sistema de atribuição patrimonial é causal, abstrato ou misto.
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Considerando que a
maior parte da doutrina sobre o enriquecimento sem causa irradia dos parágrafos
812 e seguintes do Código Civil alemão, em que vigora o caráter abstrato das
transmissões patrimoniais, não pode ser feita uma importação pura e simples para
um sistema misto como o brasileiro, em que os fundamentos causais têm uma
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Esclarecedora é a lição de Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, p. 269-278: “Três
sistemas estão fundamentalmente em confronto e que, são para remontarmos à terminologia romana,
os sistema do título e do modo, o sistema do modo e o sistema do título. No direito de Roma
distinguia-se entre o titulo – o acto pelo qual se estabelece a vontade de atribuir e de adquirir o direito
real (a empetio, a donatio, etc.) – e o do modo – o acto pelo qual se realizam efectivamente essa
atribuição e essa aquisição (a mancipatio e a in jure cessio, no direito clássico, a traditio, sob o influxo
do jus gentium). O título só por si era insuficiente para a produção do efeito real, que exigia
necessariamente o modo, mas, por seu turno, este também não era bastante para que esse efeito se
produzisse, exigindo-se sempre que atrás do modo – nomeadamente da traditio – houvesse uma
justa causa de atribuição. Este sistema em que a via per mezzo entre o interesse de regularidade e o
interesse de indiscutibilidade se obtém através de uma dupla dependência do efeito real –
dependência do título e dependência do modo – é ainda hoje seguido por várias legislações,
designadamente a espanhola, que requer igualmente, nas aquisições de direitos reais que se fundam
em contrato, não apenas que este contrato seja válido, mas ainda que se verifique a entrega da coisa
(tradição), tanto para as coisas móveis como para as coisas imóveis. Sistema diverso é o sistema do
modo, consagrado no Código Alemão, sistema em que a produção do efeito real não depende senão
da tradição ou entrega, para as coisas móveis, e , para as imóveis, da inscrição no registro fundiário
(“Eintragung”), com o respectivo acordo de transmissão (“Einigung”). Embora estes actos sejam
normalmente precedidos de um contrato prévio em que se manifesta a vontade de atribuir e adquirir o
direito real sobre a coisa, a atribuição e a aquisição não dependem em si mesmas disso, mas apenas
do acto por que a atribuição e a aquisição se efectuam. Ao interesse da indiscutibilidade sacrifica-se o
interesse da regularidade, resolvendo-se o problema através da irrelevância liminar do segundo. Ao
invés, na França, na Itália, em Portugal, etc., prevalece o sistema do título, exigindo-se e bastando
para que o jus in re se transmita ou constitua sobre a coisa o acto pelo qual se estabelece a vontade
e dessa transferência ou dessa constituição (a compra, a doação, a constituição de usufruto, de
servidão, de superfície, etc). Ao interesse da regularidade sacrifica-se, em princípio, o interesse da
indiscutibilidade, ficando a existência do direito em princípio em questão enquanto estiver em questão
o próprio acto que o titula. É claro que seria simplista supormos que qualquer destes sistemas pode
ser levado – e é levado – às últimas conseqüências, desconhecendo qualquer deles em absoluto o
interesse que se obriga a oferecer em holocausto. O sistema do modo, como veremos adiante, não
desatende por completo às causas de atribuição, admitindo o recurso à acção por enriquecimento
sem causa. O sistema do título, além das mais ou menos numerosas excepções que comporte e que
o aproxima, por vezes, do sistema do título e do modo (incluindo um modo no título, como acontece,
entre nós, com o dom manual, com o penhor e com a hipoteca, e, em mais larga escala, nos direitos
suíço e austríaco, com a integração do título do registro fundiário), admite, evidentemente, a
usucapião e a protecção de terceiros de boa fé. O próprio sistema espanhol, apesar da sua dupla
dependência, que aparentemente o tornaria o sistema mais equânime, não deixa de tornear os
efeitos a que conduziria a exigência de uma tradição sensu stricto (e que o direito alemão evita com
recurso à “Eintragung”, no que concerne aos bens imóveis): a impossibilidade, designadamente, de o
titular do jus in re poder dispor validamente dele quando não tenha a posse da coisa. Por isso, não
só, como o direito romano, admite formas sui generis de entrega (o constituto possessório e a traditio
brevi manu), como admite a autêntica tradição ficta da “tradição instrumental” (através de escritura
pública, se desta não resulta o inverso) e da “tradição consensual” ou por simples acordo das partes.”