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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA
A HUMANIZAÇÃO NO PRONTO SOCORRO
DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA
FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU
SOB A PERSPECTIVA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
PATRICIA SHIRAKAWA NAKAMOTO
BOTUCATU
2007
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Humanização __________________________________________________________________________________________________
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PATRICIA SHIRAKAWA NAKAMOTO
A HUMANIZAÇÃO NO PRONTO SOCORRO
DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA
FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU
SOB A PERSPECTIVA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Dissertação apresentada à Faculdade de
Medicina, Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, campus de
Botucatu, para a obtenção do grau de Mestre
em Saúde Coletiva.
Orientadora: PROFª DRª ELIANA GOLDFARB CYRINO
Co-orientador: PROFª DRª ANTONIO DE PÁDUA PITHON CYRINO
BOTUCATU
2007
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Humanização __________________________________________________________________________________________________
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FOLHA DE APROVAÇÃO
PATRICIA SHIRAKAWA NAKAMOTO
A HUMANIZAÇÃO NO PRONTO SOCORRO
DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA
FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU
SOB A PERSPECTIVA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Dissertação apresentada à Faculdade de
Medicina, Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, campus de
Botucatu, para a obtenção do grau de Mestre
em Saúde Coletiva.
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Eliana Goldfarb Cyrino
Instituição: Faculdade de Medicina de Botucatu/ UNESP
Assinatura: __________________
Profª Drª Ana Teresa de Abreu Ramos Cerqueira
Instituição: Faculdade de Medicina de Botucatu/ UNESP
Assinatura: __________________
Profª Drª Ana Cecília Silveira Lins Sucupira
Instituição: Faculdade de Medicina de São Paulo/ USP
Assinatura: __________________
Botucatu, 31 de março de 2007
Humanização __________________________________________________________________________________________________
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AOS USUÁRIOS E PROFISSIONAIS DO PRONTO SOCORRO
AO LUIS
AOS MEUS PAIS WILSON E EDY
Humanização __________________________________________________________________________________________________
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AGRADECIMENTO
A minha querida orientadora Eliana;
Ao sempre tranqüilo co-orientador Toninho; e,
A presença alegre da Laurinha.
Aos “velhos” amigos que sempre me acompanham;
Aos “novos” conhecidos e meninas do NAP que me mostraram o lado escola da
UNESP; e,
Aos alunos, que me fizeram pensar em seguir a carreira acadêmica.
Ao Luis, que me fez viajar todas às semanas, que acredita em mim até quando eu
duvido, que é sonho para toda vida;
Aos meus pais que sempre me estimularam, apoiaram minhas decisões e
acompanham de perto esta pessoa irrequieta que já é quase gente grande; e,
A faculdade, lugar onde eu nasci, que uniu o Wilson e a Edy e foi o começo de
toda a minha vida.
Humanização __________________________________________________________________________________________________
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RESUMO
NAKAMOTO, P. S. A humanização no Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Botucatu sob a perspectiva dos profissionais de saúde. 2007.
Dissertação (mestrado) Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista,
Botucatu.
Os hospitais de ensino têm sido estimulados a transformarem-se em um serviço que recupere a
dimensão essencial do cuidado: a relação entre humanos exaltada na Política Nacional de
Humanização (PNH). O estudo da humanização no processo de desenvolvimento do Sistema
Único de Saúde (SUS) é relevante e sua observação em um pronto socorro de hospital
universitário pertinente, pois este funciona como um centro do sistema de saúde, atraindo para si
uma enorme demanda, que muitas vezes sobrecarrega os seus serviços. O Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina de Botucatu (HC-FMB) recebe pacientes de todos os níveis de
complexidade, sendo o seu pronto socorro, uma das referências à DRS-VI para procedimentos
de alta complexidade em urgência/emergência e um local de tensão e sobrecarga de atendimento.
Este trabalho tem como objetivo analisar a humanização no Pronto Socorro do HC-FMB sob a
perspectiva dos profissionais de saúde. Trata-se de uma pesquisa qualitativa em que foram
entrevistados oito médicos, uma enfermeira e uma psicóloga, que refletem posições frente à
realidade, momentos do desenvolvimento e da dinâmica social, preocupações e interesses
próprios, característicos de uma pesquisa social da qual emergem contradições e conflitos do
cotidiano de trabalho. A análise dos discursos permitiu a elaboração de núcleos temáticos sobre
os quais são apresentados os resultados: a) Pronto Socorro e ambiência: espaço físico inadequado
que compromete o atendimento e contrapõe-se ao conceito de ambiência proposto pelo
Ministério de Saúde; b) Pronto Socorro e seus usuários: embora tenha havido uma reorganização
da unidade que deixou de ser uma porta de entrada de livre acesso, o PS ainda atende a casos de
baixa complexidade e pacientes de todos os níveis sociais, devido à carência de outros serviços de
urgência na região; c) Pronto Socorro, espaço de assistência: a superlotação da unidade é
justificada pela baixa resolutividade dos serviços de atenção primária e pelas percepções distintas
de usuários e profissionais sobre o que é urgência e emergência; quanto ao relacionamento
médico-paciente, há uma preocupação em escutar o doente e estar atento à linguagem não-verbal,
no entanto, a relação é ainda muito assimétrica com concentração de poder e decisão nas mãos
dos médicos; d) Pronto Socorro, espaço de trabalho e de ensino: a pressão e o estresse
constantes, a sobrecarga de trabalho, a dificuldade em lidar com a morte, o sentimento de falta de
reconhecimento por parte do HC-FMB poderiam ser suficientes para afastar os profissionais do
serviço, no entanto, apesar de todos os problemas, uma grande identificação com o trabalho
no PS e uma satisfação em ensinar e acompanhar os alunos de medicina e residentes. Assim, o PS
do HC-FMB pode ser identificado como um local de atendimento à saúde que recebe todos os
tipos de problema, sem aparente organização ou conformidade à regionalização e hierarquização
proposta pelo SUS e que acarreta também em dificuldades de relacionamento com os pacientes.
Foi possível constatar que no cotidiano do trabalho os entrevistados, embora reconheçam a
necessidade e importância da humanização do atendimento, eles mesmos, muitas vezes, sentem-
se “desumanizados”. Por fim, identificou-se entre os profissionais a percepção de uma
desvalorização do trabalho no pronto socorro em relação à atividade em outras áreas do hospital.
Palavras-chave: humanização, comunicação, relacionamento médico-paciente, pronto socorro.
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ABSTRACT
NAKAMOTO, P. S. The humanization process in the Emergency Department of the
Botucatu Medical School Clinical Hospital according to the health professionals´
perspective. 2007. Master dissertation Botucatu Medical School, São Paulo State University,
Botucatu.
The teaching hospitals have been stimulated to become a service that recovers the essential part
of care: the relationship among human beings mentioned in the National Humanization Policy.
The humanization study in the development process of Sistema Único de Saúde (SUS) (Brazilian
public health system) is relevant and the observation of the system in a university teaching
hospital pertinent, because it functions as a health care center, attracting to itself great demand,
which often overloads its services. The Clinical Hospital from Botucatu Medical School (CH
from BMS) receives patients of all levels of complexity, and its emergency department is a
reference to the DRS-VI for high complex procedures in emergency/urgency and a place of
tension and overload of care. The purpose of this paper is to analyze the humanization of the
emergency department of the CH from BMS through the eyes of the health professionals. This
is a quantitative research into which eight doctors, a nurse and a psychologist were interviewed;
who reflect their position towards the reality, moments of development and the social dynamics,
concerns and personal interests, typical of a social research from which emanate contradictions
and conflicts of the daily work. The analyses of the interviews allowed the elaboration of theme
centers through which the results are presented: a) Emergency Department and environment:
inappropriate physical space which compromises the care and opposes the environment concept
proposed by the Ministry of Health; b) Emergency Department and its users: even though there
has been a reorganization of the department, which is no longer a free access entrance, the
emergency department still cares for cases of low complexity and patients of all social levels, due
to the lack of other emergency services in the area; c) Emergency Department, care space: the
unit overload is justified by the low resoluctivity of the primary care services and by the different
perceptions of the users and professionals about the concept of emergency and urgency; about
the doctor-patient relationship, there is a concern about listening to the patient and pay attention
to the non-verbal language, but the relationship is still very unbalanced with a concentration of
power and decision in the doctors’ hands; d) Emergency Department, work and teaching place:
the constant pressure and stress, the work overload, the difficulty in dealing with death, the
feeling of lack of recognition from the CH from BMS could be enough to drag the professionals
from work, however, despite all the problems, there is a great identification with the work in the
emergency department and a great satisfaction in teaching and following up the medical students
and residents. Therefore, the Emergency Department from the CH from BMS can be
characterized as a place of health care which receives all kinds of problems, without apparent
organization or conformity to the regionalization and hierarquization proposed by SUS, which
also causes relationship difficulties with the patients. It was possible to identify that in the daily
work the interviewees, even though recognizing the need and the importance of the
humanization in care felt, quite often, “dehumanized”. At last, it was detected among the
professionals the perception of a depreciation of the work in the emergency department if
compared to other areas in the hospital.
Key words: humanization, communication, doctor-patient relationship, emergency department.
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SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO.....................................................................................................................................12
A. Histórico e Conceito de Humanização .....................................................................................13
B. Humanização do Sistema Único de Saúde ...............................................................................20
1. Política Nacional de Humanização .......................................................................................20
2. Humanização do Pronto Socorro .........................................................................................22
C. Comunicação médico-paciente................................................................................................... 23
1. Modelos de relações médico-paciente ..................................................................................23
2. Um ator, uma percepção.........................................................................................................26
3. Paralelo entre a relação e comunicação médico-paciente ..................................................28
4. A comunicação interpessoal...................................................................................................32
II. OBJETIVO ...........................................................................................................................................35
III. METODOLOGIA.............................................................................................................................37
A. Pesquisa Qualitativa .....................................................................................................................38
B. Local de pesquisa: o Pronto Socorro.........................................................................................41
C. Um pouco da história dos entrevistados...................................................................................44
IV. RESULTADOS E DISCUSSÃO.........................................................................................................45
A. Pronto Socorro e ambiência .......................................................................................................48
B. Pronto Socorro e seus usuários..................................................................................................54
C. Pronto Socorro: espaço de assistência ......................................................................................57
1. Superlotação .............................................................................................................................57
2. Acolhimento, um dos caminhos para a Humanização.......................................................69
3. Relacionamento e comunicação professional-paciente......................................................71
D. Pronto Socorro: espaço de trabalho e local de ensino............................................................84
1. Ser profissional de saúde no Pronto Socorro......................................................................85
2. Ser professor no Pronto Socorro ..........................................................................................96
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................102
VI. REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................106
VII. ANEXOS .......................................................................................................................................114
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APRESENTAÇÃO
“Cada fala nossa vem carregada de mil falas dos que falaram antes de nós,
dos que falam conosco, dos nossos, conhecidos e desconhecidos”
(Bakhtin, 1992)
Buscamos aqui recompor um pouco o caminho que vem sendo trilhado no Brasil em
busca da humanização da saúde. Esta construção foi possível por meio de pesquisa que resultou
em um texto que apresenta a conceituação da humanização da saúde respaldada em diversos
autores, como um processo em constante mudança e ainda em formação que reativa, ilumina,
intensifica a relação entre humanos. São humanos desiguais, em posições distintas e muitas vezes
um subalterno ao outro. Buscar compreender e perceber a humanização em um Pronto Socorro
de um Hospital Universitário Público no Brasil nos remete a entender como é forte o discurso
colonialista e escravagista de nossa sociedade. Uns falam, outros ouvem; uns informam, outros
escutam; uns ordenam,outros obedecem. Nem tudo que é falado por um é compreendido pelo
outro. A situação de trabalho em um Pronto Socorro também é alvo da possível compreensão da
relação entre humanos.
Escolhemos o caminho da palavra e demos voz aos profissionais médicos,
enfermeiros e psicólogos do Pronto Socorro para que falassem do trabalho realizado por cada
um, da comunicação e da humanização.
Sabemos que escolhemos um caminho perigoso e que não podemos cair na
leviandade ou no espontaneísmo, como nos coloca Regina Leite Garcia (1995) sobre um perigo
da pesquisa etnográfica. Estamos nos mantendo no fio da navalha, que exige conhecer o já-dito
para poder dar a palavra a quem vive hoje um Pronto Socorro e então poder produzir um
conhecimento novo.
Nesse percurso tivemos a felicidade de nos deparamos com o texto de Suely
Deslandes sobre o trabalho em Pronto Socorro no Rio de Janeiro que muito nos impressionou
com a possibilidade de dialogar com pesquisas atuais que estão sendo produzidas sobre a
temática em questão.
Reconhece-se que os serviços de emergência, urgência e pronto atendimento m
constituição e situação de assistência que muitas vezes levam a uma tendência a desumanização
do atendimento, entende-se que esta questão precisa ser examinada e enfrentada como dupla
face. “De um lado, o sofrimento e insegurança do usuário, relacionado não só com o seu
problema, mas também com a frieza, impessoalidade ou mesmo maus tratos praticados por
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elementos da equipe” (PAIM, 1994, p.154). De outro, os profissionais de saúde que atuam com
um nível enorme de estresse no processo de trabalho tendo que lidar intensamente com o
sofrimento, o risco de morte, o óbito de pacientes e ainda a necessidade de soluções imediatas
para os diferentes problemas. Paim, 1994, analisa que muitas vezes a ansiedade acumulada pelos
profissionais pode se manifestar em desatenção e até mau trato com os usuários de um lado e em
doenças ocupacionais da saúde de outro. A superação desses problemas, por sua complexa
natureza tem exigido investigações e discussões que resultem na melhor forma de enfrentar a
problemática.
Embora se constate que menos de 5% das pessoas que procuram serviços de
urgência/emergência ou pronto atendimento sejam admitidas em um hospital, deve-se ter em
mente que todos os demais 95% levam uma imagem da qualidade da assistência, do cuidado geral
e eficiência, para a comunidade (PAIM, 1994).
Em recente editorial, Malik e Novaes (2007, p.822) observam o quanto “os cidadãos
brasileiros percebem melhor as carências na assistência hospitalar que em outras modalidades
assistenciais, pois depositam nela seus desejos e expectativas em momentos de grande aflição”.
Entendemos que essa também seja a situação dos serviços de emergência e urgência em nosso
pais e que se quisermos ampliar as possibilidades de qualificação do Sistema Único de Saúde
(SUS) é fundamental aprofundar a compreensão sobre a natureza complexa da crise e as
alternativas propostas para o enfrentamento dos desafios existentes na organização do Pronto
Socorro. Para Malik e Novaes (2007, p.822):
não se trata de defender uma maior importância da assistência hospitalar, em
detrimento da atenção primária/ambulatorial, mas de propor uma melhor
integração/interação entre os diferentes níveis e atores dos sistemas de saúde,
que otimize as suas respectivas competências, na construção de um sistema
verdadeiramente capaz de atender de maneira cada vez mais adequada as
necessidades da população e da sociedade como um todo.
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“Eu acho que...o hospital das clinicas de Botucatu ...um lugar onde...despenca muito problema
social, muito problema de saúde mesmo, mas muito problema social, assim que vem desembocar aqui. Então,
assim, várias exclusões da sociedade vem parar aqui, né? Tem hora que eu falo assim: “isso aqui não é problema
daqui, né?... mas que vem de uma coisa maior, né?”. A população busca aqui como uma válvula de escape
mesmo, assim...Essa imagem que eu tenho.Um exemplo: eu atendi duas crianças, que tem problema, dificuldade
de aprendizagem, um problema que não era para estar aqui no Pronto Socorro, né? E com uns diagnósticos,
assim, que veio: retardamento mental...é...não tem capacidade para aprender. E criança, sabe? Super saudável,
sabe, você faz tudo dentro de casa, entende tudo o que você pergunta. Uma estava até lendo e escrevendo.
Então, assim, eu acho que o perfil são pessoas muito excluídas. Pessoas que nem teriam que passar ... no Pronto
Socorro, entendeu? Mas acaba caindo aqui”,
Maria da Graça
(profissional de saúde do
Pronto Socorro do HC-FMB)
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Introdução
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I. INTRODUÇÃO
A. Histórico e Conceito de Humanização
Baseada em um modelo mecanicista e cartesiano, no qual mente e corpo separam-se,
a Medicina Moderna estrutura-se e transforma-se durante todo o século XIX, conformando seu
objeto como um corpo biológico, do qual apartou-se os aspectos sociais e psicológicos
(CAPRARA; SILVA FRANCO, 1999). O século XX foi marcado pelo desenvolvimento
tecnológico que permitiu realização de exames mais precisos, diagnósticos mais precoces e
manutenção da vida, concentrando-se quase sempre na doença.
O desenvolvimento da bioquímica, da farmacologia, da imunologia e da
genética também contribuiu para o crescimento de um modelo
biomédico centrado na doença, diminuindo assim o interesse pela
experiência do paciente, pela sua subjetividade. As novas e sempre mais
sofisticadas técnicas assumiram um papel importante no diagnóstico em
detrimento da relação pessoal entre o médico e o paciente. A tecnologia
foi se incorporando no exercício da profissão, deixando-se de lado o
aspecto subjetivo da relação. (CAPRARA; RODRIGUES, 2004, p.140)
Assim, as pessoas deixam de ser o centro do cuidado e são transformadas em
“objeto” da assistência e fonte de lucro, perdendo sua identidade pessoal e ficando dependentes e
passivas do “poder científico” que os profissionais de saúde julgam ter (BETTINELLI et al.,
2003). O paciente em sua singularidade - emoções, crenças e valores - cede espaço à doença que é
avaliada e tratada tecnologicamente, ocorrendo assim, a desumanização do ato médico. Como
conseqüência, aprofunda-se a relação assimétrica entre os envolvidos no processo de saúde, em
que o médico é detentor dos conhecimento do corpo do qual o paciente geralmente se vê
excluído (CAPRARA; RODRIGUES, 2004).
Ao observar a história da medicina, Michel Foucault (1994), citado por Reis et al
(2004) demonstra que a predominância do discurso científico produz uma prática que se afasta
cada vez mais da singularidade para se alicerçar numa consideração da generalidade do “caso”,
excluindo o sujeito como possível co-responsável no processo de sua cura, privando-o de fala ou
decisão sobre seu corpo, e colocando o profissional médico como possuidor de uma verdade
inquestionável sobre a doença. “Os médicos informam muito pouco aos pacientes sobre o seu
estado de saúde e sobre as possibilidades de tratamento, tendo um relacionamento de tipo
paternalista, no qual o paciente é dependente do julgamento e das idéias do médico” (CAPRARA;
SILVA FRANCO, 1999, p.651).
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Se no início do século XX, os médicos possuíam recursos limitados para tratar e
curar seus pacientes, apoiando-se no saber e na experiência pessoal de cada médico, dedicando
seu tempo para dar suporte, cuidado e conforto aos doentes de modo a desenvolver uma relação
de confiança. A partir da década de 1960, com o desenvolvimento técnico-científico, uma maior
divisão de trabalho médico e conseqüentemente, com a mudança do modelo de atenção à saúde,
o trabalho médico passou a se realizar de forma bastante fragmentada, impessoal e com
valorização de habilidades técnicas em detrimento de uma relação médico-paciente mais
humanizada (SCHARAIBER, 1997). É paradoxal, neste sentido, que enquanto a confiança na
medicina, como prática técnica, ter ampliado-se durante a segunda metade do século XX, a
confiança nos médicos foi progressivamente reduzindo-se, instalando-se neste sentido uma
verdadeira crise de confiança .
Sucupira (2005) reafirma que desde a década de 1980 é presente a contradição nas
relações da prática médica de que precisamente no momento em que o desenvolvimento
tecnológico da medicina tem permitido poder fazer mais do que nunca para prevenir e tratar
doenças mais graves, coincide com a insatisfação dos pacientes com a medicina. Para a autora,
esta insatisfação reside na falta de atenção presente na relação pessoal com profissional.
Além do discurso tecno-científico, Betts (s/d) aponta outros aspectos para a
desumanização na saúde como a compaixão piedosa que faz das diferenças o fundamento para
relações assimétricas entre benfeitor e assistido, com a instauração de um exercício de poder de
coerção e submissão, além da sensação de dívida e gratidão pela caridade recebida; e, o
utilitarismo, em que um ato é correto se produz melhores conseqüências para o bem-estar
humano, resultando na criação de ‘instituições de controle” capazes de disciplinar e regulamentar
as condutas dos indivíduos (hospitais, reformatórios, presídios, asilos).
No início da década de 1950, a Declaração Universal dos Direitos do Homem
elaborada pela Organização das Nações Unidas e que propunha a dignidade e igualdade entre
todos os seres humanos, serviu de fonte para o conceito de humanização na saúde com “a idéia
de dignidade e respeito à vida humana, enfatizando-se a dimensão ética na relação entre pacientes
e profissionais de saúde” (VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p.608). Em 1972, no simpósio
Humanizing Health Care iniciou a conceituação ou identificação do que seria humanização ou
desumanização do cuidado em saúde e as possíveis maneiras de implementar cuidados
humanizados. A estratégia de humanização estaria relacionada à relação médico-paciente, à
formação acadêmica, à comunicação e acesso à informação no processo terapêutico, às relações
hierárquicas e de poder na produção do cuidado na tomada de decisões (DESLANDES, 2006).
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Rollo (1997) apresenta alguns movimentos que de certa forma influenciaram o início
de toda a discussão e implementação da humanização em nossa sociedade nas últimas décadas.
Cita a reforma psiquiátrica como um dos movimentos mais radicais voltado a mudança da prática
psiquiátrica, que por muito tempo baseava-se no que se chama de medicamentalização” e na
internação de pacientes em hospícios. Afirma que a eficácia e a legitimidade do novo modelo de
atenção à saúde mental foi fundamental na luta por mudanças em políticas públicas de saúde. Um
outro campo que muito tem influenciado o desenvolvimento da política de humanização,
estabeleceu-se a partir de experiências de humanização em hospitais infantis e maternidades
voltados para favorecer e fortalecer o vínculo criança-família. O autor cita ainda como importante
inovação na reorganização do processo de trabalho a crise de eficiência e eficácia do modelo
hospitalar norte-americano que exigiu modificações do modelo assistencial com a implementação
de modelos de assistência mais centrados nos pacientes e com isso, mais voltados a uma não-
fragmentação das ações e uma maior responsabilização das equipes multiprofissionais nos
cuidados dos pacientes.
Inicia-se, assim, segundo Puccini e Cecílio (2004, p.1344), um movimento crescente e
disseminado de humanização, que assume “diferentes sentidos segundo a proposta de
intervenção eleita”. Verifica-se uma preocupação com o direito à saúde, à reorganização dos
serviços e das práticas em saúde em que há uma
possibilidade de abrir a organização para o cidadão indo além da mensuração
de graus quantitativos de satisfação, incorporando opinião e reivindicações da
população nesse processo de mudanças e contribuindo para uma tomada de
consciência mútua dos profissionais e cidadãos de novas finalidades e projetos
comuns para a saúde. (PUCCINI; CECÍLIO, 2004, p.1349)
A natureza do movimento radical de humanização impulsiona ainda para que as
resoluções não ocorram apenas nos limites setoriais, exigindo um projeto político-social amplo.
Isto porque
os direitos dos pacientes variam de acordo com contextos culturais e
sócio-políticos. São resultado do modo como se estruturam,
implementam e distribuem os direitos individuais, sociais e políticos em
cada contexto nacional, e também do modo como se instituíram as
formas de relação médico-paciente. (VAITSMAN; ANDRADE, 2005,
p.608)
Assim, desenvolve-se também a comunicação entre médico e paciente. Emanuel e
Emanuel (1992), citado por Caprara e Franco (1999), relatam que nos Estados Unidos, Canadá e
outros países europeus, o modelo paternalista é substituído pelo informativo, que o médico é
considerado um prestador de serviço e responsável apenas por comunicar ao paciente o
diagnóstico de sua doença e as dificuldades de cura, ficando ao critério do consumidor a decisão
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final sobre o tratamento. Ambos os modelos são exemplos de um processo de comunicação
unilateral e estão sendo gradativamente superados por um bidirecional, intitulado de
comunicacional, que exige mudança de atitude do médico, no intuito de estabelecer uma relação
empática e participativa que ofereça ao paciente a possibilidade de decidir na escolha do
tratamento.
Um consenso internacional em relação aos direitos dos pacientes vai surgindo na
década de 1990, baseando-se no “direito fundamental dos pacientes à privacidade, à
confidencialidade de sua informação médica, em consentir ou recusar tratamento, e ser
informado sobre os riscos relevantes dos procedimentos médicos” (VAITSMAN; ANDRADE,
2005, p.608). Em 1994, é assinado em Amsterdã, a Declaração sobre a Promoção dos Direitos
dos Pacientes na Europa (WHO, 1994), em que se enfatiza “o livre exercício de escolha
individual, bem como a necessidade de se construírem mecanismos que garantam a qualidade do
atendimento”, é ressaltado ainda a crescente complexidade dos sistemas de saúde; os progressos
da medicina e da ciência e o fato de a prática médica ter se tornado mais intervencionista e, em
muitos casos, mais impessoal e desumanizada, geralmente envolvendo grande burocracia; a
importância de se reconhecer o direito do indivíduo à autodeterminação e de assegurar garantias
de outros direitos de pacientes (VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p.608).
No Brasil, Vaitsman e Andrade (2005, p.609) apontam que paralelamente ao
processo de construção da democracia e da cidadania, é estabelecido na Constituição Federal de
1988 que “os serviços de saúde nos setores públicos e privados, devem preservar a autonomia
das pessoas e garantir que tenham acesso à informação sobre sua saúde”. Várias cartilhas foram
elaboradas por órgãos oficiais, serviços de saúde e/ou associações de pacientes, como a Cartilha
dos Direitos do Paciente (1995), que ressaltava o direito à privacidade, à informação e ao
atendimento respeitoso por parte de todos os profissionais de saúde e que serviu de base para a
lei 10.241, de 17 de março de 1999, sobre direitos dos usuários dos serviços e ações de saúde no
Estado de São Paulo.
A Constituição também determina que é dever do Estado garantir a saúde de toda a
população, o que será instituído com a criação do Sistema Único de Saúde, cujo funcionamento
está detalhado na Lei Orgânica da Saúde (1990). Esta política pública de saúde tem como
princípios doutrinários a integralidade, a universalidade, a eqüidade e a descentralização da gestão
com o incentivo da participação popular e da atenção com serviços de complexidades crescentes
de acordo com o município (BRASIL, 1990).
A humanização no atendimento foi reivindicada primeiramente pelos grupos mais
vulneráveis e/ ou organizados como pacientes idosos, portadores de HIV e distúrbios mentais.
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Foi impulsionada também pelo feminismo que questionava os valores instrumentais e masculinos
da sociedade industrial, criticava a medicalização do parto e a transformação do nascimento em
evento médico (VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p.609), o que originou o Programa Nacional
de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (2000). Em 2001, surge o Programa de
Humanização na Assistência Hospitalar (PNHAH) que segundo Benevides e Passos (2005), teria
o intuito de criar comitês de humanização voltados para a melhoria na qualidade da atenção ao
usuário e, mais tarde, ao trabalhador. Seria, portanto, “uma tentativa de enfrentar os problemas
relativos à qualidade nas várias áreas do atendimento hospitalar, voltando-se para as
necessidades de usuários e profissionais” (VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p.610).
Deslandes (2004) analisa o documento oficial do PNHAH e identifica quatro eixos
discursivos. Primeiro, humanização como oposição à violência (física e psicológica) que pode ser
expressa em ‘maus-tratos’ e na dor de não ter atendida as suas demandas e expectativas, sendo
que “as manifestações de violência, também podem ter o usuário como agressor, muitas das
vezes expressando o desespero de não obter o atendimento após ter peregrinado por várias
instituições, entre tantos outros motivos” (DESLANDES, 2002, p.9). Segundo, humanização
como capacidade de oferecer atendimento de qualidade, combinando avanços tecnológicos com
bom relacionamento, que “as tecnologias e os dispositivos organizacionais, sobretudo numa
área como a da saúde, não funcionam sozinhos sua eficácia é fortemente influenciada pela
qualidade do fator humano e do relacionamento que se estabelece entre profissionais e usuários
no processo de atendimento” (BRASIL, 2000 apud DESLANDES, 2002, p.10). Terceiro,
humanização como melhoria das condições de trabalho do cuidador, não se restringindo apenas a
melhoria de infra-estrutura (instalações, renovação de aparelhos) como também ressaltando a
importância de cuidar dos profissionais da área da saúde para se obter equipes de trabalho
saudáveis (DESLANDES, 2002, p.10). Assim, humanizar a assistência seria humanizar a
produção dessa assistência, visto que muitas vezes o profissional de saúde é mal remunerado,
pouco incentivado e está sujeito a uma carga horária exacerbada. Quarto, humanização como
ampliação do processo comunicacional, já que foram identificadas
deficiência do diálogo, debilidade do processo comunicacional entre
profissionais e usuários, entre profissionais e gestores repercutindo de forma
negativa no cuidado prestado. O desrespeito à palavra e a falta de troca de
informações, a debilidade da escuta e do diálogo promoveriam a violência,
comprometeriam a qualidade do atendimento e manteriam o profissional de
saúde refém das condições inadequadas que não raro lhe imputam desgaste e
mesmo sofrimento psíquico. (DESLANDES, 2002, p.10)
Humanização __________________________________________________________________________________________________
18
A Humanização da saúde ainda tem o conceito fragilizado por estar vinculada a
iniciativas isoladas, criadas e desenvolvidas pela direção dos serviços. Geralmente são ações
relacionadas à
instalação de grupos de acolhimento para pacientes com patologias específicas
ou ainda trabalhos sobre aleitamento e orientação do parto; e à promoção de
uma série de treinamentos, dirigidos aos funcionários encarregados de recepção
ou da enfermagem, sobre a melhor modalidade de atendimento dos pacientes.
(REIS et al., 2004, p.40)
Para Vaitsman e Andrade (2005), o conceito de humanização estaria ligado ao
paradigma dos direitos e a cada dia surgiriam novas reivindicações de direitos, que se remeteriam
às singularidades dos sujeitos. Assim, este paradigma estaria se tornando complexo e expandindo-
se, alcançando novas esferas sociais e discursivas.
Segundo Benevides e Passos (2005), a Humanização é um processo de mudança em
resposta aos anseios dos usuários e trabalhadores e deve enfrentar dois desafios: conceitual e
metodológico. O desafio conceitual é a superação do seu próprio desgaste que como mencionado
anteriormente tem sua força dissipada em práticas de atenção segmentadas por áreas (saúde da
mulher, saúde da criança, saúde do idoso) e por níveis de atenção (assistência hospitalar);
identificadas ao exercício de certas profissões (assistente social, psicólogo) e a características de
gênero (mulher); orientadas por exigências de mercado que devem “focar o cliente” e “garantir
qualidade total nos serviços”. o desafio metodológico é sintonizar “o que fazer” com o “como
fazer”, ou seja, o conceito e a prática, sendo que uma das dificuldades é o enfrentamento do
modus operandi fragmentado e fragmentador, marcado pela lógica do especialismo e do que se
supõe como especificidade da humanização em determinadas áreas. Os pesquisadores ressaltam
ainda que “não como mudar as formas de relacionamento nas práticas de saúde sem que
aumentemos os graus de comunicação, de conectividade e de intercessão (Deleuze, 1992) intra e
intergrupos nos serviços e nas outras esferas do sistema” (BENEVIDES; PASSOS, 2005, p.393).
Um dos aspectos fundamentais da PNH apontados por Reis et al (2004) deveria ser o
entendido de que as instituições de formação profissional são partes imprescindíveis desse
processo, uma vez que são os grandes aparelhos formadores que possibilitam a transmissão não
somente da técnica e da informação quanto da ideologia que sustenta sua operacionalização
concreta. Como nos coloca Silva (2004),
os desafios da formação dos profissionais de saúde estão ligados aos desafios
do sistema de saúde. Ambos devem buscar uma reorientação dos modos de
cuidar e promover a saúde, tendo em vista, o processo de responsabilização e
comunicação dialógica entre governantes, usuários, profissionais de saúde,
formadores e alunos, visando a integralidade da atenção em saúde. (SILVA,
2004, p.238)
Humanização __________________________________________________________________________________________________
19
Isto implica em romper com o modelo de ensino-aprendizado centrado na
concepção biomédica do processo saúde-doença e caminhar rumo a uma formação que valorize a
integralidade da atenção à saúde. Valorizar na formação médica a humanização do cuidado,
significa colocar para as instituições formadoras a necessidade de criação de estratégias de ensino
que para além de valorizar a enorme importância dos conhecimentos clínicos e uma qualificada
assistência individual, valorize-se também a clínica como um espaço de desenvolvimento de
diálogo, de fala e de escuta, considerando o paciente como sujeito de seu tratamento e buscando
melhorar sua qualidade de vida. Assim, buscar-se-ia enfatizar uma formação humanista de cunho
prático-crítico-reflexivo.
O processo de humanização, em particular da relação entre médico e pacientes, deve
reconhecer a necessidade de maior sensibilidade diante do sofrimento da doença com a
introdução das “humanidades médicas” na formação universitária e na educação continuada
(filosofia, antropologia, psicologia) que criariam espaço para repensar a prática em medicina,
intervindo na qualidade da assistência com a personalização da relação, a humanização das
atividades médicas, o direito à informação, o aperfeiçoamento da comunicação médico-paciente,
diminuindo o sofrimento do paciente, repensando as finalidades da medicina, aumentando o grau
de satisfação do usuário (CAPRARA; RODRIGUES, 2004).
Sob a perspectiva filosófica, Ayres sintetiza a humanização como
um ideal de construção de uma livre e inclusiva manifestação dos diversos
sujeitos no contexto da organização das práticas de atenção à saúde, promovida
por interações sempre mais simétricas, que permitam uma compreensão mútua
entre seus participantes e a construção consensual dos seus valores e verdades.
(AYRES, 2005, p.551)
Assim, o conceito de humanização é constantemente construído e reconstruído a
partir da busca pelo equilíbrio entre os conhecimentos tecnocientíficos dos profissionais de saúde
e o alcance dos “projetos de felicidade” dos usuários que remetem a experiências vividas,
valoradas positivamente, experiências estas que, freqüentemente, independem de um estado de
completo bem-estar ou de perfeita normalidade morfo-funcional” (AYRES, 2005, p.551).
Assim, redefinindo o conceito, tomamos a humanização como estratégia de
interferência nestas práticas levando em conta que sujeitos sociais, atores
concretos e engajados em práticas locais, quando mobilizados, são capazes de,
coletivamente, transformar realidades transformando-se a si próprios neste
mesmo processo. Trata-se, então, de investir, a partir desta concepção de
humano, na produção de outras formas de interação entre os sujeitos que
constituem os sistemas de saúde, deles usufruem e neles se transformam,
acolhendo tais atores e fomentando seu protagonismo. (BENEVIDES;
PASSOS, 2005, p.391)
Humanização __________________________________________________________________________________________________
20
A adoção da PNH significa definir “a humanização como a valorização dos
processos de mudança dos sujeitos na produção de saúde” (BENEVIDES; PASSOS, 2005,
p.392), buscando a criação de condições para humanização como as propostas pela socióloga Jan
Howard (1975), citada por Deslandes (2006), das quais destacamos: a valorização da vida
humana, independente do status e hierarquia social; o reconhecimento da singularidade do sujeito,
seja ele paciente ou colega; e, a integralidade dos indivíduos (holistic selves), que questiona a
fragmentação do cuidado e falta de visão integral da pessoa.
B. Humanização do Sistema Único de Saúde
1. Política Nacional de Humanização
Em 2003, o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar é
substituído pela Política Nacional de Humanização (PNH) que vem justamente para ampliar o
alcance da Humanização por ser sustentado pela maior instância de gestão do Estado,
aumentando também a sua autoridade e poder de intervenção (REIS et al., 2004) deve ser
usado como referencial para análise dos discursos.
Uma política não pode se confundir com um princípio e a humanização como
política pública de saúde deve estar efetivando, no concreto das práticas de
saúde, os diferentes princípios do SUS. Uma política se orienta por princípios,
mas está comprometida também com modos de fazer, com processos efetivos
de transformação e criação de realidade. (BENEVIDES; PASSOS, 2005,
p.392).
Como política de saúde transversal, segundo Benevides e Passos (2005, p.393), a
PNH “atualiza um conjunto de princípios e diretrizes por meio de ações e modos de agir nos
diversos serviços, práticas de saúde e instâncias do sistema, caracterizando uma construção
coletiva”, supondo a ultrapassagem das fronteiras dos diferentes núcleos de saber/poder que se
ocupam da produção da saúde. A humanização constrói-se “com as direções da inseparabilidade
entre atenção e gestão e da transversalidade” que “é produzida por uma comunicação
multivetorizada construída na intercessão dos eixos vertical e horizontal” (BENEVIDES;
PASSOS, 2005, p.393).
Para Reis e al (2004, p.43), a PNH “deve ser um instrumento de transferência de um
poder centralizado, que envolve naturalmente risco e responsabilidade, para um poder
compartilhado, no qual diferentes instâncias profissionais, pacientes e gestores — possam
sustentar o delicado processo de prevenção e assistência”.
Humanização __________________________________________________________________________________________________
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A PNH (Brasil, 2003) tem como princípios norteadores: a valorização da
dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão no SUS, fortalecendo o
compromisso com os direitos do cidadão, destacando-se o respeito às questões de gênero, etnia,
raça, orientação sexual e às populações específicas; o fortalecimento de trabalho em equipe
multiprofissional, fomentando a transversalidade e a grupalidade; o apoio à construção de redes
cooperativas, solidárias e comprometidas com a produção de saúde e com a produção de sujeitos;
a construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos implicados na rede do SUS; a
co-responsabilidade desses sujeitos nos processos de gestão e atenção; fortalecimento do controle
social com caráter participativo em todas as instâncias gestoras do SUS; e, o compromisso com a
democratização das relações de trabalho e valorização dos profissionais de saúde, estimulando
processos de educação permanente.
No entanto, o Ministério da Saúde optou por não demarcar um conceito,
restringindo-se a um entendimento da Humanização, que permite inúmeras possibilidades de
leituras formalizantes e burocratizadas. Assim, entendemos Humanização como: valorização dos
diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e
gestores; fomento da autonomia e do protagonismo desses sujeitos; aumento do grau de co-
responsabilidade na produção de saúde e de sujeitos; estabelecimento de vínculos solidários e de
participação coletiva no processo de gestão; identificação das necessidades de saúde; mudança
nos modelos de atenção e gestão dos processos de trabalho tendo como foco as necessidades dos
cidadãos e a produção de saúde; compromisso com a ambiência, melhoria das condições de
trabalho e de atendimento (BRASIL, 2004).
A PNH possui estratégias e diretrizes gerais, além de parâmetros específicos para o
acompanhamento de sua implementação de acordo com o nível de atenção de saúde (Atenção
Básica, Atenção Especializada e Urgência e Emergência em Pronto Socorro, Pronto Atendimento
e Atendimento Pré-Hospitalar). Para completar e difundir algumas das tecnologias de
humanização da atenção e da gestão no campo da saúde, foram publicadas “cartilhas da PNH”
com os temas: acolhimento com avaliação e classificação de risco, clínica ampliada, gestão
participativa (co-gestão), equipe de referência e apoio matricial, gestão e formação nos processos
de trabalho, gestão e prontuário transdisciplinar e projeto terapêutico, grupo de trabalho de
humanização, visita aberta e direito a acompanhante.
No âmbito dos Hospitais Universitários e de Ensino, a PNH tem objetivos e metas
específicas que incluem a implementação de gestão descentralizada, colegiada e com controle
social; ouvidoria institucional; projeto de Acolhimento com avaliação de risco e prioridades de
atendimento; sistema de atenção domiciliar; visita aberta e acompanhante para usuários
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internados; avaliações de satisfação do usuário e dos trabalhadores; equipe médica horizontal; a
adequação da área física para conforto de usuários, familiares e trabalhadores, seguindo o
conceito de ambiência; a disponibilização de equipe interdisciplinar de referência para o usuário e
familiares; o desenvolvimento de protocolos para abordagem de problemas e situações
selecionadas; além de outras ações seguindo os princípios e dispositivos da política.
2. Humanização do Pronto Socorro
Para o atendimento de Urgência e Emergência do Pronto Socorro, a PNH tem como
parâmetros para acompanhamento de sua implementação: a demanda acolhida através de
critérios de avaliação de risco, garantido o acesso referenciado aos demais níveis de assistência; a
garantia da referência e contra-referência, resolução da urgência e emergência, provido o acesso à
estrutura hospitalar e a transferência segura conforme a necessidade dos usuários; a definição de
protocolos clínicos, garantindo a eliminação de intervenções desnecessárias e respeitando a
individualidade do sujeito; e, projeto arquitetônico – ambiência (BRASIL, 2004).
Acolhimento com avaliação e classificação de risco
Compreendendo que o acolhimento, tão falado e citado atualmente na reorganização
dos serviços de saúde tanto na rede básica como nos hospitais, deva ser considerado para além de
uma sala ou um espaço físico e sim, como uma nova tecnologia de trabalho que ocorre no âmbito
da micropolítica do trabalho em saúde, no qual o processo torna-se espaço público, “passível de
discussão coletiva e de reorientações, permitindo a efetiva autogestão de trabalhadores e
construção da autonomia dos usuários, obviamente, sem negar a importante e decisiva influência
da macropolítica no contexto da saúde” (HENNINGTON, 2005, p.260). Na definição do
Ministério da Saúde, o acolhimento é compreendido como
um modo de operar os processos de trabalho em saúde de forma a atender a
todos que procuram os serviços de saúde, ouvindo seus pedidos e assumindo
no serviço uma postura capaz de acolher, escutar e pactuar respostas mais
adequadas aos usuários. Implica prestar um atendimento com resolutividade e
responsabilização, orientando, quando for o caso, o paciente e a família em
relação a outros serviços de saúde para a continuidade da assistência e
estabelecendo articulações com esses serviços para garantir a eficácia desses
encaminhamentos. (BRASIL, 2004, p.5)
Segundo a cartilha HumanizaSUS Acolhimento com avaliação e classificação de
risco, o acolhimento é uma ação continua que deve ocorrer em todos os locais e momentos do
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serviço de saúde; e, a classificação de risco, um “processo dinâmico de identificação dos pacientes
que necessitam de tratamento imediato, de acordo com o potencial de risco, agravos à saúde ou
grau de sofrimento” (BRASIL, 2004, p.20). Isto se faz necessário em particular nos Prontos
Socorros que recebem pacientes com diferentes graus de enfermidades que não podem mais ser
atendidos de forma impessoal e tão somente conforme a ordem de chegada. Para a sua
implementação é necessário uma Central de Acolhimento e Classificação de risco com
estabelecimento de fluxos, protocolos de atendimento e classificação de risco e qualificação das
equipes de acolhimento, além de adequação da estrutura física e logística das áreas de emergência
e pronto atendimento. A classificação de risco deve ocorrer nos seguintes níveis:
Vermelho: prioridade zero – emergência, necessidade de atendimento imediato.
Amarelo: prioridade 1 – urgência, atendimento o mais rápido possível.
Verdes: prioridade 2 – prioridade não urgente.
Azuis: prioridade 3 consultas de baixa complexidade atendimento de
acordo com o horário de chegada. (BRASIL, 2004, p.27)
C. Comunicação médico-paciente
Humanizar nossos serviços de saúde implica reconhecer a centralidade da
comunicação como dimensão essencial do humano, expressos na necessária qualificação do falar
e do ouvir, dado que “as coisas do mundo, se tornam humanas quando passam pelo diálogo
com os semelhantes, [enquanto...] forma de conhecer o outro” (OLIVEIRA et al, 2004, p.281).
1. Modelos de relações médico-paciente
Nestes dois séculos de história da medicina moderna, o relacionamento médico-
paciente, como comentamos, transformou-se de seu modo artesanal (ou liberal) de prática,
dominante até meados da década de 1930, para sua conformação atual como uma “medicina
tecnológica”.
Parte significativa das mudanças na relação médico-paciente foi decorrência de
transformações estruturais na organização do trabalho médico, tais como: a especialização e sub-
especialização médica, a enorme ampliação dos recursos diagnósticos e terapêuticos disponíveis e
a interposição de terceiros privados ou públicos - na relação profissional-paciente, fruto da
institucionalização da prática.
Além destes aspectos, diferentes autores, buscaram abordar o encontro médico-
paciente pela questão do poder e autonomia que invariavelmente marcam esta relação. Em 1972,
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controle do
paciente
Alto controle
do paciente
Veatch (apud GOLDIM; FRANCISCONI, 1999), propôs quatro modelos de análise para a
relação médico-paciente (sacerdotal, engenheiro, colegial e contratualista) e que se assemelham
muito com o quadro de protótipos de controle médico-paciente de Roter e Hall (2002, p. 207):
Alto controle do médico
Baixo controle do médico
No primeiro quadrante, temos o Paternalismo caracterizado pelo baixo controle do
paciente e alto controle do médico. Segundo o sociólogo Parsons (1951 apud ROTER et HALL,
2002), é uma relação muito bem equilibrada (médico/ forte/ dominante e doente/ fraco/
dependente) e mantenedora da estrutura social. Estar doente é um privilégio, pois exime o
indivíduo de suas responsabilidades. No entanto, este deve procurar um médico para restabelecer
o seu status anterior e obedecer a tudo lhe for prescrito. Ao médico, cabe escolher o melhor
tratamento, mantendo sempre o distanciamento do paciente. Neste modelo, prevalece uma
relação de apoio e cuidado em que o paciente pode receber conforto da figura pai-doutor. Neste
caso, a confiança no médico é importantíssima para o processo de cura. The trust and confidence
implied by this model allow the doctor to do ‘medical magic’.” (ROTER; HALL, 2002, p.210). Veatch
(apud GOLDIM; FRANCISCONI, 1999) chama este modelo de Sacerdotal dado o poder que o
médico possui nesta relação e exerce toda a sua autoridade e dominação sobre o paciente. O
processo de tomada de decisão teria um baixo envolvimento do paciente.
De uma maneira geral, pode-se dizer que este modelo explicativo paternalista ou
sacerdotal – esteve adequado a um período histórico em que as doenças mais prevalentes eram de
1º quadrante
Paternalismo
Parsons, 1951
Szaz e Hollender, 1956
Ende e autores, 1990
2º quadrante
Mutualismo
Engel, 1970
(visão biopsicosocial)
McWhinney, 1992
(relação centrada no paciente)
Kleinman, 1980
(quadro explanatório do paciente)
3º quadrante
Padrão
Roter e Hall, 1992
4º quadrante
Consumerismo
Freidson, 1970
Reeder, 1972
Haug e Lavin, 1983
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natureza infecciosa, de instalação súbita e caráter agudo, e que exigiam do médico uma ação mais
rápida. Na medida em que as doenças crônico-degenerativas começam a ter uma maior
expressividade no perfil epidemiológico das populações, especialmente a partir do final dos anos
1950, e que o relacionamento médico-paciente passa a exigir uma assistência de natureza mais
prolongada, na qual o paciente passa a ter um papel importante por meio do autocuidado, o
estudo da relação médico-paciente vai requerer outros modelos explicativos, como veremos a
seguir.
Oposto ao paternalismo, o “Consumerismo”
1
(quarto quadrante) iniciou-se a partir
da década de 1960 com as mudanças sociais, no momento em que surgem os tratamentos
preventivos. Para Reeder (1972) (apud ROTER et HALL, 2002), na perspectiva do atendimento
curativo ou de emergência, o mercado é dos vendedores e a relação caracteriza o paciente como
suplicante. No entanto, na perspectiva do atendimento preventivo, o mercado é dos
compradores; assim é o paciente quem decide por comprar o serviço de prevenção oferecido
pelo médico. Nesta nova relação, o paciente tem os direitos de consumidor; enquanto o médico,
as obrigações como prestadores de serviço. Voltando a Veatch (apud GOLDIM;
FRANCISCONI, 1999), o Consumerismo corresponderia ao modelo Engenheiro em que o
médico é repassador de informações e executor das ações propostas pelo paciente. O processo de
tomada de decisão seria novamente de baixo envolvimento, mas dessa vez por parte do médico
que seria dominado pelo paciente e suas decisões.
Roter e Hall (2002) apresentam uma opção intermediária entre Paternalismo e
Consumerismo, o Mutualismo (segundo quadrante). Nesta relação cada um dos participantes traz
forças e recursos reconhecidos. O poder é equilibrado e as decisões são resultados do que se
pode considerar um encontro entre iguais. A tarefa do paciente é de tornar-se parceiro nesta
empreitada; enquanto, a do médico, reconhecer o doente como centro do cuidado. Este encontro
entre iguais para Veatch (apud GOLDIM; FRANCISCONI, 1999) resulta no modelo Colegial
em que não se diferenciam os papéis de médico e paciente. O médico não exerce sua autoridade,
o poder é compartilhado e o processo de tomada de decisão é de alto envolvimento, ou seja, há a
participação democrática e ativa dos envolvidos; e, muitas vezes, a decisão é consensual.
No modelo Contratualista de Veatch (apud GOLDIM; FRANCISCONI, 1999)
também um equilíbrio entre médico e paciente; no entanto, é preservada a autoridade do
médico. Ocorre a troca efetiva de informação e o processo de decisão pode ser de alto ou médio
1
Consumerism, movimento iniciado no século XIX nos Estados Unidos por consumidores que questionavam a produção, a
comunicação em massa, a tecnologia de mercado e a qualidade dos produtos.
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envolvimento, em que a decisão do médico é pautada nas opiniões e restrições do paciente,
respeitando seu estilo de vida e seus valores morais e pessoais.
O último protótipo descrito por Roter e Hall (2002) é o default, que poderia ser
traduzido por protótipo de omissão ou negligência caracterizado pela falta de controle sobre a
situação e ausência de envolvimento na relação tanto por parte do médico quanto do paciente, o
que acarretaria na falha do tratamento.
Outra classificação importante é a de Emanuel e Emanuel (1992 apud GOLDIM;
FRANCISCONI, 1999) que propuseram uma reestruturação dos modelos de Veatch. O modelo
Sacerdotal passou a se chamar Paternalístico; enquanto o Engenheiro, Informativo. O modelo
Colegial é eliminado e o modelo Contratualista passa a ser subdividido em Interpretativo (médio
envolvimento) e deliberativo (alto envolvimento), de acordo com o grau de autonomia do
paciente. Cogitam ainda a criação de um quinto modelo (instrumental) em que o paciente seria
utilizado pelo médico apenas como um meio para atingir uma outra finalidade.
No Brasil, Nogueira-Martins (2001) propõe a utilização de outros modelos de relação
profissional-cliente, como os descritos por Schneider (1974): grau de atividade-passividade,
distância psicológica e grau de contato pessoal. O primeiro modelo ainda se divide em três tipos
de relação: atividade-passividade, direção-cooperação e participação mútua e recíproca. No
pronto socorro, são mais comuns os seguintes modelos: atividade-passividade, nos casos de
urgência, estado de coma e cirurgias, que o profissional tem que fazer algo pelo paciente que
está passivo; e, direção-cooperação, nas enfermidades agudas e acidentes, em que o cliente é
capaz de cooperar com o profissional.
Um outro modo de olhar a relação médico-paciente é reconhecer um gradiente de
possibilidades de enfoque que vai do médico ao paciente. Assim, o relacionamento poderia se
orientar nitidamente para o pólo médico, aproximando-se do modelo paternalista, anteriormente
citada. Deslocando-se para o outro pólo teríamos um conjunto de proposta dentro do que se tem
chamado “relação centrada no paciente”. Há, todavia, outro conjunto que não se colocaria,
entre as anteriores, como também se estruturaria numa perspectiva transversal de compreensão
destas relações, que poderíamos genericamente chamar de “centradas no encontro” (CYRINO,
2005).
2. Um ator, uma percepção
Em estudo feito em Rochester (Estados Unidos) com grupos focais de usuários e
profissionais de um centro de saúde, Ling et al. (2003) levantaram importantes questões sobre o
relacionamento médico-paciente:
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a) Divergências de significados e perspectivas:
- escutar: para os pacientes, é poder falar sem se preocupar com o tempo; enquanto
para os médicos, é alinhar a comunicação verbal com a o-verbal, projetando a imagem de
disponibilidade de tempo. Para os médicos ainda eram importantes a priorização dos problemas,
o agendamento de consultas futuras e a atuação sobre as reclamações; além disso, eles esperavam
também que os pacientes escutassem às suas explicações e conselhos.
- respeito: tanto para médicos como pacientes, é ver o doente como um ser
importante e único. Os pacientes gostariam que isso ocorresse independentemente do seu
histórico, estilo de vida ou filosofia e os médicos se esforçam para passar esta impressão mesmo
que pessoalmente discordem. Os médicos ainda querem ser respeitados mais como profissionais
do que como indivíduos.
- cuidado: para os pacientes, é ter um médico emocionalmente envolvido em seu
tratamento e que se preocupe com a sua melhora; enquanto para os médicos, significa empatia,
demonstração de acolhimento e investimento emocional que vai além de suas habilidades
técnicas.
b) Importância do Gostar: o fato do paciente gostar do médico ou achar que esse
gosta dele é um importante fator de melhora no tratamento. Para os pacientes, gostar é ter um
relacionamento fácil e agradável; e, está associado a confiança e a possibilidade de continuidade
do tratamento. Os médicos, por sua vez, fazem um esforço para gostar de pelo menos alguma
coisa no paciente para que a distância entre eles diminua.
c) Confiança entre médico e paciente: o paradoxo da satisfação. Embora, às vezes, os
pacientes expressem descontentamento com algum procedimento ou evento, o relacionamento
médico-paciente positivo não é afetado. Para o paciente, confiança significa crer na integridade
do médico e em sua competência e conhecimento técnico, ainda assim eles aceitam que os
médicos possam cometer erros. Do ponto de vista dos médicos, confiança envolve reconhecer
potenciais problemas honestamente, baseado em um senso profissional de integridade e
responsabilidade moral; e, está associado ao não-julgamento.
Os relatos de Ling et al. (2003) mostram médicos preocupados e aparentemente
treinados para atingir, o que eles acreditam ser, às expectativas dos pacientes. Esquecem-se que
para os pacientes, eles não são apenas aplicadores de conhecimentos, Ayres (2006) completa:
precisamos ficar atentos para o fato de que nunca, quando assistimos à saúde
de outras pessoas, mesmo estando na condição de profissionais, nossa
presença na frente do outro se resume ao papel de simples aplicador de
conhecimentos. Somos sempre alguém que, percebamos ou não, está
respondendo a perguntas que nos são dirigidas, do tipo: ‘o que é bom para
mim?’, ‘como devo ser?’, ‘como pode ser a vida?’ (AYRES, 2006, p.67)
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A partir do levantamento dos problemas da relação médico-paciente como “a
incompreensão por parte do médico das palavras utilizadas pelo paciente para expressar a dor, o
sofrimento; a falta ou a dificuldade de transmitir informações adequadas ao paciente; a
dificuldade do paciente na adesão a tratamento” (CAPRARA; FRANCO, 1999, p.651), Caprara e
Franco (1999) sugerem que para uma relação menos assimétrica, o foco esteja no paciente e não
na doença.
Ao se relacionar apenas com a doença, o profissional ocupa lugar de adversário
aquele que luta contra o mal. Relacionando-se com a pessoa, ele ocupa o
lugar de parceiro. Assim, em parceria, profissional e usuário pensariam em
estratégias para lidar com o sofrimento e buscar saúde. A posição de adversário
do mal é solitária e pesada; ao se tornar um parceiro do paciente, as forças se
somam e tudo fica mais leve. (FIGUEIRAS, 2006, p.411)
Segundo Caprara e Franco (2006), uma relação é composta por unidades interativas
constituídas de várias dimensões observáveis. “A capacidade de observação das pessoas
envolvidas na relação possibilita que se avaliem as expectativas da interação ou propriamente uma
relação constituída. Observar e mudar, reorganizar padrões em cada interação supõe um papel
ativo dos membros da díade e uma dimensão dialética da relação” (CAPRARA; FRANCO, 2006,
p.88). Assim, a conscientização dos profissionais de saúde sobre a importância de um bom
relacionamento médico-paciente, bem como a maior participação e reafirmação dos direitos dos
pacientes sobre seus direitos, podem contribuir para o desenvolvimento de uma interação e
comunicação mais adequada entre os envolvidos, visando uma melhora na qualidade do
atendimento médico.
3. Paralelo entre a relação e comunicação médico-paciente
A comunicação é parte intrínseca do encontro entre humanos e um componente
social básico de qualquer relação, inclusive a médico-paciente. Envolve diferentes dimensões, em
suas inseparáveis esferas, de conteúdo e relacional.
O processo de comunicação teve seu o primeiro modelo desenvolvido por
Aristóteles e resume-se em: emissor da mensagem, mensagem e receptor ou audiência. Em 1948,
Laswell aprimorou o modelo anterior incluindo o canal ou meio em que a mensagem seria
transmitida (jornal, livro, revista) e o efeito que ela produziria no receptor; e que pode ser
sintetizado pela frase: “Who says what in which channel to whom with what effect” (figura 1).
Paralelamente, Shannon e Weaver desenvolvem a teoria da informação que apesar de sua origem
matemática, é assimilada para a teoria da comunicação ao introduzir o conceito de ruído” que
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mais tarde é ampliado para qualquer problema associado com a dificuldade de entendimento de
uma mensagem (LANGE, 2000).
Figura 1: modelo comunicacional de Laswell
No Brasil, o desenvolvimento da Saúde Pública, a partir do começo do século
passado, assumiu um modo de organização caracterizado como campanhista.
Em um determinado momento da história, a saúde passa a ser valorizada como
um bem acima de qualquer discussão, justificando assim formas coercitivas de
controle social em nome da utilidade e da felicidade do maior número, da
piedade compassiva pelos que sofrem e do condicionamento de
comportamentos considerados mais saudáveis pelo saber médico científico
higienista do momento. (OLIVEIRA, COLLET et VIEIRA, 2006, p. 281)
Assim, como diretor geral da Saúde Pública, Oswaldo Cruz organizou várias
campanhas que embora bem intencionadas, apresentavam-se a população com caráter
extremamente autoritário, resultando inclusive na famosa Revolta da Vacina (1904). Em 1920,
Carlos Chagas cria o Departamento de Saúde Pública que passa a associar técnicas de propaganda
com educação sanitária cujo intuito era “promover um ‘comportamento favorável’ das
populações pobres em relação às normas de conservação da saúde” (TEIXEIRA, 1997, p.18).
Desenvolve-se a formação da “consciência sanitária” que tem como finalidade a mudança de
comportamento. na década de 1960, com programas latino-americanos de desenvolvimento
rural e de saúde, definem-se as “práticas de comunicação em saúde” até hoje atuantes e definidas
por Pitta (1994 apud Teixeira, 1997) como Núcleo Técnico Fundamental das Práticas de
Comunicação em Saúde em que há
pressuposto de uma falta ou atraso a ser superado; superação do atraso através
de conhecimentos técnicos e científicos; campo emissor de mensagem elabora
discursos com elementos comuns, em sintonia com o campo receptor;
mensagens se oferecem como um “poder organizador” do conhecimento de
um outro; uso dos meios como possibilidades de ‘extensão de saberes’ e
‘mobilização das pessoas’, buscando a adesão da população às políticas,
programas e conhecimentos previamente definidos. (PITTA, 1994 apud
TEIXEIRA, 1997, p.21)
Ainda entre os modelos unidirecionais em que apenas um sentido para o fluxo de
informação, destacamos o criado por Lazarsfeld caracterizado pela comunicação em duas etapas,
ou seja, o emissor envia uma mensagem para o líder de opinião que é o responsável por passar a
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mensagem para o seu grupo de influência (TEIXEIRA, 1997); e, o de Moles, que estabelece que
para a mensagem seja significativa para o receptor, é necessário que os repertórios da fonte e do
receptor sejam secantes (figura 2) (COELHO NETTO, 2003).
Se os dois repertórios forem exteriores totalmente um ao outro, a informação
não é transmitida ao receptor. Por outro lado, se ambos os repertórios forem
absolutamente idênticos, recobrindo-se perfeitamente, aquilo que chega ao
receptor em nada alterará o seu comportamento pois necessariamente já é coisa
que ele conhece e que, se tivesse de modificar-lhe o procedimento, o teria
feito anteriormente.(COELHO NETTO, 2003, p.124).
Figura 2: modelo comunicacional de Moles
A partir do modelo de Shannon, desenvolvem-se os modelos bidirecionais, comuns
na comunicação interpessoal e portanto, no relacionamento médico-paciente. Estes modelos
distinguem-se ao permitir uma resposta do receptor para o emissor, o que é conhecido como
feedback. Assim, o emissor passa também a ser receptor; e, o receptor, emissor. O modelo
transacional (figura 3) mostra o fluxo de comunicação ocorrendo nos dois sentidos e
continuamente (FOULGER, 2004).
Figura 3: modelo comunicacional transacional
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31
Dos modelos bidirecionais surgem os estruturais como o de Schramm em que
uma área de intersecção entre as áreas de experiência do emissor e do receptor local onde a
comunicação de fato ocorreria. Outro modelo estrutural é o modelo ecológico que leva ainda em
consideração opiniões, perspectivas e conhecimentos prévios dos comunicantes, o que interfere
na interpretação da mensagem recebida. Em 1983, Goss propõe a inclusão de conceitos sociais e
psicológicos à comunicação, enfatizando uma relação ou interação entre os comunicantes
(LANGE, 2000).
Na relação médico-paciente, gradativamente os modelos comunicacionais
unidirecionais são substituídos por bidirecionais, que exigem mudança de atitude do médico, no
intuito de estabelecer uma relação empática e participativa que ofereça ao paciente a possibilidade
de decidir na escolha do tratamento. Na década de 1960 nos Estados Unidos, Canadá e países
europeus, desenvolve-se o modelo de relacionamento médico-paciente consumerista ou
informativo em que o médico passa ser considerado um prestador de serviço e responsável
apenas por comunicar ao consumidor-paciente o diagnóstico de sua doença e as dificuldades de
cura, ficando a critério do consumidor a decisão final sobre o tratamento (EMANUEL et
EMANUEL apud CAPRARA; FRANCO, 1999).
A partir do modelo ecológico citado anteriormente, verificamos que a comunicação
entre paciente e médico tem um sistema cultural próprio, denominado por Oliveira (2002), como
sistema de atenção à saúde, que reúne todas atividades relacionadas com o cuidado e a saúde e
que servirão de repertório interpretativo para ambos os sujeitos. O espaço terapêutico, os
aspectos do paciente (sintomas, expectativa, medos e ansiedade) e os aspectos do médico
(habilidade comunicacional, experiência profissional, estresse e ansiedade) citados por Caprara e
Rodrigues (2004) complementam a essência do relacionamento médico-paciente.
Em 2002, Oliveira desenvolve a “teoria peritonial da cultura”. A membrana
peritonial é semi-permeável e permite a troca de substâncias entre os órgãos por ela envolto
como se fosse uma luva de dedos e o restante da cavidade abdominal. Analogamente, paciente e
profissional de saúde recobertos por esta membrana, entrariam em contato, permitindo a troca de
informações necessária para o desenvolvimento do cuidado. O autor ressalta que cada um dos
sujeitos continua ainda protegido em seu universo cultural e simbólico, embora tenha ocorrido a
comunicação, ou seja, a assimilação de novas informações com produção de significados.
O processo de comunicação entre paciente e dico torna-se satisfatório quando
ocorre a “negociação entre as partes”, “nem sempre totalmente consciente, cada uma usando os
seus argumentos para que se chegue a um consenso possível para aquele momento”
(OLIVEIRA, 2002, p.67). Assim, “além de garantir competência na sua área técnica, os
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profissionais de saúde devem ser igualmente competentes para reconhecer as diferenças internas
em cada subgrupo que compõe nossa sociedade” (OLIVEIRA, 2002, p.72). Lembrando que é o
usuário quem faz a escolha de consultar-se, de seguir com o tratamento e de cumprir as
recomendações médicas, ou seja, é quem tem o poder de realização e concretização da finalidade
inicial da comunicação que é sucesso do tratamento clínico.
4. A comunicação interpessoal
Donnadieu (2003) explica que na comunicação interpessoal há duas possibilidades de
relação entre os participantes: a simétrica, em que uma tendência de comportamento em
espelho, visando à diminuição das diferenças; e, a complementar, em que sempre um
comunicante superior e outro inferior, muito presente na relação médico-paciente. Foulger (2004)
reafirma que embora a comunicação seja bidirecional, ela não é igual, ou seja, os comunicantes
têm importância diferente no processo e cita, por exemplo: uma conversa entre chefe e
subordinado, em que o primeiro tem mais liberdade e poder frente ao segundo.
Watzlawick (apud DONNADIEU, 2003) aponta também para dois componentes
importantes desta comunicação: a comunicação digital que é a linguagem provida de sintaxe
lógica e a comunicação analógica que engloba todas as formas não-verbais de comunicação. O
olhar, a expressão facial, a postura e os gestos dos comunicantes fazem parte da comunicação
não-verbal que para Silva (2002) servem para complementar, contradizer ou substituir a
comunicação verbal ou ainda para demonstrar sentimentos não expressos em palavras.
Segundo Guffey e Nagle (2003) afetam ainda na comunicação interpessoal o
ambiente externo que pode ser resumido em: modo de utilização do tempo, ambiente que cerca o
comunicante e zona de privacidade ou seja a área de proximidade que cada individuo se sente
confortável para conversar. Além das barreiras para compreensão dadas pelo etnocentrismo,
caracterizado pela superioridade de uma cultura em sobreposição a outra e pelo estereótipo em
que ocorre a generalização do padrão de comportamento de determinados grupos (GUFFEY;
NAGLE, 2003). Um tipo particular de etnocentrismo é o “equipocentrismo”, que segundo
Oliveira (2002, p.70) acontece quando “a equipe de saúde passa a julgar seus usuários a partir da
visão de seus membros, estabelecendo unilateralmente o que é certo ou errado, adequado ou
inadequado em relação ao cuidado à saúde”.
“Se nós não usarmos o material de nossa tradição, estamos contribuindo com
a desvalorização da nossa cultura. Toda planta ou material usado no
benzimento tem vida, são pessoas, por isso que o kumu (benzedor) conversa
com as plantas, pedindo que curem esta ou aquela doença. Por outro lado, por
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serem pessoas, as plantas também nos podem prejudicar, provocando certas
doenças.” (MAIA, 2004, p.75)
No processo de comunicação, os profissionais de saúde são emissores e receptores
da mensagem. Mas assumem também o posto de principais comunicadores, pois são
responsáveis por passar aos pacientes todas as informações necessárias para que o tratamento de
seus clientes seja adequado e satisfatório. Eles precisam estar cientes de que além dos ruídos
comunicacionais, o receptor pode também distorcer a mensagem para escutar o que deseja, o que
é conhecido como distorção seletiva (KOTLER, 1998). Assim, cabe a esses profissionais
esforçarem-se pela “simplicidade, clareza, interesse e repetição da mensagem para destacar os
pontos principais junto à audiência” (KOTLER, 1998, p.528). É importante lembrar também que
para que o processo comunicacional seja bem sucedido e que a “negociação entre as partes”
possa de fato acontecer, os profissionais de saúde devem estar capacitados para ouvir, perceber
diferenças culturais e adaptar suas práticas (OLIVEIRA, 2002).
Watt e Wertzler (2001) constataram em seu estudo que expectativas e satisfação dos
pacientes são duas coisas diferentes. Expectativas são criadas antes da chegado ao serviço;
enquanto, satisfação durante a sua permanência, sendo uma função do preenchimento ou não de
suas expectativas, além de outros fatores influenciadores. Pacientes podem ter um alto grau de
satisfação, mesmo que não tenha as suas expectativas alcançadas.
Segundo Roter e Hall (2002), a satisfação dos pacientes aumenta quando o médico
trata-os como parceiros, quando se utilizam de um tom mais positivo, menos expressões
negativas (críticas), mais conversas sociais (amenidades) e quando trata-os de forma mais calorosa
e mais próxima nos modos não-verbais (sentar-se mais perto, contato visual). Todos esses
aspectos apontados pelos pacientes, na verdade, sugerem um comportamento semelhante ao de
quando gostamos de alguém. Outro traço associado à satisfação dos pacientes diz respeito à
comunicação não-verbal. Médicos que se sentem críticos e rejeitam certos pacientes tendem a
demonstrar isso pelo seu tom de voz. O médico que fala sobre o seu paciente de um modo
autocrítico friamente tende a falar com eles da mesma maneira, sendo o inverso verdadeiro
também (ROTER; HALL, 2002, p.213).
Sucupira (2005) ressalta que a satisfação da clientela depende da satisfação dos
profissionais no exercício do seu trabalho. Por isso, torna-se importante “ouvir também o
profissional nas suas necessidades e desejos, observando os direitos e deveres dos profissionais e
da clientela, identificando a relação dialética que se estabelece entre esses direitos e deveres”
(SUCUPIRA, 2005, p.32).
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Além das dificuldades apontadas para a efetividade da comunicação (importância
assimétrica entre os falantes, ruídos comunicacionais, comunicação não-verbal incoerente), pode
ocorrer também a desqualificação da comunicação, sendo bastante comuns o maneirismo de fala
(rebuscamento de linguagem com perda da objetividade), as tangencializações (respostas
insatisfatórias e superficiais), as frases incompletas e as mudanças bruscas de assunto.
Todos esses entraves na comunicação podem afastar o paciente e provocar erros do
profissional. “Um bom número dessas situações resulta de problemas com relação ao que foi dito
(ou não) e ao que foi entendido (ou não). A doença gera, sem dúvida, um estado de tensão que
torna mais difícil a compreensão dos fatos.” (NOGUEIRA-MARTINS, 2001, p.41).
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Objetivo
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II. OBJETIVO
No presente trabalho, tem-se como objetivo analisar a humanização no Pronto
Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP sob a
perspectiva dos profissionais de saúde.
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Metodologia
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III. METODOLOGIA
“Numa ciência onde o observador é da mesma natureza que o objeto,
o observador é ele mesmo, uma parte de sua observação”.
(Levy Strauss, 1974)
A. Pesquisa Qualitativa
O que é pesquisa? Minayo (1999) define pesquisa como uma atitude e uma prática
teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente inacabado e permanente. É
uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma
combinação particular entre teoria e dados. Segundo a mesma autora, a metodologia é o caminho
e o instrumental próprios de abordagem da realidade. Ela ocupa o lugar central no interior das
teorias sociais, pois faz parte intrínseca da visão social de mundo veiculada na teoria. Inclui
concepções teóricas de abordagem e conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da
realidade e exploração do potencial criativo do pesquisador.
Fazem parte da realidade de um Pronto Socorro, principalmente os profissionais de
saúde e os usuários. Inicialmente, consideramos incluir todos em nossa pesquisa. No entanto,
após a aplicação de algumas entrevistas pilotos com usuários, percebemos a vasta dimensão desse
grupo e a dificuldade de obtenção de respostas isentas da correlação com o atendimento a ser
prestado pela unidade. Para entrevistas mais fidedignas, seria necessário um acompanhamento
pós-atendimento, o que infelizmente extrapolaria os limites desta pesquisa, mas que está previsto
para um projeto complementar a ser realizado por estudantes de medicina da instituição.
Este estudo tem como comunicantes centrais, médicos de uma unidade de saúde que
refletem posições frente à realidade, momentos do desenvolvimento e da dinâmica social,
preocupações e interesses próprios, o que vem a caracterizá-los como uma pesquisa social que
“só pode ser conceituada historicamente e entendendo-se todas as contradições e conflitos que
permeiam seu caminho” (MINAYO, 1999, p.26). Bulmer (1978), citado por Minayo, divide a
pesquisa social em cinco modalidades: básica, estratégica, orientada para um problema específico,
ação e de inteligência. Segundo esta classificação, este estudo seria ainda uma pesquisa orientada
para um problema específico, pois é realizado em um hospital público, ou seja, uma instituição
governamental.
Escolhemos o método qualitativo pois, como ressalta Gurvitch (1967 apud
MNAYO, 1999, p.28) torna-se difícil trabalhar com números, “uma vez que caminhamos para o
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universo de significações, motivos, aspirações, atitudes, crença e valores”. Queríamos assim,
captar a percepção dos profissionais de saúde com um maior grau de profundidade. Embora o
Pronto Socorro, tenha em seu quadro profissionais de saúde de diversas formações, focamos
nosso estudo nos médicos, por considerarmos o grupo mais pressionado devido às
responsabilidades pela adequação do processo de cura e tratamento e implicações de erros
médicos. Mesmo assim, foi feita entrevista com a psicóloga, membro da equipe multidisciplinar.
Entre os médicos, podemos subdividi-los entre médicos-docentes da Faculdade de Medicina de
Botucatu e médicos contratados. Iniciamos nossas entrevistas com membros da chefia do Pronto
Socorro, que em seguida nos possibilitaram o contato com os demais médicos da equipe,
composta naquele momento por doze médicos. Ao entrevistarmos um médico, este nos sugeria
outros colegas para que pudéssemos prosseguir com nossa pesquisa. Esta seqüência de indicações
nos “permitiram comparações sucessivas de casos particulares, resgatando o seu caráter
universal” (DESLANDES, 2002, p.30). Foi entrevistada mais da metade da equipe médica que
prestava atendimento na sala de acolhimento e na emergência adulto, na unidade de terapia
intensiva e na pediatria. Como esta unidade pertence a um hospital acadêmico e de ensino,
entrevistamos também um docente da clínica médica para comparação de pontos de vista.
De acordo com Minayo (1999), a amostragem qualitativa:
(a) privilegia os sujeitos sociais que detêm os atributos que o investigador
pretende conhecer; (b) considera-os em número suficiente para permitir uma
certa reincidência das informações, porém não despreza informações ímpares
cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta; (c) entende que na sua
homogeneidade fundamental relativa aos atributos, o conjunto de informantes
possa ser diversificado para possibilitar a apreensão de semelhanças e
diferenças; (d) esforça-se para que a escolha do locus e do grupo de observação
e informação contenham o conjunto das experiências e expressões que se
pretende objetivar com a pesquisa (MINAYO, 1999, p.102).
Para a mesma autora, “questão da validade dessa amostragem está na sua capacidade
de objetivar o objeto empiricamente, em todas as suas dimensões” (MINAYO, 1999, p.103).
Após a aprovação e autorização do Comitê de Ética em Pesquisa, entrevistamos
todos os participantes entre dezembro de 2005 e maio de 2006. Os locais de entrevista variaram
conforme a disponibilidade do entrevistado (sala de acolhimento, sala de reunião, consultório do
Pronto Atendimento, departamento de clínica médica e consultório particular). Ressaltamos que
embora todas as entrevistas tenham sido bastante consistentes, pode-se notar uma diferença na
cadência da conversa, pois quando distantes da unidade de saúde, os entrevistados se mostraram
mais confortáveis, não pelo conteúdo do que diziam, mas pela ausência de interferências como
ruídos externos, atendimento a pacientes e conversa com outros profissionais.
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Foram utilizados dois roteiros diferentes de acordo com os atores envolvidos
(anexos I e II): médicos/ docentes e equipe multidisciplinar. Após a aplicação de dois
questionários para médicos, retiramos a pergunta “Como você explica para o paciente que o caso
ele não é de Pronto Socorro”, pois através dela estávamos influenciando os participantes a
aceitarem que aquele seria momento de dificuldade na comunicação. Posteriormente, pudemos
verificar que a partir da questão “Quais os momentos mais difíceis da comunicação com os
paciente e seus familiares?” esta resposta surgiria espontaneamente. Incluímos também três novas
perguntas: “Para você o que é Humanização?”, com o intuito de verificarmos o conceito do
termo entre os entrevistados; Comente uma situação real de falta de Humanização”, a fim de
resgatar na memória do sujeito um episódio marcante, que acabou nos revelando experiências
pessoais; e, “Você gostaria de comentar algo sobre a entrevista?”, para tentarmos identificar a
relevância de nosso trabalho. O roteiro para a equipe multidisciplinar foi feito a partir do roteiro
dos médicos. No entanto, foram retiradas as perguntas referentes à garantia aos outros níveis de
assistência e referência e contra referência. Os roteiros possuíam apenas questões abertas e ao
aplicarmos, fizemos adaptações particulares para cada entrevista, conforme o encadeamento das
respostas fornecidas. Assim, foram feitas de vinte a vinte e quatro perguntas e, embora
contraditório, o número de questões não influenciou no tempo de duração das entrevistas que
variaram de 35 a 75 minutos. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. Um
exemplo de entrevista na íntegra é apresentado no anexo IV. Na seqüência, as respostas dos
entrevistados foram agrupadas por núcleos temáticos: pronto socorro e ambiência, pronto
socorro e seus usuários, pronto socorro: espaço de assistência e pronto socorro: espaço de
trabalho e local de ensino.
Trabalhou-se assim, com versões e fatos abordados. Uma versão de versões, uma
interpretação de interpretações” (DESLANDES,2002, p.37). Segundo, a pesquisadora Deslandes
(2002), as opiniões dos entrevistados são formadas a partir de suas vivências, relações e interações
sociais, que por sua vez, dependem da situação social, gênero e faixa etária dos sujeitos.
As representações desses atores sobre tais experiências compreendem tanto o
sentido que atribuem e que é expresso no conteúdo racional de seus discursos,
como aquele que habita nas entrelinhas, nas expressões ´fechadas’ aos
bastidores do grupo e nas suas vivências corporais (DESLANDES,2002, p.41).
Todos os entrevistados se mostraram bastantes receptivos e confortáveis para
discutir as questões propostas. As entrevistas tiveram um tom crescente de entusiasmo, que
culminou nas questões referentes à falta de humanização e sugestões de melhoria. A questão a
sobre a perspectiva profissional trouxe um momento de reflexão e reafirmação da vocação. Com
a última pergunta (“gostaria de comentar algo sobre esta entrevista?”), ficou claro o desejo dos
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entrevistados em poder colaborar com a melhoria do serviço e a gratidão por estarem sendo
escutados. Poderíamos até dizer que a entrevista serviu como veículo de desabafo para os sujeitos
que puderam expor dificuldades, apontar problemas e indicar soluções.
B. Local de pesquisa: o Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina
A Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) iniciou suas atividades no ano de 1963,
como Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu e desde 1976, integra a
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Atualmente, ela oferece cursos de
graduação em Medicina e em Enfermagem; além de programas de residência médica e cursos de
pós-graduação para mestrado e doutorado. Noventa por cento dos seus docentes, trabalham em
tempo integral e dedicação exclusiva, o que influencia positivamente a produção de publicações
cientificas (UNESP, 2007).
Em 1968, foi criado o Hospital das Clinicas (HC) da Faculdade de Medicina de
Botucatu (FMB) que nesses trinta e seis anos de existência aumentou o seu fluxo de atendimentos
ambulatoriais, de serviços de triagem, emergência e urgência, bem como o número de leitos
hospitalares, baseado em uma dinamização constante e uma tendência da diminuição do
coeficiente de mortalidade hospitalar. O número crescente de procedimentos foi acompanhado
também pelo maior número de médicos contratados, docentes e médicos residentes (CORREA,
1988). O hospital que iniciou suas atividades com 48 leitos, hoje dispõem de quase 480 leitos,
incluindo os da Unidade de Terapia Intensiva; ocupa uma área de mais de 45.000 m
2
e, conta com
um corpo clínico formado por médicos contratados e docentes, num total de 387 funcionários, e
um quadro de pessoal de enfermagem e apoio num total de 1.783 funcionários (UNESP, 2007).
O HC da FMB sempre se caracterizou como hospital de ensino, tendo sido, na
década de 1990, beneficiado pelo Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e da
Pesquisa Universitária (FIDEPS), reconhecido pelo Ministério da Educação como centro de
referência nacional no Sistema Integrado de Procedimentos de Alta Complexidade
(BRASIL,1991).
Mais recentemente, participou e foi aprovado no processo de certificação de
Hospitais de Ensino do Brasil. Este processo está determinado nas portarias conjuntas dos
Ministérios da Educação e da Saúde de 1.000, 1.005 e 1.006 de abril e maio de 2004 que
“prevê, entre outros objetivos, a criação de um Programa de Reestruturação dos Hospitais de
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Ensino no Sistema Único de Saúde (Artigo da portaria interministerial 1.006 de 27 de maio
de 2004)” (AMORETTI, 2004, p.1). Assim como os demais hospitais de ensino em nosso pais, o
HC-FMB passou por inúmeras crises que “têm no financiamento insuficiente dos procedimentos
hospitalares realizados e nas contradições administrativas, gerenciais e políticas promovidas ao
longo dos anos, alguns dos seus elementos reconhecidos” (AMORETTI, 2004, p.1) e vem
passando por mudanças de gestão, assumindo os princípios e as diretrizes do SUS. Essa postura
de mudança exige maior integração do HC-FMB na rede hierarquizada dos serviços de saúde do
SUS, com maior participação na construção da rede de assistência articulada e integrada com os
serviços básicos de saúde dos municípios da região.
Esta proposta contém uma demanda constitucional aos Hospitais de Ensino,
vigente desde a constituição de 1988 e até agora ainda não cobrada, para que
reorientem sua vocação assistencial, de ensino e de pesquisa, bem como todo o
seu potencial tecnológico, diretamente para a construção do Sistema Único de
Saúde e a serviço do atendimento universal aos usuários do SUS. Este desafio
aponta a necessidade de uma revisão, para muitos hospitais, do próprio
processo de gestão e gerenciamento dos fluxos e sistemas, do acesso dos
usuários, da regulação das consultas especializadas e internações, da priorização
nas ofertas de serviços por especialidades, entre outros aspectos.
(AMORETTI, 2004, p.2)
O autor aponta que nessa proposta de reestruturação está prevista a reorganização
dos serviços de urgência e emergência, tendo em vista à reorganização do sistema de saúde loco-
regional, objetivando superar precariedades de gerenciamento do sistema de saúde de cada
município.
No HC, o acesso para atenção à saúde (hospitalar, ambulatorial especializada e
serviços de alto custo) é regulado desde o início de 2007 pelo Departamento Regional Saúde de
Bauru (DRS VI) em pactuação com os gestores municipais do SUS e sua programação é
elaborada de forma conjunta entre eles e a FMB. Entretanto, a FMB mantém ainda um grau
preservado de autonomia na definição de seus pacientes, utilizando-se de variados critérios na
seleção de sua clientela para acesso aos serviços que são prestados pela instituição (100%
destinados ao SUS): gravidade dos quadros nosológicos; interesse acadêmico (didático);
capacidade de incorporação e garantia de acesso à demanda espontânea e; por indicação efetuada
por profissionais da instituição. Em função dos problemas resultantes da política de
financiamento do SUS, torna-se importante ressaltar que os serviços universitários começam a
absorver parte da clientela também em função do perfil e dos valores médios da Tabela Nacional
de Procedimentos (AIH), criando assim, uma dependência financeira determinante para o perfil
de prestação de serviços da instituição.
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Segundo dados de 2001, o HC da FMB atende cerca de mil pacientes por dia, sendo
o Pronto Socorro (Pronto Atendimento e Emergência), uma das portas de entrada para o serviço
com funcionamento diário, 24 horas por dia. O Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP (PS) é importante referência para os municípios da
DRS VI nos procedimentos de alta complexidade em urgência/emergência. É constituído pelas
unidades de Pronto Atendimento, Setor de Emergências, Enfermaria de Retaguarda e Triagem
Médica de Especialidade, com as seguintes sub-unidades: Pronto Atendimento Adulto,
Emergência Adulto, Emergência Infantil, Enfermaria de Retaguarda Adulto, Enfermaria de
Retaguarda Infantil e Triagem Médica de Especialidades para atendimento de doenças crônicas.
A média mensal de atendimentos no Pronto Atendimento (PA) e no Setor de
Emergência (SE) tem sido de aproximadamente 12 mil consultas médicas, o
que não equivale à demanda de doentes, visto que um doente pode ser
atendido por médicos de várias especialidades. São doentes que buscam
espontaneamente o serviço, ou são encaminhados por outros serviços do
município e região, ou mesmo chegam trazidos pela Unidade de Resgate do
Corpo de Bombeiros, timas de vários tipos de acidentes (MENDES, 2003,
p.23-24).
O PS do HC ocupa uma área que deveria ter sido destinado a Radiologia, ou seja,
ocupa uma área que não foi construída para ser pronto socorro. Sua disposição é bastante
deficiente e não atende as necessidades básicas para acomodação adequada dos pacientes. Muitas
de suas salas não têm janela, a ventilação está comprometida e não espaço suficiente para
acamar todos os pacientes. Depois de muitos anos de reivindicações por parte dos profissionais
do PS, em julho de 2007, foi firmado um projeto para construção de um novo Pronto Socorro ao
lado da unidade atual. De acordo com as informações obtidas, o novo prédio estará alinhado às
diretrizes da Política Nacional de Atenção às Urgências e a Política de Qualificação da Atenção à
Saúde no SUS, terá uma área construída de mais de 2.900 m
2
, dividido em dois pavimentos e 63
leitos. Sua conclusão está prevista para 450 dias (FMB, 2007).
Antecipando a PNH, em 1995, o HC-FMB criou uma comissão de humanização,
com a participação de docentes, profissionais de saúde, alunos e pacientes da instituição. Nas
reuniões quinzenais e mensais, levantaram-se pontos críticos do funcionamento do hospital e
desenvolveram-se propostas de mudanças, no sentido de beneficiar os usuários e os profissionais
com iniciativas de humanização do cuidado, buscando, ainda, qualificar a comunicação e
integração no serviço. Porém, em 2006, verificamos que esta comissão encontrava-se, em parte,
desativada.
O ensino no Pronto Socorro do HC-FMB, tanto para os acadêmicos de graduação
quanto para os médicos residentes, é realizado na maior parte do tempo por médicos contratados
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e não por docentes, o que difere das demais unidades de ensino que, por estarem ligadas a
departamento específico, são coordenados ministrados por professores da FMB.
C. Um pouco da história dos entrevistados
A maioria dos profissionais entrevistados é formada pela UNESP e entre eles é
comum: a graduação mais de sete anos, a experiência no PS de cinco anos ou mais, a grande
importância dada à carreira acadêmica e outro emprego fora da unidade. Entre os médicos que
participaram de nossa pesquisa, achamos pertinentes dividi-los entre profissionais que trabalham
na área adulta e infantil e na unidade de terapia intensiva.
Para preservar a identidade dos entrevistados, seus nomes foram trocados e no
decorrer dos trabalhos eles serão identificados pelos nomes abaixo, seguido de letras que
identificam a função exercida no Pronto Socorro: CG (clínico geral), PE (pediatra), IT (médico
intensivista), DC (médico docente), PC (psicóloga) e EM (enfermeira).
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Resultados
e Discussões
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IV. RESULTADOS E DISCUSSÃO
As falas de nossos entrevistados expressam “opiniões pessoais, da vida em um certo
grupo social, de uma determinada sociedade, em um tempo específico, em um certo lugar”
(CALDEIRA, 1984, p.144). Em suas entrevistas, buscamos retirá-los de seu cotidiano para
considerar assuntos que não se falam normalmente, relacionando-os e olhando-os de longe, ou
seja, convidado-os a “parar para pensar”.
Os resultados são apresentados a partir da divisão do Pronto Socorro em diferentes
unidades de análise e observação; e:
A minha interpretação, apesar de ser de segunda ou terceira mão [...], de
maneira análoga a dos entrevistados (que é de primeira mão), considera
elementos do conhecimento, da memória, da vivência, para ir
construindo uma visão ordenada que, neste caso, pretende ser
racionalmente lógica. Os elementos de que abro mão são referências
teóricas, conceituais, históricas, evocadas pelos dados e que podem
permitir uma melhor compreensão dos dados, a formulação de uma
explicação mais clara e abrangente, um esclarecimento de seu
significado. (CALDEIRA, 1984, p.146)
Pronto Socorro: uma breve descrição da pesquisadora
Antes de começar as entrevistas, visitei algumas vezes o PS do HC-FMB.
Acompanhei alunos do terceiro ano de medicina na aplicação de questionário junto a usuários e
médicos responsáveis da área e observei o atendimento prestado aos pacientes na sala de
acolhimento e consulta na área de adulto.
O Pronto Socorro está localizado em uma área recuada, que antecede a entrada
principal do Hospital das Clínicas e está próximo a Faculdade de Medicina Veterinária. O acesso
aos veículos é estreito e pouco sinalizado, não havendo muitas áreas para estacionamento
próximo a unidade. Na frente do PS,vagas para ambulâncias, uma pequena praça com bancos
onde muitos dos pacientes ficam aguardando atendimento e uma lanchonete freqüentada por
funcionários e alunos. A porta de entrada do PS é mantida sempre fechada e guardada por um
funcionário, responsável por restringir o acesso ao hospital. À direita da porta de entrada, está a
seção de registro; e, à esquerda, a sala de acolhimento e em seguida, a sala de espera com bancos
para cerca de 40 pessoas, um aparelho de televisão e um bebedouro.
O movimento na área externa ao Pronto Socorro é pequeno e restringe-se
basicamente aos pacientes que aguardam atendimento e um ou outro ambulante que vende
biscoitos e salgadinhos. O som velado do lado de fora e o volume alto da televisão são
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interrompidos aos poucos pelos nomes anunciados pelo alto falante e pelas ambulâncias que se
aproximam. A chegada de usuários a unidade é constante e de tempos em tempos, forma-se uma
pequena fila do lado de fora da sala de acolhimento; principalmente, quando esta fica fechada por
alguns minutos devido a ausência do médico. Quem chegava à fila, quase sempre trazia um
familiar consigo e uma aparência de cansaço e um olhar humilde e quase não falavam.
Em torno da porta da sala de acolhimento, recortes de jornais formam um papel de
parede com notícias sobre a função terciária do PS da FMB. Dentro, a iluminação natural toma
conta da sala, de suas mesas e de suas cadeiras. Muitos avisos estão afixados com informações
sobre as unidades básicas de saúde, explicações sobre o funcionamento da triagem e até mesmo
uma caixa para notificação de doenças do Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Estado de São
Paulo. É neste ambiente relativamente silencioso, limpo e arejado, na presença de um ou dois
médicos, da secretária e muitas vezes de um aluno, que o paciente passa por seu primeiro
atendimento. Ele é questionado sobre sua queixa, área de procedência, consulta prévia em outra
unidade de saúde, papel de encaminhamento. Caso se enquadre nos critérios de admissão do
Pronto Socorro, é submetido a um breve exame clínico, abre ficha e cadastra-se no guichê do
Registro e passa a aguardar atendimento, seja pela Emergência Adulto ou pelo Pronto
Atendimento. Muitos dos pacientes que aguardam atendimento ficam na sala de espera, sentados
em silêncio; ora olhando para o chão, ora para a televisão, perdidos em pensamentos. Quando
enfim é chamado pelo alto falante, o paciente se encaminha para uma das salas de atendimento
onde será avaliado por médicos, residentes e/ ou também alunos do sexto ano de medicina. Se
necessário, serão solicitados exames laboratoriais e o ele poderá aguardar atendimento de uma
especialidade, ser internado ou voltar para casa após ser medicado.
Diferentemente da área de adultos, no Pronto Socorro infantil não a triagem dos
casos e todas as crianças serão atendidas, conforme a ordem de chegada e não de acordo com a
gravidade das enfermidades. Enquanto esperam para serem chamadas, elas assistem à televisão,
brincam no bebedouro ou agitadas pulam de um assento ao outro. Difícil é a tarefa das mães de
tentar fazê-las sentar quietinhas, a não ser quando começam a choramingar, talvez por quererem
voltar para casa, talvez pela dor que começa a incomodar, talvez pela fome.
Dentro do Pronto Socorro, o piso escuro (preto) e a ausência de janelas em muitos
dos consultórios tanto da área de adulto quanto da infantil colaboram para o ambiente pesado e
carregado do hospital. Nos corredores, macas e próximo às salas de internação, um forte e
desagradável odor eram sentidos constantemente. O barulho e a movimentação pareciam
característicos ao serviço, fossem eles causados pelos diversos aparelhos ligados, pelo
deslocamento de pacientes, pelo trânsito contínuo de médicos, enfermeiros, auxiliares e alunos ou
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por tudo isso misturado. Em seus aventais brancos envelhecidos, alguns pacientes arriscavam-se
pelos corredores em busca de um banheiro ou quem sabe de ajuda e naqueles que permaneciam
deitados, podia se ver rostos perdidos, alienados no tempo e no espaço. No olhar dos familiares,
uma angústia, um desamparo, um pedido de ajuda.
As salas dos médicos e dos enfermeiros eram sempre movimentadas, locais de muito
entra-e-sai e de trocas rápidas de informações sobre pacientes e rotinas. Alunos do internato e
residentes discutiam casos, checavam procedimentos e condutas com os médicos. Enfermeiros e
auxiliares reviam o quadro de pacientes, horários, medicamentos. E quando fizemos entrevistas
nestes ambientes, nossos entrevistados foram muito solicitados para resolver tanto problemas
administrativos quanto para assistenciais.
A imagem caótica que a mídia passa constantemente sobre os serviços públicos de
saúde criou em mim uma expectativa que não se concretizou ao visitar o Pronto Socorro do HC-
FMB. Embora as instalações da unidade tenham me causado um certo desconforto, elas não se
encaixavam com o retrato do caos da falta de atendimento e maus tratos aos pacientes que a
televisão, jornal e rádio nos apresentam. Assim, minha impressão sobre o serviço acabou sendo
mais positiva do que esperava, o que não implica em convivência ou aceitação, pois acredito que
as condições de atendimento e trabalho podem e devem ser constantemente revisadas e
aprimoradas.
Outras impressões sobre o Pronto Socorro serão acrescentadas e comparadas com
informações fornecidas por nossos entrevistados ao longo desta análise.
A. Pronto Socorro e ambiência
Conceito de ambiência:
O espaço que visa à confortabilidade focada na privacidade e individualidade
dos sujeitos envolvidos, valorizando elementos do ambiente que interagem
com as pessoas cor, cheiro, som, iluminação, morfologia...–, e garantindo
conforto aos trabalhadores e usuários (BRASIL, 2006, p.6).
Estrutura física
O ambiente e a estrutura física atuais do Pronto Socorro da FMB contrariam em
muitos aspectos o conceito de ambiência proposto pelo Ministério da Saúde. A falta e
inadequação do espaço físico comprometem o atendimento mais humanizado; dificultam a
manutenção da privacidade dos pacientes internados, que muitas vezes estão separados apenas
por biombos; e, levam a situações limites de atendimento prestado em macas espalhadas pelos
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corredores. A ausência de janelas nas salas impede a circulação adequada de ar e barra à entrada
de luz natural que permitiria ao paciente ter noção do dia (manhã, tarde, noite, chuva, sol).
“No sentido que, a estrutura física limita muita gente e, é aquilo que eu falei. Os familiares, às
vezes, preferem que o cara fique na maca em condições sub-humanas do que levar, tentar transferir para outro
serviço. Só que isso deixa muitos pacientes em condições sub-humanas.”, Ângela (CG)
“Na Emergência Clínica fica um pouco difícil pela área física que nós temos. Então, nós temos uma
área física muito restrita. o tem como você separar, por exemplo, um paciente do outro. Não tem como você
isolar um paciente do outro.”, Luciana (IT)
“Humanização...humanização de...de...não de paciente, tratamento de paciente, humanização do
corpo clínico que trabalha, da equipe clínica, ter um espaço físico, banheiro decente...para paciente, para
funcionário. Eles não tem nada disso aqui. A estrutura do Pronto Socorro foi adaptada e não construída para ser
um Pronto Socorro. Então não tem circulação de ar, não tem ventilador, o ar condicionado é contaminado, né? O
ambiente da UTI não é o melhor local. Não tem local para você comer. Não tem...nem os mínimos cuidados para
você. Os pacientes dividem um banheiro na enfermaria. Onde está humanização? É claro que humanização é tirar
os pacientes da maca e do corredor. E aí, o que é que aconteceu? Super lotou o hospital, segura o leito, a gente não
tem como internar paciente que precisa ser internado, porque os outros leitos também estão ocupados, segurando
leito para chamar o próximo, porque senão eles também não fazem cirurgia eletiva.”, Lígia (DC)
A falta de espaço físico ainda pode ser relacionada com a superlotação dos serviços
de emergência e urgência. Assim como no Brasil, Fatovich (2002) aponta que a falha no sistema
de saúde australiano transformou as unidades de emergência na opção sempre disponível de
atendimento, limitando ainda mais as condições de acomodação dos pacientes e acompanhantes.
Na tentativa de organizar o atendimento e na impossibilidade de melhorar as condições
estruturais, pudemos perceber nesse estudo, que o Pronto Socorro do HC-FMB em acordo com
as políticas para as unidades de emergência e urgência, criou um espaço de recepção aos pacientes
para redistribuir o atendimento e ao mesmo tempo, responder a quem procura o serviço.
“Quantas e quantas pessoas não passam no posto, pegam uma receita. Passam no Sorocabana,
pegam uma receita, não confia, vai confiar depois que passa na UNESP. Isso aí! A população tem uma
confiança irrestrita na UNESP. E é por isso que sobrecarregou o Pronto Socorro. E é por isso que a UNESP
não conta disso aí. É por isso que fizeram esse Acolhimento para tentar triar o que é grave e o que não é,
certo? Mas enquanto, não se melhorar estrutura de saúde de Botucatu, a nível de pronto socorro municipal, por
exemplo, que não existe. A UNESP vai continuar sobrecarregada.”, Antonio Carlos (CG)
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Todos os entrevistados reconhecem os problemas físico-estruturais da unidade e
propõem desde reformas a até mesmo a construção de um novo prédio como solução para a
melhoria das condições de trabalho e atendimento.
“Outra coisa que eu acho que falta, é ter um lugar para a gente ficar aqui no PS. Porque não tem,
a gente fica aqui (sala no corredor da pediatria), né? Então assim, numa hora que está mais tranqüilo, que acabou
as fichinhas, que a gente pode sentar, conversar, vê uma coisa diferente, até pegar os livros para estudar algum coisa
do plantão, não tem aonde ir. Não tem. Nenhuma sala, nenhuma, nenhuma sala. Então não tem nenhum lugar
para a gente ficar, o nosso quarto do plantão do Pronto Socorro, não sei se você conhece como é que é, é um quarto
que não tem nem janela, né?”, Gabriela (PE)
“Aquele Pronto Socorro na minha opinião teria que derrubar ele e construir um novo, tá? Porque
aquela não tem mais jeito. Fazer um puxadinho aqui, outro ali, não tem mais o que adaptar lá. tão
adaptado as coisas, tão adaptadas que o paciente chega lá e se perde. Ele não sabe, ele nem sabe qual é o papel do
médico quase. A gente tem lá papel de serviço de informação, tá? Com a vigilância ruim. Quer dizer, infelizmente,
é muito bagunçado lá, problema de fluxo, de...organograma de funcionamento ruim. Isso dificulta, gasta-se
muito tempo, muita energia em coisa que não precisava.”, Antonio Carlos (CG)
“Eu faria um buraco em cima como tem no Hemocentro, não tem um tipo de um jardim de
inverno? Eu faria isso, como no Hemocentro. Colocaria telha de vidro em cima e deixaria a claridade natural
entrar. Essa seria a primeira providência. A segunda seria colocar um ar condicionado para a UTI, onde a
gente conseguisse regular o ar condicionado. Outra opção seria fazer uma outra reforma, uma outra...fazer um
outro pronto socorro. Mas do jeito que está lá, do jeito que eu sempre batalho para as coisas mais rápidas, as
soluções mais rápidas, né? Trocar o piso por um piso claro. A parede tem que ser clara. Em cima, o teto tem que
ter desenho, tem que ter aquela cromoterapia, as cores, né, que significam cura: o lilás, o azul. Então, tem toda
uma equipe que é formada em Humanização de UTI que a gente poderia conversar ou pesquisar pelos nossos
livros, né? Relógio em todas as paredes. Os pacientes que estivessem acordados ficariam num lugar especial, que
pudesse ver...que ficasse vendo televisão e nessa televisão passasse só filme, tipo National Geographic, coisas que ele
pudesse só ficar olhando, não precisa nem ouvir, só ficar olhando. É...que mais, esse paciente que tivesse acordado e
que pudesse ir ao banheiro, deveria de ter um banheiro legal para ele ir lá: tomar um banho, fazer o seu xixi, o seu
coco sossegado. Entendeu? Ter o mínimo de privacidade, né? Ruído, nossa senhora! Isso é um esquema de educação
mesmo. É muito ruído dentro, é muito, muito, muito ruído! Porque assim, respirador, vamos supor, não tem
muito jeito. Mas a conversa, né? A conversa tem que ser baixa...”, Ligia (DC)
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No sentido de atender às referidas reivindicações, recentemente, um projeto para a
construção de um novo Pronto Socorro da FMB foi aprovado e espera-se que a nova unidade
planejada em acordo com a Política Nacional de Atenção às Urgências, tenha um retorno tão
positivo quanto o relatado na pesquisa de Santos et al. (2003) sobre a mudança estrutural e
administrativa da unidade de emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto. Em 1996, o Projeto Reforsus do Governo Federal trouxe recursos financeiros
para o Unidade de Emergência (UE) do HC de Ribeirão Preto e foram feitas reformas físicas
(arquitetônicas) e técnicas. A interdependência da Unidade Hospitalar do Campus também foi
diminuída, com a descentralização administrativa e implantação da gestão compartilhada
(planejamento colegiado e representação multiprofissional).
A implantação da RM (Regulamentação Médica), no ano de 2000, permitiu,
paulatinamente, a organização do fluxo de pacientes, com redução progressiva
das taxas de ocupação de leitos em níveis eticamente aceitáveis. Restringiram-
se as consultas aos casos com real necessidade, o que se traduziu em melhoria
sensível na qualidade do atendimento (SANTOS et al., 2003, p.504)
Ainda na mesma unidade de Ribeirão Preto, foi “criado o Centro de Estudos em
Emergências e foram reformados os três anfiteatros da UE, com os objetivos de: apoiar as
atividades do ensino, estimular o desenvolvimento da especialização em urgências médicas; e
alavancar os projetos de pesquisa na área”. (SANTOS et al., 2003, p.505).
Durante toda a realização desta pesquisa, chamou-nos muito a atenção esse ambiente
extremamente inadequado para pacientes e profissionais de saúde. Embora a mídia ressalte todos
os dias essa tensão de macas espalhadas pelos prontos socorros de nosso país, que até poderia se
tornar algo banalizado ou invisível, esse foi um ponto que marcou o estudo na medida em que
constatamos que a queixa é real e sensibilizadora para todos aqueles que passam pela unidade.
Pode-se imaginar um chão preto, sem janelas, sem luz adequada como um local ideal para se
trabalhar?
Os entrevistados percebem um certo desprestígio do Pronto Socorro, frente a outras
áreas do HC da FMB que já passaram por mudanças físicas.
“Eu acho que no Hospital a coisa vai gradativamente melhorando. Outro dia, eu fui visitar uma
pacientinha que estava na enfermaria da Otorrino e fiquei maravilhada de ver o atendimento e a apresentação
do quarto. O quarto assim, todo quarto tem um banheiro, tem o seu banheiro que pode ter no máximo duas
camas. Então, po....você tem no máximo mais um companheiro para ficar ali com você: ou um companheiro da
família ou então, um outro pacientinho. Tem um banheiro, a porta do banheiro todo de alumínio, as janelas todas
de alumínio, quer dizer, não é uma coisa que vai enferrujar, estragar, né? Ou vai ser mais difícil de acontecer e
assim, mais quieto, mais personalizado, é bem mais humano. Lógico que a característica da Otorrino e da
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Oftalmo são pacientes menos graves, certo? Mas fiquei bem impressionada, muito bem impressionada. E
também, na Gineco-Obstetrícia, na Obstetrícia, o nenê fica com a mãe agora, quando o bebê não é complicado.
Então também é um movimento de Humanização muito positivo.”, Lígia (DC)
As mudanças físicas-estruturais, que eram desprezadas na Europa até a década de
1980, “hoje são cada vez mais numerosas as experiências de construção dos hospitais, ou de
reforma de velhos edifícios, partindo de idéias artístico-arquitetônicas dos espaços externos e dos
espaços internos” (CAPRARA; FRANCO, 2006, p.103).
Privacidade e Individualidade
Em nossa pesquisa, a privacidade também esteve vinculada com o espaço físico e
sua limitação interfere diretamente nos cuidados prestados aos pacientes. No entanto, uma
confusão de conceitos entre privacidade e intimidade. Ao perguntarmos na entrevista sobre como
seria respeitada a individualidade de cada paciente, ou seja, suas peculiaridades e características
individuais, pudemos perceber que este conceito é, na verdade, confundido com o de privacidade,
que se refere à proteção da intimidade do paciente. O próprio Ministério da Saúde aborda estes
termos conjuntamente quando apresenta o conceito de ambiência hospitalar, conforme citado
anteriormente e sugere a garantia da privacidade com o uso de elementos móveis como divisórias
e a preservação da individualidade através de locais onde os pacientes possam guardar seus
pertences e receber seus acompanhantes.
“Paciente tem uma parada cardio-respiratória do lado de um paciente que está acordado. Você não
tem onde colocar esse paciente que está acordado. Ele vê tudo. Você põe biombo, mas ele sabe o que está
acontecendo ali.”, Lígia (DC)
Os entrevistados do PS adulto consideram normal à presença de alunos durante a
consulta, o que demonstra o caráter extremamente cientificista entre os profissionais, justificado
pelo papel acadêmico e de formação do hospital. No entanto, a presença de outros doentes no
mesmo ambiente é considerada uma violação de privacidade.
“(...) Eles são atendidos num consultório sozinhos, tem sempre o médico e o paciente, às vezes, um
interno, um aluno, o médico e o paciente. Agora a gente precisa melhorar bastante isso, porque as enfermarias
ainda são coletivas, as salas de emergências são coletivas, então, isso é ainda um ponto ruim da gente.” Teresa
(CG)
“A gente tenta preservar o máximo dentro da consulta...um acompanhante. Os alunos, ele tem já a
postura tudo direitinho. Mas, às vezes, isso é impossível! Eu não tenho espaço físico para garantir essa
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individualidade. Então você viu, você já veio aqui várias vezes. Às vezes, eu tenho 30 macas aqui, tinha as macas
lá para o fundo. Não tem como.”, Ângela (CG)
Além da falta de privacidade, é apontado também o descaso na abordagem de
pacientes, que não é informado sobre os exames e procedimentos que lhe serão feitos e muito
menos, avisado sobre a presença de outras pessoas durante o atendimento.
“Infelizmente, a individualidade do paciente não é muito bem respeitada no Pronto Socorro, porque
é uma bagunça muito grande, tá? (...) Então, por exemplo, tem um paciente com apendicite, se chama todos os
internos para ir palpar a barriga dele lá. De certa, maneira, como ele sabe que quando ele entra num hospital
escola, ele vai ser objeto de investigação, isso...enfim, ele não pode falar chegar e falar “quero ser atendido pelo
médico contratado e não quero nem que interno, nem residente ponham a mão em mim”. Ele não pode fazer esse
tipo de exigência. Teoricamente, não pode. Eu nunca vi um caso de se entrar na justiça por causa disso, né? E o
pobre coitado se submete. A gente deveria antes perguntar para o paciente: “ó, eu vou chamar os internos para
palpar o senhor, porque...eles precisam aprender”. Muitas vezes, infelizmente, a gente se esquece de perguntar,
chama aquele bando de interno e vai um atrás do outro em fila apalpar a barriga dele. Isso é extremamente
freqüente lá, extremamente.”, Antonio Carlos (CG)
Somente os médicos do PS infantil, ressaltaram a necessidade e importância de
pedir a autorização dos pais para que outros profissionais possam acompanhar o atendimento do
caso.
“Eu acho que não é muito respeitada a individualidade do paciente. (…) A gente tem muito aluno
aqui e como tem assim vários casos diferentes, a variedade de casos aqui no Pronto Socorro é muito grande. Então
se chega uma criança com uma ausculta pulmonar bonita, assim de um bronco espasmo, a gente chama os alunos
para ir escutar aquele bronco espasmo, porque é uma oportunidade que eles tem de ver isso e aquilo. Chega uma
criança com um abdômen agudo, uma apendicite, eles vão ver como é que reage um abdômen agudo. Então eu acho
assim, que a criança acaba ficando muito exposta, muita gente acaba vendo a criança.”, Gabriela (PE)
“A gente tenta, mesmo aqui na Pediatria, a gente tenta de forma mais humanizada fazer isso. Ter
um consultório para o paciente, pedir sempre a autorização para os pais para que os alunos vejam se é um caso
diferente ou não; explicar com a palavra mais simples possível a patologia que o paciente tem, mesmo assim…”,
Ana Luiza (PE)
Embora tenha sido confundida com privacidade, a individualidade apareceu
espontaneamente na pergunta sobre o que seria Humanização. Seu conceito foi apresentado
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como aceitação das limitações do paciente, avaliação das características particulares de cada caso e
empatia à situação vivida pelo doente e seus familiares, visando sempre a melhor compreensão e
entendimento do usuário. Essa preocupação foi mais acentuada entre os profissionais que atuam
na área infantil.
“Humanização para mim é você enxergar o paciente como uma pessoa, não como uma MI (moléstia
infecciosa) que está dando no paciente, é isso. A partir do momento que você conseguir reconhecer que aquele
paciente, ele tem a individualidade dele, que ele tem as limitações dele, não é porque está escrito no livro que tem
que ser aquilo e que tem que ser aquilo para todo mundo. Você tem que avaliar caso por caso, se aquilo é possível
ou não para aquela criança, para aquela família. Você, assim, conseguir identificar as angústias, que a mãe a
criança está passando naquela situação, conseguir oferecer um conforto, não só cobrar, porque é muito cômodo para
o médico cobrar uma conduta perfeita da mãe, da criança frente à situação.”, Gabriela (PE)
“Eu acho que a gente se colocar também no lugar de paciente. A gente ter essa experiência de ser
paciente, mas também entrar na vida dele, se por no lugar dele: ele trabalhando na roça, ele cuidando da família,
ele...essa parte mais social assim, quando a gente acaba entendendo mais o lado dele.”, Luciana (IT)
B. Pronto Socorro e seus usuários
Em nossas entrevistas, pudemos perceber uma certa dificuldade dos profissionais em
caracterizar os usuários do Pronto Socorro. Em uma mesma resposta, ora o entrevistado dizia
haver predominância de pacientes jovens, ora de adultos; ora de pessoas economicamente menos
favorecidas, ora de todas as classes sociais. Entre os que acreditam que o serviço atenda a
pacientes de todos os níveis sócio-economico-culturais, a principal justificativa foi à falta de
opção de atendimento de urgência na região.
“São pacientes, a maioria paciente da região…são poucos os pacientes que vem fora da nossa
DIR
2
, né? São principalmente...é...adultos, adultos-jovens, ? Adolescentes, adultos mais jovens são poucos,
adultos velhos são os mais comuns, adultos e idosos. É...geralmente são...na maioria são pacientes brancos, e...a
maioria deles são pacientes clínicos, né? (…) Eu o sei por experiência, eu sei pelo que outros profissionais
falam, que tem...chega muito paciente que necessita de atendimento primário e secundário, né? Que acabam
vindo resolver o problema aqui no hospital terciário, né?”, Luciana (IT)
2
até o término da pesquisa de campo em 2006, Botucatu era sede da Diretoria Regional de Saúde XI. Já no presente ano (2007), com a
reestruturação das regionais pela Secretaria Estadual de Saúde, Botucatu passou a integrar a Divisão Regional de Saúde VI, sediada em
Bauru.
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“‘Tem desde os marginalizados até o contrário, até as abastadas, até as pessoas abastadas. Por
que? Porque justamente a pessoa abastada que paga um plano de saúde, se essa pessoa abastada sofre um
acidente de carro, por exemplo, aqui na Marechal Rondon, e ela paga, por exemplo a Unimed, ela não vai ser
atendida no pronto atendimento da Unimed. (...) Porque essas patologias mais graves, o rico se utiliza do serviço
da UNESP. Se ele tem câncer, ele se utiliza da UNESP. (...) Então, a UNESP, ela acaba pegando desde a
pessoa de alto poder aquisitivo até a pessoa de baixo poder aquisitivo, tá? De maneira geral, é claro, um
movimento maior com as pessoas que não tem um plano de saúde, né?”, Antonio Carlos (CG)
Uma possível mudança de perfil dos usuários é apontada pelos entrevistados; que
desde 2000 funciona a Central de Regulação Médica de Botucatu ou Central de Vagas, serviço
responsável pela regulação do atendimento médico de urgência e emergência, através da análise
de solicitação de encaminhamentos e recebimentos de pacientes de outras unidades de saúde
loco-regional. Este sistema foi desenvolvido com o objetivo de viabilizar o melhor acesso aos
serviços de saúde.
Atua pelo lado da oferta, buscando otimizar os recursos assistenciais
disponíveis, e pelo lado da demanda, buscando garantir a melhor alternativa
assistencial em face das necessidades de atenção e de assistência à saúde da
população, além de possibilitar a responsabilização dos gestores, frente a essas
necessidades. (BRASIL, 2006)
“Antigamente, todo mundo que estava em Botucatu e vinha para o Pronto Socorro e era atendido.
E hoje em dia, não é assim. A tendência é fazer aquela consulta referendada. vem para a UTI e vem ser
internado, aquele que já foi atendido nas periferias. Então, vem referendado pela Central de Vagas. (...) Então,
é...é meio difícil falar sobre isso, porque não é aleatório. É uma coisa planejada, meio forçada já, entendeu?”,
Ligia (DC)
Ao longo das entrevistas, notamos que as referências feitas sobre os pacientes
sempre estavam voltadas àqueles de baixo de poder aquisitivo que não dispunham de outras
opções de atendimento e, nos casos de pacientes vindos de outros municípios, que ainda
dependiam da assistência das prefeituras vizinhas para chegarem até o Pronto Socorro.
“Falta de recursos médicos na região. Como eles não conseguem o mínimo, um atendimento primário
de qualidade na maioria dos locais. Eles vem aqui. Assim, porque eles não tem recursos...não falar… porque
eles não tem recursos nas cidades onde eles moram. Então, falta um pouquinho de orientação para estes pacientes
do que que é, como que funciona, como funciona o Sistema Único de Saúde. Porque muitas vezes, eles até sabem,
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mas como eles não encontram recursos na cidade deles, eles tentam conseguir por aqui. Culpa nossa, que até um
tempo atrás, a gente dava tudo o que eles realmente precisavam. Agora não dá mais.”, Ângela (CG)
“Às vezes, eu acho que, assim, a maioria dos doentes são doentes bem pobres, né? Que dependem da
Prefeitura, da condução da Prefeitura. Às vezes, passam um dia inteirinho aqui no Pronto Socorro aguardando o
resultado de um exame, não tem o que comer...ficam aí, às vezes, tá frio...sentado aí.”, Teresa (CG)
Em recente análise de demanda do PS do HC da FMB, Mendes (2003) entrevistou
410 pacientes ou acompanhantes que estiveram na unidade e trouxe informações que vão de
encontro com as falas de nossos entrevistados. A autora destaca que cerca de 70% dos usuários
teria menos de oito anos de estudo, o que acrescido a informações sobre suas ocupações
(aposentados, do lar, domésticas, desempregados, trabalhadores da agropecuária) indicariam um
baixo poder aquisitivo. A maioria dos pacientes seria do próprio município de Botucatu (67%) ou
pertencentes à área de abrangência do serviço (22,7%). A distribuição por faixa etária apresenta
uma maior concentração de crianças (29,75% de 0 a 15 anos), equilíbrio entre adultos de 15 a 50
anos (24,63% de 15 a 30 anos, e 25,12% de 30 a 50 anos) e menor número de pessoas acima de
50 anos (20,5%). Setenta e seis pacientes não freqüentavam os serviços de saúde local ou do
município de procedência, destes 18,4% alegavam a falta de confiança, a ausência de médicos, o
descontentamento com o atendimento, a impossibilidade de realização de exames e até mesmo
maus tratos nas unidades de saúde de origem. A grande maioria dos pacientes (84,6%) procurava
espontaneamente pelo PS e os motivos de escolha citados por cinqüenta destes usuários foram:
confiança no atendimento da UNESP (78,3%), situação precária dos serviços onde residem
(54,6%) e falta de recursos e facilidade de acesso (12,2%).
Segundo entrevistados de nossa pesquisa, nos últimos anos o Pronto Socorro vem
adotando os critérios de risco de urgência e emergência para admissão de pacientes propostos
pelo Ministério da Saúde (anexo V). A referência de Mendes (2003) sobre a demanda espontânea
e facilidade de acesso ao Pronto Socorro vivenciada até pouco tempo atrás auxilia na
compreensão da dimensão que o problema da recusa dos pacientes traz ao serviço. É importante
ressaltar que embora os médicos muitas vezes associem apenas o baixo nível sócio-econômico
dos usuários com a dificuldade de compreensão das informações passadas; eles deveriam estar
atentos a diferença entre entender uma situação “nova” e aceitá-la.
“Eu falo para ele assim, eu procuro assim...para o paciente entender, porque a esmagadora
maioria...é de um nível assim...nível sócio-econômico-cultural baixo, eu explico que a UNESP ficou restrito
agora atendimento de urgência e emergência. Que que é isso? Então, o paciente que chega num resgate, numa
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ambulância, infarto, derrame, facada, tiro, perna quebrada, ficou assim. “Ah...mas e a gente que está passando
mal, assim?”. (...) A maioria uns 70-80% entende, o restante infelizmente, briga e bate o pé, e é que surge o
problema.”, Antonio Carlos (CG)
”Por enquanto, a gente ta fazendo o acolhimento que funciona como uma triagem. Então é onde de
fato a gente seleciona o que é urgência e emergência e o que não é. E isso é uma coisa bastante complicada, porque
a população não entende. Ela quer ser atendida e ela...não aceita que tem que voltar para o posto, tem que voltar
para a cidade. E isso acaba gerando...vários e vários problemas, entre nós e a população, assim brigas mesmo,
desavenças”, Ângela (CG).
Segundo Kotler (1998), imagem é o conjunto de crenças e impressões que uma
pessoa tem em relação a um objeto e que condiciona todas as suas atitudes e ações relacionadas a
ele. Assim, ainda pode demorar alguns anos para que os usuários assimilem e aceitem esse novo
papel de pronto socorro terciário do PS do HC-FMB pois são necessárias muitas novas
informações para que possam mudar de opinião; fato agravado pela ausência de experiência
contínua ou de primeira mão com o objeto de mudança (KOTLER, 1998).
Como aponta Cecílio (2000), sem uma efetiva negociação com outras instâncias do
sistema de saúde e enquanto, os demais serviços de atendimento à população não melhorarem, as
unidades de emergência e urgência continuaram sobrecarregadas. Para este autor, no entanto, o
aprimoramento da organização do pronto socorro, pode ser um elemento favorável para
melhorar os fluxos de atendimento, a fim de construir uma rede de serviços de saúde mais efetiva
para responder às necessidades de saúde da população.
C. Pronto Socorro: espaço de assistência
A leitura das entrevistas nos levou a identificar importantes temas do PS do HC-
FMB como espaço assistencial: a superlotação da unidade; a prática do acolhimento; e, as
peculiaridades do relacionamento médico-paciente nos serviços de emergência.
1. Superlotação
“A superlotação de usuários nos PAS e nas Portas Hospitalares de Urgência é
um fenômeno bem conhecido dos gerentes, dos gestores e dos profissionais de
saúde, bem como dos usuários e da população. Nos últimos anos, esse cenário
tem sido amplamente divulgado e explorado pela mídia e pelos políticos, com
mobilização dos conselhos de classe e da Justiça na mediação de conflitos e
confrontos entre a população e os profissionais de saúde” (SANTOS et al.,
2003, p.501).
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Uma avaliação da unidade de emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto
apontou para alguns fatores determinantes da superlotação que se repetem também no PS do
HC-FMB, são elas: a falta de ordenação do acesso dos usuários aos serviços da rede assistencial e,
em particular, àqueles que atendem às urgências; a baixa resolutividade da atenção primária e dos
PAs; as diferentes concepções que os usuários, a população e os profissionais de saúde têm para
definir a urgência; a inadequação arquitetônica e tecnológica dos PAS, dos Hospitais de Urgência
e, em particular, das Portas Hospitalares de Urgência; e, a falta de apoio dos serviços do hospital,
para investigação e internação dos casos atendidos na Porta Hospitalar de Urgência (SANTOS et
al., 2003).
Hierarquização e Regionalização: a teoria e a prática
A regionalização e a hierarquização de serviços significam que os serviços
devem ser organizados em níveis crescentes de complexidade, circunscritos a
determinada área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos, e
com definição e conhecimento da clientela a ser atendida. (....) A regionalização
é, na maioria das vezes, um processo de articulação entre os serviços existentes,
buscando o comando unificado dos mesmos. A hierarquização, além de
proceder à divisão de níveis de atenção, deve garantir formas de acesso a
serviços que componham toda a complexidade requerida para o caso no limite
dos recursos disponíveis em dada região. (MS, 2005, p.27)
A partir das falas dos entrevistados, podemos perceber como a prática se distancia da
teoria. O princípio de hierarquização e regionalização do SUS pressupõe uma organização
administrativa conjunta entre as diferentes esferas do serviço de saúde (municipal, estadual e
federal), conforme suas disponibilidades financeiras e estruturais. Para que o funcionamento do
sistema de saúde fosse integral e complementar entre si, as unidades deveriam dispor de equipe
multidisciplinar ativa e bem treinada, e tecnologia condizente, a fim de prestar um atendimento
satisfatório e evitar o fluxo de pacientes de unidade a outra. No entanto, ao tentar selecionar os
pacientes que deveriam ser admitidos em um pronto socorro terciário, como o PS do HC-FMB,
os entrevistados se deparam com todo tipo de doentes que chegam ao serviço pelas mais diversas
razões.
“O que seria o certo: ele passar primeiro no posto e se não resolver ser encaminhado para a triagem,
que é isso que eu estou fazendo...Agora, isso não acontece. Ele passou no posto, mas ele está esperando o
agendamento da triagem, mas ele não consegue vaga na triagem e aí ele acaba aqui”, Teresa (CG)
“É difícil você traçar um perfil dos pacientes, você tem todos os perfis de pacientes, desde de um
paciente simples de unidade de básica de saúde, que pode ser uma dor nas costas, uma dor no ombro crônica a três
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meses, um ano (…). Até paciente que não resolve o seu problema, os pacientes particulares da cidade, vem aqui
para o Pronto Socorro”, Luiza (CG)
O atendimento deficiente das unidades básicas de saúde é uma queixa comum entre
os profissionais entrevistados. De acordo com eles, a não realização de exames por parte das UBS
e a falta de médicos nos municípios vizinhos despertam a desconfiança da população quanto à
qualidade do atendimento prestado. Assim, os pacientes prefeririam buscar atendimento no PS
do HC-FMB que seria muitas vezes visto como a última esperança do usuário no sistema público
de saúde.
“Falta de recursos médicos na região. Como eles não conseguem o mínimo, um atendimento primário
de qualidade na maioria dos locais. Eles vem aqui. Assim, porque eles não tem recursos...não falar… porque
eles não tem recursos nas cidades onde eles moraram. Então, falta um pouquinho de orientação para estes pacientes
do que que é, como que funciona, como funciona o Sistema Único de Saúde. Porque muitas vezes, eles até sabem,
mas como eles não encontram recursos na cidade deles, eles tentam conseguir por aqui. Culpa nossa, que até um
tempo atrás, a gente dava tudo o que eles realmente precisavam. Agora não dá mais.”, Ângela (CG)
A falta de médicos em alguns municípios pode ser explicada pela decisão do governo
local em não investir em serviços de saúde, redirecionando os seus usuários para outras cidades:
Os gestores da saúde de municípios de pequeno porte optaram, em sua
maioria, pela criação de condições de locomoção de seus cidadãos até os
municípios maiores, pouco direcionando sua política de saúde para a criação de
unidades resolutivas no âmbito local. Assim, cuidavam, quase que
exclusivamente, da atenção básica, buscando ações de atenção secundária ou
terciária nos municípios de grande porte, onde se localizam os centros
hospitalares de referência. Tais práticas culminaram na sobrecarga desses
centros de referência, fato observado ainda hoje. (SANTOS et al, 2003, p.499)
Alguns dos profissionais do PS do HC-FMB, criticaram o descaso dos gestores
quanto à atenção dispensada aos munícipes enviados.
“A dificuldade é pessoal, mesmo assim. De repente, é de uma cidade muito longe. Aí, eu fico doida
da vida, porque assim, vim...A cidade manda a criança para para ser vista numa condução, a gente fornece o
médico, fornece atendimento, um especialista; e, a cidade se restringe a no máximo dar uma condução para eles. Às
vezes, eles vêm, ficam o dia inteiro. A gente dispensa eles às 5 horas da tarde, eles estão com fome, não tem
dinheiro para comer. Eu penso assim, uma cidade que não tem dinheiro para investir em melhores profissionais,
em serviços mais completos, pelo menos um lanchinho...um lanchinho...Eu acho que as dificuldades são pessoais
mesmo: de condução, de dinheirinho, de comida.”, Ana Luiza (PE)
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Discursos semelhantes ao de nossos entrevistados se encontram nas falas de outros
profissionais de saúde espalhados pelo país. Ao estudar dois prontos socorros municipais do Rio
de Janeiro, Deslandes (2002) verificou que essas unidades recebiam além da demanda que não é
de emergência, pacientes que não conseguiam atendimento na rede estadual ou federal seja por
falta de profissionais, material e/ou equipamentos e que vinham de municípios vizinhos
desprovidos de rede de serviços. Situação semelhante também era vivida pela unidade de
emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto no início da
década de 1990:
A demanda ultrapassava os limites da capacidade instalada, causando
problemas de superlotação. A taxa de ocupação, na UE-HC ultrapassava 120%.
Pacientes encaminhados de outros hospitais da Região e até de outros Estados,
e mais os da própria cidade, espremiam-se nas enfermarias, ambulatórios e
corredores do Hospital. (SANTOS et al, 2003, p.503)
A falta de equipamentos na rede de saúde pública e o despreparo dos profissionais
são constantemente criticados pela mídia e despertam na população à vontade de brigar por
melhores condições de atendimento. Isso implica no maior fluxo dos pacientes pois justamente
por acreditarem na medicina moderna baseada no desenvolvimento tecnológico, eles não aceitam
apenas o diagnóstico de um único médico e partem na busca de uma segunda opinião em outros
serviços.
A necessidade de concentrar grandes estruturas tecnológicas em hospitais de
grande porte levou à consolidação de organizações burocráticas, que, por uma
questão de custos e de eficiência, suscitou a necessidade de um discurso
gerencial ou sanitarista, baseado na economia da saúde e na gestão estratégica.
(...) A necessidade de racionalizar custos e a própria evolução tecnológica
contribui também para reforçar o valor da colaboração ou da interdependência
entre generalistas e especialistas, o valor das equipes, assim como o valor da
busca de sinergias e parcerias internas e externas entre serviços. (ARTMAMN;
RIVERA, 2006, p.215)
Esta realidade teria desencadeado um problema comunicacional denominado por
Schraiber de “crise de confiança”, em que os pacientes passam a duvidar e não confiar mais nos
médicos e sim, na Medicina. Em nosso trabalho, a palavra confiança foi muito utilizada e sempre
associada a FMB, que representaria o “ápice do desenvolvimento tecnológico da Medicina”, em
oposição às unidades básicas que por não poderem investir em tecnologia não tem crédito
perante a população.
“Quantas e quantas pessoas não passam no posto, pegam uma receita. Passam no Sorocabana,
pegam uma receita, não confia, vai confiar depois que passa na UNESP. Isso aí! A população tem uma
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confiança irrestrita na UNESP. E é por isso que sobrecarregou o Pronto Socorro. E é por isso que a UNESP
não dá conta disso aí”, Antonio Carlos (CG)
“O principal motivo é a confiabilidade no serviço, mesmo. Eles colocam como sendo uma
dificuldade de serem atendidos na rede primária, na rede secundária...por que é que é difícil ser atendido lá? Eles
colocam que é falta de profissional, não gostam da qualidade, não gostam do atendimento, né? E aí, eles vem
espontaneamente procurar, porque é aqui que é o Dr. UNESP”, Ana Luiza (PE)
“Na nossa região, é o melhor Pronto Socorro para se trabalhar. A gente tem todo um suporte de
especialidades, de exames, hã...de retaguarda, que a gente não tem em outro lugar na nossa região. O HC acaba
sendo a via de entrada...assim, o final de todos pacientes da nossa região. Todo mundo que teve alguma coisa e
não resolveu no posto de saúde, vem aqui”, Teresa (CG).
Além da crise de confiança, interferem no fluxo de pacientes no sistema de saúde a
regionalização e a hierarquização através dos encaminhamentos (referência) e retornos de
informações aos serviços de origem (contra-referência). O encaminhamento dos pacientes do PS
para os ambulatórios do HC restringe-se ao agendamento de consulta que pode demorar muitos
meses.
“Eu acho que a maior dificuldade é estar aqui e conseguir um seguimento, uma continuidade do
tratamento. Porque muitas vezes a gente não consegue encaminhar para especialidade, quando encaminha fica
agendado para daqui 2, 3 meses e às vezes, até mais do que isso. E é uma coisa que foge do nosso controle porque
nós não trabalhamos dentro da especialidade, não fazemos ambulatório...”, Gabriela (PE)
“Quando são as patologias complexas que precisam de um especialista, a dificuldade é a agenda, tá?
Mas eles sempre são encaixados, pode demorar muito, mas eles são encaixados. Exceto, algumas especialidades que
tem questão da DIR que não aceitam encaminhamentos que não são da nossa DIR. Mas das especialidades
pediátricas, a maioria delas é só vaga demorada, mas consegue.”, Ana Luiza (PE)
Para hospitais especializados, a dificuldade está na aceitação do paciente que pode ser
favorecida pelo interesse acadêmico da enfermidade, influência pessoal do profissional ou ainda
acesso ao convênio médico.
“Vamos supor assim., que venha um paciente para que precisa de um recurso que a gente não
tenha e que precisa encaminhar para São Paulo, por exemplo, porque a gente sabe que tem o recurso lá. A gente
tem bastante dificuldade de conseguir essa vaga lá. A dificuldade é extrema. A sensação que é que se eles estão
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interessados no caso para pesquisa ou se você tem um conhecido lá, você consegue. Fora isso é muito difícil conseguir
a vaga lá. Sempre está cheio nesses lugares, vamos supor no HC, tá? Se é para um hospital particular é fácil de
conseguir. Se o paciente vai pagar por convênio ou particular ele consegue, tá certo? (…) Então, a sensação que dá
é assim: toda vez que se envolve, algum interesse de origem de pesquisa ou porque existe um clientelismo, vai, um
conhecimento de amizade, vai, o paciente consegue entrar. É difícil, então, é muito difícil conseguir um
atendimento para o teu paciente.”, Lígia (DC)
A contra-referência para os postos de saúde, por sua vez, esbarra na falta de
confiança dos usuários nos serviços que não querem voltar à rede básica de sua região e no
descaso das unidades em fazer o acompanhamento do paciente, uma vez que esse foi atendido
na Unesp.
“Agora reencaminhar para primário e para o secundário, a dificuldade é a confiança mesmo do
paciente. Às vezes, eles ficam assim: ‘ah...deixa eu seguir aqui, vai? Porque lá, não tem um médico, doutora.
Não adianta, doutora. Eu chego lá, falo que o meu filho está com uma anemia e é daqui seis meses que vai ter
consulta. Como é que eu vou esperar para tratar uma anemia daqui seis meses’ ”, Ana Luiza (PE)
“Contra-referência é uma coisa que a gente precisa melhorar muito por aqui. Antigamente, a gente
fazia contra-referência, a gente escrevia uma cartinha de receituário, dizendo para os postos tudo o que tinha
acontecido aqui. O que aconteceu, os postos começou a usar isso contra a gente. O paciente chegava no posto com a
carta, dizendo: paciente atendido no Pronto Socorro com crise hipertensiva, pressão de tal tal, prescrição de
medicação, orientado a procurar o serviço para acompanhamento. Aí, eles preenchiam o anexo 1 assim: paciente
acompanhado na UNESP em crise hipertensiva, solicita acompanhamento. E dava o papel para o paciente vim
aqui marcar. E a partir daí, toda vez que esse paciente fosse para o posto, não, ele é da UNESP, nós não vamos
atender, tem que ir lá no Pronto Socorro.”, Ângela (CG)
Embora não possa ser discutido como parte da hierarquização e regionalização da
saúde, é interessante mostrar a problemática do fluxo de pacientes dentro do próprio Pronto
Socorro. Alguns dos médicos entrevistados apontam para a demora da especialidade clínica do
HC em atender o paciente ou em providenciar a sua internação. Uma vez que o doente é
examinado pelo especialista e é constatada a pertinência de seu caso, ele passa a ser de
responsabilidade da determinada área clínica , ou seja, não pertence mais ao Pronto Socorro, que
foi responsável apenas pela estabilização de seu quadro.
“Caso contrário, se é um paciente que tem uma pneumonia, só que associado a um quadro grave com
outras co-morbidades pelo...a gente segue protocolos aqui, indicações de internação. Clínico-geral do Pronto Socorro
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não pode internar, não tem autonomia de conduzir até o final do caso do paciente. Eu preciso de uma
especialidade. Então, eu vou abrir, vou solicitar uma avaliação da especialidade para que eu possa dar o
tratamento, via internação do paciente.”, Luiza (CG)
“Então, o objetivo meu inicial é atendimento inicial de pacientes e a estabilização dele. Aí, eu posso
fazer com que esse paciente embora para casa, resolvi o problema dele ou eu posso fazer com que esse paciente,
fique no hospital e seja visto pela especialidade. Então, uma vez que eu abri para a especialidade, eu não tenho
mais nenhuma responsabilidade sobre ele. Se ele está no corredor e eu abri a ficha para a Cirurgia Torácica, ele
é paciente da Cirurgia Torácica, se ele vir reclamar de dor para a mim, eu vou falar para a enfermeira: liga para
Cirurgia Torácica para vim ver o paciente.”, Antonio Carlos (CG)
“Às vezes, eles precisam e não tem espaço físico, aí, isso passa a ser um problema da especialidade.
Enquanto eles estiverem aqui no Pronto Socorro, de tiver alguma intercorrência, a gente ajuda, tudo. Mas internar
e arrumar algum lugar para ele ficar, é responsabillidade do serviço que vai internar esse paciente. Isso porque nós,
não temos autonomia nenhuma para internar. O hospital não permite que nós daqui da frente aqui, internamos,
ta?”, Ângela (CG)
Na visão dos profissionais, a culpa da ineficiência da organização dos serviços está
sempre fora do PS do HC-FMB, ou seja, nas redes primária e secundária pouco resolutivas. O
envolvimento excessivo dos médicos entrevistados com o serviço os impede de enxergar as
dificuldades por que passam os demais profissionais das outras unidades, que assim como eles,
muitas vezes, vivem em condições de trabalho desfavoráveis com poucos recursos financeiro e
tecnológico. Ao se sentirem prejudicados e pouco responsáveis pelo funcionamento do sistema
de saúde, os entrevistados não pensam em melhorar a articulação do PS com as outras unidades,
nem em colaborar para qualificação da rede de serviços, o que poderia melhorar o fluxo de
atendimento.
“Eu concordo com o sistema de, de triagem, de seleção de pacientes e acho que poderia ser mais fácil
se tivesse colaboração de, do serviço de fora. Então, da Prefeitura, para que o atendimento...melhor a qualidade do
serviço primário e serviço secundário. Poderia ser muito mais fácil. A gente atenderia realmente melhor os pacientes
que realmente precisam do serviço terciário, se a gente não tivesse todo esse volume para atender, entendeu?”,
Luciana (IT)
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Emergência e Urgência: um campo de tensões
Segundo os entrevistados, uma grande parte dos pacientes que chegam ao Pronto
Socorro poderiam ter o seu problema resolvido em outra unidade da rede pública de saúde, o que
evitaria a sobrecarga do hospital e discussões desgastantes entre eles e os usuários.
“Deveriam ser: o infarto, o derrame, os traumas. Mas de fato, não é isso. De fato, o que a gente
pega aqui no Pronto Socorro de maior, são as dores óstio-musculares. É o doente com dor nas costas um
tempão, é o doente com dor no joelho, dor no ombro, na perna...”, Teresa (CG)
“Por enquanto, a gente ta fazendo o acolhimento que funciona como uma triagem. Então é onde de
fato a gente seleciona o que é urgência e emergência e o que não é. E isso é uma coisa bastante complicada, porque a
população não entende. Ela quer ser atendida e ela...não aceita que tem que voltar para o posto, tem que voltar
para a cidade. E isso acaba gerando...vários e vários problemas, entre nós e a população, assim brigas mesmo,
desavenças.”, Ângela.
Profissionais de saúde da rede pública de atendimento às urgências e emergências de
Marília também acreditam que a maior parte da demanda desses serviços não exigiriam um
atendimento de urgência e acusam “a população de fazer mau uso dos prontos-socorros e a
designa como a grande responsável pela sobrecarga dessas unidades e pela desvirtuação de sua
função” (GIGLIO-JACQUEMOT, 2005, p.13).
Deslandes (2002) observa em estudo recente a mesma problemática, em que
hospitais com serviços de emergência recebem uma verdadeira invasão de demanda ambulatorial
que não se restringiria apenas ao Brasil. Para Aquino (apud DESLANDES, 2002) este problema
não é novidade; desde 1983, grande parte da demanda a serviços de urgência, corresponderia a
situações não urgentes em hospitais do Rio de Janeiro. Além da inadequação da oferta de serviços
básicos como citado anteriormente em relação à hierarquização e regionalização, a procura pelo
pronto socorro pode ser explicada também pelas diferentes concepções que profissionais de
saúde e pacientes tem a respeito do que seria urgência e emergência.
Embora as palavras emergência (“situação grave, perigosa, momento crítico ou
fortuito”) e urgência (“situação crítica ou muito grave que tem prioridade sobre outras”) tenham
definições bastante semelhantes e uma possa ser utilizada como sinônimo da outra segundo o
dicionário de português Houaiss, os médicos fazem uma importante distinção entre elas. Segundo
Paim (1994), os profissionais de saúde definem a emergência como um ‘processo’ com risco
iminente de vida que deve ser diagnosticado e tratado nas primeiras horas após a sua constatação
e a urgência como um ‘processo agudo clínico ou cirúrgico’, sem risco de vida iminente. Para
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ilustrar uma emergência, freqüentemente mencionam-se as chamadas “emergências cirúrgicas” ou
estados traumáticos.
“Urgência a gente entende como uma, uma...situação em que não há um risco tão grande de vida. É
uma situação de incômodo, por exemplo, uma dor de cabeça forte, uma enxaqueca, por exemplo, assim que não vai
matar o paciente. Mas é uma urgência, por que? Porque é uma dor, você precisa ser atendido na hora. Então isso é
uma grande procura, tá? Uma dor nas costas aguda, uma lombalgia aguda, uma cólica de rim, por exemplo, uma
gastrocolite aguda, uma diarréia, por exemplo, são eventos que fazem com que você procure o Pronto Socorro. E as
emergências, que são as causas mais graves, né? Que é politraumatizado que é levado pelo resgate, infarto, os
AVCs da vida, derrame, que são os casos mais graves.”, Antonio Carlos (CG)
“É ouvida a queixa do doente. Se essa queixa for pertinente a uma doença aguda, aguda que não é
emergência, que não coloca a vida dele em risco imediatamente, ele é visto aqui no Pronto Atendimento. Se é uma
coisa que coloca a vida dele em risco imediatamente, infarto, um derrame, ele é encaminhado direto a sala de
emergência do Pronto Socorro.”, Teresa (CG)
Giglio-Jaquemot (2005) aponta para o fato da definição de urgência/ emergência
objetiva dos profissionais e subjetiva dos pacientes, ao invés de conciliar as duas dimensões faz
uma oposição entre elas, do certo e do errado. Enquanto, na verdade, a apreciação do que seria
um estado/ situação de emergência ou urgência tanto para médicos como para leigos é uma
combinação plurifatorial complexa, na qual não entram somente elementos do conhecimento
médico técnico.
Essa combinatória é a conjunção de uma multiplicidade de fatores de natureza
variada, tanto sociais quanto psicológicos, tanto coletivos quando individuais,
tais como, por exemplo: a idade do paciente, seu sexo, sua aparência, condição
social, o tipo de mal do qual ele está padecendo, seu comportamento, o tipo de
acidente sofrido, o número de vitimas, o grau de angústia e incerteza, a
formação do médico, a eventual relação terapêutica existente entre ele e o
doente (este é ou não ‘seu’ paciente) e também o próprio valor atribuído a um
estado de saúde por parte de quem decide da sua ‘urgência’ ou ‘emergência’,
quer dizer, por parte de quem o valoriza como urgência/ emergência.
(GIGLIO-JACQUEMOT, 2005, p.29)
Assim, “o que leva a apreciar um problema de saúde urgente não são sinais que
dizem respeito a ela, mas sim a um conjunto de sinais de perigo que, por se juntarem todos ao
mesmo tempo, configuram uma situação de alto risco que torna esse problema grave e urgente”
(GIGLIO-JACQUEMOT, 2005, p.128).
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“É difícil a mãe falar uma queixa e a gente não por a mão pelo menos para examinar. Então a
gente examina e aproveita o momento para tratar, mesmo porque a gente pensa assim, nesta questão até mesmo da
humanização. Muitas das mães, que são de, de um nível sócio-econômico baixo, às vezes, elas vieram aquele dia,
estão perdendo serviço, não vem porque realmente o dia que marcou vaga no posto, elas estariam trabalhando e
perder um dia de trabalho, descontar R$ 20 no salário, é pesado para elas. Então, o que a gente faz, eu oriento
muito os meninos em relação a isso: aproveita o momento, né? Trata o que tem, é queixa ambulatorial? É,
para tratar e aproveita o momento para educar! E daqui para a frente a senhora segue isso no posto de saúde. É
uma oportunidade, a gente não perde!”, Ana Luiza (PE)
A diferença de concepção do que é urgência/ emergência também pode ser estendida
para o que é ou não estar doente.
O conceito de doença vai depender de um julgamento de valor do próprio
paciente. É o individuo doente que vai dar significado à doença, em virtude das
limitações ou alterações que esta lhe traz (Canguilhem, 1995; Adam et Herzlich,
2001). Estar doente pode significar sentir-se estigmatizado, incapaz,
socialmente desvalorizado, excluído ou sem forças. O sentimento de estar
doente não envolve apenas ser diferente dos outros, mas também estar
diferente de como se era anteriormente. (MITRE, 2006, p.288)
Embora pessoas diferentes vivenciem a doença de forma distinta, quando se
percebem e aceitam-se como doentes buscam por ajuda e querem ser cuidados. É neste
momento que
Ocorrem, então, os encontros desencontrados, impedindo a produção da
aliança necessária entre profissionais e a população. Desencontros porque
atravessando estes encontros está a produção homogeneizada de que existem
dois conhecimento: um que é considerado ´legítimo’, ‘correto’, ‘competente’,
que o profissional possui, e outro que é ‘incorreto’, ‘precário’, ‘menor’, que a
população traz. (ALMEIDA, 1996, p.58)
“O paciente não aceitar que a sua patologia não é considerada urgência/emergência. Porque para o
paciente, ele está tendo alteração na sua saúde e como isso para a gente não é valorizado, como a gente não valoriza
isso para ele. Ele está debilitado na sua consciência.”, Luiza.
“E a dificuldade em explicar para o paciente, principalmente o familiar, o que é uma urgência e o
que é uma emergência. Porque, às vezes, o doente chega aqui e diz que tem uma dor nas costas 20 anos, o que
não é uma urgência. E ele fala: “mas se a dor que eu estou sentindo não é uma urgência, então o que será uma
urgência?”, Teresa.
Nestes momentos de estranhamento de opiniões e conceitos sobre o que pode ou
deve ser aceito em um serviço de emergência e urgência, é que os confrontos entre profissionais e
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clientela faz com que todos os envolvidos no trabalho se sintam pouco reconhecidos, sentimento
que se agrava de acordo com a hierarquia profissional (DESLANDES, 2002).
“Mais difícil é quando a família, os acompanhantes dos pacientes exaltam por não estar
conseguindo o que eles vieram tentar aqui no Pronto Socorro da UNESP, né? (...) Veio do Paraná para cá com a
família inteira, porque alguém ouviu falar que Botucatu resolveu os problemas e a família não aceita. Vim de
até aqui e o vão resolver o meu problema?’. É, então, é geralmente nessa hora que a família acaba se
transformando, assim...agressiva. São nessas horas que a gente é agredido, não verbalmente, mas fisicamente. A
gente já teve vários boletins de ocorrência de agressão física de médico. Geralmente, eu...se não é paciente
psiquiátrico, são os próprios acompanhantes, a gente já foi até ameaçado de morte aqui.”, Luiza (CG)
“Então, na realidade, quando o paciente é atendido na, no Acolhimento e é encaminhado para
serviço primário ou secundário quando a gente caminha, esse encaminhamento não é garantido, depende do
próprio paciente. Eles ficam muito bravos, quando eles batem aqui e são mandados de volta, sem atendimento.
Mas não tem como a gente fazer”, Antonio Carlos (CG)
Outra situação de conflito entre profissionais e usuários e que também está
relacionada com a diferença de percepção e expectativa é quanto ao tempo de espera para a
consulta. Segundo Giglio-Jacquemot (2005), ao se sentirem ignorados ou até mesmo anulados
pela falta de atenção/ consideração dada ao seu sofrimento físico e moral, negados na apreciação
intima que tinham da gravidade do seu problema (ou de outrem, ente querido, conhecido), os
usuários dos prontos socorros repassam aos demais sua experiência colocando em dúvida a
boa vontade, a competência e a até a humanidade dos profissionais que (não) os atenderam. Por
outro lado, a opinião é diferente para aqueles em que as expectativas foram atendidas:
entre eles, os que estão preparados para esperar bastante pois avaliam que
o seu problema não é tão urgente assim -; também os que, ao receber
atendimento rápido, vêem sua inquietação levada em consideração e sua
apreciação de urgência confirmada pelos profissionais que lhes dão a atenção
esperada. (GIGLIO-JACQUEMOT, 2005, p.14)
Para evitar futuros problemas e vindas frustrantes, os entrevistados se mobilizam a
explicar aos pacientes as doenças e acometimentos que são aceitos na unidade, utilizando-se de
vocabulário simples a fim de facilitar o entendimento e a compreensão dos usuários.
“Para o paciente entender, porque a esmagadora maioria...é de um nível assim...nível sócio-
econômico-cultural baixo, eu explico que a UNESP ficou restrito agora atendimento de urgência e emergência.
Que que é isso? Então, o paciente que chega num resgate, numa ambulância, infarto, derrame, facada, tiro, perna
quebrada, ficou assim. “Ah...mas e a gente que está passando mal, assim?”. Não, mas ficou para esses casos que
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não são tão graves tem o posto de saúde e o Hospital Sorocabana. (...) A UNESP é para paciente que chega
morrendo. Às vezes, você tem que usar exemplos para a pessoa entender. Se eu usar que é paciente de urgência e
emergência, ele vai achar que a dor nas costas dele um mês é urgência e emergência. Então, você tem que
explicar que não, não é assim: a UNESP agora é resgate, ambulância, infarto, derrame, facada, tiro, acidente
na estrada, entendeu? Cabeça rachada, a gente usa uns termos populares para o paciente leigo conseguir entender
para que que a UNESP se destina”, Antonio Carlos (CG)
No entanto, alguns entrevistados também sugerem que seja de responsabilidade das
redes primária e secundária a educação e orientação da população quanto ao momento certo de
procurar o atendimento do pronto socorro.
“O Pronto Socorro é emergência. Essa distribuição pela hierarquização tem que vim do, no nosso
entender, tem que vir dos postos. A educação da população tem que ser feita nos postos de saúde. que os postos
tem que funcionar, porque senão, sobrecarrega aqui. O secundário que é um grande problema na região, não tem
nível secundário. Estoura aqui no Pronto Socorro.”, Ângela.
“Porque eu acho que a gente vai ficar anos e anos explicando e a gente vai passar anos e anos
recebendo esses pacientes aqui. Porque ele vai no posto de saúde e aí o médico do posto fala assim: “o seu caso não é
daqui, você tem que ir para a UNESP!”. Aí, ele vem aqui armado. Aí, ele vem aqui e fala: “mas o médico,
Dr. João, falou que eu tenho que vir aqui na UNESP”. Por que ele acredita mais no “Dr. João” do que em mim
que tá aqui. Então...ele acredita porque é melhor para ele, porque é mais conveniente. Mas isso sempre vai
acontecer.”, Teresa (CG)
Podemos notar novamente, que os profissionais entrevistados se sentem pouco
responsáveis pela situação de superlotação do PS, que seria desencadeada pelo mau uso que os
pacientes fazem do serviço, procurando atendimento para enfermidades simples que poderiam
ser resolvidas e acompanhadas em outra unidade de saúde.
Embora não tenha sido objeto de pesquisa em nosso trabalho, é interessante o
resultado apresentado por Watt et al. (2005), em pesquisa realizada em unidades de saúde da
região de Calgary (Canadá), que mostra que alguns pacientes estão cientes de que sua doença não
se trata de uma emergência ou urgência e portanto, não se importam quando outros casos por
eles considerados mais graves são atendidos antes. Observação semelhante é feita por Giglio-
Jacquemot no Pronto Socorro do Hospital das Clínicas de Marília,
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os pacientes se resignam-se com a espera na medida em que consideram que, à
diferença de outros, seu problema não é insuportável e nem coloca, de
imediato, sua vida em perigo. O atendimento não precisa ser urgente, o que
importa é ser atendido. (GIGLIO-JACQUEMOT, 2005, p.122)
2. Acolhimento, um dos caminhos para a Humanização
“A humanização é uma estratégia política e gerencial mais abrangente,
que contem as possibilidades do acolhimento e do vínculo, como dispositivos práticos
ligados às formas imediatas de cuidado social e individual.”
(ARTMAMN; RIVERA, 2006)
Segundo o Ministério da Saúde,
acolhimento é uma ação tecno-assistencial que pressupõe a mudança da relação
profissional/ usuário e sua rede social através de parâmetros técnicos, éticos,
humanitários e de solidariedade, reconhecendo o usuário como sujeito e
participante ativo no processo de produção da saúde. (BRASIL, 2004, p.5)
Para auxiliar as mudanças propostas no Acolhimento, o MS criou a Avaliação e
Classificação de Risco (anexo V) nos serviços de urgência e emergência que objetiva agilizar o
atendimento através da análise baseada em protocolos pré-estabelecidos de acordo com o grau de
necessidade do paciente, passando a atenção a ser voltada ao nível de complexidade e não da
ordem de chegada (BRASIL, 2004). Por essa proposta, a avaliação de risco seria realizada numa
Central de Acolhimento, que também seria local para procura de exames e consultas
ambulatoriais. O PS do HC-FMB seguiu as recomendações do MS e implantou a Central de
Acolhimento nos últimos anos onde é feita a triagem dos pacientes, de acordo com a gravidade
de sua enfermidade e a conformidade em relação a sua área procedência.
“No Pronto Socorro aqui, como que funciona: o paciente quando ele chega aqui, ele é acolhido no
acolhimento médico. É ouvida a queixa do doente. Se essa queixa for pertinente a uma doença aguda, aguda que
não é emergência, que não coloca a vida dele em risco imediatamente, ele é visto aqui no Pronto Atendimento. Se é
uma coisa que coloca a vida dele em risco imediatamente, um farto, um derrame, ele é encaminhado direto a sala de
emergência do Pronto Socorro”, Teresa (CG)
“Por enquanto, a gente fazendo o acolhimento que funciona como uma triagem. Então é onde de
fato a gente seleciona o que é urgência e emergência e o que não é. E isso é uma coisa bastante complicada, porque a
população não entende. Ela quer ser atendida e ela...não aceita que tem que voltar para o posto, tem que voltar
para a cidade”, Ângela (CG)
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“(...) quinta a 1h da tarde, eu faço acolhimento. O acolhimento é aquele serviço do Pronto Socorro
em que o paciente chega e nós decidimos se ele vai ou não abrir ficha lá. Por que? Porque acontecia antes, qualquer
paciente que chegava lá, abria uma ficha e passava pelo médico. Não havia controle. Aí, como uma forma de
reduzir esse número de atendimento e uma, vamos assim, procurar atender mais as urgências e emergências,
criou-se esse acolhimento, senão me engano, já faz uns três anos”, Antonio Carlos (CG)
Assim, pudemos perceber que para alguns de nossos entrevistados, acolhimento é
sinônimo de um espaço físico, bem distante do conceito de Teixeira (2003), em que o
acolhimento deve ser entendido como um dispositivo que perpassa os
diferentes espaços e momentos do trabalho de um serviço de saúde, não se
restringindo, portanto, a um espaço de recepção ou a um componente de
fluxograma assistencial. (TRAD, 2006, p.189)
Sucupira (2005) também chama a atenção para uma definição mais ampla do
acolhimento e centrada no relacionamento entre profissionais de saúde e paciente.
Uma relação que deve ser pautada pelo respeito, pela solidariedade, mas
principalmente pelo reconhecimento de que o atendimento não é um favor que
o serviço faz ao individuo, mas o cumprimento de uma obrigação desse serviço
para com um direito da população. Enquanto uma relação, o acolhimento não
se restringe à recepção do paciente, mas se dá em todos os momentos
vivenciados pelo individuo na unidade de saúde. O acolhimento pode ser
entendido de forma mais ampla pelo modo como a unidade assume o paciente,
estabelecendo um compromisso que impõe a responsabilidade da unidade
frente a todas as suas necessidades de saúde. (SUCUPIRA, 2005, p.30)
O conceito de acolhimento entre nossos entrevistados pode ainda não estar muito
definido ou ser tão abrangente, mas eles próprios sabem que deve ir muito da triagem.
“Ah...eu acho assim, que essa...que os (...) chamam de humanização, ter que acolher o paciente,
assim, eu acho que isso não é o acolhimento. Você pegar , simplesmente, ver se entra ou vai para o posto. Isso é
triar, né? Eu acho que da parte da pediatria, pelo menos, a gente não manda ninguém embora.”, Ana Luiza
(PE)
O acolhimento surge no âmago das propostas de reorientação da atenção à
saúde. Ele tem sido analisado como processo e estratégia fundamental na
reorganização da assistência em diversos serviços de saúde no país, buscando a
inversão do modelo tecno-assistencial de modo a contemplar o princípio da
universalidade no atendimento e a reorganização do processo de trabalho.
Trata-se de um dispositivo que vai muito além da simples recepção do usuário
numa unidade de saúde, considerando toda a situação de atenção a partir de
sua entrada no sistema. (HENNINGTON, 2005, p.257).
Temos clareza de que a atual política de acolhimento proposta pelo MS surge dentro
da reorientação da atenção à saúde. O acolhimento “tem sido analisado como processo e
estratégia fundamental na reorganização da assistência em diversos serviços de saúde no país,
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buscando a inversão do modelo tecno-assistencial” (Hennington, 2005, p.257). Este autor
apresenta o acolhimento como um dispositivo que deve ser considerado em toda situação de
atenção à saúde de um paciente, a partir de sua entrada no sistema. Desta forma, fica evidente
que o pronto socorro também está incluso como campo de acolhimento, devendo no entanto,
este ser muito mais do que uma sala de recepção e triagem dos pacientes.
Para Figueiras (2006), o acolhimento ocorreria “quando incorporado ao exercício
profissional de todos os trabalhadores de saúde, como uma atitude que melhor qualifica o serviço
ofertado nas unidades” (FIGUEIRAS, 2006, p.407).
”Eu procuro explicar tudo aquilo que paciente tem. Uma vez feito a consulta, que a gente chega a
um dignóstico ou até se vai fazer algum remédio para ele antes mesmo de fazer um diagnóstico definitivo. A gente
conversa bastante com os pacientes, conversa com os familiares”, Teresa (CG)
3. Relacionamento e comunicação professional-paciente
Ao analisarmos o acolhimento como diretriz operacional proposta pelo Ministério da
Saúde, verificamos a grande importância do aprimoramento do relacionamento profissional-
usuário para alcançar “o compartilhamento de saberes, necessidades, possibilidades, angústias e
intervenções” (BRASIL, 2004, p.9).
O delicado relacionamento profissional-paciente
A sensibilização da intersubjetividade na relação é um desafio sofisticado, pois
não pode ser contida nas normas (embora as pressuponha), uma vez que, em
última instância, ela se no encontro singular de duas pessoas cujo nível de
profundidade poderia ser expresso por um poeta como Fernando Pessoa:
‘O que em mim sente está pensando’. (MINAYO, 2006, p.29)
Ao questionarmos os profissionais quanto ao relacionamento médico-paciente, a
maioria classificou o seu contato como bom ou satisfatório. Para eles a qualidade da relação
estaria vinculada ao entendimento e compreensão dos fatos por parte dos pacientes. Para evitar
reclamações e diminuir atritos entre equipe de saúde e usuários, os profissionais afirmam buscar
um modo de se expressar mais claro e também referem escutar o paciente com atenção, ou seja,
tentam desenvolver suas habilidades comunicacionais.
"Depende...tem aqueles pacientes que realmente estão em emergência. Eu acho que o contato é bom.
Na verdade, nós não temos espaço físico adequado para estar conversando com esses familiares. Na verdade, isso é
feito no corredor, na frente das salas da emergência. Mas a gente consegue de uma...de uma maneira ou de outra,
passar para os familiares o que está acontecendo, o que está sendo feito e na maioria das vezes, eles não
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reclamam. Eles reconhecem o serviço e a coisa flui. O problema de relacionamento é com aqueles pacientes que não
é a emergência., ta? Então, aqueles que a gente manda de fora do Acolhimento, o relacionamento é péssimo, tá?
Eles vão para a chantagem emocional. Eles vão para a agressividade. Para a ofensa pessoal. Então ali fora, no
Acolhimento é péssimo”, Ângela (CG)
“O meu relacionamento com os pacientes, de maneira geral, ele é bom, viu? A maior parte do dos
relacionamentos é proveitosa, é adequada, bom? São poucos os pacientes e familiares que são mais agressivos,
assim...são poucos, a maioria compreende. Se você tiver uma boa relação médico-paciente, se você conversar, se você
ouvir, se você prestar atenção, na maioria das vezes não dá confusão. O que acontece é que, muitas vezes, eles tem
um nível cultural baixo e de escolaridade, então, eles são difíceis de entender, tá?”, Antonio Carlos (CG)
Como vemos acima, para alguns profissionais, o mau relacionamento caracterizado
por conflitos verbais e físicos entre o serviço e os usuários seria conseqüência do baixo nível
socioeconômico dos pacientes que limitaria a sua compreensão sobre os acontecimentos. No
entanto, a fala de um outro entrevistado sugere ainda a generalização da dificuldade de
entendimento em um momento de vulnerabilidade, como no caso da internação de um familiar.
“Eu acho que a maior parte das dificuldades que os diaristas encontram são daquelas famílias de
dificuldade intelectual mesmo, de conhecimento. Que grande parte das famílias...vem familiares daquele doente que
não sabem explicar o que que o doente tinha em casa...Então, tanto para fornecer informações para história, para
completar a história como para entender o que a gente fala. Então tem dificuldade no relacionamento intelectual.
A segunda coisa muito interessante, para que quando um parente seu mesmo que você diferenciada, entra num
estado desse, você emburrece e você não escuta o que o médico está falando. E isso, independe do nível social,
cultural, de simpatia, de qualquer coisa, é como se eu fosse uma intensivista, tivesse meu pai dentro da Terapia
Intensiva, você não consegue é...entender o que médico está passando de informação para você. Você sempre quer
saber, você nunca se conforma com a informação, você sempre desconfia que estão fazendo pouco ou você sempre
está achando que voestá se intrometendo demais. Tudo assim, exagerado, distorcido. Então essa situação de
gravidade, é muito difícil de ser enfrentado”, Lígia (DC)
Alguns autores como Almeida (1996) e Garcia e Valla (1996) tem apresentado uma
rica discussão sobre o que chamam de “encontros desencontrados” entre os profissionais da
saúde e a população. Este desencontro ocorreria muito mais por uma falta de compreensão por
parte dos profissionais sobre o que os pacientes falam, pois os médicos trazem sempre o seu
conhecimento e o seu código de comportamento e tem dificuldades em perceber as condições e
capacidade de compreensão distintas dos doentes. Chauí (1990) destaca que um discurso
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denominado competente que é o discurso do conhecimento, do especialista. Este seria um
discurso instituído e a expressão das relações de dominação. Para romper com este modelo seria
necessário que o profissional de saúde tirasse a sua “máscara da indiferença” e não ignorasse a
condição de vulnerabilidade, ansiedade e medo por que passam os pacientes. A ansiedade,
comum a todo ser humano, está oculta nas profundezas de nosso ser e “são aqueles medos,
inerentes à própria condição humana: o medo da morte, inevitável acompanhante da
precariedade da existência” (SCLIAR, 2005, p.166).
Nossa entrevistada Lígia, docente e com maior tempo de experiência de prática
médica, deixou-nos transparecer que à medida que se desenvolve profissionalmente e amadurece
emocionalmente, passa a identificar e caracterizar melhor o que ocorre em si mesmo e nos seus
clientes; estará, assim, aparelhado para discriminar as situações que exigem um encaminhamento
especializado daquelas onde pode atuar em um sentido psicoterápico lato. (NOGUEIRA-
MARTINS, 2001, p.43)
A falta de estrutura física do PS do HC-FMB aparece também como fator limitante
para um melhor relacionamento médico-paciente, pois não na unidade espaços que permitam
ter privacidade para conversar com doentes e familiares.
“Mas, enfim, o meu relacionamento, particularmente, com os paciente é satisfatório, em que pese
toda aquela, aquela bagunça que é lá...aquela falta de estrutura do Pronto Socorro, aquele fluxo caótico, que pese
tudo isso aí...o meu relacionamento procura ser satisfatório e não é mais satisfatório por causa do volume de
atendimento que é muito grande, então eu não consigo ter uma relação médico-paciente tão humana quanto eu
gostaria de ter. Mas dá para ter um relacionamento satisfatório, deveria ser melhor”, Antonio Carlos (CG)
“Na verdade, nós não temos espaço físico adequado para estar conversando com esses familiares.
Na verdade, isso é feito no corredor, na frente das salas da emergência. Mas a gente consegue de uma...de uma
maneira ou de outra, passar para os familiares o que está acontecendo, o que está sendo feito e na maioria das
vezes, eles não reclamam”, Ângela (CG)
Assim, como pudemos constatar a partir das falas de nossos entrevistados, Friedson
(1988 apud DESLANDES; PAIXÃO, 2006) considera a relação médico-paciente como um
“conflito latente entre perspectivas”, exaltando que o paciente nunca pode estar excluído da
relação.
A interação com o profissional é desenhada de acordo com sua cultura e suas
condições socioeconômicas. [...] o médico vê o paciente de acordo com a
especialidade que exerce, e pretende definir as formas de atendimento a serem
prestadas e o conteúdo de informações a serem fornecidas. Ele procura
catalogar o paciente de acordo com sua patologia, evitando assim qualquer
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individualização. Em contrapartida, o paciente entende sua doença em função
das exigências da sua vida cotidiana, dentro de seu próprio contexto cultural,
esperando que o médico aceite a sua definição e compreensão do problema.
Ele tenta obter o maior mero de esclarecimentos possível e busca tornar-se
singular e diferenciado para o profissional. (DESLANDES; PAIXÃO, 2006,
p.307)
Dificilmente a relação médico-paciente é de plena simetria. No entanto, pode estar
alicerçada na correção normativa (sentido habermasiano) que seria a
aceitação da alteridade, o reconhecimento do outro como legítimo, outro na
diferença. o se trata de acabar com a diferença [...] estabelecer uma relação
sem coação (ou com o mínimo possível de coação externa e interna) e de
permitir que os sujeitos da interação tenham plenas chances de emitir
enunciados regulativos, ou seja, de assumir compromissos e estabelecer
demandas. Trata-se ainda de reconhecer que os atos lingüísticos proferidos por
alter o corretos (justos) ou apropriados, porque se apóiam num contexto
normativo considerado legítimo, no qual se destaca o direito amplo à saúde.
(ARTMAMN; RIVERA, 2006, p.218)
No Pronto Socorro, as relações parecem se distanciar ainda mais da situação ideal
visto que, muitas vezes, o estado crítico de saúde dos pacientes impede até mesmo a
comunicação entre eles.
“Eu acho que assim, fica difícil a gente tentar ter um relacionamento com o paciente quando vo
não tem...quando ele chega inconsciente, fora...fica difícil. Com os familiares, procuro ter um relacionamento bom
com os familiares, porque aí, a gente fica responsável pelo paciente e dá todas as orientações, tanto para os pacientes
quanto para os familiares do que está acontecendo. Com relação ao paciente, eu acho que fica difícil quando ele
chega num nível de consciência que não é o apropriado. (...) Na emergência é um pouco mais complicado, porque a
coisa, a patologia que traz ele é agudo, é tudo muito rápido, então o paciente já fica um pouco, é...ou desconfiado ou
assustado. Então, a gente vai tentando acelerar o tratamento dele o quanto antes, às vezes, a gente até passa por
cima do conversar com ele, explicar para ele o que está acontecendo, mas a gente tenta sempre ficar atento em
relação a isso. Um pouco corrido a coisa lá, mas a gente tenta...”, Luciana.
Como citado anteriormente, Nogueira-Martins (2001) considera bastante comum nos
serviços de emergência e urgência relacionamentos com nenhuma participação dos doentes,
como nos casos de estado de coma e cirurgia, em que o médico tem que tomar decisões e
realizar procedimentos quando o pacientes está passivo ou cooperação moderada, como em
acometimentos agudos e acidentes, em que o paciente pode colaborar com o profissional.
Mas quando a situação permite, Ayres (2006) afirma que na cena do Cuidado não
deve haver apenas um sujeito (profissional de saúde) e um objeto (usuário ou comunidade), mas
sim dois sujeitos e um objeto mediador (riscos, dismorfias, disfunções, sofrimentos, etc.) e que
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independentemente de o convencermos ou sermos convencidos por ele, não podemos
desconsiderar um saber não-técnico, se queremos que a pessoa assistida participe de fato da ação
em curso (AYRES, 2006, p.69).
Considerar o paciente como sujeito, pode ainda ajudar o profissional de saúde a
compreender e aceitar a coexistência de percepções diferentes sobre a relação médico-paciente.
Como nos coloca Figueiras (2006) diante a uma paciente portadora de HIV que manifestava
o desejo de ser acolhida e compartilhar com o médico seus sentimentos e, da
parte do profissional, a preocupação em fazer exames, diagnosticar, prescrever
corretamente e esperar que a paciente cumprisse o prescrito. O resultado dessa
interação profissional-usuária foi, para a paciente, insatisfação; para o
profissional talvez até um êxito técnico, mas que ainda está longe do que seja
produzir saúde. (FIGUEIRAS, 2006, p.405)
Toda a abrangência da comunicação profissional-paciente
“A comunicação é processual, não se fecha, permanece em aberto, sempre permeável
à possibilidade de critica.” (ARTMAMN; RIVERA, 2006)
A fim de atingir o que consideram um relacionamento médico-paciente satisfatório e
diminuir a ansiedade dos doentes e familiares, nossos entrevistados referem contornar as
barreiras comunicacionais através da adequação de vocabulário, com uso de uma linguagem mais
simples e popular e da utilização de repetições e redundâncias para confirmar o entendimento das
mensagens.
“Eu sempre tento ter contato com o paciente e a família, explicando os termos de...os mais
é...adequados para cada situação, de cada classe social, tentar explicar o que está acontecendo para a própria
família, o próprio paciente entender a sua própria doença, porque senão nesse caso, eu vou ter um paciente que
tem uma dispnéia crônica e todo dia está no Pronto Socorro, por que? Porque alguém não ajudou o paciente,
porque ninguém orientou porque ele tem essa falta de ar, o que que ele deve fazer para melhorar, não é remédio,
não vai acontecer um milagre, né? E explicar para a família também, porque a família fica ansiosa com a doença
do paciente, né? Principalmente os terminais”, Luiza (CG)
“Eu nunca vou usar uma palavra que, às vezes, ele nem sabe o que que é. Então eu acho...sempre
no meu aprimoramento, eu fui muito treinada para isso, assim. A perceber a parte dele, ver a linguagem dele e
usar, mais ou menos, as mesmas palavras, né? Eu acho que assim...a gente sempre se deixar muito a disposição
para qualquer dúvida. Então assim, “quer perguntar alguma coisa?”, “o que a senhora não entendeu?”. Então
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eu acho que isso sempre foi muito fácil. Fácil, assim, mas sempre deu muito certo a comunicação, eu acho”,
Maria da Graça (PC)
“Então, chega lá, por exemplo, um paciente com gripe, eu vou falar para ele que ó ‘o PS da
UNESP é um local de atendimento de urgência e emergência de gravidade, tá? Complexidade terciária: infarto,
derrame, facada, tiro, acidente. Aqui não é local de atender gripe. não tem mais condições de ficar atendendo
essas patologias simples. Local de atender gripe é no posto de saúde ou então no Hospital Sorocabana’ ”, Antonio
Carlos (CG)
A adequação da linguagem a um repertório comum ao do receptor é necessária e
importante, principalmente na comunicação entre equipes de saúde e usuários em que o paciente
está debilitado e precisa ter confiança para expor seus problemas e tranqüilidade para entender o
que está acontecendo com ele. Artmann e Rivera (2006) propõem um modelo de comunicação
de vínculo mútuo com fluxo e influência recíprocos em que o
cuidador precisa do apoio do usuário para fundar seu diagnóstico e encaminhar
sua estratégia terapêutica, e a efetividade desta última passa por esse ajuste
lingüístico, orientado pela inteligibilidade e compreensibilidade das mensagens
veiculadas e pelo comprometimento do usuário com tal estratégia. Esse apoio
depende muito da capacidade do cuidador de suscitar confiança. Esta depende
da internalização da idéia, por parte do usuário de que o cuidador es
firmemente comprometido com o objetivo de apoiá-lo na resolução de seus
problemas de saúde. (ARTMAMN; RIVERA, 2006, p.210-211)
A comunicação interpessoal depende ainda do emissor ter condições de inverter os
papéis e passar a ser receptor, ou seja, ele (profissional) precisa desenvolver a capacidade de saber
escutar o que o outro (paciente) quer dizer, quer perguntar, quer entender. Ayres (2006)
estendendo o conceito de acolhimento, considera-o como qualidade de escuta, em que as
informações adicionadas fornecidas pelos pacientes não podem jamais ser considerados ruídos
comunicacionais.
“Se você tiver uma boa relação médico-paciente, se você conversar, se você ouvir, se você prestar
atenção, na maioria das vezes não dá confusão.”, Antonio Carlos (CG)
“Eu acho que isso é uma das coisas que eu vejo como falta de Humanização. Até a questão assim,
da gente não ter tempo para ouvir, sabe? Não precisa de tempo, sabe? Mas um saber ouvir aquele paciente.”,
Maria da Graça (PC)
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Para entender e descobrir o que paciente tem, um de nossos entrevistados vai além
do escutar o que doente está dizendo.
“Então assim, ao meu modo de ver é isso, é dar atenção, é ler nas entrelinhas, né? Porque, às vezes,
eles vem com uma queixa, mas atrás da queixa, na verdade, tem uma estória mais, mais forte.”, Ana Luiza
(PE)
A este escutar além, Henderson (1935 apud DESLANDES;PAIXÃO, 2006, p.306)
chamou de o verdadeiro mister da escuta médica, ou seja, “quando você fala com o paciente,
você deve ouvir, primeiro, o que ele deseja contar-lhe, em segundo lugar, o que ele não deseja
contar-lhe, em terceiro lugar, o que ele não pode contar-lhe”.
Apesar da maioria dos entrevistados citar apenas elementos da comunicação verbal,
um dos profissionais observou que a relação com o paciente e o fechamento do diagnóstico,
muitas vezes, vai além das palavras.
“Eu estou aqui no Pronto Socorro, tem que fazer diagnóstico. A gente está conversando aqui, mas
eu tenho que estar escutando o barulho que está fora. Criança não chega falando eu estou com dor disso, às
vezes, só chega com um choro gemido...Então, eu tenho que saber fazer esse diagnóstico (...) e ele sentadinho, né?”,
Ana Luiza (PE)
“Sexta-feira da semana passada, eu passando pelo corredor e aí, um residente nosso conversando com
a mãe de um paciente e eu peguei assim: ela falando...e eu olhei, nessa hora, eu olhei nos olhos dela porque eu
estava passando em frente assim, a família perguntando: ‘o que é que o meu filho tem?’. Ela olhando assim é
muito pesado, para mim, isso é, é o mais importante. E ele com um olhar muito frio: “eu não faço a mínima idéia
do que o seu filho tem”. Aí só. Então, nisso daí, eu esperei passar a situação e depois eu chamei. Pelo jeito que foi
dito, porque, na verdade, muitas vezes, a gente pode não saber o que o paciente tem, mas você tem maneiras e
maneiras de dizer, né? Imagine a família angustiada para saber o que é que tem e ‘eu não faço a nima idéia!’.
Mas, então, tá bom, eu não faço a mínima idéia, mas nós vamos estudar o caso, vamos ver...”, Ana Luiza (PE)
Roter e Hall (2002) também estão atentos para este encontro entre médico e
paciente, em que a comunicação extrapola a simples conversa e está presente nas expressões não-
verbais: validação com sorrisos e afirmações com a cabeça, caras de dor, rugas na testa de
desaprovação e voz mais aguda de ansiedade.
Revela-se ainda bem mais interessante e estimulante adotar uma postura
distanciada e compreensiva, que não pretenda olhar para as críticas e queixas
como intuito de avaliá-las, no sentido de julgar o certo e o errado, mas sim com
a preocupação de entender o que está por trás delas, isto é, de que fenômenos
imediatamente inacessíveis ao entendimento elas podem ser a expressão mais
visível e audível. (GIGLIO-JACQUEMOT, 2005, p.14)
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Echeverria (apud 1997 ARTMAMN;RIVERA, 2006, p.210) acrescenta que na
comunicação “mais importante que, ou tão importante quanto, o que o emissor afirma é o modo
como o receptor escuta essa afirmação, desde sua cultura. Assim, valoriza-se nessa relação o
papel do receptor”. Isto significaria ainda que
trazer o ‘texto’ pronto para controlar e agilizar o encontro, com a preocupação
de saber aonde a conversa vai dar, reprime a expressão espontânea do outro
(ou de ambos). Quanto mais livre o profissional estiver dos roteiros para coleta
de informações, de preconceitos sobre o que é certo e o que é errado para
tratar de tal ou qual ‘quadro clínico’ e para ter saúde, mais liberdade terão os
usuários para se expressar. Livres, exercitando a democracia, como afirma
Teixeira, a conversa poderá fluir sem receios de serem desqualificados.
(FIGUEIRAS, 2006, p.412)
Enxergar e praticar a comunicação como proposto acima parece distante da realidade
do cotidiano dos profissionais de saúde, mas encontramos na fala de um entrevistado uma
preocupação semelhante.
“Humanização para mim é você enxergar o paciente como uma pessoa, não como uma MI
(moléstia infecciosa) que está dando no paciente, é isso. A partir do momento que você conseguir reconhecer que
aquele paciente, ele tem a individualidade dele, que ele tem as limitações dele, não é porque está escrito no livro
que tem que ser aquilo e que tem que ser aquilo para todo mundo. Você tem que avaliar caso por caso, se aquilo
é possível ou não para aquela criança, para aquela família (fala pausada e marcada). Você, assim, conseguir
identificar as angústias, que a mãe a criança está passando naquela situação, conseguir oferecer um conforto, não
cobrar, porque é muito cômodo para o médico cobrar uma conduta perfeita da mãe, da criança frente a
situação”, Gabriela (PE)
A rotina dos serviços de emergência e urgência, muitas vezes, não permite um
encontro mais amplo com o paciente e o contato fica restrito a obtenção de informações para a
realização de procedimentos rápidos, que possam salvar uma vida. No pronto socorro não se
criam vínculos e talvez, não seja mesmo o espaço mais adequado para isto; afinal, o serviço foi
concebido para atender as enfermidades do acaso, que ninguém espera, que poucos conseguem
descrever e que a dor oprime. Em outras unidades de saúde, a criação do vínculo é imprescindível
para que o paciente retorne e continue o seu tratamento, e portanto, a comunicação nunca
deveria se concentrar apenas no profissional-emissor.
Quando se trata de buscar o sucesso prático de uma ação de saúde, não nos
basta ouvir os beneficiários, por mais atenta e paciente que seja essa escuta, se
o objetivo for apenas contornar o ‘ruído’ que pode interferir nos processos de
diagnósticos de situação e execução de uma intervenção. Qualquer resposta a
esse tipo de escuta girará sempre em torno do mesmo, eixo, otimizando, na
melhor das hipóteses, o monólogo técnico. Quando se admite reconstruir esse
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eixo, abrindo-se de fato a um diálogo, no qual a fala do outro não é qualificada
a partir de uma mesma referência, mas introduz novas referências que
redimensionam o que é preciso fazer, então novos objetos podem surgir, ou
novos aspectos do mesmo objetivo, pela presença do outro sujeito. (AYRES,
2006, p.72)
Em meio aos relatos focados apenas na efetividade da comunicação como meio de
evitar conflitos e fazer os pacientes entender as informações que eles desejam passar, um dos
profissionais ressaltou a importância do encontro, como momento de troca de experiências em
que não somente o paciente aprende, mas ele também.
“Aprendi muito conversando com eles, diminuindo essa coisa...essa distância que existe entre médico
e paciente que vem muito tempo. Então, é assumir agora que estamos em níveis iguais, né? Quando você
acentua essa parte da Humanização, você percebe que o tratamento vai muito melhor. E a gente ganha muito com
isso. (…) Não em termos de dinheiro, né, a gente ganha em experiência de vida.”, Luciana (IT)
O intercâmbio de vivências é um exemplo de situação em que todos os envolvidos
na comunicação saem ganhando, afinal “todo mundo sabe alguma coisa e ninguém sabe de tudo,
e a arte da conversa não é homogeneizar os sentidos fazendo desaparecer as divergências, mas
fazer emergir o sentido no ponto de convergência das diversidades” (TEIXEIRA apud
ARTMAMN; RIVERA, 2006, p.209); é dar ao outro o direito da fala e permitir a nós mesmos, o
viver e o sofrer através da experiência daquele.
Solange queria compartilhar suas aflições, falar de sua dor. Ela sabe que o
médico não pode fazer seu corpo voltar ao que era antes. Será que ele não
escuta porque acha que não tem respostas para tal sofrimento? Mal sabe ele
que escutar ajudaria muito. Será que o profissional não enxerga mesmo? Ou
priva a paciente de saber que ele enxerga, mas não consegue lidar com isso,
escondendo sua própria impotência? (FIGUEIRAS, 2006, p.406)
Explicação: um facilitador do relacionamento
Os profissionais ressaltam que informar e explicar corretamente aos pacientes sobre
como será o atendimento, a realização de exames, o tempo de espera, o diagnóstico e o
tratamento, evita frustrações e confusões com os usuários. No entanto, eles mesmos sabem desta
grande falha da comunicação entre o serviço e a população.
“A falta é de seriedade: “ó, o serviço é assim...esse exame demora ou esse serviço é de-va-gar. Vai
demorar quatro horas, se você quiser ir para casa, tomar um banho, sabe? Eu acho que falta esse tipo de
formação para o nosso médico. Falar exatamente o que está acontecendo, sabe? Não só a programação: “o senhor
vai fazer esse exame agora e vai demorar tanto tempo. Você quer esperar aqui ou quer esperar em casa?”, certo?
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Ou então assim, “veio resultado, nós não sabemos o que você tem. Você vai ser internado para investigar”, tá?
Então, essas coisas que eu acho que não é deixado claro e muitas vezes, a família e o doente fica muito inseguro”,
Lígia (DC)
“Melhorar as informações, melhorar o fluxo de atendimento, quer dizer, tudo isso, se você tivesse,
mesmo um paciente que chega e não é para ser atendido no Pronto Socorro da UNESP, se ele tivesse uma
informação adequada, não precisa ser de um médico, uma assistente social, qualquer profissional. Uma
informação adequada, educada, um folheto explicativo, ele ia sair contente, tá bom?”, Antonio Carlos (CG)
A falha na informação, segundo os profissionais, não se restringe apenas a
comunicação verbal, mas também a comunicação visual que poderia auxiliar o trânsito dos
usuários dentro do hospital.
“Primeiro é achar o lugar, né? Achar o lugar (sorri) que ele tem que vir. Para vir no Pronto Socorro
é fácil, mas se pegar esse paciente e falar: agora você vai abrir a sua ficha, vai abrir o seu prontuário, você vai fazer
isso, você vai fazer aquilo, você vai ter que ir na...radiologia, você vai ter que ir na enfermaria. É muito
complicado. Tem pouca sinalização nesse Hospital.”, Lígia (DC)
“O fluxo é extremamente caótico do Pronto Socorro, tá? As informações são muito mal passadas.
O paciente não sabe como se dirigir até raio-X, não sabe como pedir, colher exame. Quer dizer, bagunça total.
Falta organização lá no Pronto Socorro, tá?”, Antonio Carlos (CG)
A deficiência na comunicação pode ser ocasionada pela falta de responsabilização
médica, ou seja, ao fato dos médicos da instituição não se identificarem e responsabilizarem-se
pelo paciente.
“A gente fez um trabalhinho aqui na nossa enfermaria para saber qual era a angustia maior dos
pais e dos pacientes em relação a ficar internado aqui, né? E o que eles mais colocam é não saber o que eu tenho.
E por que você não sabe o que você tem? Por que o médico não falou ou por que o médico também não sabe? Na
maioria das vezes, não teve um médico que ele identificou como é o meu médico e ele me deu retorno do que eu
tenho ou não. Então, isso daí é que fica muito complicado em relação a relação médico-paciente aqui”, Ana
Luiza (PE)
A quantidade de informação quanto ao diagnóstico, as causas e desenvolvimento da
doença e às possibilidades de tratamento facilita o relacionamento médico-paciente. A maior
quantidade de informação dada pelo médico é para o paciente sinônimo de maior simpatia ou
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preocupação com ele. Assim, dois valores poderiam funcionar simultaneamente: a informação
médica fornecida e o caráter humano e envolvido do médico (ROTER; HALL, 2002).
Em pesquisa realizada no Canadá, Watt e Wertzler (2005) constataram que os
pacientes esperavam que os profissionais os tratassem como indivíduos, escutassem as suas
preocupações e reafirmassem-lhes que tudo daria certo. Eles queriam também ser
freqüentemente atualizados sobre cada etapa de sua passagem pelo serviço de emergência,
incluindo explicações sobre atrasos, investigações, resultados e tratamentos. Alguns relataram que
a comunicação e comportamento da equipe eram inadequados, pois eles se sentiam ignorados e
achavam que os profissionais ficavam “passeando” e conversando entre si. Um participante disse
ainda que, para ele, aquela situação era nova e por isso podia deixá-lo nervoso e necessitado de
explicações e pediu um pouco de empatia por parte dos profissionais de saúde.
Como sugestão para melhoria da comunicação, um de nossos entrevistado se
lembrou do tempo em que havia um serviço telefônico de apoio e informação no Pronto Socorro
e sugeriu a sua volta para melhoria da comunicação com os usuários do serviço.
“Eu acho que a gente precisa de um serviço de informação. Alguém que informasse as coisas para
os pacientes. Porque o paciente tem dúvida: se a especialidade dele atendendo, se chamaram, aonde ele vai,
aonde é o raio-X, aonde que...colheu o exame, quanto tempo demora? Se o exame ficou pronto? Senão ficou
pronto? Onde é o ônibus? Às vezes, a gente está indo para o Acolhimento e a gente é que faz esse papel. É,
então...Aonde é a triagem? Onde está o bloco? Eles não sabem. E a gente não tem ninguém no Pronto Socorro
que faça isso. Cada um faz um pouquinho. Mas não tem um serviço que faça isso. Até tinha, chamava...ficava
na sala do acolhimento...serviço de informação do pronto socorro. Mas acabou, não tem”, Teresa (CG)
Morte: a principal dificuldade do relacionamento
Em nosso meio, as necessidades pessoais e sociais do paciente são,
especialmente nos serviços públicos, fonte de angústia e de confusão para os
profissionais, que habitualmente terminam por considerar esses elementos
(tanto o contexto psicossocial do paciente como os sentimentos do
profissional) como complicações que atrapalham o raciocínio técnico (o
diagnostico, a terapêutica). Um das causas desse fenômeno é a formação dos
profissionais da saúde que, enquanto restrita ao modelo biomédico, encontra-
se impossibilitada de considerar a experiência do sofrimento como integrante
da sua relação profissional (NOGUEIRA-MARTINS, 2006, p.143)
Como disse um dos entrevistados, o Pronto Socorro é um local onde “você pega a coisa
na hora em que ela está acontecendo”, onde a carga emocional é muito grande. Isto implica em lidar
com situações difíceis como a dor e a angústia dos pacientes e familiares e cabe ao profissional de
saúde contornar esta situação, já que
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Se o profissional pode conter o excesso de ansiedade que o cliente não
consegue enfrentar nesse momento (Menzies, 1970), proporcionará alívio e
dará oportunidade a que surjam os aspectos mais maduros do cliente e a que
este recobre a capacidade (diferente para cada indivíduo) de compreender,
elaborar e finalmente integrar a situação dolorosa. (NOGUEIRA-MARTINS,
2001, p.42)
“A experiência que a gente tem, não é uma coisa que nos traz tanta...tanto desespero ou tanta
angústia, assim. Porque primeiro, a gente estabiliza o paciente. A partir do momento que a gente estabiliza o
paciente, a gente vai conversar com os familiares. O problema com os familiares, naquela aflição que eles tão, eles
não tem...é a paciência de aguardar as informações que....o que é que está acontecendo, o diagnóstico, entendeu?
Então, eles ficam querendo entrar na sala com a gente, enquanto a gente está atendendo o caso, o paciente. Então,
fica meio complicado em relação a isso. Depois que, se segue essa ordem, se os familiares colaboram é mais fácil.
Agora quando os familiares, que é a maioria dos casos, quando os familiares estão todos desesperados fora e
querem saber o que está acontecendo, eles chegam a invadir a sala, chegam a atrapalhar um pouco. O atendimento
do paciente fica mais complicado, nem tanto por nós, mas pelos familiares.”, Luciana (IT)
Para atravessar esses momentos de tensão, os profissionais de saúde acabam se
distanciando dos pacientes, centrando-se no modelo biomédico e desenvolvendo um mecanismo
de defesa, que consiste em
mecanismos coletivos de defesa que podem se expressar, por exemplo, quando
o profissional procura evitar um contato pessoal com os pacientes, refugiando-
se nos procedimento prescritos. Associar-se-iam a ele regras e valores criados
pelos próprios trabalhadores que explicariam e definiriam, comportamentos
adequados e inadequados, cumprindo o papel de uma ideologia da profissão.
(LACAZ; SATO, 2006, p.118-119)
Em muitas ocasiões, talvez o profissional de saúde tenha conseguido desenvolver
este distanciamento e frieza frente ao padecimento dos pacientes. No entanto, o momento da
morte ainda lhes afeta e desequilibra e põe em questionamento o seu poder de cura. Quando um
paciente sucumbe, é a morte quem vence.
“A gente vai sendo obrigado a lidar. (...) o seu superior vai falar para você, agora é sua vez de
falar para a família. Então, você fica diante da situação, né? E trabalha com ela. Acho que para nós, no
inconsciente, fica aquele negócio de ser médico é ser totipotente. Então, é aquela sensação de perda que, às vezes, a
gente não sabe lidar, né? Mas, não é por isso não. É pela compaixão da família de ver a perda mesmo. Eu
acho que a gente não é preparado. Eu cada vez que eu perco, eu transfiro isso para a minha vida pessoal, família,
filhos, né? Então eu acho que é muito dolorido. Eu acho que na graduação, a gente não tem uma preparação
exata para isso, para esse tipo de coisa. E eu também acho que a gente nunca vai estar. (...) a gente vai esperando
pela vida, né?”, Ana Luiza (PE)
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Embora a morte seja uma das únicas certezas da vida, ninguém está preparado para
lidar com ela. Mesmo trabalhando no Pronto Socorro há bastante tempo e tendo enfrentado esta
situação diversas vezes, segundo os entrevistados, o comunicado do falecimento de um paciente
nunca é um momento fácil e na unidade, é ainda mais difícil pois o motivo que trouxe o paciente
para o serviço, muitas vezes, é um mal súbito, um acidente, um infortúnio.
“O momento da morte. Eu acho que quando a gente perde um paciente, é muito complicado
explicar isso para a família. Quando é um doente crônico, ainda a família vem aceitando isso
progressivamente, a gente consegue mais ou menos...a família consegue antever e a gente consegue chegar mais fácil.
Mas o paciente que chega aqui abruptamente e morre, sem uma patologia prévia, seja por um acidente, por uma
aspiração pulmonar, aí é difícil. Acho que para mim, é o momento mais difícil, de verdade”, Ana Luiza (PE)
“O outro extremo é o paciente que foi a óbito e você tem que falar com a família e é grande
dificuldade também, tá? Por causa da comoção, tudo...da emoção envolvida, tudo...nesse aspecto da morte, tudo”,
Antonio Carlos (CG)
“Muitas vezes aconteceu um acidente grave com a criança, a criança chega num estado muito mal
aqui e a mãe está desesperada, o pai está desesperado, o vizinho está desesperado e chega todo mundo gritando,
chorando, aí, a gente tem um pouco de dificuldade notícia de óbito, às vezes, a criança chega morta ou morre
aqui no Pronto Socorro. Essa parte eu acho que a gente tem muita dificuldade em lidar com isso”, Gabriela
(PE)
“O familiar recebe um diagnóstico, que alguém que estava super bem morreu, sabe? O que você vai
fazer com a dor daquela pessoa? Que nem no caso de acidente. A pessoa veio para cá. Eu atendi pessoa que
perdeu a família inteira. Então assim, eu acho que é uma coisa difícil porque você pega a coisa na hora que ela
está acontecendo. Não depois que aconteceu. Então, isso tem uma carga emocional muito grande, aqui no PS.
Isso sim, é uma coisa assim que eu acho que é difícil”, Maria da Graça (PC)
Pode-se dizer que uma coisa é encarar a morte como algo “inscrito
necessariamente no destino dos homens em geral” (RODRIGUES, 2006, p.17); outra, é ter que
dar a notícia da morte de um paciente a seus familiares. Rodrigues (2006) discute que falar
cientificamente da morte “é considerá-la como objeto, e logo, pô-la à distância” (RODRIGUES,
2006, p.11). Assim, foi possível perceber nesta pesquisa, a grande dificuldade dos profissionais
em lidar com a morte e uma grande angústia diante da situação de comunicá-la aos familiares do
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paciente. Alguns entrevistados, levantaram que não se sentiam preparados para lidar com essa
circunstância, apontando inclusive a necessidade de uma abordagem qualificada da mesma na
formação profissional. De alguma forma, transpareceu que a morte do outro evoca nos
profissionais um sentimento que os faz pensar nos seus limites.
D. Pronto Socorro: espaço de trabalho e local de ensino
Nossos entrevistados descrevem o pronto socorro como local onde as coisas
acontecem, sem rotina e sempre cheio de coisas a serem feitas; e, portanto, um lugar, muitas
vezes, difícil de se trabalhar.
“Por excelência, assim, o pronto socorro não tem rotina, porque é sempre um dia novo. Pode ser
que não nada e a gente atenda... e uma operação. E pode ser que a gente fique na sala de emergência dia
inteirinho atendendo caso, então a gente não tem uma rotina”, Teresa (CG)
“Que nem no caso de acidente. A pessoa veio para cá. Eu atendi pessoa que perdeu a família
inteira. Então assim, eu acho que é uma coisa difícil porque você pega a coisa na hora que ela está acontecendo.
Não depois que aconteceu. Então, isso tem uma carga emocional muito grande, aqui no PS. Isso sim, é uma
coisa assim que eu acho que é difícil”, Maria da Graça (PC)
“Tem dia que eu não consigo, eu saio daqui com a sensação de “eu não dei conta de tudo hoje”, né?
Ainda fica ficha para atender, ainda fica exame para checar, ainda...eu deixo um pouco para a próximo que vai
entrar. O que é assim, uma coisa que faz parte da rotina do Pronto Socorro que não pára mesmo, né?”,
Gabriela (PE)
Especificamente sobre o PS do HC-FMB e como citado anteriormente pelos
profissionais, a unidade apresenta diversos aspectos negativos como a falta de estrutura física, o
grande volume de pacientes e o desprestígio da unidade frente a outras áreas do hospital.
“No sentido que, a estrutura física limita muita gente e, é aquilo que eu falei. Os familiares, às
vezes, preferem que o cara fique na maca em condições sub-humanas do que levar, tentar transferir para outro
serviço. Só que isso deixa muitos pacientes em condições sub-humanas”, Ângela (CG)
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“Então, o que eu vejo, tem muitos diretores com boas intenções, mas a grande parte deles, acaba
privilegiando aquelas unidades que estão ligadas a ele. Então, como o Pronto Socorro nunca está ligado a
ninguém, então, fica sempre em segundo, terceiro plano”, Lígia (DC)
Apesar de todas as deficiências, o Pronto Socorro do HC-FMB dispõe, segundo os
entrevistados, de equipe de retaguarda para auxiliar no diagnóstico e tratamento dos pacientes e
de tecnologia de equipamentos para a realização de exames que não estão disponíveis em muitos
outros serviços como as próprias unidades básicas de saúde.
“O Pronto Socorro é o pronto de socorro de referência da região. Na nossa região, é o melhor
Pronto Socorro para se trabalhar. A gente tem todo um suporte de especialidades, de exames, de retaguarda, que
a gente não tem em outro lugar na nossa região”, Teresa (CG)
“Eles sabem que os profissionais aqui são bem atualizados, eles são bons profissionais, é...então
isso faz com que eles procurem e também a retaguarda que nós temos, né? Não em termos cirúrgicos, né? É o
que a gente tem disponível em termos de exame diagnóstico de imagem...então, a gente tem uma retaguarda muito
melhor do que os outros serviços lá fora”, Luciana (IT)
A valorização do ambiente de trabalho pelos seus profissionais não é uma
peculiaridade do PS do HC-FMB. Deslandes (2002) ao estudar dois serviços públicos de urgência
e emergência no Rio de Janeiro notou que
apesar das dificuldades, vividas diariamente nos dois serviços pesquisados,
um forte consenso entre os profissionais de que a emergência do hospital
público é a melhor opção, e em muito superior aos serviços privados, para
aqueles que precisam de atendimento genuíno de emergência (a rigor, na
prática, os que estão em risco de vida). (DESLANDES, 2002, p.66)
1. Ser profissional de saúde no Pronto Socorro
Segundo Nogueira (1987 apud DESLANDES, 2002), a divisão do trabalho em saúde
ainda possui características manufatureiras como a produtividade dependente do conhecimento e
destreza do trabalhador e a divisão do trabalho como forma de diminuir custos. Para Friedson
(1970 apud DESLANDES, 2002), o controle do médico é evidente, pois ele detém o domínio do
próprio trabalho e o das outras categorias profissionais, estabelecendo uma ordem hierárquica no
trabalho em saúde, que
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reflete a origem social desses trabalhadores, reproduzindo, na organização do
trabalho hospitalar, as relações de desigualdade e dominação da sociedade.
Desse modo, no interior da divisão do trabalho hospitalar, uma separação
radical entre o trabalho de concepção e de execução das tarefas.
(DESLANDES, 2002, p.49).
Assim, nesta conformação moderna da organização hospitalar, Foucault (1979)
apresenta o médico como centralizador hegemônico do saber e poder.
É o médico quem decide sobre o diagnóstico, sobre a necessidade de exames
complementares, sobre a terapêutica, sobre o uso dos equipamentos de
tecnologia de ponta, sobre a internação e alta hospitalar. É ele que pode delegar
partes do trabalho assistencial a outro trabalhadores (que, embora também
tenham relativa autonomia, dependem do trabalho médico), especialmente
àqueles de nível médio ou elementar. (DESLANDES, 2002, p.49)
Em nossas entrevistas, as falas dos médicos não demonstraram uma super
valorização de sua profissão frente aos outros profissionais do pronto socorro. O que pudemos
notar foi um descontentamento com trabalho em equipe e uma queixa da falta de
companheirismo.
““Eu acho que a gente não tem uma unidade, a gente não tem um grupo coeso. Assim, a gente tem
vários grupos: os médicos, a enfermagem, os residentes. Mas um grupo briga com o outro. Invés de trabalhar em
pró-doente, eles brigam entre si. O que é muito ruim! Então é aquela história do: ‘pega a maca para mim?
Ah, não isso não é a minha função’. É função de qualquer um que estiver passando e tiver condições de pegar a
maca. Entendeu? Mas, não, isso não é a minha função. É...eu acho que esse é o grande desafio, unir e...deixar
no Pronto Socorro, pessoas que gostem, porque a gente ia ter um Pronto Socorro bom. Eu venho aqui porque
eu gosto de trabalhar aqui. Ia ser assim muito bom! O meu ideal seria fazer isso, um Pronto Socorro onde todo
mundo gostasse de trabalhar”, Teresa (CG)
“Falta de respeito...funcionários eu estou dizendo tudo: auxiliares de enfermeiros, os enfermeiros, os
técnicos, os dicos, os residentes, os alunos...todo mundo, todos nós. Eu acho que tem muita falta de respeito,
falta de coleguismo e falta de ética. Mó egoísmo grande, na verdade...de todo mundo”, Ângela (CG)
Segundo Figueiras (2006), o trabalho fragmentado, a ausência de diálogo e a falta de
integração das equipes multidisciplinares como destacados por nossos entrevistados, colaboram
para que “os trabalhadores da saúde percam a noção do processo de atenção que o paciente vive
dentro da unidade e desconheçam o resultado final da ação de saúde desenvolvida pelo serviço
como um todo”. (FIGUEIRAS, 2006, p.407).
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Fragmentação do cuidado e responsabilização
Embora a organização hospitalar seja centrada no médico, como argumenta
Foucault, a medicina tecnológica fragmentou o atendimento médico, pois os novos
equipamentos exigem profissionais com conhecimentos cada vez mais específicos, o que ainda
criou a necessidade de cooperação entre médicos de diferentes especialidades; e, dilui as
responsabilidades.
A colaboração de outras áreas especializadas do Hospital Clínicas no atendimento
dos pacientes do Pronto Socorro é um dos diferenciais do serviço. No entanto, os entrevistados
demonstram um descontentamento quanto à demora da especialidade clínica em atender o
paciente ou em providenciar a sua internação. Uma vez que o doente é examinado pelo
especialista e é constatada a pertinência de seu caso, ele passa a ser de responsabilidade da
determinada área clínica , ou seja, não pertence mais ao Pronto Socorro, que foi responsável
apenas pela estabilização de seu quadro.
“Às vezes, eles precisam e não tem espaço físico, aí, isso passa a ser um problema da especialidade.
Enquanto eles estiverem aqui no Pronto Socorro, se tiver alguma intercorrência, a gente ajuda, tudo. Mas internar
e arrumar algum lugar para ele ficar, é responsabillidade do serviço que vai internar esse paciente. Isso porque nós,
não temos autonomia nenhuma para internar. O hospital não permite que nós daqui da frente aqui, internamos,
tá?”, Ângela (CG)
“Então, eu dou um atendimento lá e nunca mais vejo o paciente. Então, isso aí me gera
insatisfação. Chegar um paciente que com dor e eu tirar a dor dele, tudo bem é satisfatório. Mas seria um
milhão de vezes, mais satisfatório se eu pudesse continuar investigando o porquê dessa dor dele. (…) Eu não posso
internar para mim, eu tenho que abrir para a Clínica Médica. Minha satisfação acaba...”, Antonio Carlos
(CG)
Os discursos acima tornam evidentes a insatisfação dos médicos do pronto socorro
em depender das especialidades, principalmente, por verem interrompido o atendimento prestado
inicialmente, o que reflete nas poucas possibilidades que eles têm de se sentir como parte do todo
no processo de trabalho.
Geralmente, o trabalho em emergência é segmentado pelo sistema de plantões,
pela divisão horizontal do atendimento segundo as especialidades. Quem
início ao atendimento de um paciente, via de regra não o acompanha até o fim,
desconhecendo o desfecho da assistência prestada. Nas situações graves, de
risco de vida, a primeira intervenção cria a idéia de atendimento que se
completa, seja com a sobrevivência seja com a morte do paciente.
(DESLANDES, 2002, p.72)
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Assim, os médicos do pronto socorro ficam sem saber o resultado de seus
procedimentos e sofrem de um efeito de alienação, semelhante a do trabalhador parcializado que
tem os seus conhecimentos e práticas igualmente parcelados. (DESLANDES, 2002)
Por questões administrativas, o atendimento fragmentado gera ainda a ausência de
responsáveis pelo doente, visto que o médico do pronto socorro pode prestar o primeiro
atendimento e não lhe é permitido acompanhar o paciente até o desfecho de seu tratamento.
“O Pronto Socorro não tem regras de Pronto Socorro! (...) Aqui cada especialidade é dona do seu
próprio paciente. O doente chegou aqui com uma dor na barriga e é uma apendicite. Eu abri a ficha para gastro-
cirurgia, o paciente não é mais meu, ele é da cirurgia. Aí, chega um trauma. Ele tem uma lesão no pulmão, uma
lesão no rim, uma lesão no estômago, por exemplo, e um da vascular. Ele é da Gastro, da Uro, da Ortopedia e da
Vascular. Cachorro cheio de dono, morre de fome, né?”, Teresa (CG)
Rollo (1997) discutindo a possibilidade de construção de novas práticas assistenciais
em hospitais públicos no Brasil chama a atenção de que muitas vezes “o doente de todos é de
todos e não de ninguém, é de um ser abstrato chamado instituição ou hospital” (ROLLO, 1997,
p.323). Para o autor, os profissionais de saúde não têm se responsabilizado pelos pacientes e são
responsáveis somente pelos procedimentos que realizam, “fragmentando o processo terapêutico
e dificultando a definição do responsável pelo acompanhamento integral do doente, bem como
da articulação das várias ações necessárias para a recuperação deste” (ROLLO, 1997, p.324). Cita
ainda que no pronto socorro caberia ao médico e ao profissional de enfermagem que realizaram o
primeiro atendimento, responsabilizarem-se pelo paciente até a resolução ou encaminhamento do
caso.
A impossibilidade de ser o único responsável pelo doente afeta ainda a imagem
romântica do médico como cuidador exclusivo e de confiança do paciente e seus familiares.
“Eu acho que é um hospital onde as pessoas não tem um responsável pelo paciente. É um hospital
das Clínicas da UNESP. Então tipo, um paciente fala assim, você faz tratamento com quem? Eu faço
tratamento em Rubião. Você não faz tratamento com o senhor fulano de tal. Se deu alguma coisa, se deu alguma
coisa de errada, foi Rubião que fez. Não foi o senhor doutor fulano de tal que fez alguma coisa certa, alguma coisa
errada ou então é a equipe da neuro, a equipe da gastro, a equipe de não sei o quê. Então eu acho assim, apesar de
ser um hospital aberto, que acolhe muito as pessoas de um modo geral, eu acho que falta um pouco da identidade de
quem está tratando, da responsabilidade mesmo. Sou eu que sou o responsável, sou eu quem sou o médico, fui eu
que fiz isso, isso e isso. Acho que se esconde um pouco por trás do doutor Rubião, da equipe tal, é porque funciona
assim as coisas”, Gabriela (PE)
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No Pronto Socorro do HC-FMB, assim como em outras instituições públicas, muitas
vezes, seus funcionários não se destacam individualmente frente aos usuários. Sempre é o serviço
e as atividades realizadas que são referências para a população que, de modo geral, não
responsabiliza os profissionais pelo atendimento e sim, a instituição por seu funcionamento,
estrutura e burocratização. Esta ausência de vínculo de responsabilidade é apontada em nossa
pesquisa e associada à dificuldade da identidade dica, ou seja, a falta de individualidade dos
profissionais, que gostariam de ser vistos como únicos e exclusivos frente aos pacientes e não
apenas identificados como pertencentes à classe médica. A individualização talvez seja uma
necessidade humana, pois tanto pacientes como médicos desejam ser únicos e especiais.
O desgaste profissional
Deslandes (2002) citando Dejours (1999) identifica como causas do sofrimento
profissional: a “pressão por trabalhar mal”, que se resume na situação em que o trabalhador tem
conhecimento e competência para realizar a ação, mas não pode fazê-la por falta de condições
técnicas e sociais disponíveis; a “falta de esperança de reconhecimento”, ou seja, nem todo
trabalho realizado com esforço e investimento pessoal é reconhecido; e, ainda as condições
insatisfatórias de trabalho e o receio de ser culpado juridicamente diante de um atendimento
precário.
“O Pronto Socorro, na verdade ele tem uma cultura na história da faculdade, que ele é lugar de
castigo. Então, aqui ficam os profissionais que não conseguiram emprego ou que não se deram bem em outros
lugares. Então, os auxiliares de enfermagem...os técnicos de enfermagem que tiveram problemas em outros lugares,
como castigo eles vêm para o Pronto Socorro. E os médicos que estão aqui, são porque não conseguiram emprego em
outros lugares na visão do hospital. Então, uma coisa meio...sei lá...Então, o hospital não valoriza o Pronto
Socorro. O funcionário que trabalha aqui não se sente valorizado, não se sente respeitado. A gente não tem um
plano de carreira para seguir. Ganha mal, vive na guerra. É difícil, né? E não tem apoio psicológico nenhum”,
Ângela (CG)
A pressão por trabalhar mal” é facilmente percebida ao longo de nossa pesquisa
quando os entrevistados se queixam sobre a falta de estrutura física do Pronto Socorro. Já a “falta
de esperança de reconhecimento”, desponta no momento em que perguntamos a eles sobre
satisfação profissional. O papel da FMB e suas responsabilidades e prioridades em relação ao
ensino, à pesquisa e à assistência médica é questionada por alguns entrevistados.
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“A universidade é pesquisa, ensino e extensão. Quem faz pesquisa, pesquisa, se recusa a fazer
ensino e extensão; e, é quem ganha tudo. E quem faz, assistência que hoje em dia está muito difícil e ensino, não é
ninguém. Então...a gente passa a duvidar um pouco dos valores da universidade, né?”, Ângela.
Em nosso sistema de ensino superior, reconhecemos que a promoção dos
professores das escolas médicas, ao menos nas universidades públicas, está bastante vinculada à
pesquisa, que goza de maior prestígio em relação ao professor de graduação médica. Em outras
palavras, admite-se que a dedicação ao ensino pode ficar em segundo plano, dada a enorme
pressão sobre o professor da escola médica, do qual é esperado um bom desempenho em tantas
áreas de atividade (CYRINO, 2002). O mesmo fato ocorre enquanto uma desvalorização da
prática assistencial, o que se traduz, em muito do ensino prático ligado ao atendimento a
pacientes passou a ser de responsabilidade dos médicos contratados, como no caso do Pronto
Socorro. Os médicos, por sua vez, sentem-se explorados e desprestigiados, pois a instituição os
contrata e remunera de acordo apenas com a prestação de serviço assistencial. Embora, os
entrevistados tenham se mostrado bastante realizados em ensinar e acompanhar os alunos e
residentes, o descontentamento pela falta de apoio dado a eles é nítido.
Para Deslandes (2002), o reconhecimento não é uma reivindicação secundária dos
que trabalham; muito pelo contrário, é decisiva na dinâmica de mobilização subjetiva da
inteligência e da personalidade no trabalho. Além dos fatores subjetivos da motivação, em nossa
pesquisa, pudemos perceber também a falta de uma perspectiva de crescimento profissional e
remuneração salarial inadequada.
“Eu não tenho plano de carreira. Eu não tenho um incremento salarial por trabalhar no Pronto
Socorro, né? É...eu ganho menos do que os médicos que trabalham em Bauru e exercem a mesma função. Não
tenho reconhecimento nenhum dentro da instituição. Sou uma médica do Pronto Socorro, é só.”, Luiza (CG)
“Tem período que nós estamos trabalhando em quatro, tem períodos que nós estamos trabalhando
em três. Ali não tem condições de fazer as coisas adequadamente, não tem. E o que acontece é o seguinte, o nosso
salário é o mesmo que o de qualquer médico do Hospital. Aquele médico do Hospital que é pago para fazer
atendimento ambulatorial que é muito mais tranqüilo, ganha o mesmo salário que a gente, então, o que está
acontecendo já faz alguns anos? A procura pelo PS está sendo cada vez menor, tá? Então teve um concurso aí, que
as vagas não foram todas preenchidas, tá? Por que? Qual é o atrativo? Deveria ter um atrativo. “Ah, tudo bem,
eu trabalho no PS, é um trabalho estressante, mas eu ganho um salário melhor!”. Nem isso tem! Então ninguém
presta! Ninguém vai!”, Antonio Carlos (CG)
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“Olha a situação: a gente ganha mal, todos nós prestamos concursos para urgência e emergência.
Além disso, a gente faz triagem, a gente faz posto de saúde, a gente faz ensino e nenhum de nós é pago para isso!
Não temos perspectiva nenhuma de carreira, de ganho salarial em cima disso...”, Ângela (CG)
A falta de reconhecimento profissional também tem como referencial a remuneração
financeira, que os profissionais analisam que o longo investimento exigido para a formação
médica não é reconhecido no valor dos salários pagos. Vêem-se obrigados a multiplicar suas
jornadas em vários empregos, seja na rede pública, privada ou em consultórios (DESLANDES,
2002).
“Então, eu acho que se eu ganhasse melhor do que eu ganho hoje, eu não estaria dando plantão, eu
cansaria menos. E se eu for parar para pensar, a maior parte do nosso salário, vem do plantão. (...) Eu estou
nesse pique de 16 plantões por mês, faz três anos. Todo mês eu tenho um final de semana livre só. O resto eu
trabalhando, trabalhando...”, Luciana (IT)
“Se eu conseguisse ficar pelo menos meio período na faculdade, eu não tenho vontade nenhuma de
sair daqui, seja como médica, seja como docente, né? E meio período, ou completar o período inteiro aqui na
faculdade ou preenchê-lo no consultório, se fosse bem. (...) Eu queria parar de viajar, porque eu trabalho em
Bauru também e cansa ficar viajando, viajando. Então se eu tivesse um serviço aqui em Botucatu que não
precisasse ficar viajando, eu já estaria contente”, Gabriela (PE)
Longas e extenuantes jornadas de trabalho, ritmo acelerado, poucas pausas de
descanso ao longo do dia e grande responsabilidade a cada procedimento são características do
pronto socorro que comumente desencadeiam o sofrimento psíquico dos profissionais de saúde.
“Sentimentos de frustração, depressão, angústia e perda de confiança advindos dessa realidade
contribuem para a insatisfação com o trabalho realizado” (LACAZ; SATO, 2006, p.118).
“Eu chego aqui, tem um monte de aluno aqui, esperando eu para checar um casinho que eles estão
esperando para checar, tem residente esperando para a gente checar para dar conduta. Quando a gente acaba de
resolver o problema de um, tem dois, três esperando para resolver problema do outro. Não nem tempo de ir
ao banheiro fazer xixi, entre aspas. É chegar e ir batidão até a hora de ir embora”, Gabriela (PE)
A pressão constante para tomadas de decisões rápidas e essenciais para o
atendimento de emergência e o desgaste de triar pacientes e servir como “barreira entre usuários
e organização” sobrecarregam e estressam ainda mais estes profissionais do pronto socorro.
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“Eu acho que os médicos, eles assim...é, é muito pesado o trabalho, né? Que nem eu te falei, a
gente chega aqui, vem um monte de gente em cima de mim, perguntando o que eu tenho que fazer, o que eu tenho
que fazer. A gente tem que tomar conduta tudo muito rápido, a gente não pode errar porque se a gente errar o
aluno...uma que o aluno, sai falando: “como que o professor não sabe”, né? E outro, porque acaba repercutindo
para o paciente também. Então, a gente tem que ter uma margem de erro muito pequena e tudo isso vai
fazendo pressão, a gente fica sem beber água o dia inteiro”, Gabriela (PE)
“Você pega pacientes agressivos, familiares agressivos, você corre o risco de ser agredido. Corre risco
de ter seu carro riscado, tá certo? Você é tratado de uma maneira estressante e você não tem amparo da instituição.
Você não tem um quarto de repouso adequado. Você não tem um período de descanso adequado. Você não tem
uma remuneração adequada, você entendeu?”, Antonio Carlos (CG)
“Porque eu acho que a gente vai ficar anos e anos explicando e a gente vai passar anos e anos
recebendo esses pacientes aqui. Porque ele vai no posto de saúde e aí o médico do posto fala assim: “o seu caso não é
daqui, você tem que ir para a UNESP!”. Aí, ele vem aqui armado. Aí, ele vem aqui e fala: “mas o médico,
Dr. João, falou que eu tenho que vir aqui na UNESP”. Por que ele acredita mais no “Dr. João” do que em mim
que tá aqui. Então...ele acredita porque é melhor para ele, porque é mais conveniente. Mas isso sempre vai
acontecer.”, Teresa (CG)
Os próprios entrevistados relatam que a sobrecarga de trabalho do pronto socorro
altera a ordem mental, psíquica e física dos profissionais da unidade.
“Eu não sei se você sabe mais o Pronto Socorro tem o maior índice de afastamento, né? Por
problemas de saúde, ou por problemas de coluna ou por problemas de saúde mental. É o local onde tem o maior
índice de afastamento no hospital. Se você andar por aí, todo dia você vai encontrar alguém chorando por aí”,
Ângela (CG)
Em atividades com um alto grau de relacionamento interpessoal como o atendimento a
pacientes, o esgotamento profissional é denominado de síndrome do burnout. O termo em si,
segundo Pereira (2002, p.21) seria “uma metáfora para significar aquilo, ou aquele, que chegou ao
seu limite e, por falta de energia, não tem mais condições de desempenho físico ou mental”.
Um profissional que está em burning out tem pouca energia para as diferentes
solicitações de seu trabalho, desenvolve frieza e indiferença para com as
necessidades e o sofrimento dos outros, tem sentimentos de decepção e
frustração e comprometimento da auto-estima. (NOGUEIRA-MARTINS,
2006, p.145)
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“Não dá para culpar também. A maioria que tá tudo aqui, tem dois, três empregos. Vira a noite
trabalhando, porque a remuneração é muito baixa e a gente fica batendo nos mesmos problemas, e os problemas
não se resolvem. Acaba desiludindo mesmo. A gente tem que tentar vencer esse desânimo, essa desilusão e
sempre renovando a iniciativa de estar continuando. E passando pra eles (aponta para os internos e residente)
ainda isso, esse ânimo!”, Ângela (CG)
“A gente dá muito plantão. A causa da minha depressão no ano passado foi devido a quantidade
de plantão que eu dou. Foi excesso de trabalho. Eu largando uns plantões aqui, uns plantões ali”, Luciana
(IT)
A tomada de decisão de nossa entrevistada em diminuir o ritmo de trabalho, ou seja,
de aceitar suas capacidades e limites pode auxiliá-la a contornar o seu estresse profissional e a
recuperar a sua vitalidade e disposição. Segundo Sucupira (2005), a satisfação da clientela no
acolhimento depende da satisfação dos profissionais no exercício do seu trabalho. Por isso,
torna-se importante “ouvir também o profissional nas suas necessidades e desejos, observando os
direitos e deveres dos profissionais e da clientela, identificando a relação dialética que se
estabelece entre esses direitos e deveres”. (SUCUPIRA, 2005, p.32)
“Se o médico que está estressado, está nervoso, sem dormir, tá com fome, ele não vai ter paciência
para escutar o paciente reclamar que está demorando para atender. E não tem mesmo. Então, precisa sem dúvida
nenhuma, primeiro ter um acolhimento, uma humanização para os funcionários para eles estarem preparados para
oferecer isso para o paciente. Se ele não tiver, ele não vai ter da onde tirar”, Gabriela (PE)
Cuidar do cuidador, do sofrimento psíquico inerente a lidar com o sofrimento
em condições nem sempre ideais, do seu sofrimento material, é uma condição
importante para fortalecer uma clínica do sujeito, para criar uma determinada
predisposição para uma relação comunicativa, para o desenvolvimento de
trocas lingüísticas geradoras de compromissos. A superação de determinadas
impossibilidades comunicativas depende, em parte, dessa diretriz
(ARTMAMN; RIVERA, 2006, p.224)
Para melhorar a qualidade de vida dos profissionais do Pronto Socorro, os
entrevistados sugerem a inclusão de uma psicóloga para fazer acompanhamento da equipe de
saúde. No momento, uma psicóloga que é responsável pelo atendimento aos pacientes e
familiares e que por fazer parte da equipe multidisciplinar do serviço, não pode acompanhar os
seus colegas.
“A gente ter um espaço, né, para, para poder trabalhar nossas dores, né, de estar aqui; nossas
dificuldades, isso muito! Tanto é que aqui, quando você perguntou se eu aprendi, se eu tive aprendizado para
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isso, até citei a terapia, entendeu? Que eu acho que deveria ser um...cuidado que profissional deveria ter, né? Mas
que deve ser meio impossível, né, para o Hospital”, Maria da Graça (PC)
“Então eu acho que falta uma área sica mais adequada para a gente e uma retaguarda, um
serviço psicológico mesmo para os médicos”, Gabriela (PE)
Valorização e amor à profissão
Emergency physicians freely place themselves at risk from violence and the
deadliest of diseases. We should be at the pinnacle of public and professional
admiration and respect. Yet parents are told their children are at risk, no one
knows our names, and hospital administrators and medical staffs watch us
come and go with equanimity. Our work is occasionally thrilling, often
repetitive, quite frequently sad, sometimes dangerous, generally described as
stressful, and on occasion incredibly rewarding
3
(Frumkin, 1992, p. 862)
Segundo nossos entrevistados, os profissionais do PS devem ser pessoas
equilibradas e com personalidade diferenciada para poder lidarem adequadamente com a carga
emocional e violência dos casos e situações a que estarão expostas durante toda a sua jornada de
trabalho.
“Você tem que ser muito centrada para trabalhar aqui no Pronto Socorro porque é muita
reclamação, muita coisa negativa que vem, é muito problema. Não é doença que você trata, é todo o problema
social, todo o lado psicológico do paciente. Então...eu vejo paciente idoso na cadeira de rodas, não queria deitar
esse paciente, queria? E maca? Não tem. Complicado. ‘Doutora, tem comida?’”, Luiza (CG)
“Mas eu acho que cada médico aqui, tem...o seu estilo, né? Tem o seu dia-a-dia diferente aqui, a
sua personalidade diferente. Eu, graças a Deus, assim...eu fui agredida fisicamente uma vez, três anos
atrás, mas...depois disso eu nunca mais tive esses problemas de...família agressiva, eu chamo o segurança, tento
conversar com a família, tentar explicar. Não adianta eu tentar levantar o tom de voz, se...se o médico perde a
razão, levantando o tom de voz, brigando com a família. sai bateção de boca e ninguém resolve nada” ,
Luiza (CG)
“Que nem no caso de acidente. A pessoa veio para cá. Eu atendi pessoa que perdeu a família
inteira. Então assim, eu acho que é uma coisa difícil porque você pega a coisa na hora que ela está acontecendo.
3
Tradução livre da pesquisadora: Os médicos da emergência se expõem deliberadamente ao risco da violência e das mais
mortais das doenças. Nós deveríamos estar no ápice da admiração pública e profissional e do respeito. Mesmo que os pais
falem que seus filhos estão em perigo, ninguém sabe o nosso nome; e, os administradores do hospital e funcionários nos
olham irmos e virmos tranqüilamente. Nosso trabalho é ocasionalmente emocionante, freqüentemente repetitivo e triste,
algumas vezes perigoso, geralmente descrito como estressante e de vez em quando incrivelmente recompensador.
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Não depois que aconteceu. Então, isso tem uma carga emocional muito grande, aqui no PS. Isso sim, é uma
coisa assim que eu acho que é difícil”, Teresa (CG)
Alguns entrevistados referem sentir falta da criação de vínculos com os pacientes,
embora o modelo de assistência de um pronto socorro não permita essa aproximação.
“...quando a minha satisfação poderia ser muito melhor, se eu der o primeiro atendimento, fica uma
semana internado comigo, saiu de alta e eu marco um retorno para ele no meu ambulatório. Quer dizer, aí tem um
tratamento completo dele. Aí, seria satisfação plena. Mas você que é impossível essa satisfação plena, porque eu
só dou o primeiro atendimento”, Antonio Carlos (CG)
Para nossos entrevistados é evidente que o atendimento no serviço de urgência e
emergência traz uma satisfação imediata muito grande pela resolução rápida do atendimento. De
acordo com Deslandes (2002), o salvar vidas diante da morte iminente, ou seja, a prática de uma
medicina resolutiva desperta a vaidade e o orgulho dos profissionais do pronto socorro. “Há o
fascínio por esse tipo de ação que conjuga, de imediato, a arte médica, a habilidade do praticante
e todo o aparato tecnológico disponível e exigido” (DESLANDES, 2002, p.71).
“Eu gosto de atender o paciente de UTI. Eu gosto de atender paciente da UTI do PS que é um
paciente politraumatizado. É...é um paciente que tem uma sobrevida muito maior e um paciente que responde ao
seu tratamento muito rapidamente, tá? Então é muito gratificante. Muito gratificante porque você vê o produto do
seu trabalho acontecer rapidamente, né?”, Ligia (DC)
Depois da leitura de tantos problemas e dificuldades do trabalho no Pronto Socorro,
foi para nós uma grata surpresa constatar que apesar de tudo, os profissionais entrevistados
gostam do que fazem e da medicina que praticam.
“Então, eu comparando com os hospitais que eu conheço, eu acho que aqui é um excelente hospital!
Eu realmente acho. Eu adoro o Pronto. Socorro! Eu acho que ele pode melhorar. Então, eu não estou
extremamente satisfeita, porque eu acho que ele pode melhorar, melhorar muito. Mas eu não acho um local ruim
para se trabalhar, de maneira nenhuma. Eu acho um local bom, com potencial de melhoria. Então, então...eu
estou satisfeita. Eu gosto de trabalhar aqui. Agora, pode melhorar”, Teresa (CG)
“Eu realizada, eu não quero sair daqui. Assim: “ah...você gostaria de sair do Pronto Socorro?
Trabalhar em outro lugar?”. Não eu não quero, eu gosto muito do Pronto Socorro, apesar de ser muito
estressante. Mas eu gosto, né?”, Gabriela (PE)
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“Então, assim, por termos muita responsabilidade é cansativo. Tem dia que eu falo assim que o
meu encéfalo está parecendo uma uva passa, sugaram tudo. Mas, mas eu sou super satisfeita. Na verdade, eu tive
uma outra vida fora, tive um consultório bem sucedido, uma vida financeira melhor, mas...eu não me
satisfazia. Aqui eu estou feliz, estou cansada, mas eu estou feliz”, Ana Luiza (PE)
Hipóteses de idealismo, coleguismo e ‘retorno’ de aprendizagem sugeridos por
Deslandes (2002) como motivos da permanência dos profissionais da emergência em um
trabalho assim embrutecedor são confirmados na fala de um de nossos entrevistados.
“Eu adoro o que eu faço. Eu adoro emergência. Eu adoro a UTI. É uma área que eu escolhi
trabalhar. (...) A gente não recebe o tanto que a gente gostaria, apesar de tudo o que a gente trabalha. Mas em
termos pessoais e profissionais, eu acho que a satisfação é total. (...) tem muita coisa para eu aprender aqui
ainda...que eu quero chegar, que eu quero atingir e eu sei que aqui é o lugar. Então a gente fica segurando as
pontas, porque o problema realmente é o financeiro. (...) A gente lida com várias coisas. Eu acho que em termos
de salário, a gente não é pago como a gente deveria, entendeu? Por isso que a gente sempre pensando: podia
estar fazendo fora, ganhando o dobro do que a gente ganha, tendo menos dor de cabeça, menos encheção de saco,
teria muita vantagem sair, mas a gente não sai, entendeu? Uns falam que é porque a gente é palhaço, que a gente
é...idealista, tirando sarro mesmo, sabe? (...) a gente está aqui por ideal”, Luciana (IT)
Apesar da presença deste discurso de satisfação profissional, pudemos perceber
entre os entrevistados um desejo de seguir carreira universitária, que eles não se imaginam
trabalhando no Pronto Socorro por toda a carreira médica. Durante a realização da pesquisa foi
possível notar que neste Pronto Socorro uma alta rotatividade de profissionais médicos e
inclusive ao final do estudo, fomos informados de que dois dos entrevistados haviam se
desligado do serviço.
2. Ser professor no Pronto Socorro
Desde sua criação, o HC-FMB segue sua vocação de hospital acadêmico, através do
exercício de ampla ação social que se estende à comunidade não local mas de uma região que
ultrapassa até mesmo os limites do Estado de São Paulo” (CEDEM, s/d). A importância como
hospital universitário pode ser percebida nas falas de nossos entrevistados, que embora em sua
maioria sejam médicos contratados, tem o ensino como prioridade e responsabilidade maior
frente aos alunos e residentes.
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“Nossa responsabilidade é total! Porque a nossa responsabilidade é tanto assistencial, quer dizer,
tanto diretamente com o paciente como em relação ao ensino e com relação ao ensino, em termos de aluno e de
residente. Então, a gente é responsável não pelo paciente, mas também orienta o residente e o aluno, também
somos responsáveis por eles, né?”, Luciana (IT)
“Eu tenho toda a responsabilidade de todos os pacientes que estão sendo vistos aqui no Pronto
Socorro. Responsabilidade em todos os alunos, não deixo nenhum aluno liberar paciente sem ter passado com um
médico, sem ser visto por um médico, sem ter discutido com um médico. É um Pronto Socorro escola, também.
Não com aluno, mas também com residente, tá? A gente tem todo esse treinamento com os alunos, residentes
também, assumindo toda a responsabilidade, checando, discutindo caso, olha: ‘você não acha que deveria estar
fazendo tal conduta’, ‘vamos discutir esse caso’, ‘vamos fazer discussão multidisciplinar para melhor conduzir o
caso’ ”, Luiza (CG)
“A responsabilidade é: em checar os casos com os alunos, né? A gente tem que checar o exame
físico que o aluno fez, né? Ensinar o certo, mostrar o que está de alterado, o que não está alterado; é...orientar a
medicação, qual o melhor tratamento para ser feito, dose de medicamento, se o paciente é internado ou não, hã... o
o acesso na sala de emergência, todas as condutas adotadas dentro da sala de emergência, a gente tem
responsabilidade. Todas as condutas de aluno, né? Quinto ano, sexto ano e residentes que estão aqui no Pronto
Socorro é de minha responsabilidade”, Gabriela (PE)
O Pronto Socorro como parte de um hospital universitário ainda influencia e
estimula os entrevistados a buscar uma educação e aprimoramento contínuos seja através de
cursos técnicos ou programas de pós-graduação. Existe também o interesse pela pesquisa e o
desejo de futuramente fazer parte do corpo docente da UNESP.
“Eu estou fazendo mestrado agora, eu comecei a fazer o meu mestrado, eu tenho muita vontade de
seguir a carreira de docente, né? Aqui na faculdade”, Gabriela (PE)
“Então, a minha expectativa é crescer como geriatra dentro da Unimed, ampliar o número de
atendimento, crescer cada vez mais, tá, como geriatra. Crescer a nível de disciplina também na UNESP, poder
fazer um mestrado, me tornar um docente em geriatria”, Antonio Carlos (CG)
“Em termos de assistência, eu acho que eu completamente satisfeita. (...) Em termos de parte
acadêmica, é a titulação. Você poder orientar melhor os alunos. Em termos de pesquisa, é aprender sobre uma
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área, sobre essa área de pesquisa que é uma coisa que a gente pisa em ovos. Então a gente não sabe, é um mundo
novo, que o mestrado, o doutorado te oferece.(...) Eu pretendo voltar. Fazer doutorado”, Luciana (IT)
“Bom, profissionalmente assim tem duas partes: tem a parte de universidade que a de carreira que
eu quero fazer a etapa de livre-docência e depois eu quero fazer o de titular e aí, acabou a carreira, em termos de
carreira. Então, eu estou me preparando, tudo isso que você está vendo aqui (pastas espalhadas pela sala) é para
livre-docência. Então é assim: mestrado, doutorado, livro docência e titular. São quatro fases, então, eu estou indo
para essa terceira fase. Em termos de carreira...em termos de assistência, eu não quero nenhum cargo político não.
Eu quero isso aí mesmo, sabe?”, Lígia (DC)
Para aqueles professores que atuam em áreas clínicas como o Pronto Socorro,
ainda um duplo papel a ser realizado: ser médico e ser professor. Assim, devem assumir a tarefa
de ensinar a prática médica pelo exemplo, pela atitude, pela ética, pela demonstração de
habilidades; já que será no contato com o paciente, que dele espera acolhimento e conhecimentos
técnico-científicos para sanar seu sofrimento, que o professor deve apresentar ao estudante
amplos conhecimentos, aptidões e atitudes criativas que tragam um saber significativo à formação
do aluno (CYRINO, 2002).
Para Ramos-Cerqueira (1997, p.188), “o professor é a pessoa que, ao interagir com o
aluno, deveria mediar o complexo processo de criação, não se convertendo num treinador de
técnicas, mas procurando criar um criador”. Para a autora, está presente na crise da formação
médica atual: “a perda progressiva da criatividade; a banalização da comunicação; a intensificação
do medo do ridículo; a tendência em assumir os padrões e modismos da “ciência”, ditados pelos
journals’ indexados” (RAMOS-CERQUEIRA, 1997, p.190); e, a ênfase na produtividade.
em 1925, o próprio Flexner - propositor de importantes reformas das escolas de
medicina norte-americanas e defensor do conhecimento neutro científico como base primária
para o conhecimento médico - havia percebido a supervalorização do currículo científico em
detrimento de aspectos sociais e humanísticos: “Scientific medicine in America - young, vigorous and
positivistic is today sadly deficient in cultural and philosophic background” (apud COOKE et al, 2006,
p.1341). Nas décadas seguintes, o foco das práticas médico-hospitalares se concentrou ainda mais
na realização de procedimentos instrumentais de diagnóstico e tratamento e no uso de
medicamentos, tornando-se a relação profissional-paciente basicamente conduzida pela lógica da
produtividade (AMORETTI, 2005, p.137).
O velho padrão de formação artesanal em torno dos mestres, na tradição das
confrarias, que privilegia a experiência, cede lugar à necessidade de uma
formação continuada formal e informal, multifacetada, ultra-especializada, que
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torna o profissional dependente dos meio tecnológicos de informação médica.
(ARTMAMN; RIVERA, 2006, p.216).
Frente a todo o aparato da tecnologia médica, a Escola Médica tem preparado
médicos “equipamento-dependentes”. Estes médicos, assim formados, “se desprovidos de senso
crítico, poderão mais assegurar o consumo de bens e serviços, condicionados por interesses
econômicos, do que atender às necessidades de saúde identificadas” (Magaldi, 1982, p.5).
Não é possível pensar em mudar, transformar o ensino médico sem levar em
conta as relações da escola médica com a sociedade. Como apresenta Ribeiro (1998) é preciso
recuperar a complexidade das relações da escola médica com o mundo do trabalho e como este
último interfere nos modelos e práticas pedagógicos. Deve-se “reconhecer que interesses em
jogo e conflitos que explicitamente, supõem sujeitos e práticas que guardam coerência e
contradições em relação às suas intencionalidades” (RIBEIRO, 1998, p.43).
Para recuperar os aspectos humanísticos do cuidado e atenção ao paciente, a
educação médica deve dar ênfase ao doente e o à doença, ao indivíduo e não ao seu estado
clínico, à sua história e não somente à sua aparência. Os profissionais entrevistados também se
mostraram preocupados em recuperar esse contato mais próximo com o paciente e mais ainda,
em ensinar esta abordagem mais acolhedora aos alunos.
‘Explicar como funciona, resgatar um pouquinho desse valor do médico, do que é a
responsabilidade que a gente tem com o paciente. Eu acho que falta educar eles um pouquinho mais. Na
residência, a gente perde muito isso de ver o paciente como um ser humano. O paciente passa a ser um
procedimento, para gente ganhar mão. Então, eu acho que a gente precisa resgatar, trabalhar um pouco isso com
eles um pouquinho mais”, Ângela (CG)
“Eu bato bastante para os internos, você tem que chegar perto do doente, mesmo que ele estiver em
coma, sedado: “senhor fulano de tal, olha eu vou examinar o senhor, não vai doer nada, vai ser rápido” ou senão
“eu vou colher um exame, vou dar uma picadinha, vai doer um pouco, mas vai ser rápido”, né? “Hoje é domingo,
hoje é segunda”, “agora tá tarde”. Sempre assim, eu tenho a preocupação de ensinar os alunos a terem esse tipo de
conduta. Volta e meia, sei lá...Assim, a...o caminho natural é você, o paciente está em coma, nem falar nada e
vai pondo a mão,né?”, Ligia (DC)
O Hospital das Clínicas da FMB permite aos alunos ter uma vivência nas diversas
áreas de um hospital e estimula o relacionamento e contato direto com os pacientes. Alguns
entrevistados, destacam a relação estudante-paciente como um dos diferencias da instituição,
pois apresenta aos alunos as diferentes situações e problemas do cotidiano assistencial. Como a
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maior parte dos docentes e dos médicos contratados dedicam muito de suas vidas profissionais
ao HC, os estudantes ainda teriam a chance de espelharem-se e aprender com os professores
modelos de atendimento e relacionamento médico-paciente.
“Ser modelo da comunicação com o paciente. (…) Então, eu acho que o quanto mais a gente
conseguir ser humano, conversar, mostrar interesse pelo paciente. Eu acho que é principal maneira de ensinar a, a
humanização e mesmo a comunicação. Por exemplo, quando a gente checa aqui, a coisa é muito próxima. Cada
caso que eu checo com o aluno, a gente vai na sala rever exame físico, rever história e tal. E ali a gente vai ver de
que forma o aluno se portou...se ele não se portou de maneira adequada, a gente corrige, né? Se se portou, a gente
enfatiza e reforço positivo, né? Fulano foi legal porque fez isso, isso, isso. Acho que é a melhor maneira,
ensinar a comunicar, ensinar a humanizar, é você mostrar como é que é mesmo”, Ana Luiza (PE)
Segundo alguns entrevistados, a experiência profissional fora do hospital serviu
como fonte de aprendizado para se comunicar e lidar melhor com os pacientes dentro do
Pronto Socorro.
“O fato de ter vivido fora da universidade, faz ficar mais fácil me adequar a realidade e entender a
realidade que está lá fora. Então é mais fácil de traduzir a doença, traduzir os sintomas, conversar de igual para
igual, de passar a patologia para a frente...”, Ana Luiza (PE)
“A grande maioria dos docentes daqui, não saiu para ter uma vida fora. O que eu acho super
importante assim, para o futuro, para formação, para poder fazer comparações e para poder fazer as
implementações de mudanças, né, se você volta. Então, quando a gente sai, a gente sente que a formação do vínculo,
do relacionamento médico-paciente é muito melhor que os colegas fora. O vínculo, a formação eu acho que é
muito boa, a formação teórico-prática. A gente aprende a pôr a mão no paciente, coisa que os nossos colegas aí fora
não fazem, não aprenderam, tem medo. Eu acho, muitas características boas ainda são preservadas até hoje, né?”,
Lígia (DC)
A pressão, o estresse e a correria do pronto socorro, como os próprios entrevistados
dizem não é para qualquer um. Os médicos da pesquisa de Deslandes (2002) comentam que
passar pela emergência, todos passam; mas para ficar tem que gostar. Isto reflete, a importância
do pronto socorro numa etapa da formação profissional e “a necessidade de desenvolver laços,
um perfil e, sobretudo, defesas que permitam a permanência no setor” (DESLANDES, 2002,
p.70).
“A hora que eu cheguei aqui, uma interna, uma aluna, a primeira vez que eu vejo isso acontecer,
ela estava com o rosto cheio de lágrima, dizendo que não agüenta pronto socorro. Não agüentou essa dinâmica de
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agitação e ela falou: “eu não quero mais ficar aqui” e saiu porque ela tinha uma aula. Então, assim, eu acho que
humanizar para o profissional é dar tempo para ele sentar, conversar, abrir o que está no coração dele, né? Eu
não vou mais dar bola para aluna que não gosta de pronto socorro? Não, é, é uma estrutura diferente da vida
dela, ela não gostou dessa agitação, ela precisa ter essa vivência; então, a gente vai ter que sentar e conversar para
ver o que é que vira. Porque ela precisa passar, né? Então é ruim. Às vezes, o profissional que está aqui, está
amargo. Tem muita amargura. A gente precisa dar um jeito de dar um escape. Mas não tem, nada feito não
tem”, Ana Luiza (PE)
Dada a especificidade do Pronto Socorro no qual se apresentam ilimitadas
oportunidades de aprendizagem relevantes para a formação geral na graduação, é possível
reconhecê-lo como possuidor de um papel fundamental no estabelecimento de uma formação
que valorize a responsabilidade, a comunicação e a própria percepção da necessidade de uma
rede de atendimento à saúde no SUS mais eficiente. O espaço propicia vivências e aprendizagens
que podem provocar a reprodução “da lógica hegemônica de organização em saúde, um espaço
de reprodução dos poderes das corporações” (FEUERWEKER; CECILIO, 2007, p.969).
Contraditoriamente, como médicos e estudantes estão completamente expostos, pode significar
um cenário de reflexão crítica e oportunidade de revisão das relações dos profissionais de saúde
com os usuários.
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Considerações finais
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V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao elaborarmos este projeto, queríamos investigar a temática da comunicação e da
humanização entre os profissionais de saúde de uma unidade de emergência e urgência de um
hospital de ensino, inserido no Sistema Único de Saúde. A Política Nacional de Humanização
PNH - foi também uma referência para este estudo, e chamou-nos a atenção que, logo nas
primeiras entrevistas, o desconhecimento dos médicos sobre esta política. Ao mesmo tempo
constatou-se uma enorme diversidade de sentidos do conceito de humanização expresso pelos
entrevistados. Para alguns, ela se restringia a chamar os pacientes pelo nome, enquanto para
outros incluía até mesmo o cuidado com os próprios profissionais. O ponto em comum exposto
foi a necessidade de sua implantação mais ativa e imediata dentro do Pronto Socorro.
Na análise das entrevistas com os profissionais de saúde do Pronto Socorro do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, pudemos perceber que estes vêem o
serviço como vítima do sistema de saúde. Perante a FMB, o PS seria sempre preterido a outros
departamentos e receberia poucos investimentos financeiros, o que impede a melhoria de sua
ambiência, a contratação de mais profissionais e o desenvolvimento tecnológico de equipamento
e pessoas. Referem um serviço inserido no sistema de saúde, porém segregado e sem o apoio das
redes primária e secundária de saúde do município e região que encaminham casos de doença
simples para o serviço e recusam-se a dar continuidade de tratamentos iniciados na unidade de
urgência e emergência. Frente aos pacientes, o PS aceitou a sua condição de “mãe” e acolheria a
todos àqueles que chegam a sua porta procurando atendimento. Assim, o PS do HC-FMB estaria
sempre em posição desfavorável e a mercê dos demais, como se fosse fraco e sem poder de voz
para mudar o seu posicionamento no sistema de saúde, ou seja, não incorporou a regulamentação
proposta pelo Ministério da Saúde e não consegue se perceber como sujeito para viabilizar esta
incorporação.
Quanto a sua organização foi possível identificar que o PS do HC-FMB está dividido
em área infantil e adulto e é nítida a diferença de comportamento e perfil dos profissionais de
cada uma das áreas, a começar pelo atendimento a todas as crianças que chegam à unidade;
diferentemente dos adultos, que passam por uma triagem que exclui aqueles cujas condições
sejam de menor gravidade e não pertençam a área de abrangência estabelecida.
Envolvidos em sua rotina de trabalho, os profissionais de saúde tem dificuldades em
perceber que muitas vezes não é entendimento que falta aos pacientes, e sim, aceitação por
quererem ver o seu problema resolvido. Muitos dos pacientes talvez entendam a função e posição
do PS do HC-FMB como serviço responsável em atender apenas doenças e enfermidades mais
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complexas; no entanto, eles podem ter dificuldades em aceitar este novo papel da instituição que
até pouco tempo recebia a todos os pacientes que aparecessem em sua porta de entrada. Até
porque a definição do grau de complexidade de uma situação de urgência e emergência é muito
difícil e tem que considerar a subjetividade dos pacientes e a objetividade dos profissionais de
saúde. Pudemos apreender que sem melhorar a comunicação entre profissionais de saúde e
usuários do pronto socorro não há como humanizar o serviço. Através de inúmeras falas,
pudemos perceber a falta do diálogo e uma percepção unilateral por parte dos profissionais, no
sentido de sempre se colocarem como incompreendidos. Assim, ficou claro uma falta de
percepção por parte dos profissionais da necessidade de uma qualificação da interação.
O pronto socorro é um espaço de grande tensão por receber, principalmente,
pacientes em estado de saúde grave que exige tomada de decisões e ações rápidas; além de expor
os seus profissionais de saúde demasiadamente. As condições de trabalho estressantes também
colaboram para o ambiente tenso e conflitante da área de emergência.
Embora, a resolutividade imediata das condutas terapêuticas seja motivo de
satisfação, uma queixa recorrente dos médicos é a falta de vínculo entre o profissional e os
pacientes. Para os usuários, a consulta é feita pelo “Dr. Rubião” e assim, como muitos dos
médicos não sabem o nome de seus pacientes, estes por sua vez, também, desconhecem o
profissional que o atende.
A referência ao desgaste profissional é perceptível em diversos momentos das
entrevistas e é tido como limitante e correlacionado com a prestação de um atendimento
humanizado em relação aos pacientes, quando eles mesmos se sentem desumanizados perante à
instituição.
Muito nos surpreendeu que, embora os profissionais criticassem suas condições de
trabalho, a maior parte dos entrevistados afirmam gostar do pronto socorro, seja pelo ritmo
acelerado do serviço que exige deles rapidez de raciocínio, seja pela possibilidade de “cura”
imediata, os médicos se mostraram satisfeitos com o cumprimento de suas funções, inclusive
quanto ao acompanhamento e ensino aos alunos tanto de graduação como de residência médica.
Como nos apresenta Amoretti (2005), para mudarmos a estrutura vigente no Pronto Socorro
uma das questões fundamentais a considerar é como educar os educadores,
para que correspondam às necessidades e demandas sociais da área da saúde,
trazendo para o debate o saber/fazer docente e o saber/fazer profissional. E
interrogar-se sobre como transformar a preocupação com o outro nossos
pacientes, pessoas que vivem em nossas comunidades, pertencentes como nós
a uma população específica, deste país da América Latina em meta de nossos
cuidados. (AMORETTI, 2005, p.137)
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Esperamos assim, que este estudo possa contribuir para qualificar o processo de
trabalho no Pronto Socorro e particularmente as questões que envolvem a humanização do
cuidado, que em primeira e última instância visam o acolhimento atencioso, digno e resolutivo a
todos àqueles que procuram o Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Botucatu. Em nossa opinião, o primeiro trabalho a ser feito seria um projeto voltado
a uma maior integração da equipe de profissionais da unidade e um trabalho específico voltado à
humanização do trabalho médico, inclusive com a qualificação e valorização deste profissional.
Se tivéssemos que apresentar um resumo do que ficou para s como a missão da
humanização no pronto socorro, em um sentido mais amplo, diríamos que se refere a “incentivar
por todos os meios possíveis, a união e colaboração interdisciplinar de todos os envolvidos, dos
gestores, dos técnicos e dos funcionários, assim como a organização para participação ativa e
militante dos usuários nos processos de prevenção, cura e reabilitação” (OLIVEIRA et al, 2006,
p.281). Assim, no pronto socorro, humanizar não é apenas “amenizar” a convivência entre
diferentes, “senão, uma grande ocasião para organizar-se na luta contra a inumanidade, quaisquer
que sejam as formas que a mesma adote” (OLIVEIRA et al, 2006, p.281). Portanto, para
humanizar a assistência em saúde precisamos dar a palavra tanto aos usuários quanto aos
profissionais de saúde para que possam se sentir sujeitos do processo.
Humanização __________________________________________________________________________________________________
106
Referência
Bibliográfica
Humanização __________________________________________________________________________________________________
107
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Humanização __________________________________________________________________________________________________
114
Anexos
Humanização __________________________________________________________________________________________________
115
VII. ANEXOS
ANEXO I
Análise do Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Botucatu sob a ótica da comunicação e da humanização
Pesquisadora: Patricia Shirakawa Nakamoto
Orientadora: Eliana Goldfarb Cyrino
Botucatu - 2005
Roteiro I
Médicos e docentes
1) Conte-nos um pouco sobre a sua estória profissional e como veio trabalhar no PS.
2) Qual a imagem que você tem do Hospital das Clínicas da UNESP?
3) Descreva brevemente como é a sua rotina de trabalho do PS.
4) Que tipo de pessoas vem para o PS? Trace um breve perfil desses pacientes.
5) Quais as principais motivos que levam essas pessoas a procurarem o PS?
6) Quais são os critérios para que os pacientes sejam atendidos aqui neste PS? O que você
acha desses critérios?
7) Como você garante o acesso desses pacientes aos demais níveis de assistência? Quais as
dificuldades que os pacientes enfrentam para alcançar estes outros servicos?
8) Como você explica para o paciente que o caso dele não é de PS e o que é feito neste
caso? Fale um pouco sobre a dificuldade das pessoas em entenderem o que é explicado.
9) Como é garantida a referência e contra referência dos pacientes atendidos neste PS?
10) Quais são suas responsabilidades no atendimento ao paciente no PS? Você acha que elas
são adequadas? Excessivas?
11) Como é respeitada a individualidade dos pacientes no PS? Ilustrar.
12) Fale um pouco de como se dá o seu contato/ relacionamento/ comunicação com os
pacientes e seus familiares no PS.
13) Quais os momentos mais difíceis de comunicação com os pacientes e seus familiares no
PS? Situação marcante/ relevante.
Humanização __________________________________________________________________________________________________
116
14) Você se sentiu preparado para lidar com esses momentos?
15) Na sua graduação, como foi o seu aprendizado para esse tipo de situação? Alguém lhe
ensinou?
16) Na sua opinião, quais são as maiores dificuldades/ problemas dos pacientes que o
procuram este serviço?
17) Atualmente tem se falado muito em Humanização da Medicina, o que é para você
humanização?
18) Como você vê o processo de humanização no PS?
19) Comente uma situação real em que houve falta de humanização ou deficiência na
comunicação.
20) História como paciente/ familiar. Experiência de atendimento como paciente em outros
hospitais.
21) Quais as suas sugestões para a melhoria do processo de comunicação e humanização no
PS?
22) Qual o seu grau de satisfação na realização de suas tarefas e atribuições aqui no hospital?
23) Para encerrar, quais são suas expectativas profissionais?
24) Gostaria de comentar algo sobre esta entrevista?
Humanização __________________________________________________________________________________________________
117
ANEXO II
Análise do Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Botucatu sob a ótica da comunicação e da humanização
Pesquisadora: Patricia Shirakawa Nakamoto
Orientadora: Eliana Goldfarb Cyrino
Botucatu - 2005
Roteiro II
Equipe multidisciplinar
1) Conte-nos um pouco sobre a sua estória profissional e como veio trabalhar no PS.
2) Qual a imagem que você tem do Hospital das Clínicas da UNESP?
3) Descreva brevemente como é a sua rotina de trabalho do PS.
4) Que tipo de pessoas vem para o PS? Trace um breve perfil desses pacientes.
5) Quais os principais motivos que levam essas pessoas a procurarem o PS?
6) O Pronto Socorro tem critérios para admitir um paciente. Você sabe quais são os
critérios? O que você acha desses critérios?
7) Quais são suas responsabilidades no atendimento ao paciente no PS? Você acha que elas
são adequadas? Excessivas?
8) Como é respeitada a individualidade dos pacientes no PS? Ilustrar.
9) Fale um pouco de como se dá o seu contato/ relacionamento/ comunicação com os
pacientes e seus familiares no PS.
10) Quais os momentos mais difíceis de comunicação com os pacientes e seus familiares no
PS? Situação marcante/ relevante.
11) Você se sentiu preparado para lidar com esses momentos?
12) Na sua graduação, como foi o seu aprendizado para esse tipo de situação? Alguém lhe
ensinou?
13) Na sua opinião, quais são as maiores dificuldades/ problemas dos pacientes que o
procuram este serviço?
14) Atualmente tem se falado muito em Humanização na área da saúde, o que é para você
humanização?
Humanização __________________________________________________________________________________________________
118
15) Como você vê o processo de humanização no PS?
16) Comente uma situação real em que houve falta de humanização ou deficiência na
comunicação.
17) História como paciente/ familiar. Experiência de atendimento como paciente em outros
hospitais.
18) Quais as suas sugestões para a melhoria do processo de humanização no PS? Alguma
coisa voltada para os funcionários?
19) Qual o seu grau de satisfação na realização de suas tarefas e atribuições aqui no hospital?
20) Para encerrar, quais são suas expectativas profissionais?
21) Gostaria de comentar algo sobre esta entrevista?
Humanização __________________________________________________________________________________________________
119
ANEXO III
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
- médicos/docentes e equipe multidisciplinar -
Análise do Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Botucatu sob a ótica da comunicação e da humanização
Este é um estudo acadêmico, parte dos requisitos para aquisição do título de mestre em “Saúde
Pública”, havendo o compromisso da pesquisadora de utilizar os dados e o material coletado
somente para esta pesquisa. Essas informações estão sendo fornecidas para a sua participação
voluntária neste estudo, que visa entender a comunicação médico-paciente e o processo de
humanização em um pronto-socorro. Os resultados não fornecerão nenhum benefício direto aos
participantes, visto que o foco do estudo é o processo de comunicação no pronto-socorro. Serão
feitas perguntas abertas e anotadas/ gravadas as respostas para estudo e análise posterior, não
proporcionando qualquer desconforto ao participante. Garantia de acesso: em qualquer etapa do
estudo, você terá acesso aos profissionais responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de
eventuais dúvidas. É garantida a liberdade de retirada de consentimento a qualquer momento e
deixar de participar do estudo, sem qualquer prejuízo à continuidade de seu trabalho na
Instituição. O direito de confiabilidade – as informações obtidas serão analisadas em conjunto
com outros depoentes, não sendo divulgado a identificação de nenhum participante da pesquisa.
Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a
qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades ou prejuízo ou perda de
qualquer benefício que possa ter adquirido.
___________________________________
Assinatura do participante Data: ___/___/______ Local:___________
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste
participante para a participação neste estudo.
___________________________________
Assinatura do responsável pelo estudo Data: ___/___/______
Local:___________
Pesquisadora: Patricia Shirakawa Nakamoto, Alamedas das Sibipirunas, 510 – tel. 3882-3451,
Orientadora: Eliana Goldfarb Cyrino, Rua Reverendo Francisco Lotufo, 695, Tel. 3882-3864, e-
Humanização __________________________________________________________________________________________________
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ANEXO IV
Ana Luiza, 38 anos, médica pediatra do Pronto Socorro
1) Conte-nos um pouco sobre a sua estória profissional e como veio trabalhar no PS.
Hum...deixa eu ver. Eu terminei a minha residência em 96 e eu tinha interesse em
continuar aqui na Faculdade como parte do staff. Mas na época, não estava tendo vaga para
contratação. Então, eu fui para uma outra cidade, montei consultório numa cidade do interior
de São Paulo e cinco anos depois que eu estava fora daqui, abriu vaga para o concurso.
Então, eu prestei o concurso e estou de volta cinco anos. eu voltei porque era o que eu
queria, eu queria ficar na Faculdade. Nesse período o que é que aconteceu, eu fiquei fazendo
meu mestrado, dando andamento no meu doutorado até ter a vaga para o concurso que eu
prestei e aí eu voltei para o PS.
(...)
O meu doutorado eu ainda não defendi e o meu mestrado também.
2) Qual a imagem que você tem do Hospital das Clínicas da UNESP?
A imagem que eu tenho? Ó...eu vou contar uma coisa para você: que eu acho que é o
melhor lugar do mundo! Desde a minha época de estudante até hoje, eu falo para os meus
familiares que se eu tiver algum problema de saúde fora daqui, que eu quero ser enviada para
cá para ser tratada. Falar a verdade, a visão que eu tenho daqui é muito boa, de confiabilidade,
tal, tal, tal. Em relação as coisas do médico-paciente tem muita coisa para ser mudada, eu
acho.
3) Descreva brevemente como é a sua rotina de trabalho do PS.
A minha rotina...só do Pronto Socorro: eu cumpro da minha carga horária neste serviço,
eu cumpro 20 horas semanais, efetivamente como médica plantonista do PS. Fora isso, eu
sou responsável técnica do PS, então, eu sou chefe do Pronto Socorro. Então, cumpro outros
horários administrativos. E faço plantão, 8 plantões de 12 horas aqui no Pronto Socorro, tá?
Então a minha rotina é assim, a rotina é chegar, mesmo quando eu estou em atendimento,
checando caso de residente, de aluno, dos internos, da enfermagem, eu estou cuidando da
parte administrativa.
(Essa parte administrativa é geral...?)
da Pediatria, o PS da Pediatria. Então, é assim, uma, uma dinâmica pesada porque,
por exemplo, a gente chega de manhã, passa uma visita numa enfermaria pequena, de seis
leitos com R1. Terminando isso, a gente vai checar os casos dos internos, dos residentes, a
dinâmica do serviço, as funções de enfermagem...
(pausa para falar com psicóloga)
É essa rotina...checagem o dia inteiro, resolvendo as intercorrências de caso,
intercorrências administrativas, é isso! Acho que a rotina é essa!
(Então você vem, passa a visita...)
Passo a visita, depois eu venho checar caso de aluno. Então eu fico o dia inteiro checando
caso de aluno de, de residente, de enfermagem e cuidando dessa dinâmica mesmo aqui: quem
tem que ser atendido primeiro, hã...porque é que tem que passar na frente, porque é
emergencial em alguns casos, de psicólogo...entao, é isso...
(...)
Os residentes, todos que passam são de Pediatria. Tem R1 e R2 da Pediatria e tem R3 das
sub-especialidades, mas aí eles não ficam aqui no PS, eles vem conforme a gente chama, tá?
Humanização __________________________________________________________________________________________________
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4) para você descrever o tipo de pessoas vem para o PS? Traçar um breve perfil desses
pacientes.
Ah...o perfil na verdade é de uma classe sócio-econômica mais baixa, não
necessariamente, culturalmente mais baixa, mas sócio-econômica mais baixa. Geralmente de
procura espontânea, alguns vem encaminhados, mas a maioria vem por procura espontânea e
com a,a, o, o discurso de de vinda desses pacientes é: “eu não confio nos outros serviços,
então eu quero vir para cá”, né? Mais, então, geralmente é esse tipo de paciente que vem para
cá. Não tem um outro diferen...Os diferenciados que vem para o serviço, geralmente são os
pacientes com doenças mais complexas e que foram encaminhados de outros serviços para
cá, né? De alta complexidade porque não consegue resolver em um serviço médio ou
particular que vem para cá, mas não é a maioria.
5) Quais as principais causas que levam essas pessoas a procurarem o PS?
Você quer saber de queixa específica mesmo?
(...)
O principal motivo é a confiabilidade no serviço, mesmo. Eles colocam como sendo uma
dificuldade de serem atendidos na rede primária, na rede secundária...por que é que é difícil
ser atendido lá? Eles colocam que é falta de profissional, não gostam da qualidade, não
gostam do atendimento, né? E aí, eles vem espontaneamente procurar, porque é aqui que é o
Dr. UNESP. (risos)
6) Quais são os critérios para que os pacientes sejam atendidos aqui neste PS?
Na verdade, não tem critério nenhum. Qualquer paciente que procurar o PS de Pediatria
(ressalta) vai ser atendido, seja com queixa aguda, queixa banal, queixa crônica ou
encaminhado, sempre vai ser atendido. Eles sempre vão ser atendidos, a gente pode até
atender e reencaminhar, mas eles são sempre vistos por um pediatra.
7) Como você garante o acesso desses pacientes aos demais níveis de assistência?
Para voltar para os seus níveis primários e secundários? Na verdade, a gente faz uma
contra-referência, né? Então os que são patologia de baixa complexidade, a gente orienta a
família a procurar sistema...primário de atendimento ou então, secundário. Senão tem
condição, porque é de uma cidade que não tem esse tipo de recurso, então a gente acaba
seguindo aqui mesmo, acaba encaminhando para o ambulatório geral de Pediatria ou
ambulatório de especialidade.
(Você acha que paciente tem dificuldade de alcançar os outros níveis?)
Quando são as patologias complexas que precisam de um especialista, a dificuldade é a
agenda, tá? Mas eles sempre são encaixados, pode demorar muito, mas eles são encaixados.
Exceto, algumas especialidades que tem questão da DIR que não aceitam encaminhamentos
que não são da nossa DIR,. Mas das especialidades pediátricas, a maioria delas é vaga
demorada, mas consegue. Agora reencaminhar para primário e para o secundário, a
dificuldade é a confiança mesmo do paciente. Às vezes, eles ficam assim: “ah...deixa eu seguir
aqui, vai? Porque lá, não tem um médico, doutora. Não adianta, doutora. Eu chego lá, falo
que o meu filho está com uma anemia e é daqui seis meses que vai ter consulta. Como é
que eu vou esperar para tratar uma anemia daqui seis meses?”. Então é essa dificuldade. Mas
a gente faz um trabalho de orientação e tenta forçá-los entre aspas, voltar ao serviço de
origem, né? Se é um nível mais baixo de complexidade, tá?
Humanização __________________________________________________________________________________________________
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8) Como você explica que o caso dele não é de PS?
Ai....você pegou...ai, essa pergunta é muito difícil para eu responder! Porque, na verdade,
é assim, indepe...isso é particular meu. Chegou aqui no Pronto Socorro, ele é atendido e
recebe orientação mesmo que a queixa dele não seja de emergência. Por exemplo, se eu
detecto uma anemia no paciente, eu trato. O que eu falo é o seguinte: “como é isso, da
próxima vez, a senhora procura o serviço do posto, o serviço do consultório, o serviço
hospital menos complexo para não superlotar o Pronto Socorro, porque a senhora viu que
hoje demorou muito o atendimento por causa dos casos graves...Só que eu oriento e não
perco a oportunidade de tratar, mesmo que seja de queixa simples.
(Isso não vale para adulto...)
Não, só criança.
(...manda embora...)
Porque, por exemplo, no adulto, os meninos tem a questão do Acolhimento. Volta da
porta para lá, não é atendido. Na pediatria, é complicado. É difícil a mãe falar uma queixa e a
gente não por a mão pelo menos para examinar. Então a gente examina e aproveita o
momento para tratar, mesmo porque a gente pensa assim, nesta questão até mesmo da
humanização. Muitas das mães, que são de, de um nível sócio-econômico baixo, às vezes, elas
vieram aquele dia, estão perdendo serviço, não vem porque realmente o dia que marcou vaga
no posto, elas estariam trabalhando e perder um dia de trabalho, descontar R$ 20 no salário, é
pesado para elas. Então, o que a gente faz, eu oriento muito os meninos em relação a isso:
aproveita o momento, né? Trata o que tem, é queixa ambulatorial? É, dá para tratar e
aproveita o momento para educar! E daqui para a frente a senhora segue isso no posto de
saúde. É uma oportunidade, a gente não perde! Tem um colega no serviço que não faz isso.
“Ah...anemia? Anemia é coisa de posto!”, “ah, é verme? Verme eu não vou tratar aqui no
Pronto Socorro!”. Mas, devido a esse tipo de população que a gente atende, ah...eu aproveito
o momento, não adianta. Às vezes é naquele dia que ela encontrou alguém para cuidar dos
outros nove filhos, seis filhos, né? Por que a senhora veio hoje? Por que a senhora veio
esse horário? Saí agora do trabalho, agora que o meu marido chegou para ficar com os
outros filhos. Então, a gente valoriza isso, né?
9) Quais são suas responsabilidades no atendimento ao paciente no PS?
Hã...como será que você quer saber nessa pergunta, Paty?
(Ah...responsável pelo paciente, responsável...)
Na verdade, a gente faz tudo. Mesmo caso, que a gente checou com residente e com o
interno, é da nossa responsabilidade...com o interno, nem tem o falar, você precisa
acompanhar até o momento que ele dispensa. Com o residente, ele está em treinamento sob
supervisão, mesmo que ele seja médico e tenha autonomia para definir, a gente fica meio
por trás, olhando...Eu falo muito assim, a nossa visão aqui de chefe ou de, de staff aqui do
Pronto Socorro tem que ser o de fazer uma ectoscopia aqui do ambiente. Fazer o diagnóstico
dos pacientes que estão aqui, mesmo que de olhar, de ver. Então é uma responsabilidade
até o momento em que este paciente tomar um rumo, seja alta, seja internação neste ou outro
serviço. Então, a gente fica responsável por eles até esse momento.
(Você acha que as suas responsabilidade são excessivas...condizentes?)
Não, eu acho que elas o condizentes. Eu acho que a gente é cobra...a gente tem muita
coisa para fazer num dia só. Mas eu acho que são condizentes. Eu estou aqui no Pronto
Socorro, tem que fazer diagnóstico. A gente está conversando aqui, mas eu tenho que estar
escutando o barulho que está fora. Criança não chega falando eu estou com dor disso, às
vezes, chega com um choro gemido...Então, eu tenho que saber fazer esse diagnóstico (...)
e ele sentadinho, né?
Humanização __________________________________________________________________________________________________
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10) Como é respeitada a individualidade dos pacientes no PS?
Então, eu acho que esse é um problema que eu acho que a gente tem no nosso serviço
aqui. A gente tenta, mesmo aqui na Pediatria, a gente tenta de forma mais humanizada fazer
isso. Ter um consultório para o paciente, pedir sempre a autorização para os pais para que
os alunos vejam se é um caso diferente ou não; explicar com a palavra mais simples possível a
patologia que o paciente tem, mesmo assim, às vezes, o paciente fica meio é, é...como é que
fala? Fica meio filho de todo mundo e ninguém assume como pai para dizer. Isso que eu
estava falando em relação a estudar médico-paciente no Pronto Socorro é o seguinte: é...por
exemplo, a gente fez um trabalhinho aqui na nossa enfermaria para saber qual era a angustia
maior dos pais e dos pacientes em relação a ficar internado aqui, né? E o que eles mais
colocam é não saber o que eu tenho. E por que você não sabe o que você tem? Por que o
médico não falou ou por que o médico também não sabe? Na maioria das vezes, não teve um
médico que ele identificou como é o meu médico e ele me deu retorno do que eu tenho ou
não. Então, isso daí é que fica muito complicado em relação a relação médico-paciente aqui.
Fica, como tem muita gente, às vezes, essa questão da individualidade não é muito bem
valorizada, porque a impressão que o doente é de todo mundo. Então eu acho que a
questão de diante do nosso serviço é isso, aí! Porque a gente faz...tem um consultorinho para
cada um, a gente sempre pede licença para a família, explica para cada um, mesmo assim
ainda tem esse déficit, tá?
11) Fale um pouco de como se o seu contato/ relacionamento/ comunicação com os
pacientes e seus familiares no PS.
Você quer saber o...detalhamento da minha dinâmica? É difícil falar disso daí, viu?
Ah...assim da qualidade do meu atendimento?
(...se você se sente confortável...)
Eu me sinto, ah...eu me sinto. Na verdade, eu particularmente, acho muito mais fácil me
comunicar com paciente da nossa clientela aqui do que um mais diferenciado. Então eu acho
que isso, a gente tem legal por aqui, que eu tenho particularmente isso.
(...)
Ah...não tenho. A gente fica com pena também. Isso daí eu acho que é legal. Isso eu
posso falar. A gente faz assim...vem de uma família mais, assim simples, porque eu acho mais
fácil (...). O fato de ter vivido fora da universidade, faz ficar mais fácil me adequar a realidade
e entender a realidade que está fora. Então é mais fácil de traduzir a doença, traduzir os
sintomas, conversar de igual para igual, de passar a patologia para a frente, acho que isso vai
(...).
12) Quais os momentos mais difíceis de comunicação com os pacientes e seus familiares no
PS?
O mais difícil mesmo é a morte mesmo, né? O momento da morte. Eu acho que quando
a gente perde um paciente, é muito complicado explicar isso para a família. Quando é um
doente crônico, ainda a família vem aceitando isso progressivamente, a gente consegue
mais ou menos...a família consegue antever e a gente consegue chegar mais fácil. Mas o
paciente que chega aqui abruptamente e morre, sem uma patologia prévia, seja por um
acidente, por uma aspiração pulmonar, é difícil. Acho que para mim, é o momento mais
difícil, de verdade. Não tenho outros momentos. Alguns colegas dizem que é difícil de dividir
na comunicação, quando a família truca aquilo que você fala também, né? Mas eu não tenho
esse sentimento não. Às vezes, se truca, eu vou tentar entender porque trucou e tentar mudar
então o meu discurso para tentar convencê-lo. Eu acho que o mais difícil é na morte mesmo.
Humanização __________________________________________________________________________________________________
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13) Você se sentiu preparado para lidar com esses momentos?
Preparada para? Não eu não me sinto preparada para, mas faço, mesmo sem estar.
14) Na sua graduação, como foi o seu aprendizado para esse tipo de situação? Alguém lhe
ensinou?
Não, não, não tenho. A gente vai sendo obrigado a lidar. (...) o seu superior vai falar para
você, agora é sua vez de falar para a família. Então, você fica diante da situação, né? E
trabalha com ela. Acho que para nós, no inconsciente, fica aquele negócio de ser médico é
ser totepotente. Então, é aquela sensação de perda que, às vezes, a gente não sabe lidar, né?
Mas, não é por isso não. É pela compaixão da família de ver a perda mesmo. Eu acho que
a gente não é preparado. Eu cada vez que eu perco, eu transfiro isso para a minha vida
pessoal, família, filhos, né? Então eu acho que é muito dolorido. Eu acho que na graduação, a
gente não tem uma preparação exata para isso, para esse tipo de coisa. E eu também acho que
a gente nunca vai estar.
Outro dia, a gente fez um curso de emergência que foi super engraçado. Aí...aquele exame
tipo (...) e tem o correspondente na Pediatria que é o PAL (?). E na sala, eu estava
participando do treinamento, renovando o meu título, a instrutora falou assim: “ah, Ana,
você como chefe do PS vai ser a, a aluna a ser treinada aqui para resolver o problema,
bom? bom”. E eu não sabia, era uma situação sobre morte, né? Eu não sabia. Então, eu
fui fazendo...agora você faz isso! Ai...não adiantou. Não adiantou, não adiantou, bom o
paciente morreu. De repente, quando ela falou assim: “Ana, faz 40 minutos que você está
atendendo esse paciente, não tem mais nada o que fazer”. Você não vai falar para mim que
esse paciente morreu (um boneco)? Vou, ele morreu. Aí eu comecei a chorar. Xiii...aí, eu falei:
“você não tem noção, você pegou a pior pessoa para lidar com morte”. Aí, os residentes
todos choraram. Nossa, que terrível que foi! Mas é porque foi tão inesperado que, é essa
sensação que tenho quando acontece isso com o paciente, na verdade, entendeu? Mais, enfim,
a gente vai esperando pela vida mesmo, né? Nós não somos formados para não...Niguem, né,
Paty? Ninguém, é verdade.
15) Na sua opinião, quais são as maiores dificuldades/ problemas dos pacientes que o
procuram este serviço?
Dele chegar até aqui? Ah...na verdade, eu acho que muito poucas dificuldades eles tem,
em relação a ser atendido...na Pediatria, qualquer um que chega aqui vai ser atendido. A
dificuldade é pessoal, mesmo assim. De repente, é de uma cidade muito longe. Aí, eu fico
doida da vida, porque assim, vim...A cidade manda a criança para para ser vista numa
condução, a gente fornece o médico, fornece atendimento, um especialista e a cidade se
restringe a no máximo dar uma condução para eles. Às vezes, eles vem, ficam o dia inteiro. A
gente dispensa eles às 5 horas da tarde, eles estão com fome, não tem dinheiro para comer.
Eu penso assim, uma cidade que não tem dinheiro para investir em melhores profissionais,
em serviços mais completos, pelo menos um lanchinho...um lanchinho...Eu acho que as
dificuldades são pessoais mesmo: de condução, de dinheirinho, de comida. Mas
assim...conseguiu vencer essa dificuldade, chegar aqui, ele vai ser atendido. É claro, que esse
seguimento posterior é difícil porque depende do que paciente está precisando. Mas a gente
sempre tenta dar uma resolvidinha em tudo aqui. Se dá, a gente resolve...o que depende da
gente.
16) O que é para você Humanização?
Humanização? Mais do que qualquer coisa, para mim, é...é sentar para ouvir, mais do que
qualquer coisa. “A gente senta, ó! Ah...tá humanizado porque tem deseinho na parede!
(aponta para desenho da Mônica pintado na parede), né?”. O avental das pediatras é todo
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enfeitadinho, tudo bonitinho, tem uma salinha de recreação, né? Aqui no PS, particularmente,
a gente ainda não conseguiu isso de ter um repouso da Pediatria, que tem uma televisão, que
tem uns brinquedinhos que somem o tempo todo e a gente tem que renovar...que tem salinha
para pintar. (...) não aproveitamos o tempo, por exemplo, para orientar as mães que seria
legal. Eu acho que faz parte da humanização. E muitas vezes, não ter o mais simples que é a
paciência de sentar e conversar, e ouvir, até mesmo por essa dinâmica que você está vendo,
né? Então assim, ao meu modo de ver é isso, é dar atenção, é ler nas entrelinhas, né? Porque,
às vezes, eles vem com uma queixa, mas atrás da queixa, na verdade, tem uma estória mais,
mais forte. Agora, fora isso, tem o (...), é isso é melhorar o ambiente, deixar gostoso,
ventilado, alegre; com profissionais que tenham condições de distrair, de apresentar o
momento para educar, para fazer algum programa de, de preconização. Aqui no PS, é duro,
porque eles ficam no máximo dois dias internados, né? Mas, assim, eu acho...é, é um
momento...a gente até tentou, junto a Reitoria, pedir uma televisão com um vídeo para a
gente colocar programinhas educativos para as mães, para as crianças...Não conseguimos
ainda, mas eu acho que estamos caminhando para isso. A gente mantem um fraldário, para
que as mães pudessem ter acesso a um local para trocar o bebê, que agora virou
restaurante, elas comem ali junto com as fraldas...mas a gente tenta, né? Eu acho que é uma
somatória de coisas assim.
(pausa para atender telefone)
17) Como você vê o processo de Humanização aqui no PS?
Na verdade, eu acho que ele está caminhando a, a...passos bem pequenos, mas a gente
não está conseguindo caminhar a passos médios, por conta de espaço físico, até por conta de
que o Pronto Socorro, tem aquela coisa assim...Apesar de fazer parte de um departamento, o
nosso, fazer parte do departamento de Pediatria e aqui ser a porta, na verdade, a porta é meio
deixada de lado, entendeu? Então, hoje se você comparar, por exemplo, o espaço onde as
crianças da enfermaria ficam internadas, é uma outra estrutura: tem psicóloga, tem um
instrutor-recreacionista, tem ambiente físico legal, tem maca, tem isolamento acústico com
televisão. Eu tenho um é, é...as mães tem lá uns cursinhos de profissionalização. Então assim,
aqui vai a passos lentos, mas é porque aqui é visto, entre aspas como escória, né? Lá na porta,
deixa lá. Então, a gente tem essa dificuldade do departamento apoiar, essa dificuldade de
dinheiro, dificuldade de espaço físico, hoje, a Pediatria atende a pacientes até 14 anos, 15 anos
incompletos. É muito complicado, numa enfermaria que tem seis leitos, eu coloco: o bebê de
dois meses e o adolescente de 14 anos. Às vezes, a mãe que está do lado é uma mãe de 14
anos, cuidando de um bebê pequenininho. Então, no mesmo espaço físico, isso é muito
complicado. A gente tem projetos vários, assim correndo...que dependem de ter verba.
Então, vai devagar porque esbarra na falta de apoio e na falta de dinheiro. Mas o que depende
de pessoal humano, por exemplo, a gente é muito rigoroso em relação ao tratamento que os
alunos dão aos pacientes, aos residentes, a equipe de enfermagem, né? A gente até tem dentro
do possível, a Regina está aqui, né, locada no PS como psicóloga. É uma mãozinha para
identificar eventuais problemas de relação mesmo enfermagem-paciente, médico-paciente...É,
então, está lento, mas está indo.
18) E a humanização para os funcionários?
Não tem nenhuma, na verdade, né? Assim, na verdade, é uma coisa que tem me
preocupado mais recentemente, assim, porque aqui é um ambiente muito insalubre. Muito
agitado. A gente pega casos graves, a gente pega uma dinâmica pesada, então, assim, as
pessoas, você vai vendo que as pessoas vão ficando assim amargas, né? Bem amargas. Então,
falta, não tem nada de humanização para o médico, não tem. Mas a gente tem sentido falta
disso, de ter um momentinho para sentar, mesmo papear...A gente teve até uma mudança de
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ambiente, você viu? (sala dos médicos foi trocada, para uma em que janela). Você esteve
aqui na semana passada, mudou. Mudou até para deixar o ambiente mais aberto, mas você
esbarra na Comissão Hospitalar, porque aquela sala que virou consultório não tem janela
para o paciente é péssimo aquilo. Melhorou para o médico aqui, piorou para o paciente lá, né?
Então, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Então, a gente não sabe muito o que
fazer. Mas eu me preocupo, eu não sei se, na verdade, é uma doença meio populacional, essa
estória toda de medo, de pânico, de depressão, né? Mas assim, a gente vê: a hora que eu
cheguei aqui, uma interna, uma aluna, a primeira vez que eu vejo isso acontecer, ela estava
com o rosto cheio de lágrima, dizendo que não agüenta pronto socorro. Não agüentou essa
dinâmica de agitação e ela falou: “eu não quero mais ficar aqui” e saiu porque ela tinha uma
aula. Então, assim, eu acho que humanizar para o profissional é dar tempo para ele sentar,
conversar, abrir o que está no coração dele, né? Eu não vou mais dar bola para aluna que não
gosta de pronto socorro? Não, é, é uma estrutura diferente da vida dela, ela não gostou dessa
agitação, ela precisa ter essa vivência; então, a gente vai ter que sentar e conversar para ver o
que é que vira. Porque ela precisa passar, né? Então é ruim. Às vezes, o profissional que está
aqui, está amargo. Tem muita amargura. A gente precisa dar um jeito de dar um escape. Mas
não tem, nada feito não tem.
19) Eu queria você comentasse uma situação real que houve a falta de humanização,
deficiência.
Dá, assim...quer ver? Sexta-feira da semana passada, eu passando pelo corredor e aí, um
residente nosso é...conversando com a mãe de um paciente e eu peguei assim: ela
falando...e eu olhei, nessa hora, eu olhei nos olhos dela porque eu estava passando em frente
assim, a família perguntando: “o que é que o meu filho tem?”. Ela olhando assim é muito
pesado, para mim, isso é, é o mais importante. E ele com um olhar muito frio: “eu não faço a
mínima idéia do que o seu filho tem”. só. Então, nisso daí, eu esperei passar a situação e
depois eu chamei. Pelo jeito que foi dito, porque, na verdade, muitas vezes, a gente pode não
saber o que o paciente tem, mas você tem maneiras e maneiras de dizer, né? Imagine a família
angustiada para saber o que é que tem e “eu não faço a mínima idéia!”. Mas, então, bom,
eu não faço a mínima idéia, mas nós vamos estudar o caso, vamos ver...É diferente de você
falar...(pausa para conversar com uma enfermeira).
Então, entendeu? É complicado isso daí, então...isso eu bato muito no pé, na, na
cabeça...Presta atenção, ouve, conversa...tem, nossa, hoje em dia a gente faz diagnóstico de
distúrbio de comportamento todo santo dia, aqui. Porque as famílias estão muito
disfuncionais, então assim...E a hora em que a gente vira paciente é tão diferente, né? Então
ouça...eu estou de saco cheio, tive um plantão péssimo, tra lá. Sim, mas o paciente entende
que naquela hora ele é único. Ele não está pensando se você trabalhou, se deu quinhentas
buchas no dia. Então, para mim, o principal modelo é esse. É um atendimento sem amor.
(...você estava do lado como paciente...)
Como paciente? Não, não tive. Acho que eu tenho um grande problema, não, não é que
eu sou uma pessoa muito saudável. E (risos), às vezes, que eu fiquei doente, eu fiquei
doente aqui...todo mundo me conhece. Então, eu sempre fui muito bem tratada. Sempre, eu
sempre fui muito bem tratada aqui. Olha, não tenho experiência desse tipo para dar para
você. Nem com os meus familiares, porque a minha carinha é muito conhecida, então toda
vez que eu precisei é...Eu até...Semana retrasada, eu vim aqui numa consulta com o meu
marido e eu estava sentada na sala de espera com todo mundo, esperando lá, quando me
identificaram no meio, não era nem que ia consultar, era o meu marido: “ah não
professora, vem sentar aqui”. Então eu (...) (risos), acho que eu não tenho, minha mãe, meu
sogro, todo mundo segue aqui e todo mundo...sempre foram...não...atendimento, maus, não
tenho experiência desse tipo para contar para você. Eu teria que por uma scara, eu teria
que por uma máscara para não aparecer...Não, não tive uma dessas. Mesmo porque, às vezes,
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que eu precisei foi sempre aqui, sempre conhecido, então se me virão com essa cara de
doente, eles me trataram com muito carinho. Então é difícil, acho que não...
20) Quais as suas sugestões para a melhoria do processo de comunicação e humanização no
PS?
Acho que a primeira coisa é ser modelo mesmo, né? Ser modelo da comunicação com o
paciente.
(pausa para atender telefone)
A primeira coisa é modelo. Não adianta, não adianta. Eu vejo os alunos...Primeira
avaliação dos alunos, o primeiro curso, então eles falam: “Ana, não gostei de...às vezes, eles
falam de um nome mesmo, não gostei de fulano...
(pausa para falar com outra médica)
Então, eles falam muito, eles tem, eles tem ídolos. Então...é....mas, às vezes, mesmo tendo
ídolos bons, eles não conseguem copiar tudo aquilo que o ídolo tem de bom, né? Então, eu
acho que o quanto mais a gente conseguir ser humano, conversar, mostrar interesse pelo
paciente. Eu acho que é principal maneira de ensinar a, a humanização e mesmo a
comunicação. Por exemplo, quando a gente checa aqui, a coisa é muito próxima. Cada caso
que eu checo com o aluno, a gente vai na sala rever exame físico, rever história e tal. E ali a
gente vai ver de que forma o aluno se portou...se ele não se portou de maneira adequada, a
gente corrige, ? Se se portou, a gente enfatiza e reforço positivo, né? Fulano foi legal
porque fez isso, isso, isso. Acho que é a melhor maneira, ensinar a comunicar, ensinar a
humanizar, é você mostrar como é que é mesmo. É fazer da melhor maneira possível! Outra
proposta, eu não sei falar para você.
21) Qual o seu grau de satisfação na realização de suas tarefas e atribuições aqui no hospital?
Ah...o meu grau de satisfação é grande. Eu gosto para caramba, assim, na verdade, do que
eu faço aqui. A única coisa que tem é isso que por conta de eu ter muita responsabilidade.
Porque é assim, eu sou responsável pelo quinto ano de medicina, quem faz a supervisão, o
curso de Pediatria sou eu que organizo, a gente tem essa divisão terceiro, quarto, quinto e
sexto anistas, residentes, chefia do Pronto Socorro. É...a gente é filiado também a UTI, faz
curso de emergência com os alunos. Então, assim, por termos muita responsabilidade é
cansativo. Tem dia que eu falo assim que o meu encéfalo está parecendo uma uva passa,
sugaram tudo. Mas, mas eu sou super satisfeita. Na verdade, eu tive uma outra vida fora,
tive um consultório bem sucedido, uma vida financeira melhor, mas...eu não me satisfazia.
Aqui eu estou feliz, estou cansada, mas eu estou feliz.
Aqui, aqui eu sou chefe do Pronto Socorro, sou responsável pelo quinto ano que é outra
coisa. Mas aqui no Pronto Socorro, eu sou chefe. Então assim, é...na verdade, é uma chefe
nomeada, não é ainda chefe ganhada. (risos) nomeada, serve para carregar bucha. Mas
tudo bem, a minha satisfação é grande.
22) Para encerrar, quais são suas expectativas profissionais?
Minhas expectativas profissionais? Ai, Paty, eu preciso...defender o meu doutorado,
muito, muito. Porque é assim, como eu estou com muita carga prática, tá faltando tempo para
eu tocar a minha vida teórica. Então, assim, a minha expectativa é melhorar a parte científica
mesmo, né? Defender meu doutorado, publicar mais assim...só que eu preciso de janelas para
fazer isso. Porque assim, quando eu estou aqui, por exemplo: vamos dizer que eu não tivesse
nenhum paciente aqui, eu não consigo sentar por aqui e pensar num trabalho científico, ficar
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quieta no ambiente. Eu fico caçando coisa para fazer, então teria que ser um ambiente que
não fosse aqui, que também não fosse com aluno, que saiba que aquele momento é para fazer
pesquisa, né? Então, a minha expectativa é isso aí: melhorar a minha graduação para eu poder
dar para os alunos mais, né? De conhecimento e de...para os pacientes também, de
resolutividade, acho.
23) Você gostaria de comentar alguma coisa sobre a entrevista?
Gostei, gostei de conversar. Você tem uma carinha boa. (risos)
Achei legal. É que nem está escrito aqui, apesar de não estar mostrando, em principio,
nenhum benefício para o paciente, mais ou menos, né? Porque dependendo do resultado que
vocês forem trazer, o benefício pode ser indireto. A hora que você tem o trabalho publicado,
a hora que você tem uma noção de tudo o que você falou, a gente usa como, como...como eu
vou explicar isso para você, como um critério para você dizer para o aluno, para o residente,
para o médico, é assim que você tem que mudar, ó!
O “plus” para mim é modelo. Porque você pode tá humanizado lá na Rocinha e não estar
humanizado aqui. Você entende o que eu quero dizer? Você pode ter um espaço lindo e
maravilhoso, chão de porcelanato, mas o tête-à-tête com as pessoas é frio. Para mim, não tem
graça, acho que é o tchans!
Humanização __________________________________________________________________________________________________
129
ANEXO V
Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco
Acolhimento com Avaliação e Classificação de RiscoAcolhimento com Avaliação e Classificação de Risco
Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco
(retirado da cartilha de mesmo nome, Ministério da Saúde, 2004)
(retirado da cartilha de mesmo nome, Ministério da Saúde, 2004)(retirado da cartilha de mesmo nome, Ministério da Saúde, 2004)
(retirado da cartilha de mesmo nome, Ministério da Saúde, 2004)
Emergência
EmergênciaEmergência
Emergência
A área de Emergência, nesta lógica, deve ser pensada também por nível de complexidade, desta
forma otimizando recursos tecnológicos e força de trabalho das equipes, atendendo ao usuário
segundo sua necessidade específica.
Área Vermelha
Área VermelhaÁrea Vermelha
Área Vermelha – área devidamente equipada e destinada ao recebimento, avaliação e estabilização
das urgências e emergências clínicas e traumáticas. Após a estabilização estes pacientes serão
encaminhados para as seguintes áreas:
Área Amarela
Área AmarelaÁrea Amarela
Área Amarela – área destinada à assistência de pacientes críticos e semicríticos já com terapêutica de
estabilização iniciada.
Área Verde
Área VerdeÁrea Verde
Área Verde – área destinada a pacientes não críticos, em observação ou internados aguardando vagas
nas unidades de internação ou remoções para outros hospitais de retaguarda.
Pronto Atendimento
Área Azul
Área AzulÁrea Azul
Área Azul – área destinada ao atendimento de consultas de baixa e média complexidade.
Área de acolhimento com fluxo obrigatório na chegada.
Área física que favoreça a visão dos que esperam por atendimentos de baixa complexidade,
seguindo-se os conceitos de ambiência.
Consultório de enfermagem, classificação de risco e procedimentos iniciais com os seguintes
materiais para o atendimento às eventuais urgências:
- Monitor e eletrocardiógrafo
- Oxímetro de pulso
- Glucosímetro
- Ambu Adulto e Infantil
- Material de Intubação Adulto e Infantil
- Material de punção venosa
- Drogas e soluções de emergência
- Prancha longa e colar cervical
Consultórios médicos
Serviço Social
Sala de administração de medicamentos e inaloterapia
Consultórios para avaliação de especialidades
Processo de Acolhimento e Classificação de Risco:
O usuário ao procurar o Pronto Atendimento deverá direcionar-se à Central de Acolhimento que terá
como objetivos:
Direcionar e organizar o fluxo por meio da identificação das diversas demandas do usuário;
Determinar as áreas de atendimento em nível primário (ortopedia, suturas, consultas);
Acolher pacientes e familiares nas demandas de informações do processo de atendimento, tempo
e motivo de espera;
Avaliação primária, baseada no protocolo de situação queixa, encaminhando os casos que
necessitam para a Classificação de Risco pelo enfermeiro.
Importante destacar que esta avaliação pode se dar por explicitação dos Usuários ou pela
observação de quem acolhe, sendo necessário capacitação específica para este fim, não se entende
aqui processo de triagem, pois não se produz conduta e sim direcionamento à Classificação de Risco.
A Central de Acolhimento tem sua demanda atendida imediatamente sem precisar esperar consulta
médica(procura por exames, consultas ambulatoriais, etc.),evitando atendimento médico de forma
desnecessária.
Após o atendimento inicial, o paciente é encaminhado para o consultório de enfermagem onde a
classificação de risco é feita baseada nos seguintes dados:
Humanização __________________________________________________________________________________________________
130
Situação/Queixa/ Duração (QPD)
Breve histórico (relatado pelo próprio paciente, familiar ou testemunhas)
Uso de medicações
Verificação de sinais vitais
Exame físico sumário buscando sinais objetivos
Verificação da glicemia, eletrocardiograma se necessário.
A classificação de risco se dará nos seguintes níveis:
Vermelho: prioridade zero – emergência, necessidade de atendimento imediato.
Amarelo: prioridade 1 – urgência, atendimento o mais rápido possível.
Verdes: prioridade 2 – prioridade não urgente.
Azuis: prioridade 3 – consultas de baixa complexidade – atendimento de acordo com o horário de
chegada.
Obs.: a identificação das prioridades pode ser feita mediante adesivo colorido colado no canto
superior direito do Boletim de Emergência.
Um Exemplo de Protocolo para Classificação de Risco: (Protocolo, 2001)
Vermelhos: pacientes que deverão ser encaminhados diretamente à Sala Vermelha (emergência)
devido à necessidade de atendimento imediato:
Situação/Queixa
Politraumatizado grave – Lesão grave de um ou mais órgãos e sistemas; ECG < 12.
Queimaduras com mais de 25% de área de superfície corporal queimada ou com problemas
respiratórios.
Trauma Cranioencefálico grave – ECG <12.
Estado mental alterado ou em coma ECG <12; história de uso de drogas.
Comprometimentos da coluna vertebral.
Desconforto respiratório grave.
Dor no peito associada à falta de ar e cianose (dor em aperto, facada, agulhada com irradiação
para um ou ambos os membros superiores, ombro, região cervical e mandíbula, de início súbito, de
forte intensidade acompanhada de sudorese, náuseas e vômitos ou queimação epigástrica,
acompanhada de perda de consciência, com história anterior de IAM, angina, embolia pulmonar,
aneurisma ou diabetes; qualquer dor torácica com duração superior a 30 minutos, sem melhora com
repouso).
Perfurações no peito, abdome e cabeça.
Crises convulsivas (inclusive pós-crise).
Intoxicações exógenas ou tentativas de suicídio com Glasgow abaixo de 12.
Anafilaxia ou reações alérgicas associadas à insuficiência respiratória.
Tentativas de suicídio.
Complicações de diabetes (hipo ou hiperglicemia).
Parada cardiorrespiratória.
Alterações de sinais vitais em paciente sintomático:
- Pulso > 140 ou < 45
- PA diastólica < 130 mmHg
- PA sistólica < 80 mmHg
- FR >34 ou <10
Hemorragias não controláveis.
Infecções graves – febre, exantema petequial ou púrpura, alteração do nível de consciência.
Há muitas condições e sinais perigosos de alerta, chamadas Bandeiras Vermelhas, que deverão ser
levados em consideração, pois podem representar condições em que o paciente poderá piorar
repentinamente:
Acidentes com veículos motorizados acima de 35 Km/h.
Forças de desaceleração tais como quedas ou em explosões.
Perda de consciência, mesmo que momentânea, após acidente.
Humanização __________________________________________________________________________________________________
131
Negação violenta das óbvias injúrias graves com pensamentos de fugas e alterações de discurso
e, ocasionalmente, com respostas inapropriadas.
Fraturas da 1. ª e 2. ª costela.
Fraturas 9. ª, 10.ª, 11.a costela ou mais de três costelas.
Possível aspiração.
Possível contusão pulmonar.
Óbitos no local da ocorrência.
Amarelos: Pacientes que necessitam de atendimento médico e de enfermagem o mais rápido possível,
porém não correm riscos imediatos de vida. Deverão ser encaminhados diretamente à sala de consulta
de enfermagem para classificação de risco.
Situação/Queixa:
Politraumatizado com Glasgow entre 13 e 15; sem alterações de sinais vitais.
Cefaléia intensa de início súbito ou rapidamente progressiva, acompanhada de sinais ou sintomas
neurológicos, paraestesias, alterações do campo visual, dislalia, afasia.
Trauma cranioencefálico leve (ECG entre13 e 15).
Diminuição do nível de consciência.
Alteração aguda de comportamento – agitação, letargia ou confusão mental.
História de Convulsão /pós-ictal– convulsão nas últimas 24 horas.
Dor torácica intensa.
Antecedentes com problemas respiratórios, cardiovasculares e metabólicos (diabetes).
Crise asmática.
Diabético apresentando sudorese, alteração do estado mental, visão turva, febre, vômitos,
taquipnéia, taquicardia.
Desmaios.
Estados de pânico, overdose.
Alterações de sinais vitais em paciente sintomático:
a.FC < 50 ou > 140
b.PA sistólica < 90 ou > 240
c.PA diastólica > 130
d.T < 35 ou. 40
História recente de melena ouhematêmese ou enterorragia com PA sistólica, 100 ou FC > 120.
Epistaxe com alteração de sinais vitais.
Dor abdominal intensa com náuseas e vômitos, sudorese, com alteração de sinais vitais
(taquicardia ou bradicardia, hipertensão ou hipotensão, febre).
Sangramento vaginal com dor abdominal e alteração de sinais vitais; gravidez
confirmada ou suspeita.
Náuseas/Vômitos e diarréia persistente com sinais de desidratação grave – letargia, mucosas
ressecadas, turgor pastoso, alteração de sinais vitais.
Desmaios.
Febre alta ( 39/40º C).
Fraturas anguladas e luxações com comprometimento neurovascular ou dor intensa.
Intoxicação exógena sem alteração de sinais vitais, Glasgow de 15.
Vítimas de abuso sexual.
Imunodeprimidos com febre.
Verdes: Pacientes em condições agudas (urgência relativa) ou não agudas atendidos com prioridade
sobre consultas simples – espera até 30 minutos.
Idade superior a 60 anos.
Gestantes com complicações da gravidez.
Pacientes escoltados.
Pacientes doadores de sangue.
Deficientes físicos.
Retornos com período inferior a 24 horas devido a não melhora do quadro.
Impossibilidade de deambulação.
Asma fora de crise.
Humanização __________________________________________________________________________________________________
132
Enxaqueca – pacientes com diagnóstico anterior de enxaqueca.
Dor de ouvido moderada à grave.
Dor abdominal sem alteração de sinais vitais.
Sangramento vaginal sem dor abdominal ou com dor abdominal leve.
Vômitos e diarréia sem sinais de desidratação.
História de convulsão sem alteração de consciência.
Lombalgia intensa.
Abcessos.
Distúrbios neurovegetativos.
Intercorrências ortopédicas.
Obs.: Pacientes com ferimentos deverão ser encaminhados diretamente para a sala de sutura.
Azuis: Demais condições não enquadradas nas situações/queixas acima.
Queixas crônicas sem alterações agudas.
Procedimentos como: curativos, trocas ou requisições de receitas médicas, avaliação de
resultados de exames, solicitações de atestados
médicos
Após a consulta médica e a medicação o paciente é liberado.
Exemplo de Roteiros de Avaliação para Classificação de Risco
Situação / Queixa: O paciente queixa-se de:
cefaléia
tontura / fraqueza
problemas de coordenação motora
trauma cranioencefálico leve / moderado
diminuição no nível de consciência / desmaios
distúrbios visuais (diplopia, dislalia, escotomas,hianopsia)
confusão mental
convulsão
paraestesias e paralisias de parte do corpo
História passada de:
Pressão arterial alta
Acidente vascular cerebral
Convulsões
Trauma cranioencefálico
Trauma raquimedular
Meningite
Encefalite
Alcoolismo
Drogas
Medicamentos em uso
O paciente deverá ser avaliado em relação:
Nível de consciência
- Consciente e orientado
- Consciente desorientado
- Confusão mental
- Inquieto
Discurso
- Claro
- Incoerente e desconexo
- Deturpado
- Dificuldade de falar
Responsivo ao nome, sacudir, estímulos dolorosos apropriados ou desapropriados
Humanização __________________________________________________________________________________________________
133
Pupilas:
- Fotorreagentes
- Isocórica, anisocorica,miose, midríase, ptose palpebral
- Movimento ocular para cima e para baixo/esquerda e direita.
Habilidade em movimentar membros superiores e membros inferiores
Força muscular
Paraestesias / plegias / paresias
Dificuldade de engolir, desvio de rima
Tremores
Convulsões
Verificação dos Sinais Vitais: PA, Pulso Respiração e Temperatura.
Avaliação cardiorespiratória
Situação/Queixa: pacientes com queixas de:
tosse produtiva ou não
dificuldades de respirar/cianose
resfriado recente
dor torácica intensa (ver mnemônico de avaliação)
fadiga
edema de extremidades
taquicardia
síncope
História passada de:
Asma/bronquite
Alergias
Enfisema
Tuberculose
Trauma de tórax
Problemas cardíacos
Antecedentes com problemas cardíacos
Tabagismo
Mnemônico para avaliação da dor torácica: PQRST
P – O que provocou a dor? O que piora ou melhora?
Q – Qual a qualidade da dor? Faça com que o paciente descreva a dor, isto é, em pontada, contínua,
ao respirar, etc.
R – A dor tem aspectos de radiação? Onde a dor está localizada?
S – Até que ponto a dor é severa? Faça com que o paciente classifique a dor numa escala de 1 a 10.
T – Por quanto tempo o paciente está sentindo a dor? O que foi tomado para diminuir a dor?
Associar história médica passada de: doença cardíaca ou pulmonar anterior, hipertensão, diabetes e
medicamentos atuais
Sinais vitais: Verifique PA e P. Observe hipotensão, hipertensão,pulso irregular, ritmo respiratório,
cianose, perfusão periférica.
Procedimentos diagnósticos: Monitorização Cardíaca e Eletrocardiograma, Oximetria.
Encaminhamento para Área Vermelha:
dor torácica ou abdome superior acompanhada denáuseas, sudorese, palidez.
dor torácica com alteração hemodinâmica.
dor torácica e PA sistólica superior ou igual 180, PAD igual ou superior a 120.
pulso arrítmico ou FC superior a 120 bpm
taquidispnéia , cianose, cornagem, estridor (ruídos respiratórios).
FR menor que 10 ou superior a 22.
Avaliação da dor abdominal aguda
Humanização __________________________________________________________________________________________________
134
A dor abdominal aguda é uma queixa comum, caracterizando-se como sintoma de uma série de
doenças e disfunções.
Obtenha a descrição da dor no que se refere a:
Localização precisa
Aparecimento
Duração
Qualidade
Severidade
Manobras provocativas ou paliativas
Sintomas associados: febre, vômitos, diarréia, disúria, secreção vaginal, sangramento.
Em mulheres em idade fértil, considerer a história menstrual e tipo de anticoncepção.
Relacione a dor com:
Ingestão de medicamentos (particularmente antiinflamatórios e aspirina)
Náuseas e vômitos
Ingestão de alimentos (colecistite, úlcera)
Sangramentos
Disúria/ urgência urinária/ urina turva/ hematúria/ sensibilidade supra púbica
Observe:
Palidez, cianose, icterícia ou sinais de choque
Posição do paciente (exemplo: na cólica renal o paciente se contorce)
Distensão, movimento da parede abdominal, presença de ascites
Apalpe levemente atentando para resistências, massas, flacidez e cicatrizes
Sinais vitais: observe hiperventilação ou taquicardia, pressão arterial, temperatura
Procedimentos diagnósticos:
Análise de urina
Eletrocardiograma (pacientes com história de riscos cardíacos).
Encaminhamentos para área Vermelha:
Dor mais alteração hemodinâmica
PAS menor que 90 ou maior que 180 /
FC maior que 120 e menor que 50 / PAS >=180
Dor mais dispnéia intensa
Dispnéia intensa
Vômitos incoercíveis, hemetêmese
Avaliação da Saúde Mental
Uma avaliação rápida da saúde mental consiste na avaliação dos seguintes aspectos:
Aparência, comportamento, discurso, pensamento, conteúdo e fluxo, humor, percepção,
capacidade cognitiva e história de dependência química
Aparência:
arrumada ou suja
desleixado, desarrumado
roupas apropriadas ou não
movimentos extraoculares
Comportamento:
estranho
ameaçador ou violento
fazendo caretas ou tremores
dificuldades para deambular
agitação
Humanização __________________________________________________________________________________________________
135
Pensamentos:
Conteúdo Fluxo
- suicida - aleatório, ao acaso
- ilusional - lógico
- preocupação com o corpo - tangencial
- preocupação religiosa
Discurso:
velocidade, tom e quantidade
Humor:
triste, alto, bravo, com medo e sofrendo
Capacidade cognitiva:
orientado, memória, função intelectual,
insight
ou julgamento.
Livros Grátis
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