![](bg6c.jpg)
107
metáfora textual: o mesmo fogo que grava no papel a escrita é também capaz de consumir uma
obra literária.
Além disso, o farol pode ser visto como um símbolo fálico, ocorrendo, assim, uma díade
com o primeiro livro, no qual há a simbologia da casa, que remete à proteção, ao seio maternal, e
ao órgão genital feminino (CHEVALIER, 1988, p. 197). A união dos dois símbolos, a casa e o
farol, induz a um tratamento gestativo e reprodutor da História, simbólico na recuperação do
passado.
Outro aspecto simbólico importante no romance é o da viagem, citada rapidamente no
capítulo anterior. Há no romance um retorno nostálgico ao passado, além dos constantes
deslocamentos espaciais (viagens) dos personagens principais. A viagem simboliza a busca da
verdade, do conhecimento e da paz, como também remete a uma aventura, ou até mesmo à fuga
de si mesmo. No caso de Matias, ele parte para a guerra à procura de vivenciar o ideal gaúcho, da
sua identidade e da “verdade”, uma vez que ele passou sua infância ouvindo os feitos de heróis
como Garibaldi. Ao retornar da guerra, há a desilusão amorosa, e ele parte para o Rio de Janeiro,
o que poderia ser visto ainda como uma fuga e também como busca pela paz. Logo, Antônio
busca conhecer o passado do pai e viaja para o Rio Grande do Sul. Além disso, há viagens
metaforizadas, como os devaneios de Manuela, construindo seu próprio espaço, e a passagem
para outro plano pela morte. Pode-se dizer que Manuela dedica-se à escritura não apenas para
“viajar” pelas histórias, mas para sentir-se viva, de manter-se viva, para não morrer.
Há também no romance algumas manifestações referentes ao folclore gaúcho. São apenas
passagens curtas, inseridas principalmente na série de capítulos Olhos de Vidro. Lendas como o
Negrinho do Pastoreio
139
(“Acenderam velas pro Negrinho do Pastoreio”) e a Teinaguá
140
(“[...] a
Teinaguá tinha olhos de fogo.”) aparecem como fruto de histórias contadas por Dona Antônia a
Matias quando este era criança (
WIERZCHOWSKI, 2004,
p. 132-133). Além disso, no romance
139
“Tradição popular do Rio Grande do Sul, em sua zona pastoril. Um negrinho, escravo de estancieiro rico e mau,
somítico e perverso, perdeu a tropilha de cavalos baios que pastoreava, e foi mandado surrar barbaramente pelo
amo. Ainda sangrando, atiraram-no dentro de um formigueiro, onde o negrinho faleceu. Reapareceu, na lenda
compensadora do martírio, montando um baio à frente de uma nova tropilha, invisível, mas identificável pelo
som, percorrendo as campinas. É afilhado de Nossa Senhora, e a quem lhe promete cotos de velas, o Negrinho
do Pastoreio faz encontrar objetos perdidos” (CASCUDO, 1980, p. 522-523).
140
“É um lagarto encantado, que possui na cabeça uma pedra preciosa, um carbúnculo cintilante. Numa lenda do
Rio Grande do Sul, um sacristão da igreja de São Tomé conseguiu aprisionar o teiniaguá, que se transformava
em linda moça. Preso e condenado à morte, por ter quase abandonado o serviço e cometido sacrilégio, o
sacristão foi libertado pelo lagarto e conduzido para a serra do Jarau, onde ainda vive, guardando os tesouros
ocultos na ‘Salamanca’” (CASCUDO, 1980, p. 743).