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MARIA TERESA FERNANDES LACÔRTE
A IDENTIFICAÇÃO PRIMÁRIA NO PENSAMENTO DE WINNICOTT:
UMA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE OBJETO SUBJETIVO NA
CLÍNICA DAS DISSOCIAÇÕES PRIMÁRIAS
Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Psicologia
Área de Concentração: Psicologia Clínica
Orientadora: Profa. Dra. Ivonise Fernandes da Motta
São Paulo
2005
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ii
Ao meu marido Luiz, companheiro de todas as
jornadas, pelo apoio e colaboração ao longo
desta pesquisa.
Aos meus filhos e neto, Mariana, João, Luis e
Pedro, com quem compartilho muitos
momentos de intensa criatividade.
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iii
AGRADECIMENTOS
A minha orientadora Profa Dra Ivonise Fernandes da Motta pelo acolhimento facilitador de
minhas indagações.
Aos professores Tânia Aielo Vaisberg e Zeljco Loparic pelas valiosas sugestões apresentadas
no exame de qualificação.
A Ivone Lins, pela orientação e supervisão serena e precisa, brincalhona e rigorosa; e por sua
companhia, sempre suficientemente boa e capaz de sobreviver.
A minha mãe e a minha família pelo amor e confiança sempre presentes.
iv
SUMÁRIO
Resumo v
Abstract vi
1. Introdução 1
2. Quadro geral para análise dos conceitos de objeto subjetivo e identificação
primária no pensamento de D.W.Winnicott 7
2.1. A teoria do amadurecimento. Definições: objeto subjetivo e identificação primária 7
2.2. A abordagem de aspectos teóricos da clínica das dissociações primárias
A teoria do amadurecimento como uma generalização guia 16
2.3. A clínica do brincar e a clínica das dissociações primárias 24
2.3.1. O ambiente – a mãe- e as comunicações na fase da dependência máxima e a
experiência do self 32
3. A identificação primária. Uma aplicação do conceito do objeto subjetivo na clínica.
O ambiente como sustentador da experiência de ser 45
3.1. Textos anteriores a 1960. Primeiras descrições sobre o momento de
indiferenciação 45
3.2. O objeto subjetivo e a noção de saúde para Winnicott. O objeto subjetivo nos textos
posteriores a 1960. Os elementos femininos e masculinos puros da personalidade 56
4. Últimas reflexões 77
5. Referências bibliográficas 86
v
RESUMO
Lacôrte, M. T .F. A Identificação Primária no pensamento de Winnicott: Uma aplicação do
conceito de Objeto Subjetivo na clínica das Dissociações Primárias. São Paulo, 2005. 86 p.
Dissertação (Mestrado). Instituto de Psicologia. Universidade de São Paulo.
O estudo examina as descrições de Winnicott das comunicações que ocorrem entre o
bebê e a mãe nos estágios primitivos do desenvolvimento e aponta para a relação entre estas
comunicações e as que ocorrem entre o analista e o paciente na clínica que se ocupa das
dissociações primárias. Foram recolhidas as afirmações de Winnicott sobre as experiências
do bebê nos momentos iniciais do processo de realização, denominadas como saída da
identificação primária e como experiências de comunicação nas quais os objetos são
subjetivos. Numa perspectiva histórica da evolução de tais conceitos, examinamos como o
autor, em suas formulações iniciais, pondo em relevo a importância da adaptação ativa da
mãe, indica a importância desse tipo de adaptação pelo analista, no tratamento de
dissociações primárias como aquela entre o verdadeiro e o falso self. Discorrendo sobre a
importância das experiências nas quais o gesto espontâneo do bebê predomina no ambiente
que o recebe, examinamos como Winnicott formula suas concepções sobre a constituição de
um self unitário e criativo. Em seus textos mais tardios, examinamos como Winnicott vai
estender suas formulações para as experiências muito primitivas de identificação.
Consideradas a base para os relacionamentos futuros, em relação de oposição e
complementariedade com as experiências instintuais, Winnicott afirma a primordialidade das
identificações apoiadas no que denominou elemento feminino puro, chamadas experiências
de ser.
Palavras-chave: Identificação (psicanálise). Relações de objeto. Psicose. Constituição do
eu. Winnicott.
vi
ABSTRACT
Lacôrte, M. T .F. Primary Identification in the thinking of Winnicott. An application of the
concept of Subjective Object in the clinic of Primary Dissociation. São Paulo, 2005. 86 p.
Master Dissertation. Instituto de Psicologia. Universidade de São Paulo.
This study analyses the descriptions of Winnicott of the communication between the
mother and the baby in his primitive developmental stage, pointing to the relationship
between that communication and the communication that occurs between the psychoanalyst
and the patient in the clinic of primary dissociation. We picked up Winnicott statements
about the experience of the baby in the beginning of the realization process, named
emergence of primary identification and experience on communication when objects are
subjective. In an evolutionary historical perspective we analyzed how the former writings of
Winnicott emphasize the importance of active adaptation of the mother, pointing to the
importance of this type of adaptation of the psychoanalyst in the treatment of primary
dissociation as that occurs between the true- and false-self. Talking about the meaning of the
experience in which the spontaneous gestures of the baby predominate in the environment
that receives him, we analyzed how Winnicott developed his ideas about the constitution of a
unitary and creative self. We also evaluated how the late texts of Winnicott extended his
formulations to the very primitive identification experience of the baby. Considered the base
for the establishment of future relationships, opposite and complementary to the instinctive
experience, Winnicott points to the primordial aspect of identification, named pure female
element or experience of being.
Key-words: Identification (psychoanalysis). Object-relating. Psychosis. Self-constitution.
Winnicott.
1. INTRODUÇÃO
A primeira motivação deste estudo foi pesquisar, dentro da obra do pediatra e
psicanalista inglês D.W. Winnicott (1896-1971), o conceito de identificação
primária, elemento de fundamental importância na constituição da identidade, no
pensamento do autor.
O objetivo inicial desta pesquisa foi o de examinar este conceito, tal como o
concebe Winnicott, e suas relações com o conceito de objeto subjetivo. Privilegiando
os estudos dos momentos iniciais do desenvolvimento individual, Winnicott
apresenta sua teoria de objetos através de seus conceitos originais.
O conceito de objeto transicional nos levou ao estudo de seu precedente, o
objeto subjetivo. Este estudo encontra sua justificativa imediata no crescente
interesse pelas inovações propostas por Winnicott ao analista em sua conduta
profissional, como o provedor de um ambiente suficientemente bom no qual as
experiências terapêuticas possam ocorrer.
Para Winnicott, o analista ocupa junto a seu paciente, o lugar dos diferentes
objetos psíquicos experimentados na progressão do desenvolvimento emocional.
Deixando de operar apenas como decodificador das experiências vividas por seus
pacientes, este autor explicita que na abordagem de experiências muito primitivas
que se repetem nos tratamentos, o analista contribui como participante desde sua
própria criatividade.
Em sua, Winnicott dirige nossa atenção para a importância fundamental das
experiências nas quais a diferenciação entre o ambiente e o indivíduo parece
desaparecer. A observação de bebês e suas mães, cotejada às de seus pacientes
psicóticos, levou o autor à reflexão dos fenômenos envolvidos na clínica que se
2
ocupa de dissociações muito primitivas, originadas nas fases iniciais do processo
maturacional.
Essas dissociações primárias, impedindo ao indivíduo o viver saudável
porque criativo, podem ser integradas na clínica que, para além do recurso à
interpretação, promove o ambiente necessário no qual o gesto do paciente, recebido
pelo analista, realiza o necessário e recupera a capacidade para o processo amplo
chamado por Winnicott de integração.
Para que isso aconteça, paciente e analista vivem juntos uma experiência que
segue o modelo proposto por Winnicott para a compreensão da experiência inicial
entre a mãe e seu bebê. Os modos de comunicação envolvidos nessa experiência
primordial, se repetem nas propostas terapêuticas que nos apresenta o autor em seu
modo de apresentar sua própria clínica.
Para pesquisar esses modos de comunicação, começamos por traçar um
quadro geral para a análise das descrições de Winnicott sobre a identificação
primária e as comunicações que envolvem os objetos subjetivos. Considerado um
pensador de grande importância para a psicanálise pós-freudiana, o conjunto de
conceitos inovadores apresentados por Winnicott e sua aplicação aos variados
problemas da prática clínica, ainda exigem o aprofundamento de suas reflexões.
Winnicott nos propõe o problema das comunicações não verbais, por vezes,
exatamente aquelas responsáveis pela experiência terapêutica.
Justificativa e Objetivos: Motivos da escolha do tema
Nos últimos anos, o crescente interesse pelas idéias do psicanalista inglês,
vem demonstrando que suas concepções exigem discussões cada vez mais
abrangentes. Para além dos modismos ou dos aspectos lúdicos que sua obra, através
3
do conceito de objetos e fenômenos transicionais inspirou, os resultados obtidos
pelas condutas terapêuticas apoiadas nas concepções de Winnicott vêm permitindo
inovações técnicas animadoras e promissoras.
Essas inovações, expressas nas condutas do analista, diferentes das condutas
estabelecidas pela tradição psicanalítica quanto as condições temporais e espaciais
para a condução de um tratamento, vêm se ampliando para condutas que envolvem
grupos dos mais variados tipos e intervenções diferentes em escolas, hospitais e
centros de saúde.
Propostas pela concepção dos fenômenos e objetos transicionais, estendem-se
através da concepção de experiências nas quais a comunicação acontece nos
interstícios da linguagem e da simbolização, nos momentos de não integração. Mais
do que não verbal, as comunicações emergentes do estado de identificação primária
com o ambiente são um acontecimento, sobre o qual, Winnicott nos convida a
refletir.
Winnicott (2000, p.390, grifos do autor) diz: É preciso que haja no analista
uma crença na natureza humana e nos processos de desenvolvimento para que algum
trabalho possa ser feito [...]”. Com afirmações como esta, o autor , ao longo de cinco
décadas de efetivo trabalho prático e teórico, apresenta uma teoria do
amadurecimento humano.
Considerando as lições de seus primeiros mestres, Winnicott pensa o
indivíduo humano sempre em interação e contribui, reclamando pela consideração do
ambiente efetivo nos complexos processos de constituição do psiquismo humano.
Em sua extensa obra, Winnicott deixou o registro de aulas, palestras e artigos
para apoiarmos nossas próprias indagações. Desses registros, especialistas no estudo
4
de seu pensamento, afirmam constar uma teoria coerente e complexa, que justifica
um exame mais aprofundado das idéias desse autor.
Visando compreender os fenômenos que sua clínica lhe apresentava,
Winnicott buscou entender as falhas do desenvolvimento emocional primitivo.
Postulou uma não-integração primária como a condição de recepção do novo ser
humano, que, a seu modo, inicia seu processo de integração de si-mesmo num
mundo de objetos compartilhados. O estudo da desintegração e das dissociações
impeditivas dos processos integrativos, levou Winnicott aos estudos sobre a
comunicação.
O estudo das comunicações compreendidas nos processos terapêuticos que
envolvem as fases primitivas do desenvolvimento nos leva ao estudo das
dissociações primárias. Através de complexas noções como a do self em suas
porções de verdadeiro e falso, Winnicott nos deixou descrito em muitos de seus
relatos clínicos, o comportamento suficientemente bom do ambiente que recebe a
vida humana.
Nosso objetivo nesse trabalho é o aprofundamento da compreensão das
apresentações de Winnicott sobre os processos de comunicação precursores daqueles
dos quais nos fala o autor em suas reflexões sobre os fenômenos transicionais.
Nosso método, implicou numa leitura, sempre revivida, dos textos do próprio
Winnicott e dos estudiosos, envolvidos com rigor, na explicitação do pensamento
desse autor.
Apresentação breve dos capítulos.
No capítulo um, procuramos traçar um quadro geral para a análise dos
conceitos de identificação primária e de objeto subjetivo no pensamento de
5
Winnicott. Destacamos dos textos do autor suas primeiras descrições dos momentos
iniciais do desenvolvimento com o objetivo de apresentar suas primeiras abordagens
sobre as comunicações primitivas.
A pesquisa da história do autor como médico pediatra e psicanalista foi
relacionada ao campo de problemas que sua trajetória lhe exigiu. No interior de sua
comunidade científica, médica e psicanalítica, Winnicott reclamou a importância dos
fatores externos na etiologia de muitos dos problemas que encontrava. Ao fazer isso,
apresentou uma teoria que apresenta pontos importantes de ruptura com o
pensamento de seu tempo.
Em seguida, apresentamos o pensamento de Winnicott considerando que em
suas contribuições encontramos uma generalização guia. Sua teoria do
amadurecimento, compreendida como um eixo principal que reúne as concepções do
autor sobre a identidade e seus processos relacionais, foi apresentada como uma
matriz de pensamento em continuidade e ruptura, quando relacionada ao cenário
científico em que Winnicott viveu.
A parte final desse capítulo deteve-se nas descrições de Winnicott sobre o
ambiente primitivo do bebê, com acentuada atenção para suas considerações do
comportamento da e. Ao falar sobre as comunicações iniciais entre o bebê e sua
mãe, Winnicott nos apresenta seu conceito de self. Conceito que nos apresenta a
identidade com seus processos oscilatórios e definitivos em seu devir.
Apresentando o papel do ambiente em suas formulações sobre a progressão
da dependência máxima do bebê à saudável independência do adulto criativo,
Winnicott nos convida a refletir sobre os cuidados esperados do terapeuta, assim
como aqueles que podem ser aportados pelo ambiente mais amplo.
6
No capítulo dois, nos detivemos nas apresentações mais tardias, no conjunto
da obra do autor, de seus conceitos de identificação primária e objeto subjetivo.
Postulando a importância das experiências de identificação desde os estágios muito
primitivos do desenvolvimento, Winnicott nos leva a suas reflexões sobre o ser que é
e faz, em contínuo processo criativo.
Destacamos de seus textos, suas proposições do papel da criatividade como
fator de saúde e a participação do ambiente como facilitador dos processos criativos.
Essa facilitação, por vezes consiste em não interferir e sustentar uma situação ao
longo de um período de tempo.
Para finalizar, indicamos passagens clinicas, deixadas pelo próprio Winnicott,
que apresentam experiências suas nas quais a participação do ambiente facilitador, na
pessoa do analista ou não, pode ser observado.
7
2. QUADRO GERAL PARA ANÁLISE DOS CONCEITOS DE OBJETO
SUBJETIVO E IDENTIFICAÇÃO PRIMÁRIA NO PENSAMENTO DE
WINNICOTT
2.1. A teoria do amadurecimento. Definições: objeto subjetivo e identificação
primária.
Em 1945, numa apresentação para a Sociedade Britânica de Psicanálise,
Winnicott (2000, p.222) afirmou:
Falando em termos psicológicos, alguma coisa importa antes dos cinco ou seis
meses? Sei muito bem que em diversos grupos a resposta muito sincera a esta
pergunta é: ‘Não’, e creio que devemos respeitar tal opinião, mas a minha resposta é
diferente.
O objetivo central deste trabalho é o de apresentar a tese de que o desenvolvimento
emocional primitivo do bebê [...] é vitalmente importante, e é neste período que
serão encontradas as chaves para compreendermos a psicose.
Como psicanalista e pediatra, Winnicott encontrou diferentes problemas
teóricos nas propostas debatidas pela comunidade psicanalítica de seu tempo.
Aspectos inovadores de sua teoria permitem interpretações diferentes de conceitos
centrais da “teoria ortodoxa”.
1
Considerado uma das principais figuras da psicanálise
britânica e aplaudido em numerosas e diferencias platéias, o grande número de
estudos sobre seu pensamento, reafirma a importância de suas idéias.
Destacando pontos da teoria psicanalítica com os quais não podia concordar,
Winnicott formulou sua própria teoria. Partindo de suas observações de bebês e suas
1
Expressão utilizada por Winnicott. Cf. D. W. Winnicott, 1975, p.130.
8
mães, em seu ambulatório pediátrico e de pacientes psicóticos em tratamento
psicanalítico, empreendeu um longo trabalho de reflexão. Estudiosos de seu
pensamento destacam de suas contribuições uma teoria do amadurecimento pessoal,
como veremos em seguida.
Não podendo aceitar o fato do complexo de Édipo ser sempre, para os
analistas, o âmago das diferentes questões, sobre a contribuição kleiniana Winnicott
(1990, p.157) escreveu:
Inumeráveis histórias clínicas me mostravam que crianças que se tornavam doentes,
seja neuróticos, psicóticos, psicossomáticos ou anti-sociais, revelavam dificuldades
no seu desenvolvimento emocional na infância, mesmo como bebês. Crianças
hipersensíveis paranóides podiam até ter começado a ficar assim nas primeiras
semanas ou mesmo dias de vida.
Neste artigo de 1962, Winnicott afirmava que os problemas iniciais da vida
humana que não podem ser solucionados por meio dos elementos da teoria da
situação edípica. Descrevendo uma sucessão de estágios do processo de
amadurecimento, apresenta um quadro teórico para a reflexão sobre as tarefas,
conquistas e dificuldades encontradas pelo indivíduo humano em desenvolvimento
Ao desenvolver sua noção de indivíduo saudável, Winnicott fala da interação
entre um meio facilitador e uma tendência inata do bebê à integração, levando ao
viver criativo. Em nosso meio, Dias (2003, p.16) afirma que Winnicott, não chegou a
fazer umaapresentação sistemática e organizada” de sua teoria do amadurecimento.
Porém, ele mesmo considerava essa teoria como a “espinha dorsal” (backbone) da
qual derivavam suas teses principais.
9
Dias (2003, p.13) escreve:
Iluminando o que se passa na peculiar relação mãe-bebê, Winnicott descreve as
necessidades humanas fundamentais que, desde as etapas mais primitivas,
permanecem ao longo da vida até a morte do indivíduo e as condições ambientais
que favorecem a constituição paulatina da identidade unitária que todo bebê deve
alcançar -, incluídas a capacidade de relacionar-se com o mundo e com os objetos
externos e de estabelecer relacionamentos interpessoais.
Para Winnicott, o encontro entre a mãe e o bebê, se constitui como o modelo
para os encontros entre o indivíduo e seu meio, tendo como quadro geral teórico,
uma espécie de horizonte onde os sucessivos estágios do amadurecimento se
desenrolam. Estes encontros são apresentados através dos complexos conceitos que
constituem sua teoria do amadurecimento humano.(Dias, 2003)
Winnicott afirmava ser valioso considerar suas teorias, como um
desenvolvimento da teoria freudiana. Sem contestar a suposição da existência de
aspectos do psiquismo que seriam mantidos inconscientes por mecanismos
defensivos ligados ao recalque, sustenta que esses mecanismos seriam uma formação
relativamente tardia no processo de desenvolvimento emocional. Para o autor, as
doenças psíquicas graves não podiam ser explicadas pelo modelo do inconsciente
reprimido, assim como não poderiam determinar o sentimento de ser da pessoa
humana. (Winnicott, 1990)
Posicionando-se frente à comunidade psicanalítica, Winnicott (1975, p.139,
grifos do autor) diz:
Essa teoria não afeta o que conhecemos a respeito da etiologia das psiconeuroses, ou
do tratamento de pacientes psiconeuróticos; tampouco se choca com a teoria
10
estrutural da mente, formulada por Freud em termos de ego, id e superego. Mas afeta
nossa visão da pergunta: sobre o que versa a vida? Podemos curar nosso paciente e
nada saber sobre o que lhe permita continuar vivendo. Para nós é de suma
importância reconhecer abertamente que a ausência de doença psiconeurótica pode
ser saúde, mas não é vida. Os pacientes psicóticos que pairam permanentemente
entre o viver e o não viver, forçam-nos a encarar esse problema, problema que
realmente é próprio, não dos psiconeuróticos, mas de todos os seres humanos.
Winnicott vai tematizar principalmente as paradas do acontecer humano a
partir do mecanismo da cisão. Condições ambientais insuficientes para o progresso
das conquistas inerentes aos estágios do amadurecimento levam à constituição
insatisfatória do senso de identidade, do self nas palavras do autor. Privilegiando o
estudo dos estágios iniciais do processo de amadurecimento, ele teoriza sobre os
modos de apreensão do mundo. Nos anos finais de seu trabalho, como veremos mais
adiante, faz importantes afirmações sobre os modos de comunicação do bebê com
sua mãe e do homem com o mundo. Ao buscar as origens da cisão nestas
comunicações, não encontra uma ação da censura, mas falhas do ambiente que
deveria ser facilitador do processo de amadurecimento. (Loparic, 1999b)
Sob a perspectiva da teoria do amadurecimento, Loparic (1999, p.358)
escreve:
O tema central da psicanálise winnicottiana não é mais a sexualidade recalcada e
seus derivativos, mas a cisão, uma parada no acontecer humano que caracteriza a
psicose.[...] isso se mostra pelo exame da origem da cisão. A cisão não surge devido
à censura, mas em virtude das falhas do ambiente na função de facilitar o processo
11
de amadurecimento. Essas falhas têm, no início, o caráter de ruptura da comunicação
primária.
É da perspectiva da teoria do amadurecimento que abordaremos os conceitos
de objeto subjetivo e de identificação primária tal como se na comunicação entre
o bebê e sua mãe e a transposição deste modelo para a prática clínica.
Dias (2003, p.157) explica que nos estágios mais primitivos que
compreendem “a vida intra-uterina, o nascimento, o período imediatamente após o
nascimento e o estágio da primeira mamada teórica”, a comunicação do bebê com o
ambiente pode ser compreendida através da noção de um objeto que é subjetivo. Esta
noção busca descrever a experiência do bebê quando ele vive, nas palavras de
Winnicott (1988, p.157), um “simples estado de ser”. Sobre essa experiência, no
estágio da dependência absoluta, Dias (2003, p.158, grifos da autora) escreve:
Tendo atingido o estado de ser, o que o bebê necessita é continuar a ser.
Todas as outras necessidades advém do fato de o bebê ser e ter de continuar
a ser. Ao longo da vida até morrer, a continuidade de ser permanecerá como
o problema fundamental; sua preservação equivale a saúde.[...] em termos do
amadurecimento pessoal, a questão fundamental que se põe, já nesse início,
relaciona-se com a oposição entre espontaneidade e reatividade, oposição
que estará presente, em crescente complexidade, ao longo da vida.
Em um ambiente suficientemente bom, que cumpre a função de facilitar o
processo de amadurecimento, o gesto do bebê surge como espontaneidade, e não
como reação à algo. Sobre esse momento, Winnicott (1988, p.157) diz que “uma
consciência incipiente da continuidade do ser e da continuidade de existir no
12
tempo”(1988,p.157) tem início no bebê. Em alguns textos Winnicott vai falar sobre o
modo de comunicação através de objetos subjetivos como pertencente ao momento
em que o “bebê cria o mundo”. Em seus últimos textos clínicos e teóricos, diz que “o
bebê é o seio”. (Winnicott, 1994)
O objeto subjetivo, criatividade primária do bebê, dele não se distingue. No
estágio inicial de dependência máxima, os objetos são subjetivos. Para o bebê, são
ele próprio ou o ambiente que não se opõe a seu gesto. Winnicott fala que o que
importa para o bebê nessa fase de indiferenciação entre ele e o ambiente são as
experiências do comportamento adaptativo da mãe. A mãe, identificada com seu
bebê, estabelece uma comunicação de objeto subjetivo. Nesta comunicação, tem
origem um sentimento de ser uma pessoa reflexão que Winnicott empreende através
de sua noção de self. (Winnicott, 2000)
O estudo dos modos de comunicação a partir do conceito de objeto subjetivo,
se entrelaça na reflexão do autor sobre os processos constitutivos do self. O conceito
de objeto subjetivo foi tratado por Winnicott mais tardiamente em sua conceituação
teórica mas foi descrito desde seus primeiros trabalhos, como veremos adiante. A
experiência inicial de comunicação do bebê com a mãe, fundante de outros modos de
comunicação com o mundo, aponta para o estudo das dissociações primitivas na
constituição do self.
Em seus estudos sobre a esquizofrenia, Winnicott descreve procedimentos
técnicos extraordinários à psicanálise de seu tempo, utilizados por ele como
tentativas de adaptação aos pacientes que apresentavam dissociações primárias. Seus
apontamentos sobre o manejo, reformulam os procedimentos da clínica da psicose e
das dissociações primárias. Essas dissociações, encontradas na personalidade falso
self, categoria nosográfica proposta por Winnicott importante para a clínica atual, são
13
também objeto para estudo nos mais variados quadros clínicos. Indicam um campo
de estudo para a clínica winnicottiana.
Comentando seu trabalho, Winnicott (1999c, p.82) disse:
[...] nas nossas pesquisas analíticas os fenômenos muito iniciais manifestam-se como
características primárias, de duas maneiras: primeiramente, nas fazes esquizóides
pelas quais qualquer paciente pode passar, ou no tratamento de problemas realmente
esquizóides [...] em segundo lugar, no estudo das experiências iniciais concretas de
bebês que estão para nascer, que acabaram de nascer, que são segurados no colo
após o nascimento, que recebem cuidados e com os quais nos comunicamos nas
primeiras semanas e meses, muito antes da verbalização ter adquirido qualquer
significado.
A oposição entre espontaneidade e reatividade da qual nos fala Dias (2003), e
os modos de comunicação envolvidos nas fases primitivas do processo de
amadurecimento, podem ser estudados através do exame da prática clínica descrita
por Winnicott, em muitos de seus trabalhos. O estudo dos processos primários de
comunicação do qual faz parte o conceito de objeto subjetivo, levou Winnicott à
compreensão dos distúrbios na constituição da identidade pessoal. Tal estudo
também se mostra importante à compreensão das comunicações em psicoterapia.
O conceito de objeto subjetivo no pensamento de Winnicott tem relação com
os estudos sobre o narcisismo primário em Freud. Usando a expressão “identificação
primária”, Winnicott que se refere ao primeiro objeto, objeto subjetivo, no momento
da primeira mamada teórica. Na experiência de ser o objeto, experiência primeira de
identificação, são lançadas as bases para o continuar a ser que é sentido como
verdadeiro, pessoal. (Winnicott, 2000)
14
Nesse espaço ainda “pré-pessoal”(Dias, 2003, p.131), em um ambiente capaz
de se adaptar às primeiras comunicações do bebê, são estabelecidas as bases para
uma complexa gama de modos de comunicação do self com o mundo. Esse modos de
comunicação foram relacionados por Winnicott aos modos de progressão dos objetos
descritos em termos de objeto subjetivo, objeto transicional e objeto do mundo
compartilhado, como vermos em sessão posterior.
Para nós, o estudo dos modos de comunicação, no contexto de uma teoria
psicanalítica winnicottiana e suas implicações para uma clínica winnicottiana,
originou-se na expressão “identificação primária”, que nos levou ao conceito de
objeto subjetivo.
O mecanismo de identificação, objeto de estudo inerente à psicanálise,
apresenta-se como conceito central desde os textos de Freud. Laplanche e Pontalis,
(1998, p. 228) explicam:
Na obra de Freud, o conceito de identificação assumiu progressivamente o valor
central que faz dela, mais que um mecanismo psicológico entre outros, a operação
pela qual o sujeito humano se constitui. Essa evolução tem relação direta
principalmente com a colocação em primeiro plano do complexo de Édipo em seus
efeitos estruturais, e também com a remodelação introduzida pela segunda teoria do
aparelho psíquico, em que as instâncias que se diferenciam a partir do id são
especificadas pelas identificações de que derivam.
A identificação primária, concebida por Freud sob o modelo da incorporação,
receberá nova significação no pensamento de Winnicott. Como veremos mais
adiante, para ele, de acordo com sua concepção do binômio ambiente indivíduo, tal
fenômeno se apresenta sob o modelo da interação entre um bebê e sua mãe.
15
Segundo Winnicott, nos estágios muito iniciais do desenvolvimento, estágio
da dependência absoluta, a relação entre a mãe e o bebê é de identificação primária.
Essa experiência tem sua continuidade em diferentes modos de comunicação. Sua
importância é fundamental para a constituição da identidade pessoal do indivíduo.
Sobre as fases iniciais de comunicação e a constituição da identidade, Dias
(2003, p.131, grifos da autora) escreve:
A constituição do eu, concomitantemente à constituição da realidade intrapsíquica e
da realidade externa, se na relação com o outro; o si mesmo do bebê emerge,
necessariamente, de dentro da unidade mãe-bebê. O “eu”, como uma entidade
separada do não-eu, é um ultrapassamento da identificação primária que ocorre
dentro da unidade fusional inicial. É este o sentido da afirmação de Winnicott de que
o estatuto de EU SOU “[...] não significa nada, a não ser que eu, inicialmente, seja
juntamente com outro ser humano que ainda não foi diferenciado”.
Descrevendo a progressão dos estágios de amadurecimento, e exercendo
práticas clínicas variadas, Winnicott apresentou novos caminhos para a pesquisa da
clínica da psicose. Para ele, dissociações relativas às fases primitivas de constituição
do self, determinam uma clínica especialmente atenta ao manejo. Os modos de
comunicação próprios da fase de indiferenciação, dos estágios mais primitivos do
processo de amadurecimento, são o objetivo específico dessa pesquisa. O conceito de
objeto subjetivo e suas relações com os processos de identificação na comunicação,
são os focos principais de nossa própria reflexão.
16
2.2. A abordagem de aspectos teóricos da clínica das dissociações primárias
através da teoria do amadurecimento, como uma generalização guia.
Em uma carta à Harry Guntrip, em 1954, Winnicott (1990b, p.66) escreveu:
A meu ver, quaisquer teorias originais que eu possa ter são valiosas na condição
de um desenvolvimento da teoria psicanalítica freudiana comum. Meu ensaio sobre
regressão não faria sentido algum se surgisse num mundo que não houvesse sido
preparado para ele por Freud.
Nessa carta, Winnicott deixa entrever sua convicção como psicanalista, e ao
mesmo tempo, reclama a comunicação de suas próprias idéias em seu ambiente, a
comunidade psicanalítica de seu tempo. Coerente em seu pensamento, seu ensaio
sobre a regressão faria sentido somente no contexto criado por Freud. A teoria
psicanalítica freudiana comum pode ser vista como o ambiente que recebe seu gesto,
expresso em suas teorias. No decorrer de seu trabalho, entretanto, nas palavras de
Masud Khan, Winnicott apresenta concepções e conceitos “inteiramente novos”.
(Winnicott, 2000)
A obra e a personalidade de Winnicott são tratadas por diversos autores em
diferentes posições. Não raro, seu trabalho teórico é apresentado no entrelaçamento
de sua trajetória pessoal, como na apresentação de alguns de seus livros. Por outro
lado, estudos sistemáticos do conjunto de suas formulações originam muitas das
atuais linhas de pesquisa em conceituadas instituições de ensino.
No prefácio de O Gesto Espontâneo, Robert Rodmam, escreve: “Winnicott,
firmemente enraizado na tradição psicanalítica, mas também um observador prático
17
de crianças e pais aflitos, podia introduzir a realidade externa como influência sem
sacrificar o significado da vida de fantasias da criança no processo. (Winnicott, 1990,
p.xix)
No mesmo texto, escreve: “Winnicott toma como base a estrutura relacional
do bebê com a mãe, em contraste com Freud, que coloca na mesma posição primária
uma vida pulsional originalmente sem objetos específico.” (Winnicott, 1990, p.xxv)
As duas afirmações desse autor revelam a complexidade do pensamento de
Winnicott que vem sendo discutido como ruptura ou continuidade dentro da
psicanálise. Em nosso meio, tem sido tratada por Loparic (2001), como uma
mudança de paradigma.
Segundo Loparic (2001, p.38), Winnicott não podia deixar de considerar a
conduta concreta (atual) da mãe. Impedido de entender “os distúrbios precoces como
problemas mentais internos” precisava de “procedimentos novos e mais poderosos
que pudessem resolver os problemas clínicos que tinham sua origem na relação mãe-
bebê real e primitiva”. Loparic (2001, p.37) explica: “Essa diferença é de
importância decisiva,pois [...] confronta-nos com a tarefa adicional de definir os
cuidados maternos suficientemente bons[...]”
Comentando o modelo mãe-bebê, Loparic (2001, p.41) escreve:
Ao voltar-se para fatores externos como causas da doença psicótica, Winnicott de
certo modo reverteu a tendência então predominante na teoria psicanalítica de
formular os problemas clínicos em termos de mecanismos mentais, e, mais
radicalmente ainda, em termos de equações simbólicas inatas [...] A psicose foi
transformada num processo “natural”, tendo suas causas em relacionamentos
18
humanos “externos” e reais, e não em relacionamentos e processos internos, e menos
ainda simbólicos.
Ao se preocupar com o que ocorria entre os bebês e suas mães nos estágios
iniciais do amadurecimento, Winnicott mostrou-se sensível e atento às pequenas
porções de realidade que constituíam o mundo para eles. Desagradava-o perceber
que podia encontrar, nas orientações que eram dadas às mães por psicanalistas,
médicos e enfermeiras, o ‘mundo da técnica’, no qual imperativos externos
atrapalhavam a comunicação entre a mãe e o bebê. (Winnicott, 2000)
Afirmando que a psicanálise winnicottiana reflete sobre questões do “não
consciente cindido” e cotejando as visões freudiana e winnicottiana, Loparic (1999,
v.2, p.359, grifo do autor) escreve:
O lugar da cisão não é a consciência, nem mesmo a mente; seu “local” é o próprio
existir humano. O que fica cindido não são as relações entre as representações, mas,
no essencial, a continuidade e os ritmos do ser. [...] As cisões winnicottianas não
assinalam, portanto, algo que aconteceu e não devia. Elas apontam, antes, para algo
que devia acontecer mas não aconteceu.
Essa afirmação remete às discussões mais abrangentes sobre o pensamento de
Winnicott, que veremos em seguida, e ressalta aspectos indispensáveis para a clínica
winnicottiana, ao recolocar, definitivamente, o ambiente como responsável pela
continuidade da experiência de ser. No âmbito dessa discussão mais abrangente, as
experiências de comunicação iniciais com a mãe e as que ocorrem no manejo do
setting, com a pessoa real do analista, podem ser consideradas sob novas
19
perspectivas. Na prática clínica sintomas, tratamentos e resultados observados;
relacionados com a psicose em suas múltiplas formas de expressão - podem ser
estudados.
Winnicott, compara o analista e a e, ao fazer contribuições importantes
para a clínica da psicose, e apresenta problemas teóricos relativos aos procedimentos
clínicos (manejo) de uma variada sintomatologia oriunda de dissociações
elementares, originadas no momento de dependência máxima. Sua noção de um falso
self, tem ampla aplicação na clínica contemporânea, e pode ser empregada no estudo
desta sintomatologia.
Loparic, expondo suas reflexões do proposto por Kunh, em Esboço do
Paradigma Winnicottiano, apresenta a teoria do amadurecimento de Winnicott como
uma generalização guia, para a discussão dos problemas que envolvem o conceito de
objeto subjetivo no manejo do setting.(Loparic, 2001)
Nas reflexões deste autor, vimos que, a matriz disciplinar de uma disciplina
científica é constituída por seus exemplares e por um conjunto de compromissos que
conferem àqueles que os assumem um sentimento de comunidade. Esses
compromissos “são generalizações empíricas que servem de guias”, modelos
ontológicos do objeto de estudo, e os métodos de pesquisa e valores ou normas que
definem a ciência praticada pelos grupos que pertencem à determinada comunidade
científica. (Loparic, 2001)
Nos períodos de pesquisa normal realizadas dentro de um paradigma,
fracassos na resolução de problemas apontam para anomalias que são os problemas
considerados relevantes e que não podem ser resolvidos pela “velha teoria”.
(Loparic, 2001))
20
Anomalias persistentes determinam um período de crise para a pesquisa normal e
exigem que o pesquisador se concentre na anomalia, pensando-a não mais como um
novo quebra-cabeças a ser resolvido dentro do antigo paradigma, mas buscando um
novo que preserve “o essencial da capacidade solucionadora do paradigma anterior.”
(Loparic, no prelo)
Loparic observa que Winnicott estava diante de uma anomalia tal como
descrita aqui quando começou a estudar a psicanálise. Ao perceber sérias
perturbações psíquicas em crianças muito novas, dedica-se ao estudo da relação mãe
bebê. Loparic (2001, p.24) escreve:
De acordo com essa perspectiva, as suas contribuições mais importantes para a teoria
e a prática da psicanálise podem ser vistas como uma tentativa de ultrapassar uma
crise específica dessa disciplina , pelo desenvolvimento de uma nova matriz
disciplinar paradigmática para a psicanálise como um todo, capaz de resolver
problemas que haviam conduzido ele e outros a um impasse, sem, no entanto, se
desfazer de nada ue fosse de importância essencial na obra de seus predecessores.
A pesquisa realizada com apoio no paradigma edípico, permitiu o
desenvolvimento da teoria das neuroses e dos distúrbios psíquicos em geral.
Historicamente, porém, Winnicott não admitiu que era preciso criar novos modelos
para pensar porque encontrou lacunas na metapsicologia freudiana, mas porque
encontrou todo um campo de problemasque revelava a insuficiência do conflito
edípico como um exemplar e de sua generalização guia, a teoria do desenvolvimento
da sexualidade. (Loparic, 2001, grifos do autor)
21
Loparic afirma que o pensamento de Winnicott foi o primeiro verdadeiro
desafio ao paradigma edípico. Como pediatra praticante, e enquanto aprendia a olhar
os distúrbios psíquicos sob a ótica edipiana, observou bebês de 16 mêses com
neurose obssessiva. Levado a pensar uma situação como esta, como pertencendo à
regressão à fases pré genitais do complexo edipiano, não podia imaginar o bebê
preso à algo que ainda não havia acontecido. (Loparic, 2001)
Loparic (2001, p.33, grifos do autor) escreve:
Temos aqui a descrição do problema clínico que deflagrou a pesquisa revolucionária
de Winnicott, a saber, as perturbações que pertenciam ao suposto campo de
aplicação do paradigma edípico, mas que simplesmente não se encaixavam nele. O
paradigma edípico não estava inteiramente errado, na verdade ele era constantemente
confirmado, mas se mostrava insuficiente: mais precisamente, não conseguia fazer
tudo o que Freud esperava que ele fizesse.
Winnicott entreviu a conexão entre o processo de maturação e o ambiente
facilitador, o binômio ambiente indivíduo. Isso, porém, lhe exigiu a formulação de
“uma teoria da dependência e da adaptação”(Loparic,2001). Loparic(2001,p.43,
grifos do autor) diz: Para Winnicott, o binômio natureza e cultivo tomou
definitivamente o lugar da polaridade ortodoxa entre um sujeito (impulsionado por
seus instintos) e seus objetos.”
Debruçado sobre o relacionamento entre o indivíduo e o ambiente, chega a
duas conclusões: que é impossível falar dos primeiros tempos de um indivíduo sem
falar da e; e que, o modelo proposto pela relação inicial mãe bebê não é “uma
22
relação triangular interna (mental),mas um tipo muito especial de relação dual-
externa (não mental).”(Loparic, 2001, p.39)
De acordo com Loparic (2001, p.45), na evolução de seu pensamento,
tomando o problema da esquizofrenia infantil como seu “problema científico
central”, Winnicott vai tecendo seus próprios conceitos e, “sua generalização guia é a
teoria do amadurecimento emocional.” Loparic (2001,p.45) afirma:
Semelhantemente à teoria da sexualidade de Freud, a teoria winnicottiana da
progressão da dependência à independência é uma generalização empírica e não uma
especulação metapsicológica ou de algum outro tipo. Sua construção inicial ocorreu
a partir do material clínico fornecido pelas crianças deprivadas, e seu
desenvolvimento se deu mediante a sua aplicação a sucessivos modos de
relacionamento entre o indivíduo em desenvolvimento e seu ambiente.
Acompanhando o exposto por Loparic nesta reflexão, tomamos a teoria do
amadurecimento de Winnicott como uma generalização guia, perspectiva que nos
permite examinar a progressão dos modos de comunicação do bebê com sua mãe e
do indivíduo criativo com o ambiente em que vive, e suas relações com a clínica
winnicottiana.
As observações de Winnicott sobre as comunicações do bebê com a mãe em
seus momentos mais primitivos, foram relacionadas por ele as dificuldades
encontradas e superadas na prática clínica, descritas nas fases mais tardias de sua
teorização. Para Winnicott, a mãe das comunicações iniciais, é um objeto subjetivo e
o seu comportamento faz parte do bebê, na clínica que se ocupa do manejo, como
uma necessidade imposta por sintomas relativos a dissociações muito primitivas, o
23
comportamento do analista guarda relações importantes com os conceitos de objeto
subjetivo e identificação primária. Winnicott, (1994,p.141) diz: “Ser um fornecedor
suficientemente bom de elemento feminino deve ser uma questão de detalhes muito
sutis de manejo [...]”.
Nesse estudo, o exame das formulações de Winnicott sobre o objeto subjetivo
e a saída da identificação primária como espontaneidade, visa, principalmente,
organizar pontos teóricos potencialmente importantes para discussões que envolvem
a prática clínica.
Loparic (1999, p.367), refletindo sobre o modelo de comunicação não-verbal
entre o paciente psicótico e o analista escreve:
A clínica winnicottiana dos psicóticos, [...], não é calcada sobre um modo de
representar, mas sobre o modo de se relacionar com os outros, a saber, sobre a
relação mãe-bebê. Winnicott entende que o analista deve imitar a disponibilidade
primária da mãe para o contato com seu bebê. A fim de explicitar a natureza da
comunicação entre o paciente e o analista a respeito da cisão e do não-acontecido,
Winnicott debruçou-se, na última fase de sua obra (1960-1971), sobre o fenômeno
de comunicação em geral e dedicou a esse tema - em particular, às formas originárias
de comunicação alguns dos seus trabalhos mais ricos e, ao mesmo tempo, mais
difíceis
24
2.3. A clínica do brincar e a clínica das dissociações primárias.
Em seu artigo, de 1951, Objetos e Fenômenos Transicionais, Winnicott
(1975, p.15, grifos do autor) escreveu:
De todo indivíduo que chegou a ao estádio de ser uma unidade, com uma membrana
limitadora e um exterior e um interior, pode-se dizer que existe uma realidade
interna para esse indivíduo, um mundo interno que pode ser rico ou pobre, estar em
paz ou em guerra. Isso ajuda; mas é suficiente?
Minha reivindicação é a de que, se existe necessidade desse enunciado duplo,
também a de um triplo: a terceira parte da vida de um ser humano, parte que não
podemos ignorar, constitui uma área intermediária de experimentação, para a qual
contribuem tanto a realidade interna quanto a vida externa.
Em, O Brincar e a Realidade, Winnicott (1975, p. 15, grifos do autor) explica
que esta “estudando a substância da ilusão”, e apresenta sua teoria da progressão das
relações de objetos ao longo do desenvolvimento maturacional. Afirma a importância
da constituição de uma área para brincar. Winnicott (1977, p.80) disse: “É no brincar,
e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar
sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu
(self).”
Essa área, que acontece inicialmente entre o bebê e a mãe, foi denominada
uma área de ilusão. Posteriormente acontece entre o indivíduo e o mundo, e foi
chamada por Winnicott de espaço potencial. O lugar do jogo e da experiência
cultural, são também evocados por Winnicott como área de constituição do self
unitário e criativo.
25
A área de ilusão que se inicia na experiência na qual os objetos são
subjetivos, faz parte do estudo da clínica que trata das dissociações primitivas do
self, como veremos em seguida. Nas discussões teórico-clinicas sobre a clínica
winnicottiana, os aspectos que envolvem a transicionalidade, têm sido os mais
enfatizados.
O próprio Winnicott (1975, p.59, grifos do autor) em artigo intitulado O
Brincar, escreveu:
A psicoterapia se efetua na sobreposição de duas áreas do brincar, a do
paciente e a do terapeuta. A psicoterapia trata de duas pessoas que brincam
juntas. Em conseqüência, onde o brincar não é possível, o trabalho efetuado
pelo terapeuta é dirigido então no sentido de trazer o paciente de um estado
em que não é capaz de brincar para um estado em que o é.
O trabalho do terapeuta, “no sentido de trazer o paciente” para um estado no
qual os fenômenos e objetos transicionais possam fazer parte de sua vida, está
relacionado aos cuidados dispensados pela mãe nos estágios primitivos do
desenvolvimento. Segundo Winnicott, o terapeuta deve poder ocupar o lugar da mãe
suficientemente boa, por vezes, de maneiras muito especiais. Para o paciente que
necessita viver experiências relativas a constituição do self, as experiências de ilusão
próprias das relações de objeto subjetivo, como na relação inicial com a mãe, devem
acontecer.
Observando o fenômeno clínico da regressão, em 1967, Winnicott (1994,
p.152) diz:
26
O analista do paciente psiconeurótico acha-se envolvido [...] na análise do
inconsciente reprimido do indivíduo.
Em contraste, onde jaz a esquizofrenia, o analista ou quem quer que esteja tratando o
paciente ou administrando o caso, encontra-se envolvido na elucidação de uma cisão
na pessoa do paciente, o extremo de uma dissociação. Forneço aqui um diagrama de
minha idéia da cisão básica na enfermidade psicótica, mas clinicamente a cisão,
sendo subtotal, pode aparecer em várias formas de dissociação, tais como Self
Verdadeiro e Falso Self, e na vida intelectual ex-cindida do viver psicossomático.
Winnicott fala da constituição do self em termos das características do
ambiente desde seus primeiros trabalhos. O conceito de objeto subjetivo, modo de
comunicação do bebê nos primórdios da constituição do self, é apresentado em seus
trabalhos mais tardios, relacionado às noções de saúde e criatividade para Winnicott.
A participação do ambiente como ambiente facilitador será estudado em seus
processos mais específicos quanto às sutilezas envolvidas na comunicação inicial e
quanto ao ambiente que se amplia, do colo da mãe para o setting analítico e para as
experiências culturais.
Em 1967, numa palestra intitulada O Conceito de Indivíduo Saudável
Winnicott (1996, p.26) disse:
[...] o colapso potencial domina a cena [...] Refiro-me às pessoas que tiveram que
organizar uma fachada, um falso self para lidar com o mundo, tendo essa fachada se
transformado numa defesa contra o verdadeiro self. (O verdadeiro self foi
traumatizado e não pode mais ser encontrado, pelo risco de ser novamente ferido.) A
organização de um falso self é aceita facilmente pela sociedade, embora ela pague
um alto preço por isso.
27
Nessa mesma ocasião, Winnicott, referindo-se as relações entre a mãe e o
bebê para a constituição do indivíduo saudável diz que “a criança vive num mundo
subjetivo e a mãe se adapta”. Diz que o ambiente como ambiente facilitador em
“seus ajustes adaptativos progressivos às necessidades individuais poderiam ser
isolados, para estudo, como uma parte do estudo da saúde.”(Winnicott, 1996,p.18)
Ocupar o lugar de objeto subjetivo para o bebê num ambiente suficientemente
bom, pertence ao estudo do setting winnicottiano, nos tratamentos das dissociações
primitivas.
Se assumirmos a tarefa de definir o ambiente suficientemente bom, temos que
examinar as pequenas porções de realidade vividas no setting, no qual a experiência
do analista pode vir a ser parte da experiência vivida pelo paciente.
Winnicott desenvolveu um tipo de trabalho chamado de Consultas
Terapêuticas que apresenta seu modelo clínico. O próprio Winnicott (1984, p.9)
adverte: “A técnica para esse trabalho dificilmente pode ser chamada de técnica.”.
Winnicott entendia, que o mais importante nestas situações de consulta, era a
experiência mútua de jogo e liberdade pela qual passavam juntos, a criança e o
terapeuta envolvidos. Brincando com o jogo do rabisco, uma experiência de
integração, por vezes curativa para a criança, podia acontecer.
Winnicott apresentando a clínica da transicionalidade, nas experiências das
consultas terapêuticas, observou que, por vezes, uma comunicação especial podia
acontecer. O autor usou expressões como “momento sagrado” e comunicação
profunda” para falar do modo de comunicação que mantém relações com seus
conceitos de objeto subjetivo e identificação primária. Refere-se a esta comunicação,
28
destacando a semelhança com a comunicação inicial entre a mãe e o bebê.
(Winnicott, 1984, 1994)
O modelo de comunicação proposto por Winnicott para as fases mais
primitivas do desenvolvimento, será reencontrado em seu modelo para a clínica. No
quadro proposto por sua teoria do amadurecimento, os cuidados para com o paciente
modificam-se como os cuidados da mãe. Sob a perspectiva da progressão da
dependência à independência, os ajustes adaptativos no setting serão diferentes.
Quando o paciente não pode brincar, o analista, como uma mãe
suficientemente boa, deve se adaptar. Esta adaptação, foi descrita por Winnicott,
como no modelo proposto pelo conceito de identificação primária, em situações
clínicas inusitadas. Winnicott descreveu experiências de comunicação relacionadas
ao objeto subjetivo, no setting, algumas vezes, extremamente modificado. Winnicott
(1984, p.10) escreveu: “... o tipo de trabalho que descrevo neste livro tem uma
importância que a psicanálise não possui ao atingir a necessidade e pressão sociais
nas clínicas.”
Em 1961, em palestra sobre Tipos de Psicoterapia, Winnicott (1996, p.83)
escreveu:
Uma família que continua a cuidar de uma criança fornece oportunidades para a
regressão a uma dependência a mesmo muito intensa. Realmente, uma
característica constante de uma vida familiar que esteja bem adaptada ao meio social
é que essa oportunidade seja contínuamente oferecida, com o intuito de restabelecer
e enfatizar elementos de cuidado que inicialmente pertencem ao cuidado infantil.
29
Essas afirmações de Winnicott pedem o estudo dos modos de adaptação e
comunicação possíveis na prática psicanalítica winnicottiana. Motivaram nossa
reflexão sobre as condições necessárias para que seja favorecido um ambiente
suficientemente bom para a experiência de comunicações pertencentes às fases
primitivas do desenvolvimento. Winnicott apresentou esses momentos na descrição
de sua própria clínica.
Estudos pioneiros sobre a prática clínica winnicottiana, abordaram estas
questões que estão implicadas na clinica das dissociações primárias. Refletindo sobre
problemas abrangentes relativos à difusão da psicanálise, Lins (1998, p.122)
apresenta suas reflexões sobre a prática clínica, orientada pelo pensamento de
Winnicott. Escreve:
A relevância do ambiente é de fato, inerente à teoria winnicottiana do
desenvolvimento afetivo do indivíduo, e é particularmente enfatizada pelas noções
de ambiente facilitador e de preocupação materna primária. O apoio oferecido à
criança pela família, e especialmente pela mãe, tem uma dimensão que, para
Winnicott, transcende um determinado estatuto sociocultural.
O ambiente facilitador e a mãe capaz de viver a preocupação materna
primária não são, nas palavras de Lins (1998,p.123), “um privilégio de classe ou o
produto de um aprendizado formal”, e podem ser melhor compreendidos através do
estudo da clínica do manejo. Fornecer um ambiente suficientemente bom é a tarefa
do analista no setting. Lins (1998, p.122) afirma que, para Winnicott “os limites de
sua prática analítica ampliam- se segundo as necessidades de cada caso” e que os
30
aspectos sociais e culturais integram-se à própria teoria e não constituem, portanto,
barreira intransponível à prática analítica.”
Apresentando o pensamento de Winnicott sobre a constituição da identidade
pessoal sempre em interação com o ambiente, Lins (1998, p.122) escreve :
É desde o início e principalmente que a criança deve poder contar com um
meio que lhe a possibilidade de se tornar ela própria. Representado pela mãe, em
um momento arcaico do desenvolvimento, este ambiente depende do apoio do pai e
da sociedade. Segundo Winnicott, o ambiente não se reduz à mãe dos primeiros
tempos.
A clínica winnicottiana, pensada nesses termos, pode ser compreendida como
aquela que é a sobreposição de dois espaços para brincar, das muitas maneiras que
isto possa ser pensado. O analista no setting vai se adaptar como a mãe
suficientemente boa dos diferentes estágios do desenvolvimento, inclusive os mais
primitivos
No ambiente mais amplo, orientações e assistência podem significar o manejo
necessário, até mesmo para casos graves que envolvem dissociações primárias, como
veremos na sessão final deste trabalho.
Como médico do Paddington Green Children’ s Hospital por 40 anos de
trabalho contínuo, Winnicott chegou a atender cerca de 60 mil casos. Seus programas
radiofônicos sobre desenvolvimento infantil na BBC eram ansiosamente esperados
por um grande público. Seus livros em linguagem simples e compreensível, atestam
o reconhecimento do valor de suas idéias de maneira concreta.
31
No prefácio de O Brincar e a Realidade, escrito por Pontalis para a tradução
francesa em 1975, este autor aponta a reiterada tentativa de Winnicott de chamar a
atenção da comunidade psicanalítica para o uso que esta vinha fazendo de suas
comunicações. Pontalis (1971, p.10, grifos do autor) diz:
[...] apesar da rapidez com que o artigo sobre o objeto transicional havia sido
observado e rapidamente considerado um clássico, sua proposição fundamental
encontrou-se rapidamente limitada, por aqueles mesmo que a adotavam, a de um
objeto. Um objeto a mais! A ser inscrito como precursor dos objetos parciais, o mais
próximo do objeto fetiche, um objeto do qual conviria recensear sempre mais
precisamente as amostragens, de datar e de circunscrever o uso, ao passo que o que
interessa antes de mais nada a Winnicott, mas o interessa de início clinicamente, e o
que tem valor em sua descoberta para todo psicanalista, é a área intermediária: área
que a psicanálise não somente negligenciou mas que num sentido, seus instrumentos
conceituais – teóricos e técnicos – a impedem de perceber e com isso de fazer advir.
O estudo da participação do conceito de objeto subjetivo e de identificação
primária, implica no fazer advir da clínica das psicoses.
32
2.3.1. O ambiente –a mãe- e as comunicações na fase de dependência máxima e a
experiência do self .
O estudo das comunicações na fase de dependência, apresenta novas
perspectivas para clínica na qual o manejo é o mais importante. Está relacionado a
conduta do analista capaz de esperar e de se identificar com seu paciente.
Em 1960, no artigo Distorções do Ego em termos de Falso e Verdadeiro Self,
Winnicott (1990, p.129) escreveu:
A experiência me levou a verificar que pacientes dependentes ou em regressão
profunda podem ensinar o analista mais sobre o início da infância do que se pode
aprender da observação direta de lactentes [...] Ao mesmo tempo, o contato clínico
tanto com experiências normais como anormais do relacionamento mãe- lactente
influencia a teoria analítica do analista, uma vez que o que ocorre na transferência
(nas fases de regressão de alguns desses pacientes) é uma forma de relacionamento
mãe-lactente.
Ao propor sua teoria do amadurecimento como o eixo do desenvolvimento
humano, Winnicott recorre à noção de um self em desenvolvimento, em contínua
interação com seu ambiente. Afirmando a existência de um aspecto deste, chamado
por ele de verdadeiro self, sede das trocas significativas entre o indivíduo e seu
mundo, pressupõe sua existência sempre relacionada ao meio onde se encontra. A
noção de self figura como um dos importantes conceitos desenvolvidos pelo autor
em sua busca de compreender o sofrimento de seus pacientes psicóticos.
Nos muitos trabalhos publicados que nos deixou, chama nossa atenção para a
experiência de identificação que ocorre entre a mãe e o bebê, a identificação
33
primária, conceito que coloca em discussão, a participação de fenômenos não
simbólicos ou representáveis nos processos iniciais de comunicação entre o bebê e
sua mãe e na psicoterapia.
Quando fala dos primeiros momentos entre a mãe e o bebê, Winnicott sempre
ressalta a importância da identificação da mãe, a preocupação materna primária. Ao
longo dos anos, pensando pela perspectiva do bebê, destaca também a identificação
primária, a participação do bebê. (Winnicott, 2000)
Em uma palestra, em 1966, Winnicott (1999, p.9, grifos do autor) disse:
A mãe tem um tipo de identificação extremamente sofisticada com o bebê, na qual
ela se sente muito identificada com ele, embora , naturalmente, permaneça adulta. O
bebê, por outro lado, identifica-se com a mãe nos momentos calmos de contato, que
é menos uma realização do bebê que um resultado do relacionamento que a mãe
possibilita. Do ponto de vista do bebê, nada existe além dele próprio, e portanto a
mãe é aqui parte dele. Em outras palavras, algo, aqui, que as pessoas chamam de
identificação primária. Isto é o começo de tudo, e confere significado a palavras
muito simples, como ser.
Quando o modelo mãe- bebê é transposto para a clínica, a identificação
primária passa a ser um fenômeno de comunicação silenciosa e profunda que desafia
nossos modos tradicionais de pensar a clínica.
Ao focalizar a comunicação não verbal, Winnicott aponta sobretudo para a
necessidade de compreensão deste modo de comunicação que se faz presente não
apenas nos primórdios do desenvolvimento do psiquismo, mas também, momentos
regressivos do tratamento psicanalítico.
34
Na identificação primitiva com a mãe é constituída a base para que a criança
possa tornar-se ‘ela própria’. A ausência de comprometimentos significativos
levando a um estabelecimento satisfatório de um sentimento de ser. Esses
comprometimentos quando manifestados no setting, levam o analista e o paciente à
experiências relacionadas aos momentos iniciais do desenvolvimento.
Loparic (1999,p.362), comentando a comunicação entre o analista e o
paciente no paradigma winnicottiano escreve:
A situação dos psicóticos é diferente. Para caracterizar essa diferença, é preciso
lembrar que a externalidade e a objetividade do mundo, assumida pelos neuróticos, é
uma criação do processo de amadurecimento e que possui, em virtude disso, um
certo caráter ilusório. [...] Tal não acontece com os psicóticos, cujo problema
essencial é justamente a falta de ilusão básica, sobre a possibilidade do contato com
o mundo externo. Esta falta de ilusão não decorre do abandono de cargas sobre
representações por imagem e a conseqüente perda de conexão entre representações
por palavras e representações por imagem, como pensava Freud, mas é devida à não-
constituição, numa fase anterior, de um mundo confiável de objetos subjetivos.
O cuidado satisfatório possível na presença de uma mãe suficientemente boa,
no início é o ambiente onde a singularidade do novo bebê , pode surgir. A mãe,
permite a inauguração de um modo de ser, que acontece quando a identificação
primária pode ocorrer.
Comentando como a mãe proporciona o ambiente que evita as dissociações
primitivas, a mãe capaz de experimentar a preocupação materna primária, Lins
(1998, p.123) escreve:
35
Isto não significa que as mães tudo sabem por intuição, mas sem dúvida
Winnicott supunha nelas um conhecimento natural que não deveria ser
arruinado pelo saber transmitido. o se trata de um atributo biológico inato,
mas da capacidade que tem a e de identificar-se ao filho sem lhe impor
suas próprias maneiras de ver.
Sendo a mãe um objeto subjetivo para o bebê, no paradigma winnicottiano,
isto significa que seu ‘jeito de ser’ como um todo, realmente faz parte do bebê.
Para estudar o manejo da clínica das dissociações primárias, Winnicott falou
de formas especiais de mutualidade. Estudando o binômio ambiente-indivíduo,
segundo Loparic (2001, p.42):
Em oposição a Freud, Winnicott não definiu os relacionamentos externos como
sexuais, nem como sociais ou mesmo psicológicos, mas em termos “pessoais”,
tomando como modelo as formas especiais de mutualidade e intimidade entre a mãe
e seus bebês. [...]Os únicos fatos que poderiam contar como causa potenciais dos
distúrbios psíquicos desse tipo são eventos que podem acontecer e ter sentido na
experiência do bebê.
Winnicott descreve uma preocupação materna primária. Para que esta
experiência seja suficientemente bem vivida, formas especiais de mutualidade e
intimidade devem acontecer. O conceito de objeto subjetivo descreve fenômenos de
comunicação envolvidos nas formas especiais de mutualidade.
36
A identificação primária é o primeiro fenômeno de comunicação que ocorre
entre a mãe e o bebê, e funda uma possibilidade de comunicação entre o homem e o
mundo. Do estabelecimento da comunicação com os objetos que são subjetivos,
surge a possibilidade da comunicação através do uso dos objetos e fenômenos
transicionais. O self, segue em desenvolvimento no mundo da cultura, desde que no
início, coisas muito simples possam efetivamente acontecer.
Em uma palestra em 1952, intitulada Psicose e Cuidados Maternos, Winnicott
(2000, p.310) disse:
[...] tentarei mostrar que na infância a psicose é algo comum, mas passa despercebida
devido ao modo como os sintomas ocultam-se entre as dificuldades normais
inerentes à criação de filhos. O diagnóstico é feito quando o ambiente não consegue
ocultar ou resolver as distorções do desenvolvimento emocional, levando a criança a
organizar-se em torno de uma linha de defesa que se torna reconhecível como uma
entidade patológica. Esta teoria parte do princípio de que as bases da saúde mental
são lançadas na primeira infância pelas técnicas utilizadas com naturalidade por uma
mãe preocupada em cuidar de seu filho.
Neste trabalho, o autor põe em relevo a necessidade do bebê dominar.
Winnicott (2000, p.310) diz: o am biente lhe permite manter-se em isolamento sem
ser perturbado. O bebê de nada sabe. Nesse estado ele faz um movimento espontâneo
e o ambiente é descoberto sem perda da sensação de ser.”
Winnicott estudou “todo o processo do desenvolvimento inicial do
psicossoma, incluindo os adiamentos e as distorções”. Interessado em conhecer sobre
o indivíduo, “ainda no interior do conjunto ambiente- indivíduo, no momento em que
37
dali começa a emergir.” o autor esta apresentando também sua teoria do self.
(Winnicott, 2000)
Descreve duas experiências possíveis. Quando existe uma adaptação ativa
suficientemente boa, o bebê segue vivendo e encontra o ambiente a partir dele
mesmo. Quando existe a “falha da adaptação suficientemente boa” (idem,p.310)
surgem as dificuldades impostas pelas exigências das defesas psicóticas. A criança
levada a reagir às intrusões ambientais, muitas vezes, por dificuldades do processo de
identificação vivido pela mãe, vive o que nos descreve Winnicott: “Os
relacionamentos provocam uma perda da sensação de ser, que vem a ser readquirida
somente pelo retorno ao isolamento”(Winnicott, 2000, p.310)
Em 1956, em seu texto Preocupação Materna Primária, chega a comparar a
‘uma doença’ este estado da mãe descrito em termos de identificação. De início diz:
“Em linguagem mais comum, existe uma identificação consciente mas também
profundamente inconsciente que a mãe tem com seu bebê.” (Winnicott, 2000,
p.400)
Winnicott esta interessado em apontar a diferença do vivido pela mãe daquilo
vivido pelo bebê. Este, vivendo em um estado de dependência absoluta sequer deve
perceber isto, o que pode acontecer quando a mãe vive um fenômeno complexo” de
identificação. (Winnicoot, 2000)
O estado da mãe também é descrito como muito especial, um estado
psicológico que merece um nome, tal como preocupação materna primária” que
seria: “...um estado de retraimento ou de dissociação, ou uma fuga, ou mesmo um
distúrbio num nível mais profundo, como por exemplo, um episódio esquizóide,
onde um determinado aspecto da personalidade toma o poder temporariamente.”
(Winnicoott, 2000, p.401).
38
Winnicott deixa claro que esta condição organizada de sensibilidade
exarcebada, expressa uma característica da ‘mãe devotada comum’, mas adverte que
algumas mães, mesmo boas quanto a muitos aspectos, não são capazes “de contrair
essa ‘doença normal que lhes possibilitaria a adaptação sensível e delicada às
necessidades do bebê nos primeiros momentos.” (Winnicoot, 2000, p.401) Ainda
no texto de 1956, ao discorrer sobre a identificação da mãe, Winnicott (2000, p.403)
diz: “Somente no caso de a mãe estar sensível do modo como descrevi poderá ela
sentir-se no lugar do bebê, e assim corresponder às suas necessidades.”
Explicita que nesta fase, as falhas da mãe são vividas como intrusões que
exigem reações do bebê, e estas, interrompem seu ‘continuar a ser’ proporcionando
uma “ameaça de aniquilação” ou “ameaças à existência pessoal do eu”. (Winicott,
2000)
Quando as condições do ambiente são desfavoráveis, Winnicott (2000, p.404)
afirma: “O sentimento de realidade encontra-se ausente, e se não houver caos em
excesso o sentimento final será de inutilidade”
Lins (2002, p.803) no estudo sobre a teoria do self na obra de Winnicott,
remete a Pontalis para afirmar que “o estudo do self deve ser focalizado dentro de
uma perspectiva mais ampla. A questão para Winnicott seria: Em quais condições o
que acontece a um indivíduo toma sentido e vida para ele?”
Pontalis escreve:
Não esqueçamos este simples dado: se psicanalistas de orientação tão diferente como
Edith Jacobson ou Rene Sptiz, Winnicott ou Guntrip fizeram intervir o self em suas
conceitualizações, eles o fizeram para tentar responder a problemas que a análise de
39
alguns de seus pacientes lhes colocava e não para demonstrar a insuficiência ou a
carência da metapsicologia freudiana.” (Pontalis, J.B.,1977,p.162)
Esse autor aponta para a dificuldade dos estudiosos da psicanálise em ver
nestas colocações uma noção nova e necessária, que na verdade até nossos dias,
ainda é vista como uma concepção que a psicanálise havia descartado:
Considerada pré- analítica, de um sujeito unificado e unificante, que pode
reconhecer-se como si e como o mesmo, unidade e continuidade, recoloca em
discussão a irredutibilidade do conflito, a alteridade do inconsciente, a
inconciabilidade das representações, a parcialidade das pulsões e a multiplicidade
das identificações. Discussão que se não nega a existência destes fenômenos,
reclama um espaço para a revisão de seu estatuto de característica universal humana,
sua ontologia.
Mesmo ainda não podendo concordar plenamente com a noção de self,
Pontalis reconhece:
Há, com frequência, nos argumentos que certas pessoas colocam contra a introdução
do self em análise, uma ênfase que, paradoxalmente, lembra a tradição filosófica de
antigamente em oposição ao inconsciente freudiano: - Mas, enfim, isso não é
pensável! Sabe-se o que se seguiu. E a resposta que convém: - Talvez, o que não
impede que exista...
O estudo do self mantém estreita relação com o estudo das comunicações das fases
primitivas do desenvolvimento. As falhas de comunicações cuja origem remonta a
40
experiência de identificação primária com a mãe e aos primeiros gestos do bebê, são
as responsáveis pelas dissociações primitivas com as quais o analista vai se
encontrar.
Lins ( 2002, p.796) afirma:
A importância do estudo do falso self para a clínica leva Winnicott a dedicar-se
predominantemente a ele. [...] Colocando a etiologia do self no estágio primário do
amadurecimento do indivíduo, esse autor diferencia sua teoria das concepções
freudianas: O estudo dos estágios iniciais diz respeito à observação da relação mãe-
bebê e não aos primeiros mecanismos de defesa do ego, organizados contra impulsos
do id.
Winnicott fala de um verdadeiro contato com a realidade, referindo-se à
conquista na tarefa de realização, do self verdadeiro. Posição alcançada por
facilitação de um ambiente suficientemente bom. Diz: “Toda falha relacionada à
objetividade, em qualquer época, refere-se a falha nesse estágio do desenvolvimento
emocional primitivo.”(Winnicott, 2000,p.228)
Conduzido ao estudo da relação entre os elementos mais primitivos presentes
no desenvolvimento emocional, observa a necessidade de “mudanças na relação
transferencial” (Winnicott, 2000, p,220) Para Winnicott, aqueles pacientes para os
quais as dificuldades têm origem em momentos anteriores à posição depressiva, o
manejo do setting torna-se uma necessidade imperativa. Winnicott (1996, p.60,
grifos do autor) diz:
41
Vou colocar nesta categoria todos os fracassos de organização do ego que indicam
uma tendência do paciente para a esquizofrenia, um tipo mais primitivo de
enfermidade. Aqui existe ameaça de desintegração, e o as defesas psicóticas
(divisão, etc.) que definem o quadro clínico, que inclui divisão, despersonalização,
sentimentos de irrealidade, falta de contato com a realidade interna. Talvez haja um
elemento esquizóide difuso, complicando a depressão, de tal modo que se pode
empregar a expressão “depressão esquizóide”. Ela implica que uma certa
organização do ego (depressão) é mantida apesar da desintegração que a ameaça
(esquizóide).
Quando existe, nas palavras de Winnicott, uma tendência do paciente para a
esquizofrenia, o paciente pode reviver no setting analitico a tarefa de ‘criar o
mundo’. Para isso, o analista precisa ser o ambiente. Refazendo a condição na qual a
identificação primária e as comunicações de objeto subjetivo constituem um começo.
Winnicott (2000, p.223) afirmou: “Uma grande parte do que tendemos a considerar
óbvio teve um começo e uma condição a partir dos quais iniciou-se o seu
desenvolvimento”.
Lins (1998, p.3) afirma:
[...] implicado na relação das mãe com seus bebês e no tratamento de
pacientes psicóticos, Winnicott é conduzido à criação de uma nova teoria do
objeto : uma teoria para além da bipolarização freudiana entre o percebido e o
representado [...] Na concepção winnicottiana, podemos falar de três espaços
ou mundos onde habitam os objetos.
42
Apresentando a teoria de objeto no pensamento de Winicott, Lins (1998, p.4)
afirma que:
A relação do bebê com os objetos subjetivos, forma mais primitiva de ligação
afetiva, é de identificação através de um processo que nada tem a ver com o
paradigma da incorporação, como ocorre com a identificação primária descrita por
Freud, mas sim com a adequação dos primeiros cuidados maternos.
Explica que são três os espaços ou mundos onde “habitam os objetos” o
primeiro, lugar da indiferenciação entre o Eu e o Não-Eu, é o campo da experiência
de onipotência. Os objetos são subjetivos, o que significa que o bebê é o mundo e
vive uma ‘experiência de ser’. É neste mundo que tem início o processo de
constitiução do self, que se comunica com os objetos subjetivos de maneira direta,
numa relação de ser os objetos. (Lins, 1998)
Sobre o self Lins (1998, p.4) diz:
Um eu que não se identifica com o objeto do desejo materno, pois, paradoxalmente,
se constitui como entidade autônoma, a partir dos processos de identificação com os
objetos subjetivos. Com esses objetos ele se comunica de maneira direta e implícita
numa relação de ser.
Essa experiência , antecipa o espaço seguinte, área dos objetos transicionais.
Sobre estes, Lins (1998, p.5, grifos da autora) diz:
Não são simulacros, nem entidades “como se”. Distinguem-se dos objetos internos
por não serem apenas um conceito mental. Com eles o sujeito tem uma relação de
43
posse: a possessão de objetos not-me que ainda não são, entretanto, other-than-me.
Nisto diferem dos objetos comumente chamados de externos.
São os objetos transicionais que “asseguram a riqueza da vida imaginativa” e
proporcionam uma adaptação à realidade na qual um colorido pessoal estará sempre
presente. (Lins, 1998)
Winnicott (1999, p.78) diz: “Este mundo real tem muito a oferecer, desde que
a sua aceitação não signifique uma perda da realidade do mundo pessoal imaginativo
ou interior.”
Uma adaptação à realidade que conserva a riqueza imaginativa e pessoal são
as duas mais importantes funções dos objetos transicionais e explicitam um modo de
apreensão do mundo que é paradoxal, onde o reconhecimento da realidade do mundo
não diminui a importância do reconhecimento da realidade do ser.
Lins afirma que numa relação de continuidade e também de simultâneidade
teremos então o terceiro mundo. Chamado mundo compartilhado, é nele que aquilo
que necessitamos da externalidade, do mundo e dos outros, será reconhecido.
Surgirão os símbolos e as palavras, e os objetos aí percebidos serão Não-Eu, embora
conservem a marca de cada indivíduo que o percebe. (Lins,1998)
Lins (1998, p.6) esclarece: “..por isso mesmo, eles não são chamados de
externos, mas de objetos do mundo compartilhado.”
A participação do analista na clínica das dissociações primitivas, tal como a
mãe na relação com a criança, requer a capacidade de adaptação que leva em
consideração os muitos modos de relação de objeto propostos por Winnicott. Lins
(1998, p.7) diz:
44
Em sua teoria do objeto, Winnicott chama a atenção para o fato de que o mais
subjetivo dos objetos depende, quanto a sua gênese, do que está fora, mesmo se o
exterior não é percebido comom tal, enquanto o mais objetivo dos objetos traz a
marca da subjetividade. A realização de experiências nos três espaços apontados
depende dos cuidados adequados de uma mãe suficientemente boa.
Sobre a comunicação entre o analista e o paciente que necessita de cuidados
quanto a dissociações primárias, Loparic (1999, p.364, grifos do autor) escreve:
Ao regredir à dependência, o analisando torna-se o analista no sentido transitivo do
verbo ser- assim como o bebê é a mãe, na hora da identificação primária e quer ser
tratado como tal. O analista terá, portanto, que aceitar existir no mundo subjetivo do
paciente. Quando isso acontece, o analista tampouco será objeto externo para o
analisando, ele passará a ser seu “objeto subjetivo.
45
3.
A IDENTIFICAÇÃO PRIMÁRIA. UMA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE
OBJETO SUBJETIVO NA CLÍNICA. O AMBIENTE SUSTENTANDO A
EXPERIÊNCIA DE SER
3.1. Textos anteriores a 1960. Primeiras descrições sobre o momento de
indiferenciação.
Nos textos iniciais, Winnicott (2000, p. 222) não fala em identificação
primária mas de um começo e uma condição. No artigo de 1945, Desenvolvimento
Emocional Primitivo diz:
[...] quando um ser humano se percebe uma pessoa relacionada a outras pessoas, um
longo caminho foi percorrido em termos do desenvolvimento primitivo.
Nossa tarefa é a de examinar o que ocorre com os sentimentos e a
personalidade do bebê antes desse estágio que reconhecemos como atingido
entre os cinco ou seis meses
Segundo Winnicott, seu objetivo central neste trabalho era apresentar sua tese
sobre a importância vital do desenvolvimento emocional primitivo do bebê. Faz isso
falando dos momentos de não-integração do bebê e enfatizando a importância da
mãe como o ambiente inicial. (Winnicott, 2000)
Estudando o ambiente Winnicott (2000, p.224) diz:
Quanto ao ambiente, pedaços da técnica do cuidar, de rostos vistos e sons ouvidos e
cheiros cheirados são apenas gradualmente reunidos e transformados em um único
46
ser, que será chamado mãe. Na situação transferencial durante a análise de um
paciente psicótico temos a mais clara prova de que o estado psicótico de não-
integração tinha o seu lugar natural num estágio primitivo do desenvolvimento
emocional do indivíduo
Um incessante enriquecimento a partir da realidade interna e externa acontece
se, na experiência inicial entre a mãe e o bebê, as condições para isso são expressas
pela devoção da mãe. Winnicott (2000, p.224) diz:
A tendência a integrar-se é ajudada por dois conjuntos de experiências: a técnica pela
qual alguém mantém a criança aquecida, segura-a e dá-lhe banho, balança-a e a
chama pelo nome, e também as agudas experiências instintivas que tendem a
aglutinar a personalidade a partir de dentro. Na vida normal do bebê ocorrem longos
períodos de tempo nos quais o bebê não se importa em ser uma porção de
pedacinhos ou um único ser, nem se ele vive no rosto da mãe ou em seu próprio
corpo, desde que de tempos em tempos ele se torne uno e sinta alguma coisa.
Outro importante processo compreendido no fenômeno da integração é o
processo de realização. Winnicott(2000, p.227) alerta que quando pensamos em
realização “alcançamos imediatamente uma outra questão de dimensões colossais,
que é o relacionamento primário com a realidade externa.”
Winnicott (2000, p.227, grifos do autor) descreve esses momentos
observando o ambiente, a mãe, e o bebê. Diz:
A mãe tem o seio e o poder de produzir leite, e a idéia de que ela gostaria de ser
atacada por um bebê faminto. Esses dois fenômenos não estabelecem uma relação
47
entre si aque a mãe e o bebê vivam juntos uma experiência [...] uma situação que,
com sorte, pode resultar no primeiro vínculo estabelecido pelo bebê com um objeto
externo, um objeto que é externo ao eu do ponto de vista do bebê.
Para Winnicott, as repetidas experiências nessa fase primitiva do
desenvolvimento, são fundamentais para o posterior contato criativo com a realidade.
Winnicott está falando das experiências do bebê nas quais, para ele, os objetos são
objetos subjetivos, sem assim denomina-los, neste período de sua teorização.
Winnicott (2000, p.227) diz:
Imagino esse processo como se duas linhas viessem de direções opostas, podendo
aproximar-se uma da outra. Se elas se superpõe, ocorre um momento de ilusão
uma partícula de experiência que o bepode considerar ou como uma alucinação
sua, ou como um objeto pertencente à realidade externa.
A mãe identificada e devotada ao seu bebê, providencia este ‘algo’ que o
bebê precisa, enriquecendo sua expectativa, segundo Winnicott (2000, p.227):
[...]por detalhes reais de visão, sensação, cheiro, e na próxima vez esses materiais
serão usados na alucinação. Deste modo ele (o bebê) começa a construir a
capacidade de conjurar aquilo que de fato esta ao alcance. A mãe deve prosseguir
fornecendo ao bebê esse tipo de experiência.
Winnicott esta abordando as comunicações do bebê compreendidas em seu
conceito de objeto subjetivo como um tipo especial de comunicação entre a mãe e o
bebê que ocorre no interior do processo chamado por ele de realização.
48
Uma comunicação silenciosa, promovida por repetidas experiências de
contato entre o bebê e a mãe, que acontece na interação de fenômenos de
identificação. A devoção da mãe descrita como preocupação materna primária, é o
fenômeno complexo de identificação que vive a mãe. Para Winnicott, a identificação
primária é fenômeno de identificação desde o ponto de vista do bebê.
Em Pediatria e Psiquiatria, texto de 1948, Winnicott fala de uma comunicação
direta, que acontece por identificação, da mãe com seu bebê, e do bebê com seus
objetos subjetivos. Esta comunicação sendo inaugural no sentido da constituição do
self.
Descrevendo os primeiros tempos, e observando a mãe, Winnicott (2000,
p.237) diz:
No início ela permite que o bebê domine, estando disposta (visto que o bebê está tão
perto de ser uma parte de si mesma) a manter-se de prontidão para responder-lhe.
Aos poucos ela vai introduzindo o mundo externo, compartilhado, graduando
cuidadosamente essa introdução de acordo com as necessidades do bebê, que variam
dia a dia e de hora em hora
Neste texto continua chamando de devoção o que vive a mãe, mas introduz
o conceito de objeto subjetivo, quando pensa a partir do bebê, no conjunto ambiente-
indivíduo. Descrevendo a experiência do bebê, Winnicott (2000, p.240) diz:
No início a mãe permite que o bebê domine, e se ela falhar nesse ponto o objeto
subjetivo do bebê não receberá a superposição do seio objetivamente percebido.
Certamente deveríamos dizer então que, ao adaptar-se ao impulso do bebê, a mãe
permite que este tenha a ilusão de que aquilo que ali está foi criado por ele. Como
49
resultado teremos não apenas a experiência física da satisfação instintiva como
também a ligação emocional, e o início de uma crença na realidade como algo sobre
o qual é possível ter ilusões.
Apenas em determinadas condições, uma vivência suficiente de objeto
subjetivo, que encontra a sobreposição de objetos concretos, existentes como fatos,
tem início o contato com a realidade que Winnicott chama de verdadeiro e
enriquecedor. Sendo este tipo de contato, condição necessária para a experiência de
ser uma pessoa em contínua interação com o mundo da cultura, base para a saúde em
Winnicott.
Falando sobre a importância do “apoio-sem interferência”, Winnicott (2000,
p.239) diz:
O ambiente é tão vitalmente essencial nessa tenra idade, que nos sentimos
conduzidos à inesperada conclusão de que a esquizofrenia é uma espécie de doença
provocada por uma deficiência ambiental, visto que um ambiente perfeito no início
pode, ao menos teoricamente, ser percebido como capaz de permitir que o bebê
realize o desenvolvimento emocional ou mental primário, o qual o predispõe a um
desenvolvimento subsequente e assim à saúde mental pela vida afora.
Winnicott usou a expressão objeto subjetivo do bebê, descrevendo as fases
primitivas do desenvolvimento, o momento da indiferenciação. Fala de um objeto
que é também sujeito, experiência na qual o que possa existir de psíquico no bebê,
encontra algo que será ele próprio (self) e objeto a um tempo. Mas no início, não
50
são palavras, ou representações o que importa, e sim o encontro entre aquilo criado
pela necessidade do bebê e o oferecido pelo ambiente.
Em 1952, em Psicose e Cuidados maternos, dedicando-se ao estudo
minucioso do comportamento adaptativo da mãe, Winnicot fala da mãe, de sua
função de identificar-se com o bebê. Explicita que cisões básicas, são resultado de
fracassos da adaptação ativa da mãe. Esta adaptação, necessáriamente incluindo um
estado especial da mãe, sua capacidade para preocupação materna primária.
Comentando o seu diagrama ilustrativo da “primeira mamada teórica”
Winnicott (2000, p.311) diz:
O potencial criativo do indivíduo surgido da necessidade, produz um estado propício
à alucinação. O amor da mãe e sua estreita identificação com o bebê fazem-na
consciente da necessidade deste, o que a leva a providenciar alguma coisa mais ou
menos no lugar certo e no momento certo. Essa situação, muitas vezes repetida, da
início à capacidade do bebê para usar a ilusão, sem a qual nenhum contato com a
realidade seria possível entre a psique e o ambiente.
Winnicott fala da progressão dos objetos subjetivos para a experiência
crescente dos fenômenos e objetos transicionais. Mas estuda minuciosamente a fase
de indiferenciação. Afirma a importância da “perda da sensação de ser”e comentando
seus diagramas, Winnicott (2000, p.310) disse:
51
[...] uma adaptação ativa às necessidades do bebê, o ambiente lhe permite manter-se
em isolamento sem ser perturbado. O bebê de nada sabe. Nesse estado ele faz um
movimento espontâneo e o ambiente é descoberto sem perda da sensação de ser.[...]
uma adaptação falha, que resulta em intrusão do ambiente sobre a criança, levando-a
a reagir. A sensação de ser é perdida nessa situação, e pode ser readquirida somente
por uma volta ao isolamento.
Afirma que suas observações sobre esse estágio do desenvolvimento pode ser
útil no esclarecimento de questões muito complexas e explicita suas orientações para
a terapia nas condições dessas cisões básicas. Winnicott (2000, p.310) diz:
O segundo tipo de experiência, com a falha da adaptação suficientemente boa do
ambiente, produz as distorções psicóticas do conjunto ambiente indivíduo. Os
relacionamentos provocam uma perda da sensação de ser, que vem a ser readquirida
somente pelo retorno ao isolamento. O estar isolado, porém, torna-se cada vez menos
puro à medida que a crinça afasta-se do início, pois envolve cada vez mais uma
organização defensiva para repudiar a intrusão ambiental. A terapia adequada a esse
tipo de distúrbio deve proporcionar uma adaptação ativa à necessidade e construir
um respeito pela noção de processo.
Estudando os momentos iniciais de comunicação do bebê com a mãe,
Winnicott apresenta o modelo para orientação do analista na clínica que se ocupa das
variadas “organizações defensivas” que se originam nos estágios primitivos, fase da
indiferenciação.
As questões relativas ao alojamento no corpo, a personalização, apontam para o
estudo das expressões na clínica, dos distúrbios psicossomáticos. Os maiores
52
desafios, contudo, lidam com as questões relacionadas à realização, na clínica do
falso self patológico e da esquizoidia em suas múltiplas expressões.
Winnicott (2000, p.312) diz:
Quando existe em alto grau a tendência à cisão nessa fase inicial, o indivíduo corre o
risco de ser seduzido por uma vida falsa, e os instintos tornam-se nesse caso aliados
do ambiente sedutor. A pediatria, no que ela tem de pior (ou seja, ênfase na saúde
física, negação das queixas psicológicas) pode ser vista como a exploração
organizada de uma traição da natureza humana por meio dos instintos. Uma sedução
bem-sucedida desse tipo pode produzir um eu falso que parece satisfazer o
observador incauto, apesar de que a esquizofrenia se encontra latente e irá no final
exigir atenção.
Em seu trabalho de 1955, intitulado Raizes Primitivas da Agressividade,
Winnicott apresenta os primórdios do self opondo espontaneidade e reatividade,
quanto a experiência do bebê no ambiente dos primeiros tempos. Winnicott (2000,
p.297, grifos do autor) diz:
Num dos padrões o ambiente é constantemente descoberto e redescoberto a partir da
motilidade. Aqui, cada experiência no contexto do narcisismo primário enfatiza o
fato de que o indivíduo esta se desenvolvendo no centro, e o contato com o ambiente
é uma experiência do indivíduo [...] Num segundo padrão, o ambiente impõe-se ao
feto (ou bebê), e em vez de uma série de experiências individuais, teremos uma série
de reações à intrusão. Aqui, portanto, desenvolve-se uma retirada em direção à
quietude, única situação em que a existência individual é possível.
53
Winnicott (2000, p.299) aponta para organizações defensivas complexas que
se apresentam na clínica das dissociações primárias e que requerem a adaptação ativa
por parte do analista. Diz:
O indivíduo, assim, existe por não ser encontrado. O verdadeiro eu esta oculto, e
aquilo com que temos de lidar clínicamente é um complexo falso eu cuja função é
manter o verdadeiro eu escondido. O falso eu pode estar convenientemente em
sintonia com a sociedade, mas a falta de um eu verdadeiro acarreta uma instabilidade
que se torna mais evidente quanto maior for o engano da sociedade em pensar que o
falso eu é verdadeiro.
A adaptação do analista, observada sob a perspectiva da teoria do
amadurecimento de Winnicott, nesses textos vêm sendo considerada.
Apresentando o comportamento do ambiente na pessoa da mãe, Winnicott aponta
considerações sobre o ambiente no setting analítico. Quando a descoberta do
ambiente é uma experiência do indivíduo, nas palavras do autor, o desenvolvimento
é uma experiência que não se separa deum sentimento de ser, por reações a intrusão.
Winnicott (2000, p.298) diz:
O primeiro padrão configura o que chamamos saúde. Depende, para a sua formação,
da mãe suficientemente boa, cujo amor se expressa (inicialmente) em termos físicos
(inevitavelmente). A mãe segura o bebê (no útero, nos braços) e através do amor
(identificação) sabe de que maneira adaptar-se às necessidades de seu ego. Nessas
condições e somente nessas condições, o indivíduo pode começar a existir para viver
experiências do id.
54
Em uma apresentação de 1955, intitulada Formas Clínicas da Transferência,
Winnicott usa a expressão “saída da identificação primária” para falar dos momentos
iniciais de realização que, quando ocorrem num ambiente facilitador, permitem a
continuidade do ser. Lembrando suas afirmações anteriores, Winnicott (2000, p.394)
diz:
Referi-me anteriormente ao estado de coisas existentes, quando é feito um
movimento em direção à saída da identificação primária. Temos aqui em primeiro
lugar a dependência absoluta. Dois tipos de resultados podem ocorrer: num dele, a
adaptação do ambiente à necessidade é suficientemente boa, de modo a permitir o
surgimento de um ego que, com o tempo, poderá ter a experi~encia dos impulsos do
id. No outro, a adaptação do ambiente não é suficientemente boa, não havendo de
fato o estabelecimento do ego e sim o desenvolvimento de um pseudo-eu que
consiste numa coleção de reações à uma sucessão
de falhas na adaptação.
Nesse trabalho, referindo-se às experiências iniciais na fase de
indiferenciação e aos momentos de mudança para o uso progressivo dos objetos
como objetos transicionais e objetos do mundo compartilhado, Winnicott (2000,
p.394) diz que: “Podem ocorrer casos extremos em que não haja mais do que essa
coleção de reações às falhas de adaptação no estágio crítico da saída da identificação
primária .”
Pensando a transferência sob a perspectiva do desenvolvimento da
dependência absoluta à independência relativa, alertava para a importância do papel
do analista como ambiente facilitador nas situações nas quais a regressão e o manejo,
são o mais importante. Winnicott (2000, p.396, grifos do autor) diz:
55
[...] neste tipo de trabalho é mais correto dizermos que o presente retorna ao passado
, e é o passado. O analista encontra-se, assim, confrontado com o processo primário
do paciente na situação em que esse processo tinha seu valor original. A adaptação
suficientemente boa do analista leva exatamente ao resultado esperado, ou seja, a
mudança de um centro de operações do paciente, antes localizado no eu falso, para o
eu verdadeiro.
Falando sobre a variedade de situações possíveis na tranferência, neste
trabalho e em muitos outros,Winnicott (2000, p.398, grifos do autor) indica a
pesquisa sobre os modos de comunicação próprios dos estágios primitivos. Diz:
O que precisamos fazer agora é estudar detalhadamente os critérios pelos quais o
analista tenha como saber quando mudar a ênfase do trabalho, e como perceber que
está surgindo uma necessidade do tipo que a meu ver deve encontrar resposta (ao
menos de modo simbólico) através de uma adaptação ativa, enquanto o analista
mantém sempre em mente o conceito de identificação primária.
56
3.2. Objeto subjetivo e a noção de Saúde para Winnicott. O objeto subjetivo nos
textos posteriores a 1960. Os elementos femininos e masculinos puros da
personalidade.
Em 1960, no artigo Teoria do Relacionamento Paterno-Infantil, Winnicott
apresenta o conceito de objeto subjetivo como um conceito necessário para o estudo
dos processos primitivos do bebê e de suas ocorrências na transferência. A
importância do fator externo na constituição do psiquismo do bebê será descrita
como fase do holding. Winnicott diz que o progresso desta fase leva o bebê ao
“estado unitário” ou a um estado de “ocultamento do núcleo da personalidade”, e nos
fala sobre a progressão normal das relações de objeto, desde que no início, o bebê
possa contar com o apoio da mãe. (Winnicott, 1990)
Winnicott (1990, p.46) diz:
O self central poderia ser considerado como o potencial herdado que está
experimentando a continuidade de existência, e adquirindo à sua maneira e em seu
passo uma realidade psíquica pessoal [...] Qualquer ameaça a esse isolamento do self
verdadeiro constitui uma ansiedade maior nesse estágio precoce e as defesas da
infância mais precoce ocorrem pos falhas por parte da mãe (no cuidado materno)
para evitar irritações que poderiam perturbar esse isolamento. [...] O núcleo central
do ego é afetado e esta é a natureza real da ansiedade psicótica.
Winnicott (1990, p.44, grifos do autor) explica que refere-se ao holding para
significar uma “provisão ambiental total anterior ao conceito de viver com.”
Pressupondo os desenvolvimentos na relação do bebê com a mãe, aponta para os
57
momentos de indiferenciação e para aqueles em que esta indiferenciação, é tênue e
ligeiramente modificada por gestos do bebê. Winnicott diz: processo primário,
identificação primária, auto-erotismo e narcisismo primário “são realidades vivas”
dessa fase. (Winnicott, 1990)
No desenvolvimento normal, a continuidade do cuidado materno, permite que
o bebê, apoiado pela e, progrida em seu desenvolvimento mantendo a capacidade
de experimentar estados não integrados. Sobre o holding, Winnicott (1990, p.44,
grifos do autor) afirma:
Inclui a elaboração de experiências que são inerentes à existência, tais como o
completar (e portanto o não-completar) de processos, que de fora podem parecer
puramente fisiológicos, mas que fazem parte da psicologia da criança e ocorrem em
um campo psicológico complexo, determinados pela percepção e pela empatia da
mãe.[...] A expressão “viver com” implica relações objetais, e a emergência do
estado de estar fundido com a mãe, e sua percepção dos objetos externos a ele
próprio.
Winnicott esta falando da emergência de um sentimento de ser, de ser uma
unidade, com sentido de realidade para o bebê que depende da experiência que
Winnicott (2000, p.394) denominou “saída da identificação primária”.
Durante essa fase são iniciados os processos que chamaremos secundários e
da função simbólica. Para que essas sejam suficientemente estabelecidas, têm que se
apoiar no sentimento de ser que, nesse tempo implica em dominar com seus gestos, e
não, ter que reagir. Winnicott (1990, p.47) diz que “o potencial herdado esta se
58
tornando uma “continuidade de ser”. A alternativa a ser é reagir, e reagir interrompe
o ser e o aniquila.”
Neste texto, Winnicott (1990, p.45) diz:
[...] esses desenvolvimentos fazem parte da condição ambiental do holding, e sem
um holding suficientemente bom esses estágios não podem ser alcançados, ou uma
vez alcançados não podem ser mantidos. Um desenvolvimento adicional é a
capacidade para relações objetais. Aí o lactente muda de um relacionamento com um
objeto subjetivamente concebido para uma relação com um objeto objetivamente
percebido. Essa mudança está intimamente ligada com a mudança do lactente de ser
fundido com a mãe para ser separado dela [...]
Winnicott fala da transição dos estágios primitivos onde os objetos são
subjetivos, para a possibilidade do uso dos objetos em um espaço potencial. Nesse
estudo, falou sobre as qualidades do analista na condução dos processos que levam
paciente e analista, a experiências tais como a dos processos primitivos do
desenvolvimento. Falou sobre a necessidade do analista esperar pela crescente
capacidade de comunicação que se estabelece no setting, referindo-se aos pacientes
que progridem na capacidade para confiar.
Apontou as situações nas quais o próprio manejo é a base para o encontro de
um estado unitário. Em seu estudo sobre a transferência, Winnicott (2000, p.396)
havia dito: “a adaptação suficientemente boa do analista leva exatamente ao
resultado esperado, ou seja , à mudança do centro de operações do paciente, antes
localizado no eu falso, para o eu verdadeiro.”
Nesse texto de 1960, Winnicott (1990, p.39) enfatiza a diferença da clínica
que envolve o manejo de dissociações primárias. Diz:
59
Algumas vezes o analista precisa esperar um tempo muito longo; e no caso que é mal
escolhido para a psicanálise clássica é provável que a consistência do analista seja o
fator mais importante [...] porque o paciente não experimentou tal consistência no
cuidado materno na infância, e se tiver de utilizar essa consistência terá que
encontrá-la pela primeira vez no comportamento do analista.
Nos anos seguintes Winnicott apresenta o conceito de objeto subjetivo
enquanto progride em suas formulações sobre as relações de objeto e a constituição
de uma identidade pessoal. Em 1969, em seu texto A Experiência e-Bebê de
Mutualidade, Winnicott (1994, p.197) afirma que esta pesquisando “o grupo de
transtornos que são rotulados de psicóticos ou esquizóides, ou seja, que não são
transtornos afetivos ou aqueles denominados psiconeuróticos.” Diz que para
prosseguir em seus estudos clínicos, passou a pensar em termos da qualidade da
comunicação (Winnicott, 1994, p.196):
A fim de estudar a maneira pela qual o bebê humano chega à capacidade de
objetivar, é necessário aceitar que, a princípio, não existe tal capacidade. [...]
O comportamento adaptativo da mãe torna possível ao bebê encontrar fora do self
aquilo que é necessário e esperado. [...] Aquilo que precisamos saber é a
comunicação que acompanha ou não o processo de alimentação.
O autor fala sobre uma comunicação silenciosa, como a base para o bebê
humano, gradualmente tornar-se objetivo e criativo. No início, experiências no
mundo dos objetos subjetivos, propiciadas pela identificação da mãe, formam a base
para o ser. Winnicott (1990, p.197) diz:
60
O estágio de dependência absoluta ou quase absoluta tem a ver com o estado, no
começo, do bebê que ainda não separou um NÃO-EU do que é EU, do bebê que
ainda não se acha aparelhado pra desempenhar esta tarefa. Em outras palavras, o
objeto é um objeto subjetivo, não objetivamente percebido. Mesmo que seja
repudiado, posto longe, o objeto ainda é um aspecto do bebê.
Nesse texto, o autor aponta para a singularidade de comunicações possíveis
na área dos objetos subjetivos. Enfatizando os momentos nos quais “a linguagem é a
mutualidade na experiência”, aponta para a pesquisa da clínica que envolve a
comunicação através de objetos que são subjetivos. (Winnicott, 1994)
Winnicott (1994, p.200) diz:
A coisa principal é uma comunicação entre o bebê e a mãe em termos da anatomia e
da fisiologia de corpos vivos. [...] a sustentação de um beé algo que precisa ser
comunicado, e isso é questão das experiências do bebê. Exatamente aqui a psicologia
envolve a comunicação em termos físicos, dos quais a linguagem é a mutualidade na
experiência.
O estudo destas afirmações, sob a perspectiva da teoria do amadurecimento
de Winnicott, pede o aprofundamento dos estudos sobre a conduta do analista em
termos dessas comunicações nas quais a diferença entre ser o objeto subjetivo do
paciente ou apresentar-se como objeto é a questão.
Em 1966, em seu trabalho intitulado Sobre os Elementos Masculinos e
Femininos Ex-cindidos, define o objeto subjetivo e fala de sua importância para a
constituição da identidade pessoal. Winnicott (1994, p.140, grifos do autor) diz:
61
A expressão objeto subjetivo tem sido usada na descrição do primeiro objeto, o
objeto ainda não repudiado como sendo um fenômeno não-eu. Aqui, neste
relacionamento de elemento feminino puro com o seio, temos uma aplicação prática
da idéia do objeto subjetivo, e a experiência disto prepara o caminho para o sujeito
objetivo, isto é, a idéia de um self, e o sentimento do real que surge de um senso de
identidade.
Winnicott dirige nossa atenção para relações objetais no campo dos objetos
subjetivos e das primeiras experiências vividas como saídas da identificação
primária. Essas experiências são determinantes para a progressão das relações de
objeto. Winnicott (1994, p.140) escreveu: “As identificações projetiva e introjetiva
originam-se ambas deste lugar em que cada um é o mesmo que o outro.”
Estudando o momento da dependência absoluta, o início dos processos
integrativos, fala das conquistas inerentes a cada estágio, que não interrompem a
continuidade de ser. Winnicott (1994, p.140, grifos do autor) diz:
Por complexa que a psicologia do senso do self e do estabelecimento de uma
identidade acabe por se tornar, à medida que um bebê cresce, não surge qualquer
senso de self, exceto com base neste relacionamento no sentido de SER. Este senso
de ser é algo que antecede a idéia de ser-um-só-com, porque ainda não existiu nada
mais, exceto a identidade. Duas pessoas separadas podem sentir-se em união, mas
aqui, no local que estou examinando, o bebê e o objeto são um só. A expressão
“identificação primária” talvez tenha sido usada para designar exatamente isto que
estou descrevendo, e estou tentando demonstrar quão vitalmente importante esta
62
primeira experiência de identificação é para o início de todas as experiências
subseqüentes de identificação.
Em 1966, em um Encontro Científico da Sociedade Psicanalítica Britânica,
Winnicott apresentou para discussão suas primeiras formulações sobre os elementos
femininos e masculinos da personalidade. Poucos anos depois, estas formulações
constituíram parte de seu livro, O Brincar e a Realidade, no texto em que fala sobre
as origens da criatividade.
Mais que a possibilidade das expressões da arte, o autor quer expressar-se
sobre uma criatividade que faz parte do viver, aquele onde a vida vale a pena.
Winnicott (1994, p.134) diz que tem o objetivo de, ao falar em masculino e feminino,
explorar, teoricamente, “assuntos que interessam aos aspectos mais profundos e
centrais da personalidade”.
Desejava refletir sobre um acontecimento em sua clínica que o levou a pensar
a criatividade como “um dos denominadores comuns de homens e mulheres”
(Winnicott, 1994). Ao mesmo tempo, começava a aceitar que, clínicamente, podia
observar “a dissociação completa entre o homem (ou a mulher) e o aspecto da
personalidade que tem o sexo oposto” (Winnicott, 1994, p.136)
Esse trabalho exigiu de Winnicott suas observações sobre os efeitos clínicos
de um tipo de dissociação muito primitiva que o levaram a postular a existência do
que ele chamou de elementos masculino e feminino puros.
Winnicott, desde sua própria experiência, afirma que viveram ele e seu
paciente, no setting, um relacionamento em uma nova posição para eles. Fala de uma
comunicação em especial, que resultou num relacionamento sentido como
“extremamente vívido”. (Winnicott, 1994) Descrevendo as comunicações entre ele e
63
seu paciente, fala em transferência delirante, referindo-se a uma regressão
momentânea vivida na sessão. Winnicott (1994, p.137) diz:
Agora que uma nova posição havia sido atingida, o paciente sentiu um senso de
relacionamento comigo, e um senso extremamente vívido. Tinha a ver com
identidade. O elemento feminino puro e ex-cindido encontrara uma unidade primária
comigo como analista, e isto proporcionou ao homem um sentimento de haver
começado a viver.
Para discriminar o que são elementos feminino e masculino puros, Winnicott
propõe pensarmos um contraste entre dois tipos de relação objetal. As apoiadas na
vida instintual, e aquelas que se apoiam na continuidade de ser.
Lins (2002, p.45), em um estudo sobre as dissociações primitivas, sob a
perspectiva da teoria de Winnicott sobre os elementos femininos e masculinos puros,
diz:
A concepção winnicottiana de uma relação puramente feminina ao seio dá-se no
prolongamento da reflexão freudiana sobre o narcisismo primário; a oposição
entre os elementos masculinos puros e femininos puros diz respeito à
complementariedade entre dois tipos de relação, em que apenas o primeiro comporta
um elemento instintual [...] Winnicott não está falando de gêneros, mas de elementos
da personalidade. Elementos puros, diz o autor, existem na teoria. Na prática
clínica, e é isso o que mais lhe interessa, o importante é conhecer o maior ou menos
grau de comunicação entre tais elementos.
64
Winnicott (1994, p.140) diz que está estudando “o relacionamento objetal
inicial dos bebês humanos”. Considera as relações apoiadas pelo elemento
masculino, pela vida instintual, em contínua interação com a relações de
identificação no sentido de ser. Para Winnicott, todas as experiências poderão ser
integradas a esta que é primordial, de ser. Winnicott(1994, p.140, grifo do autor) diz:
[...] no crescimento do bebê humano, a medida que o ego começa a organizar-se, isto
que estou chamando de relacionamento objetal de elemento feminino puro
estabelece o que é talvez a mais simples de todas as experiências , a experiência de
ser.
Com afirmações como: “O bebê é o seio (ou o objeto, a mãe,etc,); o seio é o
bebê” Winnicott (1994, p.150) fala do momento de experimentar onipotência, e com
isso nos conduz às reflexões necessárias para a clínica.
Na clínica das comunicações silenciosas - nas quais a necessidade é o simples
existir acompanhado que transita para aquela em que o objeto será confrontado,
ainda que para a apreciação de sua exterioridade - a discriminação das comunicações
envolvidas foi o objeto de estudo de Winnicott. Refletindo sobre a criatividade
Winnicott (1975, p.113) escreveu:
Desejo dizer que o elemento que estou chamando de ‘masculino’ transita em termos
de um relacionamento ativo ou passivo, cada um deles apoiado pelo instinto. É no
desenvolvimento dessa idéia que falamos de impulso instintivo na relação do bebê
com o seio e com o amamentar, e, subsequentemente, em relação a todas as
experiências que envolvem as principais zonas erógenas, e a impulsos e satisfações
subsidiárias.
65
Winnicott, ocupado em explicitar as interrupções que geram os distúrbios do
amadurecimento, explicita os problemas de comunicação como ele os encontrou na
clínica. A proposição de elementos masculino e feminino puros, por distinguir duas
modalidades de relação de objeto, tem aplicação na clínica que vai distinguir quando
a comunicação requer o esperar ou a apresentação dos objetos. Winnicott (1994,
p.149) diz:
[...] descobri-me examinando um conflito essencial dos seres humanos, um conflito
que já deve ser operante em data muito inicial, o conflito entre ser o objeto que tem
também a propriedade de ser e, por contraste, uma confrontação com o objeto que
envolve uma atividade e um relacionamento objetal respaldados pelo instinto ou
pulsão.
Anos antes, Winnicott havia dito que a identidade, como um prolongamento
dos ritmos e vivências do corpo em interação com a mãe que, gradualmente, será
conhecida como o si- mesmo, apóia-se numa continuidade sem interrupções. Quando
bem amparado por um ambiente facilitador, o bebê tem a experiência de viver “sem
que ocorra perda do sentimento de continuidade da existência pessoal”(Winnicottt,
2000, p.271) Assim, é “possível preservar um modo de vida pessoal já no início”
(Winnicott, 2000, p.271)
Contrastando o contato do bebê com o seio, apoiado pelas necessidades
instintuais e ligado ao elemento masculino puro do bebê, fala da necessidade de
considerarmos o contato do bebê com o meio também através do elemento feminino
66
puro “no sentido de o bebê tornar-se o seio (ou a mãe), no sentido de que o objeto é
o sujeito.”(Winnicott, 1994, p.140, grifos do autor)
Afirmando a importância do estudo dos modos de comunicação no setting,
Lins (2002, p.47, grifos da autora) nos fala das relação de elemento feminino puro,
uma relação de ser. Diz:
A esse tipo de relação Winnicott chama de relação do elemento feminino puro, uma
relação que se apóia na experiência de ser o objeto, em oposição às relações do
elemento masculino puro, que, baseadas nos impulsos instintuais, buscam satisfação
no objeto. Para Winnicott, quando falamos de elemento feminino, não estamos nos
referindo a experiências de satisfação ou frustração, e, sim, a experiências de
integração ou mutilação. O elemento feminino é. Para Winnicott, é a partir da
experiência de ser e da experiência do eu sou que podemos falar de uma identidade
pessoal quem eu sou, como me defino, como sou visto e quando deixo de ser eu
mesmo.
Se o encontro com ambiente, acontecer como o gesto espontâneo do bebê, os
encontros podem levar a redescoberta do self. Os relatos de Winnicott de alguns de
seus trabalhos demonstram isso.
Em uma palestra de 1968, Winnicott (1996, p.115) disse:
Atos de confiabilidade humana estabelecem uma comunicação muito antes que o
discurso signifique algo – o modo como a mãe olha quando se dirige à criança, o tom
e o som de sua voz, tudo isso é comunicado muito antes que se compreenda o
discurso.[...] Uma criança que não experimentou o cuidado pré-verbal, em termos do
“segurar” e do manuseio – confiabilidade humana _ , é uma criança carente. A única
67
coisa que pode ser aplicada de modo lógico a uma criança carente é amor, amor em
termos de “segurar” e manuseio.
O segurar e manusear, para Winnicott como as condições de provisões
ambientais que promovem a saúde. Chamando essa experiência de experiência de
onipotência, Winnicott (1996, p.18) afirma: “Estou me referindo ao processo
bidirecional em que a criança vive num mundo subjetivo e a mãe se adapta, com o
intuito de dar a cada criança um suprimento básico da experiência de onipotência.”
Esta afirmação transmite o modo de pensar de Winnicott sobre o viver
criativo e pessoal, onde o self em desenvolvimento, usa objetos continuamente. Esse
modelo é transposto para a clínica. Sob a perspectiva da unidade ambiente-indivíduo,
a integração das relações de objeto de elemento masculino e feminino puro, as
instintuais e aquelas “mais estreitamente afins ao afeto”, constitui uma das
possibilidades de integração. A experiência de ser sustentado que conduz ao existir
pessoal, advém das múltiplas formas de segurar encontradas na relação com a mãe.
(Winnicott, 1975)
Ao estudar as “influências mútuas muito iniciais” (Winnicott, 1994, p.195), e
enfrentando sua pergunta inicial sobre as cisões básicas, Winnicott insiste que a
psicanálise ainda não dava a atenção devida aos estágios iniciais do
desenvolvimento.
Em uma publicação de 1967, A Localização da Experiência Cultural,
Winnicott (1975, p. 137) diz:
[...] ainda temos de enfrentar a questão de saber sobre o que versa a vida. Nossos
pacientes psicóticos nos forçam a conceder atenção a essa espécie de problema
68
básico. Percebemos agora que não é a satisfação instintual que faz um bebê começar
a ser, sentir que a vida é real, achar a vida digna de ser vivida. Na verdade, as
gratificações instintuais começam como funções parciais e tornam-se seduções, a
menos que estejam baseadas numa capacidade bem estabelecida, na pessoa
individualmente, para a experiência total, e para a experiência na área dos
fenômenos transicionais. É o eu (self) que tem de preceder o uso do instinto pelo eu
(self); o cavaleiro deve dirigir o cavalo, e não se deixar levar.
Quando os movimentos iniciais são sustentados pela mãe capaz de
identificar-se com o bebê, uma experiência de identificação primária e de objetos
subjetivos permite a abertura para comunicações com o mundo dos objetos
compartilhados de maneira criativa.
Winnicott (1994, p.142) afirmando que o enunciado clássico da psicanálise
“surge de uma consideração da vida do elemento masculino puro”, e que “estudos da
identificação baseados em introjeção ou em incorporação são estudos da experiência
dos elementos masculino e feminino misturados”, explica que seu modo de pensar
levou-o ao estudo do Ser. Em seu estudo sobre as origens da criatividade, Winnicott
(1975, p.117) diz:
O estudo do elemento feminino, puro, destilado e não contaminado nos conduz ao
SER, e constitui a única base para a autodescoberta e para o sentimento de existir (e,
depois, à capacidade de desenvolver um interior, de ser um continente, de ter a
capacidade de utilizar os mecanismos de projeção e introjeção, e relacionar-se com o
mundo em termos de introjeção e da projeção).
69
Numa palestra em 1970, Winnicott (1996, p.33) diz: “O Ser tem que se
desenvolver antes do Fazer. E, então, finalmente, a criança domina até mesmo os
instintos, sem perda de identidade do self.
Interessado nos fenômenos primitivos no interior do conjunto ambiente-
indivíduo, a unidade psíquica mãe-bebê, em 1957, Winnicott (1990, p.37) diz: “o
tipo de relação que existe entre uma criança e o ego auxiliar da mãe merece um
estudo especial.”
Winnicott afirma que existe um tipo de relação , que chama de relação do
elemento feminino puro, que se apóia na experiência de ser o objeto e mantém uma
relação de oposição e complementariedade com o tipo de relação do elemento
masculino puro. A oposição entre os dois modos de relação será integrada quando o
bebê atingir a capacidade para reunir mentalmente os estados calmos e excitados, no
estágio de concernimento. A experiência de complementariedade, será garantida
pelos cuidados suficientemente bons da mãe, que, ao identificar-se com o bebê, evita
uma dissociação primária entre elementos masculinos e femininos. Entre ser e fazer,
nas palavras de Winnicott (1999, p.9, grifos do autor). Ele diz:
Não é exagero dizer que a condição de ser é o início de tudo, sem a qual o fazer e o
deixar que lhe façam não têm significado. É possível induzir um bebê a alimentar-se
e a desempenhar todos os processos corporais, mas ele não sente estas coisas como
uma experiência, a menos que esta última se forme sobre uma proporção de
simplesmente ser, que seja suficiente para constituir o eu que será, finalmente, uma
pessoa.
70
Considerando a vida instintual apoiada no elemento masculino, que visa o
objeto e implica em atividade ou passividade, Winnicott vai insistir na necessidade
de considerarmos a experiência de um sentimento de ser, que se apoia no elemento
feminino da personalidade. Winnicott (1994, p.142) diz: “...quando o elemento
menina no bebê, [...] encontra o seio, é o self que foi encontrado.”
Discorrendo sobre a saúde e a doença e a relação desta última com a
criatividade Winnicott (1996, p.32) diz: “A criatividade é, portanto, a manutenção
através da vida de algo que pertence à experiência infantil: a capacidade para criar o
mundo.”
Estudando as comunicações e as relações objetais Winnicott (1990, p.168)
diz:
De início o mundo interno não pode ser usado no sentido de Klein, uma vez que o
lactente ainda não estabeleceu propriamente os limites do ego e ainda não se tornou
mestre nos mecanismos mentais de projeção e introjeção. Nesse estágio precoce,
“interno” significa pessoal, e pessoal na medida que o indivíduo é uma pessoa
com um self no processo de ser envolvido. O ambiente facilitador, o apoio do ego da
mãe ao ego imaturo do lactente, ainda são partes essenciais da criança como uma
criatura viável.
Dizendo que o processo de amadurecimento em um ambiente suficientemente
bom, estabelece um padrão de organização que efetiva as trocas com o mundo, sem
perda da criatividade originária, Winnicott (1990, p.31, grifos do autor) diz:
Para ser criativa, uma pessoa tem que existir, e ter um sentimento de existência, não
na forma de uma percepção consciente, mas como uma posição básica a partir da
71
qual operar. Em conseqüência, a criatividade é o fazer que, gerado a partir do ser,
indica que ele é e esta vivo.
Em o Brincar e a Realidade, Winnicott (1975, p.163) dedica um capítulo
escrito em 1968, para falar do “inter-relacionamento independente do impulso
instintivo e em função de identificações cruzadas”. Ampliando sua reflexão sobre os
modos de relações objetais que observava em sua clínica, disse que existem pacientes
que “manifestam capacidade limitada de identificação introjetiva ou projetiva”.
Estes pacientes exigiriam do psicoterapeuta a experiência de “fenômenos
transferenciais que dispõem de apoio instintual”. Precisariam da ampliação do campo
de ação “com respeito a identificações cruzadas”. Admitindo que existem muitas
espécies de intercomunicações, e que pretende, ilustrar a importância da
comunicação através de identificações cruzadas, Winnicott (1975, p.164) está
apontando para a necessidade de “investigação que diz respeito ao funcionamento
primitivo, antes do estabelecimento, no indivíduo, dos mecanismos que formam o
sentido da teoria psicanalítica clássica.”
Afirma que a expressão ‘fenômenos transicionais’ poderia ser empregada
para o estudo dos “variados grupamentos de funcionamento mental”(Be Rp.164)
inclusive aqueles de grande importância para a compreensão da “psicopatologia dos
estados esquizóides”(Winnicott, 1975, p.164).
Winnicott (1996, p.37) aponta para restrições quanto ao relacionamento
através das identificações cruzadas e fala em ‘ampliação do campo de ação’. Em uma
palestra de 1970, diz:
72
Gostaria agora de lembrar a vocês os mecanismos mentais de projeção e introjeção:
entendo com isso a função de alguém se identificar com os outros e a de identificá-
los consigo próprio. Como vocês poderiam esperar, há os que não podem usar estes
mecanismos; os que podem, caso queiram; e os que o fazem de um modo tão
compulsivo que tais mecanismos acontecem, a pessoa querendo ou não. Em termos
coloquiais, estou me referindo ao fato de alguém ser capaz de calçar os sapatos de
outra pessoa, e a questões de simpatia e empatia.
Descreve um processo no qual, primeiro, no interior da unidade psíquica mãe
bebê, momento da dependência máxima na vida do bebê, sustentado pela mãe, a
relação se com objetos subjetivos. Uma experiência de ser , é a base que ele
necessita para gradualmente organizar-se rumo ao tempo do “eu sou”. Em seguida,
“eu faço” tem um sentido para o bebê. Nesse estágio, diz Winnicott (1975, p.176), “a
relação de objeto dispõe de apoio instintivo, e o conceito de relação de objeto
abrange toda a gama ampliada permitida pelo uso do deslocamento e do
simbolismo.”
Atingida esta capacidade, ela será refletida no brincar e no viver criativo. A
integração suficiente entre os elementos femininos e masculinos puros da
personalidade, possibilitando relacionamentos onde é possível colocar-se
imaginativamente ‘no lugar do outro’, através de relacionamentos baseados em
identificações cruzadas.
No texto de 1966, A Experiência Mãe Bebê de Mutualidade, Winnicott
(1994, p.198, grifos do autor) escreveu:
Melanie Klein fez plena justiça ao tema das identificações projetivas e introjetivas, e
é com base em seu desenvolvimento das idéias deste tipo de Freud que podemos
73
construir esta parte da teoria em que a comunicação tem uma importância maior do
que é costumeiramente chamado de “relacionamento objetal”.
Numa palestra de 1970, Winnicott (1996,p.42) afirmou: “Cada um de nós tem
seu próprio mundo privado, e, além disso, aprendemos a compartilhar experiências
através do uso de todos os graus de identificações cruzadas.”
Para o psicanalista, o pensamento winnicottiano, propõe uma ampliação de
nossa compreensão sobre a relação transferencial, chamando à atenção para
modificações da técnica psicanalítica. O estudo dos modos de comunicação da
clínica das dissociações primárias nos conduz ao estudo das comunicações que se
apóiam na experiência de objetos subjetivos e nos processos de identificação.
Luz (2002, p.302), refletindo sobre a noção de elemento feminino puro no
pensamento de Winnicott e as implicações desta noção para a compreensão do autor
sobre a experiência da arte, o impulso criativo e a noção de identidade, diz:
Winnicott afirma a irredutível dualidade entre relações de objeto e relações de
identificação. Relações de objeto instintuais e masculinas dependem de um ambiente
favorável aos processos de identificação para que possam ser instituídas no
desenvolvimento de um self integrado, personalizado, que mantenha relação com a
realidade, e que seja capaz , ainda e sempre, de regressar àqueles estados não-
integrados, impessoais e irreais.
Para Winnicott (1990, p.135), a mãe devotada comum, pode “pressentir as
expectativas e necessidades mais precoces de seu bebê” e esperando por seus gestos,
permitindo que o bebê domine, “ela sabe como protegê-lo, de modo que ele começa
por existir e não reagir.” No processo analítico, em diferentes expressões do
74
fenômeno regressivo, experiências de identificação homólogas à identificação
primária dos primeiros tempos, podem acontecer. Nessas condições, diz Winnicott
(1990, p.139) que “o elemento central essencial da originalidade criativa”, pode ser
reencontrado se o analista esperar por isso.
Winnicott (1990, p.135) escreveu:
No estágio inicial o self verdadeiro é a posição teórica de onde vem o gesto
espontâneo e a idéia pessoal. O gesto espontâneo é o self verdadeiro em ação,
somente o self verdadeiro pode ser criativo e se sentir real.
Num estudo sobre o modelo de comunicação entre o paciente e o analista que
acontece na clínica das dissociações primárias, Loparic (1999, p.370) fala da
progressão dos modos de comunicação destacando a importância das comunicações
muito primitivas. A conduta do analista compreendida como a disponibilidade da
mãe suficientemente boa deverá estar relacionada com as distintas tarefas em curso.
O autor diz:
Com a constituição da identidade inicial pelo encontro com a mãe-ambiente, ficam
estabelecidas as condições para que o indivíduo, agora já caracterizado pelo si-
mesmo primário, possa iniciar, sempre com a ajuda facilitadora do ambiente, a
resolução de novas tarefas integrativas, para poder instalar-se no mundo [...] Em
particular, a conquista da identidade primária é a condição de possibilidade de
resolução das três primeiras tarefas de integração ao mundo: a integração no espaço
e no tempo, o alojamento no corpo e o início de suas relações de objeto. O seu êxito
nessas tarefas dependerá essencialmente da facilitação da mãe-ambiente, isto é, da
sustentação, do manejo e da apresentação de objetos, respectivamente.
75
Winnicott (2000, p.380) afirmou a importância do reconhecimento e da
consideração do analista “não apenas a regressão a pontos bons ou maus nas
experiências instintivas do indivíduo, mas também pontos bons ou maus na
adaptação do ambiente às necessidades do ego e do id na história do indivíduo.” Com
isto, propõe que “ao falarmos em regressão estaremos imediatamente falando da
adaptação do ambiente com seus êxitos e suas falhas”(idem), e aponta para o estudo
da “regressão à dependência”(Winnicott, 2000, p.381 grifos do autor)
Neste contexto, Winnicott (2000, p.381, grifos do autor) escreveu:
Devemos lembrar sempre, eis a minha sugestão, que a conclusão final sobre o
desenvolvimento do ego é o narcisismo primário. No narcisismo primário o
ambiente sustenta o indivíduo, e o indivíduo ao mesmo tempo nada sabe sobre
ambiente algum – ele é uno com ele.
Winnicott (2000, p.383) descreve a evolução da regressão nesses termos:
Quando existem apenas duas pessoas, terá ocorrido uma regressão do paciente no
contexto, e o contexto então representa a mãe e sua técnica, sendo o paciente um
bebê. um estado seguinte de regressão no qual apenas uma pessoa está presente,
ou seja, o paciente, e isto é verdade mesmo que num outro sentido, do ponto de vista
do observador, existam ali duas pessoas.
Winnicott (2000, p.384) aponta para o comportamento do analista como o
ambiente facilitador e apresenta sua tese: “A regressão de um paciente organiza-se
como um retorno à dependência inicial ou dupla dependência. O paciente e o
76
contexto amalgamam-se para criar a situação bem sucedida original do narcisismo
primário.”
Loparic (1999, p.370) diz:
Na resolução da terceira tarefa- a de iniciar as relações de objeto- a mãe passa a ser
objeto (seio) apresentado pelo ambiente (a mesma mãe enquanto cuidado). Isto é,
manifesta-se justamente como algo que o bebê aguardava, sem saber ainda de que se
trata nem onde e quando poderia ser encontrado. Nesse primeiro sentido objetal, a
mãe ainda não é objeto transicional, nem, menos ainda, objeto objetivamente
percebido. Ela é a oportunidade do bebê aprender a fazer uma experiência que será
essencial para o resto da vida: a experiência da onipotência sobre objetos e de sua
criatividade absoluta. Essa experiência reforça o senso do real do si-mesmo
primitivo e, ao mesmo tempo, ensina a abertura autoconfiante para o mundo.
77
4. ÚLTIMAS REFLEXÕES
Examinar o modelo proposto por Winnicott para a clínica das dissociações
elementares, mais do que uma necessidade imposta pela busca de compreensão dos
aspectos inovadores de suas propostas teóricas, apresenta-se como uma necessidade
imposta pela demanda clínica de nossos tempos.
Quando se refere diretamente ao setting analítico, o autor apresenta seu modo
de pensar a transferência, a resistência e a regressão, conceitos da psicanálise
clássica, que são reinterpretados por ele. Considerando-os em seus aspectos
conhecidos, Winnicott amplia e nos fala da importância da pessoa real do analista.
Falou sobre as grandes pressões que este necessita suportar, quando determinados
pacientes precisam apenas ser, e com isto reencontrar uma posição onde o viver
criativo possa se efetivar.
Na clínica das dissociações primárias aponta a possibilidade do analista poder ser,
como forma de permitir que a outra pessoa viva uma experiência de ser. Com
expressões como estas, Winnicott indica que o psicanalista deve, ele próprio, viver
criativamente. Experiências de comunicações não verbais, de processos de
identificação, inclusive as identificações apoiadas no elemento feminino, são
experiências no conjunto ambiente-indivíduo. Para algumas pacientes, são as
experiências dos estágios primitivos de desenvolvimento que precisam ser vividas.
Em algumas situações, são nestas experiências, que o sentimento de ser, é sentido
como verdadeiro e real pela primeira vez. Quando o analista pode ser experimentado
como ‘uma mãe melhor’, a fundação ou a integração de um self unitário e criativo
pode restabelecer o processo de amadurecimento.
78
Estudando a constituição da identidade e a progressão das relações objetais,
Winnicott nos deixou muitas passagens clínicas descritas. Nestas passagens, nos
conta sobre experiências em análise nas quais, um encontro do paciente com um
modo de viver criativo pode acontecer.
Comentando o modelo clínico deixado por Winnicott, Lins (1988, p.56) diz:
As comunicações táteis e auditivas das primeiras trocas não são destruídas, mas
permanecem como pano de fundo, superfície onde vêm se inscrever outros tipos de
comunicação. Assim, a troca verbal requer não apenas a aquisição de um código
específico, mas também a conservação, reatualização e revivescência, mais ou
menos freqüente, desta superfície. A linguagem materna são marcas ao mesmo
tempo negadas, ultrapassadas e conservadas. Elas se tornam ativas na empatia, no
trabalho criador, no amor e, diria eu, também nas comunicações do analista.”
Em alguns trechos de sessões, e no artigo Um Caso Tratado em Casa,
podemos entrever como Winnicott já observava a necessidade de uma experiência de
comunicação específica. Preocupado com a necessidade da pessoa humana viver uma
‘experiência de ser’, se não em seu ‘início teórico’, em algum momento, no qual a
‘sobreposição de duas áreas do brincarpossa efetivamente acontecer, Winnicott nos
fala de uma nova ‘saída da identificação primária’ possível nas regressões.
Considerando o estudo da regressão como uma tarefa ainda a ser realizada,
Winnicott (2000, p.374) percebia a freqüência com que “trabalhos contendo
materiais relevantes a esse tema”, podiam ser abordados “casualmente sob o disfarce
da faceta intuitiva ou ‘artística’ da prática psicanalítica”. Winnicott (2000, p.374)
79
falou sobre a necessidade de não se perder de vista “a diferença entre técnica e a
realização de um tratamento.”
Partindo da distinção entre a técnica psicanalítica de que dispunha e as
exigências de um tratamento, em 1954, Winnicott (2000, p.375) disse: É possível
realizar um tratamento possuindo apenas uma técnica limitada, e é possível, de posse
de uma técnica muito sofisticada, fracassar completamente.”
Anos depois, em 1962, Winnicott (1990) escreveu:
Se nosso objetivo continua a ser verbalizar a conscientização nascente em termos de
transferência, então estamos praticando análise; se não, então somos analistas
praticando outra coisa que acreditamos ser apropriada para a ocasião. E por que não
haveria de ser assim?”
Intervenções extraordinárias para a conduta determinada pela técnica
psicanalítica clássica, mas que se mostravam fundamentais para Winnicott,
transparecem nestas vinhetas clínicas que destacamos.
No artigo Pediatria e Psiquiatria, encontramos passagens clínica nas quais
Winnicott conta suas atitudes como facilitadoras de comunicações de objeto
subjetivo. Nestas, pequenos segmentos de análises, Winnicott nos conta sobre as
necessidades destes pacientes de experiências com ele onde um “acesso direto”
promoveu uma comunicação criativa. (Winnicott, 2000)
Winnicott (2000, p.244) conta de uma mulher que “procurou a análise por
causa de uma crescente insatisfação e de um sentimento cada vez mais forte de que
nada tinha sentido para ela.” Depois de ter passado “uma hora em que o importante
era que eu me mantivesse absolutamente imóvel e calado”, na hora seguinte, ao
80
apanhar um cigarro, ele interrompe o movimento em curso em sua paciente. O autor
conta que ambos sabiam que a paciente “estava de volta ao relacionamento mãe-
bebê”, mas ele não pode aguardar pelo seu gesto. Winnicott (2000, p.244) escreveu
Precisamente no momento em que me movi, ela estava (mentalmente) começando a
levantar a mão, e assim fazendo ela iria encontrar o seio, e logo a seguir a mãe iria
corresponder e a mamada iria recomeçar. As duas teriam se entendido. Era
justamente esta experiência que a paciente inconscientemente procurava. No
momento em que me movi, porém, quebrei o encanto [...]
Neste momento com esta paciente, Winnicott não pode ‘saber’ o que era
necessário. Outra paciente, havia estado em um hospital psiquiátrico, sofrendo “uma
grave cisão em sua personalidade” Winnicott (2000, p.245) conta de um período em
que a paciente “saiu-se excepcionalmente bem, funcionando com base na
submissão.” Porém, um colapso adveio e uma longa busca aconteceu “por uma
chance de encontrar seu próprio eu e um relacionamento com o mundo que ela
pudesse sentir como real.”(Winnicott, 2000, p.245)
Com humor, Winnicott (2000, p.245) conta sobre sua exaustão e diligência
para proporcionar a paciente sua necessidade:
Num certo momento eu tinha que estar na porta da frente eu mesmo, para abrir
concretamente a porta assim que a campainha tocasse [...] Algumas vezes ela me
telefonava do meio do caminho, pois se não o fizesse não conseguia acreditar na
minha existência.
Comentando este trabalho, Winnicott (2000, p.245) diz que em torno desse
detalhe do manejo” no qual ele “lhe dava esse acesso direto” a paciente “vem tendo
81
uma experiência essencial pela primeira vez”. Estando presente no momento em que
a paciente criava imaginativamente o analista recebendo-a na porta, Winnicott era
objeto subjetivo para a paciente que, progressivamente pôde usá-lo como objeto do
mundo compartilhado. Podemos entrever aqui Winnicott conhecendo e favorecendo
a necessidade de sua paciente, e deste modo permitindo a esta que ela fosse criativa.
Em seguida, Winnicott (2000, p.246) conta de um menino de cinco anos,
“que aparentava retardo mental, mas que na verdade era um caso de esquizofrenia
infantil com regressão a uma introversão rigidamente controlada.”. Winnicott ficou
dois ou três meses apenas presente, esperando o menino testar sua capacidade para
“proporcionar acesso direto e liberdade para se afastar”. Aos poucos, o menino foi
para o colo, dramatizou nascimentos, comeu mel e depois “uma mistura de malte e
óleo que ele comia vorazmente”. Também, “tornou-se destrutivo com a colher de
mel”. Podemos entrever aqui, Winnicott (2000, p.246) favorecendo o acontecimento
de necessidades de estágios muito primitivos do desenvolvimento, e restabelecendo o
processo de desenvolvimento da criança.
Neste tempo, o autor fala dos objetos subjetivos descrevendo detalhes do
contato entre ele e a criança, que mostram como foi ele próprio, a mãe-ambiente, a se
adaptar ativamente para receber o gesto da criança. Winnicott (2000, p.246) relatou:
Nessa experiência parecia-me ver uma criança re-vivendo experiências infantis
precoces, corrigindo, a partir de alguma necessidade interna, o seu fracassado
encontro inicial com o mundo. Ele estava nascendo de novo. Eu via um ambiente
substituindo outro.[...] minha função era fornecer um certo tipo de ambiente, e assim
permitir que o menino fizesse o trabalho.
82
A última passagem que ressaltaremos deste trabalho é sobre um adolescente
de 16 anos. Depois de uma conversa com os pais do garoto e de uma hora com ele,
percebendo-o deprimido e fraco, Winnicott (2000, p.247) conta que “o mais
importante na entrevista foi o fato de que eu não demonstrei nenhuma pressa em
obter dele alguma resposta.”
O menino foi embora, mas um dia, telefonou da escola e pediu para vê-lo no
sábado. Winnicott (2000, p.247) contou:
Eu sei que devo fazê-lo, pois o gesto partiu dele, e ponho de lado todo o resto a fim
de ajustar-me a ele. No telefone eu digo imediatamente sim, antes de ter uma idéia
clara de como administrar a situação.
Considerando “a capacidade do paciente de fazer contato de um determinado
tipo” (dpp,247), levando em conta “ a capacidade da criança de, de certo modo, criar
um analista”, Winnicott (2000, p.247, grifos do autor) falou sobre “um papel ao qual
o analista real poderá tentar adaptar-se.” Neste texto, discorrendo sobre a importância
de que seja a expectativa do bebê ou do paciente que encontre o ambiente, Winnicott
retoma o termo ‘ilusão’ para falar do self criando a realidade e da importância do
ambiente nisto. Ambiente que identificando-se, reconhece e promove o gesto
pessoal.
Nessas passagens, escritas anos antes de o autor formular conceitos sobre o
uso do objeto, ou teorizar sobre as relações de objeto baseadas no elemento feminino
puro da personalidade, o ser, e a criatividade gerada a partir disto, Winnicott
indicava a importância de uma comunicação silenciosa, relações de objeto subjetivo,
e novas saídas da identificação primária.
83
Sendo o analista: objeto subjetivo, sendo destruído e sobrevivendo; a saída da
identificação primária é um gesto pessoal e experimentado no espaço potencial, a
terceira área.
Winnicott, (2000, p. 187) apresentando o analista como a mãe-ambiente, na
situação de análise, também nos convida a olhar para o ambiente mais amplo. Para
finalizar este trabalho, faremos um breve percurso pelo texto de 1955, Um Caso
Tratado em Casa.
Contando sobre a doença psicótica de Kathleen e de como a cura espontânea
inicial foi prontamente reconhecida e aproveitada por ele, Winnicott nos mostra o
ambiente mais amplo, identificando-se com a menina doente. Nesta situação, a
família cuidou da menina comportando-se de maneira paranóide, e foi apoiada por
Winnicott e outros membros da comunidade local.
Logo na primeira entrevista, Winnicott (2000, p187) pode “formar uma
hipótese quanto à capacidade dos pais de lidar com a criança durante a doença.”
Após “chegar a um diagrama da sintomatologia”, pode acreditar em “um
restabelecimento espontâneo no decorrer do tempo.” Winnicott (2000, p.187, grifos
do autor) explica que a criança havia passado por “um pico de ansiedade neurótica,
seguido por uma crescente angústia, e em certo momento a doença mudou
qualitativamente, adquirindo um caráter psicótico.”
Pesquisando a melhora perceptível da menina, Winnicott (2000, p.188)
disse: “descobri que a família havia transformado a si mesma num hospital
psiquiátrico, assumindo uma organização paranóide dentro da qual essa criança
retraída e paranóide adaptava-se admiravelmente.” Conta que “a mãe, uma mulher
com educação primária” tinha todas as condições para um acolhimento preciso das
necessidades da menina. Não sem interesse em compreender “porque ela e sua
84
família haviam chegado a esse estado tão estranho e anormal”, pode cooperar e
esperar pela recuperação gradual da normalidade doméstica.”(Winnicott, 2000,
p.188)
Kathleen sempre precisou de uma adaptação mais sensível dos pais às suas
necessidades, era “uma criança sempre tensa” e dada a “ataques de fúria”, mas, diz
Winnicott (2000, p.191): “dentro dos limites da normalidade”. Entretanto, na
progressão de sua doença, viveu ansiedades severas e desorganizações importantes e
manifestas, dizia: “você esta falando para dentro de minha barriga, você esta me
machucando.”
Perdeu a possibilidade de brincar, e seu sofrimento era intenso e sua vida
estava seriamente perturbada. Winnicott (2000, p.193) apoiou os pais e tomou
providências para assegurar a efetividade do ambiente necessário para o
desenvolvimento da doença de Katleen. Contou:
Os pais arranjaram as coisas de modo que ninguém batesse à porta, pois a criança
temia as batidas. O leiteiro teria que deixar o leite do lado de fora do portão em vez
de na soleira da porta. O carteiro e o entregador de carvão receberam instruções
semelhantes. Nem mesmo aos parentes foi permitida a visita [...] a família toda
estava envolvida.[...] Dentro desse contexto artificialmente paranóide, a criança foi
capaz de abandonar gradualmente seu próprio retraimento paranóide.
Nesta situação, a mãe e a família, fundem-se com a criança, para favorecer-
lhe o restabelecimento de modos de comunicação muito primitivos. Winnicott (2000,
p.196) escreveu: “Foi possível a ela identificar-se com sua própria casa (modificada),
porque esta havia assumido a forma de suas defesas.”
85
Esse relato indica as muitas maneiras pelas quais podemos entrever a
participação de uma comunicação silenciosa, que, característica dos primeiros
momentos entre a mãe e seu bebê, pode ser entrevista nas múltiplas formas de
adaptação possíveis dentro do binômio indivíduo ambiente.
Reflexões sobre o papel do ambiente que constitui o ‘meio’ em que a vida e a
terapia acontecem, se originam em afirmações de Winnicott sobre as muitas
maneiras como “paciente e setting fundem-se na situação de sucesso original do
narcisismo primário” (Lins, 2002 p.791) e, apontam para a necessidade das pesquisas
sobre o ambiente facilitador.
No contexto criado na clínica, nos perguntamos sobre as possibilidades de
instauração de um espaço de experiência. No pensamento de Winnicott, somos
atraídos para questões sobre a mãe, o analista e a ‘localização da experiência
cultural’ como indagações contidas no conceito de espaço potencial.
Destacar estas passagens como últimas reflexões tem como objetivo indicar o
campo de pesquisa que nosso tema propõe. Conscientes da limitação deste trabalho,
esperamos, contudo, ter delineado a questão.
86
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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