereciam uma série de vantagens, e agora? Agora é o
mínimo. E é uma bola de neve que vai crescendo, porque sair disso aí é muito
complicado, porque tá sempre devendo, é o financiamento da estufa, é o
financiamento do agrotóxico, da muda, de tudo. Esse assunto os alunos
dominam, esse assunto, nota, peso, secamos tanto, deu tanto, tudo eles sabem,
se o fumo tá bom, se tá ruim, isso eles sabem com certeza.
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Claro, tem algumas exceções. Por exemplo, um aluno me perguntou:
“professora, sabia que se a gente plantar salsinha em agosto, ela dá o ano
inteiro?”. “Professora, vamos plantar, semear alface na bandeja do fumo e tirar a
mudinha porque vai dar melhor, não vai dar amontoada. Então, alguns alunos
sabem, se deram conta”.
Agora, outros que tem que colocar dois ou três grãozinhos de feijão de
vagem no máximo numa covinha lá, eles queriam atirar, esparramar por cima da
terra. Ou a mostarda, como faz? Bota esparramando por cima da terra. Tá
professora, e agora? A gente tapa tudo por cima? Com a enxada? Não, temos
que passar de leve, para enterrar um pouquinho, senão a semente vai muito
fundo, eles não sabem e isso eu verifico em todas as turmas.
Teve um dia que me surpreendi muito. Porque o governo não manda verba pra
merenda do Ensino Médio. Então eu combinei com a Diretora, no momento em
que tivesse uma boa quantidade de verduras, a gente podia fazer um sopão pro
Ensino Médio, já que eles também iam para a horta, eles também tinham o direito.
Então o pessoal da cozinha fez, tinha couve, mostarda, brócolis, repolho,
espinafre, alguma coisa como cenoura, batata, então trouxeram de Canguçu e
acrescentaram. Eu chamei as turmas, eles ficaram numa felicidade, numa
felicidade, que ia ter a sopa pra eles.
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ANEXO 3: Trabalho dos alunos da Escola Estadual de Ensino
Médio Dr. Carlos Meskó a partir de problematizações em sala de
aula
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