“... Tenho recebido muitas bênçãos e tenho recebido também, parece que foi um castigo.
Eu tinha uma irmã, ela dava uma febre que não tinha nada que cortasse. Aí o papai fez
promessa de sair com a folia e minha irmã acompanhar, carregando a bandeira. Depois
ela sarou, ficou boa. E papai foi na Igreja arrematar a bandeira. Aí o padre benzeu a
bandeira e depois que ele benzeu falou assim: escuta aqui, eu benzi essa bandeira, mas
você vai andar com anarquia atrás dela, vai? O papai falou: eu vou andar com a folia,
padre. Ele falou: não! Folia é anarquia . Então com essa bandeira você não pode andar. O
papai falou assim: por que? Ela é de Santos Reis! Ele falou: não! É porque essa bandeira
você não anda com ela com anarquia. Aí o papai falou assim: não, padre, mas eu fiz
promessa foi de andar com a bandeira, é pecado porque eu fiz foi de andar. Olha, o
pecado fica nas minhas costas. Aí o papai ficou com aquilo, né? Chegou lá em casa e
falou com minha mãe: o Luzia, o padre falou que é anarquia, que não pode andar com
essa bandeira, como é que faz? Aí minha mãe falou assim: Chico, quando foi na hora de
você fazer a promessa, você não foi perguntar o padre. Você fez e vai cumprir conforme
você fez. Não, o padre disse que eu posso andar os três dias com a bandeira, pedir
esmolas, mas não é para andar com a folia. E assim saiu, né? Os três dias, a minha irmã
carregando a bandeira... Quando foi na hora do terço, que entregou a folia, rezando a
Salve Rainha... O meu pai tinha feito um ranchão... lá tinha doce, biscoito, tacho de
comida e pra frente tinha um paiolinho de milho com capado... Menina! Pegou fogo de
uma vez nesse rancho... um rancho de capim, mas não teve quem acudisse... e aquilo
ficou aquele fogão e... o povo pelejando, pelejando e nada apagava esse fogo. Aí o que
fez? Derrubou as paredes e foi tuia de café, de arroz, de feijão e ... jogando água... virou
aquele mistureiro, pegou os tachos de comida e jogava pros terreiros, lata de doce... Sei
que pra mim foi um castigo... aí minha avó desmaiou, todo mundo chorando, né?... virou o
maior desperdício. Aí na hora minha mãe falou assim: Tá vendo, Chico, não cumpriu a
promessa!” (M. C. A, dona de casa, 77 anos, 2003).
Imediatamente, o filho entra no depoimento de sua mãe para dizer que o avô
deveria ter cumprido a promessa do jeito que ele havia prometido aos santos e não
devia ter pedido orientação a outras pessoas.
No imaginário dos foliões, os Reis Magos são santos promotores da paz e da
amizade. No entanto, eles são capazes de corrigir aqueles que se deixam mover pelo
sentimento de egoísmo ou mal-querência com moradores de alguma casa em que a
bandeira adentra. Não cumprir a regra de fidelidade ao santo e não vivenciar o ethos