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heideggeriano da imanência do ser
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, pois Bennington pensa, nesse contexto, a contaminação
derridiana como uma inextricável relação do ser com o outro, colocando Derrida num espaço
indecidível entre Heidegger e Lévinas. Creio ser pertinente apresentar essa citação porque,
além de permitir elucidar pontos obscuros do meu texto, ela introduz certos elementos que
retomarei posteriormente. Enfim, eis a citada citação:
Essa contaminação necessária, essa parasitagem do outro através do ser e do ser
através do outro, seria justamente onde Derrida não é Lévinas, pois este não quer
tal contaminação. Lévinas gostaria, por exemplo, de guardar a possibilidade de
“escutar um Deus não contaminado pelo ser”, logo, radicalmente separado do ser.
(...) podemos dizer que, à medida que Derrida duplica Lévinas ou Heidegger tão
de perto, ele é justamente “mais outro” do que qualquer outro. Pode-se aliás,
constituinte, pois, segundo ele, esta constitui o objeto transcendente a partir da imanência das intuições
fenomênicas, tornando claro (transcendente) o que é vivido de modo obscuro (imanente). Mas como os atos da
subjetividade constituinte são, para Husserl, ainda ativos, Lévinas dá preferência à passividade – que ele
encontra na meditação heideggeriana – de um ser neutro, destituído do poder ativo constituinte. Pois a
neutralidade do ser, que é aquilo que Lévinas chama de il y a, embora sendo ainda o mesmo, é, contudo, um
mesmo neutralizado de qualquer poder constituidor, o que possibilita pensar uma transcendência que não mais
depende da atividade de uma consciência transcendental, mas uma transcendência infinita, para além, inclusive
da totalidade do registro do mesmo. Isto é, se toda transcendência dependesse de atos constituintes, como estes
atos partem da imanência do mesmo, toda transcendência somente se daria como o resultado do mesmo. Noutras
palavras, nunca houve, para Lévinas, uma efetiva transcendência, uma verdadeira metafísica. Entretanto, como
vimos, o ser enquanto o mesmo deve ser considerado como uma etapa necessária, porém provisória, pois é a
partir daí que se pode ter acesso à origem absoluta do ser, que é sempre ser-para-o-outro, superando a imanência
em direção a uma transcendência infinita, a um infinito para além da totalidade do mesmo, o que significa
superar a ontologia fundamental com vistas a encontrar a ética como filosofia primeira, como a única metafísica
válida. Somente assim a transcendência deixa de ser um objeto constituído a partir da totalidade do mesmo para
escapar a toda e qualquer tematização e objetivação. Ora, Derrida, apesar de assumir a noção levinasiana de
alteridade radical, não subscreve o sentido de superação que Lévinas reivindica, pois, de acordo com o
pensamento derridiano, o ser e o outro são originariamente inextricáveis, não podendo jamais haver uma pureza,
quer do lado do ser, quer do lado do outro.
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É preciso tomar muito cuidado para que a distinção entre Derrida e os aqui chamados pensadores da imanência
seja sustentada com rigor. Pois Heidegger, Nietzsche, Deleuze, Foucault, Merleau-Ponty (e até mesmo Benjamin
e Vattimo), embora sejam imanentistas, não postulam a imanência do mesmo como identidade, mas como
diferença. Eis que se torna altamente difícil estabelecer uma distinção consistente entre Derrida e esses autores,
já que uma diferença no interior de uma imanência já pode ser pensada como uma alteridade originária a cindir a
homogeneidade do mesmo. Para resolver esse problema, devo confessar, antes de tudo, que toda denúncia ao
imanentismo que faço em meu texto, bem como o distanciamento que faço de Derrida em relação à tese da
imanência, deriva de uma interpretação que faço de Derrida a partir da intensificação de postulados levinasianos
(que estão, certamente, inscritos na filosofia de Derrida). Pois bem, temos então, por um lado, a imanência não
como identidade, mas como diferença; por outro, a transcendência absoluta e infinita (Lévinas) rompendo o
domínio da imanência; e, entre eles, Derrida: a diferença como alteridade radical no interior da imanência. Aliás,
um interior que não é propriamente um interior, já que a alteridade que lhe contamina não permite que ele se dê
como interioridade em si. Resumindo: em Derrida, a transcendência absoluta (alteridade radical) é imanente à
imanência, o que faz a imanência não ser imanente a si própria. Ou seja, a imanência difere de si por meio de
uma diferença que é alteridade radical. Já no caso dos imanentistas aqui citados, a diferença não é alteridade
radical (assim como em Lévinas a alteridade radical não é propriamente a diferença), mas é tão-somente
diferença no interior da imanência como tal. Exempli gratia: em Heidegger, a diferença entre ser e ente tem por
propósito perpetuar a imanência do ser. Ademais, pelo círculo hermenêutico, a resposta a uma questão apenas
explicita o sentido implícito na questão.