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Daí a necessidade de trabalharmos com alguns pressupostos psicanalíticos, mesmo
que não os tomemos posteriormente como dispositivo analítico.
Abordamos a questão da identidade feminina a partir da ótica da Análise do
discurso de linha francesa (AD), acrescentando alguns textos da Psicanálise, já que
na terceira fase da AD ela tem papel fundamental. Ambas as teorias partem da
linguagem como elemento fundamental na constituição do sujeito. O sujeito é para a
Psicanálise um sujeito desejante, constituído pela falta e, para a AD, um sujeito
heterogêneo e interpelado pela ideologia. Considerando, então, que o sujeito se
constitui pela palavra, partimos do pressuposto de que “As formações da linguagem
precedem os indivíduos e os inscrevem em determinadas posições na ordem
simbólica; assim, ´homem´ e ´mulher´ são os primeiros significantes que nos
designam” (KEHL, 1998: 11). Conforme essa designação, é a palavra do “outro” que
dá palavra ao sujeito que, então, constitui-se. É, portanto, o discurso alheio que nos
permite o acesso ao simbólico e, a partir daí, as possibilidades de identificação.
Freud afirma em seu artigo sobre a feminilidade (1976: 153), que “anatomia é
destino”, ou seja, nascer anatomicamente homem ou mulher implica
necessariamente a transposição de UM dos caminhos do Édipo. Já para Lacan
“linguagem é destino” (apud KEHL, 1996: 13), portanto, o “tornar-se” sujeito e, mais
precisamente, tornar-se um sujeito mulher, depende necessariamente da linguagem,
da simbolização. Considerando esse aspecto, “é a cultura que nos designa destinos
diferenciados como homens ou mulheres” (idem, ibidem: 13), além disso, “Do ponto
de visa do inconsciente, a diferença -embora fundamental- também é mínima:
depende do modo de inscrição dos sujeitos, homens ou mulheres, sob a ordem
fálica que organiza o desejo, mas que não fixa necessariamente o gênero à
sexualidade” (idem, ibidem: 13). Assim, o percurso pelo Édipo e a inscrição na
ordem fálica é que irão determinar a questão da feminilidade ou masculinidade no
indivíduo, seja qual for sua constituição biológica.
Para a Psicanálise, a constituição do indivíduo em sujeito se dá no momento
da passagem do estado polimorfo infantil
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, quando a criança ainda identifica-se com
o falo e, por isso, vê-se onipotente, ainda não discriminada da mãe, para a
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Segundo Birman (1999: 31), “afirmar que a sexualidade é polimorfa implica enunciar que ela tem diversas
formas de existência e de apresentação, se materializando pois em diferentes modalidades do ser”. Desse modo,
o estado polimorfo é aquele em que ainda não se tem uma definição do objeto de desejo sexual, que
primordialmente pode ser múltiplo.