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mediante a apresentação de um menu de princípios de justiça. Assim, as partes, na
posição original, conhecendo somente os fatos gerais da cultura pública moderna e
as referidas opções, comprometidas na defesa dos cidadãos que elas representam,
optam pelos princípios comuns de justiça mais razoáveis.
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Dentre as opções possíveis, Rawls acredita que dois seriam os princípios
selecionados, cuja redação é a seguinte:
a. Todas as pessoas têm igual direito a um projeto inteiramente
satisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para todos, projeto este
compatível com todos os demais; e, neste projeto, as liberdades políticas, e
somente estas, deverão ter seu valor eqüitativo garantido.
b. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer dois
requisitos; primeiro, devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a
todos, em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; e, segundo,
devem representar o maior benefício possível aos membros menos
privilegiados da sociedade. (RAWLS, 2000a, p. 47-8)
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Aqui cabe enfatizar a distinção entre “racional” e “razoável”. Esses termos são complementares e
referem-se às qualidades ou às virtudes da pessoa na consideração da realização de seus fins
últimos. As pessoas não são só racionais e não são vistas, na posição original, como somente
importando-se com os seus fins últimos, ou como o seu benefício próprio, porque assim “os agente
racionais tornam-se quase psicopatas quando seus interesses se resumem a benefícios para si
próprios.” (RAWLS, 2000a, p. 95). As pessoas são racionais na consideração sobre o seu senso de
“bem” e são razoáveis com relação ao senso de “justiça”. Com relação ao “bem”, ao menos
parcialmente, pretendem afirmar alguma “forma verdadeira” de princípio de ação que normalmente
não é público da maneira como o razoável é, ou seja, quanto à maneira como é apresentada sua
justificativa pública. Já quanto ao “justo” propõem uma “forma verossímil” de valores públicos
aceitáveis por todos os cidadãos razoáveis, reconhecendo que, por mais racionais e consistentes que
sejam suas razões, elas não tem mais chance de serem mais verdadeiras na formação de um
consenso sobre justiça (limites do juízo). Portanto: “As pessoas são razoáveis em um aspecto básico
quando, entre iguais, por exemplo, estão dispostas a propor princípios e critérios como termos
eqüitativos de cooperação e a submeter-se voluntariamente a eles, dada a garantia de que os outros
farão o mesmo. Entendem que essas normas são razoáveis a todos e, por isso, as consideram
justificáveis para todos, dispondo-se a discutir os termos eqüitativos que outros propuserem.”
(RAWLS, 2000a, p. 93). Como já mencionado no tópico que trata da concepção-modelo da sociedade
como sistema eqüitativo de cooperação as idéias de benefício mútuo e de altruísmo estão presentes
na teoria rawlsiana da justiça, unidas na idéia de “reciprocidade”. Há uma conciliação entre elas,
posto que as pessoas não são vistas só como razoáveis, nem só como racionais, mas como
possuindo ambas as características. Sobre esse aspecto (conciliação) impõe considerar que o
razoável ocupa a função limitadora e reguladora para determinação dos princípios de justiça em
relação ao racional. Trata-se do que Rawls denomina de prioridade do justo em relação ao bem. Isso
se evidencia na organização da posição original em que se considera que os termos razoáveis estão
expressos e limitam o procedimento da posição original, situando, a partir daí, as pessoas, que são
consideradas como autônomas no sentido racional e, portanto, de maneira parcial. Somente depois
de deliberados os princípios de justiça, a partir dessas restrições que estabelecem o campo do
razoável, é que os cidadãos (não mais as pessoas) são considerados possuidores de autonomia
plena, ou seja, não só de autonomia racional. É a partir daí, com os princípios estabelecidos para
ordenação da sociedade, que são pensadas, por exemplo, as instituições básicas da sociedade e as
virtudes cívicas. Assim: “Essa sociedade razoável não é uma sociedade de santos nem uma
sociedade de egoístas. É parte de nosso mundo humano comum, não de um mundo que julgamos de
tanta virtude que acabamos por considerá-lo fora do nosso alcance. No entanto, a faculdade moral
que está por trás da capacidade de propor ou de aceitar, e, depois, de motivar-se a agir em
conformidade com os termos eqüitativos de cooperação por seu próprio valor intrínseco é, mesmo
assim, uma virtude social essencial.” (RAWLS, 2000a, p. 98).