a expulsão do paraíso. Elas representam também o lado "sombra"
de Psiquê, a atitude matriarcal de repúdio aos homens.
Desse ponto de vista, paradoxalmente, a função dessas ir-
mãs-sombra, apesar de toda a carga psíquica negativa da inveja e
da vingança, é despertar a consciência feminina de Psiquê, fazen-
do-a realizar-se como mulher. Ela vive, nas trevas, "um êxtase de
sensualidade, num estado de perfeita servidão através do sexo,
que sem dúvida pode ser mencionado como um demônio, um
monstro" (ibidem, p.62). Para essa situação, no matriarcado, só há
uma solução: matar ou castrar o macho.
A luz sobre o deus adormecido ilumina o momento em que
Psiquê assume o seu destino, momento que surge na vida de toda
mulher que parte em busca da consciência e da auto-realização.
Esse momento é trágico e doloroso, pois representa a perda do pa-
raíso, a perda da felicidade ingênua. As tarefas que Vênus impõe à
mortal que ousou desafiá-la têm, na interpretação de Neumann, o
sentido da redenção da mulher, ou seja, a heróica luta do femini-
no, reivindicando seus direitos. A deusa assume então o papel da
Mãe Terrível, a madrasta ou bruxa dos contos de fada. Embora
nenhuma das tarefas tenha sido executada sem o auxílio das forças
mágicas, ou do próprio Cupido, os junguianos consideram o su-
cesso como mérito de Psiquê, pois os auxiliares (formigas, junco,
águia e torre) simbolizam as forças interiores da alma feminina. A
conclusão é que, com o mito de Psiquê, "surge um novo princípio
do amor, no qual o encontro do feminino com o masculino se pro-
cessa com base na individuação" (ibidem, p.73).
Robert A. Johnson (1987) retoma essa análise em seu livro
She: a chave do entendimento da psicologia feminina, que popula-
rizou os conceitos junguianos sobre o processo de individuação da
mulher, numa linguagem acessível ao grande público. Na obra, ni-
tidamente sensacionalista, os méritos de Psiquê são exacerbados
para atingir, com forte apelo emocional, o público a que se desti-
na. Por isso seu trabalho está muito aquém da obra de Neumann,
que lhe serviu de modelo, embora tenha-se tornado, em pouco
tempo, bastante conhecida.
Na análise freudiana de Bruno Bettelheim (1980), contida em
A psicanálise dos contos de fadas, a história de Cupido e Psiquê é