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Cátia Regina Calegari Dalmolin
Em nome da Pátria: as manifestações contra o Eixo
em Santa Maria, no dia 18 de agosto de 1942.
Passo Fundo, Novembro de 2006.
Programa de Pós-Graduação em História
GHPP
UPF
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA - MESTRADO EM HISTÓRIA
Campus I - Prédio B3, sala 112 - Bairro São José - Cep. 99001-970 - Passo Fundo/RS
Fone(54) 316 8339 - Fax (54) 316 8125 - E-mail: [email protected]
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Cátia Regina Calegari Dalmolin
Em nome da Pátria: as manifestações contra o Eixo
em Santa Maria, 18 de agosto de 1942.
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História, do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
de Passo Fundo como requisito parcial e final
para obtenção do grau de mestre em História
sob a orientação do prof. Dr. Mário Maestri.
Passo Fundo
2006
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Ficha catalográfica elaborada por
Eunice de Olivera CRB – 10/1491
D148e Dalmolin, Cátia Regina Calegari
Em nome da Pátria : as manifestações contra o Eixo em Santa
Maria, no dia 18 de agosto de 1942 / Cátia Regina Calegari Dalmolin;
orientador Mário Maestri. – Passo Fundo: A Autora, 2006.
184 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Passo Fundo, 2006.
1. Santa Maria - história 2. Santa Maria – Segunda
Guerra I. Maestri, Mário, orientador II. Título
CDU 94(816.5)
4
Aos meus pais, Zulmiro e Fátima.
5
Agradecimentos
“Apreendi assim que cada livro, tem uma individualidade, como as pessoas, uma
certa espécie de alma e a capacidade de comunicar-se com os homens. Em suma, não se
trata apenas de papel impresso.”
Um certo Henrique Bertaso, Érico Veríssimo, 1972.
Tomo de empréstimo as palavras de Érico Veríssimo para exemplificar o quanto
cada pessoa foi importante durante a trajetória desta pesquisa, que iniciou em 1997 e não
se conclui aqui. Cada um tem sua particularidade nesse caminho que felizmente não foi só
meu. Assim, conheci muitas pessoas que foram importantes para meu amadurecimento
intelectual. Nominar todas seria uma tarefa quase impossível.
Primeiramente devo agradecer à disponibilidade e atenção do Prof. dr. Mario
Maestri, que sempre acreditou em minha pesquisa e capacidade, fazendo-me ver novos
horizontes com relação à temática em questão. Uma tarefa nada fácil. Muito obrigado!
A PPGH - UPF e o financiamento da Capes que possibilitou a realização do
mestrado.
Meus pais, Zulmiro e Fátima, foram essenciais nesse processo, pois sem seu apoio,
certamente não teria chegado até aqui.
Não posso deixar de agradecer o carinho e a atenção especial dedicados a este
trabalho, com inúmeras leituras, questionamentos e confecção de mapas de Mario Luiz
Trevisan.
Aos depoentes-confidentes, que contaram suas histórias de vida. Alguns não se
encontram mais entre nós: Abdo Achutti Motecy, Alfredo e Placidia Segabinazzi; América
Achutti Trevisan, coronel Silveirinha, José Brenner, Maria Iop Druzian, Nelson Borin,
Newton Guerino, padre Dorvalino Rubin, padre Luiz Sponchiado, Severino Belinasso e
Vitório Manoel Pozzobon.
6
Aos colegas do Departamento de História da UFSM, pelo apoio, sugestões, leituras
e acolhida de sempre: prof. Júlio Quevedo e prof. Vitor Biasoli. Aos alunos de história que,
de uma forma ou de outra, sempre colaboraram para a formulação de novos
questionamentos.
Aos amigos que sempre colaboraram com empréstimo de material, leituras,
indicações de fontes e com companheirismo: Guilherme Schimit, Kitta Tonetto, Leandro
Daronco, Nádia Nunes, Rondon de Castro e Simone Miolo Rezende.
Finalmente, um agradecimento especial aos atendentes dos arquivos pelos quais
obtive valiosas informações.
7
“Penso nos gestos esquecidos, nas palavras dos avós, pouco a pouco perdidos, não
herdados, caídos um atrás do outro da árvore do tempo como as palavras perdidas na
infância, ouvidas pela última vez na boca dos velhos que iam morrendo. Penso nesses
objetos, nessas caixas, nesses utensílios que aparecem às vezes em galpões, cozinhas ou
esconderijos, e cujo uso já ninguém é capaz de explicar. Vaidade de crer que
compreendemos as obras do tempo: o tempo enterra seus mortos e guarda as chaves.
Somente nos sonhos, na poesia, aproximamo-nos às vezes do que fomos antes de ser isto
que ninguém sabe se somos.”
Júlio Cortazar, O jogo da amarelinha, 1963.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura nº 1 – Mapa da localização do município de Santa Maria no Rio Grande do Sul ... 29
Figura nº 2 - Mapa de Santa Maria atual e imediações.........................................................30
Figura nº 3 – Mapa da malha ferroviária do RS. Situação em 1920.....................................49
Figura nº 4 - Mapa dos aspectos histórico-geográficos do município de Santa Maria em
relação ao Estado do Rio Grande do Sul ..............................................................................55
Figura nº 5 – Passagem do presidente Getúlio Vargas na cidade de
Santa Maria em 1950............................................................................................................72
Figura nº 6 – Casamento integralista realizado na cidade de Nova Palma...........................85
Figura nº
7 - “Associazione di Mutuo Soccorso Umberto Iº Fra Gli Operai Italiani”
[Silveira Martins]................................................................................................................113
Figura nº 8 - “Societá Italiana di Mutuo Soccorso” [Santa Maria].....................................115
Figura nº 9 - Vila de São Marcos [Santa Maria].................................................................117
Figura nº 10 - Monumento aos italianos que morreram na guerra colonial da Líbia
[vila de São Marcos, Santa Maria]......................................................................................118
Figura nº 11- Mapa dos principais locais envolvidos no episódio de 18 de agosto de 1942
[Santa Maria] ......................................................................................................................132
Figura nº 12- Armazém dos Irmãos Borin no bairro Itararé...............................................136
Figura nº 13 - Armazém dos Irmãos Borin.........................................................................136
Figura nº 14- Rótulo de balas produzidas pela empresa Weissheimer e Irmão..................147
9
LISTA DE TABELAS
Tabela nº 1- Movimentação de passageiros e mercadorias da Viação Férrea de
Santa Maria de 1907 a 1913 .................................................................................................51
Tabela nº 2 - Características gerais de organização e movimento de
empresas e estabelecimentos industriais, segundo os municípios. [Santa Maria]..............152
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico nº 1 - Evolução da população santa-mariense segundo os viajantes ......................59
Gráfico nº 2- Estrangeiros segundo as principais nacionalidades .......................................95
Gráfico nº 3 - Brasileiros naturalizados segundo os principais países de naturalidade........96
Gráfico nº 4 - Pessoas que não falam o português habitualmente no lar ...........................101
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADM: Ala Democrática da Mocidade
AGA: Ateneu Graça Aranha
AIB: Ação Integralista Brasileira
AL: Aliança Liberal
ANL: Ação Nacional Libertadora
CAL: Centro de Artes e Letras
DIP: Departamento de Imprensa e Propaganda
IPHAE: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado
LDN: Liga de Defesa Nacional
PCB: Partido Comunista Brasileiro
PRR: Partido Republicano Rio-Grandense
RS: Rio Grande do Sul
PRP: Partido de Representação Popular
PSD: Partido Social Democrata
PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
VFRGS:Viação Férrea do Rio Grande do Sul.
YAC OU JAC: Associação Judaica de Colonização
12
RESUMO
Agosto de 1942, navios mercantes brasileiros foram afundados no litoral do Brasil, pelo
Eixo (Alemanha, Itália e Japão) provocando cerca de 600 mortes. Uma onda de revolta e
indignação tomou conta do país. Em Santa Maria, o Ateneu Graça Aranha, a Ala
Democrática da Mocidade, os políticos e a classe ferroviária, promoveram no largo da
viação férrea, um “comício-monstro da brasilidade” que acabou tomando as principais ruas
da cidade. O jornal A Razão, de 18 de agosto de 1942 noticiou que a população santa-
mariense viveu momentos de exaltação patriótica, exteriorizando e protestando
publicamente contra as agressões dos países do Eixo. Essas calorosas manifestações
acabaram em saques e quebra-quebras a estabelecimentos de teuto-brasileiros e ítalo-
brasileiros. Em seguida os “estrangeiros” eram obrigados a publicar no jornal local, os
pedidos “ao povo de Santa Maria”, onde utilizavam uma retórica patriótica para explicar
que eram brasileiros e assim tentar evitar novas represálias.
Palavras-chave: Santa Maria, italianos, integralismo, comunismo, depredações.
13
ABSTRACT
August of 1942 mercant ships were plummeted in Brazilian seacoast by the axis (Germany,
Italy and Japan) by provoking about 600 deaths. Feelings of revolt and indignation were
widened in the country. In Santa Maria city, Ateneu Graça Aranha, The Democratic Youth
Space, the politicians and the railway class promoted a “monster-meeting of brasility” in
the shore of railway, which were widened along with the main streets of the city. On
August 18
th
, 1942 A Razão Newspaper reported that the population from Santa Maria had
lived patriotic exaltation moments by showing off and protesting openly aversion against
the aggression from the Axis countries. These strong manifestations ended up with sacks
and confusion to German-Brazilian and Italian-Brazilian places. Afterwards the
“foreigners” were obligated to publish a local newspaper; the orders to “people from Santa
Maria” in which they used a patriotic rethoric to explain that they were brazilian and with
that to try avoiding new conflicts.
Key-words: Santa Maria – Italians – Integralism – Comunism - Depredation
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................15
CAPÍTULO 1 - A FORMAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA DE SANTA MARIA...........26
CAPÍTULO 2 - CONJUNTURA POLÍTICA INTERNACIONAL,
NACIONAL E REGIONAL.................................................................................................60
CAPÍTULO 3 - NACIONALIZAÇÃO E SEGUNDA GUERRA: EPISÓDIOS.................92
CAPÍTULO 4 - EM NOME DA PÁTRIA – AS MANIFESTAÇÕES
CONTRA O EIXO EM SANTA MARIA, NO DIA 18 DE AGOSTO DE 1942..............124
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................154
CRONOLOGIA................................................................................................................. 161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................166
FONTES DOCUMENTAIS.............................................................................................. 178
15
INTRODUÇÃO
Considerações iniciais
O presente trabalho, “Em nome da Pátria: as manifestações contra o Eixo em
Santa Maria, no dia 18 de agosto de 1942”, encontra-se inserido na linha de pesquisa
Processos de Ocupação do Espaço e Movimentos Sociais, do programa de pós-graduação
em História, da UPF.
O recorte espacial é feito a partir das antigas delimitações geográficas do
município de Santa Maria, ao qual pertencia, entre outros, o atual município de Silveira
Martins, região de estabelecimento de imigrantes italianos que chegaram à região central
do RS a partir de 1877. A preocupação da interligação, com um contexto mais amplo, no
caso nacional e internacional, foi uma constante no trabalho.
Em “História e região: reconhecendo e construindo espaços”, Janaína Amado
explica que “o estudo regional oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional
[...] a partir de um ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o particular. A
historiografia nacional ressalta as semelhanças, a regional lida com as diferenças, a
multiplicidade.”
1
Para Ana Reckziegel, em “História Regional: dimensões teórico-
conceituais”, “a região constitui uma estrutura, por isso possui uma identidade que permite
1
AMADO, Janaína. História e região: reconhecendo e construindo espaços. In.: SILVA, Marcos A. (coord).
República em migalhas: história regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990. p. 12-13.
16
diferenciá-la de seu entorno. Essa personalidade regional possibilita a sua delimitação a
partir da compreensão da especificidade que ela contém.”
2
Pretende-se, com esta pesquisa, colaborar na produção e divulgação do
conhecimento histórico a partir da concepção da História Regional e Política, apresentando
uma pesquisa sobre a ocupação territorial de Santa Maria e seus movimentos sociais, desde
a formação da localidade levando em consideração os aspectos demográficos, étnicos,
políticos, culturais, sociais e econômicos do município em questão. O momento ápice dos
fatos históricos abordados no trabalho acontece em 18 de agosto de 1942, com as
depredações de imóveis e estabelecimentos comerciais de alemães e italianos e de seus
descendentes em um período de grande efervescência política, em Santa Maria, no Rio
Grande do Sul e no país, principalmente após a entrada do Brasil na Segunda Guerra
Mundial.
Esta pesquisa é fruto de um trabalho iniciado em 1997, quando se implantou o
LAHIS – Laboratório de História Oral – no Centro Universitário Franciscano de Santa
Maria, com o apoio financeiro da FAPERGS. O objetivo do Laboratório era entrevistar
pessoas sobre suas histórias de vida. Éramos em oito bolsistas: seis para as entrevistas e
duas para as transcrições. A prioridade do projeto era registrar o depoimento dos poucos
imigrantes italianos vivos na região da Quarta Colônia de Imigração Italiana do RS e em
Santa Maria e, após, das pessoas mais idosas de cada comunidade.
Ao longo do processo, percebeu-se um ponto convergente no depoimento dos
entrevistados: a proibição do uso público da língua italiana – no caso, dialeto – durante um
determinado período da Segunda Guerra, muitas vezes, não identificada pelos mesmos, o
que determinou questionamentos sobre a questão. Por que esse período foi tão marcante
para os depoentes? O que houve de tão significativo? De que forma os depoentes sentiram
a proibição daquela língua?
Nos depoimentos, destacaram-se também, fortemente, os sucessos ocorridos em
18 de agosto de 1942, em Santa Maria, o que me impulsionou para novos trabalhos
relacionados à temática.
A partir destes primeiros questionamentos, realizamos diversas pesquisas, entre
outras, o trabalho final de graduação em História, “A política nacionalista do Estado Novo
2
RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. História Regional: dimensões teórico-concentuais. História:debates e
tendências. Passo Fundo: Ediupf, v.1, n.1, p.15-22, p.19.
17
em Santa Maria e na Quarta Colônia de Imigração Italiana do Rio Grande do Sul”
3
,
concluído em 2001; o trabalho final de especialização em História, “A política nacionalista
do Estado Novo e a comunidade ítalo-brasileira através do jornal A Razão”
4
, finalizado em
2002; além do livro e do documentário Mordaça Verde e Amarela imigrantes e
descendentes no Estado Novo, que reúne artigos e depoimentos de historiadores sobre a
temática em questão, publicado em 2005.
5
Santa Maria e a Segunda Guerra
Em 1942, o mundo encontrava-se em guerra. Grande parte dos países, ou estavam
em luta, ou não tinham como ficar indiferentes. Sobretudo três nações compunham o
denominado Eixo: Alemanha, Itália e Japão. As ideologias nazista, dos seguidores de
Adolf Hitler, na Alemanha, e fascista, de Benito Mussolini, na Itália, juntamente com o
imperialismo e militarismo do Japão do imperador Hirohito, fazem com que outros países
da Europa e da América engajem-se de alguma forma no conflito: era o outro prato da
balança, que se denominou de Aliados, formado, entre outras nações, pela Inglaterra,
França, Estados Unidos da América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS).
Esta situação polarizada, quando transposta para a América do Sul, encontrou
países como Argentina, governada por Juan Domingos Perón, e Brasil, presidido por
Getúlio Dornelles Vargas.
Nesse cenário político-ideológico, aconteceu, em 18 de agosto de 1942, um fato
que viria a mudar a história nacional: o afundamento de navios civis brasileiros em águas
próximas ao litoral da Bahia e Sergipe, que leva à morte mais de seiscentas pessoas, entre
adultos e crianças, causando grande consternação no povo brasileiro. Em todas as regiões
do país, a população clamou por vingança, direcionando sua ira aos alemães, italianos,
teuto-brasileiros e ítalo-brasileiro, acusados de apoiarem o Eixo. Em Santa Maria, a
situação não foi diferente.
3
DALMOLIN, Cátia. A Política Nacionalista do Estado Novo em Santa Maria e na Quarta Colônia de
Imigração Italiana do Rio Grande do Sul. Trabalho Final de Graduação. Santa Maria: Centro Universitário
Franciscano, 2001.
4
DALMOLIN, Cátia. A política nacionalista do Estado Novo e a comunidade ítalo-brasileira através do
Jornal A Razão. Trabalho Final de Especialização. Santa Maria: Centro Universitário Franciscano, 2002.
5
DALMOLIN, Cátia. (org). Mordaça Verde e Amarela. Imigrantes e descendentes no Estado Novo. Santa
Maria: Pallotti, 2005.
18
Santa Maria originou-se de um acampamento militar na época da demarcação da
fronteira meridional entre as coroas de Portugal e Espanha. A aglomeração recebeu parte
da população indígena oriunda das Missões Jesuíticas Espanholas e teve em seu entorno
sul e oeste o estabelecimento de grandes propriedades rurais, com seus proprietários de
origem luso-brasileira, havidas por doação da Coroa Portuguesa e do Regime Imperial.
Posteriormente, com o incentivo à imigração européia, chegaram, entre outros, colonos
alemães, belgas, italianos, judeus e russos-alemães.
Santa Maria era município novo, recém-emancipado de Cachoeira do Sul (1858).
A emancipação motivou e aprofundou o progresso da localidade. A construção da linha
férrea ligando Porto Alegre à cidade de Uruguaiana, no extremo oeste fronteiro com a
Argentina, foi relevante para o desenvolvimento urbano de Santa Maria e de suas
imediações rurais, bem como localidades vizinhas, como Silveira Martins, sede da Quarta
Colônia de Imigração Italiana do Rio Grande do Sul. Localizada a nordeste de Santa
Maria, distando desta cerca de trinta quilômetros, a região constituía-se de pequenas
propriedades.
Santa Maria evoluiu nas três primeiras décadas do século 20, atingindo, em 1940,
uma população de 75. 597 habitantes, mantendo sua característica populacional eclética.
Neste contexto, ao som do noticiário impresso e radiofônico, juntando-se ao clamor
nacional e ao desejo coletivo de desagravo, em 18 de agosto de 1942, realizou-se um
comício no largo da Viação Férrea. Seguiram-se depredações e saques contra o patrimônio
da população ítalo-brasileira e teuto-brasileira. Outras cidades do Rio Grande do Sul, como
Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas e Cachoeira do Sul conheceram também manifestações
e depredações nacionalistas nas empresas de alemães e italianos e de seus descendentes.
Dialogando com as fontes
Os depoimentos sobre os episódios transcorridos na década de 40 foram uma
preocupação constante no trabalho, desde a organização do LAHIS em 1997. Na
realização das entrevistas, utilizou-se a História Oral de Vida, privilegiando, como o
próprio nome do método já diz, a história de vida dos depoentes.
Em Manual de História Oral, José Meihy propõe que “a história oral de vida é o
retrato oficial do depoente [...] a verdade está na versão oferecida pelo narrador que é
19
soberano para revelar ou ocultar casos, situações ou pessoas.”
6
Segundo esse autor,
“muitos trabalhos de história oral registram a trajetória de pessoas idosas e, por meio delas
recompõem aspectos da vida individual, do grupo em que estão inseridas ou da conjuntura
que os acolhe”.
7
José Meihy entende que História Oral é mais do que uma simples
entrevista, pois, através dela, penetra-se no imaginário das pessoas e nas suas experiências
de vida, por isso, requer-se um domínio de conteúdo, sensibilidade e aprimoramento
técnico.
8
É importante ressaltar a dificuldade encontrada para realizar as entrevistas, uma
vez que o período apresenta-se como uma cicatriz de uma antiga ferida, ainda sensível,
para muitos daqueles que o viveram. Muitas vezes, foi difícil fazer os depoentes, que
pediram, comumente, o anonimato, falarem sobre sofrimentos, dramas familiares, enfim, o
conturbado período em questão. No total, foram mais de trinta entrevistados, na faixa
etária de 75 a 90 anos, dos quais selecionei vinte para a presente dissertação: quatorze
homens e seis mulheres.
Nádia Nunes foi essencial para o trabalho devido ao empréstimo de cinco
entrevistas [em fita k-7] realizadas com proprietários de estabelecimentos comerciais em
Santa Maria, na década de 1940, e com seus descendentes. A historiadora pesquisou os
alemães na cidade e produziu o trabalho de final de graduação “Os alemães em Santa
Maria no período do Estado Novo”.
9
Maria Tucci Carneiro, em O anti-semitismo na Era Vargas, lembra: “[...] a
reconstituição deste lado da História se faz limitada: limitada pela idade, pelas lembranças
daquilo que se quer esquecer [...] e pelo medo do cotidiano de ontem que agora se
transforma em denúncia. A reconstituição do passado através das lembranças não é um
trabalho fácil: dependemos sempre da confiança em nós depositada, da conscientização do
narrador e da seleção que ele (testemunha) faz dos fatos, às vezes insignificante para si,
mas de grande importância para nós, como registro.”
10
Enquanto técnica oficial de metodologia da pesquisa, a História Oral nasceu na
Universidade de Colúmbia, em Nova York, em 1947, sendo o responsável pela
oficialização do termo Allan Nevins. Nos anos 1960, a História Oral expandiu-se
6
MEIHY, José Carlos. Manual de história oral.o Paulo: Loyola, 1996. p.9.
7
Idem, p.,35.
8
Ibidem.
9
NUNES, Nádia Silvana. Os alemães em Santa Maria no período do Estado Novo. Trabalho Final de
Graduação do Curso de História. Santa Maria: Centro Universitário Franciscano, 1998.
10
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na Era Vargas. São Paulo: Perspectiva, 2001, p.33.
20
internacionalmente. No Brasil, devido à Ditadura Militar, a História Oral chegará mais
tarde, por volta dos anos 1970 e 1980.
Quanto ao suporte teórico, alguns autores foram importantes para um maior
embasamento na construção desta dissertação, principalmente: Berenice Corsetti, Cláudia
Sganzerla, José Plínio Fachel, Loraine Giron, Marlene de Fáveri, Núncia Santoro de
Constantino, Priscila Perazzo, René Gertz, Roney Cytrynowicz, Ricardo Seitenfus e Sérgio
Dullemberg.
11
Muito pouco foi produzido até o momento sobre os episódios transcorridos
durante a Segunda Guerra Mundial e seus reflexos em Santa Maria. Encontram-se, entre os
trabalhos importantes e que forneceram subsídios para a pesquisa, o trabalho final de
especialização em História, O Imigrante Italiano da Quarta Colônia Imperial de
Imigração do RS e o Estado Novo”
12
, de Maria Medianeira Padoin; o trabalho final de
graduação, “Os alemães em Santa Maria no período do Estado Novo”
13
, de Nádia Nunes; a
dissertação de mestrado em História, “Ser ou não ser italiano: descendentes de imigrantes
em Santa Maria durante o Estado Novo”
14
, de Angélica de Medeiros Rios; o artigo
“Tempo de guerra e narrativa: italianos no Rio Grande do Sul”
15
, de Núncia Santoro de
Constantino; o texto “O Integralismo na Ex-Colônia Italiana de Silveira Martins”
16
, de Joel
11
CORSETTI, Berenice. O crime de ser italiano: a perseguição do Estado Novo: In.: DE BONI, Luís (org).
A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST; Torino: Fondazione Giovanni Angelli, 1987. v.1, p.363-
382.; CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Tempo de guerra e narrativa: italianos no Rio Grande do Sul.
História: debates e tendências, Passo Fundo, vol. 5, n
o
1, 2004. p.146-166.; CYTRYNOWICZ, Roney.
Guerra sem guerra. A mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. São
Paulo: Edusp, 2000.; DILLENBURG, Sérgio Roberto. Tempos de Incerteza. A discriminação aos teuto-
brasileiros no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST,1995.; FACHEL, José Plínio Guimarães. As violências
contra alemães e seus descendentes, durante a Segunda Guerra Mundial em Pelotas e São Lourenço do Sul.
Pelotas: Editora UFPEL, 2002.; FÁVERI, Marlene de. Memórias de uma (outra) guerra. Cotidiano e medo
durante a Segunda Guerra em Santa Catarina. Florianópolis: Univali e UFSC. 2005.; GERTZ, René.O perigo
alemão. Porto Alegre: UFRGS. 1991.; GIRON, Loraine Slomp. As Sombras do Littorio O Fascismo no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Parlenda, 1994.; PERAZZO, Priscila. O perigo alemão e a repressão policial
no Estado Novo. São Paulo: Arquivo do Estado, 1999.; SGANZERLA, Cláudia Mara. A Lei do Silêncio
Repressão e Nacionalização no Estado Novo em Guaporé (1937-1945). Passo Fundo: UPF; Porto Alegre:
EST,2001.; SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. O Brasil de Getúlio Vargas e a formação dos blocos 1930-
1942. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1985.; SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. O Brasil vai à
guerra. São Paulo: Manole, 2003. 3 ed.
12
PADOIN, Maria Medianeira. O Imigrante Italiano da Quarta Colônia Imperial de Imigração do RS e o
Estado Novo. Porto Alegre: PPG História/ UFRGS, 1997.
13
NUNES, Nádia Silvana. Os alemães em Santa Maria no período do Estado Novo. Trabalho Final de
Graduação do Curso de História. Santa Maria: Centro Universitário Franciscano, 1998.
14
RIOS, Angélica de Medeiros. Ser ou não ser italiano: descendentes de imigrantes em Santa Maria durante
o Estado Novo. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUCRS, 2001.
15
CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Tempo de guerra e narrativa: italianos no Rio Grande do Sul.
História: debates e tendências, Passo Fundo, vol. 5, n
o
1, 2004. p.146-166.
16
MARIN, Joel Orlando. O Integralismo na Ex- Colônia Italiana de Silveira Martins. In.: MARIN, Jérri
(org). Quarta Colônia Novos Olhares. Porto Alegre: EST. 1999, p.110- 117
21
Marin, e a tese de doutorado de Maria Catarina Zanini, “Italianidade no Brasil meridional:
a construção da identidade étnica na região de Santa Maria-RS”
17
, recentemente lançada
sob a forma de livro pela Editora da UFSM.
Dentre os poucos pesquisadores que escreveram sobre a história de Santa Maria,
destaco como fonte na construção do trabalho: Cirilo Costa Beber, João Belém, João
Rodolpho Flores, Letícia Silveira Guterres, Luiz Augusto Farinatti e Romeu Beltrão
(nasceu em Porto Alegre, mas viveu boa parte da vida em Santa Maria).
18
As fontes primárias e secundárias, impressas e manuscritas, foram igualmente
importantes para nosso trabalho. Partindo da historiografia sobre o período, da
documentação primária, com destaque para a correspondência recebida e expedida em
1942, pelo Interventor Federal, Cordeiro de Farias, buscou-se delinear o panorama dos
reflexos da Guerra Mundial no Estado, em geral, e em Santa Maria, em especial. Nesse
processo, também foram importantes as atas e os estatutos das Sociedades Italianas de
Socorro Mútuo, que funcionaram na região até 1942, bem como a documentação
iconográfica.
Boa parte dos documentos necessários à reconstrução do quebra-cabeças histórico
em questão perderam-se ou estão em poder de particulares. Para desenvolver nosso
trabalho, realizamos verdadeira peregrinação por arquivos de particulares e públicos do
RS: Arquivo Público de Santa Maria; Arquivo Público de Cachoeira do Sul; Arquivo do
Jornal A Razão; Arquivo Hipólito da Costa; Arquivo da Câmara de Vereadores de Santa
Maria; Arquivo da Brigada Militar de Santa Maria; Arquivo Edmundo Cardoso; Arquivo
da Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea; Arquivo Público de Porto Alegre;
Arquivo Histórico de Porto Alegre; Centro de Documentação da AIB; Centro de Pesquisas
17
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Italianidade no Brasil meridional: a construção da identidade étnica na
região de Santa Maria-RS. Tese de Doutorado. PP/Antropologia Cultural. São Paulo: USP, 2002.
18
COSTA BEBER, Cirilo. Santa Maria 200 anos. História da economia do município. Santa Maria: Pallotti,
1998; BELÉM, João. História do Município de Santa Maria 1797/1933. Santa Maria: Ed. UFSM, 2000. 3ª
ed.; FLÔRES, João Rodolpho Amaral. Profissão e experiências sociais entre trabalhadores da viação férrea
do Rio Grande do Sul em Santa Maria (1898-1957). Tese de Doutorado. São Lepoldo: Unisinos, 2005;
GUTERRES, Letícia Batistella Silveira. Para além das fontes: im/possibilidades de laços familiares entre
livres, libertos e escravos: (Santa Maria -1844-1882). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUC, 2005;
FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Criadores de gado em Santa Maria (RS, 1850-1890). In.: Anais da 1ª
Jornada de História Regional Comparada: Brasil, Argentina e Uruguai. Porto Alegre: FEE, 2000. (em Cd-
room); FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Sobre as cinzas da mata virgem: lavradores nacionais na
Província do Rio Grande do Sul (Santa Maria, 1845-1880).Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUC,
1999; BELTRÃO, Romeu. Cronologia histórica de Santa Maria e do extinto município de São Martinho.
Canoas: La Salle. 1979, 2ª ed.; BELTRÃO, Romeu. Síntese histórica de Santa Maria. Álbum ilustrativo
comemorativo do 1º centenário da emancipação política do município de Santa Maria. Porto Alegre:
Metrópole, 1958. p.17-194.
22
Genealógicas de Nova Palma e Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel
Heuser.
Uma fonte de extrema relevância que forma a amálgama do trabalho juntamente
com a História Oral é a pesquisa realizada no (e a partir do) jornal A Razão, fundado em 9
de outubro de 1934, pelo jornalista Clarimundo Flores, e patrocinado por Floduardo Silva,
“gerado a partir de ideais republicanos”.
19
O primeiro número um mostrava que o referido diário matutino procurava “uma
orientação de acordo com as tendências e necessidades nacionais”, salientando ainda que a
“política partidária, apaixonada e estéril não nos [lhes] interessará [interessava]”.
20
A missão de A Razão era “orientada por um alto e claro espírito de brasilidade,
detendo-se, sempre que necessário, na defesa tradicional e honesto [sic] patriotismo rio-
grandense.”
21
O jornal pretendia ser uma “tribuna de defesa”, preocupando-se com “as
forças vivas do Rio Grande e os superiores interesses morais [sic] da coletividade.”
22
Por muitos anos, este veículo de comunicação foi o porta-voz da região central do
Rio Grande do Sul, comemorando em 2006, setenta e dois anos.
Clarimundo Flores ou Paulo Mendes, pseudônimo que assinava as reportagens de
A Razão, era uma pessoa polêmica. Reis de Souza, no artigo “Audácia e talento de um
jornalista de vanguarda”, analisando a figura de Clarimundo, salienta que ele “fez alguns
inimigos, que não aceitavam as defesas ferrenhas de seu posicionamento, mas esses não o
preocupavam e Clarimundo insistia, por vezes, no método de provocação para acender a
ira de seus desafetos”.
23
Percebe-se o grande tom de ironia para com seus inimigos, bem
como as bandeiras partidárias defendidas por Clarimundo. Continua Reis de Souza,
“contrário a qualquer tipo de ditadura, defendeu com sofreguidão a liberdade, os direitos
humanos e a democracia que, para ele, era a única forma de garantir uma vida digna aos
cidadãos brasileiros”.
24
Em 1943, o jornal foi vendido aos Diários e Emissoras Associados, comandados
pelo jornalista Assis Chateubriand.
Perseu Abramo, em “Padrões de manipulação na grande imprensa”, apresenta
alguns padrões que são facilmente identificados em A Razão: padrão de ocultação;
19
A inauguração das instalações de A Razão. 9 de outubro de 2004, p.2.
20
A Razão [título da reportagem é este]. A Razão, Santa Maria, 9 de outubro de 1934, p.3.
21
Ibidem.
22
Idem.
23
SOUZA, Reis de. Audácia e talento de um jornalista de vanguarda. A Razão, Santa Maria, 09 de outubro
de 2004, p.10.
24
Ibidem.
23
inversão da relevância dos aspectos; oficialismo; inversão da opinião pela informação e de
indução.
25
Estiveram sempre em pauta, no jornal, notícias que descrevessem a guerra (real
ou imaginária) com posições partidárias bem definidas, no caso a favor do governo de
Vargas. Outra forma de apresentar as reportagens era a transcrição de matérias,
principalmente do Rio de Janeiro e São Paulo. Por vezes, notícias pequenas ganhavam
grandes manchetes, refletindo a época conturbada pela qual passava o país. Não raro, o
jornal utilizava-se de fragmentos de correspondências ou discursos oficiais para deixar
falar, mostrando assim a versão oficial.
26
Apesar de o jornalista reiterar que era imparcial, as páginas do jornal estavam
sempre repletas de opiniões de cunho pessoal. Dessa forma, o jornal dá à “população (...) a
possibilidade de ver e compreender a realidade real e a induzia a consumir outra realidade,
artificialmente inventada [...]. O leitor é induzido a ver o mundo não como ele é, mas sim
como querem que ele seja”.
27
Marleni de Fáveri na obra Memórias de uma (outra) guerra, afirma que, “na
produção de imagens e construção de inimigos internos e externos, a imprensa instigava ao
confronto, ao mesmo tempo em que exigia uma tomada de posição”.
28
Concorda-se com Perseu Abramo quando salienta que não existe parcialidade e
neutralidade no jornalismo. O jornalista Clarimundo Flores e sua equipe tomaram
posições. Dentre seus colaboradores, estavam pessoas de grande relevância social na
cidade e intelectuais que participariam ativamente dos comícios monstros ou comícios de
brasilidade em 1942, inclusive do que aconteceria em 18 de agosto, culminando em saques
e destruição a muitas empresas de proprietários tidos como ligados ou favoráveis às nações
do Eixo.
Questionamentos
Em Santa Maria, a análise dos reflexos da Segunda Guerra Mundial levantou
algumas hipóteses e questionamentos. Qual foi a evolução demográfica, étnica, econômica
e comercial de Santa Maria? Quais eram e de quem eram os principais estabelecimentos
25
ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2003. p.23-51.
26
Ibidem.
27
Idem, p.33.
28
FÁVERI, Marlene de. Memórias de uma (outra) guerra. Cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em
Santa Catarina. Florianópolis: Univali e UFSC, 2005. p.47.
24
comerciais da cidade, antes e após a chegada dos alemães e italianos? Como eram as
relações econômicas, políticas, culturais e sociais na cidade, em geral, e no seio do
comércio da cidade, em especial? Qual o impacto dos torpedeamentos de navios brasileiros
entre os diversos segmentos sociais da região? Até que ponto a imprensa incitou a
depredação através de agitação nacionalista e xenófoba? Qual foi a interpretação da
imprensa sobre as depredações? Qual o sentido dessa interpretação? Que interesses
singulares representava essa imprensa? Quais eram as representações na região dos
movimentos comunista, fascista, nazista e integralista? Havia uma concorrência comercial
na cidade, entre segmentos luso-brasileiros, alemães e italianos? Por que algumas empresas
de descendentes italianos e alemães foram depredadas e outras não? Havia racismo por
parte dos italianos e alemães com relação aos luso-brasileiros? Tal sentimento favoreceu os
sucessos? Qual era o posicionamento da polícia, do exército e do governo sobre os
acontecimentos?
Por tudo isso, estruturou-se a dissertação em quatro capítulos.
No Capítulo 1, “A formação social e econômica de Santa Maria”, faz-se uma
breve retrospectiva do episódio transcorrido na data para situar o leitor do acontecido em
Santa Maria e convidá-lo aos questionamentos sobre o ocorrido. Procurou-se mostrar como
os principais grupos étnicos formaram o núcleo urbano e comercial da cidade de Santa
Maria, destacando a chegada e o estabelecimento dos nativos missioneiros, trabalhadores
escravizados africanos e afro-descendentes, imigrantes alemães, russos-alemães, italianos,
sírio-libaneses, belgas e judeus; mesclado com a modernidade e as transformações
advindas com a chegada da ferrovia.
O Capítulo 2, “Conjuntura política internacional, nacional e regional”, visa
identificar quais os principais grupos políticos e suas ideologias nos cenários internacional,
nacional e santa-mariense, mostrando suas principais características e quais segmentos da
sociedade aderiram, por exemplo, ao nazi-fascismo, comunismo e integralismo.
O Capítulo 3, “Nacionalização e Segunda Guerra: episódios”, procura ressaltar
acontecimentos específicos na região de Santa Maria, como a formação das sociedades de
socorro mútuo italianas, as prisões aos italianos e ítalo-brasileiros e a xenofobia existente
na relação “imigrante x brasileiros”.
O quarto e último Capítulo, “Em nome da Pátria: as manifestações contra o Eixo
em Santa Maria, no dia 18 de agosto de 1942”, retrata os acontecimentos referentes ao 18
de agosto de 1942, através de depoimentos e de jornais de época. Os comícios de
brasilidade, os saques e as depredações, o posicionamento da imprensa, os anúncios dos
25
comerciantes, entre outros, são enfocados no capítulo, procurando elucidar o episódio de
extrema importância para a sociedade santa-mariense.
26
CAPÍTULO 1: A FORMAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA
DE SANTA MARIA.
Santa Maria, 18 de agosto de 1942.
18 de agosto de 1942. Ataques seguidos aos navios mercantes nacionais
desarmados Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba e Arará no litoral da Bahia e
Sergipe por submarino U-507 alemão impacta profundamente a nação. Os ataques deram-
se com tamanha sanha que literalmente impediram o abandono dos navios por tripulantes e
passageiros. O mercante Arará é torpedeado no ato de prestar socorro às vítimas de navio
apenas afundado. Quase seiscentos tripulantes e passageiros, sobretudo brasileiros, adultos,
jovens e crianças, morrem vítimas dos ataques. Nos dias e semanas seguintes, corpos
dilacerados das vítimas começaram a chegar às costas do norte do país.
A consternação foi geral! Luto, revolta e indignação tomaram conta do país, devido
ao ato terrorista. Por todo o Brasil, ouvem-se vozes de indignação. Por todos os cantos,
ecoava o hino nacional. Pessoas saem às ruas das grandes cidades exigindo reparação. As
propriedades de alemães e italianos simpáticos ao Eixo ou tido como tal são alvo da
vingança popular do crime traiçoeiro cometido contra as embarcações brasileiras indefesas.
18 de agosto. Santa Maria, Rio Grande do Sul. Um grande comício é marcado para
as 16 horas no largo da Viação Férrea. Por toda a cidade, soavam as sirenas!
27
Ferroviários, operários, comerciários, a população em geral começa a se aglomerar.
Os ânimos exaltaram-se. A cidade parou. O comércio fechou as portas em sinal de luto e
de medo. Uma forte chuva caía em Santa Maria, como pranteando os mortos inocentes. A
chuva não impede que o comício de reparação ocorra.
Naquela noite, grande massa popular percorreu as ruas do centro da cidade. Os
populares dirigiram-se também para os bairros, depredando e saqueando estabelecimentos
comerciais de alemães e italianos e seus descendentes.
Proprietários postaram-se nas portas dos comércios enrolados em bandeiras
brasileiras, na tentativa de demover os populares enfurecidos. A polícia mal consegue, ou
não se esforça, para controlar os focos de vandalismo.
O odor dos perfumes quebrados na loja Hermann espalha-se pelo centro de Santa
Maria, mantendo-se ainda forte na memória da tradição oral da cidade.
Viajantes que chegam de trem a Santa Maria deparam-se com cacos de vidro,
alimentos, quadros e livros queimados, espalhados pelas calçadas e ruas do centro.
Casacos de lã vendidos por armazéns vestem manifestantes oportunistas que se
infiltraram no meio da multidão, desfilando pelas ruas com salames, produzidos pelos
colonos do interior, dependurados no pescoço. Sacos de feijão, arroz e outros produtos são
rasgados e inutilizados.
Quadros trazidos da Itália e da Alemanha, fotos de famílias, livros, bíblias em
línguas estrangeiras ensejam a acusação de espiões e quinta-colunistas aos seus
proprietários. Parte do material retirado das casas de negócios é jogado no chafariz da
praça Saldanha Marinho.
Crianças, na época – hoje adultos –, recordam sucessos sobre os quais pouco
compreendiam. Algumas lembram que manifestantes distribuíam balas às crianças, após
saquearem armazéns.
Nos dias seguintes, anúncios com retórica patriótica são estampados no jornal local,
para demonstrar que comerciantes de origem alemã e italiana “eram brasileiros e estavam
quites com o serviço militar”, como forma de precaver-se contra novos ataques.
No dia 19 de agosto de 1942, o jornal A Razão noticiou “a maior manifestação de
civismo que a história da cidade registra”, onde “toda a população” associara-se “à
iniciativa”, unindo-se “com o mesmo sentimento” e o “coração” que assinalavam a
“coletividade brasileira”, em resposta ao “covarde golpe que a pirataria nazista” desfechara
28
“contra o Brasil”, ofendendo a “soberania da nossa pátria” e enlutando “os corações
brasileiros”.
29
Amainados os ânimos, o jornal corrigiu o discurso, noticiando que os ferroviários
promotores do comício e da passeata nada tiveram a ver com a depredação.
O delegado de polícia de Santa Maria, Eli Nascimento Machado, escreveu ao chefe
de Polícia do Estado, o coronel Aurélio da Silva Py, em Porto Alegre, comunicando o
acontecido. Para ele, o sucesso fora “uma vil manobra da quinta-coluna”.
30
Os
proprietários dos negócios atacados teriam incentivado a sua destruição para posarem de
vítimas!
Outras cidades rio-grandenses, como Cachoeira do Sul, Pelotas, Porto Alegre e Rio
Grande, conheceram também manifestações e depredações nacionalistas de empresas de
teuto-brasileiros e ítalo-brasileiros, após o afundamento dos navios brasileiros.
Santa Maria hoje
A cidade de Santa Maria está localizada na Região Sul, entre a depressão central e o
planalto basáltico meridional, distante 306 km de Porto Alegre. No ano de 2005, sua
população total, estimada pelo IBGE, era de 266.042 habitantes distribuídos em uma
unidade territorial de 1.780 km
2
.
Santa Maria é considerada como o centro geográfico do
Rio Grande do Sul, pois se encontra a 29º 33´06” de latitude sul e 53º 46´02” de longitude
oeste.
31
Santa Maria é conhecida pelo número de universidades que abriga e por ser o
segundo centro militar do Brasil, ficando atrás somente do Rio de Janeiro, composto por
uma base área, uma escola de formação de militares e onze quartéis. A cidade faz divisa,
ao norte, com Itaara, Júlio de Castilhos e São Martinho da Serra; ao sul, com São Gabriel e
São Sepé; a leste, com Silveira Martins, Restinga Sêca e Formigueiro e a oeste com São
Pedro do Sul e Dilermando de Aguiar.
32
Segundo os dados disponíveis, predominaria em Santa Maria a população de cor
branca (86,3%), seguida pela de pardos (7,9%), de negros (5%), de indígenas (0,3%) e de
amarelos (0,05%). Esses dados, produtos da auto-avaliação, são em geral muito
29
Vibrante demonstração de protesto contra o barbarismo totalitário. A Razão, Santa Maria, 19 de agosto de
1942, p. 7.
30
Num lance audacioso, a 5ª coluna pretendeu comprometer a classe ferroviária. A Razão, Santa Maria, 22
agosto de 1942, p.3.
31
Cf. http://www.ibge.gov.br/. Acessado em 20 de setembro de 2006.
32
Cf. http://www.santamaria.rs.gov.br/. Acessado em 20 de setembro de 2006.
29
imprecisos, tendendo a subestimar negros e pardos. No tocante à religião 77,75% são
católicos e 7,25% evangélicos.
33
Em 17 de maio de 1858, Santa Maria torna-se município, desmembrando-se de
Cachoeira do Sul.
Figura nº 1
Mapa da localização do município de Santa Maria no Rio Grande do Sul
Fonte: Fundação de Economia e Estatística. www.fee.rs.gov.br. Adaptado por: TREVISAN, Mario Luiz,
2006.
33
http://www.clicrbs.com.br/jornais/dsm/jsp/printjornais.jsp?newsid... Acessado em 01 de junho de 2004.
30
Figura nº 2
Mapa de Santa Maria atual e imediações
Silveira Martins
(4ª Colônia de Imigração Italiana)
Santa Maria
Itaára
Cruz Alta
"Linha da
Serra"
Antigas
Estâncias e
Fazendas
Santa Cruz do Sul
UFSM
Camobi
(Estação Colônia)
BASM
São Pedro
do Sul
"Linha de Porto Alegre"
"Linha da
Fronteira"
Colônia
Philipson
(Judeus)
N
L
S
O
05 km
São Sepé
Mapa de Santa
Maria atual e
imediações
SIMBOLOGIA
ÁREAS URBANAS
ÁREAS INSTITUCIONAIS FEDERAIS
FERROVIAS
RODOVIAS
Fonte: TREVISAN, Mario Luiz. Digitalização sobre Cartas Topográficas do Ministério do Exército –
Diretoria de Serviço Geográfico. Folha SH.22-V-C-IV-1 (SANTA MARIA-RS) 1976; Folha SH.22-V-C-IV-
2 (CAMOBI-RS) 1996.
Formação do RS e de Santa Maria
Os territórios do atual Rio Grande do Sul foram descobertos pelos europeus no
século 16, através de expedições que procuravam explorar o pau-brasil, permanecendo
suas terras inexploradas por mais de um século. Em seiscentos, deram-se as primeiras
tentativas de expansão européia nessas regiões. Nesses tempos, os bandeirantes paulistas
lançaram-se ao Sul em busca de mão-de-obra a ser escravizada nas missões jesuítas. As
31
reduções do Paraguai foram atacadas, obrigando os guaranis missioneiros a fugirem para o
atual território rio-grandense, formando as Missões do Tape, a partir de 1626.
34
Para o historiador Mário Maestri, em geral, “a Espanha entregou aos jesuítas a
tarefa de reunir, em reduções, missões ou povos, as populações nativas de imensas regiões
dos territórios sul-americanos que lhes pertenciam, segundo o Tratado de Tordesilhas. As
missões jesuíticas espanholas da América Meridional serviriam como uma espécie de
escudo contra a expansão lusitana em direção da estratégica foz do rio da Prata e,
sobretudo, das cobiçadas minas de prata e dos Andes”.
35
Santa Maria da Boca do Monte teve suas origens na redução jesuíta de São Cosme
e São Damião, estabelecida, em 1634, pelo padre Adriano Formoso, não havendo consenso
entre os historiadores sobre sua localização, que se acredita ter sido erguida próximo à
atual cidade de São Martinho da Serra ou onde se localiza hoje Santa Maria. Três anos
mais tarde, os jesuítas abandonaram o local. A redução apresentava inicialmente uma
média de quinhentas famílias, o que acabou diminuindo, principalmente devido a uma
grande estiagem que trouxe consigo a fome, obrigando os missioneiros procurarem as
florestas e rios.
Santa Maria era “o centro de atração das tribos indígenas da redondeza. Após a
invasão bandeirante e com a saída dos padres, o lugar sobreviveu pela ocupação de índios
aculturados. Por essa razão conservou as atividades pastoris”.
36
Teófilo Torronteguy,
historiador santa-mariense, em “Readaptação das famílias missioneiras migrantes: a rua da
Aldeia”, explicou que é “provável que o nome Santa Maria tenha sido dado pelos
aventureiros santafesinos, em conformidade com a religiosidade missioneira, para um
povoado que existia desde 1634. Santa Maria, nome típico espanhol que passou a designar
a região entre fins do século 17 e início do século 18”.
37
Por volta de 1640, os jesuítas deslocaram-se para a outra margem do Uruguai,
levando os guaranis missioneiros e deixando o gado, que deu origem, a seguir, com a
multiplicação natural dos rebanhos, à “Vacaria del Mar”, uma grande reserva animal. A
preia do gado vacum foi, mais tarde, um dos fundamentos básicos da economia sul rio-
grandense. Em 1680, fundou-se a Colônia do Sacramento, núcleo português, nos atuais
34
Cf. MAESTRI, Mário. Uma história do Rio Grande do Sul: a ocupação do território. Passo Fundo:
EdiUPF, 2006. p.7 et seq.
35
Ibidem, p.10.
36
TORRONTEGUY, Teófilo Otoni Vasconcelos. Readaptação das famílias missioneiras migrantes: a rua da
Aldeia. In: CHRISTENSEN, Teresa (coord). Missões: A questão indígena. Ijuí: Editora Unijuí, 1997 (Anais
do XI Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros). p.312.
37
Ibidem, p.312.
32
territórios uruguaios, na outra margem do Prata, diante de Buenos Aires. A colônia tinha
como objetivo o contrabando com Buenos Aires e se tornou, também, centro de extração de
couros.
38
Em 1682, fundaram-se os Sete Povos das Missões. No local, produzia-se erva-mate,
juntamente com a extração do couro do gado xucro que era exportado para Buenos Aires.
Mais tarde, nos anos 1700, animais foram levados pelos guaranis missioneiros ao noroeste
do RS, onde se formou a Vacaria dos Pinhais ou Campos de Vacaria.
39
O historiador santa-mariense Luis Augusto Farinatti, em “Criadores de gado em
Santa Maria (RS,1850-1890)”, lembra: “[...] no século 18, as arreadas de gado bovino
xucro – com vistas, especialmente, à faina do couro – e as tropas de muares que subiam em
direção à Sorocaba e às Minas Gerais, figuraram como um dos motores econômicos da
ocupação do Continente de São Pedro pelos luso-brasileiros. Constituindo-se em fins
daquele século, a criação de gado bovino em grandes propriedades (estâncias), destinadas
às charqueadas do sul da província e dali para o centro do país, ocuparam, ao longo do
século 19, um papel primordial na economia sulina”.
40
A partir da reconquista de Rio Grande, em 1776, começou a distribuição das
sesmarias para o estabelecimento das estâncias, definindo, desta forma, a posse da terra e
do gado. No final do século, decaiu a produção mineira, com conseqüente retração na
procura de animais muares; nesses anos, desenvolveram-se na economia sulina novos
produtos como o charque e o trigo, produzido, sobretudo pelos açorianos.
41
O historiador Paulo Zarth, em História agrária do Planalto Gaúcho, explicou que o
“processo de ocupação do território sulino está estreitamente ligado às condições naturais
de vegetação”.
42
Ainda no século 18, os “Pavão”, “Santos”, “Fontoura”, “Lima”, “Carvalho”,
“Mendonça”, “Cardoso”, “Moraes”, “Borges”, “Pinheiro” e outros luso-brasileiros
receberam sesmarias que serviram à produção pastoril nos territórios onde mais tarde se
formaria Santa Maria, na região central do RS.
43
38
Cf. MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. A colônia do Sacramento. 1680-1777. Porto Alegre: Globo,
1937; DOMINGUES, Moacyr. A Colônia do Sacramento e o Sul do Brasil. Porto Alegre: Sulina, 1973.
39
Cf. KERN, Arno. Missões : uma utopia política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.
40
FARINATTI, Luis Augusto Ebling. Criadores de gado em Santa Maria (RS, 1850-1890). In: Anais da 1ª
Jornada de História Regional Comparada: Brasil, Argentina e Uruguai. Porto Alegre: FEE, 2000. (em Cd-
room).
41
Cf. MAESTRI, Mário. Uma história do Rio Grande do Sul [...] Ob.cit. p. 7 et seq.
42
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do Planalto Gaúcho 1850-1920. Ijuí: Unijuí, 1997. p.22.
43
Cf. BELTRÃO, Romeu. Cronologia histórica de Santa Maria e do extinto município de São Martinho.
Canoas: La Salle. 1979, 2ª ed.p .21.
33
Romeu Beltrão, em Cronologia histórica de Santa Maria e do extinto município de
São Martinho, fornece-nos subsídios sobre as doações de sesmarias na região central do
RS, a partir de 1789. Segundo o autor, “o rincão de Santa Maria é concedido, em sesmaria,
ou 150 quadras, ou 13.068 ha, a Francisco Antônio Henriques de Amorim, pelo vice-rei D.
Luis de Vasconcelos, situado nos campos da freguesia de São Nicolau da Cachoeira do Rio
Pardo”.
44
Habitando em Cachoeira do Sul, Francisco não explorou a sesmaria, vendendo-a
ao padre Ambrósio José de Freitas. Nos anos que seguem, outras sesmarias foram
distribuídas na extensão central da capitania do RS.
Em “Sobre as cinzas da mata virgem lavradores nacionais na Província do Rio
Grande do Sul: Santa Maria, 1845-1880”, Luis Augusto Farinatti propõe que, no RS, tem-
se um estereótipo do grande estancieiro, que é visto como “latifundiário, grande criador,
potentado dos poderes político e militar”.
45
Para ele, além dessa classe privilegiada pela
historiografia oficial, em Santa Maria, existiam também pequenos e médios criadores.
Porém, na região em questão, destacaram-se dois grandes estancieiros, o coronel José
Alves Valença e a família Pinto, que gozavam de prestígio não somente na localidade.
Segundo Luis Augusto Farinatti, José Pinto teria sido o “mais bem sucedido
estancieiro em sua época, era proprietário da maior extensão de terras e da maior
quantidade de gado relacionada na relação das estâncias locais, enviada pelo delegado de
polícia à administração provincial em 1858.”
46
Um de seus filhos, Pantaleão José Pinto,
“foi provavelmente a primeira pessoa da região a formar-se em medicina no Rio de
Janeiro, o que, somado ao prestígio social de sua família, deu-lhe grande força na política
local”
47
.Consta que José Pinto 5.000 reses e empregava doze trabalhadores escravizados.
48
A pecuária em Santa Maria era pobre. Porém, citando o mapa estatístico da
administração da Província de 1859, Luis Augusto Farinatti lembrou que, apesar “de
possuir pouco gado, os estancieiros locais investiam mais em escravos do que muitos
criadores de outros municípios”.
49
Cerca de 143 trabalhadores escravizados e 141 homens
não escravos trabalhavam na criação.
Ainda Luis Augusto Farinatti analisou que as “áreas de campo, utilizadas para a
criação de gado, foram sendo apropriadas através da distribuição de sesmarias e, mais
44
Ibidem, p.21.
45
FARINATTI, Luis Augusto Ebling. Sobre as cinzas da mata virgem: lavradores nacionais na Província do
Rio Grande do Sul (Santa Maria, 1845-1880). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUC, 1999.
46
Ibidem, p.53.
47
Idem, p.54.
48
Idem.
49
Idem.
34
raramente, através de doações de comandantes militares, desde finais do século 18 até às
primeiras décadas do século 19”.
50
Para o autor, era “muito provável que antes mesmo do
final da década de 1820 não houvesse mais terras de campos sem donos na região, com a
exceção de alguns campestres de dimensões muito reduzidas, entremeados a zonas
predominantemente florestais. Já nas áreas florestais, o processo de ocupação das terras se
deu de forma mais lenta”.
51
Além da pecuária, Santa Maria apresentava as “unidades produtivas mistas”, ou
seja, estâncias que se dedicavam tanto à criação de gado, nos campos, quanto às lavouras
de alimentos, nas zonas florestais.
52
Em 1726, os espanhóis fundaram Montevidéu que, somado a Buenos Aires, garantiam
o controle do comércio plantino. Onze anos mais tarde, em 1737, os portugueses criaram a
fortaleza e o presídio Jesus-Maria-José, em Rio Grande, para apoiar a colônia de
Sacramento, sitiada, e explorar os recursos da região. A “ocupação lusitana” dessas
regiões, teria-se dado “através da aculturação, escravização, combate e extermínio das
comunidades nativas”.
53
Em 1750, o Tratado de Madrid determinou a troca dos Sete Povos das Missões,
espanhol, pela Colônia do Sacramento, portuguesa, fazendo com que os missioneiros
revoltados se rebelassem contra os exércitos português e espanhol, não aceitando
translocar-se para outras regiões, o que ocasionou a Guerra Guaranítica [1752-1756].
Derrotados, os missioneiros abandonaram apenas parcialmente a região, que voltou, a
seguir, para domínio espanhol. Nesse tratado, os espanhóis asseguraram-se o domínio do
Prata e sem preocupações com os direitos das populações da terra.
Em 1761, o Tratado de Madrid foi anulado dando lugar ao Tratado de El Pardo, por
meio do qual as Missões ficaram sobre administração espanhola, novamente.
54
Sob a
administração leiga espanhola, os Sete Povos entraram em inexorável decadência, para
serem ocupados, em 1801, pelos luso-brasileiros, o que determinou, em poucos anos, sua
extinção.
55
Com o Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, a Colônia do Sacramento e os Sete
Povos das Missões ficariam, para sempre, em território espanhol. Para impedir o
50
Idem.
51
Idem.
52
Idem.
53
MAESTRI, Mário. A ocupação do território [...] Ob. cit., p.21.
54
Cf. FERREIRA, Mário Clemente. O Tratado de Madrid e o Brasil meridional. Lisboa: Comissão Nacional
para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001.
55
Cf. CAMARGO, Fernando. O Malón de 1801: a Guerra das Laranjas e suas implicações na América
Meridional. Passo Fundo: Clio, 2001.
35
contrabando, foram criados os Campos Neutrais, espécie de terras de ninguém, onde
pastavam grandes manadas de gado selvagem. A partir de 1780, quando o charque se
destacou na economia sulina, houve grande corrida para a obtenção de sesmarias.
56
Na obra Cronologia histórica de Santa Maria e do extinto município de São
Martinho, o médico e memorialista santa-mariense Romeu Beltrão cita o capitão José de
Saldanha, que publicou, em 1938, um diário relatando que, em 1787, na região de Santa
Maria, eram vistos minuanos e tapes. Os primeiros “habitavam parte do território
municipal santa-mariense, na zona da campanha, em especial na Coxilha do Pau Fincado,
enquanto a maior soma de habitantes era representada pelos tapes, que viviam na mataria
da Serra e suas encostas”.
57
Romeu Beltrão explicou ainda que, “com a desorganização que tomou conta dos
Sete Povos das Missões Orientais, após a conquista [pelos lusitanos] de 1801, e também
por esperarem melhores condições de vida entre os luso-brasileiros, levas de índios [sic]
abandonaram as antigas Missões e vieram estabelecer-se junto às nascentes povoações do
vale do Jacuí”.
58
Os missioneiros fixaram-se na área urbana, ao sul, onde atualmente se encontra o
Hospital de Caridade, construindo uma capela conhecida como Igrejinha dos Índios,
realizando no local cerimônias religiosas que atraíam o resto da população. Romeu Beltrão
não identifica quem era denominado por “resto”. O mesmo autor deixou claro que a aldeia
permaneceu até a Guerra do Paraguai [1865-1870].
59
Na obra História do Município de Santa Maria 1797-1933, o poeta, professor de
português e memorialista João Belém ressaltou que “tais índios catequizados, agricultores
uns, operários outros, todos obedientes à religião católica que professavam com ardente fé
[sic], identificaram-se com o meio ambiente, aceitando sem constrangimento os costumes
da população que agasalhava-lhes”.
60
Em 1797, “em conseqüência de desentendimentos surgidos entre os demarcadores
espanhóis e portugueses, a 2ª Subdivisão da Comissão Demarcadora de Limites [...]
recebeu ordem para recolher-se à proteção da Guarda Portuguesa do Passo dos Ferreiros,
vindo acampar [...] em terreno da estância do padre Ambrósio, no Rincão de Santa Maria”.
56
Cf. AMARAL, Anselmo F. Os campos neutrais. Porto Alegre: 1973.
57
BELTRÃO, Romeu. Cronologia histórica [...] Ob. cit., p .9.
58
Ibidem, p .41.
59
Idem.
60
BELÉM, João. História do Município de Santa Maria 1797/1933. Santa Maria: Ed. UFSM, 2000. 3ª
ed.,p.41.
36
61
A Subdivisão, formada de cerca de duzentas pessoas, originou, oficialmente, o
acampamento de Santa Maria, onde hoje se encontra a rua do Acampamento-região central
da cidade.
62
Em “Síntese histórica de Santa Maria”, Romeu Beltrão lembrou que “pouco a pouco,
os ranchos do acampamento da Comissão Demarcadora foram-se transmudando em
construções mais sólidas, alinhadas nas primeiras ruas, a de São Paulo, ou do
Acampamento, a Pacífica e a estrada da Aldeia”.
63
Ainda segundo Romeu Beltrão, “as
lutas contra os orientais foram transformando o lugar em centro de atividades militares,
enquanto o comércio com as incipientes povoações das novas fronteiras dava-lhe grande
movimento”.
64
Índios missioneiros e escravos
Entre 1801 e 1803, o Rincão de Santa Maria recebeu cerca de oitenta famílias
missioneiras que se localizaram, como vimos, principalmente na rua da Aldeia, onde mais
tarde surgiu uma via pública com esse nome. Os missioneiros estabeleceram-se também
nas margens dos rios Ibucuí, Vacacaí e Jacuí.
65
Em “Readaptação das famílias missioneiras migrantes: a rua da aldeia”, Teófilo
Torronteguy explicou que “os missioneiros eram índios guaranis que tinham sido
aculturados [sic] pelos padres jesuítas. Conheciam os trabalhos das lavouras e das
invernadas de gado. Alguns eram artesãos. Todos professavam a fé católica e a
conservavam. Entendiam a língua espanhola e a língua portuguesa. Eles trabalhavam nas
vacarias e foram os grandes sustentáculos das estâncias de gado”.
66
Segundo Mário Maestri, “nas sociedades missioneiras, a maior importância da
produção agrícola e a desvalorização das atividades caçadoras e coletoras, em relação à
economia tradicional guarani, determinaram a transferência da responsabilidade central dos
trabalhos nos campos das mulheres para os homens”.
67
Em História do Município de Santa Maria 1797/1933, João Belém escreveu que
“muitos que, nas Missões, com os jesuítas, haviam aprendido ofício de ferreiro, de
61
BELTRÃO, Romeu. Síntese histórica de Santa Maria. Álbum ilustrativo comemorativo do 1º centenário
da emancipação política do município de Santa Maria. Porto Alegre: Metrópole, 1958. p.17.
62
Ibidem, p.17.
63
Idem.
64
Idem.
65
Idem.
66
TORRONTEGUY, Teófilo Otoni Vasconcelos. Readaptação das famílias [...] Ob.cit., p.314.
67
MAESTRI, Mário. A ocupação do território [...] Ob. cit., p.73.
37
carpinteiro, de pedreiro, dedicaram-se a essas profissões, não lhe faltando serviço no
povoado que surgia. Outros, dedicaram-se à lavoura, e alguns empregaram-se como peões
nas estâncias que cercavam a Capela do Acampamento”.
68
Teófilo Torronteguy lembra que apenas dois casamentos entre brancos e missioneiros
foram registrados, não excluindo a possibilidade de haverem outras uniões não registradas.
Segundo o autor, consta no livro de batizados de Santa Maria, dos anos de 1804 a 1815,
um total de “295 batizados, sendo 151 brancos, 109 indígenas (guaranis) e 35 escravos.
Todos receberam nomes cristãos; os mais escolhidos foram Manuel, Francisco e Antônio
para os homens e Maria, Francisca e Manuela para as mulheres”.
69
A falta de
miscigenação registra a incorporação subalternizada das populações missioneiras.
Quanto ao trabalho, pode-se destacar como principais atividades exercidas pelos
missioneiros a criação de gado e a agricultura, sendo que, em Santa Maria, eles também
tiveram participação no comércio, como empregados; na criação do gado e no plantio.
70
Na dissertação de mestrado “Para além das fontes: im/possibilidades de laços
familiares entre livres, libertos e escravos: (Santa Maria - 1844-1882)”, a historiadora
Letícia Guterres destacou que “Santa Maria [era um] ambiente eminentemente agrário, de
pessoas pouco afortunadas, tinha, porém, algo peculiar. Era, pelo próprio lugar em que
ocupa[va] geograficamente, espaço de passagem, ponto de trânsito, por onde naturalmente
circulava muita gente. Foi, sob certo sentido, espaço de possibilidades de muitas pessoas,
que buscavam um lugar para se estabelecer. Ao longo dos oitocentos, ainda em sua
segunda metade, manteve, em boa parte de sua área florestal (responsável por mais de 60%
da área total de sua cobertura vegetal), a fronteira agrária aberta, ou seja, estas áreas
demoraram mais para serem ocupadas e eram essencialmente habitadas por lavradores,
produtores de alimentos. Já a área de campo, mais ao sul do território, esta sim já havia
sido ocupada até a segunda metade do século XIX, por homens que se dedicaram, em sua
grande maioria, à pecuária”.
71
Conforme ainda Letícia Guterres, “essa configuração fundiária específica incita a
vislumbrar a diversidade de atividades produtivas em que os diferentes grupos sociais
haviam se inserido. Diante das atividades relacionadas à agricultura de alimentos estavam
voltadas à pecuária. Além dessas, havia outras atividades a que naturalmente estavam
68
BELÉM, João. História do Município de Santa Maria [...] Ob. cit., p.108.
69
TORRONTEGUY, Teófilo Otoni Vasconcelos. Readaptação das famílias [...] Ob.cit., p.315.
70
Ibidem, p.315.
71
GUTERRES, Letícia Batistella Silveira. Para além das fontes: im/possibilidades de laços familiares entre
livres, libertos e escravos: (Santa Maria -1844-1882). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUC, 2005.
p.36.
38
imersos os diversos grupos, ainda que em menor número: os artífices locais, tais como os
ourives, sapateiros, carpinteiros, alfaiates, carreteiros, etc. Esse cenário de atividades nos
possibilita compreender o trabalhado escravo espraiado em toda esta heterogeneidade”.
72
Em “Sobre as cinzas da mata virgem: lavradores nacionais na Província do Rio
Grande do Sul (Santa Maria, 1845-1880)”, Luis Augusto Farinatti defende que “[...] o
trabalho escravo estava espalhado por diversas atividades no município: nas tarefas
domésticas, nas roças, no serviço da pecuária, nos serviços urbanos (escravos de ganho)”.
73
Ainda segundo o autor, as estâncias de criação de gado eram o local onde estava
concentrado o maior número de cativos e de diferentes atividades relacionadas a eles.
74
Teófilo Torronteguy explica que “era comum [...] os estancieiros procurarem a Rua
da Aldeia em busca de trabalhadores. O comércio local, que teve um surto depois da
Guerra da Cisplatina [1828], utilizou dos serviços domésticos dos guaranis. Todavia por
uma questão de status [sic] a preferência era de se ter escravos nas residências e casas
comerciais”.
75
Dois momentos foram de grande importância para o comércio de Santa Maria da Boca
do Monte, quando a localidade conheceu dois grandes surtos econômicos: 1828 e 1870.
Em 1828, terminou a Guerra da Cisplatina, na qual a população de Santa Maria envolveu-
se direta e indiretamente. Segundo Teófilo Torronteguy, “na época, a população do vilarejo
não excedia a 2.100 pessoas, incluindo neste número os escravos. A passagem obrigatória
das tropas que percorriam o trajeto de Rio Pardo até as Missões, e vice-versa, fez crescer a
atividade comercial”.
76
Como novos trabalhadores utilizou-se mais uma vez o braço dos ex-missioneiros,
expropriados de suas fazendas comunitárias. Aquelas populações, que eram originalmente
camponeses e vaqueiros, tiveram de se adaptar à vida urbana, trabalhando como diaristas,
soldados, domésticas e prostitutas.
77
As guerras Guaranítica (1753-56), Farroupilha (1835-45), contra Oribe e Rosas (1851-
52), contra o Paraguai (1865-1870); a Revolução Federalista (1893-95); a campanha de
Canudos (1897) e, mais tarde, a Revolução de 1930, fortaleceram o caráter militar da
localidade, direta ou indiretamente, envolvida nesses episódios. Em Santa Maria passavam,
partiam, ou acampavam tropas envolvidas nessas guerras. Cada guerra levava contingentes
72
Ibidem, p.34.
73
FARINATTI, Luis Augusto Ebling. Sobre as cinzas da mata virgem [...] Ob. cit., p.34.
74
Ibidem.
75
TORRONTEGUY, Teófilo Otoni Vasconcelos. Readaptação das famílias [...] Ob.cit., p.316.
76
Ibidem, p.318 et seq..
77
Idem, p.317.
39
de soldados da localidade. Era necessário também mão-de-obra para confecção de
bombachas, camisas e ponchos de lã para os soldados. O transporte de carga e de
mercadorias aumentava, intensificando o movimento, a urbanidade e o comércio de Santa
Maria.
78
Teófilo Torrontegy elucidou que havia uma grande demanda de mão-de-obra durante
as guerras. Eram necessários, entre outros, “carreteiros, condutores, tropeiros, caixeiros,
domésticos, cuidadores de cavalos, carregadores, estafetas, operários da construção e
carneadores”.
79
Alemães
Em 1824, 38 imigrantes alemães instalaram-se nas terras da Real Feitoria de Linho
Cânhamo, em São Leopoldo, apresentando oscilações no número de emigrados até
aproximadamente 1850.
80
Em A ocupação do território, Mário Maestri lembra que, “de julho de 1824 até a
Guerra Farroupilha, chegaram levas de colonos alemães atraídas pela concessão de
sementes, ferramentas, animais, auxílio monetário inicial e, sobretudo, colônias de 78 ha,
tudo gratuito”.
81
Esse movimento migratório destinava-se “a fornecer braços para o
exército dos Braganças; abastecer a capital sulina em gêneros alimentícios; facilitar os
contatos entre a Depressão Central e o Planalto; diminuir o desequilíbrio demográfico entre
a população livre e a escravizada; valorizar os territórios”.
82
Em 1828 e 1831, chegaram à vila de Santa Maria o 28º Batalhão de Estrangeiros e o 1º
Batalhão, respectivamente, constituídos de alemães arrolados que ali se estabeleceram a
fim de lutar contra “os orientais, porque alguns soldados aqui se deixaram ficar ao
receberem baixas, atraindo colonos alemães de São Leopoldo e vizinhanças, com o que se
iniciou o ciclo germânico na formação da cidade”.
83
Após a dissolução da corporação, os soldados Boaventura Dauzacker e João Leopoldo
Bilo permaneceram no povoado. O primeiro trabalhava em uma pedreira e o segundo era
carpinteiro. Foram seguidos pelos pedreiros Valentim Freyler e João Satter, chegados em
78
Idem, p.319.
79
Idem.
80
LANDO, Aldair Marli; BARROS, Eliane Cruxên. Capitalismo e Colonização-os alemães no Rio Grande
do Sul. In: DACANAL, José Hildebrand (Org). RS: imigração e colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1996. p.25.
81
MAESTRI, Mário. A ocupação do território [...] Ob. cit., p.73.
82
Ibidem, p.73.
83
Cf. BELTRÃO, Romeu. Síntese histórica [...]. Ob. cit., p.17.
40
1829, entre outros.
84
Estabeleceram-se na vila, abrindo, alguns deles, casas comerciais. Tal
movimento facilitou o aparecimento de ruas e o movimento das carretas que transportavam
mercadorias.
Cirilo Costa Beber, memorialista santa-mariense, em Santa Maria 200 anos
história da economia do município, afirma que “os imigrantes alemães, a partir de 1830,
foram os que implantaram no pequeno povoado práticas de comércio mais modernas, com
uma maior variedade de produtos, como aquelas adotadas no país de origem. Foram
também os alemães os responsáveis pela implantação das primeiras atividades artesanais.
Essa liderança germânica no comércio e na indústria perdurou até quase o fim do século
19”.
85
Em 1834, o escritor francês Arsène Isabelle, autor de Voyage a Buenos-Ayres et a
Porto-Alegre, par la Banda Oriental, les Missions d´Uruguay et la Province de Rio-
Grande-do-Sul, passando por Santa Maria, registrou que a população era em torno de “mil
e duzentas almas”.
86
O Álbum comemorativo do 1º centenário da emancipação política do município de
Santa Maria descreveu que o “comércio era um milagre [sic] germânico”.
87
Ao se referir
ao “milagre germânico”, pretender-se-ia ressaltar que a freguesia de Santa Maria da Boca
do Monte sofrera grandes estragos econômicos por conta da Guerra Farroupilha, sem,
porém, entrar em detalhes. Dizia-se, apenas, que “a sede da povoação que tinha 160 casas
de moradia em 1835 poderia ter duplicado; entretanto, não crescera mais que 60, tendo
apenas 220 quando a freguesia foi elevada a categoria de vila”.
88
Na época, as casas não passavam de cento e sessenta, todas baixas. Vinte anos mais
tarde, as moradias eram ocupadas, em sua grande maioria, por alemães, ali estabelecidos
“desde a fundação da colônia de São Leopoldo”, segundo informou o promotor de justiça
porto-alegrense Luiz Bello, em 1856, em Diário de uma viagem no interior da província
de São Pedro em 1856.
89
Em História do município de Santa Maria 1797/1933, João Belém escreveu: “[...]
quem, pelo ano de 1858, chegasse à sede da povoação, enganar-se-ia supondo que a
84
Ibidem, p.17.
85
COSTA BEBER, Cirilo. Santa Maria 200 anos. História da economia do município. Santa Maria: Palotti,
1998. p.166.
86
MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria Relatos e Impressões
de Viagem. Santa Maria: Editora UFSM, 1997. p.36.
87
Álbum ilustrativo comemorativo do 1º centenário da emancipação política do município de Santa Maria.
Porto Alegre: Metrópole, 1958. p.29.
88
Ibidem, p.29.
89
Cf. MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria [...]. Ob. cit., p.40.
41
localidade [era] fundada por alemães, em razão dos nomes germânicos que ostentavam as
tabuletas e letreiros de todos os estabelecimentos comerciais e oficinas que se mostravam
aos olhos do forasteiro”.
90
Neste ano, viviam na vila mais de trinta famílias de alemães,
trabalhando como artífices, comerciantes e agricultores. Era colônia muito próspera, que
mantinha os dialetos trazidos da Alemanha. No relativo à área urbana, os alemães
estabeleceram-se inicialmente ao norte de Santa Maria.
Em A Viagem pela Província do Rio Grande do Sul (1858), Robert Avé-Lallemant
relatou que “um dos negociantes alemães que há dezenove anos chegara sem nada em
Santa Maria, mostrou-me sua casa, seu armazém, seu pomar; tudo tão bem construído, tão
espaçoso, tão bem ordenado, que a gente esquece os campos do Rio Grande e julga estar
numa loja européia. As freguesas moram em Santa Maria, nos arredores, na serra; têm
dinheiro para pagar essas coisas caras sem dificuldade”.
91
É importante lembrar que “a terra, antes de 1850 era símbolo de status social, após
a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850 [Lei de Terras], passa a ser tratada como
mercadoria, e, como tal, será transacionada, [...] as terras só poderão ser adquiridas
mediante a compra”.
92
A próspera colônia alemã de Santa Maria progredia com o comércio, exportando e
importando produtos. O escoamento das mercadorias era feito com carretas tracionadas por
bois. Em 1859, o político mineiro Joaquim Fernandes Leão registrou, na Revista
Comemorativa do Primeiro Centenário (1814-1914), ao visitar Santa Maria, que sua
população crescera para “5.110 [pessoas], sendo 4.124 livres, 20 libertos e 966 escravos”.
93
Em 1870, finda a Guerra contra o Paraguai, Santa Maria apresentava cerca de pouco
mais de oito mil habitantes. A cidade enviou número significativo de soldados aquela
guerra. No artigoReadaptação das famílias missioneiras migrantes: a rua da aldeia”,
Teófilo Torronteguy lembrou que: “[...] mais uma vez o comércio local foi privilegiado.
Vários artesãos não tinham mão-a-medir o fabrico de objetos de couro como botas, arreios
e guaiacas. O consumo era rápido. As costureiras não venceram as encomendas. Muitas
90
BELÉM, João. História do Município [...]. Ob.cit., p.110.
91
MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria [...] Ob. cit., p.45.
92
GIRON, Loraine Slomp. A imigração italiana no RS: fatores determinantes. In: DACANAL, José
Hildebrand (Org). RS: imigração e colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto.1996. p.47-66. p.47
93
MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria [...] Ob. cit., p.50.
42
senhoras, improvisadas como oficiais da agulha confeccionaram, às pressas, camisas,
bombachas e, principalmente, ponchos de lã”.
94
Seis anos mais tarde, a população santa-mariense crescera com a chegada de
imigrantes russos-alemães e italianos, que se estabeleceram na região de Silveira Martins.
Russos-alemães e italianos
No final do século 19 e início do século 20, levas de colonos-camponeses russos-
alemães, italianos etc. estabeleceram-se na região, na área serrana, uma vez que os campos,
como mencionado, encontravam-se quase que totalmente ocupados.
Em Santa Maria 200 anos, Cirilo Costa Beber ressaltou que “em fins do século 19,
com a chegada ao município das concorrentes imigratórias italianas, libanesa e judaica,
diminuiu a predominância da etnia alemã na economia local”.
95
Em “Capitalismo e colonização: os alemães no Rio Grande do Sul”, artigo integrante
da obra RS: imigração e colonização, Aldair Lando e Elaine Barros explicaram que “os
imigrantes que se dirigiam para o Rio Grande do Sul eram atraídos por uma política
governamental que pretendia, fixando-os a terra, formar colônias que produzissem gêneros
necessários ao consumo interno”.
96
Segundo os autores, “em São Paulo, o imigrante vem
contratado para o trabalho assalariado nas fazendas de café. Na condição de assalariado
rural, dispõe de uma pequena extensão de terra para o cultivo próprio”.
97
No RS, inicialmente, os imigrantes dedicaram-se à agricultura de subsistência. Em
Santa Maria, aos poucos, estes e seus descendentes desceram à área serrana em direção ao
centro de Santa Maria para comercialização de seus produtos.
Em Imigração & 4ª Colônia, Nova Palma & Pe. Luizinho, Breno Sponchiado
registra que 156 famílias de russos-alemães chegaram ao Rio Grande do Sul, em 27 de
julho de 1876, instalando-se nas proximidades de Caxias do Sul. No ano seguinte,
aproximadamente quatrocentos imigrantes da mesma nacionalidade formaram na região
central do Rio Grande do Sul o Núcleo Colonial dos Russos-Alemães que acabou
ocupando o barracão de Val de Buia, em Silveira Martins. Depois de uma longa estiagem,
seguida de um inverno rigoroso, somente 29 famílias de russos-alemães permaneceram na
94
TORRONTEGUY, Teófilo Otoni Vasconcelos. Readaptação das famílias [...]. Ob. cit., 318 et seq.
95
COSTA BEBER, Cirilo. Santa Maria 200 anos [...]. Ob.cit., p.177.
96
LANDO, Aldair Marli; BARROS, Eliane Cruxên. Capitalismo e Colonização [...] Ob.cit., p.19.
97
Ibidem, p.19.
43
região, seguindo os demais para o Paraná.
98
O núcleo russo-alemão localizou-se no
nordeste de Santa Maria, onde, desde 1877, estabeleceram-se também os italianos.
A imigração em massa de colonos-camponeses italianos chegou à província do Rio
Grande do Sul a partir de 1875, formando as colônias de Conde D´Eu [Garibaldi], Dona
Isabel [Bento Gonçalves], Caxias do Sul e Silveira Martins. A historiografia tradicional
propõe que os italianos teriam encontrado situação de desvantagem, em relação aos
alemães, chegados cinqüenta anos antes. As melhores terras, mais próximas dos mercados
consumidores, já teriam sido ocupadas, e seus lotes eram menores, em lugares íngremes.
Porém, não se pode esquecer que, ao contrário de 1824, em 1875, a Província já contava
com uma maior população e, portanto, maior mercado e meios de comunicação mais
desenvolvidos.
Em relação à Santa Maria, enquanto os alemães estabeleceram-se inicialmente na
parte norte da cidade dedicando-se ao comércio, os italianos ficaram a nordeste da cidade,
na região serrana, conhecida como Silveira Martins, dedicando-se, inicialmente, à
agricultura. Anos mais tarde, por volta de 1880, os italianos chegam à sede. Cirilo Costa
Beber relata: “[...] no novo mercado de trabalho, uns se tornaram operários, especialmente
da Viação Férrea. Outros, profissionais liberais. Mas, a maioria, comerciantes de pequeno
porte, exploravam o ramo de secos e molhados e produtos coloniais”.
99
Acredita-se que, a partir desse momento, houve um acirramento da concorrência
comercial entre os alemães e italianos, principalmente.
Aos poucos, os imigrantes italianos foram introduzidos nas descrições sobre Santa
Maria. Apesar de terem aportado maciçamente na região a partir de 1877, eles aparecem
timidamente nos registros dos viajantes apenas a partir das publicações do alemão Henry
Lange, em 1885, especialmente em Südbrasilien-Die Provinzen São Pedro do Rio Grande
do Sul, Santa Catharina und Paraná mit Rücksicht auf die deutsche kolonisation. Para
Lange, no centro do lugarejo, havia, aproximadamente, quatro a cinco mil pessoas,
“metade italianos e metade alemães”. O autor desconsidera os luso-brasileiros ali
fixados.
100
Em Memórias de um imigrante italiano, traduzida e publicada em 1975, o
imigrante Júlio Lorenzoni relatou como era o cotidiano do trabalho na Colônia Silveira
98
Cf. SPONCHIADO, Breno Antônio. Imigração & 4ª Colônia: Nova Palma & Pe. Luizinho. Santa Maria:
UFSM, 1996. p.54.
99
COSTA BEBER, Cirilo. Santa Maria 200 anos [...]. Ob. cit., p.179.
100
MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria Relatos e Impressões
de Viagem [...]. Ob. cit., p.70.
44
Martins, nas décadas iniciais da imigração. Nas palavras do imigrante, “estávamos então
no início do inverno. Haviam-se organizado, os trabalhos para a abertura de novas estradas,
dando-se início a principal, que deveria desembocar no campo, na vizinhança de Santa
Maria, com um percurso de dezoito quilômetros, levando cerca de dois anos para ficar
pronta. Foram então distribuídas as ferramentas necessárias.”
101
Segundo a descrição de Júlio Lorenzoni, todos trabalhavam: homens, jovens e
meninos: “[...] ganhando, os primeiros, um mil e quinhentos réis por dia, as mulheres e
jovens de dezesseis ou dezessete anos, um mil réis e os meninos, setecentos e cinqüenta e
também quinhentos réis. Ganhavam pouco, é verdade, pois o trabalho também era
pouco.”
102
Quanto ao pagamento, Júlio Lorenzoni descreveu que “só era feito cada três ou
quatro meses por uma pessoa encarregada especialmente disso que vinha de Porto Alegre.
Este pagamento processava-se mediante listas de duplicata, apresentadas pelos citados
chefes de grupos. As listas, muitas vezes, não eram a expressão da verdade; continham,
quase sempre, nomes de pessoas que, ou já estavam mortas, ou viviam na Itália e
compreende-se que o lucro para os chefes era bem maior...”
103
Quando abandonavam a península itálica, alguns imigrantes traziam um livro de bolso,
de normas e conduta: o Guida spirituale per l´emigrato italiano nella América. Escrito
pelo sacristão e missionário apostólico Pietro Colbacchini, em 1896, apresentava, entre
outras considerações, recomendações para que os italianos não fossem demasiado ávidos
nos negócios, sobretudo no comércio e na usura.
104
Segundo o Guida, “[...] circunstâncias particulares concorrem para facilitar na
América a fraude no comércio e a usura no emprego do dinheiro. Os abusos são tão
comuns que parecem legitimar o direito de enganar o próximo, quando isso se possa fazer
impunemente. Existem leis em qualquer Estado, também rigorosas, mas se não é a
consciência que teme a Deus, torna-se fácil driblar a lei! Se o Senhor vos dá um meio de
ajudar seu irmão, com os ganhos da vossa indústria, limitai-vos à vantagem justa e
prescrita e não estimule vossa usura.”
105
101
LORENZONI, Júlio. Memórias de um imigrante italiano. Trad. A. Lorenzoni Parreira. Porto Alegre:
Sulina, 1975. p.63.
102
Ibidem, p.63.
103
Idem.
104
Cf. COLBACCHINI, Pietro. Guida Spirituale per l´emigrato italiano nella America.
Milão:Bertarelli.1896.
105
Ibibem., 285. “circonstanze particolare concorrono a facilitare in America la frode nel commercio e le
usure nell´impeigo del denaro. Gli abusi sono così comuni che sembra legittimato il diritto di ingannare il
prossimo, quando ciò si possa fare impunemente. Esistono le leggi, e in qualche Stato, anche rigorose, ma
45
Em um segundo momento, ditavam-se regras sobre a honestidade na compra e venda
de produtos, explicando que “não se deve abusar da ignorância ou da simplicidade de
certos co-nacionais ou dos estrangeiros. Os bons cristãos devem saber que não é permitido
enganar os outros, seja no peso ou na qualidade de quem compra ou vende. Um é o que
ganha uma legítima indústria, outro é aquele [lucro] do engano. Muitas vezes, ouvi de
italianos emigrados no Brasil que quem não sabe roubar não pode ser um bom
comerciante. Humilhante confissão que mostra o quanto é comum entre os nossos a arte de
roubar. Mas com estes ganhos não devem invejar os italianos honestos, são fábricas
construídas na areia e as quais, como mostra a experiência, caem no mais rápido sopro de
vento.”
106
Não se sabe ao certo até que ponto esses ensinamentos foram seguidos. Porém, pode-
se afirmar que, seguindo ou não o Guida, muitos comerciantes italianos e germânicos
prosperam de forma significativa em Santa Maria.
Em busca de maiores lucros, os imigrantes desciam a serra de Silveira Martins
rumando para Santa Maria a fim de comercializar seus produtos onde conseguiriam preços
melhores.
Mário Maestri, em Os Senhores da Serra assinalou: “Júlio Lorenzoni participou da
fundação de Silveira Martins, onde viveu de 1878 a 1883. Ele lembrava que, já nos
primeiros tempos, os produtos coloniais abundavam, mas eram vendidos por preços
irrisórios. Ao contrário, os produtos trazidos de Santa Maria alcançavam preços elevados.
Com um saco de milho de sessenta quilos, compravam-se três quilos de café!”.
107
O autor complementou: “[...] apenas as dificuldades de mercantilização dos produtos
não explicam o marasmo posterior de Silveira Martins em relação às colônias do nordeste
gaúcho. Em seu diário, Lorenzoni registrou que a colônia Dona Isabel, também conhecia
se non è la coscienza informata al timore di Dio, quanto non torna facile evadare dalle legge! Se il Signore
vi dà il mezzo di aiutare il vostro fratello, coi risparmi delle vostre industrie, limitatevi a quel vantaggio
che è giusto, non stimoli la vostra avidità all’ usura”.
106
Idem, p.290 et seq.. “ Non dovete abusare della ignoranza o della semplicità di certi vostri connazionali o
degli estraneri. I buoni cristiani devono sapere che mai è permesso inganare altri, sai nel peso che nella
qualita di ciò che si compera o si vende. Altro è il guadagno di uma legittima industria, altro è quello dell’
ingano. Più voste ho udito da italiani emigrati in Brasile, che chi non sa rubare no può fare il
commerciante. Umilitante confessione che mostra quanto sia comune fra i nostri l’arte del rubare. Ma
codesti guadagni non devono eccitare l’ invidia degli italiani onesti, sono frabbriche construite nella
sabbia, le quali, come mostra l’esperienza, cadono al più leggiero soffio di vento.”
107
MAESTRI, Mário. Os senhores da Serra: A colonização Italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
ACIRS, Passo Fundo: EdiUPF, 2000. p.56.
46
dificuldades de escoamento da produção. Essa situação devia-se à estreiteza dos mercados
regionais e ao alto valor do transporte, que dificultavam o escoamento dos produtos”.
108
Mário Maestri forneceu-nos um paralelo interessante entre as colônias italianas do
nordeste e da região central do RS. “Quando as terras das colônias de Conde d´Eu, Dona
Isabel e Caxias acabaram de ser distribuídas ou viram sua fertilidade cair, o rio das Antas
foi atravessado e outras colônias abertas. Ao contrário, as terras de Silveira Martins
estavam cercadas por fazendas latifundiárias, que impediram a expansão das colônias.
Com a queda da fertilidade dos terrenos e o crescimento demográfico da população de
Silveira Martins, iniciou-se importante migração para outras frentes coloniais, algumas
delas fora do Estado”.
109
Inicialmente, a abertura de picadas e estradas estava relacionada com fins militares.
Em 1756, cerca de trezentos homens trabalharam na abertura da picada de São Martinho.
Um comércio incipiente deu-se a partir da abertura de algumas bodegas ou bolichos que
vendiam um pouco de tudo: arroz, bombacha, botas, cachaça, enxadas, erva mate,
lampiões, lenha, pás, pregos, rapaduras, sal, tamancos e tecidos em rolos. Pós-1830, as
bodegas foram substituídas pelos armazéns de secos e molhados, que perduraram até
aproximadamente a década de 1950.
110
Em 1840, abriu-se a Picada do Pinhal, ligando Santa Maria a Cruz Alta. Em 1881,
foi iniciada a construção da primeira estrada de rodagem que ligou Santa Maria à Colônia
Silveira Martins, núcleo de colonos-camponeses italianos, facilitando o escoamento da
produção. A estrada Silveira Martins-Santa Maria foi inaugurada somente em 1882, sendo
completada a ligação com Núcleo Norte [Ivorá] e Núcleo Soturno [Nova Palma] dois anos
mais tarde, por Manuel José Siqueira Couto. Romeu Beltrão registrou também que
“colonos italianos da ex-colônia Silveira Martins fundam[ram] as colônias de Geringonça,
Núcleo Norte, Arroio Grande, Nova Palma e Dona Francisca”.
111
A obra As Missões na Província do Rio Grande do Sul: notícia descriptiva [sic] e
necessidade de sua colonisação [sic], de 1884, de Joaquim Saldanha Marinho Filho,
engenheiro-auxiliar da Inspetoria Geral de Terras e Colonização e chefe da Comissão de
Discriminação de Terras, ressaltou que boas estradas conduziam a Santa Maria – não no
sentindo de facilidade de tráfego, mas de ligação somente – sendo otimista quanto ao
108
Ibidem, p.56.
109
Idem.
110
Cf. COSTA BEBER, Cirilo. Santa Maria 200 anos [...]. Ob. cit., p.192.
111
BELTRAO, Romeu. Cronologia histórica [...]. Ob. cit., p.322.
47
futuro comercial do lugarejo, onde os caminhos acabavam facilitando “e diminuindo as
distâncias entre os centros de produção e de consumo”.
112
As estradas que serviriam, entre outros, ao escoamento da produção, constituíam
um problema na região central, o que foi, em grande parte, amenizado com a modernização
trazida pela chegada da estrada de ferro, a partir dos anos 1880.
Modernização: a chegada da ferrovia
Em 1885, a ferrovia chegou a Santa Maria, impulsionando a modernização da
cidade e determinando forte mudança econômica e social na região.
113
Santa Maria
encontrava-se no centro da Província, passando a ser o seu entroncamento ferroviário,
ponto obrigatório de passagem do comércio que ligava a fronteira e a região serrana com
Porto Alegre, permitindo, assim, que o comércio local escoasse os excedentes regionais
para os centros consumidores.
Em posição privilegiada, no centro da Província, Santa Maria tornou-se o pólo
comercial dos lugarejos circunvizinhos, um entreposto de praças comerciais.
114
Sua ligação
mercantil dava-se com Alegrete, Caçapava, Cachoeira, Cruz Alta, São Borja, São
Martinho, entre outros. Na região, os primeiros gêneros a serem cultivados para venda
pelos imigrantes alemães e italianos foram batata, feijão, mandioca, milho e trigo, com
uma exportação anual que chegou aos 62 contos de réis.
115
Na sede, existiam casas comerciais de todos os ramos, desde negócios vendendo
fazendas e miudezas, a armazéns de secos e molhados, ferragens, tamancarias, alfaiates,
ferreiros, marceneiros, lombilharia, produtos farmacêuticos, etc.
116
O município de Santa Maria possuía uma área de quase 3.500 km
2
, pertencendo-lhe
os distritos de Arroio do Só, Boca do Monte, Camobi, Dilermando de Aguiar, Itaara, São
Martinho e Silveira Martins.
117
112
MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria Relatos e Impressões
de Viagem. [...] Ob. cit., p.68.
113
BELTRAO, Romeu. Cronologia histórica [...]. Ob. cit., p.308.
114
Álbum ilustrativo comemorativo do 1º centenário da emancipação política do município de Santa Maria.
Porto Alegre: Metrópole, 1958. p.29.
115
Cf. MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria Relatos e
Impressões de Viagem[...]. Ob. cit., p.51.
116
Cf. Álbum ilustrativo comemorativo [...]. Ob. cit. p.29.
117
FERREIRA, Jurandyr Pires. Enciclopédia dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro: Publicação do
IBGE: [s.ed]. p.179.
48
Em A política de colonização do Império, de 1999, o historiador Paulo Pinheiro
Machado constatou que “quanto mais distante dos rios da bacia do Jacuí, maiores eram os
problemas de transporte enfrentados pelas colônias”.
118
Isso quer dizer que, quanto mais
perto dos rios, maior era a facilidade de escoamento do excedente produto.
Esse foi um dos maiores problemas enfrentados pela colônia de Silveira Martins, que
não apresentava saída fluvial e, muito menos, boas estradas que permitissem fácil
escoamento e comercialização dos produtos. Muitos colonos optaram por vender seus
produtos nas localidades mais próximas, como Colônia [atual Camobi], Val de Serra,
Arroio do Só e Santa Maria. Paulo Machado definiu como “pobreza com fartura” o fato de
que colonos-camponeses possuíam, por um lado, produtos para alimentar-se e, por outro,
praticamente não tinham dinheiro para comprar artigos manufaturados e de primeira
necessidade que não produziam, devido à dificuldade de comercialização.
119
A situação das estradas era uma constante preocupação dos comerciantes,
moradores e viajantes. Inicialmente, o transporte era feito através de picadas abertas no
mato limitando-se “às montarias, às carretas e carretões, tracionadas por juntas de bois”.
120
Em Santa Maria 200 anos, Cirilo Costa Beber enfatizou que, em 1889, a câmara
municipal apresentou um relatório no qual discutiu o problema das estradas, debatendo que
era “impossível desenvolver um município como uma província, quando suas vias de
comunicação são deficientes [...]. As dificuldades aumentam à proporção que o município
vai se tornando mais populoso, pois que são estradas para os diferentes pontos que
comunicam com a cidade. A impossibilidade de comunicação é a causa entorpecedora da
lentidão que se contempla no progresso municipal”.
121
Sem chegar a um consenso, em 1899, a discussão sobre as estradas foi retomada
pelo agrimensor, jornalista, historiador e biógrafo Catão Coelho e pelo jornalista Candido
Brinckmann, no Almanach Municipal da Cidade de Santa Maria da Boca do Monte para
o Anno, no qual descrevem as más condições daquelas vias. Segundo eles, as estradas, “no
verão são secas e intransitáveis no inverno, tornam-se impossíveis, com especialidade as
quatro estradas para a cidade de Santa Maria, por ser um terreno completamente argiloso e
impermeável”.
122
As chamadas estradas mestres, que eram as principais estradas do
118
MACHADO, Paulo Pinheiro. A política de colonização do Império. Porto Alegre: UFRGS, 1999. p.93.
119
Ibidem, p.94.
120
COSTA BEBER, Cirilo. Santa Maria 200 anos. [...]. Ob.cit., p. 56.
121
Ibidem, p.57.
122
MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria Relatos e Impressões
de Viagem [...]. Ob. cit., p.83.
49
município, ligavam a sede da localidade a São Sepé, Cachoeira do Sul, São Gabriel, São
Vicente, Boca do Monte, São Martinho, Conceição e Pinhal.
123
No artigo “As transformações urbanísticas de Santa Maria na passagem para o
século XX”, de 1995, Antônio Zambom propõe: “[...] antes da ligação ferroviária, Santa
Maria apresentava-se como uma ‘típica vila colonial’, poucas ruas de chão-batido,
contando com aproximadamente 350 casas e uma população em torno de 2.500 habitantes.
A arquitetura das moradias era modesta, de aparência colonial, janelas baixas, pouca
ventilação, telhados de duas-águas”.
124
Com a chegada da viação férrea, a cidade passou por grandes transformações,
inclusive arquitetônicas, quando deu lugar a construções mais opulentes, ao aparecimento
de instalações sanitárias, melhoria nas comunicações e transportes, etc. Na Figura 3,
apresentam-se os traçados da via férrea no RS, em 1920.
Figura nº 3
Mapa da malha ferroviária do RS. Situação em 1920.
123
La cooperazione degli italiani al progresso civile ed econômico del Rio Grande del Sul 1875-1925.
p.260.
124
ZAMBOM, Antônio Lídio de Mattos. As transformações urbanísticas de Santa Maria na passagem para o
século XX. Vydya, Santa Maria, ano 14, nº 24, jul/dez 1995. p.156
50
Fonte: CARDOSO, Alice; ZAMIN, Frinéia. Patrimônio Ferroviário no Rio Grande do Sul. Inventário
das Estações: 1874-1959. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Secretaria da Cultura
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Pallotti. 2002. p.24.
Em 1903, o alemão Wilhelm Lacmann, autor de Ritte und Rasttage in Südbrasilien,
assinalou a importância da ferrovia para o comércio de Santa Maria: “[...] a cidade tem um
importante comércio de produtos coloniais devido à sua posição privilegiada de
entroncamento da ferrovia Porto Alegre-Uruguaiana, no trecho Cacequi-Alegrete,
entretanto ainda não acabada e da linha Santa Maria-Passo Fundo. Essa posição vai
assegurar para Santa Maria um brilhante desenvolvimento nos próximos anos.”
125
Antônio Zambom afirmou ainda que “todo este trânsito acelerou o desenvolvimento
da urbanidade, incentivando também a criação de entrepostos, depósitos de produtos, bons
hotéis, restaurantes, casas comerciais e atrativos para os viajantes e visitantes que
chegavam à cidade”.
126
Santa Maria cresceu e começou a apresentar os primeiros traços da modernidade.
Aos poucos, a cidade teve sua face urbana remodelada, com a linha telegráfica, em 1876; o
calçamento, em 1895; a luz elétrica; a água e o esgoto, em 1896 e o telefone, em 1903. Em
fins do século 19, abriram-se novas ruas, arborizaram-se, calçaram-se e pavimentaram-se
outras. Destacaram-se, nesse processo urbanístico, algumas construções que permanecem
até os dias atuais: a praça Saldanha Marinho, remodelada em 1904; a Igreja Evangélica
Luterana; o Theatro Treze de Maio; a Intendência Municipal; a Sociedade Italiana de
Socorro Mútuo e Recreativa; o Hospital de Caridade; o Cine-Teatro Independência, entre
outras.
127
Por detrás da Viação Férrea, havia uma bem montada infra-estrutura para seus
operários. A ferrovia trouxe grandes transformações urbanas à paisagem de Santa Maria,
com o trânsito cada vez mais intenso de viajantes e mercadorias, além de construções da
ferrovia e do apoio logístico fornecido aos seus operários – cooperativa, escolas, fábricas,
entre outros. Em seis anos, de 1907 a 1913, houve um acréscimo de 19.169 pessoas,
enquanto as mercadorias expedidas cresceram 6.877.175 toneladas, e as recebidas,
21.446.175 toneladas, conforme a Tabela 1.
128
125
MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria Relatos e Impressões
de Viagem. [...] Ob. cit.,p.90.
126
ZAMBOM, Antônio Lídio de Mattos. As transformações urbanísticas [...]. Ob. cit,. p.157.
127
Ibidem, p. 157.
128
Idem.
51
Tabela nº 1
Movimentação de passageiros e mercadorias da Viação Férrea
de Santa Maria de 1907 a 1913
1907 1913
Viajantes com
passagens
Embarcados 18.854
Desembarcados
19.513
Embarcados 39.481
Desembarcados
38.682
Mercadorias em
toneladas
Expedidas 8.114.429
Recebidas 11.267.824
Expedidas
14.992.098
Recebidas
32.714.075
Fonte: ZAMBOM, Antonio Lídio de Mattos. As transformações urbanísticas de Santa Maria na passagem
para o século XX. Vydya, Santa Maria, ano 14, nº 24, jul/dez 1995. p.157.
Em Memória Cidadã Vila Belga, de 2002, Ariadne Lamana destacou que “a
Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação Férrea foi fundamental para a
sobrevivência da classe ferroviária. Possuía um hospital próprio, a Casa de Saúde, para
atendimento dos cooperados e dependentes, e instituiu, em uma época que não conhecia o
sistema previdenciário, utilíssima Caixa de Pecúlios, garantindo [sic], assim, o futuro dos
trabalhadores da Viação Férrea. Destacou-se, sobremaneira, na área da educação,
mantendo escolas em Santa Maria e instalando, ao longo da ferrovia, as chamadas escolas
turmeiras. Havia, também, um parque industrial [sic] de apoio, composto por farmácias,
padarias, fábricas de sabão, torrefação e moagem de café, fábricas de bolachas, alfaiataria e
açougues, que abatiam o gado em locais da própria cooperativa”.
129
No início do século 20, marcou-se a chegada dos sírio-libaneses, belgas e judeus
em Santa Maria, contribuindo para o crescimento social e econômico do lugar.
Sírio-libaneses, belgas e judeus
Pode-se citar ainda sírio-libaneses que, chegando ao Rio Grande do Sul por volta de
1894, espalharam-se por diversas cidades, entre elas Santa Maria, nos primeiros anos do
século 20.
129
LAMANA, Ariadne. Memória Cidadã Vila Belga. Porto Alegre: Centro de História Oral, 2002. p.134.
52
Na dissertação “Imigração e memória: história de imigrantes sírio-libaneses no Rio
Grande do Sul”, a historiadora de Santa Maria Neida Morales elucidou que a terra, por
falta de recursos financeiros, não se mostrava atrativa aos sírio-libaneses, então “atuar
como mascate mostrava-se como atrativo aos imigrantes necessitados de inserção
profissional”.
130
Neida Morales propõe que “a dilatação cada vez maior do comércio, evidenciava
um progresso pujante [sic], exacerbado pela disponibilização de novos serviços [...] sem
dúvida um terreno fecundo para o desempenho da mascateação”.
131
Mais tarde, “as estradas de ferro foram especiais na consolidação de um panorama
progressista, favorável ao comércio e à forma típica de comercializar adotada pelos
primeiros imigrantes sírio-libaneses [...]. Por elas, as mercadorias oriundas dos centros
fabris, de São Paulo em particular, chegavam ao extremo sul brasileiro com freqüência e
velocidade”.
132
Os sírio-libaneses localizaram-se, preferencial e inicialmente, nas proximidades da
Viação Férrea, ao longo da avenida Rio Branco, local de maior fluxo de pessoas na época;
espalhando-se a seguir pelas ruas adjacentes e outras como Acampamento, Bozano, Borges
de Medeiros, Venâncio Aires, etc. Da mascateação os imigrantes entraram para o ramo de
bares e armazéns (que vendiam de tudo) como demonstram os depoimentos colhidos por
Neida Morales junto a descendentes de imigrantes sírio-libaneses de Santa Maria.
133
A construção da Vila Belga iniciou-se em 1898, tendo sido inaugurada em 1903,
com o principal objetivo de abrigar os funcionários da Compagnie des Chemins de Fer
Sud-Ouest Brésiliens, de capital belga, que arrendara a ferrovia no Rio Grande do Sul. A
vila era composta de 84 casas. “Destas, quarenta são geminadas e os outros quatro imóveis
foram construídos posteriormente, com o intuito de abrigar os engenheiros da Viação
Férrea. As diferenças ficam por conta da tipologia dos imóveis, que se apresentam em
formato retangular, L ou C, além dos detalhes arquitetônicos, como aberturas, pilastras,
cunhais. Sendo assim é pouco provável que existam duas residências iguais em todo o
complexo”.
134
130
MORALES, Neida Regina Ceccin. Imigração e Memória: Histórias de Imigrantes Sírio-Libaneses no Rio
Grande do Sul. Dissertação Mestrado em Integração Latino-Americana. Santa Maria: UFSM, 2004. p. 96.
131
Ibidem, p. 104.
132
Idem, p. 108.
133
Idem.
134
LAMANA, Ariadne. Memória Cidadã [...] Ob.cit., p.72.
53
Salvo engano, esse foi o primeiro conjunto habitacional do Estado. Seu patrimônio
arquitetônico foi tombado, em nível municipal, em 1998 e em 2000, recebeu tombamento
estadual do IPHAE.
Em fins de 1903, a companhia européia Jewish Colonization Association [JAC]
adquiriu cerca de 66 hectares onde hoje se encontra o município de Itaara, a fim de ali
judeus-russos se estabelecerem. A Jewish Colonization Association [JAC] também era
conhecida como Associação Judaica de Colonização [Y.C.A.], fundada em 24 de agosto de
1891. Era presidida pelo engenheiro judeu barão Maurício Hirsch von Gereuth, que
idealizava o estabelecimento de colônias judaicas em países como o Canadá e a América
Latina, especialmente o Brasil e a Argentina.
135
A escolha do local, em 1900, deu-se por uma comissão de estudos que esteve no Rio
Grande do Sul examinando as possibilidades de efetivar a imigração pretendida. Após dois
anos, em face do parecer favorável da comissão, foi resolvida a compra de terras no
município de Santa Maria, para o estabelecimento da primeira Colônia Judaica no Brasil,
onde se fundaria a colônia Philippson. A área foi escolhida por situar-se perto de Santa
Maria, pois, absorveria a produção agro-pastoril da Colônia, e por ser servida pela ferrovia,
que era então o principal meio de transporte, sendo preteridas as estradas que eram
péssimas.
No artigo “A imigração judaica no Rio Grande do Sul”, Vera Cohen explicou que, “em
1902, representando a JAC, o agrônomo Lapine compra terras na região do Pinhal,
município de Santa Maria, onde se localizaram, em 1904, os primeiros colonos do então
Império Russo, especialmente Bessarábia, e escolhidos pela referida entidade”.
136
Os memorialistas santa-marieneses divergem quanto ao número de judeus que teriam
se instalado na colônia. João Belém defende que o grupo era composto por 80 famílias;
Romeu Beltrão, 35.
137
Os judeus ali estabelecidos receberam terras, instrumentos, animais, sementes e ajuda
financeira mensal até a primeira colheita, “tudo sem obrigação de ressarcimento”. Esta
colônia teria fracassado devido principalmente a “não adaptação ao cultivo, em terras
135
Cf. COHEN, Vera Regina de Aquino. A imigração judaica no Rio Grande do Sul. In: . DACANAL, José
Hildebrand (org). RS: imigração e colonização.Porto Alegre: Mercado Aberto, 1996. p.67-90.
136
Ibidem. p.82.
137
Cf. COSTA BEBER, Cirilo. Santa Maria 200 anos [...]. Ob. cit., p.187.
54
subtropicais, intercalados por constantes prejuízos nas lavouras com gafanhotos e secas
constantes”.
138
Uma vez estabelecidos em Philippson, os colonos-camponeses começaram a
trabalhar a terra, plantando, principalmente, amendoim, árvores frutíferas, batata, feijão,
fumo, legumes, milho e trigo, cuidando ainda da criação de aves. Tudo destinado à
subsistência e à venda. O fumo produzido em Philippson, com sementes da Bessarábia, de
excelente qualidade, era insuficiente para atender a todos os pedidos, feitos, inclusive, por
outros Estados. A produção de fumo era toda vendida a Chaim Jossel Filschtiner, que, em
1908, montou uma pequena indústria de cigarros. Muito deste sucesso econômico devia-se
à estrada de ferro que ficava à margem da Colônia e era importante para o escoamento da
produção.
139
Como vimos, alguns contratempos prejudicaram a Colônia: a ausência de chuvas
com uma longa estiagem; a presença de gafanhotos que destruiu toda as plantações; o corte
do subsídio mensal que cada chefe de família recebia. Porém, outras formas de
subsistência mostraram-se viáveis. Desta forma, surgiram novas frentes de trabalho, como
a criação de gado bovino e ovino, ocasionando o início de uma pequena indústria de
laticínios, com a fabricação de queijos e outros derivados de leite, além da venda de lenha
para usinas elétricas, fábricas e padarias. A Viação Férrea do Estado do Rio Grande do Sul
comprava lenha e dormentes dos colonos. Aos poucos, as terras foram abandonadas, sendo
adquiridas pelos ex-colonos Leizer Benjamim Steinbruch, Jaime Brilman e Jerônimo
Zelmanovitz, que se tornaram assim os únicos proprietários dos lotes.
140
A partir de 1908, segundo Cirilo Costa Beber, em Santa Maria 200 anos, os judeus
colaboraram para engrossar a população do núcleo central de Santa Maria. Esse autor
salientou, em forma certamente simplificadora, que com a venda dos lotes, “a maioria dos
fracassados colonos tornou-se mascate, vendendo mercadorias de porta em porta”,
posteriormente “passaram para o comércio estabelecido, tornando-se donos de importantes
estabelecimentos comerciais na cidade”.
141
138
Ibidem, p.187.
139
Cf. SOIBELMANN, Guilherme. Memórias de Philippson. São Paulo: Bisordi, 1984.
140
Cf. COSTA, da Geraldino. A Imigração Judaica em Santa Maria: Santa Maria: UFSM, 1992.
141
Ibidem, p.188.
55
Figura nº4
Mapa dos aspectos histórico-geográficos do município de Santa Maria
em relação ao Estado do Rio Grande do Sul
Rio Grande
do Sul
Acampamento militar
SANTA MARIA
Í
n
d
i
o
s
m
i
s
s
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o
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1
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8
5
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Porto Alegre
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O
Russos-alemães
Italianos ( 1877 )
Estâncias
SERRA
CAMPANHA
Estâncias
A
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n
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U
r
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g
u
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i
S
a
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a
C
a
t
a
r
i
n
a
FONTE: Adaptado por TREVISAN, Mario Luiz. 2006.
Sobretudo, o cenário social de Santa Maria formou-se com alguns grandes grupos
étnicos, diferenciados por importante dinamismo e diferenças sociais: missioneiros, luso-
brasileiros; afro-descendentes livres e escravizados; alemães (1828), russos-alemães
(1877), italianos (1877), sírio-libaneses (1894), belgas (1898-1903) e judeus (1903). O
mapa de Santa Maria [Figura 4] mostra as regiões em que se estabeleceram
tendencialmente esses etnias
Os viajantes olham Santa Maria
Em 1905, o italiano Vittorio Bucelli chegou ao Rio Grande do Sul para escrever
obra de propaganda sobre a imigração para a cidade de Milão – Un viaggio a Rio Grande
del Sud. Ele realizou discrição panorâmica da cidade ressaltando sua italianidade. Para ele,
segundo o recenseamento de 1900, incluindo os distritos, a população chegava a 33.524
habitantes, com quase quatrocentos mil hectares de terras férteis. Segundo o mesmo autor,
56
a maior parcela da população estrangeira era de italianos – oito mil habitantes –, seguindo-
se os alemães – 1.200.
142
Em 1908, o engenheiro civil Ernesto Cunha publicou O Rio Grande do Sul:
contribuição para o estudo de suas condições econômicas, onde salientou a importância da
colônia italiana, sobretudo a de Silveira Martins, onde se produzia principalmente
aguardente, arroz, batatas, feijão e vinho. Em todo o município, existiriam “100.000
cabeças de gado vacum, 8.000 cavalar, 5000 muar, 10.000 lanígero e 15.000 suínos”.
143
A
“produção dos engenhos” era de “45.000 arrobas de arroz; 230 pipas de aguardente; 3.000
litros de melaço; 30.000 sacos de farinha de mandioca; 1.000 sacos de farinha de milho;
4.500 quilos de farinha de trigo e 200 pipas de vinho”.
144
Geralmente, o transporte de
cargas era feito com carroças, puxadas por mulas, quando de quatro rodas, e por cavalos,
quando de duas rodas. Em 1913, criou-se a Cooperativa de Consumo dos Empregos da
Viação Férrea, por Manoel Ribas, posteriormente eleito Intendente de Santa Maria [1928 a
1930].
Em O Estado do Rio Grande do Sul, de 1916, o espanhol Ramon Monte Domecq
registrou que Santa Maria teria 430 casas comerciais e que a principal atividade da
indústria estava ligada à madeira. Na agricultura, destacava-se a produção de alfafa, arroz,
cana, feijão, fumo, mandioca, milho, trigo, tomates e videiras, que ocuparia mais de dez
mil hectares. O município destinaria pouco mais de 330 mil hectares à pecuária, criação e
pastagem. Segundo Ramon, “a grande força do município baseia-se sobre a variedade de
fontes da sua riqueza”.
145
Em 1920, quando da sua estada na região, o jornalista napolitano Alfredo Cusano
descreveu minuciosamente Santa Maria e sua população italiana, com destaque para
Silveira Martins, em El Paese dell´Avvenir: Rio Grande del Sud. Segundo o jornalista,
Santa Maria apresentava uma “posição topográfica invejadíssima, encontrando-se no seu
território nove estações ferroviárias”.
146
Alfredo Cusano enfocou prioritariamente as empresas de italianos, como a fábrica
de perfumaria e sabonetes de Giuseppe Pellegrini; a de móveis dos Irmãos Mussoi; além da
fábrica de produtos alimentícios de Toffolli Culau.
147
142
Cf. MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria Relatos e
Impressões de Viagem. [...] Ob. cit., p.104.
143
Ibidem, p.114 et seq.
144
Idem.
145
Idem, p.174.
146
Idem, p.188.
147
Idem,189.
57
Encantado com a região, o napolitano registrou, certamente exagerando, que a
colônia de Silveira Martins era muito importante, “contando com trinta mil imigrantes
italianos”, que viveriam, na maioria, da agricultura, e os demais do comércio, indústria e
artesanato.
148
Em O Rio Grande do Sul em todos os seus aspectos, de 1922, o jornalista santa-
mariense Alfredo Rodrigues da Costa destacou que os principais comerciantes da cidade,
no ramo de secos e molhados, ferragens, fazendas e armarinhos, eram “Oreste Toffoli
Culau; Fraeb & Cia; Almiro Flôres; Mario Marciaj; João Appel Primo; Eulogio Nieves; J.
Carnos & Cia; Júlio Russowisck; Athayde & Irmão; Alcides Roth & Cia; Vicente Vila:
Achilles Cezimbra; R. Cauduro & Cia.; Leôncio Fonseca; João Lenz; Guilherme Cassel;
Beltrão e Cia; Ildefonso Badeck; Miguel Macedo; Benaducci & Irmão e Benjamin
Steinbruck”.
149
Na obra Cinquantenario della Colonizzazione Italiana nel Rio Grande del Sud, de
1925, de Benvenutto Crocetta, o autor descreve que, em Santa Maria, existiam
quatrocentas casas de negócio e vinte e sete agências comerciais diversas. Quanto à
exportação, “figuravam em primeiro lugar: arroz, ervas medicinais, batatas, banha, alho,
cebola, feijão preto e de cor, milho, farinhas derivadas, trigo e farinha de mandioca,
amendoim, aguardente, vinho e laranja. O valor conjunto das exportações supera[va] os
5.000 contos de réis”.
150
Ele não fazia distinção do que era produzido pelos italianos e
seus descendentes, alemães e seus descendentes e lusos-brasileiros, referindo-se apenas
que “no 3º distrito predomina[va] o elemento alemão, no 4º e 8º o italiano”.
151
Nos outros
distritos prevaleceria o elemento indígena. Ou seja, os brasileiros. Salvo engano, pela
descrição de Benvenutto Crocetta, das quatrocentas casas de negócio e vinte e sete
agências comerciais, o elemento indígena – apesar de ser numericamente maior – não
ocupava lugar de destaque, ficando este posto ocupado pelos alemães, italianos, judeus e
outros.
152
Em 1928, na obra Através do Rio Grande do Sul, Fernando Callage registrou as
mudanças, o crescimento e o desenvolvimento da cidade: “[...] tem um ar mais soberano,
de mais força, de mais progresso, de mais vida. Aquele ar pesado da cidade provinciana,
148
Idem.
149
Idem, p.200.
150
Idem, p.208.
151
Idem.
152
Idem, p.207.
58
rotineira e atrasada, sem nenhum gosto pela arquitetura, transmudou-se, agora, para uma
cidade mais leve, de gosto mais fino e apurado”.
153
Em 1938, foi publicado o Guia ilustrado-comercial, industrial e profissional de
Santa Maria, por Navasqués, que escreveu: “[...] uma das características principais de
Santa Maria é [era] sem dúvida o seu extraordinário movimento, devido não só à atividade
sempre crescente de seu comércio e de sua indústria, como também pelo grande número de
trens que diariamente chegam e saem da cidade, mantendo-se em contato direto com as
zonas da fronteira, serra e litoral”.
154
Inicialmente, o coração comercial de Santa Maria era a rua do Acampamento.
Posteriormente, com o crescimento da localidade, o centro do comércio deslocou-se para a
rua do Comércio [atual Dr. Bozano], que era ocupada em grande parte pelos alemães e
seus descendentes. Com a chegada da ferrovia, em 1885, o eixo comercial mudou-se para a
avenida Progresso [atual avenida Rio Branco], por ser ponto de passagem dos viajantes que
utilizavam os trens.
155
A principal artéria da cidade era a rua Dr. Bozano, antiga rua do Comércio, em 1939
descrita pelo jornalista Sérgio de Couvêa em Santa Maria no Cincoentenário (sic) da
República: “[...] a rua Dr. Bozano é o coração mesmo de Santa Maria. É o coração e o
cérebro porque aqui não transitam apenas as meninas bonitas e elegantes, nessa feira
luxuosa de elegâncias, mas vêm, também, os homens de negócios discutir assuntos
importantes, ora sentados à mesa dos cafés, ora postados às portas é o centro onde todos se
divertem, nos cinemas, nos bares, nos cafés, é o centro onde os homens graves e sisudos
discutem altas transações, problemas da política européia”.
156
No Gráfico 1, apresenta-se a evolução da população santa-mariense segundo os
números fornecidos pelos viajantes.
153
Idem, p.216.
154
Idem, p.232.
155
Cf. COSTA BEBER, Cirilo. Santa Maria 200 anos [...]. Ob. cit., p.193.
156
MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria Relatos e Impressões
de Viagem [...]. Ob. cit., p.242.
59
Gráfico nº 1
Evolução da população santa-mariense segundo os viajantes.
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
Arsène Isabelle-
1834
Joaquim
Fernandes Leão -
1859
Domingos de
Araújo e Silva -
1865
Henrique Martins
- 1898
Catão Coelho&
Candido
Brinckmann -
1899
João Borges
Fortes - 1902
Alfredo Cusano -
1920
João Belém -
1922
Fonte: Tabela elaborada com base na obra MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter
Antônio. Santa Maria Relatos e Impressões de Viagem. Santa Maria: Editora UFSM, 1997, p.36.
Após a apresentação da formação social e econômica do município de Santa Maria,
bem como da análise das principais correntes étnicas formadoras da cidade, busca-se a
compreensão da formação conjuntural política regional, utilizando-se da análise nacional e
internacional e dos principais movimentos políticos formados nas décadas de 30 e 40.
60
CAPÍTULO 2: CONJUNTURA POLÍTICA INTERNACIONAL,
NACIONAL E REGIONAL
.
Crer, obedecer e combater
No Dicionário de política, Norberto Bobbio define o fascismo como “um sistema
autoritário de dominação que é caracterizado pela monopolização da representação política
por parte de um partido único de massa, hierarquicamente organizado; por uma ideologia
fundada no culto ao chefe, [...] desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da
colaboração de classes, em oposição frontal ao socialismo e ao comunismo.”
157
O autor
descreve ainda que o fascismo utilizava-se de um aparato de propaganda que controlava as
informações e destruía as oposições, servindo-se da violência e do terror.
158
Em As sombras do Littorio: o fascismo no Rio Grande do Sul, Loraine Slomp
Giron mostra que “os imigrantes italianos mantiveram suas posições políticas trazidas da
Itália devido ao isolamento que aqui se encontravam, tendo os colonos da zona rural pouco
envolvimento em questões políticas”.
159
Para Giron, não se pode afirmar que toda a região
colonial aderiu ao fascismo, este “nunca procurou envolver os pequenos produtores.”
160
E
mais, “as camadas médias urbanas envolveram-se com a Ação Integralista Brasileira.”
161
Em Dall´Italia siamo partiti, o historiador Paulo César Possamai explicou que “apesar do
apoio explícito da Igreja, houve pouca adesão dos colonos ao regime fascista. A simpatia
pelo fascismo, representada pelos principais valores cultuados pelos colonos (trabalho,
157
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 6 ed. São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005. p.466. 2vol.
158
Ibidem.
159
GIRON, Loraine Slomp. As sombras do Littorio. O fascismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Parlenda, 1994. p.41.
160
Ibidem, p. 114.
161
Idem.
61
disciplina, ordem, família), não foi suficiente para engajá-los diretamente na luta”.
162
No
final do século XIX, logo após a chegada dos italianos ao RS, a luta, na zona rural, dizia
respeito a “questões relativas a condições de vida”, enquanto que, na zona urbana, “as
lutas” teriam “um claro cunho político e ideológico”.
163
No início do século 20, a Itália sofria ainda os reflexos da Unificação Italiana,
através da qual “a industrialização do país levada avante pelo Estado a partir de uma
burguesia, então frágil e sem capitais, obrigou à importação de capitais e ao endividamento
da Itália. A industrialização não resolveu os problemas sociais. A mão-de-obra não foi
absorvida [plenamente] pelas indústrias e não foi realizada a reforma agrária”.
164
Além
disso, cresciam os confrontos entre as diferentes classes sociais. Embora ao lado dos
vencedores da Primeira Guerra, a Península Itálica “saiu desprezada na divisão do espólio
[sic], o orgulho saiu ferido [sic] e os cofres públicos onerados com a pesada dívida de
guerra”.
165
A partir de 1919, as lutas sociais na Itália do pós-guerra geraram os “fasci”, que
tiveram uma forte ascensão até 1921, quando se tornaram o Partido Nacional Fascista
Italiano, sendo Mussolini seu principal líder e mentor. A historiadora Loraine Giron cita
Mussolini: “[...] o nosso mito é a Nação, o nosso mito é a grandeza da Nação! E a esse
mito, e esta grandeza, que queremos traduzir numa realidade completa, nós subordinamos
todo o resto.”
166
Para a historiadora Cláudia Sganzerla, em A Lei do Silêncio: repressão e
nacionalização do Estado Novo em Guaporé, “no difícil contexto político-econômico-
social italiano, Mussolini passou a ser visto como ‘restaurador’ da honra e do esplendor
italianos, abalados pela Primeira Guerra Mundial”.
167
O fascismo, movimento
ultranacionalista de direita, entrava em cena à custa da extinção de liberdades e da
centralização do poder do Estado, em torno de seu líder máximo, Mussolini.
Segundo Cláudia Sganzerla, “de um modo geral, o fascismo pregava a eliminação
da desordem social e da luta de classes, prometendo a construção de uma sociedade
rigidamente disciplinada em torno de objetivos nacionais, comuns a todos os cidadãos,
162
POSSAMAI, Paulo. Dall´Italia siamo partiti. A questão de identidade entre imigrantes italianos e seus
descendentes no Rio Grande do Sul (1875-1945). Passo Fundo: UPF, 2005. p.237.
163
Idem., p.42.
164
Idem., p.64.
165
Idem., p.65.
166
Idem., p.63.
167
SGANZERLA, Cláudia Mara. A Lei do Silêncio. Repressão e Nacionalização no Estado Novo em
Guaporé (1937-1945). Passo Fundo: UPF/ Porto Alegre: EST, 2001. p.58.
62
estabelecidos pelo líder fascista, tido como infalível. Assim, ao homem comum, cabia
apenas o papel de crer, obedecer e combater ao lado do líder e do partido”.
168
Em “O crime de ser italiano: a perseguição no Estado Novo”, referindo-se à Região
Colonial Italiana, Berenice Corsetti afirma: “[...] a chegada dos elementos fascistas sob a
nova orientação na Região Colonial acontece no início da década de trinta, passando a
integrar-se a sociedade local e atuando mais diretamente junto ao setor primário, já que a
maior parte da população concentrava-se, ainda, na zona rural, voltando sua atividade para
o ensino, a saúde e as técnicas agrícolas e vinicultura.”
169
De modo geral, em fins do século 19, as relações entre os governos do Brasil e da
Itália eram amistosas. Nos anos 1920, o governo italiano passou a ver o Brasil como um
lugar propício para expansão de seus objetivos políticos e econômicos. Na década seguinte,
“a idéia fascista de influenciar politicamente o Brasil se desenvolveu e se consolidou” e o
integralismo – analisado a seguir – surgiu no país como interlocutor das idéias fascistas.
170
A relação Itália-Brasil deu-se através do fornecimento, por parte do Brasil, de “bens
de equipamento e material militar, ao passo que o Brasil exporta[va] matérias-primas,
principalmente o café [...]. No plano cultural, existe[ia] grande identidade entre Roma e
Rio de Janeiro”.
171
O desenvolvimento do integralismo no Brasil interessava também a
Itália fascista, que colaborava diretamente com seu líder Plínio Salgado.
172
Por sua vez, as
relações comerciais estadunidenses com o Brasil estavam representadas na figura de
Osvaldo Aranha, embaixador brasileiro em Washington.
O ponto chave das relações comerciais brasileiras eram os “projetos de cooperação
econômica, em particular a construção de um complexo siderúrgico no Brasil”, que poderia
“beneficiar-se de um apoio técnico e financeiro dos Estados Unidos”. Todavia, os dois
países” assinaram “tão somente acordos limitados e os Estados Unidos não apresentaram
interesse concreto pelos grandes projetos nacionais”, ensejando uma aproximação do
Brasil à Alemanha, para tal.
173
168
Ibidem., p.60.
169
CORSETTI, Berenice. O crime de ser italiano: a perseguição do Estado Novo: In: DE BONI, Luis (org).
A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST; Torino: Fondazione Giovanni Angelli, 1987. v.1, p.363-
382, p.366.
170
BERTONHA, João Fábio. O fascismo e os imigrantes italianos no Brasil. Porto Alegre: PUCRS, 2001.
p.69 ; GIRON, Loraine Slomp. As Sombras do Littorio [...]. Ob. cit.
171
BERTONHA, João Fábio. O fascismo [...]. Ob. cit.
172
Ibidem., p.48.
173
Idem., p.60.
63
Em As Sombras do Littorio, Loraine Giron lembra que Mussolini propunha que,
“bem ou mal que seja, a emigração é uma necessidade fisiológica do povo italiano”.
174
Segundo a autora, “até 1927, a posição adotada pelo novo governo foi a mesma do
chamado período do ouro (1902-1927), que descarregava mais de um milhão de italianos
nos demais países [...]. Desta forma, os italianos expulsos da pátria como mão-de-obra
excedente seriam arautos da italianidade e possíveis futuros de um império italiano, ainda
um sonho a ser concretizado”.
175
Mussolini propunha: “[...] compreende-se então como o
problema da expansão italiana no mundo seja um problema de vida ou morte para a raça
italiana. Digo expansão em todos os sentidos: moral, político, econômico, demográfico.”
176
Em “A situação do italiano como estrangeiro durante a Segunda Guerra Mundial”,
o pesquisador da Fondazione Cassamarca (Treviso-Itália), Ângelo Christoffoli, distinguiu
dois grupos de italianos no Brasil: “[...] os imigrantes que vieram para o Brasil
definitivamente em busca de um novo e promissor futuro, abandonando todo e qualquer
laço com o passado e, os estrangeiros que aqui se encontravam apenas temporariamente,
muitos desenvolvendo trabalhos, mas mantendo forte relação com a Itália”.
177
Loraine Giron explicou as diretrizes traçadas por Mussolini aos seguidores do
fascismo italiano: “[...] os fascistas que estão no exterior devem ser conseqüentes com as
leis do país que os hospedam [...]; não participar das políticas dos países onde estão
hospedados [...]; respeitar e representar a Pátria no exterior [...]; defender a italianidade no
presente e no passado [...]; fazer trabalho de assistência aos italianos que se encontram em
estado de necessidade.”
178
Para o historiador João Fábio Bertonha, em O fascismo e os imigrantes italianos no
Brasil, o centro da propaganda fascista no Rio Grande do Sul era Porto Alegre, de onde se
estendia para o interior. Na década de 20, segundo o pesquisador, a estrutura fascista
atingia Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas, incluindo, nos anos seguintes, Uruguaiana,
Rio Grande, Garibaldi e Bento Gonçalves.
179
174
GIRON, Loraine Slomp. As Sombras do Littorio [...]. Ob. cit., p.68.
175
Ibidem.
176
Idem., p.69.
177
CHRISTOFFOLI , Ângelo Ricardo. A situação do italiano como estrangeiro durante a Segunda Guerra
Mundial. In: DALMOLIN, Cátia (Org). Mordaça Verde e Amarela. Imigrantes e descendentes no Estado
Novo. Santa Maria: Pallotti, 2005. p.61.
178
GIRON, Loraine Slomp. 1994. As Sombras do Littorio [...]. Ob. cit., p.70.
179
BERTONHA, João Fábio. O fascismo e os imigrantes [...]. Ob. cit., p.72.
64
Em Dall´Italia siamo partiti, Paulo Possamai, lembra que o regime fascista
empenhou-se em ofereceu “vantagens comerciais [...] à burguesia regional,
reconhecimento de sucesso individual dos imigrantes através de condecorações e a
intensidade da propaganda fascista difundidas pelas sociedades italianas e pelas escolas
subvencionadas pela Itália, ao lado de uma intensa programação cultural visando à difusão
da língua italiana e dos ideais fascistas”.
180
Segundo Possamai, era necessário cooptar os italianos no Exterior para as idéias
fascistas. Para isso, Mussolini enviou técnicos para o Rio Grande do Sul, buscando
controlar as sociedades italianas através da promoção de atividades culturais e esportivas e
da criação de jornais.
181
Um exemplo da divulgação do ideário fascista foi o livro didático
Le due patrie, utilizado nas escolas no Brasil, no qual, “havia um racismo explícito com
relação ao caboclo, descrito como sujo, indolente, capaz de passar dias inteiros deitados.
Ele indicava a emigração italiana como a única capaz de valorizar as terras brasileiras”.
182
Berenice Corsetti propõe que “as ´sociedades italianas´, centros recreativos e
culturais dos imigrantes italianos, desde o início da colonização, passaram a se constituir,
algumas delas, no centro de difusão da nova doutrina através do que o fascismo erradicou-
se por toda a Região Colonial Italiana do Rio Grande do Sul.”
183
No tocante à região central do RS, há uma lacuna com relação a pesquisas sobre o
fascismo e o integralismo. Em “O integralismo na Ex-Colônia Italiana de Silveira
Martins”, descrevendo uma sociedade italiana da região, Joel Marin, afirma: “[...] a
sociedade italiana Luigi Amadeo di Savoia Duca Degli Abruzzi localizada no núcleo de
São Marcos, serviu aos objetivos da ação fascista através da programação de várias
festividades que visavam divulgar o ideário fascista [...]. Todas as datas do Ressurgimento
Italiano eram festejadas pelos colonos”.
184
O Perigo Alemão
O governo brasileiro mantinha um intenso comércio com Itália e Alemanha. A
Alemanha passou a ocupar o primeiro lugar na política externa brasileira de 1934-1936,
dedicando interesse especial à compra do café brasileiro. As relações comerciais Brasil-
180
POSSAMAI, Paulo. Dall´Italia siamo partiti [...] Ob.cit., p.229.
181
Ibidem.
182
Idem., p.230.
183
CORSETTI, Berenice. O crime de ser italiano [...] Ob. cit., p.366.
184
MARIN, Joel Orlando. O integralismo na Ex-Colônia Italiana de Silveira Martins. In: MARIN, Jérri
Roberto. Quarta Colônias Novos Olhares. Porto Alegre: EST, 1996. p.112.
65
Alemanha cresceram ainda mais com a subida de Hitler ao poder. Em 1936, foi firmado
novo acordo comercial entre Brasil e Alemanha, por meio do qual o Brasil
“compromete[u]-se a fornecer anualmente à Alemanha, entre outros produtos, 60 mil
toneladas de algodão e 96 mil de café”.
185
Não era apenas a relação comercial que aproximava os governos da Alemanha e do
Brasil, que trocavam mútuas gentilezas. Por um lado, o governo Vargas entregou a
Gestapo, entre outras, Olga Benário, grávida, a companheira comunista, alemã e judia de
Luís Carlos Prestes. Também “a cooperação policial e governamental germano-brasileira
conduz[iu] o Brasil a adotar medidas anti-semitas preconizadas por Berlim. Por meio da
Circular secreta n.1.127, de 7 de junho de 1937, o governo Vargas oficializa as restrições à
entrada de imigrantes de origem judaica no Brasil”.
186
As relações germano-brasileiras sofreram a primeira ruptura quando Hitler, ainda
em 1936, aplicou a Lei de 1913, que determinava que a origem racial, e “não o lugar de
nascimento”, determinava ‘nacionalidade’ alemã, ensejando que ‘mesmo aqueles’ que
adquirissem a ‘nacionalidade brasileira’ seriam ‘considerados alemães por Berlim.’ ”
187
Desta forma, efetuou-se a convocação de alemães e descendentes de alemães fixados no
Brasil para lutarem na Alemanha. A situação ficou insustentável quando Hitler decidiu
utilizar as escolas alemãs no Brasil como meio de propagação da ideologia nazista.
188
Quanto à penetração nazista, Renè Gertz, em O perigo alemão, e Stanley Hilton,
em A guerra secreta de Hitler no Brasil, sugerem que a proposta do “perigo alemão” não
era procedente, pois a ideologia nazista seria desorganizada e não apresentaria metas bem
definidas.
189
O “perigo alemão” era a crença de que os países que pertenciam ao continente
sul-americano poderiam ser anexados ao Reich alemão, através da força militar, servindo
como apoio para a invasão às colônias alemãs principalmente do sul do Brasil.
190
É um fato historicamente comprovado a adesão, mais ou menos ativa, de setores,
sobretudo da imigração alemã brasileira ao nazismo. Em O perigo alemão e a repressão
policial no Estado Novo, Priscila Perazzo, cientista social da área de comunicação,
enfatizou que “durante a Segunda Guerra Mundial, quando a idéia de ‘perigo alemão’ foi
185
SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra. São Paulo: Manole, 2003. 3 ed., p.19.
186
Ibidem., p.28.
187
Idem., p.29.
188
Idem., p.35.
189
GERTZ, René. O perigo alemão. Porto Alegre: UFRGS, 1991; HILTON, Stanley. A guerra secreta de
Hitler no Brasil: espionagem alemã e contra-espionagem aliada no Brasil (1939-1945). Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1983.
190
PERAZZO, Priscila. O perigo alemão e a repressão policial no Estado Novo. São Paulo, Arquivo do
Estado, 1999.
66
exacerbada às últimas conseqüências, o alemão foi identificado como nazista, enquanto o
nazismo passou a ser sinônimo de atrocidade e maldade, selvageria e matança,
insensibilidade e desumanidade”.
191
Para René Gertz, “alguns fatores contribuíram para a divulgação e a aquisição de
uma certa credibilidade por parte dessa ideologia. Discursos nacionalistas na Alemanha
podiam ser interpretados como sugerindo uma aventura imperialista no sul do Brasil, às
vezes incluindo uma região mais ampla na bacia do Prata. Uma parte significativa da
população de origem alemã da região efetivamente preservava uma série de características
culturais, como falar predominantemente em alemão, pertencer com freqüência a
associações religiosas, esportivas, culturais ou recreativas tipicamente alemãs, etc”.
192
Priscila Perazzo defende que “o nacionalismo alemão no Rio Grande do Sul estava
ligado à classe economicamente dominante dentro da colônia cujos membros colaboraram
efetivamente na penetração do nazismo naquela região. [...] os alemães que defendiam a
causa nazista a partir de uma posição ideológica consciente não estavam inseridos nos
grupos de colonização que se dedicavam às atividade rurais no sul do Brasil.”
193
Segundo René Gertz, “o que enfraqueceu a ala pró-alemã do governo Vargas foi a
atividade da Ação Integralista Brasileira, que, nos estados de Santa Catarina e Rio Grande
do Sul, conseguiu recrutar um grande número de adeptos nas regiões de colonização alemã
e italiana”.
194
Em Santa Maria, alguns casos de pessoas, comumente identificados como
germanófilos ou quinta-colunistas chama-nos a atenção. Porém, não podemos afirmar com
precisão que eram adeptos do nazismo.
O sítio da Fundação Getúlio Vargas caracterizou a expressão quinta-coluna como
sendo o “termo cunhado durante a guerra civil espanhola e usado para designar aqueles
que, em Madri, apoiavam as quatro colunas [fascistas] que marchavam contra o governo da
Frente Popular Republicana do presidente Azaña”.
195
Já no período da Segunda Guerra
Mundial, o termo era utilizado para caracterizar imigrantes ou descendentes de alemães,
italianos e japoneses simpáticos ao Eixo e, portanto, capazes de agir em favor daquelas
nações. O termo foi utilizado para definir os traidores da nação brasileira tendo como
sinônimos não-brasileiro, alienígenas, estrangeiros, entre outros.
191
Ibidem., p.51.
192
GERTZ, René. O Brasil verdadeiro contra o falso Brasil. In: DALMOLIN, Cátia (org). Mordaça Verde a
Amarela: imigrantes e descendentes no Estado Novo. Santa Maria: Pallotti, 2005. p.40.
193
PERAZZO, Priscila. O perigo alemão [...] Ob. cit., p.61.
194
GERTZ, René. O Fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. p.112.
195
http://www.cpdoc.fgv.br, acessado em 18 de abril de 2006.
67
Em 6 de maio de 1942, o jornal A Razão, divulgou a apreensão de livros em alemão
e fotografias de Hitler em Santa Maria, na casa do pedreiro Valentim Carlos Kroner.
Segundo a reportagem, a polícia chegou até o “súdito do Reich” [sic] por denúncias.
Conforme o jornal, “o inspetor Leopércio Rosa Garcia apreendeu numerosos livros em
alemão, além de duas fotografias de Hitler e outros duas de Hindenburgo. Essas fotografias
estavam em quadros, demonstrando o interesse de seu dono em conservá-las.”
196
Em 21 de agosto de 1942, o jornal A Razão publicou o artigo: “Presos, ontem, em
Santa Maria diversos quinta-colunistas”. Segundo a reportagem, “entre os elementos ontem
presos figura o cirurgião-dentista Altino de Figueiredo Paz, um dos mais exaltados
simpatizantes do Eixo totalitário. Outro dos detidos é o Dr. Olivé Leite, médico
especialista em olhos, ouvidos, nariz e garganta [...] também adepto exaltado no nazismo.
Também figura no rol de detidos o sr. Luiz Dania, proprietário da Farmácia Central. Foram
detidos, ainda, o proprietário de uma casa de calçados da primeira quadra da Dr. Bozano,
Eduardo Abelin; o proprietário da Padaria Holtermann, Roberto Holtermann; o gerente da
Casa Hermann, Reinaldo Jost e o proprietário do Bar Imperial, bem como seus filhos [não
cita nomes].”
197
A reportagem refere-se à prisão “de alguns suspeitos ou reconhecidamente
simpatizantes do Eixo [sic]”
198
. Fica a pergunta: essas pessoas estariam sendo monitoradas
pela polícia?
Depoimentos dão conta das simpatias dos presos para com o nazismo, fascismo e
integralismo, porém sem, contudo, entrar em detalhes. O que se pode afirmar é que
algumas empresas citadas pela reportagem – Padaria Holtermann, Casa Hermann e Bar
Imperial – sofreram represálias por parte da população, em 18 de agosto e, passados três
dias, seus proprietários foram presos. O jornal local não faz referências a outras prisões de
suspeitos de simpatizarem com o Eixo. As prisões que mereceram destaque são sempre por
motivos banais, as quais serão analisadas no capítulo 3.
Pastor Hoffmann, da Igreja Evangélica Alemã de Santa Maria, era outro alvo da
polícia da cidade. Em sua casa, foi encontrada uma parede secreta onde estavam
escondidos, segundo reportagem do jornal A Razão de 22 de agosto de 1942, “11 rolos
contendo mais de 1.200 metros de filme cinematográfico que se acredita sejam de
propaganda nazista, além de livros também de propaganda alemã, álbuns e alguns outros
196
Apreendidos vários livros em alemão e diversas fotografias de Hitler. A Razão , Santa Maria, 06 de maio
de 1942, p.3.
197
Presos, ontem, em Santa Maria diversos quinta-colunistas. A Razão, Santa Maria, 21 de agosto de 1942,
p.7.
198
Ibidem.
68
objetos.”
199
Chama-nos a atenção para a data da reportagem, uma vez que a igreja
evangélica teve seus bancos ateados fogo, os vidros quebrados e os crucifixos queimados
ou jogados no lixo, no episódio de 18 de agosto de 1942.
Segundo a historiadora santa-mariense Nádia Nunes, em “Os alemães em Santa
Maria no período do Estado Novo”, Vera Dilfenthaler, descendente de imigrantes alemães
e freqüentadora da Igreja Luterana na qual o pastor Hoffmann era pregador, afirmou que
“nunca o pastor fez qualquer referência a política nazista, que ele não induzia ninguém à
política, que, inclusive, era uma pessoa muito distinta e que, quando foi preso e mandado a
Porto Alegre [por pregar em alemão], a sua casa foi roubada [sic].”
200
Roberto Romano, paulista, mestre torneiro da Escola de Artes e Ofícios, escola
integrante do complexo da rede ferroviária de Santa Maria, fora suspenso 144 dias e outros
29 requisitado pela polícia, para dar explicações sobre o retrato de Adolf Hitler, cunhado
em metal, encontrado na sua secção, em pose do empregado Oralino Ferreira Domingues.
Foi aberta sindicância. Roberto Romano e Lourenço Shultes, alemão, foram investigados
uma vez que estavam falando em via pública no idioma alemão. Shultes acabara 85 dias
suspensos e 29 requisitado pela polícia.
201
Em 11 de abril de 1942, Marques Velho,
subdiretor da Escola de Artes e Ofícios, encaminhou ao delegado regional de polícia, Aldo
Sirangelo, ofício a fim de solicitar a naturalização de seus empregados estrangeiros, entre
os quais se encontra Lourenço Shultes.
202
O diabo vermelho
O Partido Comunista Brasileiro [PCB] surgiu em 1922, com o objetivo de organizar
os trabalhadores para a luta por uma ordem socialista no Brasil. Entretanto, durante a
década de 20, sobretudo anarquistas estiveram na liderança do movimento operário.
Segundo a socióloga Alzira de Abreu, em Dicionário Histórico-biográfico brasileiro pós
1930, “o PCB foi criado com o objetivo de promover a organização política do
proletariado num partido de classes, para a conquista do poder e conseqüentemente da
199
Esconderijo secreto na residência do Pastor Hoffmann! A Razão, Santa Maria, 22 de agosto de 1942, p.6.
200
NUNES, Nádia Silvana. Os alemães em Santa Maria no período do Estado Novo. Trabalho Final de
Graduação do Curso de História. Santa Maria: Centro Universitário Franciscano, 1998. p. 14.
201
Processo contra os empregados da Escola de Artes e Oficios Hugo Taylor. SD/40-1722. Santa Maria, 08
de abril de 1942.
202
Oficio SD/ 48-1704. Santa Maria, 11 de abril de 1942. Arquivo da Cooperativa dos Empregados da
Viação Férrea de Santa Maria.
69
sociedade capitalista em sociedade comunista”.
203
Posto na ilegalidade por diversas vezes,
o PCB viveu na clandestinidade e sob a repressão.
Após a Revolução de 1930, os integrantes do Partido Comunista foram
perseguidos pelo novo governo. Em 1935, a sublevação da Aliança Nacional Libertadora
contra o governo de Getúlio serviu de pretexto para mais repressão. “[...] a tentativa de
tomada do poder pelos comunistas foi utilizada como justificativa para o fortalecimento do
governo central. O medo dos comunistas aglutinou em torno de Vargas forças que até
então lhe eram contrárias as que possibilitariam o golpe do Estado Novo”.
204
Em 1936, foi criada uma Comissão de Repressão ao Comunismo e, no ano
seguinte, com a outorga da Constituição de 1937, houve censura, extinção de partidos,
fechamento do Congresso Nacional, provocados pela criação do Estado Novo, e a
intensificação das perseguições aos militantes do PCB e da ANL. Em 1940, inúmeros
dirigentes regionais e membros das duas organizações foram presos. No ano seguinte, “o
PCB se encontrava totalmente desarticulado com a toda a liderança e direção na prisão”.
205
Em 1941, iniciou-se movimento pela rearticulação do Partido Comunista que
voltou a atuar, no ano seguinte, de forma organizada, defendendo a união nacional devido
à Segunda Guerra Mundial. Nessa conjuntura, o PCB dividiu-se em três tendências: uma
muito forte, em São Paulo, defendia a luta contra o fascismo externo e interno [Vargas];
outra propunha a união nacional, com o apoio de Vargas e a extinção do PCB; a terceira
queria a união nacional com Vargas no poder, mas sem o fim do partido.
206
Mesmo relutante, América Achutti, esposa do advogado Higino Trevisan, membro
de destaque do PCB santa-mariense, falou sobre a formação do partido em Santa Maria.
Quando questionada sobre o que aquele partido defendia, respondeu: “[...] o povo, o povo.
A necessidade essencial do ser humano, do pobre. Essa é a intenção máxima.”
207
Para ela,
o maior inimigo dos comunistas era “o governo, a sociedade governamental.”
208
Já Abdo Mottecy, militante do PCB em Santa Maria, descreveu que o comunismo
“era contra o governo. [Pregava a] liberdade de expressão. Liberdade de reunião. Estudos
do Marx. Viam-se, nas reuniões, ferroviários pouco mais que alfabetizados com uma noção
203
ABREU, Alzira Alves de. et al. Dicionário Histórico-biográfico brasileiro pós 1930. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 20001. vol. IV. 2ed. p. 4262.
204
Ibidem.
205
Idem., p. 4267.
206
Idem.
207
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com América Achutti, Santa Maria. 26 de outubro de 2004.
208
Ibidem.
70
para nós correta da parte política [...]. O Estado Novo ainda tinha defensores, porque o
Getúlio acertadamente instituiu o salário mínimo, criou Volta Redonda e outras coisas
importantes.”
209
América Achutti forneceu importante informação sobre o funcionamento do PCB
em Santa Maria na clandestinidade. Segundo ela, “a sede do partido, em geral eram as
entidades, eles faziam suas reuniões em clubes, ora num ora noutro. Até reuniões ocultas.
Quando o governo perseguia, faziam as reuniões ocultas. Não comunicavam, eram
[enviados] convites particulares.”
210
Na obra citada, Alzira de Abreu propõe que os “os comunistas tinham maior
penetração entre os metalúrgicos, gráficos da imprensa e das tipografias, entre os operários
das indústrias alimentícias e da construção civil, assim como entre os carpinteiros,
operários de fábricas de tecidos, da indústria de couros e, ainda entre os marinheiros”.
211
Na tese de doutorado “Profissão e experiências sociais entre trabalhadores da
Viação Férrea do RS em Santa Maria”, o historiador santa-mariense João Rodolpho
Amaral Flôres propõe que seja tarefa difícil enquadrar política-ideologicamente os
ferroviários, devido à escassez de fontes, uma vez que a primeira entidade política
organizada pela categoria foi a União dos Ferroviários Gaúchos [UFG], em 1952. Para ele,
as principais influências são os socialistas e os anarquistas, nas primeiras décadas do
século 20 e, após 1930, os comunistas e trabalhistas.
212
Para João Rodolpho Flôres, “entre as representações políticas desejadas pelos
ferroviários estava a de alcançar, perante as demais ‘classes’ da sociedade, afirmação e
paridade, sem, contudo, pretenderem estabelecer entre elas uma ‘luta de classes’ ”.
213
“[...]
viam os governantes nos ferroviários uma profissão em ascensão e um peso político do
grupo profissional a não ser desprezado. Isso é verificável a partir do governo de Júlio de
Castilhos, passando por Borges de Medeiros, Getúlio Vargas, Flores da Cunha, Walter
Jobim, Ildo Meneghetti e Leonel Brizola, com o PRR predominando nas primeiras
décadas, depois sendo sucedido pelo PSD e PTB nessa preferência”.
214
João Rodolpho Flôres lembra que o anarquismo implantou-se nas empresas
ferroviárias, preferencialmente entre os trabalhadores de oficinas, por apresentarem um
209
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com Abdo Achutti Mottecy. Santa Maria. 05 de novembro de
2004.
210
Entrevista com América Achutti. Já citada.
211
ABREU, Alzira Alves de. et al. Dicionário Histórico-biográfico [...]. Ob. cit., p. 4264.
212
FLÔRES, João Rodolpho Amaral. Profissão e experiências sociais entre trabalhadores da viação férrea do
Rio Grande do Sul em Santa Maria (1898-1957). Tese de Doutorado. São Leopoldo: Unisinos, 2005. p.396.
213
Ibidem., p.399.
214
Idem., p.412.
71
nível cultural mais elevado do que os demais operários. A implantação do PCB teria
seguido o mesmo processo. “[...] no Rio Grande do Sul, as evidências da aceitação da
ideologia comunista entre os servidores da VFRGS apontam que ela influiu nos
procedimentos políticos do grupo profissional. Porém, suas repercussões foram atenuadas
ao longo do tempo pela tendência desses trabalhadores optarem pelo apoio aos governos
‘trabalhistas’.”
215
Militante do PCB, Abdo Achutti Mottecy recordou que, em Santa Maria, “as
atividades eram a busca de reuniões, principalmente com os ferroviários”.
216
Como ainda
descreveu o depoente, a célula do PCB começou em Santa Maria com Henrique Bastide;
Murilo Vale Machado; Júlio Brenner, comerciante e juiz federal durante a Primeira Guerra
Mundial e Rubens Belém, colunista do jornal A Razão. O eixo do partido na cidade eram
os ferroviários com destaque para os associados da Cooperativa de Viação Férrea.
Abdo sugeriu que os ferroviários “eram mais fáceis de [cooptar]. Era uma classe
sentida, não era federal. Não ganhavam bem. Então, eles se aglomeravam em torno do
Partido e fizeram vereador o Higino Trevisan [em fins dos anos 40], o Jorge [Achutti
Mottecy, mais tarde, após 1945]. Santa Maria não tinha uma companhia que empregasse
um número elevado de funcionários”.
217
Para Alzira de Abreu, “o surgimento da AIB
colocou para o PCB a necessidade de uma ação mais eficaz para conquistar os sindicatos e
as classes médias”.
218
Em Combate nas Trevas, Jacob Gorender enfatizou que o Partido Comunista
Brasileiro “dispunha de quadros experientes e completamente dedicados ao trabalho
partidário, sua radicação no movimento operário era sólida e muito mais importante do que
a das outras correntes, contava com ramificações no meio camponês, tinha forte influência
no movimento estudantil e nas campanhas antiimperialistas”.
219
Luis Carlos Prestes, chefe nacional do PCB esteve por duas vezes na cidade. Na
primeira ocasião, que o depoente Abdo Mottecy não soube precisar o ano, ficou hospedado
na residência do Menote Lobo e, na segunda, já em 1950, no Centro de Artes e Letras, já
em “semi-clandestinidade”. Abdo Mottecy relembrou que “ele veio para uma reunião dos
ferroviários”.
220
215
Idem.
216
Entrevista com Abdo Achutti Mottecy. Já citada.
217
Ibidem.
218
ABREU, Alzira Alves de. et al. Dicionário Histórico-biográfico [...]. Ob. cit., p. 4265.
219
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 2003. 2ª ed. p.22.
220
Entrevista com Abdo Achutti Mottecy. Já citada.
72
Getúlio Vargas também esteve em Santa Maria durante a Revolução de 1930 e na
campanha eleitoral de 1950 [Figura 5]. Apoiadores seguiram o presidente em cortejo, do
aeroporto até a praça Saldanha Marinho, onde Getúlio discursou para uma multidão na
sacada do antigo Hotel Jantzen. Além da lotação recorde nos hotéis de Santa Maria, o
jornal Diário do Estado publicou que, antes do comício, “outro detalhe interessante é [era]
a completa ausência de automóveis na praça, que [posteriormente] foi ocupada por
pessoas”.
221
Santa Maria, em posição privilegiada, centro do entroncamento ferroviário, era
visitada constantemente por importantes políticos nacionais.
Figura nº 5
Fotografia da passagem do presidente Getúlio Vargas na cidade
de Santa Maria em 1950.
Fonte: Arquivo Público de Santa Maria.
Transformações na sociedade brasileira
No Império, as oligarquias agro-pastoris dominavam o âmbito político brasileiro
sob a hegemonia do setor cafeicultor, buscando mais autonomia em São Paulo, que se
221
Toda a cidade mobilizada para a recepção ao sr. Getúlio Vargas. Diário do Estado. 21 de setembro de
1950, p.3.
73
tornava a povíncia mais rica do país, mas tinha parte das suas rendas confiscadas pelos
impostos estabelecidos pelo governo imperial. Este grupo entendia que a maior autonomia
somente seria consolidada com o federalismo, que passou a ser a reivindicação da
oligarquia paulista, quando a abolição da escravatura tornou desnecessário o centralismo
imperial que defendia essa instituição, sobre a qual se apoiou, até os últimos momentos, a
cafeicultura.
222
Em Tenentismo e política, Maria Forjaz propõe que “as oligarquias estaduais
controlavam os coronéis municipais, que por sua vez dominavam a grande massa da
população rural, deles dependente social, econômica e politicamente, e, portanto
participando do processo político de forma totalmente subordinada”.
223
As camadas
médias urbanas, grupos sociais excluídos, pressionavam por uma abertura do sistema
político e social, adotando postura anti-oligárquica: “[...] o tenentismo teria sido um
movimento político representativo de suas aspirações”.
224
Durante o governo de Campos
Sales (1898- 1902), foi posta em prática a “política dos governadores”, que consistia em
um pacto entre São Paulo e Minas Gerais, por meio do qual o primeiro mantinha a
hegemonia nacional. Era uma troca de favores entre os coronéis, representantes das
oligarquias municipais, com os governadores dos estados, que sustentavam o presidente da
República.
Em A Lei do Silêncio repressão e nacionalização no Estado Novo em Guaporé
(1937-1945), Cláudia Sganzerla assinalou que “o ‘coronelismo’ consistia, basicamente, em
troca de favores políticos – sua manutenção institucionalizava-se através do processo
eleitoral. O poder do ‘coronel’ era enorme, já que a população local dependia dele para
trabalhar, resolver problemas legais, escapar do sorteio militar, etc. Essa dependência
transformava os eleitores em massa de manobra do potentado municipal, sobretudo porque
o voto era aberto, podendo, portanto, identificar-se facilmente quem não votasse no
candidato indicado – voto de cabresto”.
225
A abolição da escravatura, a imigração européia, a mudança nas relações de
trabalho, a constituição de um mercado interno fizeram com que surgisse novos grupos
sociais, como os industriais, o proletariado urbano e as novas camadas médias urbanas.
226
222
Cf. MAESTRI, Mário. A Escravidão e a nese do Estado Nacional Brasileiro. Além do apenas moderno.
Brasil séculos XIX e XX. Recife: Massangana, 2001. v.1. p.49 - 77
223
FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e política. Tenentismo e camadas médias urbanas na crise da
Primeira República. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra. 1987. p. 19.
224
Ibidem., p. 19.
225
SGANZERLA, Cláudia Mara. A Lei do Silêncio [...]. Ob. cit., p.35.
226
Cf. FORJAZ, Maria Cecília Spina. 1987. Tenentismo e política. [...]. Ob. cit., p.19.
74
As crises e as constantes fraudes geraram insatisfação geral, assim, os tenentes assumiram
papel de destaque, representando, sobretudo, o descontentamento das classes médias
brasileiras. O movimento tenentista foi liderado pela jovem oficialidade do Exército – os
tenentes – contra a corrupção e a imoralidade políticas da República Velha, a fim de
restaurar a honestidade social. Para isso, fizeram várias revoltas, como a Revolta do Forte
de Copacabana, em 1922; no Rio Grande do Sul, em 1923; em São Paulo, em 1924 e a
Coluna Prestes.
227
Em A Coluna Prestes, Anita Leocádia Prestes propôs: “[...] o tenentismo veio
preencher um espaço: o vazio deixado pela falta de lideranças civis aptas a conduzirem o
processo revolucionário brasileiro, que começava a sacudir as já caducas instituições
políticas da República Velha. Os ‘tenentes’ substituíram os inexistentes partidos políticos
de oposição aos governos oligárquicos de Epitácio Pessoa e Artur Bernardes.”
228
O
tenentismo foi uma espécie de porta-voz das aspirações das camadas médias urbanas,
como assinalado, que, dependentes das oligarquias dominantes, não conseguiam organizar
um partido político que expressasse seus interesses.
229
Na década de 20, mais precisamente em 1922, viveu-se grandes mudanças sociais,
com forte expressão simbólica, na sociedade brasileira. A Semana da Arte Moderna
expressou a revolução estética em que “todos [estavam] engajados no rompimento com o
passado e formação de um universo cultural tipicamente brasileiro. A Semana limitou-se,
ao campo das artes, porém foi da maior importância para o enraizamento de uma tradição a
respeito do pensamento nacionalista”.
230
Já em fins dos anos 20, aconteceu a quebra da bolsa de Nova Iorque, que ensejou
crise de proporções mundiais. Em O Brasil vai à guerra, Ricardo Seitenfus propõe que “a
crise de 1929 mostrou bem que o Brasil não mais poderia continuar a depender
inteiramente do estrangeiro para o suprimento de bens industriais. Foi reconhecida a
necessidade de uma política de substituição das importações, a fim de garantir maior
autonomia em relação ao exterior. Esboçou-se a realização de uma política de
industrialização, inteiramente condicionada pela implantação da indústria de base e, em
particular, de um complexo siderúrgico [...]”.
231
227
Cf. PRESTES, Anita. A Coluna Prestes. 3ª ed. São Paulo. Brasiliense. 1991. Ver também PRESTES,
Anita. Uma epopéia brasileira. São Paulo: Moderna, 1995.
228
Ibidem.
229
Cf. FORJAZ, Maria Cecília Spina. Tenentismo e política [...]. Ob. cit.
230
RIOS, Angélica de Medeiros. Ser ou não ser italiano: descendentes de imigrantes em Santa Maria durante
o Estado Novo. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUCRS, 2001. p.61.
231
SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra [...] Ob.cit., p.5.
75
Em O Brasil de Getúlio Vargas e a formação dos blocos 1930- 1942, de 1985,
Ricardo Seitenfus ressalta três fatores na década de 1930: “[...] a política dos governadores,
a fraude eleitoral e a ausência de ressonância nacional dos partidos políticos”. [...] a
‘política dos governadores’ faz par com o acordo ‘café-com-leite’ [...] que não exclui as
eleições, já que é preciso respeitar uma aparência de legalidade [...] o candidato ‘oficial’
[...] jamais conhece a derrota. [...] Inexiste controle eleitoral em nível nacional e com
freqüência abrem-se as urnas sem a presença de ofício [...] a ausência de partidos políticos
com ressonância nacional [...] esses partidos políticos respondem unicamente a interesses
particulares dos estados”.
232
A política café-com-leite consistia na alternância do poder central entre Minas
Gerais e São Paulo. Conforme o acordo, o presidente Washington Luís, paulista, deveria
ceder o lugar a um mineiro, Antônio Carlos, na sua sucessão, mas indicou Júlio Prestes,
também paulista, rompendo o acordo. Contra isso, formou-se chapa oposicionista com os
estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba – a Aliança Liberal [AL] –, reunida
em torno da figura do rio-grandense Getúlio Dornelles Vargas, então presidente do Estado
do Rio Grande do Sul. A rebelião armada se confirmou após o assassinato de João Pessoa,
candidato a vice-presidente da chapa de Getúlio Vargas, derrotada nas eleições.
No artigo “Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense”,
Hélgio Trindade explicou que era chegada a hora do Rio Grande do Sul lançar-se como
uma peça-chave no cenário nacional. Isso aconteceu com a Revolução de 1930, que atingiu
seu auge com a deposição do presidente Washington Luís, subindo ao poder o rio-
grandense Getúlio Dornelles Vargas. Iniciava-se, assim, a Era de Vargas.
233
Em Vargas: o capitalismo em construção, Pedro Dutra Fonseca assinala que, “no caso
do Rio Grande do Sul, o PRR conseguiu congregar dentro de si industriais, financistas,
comerciantes, exportadores e parte da burguesia rural. Procurando administrar seus
interesses, aparentava estar acima deles – quando, na verdade, estava atrelado ao ponto
mais geral que os unia: a reprodução do capital”.
234
Era a radicalização de processo
iniciado nos anos 20, através da reorientação econômica nacional para o setor urbano e
industrial.
232
Ibidem., p.11-12.
233
Cf.TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense. In: RS:
economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. p.119-144.
234
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas: o capitalismo em construção. São Paulo: Brasiliense, 1989.p.75.
76
Em O Brasil de Getúlio Vargas e a formação dos blocos 1930-1942, Ricardo
Seintenfus ressalta que “havia um crescimento urbano bastante sensível, a mão-de-obra
aparecia concentrada nos centros urbanos, o que favoreceu o aparecimento da
industrialização, o café era à base da economia brasileira. O setor cafeicultor, hegemônico,
desde a primeira metade do século XIX, era o responsável pelo desenvolvimento nacional,
sendo a base de sustentação da economia exportadora do Brasil. Esta economia propiciou o
desenvolvimento da importância dos núcleos urbano-industriais e, desta maneira, de um
incipiente mercado interno. Para Vargas, as razões da crise econômica pela qual passava o
Brasil era a política do governo anterior e a crise internacional de superprodução. Era
necessária uma intervenção estatal a fim de serem realizadas políticas de valorização do
café para protegê-lo da queda de preço no mercado internacional e da superprodução que
se apresentou mais fortemente nos primeiros anos do século 20”.
235
Em Vargas: o capitalismo em construção, Pedro Dutra Fonseca propõe que “a
solução pelo conjunto de políticas implementadas, foi dada pela conjugação de medidas
tradicionais de apoio ao setor (principalmente desvalorização cambial), com medidas
fiscais (como o imposto sobre o cafeeiro plantado). Estas aliadas à queima do café,
evidenciam a mudança da forma com que passou a entender o Estado à problemática do
café e da monocultura”.
236
Na dissertação “Ser ou não ser italiano: descendentes de Imigrantes em Santa Maria
durante do Estado Novo”, de 2001, Angélica Rios defendeu a idéia de uma vinculação
maior do RS às decisões referentes ao poder central, no pós-30, devido à especialização do
Estado em exportação de gêneros alimentícios que abasteciam o mercado nacional,
acentuando, desta forma, a ligação econômica do sul e do sudeste do país.
237
Em Brasil: de Getúlio a Castelo, o historiador Thomas Skidmore lembra que “a
revolta começou como programado com Vargas exortando os rebeldes no Rio Grande do
Sul a marcharem sobre o Rio de Janeiro”.
238
O autor transcreveu as palavras de Getúlio:
“Rio Grande de pé, pelo Brasil! Não poderás falhar ao teu destino heróico! O povo está se
levantando para readquirir a liberdade, para restaurar a pureza do regime republicano, para
235
SEINTENFUS, Ricardo. O Brasil de Getúlio Vargas e a formação dos blocos 1930-1942. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1985.
236
FONSECA, Pedro Cezar Dutra.Vargas [...]. Ob. cit., p.155.
237
RIOS, Angélica. Ser ou não ser italiano[...]. Ob. cit., p.50.
238
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. São Paulo: Paz e Terra. 1982, 7ª ed. p.23.
77
a reconstrução nacional.”
239
Como descreveu Vargas, “a Aliança era um amálgama [...] de
homens com idéias e passados os mais diversos”.
240
A plataforma defendida pela Aliança Liberal consistia principalmente no voto
secreto, na criação da justiça eleitoral, no zelo pelo setor primário (açúcar, algodão, café,
erva-mate, trigo, entre outros).
241
Diante da derrota nas urnas – com fraudes de ambos os
lados – a Aliança Liberal dividiu-se em dois grupos. O primeiro, disposto a aceitar o
resultado da eleição e a vitória do paulista Júlio Prestes. O outro, com a intenção de
contestar o pleito através das armas, pressionava Vargas para a revolução. Assim, “Vargas
começou a usar o termo ‘oligarquias’ para caracterizar o governo anterior; criticou o
‘caciquismo político’, a ‘violência governamental’ e o desrespeito ao voto – o que não
deixava de causar espanto a um coevo, pois esta era a prática desenvolvida até então pelo
Partido Republicano Rio-Grandense, no qual ele havia desenvolvido toda a sua carreira
política, e que tornara possível sua própria candidatura”.
242
Angélica Rios ressalta que, “ao contrário do que se costuma pensar, as oligarquias
estaduais não saíram de cena com a Revolução de 30, mas se colocaram ao lado de novos
grupos que ascenderam ao poder”.
243
Complementou a mesma autora que, “no pós-30, a
Política dos Governadores sofreu declínio, porém mudanças e instabilidades não
significam perda de domínio de fato”.
244
Pedro Dutra Fonseca lembra que, após aqueles sucessos, difundiu-se a idéia de dois
Brasis: um antes e outro posterior a 1930. Assim, “a ‘revolução’ estava acima da
sociedade, dos homens, das classes e dos partidos, passava a falar por si própria e com sua
linguagem; sendo, não obstante, um ente abstrato, o governo constituía-se seu porta-
voz”.
245
O autor complementou: “[...] a partir de 1930, começou no Brasil novo tipo de
desenvolvimento capitalista. Em linhas gerais, este consistiu em superar o capitalismo
agrário e comercial assentado nas atividades exportadoras de produtos primários, rumando
para outro cuja dinâmica iria gradualmente depender da indústria e do mercado interno.”
246
Para Pedro Dutra Fonseca, “isso significa considerar, entre outras coisas, que o
lócus da atividade produtiva foi passando a ser, por excelência, a fábrica, intensificando o
239
Ibidem.
240
ANDRADE, Manoel Correia de. A revolução de 1930: da República Velha ao Estado Novo. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1988.
241
Cf. FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas [...]. Ob. cit.
242
Ibidem., p.133.
243
RIOS, Angélica. Ser ou não ser italiano [...] .Ob. cit., p.50.
244
Ibidem.
245
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas [...]. Ob. cit., p.161.
246
Ibidem., p.184.
78
processo de crescimento industrial [...]. As atividades exportadoras, por outro lado,
continuaram a desempenhar relevante papel no sistema econômico, mas foram papel de
gerador de divisas, estas essenciais para garantir as importações necessárias para o próprio
crescimento industrial”.
247
Angélica Rios propõe que, “com o fim do isolacionismo, o Rio Grande especializou-se
na exportação de gêneros alimentícios, beneficiados ou não, para o mercado nacional,
alimentando a baixo preço o consumo urbano do centro do país. O que acentuou de muito a
defasagem entre a economia do estado e a do eixo Rio-São Paulo”.
248
Na visão de Vargas,
quem sustentava o regime anterior a 1930 eram as oligarquias, que também seriam
responsáveis pelos problemas existentes no país, uma vez que “representavam a vida rural
decadente, a aversão à indústria e à modernização, o regionalismo ultrapassado e o
liberalismo elitista”.
249
No pós-30, o federalismo, regionalismo, ruralismo, elitismo e exclusivismo deram
lugar ao que era de interesse nacional. Nas palavras de Pedro Dutra Fonseca, “o que
permanecera do regime anterior era apagado da memória; os discursos foram elaborados
exaltando tão-somente as transformações. Destas, o discurso distinguia, de um lado, as que
já existiam, mas que as elites se negavam a perceber, em benefício próprio; do outro, as
que se faziam necessárias para que se chegasse a um novo estágio”.
250
Era necessária uma modernização com a criação de “novas leis, novos códigos, novos
órgãos de decisão e de execução de políticas econômicas; intervenção estatal direta no
mercado cambial, criação de institutos para planejar e levar a cabo as políticas de interesse
de vários produtos agrícolas; mudar o sistema eleitoral, fazer a representação classista,
estender o voto às mulheres e torná-lo secreto; reconhecer a existência de classes sociais e
impedir o prosseguimento nacional orientado pelo Estado; constituir, enfim, um mercado
nacional integrado, abolindo os impostos interestaduais e dando ao governo federal os
meios necessários para a execução da política fiscal. Modernização, enfim, significa[va]
capitalismo.”
251
Segundo Pedro Dutra Fonseca, “o compromisso com o futuro não significa[va]
esquecer, antes reviver, o estudo da história pátria. Concebendo-se o presente como
momento de construção da civilização, resultado do passado, o estudo da história
247
Idem., p.184.
248
RIOS, Angélica. Ser ou não ser italiano. [...] Ob. cit., p.50.
249
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas [...]. Ob. cit., p.192.
250
Ibidem., p.198.
251
Ibidem., p.201.
79
afigurava-se imprescindível para entender a realidade e nela atuar, construindo seu futuro.
A ‘Revolução de 1930’, neste sentido, é entendida como marco divisor da história da
nacionalidade: ela redescobrira o sentimento de luta e de patriotismo da nação, rumando-a
a seu destino. [...] O apelo ao passado traz[ia] consigo, desta forma, o enaltecimento do
próprio chefe da Nação: herói do presente, ele sintetiza[va], concomitantemente, a tradição
e a modernidade, representando o elo entre a história da nação e seu destino.”
252
Em Estado Novo, auto-retrato, o cientista político Simon Schwartzman citou o
discurso proferido por Getúlio Vargas, em 4 de maio de 1931, quando o presidente
enfatizou que “a ordem jurídica precisa, pois, refletir a ordem econômica, fortalecendo-a e
garantindo-a.”
253
Para Simon Schwartzman, “o Estado teria de ajustar os múltiplos
problemas suscitados pela complexidade dos tempos presentes, não podendo permanecer à
margem dos fenômenos econômicos e sociais, como simples mantenedor da ordem pública
[...]. Sua ação devia se estender a todos os planos da vida nacional, como elemento
coordenador de todas as classes e para proceder a sistematização de todas as atividades
produtivas”.
254
Deus, pátria e família
O integralismo iniciou em 1932, quando Plínio Salgado fundou a Ação Integralista
Brasileira, extinguindo-se em 1937, quando o Estado Novo proibiu a participação de todos
os partidos e movimentos no Brasil. Mais tarde, após a Segunda Guerra, Plínio Salgado e
alguns dos seus ex-seguidores fundaram o Partido de Representação Popular – PRP –,
partido católico conservador. A Ação Integralista Brasileira, AIB, foi o “primeiro partido
com uma organização de massa implantada em todo o país, cuja força política foi estimada,
em 1936, entre seiscentos mil e um milhão de adeptos”.
255
Em O perigo alemão, René Gertz ressalta que são comuns ao integralismo o
anticomunismo, antiliberalismo e anti-semitismo, podendo ser dividido em três categorias:
elite, camponeses e setores intermediários. O último foram os maiores militantes do
integralismo, uma vez que eram indiferentes à cultura germânica e queriam ascensão
252
Idem., p.289 et seq.
253
SCHWARTZMAN, Simon. Estado Novo, um auto-retrato. Brasília: CPDOC/FGV, Editora da
Universidade de Brasília, 1983. (Coleção Temas Brasileiros, 24).p 30.
254
Ibidem.
255
ABREU, Alzira Alves de, et al. Dicionário histórico-biográfico [...]. Ob. cit., 2807.
80
social.
256
Para René Gertz, o “integralista típico da região colonial é jovem, não ligado à
atividade agrícola, relativamente indiferente aos valores da germanidade e da religião”.
257
Identificando-se em forma geral ao fascismo, o integralismo alcançou importante
apoio, sobretudo entre as classes médias – pequenos proprietários, funcionários, militares,
etc. – do Brasil, com destaque para aqueles setores da comunidade de descendentes de
italianos e alemães. No artigo “O crime de ser italiano: a perseguição do Estado Novo”,
Berenice Corsetti fez referência ao integralismo na região de Caxias do Sul, sugerindo que
a diferença entre fascismo e integralismo, quanto a sua aceitação, foi que, “em termos
regionais, o fascismo significou o movimento da burguesia [ítalo-sulina], enquanto o
integralismo [...] dividia, em termos de influência, as camadas médias urbanas”.
258
Era a
“radicalização do nacionalismo de direita. Trazia no seu ideário uma inspiração fascista
direcionada para a formação de um Estado forte, contra estrangeirismos, pela guarda de
valores nacionais e por uma convicção anticomunista”.
259
A partir de 1934, segundo Renè Gertz, em O Fascismo no sul do Brasil,
“começaram a organizar-se núcleos integralistas em Santa Catarina e Rio Grande do Sul;
desde logo, alguns observadores constataram que a aceitação era maior nos municípios de
colonização estrangeira que nos demais”.
260
Gertz ressalta que se pode explicar a adesão
dos alemães a AIB sob dois prismas: primeiro, uma íntima colaboração entre integralismo
e nazismo; segundo, os imigrantes e descendentes não encontravam diferença entre ambos,
optando por um ou outro. Esta explicação esquece a questão social – por exemplo, os que
aderiam ao integralismo, em geral, eram pequenos proprietários alemães e italianos,
marginalizados da vida política oficial.
261
Segundo Alzira Alves de Abreu, no Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-
1930, a adesão ao partido integralista pode ser explicada “em partes, pelas novas condições
de mudança política provocadas pela queda da República Velha com a Revolução de 1930
e, sobretudo, pela nova conjuntura internacional, dramatizada ideologicamente com a
ascensão do fascismo europeu”.
262
No artigo “O integralismo na Ex-Colônia Italiana de
256
GERTZ, René. O perigo alemão. Porto Alegre: UFRGS, 1991.
257
Ibidem, p.59.
258
CORSETTI, Berenice. O crime de ser italiano: a perseguição do Estado Novo: In: DE BONI, Luis (org).
A presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST; Torino: Fondazione Giovanni Angelli, 1987.v.1.
p.367.
259
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30. In: História geral da civilização
brasileira. Tomo III- O Brasil Republicano. São Paulo: Difel, 1983. p.298-335.
260
GERTZ, Renè. O Fascismo no sul do Brasil.[...]. Ob. cit., p.113.
261
Ibidem.
262
ABREU, Alzira Alves de, et al. Dicionário histórico-biográfico . [...]. Ob. cit., p.2813.
81
Silveira Martins”, Joel Marin lembrou que os “colonos acreditavam que o movimento
integralista representaria uma alternativa política a fim de defender seus interesses”.
263
Em Dall´Italia siamo partiti, o historiador Paulo Possamai propôs que “o
nacionalismo extremado, que foi o principal fator de mobilização das massas durante
regimes autoritários da época, também se fez presente no Brasil, e a expansão do
integralismo é uma prova disso. Enquanto a elite industrial e comercial da região colonial
italiana vinculava-se ao fascismo, que lhe trazia vantagens comerciais, as classes médias
urbanas, sobretudo os mais jovens, sentiram-se atraídas pelo movimento integralista”.
264
Para Joel Marin, o integralismo teve sua fundamentação doutrinária inspirada no
fascismo, pois “defendia um poder forte e centralizado no Estado. O nacionalismo era uma
das idéias centrais do Integralismo [...] manter a unidade nacional, a disciplina e a
hierarquia [...] assumia uma postura de superioridade e paternalismo [...] tinha a pretensão
de levar uma mentalidade forte e disciplinadora”.
265
Em 3 de dezembro de 1937, o presidente Getúlio Vargas decretou a ilegalidade dos
partidos e movimentos políticos, portanto, também da Ação Integralista Brasileira. Porém,
mesmo na ilegalidade, os partidos continuavam co-existindo e fazendo sua política em
reuniões secretas. O maior ativista integralista de Santa Maria foi Walter Cechella, figura
importante também para a posterior fundação do PRP na cidade. Em 1942, ele foi preso,
teve sua casa invadida e alguns objetos pessoais queimados. Depoimentos chegam a
mencionar que Cechella foi arrastado pela avenida Rio Branco, para servir de exemplo aos
maus brasileiros.
266
Silveirinha, tenente coronel reformado da Brigada Militar na época policial militar,
portanto um dos responsáveis pela segurança da cidade, explicou: “Um italiano, Walter
Cechella, muito conhecido em Santa Maria, foi dono desse morro Cechella, ele teve a
cooperativa, era desse tempo, era economista, morava na avenida Rio Branco e entraram
no palacete dele, e eu entrei junto, e eles iam atirar ele pela janela, aí, peguei eu e um outro
colega, que estava comigo, agarramos e dissemos: – ‘Deixa para mim’, pegamos
trouxemos e colocamos na cadeia, para salvar, para ele não ser morto lá.”
267
Benito Ceretta, descendente de imigrantes italianos, morador de Santa Maria,
enfatizou sobre alguns episódios : “O que eu posso dizer é que o meu pai sofreu muito por
263
MARIN, Joel Orlando. O integralismo na Ex-Colônia Italiana de Silveira Martins. In: MARIN, Jérri
Roberto. Quarta Colônia Novos Olhares. Porto Alegre: EST. 1999. p.113.
264
POSSAMAI, Paulo. Dall´Italia siamo partiti [...]. Ob. cit., p.241.
265
MARIN, Joel Orlando. O integralismo na Ex-Colônia [...]. Ob. cit., p.111.
266
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com José Luiz Silveira, Santa Maria, em 06 de outubro de 1999.
267
Ibidem.
82
causa da política no tempo de Getúlio. [...] queriam pôr ele na cadeia, porque era acusado
de fazer campanha antigetulista, porque ele era imperialista [sic] da AIB, do Plínio Salgado
e eu levo o nome de Benito, porque eu nasci em 1936, quando Mussolini estava no auge.
Então eles tinham simpatia pelo integralismo, o fascismo e o imperialismo [sic].”
268
Através de entrevistas, constatou-se que houve núcleos integralistas em Dona
Francisca, Faxinal do Soturno e Nova Palma, inclusive este último chegando a sediar um
Congresso do Movimento Integralista.
269
Em 1942, na cidade de Dona Francisca, um motorista de ônibus foi preso. Segundo
Catarina Saccol Pigatto, irmã do mesmo, a prisão aconteceu porque estaria usando a farda
verde dos integralistas. Registre-se que o uso da farda integralista, em 1942, é pouquíssimo
provável. Dorvalino Rubin, hoje padre palottino, comentou que, quando voltava do
Seminário Palottino, em Vale Vêneto, e dirigia-se para sua residência, no interior de Nova
Palma, ao parar para o almoço, viu alguns integralistas com suas fardas no centro da vila, o
que lhe chamou a atenção, não lembrando o ano de tal episódio.
270
Ao que tudo indica, o jornal difusor das idéias fascistas e integralistas era o Stafetta
Riograndense, da ordem dos Capuchinhos, hoje Correio Riograndense. Um depoente
lembra, sobre o jornal: “A gente recebia aquele jornal lá, oito, dez dias depois. Eles
mandavam, a gente recebia na outra semana. [...] Então pegavam aquele jornal, os
velhinhos pegavam e liam com muita atenção, gostavam de alguma notícia, sabia alguma
notícia porque não tinham [...] nada. Viviam isolados.”
271
Paulo Possamai assinala: “O jornal dos capuchinhos começou a fazer uma defesa
cada vez mais clara do fascismo na década de 1930. Na comemoração dos dez anos de
implantação do regime fascista, em 2 de novembro de 1932, o Staffetta Riograndense
descreveu Mussolini como um herói que luta[va] na defesa de uma nova era da paz,
traz[endo] uma espada em sua mão para combater os inimigos (maçonaria e socialismo) e
desarmá-los”.
272
Ressalte-se a aproximação de Mussolini na sua luta contra o comunismo
e a maçonaria, ao Arcanjo Gabriel, com sua espada, na luta contra Lúcifer. Possamai
complementa: “[...] em 1933, o jornal dos capuchinhos apresentava o fascismo como um
268
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com Benito Ceretta, Santa Maria, 1998.
269
Ver também: MARIN, Joel Orlando. O integralismo na Ex-Colônia [...]. Ob. cit., p.113.
270
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com de Dorvalino Rubin, São João do Polêsine, junho de 2000.
271
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com Depoente A, Santa Maria, 4 de janeiro de 2000.
272
POSSAMAI, Paulo. Dall´Italia siamo partiti [...]. Ob. cit., p.236.
83
paradigma para o Estado brasileiro e, no ano seguinte, apresentava o integralismo como
um fascismo de caráter nacional”.
273
Um depoente, que preferiu não ser identificado, relatou que “o jornal italiano que
mais circulava uma vez era o Stafetta Riograndense e outro era o jornal A Nação, que o
finado pai comprava [...] eu sei que eram dois jornais que o finado pai sempre tinha e ele
[também] recebia [jornais] da Itália [...].”
274
Circulavam ainda na região os jornais “Il
Giornalle dell´Agricoltore” de Caxias do Sul e o Bandeirante, integralista; além do Jornal
A Razão, fonte essencial deste trabalho.
O depoente afirmou que seu pai e três irmãos teriam sido presos em Santa Maria,
em 1942, porque estavam falando italiano, ao venderem verduras no centro. Segundo ele:
“[...] o trabalho dele [seu pai] na cidade [Santa Maria] era vender verduras de carrocinha,
pelas casas. Dentro daquilo ali tinham os vizinhos – não de origem italiana –, que
começavam até a fustigar, incomodar, perseguir, inclusive a fazer desaforos. Largavam os
animais, inclusive, nas nossas lavouras.”
275
A família do entrevistado vivia da agricultura
na década de 40, plantando sobretudo milho, trigo e verduras. Afirmou que a prisão de seus
familiares – pai e irmãos – ocorreu quando, por distração, ao realizarem as vendas diárias
na cidade, falaram em italiano, ou seja, em dialeto: “[...] veio um cidadão lá intimá-los
para que eles fossem se apresentar, eu sei que eles ficaram três dias na cadeia. O fato foi
muito humilhante para eles, especialmente o finado pai e depois, quando ele saiu, ele
sofreu muito, aquilo não passava, de tal forma que ele esteve até doente.”
276
O depoente
registra sua experiência após o fato: “[...] quando a gente vinha na cidade por qualquer
coisa, ou comprava uma roupa, a finada mãe, o finado pai dizia: ‘ci tazi sempre, ci parla
mai’ , quer dizer, não era para falar, só quando ela perguntar, porque eu fui criado [falando
dialeto vêneto], eu vim aprender a falar em português no colégio.”
277
Outros depoentes questionam a explicação da prisão do patriarca da família por ter
pronunciado palavras distraidamente em italiano [dialeto]. Para eles, a família era
conhecida como integralista e teria sido muito visada pelas autoridades, em função de suas
atividades políticas ilegais, já que a AIB estava na ilegalidade. Um depoente amigo da
família envolvida pelos fatos, que também pediu para não ser identificado, descreveu: “[...]
ele te disse que foram presos porque estavam falando italiano? Que bobagem! Todo mundo
273
Ibidem.
274
Entrevista com Depoente A. Já citada.
275
Ibidem.
276
Idem.
277
Idem.
84
sabia que a família era ‘quinta-coluna’, integralista, que assinava jornais italianos e tudo.”
278
Porém, pode não haver contradição entre os depoimentos. Não é improvável que o
patriarca em questão tenha sido preso quando falava em dialeto, devido a uma militância
conhecida das autoridades policiais e da comunidade antiintegralista, antifascista e
nacionalista.
Em 13 de março de 1942, o jornal A Razão divulgou: “Denunciada à polícia uma
simpatizante do credo verde”. Na reportagem, consta a descrição da prisão da parteira Rosa
Kapp, viúva de um alemão. Segundo o jornal, “o caso de dona Rosa Kapp, [...] que toda
Santa Maria conhece desde os tempos em que vestia a camisa-verde do nazismo [sic].
Imbuída pelas idéias totalitárias, Rosa Kapp infelizmente não apreendeu o momento
histórico em que vivemos, sendo uma exaltada e apaixonada admiradora de Hitler e seus
sequazes [...]. No tempo que o integralismo tinha liberdade de ação, Rosa Kapp era uma de
suas ardorosas partidárias. E não deixava de usar a camisa-verde e os distintivos do
‘sigma’, [...] e não perdia oportunidade de fazer propaganda da doutrina verde.”
279
E a
reportagem acusava, certamente fantasiando: “[...] mesmo quando de suas atividades
profissionais, dona Kapp levava uma ‘camisinha’-verde para o recém-nascido, a fim de que
quando crescesse, se tornasse um integralista”.
280
Documentos arquivados em Porto Alegre registram que, na cidade de Santa Maria,
os integrantes do PRP – em grande parte ex-integralistas – uniram-se em torno da figura de
Walter Cechella, secretário interino do partido. Existia na cidade até um programa na
Rádio Imembuí denominado A voz do PRP.
Em O integralismo no Pós-Guerra a formação do PRP (1945-1950,) o historiador
Gilberto Calil lembra que: “[...] a rearticulação integralista sob a forma de partido político
resultou de uma reelaboração doutrinária, pela qual Plínio Salgado e algumas outras
lideranças buscaram adaptar o integralismo ao novo momento político, apresentando o
movimento como ‘democrático’ e solidário com a luta internacional contra o nazi-
fascismo”.
281
278
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com Depoente B, Santa Maria, 02 de julho de 2004.
279
Denunciada à polícia uma simpatizante do credo verde. A Razão, Santa Maria, 13 de março de 1942, p.3.
280
Ibidem.
281
CALIL, Gilberto Grassi. O integralismo no Pós-Guerra a formação do PRP (1945-1950). Porto Alegre:
Edipucrs, 2001. p.15.
85
Figura nº 6
Casamento integralista realizado na cidade de Nova Palma
Fonte: Centro de Pesquisas Genealógicas de Nova Palma.
A escassez de fontes e de estudos deixam muitas lacunas no que se refere ao
conhecimento da formação, desenvolvimento e crise da AIB, em Santa Maria. Obtivemos
poucos depoimentos sobre a questão e quase todos são taxativos sobre Walter Cechella
como o grande difusor das idéias integralistas no município. Ao que parece, a região em
torno de Santa Maria, conhecida como Quarta Colônia de Imigração Italiana do RS, teve
grande participação de integrantes camisas-verdes.
Depoimentos orais registraram a realização de um congresso integralista na cidade
de Nova Palma e, quando do Estado Novo, algumas prisões. Nessa cidade, no Centro de
Pesquisas Genealógicas, foi encontrada a fotografia de um casamento integralista [Figura
6]. No Centro de Documentação sobre a Ação Integralista Brasileira e o Partido de
Representação Popular, em Porto Alegre, quase nenhuma documentação foi encontrada
sobre os integrantes da AIB na região central do RS, em geral, e em Santa Maria, em
particular.
Aliança Nacional Libertadora
A Aliança Nacional Libertadora – ANL – foi fundada oficialmente em 12 de março
de 1935 e extinta em 11 de julho do mesmo ano, passando, então, a atuar na
clandestinidade. A ANL era uma frente antiimperialista e antioligárquica promovida pelo
86
PCB, que tinha Luís Carlos Prestes como presidente de honra. A ANL congregou
“representantes de diferentes correntes políticas – socialistas, comunistas, católicos e
democratas – e de diferentes setores sociais – proletários, intelectuais, profissionais liberais
e militares”.
282
Sua proposta frente-populista pautava-se no combate ao “fascismo,
imperialismo, latifúndio e a miséria”.
283
Conforme Alzira Alves de Abreu, em Dicionário Histórico-biográfico brasileiro
pós 1930, entre outras, as reivindicações da ANL eram “a suspensão definitiva do
pagamento das dívidas imperialistas do Brasil, a nacionalização imediata de todas as
empresas imperialistas, a proteção aos pequenos e médios proprietários e lavradores, com a
entrega das terras dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores rurais que as
cultivassem, o gozo das mais amplas liberdades públicas e a constituição de um governo
popular”.
284
Destaque-se, portanto, que a ANL não tinha programa anticapitalista.
Em Ascensão e queda de Getúlio Vargas, Affonso Henriques, na época, partidário
do PCB e tesoureiro da ANL no Rio de Janeiro, explicou que a ANL desenvolveu-se de
forma ágil graças “ao seu programa de proteção aos trabalhadores, de divisão de terras e
dos latifúndios [...] e também aos nomes que dirigiam inclusive Luis Carlos Prestes, que
era seu presidente de Honra”.
285
Para o autor, a Aliança Nacional Libertadora era “uma
armadilha, uma ratoeira perfeitamente engendrada, da qual o Sr. Getúlio Vargas se serviria
não só para liquidar com o regime democrático reinante, como também meter na cadeia
todos os reconhecidos adversários, contra os quais Vargas não tinha conseguido arranjar
meio de fazê-lo”.
286
Para Affonso Henriques, “em julho de 1935, a Aliança Nacional Libertadora já
tinha crescido o suficiente para que constituísse uma ameaça ao País. A maioria de seus
membros já estava perfeitamente doutrinada e convencida de que o governo de Vargas
estava tão fraco, tão podre, que bastaria um pequeno pontapé para que rolasse por terra”.
287
A repressão geral aos antigos associados da ANL e do PCB deu-se após o levante
aliancista, comandado pelos comunistas, em 23 de novembro de 1935, em Natal, e,
posteriormente, em Recife e no Rio de Janeiro. Para Alzira Alves de Abreu, “o fracasso
desses levantes desencadeou intensa reação da parte do governo. Foram feitas milhares de
282
ABREU, Alzira Alves de. et al. Dicionário Histórico-biográfico . [...]. Ob. cit., p. 107.
283
Ibidem.
284
Idem., p. 108.
285
HENRIQUES , Affonso. Ascensão e queda de Getúlio Vargas. Vargas o maquiavélico. Rio de Janeiro:
Record, 1977. v.1. p.345.
286
Ibidem., p.332.
287
Idem., p.356.
87
prisões, atingindo não só comunistas, mas simpatizantes, membros e dirigentes da ANL,
trotskistas, socialistas e anarquistas.
288
A revolta acabou sendo a justificativa ideal para
uma concentração ditatorial de poder nas mãos do governo central, que preparou o golpe
que instituiu o Estado Novo em 1937.
(Novo) Estado Novo
Quando da preparação para a campanha presidencial de 1937, Vargas denunciou à
nação o chamado Plano Cohen, por meio do qual, segundo documento forjado, os
comunistas pretendiam tomar o poder. Getúlio não só conseguiu manter-se no poder como
eliminou a oposição e, conseqüentemente, ficou sozinho na concorrência presidencial.
Com o golpe e, a seguir, a Constituição de 10 de novembro de 1937, Constituição Polaca,
criou-se o Estado Novo (1937-1945).
O discurso sobre o Estado Novo não era algo novo: ele esboçava-se desde a década de
20, quando intelectuais como Francisco Campos, Oliveira Vianna e Azevedo Amaral
defendiam regime forte, autoritário, para a superação do atraso em que o país encontrava-
se. Esses intelectuais “propuseram um regime autoritário baseado em um Estado nacional
forte e intervencionista, na organização das classes e da economia em moldes
corporativistas e na substituição do Parlamento pela representação técnica com vistas à
consolidação da nacionalidade e da sua ordem legal, como sendo o tipo de regime
adequado à estrutura social brasileira, em detrimento do liberalismo e da experiência
fascista”.
289
Em O perigo alemão e a repressão policial no Estado Novo, Priscila Perazzo
propõe que, “para conseguir formalizar a idéia de nação, intelectuais preocupados em
‘teorizar’ os problemas brasileiros, tiveram de repensar questões como a heterogeneidade
étnica, as heranças escravistas, o peso das oligarquias, a importância da modernização do
Estado, o fascínio por soluções estrangeiras, além de se verem diante de um elemento
social ‘positivo’, mas às vezes ‘inoportuno’ por suas idéias e comportamento: os
imigrantes, apontados como sinônimo de ‘estrangeiro’”.
290
288
ABREU, Alzira Alves de. et al. Dicionário Histórico-biográfico [...]. Ob. cit., p. 109.
289
DOS SANTOS, Ana Carolina Nery. A estética estadonovista: um estudo acerca das principais
comemorações oficiais sob o prisma do Cine-Jornal Brasileiro. Dissertação de mestrado. São Paulo: UEC,
2004. p.17.
290
PERAZZO, Priscila. O perigo alemão [...] Ob.cit., p.40.
88
Para Priscila, “a presença do estrangeiro e, principalmente, daquele que havia
promovido uma interação com a sociedade brasileira, mantendo-se fechado em suas
colônias, preservando seus hábitos, costumes e língua e idéias políticas, passou a ser
extremamente perigosa pois, colocava em risco a construção da brasilidade. [...] o
imigrante, identificado como elemento estrangeiro que não pretendia ‘abrasileirar-se’,
acabava por significar uma peça de entrave nas engrenagens do projeto nacionalista do
Estado. A comunidade alemã no Brasil, tanto urbana como rural, representava justamente
tal entrave”.
291
Em Vargas: o capitalismo em construção, Pedro Dutra Fonseca lembra que, “em
acordo com os militares, Vargas solicitou à Câmara aprovação do estado de guerra, no
que foi prontamente atendido por ampla maioria em 1° de outubro”.
292
Fausto
Irschlinger, em Perigo Verde: o integralismo no norte do Rio Grande do Sul (1932-
1938), propõe que aquele era um “período de estratégias na eliminação de certas
tensões e autonomias regionais: de transformação (e, muitas vezes, sem sucesso) dos
imigrantes brasileiros e dos brasileiros em verdadeiramente verde-amarelos; de
combate efetivo ao projetado ‘diabo vermelho’ do comunismo e de golpes tentando
decapitar a ‘serpente verde’ do integralismo”.
293
Pedro Fonseca enfatizou que “a propaganda governamental e a própria retórica de
Vargas após o golpe insistiam em propagar o começo de nova era, sem precedentes, como
bem demonstra o uso do adjetivo novo para qualificar o regime [...]. Vargas difundia o
ingresso do Brasil em nova etapa histórica, de construção, a qual exigia novo homem, nova
mentalidade e novas leis; não obstante, todo compromisso do presente com o futuro não
dispensava, antes se alicerçava, nas lições do passado. Assim, propunha resgatar os valores
morais e cívicos na nacionalidade, cultuar os heróis da história e redescobrir o sentido da
brasilidade”.
294
Era necessário construir uma nação desenvolvida industrialmente que deixaria para
trás “o agrarismo, a monocultura, o antiindustrialismo [...], o imobilismo”.
295
Propunha-se
que, com o crescimento econômico e a construção de uma nova nação, desapareceriam “a
miséria, as desigualdades regionais, a insipiência do mercado interno, a excludência e
291
Ibidem., p.43.
292
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas [...]. Ob. cit., p.251.
293
IRSCHLINGER, Fausto. Perigo Verde: o integralismo no norte do Rio Grande do Sul (1932-1938). Passo
Fundo: UPF, 2001. p.44.
294
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas [...]. Ob. cit., p.252.
295
Ibidem., p.267.
89
demais questões da nacionalidade encontrariam finalmente sua solução”.
296
Para tal projeto
obter êxito, todos deveriam concentrar esforços e trabalho.
Na dissertação de mestrado “A estética estadonovista: um estudo acerca das principais
comemorações oficiais sob o prisma do Cine-Jornal Brasileiro”, Ana Carolina Nery dos
Santos propõe que o regime varguista desenvolveu “um programa de normatização da
sociedade. Assim, foram estabelecidos o saneamento das cidades e dos indivíduos, a
nacionalização da educação e a valorização da juventude e da criança. A construção dessa
normatização pressupunha a necessidade de higienizar a sociedade e livrá-la dos elementos
nocivos, com o intuito de forjar a criação de uma identidade nacional. Impor a nova
identidade no Estado Novo significava fazer uso do mito de ser brasileiro, em função da
existência de inimigos da nação brasileira. A formação deste ‘homem novo’, idealizada
pelo Estado Novo, correspondia à figura do trabalhador disciplinado, ágil, eficiente,
ordeiro e dócil (de acordo com o molde do homem projetado pela década de 30).
Subjugado, disciplinado, reprimido e controlado”.
297
A forte política nacionalista serviu para que Getúlio Vargas exercesse uma dominação
política, carismática e legitimasse o Estado, fazendo uso dos meios de comunicação, para
aglutinar as massas trabalhadoras. O regime cooptou um grande número de pessoas pela
força da sua imagem, pela simbologia que o cercava. O episódio da queima das bandeiras
dos estados materializava simbologia muito forte. A partir de então, prevaleceria o
nacional, acima do estadual; ou seja, o nacionalismo, acima de qualquer regionalismo.
298
O livro Getúlio Vargas para crianças, de Alfredo Barroso, de 1942, um dentre tantos
materiais de propaganda do regime, constituiu verdadeiro “roteiro para a Juventude
Brasileira”. Na primeira página da obra, o presidente Vargas assinou apresentação na qual
propunha: “[...] apreendendo, no lar e nas escolas, o culto da Pátria, trareis para a vida
prática todas as probabilidades de êxito. o amor constrói e, amando o Brasil,
forçosamente o conduzireis aos mais altos destinos entre as Nações, realizando os desejos
de engrandecimento aninhados em cada coração brasileiro”.
299
Em sua obra apologética, Alfredo Barroso explicou, o golpe militar que implantara o
Estado Novo: “[...] nada há de mais nocivo a uma Nação que os agitadores políticos. A
política continuava a prejudicar as atividades do Presidente. E ele, pouco a pouco,
296
Idem., p.257.
297
DOS SANTOS, Ana Carolina Nery. A estética estadonovista [...]. Ob. cit.
298
Cf. SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra [...]. Ob. cit., p.71.
299
BARROSO, Alfredo. Getúlio Vargas para crianças. Rio de Janeiro: Grande Consórcio de Suplementos
Nacionais, 1942. p.85 et seq.
90
convenceu-se da necessidade de eliminar do colosso brasileiro esse elemento de destruição
e desordem, para que todos os brasileiros pudessem trabalhar em paz e sem expectativas de
angústia. Horrorizado pela demagogia crescente do Poder Legislativo e verificando os
maus rumos da campanha de sucessão presidencial, em 1937, a 10 de novembro, Getúlio
Vargas outorgou ao povo brasileiro uma nova Constituição, criando, nesse dia
predestinado, o Estado Novo. O Brasil ingressa em uma nova fase, perfeitamente adequada
aos interesses nacionais, ficando dotado de uma carta política que consulta inteiramente as
nossas necessidades sociais e morais [...] O Estado Novo nascia assim, em atmosfera de
satisfação geral [sic]”.
300
Alfredo Barroso esforçava-se para contribuir à mitificação do líder máximo. “[...]
sendo simples até mais não poder, Getúlio Vargas é a bondade [sic] em pessoa. Jamais
soube o que fosse um gesto mau [sic]. Os que o conhecem sabem que nunca em seu
coração brotou um sentimento hostil contra quem quer que fosse. Ouve a todos, atende a
todos, na medida do possível, consultando ao mesmo tempo os interesses dos humildes e
os interesses do país”.
301
A imagem do presidente – e do regime – era muito pensada e divulgada pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP. Era preciso mostrar que o presidente
atendia a todos, estava em todos os lugares. Ele devia ser visto como o grande líder, o pai
dos pobres, que procurava evitar que seu povo sofresse. Getúlio Vargas enviava
representantes a todos os eventos que não comparecia. Espalhavam-se bustos e fotos do
presidente, por todas as regiões do Brasil. Milhares de bibelôs eram distribuídos à
população, para forjar e divulgar a imagem do chefe maior do Brasil.
A imagem de Vargas estampava azulejos, bandeiras, bonecos de resina ou de
gesso, caixas de cigarros e de fósforos, caricaturas, cartazes, estátuas, estandartes,
flâmulas, fotos emolduradas e “autografadas”, lápis, dinheiro, moedas, xícaras, entre tantos
outros objetos. A indústria cultural-cinematográfica, jornais, teatro, música, rádio,
literatura, entre outros, foram utilizados pelo regime para difusão de suas idéias. Quem não
o fizesse certamente seria perseguido e sofreria represálias e punições.
Uma infinidade de intelectuais participou da propaganda varguista: Mário de
Andrade, Gustavo Capanema, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Villa-
300
Ibidem., p. 5.
301
Idem., p.110.
91
Lobos, entre outros. O último foi responsável por várias composições de exaltação ao
regime, como a Saudação a Getúlio Vargas (1938).
302
Em O mundo da violência a Polícia da era Vargas, a historiadora Elizabeth
Cancelli assinalou: “[...] lá estava à imagem da esperança, da união e da autoridade. Esta
imagem materializava-se na sua presença nas grandes manifestações de massa ou em uma
foto pendurada nas paredes da barbearia, da escola, da farmácia e, é claro, de todas as
repartições públicas”.
303
Segundo a autora, esse fazer-se presente era tão significativo que,
mesmo hoje, passados mais de 50 anos de sua morte, ainda é possível encontrar quadros do
ex-presidente pendurados na entrada das casas de descendentes italianos ao lado da
imagem de Jesus crucificado. Talvez, uma explicação plausível seria a de que o pai dos
pobres morreu como Jesus; humilhado e crucificado; morreu por nós, brasileiros; morreu
para nos salvar; morreu para que “esse povo de quem fui [foi] escravo, não será [seja] mais
escravo de ninguém”.
304
Elizabeth Cancelli abordou a construção do sentimento de pertencimento a uma
nação: “[...] construir uma nação brasileira forte, saudável e capaz estava plenamente de
acordo com a tonalidade de um projeto político onde a glorificação do trabalho tornara-se o
único caminho viável de enobrecimento do homem”.
305
Todos deveriam fazer parte do
regime, sentir-se participantes. Assim, os trabalhadores de todo o Brasil escreveriam ao
presidente como uma forma de reconhecimento e gratidão. Esse processo foi
minuciosamente pensado pelo Estado Novo.
Na dissertação de mestrado “A política varguista e peronista e sua percepção em nível
local (Santa Maria/Brasil e Santa Fé/Argentina)”, a historiadora Lenir Agostini registra:
“[...] essa atitude do Presidente enchia de orgulho os estudantes [e a população em geral]
que se sentiam prestigiados com a correspondência do chefe máximo do Estado e, como
protagonistas, daquele momento político, elevavam a auto-estima, somada ao ser
getulista”.
306
302
Cf. PARANHOS, Adalberto. O roubo da fala. Origens da ideologia do trabalhismo no Brasil. São Paulo:
Bom Tempo, 1999. p.41.
303
CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência. A polícia da era Vargas. Brasília: Edunb, 1993. p.75.
304
Trecho da carta-testamento de Getúlio Vargas.
305
CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência [...] Ob. cit., p.24.
306
AGOSTINI, Lenir. A política varguista e peronista e sua percepção em nível local (Santa Maria/ Brasil e
Santa Fé/Argentina). PPG História, Mestrado de Integração Latino Americana/ UFSM, 2003. p.94.
92
CAPÍTULO 3: NACIONALIZAÇÃO E SEGUNDA
GUERRA: EPISÓDIOS.
Questão nacional
A questão nacional era primordial ao governo Vargas. Sua política voltou-se
inicialmente aos imigrantes e seus descendentes, que viviam nos chamados “quistos
étnicos”, do sul do Brasil, uma vez que representavam uma anomalia ao que o regime
varguista propunha, ou seja, um Estado onde prevalecesse o nacional acima do regional.
Porém, as ações nacionalizadoras não foram sentidas da mesma forma nas diferentes
regiões do RS, nem tão pouco foram uniformes no mundo urbano e rural.
Cláudia Sganzerla, em A lei do silêncio, explicou: “[...] o nacionalismo, elemento
básico da ideologia estado-novista, esteve presente desde o início da Revolução de 1930,
sob uma ótica econômica [...], a partir de 1937, com o Estado Novo, o nacionalismo
político e econômico tomou corpo numa política centralizadora que visava à eliminação
das particularidades regionais e ao progresso do industrialismo, apoiado em um mercado
nacional. Desse projeto nascia à necessidade de que a população nacional passasse a se
compreender como pertencente a uma nação, e não a diversas regiões”.
307
Em 31 de dezembro de 1940, Getúlio Vargas discursou: “[...] extinguimos as
organizações estrangeiras de caráter político; proibimos o uso dos seus distintivos e
insígnias e, também, a publicação de jornais em língua estrangeira; abolimos as bandeiras e
escudos estaduais e municipais, os hinos regionais e os partidos políticos, que também
eram regionais e mantinham e fomentavam os vícios e os males do regionalismo. Tudo
307
SGANZERLA, Cláudia Mara. A Lei do Silêncio [...]. Ob. cit., p.40.
93
isso se fez visando consolidar a unidade política e social do Brasil. [...] Somos, hoje, um
povo voltado para um único objetivo: a Pátria unida e forte. Possuímos uma única
bandeira, a nacional, um só escudo o da República, e um só hino, o brasileiro.”
308
Em O Perigo Alemão, René Gertz assinalou que, desde o início da imigração
alemã, em 1824, “os colonizadores se manteriam à margem da nação brasileira pela
ausência de miscigenação, pela conservação da língua, dos costumes e do legado cultural
em geral, do que resultaria uma verdadeira anticidadania brasileira, mesmo para os
descendentes que são brasileiros de fato e de direito”.
309
Para Aldair Lando e Eliane Barros, em “Capitalismo e colonização: os alemães no
Rio Grande do Sul”, “nos núcleos coloniais alemães, observa-se à existência de duas
correntes: aqueles que se colocavam sempre numa posição de hóspedes do Brasil,
considerando a Alemanha uma verdadeira pátria, e aqueles que, apesar de terem orgulho de
sua ascendência, sentiam, ao se fixarem aqui, a necessidade de interessar-se e de participar
ativamente da vida política nacional”.
310
No artigo “O Brasil verdadeiro contra o falso Brasil”, René Gertz afirma que, para a
lógica da ideologia do perigo alemão, os alemães “se prestariam muito bem para a tarefa de
ajudar o eventual agressor estrangeiro”.
311
Em O Estado Novo no Rio Grande do Sul, o
mesmo autor defende que o primeiro ponto alto na tentativa de combater o perigo alemão
“foi atingido nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, durante a qual houve
muitos atentados contra integrantes desse grupo e depredações de suas propriedades”.
312
Segundo ele, teria havido, ainda durante a Primeira Guerra Mundial, “intervenção na
imprensa e nas ‘escolas alemãs’. Nessa ocasião surgiram as primeiras ações
nacionalizadoras que modificaram os currículos escolares, como a exigência de ensino
bilíngüe e a introdução das disciplinas história e geografia do Brasil, além de língua
portuguesa”.
313
Para Simon Schwartzman, em “Tempos de Capanema”, “ao mesmo tempo, a
presença do nazismo serviu de argumento para a política repressiva dirigida ao grupo
308
PETRY, Andrea Helena. As características étnicas toleradas durante o Estado Novo. In: VII Encontro
Estadual de História - ANPUH/RS - História, Memória e Testemunho, Anais do Encontro Estadual de
História, 7, 2004, Pelotas (em cd-room).
309
GERTZ, René. O Perigo Alemão [...]. Ob. cit., p.13.
310
LANDO, Aldair ; BARROS, Elaine. Capitalismo e colonização [...]. Ob.cit., p.63.
311
GERTZ, Renè. O Brasil verdadeiro contra o falso Brasil. In: DALMOLIN, Cátia (Org). Mordaça Verde e
Amarela: imigrantes e descendentes no Estado Novo. Santa Maria: Pallotti, 2005. p.40.
312
GERTZ, René. O Estado Novo [...]. Ob. cit., p.155.
313
SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In: Pandolfi, Dulce
(Org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro, FGV, 1999. p. 192I et seq.
94
alemão, através da criação de um estigma que a legitimava aos olhos de quase todos.
Desagregar o grupo alemão era garantir a unidade nacional e combater as influências
nazistas no território brasileiro. Com esse novo ingrediente, o governo poderia eximir-se
das acusações de propulsor de uma política nacionalista xenófoba – de resto, atribuída ao
fascismo e ao nazismo –, legitimando-se como protetor de uma identidade nacional
contrária à doutrina nazi-fascista”.
314
Entre os alemães e descendentes havia a valorização da identidade alemã –
Deutschbrasilianer – englobando a cultura, língua e origem da raça. “Deutschbrasilianer,
porém, é uma categoria de identidade usada pela parcela mais instruída da população; a
maioria dos colonos, mesmo os nascidos no Brasil, se identificava (como ainda fazem
hoje) como alemães (Deutsche)”.
315
No tocante aos italianos e ítalo-brasileiros, em “Os imigrantes e a campanha de
nacionalização do Estado Novo”, Giralda Seyferth assinala que, “entre os imigrantes
italianos, apesar das identidades regionais percebidas nas colônias do Sul e em São Paulo,
consolidou-se o sentimento de italianità, em parte construída pela Igreja Católica (através
de um clero italiano) a religião ou a fé católica, confundindo-se, em parte, com a
consciência nacional”.
316
Simon Schwartzman assinalou que, no tocante ao povoamento do Brasil, a partir da
década de 40, institui-se “uma política imigratória prudente e segura como o objetivo de
selecionar os elementos estrangeiros [...]; decretaram-se leis e medidas executivas foram
tomadas para o estabelecimento de um regime de conveniente localização de trabalhadores
nacionais e de distribuição dos trabalhadores estrangeiros [...]; institui-se uma política de
integral nacionalização de estrangeiros [...]; decretou-se a lei da nacionalidade [...]; deu-se
novo regime à política de expulsão de estrangeiros, visando à [...] segurança nacional”.
317
Em O Brasil vai à guerra, trabalhando com o recenseamento de 1940, Ricardo
Seitenfus propõe que no país existiriam cerca de três milhões de pessoas de origem italiana
e mais de 640 mil brasileiros falavam o alemão como língua principal, o que gerava
preocupação por parte das autoridades brasileiras.
318
Segundo dados do recenseamento realizado pelo IBGE em 1940, no Rio Grande do
Sul, a população estrangeira perfazia um total de 90.710 pessoas, do montante de 3.320
314
http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema, acessado em 14 de março de 2006.
315
SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização [...] Ob.cit., p. 192 et seq.
316
Ibidem., p. 195 et seq
317
SCHWARTZMAN, Simon. Estado Novo [...]. Ob.cit., p.326 et seq.
318
Cf. SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra [...]. Ob. cit.
95
689, ou seja, 2,73% da população total do RS era de estrangeiros de diferentes
nacionalidades, como alemães (15.279), espanhóis (2.675), italianos (18.685), japoneses
(199), portugueses (6.127) e outros (47.745); conforme Gráfico 2.
319
Gráfico nº 2
Estrangeiros segundo as principais nacionalidades
17%
3%
19%
0%
54%
7%
Alemã 15 279
Espanhola 2 675
Italiana 18 685
Japonesa 199
Portuguesa 6 127
Outra nacionalidade 47 745
Fonte: Gráfico elaborado a partir do recenseamento do IBGE de 1940.
Somando-se a população estrangeira (90.710) aos naturalizados (18.760), têm-se
um total de 109.470 pessoas, 3,29% da população total do RS, na época.
320
Os naturalizados estão divididos segundo seus países em: outros países, 8.423;
italianos, 5.918; alemães, 2. 841; portugueses, 1.040; espanhóis, 533; e japoneses, 5. As
porcentagems são apresentadas no Gráfico 3.
321
Os números apontam para uma parcela muito pequena da população sul-rio-
grandense de estrangeiros [e naturalizados], porém o problema residia no fato destes
estarem basicamente agrupados nas mesmas regiões - quistos étnicos - com língua, cultura,
associações e escolas próprias.
319
Cf. FERREIRA, Jurandir Pires. Censo demográfico do Rio Grande do Sul de 1940. Estrangeiros, por sexo
e grupos de idades, segundo as principais nacionalidades. Enciclopédia dos municípios brasileiros. Rio de
Janeiro: IBGE, 1959. p.10.
320
Ibidem.
321
Cf. FERREIRA, Jurandir Pires. Censo demográfico do Rio Grande do Sul de 1940. Brasileiros
naturalizados, por sexo e grupos de idades, segundos os principais países de naturalidade. Enciclopédia dos
municípios brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1959. p.8.
96
Gráfico nº 3
Brasileiros naturalizados segundo os principais países de naturalidade
15%
3%
32%
6%
44%
0%
Alemanha 2 841
Espanha 533
Itália 5 918
Japão 5
Portugal 1 040
Outros países 8 423
Fonte: Gráfico elaborado a partir do recenseamento do IBGE de 1940.
Fogo cruzado
Alguns autores, como Giralda Seyferth, Mario Careli e Simon Schwartzman,
lembraram que as relações entre imigrantes e os chamados brasileiros ou pêlos duros nem
sempre foram amistosas. No século 19, os imigrantes foram buscados e pensados como
sinônimo de esperança e progresso, enquanto os nacionais, livres e escravizados, foram
excluídos, entre outros, do processo de distribuição das terras. A partir do governo Vargas,
os papéis foram invertidos. Buscava-se no elemento nativo a essência do povo brasileiro,
enquanto que os imigrantes e seus descendentes eram vistos com olhos mais cuidadosos.
Em “Imigração italiana, colonização e ocupação da terra no Brasil uma análise
segundo a teoria de Wakefield”, o sociólogo João Carlos Tedesco lembra que a Lei de
Terras, criada em 1850 e regulamentada quatro anos depois, buscava “impedir o acesso à
terra dos imigrantes pobres; por outro, havia a intenção de estabelecer os colonos com
97
alguns recursos nas terras devolutas por meio de lotes”.
322
Na prática, a Lei de Terras
vetava o acesso à terra das camadas nacionais mais pobres, favorecendo alguns imigrantes.
No artigo “A imigração italiana no RS: fatores determinantes”, a historiadora
Loraine Slomp Giron concluiu que “a política imperial de colonização financiava a
imigração, passava a depender do lucro gerado pela venda das terras aos colonos. É nesta
dependência que se explica a preferência do colono europeu, como comprador de terras, ao
nacional, considerado menos eficiente do que o estrangeiro”.
323
Em “Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo”, a
antropóloga Giralda Seyferth defende que “a colonização serviu como símbolo étnico das
virtudes do ‘trabalho alemão’ e do ‘espírito pioneiro’, num discurso etnocêntrico ao qual
não faltaram referências raciais, em especial no confronto com o ‘outro’ mais próximo do
colono, o brasileiro rural, chamado de caboclo, em sentido pejorativo, denotando
suposições de inferioridade étnica”.
324
Referindo-se à comunidade italiana, a autora assinala que “os elementos
constitutivos da identidade étnica italiana no Brasil incluíam [...] ênfase nos hábitos e
costumes trazidos da Itália, relacionados ao lazer, alimentação e práticas religiosas.
Enquanto símbolo da etnicidade, o ethos do trabalho afirma a capacidade produtiva do
italiano em contraste com a suposta preguiça e indolência dos brasileiros [...]”.
325
Em Ulisses va in América, a historiadora Dilse Corteze lembra a construção dos
mitos sobre a imigração italiana, dentre os quais se encontra o do colono trabalhador,
disciplinado e religioso, que vence todas as agruras americanas devido à religião e à
excelência étnica.
326
“[...] de 1875 a 1914, em torno de oitenta mil famílias de imigrantes
italianos chegaram ao Rio Grande. Nesse processo, eles foram vistos como trabalhadores
capazes de transformar esta terra, capazes de superar o nativo, o negro, o escravo e o
mestiço brasileiros, pelas suas pretensas qualidades intrínsecas”.
327
Continuou a autora:
“[...] o mesmo emigrante elogiado no Brasil era malvisto e desqualificado quando na
península. As elites e a grande parte da intelectualidade italiana explicavam, comumente,
322
TEDESCO, João Carlos. Imigração italiana, colonização e ocupação da terra no Brasil uma análise
segundo a teoria de Wakefield. História debates e tendências Brasil-Itália Travessias. Passo Fundo, UPF.
V.5, n.1, julho 2004. p.62-83.
323
GIRON, Loraine Slomp. A imigração italiana no RS: fatores determinantes. In: DACANAL, José
Hildebrand (Org). RS: imigração e colonização. Porto Alegre, Mercado Aberto. p.54
324
SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha [...]. Ob. cit., p. 192 et seq.
325
Ibidem.
326
Cf. CORTEZE, Dilse Piccin, Ulisses va in América. História, historiografia e mitos da imigração italiana
no Rio Grande do Sul (1975-1914). Passo Fundo: UPF, 2002.
327
Ibidem., p.155.
98
as dificuldades econômicas das classes subalternas como decorrentes da preguiça, da falta
de iniciativa, da ausência de criatividade, etc”.
328
Giralda Seyferth assinalou a visão de Mario Careli, autor de Carcamanos e
comendadores os italianos de São Paulo: da realidade à ficção (1919-1930), através de um
estudo sobre a comunidade italiana em São Paulo, apontando as representações
etnocêntricas que os imigrantes italianos daquele Estado “construíram sobre os negros e
mestiços — numa ampla desqualificação do brasileiro comum — apesar da existência de
casamentos interétnicos”.
329
De acordo com José Carlos Radin, em Italianos e ítalo-
brasileiros na colonização do oeste catarinense, “o modo de vida do caboclo, quando
comparado ao do ítalo, era visto com desprezo, e seus costumes caracterizados como
exóticos e não aconselháveis”.
330
Por sua vez, Simon Schwartzman, em Estado Novo, um auto-retrato, propôs que “o
trabalhador nacional não poderia continuar sendo o filho enjeitado, que via a máquina de
proteção governamental voltar-se para o adventício enquanto ele próprio, dono e,
invariavelmente, desbravador da terra, faltava o apoio mais rudimentar”.
331
Na tese “Italianidade no Brasil meridional: a construção da identidade étnica na
região de Santa Maria-RS”, Maria Catarina Zanini concluiu que: “[...] um tom ufanista
acerca dos antepassados, torna-os heróis, porque colonizadores ou vice-versa. Como a
conquista, nos tempos atuais, não poderá mais ser efetuada somente no domínio espacial,
das terras, efetuar-se-á, contudo, pelos descendentes, pelo domínio temporal do
conhecimento das origens. Enfim, o descendente deve conhecer sua história para
engrandecê-la e dela usar para elevar sua própria auto-imagem. [...] há a forma de
visibilidade que uma etnia adquire em detrimento de outras. Por exemplo: Silveira Martins
é considerado um município de colonização italiana, contudo entre os seus 1.039
habitantes da área urbana, há um número considerável composto por descendentes de
negros, que habitavam a ‘Vila dos Morenos’, como é denominada pela população italiana.
Em termos de distribuição espacial e histórica na cidade, não possuem visibilidade e nem
328
Idem., p.163.
329
Careli, Mario. Carcamanos e comendadores os italianos de São Paulo: da realidade à ficção (1919-1930).
São Paulo, Ática, 1985. Cf. SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha [...]. Ob. cit., p. 192.
330
RADIN, José Carlos. Italianos e ítalo-brasileiros na colonização do oeste catarinense. Joaçaba: Unoesc,
1996. p.141.
331
SCHWARTZMAN, Simon. Estado Novo [...]. Ob. cit., p.344.
99
status. [...] Na imagem do município, como fruto da colonização italiana, os negros não
aparecem, nem espacialmente e nem nas relações interétnicas”.
332
Nacionalização
No contexto geral do Brasil, apresentado no capítulo 2, procedeu-se, em 1938, a
Nacionalização do Ensino. Para René Gertz, em O perigo alemão, a nacionalização deu-se
em dois níveis: no educativo, através do Secretário da Educação, Coelho de Souza, e do
chefe de polícia, Aurélio da Silva Py. A nacionalização na educação ocorreu, sobretudo,
após a implantação do Estado Novo, principalmente no que se refere às escolas públicas e
privadas. Em um segundo momento, com a abertura de hostilidades com o Eixo, houve a
nacionalização repressiva, que visava aos integralistas e nazistas, sobretudo, e a tudo que
se relacionasse com os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão).
333
Em Tempos de Capanema, Simon Schwartzman propôs que, “em janeiro de 1938, o
tema da nacionalização era matéria de ofício reservado do chefe do Estado-maior do
Exército, general Pedro Aurélio de Góis Monteiro e ao ministro da Guerra, Eurico Gaspar
Dutra. A tônica do documento é toda posta nos perigos que a presença de núcleos
estrangeiros organizados traz à segurança nacional. Góis Monteiro comunicou ao ministro
da Guerra o conteúdo do relatório da 5ª Região Militar, ‘manifestando sua preocupação
com as conseqüências funestas de uma colonização estrangeira no Brasil [...] mal-
orientada, sem a necessária diretriz do governo e controle indispensável, para anular os
inconvenientes da existência de núcleos, que não se diluem no nosso meio, mas, ao
contrário, procuram se fortalecer, conservando as características dos países originários”.
334
A nacionalização passou a ser questão de polícia, de segurança nacional, a fim de que os
estrangeiros estabelecidos no Brasil não viessem a servir os interesses dos países do Eixo.
No Rio Grande do Sul, como acentuou Simon Schwartzman, o interventor Cordeiro
de Farias descreveu que, “tendo em vista o problema da infiltração nazista, decidimos
utilizar as escolas como meio de neutralizar as influências do meio social. Resolvemos
então criar incentivos especiais para as professoras que concordassem em se deslocar para
locais mais distantes, sob maior influência alemã. Oferecemos a elas residência, serviço de
332
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Italianidade no Brasil meridional: a construção da identidade étnica na
região de Santa Maria-RS. Tese de Doutorado. PP/Antropologia Cultural. São Paulo: USP, 2002.p.203.
333
Cf. GERTZ, René. 1991. O perigo alemão [...]. Ob cit.
334
http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema, acessado em 14 de março de 2006.
100
saúde e proteção policial, além de salário normal a que tinham direito [...]; nas áreas mais
carentes, fizemos convênios com entidades particulares para intensificar a formação de
quadros. Enfim, foram cercadas de todo cuidado e tratadas como verdadeiras princesinhas
[...]”.
335
Simon Schwartzman propôs que “a questão dos núcleos estrangeiros que emergia
como problema e obstáculo para aqueles que se atribulam a responsabilidade de pensar o
nacionalismo brasileiro desde o início do século, será redimensionada de forma radical no
contexto do Estado Novo. Parecia impossível construir uma nacionalidade com a
simultânea convivência de diferenças culturais. Construir o nacionalismo era, ao mesmo
tempo, destruir as diferenças e proceder a uma seleção na formação da cidadania
brasileira”.
336
A partir de 1938, não bastava somente fechar escolas com língua e
programas estrangeiros, era preciso abrir novas escolas alicerçadas na língua nacional, no
Brasil e no nacionalismo.
Dados do IBGE, no censo de 1940, fornecem informações sobre as pessoas que não
falavam o português em casa, segundo o Gráfico 4. O total é de 747.859 indivíduos, sendo
393.934 de origem alemã (52,67%); 295.995 italianas (39,57%); 51.680 de outras origens
(6,91%) e 6.250 espanhola (0,83).
337
Explica-se o fato da nacionalização estar voltada em
grande parte aos alemães e italianos e seus descendentes no sul do Brasil, uma vez que
mais da metade da população de origem alemã e quase quarenta por cento da italiana não
falavam o português. Ao que tudo indica, na região de Santa Maria, as medidas
nacionalizadoras não modificaram o cotidiano do lugar. Salvo engano, na região, não
funcionavam mais escolas que ministravam em outra língua que não o português, quando,
em 1938, foram implantados os decretos de nacionalização do ensino.
Em “O futuro dos dialetos italianos”, Ciro Mioranza propõe: “[...] em certas áreas
do Brasil houve e perduraram características histórico-sociais específicas que permitiram
não só a manutenção do sistema lingüístico próprio do imigrante por largo espaço de
tempo, bem como sua transmissão que perdura até hoje”.
338
335
Ibidem.
336
Idem.
337
Cf. FERREIRA, Jurandir Pires. Censo demográfico [...]. Ob. cit, p.13.
338
MIORANZA, Ciro. O futuro dos dialetos italianos. In: DE BONI, Luis Alberto. A presença Italiana no
Brasil. Porto Alegre: EST; Torino: Fondazione Giovanni Agnelli,1990. vol.II. p.596.
101
Gráfico nº 4
Pessoas que não falam o português habitualmente no lar
52%
40%
7%
1%
Alemã 393 934
Italiana 295 995
Espanhola 6 250
Outras 51 680
Fonte: Gráfico elaborado com base no recenseamento do IBGE de 1940.
A imprensa regional (re)produzia reportagens mostrando que a nacionalização era
algo bom e necessário ao país. O artigo “A nacionalização do ensino”, publicada no jornal
A Razão, de 22 de abril de 1938, propunha que a nacionalização da educação era
“inspirada no princípio da unidade pátria, constituiu sem dúvida, uma obra de alta
envergadura para a consolidação do espírito de brasilidade que o Estado Novo se propôs
cimentar nas populações brasileiras [...]. Permitimos o funcionamento de escolas, dentro do
nosso país, que apenas ensinavam outras línguas, as de origem dos imigrantes que se
instalaram nas regiões onde se achavam elas localizadas. Como conseqüência dessa
licenciosidade impatriótica, tivemos de assistir ao espetáculo doloroso de brasileiros,
homens e mulheres, crescerem sem saber falar o nosso idioma. Com isso permitíamos a
perigosa floração de outras localidades dentro do nosso território pátrio, com escolas que
só ministravam o ensino de línguas estrangeiras e cujos alunos, estudando idiomas diversos
do nosso, moldariam em seus caracteres uma mentalidade incompatível com os nossos
sentimentos de brasilidade.”
339
Segundo Pasquale Petrone, em “Italianos e descendentes do Brasil: escola e língua”,
“as medidas de nacionalização implicaram principalmente na obrigatoriedade do uso da
339
DALMOLIN, Cátia. Mordaça Verde e Amarela imigrantes e descendentes no Estado Novo em Santa
Maria e região.In:DALMOLIN, Cátia (Org). Mordaça Verde e Amarela: imigrantes e descendentes no
Estado Novo. Santa Maria:Pallotti, 2005. p.99.
102
língua portuguesa. [...] atingiram [...] as escolas nas quais o ensino era ministrado em outro
idioma que não o português. Tais escolas foram fechadas, ou sofreram intervenção, o
ensino passando a ser ministrado exclusivamente em português.[...] foi proibido o emprego
do dialeto italiano [...]. O imigrante [...] agora via-se psicologicamente atingido por outros
problemas envolvendo a noção de brasilidade com o falar brasileiro, o emprego do
dialeto, ou do italiano especialmente durante a guerra de Quinta-coluna, de traidor do país,
associada à de fascista”.
340
Maria Catarina Zanini, propõe que “os espaços de repressão cotidiana eram vários.
Para alguns entrevistados, que nunca sofreram a repressão oficial, da polícia, o que ficou
mais marcado foram às violências sofridas no plano doméstico, das relações íntimas. Uma
violência que vinha povoada de medo e autoridade. Alguns depoimentos narram as
diversas formas de controle que eram exercidas no mundo da família, principalmente na
socialização, quando os pais, pouco sabedores da língua portuguesa, tentavam fazer com
que seus filhos aprendessem o português. O controle era exercido nos domínios internos da
casa e também havia a preocupação com a perda do espaço privado, devido à espionagem.
Havia receios de que alguns membros da comunidade pudessem se prestar a delatar. Foi
criado e alimentado um clima de tensão”.
341
A preocupação dos pais - imigrantes ou
descendentes - era a inserção dos filhos na sociedade, para isso era necessário e importante
apreender a língua portuguesa.
Maria Catarina Zanini explicando o final da década de 1930 mostra: “[...] como
manter uma coesão grupal sem um sistema de comunicação que fosse legítimo e
compartilhado pelos descendentes não falantes do português? Pelos depoimentos daqueles
que vivenciaram o processo, observei que as mulheres adultas, que antes do período
repressivo pouco saíam de suas casas, durante esse, foram confinadas ao mundo
doméstico, limitadas, aquelas do meio urbano às suas casas e as do meio rural aos limites
entre a casa e a roça. As crianças se limitavam a ir à escola quando os pais permitiam e os
homens adultos da zona rural faziam suas compras se comunicando por bilhetes e alguns,
nem mais à missa iam, refugiando-se em suas casas. Os homens do meio urbano viviam
tensos e os idosos foram confinados ao mundo do silêncio”.
342
Essa é uma avaliação
arbitrária que julga que todo o espaço de comunicação é espaço de conflito. Por exemplo,
340
PETRONE, Pasquale. Italianos e descendentes do Brasil: escola e língua. In: BONI, Luis De (org). A
presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST/ Torino: Fondazione Giovanni Angelli, 1990, v. 2. p.603-626.
341
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Italianidade no Brasil meridional [...]. Ob. cit., p.189.
342
Ibidem, p.200.
103
nas comunidades do interior, como Silveira Martins, a comunicação seguiu sem maiores
problemas. Em casa ou no ambiente público, as famílias utilizam comumente o dialeto –
vêneto ou furlan - para sua comunicação e não o português. A língua portuguesa era
ensinada nas escolas e transmitidas pelos alunos aos seus pais e parentes. Pode-se
mencionar ainda algumas reportagens vinculadas no jornal A Razão que comprovam que o
dialeto era comumente utilizado pelos imigrantes e seus descendentes, sem muito controle
das autoridades ou punições a este respeito.
No jornal A Razão, de 22 de abril de 1938, o artigo “Obra de patriotismo” propôs:
“[...] merece todos os elogios, como verdadeiro gesto de brasilidade, o ato do governo da
República proibindo as atividades políticas de elementos estrangeiros no território nacional
[...] não poderíamos permitir por mais tempo a infiltração de agentes políticos do exterior,
que aqui vinham pregar idéias adotadas em suas terras e conquistar adeptos [...]. É a grande
obra de fortalecimento da nacionalidade traçada pelo Estatuto do Estado Novo.”
343
O
artigo completa: “[...] o Brasil continua aberto àqueles que aqui vierem trabalhar, animados
de boas intenções. Mas fecha as suas portas para todos os que pretendem exercer
atividades que resultem em intranqüilidade e desagregação.”
344
Percebe-se que a nacionalização do ensino era algo pensado, divulgado e trabalhado
pelo regime varguista. Era necessário que os estrangeiros, começando pelas crianças em
idade escolar, entendessem que o regime precisava da ajuda de todos para o fortalecimento
da construção da nacionalidade brasileira. Por isso, não poderia haver ensino em outra
língua que não o português, não poderia haver outra pátria que não o Brasil. Em algumas
regiões – não é o caso de Santa Maria – existiam ainda escolas subvencionadas por
governo dos países integrantes do Eixo através das quais fazia-se propaganda dos regimes
nazi-fascista. Para os imigrantes e seus descendentes, era necessário falar o português para
uma maior integração social entre, principalmente, colônia-cidade.
Segunda Guerra Mundial
É necessário pensar algumas questões referentes à Grande Guerra (1914-1918) para
entender por que houve a eclosão da segunda conflagração mundial. A Primeira Guerra
Mundial foi um conflito entre potências industriais capitalistas por uma nova repartição de
343
Obra de patriotismo. A Razão, Santa Maria, 22 de abril de 1938, p.3.
344
Ibidem.
104
áreas para expansão econômica. Em lados opostos, lutavam o Império Alemão, que se
encontrava em ascensão econômico-militar, e o Império Britânico, em perda de vigor.
Rapidamente, o conflito tomou contorno internacional e alcançou níveis sem precedentes
de destruição e morte, graças à aplicação da tecnologia industrial na produção de
armamentos.
No pós-guerra, instalou-se um quadro de crise generalizada da sociedade capitalista
européia, com recessão, desemprego e inflação que, somados, levaram a uma intensa
mobilização política e a conflitos sociais acentuados. As crises sucessivas de 1919, 1923 e
de 1929 – quebra da bolsa de Nova York – aumentaram os problemas já graves. O
primeiro conflito mundial enfraqueceu a posição européia no mundo, fortalecendo a dos
EUA. No tocante à Alemanha, as conseqüências foram desastrosas. Ela, que fora uma
potência industrial e aspirava, em 1914, à liderança econômica, pelo menos na Europa, foi
reduzida, em Versalhes, à nação de segunda grandeza. As conseqüências políticas foram
mais graves do que os efeitos econômicos das indenizações e perdas territoriais. A
chamada humilhação promovida pelo Tratado de Versalhes e o perigo social constituíram
base de cultura para a radicalização do nacionalismo conservador alemão.
Desde 1919, surgiram movimentos propondo Estados fortes e autoritários, apoiados
no culto ao chefe político. Assim, foi possível sua concretização em regimes totalitários
como o fascismo, na Itália; o nazismo, na Alemanha, e regimes autoritários no Brasil,
Espanha, Polônia, Portugal, Romênia.
345
A Segunda Guerra Mundial ocorreu devido, principalmente, às causas pendentes
desde o fim da Primeira Guerra. O segundo conflito mundial foi ensejado pela
recomposição do capitalismo alemão e pela luta interimperialista. De um lado, estavam os
Aliados, representados pelos Estados Unidos, França, Inglaterra e União Soviética,
principalmente, e, do outro, o Eixo, com a Alemanha, Itália e Japão, sobretudo. Com Hitler
no poder, em apenas seis anos, de 1933 a 1939, a Alemanha nazista conquistara a Áustria,
Bélgica, Dantizig, Dinamarca, parte da França, Holanda, Noruega, Polônia, Sudetos e
Tchecoslováquia.
346
Em 1940, a Alemanha hitlerista já ocupava praticamente toda a Europa e, entre seus
adversários, encontrava-se apenas a Inglaterra em condições de continuar lutando. No
mesmo ano, em Havana, sob a influência do imperialismo estadunidense, os governos das
nações americanas declaram que todo atentado a qualquer dos países seria considerado
345
Cf. VIZENTINI, Paulo Fagundes. História do século XX. Porto Alegre: Novo Século, 1998.
346
Ibidem.
105
como agressão à América inteira. No ano seguinte, a guerra tornou-se mundial com a
invasão da União Soviética pela Alemanha e o ataque japonês à base estadunidense de
Pearl Harbor, no Havaí.
347
Em Porto Alegre, Carazinho e Passo Fundo, no RS, e Florianópolis, em SC, foram
realizados exercícios de “Defesa Passiva Antiaérea”, um tipo de treinamento no caso de
um eventual bombardeamento por eixistas.
348
Em telegrama datado de 27 de agosto de
1942, o ministro Marcondes Filho comunicou ao interventor Cordeiro de Farias a
publicação do decreto n° 594 daquela data, criando a comissão de Defesa Passiva
Antiaérea. Conforme o decreto, seriam membros da comissão o prefeito municipal de cada
cidade, o representante da guarnição militar federal ou o delegado de polícia, cabendo
àquela comissão “os serviços de defesa e socorro contra os bombardeios aéreos, na forma
de leis e instruções que foram baixadas pelas autoridades competentes.”
349
Contudo, em
Santa Maria, tal decreto pareceu não vigorar, visto que a imprensa nada noticiou a respeito
durante 1942.
Para Elizabeth Cancelli, em O mundo da violência a Polícia da era Vargas, “o
exercício puro e simples do terror, implantado pelo Estado, através e com a polícia,
representava a prova incontestável de que tudo apregoado pelo Estado tornara-se
verdadeiro”.
350
Neste fogo cruzado, encaixavam-se os imigrantes alemães, italianos e
japoneses – e seus descendentes – e a formação dos quistos étnicos no sul do Brasil. A
mesma autora defende que era importante “fazer crer a toda a população que cada pessoa
fazia parte do serviço de vigilância do regime”.
351
Todos os bons brasileiros estavam em
vigília para delatar os maus brasileiros ou não-brasileiros, representados na figura dos
estrangeiros ou seus descendentes que poderiam ser uma ameaça ao regime. É importante
salientar que, embora houvesse o medo de prisões ou represálias, conforme mostraram as
entrevistas realizadas com descendentes de imigrantes, no meio rural não houve
modificações significativas no modo de vida durante o período Vargas, permanecendo o
dialeto como a forma de comunicação oficial.
347
Idibem.
348
Sobre Carazinho e Passo Fundo ver JUNGBECK, Benhur. Perigo Iminente: a Segunda Guerra na leitura
da imprensa Passo-fundense. Dissertação de Mestrado em História. Passo Fundo: PPGH, 2005; sobre
Florianópolis ver FÁVERI, Marlene de. Memórias de uma (outra) guerra. Cotidiano e medo durante a
Segunda Guerra em Santa Catarina. Florianópolis: Univali e UFSC, 2005.
349
Telegrama do Ministro Marcondes Filho a Cordeiro de Farias, Interventor Federal. Arquivo Histórico do
RS. Correspondências governantes. Telegrama. Maço 149. 27 de agosto de 1942.
350
CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência [...] Ob. cit. p.26.
351
Ibidem, p.37.
106
Como já mencionado no capítulo 2, o Brasil manteve, durante a década de 30,
relações comerciais e policiais amistosas com os governos alemão e italiano. Porém, a
partir de 1942, quando navios brasileiros foram torpedeados por submarinos da Alemanha,
houve o rompimento do Brasil com os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão).
Em 30 de janeiro de 1942, o Jornal A Razão publicou artigo intitulado “A
democracia sempre viverá”, transcrevendo o discurso de Osvaldo Aranha, pró-
estadunidense, onde era anunciada a ruptura das relações comerciais do Brasil com o Eixo:
“[...] a neutralidade do Brasil foi sempre exemplar, mas a nossa solidariedade para com a
América é histórica e tradicional. [...]. Esta é a razão pela qual hoje [...] os embaixadores
do Brasil em Berlim e Tóquio e o encarregado dos negócios do Brasil em Roma, passaram
uma nota aos governos junto aos quais estão acreditados, comunicado que em virtude da
recomendação da terceira reunião de consulta dos ministros das Relações Exteriores das
repúblicas americanas, o Brasil rompia suas relações diplomáticas e comerciais com a
Alemanha, Itália e Japão.”
352
Segundo John Dulles, em 12 de março de 1942, após o afundamento do Cairu,
“Vargas determinou o confisco de 30 por cento dos fundos pertencentes aos súditos do
Eixo. Estimava-se que o valor total do patrimônio do Eixo no país [...] chegava a meio
bilhão de dólares”.
353
Getúlio Vargas, em seu diário – Getúlio Vargas: Diário – registrou
esse acontecimento: “[...] recebi a notícia do torpedeamento do quarto navio brasileiro em
águas americanas, o Cairu. Determinei a suspensão da navegação para os Estados Unidos
até que tivéssemos nossa navegação protegida e assinei os decretos pondo os bens dos
súditos alemães, japoneses e italianos em garantia dos danos causados pelos seus países.”
354
Os navios Buarque, Olinda, Cabedelo, Arabutan, Cairu, Parnaíba, Comandante
Lyra, Gonçalves Dias, Alegrete, Pedrinhas, Tamandaré, Barbacena e Piave foram
afundados de fevereiro a julho de 1942. Juntos totalizaram 127 óbitos. No mês de agosto,
em 4 dias foram postos a pique o Baependi, Araraquera, Annibal Benévolo, Itagiba, Arará
e Jacira com mais de seiscentas vítimas, número de decessos que caracteriza o caráter
punitivo dos ataques.
355
352
A democracia sempre viverá. A Razão, Santa Maria, 30 de janeiro de 1942, p.3.
353
DULLES, John. Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: Renes, 1967. p.247.
354
VARGAS, Getúlio. Getúlio Vargas: Diário. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1995. p. 469. vol 2.
355
Cf. DULLES, John. Getúlio Vargas [...]. Ob. cit., p.47.
107
Na primeira página da edição de 31 de julho de 1942, o Jornal A Razão estampou
duas reportagens tratando do afundamento do navio Tamandaré, a “10
a
agressão totalitária
à marinha mercante brasileira”.
356
Devido a esse ataque, em todo o país, sucederam-se
fortes protestos, inclusive em Santa Maria. A partir desse momento, criou-se estado real de
beligerância entre o Brasil e o Eixo, ainda que apenas em 22 de agosto, após reunião
ministerial, “foi divulgado que o Brasil estava em guerra com a Alemanha e a Itália”.
357
Em Tempos de incerteza, Sérgio Dillemburg lembra que a medida adotada pelo
Brasil “permitia [...] a censura e apreensão a domicílio, ficando também suspensas as
garantias constitucionais atribuídas à propriedade e à liberdade de pessoas físicas ou
jurídicas dos súditos dos Estados estrangeiros que tenham praticado atos de agressão contra
o Brasil e os brasileiros”.
358
O presidente Vargas declarou que os estrangeiros dos países do Eixo, responsáveis
pelo afundamento dos navios brasileiros, “iriam de enxada, de pá e picareta ao ombro
cortar estradas no interior do Brasil.”
359
Vargas, em discurso proferido em 7 de setembro de 1942, mostrou que não
admitiria nenhuma manifestação contrária ao interesse maior, ou seja, o nacional. Segundo
ele: “Seremos implacáveis no combate aos invasores e aos seus agentes infiltrados,
traiçoeiramente, no meio das nossas populações laboriosas. Não importará isso em quebra
do nosso sentimento comprovado de hospitalidade. Os nacionais dos países com os quais
estamos em guerra, que aqui vieram e construíram os seus lares de forma regular e honesta,
nada devem recear enquanto permanecerem entregues ao trabalho, obedientes à lei e
prontos a colaborar nas atividades defensivas do país. De modo bem diverso serão tratados
os que, traindo os compromissos assumidos e ludibriando o nosso acolhimento generoso,
auxiliarem de alguma forma os inimigos, com eles mantiverem entendimentos, espionando
ou fazendo sabotagem. A esses, aplicaremos, com rigor, as leis de guerra. E, em relação
aos semeadores de boatos e derrotistas de qualquer nacionalidade, nenhuma complacência
existirá. Serão segregados do meio social, reduzidos à condição de suspeitos e declarados
indignos da cidadania brasileira.
360
356
Navio Tamandaré. A Razão, Santa Maria, 31 de julho de 1942, p.1.
357
DULLES, John. Getúlio Vargas [...]. Ob. cit., p.249.
358
DILLENBURG, Sérgio Roberto. Tempos de incerteza. Porto Alegre: EST, 1995. p.53.
359
Ibidem., p.61.
360
PETRY, Andrea Helena. As características [...]. Ob.cit.
108
Em algumas cidades após o afundamento dos navios brasileiros ocorreram
passeatas, discursos, prisões, depredações e saques, como foi o caso da zona urbana de
Santa Maria. Durante os anos de guerra, algumas localidades que possuíam nomes em
línguas dos países do Eixo tiveram que abrasileirá-los. Sob o títuloSerão abolidos os
nomes estrangeiros de todas as localidades brasileiras”, o Jornal A Razão noticiou, na
última página da edição de 28 de outubro de 1943, que uma instrução nacional instituiu a
revisão da nomenclatura das localidades brasileiras. Segundo a reportagem, essa
determinação preocupava-se com a nacionalização da nomenclatura geográfica,
determinando que “os novos nomes não sejam estrangeiros [...] e que se prefiram nomes de
propriedade local, sobretudo os indígenas”.
361
O nome escolhido para substituir a denominação do núcleo colonial de Nova Udine
foi Ivorá, em língua indígena, “rio da praia formosa”. Novo Treviso chegou a chamar-se,
por pouco tempo, de Vasconcellos Filho. Em carta endereçada ao interventor federal
Cordeiro de Farias, Agenor Berthem, morador de Vale Vêneto, sugeriu que o nome da vila
passasse a ser General Justo.
362
A imprensa encarregava-se de deixar no ar o clima de tensão e animosidade
constante. Mesmo no interior do RS, em Santa Maria, por exemplo, nomes de associações
foram abrasileirados, mutuais foram fechadas e tiveram seu patrimônio confiscado.
A esse respeito, Maria Catarina Zanini propõe: “[...] um verdadeiro estado de
guerra se processava nas páginas no jornal local A Razão, em especial a coluna de Paulo
Mendes, inimigo declarado do Quinta-colunismo. Toda a construção retórica do jornal e de
seus redatores conduzia a um estado de animosidade contra italianos e alemães e
descendentes desses. Era estabelecido um clima de vigília e tensão como se cada cidadão
fosse uma espécie de detetive do Estado Novo e devesse, por patriotismo, suspeitar de tudo
e de todos. O que, em termos de vivência coletiva, permitiu que muitos interesses e
sentimentos diversos, alguns anteriores à guerra, entrassem em cena”.
363
Uma reportagem que corrobora com a afirmação de Maria Catarina Zanini é “Os
problemas da colônia”, assinada por Paulo Mendes e publicada no jornal A Razão. O
texto, de dezembro de 1942, refere-se aos problemas encontrados pelo jornalista ao passar
suas férias de verão na localidade de Silveira Martins e em Vale Vêneto. Sua observação
361
Serão abolidos os nomes estrangeiros de todas as localidades brasileiras. A Razão, Santa Maria, 28 de
outubro de 1943, p.7.
362
Cf. Telegrama ao senhor Interventor Federal, Cordeiro de Farias. Arquivo Histórico do RS.
Correspondências governantes. Fonograma. Maço 149. 11 de setembro de 1942.
363
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Italianidade no Brasil meridional [...]. Ob. cit., p.206.
109
foi de encontro ao modo de viver das pessoas que habitavam aquela região. “Olhei o
ambiente, os métodos de trabalho, o espírito religioso, as práticas de higiene e até a
capacidade de alimentar de uma população de alguns milhares de almas. E saí convencido,
firmemente convencido, de que o colono, em todos aqueles problemas, continua sem os
benefícios da evolução.”
364
Sobre a situação encontrada descreve o jornalista: “seus métodos de higiene são
precarissímos, como sua alimentação não condiz em absoluto com as necessidades do
organismo humano. Isso para não falar no seu trabalho que é tristemente dispersivo. Em
relação à alimentação e à higiene é simplesmente inacreditável o que ainda ocorre entre a
população dos distritos coloniais. Famílias inteiras têm por alimentação folhas amargas de
‘radicce’ preparadas com pedaços de toucinho. E assim passam anos inteiros, criam os
filhos e preparam um ambiente propício à miséria. Sem distrações adequadas à
simplicidade do seu espírito e ainda tendo à frente ameaças que eles não podem
compreender, os colonos fecham-se no mais escuro quarto da casa e se entregam à
cachaça. Homens e mulheres. Daí os estrábicos, os surdos, os cegos, os mudos, os imbecis,
os cretinos, os incapazes de que a colônia está cheia. Nas imediações da vila de Silveira
Martins, eu conheço famílias inteiras em que todas as pessoas são anormais. Em Vale
Vêneto, [...] encontrei um verdadeiro ambiente de cemitério, com quase cadáveres se
arrastando pelas ruas.”
365
E complementa: “[...] tudo isso, como é natural, influi para que o fanatismo [sic]
encontre facilidade de devastação entre os colonos.”
366
Encerrando, Paulo Mendes sugere que os padres da região ajudem os colonos para
terem um melhor padrão de vida e assim acabarem com o fanatismo dominante na colônia.
Em outro momento, em 1 de janeiro de 1942, descrevendo a formação da
população de Santa Maria, o mesmo jornalista afirmou que essa era mista, sendo que todos
haviam se adaptado à região “com a exceção do elemento alemão e italiano, as demais
camadas imigratórias adotaram a nossa própria língua, sendo raro o descendente das outras
nacionalidades que conheça o idioma do país de origem. E mesmo entre descendentes de
alemães e italianos, residentes na sede, há elementos que se distinguiram pelo seu espírito
364
Os problemas da colônia. A Razão, Santa Maria, 19 de dezembro de 1942, p.2
365
Ibidem.
366
Idem.
110
de brasilidade, como os há também, que nascidos no Brasil, assinam documentos e se
proclamaram estrangeiros”.
367
Para comprovar a não integração dos italianos, o jornalista Paulo Mendes sugere:
“[...] com efeito, quem quiser se certificar deste aspecto curioso, basta comparecer à frente
do Armazém Segala à hora da partida do ônibus para Silveira Martins. E se ainda tiver
dúvidas, poderá tomar o ônibus e alcançar a pitoresca localidade. Passageiros e condutores,
desde que o ônibus dá o sinal de partida e mesmo antes, começam a falar em italiano,
dando a impressão de que o veículo corre por terras mussolinianas [sic]...E durante todo o
trajeto, rara é a palavra em português que se escuta no ônibus, ou nas paradas onde o
veículo estaciona para o desembarque ou embarque de passageiros”.
368
Continua Paulo Mendes: “[...] em Silveira Martins a coisa é mais intensa. Fala-se o
italiano nas casas comerciais, nos cafés, na igreja, nas ruas, nas oficinas, em toda a parte.
Os cumprimentos usuais são trocados em italiano. E há crianças, mesmo muitas, que ainda
não aprenderam a falar a língua do seu país. Silveira Martins é uma encantadora vila
italiana encravada no brasileiríssimo [sic] município de Santa Maria. Noventa e cinco por
cento da sua população é brasileira, mas cem por cento fala italiano”.
369
Comprova-se, desta forma, que o dialeto era utilizado comumente na localidade de
Silveira Martins e que, nem a chegada do Estado Novo e da Segunda Guerra realizaram
modificações significativas na vida dos imigrantes e descendentes daquela localidade.
As Sociedades de Socorro Mútuo Italianas
As associações de socorros mútuos exerceram papéis de relevância na sociedade de
Santa Maria como forma de convivência em sociedade. Durante o governo Vargas, as
sociedades foram proibidas de exercer suas atividades através do decreto Decreto - Lei n°
383, de 18.4.1938 e acabaram extinguindo-se ou abrasileirando-se. Até onde podemos ver,
no caso da Associazione Umberto Iº, de Silveira Martins que, em 1938, troca seu nome para
Clube Silveira Martins, as atividades culturais, recreativas e de ajuda financeira
367
As raças que preponderam na formação da população santa-mariense. A Razão, Santa Maria, 1 de janeiro
de 1942, p .10.
368
Ibidem.
369
Idem.
111
permanecerão intactas, não sofrendo alterações, comprovando, novamente que a colônia
sentiu marginalmente os reflexos do governo varguista.
A seguir, optou-se por um maior aprofundamento, em relação as três associações
italianas que funcionaram até a década de 40 na região de Santa Maria. Porém, o
depoimento do estudioso sobre cultura alemã em Santa Maria, José Brenner, indica que
durante a Segunda Guerra, foi desativada, em Santa Maria, a Sociedade Teuto-Brasileira,
antes chamada Sociedade Beneficente Alemã, fundada como Deutscher Hilfsverein, em
1866. A sede foi requisitada para uso do Círculo Militar e o nome foi mudado para
Sociedade Concórdia.
370
As outras sociedades alemãs, segundo José Brenner, foram dissolvidas ainda
durante a Primeira Guerra Mundial. A Sociedade Gymnastica Allemã Jahn, que funcionava
na Silva Jardim, foi dissolvida, em dezembro de 1917, pelas autoridades militares,
alegadamente porque mantinha seus estatutos em língua alemã e, na mesma época, foi
extinto o Deutscher Schützenverein, Sociedade Alemã de Atiradores, com sede no final da
rua 7 de Setembro. Em 21 de novembro de 1920, reuniram-se 32 membros da anterior
sociedade extinta, todos alemães e descendentes, e fundaram, no mesmo local, o Clube
Atirador Esportivo.
371
Em boa parte, a vida social da comunidade ítalo-brasileira girava em torno das
chamadas Sociedades Mutuais Italianas. Tem-se como foco principalmente as sociedades
constituídas na região central do Rio Grande do Sul – especificamente na região de Santa
Maria – desde a criação da primeira sociedade fundada por imigrantes italianos, em 1885,
em Silveira Martins [na época pertencia a Santa Maria], até a dissolução da última
associação em 1942, em São Marcos [até hoje é distrito de Santa Maria] e Santa Maria
[sede].
Em As Sombras do Littorio: o fascismo no Rio Grande do Sul, Loraine Slomp
Giron explicou que “as sociedades italianas constituíram não só em uma organização de
mútuo socorro, como também de culto à pátria distante”.
372
A maioria das Sociedades em Santa Maria era classificada como independentes, ou
seja, não mantinham vínculos com sociedades italianas com sede em Roma. As mutuais
serviam como local de encontro de seus associados. Na região em questão, quanto a seus
370
Cf. Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com José Brenner, Santa Maria, 04 de outubro de 2006.
371
Ibidem.
372
GIRON, Loraine Slomp. As Sombras do Littorio [...]. Ob.cit., p.46.
112
objetivos, as organizações classificavam-se em dois tipos, mútuo-socorro recreativa-
cultural e recreativa-cultural. A sociedade de mútuo-socorro recreativa-cultural prestava
ajuda aos sócios necessitados e desempenhava atividades culturais e recreativas, como a
sociedade Umberto Primo, de Silveira Martins e a Societá Italiana di Mutuo Soccorso, de
Santa Maria. As sociedades recreativas-culturais, como a Duca degli Abruzzi, de São
Marcos, não possuíam programa de auxílio financeiro aos associados, promovendo apenas
reuniões, festas e encontros.
Em 1942, sociedades italianas tiveram de trocar os nomes sob pena de ver os bens
confiscados, como foi o caso da Associazione di Mutuo Soccorso Umberto Iº Fra Gli
Operai Italiani
373
, de Silveira Martins, fundada em 16 de agosto de 1885, que, em 1938,
passou a designar-se Clube Silveira Martins e, em 1958, recebeu a designação que mantém
até hoje, Clube Agrícola e Recreativo Silveira Martins.
“Associazione di Mutuo Soccorso Umberto Iº Fra Gli Operai Italiani”
A Associazione di Mutuo Soccorso Umberto Iº Fra Gli Operai Italiani estava
localizada em Silveira Martins, distrito de Santa Maria, região de chegada dos primeiros
imigrantes italianos a Santa Maria. A sociedade tornara-se ponto de encontro, festas,
bailes, jantares e almoços, além de espécie de banco, ao qual os sócios podiam recorrer em
caso de necessidade financeira ou doenças. A Associazione participou ativamente na ajuda
aos irmãos italianos que estavam envolvidos na Primeira Guerra Mundial, em 1917;
também doou dinheiro para a inauguração do telégrafo na localidade de Silveira Martins;
as pinturas, manutenção e passeatas cívicas para homenagear Giuseppe Garibaldi,
representado na cidade através de monumento na praça central, etc.
374
Em seu estatuto, de 1916, a sociedade registrava 55 sócios. No Artigo 2° do
Estatuto em italiano, o item “Ordinamento dellla Societá” (Ordenamento da sociedade),
apresenta a composição da mesma: “A sociedade se compõe essencialmente de operários
que ganham o sustento com o exercício da própria administração do seu trabalho, pequeno
comércio ou profissão, da idade de 16 a 50 anos completos, de boa forma e de sã
constituição física, os quais mantinham o pagamento de uma taxa de ingresso e uma
contribuição mensal, adquirindo de tal modo o título de sócios efetivos e o direito à
373
Associação Italiana de Ajuda Mútua Umberto I
0
entre Operários Italianos [tradução nossa]
374
Cf. STATUTO “Dell’Associazone di Mutuo Soccorso Umberto Iº fra gli operai italiani di” Silveira
Martins, 1916, p.1.
113
ajuda”.
375
Nas atas de 1891 a 1922 da Associazone, encontram-se registrados, entre outros,
empréstimos de dinheiro a associados. Na ata de 18 de maio de 1916, registrou-se que
“foram pagos de subsídio R$ 10 mil réis ao senhor João Maria, R$ 8 mil réis ao senhor
José Collo e R$ 21 mil réis ao senhor Augusto Nicoloso, R$ 15 mil réis ao senhor Pietro
Londero Filho, R$ 12 mil réis ao senhor Antonio Fogliatto”.
376
Os auxílios a doenças eram
os mais variados, conforme registros encontrados no livro de atas daquela associação, de
1888: auxílio fúnebre, por contusão, por problema nos olhos, por picadas de cobras, por
quebra de uma perna ou braço, etc.
Figura nº 7
“Associazione di Mutuo Soccorso Umberto Iº Fra Gli Operai Italiani”
Fonte: Acervo particular de Cátia Dalmolin
Pelas atas, percebe-se que o movimento da Sociedade era intenso, com promoções
de jantares, almoços e bailes. No início de 1917, a Associazione Umberto Iº passou por
reformas que incluíram uma nova pintura e compra de cadeiras e mesas para as promoções
realizadas. Em 1920, aconteceu nova reforma.
377
A mesma sociedade registrou, em ata de
15 de abril de 1917, remessa de dinheiro ao governo italiano, não especificando a quantia,
nem a finalidade a que o dinheiro era destinado, possivelmente tendo relação à ajuda ao
país referente à Primeira Guerra Mundial, registrando que a relação entre a colônia italiana
no Brasil e o país de origem não cessou quando da imigração em massa.
378
A ata de 17 de
375
La societá si compone essenzialmente degli operai, che guadagnano il vitto coll’ essercuzui della
propria industria, piccolo comercio e professione, dell’et’a daí 16 ai 50 anni compliuti, di buona fana e di
sana constituzione fisica, i quali sono tenuti al pagamento di una tassa d’ingresso e di un contributo mensile
acquistando in tal modo il titolo di Soci Effetivi ed il diritto al soccorso stabilito agli articoli seguenti...”
(p.1)
376
“[...] furono faghi di sussidio R$ 10.000 al sig João Maria, R$ 8.000 al sig José Collo e R$ 21.000 al sig
Augusto Nicoloso, R$ 15.000 al sig Pietro Londero fº, R$ 12.000 al sig Antonio Fogliatto”.
377
Cf. “Associazone di Mutuo Soccorso Umberto Iº fra gli operai italiani di” Silveira Martins, Ata do
“Consiglio Straordinario”,30 de março de 1917, 1 fl.
378
Cf. Id., 15 de abril de 1917, 1 fl.
114
novembro de 1917 registra igualmente que foi apresentada a Associazione lista para ajuda
financeira aos territórios friulano e austro-alemão. No dia seguinte, em sessão
extraordinária, foi determinado ajuda financeira no valor de 500 liras.
379
A associação celebrava, todos os 20 de setembro, a “Roma Capitale d’Italia” [Roma
capital da Itália], registrando o caráter laico, pró-estatal e possivelmente maçônico da
orientação da organização. Na colônia, esse dia era de festa. As atas mostram visitas ao
Monumento de Garibaldi, em Silveira Martins, reformas e pinturas do monumento para as
comemorações, festas, missas, passeatas cívicas com bandeiras e música, almoços, etc.
Tudo era feito “pelos nossos pobres irmãos caídos honrosamente no campo de batalha”.
380
“Societá Italiana di Mutuo Soccorso”
A Societá Italiana di Mutuo Soccorso foi fundada em 1
o
de abril de 1896, em Santa
Maria, por Oreste Tofolli Culau, Giorgio Sfoggia, Leopoldo de Grandis e Eugenio Soccal.
O primeiro presidente da Societá foi Giorgio Sfoggia. Suas principais finalidades eram “a
união e integração dos italianos assistindo-os em caso de doença ou impossibilidade de
trabalho, favorecer todas as possibilidades de crescimento material e elevação moral dos
sócios e da Colônia”.
381
Em outubro de 1897, a sociedade instalou-se na então rua do
Comércio. Aproximadamente um ano mais tarde, após a aquisição de terreno defronte à
antiga praça Tiradentes, foi construída a primeira sede própria da sociedade, sendo o
prédio vendido à Mitra Diocesana em 1911. Desta forma, a Societá Italiana di Mutuo
Soccorso adquiriu novo terreno e começou a edificação de prédio na rua do Acampamento,
inaugurado em 1914, com projeto de Isidoro Grassi.
382
Em fevereiro de 1927, por
mudanças em seus estatutos, a Societá Italiana di Mutuo Soccorso passou a designar-se
Società di Mutuo Soccorso i Recreativa, sendo dissolvida em 1942, e seu patrimônio
doado ao Estado, com o objetivo de ali funcionar o Centro de Saúde.
383
Em 1938, ano que vigora o decreto de nacionalização do ensino, a Societá cedeu
seu salão de festas para a instalação da Biblioteca Pública Municipal. Em “Sede da
379
Cf. Id., 17 de novembro de 1917, 1 fl.
380
Cf. Id, 7 de setembro de 1919, 1 fl. [Tradução nossa] “per i nostri poveri fratelli caduti honoratamente
nel campo di Bataglia”
381
Cinquentenario della colonizzazione italiana Del Rio Grande Del Sud:1975-1925. La cooperazione degli
italiani al progresso civile ed economico del Rio Grande del Sud. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1925.
p.391.
382
Ibidem.
383
O Jornal A Razão fez ampla divulgação sobre este fato nas edições de 7, 14 e 20 de maio de 1942, bem
como na edição de 23 de abril de 1943.
115
Associação Italiana de Santa Maria: estudo de caso sobre a validade da preservação de
edificações descaracterizadas”, o arquiteto de Santa Maria Hélvio José Mello Júnior
escreveu que se pode “considerar a hipótese desse gesto possuir intenções ‘políticas’, com
o objetivo de mostrar à sociedade santa-mariense a boa vontade de uma associação
‘estrangeira’ para com as ações que visassem à propagação da cultura brasileira”.
384
Figura nº 8
“Societá Italiana di Mutuo Soccorso”
Fonte: Acervo particular de Cátia Dalmolin
Em 7 de maio de 1942, o jornal A Razão noticiava: “Doado ao governo do Estado o
patrimônio da antiga Sociedade Italiana de S. Maria [sic]”. Segundo a reportagem: “[...] os
associados da antiga Sociedade Italiana de S. Maria [sic] acabam de dissolver essa
entidade, fazendo doação do seu patrimônio ao governo do Estado, sugerindo que o
edifício de dois pavimentos, onde a mesma funcionava [...] seja aproveitado para a
instalação do Centro de Saúde [...]”.
385
384
MELLO JÚNIOR, Hélvio José. Sede da Associação Italiana de Santa Maria: estudo de caso sobre a
validade da preservação de edificações descaracterizadas. Monografia de especialização. Santa Maria:
UFSM, 2005.
385
Doado ao governo do Estado o patrimônio da antiga Sociedade Italiana de S. Maria. A Razão,
Santa Maria, 7 de maio de 1942, p.4.
116
Nas edições seguintes, publicou-se praticamente a mesma notícia, mencionando a
intenção da doação. Posteriormente, em 1943, o jornal completava: “[...] é do domínio
público, logo que foi extinta a Sociedade Italiana Mutuo Soccorso desta cidade, liderada
pelo sr. Antonio Lozza, iniciou uma campanha com o objetivo de ser doado o prédio em
que funcionava, bem como o respectivo terreno ao governo do Estado para nele funcionar
o Centro de Saúde. A campanha resultou na aprovação dessa resolução por quarenta e
cinco antigos associados, os quais assinaram a lista de adesão ao movimento [...]. Agora, a
doação vem de ser concretizada com a lavratura da respectiva escritura [...]”.
386
Em “Ser ou não ser italiano: descendentes de imigrantes em Santa Maria durante o
Estado Novo”, alguns depoentes contestam a versão da doação da entidade. Angélica de
Medeiros Rios transcreveu o depoimento de Neuton Pasin: “[...] a tomada de nossa sede
[foi assim] três viaturas do exército, em uma noite de 1942, recolheram os associados da
Associação Italiana, forçaram uma assembléia e forçaram a entrega do prédio para o
governo do estado”.
387
O depoimento de Valmor Torri, transcrito também por Angélica
Rios, ratifica a versão de Neuton Pasin. “Chamaram os sócios existentes naquela época e
disseram assim: ‘vocês são obrigados a nos doar o imóvel porque é uma lei do Getúlio’.
Então eles fizeram uma reunião e obrigaram os cara [sic] a fazer uma doação voluntária.
Só que essa doação voluntária, não foi voluntária.”
388
Depois de intenso trabalho dos
descendentes dos fundadores e sócios da sociedade, em 1996, o prédio foi devolvido pelo
Governo do Estado aos descendentes de italianos de Santa Maria, após aprovação de lei,
por unanimidade, pela Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. A sede abriga
atualmente a Associação Italiana de Santa Maria [AISM].
“Sociedade Italiana Luigi Amadeo di Savoia Duca Degli Abruzzi”
De 1896 a 1942, em São Marcos, funcionou a Sociedade Italiana Luigi Amadeo di
Savoia Duca Degli Abruzzi. Durante o Estado Novo, foram também demolidos
monumentos históricos. Em 1942, em São Marcos, foi destruído o monumento levantado
em homenagem aos italianos que morreram na guerra colonial da Líbia, construído pelos
membros da Sociedade Italiana Luigi Amadeo di Savoia Duca Degli Abruzzi.
386
Doado o patrimônio da Sociedade Italiana de Santa Maria. A Razão, Santa Maria, 23 de abril de 1943,
p.3.
387
Cf. RIOS, Angélica de Medeiros. Ser ou não ser italiano [...]. Ob.cit., 2001. p.133.
388
Ibidem, p.134.
117
Figura nº 9
Vila de São Marcos - Santa Maria. A seta indica a localização do Monumento em
homenagem aos italianos que morreram na guerra da Líbia.
Fonte: Acervo Particular de Cátia Dalmolin
Esta Sociedade Italiana foi criada em 1
0
de setembro de 1896, com 21 sócios
fundadores, com administração provisória composta pelos sócios Andrea Pozzobon,
Battista Beltrame e Massimiliano Danesi.
389
Em 2 de junho de 1929, devido a mudanças
em seus estatutos, a sociedade Luigi Amadeo di Savoia Duca Degli Abruzzi passou a
designar-se La Societá Italiana Pátria e Soccorso Duca degli Abruzzi. Na sociedade, o
presidente devia usar um cachecol tricolor, o vice-presidente, dois laços tricolorores e os
demais sócios, uma só fita na lapela esquerda.
390
A idade dos sócios também estava
estipulada no estatuto, no Artigo XVII, variando de 12 a 60 anos, “desde que estejam em
boa constituição física”.
391
389
Cf. STATUTO “Della Societá Italiana Pátria e Soccorso Duca degli Abruzzi” de São Marcos, 1896, p.3.
390
Ibidem.. Artigo X- “... Sciarpa tricolore per il presidente: due cocarde tricolori al vice presidente: [...] i
soci una sola cocarda all’occhiello sinistro...”
391
Ibidem, p. 5 . “L’etá per essere accettati soci é daí 12 ai 60 anni purchè siano di sana costituzione
fisica...”
118
Figura nº 10
Monumento na vila de São Marcos-Santa Maria em homenagem aos italianos que
morreram na guerra colonial da Líbia.
Fonte: Acervo Particular de Cátia Dalmolin
Em “As sociedades de socorros mútuos italianas em São Paulo”, Tânia Regina de
Luca assinalou que o Decreto- Lei n° 383, de 18.4.1938, vedava, na prática, a renovação
dos quadros sociais das associações italianas, pois “proibiu os brasileiros natos ou
naturalizados, ainda que filhos de estrangeiros, de pertencerem a clubes ou sociedades com
fins culturais, beneficentes ou assistenciais fundadas por imigrantes [...] em alguns anos
naturalmente esse tipo de mutual deixaria de existir”.
392
Para sobreviver, a Associazione di
Mutuo Soccorso Umberto Iº Fra Gli Operai Italiani abrasileirou-se, enquanto a La Societá
Italiana Pátria e Soccorso Duca degli Abruzzi e a Società di Mutuo Soccorso i Recreativa
extinguiram-se de maneiras diferenciadas.
392
LUCA, Tania Regina de. 1990. As sociedades de socorros mútuos italianas de São Paulo. In: BONI, Luis
D. A presença italiana no Brasil. Porto Alegre:EST; Torino: Fondazione Giovanni Angelli, v.2. p.383-400.
119
Mi son talian grassie a Dio!
Segundo Instruções Gerais baixadas pelo chefe da polícia do Estado do Rio Grande
do Sul, o tenente-coronel Aurélio da Silva Py, em janeiro de 1942, aos estrangeiros não era
permitido: “a) Viajar de uma localidade para outra sem licença da polícia (salvo-conduto);
b) Reunirem-se, ainda que em casas particulares e a título de comemoração de caráter
privado [...]; c) Discutirem ou trocar idéias em lugar público, sobre a situação
internacional; d) Mudarem de residência sem prévia comunicação à Polícia; e) Viajarem,
por via aérea, sem licença especial da Polícia; f) Obterem licença para andar armado e
registrar armas, ficando, nesta data, cassados todos os registros e autorizações concedidas
anteriormente para o porte de armas; g) Obterem licença para negociar armas, munições ou
material de explosivos ou que possam ser utilizados na fabricação de explosivos, ficando,
igualmente cassadas, nesta data, todas as licenças anteriormente concedidas para esse fim
[...]”.
393
Ficou proibido ainda: “a) Distribuir escritos em idioma das potências com as quais
o Brasil rompeu relações; b) Cantar ou tocar hinos das referidas potências; c) Usar o
idioma das mesmas potências em conversações em qualquer lugar público, inclusive, cafés,
bares, restaurantes, hotéis, cinemas, lojas, etc; d) Exibir, em lugar acessível ou exposto ao
público, retratos de membros dos governos daquelas potências”.
394
Cláudia Sganzerla, em A lei do silêncio, mostrou que houve um ápice na política
nacionalista e nacionalizadora de Vargas, de mais ou menos dois anos. O período
apresentou um choque entre o mundo rural e urbano, que sentiram de forma diferenciada o
Estado Novo. No primeiro, seus reflexos foram quase nulos, os hábitos cotidianos não
foram modificados, como também fora observado em Silveira Martins, na região central do
RS. Segundo a pesquisadora, as medidas nacionalizadoras do governo varguista foram
ínfimas em Guaporé, quando comparadas a delitos como: defloramento, desacato,
desordem, embriaguez, ferimentos e roubos. Cláudia Sganzerla afirmou que apenas 0,11%
da população teria sido atingida pela repressão naquela localidade.
395
O Estado Novo chegou em 1937 e, segundo o artigo vinculado no jornal A Razão,
de janeiro de 1942, Silveira Martins era uma cidadela italiana! Mesmo em 1942, com o
auge das medidas de nacionalização, na região de Santa Maria, no distrito de Silveira
Martins, fala-se o dialeto, em qualquer ambiente, desde o privado ao público.
393
Estabelecida a conduta que devem seguir os simpatizantes do eixo. A Razão, Santa Maria, 30 de janeiro de
1942, p.4 . A mesma pode ser encontrada no Jornal do Comércio, de Cachoeira do Sul, na edição de 4 de
fevereiro de 1942.
394
Ibidem.
395
Cf. SGANZERLA, Cláudia Mara. A Lei do Silêncio [...] Ob. cit.
120
Cláudia Sganzerla explica: “[...] foi, sobretudo a partir de 31 de agosto de 1942,
quando da entrada do Brasil na II Guerra, contra a Alemanha e a Itália, que as
determinações gerais passaram a ser impulsionadas, também em Guaporé, com maior zelo,
de forma bastante desigual, no que se refere à sede e ao interior do município”.
396
No caso
de Santa Maria, verificam-se as manifestações antieixo, na sede da localidade, a partir do
dia 18 de agosto quando houvera saques e depredações em alguns estabelecimentos
comerciais. No interior, em sua grande maioria de descendência italiana, não houvera
grandes modificações dos hábitos e costumes, mesmo com a chegada dos comícios
monstros de brasilidade, que serão analisados no capítulo 4.
Também em Santa Maria, como propôs René Gertz, em O Estado Novo no Rio
Grande do Sul, “as ações [nacionalizadoras] podiam variar de região para região, de forma
que determinado grupo de ‘alienígenas’ em determinada região podia ser atingido com
intensidade bastante diferente que o mesmo grupo em outra região”.
397
Na região central
do RS, cada localidade tinha o seu subprefeito que, na época, também acumulava a função
de subdelegado. Entre eles, destacaram-se Almiro Borges, Lauro Machado, Barcellos e
Orvalino Bernardes.
398
Em algumas localidades, como no caso de São Marcos, existia o
chefe de seção, que era escolhido pelo subdelegado [ou subprefeito] e tinha como principal
função, segundo depoimentos, “fiscalizar as ações dos italianos”.
399
Um depoente descreveu sua infância na década de 40: “[...] eu fui apelidado de
Quinta-coluna, eu sofri muito também quando era guri [...] um dia, eu fiquei de castigo
porque não soube dizer uma palavra em português e o castigo era até a hora que saía a
primeira estrela no céu, no primeiro ano do primário.”
400
Os depoimentos sugerem que o
dialeto vêneto era aprendido e mantido no âmbito familiar, enquanto o português,
geralmente na escola!
Algumas prisões mereceram reportagens especiais na mídia impressa, porém elas
foram escassas, não ultrapassando dez casos durante todo o ano de 1942, na cidade de
Santa Maria. Não raro, a pessoa era liberada após averiguação dos documentos.
Antônio Sarturi, de Silveira Martins, ao solicitar salvo-conduto, declarou ser de
origem italiana e, como era brasileiro, acabou sendo preso.
401
Albino Copetti, em jogo de
396
Ibidem, p. 136.
397
GERTZ, René. O Estado Novo [...]. Ob. cit., p.146.
398
Cf. DALMOLIN, Cátia. Mordaça Verde e Amarela [...]. Ob. cit., p.99.
399
Ibidem.
400
Entrevista realizada com depoente A. Já citada.
401
Cf. Nasceu em Silveira Martins e afirmou na delegacia de polícia que era italiano. A Razão, Santa Maria,
29 de janeiro de 1942, p.7.
121
cartas com Guilherme Cassel, Pedro Sangoi e Felisberto Lopes, declarou em voz alta que
não era brasileiro, sendo denunciado e preso.
402
Pedro Lorenzi Filho e Vitório Lorenzi
acabaram na cadeia por injuriarem a bandeira e o governo do Brasil.
403
O subdelegado de
Arroio do Só, Lauro Machado, prendeu o agricultor Fiovo Pasqualini, por falar em italiano
em público. O amigo de Pasqualini, Antônio Druzian, em represália, cortou a iluminação
pública da localidade, já que era proprietário da usina elétrica da mesma, sendo por isso
também detido.
404
Em agosto de 1942, o carroceiro Paulo Rizzati, 42 anos, da vila Silveira Martins,
“ficou detido na cadeia civil, é [sendo] de origem italiana e, [...] em diversas ocasiões
manifestara-se favorável às hordas totalitárias”.
405
O subdelegado Orvalino Bernardes
efetuou a prisão porque o carroceiro ofendeu as autoridades. Segundo a documentação,
“em certa ocasião, [Rizzati] revelou o seu nenhum amor à terra que lhe serviu de berço e
onde vive. [...] no pátio da subdelegacia, um empregado discutia com José Batistelo, um
desequilibrado mental [sic], por motivos banais. O soldado Alcides Teixeira procurava
acalmar José Batistelo. Em dado momento, sem que ninguém esperasse, surgiu Paulo
Rizzati, que entrou portão adentro da subdelegacia, aproximando-se do grupo aos gritos: –
Que anarquia é essa! Que absurdo! Essa terra não tem autoridade. Isso é uma verdadeira
esculhambação”.
406
No dia seguinte, foi efetuada a prisão e aberto inquérito a respeito do
acontecido. Fatos que, se verídicos, registram a desenvoltura de Rizzati com as forças
policiais, igual ao desplante de Antonio Druzian, com a iluminação pública de Arroio do
Só!
Algumas prisões ficaram registradas com destaque na memória dos moradores da
Quarta Colônia de Imigração Italiana do RS, porém não há nem mesmo comprovação
documental destes que teriam sido os casos mais graves na região central. Em junho de
1943, dezenove pessoas de Dona Francisca foram detidas em Cachoeira do Sul, segundo
depoimento de Alfredo Segabinazzi, por estarem em um baile cantando músicas
italianas.
407
Em Vale Vêneto, hoje distrito de São João do Polêsine, foi detido Serafim
Moro, também em Cachoeira do Sul, que faleceu na prisão, em 19 de fevereiro de 1943.
Dessa localidade, foram presos ainda Leonardo Hermes, Camilo Bevilaqua e Ângelo
402
Cf. É brasileiro e fez questão de dizer que não o é! A Razão, Santa Maria, 22 de abril de 1942, p.7.
403
Cf. Presos no interior do município, dois fanáticos do fascismo italiano. A Razão, Santa Maria, 30 de abril
de 1942, p.7
404
Cf. DALMOLIN, Cátia. Mordaça Verde e Amarela [...]. Ob. cit.
405
Ofendeu as autoridades policiais de Silveira Martins. A Razão, Santa Maria, 18 de agosto de 1942, p.7.
406
Ibidem.
407
Cf. Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com Alfredo Segabinazzi, Dona Francisca, 24 de abril de
1999.
122
Pivetta, ao que parece, este último presidente da AIB naquela localidade. Em Faxinal do
Soturno, as prisões aconteceram, principalmente, devido ao gaiteiro que acompanhava os
filós.
408
Após as festas, o gaiteiro ia até o subprefeito para denunciar os italianos e ítalo-
brasileiros. No interior de Faxinal do Soturno, na localidade de Santos Anjos, foram
detidos, também em Cachoeira do Sul, Aquiles Dalasta e o italiano Antônio Ceretta, este
último, segundo depoimentos de pessoas da vila, teria falecido na prisão.
409
Casos de abusos também foram registrados na localidade de Dona Francisca. Ana
Barchet, moradora do interior de Dona Francisca, relatou que “não podia falar italiano.
Aqui houve uma época que vieram uma turma do exército para vasculhar quem falava
italiano. E pegaram, lá em Formoso, aqueles alemães, tudo que eles tinham, quadro,
espingarda, cavalo carregado de coisas e eles com o quadro dependurado no pescoço,
caminhando pela estrada a pé, todo mundo enxergando.”
410
Porém, não pode-se
generalizar. Casos como este foram irrisórios e isolados. Através de depoimentos, percebe-
se que aconteciam, geralmente, quando o subdelegado e/ou subprefeito tinham alguma
desavença, de caráter particular, com os imigrantes ou descendentes, onde se aproveitavam
da prerrogativa de serem autoridades para atitudes mais arbitrárias.
Para Cláudia Sganzerla, no interior, o colono utilizava-se do dialeto para
comunicação e mal conhecia o português. Muitas vezes, desconheciam as novas leis e
símbolos nacionais. Já no mundo urbano, os habitantes eram mais informados sobre as
políticas e falavam além do dialeto, também o português. Para a autora, “não raro o ato de
falar italiano ou desonra aos símbolos nacionais brasileiros podia expressar conteúdos
políticos, ideológicos e culturais”.
411
Como mencionado anteriormente, as prisões foram numericamente sem expressão
bem como os casos de abusos de autoridades. Tudo dependia da autoridade, no caso
subdelegado ou subprefeito e a sua relação com a região. Por vezes, os desafetos políticos
serviam de bode expiatório para ações mais incisivas.
Quanto ao período de prisão, dependia do delito. Em geral, a pessoa era detida,
averiguava-se a documentação, fazia-se uma fichamento, passava um ou dois dias sendo
liberto. Porém houve casos de vários dias e, como mencionado, de mortes na cadeia.
408
Encontros em que os italianos jogavam baralho, mora, comiam, bebiam vinho e cantavam músicas
italianas.
409
Cf. Maiores informações veja: DALMOLIN, Cátia (Org). Mordaça Verde e Amarela [...] Ob.cit.
410
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com Ana Volcato Barchet, Dona Francisca, 15 de junho de 1998.
411
SGANZERLA, Cláudia Mara. A Lei do Silêncio [...] Ob. cit., p.147-148.
123
Segundo relatos, o professor, sociólogo e advogado ivorense Alberto Pasqualini
(senador do RS de 1951-1956), teve papel importante na defesa dos colonos italianos. Ele
era procurado não somente no caso das prisões, mas também em questões menores, como a
devolução de bois indevidamente retirados de propriedade por conta de crédito que colono
possuía com a cooperativa local.
Eusébio Busanello, morador de Faxinal do Soturno, relata: “Alberto Pasqualini foi
quem defendeu muitos italianos, [...] ele tinha essa virtude, ele não queria que o pessoal
passasse vexame nem nada porque ele era um homem humanitário.”
412
No caso da
localidade de Dona Francisca, Segabinazzi relata: “[...] quem nos soltou foi o Alberto
Pasqualini, ele mandou a ordem de Porto Alegre que tinha gente conhecida dele preso e aí
soltaram todos.”
413
Os cidadãos dos países do Eixo e seus descendentes também tiveram seus telefones
cortados, canceladas as inscrições de associados ao Conselho da Ordem dos Advogados,
bloqueadas suas contas bancárias, confiscados seus bens a título de indenização pelo
afundamento dos navios brasileiros, cassadas as autorizações dos bancos estrangeiros,
confiscados seus aparelhos de rádio.
414
Na imprensa santa-mariense, são poucas as reportagens sobre prisões, mas menores
ainda aquelas vinculadas diretamente a posicionamentos políticos como assinalado no
capítulo 2. Quase sempre, os motivos das prisões apresentadas pela imprensa era banal,
como falar italiano em público, dizer-se italiano, etc., surgidos, possivelmente, não raro, de
inimizades pessoais. A imprensa não divulgou igualmente as prisões de várias pessoas ao
mesmo tempo, como no caso de Dona Francisca, onde dezenove pessoas foram detidas, de
uma única vez, por oito dias.
Cláudia Sganzerla, mostra a realidade encontrada no município de Guaporé no
tocante as medidas de nacionalização implementadas por Vargas. Suas considerações
podem ser aplicadas também a Santa Maria. Segundo a autora, “efetivamente, apesar de se
caracterizar pela expressividade de cidadãos italianos ou, sobretudo, de origem italiana, o
meio rural do município não foi alvo privilegiado dessas políticas. Ao contrário, a sede da
colônia ou, ainda, mais raramente, as sedes distritais foram palco de medidas autoritárias
nacionalistas e nacionalizadoras”.
415
412
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com Eusébio Roque Busanello, Faxinal do Soturno, 20 de maio
de 1998.
413
Entrevista realizada com Alfredo Segabinazzi. Já citada.
414
Cf. DILLENBURG, Sérgio Roberto. Tempos de incerteza. [...] Ob.cit.
415
SGANZERLA, Cláudia Mara. A Lei do Silêncio [...] Ob. cit., p.136.
124
CAPÍTULO 4: EM NOME DA PÁTRIA: AS MANIFESTAÇÕES
CONTRA O EIXO EM SANTA MARIA,
NO DIA 18 DE AGOSTO DE 1942.
Com o Brasil, pelo Brasil: comícios de brasilidade
Em janeiro de 1942, no encerramento da III Conferência dos Ministros das
Relações Exteriores Americanas, Osvaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores do
Brasil, declarou o rompimento das relações diplomáticas e comerciais do Brasil com
Alemanha, Itália e Japão. Em seguida, foi dirigida, pelo Interventor do RS, Cordeiro de
Farias, uma circular a todos os prefeitos do Rio Grande do Sul, comunicando o
rompimento das relações diplomáticas brasileiras com os países do Eixo: “[...] tendo o
governo brasileiro rompido relações diplomáticas e comerciais com o Japão, Alemanha e
Itália, o governo do Estado recomenda a população manter o mesmo espírito de ordem e
perfeita disciplina com que vem até agora acompanhando o desenvolvimento da situação,
certo de que ela manterá a mesma unidade de sentimentos e de pensamento que vem
demonstrando desde a manifestação da nossa solidariedade aos EUA da América do Norte,
quando da insólita agressão japonesa. Ainda que surjam situações mais graves, a
população não deverá adotar uma atitude agressiva para com os súditos das nações
referidas, residentes no Brasil. Suas pessoas, seus bens e suas honras. Práticas de
125
destruição, de perseguição, de violência cometidas contra indivíduos desarmados, são
proscritas pelo Direito Internacional e prejudiciais ao bom nome da Nação.”
416
Em inícios de março de 1942, a imprensa santa-mariense noticiava os comícios de
brasilidade ou caravanas de brasilidade em Santa Maria e região, como Silveira Martins,
que chegou a ser classificada de “vila italiana encravada no brasileiríssimo [sic] município
de Santa Maria” ou, ainda, “terra mussoliniana”.
417
Em 7 de março, foi a vez de Santa
Maria assistir a um desses comícios. Em Santa Maria, a praça Saldanha Marinho, ponto
central da cidade, foi o local escolhido para o encontro. Os aviões do Aéreo Clube de
Santa Maria sobrevoaram a sede da cidade distribuindo à população boletins informativos
e convites para o comício.
O primeiro orador da noite foi Moacir Santana – secretário do Ateneu Graça
Aranha [AGA] –, promotor do comício. Segundo A Razão, o orador teria discursado com
as seguintes palavras: “[...] terra de liberdade, o Brasil, deu guarida a loiros e amarelos,
vindos das terras da Europa e das terras da Ásia. [...] Infelizmente, quando hoje podiam
mostrar sua gratidão, esses homens vindos de terras longínquas cospem nas mãos dos que
os ampararam. Querem trazer desarmonia à perfeita sincronização de nossa vida de
trabalho e progresso. [...] Malditos sejam esses homens que não têm gratidão!”
418
Além de
Moacir Santana, discursaram ainda Fernando do O’, jornalista, Augusto Mena Barreto e
Ernani Vanacor, poeta, representando os ferroviários.
419
O jornal A Razão apelou aos “ferroviários santa-marienses, no sentido de
comparecerem, em sua totalidade, ao local do comício, para expressar o apoio do
trabalhador nacional à política do chefe da Nação em face dos agressores dos povos livres
e dignos”.
420
Em 14 de março, o jornal publicou a reportagem “Raras vezes Santa Maria
terá vivido horas de tanta emoção cívica”: “[...] camadas populares promoveram o maior
‘meeting’ já visto em Santa Maria, onde uma verdadeira multidão se concentrou no
principal logradouro público. [...] O primeiro agrupamento teve lugar, no largo da estação
ferroviária, de onde manifestantes marcharam em passeata, subindo a longa avenida Rio
416
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Secretaria do Governo, FONOGRAMA, Maço 19, 29 de janeiro
de 1942.
417
As raças que preponderam na formação da população santa-mariense. A Razão, Santa Maria, 1 de janeiro
de 1942, p. 10.
418
Vibrante demonstração de patriotismo o comício de ontem! A Razão, Santa Maria, 8 de março de 1942,
p.3.
419
Ibidem.
420
Idem.
126
Branco, vindo empunhadas à frente várias bandeiras nacionais e o pavilhão Norte-
Americano, além de expressivos cartazes patrióticos”.
421
Mesmo afirmando que o comício fora promovido por camadas populares, os
oradores, integrantes do AGA, teceram comentários sobre a situação internacional, na
sacada do Jornal A Razão, onde discursou também Clarimundo Flores, fundador do jornal.
Em 15 de março, foi a vez de Silveira Martins receber a caravana de brasilidade.
Um ônibus especial partiu de Santa Maria, conduzindo os integrantes do AGA [não foram
citados os nomes], jornalistas e oradores. Outros transportes foram disponibilizados à
população que quisesse participar. Os oradores designados foram Henrique Bastide –
presidente do Ateneu; Lisboa Carrion e Carlos Oliveira – membros do AGA.
422
O
promotor local do comício realizado na praça central de Silveira Martins foi o médico
Otalicio Danesi. O morador daquela localidade, João Ferrari, ofereceu um coquetel aos
componentes da caravana em sua residência. Destaque-se que ambos eram de origem
italiana.
A vila de Silveira Martins foi apresentada pelo A Razão como “plenamente
solidária com a política democrática do governo brasileiro, pois em sua maioria composta
por italianos, esses repudiam os métodos bárbaros do nipo-nazi-fascismo”.
423
Em Santa Maria, ao que tudo indica, em julho de 1942, foi lançada a Ala
Democrática da Mocidade [ADM], um braço da Liga de Defesa Nacional [LDN], que
tinha como presidente do núcleo local Valter Jobim, futuro governador do Rio Grande do
Sul em 1947. O organizador local da ADM foi Adão Barcellos. A Ala tinha como
finalidade principal “prestigiar a política internacional do governo brasileiro e combater a
infiltração do fascismo”.
424
Entre os principais estabelecimentos de ensino da cidade que aderiram ao
movimento estavam Colégio Centenário, Escola Normal Olavo Bilac, Colégio Fontoura
Ilha, Ginásio Sant´Ana, Orfanato São Vicente de Paulo, Escola Santa Terezinha, Colégio
Coração de Maria, Ginásio Estadual Santa Maria, União da Mocidade Episcopal, Ateneu
421
Raras vezes Santa Maria terá vivido horas de tanta emoção cívica. A Razão, Santa Maria, 15 de março de
1942, p.7.
422
Cf. Amanhã a demonstração de brasilidade e americanismo em Silveira Martins. A Razão, Santa Maria, 14
de março de 1942, p.3.
423
Silveira Martins recebeu de braços abertos os emissários da democracia. A Razão, Santa Maria, 17 de
março de 1942, p.3.
424
Amanhã a grande sessão pública [...].
127
Graça Aranha e Curso Noturno Xavier da Rocha.
425
Em sua grande maioria, as escolas
que aderiram à ADM eram particulares e estavam nas mãos de congregações religiosas.
Em 1º de agosto, aconteceu a primeira sessão de brasilidade da ADM, quando foi
eleita como presidente Maria Minssen, representante do Colégio Centenário. Em 16 de
agosto, em reportagem intitulada “Com o Brasil no coração, a mocidade e operário se
irmanam para a mesma luta”, A Razão afirma, dirigindo-se aos operários: “[...] o operário
brasileiro que tudo tem sofrido, até o vexame de ver em seu seio meia dúzia de manequins
vestindo a camisa verde e os penduricalhos adotados pelo magro fhürer brasileiro, esse
operário está de olhos vigilantes e ouvidos à escuta”.
426
A referida reportagem é um incentivo à mocidade e aos operários para a luta,
porque “por todos caminhos, esses pedaços de mundo, luta e morre a mocidade e o
proletariado que sabe ter a dignidade de lutar e morrer se preciso for, mas morrer de pé,
morrer defendendo a liberdade, a ter que viver ajoelhado diante dos senhores pensando
como máquinas, puxando o carro dos ditadores, como cavalos”.
427
Os comícios de brasilidade, como o de 18 de agosto de 1942, que acabou em
depredações, eram promovidos pelo Ateneu Graça Aranha, entidade de agremiação de
intelectuais santa-marienses presidida por Henrique Bastide. Como também já mencionado
no Capítulo 3, Henrique Bastide era militante do Partido Comunista em Santa Maria e
diretor da Biblioteca Pública Municipal, que hoje porta seu nome.
428
Graça Aranha foi um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna em 1922.
Entre suas obras mais significativas, encontra-se Canaã, de 1902, que retrata a vida
colonial de imigrantes europeus no Espírito Santo, através dos personagens principais,
Milkay e Lentz. Os protagonistas apresentam maneiras diferentes de ver o mundo. Milkay
acredita ter encontrado a terra prometida, ou seja, a Canaã, no Brasil. Já Lentz, inadaptado
à realidade brasileira, é racista e preconceituoso, acreditando na supremacia da raça ariana
sobre os mestiços, considerados por ele fracos e indolentes, como próprio das ideologias
racistas muito difundidas na época.
429
Os imigrantes que, segundo os intelectuais do Ateneu Graça Aranha, aderiam às
“ideologias totalitárias”, seriam como Lentz, pessoas que não se adaptavam ao Brasil. Se
425
Ibidem.
426
Com o Brasil no coração, a mocidade e operário se irmanam para a mesma luta. A Razão, Santa Maria, 16
de agosto de 1942, p.7.
427
Ibidem.
428
Cf. Vibrante demonstração de protesto contra o barbarismo totalitário. A Razão, Santa Maria, 19 de agosto
de 1942, p.6.
429
Cf. DALMOLIN, Cátia. Caravana de brasilidade [...]. Ob.cit., p.15.
128
fossem racistas, propondo a supremacia racial dos estrangeiros sobre os brasileiros, seria
natural que fossem combatidos, ainda mais que o nacionalismo brasileiro pretendia criar
um país com um só povo, de múltiplas origens raciais, unidas por uma única língua e
cultura. Os imigrantes e descendentes de imigrantes, adeptos do racismo e da supremacia
racial, seriam perigosos para o Brasil. Porém, havia os Milkay, que, mesmo de origem
estrangeira, integravam-se e enriqueciam a nova pátria.
430
18 de agosto de 1942 no RS
Na edição de 18 de agosto, o Correio do Povo mostrou que “as notícias do
afundamento de mais cinco navios brasileiros estão provocando manifestações de revolta
em todas as rodas locais, havendo mesmo exaltação de ânimos. Durante a noite, foram
assinaladas com tinta diversas casas por suspeita de serem ‘eixistas’ seus proprietários.
Promovida pela Ala Democrática da Mocidade de Santa Maria, com apoio da Liga de
Defesa Nacional e autorização expressa da chefia de polícia, realizar-se-á amanhã um
comício na praça pública, em protesto aos atos de vandalismo que vêm cobrir de luto
muitos lares brasileiros”.
431
A data marcada para o comício era 22 de agosto, sendo o
mesmo antecipado para o dia 18, quando do torpedeamento do navio Baependi e a da
declaração de guerra do Brasil ao Eixo.
Como assinalado, o submarino alemão U-507 afundou no litoral baiano, em 15 de
agosto de 1942, comumente com dois torpedos, para impedir o salvamento dos passageiros
e tripulantes, os navios brasileiros civis Baepende, morrendo 270 pessoas; o Araranguá,
com a morte de 131 dos 142 tripulantes e passageiros. No dia seguinte, foi torpedeado o
Anibal Benévolo, também no litoral baiano, com 150 mortos das 154 pessoas a bordo. No
dia 17, ao sul de Salvador, foram torpedeados o Itagiba, com 36 mortos e o Arará com 20
vítimas. Finalmente, em 19 de agosto, também ao sul de Salvador, foi torpedeado o navio
Jacira, salvando-se os seus tripulantes. O verdadeiro massacre ensejado pelos
torpedeamentos, com 602 mortes, de todas as idades e sexos, causou imensa revolta
através do Brasil e a declaração imediata de guerra aos países do Eixo.
432
Cordeiro de Farias, interventor do RS, - de simpatia pró-Aliados - , não deixou de
prestar sua solidariedade ao presidente Getúlio Vargas. Escreveu ele: “[...] nessa hora
430
Ibidem.
431
Afundamento de navios brasileiros. Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de agosto de 1942, p. 2 .
432
Cf. http://wwwsegundaguerr.superforos.com/viewtopic.php?, acessado em 20 de setembro de 2006.
129
cruciante em a que Pátria Brasileira foi mais uma vez brutal e covardemente atingida pela
barbárie totalitária tenho grata satisfação [de] transmitir [ao] grande Presidente irrestrita
solidariedade e integral apoio [das] classes conservadoras [do] Estado através [da]
federação [das] suas associações comerciais nesse momento assim como emocionantes
demonstrações [de] protesto e civismo [da] população de Porto Alegre que tenho a certeza
representam pensamento unânime [do] RS que, pelo Brasil, coeso e confiante aguarda mais
uma vez a palavra de ordem de seu grande filho.”
433
Em um novo telegrama, endereçado ao Ministério da Justiça, a fim de informar a
situação no Estado, de caráter secreto e urgente, Cordeiro de Farias informou a situação de
Porto Alegre: “[...] desde ontem, à noite [18 de agosto], no curso de grandes
demonstrações cívicas, numerosa massa popular fez depredações no centro da cidade e em
diversos bairros, em casas comerciais pertencentes a súditos do Eixo. No sentido [de]
circunscrever máxima possível tais fatos, tomei pessoalmente todas as medidas,
aconselháveis [no] momento assim como determinei providências enérgicas [no] sentido
[de] evitar reprodução [de] tais fatos. No momento [a] cidade [está] tranqüila, sendo
policiada [por] forças estudais e federais. No interior, [as] notícias são [de] grande
exaltação. Em Santana do Livramento foi morta uma pessoa de nacionalidade alemã.
Governo [do] Estado tem agido [com] inteira colaboração [do] comando [da] 3ª região.
434
A massa popular tomou conta das ruas de diversas cidades brasileiras – o que não
foi diferente em Santa Maria – durante quase dois dias, revidando os ataques do Eixo
[Alemanha, Itália e Japão].
José Plínio Fachel, em As violências contra alemães e seus descendentes, durante
a Segunda Guerra Mundial em Pelotas e São Lourenço do Sul, analisou fatos semelhantes
ocorridos em Pelotas e São Lourenço do Sul, relatando o desejo de vingança da população.
O historiador transcreveu a notícia do jornal pelotense Diário Popular: “[...] à noite, à
medida que a exaltação popular aumentava, uma multidão incalculável, vibrando de
revolta, apedrejou diversas casas comerciais alemãs [...]. Inominável e fiel aos seus
propósitos de também colaborar na defesa da nação, o povo atacou os Hotéis do Comércio
e América, de propriedade de alemães, [...]. Ainda às duas horas de hoje, a multidão,
433
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Correspondências governantes, TELEGRAMA, Maço 149,
1942.
434
Ibidem.
130
enfurecida, percorria as ruas da cidade depredando e arrasando as casas de residências e de
comércio dos súditos do eixo e outras, também pertencentes à quinta-colunistas [sic]”.
435
Da mesma forma que o ocorrido em Santa Maria, a imprensa de Pelotas também
classificava o movimento como ordeiro e patriótico, ressaltando que: “Pelotas, como as
demais cidades do Brasil, vibra de indignação, [...] demonstrando-a através de gigantescas
manifestações populares. Em prosseguimento a essas demonstrações, os estudantes de
Pelotas, de todas as escolas superiores e secundárias, efetuaram majestosa passeata [...]
dentro da maior ordem.”
436
Em Porto Alegre não foi diferente, como mostrou Sérgio Dillenburg, em Tempos de
incerteza. Uma onda de depredações, saques e destruição tomou conta da cidade, onde
“pessoas sozinhas ou em grupos [...] percorriam as ruas do centro, bradando por vingança,
pelo rompimento da neutralidade brasileira e imediata declaração de guerra à Alemanha,
Itália e Japão. À medida que se deslocavam maior era a aglomeração que, exaltava,
atiravam pedras, paus ou qualquer outro objeto que lhes caíam às mãos e arremessavam-
nas contra as vitrinas, fachadas ou janelas das firmas comerciais, sempre que descobrissem
que eram de propriedade de alemães ou italianos, depredando-as com fúria e violência”.
437
Marleni de Faveri, em Memórias de uma (outra) guerra, ressaltou que “em
Florianópolis, Joinville, Blumenau e provavelmente em outras cidades houve atos
públicos, quando a multidão enfurecida apedrejou casas, pichou muros e paredes, quebrou
placas de ruas e lojas com nome alemão, achincalhou estrangeiros e descendentes
obrigando-os a darem vivas ao Brasil e aos Interventores Nereu Ramos e Getúlio Vargas,
atos que continuaram esporadicamente nos meses seguintes”.
438
René Gertz, em O Estado Novo no Rio Grande do Sul, mostrou que, no Rio Grande
do Sul, “o maior volume de violência física simultânea ocorreu nos dias 18 e 19 de agosto
de 1942, após o afundamento do quarto [sic] navio brasileiro por submarinos alemães. As
violências desse momento foram praticadas em grande parte por ‘populares’, isto é, por
manifestações de rua, não, diretamente, por instâncias estatais. Mas não se pode esquecer
que o interventor Cordeiro de Farias se juntou aos manifestantes, no início dos protestos,
[...] como a dar o seu aval”.
439
O mesmo autor enfatizou que “as forças policiais não
435
FACHEL, José Plínio Guimarães. As violências contra alemães e seus descendentes, durante a Segunda
Guerra Mundial em Pelotas e São Lourenço do Sul. Pelotas: Editora UFPEL, 2002. p.198
436
Ibidem.
437
DILLENBURG, Sérgio Roberto. Tempos de incerteza [...]. Ob. cit., p.23.
438
FÁVERI, Marlene de. Memórias de uma (outra) guerra. [...]. Ob. cit.,p.43.
439
GERTZ, René. O Estado Novo [...]. Ob. cit., p.174.
131
tomaram nenhuma medida para coibir as depredações. Somente no final do segundo dia, o
Exército interveio, para pôr fim aos atos de destruição”.
440
Segundo René Gertz, em 25 de julho de 1942, aconteceu, em Porto Alegre, um
grande comício contra o Eixo, reunindo 10 mil pessoas. O autor defende a idéia de que esta
manifestação seria uma prévia para os demais comícios, principalmente o do dia 18 de
agosto e lembra que até o decreto de nacionalização, em 1937, o dia 25 de julho era
reservado para comemorações referentes a chegada dos imigrantes alemães em São
Leopoldo.
441
Neste mês, têm-se no jornal santa-mariense apenas a manchete de uma reunião da
mocidade democrática na biblioteca pública municipal e nenhuma referência a comícios,
saques, violências, prisões ou quebra-quebras.
18 de agosto de 1942 na imprensa santa-mariense
Em Santa Maria, o comício de brasilidade foi marcado para as 16 horas do dia 18
de agosto de 1942. Nesta data, Santa Maria assistiu à maior demonstração de brasilidade
já vista. A cidade parou. O comércio fechou as portas em sinal de apoio à manifestação.
Manifestantes reuniram-se no largo da Viação Férrea. Políticos, jornalistas, autoridades,
representantes da igreja episcopal e metodista, ferroviários e a grande massa popular que
engrossava a manifestação, todos “erguendo vivas aos vultos máximos da democracia e
condenando os crimes totalitários”.
442
O povo exaltado trazia na lapela o símbolo da Ala Democrática, o V da Vitória em
prova “visível de simpatia ao governo e à América”, tomando a avenida Rio Branco,
seguindo rumo à praça Saldanha Marinho.
443
A cada quadra, cooptavam-se mais
populares. O comício serviu para exteriorizar “através de calorosas manifestações públicas,
o seu protesto contra as agressões covardes e sanguinárias desferidas à dignidade do
Brasil”.
444
Na noite de 18 de agosto, a massa popular subiu a avenida Rio Branco, quebrando e
saqueando os estabelecimentos comerciais de italianos e alemães e de alguns
descendentes. Seguiram as manifestações de exaltação patriótica pelas ruas Dr. Bozano,
440
Ibidem, p.175.
441
Idem.
442
Vibrante demonstração de protesto [...].
443
Ibidem.
444
Idem.
132
Venâncio Aires, Andradas, Silva Jardim, Ernesto Becker, Manoel Ribas, Acampamento e
Coronel Niederauer. Pela madrugada, abaixo de uma forte chuva, os populares tomaram as
ruas Sete de Setembro, Marechal Deodoro, seguindo rumo ao bairro Itararé conforme
mostra a Figura 11.
Figura nº 11
Mapa dos principais locais envolvidos no episódio em 18 de agosto de 1942
Legenda:
rua Marechal Deodoro
rua Sete de Setembro
av. Rio Branco
rua Dr. Bozzano
Gare da Estação Férrea
Praça Saldanha Marinho
Fonte: Planta de Santa Maria, elaborada em 1944 e publicada no Guia Geral do Município de Santa Maria
(1953). In: MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL FILHO, Valter Antônio. Santa Maria Relatos e
Impressões de Viagem. Santa Maria: Editora UFSM, 1997. p.249.
133
Em 22 de agosto de 1942, o jornal A Razão, principal representante da imprensa
santa-mariense no período, noticiou com destaque: “[...] a repulsa da multidão à traiçoeira
afronta totalitária também se manifestou em diversos atos de revide. Assim, apesar de
todas as medidas de vigilância e de precaução adotadas pelas autoridades policiais, foram
depredadas numerosas casas comerciais e fábricas de propriedades de súditos do eixo, bem
como de simpatizantes. Muitos objetos retirados das residências de elementos
descendentes dos países totalitários e brasileiros quinta-colunistas (sic) foram levados,
pelos populares, para o chafariz da Praça Saldanha Marinho e ali mergulhados. Cerca de 23
horas e 30 minutos o movimento no centro da cidade entrou em declínio. Contudo, colunas
populares percorriam as zonas mais afastadas, onde também se verificavam depredações
contra casas de elementos totalitários”.
445
Além do Hino Nacional, a população adotou como música oficial dos comícios
Deus Salve a América – hino estadunidense God bless América –, versão original de Kate
Smith (1938), escrita durante a Primeira Guerra Mundial, gravada no Brasil somente em
1945, na voz de Francisco Alves - intérprete e compositor brasileiro de samba e choro.
446
Entre outras coisas, a letra da referida música menciona as belezas da América,
como “os oceanos brancos com espuma”, as montanhas, pradarias, a luz e a noite.
447
Conforme o jornal A Razão, discursaram, na praça Saldanha Marinho, em frente à
sede do jornal, Valter Jobim, Augusto Mena Barreto, capitão Oliveira Mesquita, Carlos
Brenner e Clarimundo Flores. Seguindo a passeata, à frente do povo, encontravam-se
Valter Jobim, presidente do núcleo local da Liga de Defesa Nacional; Eli Nascimento
Machado, delegado de polícia; Miguel Meireles, prefeito municipal; Augusto Mena
Barreto, capitão Oliveira Mesquita e membros da Ala Democrática da Mocidade; após,
retornaram a Praça Saldanha Marinho, onde outras pessoas fizeram uso da palavra.
448
Tal menção corrobora com a afirmativa de um depoente que não preferiu não ser
identificado, que ressaltou: “Não eram os populares que começaram [a passeata], eles eram
conduzidos à frente por Oliveira Mesquita, entre outros”.
449
445
Num lance audacioso a 5ª-coluna pretendeu comprometer a classe operária. A Razão, Santa Maria, 22 de
agosto de 1942, p.3.
446
Informação fornecida por Adalberto Paranhos, Uberlândia. 27 de agosto de 2004.
447
Cf. http://ingeb.org/songs/godbless.html, acessado em 02 de maio de 2006. A música voltou à cena quando
do atentado às torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001, na voz de Celine Dion ( CD América: Tributo
aos heróis”). http://katesmith.org/gba.html
, acessado em 02 de maio de 2006.
448
Cf. Vibrante demonstração de protesto [...].
449
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com Depoente C, Santa Maria, 14 de junho de 2004.
134
Em 19 de agosto de 1942, A Razão mostrou os sucessos, através de Clarimundo
Flores, cujo pseudônimo era Paulo Mendes: “[...] deste momento em diante, só há um
caminho a seguir: dente por dente, olho por olho. Precisamos corporificar essa atitude em
atos de represália e justiça contra os que menosprezam os interesses e a vida dos
brasileiros.”
450
18 de agosto de 1942 em Santa Maria: os depoimentos
Em 22 de agosto, em caráter urgente e secreto, Osvaldo Cordeiro de Farias,
Interventor Federal, enviou um telegrama ao Ministro Marcondes Filho, escrevendo que a
“situação nesta capital [Porto Alegre] [estava] tranqüila. O Interior do estado está calmo
com exceção de Santa Maria onde se verificou tentativa de greve dos operários da Viação
Férrea”.
451
Possivelmente, a tentativa de greve descrita pelo Interventor seria o comício de
brasilidade que aconteceu no dia 18 de agosto com resquícios no dia 19.
Nelson Borin, descendente de imigrantes italianos, lembrou as depredações e o
saque que sofreu o armazém de secos e molhados de seu pai na noite de 18 de agosto de
1942. Aos nove anos de idade, ele presenciou tudo e relembrou alguns fatos mais
marcantes daquele episódio: “[...] no mês de agosto houve o quebra-quebra. Então eles
[populares] vieram, desceram a avenida Rio Branco, foram lá pela rua Sete de setembro,
entraram na Marechal Deodoro e vieram para o Itararé e aí quebraram tudo que nós
tínhamos, a loja não ficou nada... só ficou as paredes [muita emoção]. [Meus pais] tiveram
que começar do zero. Eu me lembro, eu era pequenininho, a gente foi, não digo mal tratado
na pessoa, mas assim, o pessoal dizia coisas que eu me apavorava. O nosso pai dizia ‘não
retrucam, não digam nada, agüentem’. Eu só sei que naquela noite estava chovendo e o
pessoal cortava com uma faca os sacos de feijão e arroz e saíam esparramando pela rua e o
Exército tava ali olhando mas deixando o pessoal quebrar.”
452
Girolamo [nome fictício], neto de italianos, em depoimento à pesquisadora Maria
Catarina Zanini, explicou: “[...] olha, nós fomos perseguidos assim: nós tínhamos
armazém, dois armazéns, né? Mas quebraram tudo, não deixaram nada e o Getúlio chegou
numa noite e disse que o povo deveria fazer justiça pelas próprias mãos porque os
americanos afundaram um navio e eles botaram a culpa, lá no Eixo, lá na Quinta-Coluna
450
Dente por dente, olho por olho. A Razão, Santa Maria, 19 de agosto de 1942, p.2.
451
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondências governantes TELEGRAMAS, Maço 149.
452
Entrevista com Nelson Borin. Já citada.
135
[...]. E eu sei que, olha a gente saia na rua e o pessoal xingava a gente. Eu era pequeniniho,
e olha como a gente sofreu. E a gente viu, e a polícia via, em volta e pessoal quebrando e
deixavam que faziam o que bem entendiam.”
453
Destaque-se que o depoente propõe que Getúlio tenha mandado depredar os
estabelecimentos comerciais de italianos, alemães e seus descendentes, e que o
torpedeamento dos navios tivesse sido feito pela marinha dos USA, e não por submarino
alemão, tese defendida, segundo parece, no Brasil, já na época, possivelmente por
simpatizantes do Eixo.
Nelson Borin, santa-mariense, descendente de imigrantes italianos, entrevistado em
2004, comentou: “O comércio foi assim de volta, recuperando e conseguimos salvar a
situação. Não podia [se meter] porque era muita gente. Uma multidão! Se meter, ir lá, o
que dizer para aquele pessoal? Ninguém acredita na hora do tumulto [refere-se ao dizer que
não eram quinta-colunistas]. Me lembro que meus pais falavam que tinham chegado
roupas da Renner. Vendiam capas, casacão, roupas pesadas para o inverno e eu me lembro
que não ficou nada. Eles vendiam foguetes. Eu me lembro que as prateleiras eram altas,
eles acendiam os foguetes e derrubavam tudo. Meus pais matavam porcos e faziam
lingüiças para vender, porque não tinham quem vendesse. No dia do quebra-quebra, tinha
gente que botava no pescoço as lingüiças e saíam. Naquela noite o povo saqueou, roubou,
o que não pode estragou, destruiu.”
454
A Figura 12 mostra o armazém da família Borin, localizado no bairro Itararé. Em
primeiro plano, é possível perceber os trilhos da viação férrea, atrás a seta aponta para a
casa onde funcionava o armazém [Figura 13].
453
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Italianidade no Brasil meridional [...] Ob. Cit., p.88.
454
Entrevista com Nelson Borin. Já citada.
136
Figura nº 12
Armazém de Irmãos Borin no bairro Itararé
Fonte: Acervo particular de Nelson Borin.
Figura nº 13
A seta indica onde ficava localizado o armazém dos Irmãos Borin.
Fonte: Acervo particular de Nelson Borin.
137
O depoente Antônio Isaias, em 1942 gerente das Casas de calçados Eny, conseguiu
que a empresa não fosse depredada. Seu depoimento foi descrito por Angélica de Medeiros
Rios, na dissertação “Ser ou não ser italiano: descendentes de imigrantes em Santa Maria
durante o Estado Novo”. Ele relatou: “[...] naquela época eu dirigia a matriz da Casa Eny.
Então quando eu soube que iam quebrar a Casa Eny o que eu fiz? Eu me enrolei na
bandeira brasileira e fiquei na porta de entrada, e disse que, em primeiro lugar, nunca fui
simpatizante do Eixo, muito pelo contrário, eu torcia pelos Aliados, e o meu pai também
torcia pelos Aliados. Mas a verdade era essa: que vinha aquela massa, era uma massa de
umas quinhentas pessoas, a maioria ferroviários e com porrete e ferro na mão e num caso
desses não adianta; quem é que ia saber qual era realmente o pensamento? Então quando
chegaram na esquina da Casa Eny e começaram a falar e ameaçar com porretes e tudo, e eu
enrolado na bandeira me botei na entrada, abanando para eles. Me deixaram, mas diziam
palavrões; e assim que me deixaram eles entraram mais adiante um pouquinho e
quebraram, estraçalharam o Bar Tropical.”
455
No dia das depredações, a família Druzian, que morava no interior, estava na
delegacia de polícia, no centro da cidade de Santa Maria, visitando Antônio Druzian, que
ali se encontrava detido. Maria Iop Druzian, descendente de italianos, entrevistada em
2004, lembrou que, no momento em que estava na delegacia, viu os soldados pegarem “os
fuzis e armas e hipi, hipi, urra [sic], saíram porta afora.”
456
Este era o momento em que o
tumulto começava na cidade.
A depoente continuou relatando: “[...] nós íamos descer de trem depois, pegávamos
o trem das quinze horas e trinta minutos no Arroio do Só e vinte horas para voltar.”
457
Na
hora do retorno, Maria relatou os momentos de medo e tensão pelos quais passou: “olha
[que tristeza] de ver aqueles vidros de perfume quebrados. Casa que eram de origem
italiana e alemã o que puderam quebraram, levaram, saquearam, fizeram o que
puderam”.
458
A cena e o odor dos perfumes também ficaram na memória de uma descendente de
imigrantes italianos entrevistada por Maria Catarina Zanini, que escreveu: “[...] a
descendente Dona Giovanna, de 86 anos, narrou-me que estava, neste dia, visitando a
cidade, apesar de morar noutra localidade e que nunca mais esqueceu o cheiro do perfume
que exalava pelas ruas. O cheiro provinha de uma loja cujos proprietários eram
455
RIOS, Angélica de Medeiros. Ser ou não ser italiano [...]. Ob. cit., p.131.
456
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com Maria Iop Druzian, Santa Maria, 2004.
457
Ibidem.
458
Idem.
138
descendentes de alemães, a Casa Hermann, a qual haviam depredado, quebrado muitas
embalagens de perfumes e jogado na rua. O centro todo da cidade estava perfumado e não
havia sido uma cena agradável presenciar as depredações e violências. Em sua memória,
aquele dia ficou associado a aromas e cenas fortes”.
459
Coronel Silveirinha, tenente coronel reformado da Brigada Militar, na época
policial militar, lembrou o episódio: “[...] [havíamos] recebido de Porto Alegre, a
informação do serviço secreto do Estado [que] havia detectado um movimento aqui em
Santa Maria, dos ferroviários. Iriam fazer um quebra-quebra em tudo que fosse de italiano,
de alemão, de japonês, etc. Então, que eu, naquele momento, assumisse o comando
daquele esquadrão e não deixasse sob hipótese alguma se realizar uma passeata e o quebra-
quebra. Para isso, estávamos armados, munidos.”
460
A referida ordem repercutiu na reportagem de 21 de agosto, do jornal A Razão:
“[...] recomenda-se abstenção da tropa Federal na participação de comícios e manifestações
populares. Rigorosamente recolhida nos quartéis a tropa só sairá para colaborar na
manutenção da ordem no mais perfeito entendimento com as autoridades civis, ficando a
critério dos comandantes iniciativas por ventura necessárias no sentido de manutenção da
ordem e rigorosa ação contra provocadores.”
461
Em reportagem de 30 de janeiro de 1942, em A Razão, sob o título “Estabelecida a
conduta que devem seguir os simpatizantes do eixo!”, a polícia se compromete a “oferecer
absoluta garantia à pessoa e aos bens dos súditos das potências do Eixo e não permitir que
a sua honra seja ultrajada. Outrossim, a população nacional brasileira, deve manter-se no
mesmo espírito de ordem e perfeita disciplina com que vem até agora assistindo ao
desenrolar dos acontecimentos internacionais, não lhe sendo permitida atitude agressiva
para com os súditos das nações adversárias residentes no território brasileiro.”
462
Nas palavras de Silveirinha, ele chegou até o local do comício, mandou o esquadrão
um passo à frente, deixando as armas na retaguarda. “Já estava fervendo no largo da
Viação Férrea [...]. Havia mais ou menos umas quinhentas, seiscentas pessoas reunidas lá,
isso era quase cinco horas da tarde”.
463
459
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Italianidade no Brasil meridional [...]. Ob. cit., p.213.
460
Entrevista com José Luiz Silveira. Já citada.
461
Presos, ontem, em Santa Maria, diversos quinta-colunistas! A Razão, Santa Maria, 21 de agosto de 1942,
p.7.
462
Estabelecida a conduta que devem seguir os simpatizantes do eixo! A Razão, Santa Maria, 30 de
janeiro de 1942, p.4
463
Entrevista com José Luiz Silveira. Já citada.
139
Segundo o depoente Silveirinha, ele tentou negociar com Hermani Vanacor, poeta
santa-mariense e funcionário da Viação Férrea, na a chefia do grupo, para que a passeata
não acontecesse. Depois de um entendimento, houve a autorização para a realização da
passeata desde que não tocassem em nada. “Tudo que está aí é do Brasil, não é dos
alemães, nem do Eixo. Foi aquela gritaria que acontece nesses momentos.”
464
Mesmo sem a liberação para tocarem em qualquer casa ou estabelecimento
comercial, “tudo que fosse nome podiam dizer. Para isso, organizou-se uma guarda deles
[os ferroviários] para botar dos lados, e a passeata ia pelo meio da rua proibindo todo o
trânsito.”
465
Desta forma chegou-se até a praça Saldanha Marinho.
No outro dia, o Coronel, dispensado, foi descansar em uma chácara perto de Santa
Maria. Ele relata que, entretanto, ao retornar à cidade, “vi aquela imagem horrorosa, a
cidade toda quebrada. Foi nesse dia que eu, num jipe, percorri 283 km dentro dessa cidade,
correndo atrás do quebra-quebra. Era quebra ali, quebra aqui, quebra mais lá e quebra mais
lá e eram casas e empresas de italiano e alemão”.
466
Segundo o depoimento do Coronel, em 19 de agosto, o tumulto continuava no
centro de Santa Maria. É importante ressaltar que a imprensa e a maior parte dos depoentes
afirmam que os saques e depredações maiores ocorreram na noite de 18 de agosto de 1942.
O Coronel prossegue dizendo que, naquele dia, “quando cheguei aí na frente à [rua]
Astrogildo de Azevedo, dobrei para o lado da [rua] Professor Braga, tinha uma construção,
e vinha um grupo daí com um pranchão daqueles, oito por dezesseis, atravessando a rua
para quebrar a padaria Holtermann. Eles não faziam distinção, o nome, não sendo
brasileiro, não sendo Luiz, nem José, nem Pedro, tudo era para quebrar. Eu peguei e tirei,
arrastei e levei para a Praça Saldanha Marinho. Ali eu acabei com aquela turma, contive os
ânimos das pessoas e já saí atrás de outros. [...] tinha uma casa de Chope, uma das maiores
de Santa Maria. O pessoal invadiu e quebrou tudo, quebrou tudo que estava na prateleira,
tirou tudo para fora e quebrou. Entrou dentro da casa e arrancou roupas de cama, colchão e
tudo. Ali, quase nos fundos do Teatro, na frente da Cacism, largaram e botaram fogo
naqueles colchões, naquelas coisas, e voava pena por tudo, tapou de pena. Onde hoje está a
Gaiger, era a casa Hermann, uma casa de perfume, na Bozano. Eles tiraram para fora tudo
que tinha dentro de casa e quebraram tudo, tudo. As fábricas Cyrilla, de bebida, quebraram
464
Ibidem.
465
Idem.
466
Idem.
140
o que puderam e conseguiram, virou em nada. O Café Weissheimer, fábrica de café, muito
grande, quebraram tudo... fábrica de biscoitos e balas.”
467
Vera Diefenthaler, cujo pai foi sócio-fundador da fábrica de bebidas Cyrilla,
depredada em 18 de agosto de 1942, em depoimento de outubro de 1999, lembrou que seu
pai “estava doente, de cama naquela noite, a minha [sua] mãe colocou um lenço na cabeça
e se tocou para a fábrica, no meio daquele entrevero porque ninguém a conhecia”,
certamente na tentativa de salvar alguma coisa.
468
Vera Diefenthaler mostrou a trajetória popular na noite de 18 de agosto. Para ela,
“tinha a casa Hermann, na primeira quadra da Bozano, que foi a primeira casa que eles
assaltaram [sic]. Depois eles desceram para a Igreja Luterana, aí eles desceram para cá, na
rua Sete de Setembro, tinha um senhor [de sobrenome] Niederauer, que tinha uma casa de
negócio de secos e molhados, esse entrou no rol, botaram tudo na rua: era feijão, arroz ... O
homem ficou mal, não pôde continuar. Aí eles foram para o Weisseimer, que tinha a
fábrica de bolachas, mas ali eles não estragaram tanto assim. Depois seguiram gritando por
toda a rua. A minha filha mais velha tinha dois anos, ela estava dormindo, se assustou,
começou a chorar de tanto que eles gritavam. Os militares não intervieram, estavam
patrulhando por aí”.
469
Vera Diefenthaler questionou o fato de a fábrica ter sido depredada, afinal “meu
[seu] pai era maragato, era muito amigo do Dr. Valter Jobim [presidente do Conselho de
Administração da Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea de Santa Maria]. Eles
iam sempre de noite lá [não descreve onde] e faziam política, mas era política brasileira,
não tinha nada a ver com política alemã”.
470
O Hotel Hamburgo, localizado na rua Sete de Setembro, também foi atingido
naquela noite. Segundo Ernesto Schmidt, também entrevistado em agosto de 1996, ele “era
de descendentes alemães. Disseram para ele [o dono] colocar a bandeira do Brasil na frente
da porta que o povo não iria entrar. Eles foram lá, rasgaram a bandeira e entraram”.
471
Tal
atitude não surtira efeito, como no caso das lojas Eny, onde o mesmo procedimento fora
adotado, como já mencionado.
Segundo o coronel Silveirinha, em alguns episódios, conseguiu-se evitar uma
violência ainda maior. Segundo ele, “tinha um italiano que se chamava Alvino Colussi. Eu
467
Idem.
468
Entrevista com Vera Diefenthaler. Já citada.
469
Ibidem.
470
Idem.
471
Entrevista realizada por Nádia Silvana Nunes com Ernesto e Maria Schmidt, Santa Maria, 27 de agosto de
1996.
141
soube que iam quebrar a casa dele. Ele tinha casa de comércio e antes diziam que ele era
fascista e era mesmo, de fato, tinha até o retrato do Mussolini. Entrei correndo dentro da
casa dele, sem dar confiança, arranquei o retrato da parede e joguei dentro de um poço que
tinha nos fundos. Quando a turma chegou, eu estava ali, não deixei fazer nada, e não
fizeram.”
472
Wilson Aita, descendente de imigrantes italianos, descreveu que seu pai possuía um
restaurante bem no centro de Santa Maria, o qual não sofreu nenhum dano, mas diz não
saber o porquê de o estabelecimento comercial da sua família não ter sido atingido.
Imagina, porém, que o principal motivo era o fato de não se envolverem em política.
473
O depoimento colhido por Maria Catarina Zanini com um militar descendente de
italianos, com o nome fictício de Vitélio, mostrou a visão do mesmo frente ao quebra-
quebra: “Ah! Aí quebraram tudo, quebraram tudo, roubaram, faziam miséria [...]. Mas, só
gente próspera, porque eles não atacavam meu avô, que morava ... o meu pai, que morava
lá na colônia? Por que era um pelado, que não tinha nada, tinha umas vaquinhas, uns
boizinho, era só gente próspera e ... Eles atacam o Armazém Noal, Armazém das Dores,
estes atacados que têm [...]. Era a depredação, não era nada mais, era o que o clima era
propício para isto, era que estávamos em guerra.”
474
Para um depoente que preferiu não identifcar-se, descendente de imigrantes
alemães, a recordação mais forte era o medo que seu avô, alemão, sentia no período da
Guerra, a tensão transmitida pelos adultos quando populares gritavam nas ruas “vamos
matar os alemães!”
475
Em 18 de agosto, quando as pessoas passaram em frente a sua residência, na rua Dr.
Bozano, voltando do bar Nicola, de propriedade de um italiano, após saqueá-lo, “jogaram
balas para as crianças.”
476
Os promotores do comício
Em 18 de agosto de 1942, A Razão noticiou que os ferroviários, promotores do
comício e da passeata que acabaram em depredações, nada tiveram a ver com o
acontecido. Eli Nascimento Machado, delegado de polícia, escrevera ao coronel Py, chefe
472
Ibidem.
473
Entrevista realizada por Cátia Dalmolin com Wilson Aita, Santa Maria, 02 de julho de 2004.
474
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Italianidade no Brasil meridional [...] Ob. cit., p.212.
475
Entrevista Depoente C. Já citada.
476
Ibidem.
142
da polícia do Estado, comunicando o ocorrido. Para ele, o sucesso não passara “de uma vil
manobra da quinta-coluna”.
477
Ou seja, quinta-colunas teriam incentivado a destruição de
negócios de alemães e italianos por brasileiros!
478
Em 19 de agosto, o jornal A Razão confirmou que o eixo inicial da mobilização
teria sido ferroviário.
479
A classe ferroviária foi a promotora da “maior manifestação de
civismo que a história da cidade registra” sendo que “toda a população associou-se à
iniciativa”.
480
Entre os promotores dos comícios estavam o Ateneu Graça Aranha, em
concordância com Ala Democrática da Mocidade. A estes uniam-se os políticos,
intelectuais, estudantes e estabelecimentos de ensino.
Ernesto Schmidt é chileno, descendente de alemães e casado com Maria, de
nacionalidade alemã. Segundo o casal, entrevistado em 1996, o grupo promotor da
manifestação na cidade “morava no km 3, eram ferroviários e eram instigados por
advogados e até pelo promotor da cidade a quebrar tudo.”
481
Para o casal, “o motivo principal que eles começaram a quebrar tudo, as lojas e as
fábricas era para roubar, eles saíam com as coisas debaixo do braço. Os comerciantes que
tiveram as lojas quebradas já eram descendentes de terceiro grau, eram brasileiros como
eles. Diziam que os caras eram quinta-colunas, mas como se eles já tinham nascido aqui?
Isso tudo aconteceu porque o prefeito não tomou providências; depois que passou aquela
confusão, o exército tomou conta da cidade e não aconteceu nada com ninguém.”
482
Versão semelhante para o episódio foi apresentada por coronel Silveirinha, que teria
participado da guarnição da cidade.
Na tese “Italianidade no Brasil meridional: a construção da identidade étnica na
região de Santa Maria-RS”, Maria Catarina Zanini explica que, “em entrevista realizada
com uma das autoridades policiais de Santa Maria do período, não descendente, esse
alegou que a polícia não executava violências. Segundo ele, quem executou saques e
violências em massa eram os civis, muitos deles ofendidos pela ascensão social dos
estrangeiros [...]. Em verdade, houve uma rede integralista e fascista na região, contudo,
muitos camponeses, ainda consideravam a política um mundo à parte. As perseguições aos
477
Cf. Num lance audacioso a 5ª-coluna pretendeu comprometer a classe operária. A Razão, Santa Maria, 22
de agosto de 1942, p.3.
478
Cf. DALMOLIN, Cátia. Caravana de brasilidade: o quebra-quebra em Santa Maria em agosto de 1942.
Semina. Passo Fundo: UPF, v.1, n.3, 2003, p.15.
479
Vibrante demonstração de protesto [...].
480
Ibidem.
481
Entrevista com Ernesto e Maria Schmidt. Já citada.
482
Ibidem.
143
nazistas em Santa Maria também deixaram marcas em muitos descendentes,
principalmente nos ataques a religiosos e à Igreja Luterana local”.
483
Ernesto Schmidt, na década de 40, proprietário de uma pequena fábrica de balas,
bolachas e café, seguiu relatando, em 1996, que “era um grupo de vagabundos, que
aproveitavam para roubar, tanto que eles quebraram nossa fábrica e aproveitaram para
roubar café, bolacha e tudo que podiam. Arrebentaram as portas todas e quiseram entrar
onde estavam as máquinas mas não conseguiram porque um empregado desligou a luz aqui
por dentro e [o povo] não podia chegar lá, mas as portas e janelas não sobrou nenhuma. As
máquinas de escrever, de somar, tudo desapareceu. Eles levaram lata de café e de bolachas,
não sobrou uma. Foi a noite inteira! Eles batiam lata gritando ‘abaixo quinta-coluna’. O
povo é assim mesmo um grita e os outros vão atrás.”
484
No tocante à responsabilidade do episódio transcorrido em agosto de 1942, Ernesto
Schmidt acredita que “Getúlio não tinha nada com isso. Ele até tinha relações muito boas
com a Alemanha, de comércio, porque naquela época o Brasil mandava café em troca de
máquinas. O Getúlio fez muita coisa boa pelo Brasil. Assim, chega uns instigadores aí e
eles [o povo] vão atrás. Até hoje, o que eles fazem nos comícios? Eles instigam, instigam,
instigam e o pessoal vai, né?. Getúlio renovou o Brasil. O pessoal dizia que Getúlio não
prestava, prestava sim! Ele modificou o país completamente para o bem, para começar
pelas leis trabalhistas, todas as leis que nós temos hoje são obras dele.”
485
Versão semelhante foi a apresentada por Hildegard Schwarke. Em 27 de agosto de
1998, ela declarou ter sofrido “um pouco” de discriminação na escola Sant´Anna, devido à
rigidez do ensino. Posteriormente, no bar e restaurante da família, segundo a depoente,
“quando declararam a guerra, eles nos tiraram o rádio e começaram a nos perseguir, mas
não por parte do governo diretamente, mas pelas pessoas de Santa Maria mesmo.”
486
Para
a depoente, que teve seu comércio totalmente depredado, os culpados “foram as pessoas do
povo, mas o exército controlou, inclusive os soldados da Brigada que estavam para nos
guardar para que nada acontecesse pegaram a coronha da espingarda e batiam contra a
cortina, ‘aqui vocês não entram, aqui vocês não entram!’”
487
Em entrevista realizada em 15 de setembro de 1998, Moisés Oliveira, cabo do
Exército na década de 40, comenta, que o Exército foi chamado para intervir a fim de que a
483
ZANINI, Maria Catarina Chitolina. Italianidade no Brasil meridional [...]. Ob. cit., p.203.
484
Entrevista com Ernesto e Maria Schmidt. Já citada.
485
Ibidem.
486
Entrevista com Hildegard Schwarke. Já citada.
487
Ibidem.
144
ordem fosse mantida na cidade. As pessoas que eram presas realizando as depredações em
seguida eram conduzidas aos quartéis.
488
Porém, não houve constatação documental a
respeito. Nos arquivos dos quartéis não foram encontrados os registros de prisões neste
período.
Descrevendo a entrevista com Moisés, em “Os alemães em Santa Maria no período
do Estado Novo”, Nádia Nunes salientou que, na opinião do depoente, “havia necessidade
de vigiar os quinta-coluna , pois os mesmos tinham ligações com Hitler”.
489
Continuou Nádia Nunes, “e quando foi perguntado quem eram as pessoas que
atacaram as instituições dos alemães, Moisés respondeu que nunca foram pessoas ligadas
ao governo e sim a população em geral, e que a atitude do Exército foi de, quando
chamado a intervir, pacificar as depredações”.
490
Vera Diefenthaler, cujo pai foi sócio-fundador da fábrica de bebidas Cyrilla,
depredada na noite de 18 de agosto de 1942, comentou, em depoimento de 1998, que não
tem idéia de quem seriam as pessoas que cometeram o quebra-quebra. Para ela, “era o
povo em geral que foi se juntando. Todos, gente do povo, que foram incentivados por
alguém, por alguma pessoa. Bem mais tarde veio uma ordem de Porto Alegre para os
militares guarnecerem a fábrica para que não continuassem mais a quebrar.”
491
Na visão da depoente registra-se a idéia que sempre há alguém dirigindo a ação
popular. Não há, portanto, a possibilidade, para ela, que essa ação tenha tido motivos
profundos.
Em entrevista realizada em 5 de novembro de 2004, Abdo Mottecy, militante do
PCB em Santa Maria, na época, explica, que essas manifestações eram muito grandes,
“mas não tinham numericamente muitos comunistas. A introdução maior poderia
comprometer o movimento. Pela paz, houve uma passeata que reuniu grande número de
santa-marienses. Teve uma pálida introdução do Partido Comunista. Era muito difícil e a
gente era muito radical, dono da verdade e isso dificultava.”
492
Este depoimento sugere, de
certo modo, a importância real dos comunistas na região central do RS. Os ânimos
acirravam-se cada vez mais, e o relacionamento entre comunistas e “estrangeiros”, que se
suspeitava de orientação direitista, era “ruim, erradamente, a célula comunista ficou mal
situada. Tinha alguns brigadianos, internamente no PCB, poucos, usaram da prerrogativa
488
Cf. Entrevista realizada por Nádia Silvana Nunes com Moisés Oliveira, Santa Maria, 15 de setembro de
1998
489
NUNES, Nádia Silvana. Os alemães em Santa Maria [...]. Ob.cit., p.10.
490
Ibidem.
491
Entrevista com Vera Diefenthaler. Já citada.
492
Entrevista com Abdo Achutti Mottecy. Já citada.
145
de serem militares, contra o Eixo, e trataram mal os descendentes alemães e italianos. Um
dos erros, dos muitos erros políticos...”
493
Ecos de 18 de agosto de 1942
Em 24 de agosto, seis dias após o acontecido, notou-se que o jornal A Razão
circulou em edição especial, com quatro páginas e vinte e cinco espaços publicitários.
Chamou a atenção que esses espaços foram ocupados por empresas, em sua grande
maioria, de descendentes de italianos e alemães, e também por alguns empreendimentos
que não tinham por hábito fazerem publicidade no referido jornal. Procurou-se traçar um
paralelo entre esta edição e as anteriores, que circularam desde 15 de agosto.
No dia 15, foram vendidas trinta e uma propagandas para santa-marienses, das
quais dezesseis eram da área médica e quinze propagandas de fora da cidade, basicamente
anúncios de remédios. Os dias que seguem não apresentaram variações significativas, com
exceção do dia 22 de agosto, que assinalou uma queda considerável, com onze
propagandas de empresas santa-marienses e sete de fora. Levando em consideração que o
jornal circulava normalmente com oito páginas, realmente pode-se deduzir que houve uma
“crise” após a manifestação e as depredações.
494
Em O Estado Novo no Rio Grande do Sul, René Gertz enfatizou que “outro tipo de
perseguição foi à extorsão”.
495
René Gertz mostra que, na Revista Vida Policial, publicada
pela polícia rio-grandense, na seqüência nº 43 do ano de 1942, encontravam-se 168
anúncios publicitários. Destes, 72 tinham sobrenome alemão e 55 estavam estabelecidos
em São Leopoldo, fora aqueles que apresentavam somente o nome fantasia. O mesmo
autor conclui: “[...] evidente, isso só pode ter acontecido na base da extorsão – pois qual
teria sido o interesse de um barbeiro local em lançar um anúncio numa revista do
gênero?”
496
Acredita-se que esta possa ser uma explicação plausível para a edição especial de
24 de agosto, uma vez que – como o caso citado por René Gertz –, os anunciantes que
apareceram na edição eram, em sua grande maioria, descendentes de imigrantes ou as
empresas tinham nomes fantasias, dificultando, assim, a identificação dos sobrenomes. São
no total vinte e cinco anúncios, nos quais se vêem dezesseis de empresas com sobrenomes
493
Ibidem.
494
Cf. DALMOLIN, Cátia Regina. Caravana de Brasilidade [...]. Ob.cit., p.14.
495
GERTZ, René. O Estado Novo [...]. Ob. cit., p.173.
496
Ibidem.
146
estrangeiros: é difícil afirmar a nacionalidade dos proprietários das demais empresas, uma
vez que apresentam somente o nome fantasia. Porém, um fato que chama a atenção é que
elas concentram-se em ruas e avenidas onde houve maior índice de depredações. Os
anúncios ao Ao povo de Santa Maria passaram a tomar vulto no jornal A Razão no pós-18
de agosto. Essas mensagens eram de pessoas que tiveram estabelecimentos comerciais
depredados e que deixavam claro serem brasileiros e não eixistas.
Eram publicidades patrióticas como a que segue da empresa Weissheimer e
Irmãos, uma fábrica de doces e bolachas, localizada na rua Sete de Setembro, saqueada e
depredada em 18 de agosto de 1942:
“AO POVO DE SANTA MARIA
Em vista dos acontecimentos verificados na firma WEISSHEIMER E IRMÃOS,
vem a mesma declarar que seus proprietários são brasileiros, filhos e netos de brasileiros,
sendo também reservistas do Exército Nacional. Além disso, o seu quadro de empregados,
que é em número de 87, são todos brasileiros. A presente declaração é feita no sentido de
evitar futuros acontecimentos, pois como acima ficou declarado, a firma Weissheimer e
Irmãos é genuinamente brasileira.”
497
Em 23 de agosto, os oitenta e sete empregados citados pela empresa fazem um
agradecimento público no jornal, escrevendo que: “[...] os abaixo-assinados que exercem
suas atividades na fábrica Weissheimer & Irmão, [...], atendendo ao nobre gesto de seus
proprietários que, mesmo com danos sofridos em conseqüência das depredações levadas a
efeito pelas massas populares, num dos movimentos de repulsa pelos atos de pirataria
praticados pelos países do Eixo, não lhes cortaram sequer, um dia dos seus vencimentos,
em vista da situação de suas famílias, AGRADECEM desvanecidamente (sic) este
inigualável gesto de humanidade e brasilidade.”
498
497
Ao povo de Santa Maria. A Razão, Santa Maria, 23 de agosto de 1942, p.3.
498
Agradecimento. A Razão, Santa Maria, 23 de agosto de 1942, p.2.
147
Figura nº 14
Rótulo de balas produzidas pela empresa Weissheimer e Irmão
Fonte: Acervo particular de Mario Luiz Trevisan
João Cerezer, proprietário de um armazém na rua Benjamin Constant, que também
fora atingido, “quando das manifestações patrióticas com que o povo, justamente
indignado e vibrando de civismo, exteriorizou o seu protesto à inominável e vandálica
agressão desferida pelo eixo totalitário a nossa cara Pátria”
499
, ressaltou que era brasileiro e
prestou serviço militar. Cerezer dizia estar “conservando bem vivo o sentimento de
patriotismo”, afinal “também a minha alma de brasileiro se irmana com a de todos os meus
patrícios na repulsa à afronta dirigida contra o Brasil.”
500
Em seguida, Valmor e Edmor Pisani, também “brasileiros, reservistas do Exército
Nacional e filhos de brasileiro”, apresentam sua empresa, Irmãos Pisani, que
comercializava cimento e ferros para construção e fora igualmente atingida nas
manifestações em 18 de agosto. Os irmãos demonstraram “que sempre souberam amar o
Brasil e prezar o seu patrimônio, sobretudo aquele que se refere a sua dignidade e
soberania.”
501
499
Ao povo de Santa Maria. A Razão, Santa Maria, 22 de agosto de 1942, p.3.
500
Ibidem.
501
Ao povo de Santa Maria. A Razão, Santa Maria, 24 de agosto de 1942, p.2.
148
Já em Porto Alegre, a empresa Krahe & Cia, distribuidora exclusiva para o Rio
Grande do Sul das revistas de propaganda estadunidenses The American News Corp,
através do Correio do Povo, diz ter sido sua empresa depredada em 18 de agosto, restando
apenas salientar que não “somos quinta-colunistas, e jamais o fomos, [...] que já fomos até
boicotados pelo Partido Nazista, conforme se poderá constatar no livro ‘A quinta coluna no
Brasil, do Coronel Aurélio Py.”
502
Em outro anúncio, no mesmo jornal, a Confeitaria e Bar Balú afirma que, há três
anos, o estabelecimento não é mais de súditos do Eixo. Agradeceram publicamente os
fregueses que estavam no estabelecimento na noite anterior e explicavam à população a
“verdadeira situação do estabelecimento”, impedindo com isso a depredação do mesmo.
503
Pianca Irmãos Ltda, administradora dos cinemas Vera Cruz, Ipiranga e Capitólio,
na capital, também foi depredada. A empresa ressalta, ter sempre colaborado com os
poderes públicos, “em prol da campanha de nacionalização e educação popular, cedendo,
GRATUITAMENTE, suas salas de projeção para cerimônias cívicas, festivas, beneficentes
e exibição de filmes oficiais sendo de notar que esta é a única empresa que concede
abatimento permanente de CINQÜENTA POR CENTO sobre o valor das entradas a
TODOS OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS.”
504
[grifo no original]
Percebe-se que a retórica é pouco modificada, não importando a empresa que foi
atingida ou o jornal ao qual as notícias e apedidos foram vinculados. Nota-se que a oratória
gira em torno do mesmo eixo, as empresas foram atingidas certamente por engano, já que o
povo, justamente revoltado e indignado devido aos brutais e inomináveis atentados
sofridos pelos navios mercantes brasileiros, quebrou, depredou e saqueou. A firma se diz
genuinamente brasileira, com proprietários brasileiros natos e reservistas do exército
nacional, e conserva vivo o sentimento de brasilidade.
Os avisos no jornal eram uma forma de exteriorizar a brasilidade, utilizando-se
de uma retórica patriótica para, desta forma, tentar evitar novas depredações.
Logo depois do acontecido, pode-se notar que o jornal A Razão publicou várias
anúncios de empresas de ítalo-brasileiros, além dos apedidos acima citados, encontram-se
publicidades de outras estabelecimentos, salvo engano também atingidos no episódio de 18
de agosto, como: Imperial Hotel de A. Benetti na rua Manuel Ribas, Rio Hotel [Antigo
Hotel Roma] de Aurélio Vieiro, próximo à viação férrea; Restaurante Apolo de Angelo
502
Declaração de Krahe & Cia. Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de agosto de 1942, p.4.
503
Cf. Confeitaria e Bar Balú. Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de agosto de 1942, p.4.
504
Pianca Irmãos Ltda. Correio do Povo. 19 de agosto de 1942, p.5
149
Pezzi, Farmácia Fontenelle na rua do Acampamento, Padaria Miorin, Casa Binotto e Hotel
Tupi [Antigo Hotel Itália] de Fioravante Stival situado na Avenida Rio Branco próximo a
estação ferroviária.
505
O jornal A Razão foi utilizado para uma carta-anúncio vinculada por Caroline
Müller, proprietária do Hotel Müller, atingido no episódio de 18 de agosto e que passou a
chamar-se Avenida Hotel. Ela torna público que, “tendo o Hotel Müller sido parcialmente
atingido pelos manifestantes que se desagravavam da afronta sofrida pela pátria, acredita
que o fato tenha sido origem de um equívoco. Que, para esclarecer a situação, declara que
a firma é genuinamente brasileira, composta de filhos e netos de brasileiros natos. Que,
apesar do estabelecimento ter sido fundado há 36 anos com a denominação conhecida,
resolveu alterá-la para Avenida Hotel, dando, assim uma satisfação de modo geral aos
sentimentos de brasilidade e, em particular, a sua freguesia e a laboriosa classe ferroviária.
Que todos os empregados do Hotel, sem exceção, sempre foram brasileiros natos, o mesmo
acontecendo com o gerente, João Carlos Müller.”
506
Em 7 de novembro de 1942, quase três meses após as depredações, é possível
encontrar no jornal A Razão a declaração de Augusto Ernesto Weber, “Aos meus
patrícios”, comprovando que a situação demorou a retomar a normalidade em Santa Maria.
“A fim de desfazer quaisquer juízos baseados em falsos princípios, relativamente à minha
conduta e aos meus sentimentos de cidadão brasileiro que nasceu e ama esta grande pátria
e que está disposto, como sempre o esteve, a derramar o próprio sangue em sua defesa, se
assim se tornar mister, venho pelas colunas deste matutino declarar que sou brasileiro entre
os que mais o forem, que nunca fui, não sou e jamais serei ‘Quinta-colunista’, nem estou
enquadrado em qualquer outra modalidade de traidor, pois além de ser um brasileiro nato,
chefe de numerosa família, pai de dez filhos brasileiros, que estou mandando educar para
servirem minha cara Pátria, possuo estabelecimentos industriais, contribuindo assim de
maneira efetiva para o crescente progresso nacional, estando sempre disposto e pronto a
cooperar para todas as causas nobres que visem os superiores interesses da coletividade
brasileira; que já exerci acumulativamente os cargos de subprefeito e subdelegado de
polícia do oitavo distrito do importante município de Montenegro, tendo sido presidente do
Conselho Municipal daquele município; que sou reservista do nosso glorioso Exército
Nacional, havendo servido no ano de 1918.”
507
Continua Augusto Weber: “Fica assim
505
Dalmolin, Cátia. Mordaça Verde-e-amarela [...]. Ob.cit.
506
Declaração. A Razão, Santa Maria, 23 de agosto de 1942. p, 6.
507
Aos meus patrícios. A Razão, Santa Maria, 07 de novembro de 1942. p.6.
150
esclarecido que a ninguém é lícito pensar de maneira diferente a minha honesta quão
patriótica conduta, e aqueles que me atribuírem atividades antinacionais, nada mais farão
do que lançar a público o desejo de levantarem a mais flagrante infâmia.”
508
O jornal Correio do Povo, em 19 de agosto de 1942, transcreveu o apelo aos
sindicatos e aos trabalhadores vinculados de Porto Alegre e do Estado pelo Delegado
Regional do Ministério do Trabalho, Norival Paranaguá de Andrade: “certo que o
patriotismo ferido justifica as expansões de indignação contra a brutalidade e a agressão
não provocada. Mas os bens de tais súditos situados em território nacional, quaisquer que
sejam os seus detentores eventuais, são bens da Nação, conforme já disse S. Excia o Sr.
General Cordeiro de Farias, DD. Interventor Federal. Destruí-los é ferir o nosso interesse, é
paralisar atividades de trabalhadores brasileiros, que são o alento de nosso comércio e da
nossa indústria, com repercussão nos lares desses nossos patrícios. Dirijo-me a todos os
trabalhadores do Estado, num veemente apelo para que voltem as suas ocupações normais,
evitando quaisquer atos que importem em dano a estabelecimentos comerciais e
industriais. Confiem todos na ação do Governo Federal e Estadual, certos de que dos altos
poderes públicos hão de emanar os atos de defesa os brios nacionais.”
509
Indenizações
Algumas empresas que foram atingidas no episódio de 18 de agosto de 1942
requereram indenização junto aos poderes públicos. Ernesto Schmidt, em depoimento de
agosto de 1996, conta que teve sua fábrica depredada, algumas empresas pediram e
receberam indenização de cerca de cem contos de réis, mas “nós [eles] não pedimos nada.
Não era só eu, a fábrica tinha cinco sócios, mas todos eram brasileiros, descendentes de
alemães, mas brasileiros.
510
Em agosto de 1998, Hildegard Schwarke, descendente de pais alemães que
possuíam um pequeno bar e restaurante no centro de Santa Maria, o qual fora totalmente
depredado em 1942, comentou que “os varejistas daquela época queriam fazer um
requerimento, queriam fazer um levantamento, mas o meu pai não quis fazer nada. Não
508
Ibidem.
509
Apelo aos sindicatos e aos trabalhadores em geral. Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de agosto de 1942,
p.3
510
Entrevista com Ernesto e Maria Schmidt. Já citada.
151
quis fazer o balanço, nem o requerimento, ele disse que nós íamos nos levantar por si.
Depois nós tivemos muito amor ainda pelo comércio e trabalhamos por bastante tempo.”
511
O pai de Vera Diefenthaler, Frederico Diefenthaler – descendente da terceira
geração de alemães – foi sócio fundador da fábrica de bebidas Cyrilla. Vera comentou, em
setembro de 1998, que “parece que a fábrica foi indenizada, mas muito pouca coisa porque
eles [povo] entraram aí e ficaram bem loucos. Pegaram as caixas de bebidas [e quebraram
tudo], o chão estava no outro dia cheio de cacos de vidro. Pegavam as caixas e largavam
no chão. Eles tentaram quebrar as máquinas, mas não conseguiram”.
512
No caso do armazém de Luiz Chiappa, encontrou-se uma procuração, passada ao
advogado, a fim de requerer indenização. Não sabemos se ela foi recebida ou não, já que
nenhuma documentação e nenhum descendente foi encontrado para falar a respeito. Na
procuração lê-se: “[...] saibam os que virem este público instrumento de procuração
bastante, no ano de mil novecentos e quarenta e dois [original com grifo], nesta cidade de
Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul, aos vinte e sete dias do mês de agosto
[original com grifo], neste terceiro notário, compareceu o outorgante supra, brasileiro,
casado, comerciante, residente nesta cidade. [...]. E, perante estas, disse que nomeava e
constitui seu bastante procurador nesta comarca e onde mais preciso for e com esta se
apresentar ao advogado Dr. Régis Beltrão de Andrade, brasileiro, solteiro, com escritório e
residência nesta cidade, para o fim especial de propor em Juízo competente as ações
necessárias para o ressarcimento dos danos totais sofridos pelo estabelecimento comercial
do outorgante, sito nesta cidade à Rua Silva Jardim, número 2386, acompanhando as
referidas ações até o final do julgamento e usando de todo e qualquer recurso, desse mais o
outorgante que concedia ao mesmo advogado os poderes necessários para requerer em
Juízo vistorias e arbitramentos bem como de pleitear junto aos poderes públicos
competentes as indenizações ou auxílios a que tiver direito podendo em qualquer dos
casos, transigir, fazer acordos, receber as indenizações, dar quitação e restabelecer.”
513
Os números das depredações
Procurando mapear os estabelecimentos comerciais que foram saqueados e
depredados em 1942, buscou-se o censo realizado no ano de 1940.
511
Entrevista com Hildegard Schwarke. Já citada.
512
Entrevista com Vera Diefenthaler. Já citada.
513
Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Tabelionato do município de Santa Maria, procurações do 3º
Tabelionato, 1941-1944, livro 7, página 36.
152
Em 1940, a população total do município de Santa Maria era de 75.597. Deste total,
37. 447 eram homens e 38.150, mulheres. Os brasileiros natos representavam 97,64% da
população total (73.820), enquanto os brasileiros naturalizados e estrangeiros somavam
pouco mais de 2% (1.775 pessoas), conforme dados já apresentados no capítulo 3.
O IBGE mostra que Santa Maria apresentava, em termos industriais, 129 empresas
e 144 estabelecimentos, ocupando 1.370 pessoas, conforme Tabela 2. Já no ramo varejista,
eram 459 estabelecimentos comerciais, ocupando 1.060 trabalhadores e 289 viajantes,
caixeiros e vendedores. Quanto ao comércio atacadista, o IBGE mostrou que havia 35
estabelecimentos, 119 funcionários e 7 caixeiros-viajantes.
514
Tabela nº 2
Características gerais de organização e movimento de empresas e estabelecimentos
industriais, segundo os municípios. Santa Maria.
Município Empresas Estabelecimentos Capital
realizado
(Cr$1000)
Capital
aplicado
(Cr$1000)
Pessoal
ocupado
Porto
Alegre
627 675 185 908 345 385 20 698
Santa Maria 129 144 11 190 15 471 1 370
Fonte: FERREIRA, Jurandir Pires. Censo demográfico do Rio Grande do Sul de 1940. Rio de Janeiro: IBGE,
1959.
È difícil afirmar com precisão o número de estabelecimentos comerciais atingidos
em 18 de agosto. Os depoimentos a respeito dos episódios ocorridos em agosto de 1942
são parcos, alguns depoentes exigiram o anonimato e outros se negaram a falar sobre o
acontecido o que dificultou a análise de dados a respeito. Levantaram-se quarenta e um
pequenos negócios que foram depredados e saqueados. Destes, houve casos de
estabelecimentos que trocaram de nome após o 18 de agosto de 1942 e que vincularam
notas em jornais, o que nos levou a conclusão que possivelmente também sofreram algum
tipo de represália.
514
Cf. Fonte: FERREIRA, Jurandir Pires. Censo demográfico do Rio Grande do Sul de 1940. Rio de Janeiro:
IBGE, 1959.
153
As ruas mais afetadas foram a av. Rio Branco com nove empresas, seguida da Dr.
Bozano com 7 e Sete de Setembro com quatro. O ramo de produtos que liderava a lista de
saques e depredações foi os armazéns seguido da rede hoteleira e fábrica de doces e
bebidas corroborando com os depoimentos que afirmam que o que não se poderia estragar
era carregado.
O comércio varejista de Santa Maria perfazia, em 1940, o montante de 459
estabelecimentos comerciais que, somados aos industriais (273), totalizam 732 casas
comerciais. Deste número, apenas 5,60% do comércio foi atingido durante as
manifestações de 18 de agosto de 1942. Desta forma, vê-se que, apesar de a memória
popular ter muito forte o episódio como algo de grande intensidade, na verdade,
numericamente, não foi. Os saques e depredações ocorreram sim, mas em números
ínfimos.
154
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Santa Maria da Boca do Monte teve suas origens remotas na redução jesuíta
espanhola de São Cosme e São Damião, estabelecida, em 1634, pelo padre Adriano
Formoso. Em 1797, cerca de duzentos militares e acompanhantes da Guarda
Portuguesa do Passo dos Ferreiros formaram oficialmente o acampamento de Santa
Maria, onde hoje se encontra a rua do Acampamento - região central da cidade. Aos
poucos, novas ruas e construções foram surgindo, e a localidade, crescendo.
A partir de 1789, as regiões da atual cidade de Santa Maria começaram a ser
concedidas em sesmarias. Além da pecuária, a localidade apresentava “unidades
produtivas mistas”, ou seja, estâncias que se dedicavam tanto à criação de gado nos
campos, quanto às lavouras de alimentos nas zonas florestais. Não raro, os nativos
missioneiros e, posteriormente, os afro-descendentes escravizados eram utilizados nas
tarefas domésticas, nas roças, na pecuária e alguns nos serviços urbanos.
A partir de 1801, os missioneiros estabeleceram-se onde hoje se encontra o
hospital de Caridade, no centro da cidade de Santa Maria. Eles se fixaram também às
margens dos rios Ibicuí, Vacacaí e Jacuí. As principais atividades exercidas pelos
missioneiros foram à criação de gado e a agricultura, sendo que, em Santa Maria,
também tiveram participação no comércio, como empregados.
A partir de 1830, chegaram os imigrantes alemães, implantando práticas de
comércio modernas, contando com maior variedade de produtos. Criou-se uma
liderança germânica no comércio e na indústria que perdurou até quase o fim do século
19. O comércio chegou a ser considerado como um “milagre germânico”.
155
No final do século 19 e início do século 20, levas de colonos-camponeses
italianos e russos-alemães estabeleceram-se na região, na área serrana, em Val de Buia
– atual Silveira Martins – , uma vez que os campos encontravam-se quase totalmente
ocupados. Aos poucos, os imigrantes italianos e seus descendentes desceram da área
serrana em direção a Santa Maria, para comercialização de seus produtos, diminuindo a
predominância do comércio alemão. Colonos também vendiam seus produtos nas
localidades próximas, como Colônia (atual Camobi), Val de Serra e Arroio do Só.
Dessa forma, consolidou-se o sucesso do capital comercial e industrial étnico, sob a
hegemonia econômica e social de imigrantes alemães e italianos.
Aos poucos, as estradas foram sendo abertas para facilitar o tráfego de pessoas e
o escoamento dos produtos. Em 1756, abriu-se a picada de São Martinho e, em 1881
foi feita a ligação com a localidade de Silveira Martins.
Em 1885, a ferrovia chegou a Santa Maria, impulsionando a modernização da
cidade e determinando forte mudança econômica e social na região. Em posição
privilegiada, no centro da Província, Santa Maria tornou-se o pólo comercial dos
lugarejos vizinhos, entreposto das praças comerciais mais próximas. A ferrovia
proporcionou o aparecimento de construções mais opulentes, novas ruas, calçamentos,
aumento do comércio local, instalações sanitárias e melhoria na comunicação e nos
transportes.
O início do século 20 marcou a chegada dos imigrantes sírio-libaneses, belgas e
judeus em Santa Maria, que contribuíram para o crescimento social e econômico
regional.
Sobretudo, o cenário social do município de Santa Maria formou-se com alguns
grandes grupos étnicos, diferenciados por importante dinamismo e questões sociais;
missioneiros e luso-brasileiros, ao sul e sudoeste; afro-descendentes livres e
escravizados; russos-alemães (1877) e italianos (1877) ao nordeste e judeus (1903) ao
norte. No que se refere a cidade de Santa Maria, os alemães estabeleceram-se, desde
1828; ao norte, os sírio-libaneses, desde 1894, ao sul e os belgas, em 1898-1903,
igualmente ao norte.
Inicialmente, o coração comercial de Santa Maria era a rua do Acampamento.
Mais tarde, com o crescimento da localidade, o centro de negócios deslocou-se para a
156
rua do Comércio (atual Dr. Bozano), ocupada em grande parte por alemães e seus
descendentes.
Em termos políticos, percebe-se, na região central, uma lacuna referente a
pesquisas sobre, principalmente, o fascismo e o integralismo em Santa Maria.
Constataram-se focos integralistas em localidades circunvizinhas como Dona
Francisca, Faxinal do Soturno e Nova Palma; em Santa Maria houve alguns parcos
casos assinalados pelo jornal A Razão.
Identificando-se, de forma geral, ao fascismo, o integralismo alcançou
importante apoio no RS, sobretudo entre as classes médias – pequenos proprietários,
funcionários, militares, etc. - com destaque para aqueles setores da comunidade de
descendentes de italianos e alemães.
O PCB teve como berço o movimento operário no RS e encontrou grande eco
na classe ferroviária santa-mariense. Os depoimentos mostraram que o Partido
Comunista Brasileiro estava implantado em Santa Maria.
A partir de 1930, com a subida de Getúlio Vargas ao poder, desenvolveu-se
projeto voltado ao mercado interno e à industrialização nacional. Com a implantação
do Estado Novo, em 1937, houve repressão do federalismo e do regionalismo. Vargas
impulsionava a criação de uma nação forte, com industrialização voltada para o
mercado interno, organizada, portanto, com uma única língua, uma única cultura.
Em 1938, a partir dos decretos de nacionalização, inicialmente referentes à área
educacional, e posteriormente, abarcando a conduta de imigrantes e descendentes, as
colônias começaram a serem vistas sob nova ótica. Os estrangeiros, sobretudo de
nacionalidades dos países do Eixo, que viviam nos chamados “quistos étnicos” do sul
do Brasil, foram objeto de atenção especial das autoridades.
As ações nacionalizadoras não foram sentidas da mesma forma nas diferentes
regiões do RS, nem tão pouco foram uniformes no mundo urbano e rural.
Segundo dados do recenseamento realizado pelo IBGE em 1940, no Rio Grande
do Sul, a população estrangeira de diferentes nacionalidades era de 90.710 pessoas, ou
seja, 2,73% da população total do RS. Somando-se a população estrangeira aos
naturalizados, tem-se um total de 3,29% da população total do RS na época. Os
157
estrangeiros [e naturalizados] formavam portanto uma pequena parcela da população
sul-rio-grandense.
Aos olhos do governo estado-novista, o problema apresentado pelas colônias
residia no fato de estarem agrupadas nas mesmas regiões com língua, cultura,
associações e escolas próprias e não nacionais, constituindo os chamados “quistos
étnicos”. Destaque-se que, quanto à língua – dialeto –, cerca de cinqüenta e dois por
cento dos alemães e descendentes e quarenta por cento dos italianos e descendentes não
falavam o português, uma razão para que as ações nacionalizadoras estivessem
voltadas principalmente para essas duas etnias.
As colônias rurais ítalo-brasileiras e teuto-brasileiras mantiveram fortemente
algumas características culturais, como a língua. Em Santa Maria e região, funcionavam
associações religiosas, culturais e esportivas italianas e alemãs. O jornal A Razão chegou a
classificar Silveira Martins como “vila italiana encravada no brasileiríssimo município de
Santa Maria” ou ainda, de “terra mussoliniana”.
Tudo indica que, na região de Santa Maria, as medidas nacionalizadoras não
modificaram o cotidiano do lugar, principalmente na zona rural. Dois exemplos
elucidam esta afirmativa: uma reportagem vinculada em A Razão, em 1942, mostra
que, na localidade de Silveira Martins, falava-se comumente o dialeto, sem pejo, tanto
em nível privado como em público, sem maior controle das autoridades e/ou punições a
respeito.
O segundo exemplo é o caso da Associazione Umberto Iº, de Silveira Martins
que, em 1938, trocou o nome para Clube Silveira Martins. Suas atividades culturais,
recreativas e de ajuda financeira aos associados – em grande maioria italianos e
descendentes – permaneceram fundamentalmente intactas, não sofrendo alterações,
comprovando, novamente, que a colônia sentiu marginalmente os reflexos do governo
varguista.
Com a chegada da Segunda Guerra (1939-1945), não apenas no sul do Brasil,
houve algumas prisões, perseguições, trocas de nomes de localidades e associações,
fechamento de mutuais, saques e depredações de patrimônios, como o ocorrido em 18
de agosto de 1942.
158
Até onde podemos perceber, em Santa Maria, não se verificou um quadro
repressivo intenso, como sugeriam inicialmente os depoimentos. Em 1942, o jornal A
Razão publicou não mais que dez casos prisões, por motivos banais: dizer que era
italiano sendo brasileiro; injuriar à bandeira nacional e falar em italiano. Mesmo as
prisões mais significativas não tiveram comprovação documental. Casos de abusos
foram isolados e irrelevantes. Segundo parece, o subprefeito ou subdelegado,
sobretudo, como em outras regiões, utilizava-se da prerrogativa de ser autoridade para
exercer alguma atitude mais arbitrária.
O período de prisão dependia do “delito”. Podemos ver que, na maioria dos
casos, registrados, a pessoa era detida, averiguava-se a documentação, fazia-se
fichamento, passados um ou dois dias, e era liberta. Também houve casos isolados na
região, como o de Dona Francisca, onde a prisão foi de oito dias e ainda de mortes na
cadeia, segundo parece.
O jornal A Razão era o órgão de imprensa que mais circulava em Santa Maria.
Através dele, a comunidade acompanhava os principais acontecimentos da cidade, do
país e do mundo, como a guerra. A coluna do jornalista Paulo Mendes era a
responsável por artigos contrários ao quinta-colunismo.
A Segunda Guerra tornou-se mundial com a invasão da União Soviética pela
Alemanha e com o ataque japonês à base estadunidense de Pearl Harbor no Havaí, em
7 de dezembro de 1941. Em janeiro de 1942, no encerramento da III Conferência dos
Ministros das Relações Exteriores Americanas, Osvaldo Aranha anunciou o
rompimento das relações diplomáticas e comerciais do Brasil com Alemanha, Itália e
Japão.
A partir de fevereiro de 1942, começaram a ser torpedeados navios brasileiros
por submarinos do Eixo. Seguiu-se o afundamento do Cabedelo, Buarque e Olinda.
Após, em março, registrou-se o afundamento do Cairu e Arabutã.
Em março de 1942, iniciaram-se os chamados “comícios de brasilidade” ou
“caravanas de brasilidade” em Santa Maria e região, principalmente em Silveira
Martins. Promovidos pelo Ateneu Graça Aranha e pela Ala Democrática da Mocidade,
contando com irrestrito da classe ferroviária, uma vez que, segundo parece, os
dirigentes destas instituições pertenciam ao PCB, anti-integralistas e anti-fascistas.
159
O intuito dos comícios era mostrar à população os males nacionais e
internacionais do fascismo e do nazismo, prestigiando a política internacional do
governo brasileiro e combatendo a infiltração do nipo-nazi-fascismo e integralismo.
No mês de maio, foi a vez do Parnaíba, Comandante Lira e Gonçalves Dias
serem torpedeados. No mês seguinte, foram postos a pique o Alegrete e Pedrinhas. Em
julho, registrou-se o afundamento do Tamandaré, Barbacena e Piave. O mês de agosto
foi o mais violento, assinalado com sangue de muitos brasileiros. Foram afundados os
navios brasileiros civis Baepende e o Araranguá, no dia 15 de agosto. No dia seguinte,
foi torpedeado o Anibal Benévolo. No dia 17, foram torpedeados o Itagiba e o Arará.
Finalmente, em 19 de agosto, foi torpedeado o navio Jacira.
Afundamentos de navios brasileiros por submarino alemão e as mais de
seiscentas mortes ocasionaram consternação geral na população brasileira, resultando
na declaração de guerra aos países do Eixo.
Em todo o Brasil, manifestações de revolta com depredações sucederam-se a
fim de revidar a afronta ao Brasil.
Em Santa Maria, o comício de brasilidade, que estava marcado para o dia 22 de
agosto, foi antecipado para dia 18. Às 16h daquele dia, mais de quinhentas pessoas
tomaram o largo da Viação Férrea. Em passeata, subiram a av. Rio Branco, rumando
para a praça Saldanha Marinho. A partir desse momento, ondas de depredações foram
vistas até à tarde do dia seguinte nas principais ruas e bairros da cidade. Objetos
retirados das casas de descendentes dos países do Eixo foram mergulhados no chafariz
da Praça Saldanha Marinho. Armazéns, fábricas de bebidas, fábricas de balas e doces,
hotéis e restaurantes foram invadidos, saqueados e destruídos pela população.
Após o acontecido, vêem-se nas páginas do A Razão, os anúncios “Ao povo de
Santa Maria”. Percebe-se que a retórica é pouco modificada, não importando a empresa
que foi atingida ou o jornal ao qual as notícias e “apedidos” foram vinculados. Nota-se
que a oratória gira em torno do mesmo eixo – as empresas foram atingidas certamente
por engano, que o povo justamente revoltado e indignado, devido aos brutais atentados
sofridos pelos navios mercantes brasileiros, quebrou, depredou e saqueou as empresas.
A firma se diz genuinamente brasileira com proprietários brasileiros natos e reservistas
do exército nacional e conserva vivo o sentimento de brasilidade.
160
Algumas empresas, que foram atingidas no episódio de 18 de agosto de 1942,
requereram indenização junto aos poderes públicos, mas não se sabe quantas
obtiveram-no.
Os depoimentos sugerem que a classe ferroviária teve grande atuação na
manifestação. Não fica clara a responsabilidade sobre as depredações. Entretanto,
evidenciou-se o choque de projetos políticos. De um lado, representantes do PCB e do
nacionalismo e, de outro, simpatizantes ou representantes do integralismo e nazi-
fascismo, ou tidos como tal.
Tudo indica que as depredações tenham sido fomentadas igualmente pelo
predomínio comercial étnico. Os descendentes de imigrantes alemães e italianos
prosperam economicamente, formando grande parcela do comércio de Santa Maria.
Muitos deles eram simpatizantes do integralismo, nazismo e fascismo, outros não, o
que explicaria que alguns estabelecimentos comerciais “estrangeiros” não terem sido
depredados e saqueados. Os registros mencionam muito pouco o comércio brasileiro
de Santa Maria. Quase sempre, faz-se um discurso apologético de que a prática
comercial era resultado do sucesso advindo do trabalho imigrante.
Outra explicação para o episódio é a questão étnica - italianos e alemães versus
“pêlos-duro”. Não se pode negar que esta discriminação aconteceu de ambas as partes.
Porém, somente essa realidade não consegue abarcar a complexidade do episódio. A
documentação sugere que houve uma hegemonia do comércio local por parte dos ítalo-
brasileiros e teuto-brasileiros em detrimento ao restante da população.
Mesmo com a dificuldade de se mapear quais e quantos estabelecimentos
comerciais foram depredados em Santa Maria, chegou-se ao número de quarenta e um,
de um universo total de 732 casas comerciais. Desta forma, o número levantado mostra
que, apesar dos depoimentos sugerirem uma grande depredação, numericamente ela
representou 5,60% das casas comeciais.
As ruas mais atingidas foram a av. Rio Branco, dr. Bozano e Sete de Setembro.
O ramo de produtos que liderava a lista de saques e depredações foram os armazéns
seguido da rede hoteleira e fábrica de doces e bebidas, ao que tudo indica pelo acesso
aos produtos para o saque.
161
CRONOLOGIA
1680- Fundação da Colônia do Sacramento pelos lusitanos.
1682- Fundação da colônia dos Sete Povos das Missões
1737- Fundação do presídio Jesus-Maria-José (Rio Grande).
1740-60- Chegada de casais lusitanos ao RS.
1750- Tratado de Madrid.
1753-6- Guerra Guaranítica.
1761- Tratado de El Pardo.
1777- Tratado de Santo Ildefonso.
1797- Chega ao Rincão de Santa Maria a 2ª Subdivisão da Comissão Demarcadora
de Limites.
1801- Chegam ao Acampamento de Santa Maria índios missioneiros para ali se
estabelecerem.
162
1812- A Capela do Acampamento de Santa Maria da Boca do Monte foi elevada a
Capela Curada.
1824- Chegada dos imigrantes alemães do RS.
1835-45- Revolução Farroupilha.
1837- 17 de novembro: Santa Maria da Boca do Monte é elevada à categoria de
Freguesia.
1850- Abolição do tráfico transatlântico de africanos. Lei de Terras.
1851- Primeira Lei Provincial a regulamentar a colonização.
1857 – 16 de dezembro- a Freguesia de Santa Maria da Boca do Monte foi elevada
a categoria de Vila.
1858- 17 de maio- instalação do município de Santa Maria.
1866- 8 de abril: Fundada a Comunidade Evangélica Alemã de Santa Maria.
18 de novembro: Fundada a sociedade alemã “Deustscher Hilfsverein”.
1870- Conclusão da Unificação Italiana.
Outubro: iniciada a construção da igreja luterana alemã de Santa Maria.
1873- 14 de dezembro: inaugurada a igreja luterana alemã de Santa Maria.
1876- 06 de abril- A Lei provincial nº 1013 eleva Santa Maria da Boca do Monte a
categoria de cidade.
03 de maio- inagurada a linha telegráfica entre Porto Alegre e Santa Maria.
1875- Chegada dos primeiros imigrantes italianos, estabelecimento nas colônias
Caxias, Dona Isabel, Cond´Eu.
163
1877- chegada de famílias italianas a Colônia Silveira Martins.
1880- Fevereiro: começam os trabalhos para a construção da estrada ligando Santa
Maria a Silveira Martins.
1881- Junho: Assume a direção da Colônia de Silveira Martins o engenheiro José
Manuel de Siqueira Campos promovendo a emancipação da Colônia.
Setembro: primeira iluminação pública de Santa Maria com lampiões e
querosene.
1882- 19 de agosto: emancipação da Colônia de Silveira Martins.
Dezembro: concluída estrada de rodagem de Santa Maria a Silveira Martins.
1883- Fundação de novas colônias na região central do RS: Geringonça, Núcleo
Norte, Arroio Grande, Nova Palma e Dona Francisca.
1885- 13 de outubro- inaugurado o trecho ferroviário Cachoeira do Sul- Santa
Maria
1888- 13 de maio:abolição da escravatura no Brasil.
Maio: extinta oficialmente a ex-Colônia Silveira Martins. Seu território foi
repartido entre Santa Maria, Cachoeira do Sul e São Martinho.
Dezembro: chegada dos primeiros libaneses a Santa Maria.
1890- 23 de dezembro: inaugurado o trecho ferroviário Santa Maria-Cacequi.
1894- 20 de novembro: inaugurado o trecho ferroviário Santa Maria-Cruz Alta.
1896- 01 de abril: fundação da Societá Italiana di Mutuo Soccorso e Recreativa.
1897- Chegada da eletricidade a Santa Maria. Inaugurada a iluminação pública.
1901- Fevereiro: chegada do telefone a Santa Maria
164
1904- Chegada dos judeus e instalação da Colônia Philipson.
1913- Setembro: Fundada a Sociedade União dos Caixeiros Viajantes (SUCV)
Outubro- Fundada a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação
Férrea
1914-1918- 1ª Guerra Mundial.
1917- Outubro:Greve dos Ferroviários
1919- Nascimento do movimento fascista na Itália.
1922-24- Consolidação do fascismo.
1922- Criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Semana de Arte Moderna
1925- Cinqüentenário da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul
1929- Quebra da Bolsa de Nova Iorque.
1930- 24 de outubro: Vargas toma o poder através da Revolução de 30.
1932- 7 de outubro: Criação da Ação Integralista Brasileira (AIB).
1935- 30 de março: fundação da Aliança Nacional Libertadora (ANL)
Intentona Comunista
1937- 29 de setembro: Plano Choen
10 de novembro: golpe do Estado Novo.
1938- 8 de abril- decreto de nacionalização do ensino.
1939-1945- 2ª Guerra Mundial
165
1942- 22 de janeiro- Conferência Pan-Americana no RJ
28 de janeiro- rompimento das relações diplomáticas e comerciais do Brasil
com Itália, Alemanha e Japão.
18 de agosto- saque e quebra-quebra a estabelecimentos de italianos,
alemães e seus descendentes em Santa Maria.
1945- deposição de Vargas
1954- 24 de agosto: Vargas se suicida.
166
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Amanhã a demonstração de brasilidade e americanismo em Silveira Martins. A Razão,
Santa Maria, 14 de março de 1942, p.3.
Raras vezes Santa Maria terá vivido horas de tanta emoção cívica. A Razão, Santa Maria,
15 de março de 1942, p.7.
Silveira Martins recebeu de braços abertos os emissários da democracia. A Razão, Santa
Maria, 17 de março de 1942, p.3.
É brasileiro e fez questão de dizer que não o é! A Razão, Santa Maria, 22 de abril de 1942,
p.7.
Obra de patriotismo. A Razão, Santa Maria. 22 de abril de 1938, p.3.
Presos no interior do município, dois fanáticos do fascismo italiano. A Razão, Santa Maria,
30 de abril de 1942, p.7
Apreendidos vários livros em alemão e diversas fotografias de Hitler. A Razão , Santa
Maria. 06 de maio de 1942. p.3.
Navio Tamandaré. A Razão, Santa Maria, 31 de julho de 1942, p.1.
Com o Brasil no coração, a mocidade e operário se irmanam para a mesma luta. A Razão,
Santa Maria, 16 de agosto de 1942, p.7.
Ofendeu as autoridades policiais de Silveira Martins. A Razão. Santa Maria, 18 de agosto
de 1942, p.7.
Afundamento de navios brasileiros. Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de agosto de 1942,
p. 2 .
179
Vibrante demonstração de protesto contra o barbarismo totalitário. A Razão, Santa Maria,
19 de agosto de 1942, p. 7.
Dente por dente, olho por olho. A Razão, Santa Maria, 19 de agosto de 1942, p.2
Declaração de Krahe & Cia. Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de agosto de 1942, p.4.
Confeitaria e Bar Balú. Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de agosto de 1942, p.4.
Pianca Irmãos Ltda. Correio do Povo. 19 de agosto de 1942, p.5
Apelo aos sindicatos e aos trabalhadores em geral. Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de
agosto de 1942, p.3
Presos, ontem, em Santa Maria diversos quinta-colunistas. A Razão, Santa Maria, 21 de
agosto de 1942, p.7.
Num lance audacioso a 5ª-coluna pretendeu comprometer a classe operária. A Razão, Santa
Maria, 22 de agosto de 1942, p.3.
Esconderijo secreto na residência do Pastor Hoffmann! A Razão, Santa Maria. 22 de agosto
de 1942, p.6.
Ao povo de Santa Maria. A Razão, Santa Maria, 22 de agosto de 1942, p.3.
Ao povo de Santa Maria. A Razão, Santa Maria, 23 de agosto de 1942, p.3.
Agradecimento. A Razão, Santa Maria, 23 de agosto de 1942, p.2.
Declaração. A Razão, Santa Maria, 23 de agosto de 1942.
Ao povo de Santa Maria. A Razão, Santa Maria, 24 de agosto de 1942, p.2.
Toda a cidade mobilizada para a recepção ao sr. Getúlio Vargas. Diário do Estado. 21 de
setembro de 1950, p.3.
Serão abolidos os nomes estrangeiros de todas as localidades brasileiras. A Razão, Santa
Maria, 28 de outubro de 1943, p.7.
Aos meus patrícios. A Razão, Santa Maria, 07 de novembro de 1942.
Os problemas da colônia. Santa Maria, A Razão. 19 de dezembro de 1942, p.2
Doado o patrimônio da Sociedade Italiana de Santa Maria. A Razão, Santa Maria, 23 de
abril de 1943. p.3.
Documentos
Processo contra os empregados da Escola de Artes e Oficios Hugo Taylor. SD/40-1722.
Santa Maria, 08 de abril de 1942.
Oficio SD/ 48-1704. Santa Maria, 11 de abril de 1942. Arquivo da Cooperativa dos
Empregados da Viação Férrea de Santa Maria.
180
STATUTO “Dell’Associazone di Mutuo Soccorso Umberto Iº fra gli operai italiani di”
Silveira Martins, 1916, p.1.
STATUTO “Della Societá Italiana Pátria e Soccorso Duca degli Abruzzi” de São Marcos,
1896, p.3.
ATAS “Associazone di Mutuo Soccorso Umberto Iº fra gli operai italiani di” Silveira
Martins. 1917 - 1919
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Secretaria do Governo, FONOGRAMAS.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondências governantes TELEGRAMAS.
Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Tabelionato do município de Santa Maria,
procurações do 3º Tabelionato, 1941-1944, livro 7.
Entrevistas
Abdo Achutti Mottecy. Santa Maria, 05 de novembro de 2004.
Alfredo Segabinazzi, Dona Francisca, 24 de abril de 1999
América Achutti, Santa Maria, 26 de outubro de 2004.
Ana Volcato Barchet, Dona Francisca, 15 de junho de 1998.
Benito Ceretta, Santa Maria, 1998.
Depoente A, Santa Maria, 4 de janeiro de 2000.
Depoente B, Santa Maria, 02 de julho de 2004
Depoente C, Santa Maria, 14 de junho de 2004.
Dorvalino Rubin, São João do Polêsine , junho de 2000.
Ernesto e Maria Schmidt, Santa Maria, 27 de agosto de 1996
Eusébio Roque Busanello, Faxinal do Soturno, 20 de maio de 1998.
Hildegard Schwarke, Santa Maria, 27 de agosto de 1998.
José Luiz Silveira, Santa Maria, em 06 de outubro de 1999.
José Brenner, Santa Maria, 04 de outubro de 2006.
Maria Iop Druzian, Santa Maria, 2004.
Moisés Oliveira, Santa Maria, 15 de setembro de 1998
Nelson Borin, Santa Maria, 9 de junho de 2004.
Vera Diefenthaler, Santa Maria, 15 de setembro de 1998.
Wilson Aita, Santa Maria, 02 de julho de 2004.
181
Sítios na internet
http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema acessado em 14 de março de 2006.
http://www.cpdoc.fgv.br. Acessado em 18 de abril de 2006.
http://katesmith.org/gba.html. Acessado em 02 de maio de 2006.
http://ingeb.org/songs/godbless.html. Acessado em 02 de maio de 2006.
http://www.clicrbs.com.br/jornais/dsm/jsp/printjornais.jsp?newsid... Acessado em 01 de
junho de 2004.
http://wwwsegundaguerr.superforos.com/viewtopic.php?. Acessado em 20 de setembro de
2006
http://www.ibge.gov.br/. Acessado em 20 de setembro de 2006.
http://www.santamaria.rs.gov.br/
. Acessado em 20 de setembro de 2006.
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