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PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA
ASSUNÇÃO
Aluno: Ubirajara Gonçalves
Orientadora: Doutora Irmã Maria Freire
A IGREJA DOMÉSTICA A PARTIR DA LUMEN GENTIUM
Dissertação de mestrado em
Teologia na Pontifícia
Faculdade de Teologia Nossa
Senhora da Assunção sob
orientação da Professora
Doutora Irmã Maria Freire.
SÃO PAULO
2008
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Índice
Introdução_______________________________________________________05
Capitulo I Elementos preliminares__________________________________07
1. Conceito geral do termo família__________________________________07
2. A influência da Pós-modernidade na sociedade e na família____________10
2.1. A influência paradigmática do sistema de mercado sobre a família______ 11
2.1.1. A valorização do individualismo_________________________________ 11
2.2. Impactos diretos ou indiretos da Pós-modernidade sobre a família_______13
2.3. A pluralidade e a subjetividade religiosa___________________________ 14
3. A complexidade intraeclesial e a família___________________________ 15
4. Os valores humanos evangélicos que estruturam a família_____________ 16
5. Pronunciamento do Papa Bento XVI no Brasil sobre a família na América
Latina____________________________________________________________17
6. Abordagem dogmática sobre a Igreja doméstica_____________________ 19
6.1. Dimensão ontológica da Igreja doméstica__________________________ 22
6.2. Dimensão existencial da Igreja doméstica__________________________ 27
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6.3. Dimensão social da Igreja doméstica______________________________31
6.3.1. Dimensão social da família como modelo para a sociedade____________ 33
6.4. Dimensão ecumênica da Igreja doméstica__________________________35
6.5. Dimensão escatológica da Igreja doméstica________________________ 37
6.6. Dimensão doxológica da Igreja doméstica_________________________ 39
Capítulo II A família no Concílio Vaticano II_________________________ 43
1. A comunidade eclesial como família de Deus_______________________43
1.1. A família na comunidade dos discípulos___________________________47
2. A importância da família para a Igreja e para a sociedade_____________ 48
2.1. A dignidade da família e de seus membros_________________________52
2.1.1. A dignidade da criança na família, na Igreja e na sociedade____________54
2.1.2. A dignidade eclesial e social da mulher____________________________55
2.1.3. O valor da juventude__________________________________________ 57
2.1.4. A necessidade de garantir a dignidade da pessoa anciã________________59
Capítulo III A família a partir da Lumen Gentium_________________61
1. A Igreja na evangelização através da família________________________62
1.1. A família como sujeito e objeto de evangelização____________________68
1.1.1. A família e o Serviço__________________________________________ 68
1.1.2. A família e o Diálogo__________________________________________69
1.1.3. A família e o Anúncio_________________________________________ 70
1.1.4. A família e o Testemunho da comunhão___________________________71
2. A família que celebra como Igreja________________________________74
2.1. Eucaristia e Matrimônio como expressão do mistério pascal na família___76
3. A diaconia da Igreja doméstica__________________________________ 78
4. Alguns aspectos da Igreja doméstica na Familiaris Consortio___________84
4.1. Conhecer a realidade com discernimento evangélico__________________84
4.2. A família é uma comunhão de pessoas_____________________________88
4.3. A Igreja doméstica no mistério da Igreja___________________________ 89
4.4. Solicitude eclesial nas diversas situações___________________________90
5. Eclesiologia de comunhão e a família na perspectiva da Christifideles
Laici_____________________________________________________________94
5.1. A Igreja doméstica: família em comunhão__________________________95
5.2. A Igreja doméstica em comunhão orgânica nos diversos carismas
enfrentando diversos desafios_________________________________________96
6. A figura de Maria na vida da Igreja e na vida da família______________ 102
6.1. Maria como modelo de Igreja e como modelo de família à luz do Documento
de Aparecida_____________________________________________________ 102
6.1.1. Maria como modelo de identidade e dignidade da mulher na família, na
Igreja e na sociedade_______________________________________________104
Conclusão_______________________________________________________106
Fundamentação bibliográfica_______________________________________108
Anexos_________________________________________________________116
Siglas__________________________________________________________ 138
Introdução
Ao propor o estudo sobre a família no campo disciplinar Eclesiológico nos faz
lembrar que não podemos esquecer os desafios e as dificuldades enfrentadas por
grande número destas famílias, dificuldades que, muitas vezes, constituem
obstáculos para a sua plena vivência eclesial: fragmentação familiar, desemprego,
exclusão social, iniciação insuficiente para o matrimônio, formação de opinião
pública em torno do aborto, divórcio e tantas outras dificuldades que atingem cada
membro desta comunidade familiar como a mulher, a criança, o adolescente e o
jovem e também o ancião e a anciã. Ao refletirmos sobre a família numa
perspectiva teológico-eclesial queremos resgatar no campo disciplinar da
eclesiologia e na própria praxe eclesiológica da Igreja a sua identidade. Com o
Concílio Vaticano II abre-se um novo horizonte iluminado pela Lumen Gentium
para o surgimento de um aprofundamento sobre a dimensão comunitário-eclesial da
família, que tem o amor e a comunhão como sinal característico. É na LG n.º 11
que encontramos a grande referência “Igreja Doméstica” a qual está inserida na
Grande Família de Cristo: a Igreja. A partir daí surgem vários Documentos Oficiais
da Igreja (alguns citados em nossa bibliografia) relacionados à família; outras
disciplinas já trabalham sobre a questão da familiar, sendo isso, fruto da ação
conciliar. Porém acredito que no campo disciplinar da eclesiologia pode-se fazer
também um estudo, que poderá contribuir para novas pesquisas num
aprofundamento mais amplo sobre a família no campo dogmático.
Não temos a pretensão de elaborar um estudo que abarque todas as questões
que envolvem a família nos seus diversos aspectos (embora isso fosse o ideal),
porém temos algumas pistas que poderão abrir os horizontes para a sistematização
de uma teologia da família como Igreja doméstica, como sugere o Documento de
Puebla.
“Enriquecer e sistematizar a teologia da família, para lhe facilitar o
conhecimento e o aprofundamento como Igreja doméstica, com o objetivo de iluminar as
novas situações das famílias... deverá considerar-se a família como sujeito e agente
insubstituível de evangelização e como base da comunhão na sociedade.”
1
Para isso, traçamos o seguinte método de estudo: no primeiro capítulo
comparamos algumas definições sobre o conceito de família segundo o modelo
apresentado por cada autor. Em seguida tentamos contextualizar a família diante
das transformações sócio-econômicas do tempo presente. E para finalizar este
capítulo quisemos fazer uma abordagem dogmática sobre a Igreja doméstica a
partir das fontes oferecidas pela teologia dogmática (Tradição bíblica, documentos
do Magistério e Patrística e alguns autores). No segundo capítulo apresentamos de
forma breve a eclesiologia proposta pelo Concílio Vaticano II e a importância da
família e de seus membros na teologia eclesiológica deste concílio. Por fim, no
terceiro capítulo o estudo é direcionado ao destaque da identidade eclesial da
família a partir da Constituição Dogmática Lumen Gentium. Pois acreditamos que a
teologia dogmática no campo disciplinar da eclesiologia, também tem muito a
oferecer a Igreja doméstica.
1
DOCUMENTOS DO CELAM. Puebla 601-602.
Capitulo I Elementos preliminares
1. Conceito geral do termo família
A conceituação do termo família pode ser expressa diversificadamente, de
acordo com o direcionamento que fazemos deste objeto de estudo.
2
Aqui,
apresentaremos alguns modelos de família segundo alguns estudiosos da questão
familiar. O primeiro conceito de família que apresentamos está na obra do
psicólogo Wladimir Porreca, para ele:
“O conceito família tem sido utilizado para se referir a unidade de reprodução
biológica social, criada por laços de aliança, que são instituídos pelo casamento, por
vínculos de descendência entre pais e filhos – sejam eles biológicos ou não, – e por elos
de consangüinidade entre irmãos”.
3
Segundo Porreca, a família é o agente principal, formador da “identidade de
gênero”
4
, a qual sofre suas variações conforme o contexto social e cultural de uma
sociedade em particular. Conforme W. Porreca, a família está em constante
mudança interna e social devido ao individualismo e a competição que assolam
gradativamente o “o familismo”, que é compreendido como modelo tradicional de
família, pelo fato do interesse desse grupo estar acima do interesse individual.
2
PORRECA, Wladimir. Casais católicos em segunda união. Sofrimentos e esperanças. p. 23.
3
Ibid.
4
Ibid.
Para W. Porreca o modelo tradicional de família é constituído por “pais e
irmãos” e o espaço geográfico onde foram socializados, lembrando que Wladimir,
apresenta a família como um grupo formado por cônjuges unidos pelo casamento e
os filhos. Para ele este é o modelo ideal de família nuclear. Porém, afirma que tal
modelo não é o único existente e nem analisado unicamente, pois existem casos
variados como uma mãe viúva ou separada ou ainda solteira, que junto com os
filhos, vivem a dinâmica familiar, assim como casais recompostos com filhos de
uniões anteriores , etc.
Uma segunda definição de família é feita por Eduardo Bonnin, para este
autor, a família é constituída por uma “uma reunião de indivíduos”,
5
os quais
possuem laços de sangue, moram em uma mesma residência ou agrupamento
residenciais, formando estes, uma comunidade de serviço. Os laços de sangue estão
relacionados com o sistema vida conjugal, ao sistema patriarcal ou matrilinear, ou
seja, laços de parentesco. A casa ou o lar, é o ponto central e a base da vivência
familiar, sendo uma comunidade de serviço, a família completa sua integração na
responsabilidade assumida por seus membros.
6
Ângela Ales Bello, em seu texto “Família e intersubjetividade”
7
caracteriza
a “família como uma particular forma associativa”
8
Ângela apresenta em seu
estudo três maneiras, as quais nos favorecem a compreensão dos diversos modos,
dos quais o ser humano pode se unir. No primeiro modelo de associação, os seres
humanos são uma integração de corpo, psique e espírito, porém, esta integração
pode ser prejudicada quando eles se submetem aos impulsos desordenados e
5
BONNIN, Eduardo. Ética matrimonial, familiar e sexual. p. 201.
6
Ibid.
7
MOREIRA, Lúcia – CARVALHO, Ana M. A. (orgs). Família, subjetividade, vínculos. p. 83.
8
Ibid. p. 98.
também quando só prevalecem seus interesses pessoais para fins egoístas. A
segunda forma possível de organização humana é a sociedade. Ela está ordenada
através de normas (direitos e deveres) que regem a mesma, porém não é o interesse
de todos que prevalece, mas sim os interesses de grupos, sendo que, em tais grupos
não existem vínculos pessoais, podendo seus membros serem substituídos.
9
A
terceira forma de associação humana, a qual se pode caracterizar como família, é a
comunidade. Nela as ligações pessoais são de grande importância para o grupo,
cada membro é parte integrante e insubstituível da comunidade. No seio
comunitário, a vida humana tem seu valor preservado pelo fato da pessoa humana
estar integrada na mesma comunidade de forma total. Eis alguns exemplos de
comunidade: a família (para Ângela, esta ocupa o primeiro lugar de grupo
comunitário), a comunidade religiosa, a comunidade eclesial, etc. Segundo Ângela,
a família, é o modelo completo de comunidade, pois nela existe a forma mais
completa de ligação humana (física, afetiva, emocional e a vida em comum).
10
Dentre as definições acima citadas, preferimos trabalhar com esta última, a qual, a
família é como uma comunidade onde cada um de seus membros é parte integrante
e indispensável do grupo.
A Igreja reconhece a dignidade e a importância desta comunidade, por isso
ela quer que todos os seus membros reflitam sobre a realidade da família,
11
pois “a
salvação da pessoa e da sociedade humana está estreitamente ligada ao bem estar
da comunidade conjugal e familiar (cf. GS 49). Quando a família é protegida e
valorizada em sua dignidade, também a sociedade participará deste valor. A família
é formadora da pessoa humana e da sociedade. Apesar das transformações sócio-
9
MOREIRA, Lúcia – CARVALHO, Ana M. A. (orgs). Família, subjetividade, vínculos. p. 83.
10
Ibid. 98-99.
11
CANTALAMESSA, Raniero. A Palavra e a vida. p. 39.
econômicas que interferem direta ou indiretamente na vida da comunidade familiar,
influenciando o convívio familiar.
2. A influência da Pós-Modernidade na sociedade e na família
Mesmo sem definir o conceito de família, Christiane Blank afirma que ela
está sujeita as mudanças dentro da história e na sociedade,
12
e é importante que a
Igreja procure conhecer as influências que a permeiam em seu contexto histórico e
social e os perigos que a cercam,
13
pois o pós-modernismo traz consigo influências
que afetam de diversos modos a família, pois ele traz com sigo alguns valores que
estão dissociados da fé cristã e dos valores humanos. Dentre outras influências
podemos destacar a pluralidade de pensamentos e a tolerância com eles; o
subjetivismo; descrédito com relação às instituições acompanhado do
descompromisso social-político; imediatismo (soluções imediatas e a preocupação
com o tempo presente) e a crescente influência do pluralismo religioso. Neste caso
percebemos a busca de uma religiosidade que não exija comprometimentos sociais,
morais ou de fé explicita, mas sim como meio de auto satisfação pessoal,
14
e esta
obsessão na busca do auto satisfazer-se faz com que o indivíduo se esqueça do
coletivo e não se preocupe com os problemas sociais que atingem diversas famílias
(desemprego, moradia, saúde e recurso hospitalar, alimentação, cidadania e as
condições básicas de sobrevivência), neste caso a prática religiosa se torna objeto
de manipulação e alienação. Por isso queremos aqui citar como exemplo as famílias
pobres do terceiro mundo, que o Papa João Paulo II pede uma especial atenção.
12
BLANK, Christiane E. Construir o Matrimônio na Pós-Modernidade. p. 9.
13
EXOTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 4.
14
BLANK, Christiane E. Construir o Matrimônio na Pós-Modernidade. p. 10-13.
“Merece também a nossa atenção o fato de que, nos países do assim chamado
Terceiro Mundo, faltam muitas vezes ás famílias, quer os meios fundamentais para a
sobrevivência, como o alimento, o trabalho, a habitação, os medicamentos, quer as mais
elementares liberdade.”
15
2.1. A influência paradigmática do sistema de mercado sobre a família
A influência mercadológica sobre o individuo, sobre a família e sobre
sociedade são marcantes, e os paradigmas econômicos são um determinante de
grande influência no âmbito familiar. É necessário conhecer alguns mecanismos
que inserem de maneira progressiva sua criteriologia e seus princípios em todos os
níveis da realidade da vida humana, até mesmo na vida da família. Para Christiane
Blank “Trata-se de interferências estruturais, que, por meio de uma revolução
silenciosa, subvertem os valores da moral cristã”
16
que conseguem alterar o rumo
da sociedade e o convívio familiar, tal alteração tem como conseqüência o
individualismo.
2.1.1. A valorização do individualismo
A relação interpessoal está sendo fragmentada pelos novos modelos
paradigmáticos que o mercado oferece. Em seu estudo sobre globalização e
neoliberalismo, Adriano Sella constatou que hoje, não há interesse pelo bem
público, mas para o individualismo ou o corporativismo, cada um busca seu próprio
interesse dentro da sociedade, pois na Pós-Modernidade, a idéia principal é que
15
EXOTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 6.
16
BLANK, Christiane E. Construir o Matrimônio na Pós – Modernidade. p. 18.
homem e a mulher estejam em função da economia e a sua atenção principal esteja
voltada ao lucro, e não para a vida humana, ou para a família e menos ainda para o
bem comum, gerando assim grande exclusão social.
17
Quem não pode competir no
sistema mercadológico estará completamente excluído, ou quem não puder
consumir terá o mesmo fim. A estrutura social é pertinente em valorizar o
isolamento ou a competividade que levam a uma atitude egoística entre as pessoas.
Adriano Sella também chama a atenção para uma perigosa manipulação da vida
humana e da família, através da engenharia genética:
“Além de todo esse fenômeno da exclusão social, há um projeto de uma apartação
não somente social, mas também genética. Isto é, através da descoberta do DNA se
descobriu como gera a vida humana. Assim, estão pensando em manipular a vida
humana, criando duas humanidades diferentes: aquela dos super-homens (os inteligentes,
os bonitos, capacitados, talentosos, os gênios...) e a outra dos homens inferiores (os não
capacitados, ignorantes, feios, deficientes físicos e mentais, doentes...).
18
Não podemos ignorar este avanço científico que a biotecnologia oferece
poderá trazer benefícios para a humanidade, mas também não podemos ignorar a
instrumentalização deste meio científico para fins discriminatórios e seletistas.
Podemos questionar quais os órgãos civis ou governamentais que terão acesso a
tais informações e quais os fins pretendidos. No que se refere á ação biotecnológica
em referência ao projeto chamado “Genoma”, pode ser utilizado para a prevenção
de doença em prol da família e de toda a população humana como também para “a
17
SELLA, Adriano. Globalização neoliberal e exclusão social. p. 35-36.
18
Ibid.
busca do homem ideal.”
19
Até nos dias de hoje os avanços tecnológicos são
consumidos por uma minoria. O que se torna um perigo para a acentuação do
racismo e a dominação. Isso não está longe de acontecer. Assim podemos perceber
que todas essas mudanças trouxeram graves consequências para a família hodierna,
causando impactos relevantes nas suas relações familiares.
2.2. Impactos diretos ou indiretos da Pós-Modernidade sobre a família
As mudanças sociais e culturais trouxeram consequências que afetaram
família de forma direta ou indireta. É elevado o número de pessoas que aderem as
uniões informais e consensuais sem compromisso duradouro com a pessoa com
quem se propõe a viver, também é preocupante o número de divórcios e abortos
(sem falar na busca da legalização abortista). Estes problemas que atingem a
família são também problemas ético-políticos e econômicos,
20
que contaminam a
família, através de uma ideologia neoliberal, com a contribuição da mídia que age
no meio familiar. O Estado e os organismos públicos recebem interpelações por
parte da população e são chamados a darem uma resposta às famílias, que sofrem
toda forma de miria, fome, desemprego, falta de um sistema de saúde, que
corresponda às necessidades urgentes da saúde do povo, além das famílias sem
condições de vida digna e saneamento básico,
21
etc. Diante de tais mudanças e do
pluralismo de idéias sem um paradigma voltado à pessoa humana e a família, e,
diante do subjetivismo que leva ao individualismo, assim, se vê depreciado o
projeto de Deus com ralação a família e consequentemente, ela é afetada também
19
FERNÁNDEZ, Javier Gafo. 10 Palavras em bioética. p. 208.
20
SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há salvação. p. 56.
21
DOCUMENTOS DO CELAM. Santo Domingo 216-218.
na sua vida social, eclesial e religiosa. É percebida uma busca em torno do sagrado,
porém com certa indiferença à mensagem doutrinal religiosa.
22
2.3 A pluralidade e subjetividade religiosa
Numa sociedade pluralista e subjetivista, onde o poder econômico, a política
e a ciência criaram sua autonomia em depreciação do sentido religioso, a religião
se viu confinada a um campo específico”.
23
A sociedade está comportando uma
multiplicidade de pensamentos paralelos à tradição cristã. Mesmo que a religião
esteja situada num campo específico da sociedade, ela tornou-se pluralidade de
crenças, que muitas delaso oferecem a família uma vivência comunitária de fé e
de compromisso com o bem comum, gerando assim, uma continua transição de
denominações cristãs, isso pelo fato de se esperar soluções imediatas para os
problemas familiares e individuais.
24
Surge desta maneira o mercado religioso, o
qual também se torna competitivo como o próprio sistema propõem.
25
0Diante
dessa complexidade em que se encontra a família, a Igreja tem a missão de
reconstruí-la para que ela seja realmente o que deve ser: “comunidade de vida e de
amor.”
26
Assim, a Igreja tamm volta o seu olhar para os problemas que a família
está envolvida dentro do próprio seio eclesial. Pois a Igreja é formada por famílias
que trazem consigo suas histórias, seus problemas e desafios os quais não podem
ser ignorados pela comunidade eclesial, pois afetam também a vida de toda a
Igreja. Essas família solicitam à Igreja que as acompanhem em sua trajetória de
22
COMBLIN, José. Um novo amanhecer da Igreja. p. 65.
23
CNBB. Evangelização e missão profética da Igreja. p. 48.
24
Ibid. Diretrizes gerais da ação evangelizadora no Brasil 20032006. p. 55.
25
Ibid. Evangelização e missão profética da Igreja. p. 48.
26
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 17.
vida familiar.
27
Para que tais problemas (pelo menos os mais comuns) não passem
despercebidos neste estudo decidimos abordá-los no terceiro capítulo.
3. A complexidade intraeclesial da família
Nos dias atuais se constata que muitas pessoas que vivem uma relação
conjugal (o nosso exemplo são também os casais de segunda união) questionam a
Igreja Católica em busca de várias respostas para suas indagações a respeito das
suas relações familiares. Vanildo Paiva apresenta um questionamento a respeito das
famílias que vivem situações diversas em relação aos princípios da moral cristã
ligados à família.
“Hoje, são as mais variadas pessoas que vivem juntas que perguntam a Igreja
Católica, num desejo profundo de respostas: nós somos família? Que lugar ocupamos
dentro da sociedade e da Igreja? É possível fazer experiência do amor de Deus num amor
humano que fuja aos padrões tradicionais, fundamentados nas Escrituras, na Tradição e
na doutrina moral da Igreja?
28
Não são poucas as pessoas que fazem tal questionamento à Igreja. Hoje há
um número considerável de casais em segunda união, famílias recompostas e
uniões de fato e outras diversas situações.
29
É evidente que a Igreja admite que
ocorram rápidas transformações nas diversas esferas da vida do ser humano. Pois as
27
BOURGEOIS, Arnald le. Questões dos divorciados na Igreja. p. 97.
28
PAIVA, Vanildo. Família e Igreja: reconciliáveis? p. 7.
29
Ibid.
mudanças sócio-econômico-culturais trazem complicações significativas no
ambiente familiar, e a Igreja está consciente que ocorreram mudanças até mesmo
na maneira de pensar a família, pois a problemática é notória e interpela a Igreja e a
todos. Entretanto, mesmo diante desses desafios, a Igreja sempre reafirma os
valores que são próprios da família. Porém cabe a toda a comunidade eclesial
enfrentar estes desafios sem qualquer resquício de preconceito, ajudando as
famílias envolvidas a experimentarem o amor de Deus através da caridade eclesial
a partir dos valores evangélicos. Aqui não aprofundaremos a questão, pois, faremos
um estudo que tratará sobre tais questões no terceiro capítulo.
4. Os valores humanos e evangélicos que estruturam a família
Diante das influências sociais, econômicas e culturais das quais já
mencionamos, vemos que a fragilidade afetou a família e sua estrutura vincular. A
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, afirma que a família é um fator
decisivo para que se possa vivenciar e transmitir as gerações futuras, os valores
humanos evangélicos, pois “a família é o maior recurso para a pessoa, para a
sociedade e para a Igreja,”
30
porque nela está contidos os direitos e deveres da
cidadania, ela é sujeito na vida social. Por mais simples e humilde que seja o lar,
nele são transmitidos os valores morais e religiosos. As primeiras noções acerca de
Deus são recebidas através da família. A família é constituída de relações
interpessoais, relações de comunhão, de fraternidade, tais relações são
caracterizadas como bens próprios, é dom de Deus concedido à comunidade
familiar, os quais são transmitidos através das gerações, assim, não podemos
30
CNBB. Evangelização e missão profética da Igreja. p. 70
permitir que os poderes econômicos destruam a família, Igreja doméstica, onde a
vida adquire seu significado maior em Jesus Cristo
31
e contribui com a formação
humano-ética de cada pessoa nos diversos âmbitos, social e eclesial. A família
capacita cada pessoa humana a crescer sempre mais na moralidade e nos caminhos
da fé. A Igreja deve proporcionar condições para o engajamento da família para
que ela busque o bem comum entre seus membros e na sociedade dentro da grande
proposta do Reino de Deus.
Em um de seus pronunciamentos no Brasil o Papa Bento XVI considerou que
a família é um dos campos prioritários para a renovação da Igreja, em especial na
América Latina.
32
5. Pronunciamento do Papa Bento XVI no Brasil sobre a família na
América Latina
Consideramos importante para a Igreja, em especial na América Latina,
quando a família é lembrada como prioridade para a sua renovação, por isso,
repetimos o pronunciamento do Papa Bento XVI, a cerca da família na América
Latina, para acentuar que a família é um valor inestimável para a comunidade
eclesial, para a sociedade como um todo e para toda a humanidade. Por isso, nos
próximos capítulos que se seguirão, trataremos sobre a família numa perspectiva
teológico-dogmática, a partir do tema proposto e este pronunciamento do Papa,
reforça os valores da família acima citado como reforçará as reflexões que
seguirão.
31
CNBB. Evangelização e missão profética da Igreja. p. 70
32
Ibid. Pronunciamentos do Papa Bento XVI no Brasil. p. 71.
“A família, ‘patrimônio da humanidade’, constitui um dos tesouros mais
importantes dos povos latino-americanos. Ela foi, e é, escola da fé, palestra de valores
humanos e cívicos, lar em que a vida humana nasce e é acolhida generosa e
respeitosamente. No entanto, na atualidade sofre situações provocadas pelo secularismo
e pelo relativismo ético, pelos diversos fluxos migratórios internos e externos, pela
pobreza, pela instabilidade social e por legislações civis contrárias ao matrimônio que,
ao favorecer os anticoncepcionais e o aborto, ameaçam o futuro dos povos.
Em algumas famílias da América Latina, infelizmente, ainda persiste, uma
mentalidade machista, ignorando a novidade do cristianismo que reconhece e proclama a
igual dignidade e responsabilidade da mulher com relação ao homem.
A família é insubstituível para a serenidade pessoal e para a educação dos filhos.
As mães que querem dedicar-se plenamente aos filhos e ao serviço da família devem ter
as condições necessárias para poder fazê-lo, e para isso tem o direito de contar com o
apoio do Estado. De fato, o papel da mãe é fundamental para o futuro da sociedade.
O pai, por sua parte, tem o dever de ser verdadeiramente pai, que exerce sua
indispensável responsabilidade e colaboração na educação de seus filhos. Os filhos, para
seu crescimento integral, têm o direito de poder contar com o pai e com a mãe, para que
cuidem deles e os acompanhem rumo à plenitude de sua vida. É necessária, pois, uma
pastoral familiar intensa e vigorosa. É indispensável também promover políticas públicas
familiares autênticas que respondam aos direitos da família como sujeito social
imprescindível. A família faz parte do bem dos povos e da humanidade inteira.”
33
Porém, não podemos deixar de lembrar que um número considerável de
pessoas devido a diversas circunstâncias, não possui famílias ou vivem afastadas
delas. “Muitas dessas pessoas ficam sem família humana, muitas vezes por causa
33
CNBB. Pronunciamentos do Papa Bento XVI no Brasil. p. 71.
das condições de pobreza.”
34
Outras, optaram pela vida religiosa ou sacerdotal,
num estado celibatário (e neste estado encontram uma nova família). Para todas as
essas pessoas, as famílias (Igrejas domésticas)
35
devem acolhê-las como parte
integrante delas, principalmente a Igreja, a qual é a grande família de Deus, e deve
ser família para todas as pessoas, principalmente os pobres e excluídos.
36
Como se
percebe, tentamos, em poucas palavras, conceituar o termo “família” e destacar
alguns problemas que a desafia, também mencionamos alguns dos valores que a
permeiam. A partir de agora vamos delimitar nosso estudo no campo teológico-
dogmático para encerrarmos este capítulo com um direcionamento mais especifico.
6. Abordagem dogmática sobre a Igreja doméstica
É de nosso interesse fazer esta pesquisa sobre a Igreja doméstica numa
abordagem teológico-dogmática e eclesiológica, pois, esta pesquisa deseja
apresentar aos leitores o que a teologia dogmática tem a dizer a respeito do projeto
de Deus na família, a qual o Concílio Vaticano II chama de Igreja doméstica.
37
A
teologia dogmática explicitam a Revelação receptada, testemunhada e transmitida
pela Igreja. “Por isso, uma afirmação dogmática aponta para além de si mesma,
para o mistério da autocomunicação de Deus em Jesus Cristo.”
38
Esta abordagem
é de grande importância para a Igreja para que a família viva cada vez mais a sua
identidade eclesial, enriquecida pelo precioso depósito da fé apostólica, o qual
identifica e solidifica a eclesialidade da Igreja doméstica. A família traz consigo
34
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 1658.
35
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática lumen Gentium 11.
36
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 1658.
37
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium 11.
38
BRAATEN, Carl E. – JENSON, Robert W. Dogmática cristã. P. 64.
este precioso tesouro revelado por Jesus Cristo, transmitido pelos Apóstolos e
ensinado pelo Magistério da Igreja. Não somente traz como também o transmite à
suas gerações.
A revelação cristã aponta um mistério indizível: O próprio Deus que assume
a condição humana e manifesta plenamente a vontade de Deus-Pai para com todas
as suas criaturas. A “novidade” trazida por este mistério opõe-se à “antiga
escravidão”. A encarnação do Verbo (no seio da família de Nazaré) traz a
libertação para uma humanidade escrava do pecado e em poder da morte. Em
Cristo, o Pai nos predestinou a sermos filhos adotivos por meio de Jesus Cristo (cf.
Ef 1,5), a sermos conforme a imagem do seu Filho (cf. Rm 9,29).
“O que foi transmitido pelos Apóstolos compreende todas aquelas coisas que
contribuem para santamente conduzir a vida e fazer crescer a fé do Povo de Deus, e
assim, a Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações
tudo o que ela é, tudo o que crê.”
39
Conforme sua natureza, a Igreja é consciente é competente para anunciar e
proclamar a fé a todos os povos com a autoridade a ela confiada por Cristo (Mt
28,18). A salvação que aconteceu de modo definitivo em Jesus Cristo, é o
fundamento que sustenta a necessidade de afirmações dogmáticas,”
40
pois a
Igreja sabe que o evento da salvação é para todas as gerações de todos os tempos,
assim ela deve estar pronta para proclamar este evento em cada época que se
39
COMPENDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Dei Verbum 8.
40
O’DONNELL, John. Introdução à teologia dogmática. p. 15.
apresenta na sua contemporaneidade, e isso ocorre através “de formulações
dogmáticas.
41
Coube a teologia dogmática, a tarefa da compreensão e explicitação sobre o
significado da fé proclamada pela Igreja (munida da autoridade a ela confiada por
Cristo). Mas, “a Igreja e os teólogos devem continuamente procurar exprimir a fé
cristã do modo mais adequado possível, e purificar as formulações de fé de todo
resíduo de pecado”
42
enquanto caminhamos rumo ao Reino definitivo. Mesmo de
modo resumido, vimos que a finalidade da teologia dogmática é explicitar a fé para
as pessoas de todas as épocas, mas, como é de nosso objetivo fazer uma abordagem
a cerca da família através da teologia dogmática, lembramos que a Igreja doméstica
tem a sua identidade eclesiológica fundamentada na Tradição e no Magistério,
43
pois ela transmite a fé aos seus membros através do amor e da vivência
comunitária, onde a oração, a Palavra de Deus, a vida em comum e o primeiro
anúncio da Boa Nova, são a estrutura para a família viver sua dimensão eclesial.
44
Por isso recorremos ao Magistério repetindo as palavras do Papa Paulo VI, o qual
destaca a importância da família e sua missão como Igreja doméstica no que se
refere à transmissão da fé e o destaque de seus aspectos eclesiológicos.
“No conjunto daquilo que é apostolado evangelizador dos leigos, não se pode
deixar de pôr em realce a ação evangelizadora da família. Nos diversos momentos da
história da Igreja, ela mereceu bem a bela designação sancionada pelo Concílio
Ecumênico Vaticano II: ‘Igreja doméstica’. Isso quer dizer que, em cada família cristã,
41
O’DONNELL, John. Introdução à teologia dogmática. p. 15.
42
Ibid. p. 22.
43
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Decreto apostolicam Actuositatem 11.
44
Ibid. Constituição Dogmática Dei Verbum 8.
deveria encontrar-se os diversos aspectos da Igreja inteira. Por outras palavras, a
família, como a Igreja, tem por dever ser um espaço onde o Evangelho é transmitido e
donde o Evangelho se irradia.”
45
Karl Rahner afirma que a nossa eclesialidade está em sermos comunidade
eclesial, com os pecados humanos, na Graça divina, na profissão de fé, na
celebração e na vida de comunidade, ou seja, sendo Igreja,
46
e isso se aplica
também à família. Por isso acreditamos que a teologia dogmática oferece os
elementos necessários para refletirmos sobre a identidade eclesial da família.
47
Esses elementos demonstram que a unidade da comunidade eclesial (onde a família
está inserida) é a mesma fé comum em Deus que se revelou na pessoa de Jesus
Cristo,
48
fé esta, professada pela Igreja e explicitada pela abordagem dogmática.
49
Assim, queremos através das seis dimensões da teologia dogmática sugeridas por
John O’Donnell (ontológica, existencial, social, escatológica, ecumênica e
doxológica),
50
justificar a proposta de estudo do tema “Igreja doméstica” no
campo disciplinar teológico-eclesiológico.
6.1. Dimensão ontológica da Igreja doméstica
Deus é a origem de todo o ser. No reconhecimento de Deus, está o centro da
fé, sendo Ele a origem e o fim de todo o ser. Em Cristo consiste toda e única
45
DOCUMENTOS DE Paulo VI. Evangelii Nuntiandi 71.
46
RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé. P. 452.
47
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Decreto apostolicam Actuositatem 11.
48
HAIGHT, Roger. O futuro da cristologia. p. 106.
49
O’COLLINS, Gerald. Teologia fundamental. 251.
50
O’DONNELL, John. Introdução à teologia dogmática. p. 91.
experiência de Deus. “Ele é antes de tudo e tudo nele subsiste... pois nele aprouve
a Deus fazer habitar toda a Plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os
seres” (Cl 1, 17.19-20ª). Jesus é para nós a revelação do que é a família: imagem
da Trindade. Portanto, a melhor maneira de se relacionar com Deus é aprender a
viver em comunhão. Criando o homem e a mulher à sua imagem e semelhança (Gn
1,27), Deus forma a família humana, cuja dignidade é igual para todos os seus
membros. Ela é comunidade de comunhão à imagem do Pai, do Filho e do Espírito
Santo.
51
A Igreja acredita que a família, é imagem de Deus “que em seu mistério
mais íntimo” é uma família, e, na comunhão da Trindade a família tem sua
origem.
52
A Igreja, através do Concílio Vaticano II fundamentou sua doutrina
eclesiológica na família divina da Trindade, a Igreja enquanto mistério participa,
pelos méritos de Cristo, do ser da Trindade.
53
Jesus nos revelou que “Deus é amor”
(1Jo 4,8) e é comunhão. A Igreja está consciente que a comunhão do Pai com o
Filho no Espírito Santo é o seu fundamento de unidade
54
, assim, pois, a comunhão
eclesial deve ser imagem da comunhão das pessoas da Trindade. A Igreja
doméstica é comunhão de pessoas,
55
é ícone da Trindade.
O Concilio Vaticano II apresenta a dimensão ontológico-trinitária da Igreja
numa perspectiva de relacionamento familiar entre a Trindade e a Igreja,
56
e a
família, enquanto Igreja doméstica, participa dessa relação, pois ela é imagem e
semelhança de Deus e Nele ela encontra a sua identidade e o seu ser, ou seja,
aquilo que ela é.
57
A narração do livro do Gênesis apresenta o sexto dia como à
51
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 2203-2204.
52
DOCUMENTO DE APARECIDA 434.
53
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium 4.
54
SCHNEIDER, Theodor (org). Manual de dogmática v2. p. 505.
55
EXORTAÇÃO APOSTÓLIACA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 15.
56
Ibid. 39.
57
Ibid. 17.
conclusão da criação, a mulher e o homem criados à “imagem e semelhança de
Deus”. O relato heloísta, quando fala da criação do homem e da mulher, nos faz
descobrir a importância da união conjugal e a formação da família (“Sede
fecundos, multiplicai-vos”)
58
no Projeto original. Esta relação da mulher e o
homem com Deus, os diferenciam das demais criaturas, pois são dotados de
inteligência, vontade e poder (“submeter a terra” = cuidar dela), assim, em
virtude da graça e do amor de Deus, eles participam da natureza divina; desde as
origens, homem e mulher, formam juntos, a comunidade familiar, para expressar o
amor salvífico de Deus, o qual passa “pelo bem estar da família.”
59
“Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e
submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que
rastejam sobre a terra.’ Deus disse: ‘Eu vos dou todas as ervas que dão semente, que
estão sobre toda a superfície da terra, e todas as arvores que dão frutos que dão semente:
isso vos servirá de alimento. A todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo que rasteja
sobre a terra e que é animado de vida, eu dou como alimento toda a verdura das
plantas’e assim se fez. Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom. Houve uma tarde
e uma manhã: sexto dia (Gn 1,28-29).”
Deus abençoa e família e lhe dá condições de viver neste mundo com
dignidade,
60
assim a miséria, a exclusão e a pobreza não fazem parte do projeto de
Deus e sim da ganância humana. Por isso, é necessário garantir esse bem estar da
família. A desigualdade social afeta seriamente a estrutura familiar.
58
Cf. Gn 1,28.
59
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Gaudim et Spes 470
60
Ibid. 48.
O relato sacerdotal destaca a expressão do amor conjugal, em que Deus
apresenta ao homem, a mulher, sua companheira
61
, tirando-lhe da solidão e dando
um sentido à sua vida, assim, ambos podem estabelecer uma aliança de modo
igualitário
62
, pois possuem a mesma dignidade, e, uma característica especial em
que, a dignidade original da família é fundamentada na Revelação, Deus ao criar o
homem e a mulher, expressa de maneira visível seu amor, pois como já vimos, os
criou à sua imagem e semelhança” (Gn 1,26-27)
63
. Logo não pode haver
dominação de um sobre o outro. O relato referente à “queda” diz que a dominação
do homem sobre a mulher, é conseqüência do pecado (Gn 3), “mas desde o
princípio não era assim” (Mt 19, 1-9).
Através da vida matrimonial e familiar, dentro da dinâmica do amor essa
imagem e semelhança devem se tornar mais nítida. A comunidade familiar deve se
expandir e multiplicar como benção do Deus criador, administrando a criação
entregue aos seus cuidados.
64
Segundo o autor heloísta, “Deus viu tudo o que tinha
feito: e era muito bom” (Gn 1,31), mas “não é bom que o homem esteja só” (Gn
2,18), é necessário viver em comunhão, a começar da vivência familiar, “por isso
um homem deixa seu pai e sua mãe, se une a sua mulher, e eles se tornam uma só
carne” (Gn 2,24), “de modo que já não são dois, mas uma só carne(Mt 19,6),
uma só comunhão
65
. A unidade familiar é símbolo da Aliança de Iahweh para com
seu povo, Israel. Se tomarmos como referência o texto do Gn 1,27 veremos que no
desígnio de Deus a família descobre sua identidade nesse Deus Criador a qual a
formou à sua imagem e semelhança. “Diante de uma sociedade que se arrisca a
61
Cf. Gn 2,18-25.
62
FLOREZ, Gonzalo. Matrimonio y Familia. p. 89-90.
63
SCHNEIDER, Theodor. Org. Manual de Teologia Dogmática. v 1. p. 147.
64
Cf. Gn 1,28.
65
SCHNEIDER, Theodor. Org. Manual de Teologia Dogmática. v 1. p. 148.
ser cada vez mais despersonalizada a massificada e, portanto, desumana e
desumanizante,”
66
a família, deve contar com o apoio eclesial e social e com sua
determinação, para buscar tornar-se ser aquilo que é (FC 17).
Quando se afirma que a família é imagem de Deus se entende que o é numa
perspectiva mistérico-ontológica, ela é uma comunidade de amor que participa do
amor de Cristo pela sua Igreja, amor este que além de ser participação, é tamm
modelo para a família (Ef 5,32), porém sua dimensão ontológica e sua eclesialidade
são fundamentadas no batismo. Neste fundamento, Paulo exorta para que todas as
desigualdades sejam superadas, pois: “Não há judeu nem grego, não há escravo
nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus
(Gl 3,28). Pois fomos batizados num só Espírito para ser um só Corpo, judeus e
gregos, escravos e livres e todos bebemos de um só Espírito” ( 1 Cor 12,13 ). O
batismo insere a família no contexto eclesiológico universal. A universalidade
fraterna, que nasce da comunhão com Cristo pelo batismo, é um elemento chave
para a vida comunitária da família. Porém, quando Paulo fala do batismo, quer
reforçar o ser “batizado na morte de Cristo” (Rm 6,3; Cl 2,12). O batismo unifica
os membros ao Corpo, apesar da diversidade (Gl 3,27-28). Esta unidade, no corpo
eclesial, é muito significativa para a família, pois se descobre o significado da
expressão “batizados em Cristo” (Rm 6,3; Gl 3,27-28), pois unida á comunidade
pelo batismo, a família ressuscita para uma nova vida revestida por Cristo (Rm
13,14), o Homem Novo (Cl 3,10) presente na comunidade. Esta vida nova, inserida
na comunidade, deve impelir a família a sair de si em direção ao outro, num
compromisso não só familiar, mas também, eclesial e social, exercitando as
virtudes do amor (Gl 5,23; 1Cor 13,4-7; Cl 3,12-15), pois, estar revestido de Cristo
66
FERREIRA, Laureci. Cremos na vida, cremos na família v. 2. p. 75.
é praticar o amor para com o outro (Sl 133,1-3; Mt 7,12; 19,18-19; 22,39-40; Lc
7,40-43; 1Cor 13,1-13). Paulo deseja que a comunidade cristã se identifique,
através de suas ações, com o próprio Jesus Cristo, que é a Cabeça do Corpo eclesial
(Cl 1,18).
67
Configurada a Cristo pelo batismo, a família torna-se o germe da
missão cristã. O batismo está ligado à ação missionária dos cristãos e é, como que,
o iniciador da “Igreja doméstica” (1Cor 1,16; At 11,14; 16,15; 18,8) e fundamento
da sua dimensão ontológica. Consequentemente, a dimensão ontológica da Igreja
Doméstica acompanha a dimensão existencial da família.
6.2. Dimensão existencial da Igreja doméstica
A dimensão ontológica caminha de mãos dadas com a dimensão existencial.
Deus não só é origem de nosso ser e existência como também atinge a nossa
humanidade através de Jesus Cristo. Jesus é consubstancial (όμοούσιον) ao Pai, e é
também humano.
68
Esta é uma afirmação ontológica, mas quando se entende que
Cristo assumiu, de forma plena, a nossa humanidade para que a nossa redenção
fosse plena, então falamos da dimensão existencial. “Desde o início, Jesus
associou seus discípulos a sua vida, revelou-lhes o mistério do Reino, deu-lhes
participar de sua missão, de sua alegria e de seus sofrimentos,”
69
e fez nos
participantes da vida divina, dando-nos um sentido pleno a nossa existência, assim
a família que se dispõe a fazer uma experiência de comunhão nova e original em
Cristo, descobre o sentido pleno de sua existência, pois, Ele vem ao encontro de
toda a humanidade e se revela como causa primeira e última do nosso existir.
67
O’CONNOR, Jerome Murphy. A Antropologia Pastoral de Paulo. p. 190-191.
68
DEZINGER – HUNERMANN 125.
69
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 748.
Os Apóstolos e a comunidade cristã vivem uma nova maneira de ser família.
E nessa comunidade, todos são ensinados, a vivenciar o amor, através de obras
concretas e do testemunho Kerigmático, tantos os solteiros e as solteiras como os
viúvos, viúvas e casados. Todos devem viver como uma grande família, pois todos
possuem a mesma dimensão ontológica pelo batismo e de acordo com o seu estado
todos encontra em Cristo o sentido ultimo de sua existência. Mas, Paulo trabalha
com grande ênfase, o paradigma principal da dimensão existencial da família: O
amor de Cristo pela Igreja, cujo amor o levou a se entregar por ela. Paulo
assemelha a união conjugal, com a união Misteriosa que existe entre Cristo e a
Igreja.
70
Jesus livremente se entregou em favor da humanidade e fez da Igreja o
seu sinal misterioso de salvação. O matrimônio é uma entrega de amor livre, onde
a família se santifica através do amor-doação à exemplo de Jesus. Esta visão
matrimonial é uma transcendência da família para uma dimensão existencial e
eclesiológica.
“E vós, maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se
entregou pôr ela, a fim de purificá-la com o banho da água e santificá-la pela Palavra,
para apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha nem ruga, ou coisa
semelhante, mas santa e irrepreensível... é grande este Mistério: refiro-me à relação
entre Cristo e a sua Igreja.” (Ef 5,25-27.32).
“Sem mancha nem ruga” está ligado à cerimônia do casamento, onde o ninfa
gogo, apresenta ao noivo a sua futura esposa, belamente vestida para as núpcias.
70
Cf. Ef 5, 25ss.
No relato da criação é o próprio Deus que apresenta Eva para Adão; para Paulo, é
Cristo que apresenta a Igreja para si mesmo. A família é incorporada a Cristo,
através da comunidade cristã, pelo batismo (o batismo não somente purifica, mas
também é consagração)
71
e pela Palavra, formando um só Corpo eclesial, que é a
grande família de Deus. Cristo, como um esposo que muito ama, se entrega pela
sua esposa: a Igreja. Os esposos, à semelhança desta relação, deve se amar numa
entrega total (dimensão existencial). Na perspectiva paulina, podemos afirmar que
a família, é verdadeiramente imagem do amor incondicional de Cristo pela Igreja,
e, podendo dizer também, que ela possui um significado cristológico, existencial e
eclesiológico.
72
Gonzalo Florez afirma que neste paralelismo de Paulo (o matrimônio e a
Igreja) são considerados dois elementos importantes e significativos na reflexão
paulina. O primeiro elemento tem referência ao Mistério da Igreja. Neste os
batizados estão unidos a Cristo, formam um Corpo do qual o próprio Cristo é a
cabeça. O segundo elemento é a referência ao relato da criação no Gn 2,18-24, em
que homem e mulher “se tornam uma só carne” (Gn 2,24). Gonzalo afirma que
este elemento se refere à união matrimonial e faz parte da criação e da vontade de
Deus, por isso é uma realidade Sagrada e Misteriosa. Estes dois elementos estão
intimamente ligados entre si no texto de Paulo, por isso ele declara no próprio
texto: “É grande este Mistério: refiro-me, a relação entre Cristo e a Igreja” (Ef
5,32).
73
Este texto da Literatura paulina é, como já dissemos, é um paradigma para
a dimensão existencial da família. A Igreja Primitiva provou a atuação da família
no campo da missão, da Evangelização, da comunhão e do martírio. A Igreja
71
BÍBLIA DO PEREGRINO (NT). Comentário Ef 5,22-33. p. 572.
72
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Decreto Gravissimum Educationis 3.
73
FLOREZ, Gonzalo. Matrimonio y Familia. p. 106.
tomou grande impulso pela consciência de pertença eclesial por parte da família,
isso favoreceu a manutenção da fé transmitida pelos apóstolos, pois, a unidade da
família, enfatiza o Misterioso do Amor de Deus, revelado na pessoa de Jesus
Cristo.
O Concílio Vaticano II enfatiza que a Igreja colabora sinceramente com esta
altíssima vocação humana (de voltar-se para Deus, a origem de sua existência), em
busca de uma fraternidade universal que corresponde a esta mesma vocação,
74
e,
este mesmo concílio diz que a família recebeu de Deus a missão de promover esta
fraternidade “se ela se apresentar como santuário íntimo da Igreja,”
75
se
renovando a cada dia as suas vestes alvejadas pelo sangue de Cristo através do
batismo, despojando-se das antigas vestes,
76
isso, através da oração, na unidade
com Igreja e o afeto aos seus membros, na promoção da justiça e no serviço aos
irmãos, principalmente os mais necessitados.
77
A dimensão existencial é
corroborada pela alegria evangélica.
78
O entusiasmo e a alegria estão presente
junto aquele que caminha movido pelo espírito de Deus. No evangelho de Lucas
estão relatados vários exemplos dessa alegria de quem encontrou em Deus, por
Jesus o sentido de sua existência em Deus. Eis alguns exemplos: O nascimento de
João Batista (Lc 1,14); quando Isabel ouviu a saudação de Maria (Lc 1,44); a Boa
nova anunciada aos pastores (Lc 2,10); os setenta discípulos ao voltarem da missão
(Lc 10,17-20). Lucas também ensina que a alegria deve ser partilhada em
comunidade, como o pastor que encontra a ovelha perdida e convida os amigos
para festejar (Lc15,6), ou como a mulher que varre sua casa até encontrar a moeda
74
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudim et Spes 3.
75
Ibid. Decreto Apostolicam Actuositatem 11.
76
SÃO CIRILO DE JERUSALÉM. Catequeses mistagógicas 2,3.
77
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Decreto Apostolicam actuositatem 11.
78
MOREIRA, Gilvander Luis. Lucas e Atos: uma teologia da história. 70.
perdida, e também convida as amigas para alegrarem-se com ela (Lc 15,9).
79
Nos
Atos dos apóstolos Lucas retoma seu discurso sobre a alegria. Ela está presente na
comunidade que persevera na oração, no partir do pão e no comerem juntos (At
2,46); na Samaria, a alegria toma conta da cidade ao receberem o anúncio do
Evangelho (At 8,8), e os discípulos repletos de alegria e do Espírito (At 13,52;
14,17; 15,3).
80
Deus é a origem da alegria de nossa existência.
6.3. Dimensão social da Igreja doméstica
Na teologia dogmática podemos exemplificar a dimensão social através da
reflexão sobre a Graça e o pecado. O pecado é pessoal enquanto é o ato livre e
voluntário de uma pessoa, de caráter individual, porém, todo pecado tem uma
dimensão social, isso em função da solidariedade humana, pois o pecado pessoal
atinge outras pessoas. O pecado social é cometido contra a justiça de pessoa para
pessoa, de pessoa para comunidade e de comunidade para pessoa. Eis alguns
exemplos: pecado contra a vida, contra a pessoa, contra os direitos humanos,
contra a dignidade humana, etc.
81
Enquanto a Graça liberta a pessoa do seu
egoísmo voltando-a para o outro, ela também é social, pois a Graça leva a pessoa a
lutar contra o pecado social e visa a transformação das estruturas sociais. A
dimensão social da família é testemunho do Reino. Podemos fundamentar a
dimensão social da Igreja doméstica desde a Igreja Primitiva, onde a hospitalidade,
a partilha e o bem comum são marcas registradas na vida dos cristãos. Tais ações
são claramente fundamentadas nas Escrituras.
79
MOREIRA, Gilvander Luis. Lucas e Atos: uma teologia da história. 70.
80
Ibid.
81
COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 117-118.
Tanto na Sagrada Escritura como na concepção dos primeiros cristãos, a
hospitalidade possui um significado sagrado. No AT é como que acolher o próprio
Deus ou um enviado dele (Gn 18,1-5; 24,15-28; Js 2; Jó 31,32; Hb 13,2). No NT a
hospitalidade adquire um sentido cristológico, onde acolher o estrangeiro, os
pobres, os que sofrem as crianças, os discípulos, aqueles que evangelizam, é
acolher o próprio Cristo (Mt 10,40-42; Mc 9,36-37.41; Lc 9,48; 10,16; Jo 12,44-45;
13,20; Mt 25,34. 40-45). Militão, bispo de Sardes, em seus escritos também faz
referência sobre a hospitalidade.
82
Esta espiritualidade do acolhimento foi
facilmente assimilado pela família e por toda a comunidade cristã, por isso não era
uma ação isolada de cada família, mas como uma ação da própria Igreja, que se faz
acolhedora através de seus membros, bispos, viúvas (1Tm 3,2; 5,10) e as famílias
(Mt 10,12-13.40-42).
Por ser uma ação eclesial, não demorou em que se estabelecesse regras a
cerca do acolhimento cristão, assim na Didaqué (séc. II), se estabeleceu normas de
acolhimento para peregrinos, apóstolos e profetas,
83
para evitar abusos por parte de
pessoas aproveitadoras, as quais também existiam nos meios cristãos daquele
tempo. A acolhida deve ser sinal do Cristo acolhedor. Um ministério, através das
relações humanas na família, na Igreja e na sociedade. A dimensão social da
família não ficou restrita apenas no acolhimento, mas também na busca do bem
comum e na construção de uma nova sociedade. A família é chamada a ser modelo
de vida para toda a sociedade e para o mundo. Por Jesus Cristo, Deus pratica a
redenção da pessoa enquanto indivíduo, e estende seu ato redentor nas relações
sociais entre as pessoas humanas.
82
EUSÉBIO DE CESARÉIA. História Eclesiástica. VI 26,2. p. 212.
83
DIDAQUÉ. Catecismo dos primeiros cristãos. Cap. 12-13. p. 32-33.
6.3.1. Dimensão social da família como modelo para a sociedade
Ao fazermos uma reflexão sobre a dimensão social da família numa
perspectiva etico-teológica, tendo como fundamento a Doutrina social da Igreja,
veremos que um sistema que é estabelecido pela ordem econômica e que faz do
lucro a sua meta principal, é totalmente contrário ao projeto de Deus revelado por
Jesus. O seguimento de Jesus nos compromete com a ação libertadora d Deus e nos
impulsiona para uma relação social igualitária, onde todos os homens e todas as
mulheres estejam acima de qualquer ordem econômica de uma sociedade. Qualquer
sociedade que não é fundamentada na justiça está caminhando para a sua própria
ruína (Am 6,1-13). Jesus nos ensina a analisar e avaliar a realidade a partir de seu
evangelho e da dinâmica do Reino de Deus.
Para que a sociedade avance contra o individualismo ou interesses
corporativistas, ela deve contar a garantia da família como modelo. Na família,
cada pessoa é ponto importante de consideração e atenção. Para que o bem comum
das pessoas e da sociedade seja alcançado deve ser considerado o “bem estar da
família,”
84
pois “a família delineia-se, no desígnio do Criador, como lugar da
humanização da pessoa e da sociedade e berço da vida e do amor”.
85
O próprio
Jesus nasceu num lar, numa família. Conferiu a graça do sacramento a este
consórcio familiar para que este cresça a cada dia na graça, dignidade, amor e
solidez, os quais não são méritos humanos, mas dom de Deus para que a família
sempre possa saborear da fonte do amor inesgotável, pois o amor vem de Deus.
86
Como Igreja doméstica, a família está a serviço do Reino, na difusão dos valores
84
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudim et Spes 47.
85
COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 209.
86
GRÜN Anselm. Matrimônio. benção para a vida em comum. p. 63.
do Evangelho.
87
A Doutrina Social da Igreja apresenta a dimensão social da
família nas várias ações em vista do bem comum, como a partilha, a solidariedade,
etc. O engajamento da família na transformação sócio-político-econômica es
intrinsecamente ligado a esta dimensão. Porém, mesmo sabendo que a família deve
viver sua dimensão social em vista do bem comum, a sociedade não está isenta do
serviço à família, pois, é dever da sociedade respeitar, promover e proteger a
família.
88
Se toda a sociedade cuidar de proteger a família, estará protegendo a si
mesma. Não só a sociedade, mas, também as suas instituições estatais, pois ambas
devem assegurar e preservar a autentica identidade da família, defendendo-a de
toda a agressão, e de tudo aquilo que interfira na sua plena realização e na sua
identidade. A Igreja está convencida de tal afirmação que fez disso um
ensinamento.
“A sociedade e o Estado não podem, portanto, nem absorver, nem substituir, nem
reduzir a dimensão social da família; devem antes honrá-la, reconhece-la, respeita-la e
promove-la segundo o princípio da subsidiaridade. O serviço da sociedade à família se
concretiza no reconhecimento, no respeito e na promoção dos direitos da família.”
89
A partir do Concílio Vaticano II, a Igreja doméstica descobriu formas de
engajamento para associar a fé com a vida, através das Comunidades Eclesiais de
Base e dos movimentos populares, evidenciando assim seu compromisso eclesial
na construção de uma sociedade mais justa e mais humana. A CNBB quando
87
COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 210. 215. 50.
88
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 45.
89
Ibid.
resgata os valor da cidadania e da caridade, nos faz lembrar que a Igreja doméstica
é testemunho desses valores, os quais estão intimamente ligados á vida social e
política, principalmente na promoção da liberdade e da justiça “á luz da
evangélica opção pelos pobres,” (Objetivo geral da ação evangelizadora da Igreja
no Brasil). Isso pede que as famílias sejam sempre animadas pela sua consciência
eclesial e iluminadas pela Doutrina Social da Igreja. A comunhão eclesial e com
seus pastores norteará os rumos da ação social e política.
90
Isso resulta, muitas
vezes, confronto com o poder, pois, muitas famílias tiveram suas casas invadidas e
seus membros humilhados, espancados, torturados, assassinados ou presos, como
também religiosos e religiosas, padres e bispos,vitimas da repressão do poder
estabelecido.
91
Ainda hoje, muitas mães buscam o paradeiro de seus filhos
desaparecidos.
6.4. Dimensão ecumênica da Igreja doméstica
O Concílio Vaticano II deu um passo importante para que a teologia
dogmática busque o sentido da fé em direção à unidade e da superação das
divisões.
92
Este concílio apresentou uma definição para o ecumenismo.
“Por movimento ecumênico se entendem as atividades e as iniciativas suscitadas e
ordenadas em favor de várias necessidades da Igreja e oportunidade dos tempos, no
90
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2003-2006. 42.
91
SOUZA, Ney de (org). Temas de teologia latino-americana. p. 234.
92
O’DONNEL, Introdução à Teologia Dogmática. p. 103.
sentido de favorecer a unidade dos cristãos... Não há verdadeiro ecumenismo sem
conversão interior.”
93
O documento de Aparecida aponta o diálogo ecumênico como exigência
trinitária e batismal, pois o batismo é a ponte de comunhão entre os batizados e
batizadas, ainda que esta comunhão não seja plena, tal diálogo não pode ser
desprezados pelos cristãos das diferentes denominações.
94
Por isso a CNBB destaca
a importância de uma formação específica sobre o ecumenismo, isso facilitará o
diálogo com os cristãos de outras denominações, porém é importante preservar o
respeito, a estima e o conhecimento a cerca dos nossos irmãos em Cristo.
95
A Igreja
doméstica deve colaborar para que todos os cristãos possam chegar à unidade
desejada por Cristo,
96
a oração pela unidade dos cristãos é dever de todos os fiéis, e
a família, enquanto Igreja doméstica, pode fazer a experiência da unidade,
respeitando as famílias cristãs de outras denominações, ao mesmo tempo dar
testemunho da fé apostólica deixada por Cristo.
97
No entanto, o respeito, a busca do
bem comum e a valorização da dignidade e da vida humana, devem ser os
principais elementos constitutivos da dimensão ecumênica da Igreja doméstica. O
batismo e a fé trinitária estabelecem uma comunhão entre os cristãos, porém só
teremos a perfeita comunhão quando todos os cristãos comungarem do mesmo Pão
eucarístico em torno do mesmo altar, sem divisões. O ecumenismo se apresenta tão
importante para a família a ponto de, em algumas regiões, as comunidades cristãs,
envolvidas no diálogo ecumênico, criar uma pastoral para a celebração de
93
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Decreto Unitatis Redintegratio 4.7.
94
DOCUMENTO DE APARECIDA 227-228.
95
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora no Brasil 2003-2006. 90.
96
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Decreto Unitatis Redintegratio 3.
97
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora no Brasil 2003-2006. 4.
casamentos mistos, cuja pastoral incentivará os casais a viverem sua fé no respeito
á profissão religiosa do cônjuge, ajudando-os a valorizar aquilo que os une na fé:
Jesus Cristo.
98
6.5. Dimensão escatológica da Igreja doméstica
Gonzalo Florez lembra a visão cristã à cerca do matrimônio e da família, está
na ordem derradeira criacional e na história soteriológica.
99
Num sentido
escatológico, a vitória do Cordeiro culmina com as suas bodas com o gênero
humano (Ap 19)
100
. O AT apresenta reflexões a respeito de Deus, como àquele que
ama seu povo, com amor imenso, numa relação familiar, mesmo quando este
rompe a Aliança. Na literatura neotestamentária, Cristo (o Cordeiro citado no Ap
19) é o noivo que se apresenta para se casar com a humanidade. As Bodas do
Cordeiro apresenta a principal mensagem evangélica que é o cumprimento das
promessas de Deus, na pessoa de Jesus Cristo, que se faz o Cordeiro imolado, para
a redenção humana, com seu próprio sangue, ele nos reconciliou com Deus,
convidando a todos, a fazerem parte do banquete do Reino de Deus. Com a
encarnação do Verbo de Deus, acontece à derradeira fase da história salvífica, que
tem sua plenitude em Cristo Jesus. Salvação esta que se consumará no fim da
história, no Reino definitivo, mas que já está presente de maneira velada. Em razão
disso, a família é chamada a buscar no Cordeiro de Deus, o fundamento de sua
existência como “Igreja Doméstica”, sendo ela, parte integrante do Corpo Místico
de Cristo, a Igreja, tendo os valores do Reino como via do seguimento de Jesus,
98
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 1636.
99
FLOREZ, Gonzalo. Matrimonio y Família.p. 102.
100
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. nº. 1602.
pois é na graça de Cristo, que a família encontra sua eclesialidade e sua dimensão
escatológica. Todo o universo criado por Deus, é em Cristo, transformado, pois
Deus tem uma nova relação com a humanidade, nesta relação, os céus e a terras são
novas realidades (Ap 21,1-4), pois tudo foi criado por meio de Cristo, e para Cristo
(Cl 1,16c). Com a encarnação, morte, ressurreição e ascensão de Jesus Cristo
deram-se inicio à plenitude dos tempos. Na proclamação do mistério pascal é
chegado o “καιρός,” O tempo soteriológico, tempo da Igreja, período entre a
encarnação e a parusia,
101
do Reino inaugurado até o Reino definitivo. O “καιρός
é tempo de expectativa e martírio. O Reino de Deus é “o presente escondido e o
futuro manifesto”
102
A Igreja está a serviço do Reino e deve testemunhar sua
presença sendo sacramento no mundo.
103
Para ser discípulo de Jesus, é preciso
aderir ao seu chamado de pertencer à família de Deus, e viver essa dimensão
escatológica da fé. A família deve ultrapassar os laços biológicos e viver a
comunhão do amor que ultrapassa os lares, e que desemboca na comunidade
eclesial e no mundo (Mt 6,9-13; 12,25; 12,46-50; 23,9; Rm 8,14-15; Gl 3,26; Lc
11,1-4; Mc 3,31-35; Hb 2,11-17; Ef 2,19). A dimensão escatológica nos foi
concedida por Deus e revelada por Ele desde o mistério da encarnação. O Filho de
Deus nos reconcilia com o Pai e se faz nosso irmão.
No mistério da Encarnação se inaugurada a concretização da esperança
escatológica, o Logos se apresentou a nós em pessoa, se fez humano e se uniu a
todos os seres humanos. O Filho de Deus entra na história em nosso favor para nos
levar à comunhão com o Pai e entre nós. A Encarnação faz parte do mistério
salvífico de Deus.
101
ADRIANO, José. Sacramentos: uma introdução. (Revista de Cultura Teológica p. 106.).
102
BÍBLIA DO PEREGRINO. Notas temáticas do Novo Testamento. p. 35.
103
FUENTE, Eloy Bueno de la. Eclesiologia. p. 316.
“Para o aperfeiçoamento pessoal e a sorte eterna de cada um dos membros da
família, para a dignidade, paz e prosperidade da própria família e da sociedade humana
inteira... Assim a família comunicará as suas riquezas espirituais generosamente ainda às
outras famílias.”
104
Assim, a família sendo Igreja doméstica tem um dever eclesial de estar a
serviço deste Reino, pois ela faz parte da vida e da missão da Igreja e nesta missão
anuncia o Reino definitivo. Quando a família se faz seguidora de Jesus Cristo, ela
se torna um sinal das promessas escatológicas, antecipando as realidades definitivas
no viver e no celebrar o Mistério Pascal. A vida eclesial da família no seio da
comunidade deve ser forte e participativa, essa comunidade é chamada a renovar a
sua credibilidade, colocando-se, como sinal do Cristo libertador através da família.
A meditação do Mistério Pascal, através do qual, o Verbo encarnado revela a sua
divindade e o seu messianismo, e que, morre e ressuscita, deve trazer luz e força
para o empenho de testemunho da Igreja doméstica. A família discípula de Cristo
interpelada e provocada a viver sua vocação como sinal escatológico através do
martírio e do profetismo na Igreja e no mundo.
105
6.6. Dimensão doxológica
Uma das características das definições dogmáticas é o seu caráter
doxológico. Sendo que a doutrina dogmática tem a função de nos conduzir a fé,
pode-se, afirmar que o fim derradeiro das sentenças dogmáticas, é a glória de Deus,
104
COMPÊNDIO DO VATICANO II, Constituição Pastoral Gaudim et Spes 48.
105
FUENTE. Eloy Bueno de la. Eclesiologia. p. 172.
precedida pela fé. A plenitude da glória de Deus nos foi revelada na pessoa de
Jesus Cristo, o qual manifestou ao mundo a glória de divina. Jesus, como vitima e
sacerdote eterno reconciliou-nos ao Pai. Já não é preciso mais sacrifícios, pois
Cristo é o sacrifício perfeito e fez de nós povo sacerdotal. Na Eucaristia a
comunidade, que é povo sacerdotal, oferece sua oração ao Pai, na certeza de que
esta oração é oferecida pelo Espírito Santo. A Eucaristia, é a grande expressão da
dimensão doxológica da Igreja, e consequentemente da família, pois, ela reflete a
liturgia da Trindade.
“Todo o ser do Filho consiste num abandono de louvor ao Pai, reconhecendo que
o Pai, é a fonte de sua pessoa. O Filho restitui o Espírito ao Pai, louvando o Criador pelo
Dom recebido. A Igreja na terra faz o mesmo. Mediante Cristo, na potência do Espírito,
ela se oferece ao Pai.”
106
A Igreja por meio de Cristo, no poder do Espírito se oferece ao Pai, e Cristo,
transforma suas alegrias e sofrimentos num hino de louvor. Por isso o Concílio
Vaticano II insiste numa participação plena na sagrada liturgia, pois nisto consiste
também a dimensão doxológica da família. Assim a participação litúrgica é
essencialmente ativa.
107
O adjetivo ativo está ligado ao verbo agir. Isso supõe que a
família seja sujeito da ação e não objeto passivo.
108
E um dos grandes méritos da
reforma do Concílio Vaticano II foi acentuar a participação ativa de todos os fiéis
batizados na celebração do Mistério Pascal de Jesus Cristo. Na celebração litúrgica
106
O’DONNELL, John. Introdução à teologia dogmática. p. 111-112.
107
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium 14.
108
Ibid.
também está à manifestação da fé, então ela é por natureza, ativa. O dialogo sempre
é iniciado por Deus, mas a família se compromete com uma resposta dimica,
tomando parte ativa do processo.
A celebração litúrgica é necessariamente uma ação ritual, pois o rito é o
melhor recurso humano para a participação ativa e interativa, que proporciona um
envolvimento ordenado onde a racionalidade da fé e a densidade da emoção se
entrelaçam. O rito é o conjunto de ações e gestos simbólicos quem tem pôr objetivo
assumir, expressar, celebrar, comunicar o acontecimento que motiva a celebração:
O mistério Pascal. No rito, a família desempenha o que realmente é na vida,
fazendo-o com elegância e arte.
109
Pôr isso, a celebração deve ser organizada de tal
forma que a Igreja apareça na beleza de sua ministerialidade. Também a
participação consciente de quem celebra a liturgia é importante para alimentar o
desejo louvar a Deus com todo o ser numa dinâmica de adesão ao Mistério Pascal.
O Mistério é o próprio Cristo. O termo “consciente” sugere uma ação de
consciência que leva a convicção. O lugar da consciência é o coração da família.
A família possui uma virtude religiosa a qual chamamos de piedade popular
(diferente de pietismo), que disponibiliza o coração humano para o sagrado,
conduzindo-o ao Mistério. É uma disposição de amor, onde a família reunida com a
grande família eclesial acolhe o Mistério que está sendo celebrado. Esta piedade é
transformada pela ação do Espírito em atitude doxológica. Também esta piedade se
transforma em ação de graças para que ela celebre os mistérios louvando a Deus.
Cristo, é o centro do mistério celebrado.
110
A espiritualidade da família que é a
espiritualidade de toda a Igreja, e é manifestada no seu modo de vida cristã. A
109
COSTA, Valeriano Santos. Viver a ritualidade litúrgica como momento histórico da salvação. p. 61.
110
Ibid. 110-111.
Igreja deve envolver a família na profundidade do Mistério Pascal para que ela,
nutrida pelo alimento espiritual, seja impulsionada a buscar sempre a completa
união familiar em Cristo. Depois desta abordagem dogmática a cerca da família,
iremos direcionar nossa reflexão a partir da perspectiva do Concílio Vaticano II.
Capítulo II A família no Concílio Vaticano II
1. A comunidade eclesial como família de Deus
O Papa Paulo VI, já dizia que a Igreja está penetrada na vida humana, ela é
parte integrante da humanidade, seus membros, dela fazem parte, e é no seio da
humanidade que a Igreja descobre os valores culturais, experimenta as
transformações históricas e também trabalha em benefício dela.
111
Paulo VI,
também ressalta a importância do batismo, o qual nos enxerta ao Corpo Místico de
Cristo, nos associam a família de Deus, como seus filhos adotivos e irmãos de
Cristo.
112
Assim, a Igreja faz parte da falia humana, como também da família
divina em Jesus Cristo, formando o Povo de Deus. É no Concílio Vaticano II, que
a Igreja é entendida como Povo de Deus, Povo da Nova Aliança, continuador das
promessas feita ao Povo de Israel, porém a partir da fé messiânica em Jesus Cristo,
como nos apresenta a Constituição Dogmática Lumen Gentium.
“Este povo messiânico tem por cabeça Cristo... Tem por condição a dignidade e
a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações habita o Espírito Santo como em seu
templo...
113
“Como o Israel segundo a carne, que peregrinava no deserto, já é chamado
Igreja de Deus (2Esdr 13,1; Nm 20,4; Dt 23,1 ss)... assim o novo Israel... também é
chamado Igreja de Cristo... Deus convocou a assembléia dos que em Jesus vêem, com fé,
o autor da salvação e o princípio da unidade e da paz e com eles constituiu a Igreja... ao
111
DOCUMENTOS DE PAULO VI. Ecclesiam Suam 10.
112
Ibid. 18.
113
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium 9.
caminhar por entre as tentações e provas, ela é fortalecida pelo conforto da graça de
Deus”
114
Através de Moisés, Deus convocou Israel em assembléia para firmar com
ele uma Aliança. Esse Povo (Israel) que se reúne em assembléia para ouvir a
Palavra e celebrar a Aliança
115
tem por conceito o termo hebraico “Qahal”
(Ekklesia,), este termo expressa toda a amplitude religiosa desse Povo. O termo
“Qahal” destaca dois pontos importantes: a) é um Povo escolhido por Deus,
convocado por Ele, vocacionado por Deus. b) A memória que atualiza a Aliança
também atualiza sua vocação e sua missão como “Qahal”
116
. Assim a ação do
indivíduo repercute na vida da família e também consequentemente na vida do
Povo
117
, do “Qahal” que é o povo de Israel, a nação escolhida como família de
Iahweh. Numa perspectiva antropológica é posvel dizer que Israel, enquanto povo
de Deus, Israel experimenta nesta união, que o indivíduo se abre para o outro, e
consequentemente, se abre para o “nós”
118
, a começar pela família celular e
consequentemente se expandindo a família da casa de Israel, e principalmente
enquanto povo da Aliança, ou seja, o “Qahal”. A Aliança estabelecida por Deus é
um projeto de salvação, da qual o povo de Israel faz memória atualiza (Ex 12,14),
onde a família ocupa da transmissão e vivência dessa Aliança, pois a memória é
significativa para que o Projeto de Deus se perpetue na família, e
consequentemente, na vida do povo, assim, mesmo com a presença das lideranças
114
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium 9.
115
Cf. Dt 4,10.
116
FUENTE, Eloy Bueno de la. Eclesiologia. p. 33.
117
ESTRADA, Juan Antônio. Para compreender como surgiu a Igreja. p. 31-45.
118
TEPE, Dom Valfredo. Antropologia Cristã. Diálogo interdisciplinar. p. 300.
do povo, coube à família a missão de anunciar e vivenciar a Aliança estabelecida
por Deus em favor do povo.
A Familiaris Consortio 81 diz que o discipulado do amor e da fidelidade do
Senhor Deus e a resposta ao seu chamado se dão no seio familiar (Ex 12,25-27;
13,8. 14-15; Dt 6,20-25; 13,7-11; 1Sm 2,27-28; 3,13). É na sua familiaridade com
Israel que Iahweh o fez o seu “Qahal”. A sua família preferida e escolhida. Assim
a Igreja é o novo Povo de Deus não como uma ruptura, mas como uma
continuidade a partir da fé messiânica em Jesus Cristo, o qual chamou a todos
(judeus e gentios) a fazer parte desse novo povo. Paulo não utiliza o termo hebraico
“Qahal” para se referir ao Povo cristão, ele prefere utilizar o termo “εκκλσια” já
empregado na “Septuaginta” para referenciar ao “Povo reunido em Assembléia”
ou o Povo de Israel em sua totalidade. A Literatura paulina fala da Igreja como
“Igreja do Senhor”, “Igreja de Deus e de Cristo”. A Igreja acontece em cada
comunidade, que forma uma unidade, que é a Igreja de Cristo. Assim estes
conceitos nos remetem ao significado teológico e eclesiológico da família, que, no
seu relacionamento intrafamiliar, se torna imagem do relacionamento eclesial, por
isso é importante destacar seu papel eclesiológico como “Igreja Doméstica.”
119
“Igreja entendida como Povo de Deus (LG 9-13)... não são os leigos, mas todos os
batizados, portanto faz parte dele o clero, cujo ministério se funda no sacerdócio comum
dos fiéis, dom que Deus confere pelo batismo, a todos os filhos da Igreja. Todo o Povo de
Deus é santo e pecador, ungido, profético, carismático, serviçal e partícipe da missão de
Jesus Cristo, Morto e Ressuscitado, no Espírito.”
120
119
BRANICK, Vicent. A Igreja Doméstica nos escritos de Paulo. p. 11-17
120
BRIGHENTI, Agenor. A Pastoral dá o que pensar. p. 35.
Porém o concílio não apenas refere-se a Igreja como Povo de Deus, como
também aplicou o conceito “família” a Igreja para acentuar a importância da
dimensão familiar que ela possui (LG 4; 28,1; 32; 30 GS 32, 5). Seus membros são
filhos e filhas do mesmo Pai, sendo todos, irmãos e irmãs de Jesus Cristo, o nosso
irmão mais velho, com a ação do Espírito Santo, que faz suscitar a comunhão
familiar. O próprio Cristo insistiu que todos os seus discípulos vivessem e se
tratassem como irmãos.
121
O fato de o Concílio aplicar à Igreja uma conceituação
familiar não se constitui uma inovação, mas podemos dizer que o Concílio
conseguiu resgatar aquilo que já era vivido na Igreja primitiva, pois esta não é a
primeira vez que se é utilizado o conceito família para se referir à Igreja, pois, as
comunidades primitivas possuíam laços familiares entre seus membros. A
referência familiar à comunidade cristã nas cartas paulinas é uma constante, Paulo
utilizava o termo “αδηλψος”, “irmãos” mais de cem vezes ao se dirigir aos
membros da comunidade cristã.
122
Outro termo utilizado por Paulo é “οικος”, “casa” e suas derivações:
οικοδομη”, “edificar” o irmão ou a comunidade na fé ( 1T 5,11; 1Cor 10,23; Rm
14,19; 15,2); “οι οικηιοι”, “a família” na fé (Gl 6,10); “οικονομος”,
“administrador” e “οικονομια”, administração (organização dos negócios ou coisas
da casa). Paulo se considera um administrador da Boa Nova: “Portanto,
considerem-nos os homens como servidores de Cristo e administradores dos
Mistérios de Deus” (1Cor 4,1-2). A Igreja é a casa de Cristo, sendo administrador
dos mistérios de Cristo, Paulo, é também servidor da Igreja.
123
A Igreja primitiva
no contexto paulino, sempre foi marcada pela ação da Igreja doméstica. Então,
121
PIKAZA, Xabier – SILANES, Nereo. Dicionário teológico O Deus cristão. p. 433.
122
BRANICK. Vicent. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. p. 11-17.
123
Ibid.
como vimos à dimensão familiar faz parte da Igreja desde os primeiros séculos de
sua existência.
Por isso, o Vaticano II, insiste em afirmar que o espírito familiar que
existente na Igreja, é obra do Espírito Santo (GS 42,4), e é esta dimensão familiar
que nos faz todos irmãos e discípulos de Cristo Jesus. Pois “tornar-se discípulo de
Jesus, é aceitar o convite de pertencer à família de Deus, de viver conforme sua
maneira de viver.”
124
Por isso, a família encontra sua identidade eclesial quando se
faz discípula e seguidora de Jesus na comunidade eclesial (Mt 12,50), pois a Igreja
é a comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus Cristo, e também sua família.
1.1. A família na comunidade dos discípulos
A Igreja é a comunidade dos seguidores e seguidoras de Cristo, o Povo de
Deus a caminho, estes (discípulos ou seguidores) professam sua fé através deste
seguimento ao Senhor, e “é Ele que congrega toda a Igreja, (como o próprio
Vaticano II já salientou na LG 13) e, seus discípulos e discípulas “edificam uma
comunidade chamada Igreja.”
125
Por isso podemos dizer que a Igreja é a família
dos discípulos de Jesus Cristo.
Como afirma os sinóticos, Jesus quis estender o seu grau familiar a todas as
pessoas que se comprometem com o projeto do Pai e com a sua Palavra.
126
Aqui o
seguimento de Jesus é uma forma de participação na sua família. Ele prefere
estender o seu grau familiar á todas as pessoas que se comprometem com o projeto
124
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 2233.
125
FUELLENBACH, John. Igreja comunidade para o Reino. p. 174.
126
Cf. Mt 12,46-50.
do Pai e com a sua Palavra ( Mt 12,46-50; Mc 3,31-35; Lc 8,19-21; 11,27). Aqui
vemos o seguimento de Jesus como forma de participação na sua família, assim,
quem está fora, é convidado a entrar. Para os seguidores de Jesus, os laços
sangüíneos e a comodidade do lar não podem estar acima da missão (Lc 9,57-62;
14,26). No texto de Mc 3,31-35, Jesus diz que quem faz a vontade do Pai, esse, de
fato, faz parte de sua família; Mc descarta as famílias carnal, religiosa e geográfica
(Mc 3,20-21.31-35; 3,22-30), para dar lugar aqueles que cumprem a vontade do
Pai. Seguindo Jesus e ouvindo sua palavra, se descobre a novidade salvífica
oferecida por Deus em Cristo (Lc18,28-30). Esta abertura extra familiar facilita a
comunicação maior e a abertura interior da comunidade dos seguidores de Jesus
tornando-a mais humanizada, proporcionando assim, um espírito humano e
fraterno
127
. Nesta perspectiva, o Concílio Vaticano II, não só aplica o conceito
familiar a Igreja, também afirma que a família é a primeira forma de comunhão de
pessoas a qual está em comunhão eclesial. A família vive sua comunhão eclesial a
partir da eucaristia (onde no âmbito da Igreja local está em torno ministério do
bispo: sinal de caridade e unidade eclesial – LG 26).
128
2. A importância da família para a Igreja e para a sociedade
Na visão do Concílio Vaticano II a família é elemento significativo, ela é um
bem para toda a Igreja e para o bem da sociedade.
129
Na Igreja, a família é um
caminho pelo qual se chega ao Reino de Deus, através do amor mutuo e da vida em
comum, pois sendo ela uma comunidade de comunhão, é também imagem da
127
TEPE. Dom Valfredo. Antropologia Cristã. Diálogo interdisciplinar. p. 302.
128
ALMEIDA, Antonio José de. Igrejas locais e colegialidade episcopal. p.61.
129
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Decreto Apostolicam Actuositatem 11.
comunhão dos Santos.
130
A Gaudium et Spes nos diz que a família é testemunha
“daquele amor que o Senhor revelou ao mundo por sua morte e ressurreição”
131
,
pois, é seguidora de Cristo, e assim, manifesta sua vocação
132
eclesial. Toda a
Igreja é por sua natureza querigmática e nela a família encontra a sua missão de ser
anunciadora do Reino do Deus. O sustentáculo querigmático da Igreja está
vinculado a sua vida mística.
133
É através deste estado místico que a Igreja chama
as famílias a testemunhar o evento querigmático. O próprio Espírito Santo
impulsiona a Igreja a ser esta luz mística para o mundo. É como já o diz o Senhor:
“Brilhe a vossa luz diante dos homens para que, vendo vossas boas obras,
glorifiquem vosso Pai que está no céu” (Mt 5,16).
O Concílio Vaticano II, impulsionado pelo Espírito Santo, diz que para que a
Igreja cumpra sua missão, ela deve, à luz do Evangelho, interpretar os sinais dos
tempos, podendo assim, de maneira contextualizada, dar respostas sobre os
questionamentos da vida presente e da vida futura e sobre seu significado para as
diferentes gerações
134
e para a família, sem este impulso do Espírito, ela não
encontrará a origem de sua fonte missionária no seio eclesial.
135
Sem esse ardor
pneumatólógico, a família não encontrará sentido no seu engajamento eclesial,
“mas tão-somente militantismo, pastoral ou político que seja.”
136
Sem o anúncio
querigmático, animado pelo Espírito, onde a pessoa de Jesus é o ponto central do
desse anúncio, a família não seria Igreja doméstica. A primeira forma de anúncio
está na ação missionária, mas, está também no testemunho, pois a anúncio
130
JOÃO PAULO II. Carta às famílias 14.
131
COMPENDIO DO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes 52.
132
Ibid.
133
BOFF, Clodovis. Uma Igreja para o novo milênio. p. 14.
134
COMPENDIO DO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes 4.
135
Ibid. 5.
136
BOFF, Clodovis. Uma Igreja para o novo milênio. p. 15.
querigmático é constituído pelo testemunho de fé.
137
Mas, Jesus Cristo não é
somente o centro do anúncio da Igreja, pois sendo ele o conteúdo deste anúncio, tal
anúncio deve ser coerente ao conteúdo, não só coerente mas, entusiasmaste e
ardoroso.
138
A família também foi incumbida por Deus para desempenhar esta
missão, em nome da Igreja, conforme seu estado e sua vocação, pois esta é
constituída como célula do corpo eclesial e faz do lar o primeiro lugar de sua
missão a qual se estende à toda a sociedade.
139
A importância da família no anúncio querigmático é sem dúvida relevante,
porém é um acontecimento desafiador. As famílias têm a necessidade de estarem
imbuídas da Boa Nova do Reino. Para anunciar ou evangelizar, elas precisam sentir
também evangelizadas, isto não é fruto apenas de uma catequese sistemática e
doutrinal, é necessário mostrar-lhes os sinais concretos que apontam para o Reino
de Deus, ou seja, em meio às desigualdades e toda forma de exclusão, suscitar
caminhos que promovam a libertação da pobreza, da miséria e da exclusão.
140
A
família deve ser luz para o mundo. A humanização da família é necessária à Igreja
e a sociedade. Sua humanização é sem dúvida um anúncio querigmático. O próprio
Jesus estava convencido disso, basta recordarmos as citações do NT em que Jesus
se coloca em defesa do lar e da família: Ele condena o legalismo (divórcio) que
destrói a família e marginaliza a mulher. Ele busca a reconstrução da família (Mc
10,12; Lc 7,11-17) a partir do projeto original do Criador,
141
o qual faz da realidade
matrimonial uma comunhão indissolúvel, para Jesus a mulher não pode ser
descartada pela limitada lei do divórcio que não respeitava a sua dignidade, isso
137
SZENTMÁRTONI, Mihály. Introdução á teologia pastoral. p. 27-28.
138
BOFF, Clodovis. Uma Igreja para o novo milênio. p. 17.
139
COMPENDIO DO VATICANO II. Apostolicam Actuositatem 11.
140
CORDINA, Víctor. O credo dos pobres. p. 57.
141
Cf. Gn 2,24.
sem contar as graves conseqüências que tal legalismo trazia para os demais
membros da família, como por exemplo, as crianças. No texto de Mt 19,1-15
vemos que Jesus se opõe ao divórcio e em seguida faz com que as crianças se
aproximem dele, pois, além da mulher, as crianças também faziam parte do grupo
marginalizado.
142
Para Jesus a lei deve proteger as pessoas, a família e todo o ser
humano está acima da lei (Mc 2,23-27). Quando Jesus citava os mandamentos
referentes à família o fazia no intuito de salvaguardar a dignidade de seus
membros: “Não cometas adultério, honra teu pai e tua mãe” (Mt 15,4; 19,19-20;
Ex 20,12-16; Dt 5,16-22), pois, para Jesus, a lei deve garantir o direito e a vida da
família, evitando que o adultério fragmentasse a relação familiar e garantindo a
dignidade e a sobrevivência do pai e da mãe na velhice ou doença (Mt 15,1-9;
19,16; Mc 7,1-13; 10,17-19; Lc 18,18-20). Jesus também tomou partido em defesa
das famílias pobres e desprotegidas, isso podemos conferir em Lc 20,45-47, onde
Jesus faz uma denuncia pública contra os escribas que exploravam as viúvas.
O Concílio Vaticano II resgatou esta proposta de Jesus quando se colocou
em defesa da dignidade da família. A dignidade da família é de importância para a
vida eclesial e social. A Igreja latino-americana, à luz do Concílio Vaticano II, tem
reafirmado sua opção pelos pobres dos quais grandes números de famílias fazem
parte, porém sempre se tem que levar conta à formação bíblico-eclesiológico, pois
a fé e a vida comunitária fortalecem a esperança diante dos desafios.
143
Assim
entendemos que a teologia tem papel significativo para que, à luz do Evangelho,
possa iluminar o nosso agir e o nosso pensar teológico sobre a família. Também o
Concílio Vaticano II,
144
compreende que a importância da família para a Igreja e
142
RICHARDS, Lawrence. Comentário bíblico do professor. P. 265-266.
143
CORDINA. Victor. O credo dos pobres. p 57.
144
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium 11.
para a sociedade está também em garantir a dignidade de cada membro da
comunidade familiar. Pois, a família, enquanto Igreja doméstica tem a missão
intransferível de anunciar o evangelho. Seus membros devem ser sujeitos ativos na
missão da Igreja em todos os setores, na sociedade e na vida eclesial, dando
testemunho do senhor Jesus para todas as famílias do ambiente onde convivem e na
própria comunidade eclesial.
145
2.1. A dignidade da família e de seus membros
A dignidade de cada ser humano depende das condições de vida moral,
econômico-social e cultural de cada família, pois toda a promoção em prol das
relações humanas e da construção da comunidade eclesial deve visar a promoção
integral de cada ser humano,
146
cada membro da família. A vida familiar é fator
determinante à formação humano-afetiva de cada pessoa. João Paulo II, na
encíclica Evangelium vitae fala da necessidade de proteger a família e seus
membros, pois ela está exposta a muitos perigos, pois tendo valor fundamental para
a construção da vida, para João Paulo, a família é o lugar ideal de acolhimento da
vida. A dignidade da família e de seus membros faz parte da abordagem iniciada
sobra à importância da família na Igreja e na sociedade.
“A família tem a ver com os seus membros durante toda a existência de cada um,
desde o nascimento até a morte. Ela é verdadeiramente o ‘santuário da vida (...), o lugar
onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os
145
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lúmen Gentium 11.
146
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora no Brasil 2003-2006. 122.
múltiplos ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um
crescimento humano autêntico’(CA 39). Por isso o papel da família é determinante e
insubstituível na construção da cultura da vida”
147
A dignidade de cada membro da família faz parte da honra devida ao
Criador, já que o próprio Concílio Vaticano II, denuncia todas as formas de ataques
contra a dignidade e a humana, como a qualquer forma de atentado contra a vida
desrespeito aos direitos dos trabalhadores, o abandono às crianças, jovens, anciãos,
condições de vida sub humana, discriminação da mulher e sua exploração sexual, o
lucro obtido através da depreciação humana, mutilações, torturas, humilhações, etc.
Para confirmar que a dignidade da família e de seus membros é importantíssima na
vida eclesial e social, a Igreja faz menção não somente o grupo familiar, mas, a
cada um de seus: as crianças, as mulheres, aos anciãos, e aos jovens. É importante
resgatar a dignidade, de cada pessoa humana que compõe a comunidade familiar
148
(desde a criança até o ancião), para que a Igreja doméstica seja na Igreja, a qual é o
sinal do amor pleno de Deus, participante deste sinal, pois a Igreja é sacramento de
Cristo, a Igreja é instrumento visível da ação do Deus invisível. Embora a Igreja
possua formas estruturais como as outras instituições com suas normas e leis, mas o
Espírito Santo é o seu animador e a diferencia das demais instituições, pois, como
já dissemos, ela é sacramento de Cristo,
149
e nela a família com cada um de seus
membros são sacramentos de Cristo. O indivíduo está exposto ao perigo da
massificação, e a família constitui uma segurança contra a massificação, mesmo
sendo ela fragilizada pelas constantes mudanças econômicas, sociais e culturais que
147
CARTA ENCÍCLICA DE JOÃO PAULO II, Evangelium Vitae 92.
148
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lúmen Gentium 32.
149
BOFF, Leonardo. Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos. 50.
ocorrem na sociedade.
150
Por isso, a reflexão a seguir, mesmo não estudando com
profundidade sobre a situação de cada membro da família, tem a intenção de
mostrar que cada um tem direito a sua dignidade humana respeitada, pois, cada um
é necessário e insubstituível na família e na Igreja e na sociedade.
2.1.1. A dignidade da criança na família, na Igreja e na sociedade
As crianças são motivos de renovação, de alegria e de esperança para a
família, para a Igreja e para a sociedade. É dever de todos promover condições para
a plena realização da dignidade das crianças. O Papa João Paulo II nos lembra em
sua “Carta às crianças no ano da falia,” a lamentável situação em que se
encontram muitas de nossas crianças sendo vítimas da miséria, da doença e por
falta de recursos para o seu tratamento, também são vítimas da fome, da
desnutrição, da violência, da morte prematura e até mesmo do abandono e do lar. E
o mais lamentável ainda, é que esses males são causados por adultos, por diversos
modos.
151
A dignidade de todas as crianças é expressa no amor transmitido por
todos os membros da família, pais irmãos etc. Este amor deve ser estendido a toda
comunidade eclesial, que este amor se torne ação concreta principalmente às
crianças e adolescente pobres, abandonadas e doentes. Na Igreja as crianças já são
acolhidas e integras na grande família de Cristo, através do batismo recebido desde
os primeiros meses de vida, como também do mesmo pão da Palavra e da
Eucaristia desde a sua infância.
152
Quando se reconhece e se promove a dignidade
das crianças e adolescente, respeitando seus direitos fundamentais como a vida, a
150
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2003-2006. 52.
151
JOÃO PAULO II. Carta do Papa às crianças no ano da família. p. 5.7
152
Ibid.. p. 10.
família, o lar, a saúde, a educação, o carinho, a formação humana, moral e
religiosa, então todos nós nos beneficiamos dos frutos desta ação.
A Igreja se renova a cada dia com os seus infantes membros, os quais darão
continuidade à missão da Igreja no presente (entre seus irmãozinhos) e no futuro
quando adultos. O próprio Jesus já dizia, quem não se tornar como a criança não
entrará no Reino, e quem acolhe uma criança é a ele mesmo que está acolhendo.
(Mt 18, 2-5; 19, 13-15). Portanto o Reino de Deus passa pelas crianças.
2.1.2. A dignidade eclesial e social da mulher
Ao estudarmos a carta do Papa João Paulo II, às mulheres desatacamos
alguns pontos, dos quais consideramos importantes para a reflexão sobre a
dignidade da família a da mulher. Nesta carta, João Paulo II, não suprime as
condições históricas vividas pelas mulheres. O Papa lembra que quando não se
respeita à dignidade das mulheres, quando não se valoriza seu potencial e
capacidade, quando as marginalizam e as submetem às diversas formas de
exploração ou exclusão, nas suas diversas formas de convivência, seja ela, familiar,
social e até mesmo eclesial, provoca-se um impedimento da vivência do ser
feminino e deprecia toda a sua humanidade.
153
João Paulo II, reconheceu que
essas ações e mentalidades errôneas a respeito da mulher afetaram as diversas
instituições e cultura e até mesmo o pensar e agir de muitos cristãos.
154
Mesmo
estando elas em condições desfavoráveis, o Papa João Paulo II, dirige as seguintes
palavras às mulheres:
153
CARTA DE JOÃO PAULO II À S MULHERES 1.
154
Ibid.
“Faço votos, pois, caríssimas irmãs, que se reflita com particular atenção sobre o
tema do ‘gênio da mulher’, não só para nele reconhecer os traços de um precioso
desígnio de Deus, que há de ser acolhido e honrado, mas também para lhe dar mais
espaço no conjunto da vida social, bem como da vida eclesial.”
155
Hoje, a mulher está conquistando aquilo que sempre foi seu por direito. O
sociólogo Göran Therborm lembra que segundo a convenção da ONU de
“Eliminação de todas as formas de discriminação contra as Mulheres”
156
, assinada
por quase todos os países ( exceto o Afeganistão, a Somália, os Estados do Golfo e
os EUA, embora o seu poder judiciário não permita haja descriminação entre os
gêneros) fez do patriarcalismo, um sistema ilegítimo em nível global. No mundo do
trabalho (e profissões antes assumidas pelos homens), da política, da cultura e da
rede internacional, o patriarcalismo está perdendo sua força com a conquista do
espaço feminino.
157
Também na família quando existe dominação de gêneros e não
a comunhão entre eles, fragmenta-se a unidade familiar, pois, a dominação tem sua
origem no pecado.
158
Na Igreja, o batismo nos faz todos os membros de um
Corpo, por isso, todas as desigualdades (inclusive a de gênero) devem ser
superadas, pois São Paulo já dizia na epístola aos Gálatas: “Não há judeu nem
grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois
um só em Jesus Cristo.”
159
Assim mulher e homem possuem igual dignidade. Ela é
o bem comum da humanidade. Ainda há muito que se fazer para que alcancemos a
igualdade e o respeito devido entre os gêneros. A conversão é o melhor caminho a
155
CARTA DE JOÃO PAULO II À S MULHERES 10.
156
THERBORN Göran. Sexo e poder. A família no mundo 1900-2000. p. 451.
157
Ibid.
158
Cf. Gn 3,16.
159
Cf. Gl 3,28.
ser percorrido, sem ela, dificilmente alcançaremos a a igualdade tão esperada por
todos. Há que se buscar formas que demonstrem uma busca de superações de todo
preconceito, de toda a injustiça, e de toda a depreciação contra a mulher.
2.1.3. O valor da juventude
Como já dissemos no capítulo anterior, na comunidade, ninguém é
substituível. Cada membro é necessário. Na comunidade familiar não é diferente,
se faltar um só membro, a família não estará completa.
160
Pois, na individualidade e
diferenças, cada pessoa completa o que falta para o todo, no respeito das diferenças
de cada membro se forma a comunidade, a família:
“Cada pessoa sempre tem direito ao seu próprio desenvolvimento e à sua
privacidade. Ela deve encontra apoio e a comunhão na comunidade (eclesial e familiar),
mesmo quando as circunstâncias não lhes permitem uma participação freqüente na vida
comunitária ou até mesmo a isolam e marginalizam.”
161
Cada membro da família em sua individualidade deve ter a sua dignidade
humana respeitada. Assim, outro membro da família e da comunidade eclesial o
qual o Concílio Vaticano II, menciona com singular importância é o jovem e a
jovem.
162
Por isso o Concílio ao tratar sobre a família não esqueceu de abordar a
160
MOREIRA, Lúcia – CARVALHO, M.A. Ana. Família, subjetividade, vínculos. p. 99.
161
CNBB.Igreja:Comunhão e missão na evangelização dos povos,no mundo do trabalho, da política e da cultura
93.
162
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudim et Spes. 7.
questão da juventude em alguns de seus documentos, neles foram abordados os
seguintes elementos: a modificação da situação e do ambiente da juventude, sua
inquietude, sua responsabilidade, o anseio de participação no campo social e
cultural, a necessidade de formá-los para a vida conjugal, social, eclesial e
vocacional; e a atenção à influência dos meios de comunicação no meio juvenil.
163
Ao estudarmos esses documentos não podemos nos esquecer de contextualiza-los
conforme a nossa realidade. Pois, já falamos a respeito das transformações sócio-
econômico-culturais e sua influência sobre a família, tais transformações não
somente afetam o grupo familiar, como também cada membro desse grupo, com os
jovens não é diferente, por isso a necessidade de contextualizar o Concílio com a
realidade da juventude, pois esta é a fase da vida que requer maior atenção da
família, da Igreja e da sociedade.
Entre todas as fases da vida humana, podemos dizer que a juventude é a fase
mais complexa e desafiante em que a busca da identidade é acentuada, mas é
também a fase do vigor, do entusiasmo, da energia “para o engajamento.”
164
A
juventude não é uma transição da infância para a idade adulta, mas uma fase da
vida a ser vivida,
165
pois assim, como a família mudou nas ultimas décadas, o
mesmo ocorreu com a juventude. Ela traz novos questionamentos os quais ainda
não são respondidos. No Brasil existem muitas diferenças presentes na vida dos
jovens das quais podemos citar algumas: diferenças raça, cor, sexo, gênero, classe
social, habitacional, geográfica, educacional, etc. Dentre estes diferenciais, está
uma minoria da juventude que possui um alto nível social de vida. “A maioria dos
34 milhões de jovens brasileiros representa um dos segmentos populacionais mais
163
cf. GS 7; AA 12 e 30; IM 10-14.
164
CNBB. Evangelização da juventude 26.
165
Ibid. 27.
fortemente atingidos pelos mecanismos de exclusão social.”
166
Podemos também
enumerar alguns dos grandes problemas que atingem a juventude brasileira:
desemprego, drogas, restrição à educação de qualidade, doenças sexualmente
transmissíveis, evasão escolar, violência, o subjetivismo presente na sociedade
167
etc. Assim, a inclusão da juventude no seio eclesial envolve todas essas
problemáticas e complexidades. É necessário analisar tais situações com
atenciosidade para com os jovens, tanto na Igreja, como família e sociedade. Os
jovens são membros da comunidade familiar e eclesial, é necessário conhecê-los
para nos conhecermos também.
2.1.4. A necessidade de garantir a dignidade da pessoa anciã
Como veremos, neste capítulo, o Concílio Vaticano II, não apenas refletiu a
importância da família para a Igreja e para a sociedade, mas, também destacou o
valor de cada membro da comunidade familiar, por isso é justo que também
resgatasse o valor da pessoa anciã, ressaltando que sejam garantidas “subsistência
e a dignidade humana”
168
. O Concílio também afirma que a família deve, não
somente assegurar a sua subsistência, mas também a sua reintegração nas ações da
família, da vida eclesial como “também torna-los participantes dos justos frutos do
progresso econômico.”
169
O Magistério da Igreja nos chama a atenção para que se
valorize da pessoa humana em todas as fazes de sua vida, em todas as idades.
170
Toda a experiência assimilada durante os anos, é necessária para o aprendizado da
166
CNBB. Evangelização da juventude 31.
167
Ibid. 32.
168
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes 423.
169
Ibid. Decreto Apostolicam Actuositatem 1373.
170
CONS. PONTIFÍCIO PARA OS LEIGOS. A dignidade do Ancião e a sua missão na Igreja e no mundo p. 6.
família , da Igreja e da sociedade. Mesmo que o vigor anterior não seja o mesmo,
os anciãos e as anciãs não devem “sentir à margem da Igreja, como elementos
passivos de um mundo em movimento excessivo, mas sujeitos ativos humana e
espiritualmente fecundo da existência humana”.
171
O ancião e a anciã estão num
período propício à vida simples e contemplativa. Temos que resgatar os valores de
fé, os valores afetivos e os valores morais que eles nos oferecem, os quais são
necessários para todos. “As sociedades humanas serão melhores, se souberem tirar
partido dos carismas da velhice.”
172
A partir do momento em cada ser humano,
cada família têm a sua dignidade respeitada, todos se beneficiarão com isso: a
família, a Igreja e a sociedade. Quando cada pessoa e cada família descobrem sua
verdadeira identidade em Cristo, e a sua identidade eclesial, entenderá que faz parte
da grande família de Deus: a Igreja.
171
CONS. PONTIFÍCIO PARA OS LEIGOS. A dignidade do Ancião e a sua missão na Igreja e no mundo p. 5-7.
172
CNBB. Evangelização da juventude 13.
Capítulo III A família a partir da Lumen Gentium
Para entendermos o lugar teológico e eclesiológico da família na
Constituição Dogmática Lumen Gentium entendemos que seja necessário destacar
um dos importantes aspectos desta constituição: a Igreja é o Povo de Deus,
173
onde
todos os fiéis possuem igual dignidade na participação sacerdotal, profética e régia
de Cristo mediante o batismo.
No segundo capítulo da LG a Igreja é apresentada como Povo de Deus, que é
κοινονια” de igualdade, sendo que este capítulo (da LG) não trata dos diversos
ministérios na Igreja, mas sim dela enquanto Povo, enquanto comunhão dos fiéis
que participa do sacerdócio régio e profético de Cristo. Este conceito eclesiológico,
o qual o Concílio Vaticano II, superou a visão de Igreja como “sociedade
desigual”
174
que existia até então. Com relação aos ministérios está tratado a partir
do terceiro capítulo desta constituição (LG), começando no ministério episcopal e
terminando no laical, porém não trataremos desta questão, o que queremos
destacar, é que quando o Concílio Vaticano II fala a respeito da Igreja como Povo
de Deus,
175
ele também fala sobre a importância da família para a Igreja e para a
sociedade, e é na Constituição Dogmática Lumen Gentium nº. 11 que encontramos
a referência à família sob o conceito de “Igreja doméstica”, o qual é a fonte de
pesquisa de nosso estudo. Pois, sendo Igreja doméstica, a família exerce três ações
da Igreja da qual ela faz parte: pregar o evangelho de Jesus Cristo, celebrar o culto
173
O primeiro capítulo da LG está enfocando a Igreja mistérica, as suas diversas imagem, como Corpo Místico de
Cristo e a Igreja visível e espiritual. É no seu segundo capítulo que a LG apresenta a Igreja como Povo de Deus e
onde está a fonte de nossa pesquisa: LG 11.
174
ALMEIDA, Antonio José de. Lumen Gentium – transição necessária. p. 81.
175
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lúmen Gentium 9-13.
e oração, e exercer sua diaconia. Assim, a Igreja deve conhecer as famílias que a
compõe, ajudando-as a viver uma eclesiologia de comunhão a exemplo de Maria,
mãe de Jesus, e nossa.
1. A Igreja na evangelização através da família
A família sempre desempenhou a missão de transmitir a Palavra de Deus, as
primeiras noções a respeito de Deus partiram do lar, isso constatamos nos textos do
AT, na Igreja Primitiva e na Igreja Pós Vaticano II. No Antigo Testamento, vemos
que a transmissão da fé não ficava a cargo dos sacerdotes, pois estes cuidavam dos
ritos e sacrifícios, mas a cargo da família, como missão própria da mesma (Ex 10,1-
2; 12,21-28; 13,8; Dt 4,10; 6,1- 7.20-25; Dt 11,19; Js 4,6-9.21-24; 2Sm 7,22; Sl
22,31;44,2; 78,3-8; 102,19); O historiador, Flavio Josefo, lembra o cuidado de
Moisés para que a Aliança fosse vivida e transmitida a partir da vida doméstica e
do lar
176
, como algo a ser decorado e “escrito na tábua do coração”
177
, e também
vivido como memória Pascal, em que o pai deve responder aos filhos: “É o
sacrifício da Páscoa para Iahweh que passou adiante das casas dos filhos de Israel
no Egito, quando feriu os egípcios, mas livrou as nossas casas.
178
Essa memória, é uma certeza da presença de Deus que se revela na história e
na vida de seu povo para libertá-lo, e que deve ser conhecido desde os
relacionamentos mais íntimos entre as pessoas, ou seja na relação familiar
179
, onde,
através da tradição oral, a família cultivava sua fé através das gerações. Isso
176
FLÁVIO JOSEFO. Uma testemunha entre os Apóstolos. p. 38.
177
GARMUS, Ludovico. Educação dos filhos nos sapienciais. (Artigo da revista Estudos Bíblicos nº. 85. p. 37.)
178
Cf. Ex 12,27.
179
RICHARDS, Lawrence. Comentário Bíblico do Professor. p. 172.
possibilitava a vivência da Aliança e do Projeto de Deus iniciado no Êxodo. A
família vive a Aliança na relação entre seus membros, torna-se símbolo desta
mesma Aliança que Deus estabeleceu com seu povo, tornando imagem do amor de
Deus para com Israel. As imagens da família são bem destacadas e muito bem
utilizadas pelos hagiógrafos em sua composição literária, é uma riqueza na
literatura profética
180
. Na visão deutoronomista do século VII aC. O termo
“Aliança” tem um sentido especial no que se diz respeito ao relacionamento entre
Iahweh e o povo de Israel. É tão significativa a figura da família para o povo da
Aliança, que por diversas vezes, ela se torna símbolo teológico na literatura dos
profetas. O Deus da Aliança é apresentado em vários textos, numa relação familiar
com o povo de Israel, e vários elementos e personagens referentes à família são
destacados. O livro de Oséias pode ser tomado como exemplo: Oséias casou-se
com Gomer, uma mulher infiel que muitas vezes o traía, mas, apesar disso ele
sempre continuava a amá-la
181
. O livro mostra que assim como a esposa de Oséias,
Israel era infiel a Deus, prostituindo-se com ações de idolatria. Apesar da
infidelidade de Israel, Deus permanece fiel e seu amor por ele, e é capaz de perdoá-
lo e restaurá-lo
182
.
Os valores teológicos, que deve ser resgatado numa família que perdeu seus
valores fundamentais, e um povo que também perdeu estes mesmos valores, é
ponto de reflexão e atenção no texto. A família transmite carinho entre seus
membros, principalmente na relação entre mãe filho. Nesta relação Deus se
interage na comunidade dos filhos de Israel. A relação de Deus com Israel é intima
e familiar, Deus não é um estranho para o seu povo, Ele possui laços familiares
180
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. nº. 219-220.
181
RICHARDS, Lawrence. Comentário Bíblico do Professor. p. 521.
182
Ibid.
com Israel.
183
Ele é como uma mãe que embala seu filho dando-lhe carinho e amor.
Veja como o profeta descreve a relação de Deus para com seu povo.
“Quando Israel era um menino, eu o amei e do Egito chamei meu filho. Mas,
quanto mais os chamava, tanto mais eles se afastavam de mim. Eles sacrificavam aos
baals e queimavam incenso aos ídolos. Fui eu, contudo, quem ensinou Efraim a
caminhar, eu os tomei em meus braços, mas não reconheceram que eu cuidava deles!
Com vínculo humano eu os atraía, com laços de amor eu era para eles como os que
levantam uma criancinha contra o seu rosto, eu inclinava para ele e o alimentava.”
184
Isaías também apresenta imagens tiradas da vida familiar, e uma dessas
imagens é a figura dos esposos. Jerusalém é a cidade desposada por Deus (Is 62,1-
12), isto é, é libertada por Ele
185
. E de fato, é uma alegria para a esposa a palavra de
encantamento vinda de seu esposo. O profeta atribui a Deus todo o encantamento
de um esposo à sua amada, que no texto é a cidade de Jerusalém, a qual é
desposada pelo por Iahweh.
186
Através de dados antropológicos podemos dizer que
o amor e a paixão são inerentes ao ser humano poderemos fazer, de forma
analógica, uma reflexão sobre o amor de Deus para com seu povo. Mas antes
perguntamos: Podemos dizer de fato que Deus é apaixonado? Quais serão o seu
encantamento e sua ralação amorosa? De forma humana podemos dizer que Deus
de fato é um apaixonado e que constantemente procura e ama a sua amada. Como
pudemos perceber em algumas citações do AT, alguns textos expressam o amor do
183
RICHARDS, Lawrence. Comentário Bíblico do Professor. p. 521.
184
Cf. Os 11,1-4.
185
CROATTO, J. Severino. Isaías. A palavra profética e sua releitura hermenêutica. p. 237.
186
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nota: Is 62,1-12.
Senhor por Jerusalém, Ele é aquele quem a desposa e ela, por sua parte, se sente
amada por Deus.
187
“Transbordo de alegria em Iahweh, a minha alma se regojiza no meu Deus,
porque ele me vestiu com vestes de salvação, cobriu-me com um manto de justiça, como
um noivo que se adorna com um diadema, como uma noiva que se enfeita com suas
jóias”.
188
O livro de Oséias também retrata o amor fiel de Deus para com Israel que
agia como uma esposa infiel. Podemos também fazer referência à Cristo: na carta
aos Efésios 5, também o NT relaciona o amor conjugal com o amor entre Cristo e a
Igreja, também o livro em Apocalipse 19 se fala das “bodas do Cordeiro”, muitas
vezes a literatura neotestamentária se refere a Jesus como “o noivo”. Deus é
apaixonado pela humanidade e cuida dela com muito carinho. Jesus é a imagem
visível do Deus que se apaixona e ama seu Povo.
Os autores bíblicos poderiam expressar a relação de Deus para com seu povo,
fazendo uso de outras imagens, porém preferiram utilizar as figuras familiares, para
expressarem o amor de Deus para com Israel. Isso reforça a argumentação de que a
família tem um papel singular na vida e na fé do povo de Deus. Uma família que
vive o projeto de Deus e sua Aliança no lar é imagem do povo que mantém sua
fidelidade a esta Aliança. Uma Família que não se importa com sua própria relação
e com o projeto de Deus, é também figura de um povo infiel à Aliança e ao Projeto
187
Cf. Is 62,1-9; Sl 45.
188
Cf. Is 61,10-11.
de Deus. Como vimos à família teve um papel importante na memória da Aliança,
já na Igreja Primitiva a família não só se empenhou no anúncio kerigmático, como
também participou na formação das novas comunidades. Desde os tempos da Igreja
primitiva a família desempenhou um papel importante na ação evangelizadora da
Igreja, exemplo disso está relacionado à missão de Paulo, sendo que a sua
experiência como evangelizador nas sinagogas não foi muito feliz. Descobre então,
na família, o pólo e o ponto estratégico da evangelização, pois sua importância era
reconhecida por Paulo e seus companheiros de missão. Além da disponibilidade
das famílias em promover o intercâmbio entre as comunidades (At 16,15.40; 17,5-
6; 18,7; Fl 2,29-30) muitas delas colocavam suas casas a disposição da comunidade
(At 5,42; 1Cor 11,33-34). O fato de uma família se converter à fé cristã já era o
início de uma nova evangelização
189
(At 10,2; 11,14; 18,8; 1Cor 1,16; 16,15-16),
pois uma nova família inserida na Igreja era mais uma referência para a Igreja em
expansão. Das Igrejas domésticas originaram-se as Igrejas locais (Rm 16,5; Cl
4,15-17; 1Cor 16,19; Fm 2), assim, a família foi assumindo valores eclesiológicos
e teológicos (Ef 5,29-32). A partir do evento da ressurreição e do batismo as
famílias foram integradas à família de ampliada Jesus, inserindo-se à comunidade
dos seguidores de Jesus.
190
Podemos dizer que na Igreja primitiva as famílias se empenharam na missão
evangelizadora, mesmo depois da morte dos Apóstolos a evangelização tomou
grande vigor, cristãos anônimos espalhavam a fé cristã através das famílias
embuídas pela consciência batismal. “O cristianismo, qual mancha de óleo,
espalhava-se na rede da família, do trabalho, dos encontros.”
191
A estratégia da
189
BRANIK, Vicent. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. p. 17-18.
190
Ibid.
191
HAMMAN, A.G. A vida cotidiana dos primeiros cristãos. p. 65.
evangelização era a divulgação individual, onde cada pessoa evangelizava sua
família, seu escravo, ou o seu senhor, e, as pessoas pobres acolhiam com facilidade
o Evangelho, pois, a mensagem evangélica anunciava a libertação, que era a
aspiração dos pequenos e, como já dissemos, a família era a mensageira e a
destinatária da evangelização.
192
Com o Concílio Vaticano II abre-se um novo horizonte iluminado pela
Lumen Gentium
193
para o surgimento de um aprofundamento sobre a dimensão
comunitário-eclesial da família, que tem o amor e a comunhão como sinal
característico. A Constituição Dogmática Lumen Gentium ao referir-se à
dimensão eclesial da família encontra fundamentos para lhe atribuir o conceito de
“Igreja Doméstica,” pois, está inserida na Grande Família de Cristo: a Igreja. A
partir daí surgem vários Documentos do Magistério da Igreja (alguns citados em
nossa bibliografia) relacionados à família; outras disciplinas já trabalham sobre a
questão da familia, sendo isso, fruto da ação conciliar. Também o CELAM e a
CNBB se empenharam em promover a dignidade da família e a sua identidade
eclesial. A Conferência de Medellín foi entendida como uma recepção do Concílio
Vaticano II. A Segunda Conferência do Episcopado Latino-americano em Medellín
foi o germe das Comunidades Eclesiais de Base, onde os pobres sentiram-se
sujeitos na vida eclesial e social.
194
A conferência de Medellín abril os horizontes
para as famílias do continente latino-americano descobrirem o seu papel eclesial e
social, não mais como objeto, mas como sujeito da história. No Brasil também a
Igreja apóia e motiva a Igreja doméstica em sua missão. Nas Diretrizes gerais da
ação evangelizadora no Brasil, os bispos do Brasil expressa a preocupação de
192
HAMMAN, A.G. A vida cotidiana dos primeiros cristãos. p. 65.
193
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium 11.
194
LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II, os anos que se seguiram (Vaticano II 40 anos depois. p. 83).
conscientizar a família sobre a sua identidade eclesial,
195
e sua importância na vida
social.
1.1. A família como sujeito e objeto de evangelização
196
A Conferência de Puebla qualificou a família como sujeita e objeto de
evangelização, pois enquanto ela dá testemunho de sua fé e de sua vida eclesial, ao
mesmo tempo, senecessitada de atenção social e eclesial.
197
As quatro
exigências da ação evangelizadora da Igreja no Brasil, apresentadas pela CNBB
(serviço, diálogo, anúncio e testemunho de comunhão), contém os elementos que
identificam a família como sujeita e objeto de evangelização, pois, inserida no
corpo eclesial, a família participa da ação da Igreja.
1.1.1. A família e o Serviço
Através da ação educacional, a família prepara o ser humano para viver
plenamente a sua dignidade nas diversas dimensões da vida humana (humano-
afetivo, social, eclesial, etc.), pois ela possui a dinâmica de formar discípulos. A
família como seguidora de Cristo e a exemplo dele é também servidora (Mt 20,26-
28). A família é uma comunidade de amor e serviço e de fundamental importância
para que sejam transmitidos os valores ligados à cultura, educação, à vida social;
eclesial; espiritual e os valores éticos. Todos esses valores são importantes para o
195
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2003-2006. 85c.
196
DOCUMENTOS DO CELAM. Puebla 569.
197
Ibid.
bem de cada membro da família, da Igreja e de toda a sociedade.
198
“A
comunidade eclesial deve despertar a consciência e a responsabilidade da
família,”
199
para o compromisso com a dignidade humana e como discípula e
missionária de Cristo, deve, à luz do Evangelho, com a Igreja na opção preferencial
pelos pobres, ser construtora de uma sociedade humanizada.
200
“Os discípulos e missionários de Cristo devem iluminar com a luz do evangelho
todos os âmbitos da vida social. Se muitas estruturas atuais geram pobreza, em parte é
devido à falta de fidelidade a compromissos evangélicos de muitos cristãos com as
responsabilidades políticas, econômicas e culturais.”
201
Porém, a temática do serviço ainda não está concluída, a retomaremos
quando refletirmos sobre a diaconia da família, pois, a família não é só serviço, mas
é também, dialogo entre pessoas de diferentes culturas, credos, raças, povos e
nações.
1.1.2. A família e o Diálogo
Uma família que estabelece um diálogo mutuo entre seus membros e com as
demais famílias, ela é de fato evangelizadora. Uma das principais arma contra o
individualismo e o subjetivismo (que são algumas das formas de divisão) é o
198
COMPÊNDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 238.
199
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2003-2006. 85c.
200
DOCUMENTO DE APARECIDA 501
201
Ibid.
diálogo. Pois, toda e qualquer divisão entre os seres humanos é contrária ao
ensinamento de Cristo, causando escândalo à humanidade e prejudicando a
pregação do Evangelho (UR 1). Os Bispos do Brasil afirmaram que antes de se
buscar uma formação específica na área do ecumenismo e do diálogo inter-
religioso, é preciso antes, despertar as consciências humanas para o
reconhecimento do diálogo e a sua importância para a realização do ser humano,
começando pela família. É preciso conhecer e respeitar os valores, a fé de cada
pessoa, de cada família. O diálogo deve produzir relacionamentos fraternos que
contribuam para o bem comum.
202
O dialogo é o acesso para o anúncio do
Evangelho e da pessoa de Jesus Cristo.
203
1.1.3. A família e o Anúncio
O anúncio pela palavra e pelo exemplo, na perspectiva da Constituição
Dogmática Lumen Gentium é referência sobre família como Igreja doméstica.
204
O
anúncio a partir da própria família é um resgate do mandato de Jesus. Alguns textos
dos sinóticos apresentam relatos onde pessoas que experimentaram a ação
libertadora de Jesus, são enviadas por ele a testemunharem esta ação na própria
família. Em Mc 5,18-20, o “geraseno” pede para seguir Jesus, porém, Jesus lhe
ensina a segui-lo a partir do anúncio em sua casa: “Vai para tua casa e para os teus
e anuncia-lhes tudo o que fez pôr ti o Senhor na sua misericórdia.” Assim Jesus o
enviou para que fosse testemunha em seu lar, embora este não se contentasse em
anunciar somente aos familiares, mas o fez em toda a região onde morava. Em
202
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2003-2006. 86-92.
203
Ibid.
204
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentim 11.
outra narrativa de Mc está a passagem sobre a cura do paralítico. Um grupo de
homens destrói o teto da casa onde Jesus se encontra para conduzir o paralítico até
ele
205
(a casa estava repleta de pessoas, não havia acesso). Motivado pela fé do
grupo, Jesus cura o paralítico e também o envia para a sua casa para testemunhar a
sua família (2,1-12). Ainda no evangelho de Marcos, há também o relato da cura do
cego, que após ter a visão recuperada por Jesus é como os outros, também enviado
à sua família (Mc 8,22). A família é o lugar primordial de testemunho do
“Evangelho de Jesus Cristo, de sua pessoa, vida, morte e ressurreição.”
206
A
missão evangelizadora da Igreja se dá da família para o mundo:
“No anúncio do Evangelho na família, na escola, no trabalho, na comunidade, no
bairro, os cristãos realizam sua vocação missionária e encontram o caminho para
descobrir a dimensão missionária universal da Igreja e a responsabilidade de todos para
com a missão ad gentes, além fronteiras.”
207
1.1.4. A família e o Testemunho de comunhão
Deus é a verdadeira comunhão, o Pai, o Filho e o Espírito Santo constituem o
perfeito modelo de comunhão. O ser humano não foi criado para a solidão (Gn
1,27), mas para viver a comunhão, e a família é “a primeira forma de comunhão de
pessoas,”
208
à imagem da Trindade. Cristo estabeleceu uma nova comunhão de
fraternidade com sua morte e ressurreição. Esta nova comunhão fraterna es
205
RICHARDS, Lawrence. Comentário bíblico do professor. p. 702.
206
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 2003-2006. 93
207
Ibid. 94.
208
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes 12.
presente em seu Corpo Místico, a Igreja, onde todos os seus membros são
chamados a viverem a comunhão perfeita em Jesus Cristo.
209
Na comunhão eclesial
a família participa da comunhão divina. Ela constitui uma ação especial de
comunhão eclesial e é por isso, que ela é chamada Igreja doméstica. “É uma
comunidade de fé, de esperança e caridade; na Igreja ela tem uma importância
singular.”
210
Podemos destacar alguns critérios indicados pelo Magistério em que
se pode reconhecer a identidade eclesiológica da família e a sua comunhão com a
Igreja:
211
a) “O primado dado à vocação de cada cristão à santidade,” por ser Igreja
doméstica, a família é chamada a dar a sua contribuição, para que seus
membros busquem sempre apressar o Reino de Deus, através da vivência da
fé e da participação aos sacramentos, em busca da perfeita caridade. A
família que descobre a sua vocação à santidade e a sua identidade eclesial,
além de edificar a Igreja, também se torna um sinal para outras famílias.
b) “A responsabilidade em professar a fé católica,” através do acolhimento e
da profissão de fé na verdade de Jesus Cristo a respeito da Igreja e do ser
humano. A família é o lugar do anúncio, da educação do conteúdo integral da
fé. Por isso é necessário:
209
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes. 32.
210
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA.2205.
211
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Christifideles Laici 30.
“Enriquecer e sistematizar a teologia da família, para lhe facilitar o conhecimento e o
aprofundamento como Igreja doméstica, com o objetivo de iluminar as novas situações
das famílias
... deverá considerar-se a família como sujeito e agente insubstituível de
evangelização e como base da comunhão na sociedade.”
212
c) “O testemunho de uma comunhão sólida e convicta,”, pois, a comunhão com
o papa e o bispo diocesano e o apreço aos diversos carismas presentes na
Igreja demonstram, com certeza a unidade eclesial. A família demonstra esta
unidade através da comunidade eclesial da qual deve atuar.
d) “A conformidade e a participação na finalidade apostólica da Igreja,” a
evangelização e a santificação do ser humano começam pela família.
e) “O empenho de uma presença na sociedade humana,”, pois, o Pontifício
Conselho Justiça e Paz reforçam o que a Doutrina Social da Igreja já havia
pronunciado: “as famílias devem crescer na consciência de ser
protagonistas da chamada política familiar e assumir a responsabilidade de
transformar a sociedade.
É evidente que alcançar todos os critérios acima apresentados na quarta
exigência, é para a Igreja e a família um desafio e um ideal, pois em muitos casos
212
DOCUMENTOS DO CELAM. Puebla 601-602.
existe o rico de pressupor uma formação cristã que de fato ainda não existe,
também podemos apresentar um conjunto de doutrinas não levando em conta a
pessoa de Jesus Cristo como proposta primordial.
213
Porém, as quatro exigências da
ação evangelizadora no Brasil, (que estão intimamente ligadas) constituem um
referencial para que a família venha a sentir-se sujeito da evangelização.
2. A família que celebra como Igreja
O Vaticano II descreve a Igreja como mistério de comunhão e participação e
favorece uma compreensão teológica a respeito do mistério da salvação em Jesus
Cristo.
214
Em sua páscoa, que se deu através da sua morte e ressurreição, Cristo
desenvolve este mistério na história da Igreja, sendo ela sacramento d’Ele próprio e
da salvação que n’Ele se realiza. “É este mistério de Cristo que a Igreja celebra em
sua liturgia, a fim de que os fiéis vivam e dêem testemunho dele no mundo.”
215
A
liturgia é obra e ação de Cristo através da Igreja. É por meio da liturgia que a
Igreja se apresenta, por meio de Cristo, como sinal de comunhão entre Deus e a
humanidade. Páscoa é vida nova e a celebração litúrgica motiva os fiéis a viver esta
vida nova da comunidade eclesial, e, consequentemente os motiva a uma
participação consciente, ativa e frutuosa.
216
O compromisso com a vida e a missão
da Igreja deve preceder a ação litúrgica.
217
Em seu livro “Viver a ritualidade
litúrgica como momento histórico da salvação,” Valeriano inicia o prefácio de sua
obra dizendo que se Deus é a inspiração de nossa caminhada, então os nossos
213
CNBB. Diretório da Pastoral Familiar 360.
214
BOROBIO, Dionísio (org.). A celebração na Igreja II. p. 145.
215
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 1068.
216
COMPÊDIO DO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium 11.
217
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 1071-1072.
passos apontarão para a salvação escatológica, e, por conseqüência, provocará
libertações históricas sendo que a característica da história da salvação é a Páscoa.
O povo de Deus caminha a partir das novas perspectivas exodal e que nesta
caminhada é importante reafirmar como Josué o papel individual e familiar do
povo de Deus no Mistério Pascal:
218
“Quanto a mim e a minha família, serviremos
ao Senhor.”
219
A participação na ação celebrativa tornou-se parte integrante da vida
familiar na Igreja primitiva, como expressão de vida. Esta participação é fruto do
anúncio que interpela a família através do ensinamento dos Apóstolos (Palavra
proclamada), pelo testemunho e pela Eucaristia (fração do pão). A vida celebrativa
tem seu verdadeiro sentido quando vinculada à vida prática e cotidiana da família,
onde as relações fraternas e de partilha dão sentido à fé celebrada, pois se entendia
que na comunidade eclesial não podia existir indigente ou necessitado algum.
220
O ponto mais alto da liturgia está na celebração eucarística, onde todas as
famílias se reúnem numa só família, como Igreja, para fazer memória da Páscoa de
Jesus Cristo, numa comunhão que se dá através do Espírito Santo. Jesus se dá
totalmente ao Pai e ressuscitado já venceu a morte e nos garante a vida, pois venceu
o mal e a morte.
221
Na eucaristia está a plena atualização do mistério pascal sendo
que os demais sacramentos se convergem para ela, por isso é oportuno se falar da
relação entre o sacramento do matrimônio e a eucaristia, até porque, a celebração
destes dois sacramentos está ligada à vida eclesial da Igreja doméstica. Assim,
mesmo sem fazer um merecido aprofundamento sobre estes sacramentos, faremos
uma breve reflexão sobre a importância deles na vida da família.
218
COSTA, Valeriano Santos. Viver a ritualidade litúrgica como momento histórico da salvação. p. 5.
219
Cf. Js 24,15.
220
Cf. At 2,4247.
221
BUYST, Ione. Símbolos na liturgia. 70.
2.1. Eucaristia e Matrimônio como expressão do mistério pascal na família
A eucaristia é o ápice e a fonte da vida eclesial, é, por excelência, o
sacramento da caridade, ela manifesta o amor incondicional de Jesus pela
humanidade.
222
A celebração eucarística é uma ação pascal do Cristo morto e
ressuscitado, onde a família se deixa viver o mistério e se deixar transformar por
Ele, pois, a atualização do mistério pascal acontece na celebração e na vida.
Através da eucaristia a família deve testemunhar a vida nova de liberdade, de
partilha e de comunhão, de tal maneira onde todas as pessoas que participem da
celebração e profetize através da vida e da igualdade entre todos os seres
humanos.
223
No Concílio Vaticano II, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia,
coloca-a como base da sua reflexão teológica e como fundamento e chave
interpretativa de todo o culto cristão.
224
Varias famílias se reúnem no domingo ou
todos os dias como assembléia, ou Igreja, para serem revitalizadas pelo mistério
pascal de Cristo e levarem a diante a missão da Igreja numa alegria pascal.
225
Desde
os tempos da Igreja primitiva a família se reúne para a celebração do Mistério
Pascal. Fílon faz uma breve descrição deste acontecimento.
“Em cada casa, há um recinto sagrado, com o nome de oratório ou mosteiro,
aonde se retiram os terapeutas a fim de celebrarem os mistérios da vida religiosa. Nada
levam com sigo, nem bebida, nem alimento, nem o indispensável para as necessidades
corporais. Apenas as leis, os oráculos dos profetas, os hinos e outros escritos destinados
a aumentar e aperfeiçoar a ciência e a piedade... O intervalo entre a aurora e a tarde é
222
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DO PAPA BENTO XVI. Sacramentum caritatis 1.
223
ZAVAREZ, Maria de Lourdes. Romeiros de Trindade a caminho da Trindade. p. 134-137.
224
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium 5.
225
COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a eucaristia. 93.
todo ocupado pela ascese. Efetivamente lêem as santas Letras e refletem sobre a
sabedoria dos antigos, empregando alegoria, pois pensam que as palavras são símbolos
da natureza oculta que se descobre nas interpretações alegóricas”
226
.
A eucaristia tem uma relação com o amor de um casal unido pelo sacramento
do matrimônio, pois aqueles que se unem sacramentalmente pelo matrimônio se
tornam imagem do amor de Cristo pela sua Igreja. Tal sacramento fortalece não só
a vida conjugal como também a vida eclesial da Igreja doméstica. Quando o casal
vive este sacramento, significa que ele partilha das escolhas de Cristo: pobreza,
humildade, serviço e doação da própria vida. A fé da Igreja na santidade do
matrimônio e da Igreja doméstica é um dos principais elementos que garantem a
correspondência familiar ao projeto de Deus com relação á família. A fé consciente
da ação sacramental do matrimônio consiste em fazer penetrar no coração da
família a busca da plenitude humana em Jesus Cristo.
227
A eclesialidade da família
está expressada na realidade matrimonial, pois o matrimônio é expressão do amor
de Cristo pela Igreja e a eucaristia é a concretização desse amor.
“Por isso os esposos cristãos são robustecidos e como que consagrados para os
deveres e dignidades de seu encargo por um sacramento especial. Exercendo seu múnus
conjugal e familiar em virtude desse sacramento, imbuídos do Espírito de Cristo que lhes
impregna toda a vida com a fé, a esperança e a caridade... assim a família comunicará as
suas riquezas espirituais generosamente ainda às outras famílias”
228
226
EUSÉBIO DE CESARÉIA. História eclesiástica. II 17, 9-10. p. 94-95.
227
FLOREZ, Gonzalo. Matrimonio y família. p. 248.
228
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes 48.
A eucaristia e o matrimônio manifestam na vida da Igreja doméstica a sua
dignidade familiar, eclesial e social. Esta dignidade que se manifesta não apenas
nos mementos fortes do culto, mas também no esforço por uma comunhão
participativa; na consciência de sua vocação missionária e na corajosa e profética
ação transformadora do mundo. “É na família que se exerce de modo privilegiado
o sacerdócio batismal... de todos os membros da família,”
229
na oração, na liturgia
e na vida.
3. A diaconia da Igreja doméstica
A Igreja é por sua natureza servidora do Reino. A Igreja doméstica é por sua
vocação eclesial, também servidora. Na quinta Conferência do Episcopado Latino
Americano, em Aparecida, os bispos lembraram a indispensável missão da Igreja
de ser servidora: “A Igreja está a serviço de todos os seres humanos, filhos e filhas
de Deus.”
230
Cristo é modelo primordial de servidor (1Pd 2,21-25; Lc 12,37; Jo
13,34-35), que se entregou totalmente ao serviço do Pai em favor de toda a
humanidade. Ele, sendo mestre e Senhor, não hesitou em ser o primeiro a dar
testemunho diaconal (Jo 13). Quando o evangelista Lucas narra o início da vida
pública de Jesus, descreve-o na figura do Servo de Javé (Lc 4,18-19) e em outros
textos do NT Jesus se apresenta como aquele que serve (Mt 20,28; Lc 22,27; Jo
13,1-17). Em Jesus a diaconia torna-se uma espiritualidade de toda a Igreja que vê
em Maria a primeira “serva do Senhor” (Lc 1,28).
231
229
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 1657.
230
DOCUMENTO DE APARECIDA 32.
231
CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. Normas fundamentais para a formação dos diáconos
permanentes 11.
“Pelo nascimento do Messias, irrompe, no seio da Virgem, a salvação universal.
Como Miryam, irmã de Moisés, foi o conrifeu do canto de libertação do Êxodo moisaico,
assim também Miryam de Nazaré puxa o canto novo do Êxodo messiânico, canto esse que
será retomado de geração em geração pela comunidade dos redimidos.”
232
Como sacramento de Cristo e com a presença da imagem de Maria, a Igreja é
servidora em sua natureza. Assim, é propício falar sobre a espiritualidade do
serviço com relação à família, pois, “é evidente que tal espiritualidade se deve
integrar harmonicamente, em cada caso, com a espiritualidade ligada ao estado de
vida.”
233
Dentre varias maneiras em que a Igreja doméstica pode viver sua diaconia
está a hospitalidade, ela demonstra, de modo concreto, a fraternidade proposta por
Cristo, o qual acolhia a todos. A hospitalidade está a serviço da missão eclesial.
Nos Atos dos Apóstolos se percebe que a hospitalidade de Áquila e Priscila foi de
grande importância para o serviço missionário de Paulo.
234
As famílias
desempenharam um papel importante, na ação missionária da Igreja através do
serviço, e em particular, na missão de Paulo, sendo que a sua experiência como
pregador nas sinagogas não foi muito feliz. Descobre, então, na família o pólo e
ponto estratégico da missionariedade, pois a hospitalidade dessas famílias era
significativa para Paulo e seus companheiros de missão na Evangelização e no
intercâmbio entre as Igrejas (At 16,15. 40; 17,5-6; 18,7; Fl 2,29-30 ). Graças às
famílias, que colocavam suas casas à disposição da comunidade ( At 5,42; 1Cor
232
BOFF, Clodovis M. Mariologia social. p. 331.
233
CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. Normas fundamentais para a formação dos diáconos
permanentes 12.
234
Cf. At 18,1-4.
11,33-34 ), para o ágape e para celebrar a liturgia, a Igreja primitiva pode-se
alavancar o seu processo de missão. O fato de uma família se converter à fé cristã,
já era um início de missão
235
( At 10,2; 11,14; 18,8; 1Cor 1,16; 16,15-16 ), pois
quando uma nova família se fazia Igreja doméstica, se tornava mais uma referência,
para a Igreja em expansão. Pois das “Igrejas Domésticas” originaram-se as Igrejas
locais (Rm 16,5; Cl 4,15-17; 1Cor 16,19; Fm 2 ), deste modo, foram associadas, à
família, qualidades eclesiológica, e as relações familiares tiveram sentido teológico
(Rm 1,30 ). Mas se de um lado a família foi assumindo valores eclesiológicos, do
outro, a Igreja foi também assumindo valores familiares. Porém, Paulo alerta para a
necessidade de sempre observar o comportamento de Cristo, como modelo de vida
comunitário-eclesial, tendo como ponto referencial o “Amor de Cristo,” o amor
que se faz serviço. Jesus é aquele membro da família que se coloca a serviço da
redenção de todos, Ele é o irmão go’el.
Um dos elementos importantes dos laços familiares do Povo de Israel, é a
solidariedade familiar, onde os membros da família devem proteger-se e ajudar-se
quando necessário. Isso era contemplado na Lei com regra prescrita, chamada go'el
cuja palavra significa “resgatar", “reivindicar” e especialmente “proteger." O go’el
ou parente-resgatador” tem a missão de resgatar, ou redimir seu parente que se
encontra em graves dificuldades, e até mesmo em caso de perigo, se alguém se
tornava escravo, como forma de pagamento de dívida contraída, ou em tempos de
miséria, ou quando perdia sua propriedade por hipoteca, o “parente-resgatador
ou go’el efetuava o resgate em favor do parente em questão; por vezes o go’el
vingava a vida de um parente assassinado como forma de resgate da vida perdida.
Também acontecia o contrário: quando um membro da família cometia um
235
BRANICK, Vicent. A Igreja Doméstica nos Escritos Paulinas. p. 16-17.
assassinato e era jurado de morte, o irmão Go ‘el cuidava de proteger a vida do
irmão jurado de morte. (Lv 25,25; 25,48-49; 27,11-13; Nm 35,9-12). No AT o
próprio Iahweh se faz Go’el para Israel (Is 43,1-3)
236
. Na literatura
neotestamentária nós observamos diversos títulos atribuídos a Jesus como salvador,
redentor, primogênito ou frases atribuídas a ele: ‘dar a vida em resgate de
muitos’... ‘estava perdido e foi reencontrado’... ‘dar a vida pelos amigos’... (Lc
2,11; 15,32; Jo 4,42; Ef 5,23; Jo 15,13). Essas atribuições e estas frases têm estreita
ligação com o Go’el. Jesus se fez Go’el a serviço da humanidade, ele se faz irmão
de todos, e dá a própria vida como resgate dos seus
237
, pois ele criou vínculo
familiar conosco. Mas Jesus não para por aí, Além de defender, proteger e resgatar,
Ele também faz comunhão com as famílias dos enfermos, dos pobres e pecadores,
para que através dele, essas famílias tenham um encontro profundo com Deus, na
sua própria casa.
Jesus não recusava qualquer convite, em qualquer casa de família,
independente da situação social, e até mesmo moral, pois valorizava estes
encontros familiares, como encontro de comunhão (sentar-se a mesa com),
libertação e salvação. Jesus está em comunhão com o Pai
238
e esta “koinonia” Jesus
quer realizar nos lares onde passa; é o caso de Zaqueu e Levi. O primeiro aprende
com a companhia de Jesus a colocar-se a serviço (“dou metade de meus bens aos
pobres”) e descobre que estar à mesa (em comunhão) com Jesus, é encontrar a
salvação em sua casa (“Hoje a salvação entrou nesta casa”), O segundo ao cear
com Jesus, sente-se acolhido por Ele, e faz experiência da misericórdia de Deus em
sua própria casa (Mt 9,10-15). Neste encontro familiar Jesus revela o rosto materno
236
ESTUDOS BÍBLICOS. A Família na Bíblia. p. 24-26
237
Ibid. 54.
238
Cf. Jo 14,10-11.20.
e paterno de Deus, às vezes mais materno que paterno. Usando de seu amor e
ternura, acolhendo o filho que estava longe da casa do Pai (“misericórdia eu
quero”), para que este possa recomeçar sua vida, agora renovada. Aprende-se que a
misericórdia é base da relação humana com Deus, que é amor. Jesus mostra que o
amor de Deus é acolhida, serviço, partilha, libertação e comunhão, e nesta
comunhão experimentada no lar com Jesus, surge à necessidade de expandir esta
convivência familiar igualitária a todos que entram nessa casa, é o caso da sogra de
Simão. A casa de Simão Pedro também se torna lugar de serviço à libertação, tanto
para a sogra deste (que após ser libertada da febre põe em exercício sua
“diakonia.”). O Pai realiza a salvação integral do ser humano através da pessoa de
Jesus servidor. Nele as famílias dos pobres, os enfermos e os pecadores
experimentam toda a bondade, misericórdia e o amor do Pai, e através desses
encontros de Jesus com as famílias, o Reino de Deus fazia-se presente na
história.
239
Nas ações de Jesus com as famílias, é manifestado o relacionamento
visível de Deus com a humanidade. A exemplo de seu Mestre, a Igreja Primitiva,
através das famílias nela inseridas, aprendeu também a se colocar a serviço
daqueles que estavam em dificuldades. O livro de Lucas, os Atos dos Apóstolos,
apresenta com clareza a relação de família servidora da comunidade antiga, ou seja,
a fé também sem concretizava na partilha e no bem comum. A Igreja doméstica
exerce sua diaconia a serviço dos irmãos.
“Todos os que tinham abraçado a fé reuniam-se e punham tudo em comum:
vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos entre todos, segundo as necessidades
239
DICIONÁRIO TEOLÓGICO. O Deus Cristão. p. 159.
de cada um... partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade
de coração” (At 2,44. 45b).
Se nossas comunidades são acolhedoras elas permitirão que muitas pessoas
que não experimentam a vida comunitária, que é vida familiar, descubram o
verdadeiro sentido de ser Igreja, a grande família de Cristo. A Igreja está a serviço
dos pobres e consequentemente a Igreja doméstica participa desta diaconia.
Participar da construção de uma sociedade justa e solidária constitui um dos
objetivos da ação evangelizadora da Igreja no Brasil” (CNBB: DGAEB), pois, a
pobreza de milhões de famílias é um fator que questiona a tantas consciências
cristãs.
A pobreza levanta a problemática da justiça, pois, nas suas diversas formas
de se apresentar e nos seus diversos efeitos de desigualdade, ela priva muitas
famílias do direito de viver com dignidade. A pobreza impede a realização integral
da pessoa humana, por isso a Igreja reafirma a evangélica opção preferencial pelos
pobres como serviço de toda a comunidade eclesial, de todas as famílias, “porque
todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos.”
240
A diaconia da Igreja
doméstica também é exercida no lar, na comunidade, no mundo do trabalho e na
sociedade, inserida e sendo um sinal de uma Igreja servidora que é sinal de Cristo
servidor.
240
COMPÊDIO DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA 449.
4. Alguns aspectos da Igreja doméstica na Familiaris Consortio
4.1. Conhecer a realidade com discernimento evangélico
Na primeira parte da FC o Papa João Paulo II, faz um alerta para a Igreja
sobre a necessidade de se conhecer a situação da família. É difícil envolver a
família na missão eclesial se não conhecemos suas dificuldades, sua condição
social, cultural e eclesial. É preciso conhecer as propostas que edificam as famílias
e as propostas que as deixam vulnerável, comprometendo sua dignidade e a de seus
membros. Tal conhecimento pode ser adquirido com o auxílio de outras ciências
como a sociologia, a psicologia, dentre outras, como forma de enriquecimento do
conhecimento. É preciso fazer uma análise objetiva da realidade familiar nos
diversos âmbitos de sua vida, isto sem perder de vista o discernimento evangélico.
Tal discernimento não apenas tarefa da transmissão hierárquica, mas, é dom
concedido pelo Espírito a toda a Igreja, ou seja, a todos os fiéis, que também são
testemunhas de Cristo, possuem o sensus fidei para discernir a realidade iluminados
pelo Evangelho. O senso da fé requer da família conscientização a respeito de sua
vocação e de sua missão como Igreja doméstica. Então recorremos a alguns
objetivos apontados pela CNBB
241
, estes nos ajudarão uma reflexão sobre o
amadurecimento do senso da fé com relação a família: Formar equipes “que
tenham claro quais os objetivos e prioridades, cujo enfoque principal, é promover
fortalecer e evangelizar a família:” Ter presente a formação permanente, para que
os sujeitos envolvidos, tenham e transmitam claramente a mensagem evangélica
sobre a família.
241
CNBB. Diretório da Pastoral familiar 461.
A família passa por diversas situações e por isso é necessário conhecimento e
caridade para animar as famílias nas suas diferentes realidades. Outro ponto
fundamental está no investimento da qualidade da formação dos noivos. Hoje, a
formação dos noivos é baseada em conteúdos que abordam superficialmente a vida
em família e os compromissos matrimoniais. É preciso mais ousadia no processo
formativo dos noivos, acreditamos que é possível integrar as cinco dimensões da
formação
242
na preparação dos noivos e da família.
1) Dimensão humano-afetiva:
243
Os noivos devem ser orientados sobre a
maturidade humano-afetiva, pois ela está estreitamente unida a relação
conjugal, familiar, eclesial e social. A formação deve favorecer a
abertura de relacionamento, a doação, a partilha, a flexibilidade e o
respeito as diferenças. É importante esclarecê-los sobre a necessidade
de se cultivar em suas vidas o amor, “a retidão e a bondade de
coração, a misericórdia, a justiça o espírito de serviço e de sacrifício,
a paciência, a amabilidade, e a fidelidade.”
244
A convivência familiar
que alcança tal objetivo proporciona à família um equilíbrio na vida
eclesial e maturidade no relacionamento com os demais. A formação
humano-afetiva para os noivos deve também despertar neles a
consciência de um amor “total, fiel e indissolúvel à imagem do amor
de Cristo pela sua Igreja; e ter a consciência de que a família é a sua
primeira e mais importante comunidade.”
245
242
CNBB. Diretrizes para o diaconado permanente 134-165.
243
Ibid.
244
Ibid.
245
Ibid.
2) Dimensão eclesial comunitária: É também importante formar os
noivos para despertar neles o desejo de ser Igreja doméstica inspirada
no Evangelho e a partir da comunidade familiar leva-los a integrar-se
na comunidade eclesial, porém não poderão ser “absorvidos
totalmente pelas atividades pastorais em prejuízo da família.
246
Na
comunidade eclesial a família descobre carismas e no exercício de sua
missão dá testemunho de Igreja doméstica.
3) Dimensão intelectual: “Ela tem como objetivo alcançar uma
compreensão adequada da realidade humana, interpretando-a, a luz
da fé e da Palavra de Deus,” A dimensão intelectual capacita a
família a enfrentar os desafios a ela apresentados e a conhecer os
caminhos para se vivenciar as quatro exigências da evangelização no
Brasil através do serviço, do diálogo, do anúncio e do testemunho de
comunhão.
4) Dimensão espiritual: A dimensão espiritual prepara o coração
humano a sua opção fundamental na comunhão íntima com a Trindade
Santa. “Desta espiritualidade brota também o amor filial para com
Maria, mãe de Jesus.”
246
CNBB. Diretrizes para o diaconado permanente 134-165.
5) Dimensão pastoral: É importante que a família descubra sua vocação
de ser agente de transformação da sociedade, também consiste no
empenho da família em contribuir para “transformar cada lar numa
evangelizadora e missionária Igreja doméstica.”
247
Acreditamos que as “cinco dimensões da formação” propostas pela
CNBB
248
estão dentro do espírito de discernimento evangélico proposto pela FC,
pois nela o Papa João Paulo II, apresenta a necessidade de se conhecer a realidade
da Igreja doméstica, e através de discernimento evangélico, descobrir os valores
que permeiam a comunidade do lar. As “cinco dimensões da formação” também
ajudarão os noivos e as famílias em formação a buscarem a plena realização como
Igreja doméstica. Nestas dimensões estão contidos alguns elementos indispensáveis
para que as novas famílias recebam a base para crescer como Igreja doméstica.
Para esse discernimento também é importante acolher as diversas realidades
familiar com as suas complexidades. Diante da formação de opinião publica em
torno do aborto se faz necessário promover encontros de conscientização do valor
da vida humana desde a concepção até a morte, fortalecendo também os laços de
família. O desenvolvimento da espiritualidade no lar, a formação permanente da
família e o despertar do seu papel educador e missionário são objetivos que, se
alcançados, podem contribuir para que a Igreja doméstica amadureça o seu senso
de fé, que provem do ensinamento apostólico transmitido pela Igreja, e possa
transmitir de modo eficaz, a fim de que, a verdade revelada atinja o ser humano na
sua integralidade. Assim a Igreja doméstica, sem se apartar da fé eclesial, mas
247
CNBB. Diretório da Pastoral familiar. p. 13.
248
Ibid. Diretrizes para o diaconado permanente 134-162.
olhando a realidade presente e suas diversas contradições,
249
possa transformar a
sociedade motivada pela fé que professa. Por isso é importante que a família
busque manter a sua comunhão. A comunhão de pessoas rompe com o
individualismo e transforma a sociedade.
4.2. A família é uma comunhão de pessoas
A primeira forma de comunhão de pessoas está na família, ela é uma
complexidade de relações interpessoais, onde cada membro da família se relaciona
um com o outro.
“vida conjugal, paternidade-maternidade, filiação, fraternidade – mediante as
quais cada pessoa humana é introduzida na família humana e na família de Deus, que é a
Igreja.... A Igreja encontra assim na família, ...o seu berço e o lugar onde pode atuar a
própria inserção nas gerações humanas, e estas, reciprocamente, na igreja.”
250
A Igreja doméstica está fundada no amor e sendo uma comunidade de
pessoas tem a missão de viver com fidelidade, a comunhão com empenho de vida.
O amor é à base da comunhão familiar, sem ele não haverá vida em comunidade e a
família estará fadada à fragmentação. Nesta perspectiva o matrimônio,
confirmado pelo Senhor, manifesta-se também claramente na igual dignidade
249
ALMEIDA, José de. Lumen Gentium, a transição necessária. p. 232.
250
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 15.
pessoal da mulher e do homem que se deve reconhecer no mutuo e pleno amor,”
251
pois, Deus não criou duas metades como que um completa-se o outro enquanto
pessoa. Pelo contrário, Deus criou a ambos de forma completa (sendo
complementares enquanto masculino e feminino), para fazerem comunhão de
pessoas. O matrimônio deve ser visto como uma comunhão indissolúvel.
252
Um
sinal evidente da família como Igreja doméstica, está na sua vida eclesial, onde
através da participação na missão e na vida da Igreja, a família se coloca a serviço
da edificação do Reino de Deus.
253
4.3. A Igreja doméstica no mistério da Igreja.
A FC apresenta alguns elementos que vinculam a Igreja e a família e a
constitui como uma Igreja doméstica, “fazendo com que esta , a seu modo, seja
imagem viva e representação histórica do próprio ministério da Igreja”(FC 49). A
Igreja como sacramento de salvação em Cristo, através do anúncio da Palavra e a
celebração dos sacramentos, manifesta a família a sua identidade eclesial,
animando-a, no serviço da mesma caridade que Jesus alimenta por toda a
humanidade. Por outro lado, a família está mergulhada no mistério da Igreja e
participa da sua missão. Um dos elementos que caracteriza a vinculação de Igreja e
família é a função eclesial própria e original da família. Enquanto comunidade que
é, ela deve procurar participar da vida e missão da Igreja de modo comunitário, ou
seja, todos os seus membros deverão estar abertos ao serviço da humanidade na
vida familiar, eclesial e social, pois, ela participa do múnus profético, sacerdotal e
251
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 15. 19.
252
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 372.
253
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 49.
real de Cristo, mediante o batismo e do enriquecimento da graça do matrimônio.
254
Outro elemento que faz parte da família e a identifica como Igreja doméstica é a
fé. A fé, é um dom de Deus, é um ato eclesial.
255
Na comunidade eclesial, e com ela, a Igreja doméstica faz sua profissão de
fé ao Deus que é comunidade Santa: Pai, Filho e Espírito Santo. O ministério de
evangelização é outro fator importante na comunidade familiar no reconhecimento
de sua identidade eclesial, “a família, como a Igreja, tem por dever ser um espaço
onde o Evangelho é transmitido e donde o Evangelho irradia.”
256
Por fim,
podemos dizer que, sendo santuário doméstico da Igreja na sua inserção no povo
sacerdotal da Nova Aliança, mediante o batismo e o matrimônio, a família, Igreja
doméstica santifica a si mesma, a comunidade eclesial e o mundo.
257
4.4. Solicitude eclesial nas diversas situações
A FC motiva o empenho generoso, inteligente e prudente da Igreja junto as
famílias que se encontram em situações peculiares, e que muitas vezes se sentem
marginalizadas. Existem varias situações, dentre elas podemos citar os casais que
estão vivendo em segunda união. Não podemos negar que muitos desses casais
possuem uma vivência familiar baseada no amor, no respeito e no perdão mutuo e
sendo até exemplo de vida familiar. Sabemos que os casais que vivem tal situação
estão impedidos pela disciplina eclesial de receber a sagrada comunhão e o
sacramento da penitência. Porém, existe a necessidade de se esclarecer que há um
254
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio. 50.
255
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA 179-180.
256
DOCUMENTOS DE Paulo VI. Evangelii Nutiandi 71.
257
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 55.
impedimento canônico e não uma exclusão eclesial. Eles não podem e não devem
ser ou sentirem-se julgados como separados do amor de Deus, e da vida eclesial.
258
A FC, é bem clara neste ponto quando afirma que esses casais também fazem parte
da Igreja e dela devem participar ativamente, apesar das restrições já mencionadas,
continuando a missão evangelizadora a partir do lar, pois enquanto batizados e
enquanto pessoas humanas são na Igreja iguais em dignidade eclesial e dignidade
humana. O fato de estarem impedidos canonicamente de comungarem e de se
confessar não tira a sua dignidade batismal, humana e eclesial.
259
Mas este não é o
único caso.
Existem também os casais unidos sem o vínculo civil e sacramental e os
unidos apenas por vínculo civil. Eles também fazem parte da família eclesial em
virtude do batismo, porém cabe à comunidade eclesial a tarefa de conscientizá-los
para que livremente assumam os compromissos da vida civil e eclesial, para que
através disto possam ter participação plena na vida eclesial-sacramental. Para
ambos os casos, a caridade e o respeito para com eles são o primeiro passo para
uma inclusão eclesial-humana na comunidade.
260
Há outro caso a ser considerado
em “que a separação deve ser considerada remédio extremo, depois que se tenham
demonstrado vãs todas as tentativas razoáveis(FC 83) e o cônjuge não faz uma
segunda união para que, mesmo separado, possa viver a indissolubilidade
matrimonial. Neste caso, a FC incentiva a sua participação nos sacramentos
(eucaristia e penitência) para fortalecer o seu empenho na vida familiar (com os
filhos se for o caso), eclesial e social, mesmo com a dor da separação, viver a
indissolubilidade matrimonial. Assim algumas pessoas que se encontram nesta
258
PAIVA, Vanildo de. Família e Igreja: reconciliáveis? p. 36.
259
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 84.
260
Ibid. 82.
situação, não poderão ser impedidas de participar da mesa eucarística,
261
a não ser
que haja outros impedimentos, pois não são poucas as pessoas nesta situação que
são impedidas de receberem os sacramentos e este peso discriminatório pesa quase
sempre sobre a mulher. O papa João Paulo II, já percebia a necessidade de se fazer
uma retrospectiva (Carta de João Paulo II às mulheres), onde se resgate o valor e a
grande contribuição da mulher para a Igreja e para a sociedade e para o mundo,
também denuncia a discriminação que afeta todas as classes e categorias de
mulheres, principalmente as mais desprotegidas.
“Ainda hoje, em grande parte de nossa sociedade, permanece muitas formas de
discriminação aviltante que ferem e ofendem gravemente algumas categorias particulares
de mulheres, por exemplo, as esposas que não tem filhos, as viúvas, as separadas, as
divorciadas, as mães solteiras.”
262
A vida eclesial, como já foi citado acima, por vezes, não está isenta de tal
descriminação. O agir discriminatório não vai de encontro com a proposta de Jesus
e com a missionariedade da Igreja,
263
por isso, não é possível estabelecer uma ação
includente sem revisão de vida e conversão, sem abandonar qualquer atitude
excludente. A justiça e a caridade são conciliáveis, para cada caso a Igreja poderá
apontar caminhos de salvação, através da Revelação, da Tradição e do Magistério
da Igreja. A inclusão, só é possível quando o valor humano está acima de tudo. É
preciso estabelecer um diálogo de igualdade, respeitoso entre as famílias, as
261
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Familiaris Consortio 83.
262
Ibid. 24.
263
PAIVA, Vanildo. Família e Igreja: reconciliáveis? p. 34.
lideranças da Igreja e os demais membros da comunidade cristã. Sem laxismo, mas,
a partir da segurança da palavra de Deus, contextualizada à realidade presente. É
importante dizer a verdade na perspectiva do amor, da justiça e do respeito, isto
implica conversão por parte de todos.
264
A partir da perspectiva cristã é possível
dizer que família e Igreja podem estabelecer uma busca rumo a conversão, desde
que haja dialogo, justiça, coragem de conversão e de profetizo, para que os valores
do Reino sejam o norte da vida eclesial e familiar.
265
Por isso, a necessidade de se
resgatar a identidade da Igreja doméstica e os valores inerentes a ela. Também é
preciso atenção especial para com as famílias que passam por diversas situações
que interferem na vida familiar. A solicitude, a caridade e a prudência sã a melhor
proposta.
“A prudência é necessária, mas deverá caminhar de braços dados com a
audácia, a coragem profética de enxergar os entraves que estão no caminho, impedindo
um encontro saudável, sem laxismos e sem rigorismos, sem radicalização de parte
alguma.”
266
Estudamos alguns pontos da Familiaris Consortio, os quais consideramos
essenciais para enriquecer o estudo sobre “A Igreja doméstica a partir da Lumen
Gentium”, as temáticas que escolhemos deste documento podem nos ajudar a
buscar caminhos que resgatem a identidade eclesial da família em vista de uma
eclesiologia de comunhão.
264
PAIVA, Vanildo. Família e Igreja: reconciliáveis? p. 34. 51-57.
265
CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II ÀS MULHERES 4.
266
PAIVA, Vanildo. Família e Igreja: reconciliáveis? p. 51-57.
5. Eclesiologia de comunhão e a família na perspectiva da Christifideles
Laici
A eclesiologia de comunhão está no centro do entendimento eclesiológico do
Concílio Vaticano II,
267
e escolhemos o terceiro capítulo da Exortação Apostólica
Christifideles Laici como base de fundamento deste nosso estudo, também por se
tratar de um documento relacionado aos leigos, os quais é composto pelas diversas
famílias. A Igreja é um mistério de comunhão. Esta comunhão é uma unidade
vinculada entre Cristo e seus discípulos, onde todos os batizados estão ligados a
Cristo “o ramo ligado à videira” (Jo 15,1-4). Desta comunhão da Igreja com Cristo
nasce a comunhão eclesial. Jesus Cristo tem uma profunda e estreita relação com o
Pai e o Pai com Ele., sendo que nesta mútua relação, não existe dominação ou
submissão, mas sim, comunhão na mesma vida, são ralações familiares. Por isso, a
Christifideles Laici reforça a tradição bíblica que fundamenta a eclesiologia da
comunhão.
268
Se analisarmos o texto do evangelista João, veremos que ele busca
fundamentar a comunhão que deve ser vivida pelos membros da Igreja a exemplo
da Família Divina. “A comunhão entre as pessoas divinas é o único caminho a ser
seguido pelos filhos de Deus e irmãos de Jesus.”
269
Também conforme o
evangelista Mateus, a missão de Jesus tem início na Galiléia, e, no conteúdo de sua
pregação, estava o descobrimento da relação de comunhão familiar estabelecida por
Deus para com a humanidade. O evangelista Mateus, no discurso das bem-
aventuranças, destaca a intenção de Jesus em fazer que todos entendam a proposta
267
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JÃO PAULO II. Christifideles Laici 19.
268
Ibid.
269
PIKAZA, Xabier – SILANES, Nereo (orgs). Dicionário teológico O Deus cristão. p. 159.
do Reino, onde a comunhão fraterna é um caminho a ser seguido por seus
discípulos (Mt 5-7).
“O Reino de Deus será constituído por um grupo de pessoas, cujo espírito de
serviço e de comunhão o converterá em um corpo social dotado de todos os valores e de
todas as qualidades de uma família. A Igreja primitiva surgiu como Família do Pai,
mediante a morte e ressurreição de Cristo e pela ação do Espírito.”
270
A Christifideles Laici quando fala sobre eclesiologia de comunhão, apresenta
alguns pontos importantes apontados na Constituição Dogmática Lumen
Gentium,
271
como fundamento de seu conteúdo, estes pontos são importantes para
nortear os caminhos da Igreja doméstica e para o despertar de uma comunhão
eclesial e social.
272
5.1. A Igreja doméstica: família em comunhão
As palavras de São Cipriano, citadas no Concílio Vaticano II na Constituição
Dogmática Lumen Gentium nº. 4 e reforçadas na Christifideles Laici, revela a
comunhão e o mistério de toda a Igreja, pois ela é “povo reunido na unidade do Pai
e do Filho e do Espírito Santo.”
273
Esta afirmação é relevante para que a família
descubra o pleno sentido da comunhão e a força que a impulsiona na vivência
270
PIKAZA, Xabier – SILANES, Nereo (orgs). Dicionário teológico O Deus cristão. p. 161.
271
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática lúmen Gentium 4.
272
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JÃO PAULO II. Christifideles Laici 19.
273
Ibid. 18.
comunitária, sua identidade eclesial e sua missão. A liturgia, a oração em família e
comunitária é a força impulsionante da Igreja doméstica, pois quando as famílias se
reúnem para celebrar ativamente, de forma consciente como membros do Corpo de
Cristo, alimentando e partilhando a Palavra e a Eucaristia, isto as capacita para
testemunhar a “comunhão fraterna e a unidade com o Pai, pelo Filho e no Espírito
Santo.”
274
A liturgia deve animar as famílias no engajamento na comunidade, e no
compromisso com o Reino de Deus, na busca de uma sociedade justa fraterna e
igualitária, onde todas as pessoas possam sentir como membros de uma só
família.
275
A Christifideles Laici apresenta ainda as imagens bíblicas que a Lumen
Gentium nº. 6 e 7 utiliza para apresentar a Igreja como mistério e comunhão, é a
comunhão da Igreja com Cristo e dos cristãos entre si. É de fato uma familiaridade
comum. Quando a Christifideles Laici fala da salvação e santificação numa
dimensão de comunhão (LG 9), nos lembra que a família é a via de salvação da
sociedade, pois sendo a primeira e principal forma de comunidade, ela também é
Igreja doméstica, e, consequentemente, está incorporada na grande família de
Cristo, a Igreja, e nela é sacramento de salvação para a humanidade.
5.2. A Igreja doméstica em comunhão orgânica nos diversos carismas
enfrentando diversos desafios
A comunhão orgânica é a configuração da comunhão eclesial, ou seja, a
comunhão eclesial é como um corpo vivo e ativo onde seus órgãos operam
274
ZAVAREZ, Maria de Lourdes. Romeiros de Trindade a caminho da Trindade. p. 145.
275
Ibid.
diversificadamente, mas todos pertencentes ao mesmo corpo e visam um único fim.
Segundo Bruno Forte, a comunhão eclesial tem sua origem na Trindade e se dá na
unidade e na diversidade dos carismas e ministérios “imagem da comunhão
trinitária.”
276
O próprio Cristo nos revela que a vida divina é sem dúvida uma
comunhão trinitária. Entre o Pai e o Filho e o Espírito Santo há uma perfeita vida
de amor-comunhão, unidade perfeita. Da Trindade provem o amor e a comunhão
que engrandece e dignifica o ser humano. A comunhão eclesial e social deve ser
originária desse amor, deve-se manifestar na da Igreja, como na dimensão
econômica social e política. Como obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo, o
amor é comunicação da comunhão trinitária.
277
A comunhão eclesial é participação
na comunhão da Trindade, é uma comunhão orgânica. A comunhão eclesial é
orgânica, pois há diversidade de vocações e ministérios, carismas e
compromissos.
278
Leonardo Boff apresenta uma definição sobre o que é carisma.
“O carisma é uma manifestação da presença do Espírito nos membros da
comunidade, fazendo com que tudo o que são e fazem seja feito e ordenado em benefício
de todos... Carisma é serviço... Carisma significa o modo concreto como o Espírito e o
Ressuscitado se fazem presente no mundo.”
279
Boff se fundamenta nos escritos de Paulo onde a Igreja é apresentada como
um corpo articulado por seus diversos membros, os quais, animados pelo Espírito
Santo, desempenham sua função conforme o carisma recebido. Todos os membros
276
FORTE, Bruno. A Igreja ícone da Trindade. p. 65.
277
DOCUMENTOS DO CELAM. Puebla 212.215.
278
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II. Christifideles Laici. 20.
279
BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder. p. 319.321.
da comunidade possui um determinado carisma o qual deve ser colocado a serviço
de todos (Rm 12,5) e na construção da comunidade eclesial.
280
Assim, a Igreja
doméstica está ligado ao corpo eclesial e tem uma função a desempenhar. Todos
são sujeitos na vida e na ação da Igreja. Por isso a família não pode isolar-se em si
mesma, mas estar em plena comunhão de vida e fraternidade com todos os
membros da comunidade, os quais fazem com ela, parte do mesmo corpo. A ChL
reforça o intuito do Concílio Vaticano II em apresentar os vários ministérios e
carismas que é oferecido pelo Espírito a todos os batizados, assim a família é co-
responsável na missão da Igreja, pois todos participam do múnus sacerdotal,
profético e real de Cristo. Entretanto, Vitor Cordina argumenta que ainda existe um
abismo de desigualdade eclesial.
281
E para que cada membro da comunidade e cada
família possa expressar seu carisma, é necessário superar este abismo eclesial
conseqüente do abismo social.
Entretanto quando se está presente as desigualdades sociais a comunhão
trinitária se faz uma denúncia a toda forma de injustiça com exigências de
transformações sociais.
282
Por isso, baseado nas estatísticas e pesquisas (que foram
por nós atualizadas e contextualizadas a partir de dados oficiais)
283
Cardina afirma
que a desigualdade econômica e social também é refletida no âmbito religioso e
eclesial.
284
De acordo com as recentes estatística, 26,40% (mais de um quarto) das
famílias brasileiras estão abaixo da linha da pobreza, perdendo para o Paraguai com
41,40%. A Argentina apresentou 16,30%, Chile 17% e Uruguai 5,60%. Conforme
relatório da ONU de 03 de dezembro de 2002 as diferenças de renda e o acesso aos
280
BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder. p. 317.
281
CORDINA, Victor. O Credo dos Pobres. p. 51.
282
BOFF, Leonardo. A Trindade e a sociedade. P. 25.
283
Esses dados foram extraídos das estáticas apresentadas pelo IBGE conforme anexo.
284
CORDINA, Victor. O Credo dos Pobres. p. 51.
vários recursos entre ricos e pobres per capita era de 30 para 01, em 1960, porém
essa diferença subiu para 78 para 01 em 1994. No Brasil, cerca de 49 milhões de
pessoas sobrevivem com apenas meio salário mínimo per capita e se contarmos às
pessoas que não possuem nenhuma renda este número pode chegar a 54 milhões de
pessoas que vivem na pobreza. O relatório da ONU salienta que nos países que
investem na saúde, na cobertura e na qualidade da educação, bem como na
promoção de igualdade entre os sexos, o índice de pobreza girava em torno de
18,90% (01 para 05 pessoas). A educação, segundo este mesmo relatório, é
importante para diminuir as diferenças. Nas famílias mais pobres do Brasil apenas
metade de 92% dos jovens entre 15 e 19 anos conseguem completar a 5ª série do
ensino fundamental. No Brasil, o preconceito racial é outro fator de desigualdade
social e econômica, pois, das famílias que possuem renda até meio salário mínimo
per capita 77,10% se declararam negras (ou afros descendentes) enquanto apenas
34,80% se declararam brancas. Nas famílias em que as mulheres são responsáveis
pelo sustento (com renda até meio salário mínimo per capita) 64% são negras. “De
acordo com o relatório, é preciso sempre avaliar qualquer iniciativa dos governos
sobre duas questões básicas: se irão prejudicar os pobres e se discriminará as
mulheres.” (IBGE).
285
Victor Cordina lembra que entre os pobres e simples existem muitos
analfabetos principalmente entre as mulheres e famílias do campo e os
alfabetizados não possuem condições financeiras para dispor de livros e material
didático, também não têm acesso aos documentos do Magistério ou livros
teológicos, ou de cunho moral ou social, nem mesmo os documentos do Concílio
Vaticano II lhes são conhecidos. Os retiros espirituais com duração de até cinco
285
Relatório da ONU sobre a situação da população mundial e IBGE mostra quadro da população brasileira.
dias não estão ao alcance das famílias pobres, o custo é alto para elas, e o tempo é
indisponível.
286
Muitas famílias não descobriram ainda, que mesmo no banco de
uma igreja, durante a missa, ela é chamada a participação plena, consciente e ativa
na liturgia.
287
Porém, nem tudo está perdido, pois, existe um esforço da Igreja em
defesa da família, em especial as mais pobres e excluídas, para que as
desigualdades sejam superadas. Os vários documentos da Igreja nos ajudam a
entender que elas necessitam de vida digna e alimento material, como também
alimento para a fé e para a razão, para assim sustentar as suas esperanças e
poderem sentir que fazem parte da Igreja que é toda ministerial, ou seja, todos os
seus membros são chamados ao serviço, de acordo com os vários carismas e
ministérios que a Igreja possui. O Concílio Vaticano II, resgata a eclesiologia do
Povo de Deus, onde todos os batizados e batizadas estão associados a Cristo em
igual dignidade e são chamados a comunhão.
288
A comunhão eclesial é um dom do Espírito Santo que se concretiza na
participação na missão da Igreja. A família é chamada a participar desta comunhão
e desta missão, pois em virtude de sua dignidade batismal participam do múnus
sacerdotal de Cristo. Como Igreja doméstica, a família é portadora e transmissora
da mensagem do evangelho de Jesus Cristo em seu lar, na sociedade e no mundo,
pois, esta é sua missão própria e intransferível. Isoladamente a família não poderá
desempenhar sua missão,
289
por isso a necessidade de estar em comunhão eclesial
em vista do bem comum de seus membros, da comunidade dos fiéis e da sociedade.
286
CORDINA, Victor. O credo dos pobres. p. 51-52.
287
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium 14.
288
Ibid. Constituição Dogmática Lumen Gentium 13.
289
CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da igreja no Brasil 2003-2006. 23.
A conferência de Puebla estabelece a comunhão e a participação como sendo
pontos básicos do processo evangelizador e libertador.
290
Partindo da afirmação de que Deus é comunhão, não podemos perder de vista
que esta comunhão divina está na Trindade de pessoas a qual Deus é. Cada Pessoa
divina não está para si mesma. São Pessoas eternamente em relação. “São três
pessoas e uma só comunhão e uma só comunidade trinitária”
291
Na comunidade
eclesial, cada membro e cada família são chamados a transformar as relações de
egoísmo em ralação de fraternidade e partilha, por isso se torna importante superar
as desigualdades no âmbito eclesial e social. A comunhão trinitária que é
eternamente a unidade das três Pessoas divinas é imagem da comunidade eclesial, a
qual é formada por diversos membros, a serviço de todos, que formam uma só
comunidade eclesial. As três Pessoas da Trindade formam uma família a qual é
imagem para a Igreja doméstica.
292
Ela é modelo primordial para nós e lembra-nos
que o serviço é um mistério comum a todos no seio da Igreja, porém, exercido de
modo diversificado de acordo com o estado de vida de cada membro da família
eclesial. A Trindade é o fundamento de construção da comunidade e da família.
A Igreja é o sacramento do Reino de Deus presente na história, cada família
que dela faz parte, com o dom que Deus lhe concedeu, tem uma vocação
ministerial singular a toda a Igreja, e cada membro desempenham seu ministério
para a edificação da Igreja. Maria de Nazaré, mãe de Jesus, o Filho de Deus,
souberam exercer o serviço a Deus e aos seus, na anunciação (se apresenta como
serva do Senhor), na visita a Izabel, nas Bodas de Caná, no Calvário e na pós-
290
DOCUMENTOS DO CELEAM. Puebla 326.
291
BOFF, Leonardo. A Trindade e a sociedade. 170.
292
Ibid. p. 137-137.
ressurreição; por isso e por muito mais, Maria é para nós, modelo de uma Igreja
que ministerial a serviço da salvação integral de toda a humanidade.
6. A figura de Maria na vida da Igreja e na vida da família
Achei por bem não encerrar este estudo sem fazer uma justa reflexão, mesmo
que breve, sobre a importância de Maria na vida da família e na vida da Igreja, até
mesmo porque, quando a Constituição Dogmática Lumen Gentium apresenta a
doutrina eclesiológica do Concílio Vaticano II, não deixa de associar a figura de
Maria a própria Igreja. Pôr que não associa-la à família? Entretanto vamos
delimitar esta reflexão à luz da V Conferência do Episcopado Latino Americano e
do Caribe no Documento de Aparecida.
6.1. Maria como modelo de Igreja e como modelo de família à luz do
Documento de Aparecida
A identidade eclesial da família está em primeiro lugar em se deixar
evangelizar pelo próprio Jesus Cristo, Maria foi a primeira discípula do Mestre e
cuidava de guardar a Palavra e as ações de Jesus em seu coração (Lc 2,19; 2,51).
Ao ouvir a Palavra de Deus através do anjo se torna mãe (Lc 1,35), constituindo
com José a primeira família humana de Jesus, esse laço familiar será estendido por
Jesus aos seus seguidores; Maria se fez servidora da Palavra que se encarnou em
seu ventre (“Eis aqui a serva do Senhor faça-se em mim segundo a tua palavra.”
Lc 1,38), servidora dos necessitados (Lc 1,39; Jo 2, 3) e profetiza, pois em seu
canto Maria reconhece a ação libertadora de Deus em favor dos pobres como narra
Lc 2, 46-55.
O evangelista Lucas ao atribuir o Magnificat (Lc 1,46-55) a Maria, pois viu
nesta mulher de fé a imagem perfeita do seguimento de Jesus. Ao fazermos uma
reflexão sobre o canto de Maria, numa perspectiva etico-teológica, veremos que um
sistema que é estabelecido pela ordem econômica e que faz do lucro a sua meta
principal, é totalmente contrário ao projeto de Deus revelado por Jesus. O
Magnificat é para nós um canto que exalta a ação libertadora de Deus que nos
impulsiona para uma relação social igualitária, onde todos os homens e todas as
mulheres estejam acima de qualquer ordem econômica de uma sociedade. Qualquer
sociedade que não é fundamentada na justiça está caminhando para a sua própria
ruína (“derruba os poderosos de seus tronos”). As famílias pobres e aquelas que
acreditam na justiça encontram esperança no Deus que “sacia os famintos.” O
canto de Maria é uma pedagogia do evangelho. Ela é “perfeita discípula e
pedagoga da evangelização, que ela nos ensine a ser filhos em seu Filho e a fazer o
que Ele nos disser.”
293
Como Maria somos também discípulos de Jesus e
“reconhecemos que Ele é o maior evangelizador enviado por Deus”
294
e a seu
exemplo somos, como Igreja, anunciadores da Boa Notícia de Jesus, o Evangelho
da vida, da dignidade humana e da família.
295
O Documento de Aparecida apresenta a imagem de Maria em conformidade
ao projeto da Trindade em Cristo, pois ela nos lembra que este projeto se realiza
plenamente quando aderimos totalmente ao amor trinitário.
296
Cristo nos revelou o
293
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA DE JÃO PAULO II. Christifideles Laici 19.
294
Ibid. 103.
295
Ibid.
296
Ibid. 141.
amor trinitário anunciando e fazendo-se salvação da humanidade. A Igreja participa
da missão de Cristo, missão esta que Ele recebeu do Pai de fazer acontecer à obra
redentora deste amor da Trindade, como Filho do Pai de misericórdia, pela força do
Espírito de amor. A Igreja deve animar as famílias a viverem os mesmos
sentimentos do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
297
a exemplo de Maria, pois, nada
substitui a família para a serenidade da pessoa humana, para a educação dos
filhos
298
e para vivenciar o amor do Deus que é Família na Trindade. Assim, Maria
é para a Igreja a para a família modelo de conformidade ao projeto da Trindade a
qual, é por excelência, o verdadeiro modelo de família. A figura de Maria não
somente resgata a dignidade e a identidade eclesial da familia, mas também resgata
o valor, a dignidade e a identidade eclesial da mulher.
6.1.1. Maria como modelo de identidade e dignidade da mulher na família, na
Igreja e na sociedade
Uma das riquezas do Documento de Aparecida é que ele destaca a
importância de Maria para a vida da Igreja, e, ao mesmo tempo, resgata a
importância da mulher e a sua dignidade. O documento toma como um dos
fundamentos desta temática a antropologia cristã, a qual destaca a igual dignidade
entre mulher e homem, pois ambos foram criados à imagem e semelhança do
Criador. Na perspectiva trinitária, todos nós, mulheres e homens, somos chamados
à unidade na diversidade ou como o próprio documento diz: “O mistério da
Trindade nos convida a viver uma comunidade de iguais na diferença.”
299
Como
297
PIKAZA, Xabier – SILANES. Dicionário teológico o Deus Cristão. p. 437.
298
DOCUMENTO DE APARECIDA 114.
299
Ibid. 451.
participante do mistério da encarnação, Maria é a mulher que tem a primazia na
comunidade dos seguidores de Jesus Cristo e sua comunhão com Jesus lhe deu
coragem para estar de pé ao lado da cruz que estava pregado o Filho que gerou
para lhe oferecer os últimos gestos de amor e de ternura, pois ela soube ser forte. A
imagem de Maria é essencial na no resgate da identidade eclesial e social da
mulher. Podemos concluir dizendo que Maria é modelo de Igreja, modelo de
família e modelo para toda a humanidade.
Conclusão
Nas duas últimas décadas do século XX a este início de década do século XXI,
ocorreram várias e significativas mudanças sócio-econômico-político-cultural que
influenciou e mudou a rotina, os costumes, a vida, a fé e até mesmo o modelo de
família. Tais mudanças também afetaram o sentido e a vida eclesial da família.
Hoje, há uma explosão da busca pelo sagrado por parte de diversas famílias como
resposta às dificuldades do tempo presente. A Igreja e a teologia, não podem e não
desconsideram tais transformações e se preocupa em resgatar, a luz da proposta de
Jesus Cristo, a identidade da família na Igreja e no mundo. Com o tema “A Igreja
doméstica a partir da Lumen Gentium” queremos trazer a tona o valor que a família
possui e salvaguardar a sua dignidade, pois ela constitui um grande valor para a
humanidade (FC 1) e para a Igreja. Este estudo foi elaborado dentro de uma
perspectiva dogmático-eclesiológica. Por isso, resgatar a identidade eclesial da
família é também reconhecer a sua dignidade humana que é sagrada e inalienável.
Ao estudarmos a família no campo teolóco-eclesial desejamos buscar fundamentos
que confirmem o projeto de Deus em relação à família. Com o Concílio Vaticano II
abriu-se um novo horizonte, iluminado pela Lumen Gentium, para uma reflexão
sobre a dimensão comunitário-eclesial da família. É na LG 11 que encontramos a
fonte de nossa pesquisa: “Igreja doméstica”. Esta está inserida na grande família
de Cristo, que é a Igreja, de onde surge a sua identidade eclesial e em nome desta
mesma Igreja é chamada a transformar o mundo. Na ação eclesial a família busca
ampla comunhão comunitária: “A família é uma comunhão de pessoas, vestígio e
imagem do Pai, do Filho e do Espírito Santo. É uma comunidade de fé, de
esperança e de caridade; na Igreja ela tem uma importância singular (CIC 2205-
22206), pois através dela, iremos caminhar com os olhos abertos, com o intuito de
sermos cada vez mais imagem da Trindade.
O tema apresentado tentou resgatar aquilo que já reconhecido nos documentos
do Magistério da Igreja: a identidade eclesial da família, ou seja, a família como
“Igreja doméstica.” O objetivo principal foi apresentar a família como “vida da
própria Igreja”, onde sejam levados em consideração os aspectos eclesiológicos
desta pequena comunidade eclesial. O Concílio Vaticano II através da Constituição
Dogmática Lumen Gentium considerou tal dignidade em relação a família. É
preciso recobrar o ânimo de nossas famílias, pois é importante apresentar a família
como seguidora de Jesus Cristo e protagonista de seu Reino. A ação e a missão da
Igreja são também da família. A Igreja é participante da vida e comunhão do Deus
Uno e Trino revelado por Jesus, também a Igreja doméstica da comunhão eclesial e
consequentemente da comunhão trinitária. A família é o sinal da união misteriosa
entre Cristo e a sua Igreja.
Fundamentação teórica e bibliográfica
Fonte bíblica
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Outros Documentos do Magistério
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CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II ÁS CRIANÇAS NO ANO DA FAMÍLIA.
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CONSELHO PONTIFÍCIO PARA OS LEIGOS. A dignidade do ancião e a sua
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27/01/2008.
Anexos
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Síntese de Indicadores Sociais
Em 2030, cerca de 40% da população brasileira deverá ter entre 30 e 60 anos
O estudo tem capítulos específicos sobre Educação, Saúde, Domicílios,
Trabalho e Rendimento, Cor, Mulheres, Idosos e, ainda, Crianças, adolescentes e
jovens. Os dados são, principalmente, da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios de 2002 e do Censo 2000. Daqui a 26 anos o Brasil deverá ter 237,7
milhões de habitantes e 40% da população estará no grupo de idade entre 30 e 60
anos. A Síntese de Indicadores Sociais, lançada agora pelo IBGE, registra ainda
que, em 2002, havia 95,2 homens para cada 100 mulheres, no Brasil, e que, na
região metropolitana do Rio de Janeiro, encontrou-se a média mais baixa: 87
homens para cada 100 mulheres.
Entre 1980 e 2000, no Brasil, foram vítimas de homicídios 598.367 pessoas;
dois terços delas (369.101) na década de 1990. Naqueles mesmos 20 anos, o Brasil
registrou mais de 2 milhões de mortes por causas externas e 82% delas foram de
homens. Enquanto nos anos 80 os acidentes de trânsito eram a principal causa
externa dos óbitos masculinos, na década de 90, os homicídios assumiram a
liderança. Entre 1980 e 2000, a taxa de mortalidade por homicídios para ambos os
sexos no Brasil aumentou 130% (de 11,7 para 27 por 100 mil habitantes). As taxas
mais altas, também por 100 mil habitantes, eram de PE (54), RJ (51), ES (46) e SP
(42). De 1980 a 2000, as taxas masculinas de mortalidade por homicídios saltaram
de 21,2 para 49,7.
Entre 1991 e 2000, no Brasil, aumentaram em 95% as taxas de mortalidade
por homicídios com uso de armas de fogo, entre homens de 15 a 24 anos. Em 2000,
as maiores taxas eram de RJ(182), PE (180), ES (122), SP (115) e DF (113). Em
números absolutos, em 1991, foram vítimas de homicídio 5.220 homens nessa faixa
de idade, com uso de armas de fogo, e outros 12.233 foram mortos da mesma
forma, em 2000. Cerca de 20% das crianças nascidas em 2002 eram de mães de 15
a 19 anos de idade. Quando as mães têm menos de 3 anos de estudo, a taxa de
mortalidade entre menores de 5 anos é de quase 50 por mil; entre as mães com mais
de 8 anos de estudo, a mesma taxa cai para 20 por mil. Em 2002, havia 14,6
milhões analfabetos no Brasil (11,8 % da população de 15 anos ou mais de idade,
contra 17,2% em 1992). O País tinha 32,1 milhões de analfabetos funcionais, e
65,7% dos estudantes com 14 anos de idade estavam defasados.
Entre a população ocupada com até quatro anos de estudo, as mulheres
recebiam, em média, R$ 0,40 a menos que os homens por uma hora de trabalho.
Entre os ocupados com mais de 12 anos de estudo, elas recebiam, em média,
R$5,40 a menos que eles. Em 2002, a taxa média de desocupação foi de 9,2% e era
maior para quem tinha mais anos de estudo: 5,6% entre os com até três anos de
estudo e de 10,6% para os com oito ou mais. Pela primeira vez, a Síntese de
Indicadores Sociais apresenta as Metas do Milênio, definidas pela ONU em 200o e
adotada por 189 países, inclusive o Brasil. O acordo estabelece a implementação de
melhorias sociais, até 2015. O IBGE participa do grupo interministerial coordenado
pela Casa Civil da Presidência da República que, em setembro deve levar à ONU
um relatório sobre o monitoramento das metas no Brasil. As informações da
Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE foram extraídas da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios 2002, do Censo 2000, das Estatísticas de Saúde -
Assistência Médico-Sanitária 2002, e do DATASUS do Ministério da Saúde. A
seguir, um resumo de seus capítulos.
Taxa de homicídios mais que dobra em 20 anos
Dados dos censos e do Datasus comprovam o aumento da violência no país. Entre
1980 e 2000, a taxa de mortalidade por homicídio cresceu 130%, passando de 11,7
por cada 100 mil habitantes para 27 por 100 mil. As maiores taxas estão nos
estados de PE (54), RJ (51), ES (46) e SP (42). Considerando-se apenas os homens,
a taxa de homicídios cresceu 134%, no mesmo período: enquanto, em 1980, 21,2 a
cada 100 mil homens morriam assassinados, em 2000 a proporção cresceu para
49,7 por 100 mil.
Os homens jovens, de 15 a 24 anos, são os mais afetados: em 2000, 95,6 a
cada 100 mil homens dessa faixa de idade morreram ,vítimas de homicídio, sendo
71,7 em cada 100 mil (ou seja, 75%) mortos com armas de fogo. Em relação a
1991, cresceu 46% a taxa de homicídios de homens jovens (era de 65,5 a cada 100
mil) e aumentou 95% a taxa dos realizados com armas de fogo (era de 36,8 por 100
mil, ou 56,2% do total). Rio de Janeiro e Pernambuco são os estados onde a
violência contra o homem jovem é maior. No Rio de Janeiro, em 2000, havia 205
homicídios por 100 mil homens de 15 a 24 anos, sendo que as mortes por armas de
fogo representavam 89% deste total. De 1991 para 2000, as mortes de homens
jovens por armas de fogo cresceram 45% no estado, passando de 124,5 por 100 mil
para 181,6 a cada 100 mil. Em Pernambuco, em 2000, por sua vez, havia 198
homicídios para cada 100 mil homens jovens, 91% deles com armas de fogo. De
1991 para 2000, o crescimento das mortes de homens jovens por armas de fogo foi
de 121%, passando a taxa de 80,9 por 100 mil para 179,5 por 100 mil.
Mortes não naturais vitimaram 2 milhões desde 1980
O total de causas externas (que, além de homicídios, inclui também
acidentes, suicídios e outras causas não naturais) provocou no país cerca de 2
milhões de mortes de 1980 a 2000 — o equivalente à população de Brasília. Em
82,2% dos casos (1,7 milhões), as vítimas foram homens. Em 2000, as causas
externas foram a segunda maior causa de morte no país (14,5% do total de mortes),
junto com as neoplasias malignas (14,9%).
Na distribuição dos tipos de causas externas, os homicídios vêm aumentando
sua participação, enquanto a dos acidentes de trânsito vem caindo. Entre 1991 e
2000, a proporção de mortes por acidentes de transporte, no total de causas
externas, caiu 10,4%, passando a 25% do total, enquanto a de homicídios cresceu
27,2% e chegou a 38,3% do total.
Nos óbitos masculinos, a participação das mortes por causas externas
aumentou de 13% para 18% do total, entre 1980 e 2000. Já entre as mulheres, a
proporção caiu ligeiramente entre 1990 e 2000, de 5,26% para 4,78%. A faixa de
15 a 39 anos representa 59% das pessoas que morrem por esse tipo de causa, sendo
27% apenas o grupo de 15 a 24 anos. Nesta faixa mais jovem, 78,5% das mortes
ocorrem por causas externas. A violência coloca em questão a capacidade de os
estabelecimentos de saúde oferecerem atendimento de emergência gratuito às
vítimas de agressão. A Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária do IBGE, de
2002, observou que a oferta de camas UTI disponíveis ao SUS é mais precária no
Norte (4,7 camas por 100 mil habitantes) e no Nordeste (5,8). No Sul, é de 13 por
100 mil, no Centro-Oeste é de 10,6 e no Sudeste, de 10,5.
Pertencem à esfera privada 65,7% dos estabelecimentos capazes de prestar
atendimento 24 horas a vítimas de violência (com serviço de emergência em
cirurgia e/ou traumato-ortopedia). O Sudeste concentra 39% dos estabelecimentos
deste tipo, enquanto sua população representa 43% da do país.
Defasagem escolar atinge 84,1% das crianças de 14 anos no Nordeste
A defasagem entre idade e série escolar cresce com a idade: vai dos 14,4%
para as crianças de sete anos , até os 65,7% para as de 14 anos (Gráfico 3.8, pg
100). No Nordeste, 84,1% das crianças de 14 anos estão defasadas, contra 51,8%
do Sudeste. O gráfico 3.9 traz a defasagem por regiões metropolitanas. A média de
anos de estudo, por idades, da população brasileira também expressa a defasagem:
é de 0,9 para as crianças de 8 anos (deveria ser mais de um) e de 7,2 anos para os
jovens de 17 anos, quando deveria ser de 11 anos (gráfico 3.11). Chega as 8,2 anos
para os jovens entre 20 e 24 anos, e cai para 6,1 na população de 25 anos ou mais.
Nesta última faixa, por quintos de rendimento médio familiar per capita, ela varia
dos 3,4 anos aos 10,3 anos. O gráfico 3.12 (pg 102) mostra que a distância da
média de anos de estudo entre esses quintos de rendimento permanece grande nas
regiões.
As taxas de escolarização estão acima de 94% entre os cinco quintos de
rendimento familiar per capita, para pessoas entre 7 e 14 anos, demonstrando a
universalização do ensino fundamental no Brasil (gráfico 3.6, pg 99). Mas a relação
entre rendimento e escolaridade continua preponderante: entre os mesmos cinco
quintos, a taxa oscila de 26,8% a 52,4% para crianças de 0 a seis anos, de 73,0% a
93,3% para adolescentes entre 15 e 17 anos, e de 26,9% a 51,1% para jovens entre
18 e 24 anos. Os estudantes de famílias pobres dificilmente chegam ao ensino
superior (gráfico 3.13, pg 103): na rede pública, apenas 2,3% dos estudantes
provinham de famílias do primeiro quinto de rendimento médio per capita,
enquanto 59,2% provinham do último quinto. Na rede privada, nas mesmas faixas
de renda, as participações eram de 1,2% contra 74,0%. Já a rede pública de ensino
médio atende de forma bem menos desigual a todos os quintos de rendimento
familiar, enquanto 61,1% dos estudantes de ensino médio da rede privada
pertencem ao último quinto.
Continua em queda a taxa de analfabetismo entre a população de 15 anos ou
mais: de 17,2% em 1992 para 11,8% em 2002. No mesmo período, na zona rural, a
taxa caiu de 35,8% para 27,7% e na urbana, de 12,4% para 9,1%.
Educação da mãe salva vida de crianças
Filhos de mulheres com até 3 anos de estudo têm 2,5 vezes mais risco de
morrer antes dos 5 anos que os de mulheres com 8 anos ou mais de estudo. A taxa
de mortalidade para as crianças do primeiro grupo é de 49,3 por mil nascidos vivos,
enquanto para as do segundo grupo é de 20 por mil. Atribui-se essa diferença a uma
maior percepção da mãe escolarizada quanto aos cuidados com a higiene e a saúde
dos filhos. No Nordeste, a mortalidade de filhos de mulheres com baixa instrução
— que representam 39,6% das mulheres em idade fértil — chega a 70,3 óbitos de
menores de 5 anos por mil nascidos vivos. Os dados são baseados no Censo 2000.
No entanto, a educação da mãe não é o único fator a influenciar na saúde das
crianças, já que existe uma diferença mesmo entre as mães de alta escolaridade, de
acordo com a região em que residam. Por exemplo, filhos de mães com mais de 8
anos de estudo têm taxa de mortalidade de 28 por mil se vivem no Nordeste, e de
16,4 por mil se vivem no Sul. Além disso, foi observada uma maior desigualdade
entre os estratos de mais alta e mais baixa instrução no Nordeste do que em outras
regiões. No Nordeste o risco de perder os filhos antes dos 5 anos é 2,5 vezes maior
para mulheres com baixa instrução, enquanto no Sudeste o risco para o grupo de
baixa instrução — 13,5% das mulheres em idade fértil — é 2 vezes maior.
No Brasil, em 16,5% das famílias com crianças há, pelo menos, uma que
trabalha
A PNAD de 2002 constatou que havia, no país, 5,4 milhões de crianças e
adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando, ou 12,6% dos 43,3 milhões de pessoas
nessa faixa de idade. Dos ocupados, 280.228 (5,2%) tinham de 5 a 9 anos,
2.708.066 (49,8%) tinham de 10 a 15 anos e 2.450.261 (45,1%), 16 ou 17 anos.
Cerca de 42% vivem no Nordeste. No Brasil, em 16,5% das famílias com membros
de 5 a 17 anos há pelo menos uma criança ou adolescente que trabalha. Entre as
Grandes Regiões, o maior percentual está no Nordeste (21,6%) e o menor, no
Sudeste (12,1%). Entre os estados, as maiores proporções estão no Piauí (27,2%),
no Tocantins (25,3%) e no Maranhão (24,6%), e as menores, no Distrito Federal
(5,3%) e no Rio de Janeiro (7,0%).
A condição de pobreza é um aspecto que atinge a maior parte das crianças de
5 a 17 anos de idade ocupadas no país: 23,2% delas pertencem a famílias do estrato
de mais baixa renda (com rendimento familiar mensal de até ¼ de salário mínimo
por pessoa) e 8,4%, ao estrato de maior renda (mais de 2 salários mínimos por
pessoa). Já entre as crianças não ocupadas, 17,6% estão na faixa de menor renda e
12,6%, na de maior renda. No Nordeste, 40,1% das crianças ocupadas pertencem
ao estrato de mais baixa renda e 1,6% ao de mais alta.
As crianças que trabalham são responsáveis, em média, por 15,5% do
rendimento familiar
No Brasil, 52,2% das crianças de 5 a 17 anos que trabalham vivem em
famílias cuja pessoa de referência é um analfabeto funcional, ou seja, com até 3
anos de estudo. No Nordeste este percentual chega a 75,7% e no Sul, 31%. Em
média, o rendimento das crianças de 10 a 17 anos que trabalham representa 15,5%
do rendimento familiar, mas essa média pode chegar a até 41,2%, como na área
rural da Região Metropolitana de Recife.
Quando se distribuem as crianças de 10 a 17 que trabalham por faixas de
contribuição do seu rendimento no rendimento familiar, observa-se que 49,5%
delas contribuem com mais de 10% a 30% do rendimento familiar, e 4,5% delas,
com quase a totalidade (90%) do ganho mensal da família. Em Roraima, 21,4% das
crianças ocupadas contribuem com 90% da renda familiar; no Amazonas são
15,4% e no Distrito Federal, 11,6%. A maior parte das crianças ocupadas com entre
10 a 17 anos trabalha em loja, oficina ou fábrica (35,2%) ou em fazenda, sítio ou
granja (34,5%), mas 5,1% (cerca de 263 mil crianças ) trabalham em via pública.
Esses percentuais são bem mais altos nas regiões metropolitanas de Salvador
(22,9% ou 13,6 mil crianças trabalhando nas ruas), Recife (22% ou 11,2 mil),
Belém (17,1% ou 5,6 mil) e Rio de Janeiro (11,7% ou 10,5 mil). No grupo de 10 a
17 anos, 22,8% começaram a trabalhar com menos de 9 anos de idade. No
Nordeste, o início precoce é de 33,1%, enquanto no Sudeste é de 11,2%. A Paraíba
tem o maior percentual (48,4%).
O trabalho atrapalha o desempenho escolar das crianças. Na idade escolar (dos 7
aos 17 anos, idade esperada para a freqüência ao ensino fundamental e médio),
68,6% das crianças que trabalham estão atrasadas, enquanto, entre as que não
trabalham, o atraso afeta 45,8%. A freqüência à escola é maior para as crianças de
5 a 17 que não trabalham (91,7%) do que para as que trabalham (80,5%). Quanto
aos jovens de 15 a 24 anos, observa-se que metade deles já está ocupando postos no
mercado de trabalho. Destes, 69% trabalham 40 horas ou mais por semana, 37,3%
ganham até 1 salário mínimo e 15,9% não têm rendimento. O percentual de jovens
que apenas estudam vai caindo com a idade: é de 59,1% para a faixa de 15 a 17, cai
para 29,1% na faixa de 18 e 19 e passa para apenas 11,6% no grupo de 20 a 24
anos.
De 1991 para 2002, cai o número de casamentos no Brasil
Com informações obtidas nos cartórios do Registro Civil e nas Varas de
Famílias, em 2002, o capítulo sobre casamentos, separações e divórcios trata dos
arranjos conjugais, com dados sobre o número de uniões legais, e das dissoluções
desses casamentos, que englobam as separações judiciais e os divórcios
1
. A
comparação da última década com os dados de 2002, mostrou queda de 4% no
número de casamentos realizados. Em números absolutos, foram 715.166
casamentos realizados em 2002, contra 743.416 em 1991. Na comparação com
2001, o aumento no número de uniões legais foi de 1%. No entanto, essa queda no
número de casamentos ao longo dos anos não foi ordenada: o menor número de
uniões legais (697 mil) foi registrado em 1998, e o maior (786 mil), em 1999. O
aumento de quase 90 mil casamentos observado de um ano para outro - a maioria
com o objetivo de legalizar as uniões consensuais já existentes -, foi influenciado
pela realização de casamentos coletivos ocorridos em vários estados brasileiros,
numa parceria entre as prefeituras locais e a Igreja Católica. Em 2002, essa
iniciativa repetiu-se, mas de uma forma menos intensa à observada em 1999. De
2001 para 2002, a taxa de nupcialidade legal, que expressa o número de casamentos
realizados em determinado ano por 1.000 habitantes, manteve-se estável (4,1%) no
Brasil. Entre os estados, o Espírito Santo apresentou a maior taxa (5,6%) e o
Maranhão, a menor (2,2). (Tabela 7.1 e Gráfico 7.1)
Homens se casam, em média, com 30,3 anos e mulheres, com 26,7
Quanto à idade dos cônjuges ao casar, em 2002, as mulheres tinham, em
média, 26,7 anos e os homens, 30,3 anos. Em 1991, tanto as mulheres quanto os
homens casavam mais cedo (23,7 e 27 anos, respectivamente). Em relação aos
estados, as maiores médias de anos na data de casamento eram do Acre, no caso
dos homens (34,2 anos) e do Amapá, em se tratando das mulheres (29,3 anos). Já as
menores médias de ano ao casar, tanto dos homens (28,7 anos) quanto das mulheres
(25,0 anos), foram do Piauí.
De 1991 a 2002, cresce o número de separações e divórcios
Em relação às dissoluções de casamento, entre 1991 e 2002, houve aumento
de 23.470 (30,7%) no número de separações e de 45.375 (55,9%) no de divórcios.
Este resultado é reflexo, em parte, do ingresso da mulher no mercado de trabalho,
garantindo maior independência do cônjuge masculino.
Em 2002, idade média dos homens na separação é de 37,7 anos e das mulheres,
35
No conjunto das unidades da federação, as maiores taxas de separação
judicial
2
foram de São Paulo e Santa Catarina (ambas com 1,1, para cada mil
habitantes) e a menor, do Amazonas (inferior a 0,1, para cada grupo de 1000
pessoas). A pesquisa revelou ainda que, no Brasil, a idade média dos cônjuges na
época da separação foi de 37,7 anos para os homens e 35, para as mulheres. Entre
os estados, o Rio Grande do Sul (39 anos entre os homens, e 36,4, entre as
mulheres) se destacou com a média mais alta e as menores, foram da Paraíba, no
caso dos homens (35,8 anos) e do Amazonas, em se tratando das mulheres (32,8
anos). (Tabela 7.4 e Gráfico 7.4)
No Brasil, casamentos duram, em média, 10,5 anos; no Acre, apenas 9 anos
Os dados de 2002 mostraram que, no Brasil, a duração média dos casamentos
até a data da separação judicial é de 10,5 anos. No Acre, a duração é ainda menor
(9 anos). Já em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, a média é de 11,6 anos,
superior à nacional. (Tabela 7.7 e Gráfico 7.5)
Em cada 10.000 pessoas, 7 se divorciam
Em relação aos divórcios, no Brasil, a taxa média era de 0,7 para cada 1000
habitantes, em 2002. Com exceção do Mato Grosso (0,7), as médias nas unidades
da federação da região Centro-Oeste foram superiores à do Brasil. O destaque foi
Distrito Federal, cuja média de 1,7 para cada 1000 habitantes foi a maior do País.
Homens se divorciam mais tarde do que mulheres
Na comparação com a separação judicial, a idade dos cônjuges ao se
divorciar foi superior. Em 2002, os homens se divorciavam com 40,7 anos e as
mulheres, com 38 anos. Entre os estados, o Amapá apresentou as maiores médias
tanto para homens (43,1) como para mulheres (40,4). Já Alagoas, ficou com as
menores médias (38,7 anos para homens e 36,2, para mulheres). (Tabela 7.6)
Em 2002, o Brasil tinha 30 milhões de mães
Os últimos dados da Síntese dos Indicadores mostram a situação da mulher
brasileira e possibilitam a comparação dos indicadores por sexo. Apesar dos
avanços ao longo dos anos, alguns indicadores apontam disparidades na
comparação com os homens. Em 2002, mais da metade da população brasileira
(51,2% ou ainda, 88 milhões) era composta por mulheres. Desse total, 47,5 milhões
estavam na faixa etária da fecundidade (15 a 49 anos) e 63% (ou 30 milhões) já
tinham tido pelo menos um filho. No Brasil, o percentual de adolescentes de 15 a
17 anos com pelo menos um filho chegou a 6,3%, com variações de 7,5% no Norte
e no Nordeste e 5,0% no Sudeste e no Sul. Entre as jovens de 18 a 24 anos, 4,2
milhões (quase 40%) tinham pelo menos um filho. (Tabelas 10.1 e 10.2 e Gráfico
10.1)
Mulheres tinham mais escolaridade do que os homens
Quanto à escolaridade, em 2002, a média das mulheres foi de 6,4 anos de
estudo contra 6,1 dos homens. Em relação à população ocupada, tanto os resultados
da área urbana quanto da rural foram mais favoráveis para as mulheres. Na área
urbana, a média de anos de estudo das mulheres era de 8,2 e dos homens, 7,3. Na
área rural, as mulheres também tiveram média de 3,9, e os homens, 3,4. (Tabela
10.3) Observando-se a população ocupada de 10 anos ou mais de idade, a pesquisa
revelou que, entre as mulheres que trabalhavam (32 milhões), a proporção com
mais de 11 anos de estudo era de 37,1%, enquanto entre os homens ocupados (45,5
milhões), o percentual era de 26,6%. (Tabela 10.4 e Gráfico 10.2)
Em 2002, mulheres recebiam 70% dos ganhos dos homens
As diferenças por gênero foram mais significativas na comparação com os
rendimentos mensais de homens e mulheres ocupados. Os resultados mostraram
que, em 2002, a situação era bem mais favorável para os homens, cujo rendimento
médio era de R$719,90, enquanto as mulheres recebiam apenas 70% desse valor
(R$505,90). Entre os ocupados com mais de 11 anos de estudo, as mulheres
recebiam R$829,20, ou seja, 58% do valor recebido pelos homens (R$1416,30).
(Tabela 10.5 e Gráficos 10.3 e 10.4) Quanto à posição na ocupação, a situação
entre homens e mulheres era bastante diferenciada. Em 2002, apenas 0,8% das
mulheres ocupadas trabalhavam como empregadoras, enquanto entre os homens
ocupados, essa proporção era de 5,5%. Chamou atenção também, a participação das
mulheres no mercado de trabalho como trabalhadoras domésticas: 14,5% contra 1,0
dos homens. No caso dos ocupados não-remunerados, o percentual das mulheres
era superior ao dos homens (13,4% contra 5,8%). (Tabela 10.8 e Gráficos 10.5 e
10.6)
Maiores percentuais de homens vivem sós entre os 25 os 49 anos
Em relação às famílias unipessoais, 2,4 milhões eram formadas por mulheres
que viviam sozinhas, sendo que 70,7% tinham pelo menos 50 anos de idade. Já
entre os homens que viviam sozinhos, o maior percentual (48,9%) estava
concentrado na faixa de 25 a 49 anos de idade. Entre as regiões metropolitanas, no
Rio de Janeiro, por exemplo, onde há mais de 220 mil famílias unipessoais, o
percentual de mulheres de 50 anos ou mais que viviam sós foi maior (78%) do que
a média nacional, enquanto entre os homens no mesmo grupo etário, era pouco
mais de 46%. Já em Curitiba, a proporção de mulheres que viviam sós foi mais que
o dobro (67,2%) da dos homens (30,0%). (Tabela 10.10 e Gráficos 10.7 e 10.8)
Entre os aposentados, homens são maioria (77,5%)
Assim como em 2001, a pesquisa revelou que, em 2002, a proporção de
aposentados homens foi maior do que a de mulheres (45,8%), resultado da recente
inserção destas no mercado de trabalho. A região metropolitana do Rio de Janeiro
apresentou o menor percentual de mulheres com 60 anos ou mais aposentadas
(31,2%) e o Maranhão, o maior (71,6%). Entre os homens aposentados, o maior
percentual foi da Paraíba (86,8%) e o menor, de Roraima (31,6%). Quanto aos
pensionistas, o percentual de mulheres (20,9%) superou o de homens (0,7%), sendo
mais expressivo no Rio de Janeiro (30,3%). (Tabela 10.11 e Gráfico 10.9)
Mais de um terço dos pardos e 63% dos pretos vivem nas regiões Sudeste e Sul
Em 2002, viviam no Sudeste quase 44% da população total brasileira, mas
mais de metade dos pretos (52,2%) e de brancos (51,5%), além de quase um terço
da população parda (31,6%). No estado do Rio de Janeiro se encontravam mais de
16% da população preta, e mais de 14% em Minas Gerais. No estado de São Paulo,
com pouco mais de 22% do total de brasileiros, se encontravam quase 20% dos
pretos e 30% dos brancos. Na Região Metropolitana de São Paulo, viviam quase
12% dos pretos e 13% dos brancos. Na região Nordeste, concentrava-se 45% da
população parda do Brasil, e 27,7% da população preta, mas somente na Bahia se
encontravam 15,6% desses pretos, a metade deles em Salvador, e 12,6% desses
pardos.
As regiões Sudeste e Sul concentram 62% da população preta e 36,5% da
população parda do país. Essas proporções contrastam com as distribuições no
interior de cada unidade da federação e região, pois a maior participação destas
populações se encontram no Norte e no Nordeste (gráfico 12.1). A análise dos
indicadores de educação segundo a cor da população mostra que as taxas de
analfabetismo, embora em declínio ao longo dos últimos anos, têm mantido as
desigualdades de cor nos mesmos patamares. Na Bahia, a taxa foi mais homogênea
entre os grupos de cor, apresentando-se elevadas tanto para brancos quanto para
pretos e pardos. Em Alagoas se encontram as maiores taxas de analfabetismo do
país, tanto para pretos (50%), quanto para pardos (34,2%) e brancos (23,2%). Já as
taxas de escolarização por grupos de idade e cor foram em geral mais elevadas para
a população branca, com exceção de algumas unidades da federação da região
Norte e Nordeste e em Santa Catarina.
Com relação à população de estudantes, enquanto metade dos brancos na
faixa de idade entre 15 e 24 anos estava cursando o ensino médio, a mesma
proporção de pretos e pardos ainda cursava o ensino fundamental. Na mesma faixa
de idade, 21,7% de brancos estavam freqüentando o nível superior, mas apenas
5,6% de pretos e pardos.
Relação entre rendimento e escolaridade é mais direta para brancos
A média de anos de estudo da população de 10 anos ou mais de idade mostrou que
os brancos possuíam, em média, mais anos de estudo que pretos e pardos em todas
as regiões do país. Destaca-se a Região Metropolitana de Salvador, onde se
encontraram os maiores diferenciais de anos de estudo entre brancos e pretos – 2,6
anos – e entre brancos e pardos – 2,3 anos. As menores diferenças, da ordem de 1
ano de estudo, foram encontradas entre brancos e pretos no Rio Grande do Sul, e
entre brancos e pardos no Maranhão, Amazonas e Amapá (tabela 12.7 e gráfico
12.4). Para os brancos, as mais elevadas médias de anos de estudo foram
encontradas na Região Metropolitana de Salvador (9,2%) e no Distrito Federal
(9,1%), seguidos das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo
Horizonte, todas com 8,2 anos.
As informações sobre o número de anos de estudo da população ocupada
associadas aos seus respectivos rendimentos mostraram que pouco mais de 2 anos
de estudo de vantagem para a população branca resultaram em quase uma
duplicação de seus rendimentos em relação aos das populações de pretos e pardos.
Esta situação foi verificada tanto no Brasil quanto na maioria das unidades da
federação, regiões metropolitanas e grandes regiões, com exceção da Região
Metropolitana de Salvador, onde a vantagem de 3 anos a mais de estudo para os
brancos aparece associada a rendimento 3 vezes maior que o da população de
pretos e pardos.
Rendimento de brancos é quase o dobro do de pretos e pardos
Em relação aos rendimentos percebidos, a população ocupada de cor preta ou
parda apresentou valores que eram praticamente a metade dos auferidos pela
população branca, em todos os níveis geográficos. Enquanto o rendimento médio
mensal da população preta e parda chegava a R$ 409,00, o da população branca era
de R$ 812,00. Relação semelhante se verifica na análise do rendimento-hora, que
eram de R$ 2,60 para pretos e pardos e de R$ 5,00 para os brancos. Se, além da cor,
forem comparados os rendimentos de homens e mulheres, verifica-se que os
homens ganham em torno de 44% a mais, mas o rendimento das melhores brancas
é quase 40% mais elevado que o de homens pretos ou pardos, sugerindo que a
discriminação por cor é ainda maior que a de gênero (tabelas 12,10 e 12.11). Outro
indicador que pode dar um quadro dos diferenciais existentes no mercado de
trabalho quando se analisa a população ocupada por cor é a posição na ocupação,
que não apresentou modificações substanciais em relação ao ano anterior. Dos
brancos, 6,3% se encontravam no emprego doméstico, mas essa proporção é o
dobro entre os pretos (13,4%). Além disso, 5,7% de brancos se encontravam na
condição de empregadores, e os pretos, 1,8%. Na Região Metropolitana de
Salvador, a proporção de brancos como empregadores praticamente dobrou –
passando para 10,1%. Já entre os pretos empregadores, a proporção dobrou nas
regiões metropolitanas de Recife e de Belo Horizonte, e nos estados do Rio Grande
do Norte e do Mato Grosso do Sul (tabela 12.12).
Entre os 10% mais ricos, 15% são brancos e 4% pretos e pardos
Em relação à distribuição da população por cor ou raça segundo os décimos
de rendimentos percebidos, observou-se diminuição sistemática do percentual de
pretos e pardos à medida que aumentavam os rendimentos, simultaneamente ao
crescimento constante da participação dos brancos. No primeiro décimo, onde estão
os que recebem os rendimentos mais baixos, encontrava-se mais de 15% da
população preta ou parda e apenas 5,6% dos brancos. No último décimo, o dos que
recebem os maiores rendimentos, os valores se inverteram, encontrando-se 15%
dos brancos e apenas 4% dos pretos ou pardos (tabela 12.17 e gráfico 12.9).
Entre 1996 e 2002, caiu 14% o rendimento médio real dos trabalhadores
Em 2002, as mulheres ocupadas recebiam, em média, 70% do rendimento
dos homens, apesar de terem, em média, um ano a mais de estudo. Quanto mais
anos de estudo, maior a desigualdade: mulheres com até quatro anos de estudo
recebiam, em média, R$ 0,40 a menos que os homens por uma hora de trabalho
(nova comparação). Já as mulheres com mais de 12 anos de estudo recebiam, em
média, R$5,40 a menos que os homens (Tabela 4.17).
No Nordeste, apenas 4,2% dos conta própria contribuem para a previdência social,
enquanto no Sudeste eles são 22,1% (Tabelas 4.8 e 4.10). No Brasil, 13,9% dos
conta própria não contribuem, sendo que, por faixas de rendimento, 48,2% dos
conta própria pertencentes a famílias com rendimento per capita de até meio salário
mínimo não contribuíam para a previdência. Em 2002, os empregados e os
trabalhadores por conta própria eram 70% da população ocupada. No Nordeste,
proporção de trabalhadores por conta própria (27,6%) e de não remunerados
(13,4%) era bem maior que a das demais regiões (tabela 4.8, pg. 120).
Entre 1996 e 2002, o rendimento médio real (em valores já inflacionados
para setembro de 2002) dos trabalhadores caiu 14% (de R$ 726,00 para R$ 636,50)
Ver gráfico 4.7. Embora tenha havido pequenas mudanças, permanece grande a
distância entre o rendimento dos 10% mais ricos e o dos 40% mais pobres. Em
2002, 9,2% da população economicamente ativa estavam desocupados, sendo
10,8% no Sudeste (maior taxa), e 6,3% no Sul (menor taxa). Nos estados, a maior
era do Amapá (20,4% )e a menor, em Santa Catarina (4,5%). Quanto mais anos
estudo, maior a desocupação: entre os sem instrução e com até três anos de estudo,
a taxa de desocupação era de 5,6%; entre os com entre 4 a 7 anos de estudo, a taxa
era de 9,6%; nas faixas com oito ou mais, a taxa era de 10,6% (tabela 4.7).
O setor agrícola continuou empregando muito em 2002: 36,6% da população
ocupada no Nordeste (contra 8,3% da Indústria, 29,0% de Serviços e 17,2%
Comércio e reparações), e 49,7% da população ocupada no Piauí. (5,5% na
Indústria, 15,7% em Comércio e Reparações e 24,3% em Serviços). No Brasil, o
setor Agrícola empregava 20,6%, contra 13,5% na Indústria, 33,9% em Serviços e
17,2% em Comércio e Reparações (tabela 4.14).
Brasil terá 25 milhões de idosos em 2020
Em 2020, os idosos chegarão a 25 milhões de pessoas – 15 milhões de
mulheres – numa população de 219,1 milhões. Eles representarão 11,4% da
população. Devido às sucessivas quedas das taxas de fecundidade e à diminuição
gradativa das taxas de mortalidade registradas nas últimas décadas, estudos
mostram que é irreversível o envelhecimento da população brasileira. Em 2002, o
País tinha 16.022.231 de pessoas com 60 anos ou mais representando 9,3% da
população, e 56,0% deles eram mulheres. Em 2002, os idosos representavam
10,2% da população do Sudeste, 10,0% da população do Sul, 9,3% da população
do Norte, 8,9% da população nordestina e 7,2% da do Centro-Oeste. Embora nos
países da Europa esse envelhecimento tenha ocorrido devido às melhorias médico-
sanitárias, no Brasil, para a maioria da população, tais condições estão longe de
ocorrer. Em 2002, 43% dos idosos tinham rendimento familiar per capita inferior a
um salário mínimo. Em números absolutos, 4.870.336 pessoas com 60 anos ou
mais (30,4% do total de idosos) estavam ocupadas em 2002.
Em 2002, o Brasil tinha 12.445.563 aposentados ou pensionistas, ou 77,7%
do total de idosos. O nível educacional das pessoas de 60 anos ou mais, embora
baixo, vem aumentando: enquanto 48,2% dos idosos com 75 anos ou mais tinham
um ano de estudo ou menos, entre os de 60 a 64 anos, o percentual caía para 30,5%.
Entre os idosos, 12,1% moravam sozinhos, 24,8% moravam com filhos ou
parentes, 24,9% viviam com seus cônjuges, mas sem filhos, e 37,9% moravam com
os cônjuges e com filhos ou outros parentes. Quase 65% dos idosos eram a pessoa
de referência de suas famílias.
1
Por se tratar de informações obtidas junto aos
Cartórios do Registro Civil, os arranjos familiares fruto de uniões consensuais não
são captados pela Pesquisa. Essas informações podem ser obtidas através dos
Censos Demográficos. Nesse sentido, os comentários aqui apresentados se referem
à evolução do estado civil da população residente no País.
2
As taxas gerais de
separação judicial e de divórcio são obtidas pela divisão do número de dissoluções
de casamentos pelo de habitantes, multiplicando-se o resultado por 1000.
Siglas
AAApostolicam Actuositatem
CIC – Catecismo da Igreja católica
ChL – Christisfideles Laici
DA – Documento de Aparecida
FC – Familiaris Consortio
GS Gaudium et Spes
LG – Lúmen Gentium
SD – Santo Domingo
Dedicatória
Dedico esta obra a minha querida família. Com amor dedico a minha amada
esposa, Maria, que sempre esteve apoiando e incentivando os meus estudos.
Ofereço com carinho ao meu filho Samuel que alegra a minha vida. Também
dedico a minha sogra Irene que não faltou com as suas orações em meu favor.
Agradeço de coração a minha orientadora Doutora Professora Irmã Maria Freire,
esta foi um poço de paciência e dedicação para com o meu aprendizado.
A todos o meu muito obrigado.
Ubirajara Gonçalves.
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