quadrinhos
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e concordamos com o autor quanto à forma elegante com que Foster
representou cenas muito dramáticas como assassinatos e outras ações brutais:
Várias concessões Foster fez ao King Features desde a concepção da série. O próprio
nome do personagem, Prince Valiant, foi imposição da agência, pois o nome escolhido
por Foster era Arn. Depois, Foster usou este nome para o primeiro filho de Valente.
Também não era intenção de Foster que o personagem fosse filho de um rei, mas sim
uma pessoa mais comum. Foster certamente tinha uma noção do tipo de temas que
poderia usar e de histórias que poderia contar, tendo em vista o veículo em que a série
seria publicada, os suplementos dominicais de grandes jornais. Este público dos
suplementos era de modo geral um público adulto, mas os suplementos eram acessíveis
também às crianças e aos jovens, portanto, os temas mais fortes estavam a princípio
excluídos. Foster, no entanto, queria fazer uma série com grande dose de realismo,
queria retratar aquele período da Idade Média, em particular o comportamento das
pessoas, com certa fidelidade. E conseguiu tratar de temas fortes como torturas,
mutilações, assassinatos, linchamentos, pois o fez de forma elegante e velada. Assim, a
obra de Foster tem muitas passagens chocantes, o que é de admirar em uma série feita
para a grande imprensa puritana norte-americana. Não dá para saber o quanto Foster foi
censurado pelo King Features, em sua tentativa de fazer uma obra verossímil, mas dá
para ter uma idéia, pois alguns exemplos são conhecidos. Por algum motivo, algumas
das censuras da agência tiveram efeito apenas nas provas distribuídas para os jornais
norte-americanos, não prevalecendo para as enviadas para outros países. Assim, na
Página 37, na passagem em que Valente vai atrás de Gawain, que está sendo perseguido
por soldados, encontra um dos guerreiros morto, com o corpo estendido no chão e a
mão sobre uma forquilha apontando na direção em que Gawain seguiu. Um belo
exemplo de humor negro. Na prova enviada aos jornais de outras partes do mundo, o
guerreiro morto tem uma espada enfiada no peito. Nas provas enviadas para os jornais
norte-americanos, esta espada foi apagada pela própria agência. No álbum publicado
pela Ebal, no Brasil, em 1974, como usou como base um álbum francês, da Editions
Serg, aparece a espada no peito do guerreiro. Outro exemplo ocorre na Página 50, onde
a agência modificou a legenda. Um guerreiro havia encurralado Valente logo abaixo de
uma amurada e tenta atingi-lo com a espada. Valente consegue laçá-lo pelo pescoço e o
puxa, arrancando-o do parapeito e deixando-o pendurado a uma grande altura do chão.
Valente solta o laço, e o guerreiro cai para a morte. Originalmente, Foster escreveu uma
legenda onde, cinicamente, Valente, dirigindo-se ao guerreiro, diz: “Se não gosta do
colar, posso livrá-lo dele”. Mas nos jornais norte-americanos, a legenda modificada foi:
“Enquanto Val lentamente o puxa para cima, o laço se solta.” Na mesma página, alguns
quadros antes, quando o guerreiro tenta atingir Valente com a espada, o texto original
dizia: “Enquanto seu inimigo se diverte tentando atingi-lo, Valente faz um laço.” Mas
foi modificado pela agência, ficando: “Enquanto seu inimigo está empenhado em atingi-
lo com sua espada, Val faz um laço.” Há ainda exemplos de páginas ou quadros que a
agência vetou e mandou que fossem refeitos. Estes exemplos mostram que a interação
entre Foster e a agência tornou ‘Príncipe Valente’ uma série menos adulta e verossímil
do que Foster pretendia. (GUIMARÃES, 2004, p. 9-10)
Apesar das intervenções da agência, a verossimilhança não foi perdida na
intensidade com que Guimarães afirma que foi, ao menos em se tratando da
possibilidade de interpretarmos as cenas como passíveis de explicação não-mágica ou
não-fantasiosa para o acontecimento narrado. De fato, isso se aplica até mesmo quando
se trata de certas cenas que possuem esse caráter
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. Nas figuras 7 e 8 observamos as
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Quando discutimos o artigo de Srbek.
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Como, por exemplo, a luta de Valente contra uma representação do Tempo, a ser comentada
mais adiante. Outras cenas fantásticas, em que surgem fadas e duendes, por sua vez, são claramente