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Educação superior:
reforma, mudança e
internacionalização.
Anais.
Brasília, junho de 2003
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© UNESCO 2003 Edição brasileira pelo Escritório da UNESCO no Brasil
Education Sector
Division of Higher Education
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Educação superior:
reforma, mudança e
internacionalização.
Anais.
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Edições UNESCO BRASIL
Conselho Editorial da UNESCO no Brasil
Jorge Werthein
Cecilia Braslavsky
Juan Carlos Tedesco
Adama Ouane
Célio da Cunha
Comitê para a Área de Educação
Angela Rabelo Barreto
Célio da Cunha
Candido Gomes
Marilza Machado Regattieri
Tradução: Sérgio Bath
Revisão Técnica: Sérgio Bath
Diagramação: Paulo Selveira
Assistente Editorial: Rachel Gontijo de Araújo
Capa: Edson Fogaça
© UNESCO, 2003
Educação superior: reforma, mudança e internacionalização. Anais.
– Brasília : UNESCO Brasil, SESU, 2003.
208p.
Conferência Mundial sobre Educação Superior +5
Paris, 23-25 de junho de 2003.
1. Educação Superior 2. Reforma Educacional I. UNESCO
CDD 378
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Representação no Brasil
SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.
70070-914 – Brasília/DF – Brasil
Tel.: (55 61) 2106-3500
Fax: (55 61) 322-4261
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BR/2003/PI/H/2
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .07
Discurso do senhor Koichiro Matsuura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11
A Universidade na Encruzilhada –
Cristovam Buarque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21
Discurso da sua Alteza Sheika Mozah Bint Nasser Abdallah Al-Misnad
. . . . .75
A nova missão da universidade: a inclusão social –
Carlos Antunes dos Santos
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
Relatório sintético sobre as tendências e desenvolvimentos na educação
superior desde a Conferência Mundial sobre a educação superior
(1998-2003)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .93
Internacionalização da educação superior –
Tendências e desenvolvimento desde 1998
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .151
Reunião dos parceiros na educação superior –
Conferência Mundial sobre Educação superior +5 (Relatório Geral)
. . . .195
SUMÁRIO
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Desde quando foi aprovada a Declaração Mundial sobre o Ensino
Superior para o Século XXI, em Paris, em 1998, que a UNESCO no Brasil
tem procurado dar seguimento a esse histórico documento. Inicialmente, em
parceria com o Conselho de Reitores e o apoio da Capes, editou os Anais da
Conferência e, em seguida, ajudou a promover debates e discussões públicas
sobre as implicações da Declaração para a universidade brasileira.
Tinha-se clareza quanto ao alcance da Declaração como referência e
marco para impulsionar mudanças que haviam-se tornado necessárias em
decorrência do novo quadro econômico e social que se desenhava em escala
mundial. O modelo da reforma universitária brasileira de 1968, em que pese
seus efeitos positivos na educação superior, sobretudo em relação à pós-
graduação stricto sensu, estava-se esgotando e não conseguia mais dar as
respostas exigidas por uma sociedade em ritmo de mudanças sem prece-
dentes. Era preciso mudar, e as pistas oferecidas pela Declaração Mundial
alimentavam possibilidades e indicavam alternativas.
Todavia, as mudanças em educação não percorrem o mesmo caminho
das mudanças que se operam em outras áreas. De modo especial, isso ocorre
nas universidades. As tensões geradas entre as demandas do mundo prático
e as de natureza acadêmica não podem ser reduzidas a esquemas simplistas.
E se a universidade se mantém, depois de quase 900 anos de sua criação,
como uma das instituições culturais de maior credibilidade e relevância,
isto deve ser creditado ao compromisso que ela tem com a verdade, ainda que
isso, em algumas ocasiões, possa parecer pouco prático.
Daí a necessidade de debates públicos e transparentes. Daí a importância
da Declaração como referência a esses debates, pois ela encerra o consenso
de centenas de especialistas e intelectuais reunidos em Paris, em 1998.
Os debates, quando bem organizados, possuem a missão de sedimentar
tendências e pavimentar os novos caminhos que se abrem. As reformas, para
APRESENTACÃO
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obterem êxito, precisam de alguns consensos e, certamente, de espaços políti-
cos para prosperar.
Com a ascensão de Cristovam Buarque ao posto de Ministro da
Educação, criou-se um clima favorável para fazer avançar no Brasil algumas
idéias norteadoras da Declaração de Paris. Ele não apenas colocou a reforma
da universidade na agenda de suas prioridades, como desencadeou um
processo de debates com o objetivo de obter consensos sobre algumas
questões consideradas fundamentais para inserir a universidade brasileira no
circuito contemporâneo de intensa e rápida produção e aplicação do conhe-
cimento. Com razão observou M. Castells, pela primeira vez na história, a
mente humana é uma força direta da produção e não apenas um elemento
decisivo do sistema produtivo. Em sua longa trajetória, a universidade ainda
não havia-se defrontado com um desafio dessa natureza e magnitude.
Como contribuição a esse debate, a UNESCO Brasil, ao instante
da realização do Seminário Internacional Universidade XXI, considerou
oportuno colocar à disposição da comunidade universitária brasileira o livro
Educação Superior: Reforma, Mudança e Internacionalização, que reúne
os principais documentos apresentados e discutidos durante o Encontro
Parceiros do Ensino Superior, realizado em Paris, em junho deste ano, espe-
cialmente organizado para avaliar os progressos da Declaração Mundial.
A educação superior, como bem lembrou Koichiro Matsuura, Diretor-
Geral da UNESCO, se encontra em estado de fermentação, sendo que no
centro desse processo há um amplo debate sobre o seu papel hoje e no futuro.
Não há dúvida de que, nessa nova etapa de sua evolução num mundo que
se globaliza e deixa transparente a magnitude das injustiças, a universidade
deverá ter a sua responsabilidade ética e social ampliada, de modo a colocar
a sua inteligência e criatividade a serviço dos que não atingiram ainda
condições mínimas de vida.
Inteligência, ética e criatividade, eis alguns vocábulos-chaves para nortear
as mudanças reclamadas. A história do conhecimento humano revela que,
em cada avanço alcançado, estão embutidas contribuições dos que nos prece-
deram. Por isso mesmo, pode-se falar em acervo comum de conhecimentos.
Disso decorre a dimensão coletiva do conhecimento e a responsabilidade
ética em sua utilização. A nova universidade precisa ter consciência profun-
da dessa responsabilidade. Os profissionais por ela formados, bem como os seus
programas de pesquisa e extensão, deverão refletir sempre esse compromisso.
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Nessa linha de abordagem, importa salientar que uma das conclusões
mais importantes do Relatório Geral do Encontro de Junho já referido,
afirma que o próprio conceito de universidade precisa ser alterado. As
universidades precisam mudar sua natureza elitista e isolada: precisam
deixar a sua torre de marfim para aproximar-se da maioria da população.
As universidades precisam ser globais e regionais, assim como nacionais
em suas preocupações; seu ambiente é a totalidade do planeta.
Para construir essa nova universidade, diz o Relatório, o mundo espera
muito da juventude, não uma juventude conservadora, mas uma juventude
inconformada que pode alimentar e promover a renovação. A participação
dos jovens é indispensável, até mesmo por serem esses as vítimas maiores de
um mundo fragmentado e incerto.
Todavia, em tempos de mudanças e de transição para o novo, é sempre
oportuno perguntar para onde se quer ir e fazer dessa reflexão um compo-
nente contínuo de todas as etapas a serem percorridas. Afinal, a universidade
é uma das instituições mais éticas da história da cultura humana. A sua crise
atual deve ser entendida sob o ângulo pedagógico, isto é, como uma oportu-
nidade de fortalecer a sua dimensão moral e ética e, dessa forma, continuar
a sua histórica inquietação em busca da verdade. Essa é uma condição impres-
cindível para que ela possa renovar-se e colocar-se à altura de seu tempo.
Jorge Werthein
Representante da UNESCO no Brasil
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Sua Alteza a Primeira Dama de Qatar,
Ministros, Embaixadores e Delegados Permanentes,
Pontos Focais da Conferência Mundial sobre Educação Superior,
Senhoras e Senhores,
É uma honra e um privilégio dar-lhes a todos as boas-vindas e
agradecer-lhes sinceramente pela resposta estimulante com que
aceitaram o convite da UNESCO para este segundo encontro dos
Parceiros na Educação Superior, depois do primeiro encontro,
realizado há três anos.
Nosso objetivo principal, nos próximos três dias, é proceder
à avaliação intermediária resultante do acompanhamento da
Conferência Mundial sobre Educação Superior, ao longo de um
período de cinco anos. No entanto, nossa perspectiva está voltada
para o futuro, e nosso objetivo deve ser que todos os Parceiros na
Educação Superior estejam preparados, o melhor possível, para
enfrentar os desafios dos próximos cinco anos e mais ainda. No fluxo
e redemoinho de uma rápida mudança, ainda há escolhas e decisões
a serem feitas, e é aqui que a Conferência Mundial e os seus desafios
são especialmente importantes. O objetivo é ajudar a esclarecer as
opções disponíveis mediante um processo vigoroso entre os muitos
Parceiros, abrangendo sistemas e instituições, assim como os contextos
locais, nacionais, regionais e internacional da educação superior.
DISCURSO DO
SENHOR KOICHIRO MATSUURA,
Diretor-Geral da UNESCO, no segundo encontro dos parceiros da Educação
Superior, Conferência Mundial sobre Educação Superior, em 23 de junho de 2003.
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Apresento meus agradecimentos especiais à nossa Convidada
de Honra, Sua Alteza Sheika Mozah Bint Nasser Abdallah al Misnad,
Primeira Dama de Qatar, aqui presente hoje na condição de Enviada
Especial da UNESCO para a Educação Básica e Superior, bem como
ao Professor Cristovam Buarque, Ministro da Educação do Brasil,
nosso conferencista principal na sessão de abertura. Estou encantado
com o fato de que ambos tenham encontrado entre os seus muitos
compromissos uma oportunidade de contribuir para a nossa confe-
rência, que é o evento mais importante da UNESCO no campo da
educação superior desde a Conferência Mundial de 1998.
A maioria de vocês ainda se lembra bem daqueles dias, em
1998, quando a Conferência Mundial sobre Educação Superior, com
a participação de 130 Ministros da Educação e mais de 4.000
interessados, adotou unanimemente a Declaração Mundial sobre
a Educação Superior para o século XXI, bem como o Quadro de
Ação Prioritária para a Mudança e o Desenvolvimento na Educação
Superior. Esses documentos incorporam as aspirações e a visão
compartilhada dos delegados de todas as regiões, e definem o
itinerário da ação pelo qual os objetivos da Conferência devem ser
implementados. Nos anos que se seguiram, esses objetivos – que
incluem a ampliação do acesso, com base no mérito; a modernização
de sistemas e instituições; o fortalecimento da relevância social; e a
criação de melhores vínculos entre a educação superior e o mundo do
trabalho – nada perderam da sua importância ou força de convicção.
Na verdade, eles se tornaram ainda mais relevantes.
Senhoras e Senhores,
A agenda da reunião é extremamente rica e completa, o que me
leva a pensar de que forma poderão digerir esse verdadeiro banquete
de idéias em apenas três dias. Nesse processo intensivo de discussão
e debate, eu lhes recomendaria focalizar sua atenção nas tarefas à
frente – em primeiro lugar, ampliar, aprofundar e compartilhar
o seu conhecimento e a compreensão dos desenvolvimentos impor-
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tantes que estão ocorrendo na educação superior; em segundo
lugar atualizar, sob essa luz, o Quadro de Ação Prioritária.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para propor algumas
reflexões e observações que me ocorreram ao examinar a agenda desse
encontro, e alguns dos seus documentos básicos. Tendo em vista o
tempo disponível, vou ser seletivo, não compreensivo, e abordar
três temas principais. O primeiro é a questão da continuidade e
mudança na educação superior; o segundo, a relação da educação
superior com outros tipos e níveis de educação; o terceiro, a relação
entre a educação superior e o desenvolvimento. Com respeito a cada
um desses temas, pretendo ilustrar a forma como o trabalho e o pen-
samento da UNESCO estão empenhados com a situação em apreço.
Em primeiro lugar, o que me impressiona mais fortemente é o
modo como, no início do século XXI, o mundo da educação superior
está marcado por uma complexa disputa entre continuidade e
mudança. O discurso prevalecente diz respeito à mudança. Fala-se
sobre os novos desafios, as novas oportunidades, as novas fontes e a
renovação de tudo – desde as instituições até os currículos, dos sistemas
às formas de aprendizado. A terminologia da reforma, inovação,
transformação e até mesmo da revolução me revela que a educação
superior se encontra em estado de fermentação e no centro desse
processo há um amplo debate sobre o seu papel, hoje e no futuro.
Cada vez mais, esse papel é definido em relação à globalização, à
formação das sociedades de conhecimento e aos problemas, tensões
e divisões que ocorrem entre as sociedades e no seu interior.
Evidentemente, os sistemas e as instituições da educação superior
não podem se manter isolados dos dilemas e das contradições da
globalização. Ao contrário, como a geração, transmissão e aplicação do
conhecimento são fundamentais para a sua missão, as universidades
representam um elemento formativo da globalização, e são influ-
enciadas também pelas forças da globalização. O modelo da torre
de marfim” entrou em colapso, mas o que exatamente assumiu o seu
lugar? Em termos ideais e práticos, o que deveria tomar o seu lugar?
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Hoje, no centro dessas questões relacionadas com a educação
superior, temos não só o impacto da mudança, mas também a
obrigação da continuidade. Esses dois aspectos são vitais e, contudo,
há entre eles uma tensão inevitável. Em alguns períodos ou cir-
cunstâncias, o equilíbrio entre esses dois pólos tende em favor da
continuidade; no entanto, neste momento histórico, as forças
da mudança estão em ascensão. Em conseqüência, a importância
da continuidade pode ser obscurecida ou desvalorizada.
A continuidade da educação superior é essencial. Muito
depende, naturalmente, da natureza dessa continuidade. No contexto
da resposta da educação superior à globalização, ela pode dirigir-se
para a preservação do propósito e da identidade institucionais, ou
para a manutenção do caráter específico e distintivo dos sistemas
nacionais de educação superior. Alternativamente, pode referir-se
a aspectos fundamentais das tradições e identidades culturais, nos
níveis local e nacional. Ou pode ainda dizer respeito aos valores
fundamentais e aos princípios básicos que deram forma ao desen-
volvimento histórico da educação superior. Sob este último aspecto,
em certas circunstâncias, as mudanças que varrem a educação superior
podem ameaçar a prática da liberdade acadêmica, da autonomia
universitária ou a independência da pesquisa. Por favor, notem que,
embora esses princípios e valores sejam importantes por si mesmos,
pode haver outras considerações a serem ponderadas. Por exemplo:
limitações à liberdade acadêmica podem induzir a “evasão de
cérebros” ou provocar um êxodo em certos campos da investigação
acadêmica.
Portanto, no esforço para se adaptar, modernizar e reformar, a
educação superior precisa cuidar de não induzir descontinuidades
indesejáveis ou provocar sacrifícios desnecessários. Possivelmente,
a preocupação mais difundida, originada na corrente onda de
mudanças na educação superior, tem a ver com a qualidade. É uma
preocupação que pode focalizar como a qualidade da pesquisa e do
ensino talvez esteja ameaçada, ou declinando, devido ao próprio
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processo de mudança, ou a mudanças particulares, tais como a
rápida expansão ou massificação. A adoção de novas modalidades
de fornecimento, a emergência de novas fontes e o aumento da comer-
cialização e do comércio nesse campo dos serviços educacionais estão
também estimulando ansiedade a respeito da qualidade.
De diferentes modos, a UNESCO está empenhada na intera-
ção entre continuidade, mudança e qualidade. O motivo da conti-
nuidade e da mudança talvez seja mais evidente na área da garantia
de qualidade, da validação de créditos e do reconhecimento de
qualificações. Eis aí uma mistura complexa de longa experiência e
de mudanças sem precedente. Organizando o Fórum Global sobre
a Garantia de Qualidade, Validação de Créditos e Reconhecimento
de Qualificações na Educação Superior, a UNESCO entrou no tur-
bilhão de mudanças, onde o debate é incisivo e, às vezes, tempestuoso.
Consistente com o papel que desempenhamos dentro do sistema das
Nações Unidas como a organização intergovernamental responsável
pela educação superior, nosso papel é promover o diálogo e a coope-
ração internacional nessa área contestada. Ao mesmo tempo, continu-
amos nosso trabalho com base nas convenções regionais existentes
sobre o reconhecimento dos estudos, que proporcionam um foco
para a colaboração prática e para a ação concreta.
Uma segunda área de reflexão tem a ver com a relação entre a
educação superior e outros tipos e níveis de educação, tema que será
considerado por uma das comissões. É de extrema importância que a
educação superior se expanda na busca de novos parceiros e novas
formas de cooperação; mas, ao fazê-lo, não deve negligenciar sua
própria família e seus parentes educacionais mais próximos. O que
tenho em mente aqui é o fato de que a educação superior precisa dar
maior atenção a outros níveis de educação e a outras formas de
aprendizado, para que se empenhe efetivamente em seus próprios
problemas, e preencha suas responsabilidades sociais com respeito
a desafios importantes, tais como a pobreza, a desigualdade e a
injustiça sociais, o desenvolvimento sustentável e a boa governança.
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Conseqüentemente, a educação superior deveria buscar parcerias não
só com a sociedade civil, os setores público e privado da economia e
as redes internacionais, mas também com os ensinos fundamental,
médio e técnico, com o treinamento vocacional e as várias formas
assumidas pela educação de adultos e pela educação permanente.
Não estou afirmando que essas parcerias não existem, mas que
o novo desafio de construir sociedades de conhecimento inclusivas e
equitativas exige uma abordagem mais integrada com relação aos
estágios, às vinculações e às seqüências do aprendizado organizado.
Basta pensar na importância do papel que a educação superior deve
desempenhar no treinamento e na educação dos professores para que
o aumento da demanda, derivado do esforço do programa da
Educação para Todos, seja atendido nos próximos anos. Basta pensar
na contribuição que a educação superior pode dar, por exemplo,
à reforma curricular e às aplicações da ciência e da tecnologia no
campo da educação. Basta pensar como a educação superior precisa
ajustar-se à crescente diversificação da educação secundária e pós-
secundária, e no impacto que as reformas e inovações que estão
ocorrendo podem ter sobre todos os outros aspectos do sistema
educacional.
A UNESCO, como a agência das Nações Unidas com um
mandato para educação, de modo geral, se interessa naturalmente
pela forma como todos os diferentes tipos e níveis de educação se
inter-relacionam, formando um quadro coerente. Hoje, estamos
interessados particularmente em estimular um maior envolvimento
da educação superior com o programa Educação para Todos, que tem
a mais alta prioridade na nossa Organização. Registro com prazer
que essa questão figurou de forma preeminente na Oitava
Consulta Coletiva UNESCO/ONG sobre a Educação Superior, em
janeiro último. A contribuição da educação superior à pesquisa e à
análise, à capacitação (em especial o treinamento de professores) e
ao planejamento e implementação de projetos foi suficientemente
enfatizada.
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Minha terceira reflexão estimulada pela agenda desta reunião
está voltada para a relação entre a educação superior e o desenvolvi-
mento, que será o tema principal de uma das comissões. Quer olhemos
as relações recíprocas entre o local, o regional e o global, dentro do
processo de globalização, quer nos interessemos pelos padrões de
internacionalização que afetam a educação superior, ou o próprio sentido
da sustentabilidade com respeito ao desenvolvimento, a realidade da
interdependência fica clara. Não se trata apenas de uma questão de
interação e troca, nem se nega a existência de desequilíbrios e
iniqüidades. Mesmo onde essas relações envolvem desigualdades de
poder, recursos e status, a perspectiva da interdependência propor-
ciona uma base para reexaminar e, quem sabe, renegociar essas relações.
Este reconhecimento da nossa mútua dependência deve infor-
mar a compreensão do padrão mundial de relações entre o “Norte”
e o “Sul”, e influenciar também os vínculos específicos entre insti-
tuições e sistemas que desejamos promover. Além disso, devemos
aplicar a noção de interdependência não só às relações de cooperação
internacional, como também às muitas formas com que o conheci-
mento é criado, apreciado e compartilhado. Afinal de contas, o
processo de abertura do potencial da globalização e difusão dos
seus benefícios, de forma mais equitativa, exige modos de desen-
volvimento que respeitem a diversidade cultural, o conhecimento
nativo e as soluções locais, o que implica relações de reciprocidade,
diálogo e respeito mútuo: em outras palavras, o reconhecimento
dessa interdependência.
Na prática, contudo, concepções estreitas do interesse nacional
e institucional, assim como as exigências de um ambiente competiti-
vo, podem obscurecer o fato da nossa crescente interdependência e o
seu significado. Não obstante, debates sobre o papel da educação
superior no desenvolvimento se empenham nesses temas, direta e
indiretamente.
O exemplo mais óbvio talvez seja a contribuição da educação
superior para o desenvolvimento sustentável, onde a importância da
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interdependência é bem conhecida. A este respeito, uma iniciativa
importante é a Parceria Global da Educação Superior para a
Sustentabilidade, lançada no ano passado na Cúpula Mundial sobre
o Desenvolvimento Sustentável, realizada em Johannesburg, na
África do Sul. Essa parceria foi formada pela UNESCO com a CRE-
Copérnico, os Líderes Universitários para um Futuro Sustentável e a
Associação Internacional de Universidades.
Também digna de nota é a Declaração UBUNTU, proclamada
em Johannesburg no último mês de setembro, pela qual a UNESCO
e outras organizações educacionais e científicas propuseram “um
novo espaço de aprendizado sobre educação e sustentabilidade que
promova a cooperação e o intercâmbio entre instituições em todos os
níveis e em todos os setores da educação, em todo o mundo”.
Por favor, observem que, ao exercer o seu papel como iniciadora e
coordenadora da próxima Década Internacional da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (2005-2014), a UNESCO estará bus-
cando uma cooperação estreita com parceiros no campo da educação
superior.
Entrementes, o Programa de Cátedras UNITWIN/UNESCO
está radicado na construção de relações recíprocas de colaboração
internacional no campo da educação superior. Os vínculos entre
instituições, tanto Sul-Sul como Norte-Sul, se baseiam no interesse e
necessidade mútuos, assim como em um compromisso de princípio
com o diálogo e a cooperação. Esse Programa, que celebrou em
novembro último seu décimo aniversário, é flexível, adaptável, e se
desenvolve continuamente à medida que responde a novos desafios.
Outras atividades da UNESCO na interface entre a educação
superior e o desenvolvimento incluem iniciativas recentes, tais como
o Fórum sobre a Educação Superior, Pesquisa e Conhecimento,
desenvolvido em estreita associação com a Agência Sueca de
Cooperação para o Desenvolvimento Internacional (SIDA). Esse
Fórum é uma oportunidade ímpar, sem precedentes, para que os
pesquisadores, especialistas e responsáveis pelas políticas educacionais,
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em âmbito internacional e regional, abordem criticamente temas e
resultados da pesquisa. Além disso, temos a iniciativa do OER –
Open Educational Resources, ou seja, Recursos Educacionais Livres
– lançada depois de discussões com o MIT e uma série de outras
instituições, empresas e fundações, tendo em vista ampliar a disponi-
bilidade de materiais para cursos abertos, em benefício particular-
mente dos países em desenvolvimento e dos países em transição.
Além disso, a iniciativa “Acadêmicos sem Fronteiras”, juntamente
com um esquema de “voluntários universitários”, promete reduzir o
chamado brain drain “evasão de cérebros” e fortalecer as instituições
de educação superior dos países em desenvolvimento.
Na UNESCO, temos cada vez mais a sensação de que todo o
problema do desenvolvimento e cooperação na educação superior,
considerado à luz das necessidades dos países em desenvolvimento e
transição, pode exigir alguma forma de quadro de integração ou uma
nova síntese programática. A idéia de interdependência proporciona
uma contribuição temática útil, mas precisamos trabalhar mais este
assunto e, certamente, apreciaríamos ouvir a opinião dos nossos
Parceiros na Educação Superior.
Senhoras e Senhores,
Os três temas que focalizei – a continuidade e mudança na
educação superior; a relação entre educação superior e outros tipos e
níveis educacionais; a educação superior e o desenvolvimento – estão
profundamente associados. Espero que esta breve reflexão seja útil
para os objetivos desta reunião. Vocês têm à sua frente uma agenda
estimulante. Há cinco anos a Conferência Mundial sobre Educação
Superior sinalizou que a educação superior está se transformando de
forma notável, com velocidade extraordinária; desde então, o processo
de mudança se intensificou, mas, embora muito ainda permaneça em
fluxo, hoje há maior clareza sobre o que está acontecendo e por quê.
A tarefa diante de nós, neste começo do século XXI, consiste em utilizar
o nosso conhecimento e a nossa compreensão para atribuir forma e
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sentido às nossas políticas, decisões e ações. Esta revisão inter-
mediária é uma oportunidade para elaborar um entendimento com-
partilhado do que se faz necessário e do que é desejável. Auguro-lhes
todo sucesso nas suas deliberações. Em nome da UNESCO, agradeço
a todos antecipadamente os seus esforços, e espero com grande
interesse os resultados da reunião.
Obrigado.
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1. A UNIVERSIDADE GLOBAL
Ao longo de seus quase mil anos de história, a Universidade
representou:
• um estoque de conhecimentos que o graduado adquiria para
durar por toda a vida. Hoje, esse conhecimento está em fluxo
contínuo, e tem de ser constantemente atualizado pelo ex-
aluno;
• conhecimento como propriedade específica dos alunos em
salas de aula ou bibliotecas, transmitido por professores ou
por livros. Hoje, o conhecimento é algo que está no ar,
alcançando pessoas de todos os tipos, por toda parte, pelos
canais mais diversos. A universidade é apenas um desses
canais, lado a lado com a internet, a televisão educativa, revistas
especializadas, empresas, laboratórios e instituições privadas;
• o conhecimento como um passaporte seguro para o sucesso
do aluno já formado. Hoje, isso já não basta, em razão da alta
competitividade do mercado profissional, que exige atualiza-
ção constante, reciclagem e reformulação, para que o conhe-
cimento adquirido não se torne obsoleto; e o conhecimento
como algo que servia a todos, porque, ao aumentar o número
de profissionais, o produto da universidade se difundia. No
A UNIVERSIDADE NA
ENCRUZILHADA
Cristovam Buarque
*
Ministro da Educação do Brasil
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mundo de hoje, o conhecimento de um profissional recém-
formado serve, basicamente, aos desejos e interesses daqueles
que podem pagar por seus serviços, fazendo uso de equipamentos
caros, que não permitem a distribuição do conhecimento.
Não ocorreram grandes mudanças estruturais na universi-
dade, nos últimos mil anos. O papel da universidade pouco
mudou. No entanto, a realidade da situação social do
mundo, bem como os avanços dinâmicos em termos de
informação, conhecimento e novas técnicas de comunicação
e educação evidenciam a necessidade de uma revolução no
conceito de universidade.
1. A Esperança na Universidade
O mundo, no início do século XXI, passou por uma imensa
desarticulação ideológica, que incluiu uma enorme dissociação
política e uma desigualdade social maciça. Frente a essas transfor-
mações radicais, a universidade ainda representa patrimônio
intelectual, independência política e crítica social. Graças a essas
características, a universidade é a instituição mais bem preparada
para reorientar o futuro da humanidade.
As últimas décadas do século XX causaram grande desorientação:
• a economia, que foi o orgulho do século XX, entrou em
desaceleração; essa economia, que, a princípio, aumentou o
número dos que se beneficiavam do progresso, passou a ser
instrumento da mais brutal desigualdade entre os seres
humanos já vista na história;
• os partidos políticos, quer de direita quer de esquerda,
deixaram de gerar esperança;
• a democracia, que havia sido criada para os estados-cidade,
tendo resistido por mil anos, passou a se mostrar saturada e
incompetente. Isso se deu num tempo em que um presidente
eleito em um país, pequeno ou grande, tem poder sobre todo
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o planeta e sobre os séculos futuros, em termos das decisões
tomadas por ele;
• as religiões, que sempre foram guardiãs da cultura, sentem-se
agora incapazes de frear o avanço brutal do individualismo;
•asempresas, que antes criavam empregos, passaram a destruir
empregos;
• a ciência e a tecnologia, que foram o orgulho da humanidade
durante trezentos anos, chegaram ao século XXI tendo a
imoralidade como uma de suas opções, uma vez que agora
são capazes de manipular a vida e de destruir o planeta. Isso
se aplica, sobretudo, ao fato de a ciência e a tecnologia serem
usadas em benefício de uma minoria e, se continuarmos nesse
rumo, não tardará para que a maioria, que deixará de ser vista
como parte da humanidade, seja de todo excluída; e
as ideologias se enfraqueceram. É agora evidente que o socialis-
mo foi incapaz de construir utopias, de assegurar a liberdade
e de proteger o planeta. O capitalismo exibe a desumanidade
que lhe é inerente diante das exigências de equilíbrio ecológico
e de respeito pelo bem comum de todos os seres humanos.
Resta pouca esperança de que um novo sistema global de idéias
venha a ser criado para renovar a crença na utopia de um mundo em
que o sonho humano de progresso tecnológico se alie à liberdade e à
igualdade. Essa crença implicava confiança nos políticos, nos líderes
religiosos e nos juízes, de quem se esperava a invenção de meios para
a criação de coalizões entre os seres humanos. No entanto, se exami-
narmos as instituições que sobreviveram ao longo desses últimos mil
anos, ainda podemos nos permitir ter esperanças, se voltarmos nosso
olhar para a universidade.
Para que a universidade seja um instrumento de esperança,
entretanto, é necessário que ela recupere a esperança nela própria.
Isso significa compreender as suas dificuldades e limitações, bem
como formular uma nova proposta, novas estruturas e novos méto-
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dos de trabalho. Lutar pela defesa da universidade significa lutar pela
transformação da universidade.
A Hora Certa é Agora
De todas as realizações brasileiras da última metade do século
XX, talvez a maior seja a fundação de sua universidade, em especial
da universidade pública federal. Essa inovação foi, no mínimo, tão
importante quanto a industrialização, o sistema de telecomuni-
cações, a rede de transportes e a infra-estrutura energética. A univer-
sidade é um símbolo da nação brasileira e da força do povo brasileiro.
De início, nas primeiras décadas de seu desenvolvimento, a
universidade foi produto do apoio estatal. Ao longo das últimas
décadas, contudo, sua sobrevivência e seu crescimento foram o resul-
tado da resistência da comunidade universitária, no contexto de um
país que enfrentava enormes dificuldades. Com o fim do prote-
cionismo estatal, as estradas se esburacaram, a energia foi racionada
e o crescimento industrial estancou, causando a falência de empresas.
No entanto, os professores, alunos e funcionários das universidades
continuaram a crescer, abrindo cursos, ampliando vagas, pesquisando,
formando, publicando e inventando. O universitário brasileiro de
fins do século XX foi, simultaneamente, um intelectual criador e um
militante da sobrevivência em meio ao desânimo.
Por essa razão, é possível ser otimista diante do futuro.
O século XXI chegou, e já existe uma massa crítica consolidada,
pronta a seguir adiante, embora depredada e desanimada; disposta a
lutar, apesar da baixa auto-estima; pronta a enfrentar situações de
emergência, mesmo sabendo que a crise é mais profunda, atingindo
o propósito, a estrutura, os métodos operacionais e o financiamento
da atividade universitária. E o que é mais importante, chegamos ao
início do século XXI com um governo comprometido com a edu-
cação, ainda que sem recursos suficientes para atender a toda a
demanda. Sobretudo, estamos vivendo um momento único na
história, quando a sociedade brasileira parece ter despertado para a
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importância da educação, mesmo que não confiando no papel da
universidade, que o povo vê como uma entidade de acadêmicos aris-
tocráticos em meio ao mar do baixo nível educacional da população.
Tudo indica que, apesar de todas as dificuldades, ou graças a
elas, a hora certa é agora.
A Encruzilhada da Universidade
A crise da universidade brasileira coincide com a crise global da
instituição universitária. A humanidade encontra-se numa encru-
zilhada, preparando-se para escolher entre:
• a continuação de sua modernidade técnica, desenvolvida ao
longo de duzentos anos, que culminou com a brutal divisão
da humanidade em dois grupos dessemelhantes em termos
do acesso à ciência e à tecnologia. Essa divisão diferencia os
seres humanos, não apenas em termos desse acesso, mas até
mesmo de suas características biológicas; ou
• a construção de uma modernidade ética alternativa, capaz de
manter as similaridades da raça humana e de assegurar a
todos o essencial do progresso científico e tecnológico. Essa
escolha terá de ser feita também pela universidade. Diante da
encruzilhada de um mundo em mutação, a universidade terá
de escolher entre:
• o conhecimento, que antes representava capital acumulado,
passa a ser algo que flutua e que é permanentemente renovado
ou ultrapassado por obsolescência;
o ensino, que antes se dava por meio de canais bilaterais diretos,
entre aluno e professor, e em locais definidos, como a uni-
versidade, agora acontece por outros métodos reconhecidos,
como espraiamento em todas as direções, em meio ao oceano
das comunicações;
• a formação profissional, que antes representava uma base
firme na luta pelo sucesso, é agora, na melhor das hipóteses,
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um colete salva-vidas a ser usado no conturbado mar em que
se chocam as ondas do neoliberalismo, da revolução científico-
tecnológica e da globalização.
Neste momento de encruzilhada, a esperança está na universi-
dade. É necessário que ela se transforme e reinvente a si própria, para
servir a um projeto alternativo de civilização. Quase oito séculos e
meio se passaram desde a criação da universidade e, hoje, ela se
encontra bem no meio da encruzilhada civilizatória que irá definir os
rumos do futuro. A escolha será entre uma modernidade técnica,
cuja eficiência independe da ética, ou uma modernidade ética, na
qual o conhecimento técnico estará subordinado aos valores éticos,
dos quais um dos principais é a manutenção da semelhança entre os
seres humanos.
A universidade tem de entrar em sintonia com esse novo
rumo, corrigindo o descompasso gerado por esta turbulenta virada
de século.
A Crise de Recursos e os Recursos da Crise
Não há dúvida de que a universidade foi duramente maltratada
pelo neoliberalismo das últimas décadas. O Brasil é um exemplo
trágico dessa realidade. Durante esse período, as universidades públi-
cas brasileiras perderam poder, recursos financeiros e professores, não
tendo crescido o suficiente para atender à demanda por vagas. Em
1980, havia 305.099 alunos matriculados e, em 2001, 502.960.
O crescimento das universidades particulares, por outro lado,
foi espantoso: em 1981, o número de alunos matriculados era de
850.982, número esse que passou a ser de 2.091.529, em 2001,
representando um aumento de mais de 56%. Em 1980, havia, nas
instituições públicas, 49.451 professores e, em 2001, esse número
foi 51.765. Nas universidades particulares, entretanto, o número
de professores, nesse mesmo período, aumentou de 49.541 para
128.997. Se compararmos o crescimento desses dois sistemas,
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veremos que, enquanto o sistema privado cresceu 62%, o público
teve um aumento de apenas 19%.
A falta de recursos é um indicador de crise nas universidades, e
o Brasil não é um caso isolado. Muitas regiões do mundo assistiram
a uma mudança no tratamento dado às universidades. A universidade
pública passou de protegida a abandonada. Verificou-se uma tremenda
expansão das universidades particulares, financiada por recursos
privados e por recursos públicos indiretos. É freqüente que esses
financiamentos estejam claramente vinculados a interesses econômicos,
e não à liberdade de espírito que cabe à universidade promover.
No entanto, em vez de perceber a crise em toda a sua profun-
didade, as universidades, em sua maioria, vêm-se convertendo em
prisioneiras de suas necessidades imediatas. Elas tratam da crise como
quem conserta goteiras no telhado, sem perceber que o céu está
desabando. A universidade tem de transformar sua crise de recursos
num recurso para entender a crise maior do conhecimento humano
e de sua relação com o destino da humanidade.
As dimensões da crise têm de ser entendidas a partir da reali-
dade histórica de como a universidade nasceu, enfrentou crises ante-
riores e, mais uma vez, será capaz de se transformar.
A Perda de Sintonia
Esta não é a primeira vez que a universidade se vê confrontada
com a necessidade de mudar, mas nunca ela precisou mudar tanto
quanto agora. Tampouco é a primeira vez que a universidade parece
não se dar conta de sua própria crise, mas também não será a
primeira vez que ela irá superar suas dificuldades e se reorganizar para
servir à humanidade.
A universidade brasileira é um local privilegiado para a com-
preensão da crise universitária do mundo de hoje. O Brasil é
diferente dos países ricos, que não sofrem as mesmas dificuldades
financeiras, nem estão rodeados tão proximamente pela exclusão
social. O Brasil difere também dos países pobres, onde o importante
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são as condições de sobrevivência, e a universidade também é parte
da pobreza. O Brasil é um país intermediário, em que uma riqueza
semelhante à das melhores universidades do mundo convive com
uma pobreza próxima à dos mais pobres. O Brasil não é nem a
Europa nem a África, é um pouco de cada um desses dois conti-
nentes. O Brasil é um retrato do planeta e da civilização contem-
porânea, e o melhor indicador do rumo tomado pelo mundo e tam-
bém do rumo que o mundo pode vir a tomar. No Brasil, temos a
sorte de ter todas as crises, mas também de contar com a força que
vem da adversidade.
Temos todos os tipos de tragédias, mas também todos os recur-
sos para superá-las. Acima de tudo, temos a urgência que vem de
saber que ou encontramos saídas ou iremos naufragar. É por essa
razão que a universidade brasileira, juntamente com todas as outras
universidades do mundo, tem de despertar para uma crise que vai
além da crise financeira, consistindo numa crise de propósitos muito
mais ampla, num mundo em rápida transformação. A universidade,
neste início do século XXI, deixou de ser a vanguarda do conheci-
mento, tendo perdido também a capacidade de assegurar um futuro
exitoso a seus alunos. Ela deixou de ser um centro de disseminação
do conhecimento, e não é mais usada como instrumento na
construção de uma humanidade coesa. A universidade flutua em
meio às correntes da globalização, e corre o risco de um naufrágio
ético, caso aceite a imoralidade de uma sociedade cindida.
Quase oitocentos anos depois de sua criação, as universidades
precisam entender que mudanças têm de acontecer em cinco grandes
eixos:
a) voltar a ser a vanguarda crítica da produção do conhecimento;
b) firmar-se, novamente, como capazes de assegurar o futuro
de seus alunos;
c) recuperar o papel de principal centro de distribuição do conhe-
cimento;
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d) assumir compromisso e responsabilidade ética para com o
futuro de uma humanidade sem exclusão; e
e) reconhecer que a universidade não é uma instituição isolada,
mas que ela faz parte de uma rede mundial.
O conhecimento murado: mosteiros e universidades
A universidade nasceu, há oito séculos e meio, porque os
mosteiros medievais perderam a sintonia com o ritmo e o tipo de
conhecimento que vinha surgindo no mundo ao seu redor. Por serem
murados, esses mosteiros não foram capazes de atrair esse mundo
externo para dentro de suas preocupações e de seus métodos de tra-
balho. Prisioneiros de dogmas, defensores da fé, intérpretes de textos,
os mosteiros foram insensíveis à necessidade de incorporar os saltos
do pensamento da época. Muitas vezes, eles preferiram retornar ao
pensamento clássico grego, que havia sido interrompido alguns sécu-
los antes.
As universidades surgiram como um espaço para o novo
pensamento livre e vanguardeiro de seu tempo, capaz de atrair e
promover jovens que desejavam se dedicar às atividades do espírito
num padrão diferente da espiritualidade religiosa.
Ao longo dos séculos seguintes, a universidade floresceu como
um verdadeiro centro de geração de alto conhecimento nas
sociedades. Mas, para tal, ela teve de se reciclar, mudar e se adaptar,
em diversos momentos, à realidade a seu redor.
Em fins do século XIX, os centros de pesquisa para inventores
funcionavam independentemente das universidades, sendo inclusive
menosprezados por professores e estudantes universitários. Ford, Bell
e Edison não foram universitários. Além disso, as universidades não
reconheciam o trabalho dessas pessoas como possuindo nobreza
intelectual. As universidades perderam ritmo e se atrasaram, enquanto
o conhecimento técnico avançava indiferente a elas.
Em inícios do século XX, contudo, as universidades tiveram a
sabedoria de perceber que estavam se transformando em mosteiros
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modernos. Em vez de monges, havia estudantes universitários. No
lugar dos dogmas, o debate restrito às disciplinas clássicas tradi-
cionais. No lugar da participação no mundo do consumo de massa,
o esnobismo aristocrático do saber bacharelesco. Não tardou para
que as universidades se reciclassem, trazendo para dentro de si áreas
do conhecimento técnico, como a engenharia e as ciências aplicadas.
Já em meados do século, a universidade estava tão transformada que
os campos tecnológicos eram agora dominantes em relação aos cam-
pos tradicionais da filosofia, das artes e da literatura. Os estudos clás-
sicos, que por tantos séculos foram o cerne do saber universitário,
viram-se relegados a departamentos muitas vezes menosprezados e
tratados como reservas biológicas de conceitos e interesses pré-
históricos. Os estudos clássicos tornaram-se coisa do passado.
O começo do século XXI mostra que essa primazia do conhec-
imento tecnológico, mais uma vez, volta a cercear o conhecimento de
nível superior, impedindo os livres saltos do espírito humano em
direção a um futuro libertário, rico em termos estéticos e éticos, efi-
ciente em termos epistemológicos, abrangente em termos de comu-
nicação de massa, socialmente legítimo e universal em seu alcance.
O conhecimento universitário, mais uma vez, se vê murado e
defasado, perdendo sintonia com o conhecimento e as demandas da
realidade social externa a esses muros. A universidade sofre hoje do
mesmo problema que afligiu os mosteiros há mil anos, e ela própria,
há um século.
As perdas de sintonia
a) Com o avanço do conhecimento – perda de eficiência epistemológica.
A primeira perda de sintonia na universidade ocorre na veloci-
dade com que o conhecimento avança no mundo atual. Até tempos
recentes, o conhecimento universitário atravessava gerações sem
grandes modificações. O conhecimento médico e as teorias científicas
progrediam tão lentamente que um aluno formado numa universi-
dade poderia carregar pelo resto da vida, sem qualquer perda de
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eficiência, os instrumentos de saber lá adquiridos. Um diploma tinha
a validade de, pelo menos, o tempo de uma vida profissional e, muitas
vezes, uma validade ainda mais longa.
Essa situação mudou radicalmente.
A velocidade atual do avanço do conhecimento não permite
que um ex-aluno permaneça preparado, a não ser que ele se atualize
constantemente. Nenhum profissional continua fazendo pleno jus a
seu diploma depois de cinco anos de formado. Em alguns casos, essa
desatualização ocorre até mesmo ao longo do curso, quando muito
do que foi aprendido rapidamente se torna obsoleto, sendo substi-
tuído por novas teorias, novas informações, novos conhecimentos. O
saber avança rapidamente não apenas dentro dos campos específicos,
e novos campos surgem a cada dia.
A universidade vem-se esforçando por incorporar essas
transformações, mas sem sucesso. A estrutura dos cursos, a duração
dos doutorados e as limitações dos departamentos vêm impedindo
que o conhecimento, dentro da universidade, avance tão rapida-
mente quanto fora.
Isso faz com que muitos procurem produzir conhecimento fora
dela, para surpresa de todos os que se lembram da força que a uni-
versidade tinha até pouco tempo atrás. No passado, poucos eram os
professores ou pesquisadores que trabalhavam além dos muros da
universidade. Era impossível para um jovem criar saber de ponta sem
a orientação de um professor universitário. Isso mudou, em décadas
recentes. Diversos campos do conhecimento se desenvolveram fora
das universidades: em centros de pesquisa públicos que se distanciam
e até evitam contato com a universidade, dentro de empresas que
mantêm seus próprios centros de pesquisa e em instituições de ensi-
no superior que se autodenominam “universidades corporativas”,
como forma de indicar que oferecem ensino superior sem ensinar o
mesmo que as universidades tradicionais.
Essas parauniversidades existem porque as universidades tradi-
cionais fracassaram no cumprimento de seu papel, atrasando-se em
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termos da geração de conhecimento e perdendo a sintonia com os
tipos e a qualidade dos temas desenvolvidos ou ensinados. Se as uni-
versidades não reconhecerem essa situação e alterarem seu rumo,
deixarão de ter utilidade. Foi o que aconteceu com os mosteiros, há
um milênio.
A crise de recursos deve-se, em parte, à indiferença dos gover-
nos, e tem muito a ver com a perda de sintonia da universidade. O
inverso também é verdadeiro, entretanto. Se as universidade continu-
assem, de forma clara, a cumprir seu papel de vanguarda de todas as
formas de conhecimento, essas parauniversidades não estariam
surgindo e proliferando tão rapidamente quanto hoje acontece, e o
Estado não teria retirado apoio às universidades públicas.
b) Com a disseminação do conhecimento – perda de abrangência
na comunicação de massas.
Quando a América foi descoberta, as universidades tiveram
décadas para desenvolver e ensinar os novos mapas do mundo. Hoje,
quando qualquer fenômeno novo é criado ou descoberto, todos
tomam conhecimento dele quase que simultaneamente. No mundo
atual, os mapas são criados no minuto em que a geografia se altera.
Isso faz com que a universidade se defase em termos da disseminação
do conhecimento.
O jovem atento que navega na internet, assiste a programas
especiais na televisão e freqüenta grupos de chat especializados pode
tomar conhecimento de certo tipo de informações antes mesmo que
seus professores.
O conhecimento tornou-se urgente e simultâneo: urgente
devido à velocidade de sua criação e simultâneo devido à rapidez de
sua divulgação. O mundo inteiro se converteu em uma grande escola
para aqueles que estão atentos e se comportam como eternos alunos.
Na universidade pré-socrática, o professor era o tutor pratica-
mente individual de um pequeno grupo de alunos. Mesmo quando
gregos, romanos e bizantinos se reuniam numa sala de debates, o
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número de alunos era reduzido, restrito ao alcance da voz do profes-
sor, sem qualquer outro suporte. Séculos mais tarde, o uso do
quadro-negro provocou uma revolução, permitindo, pela primeira
vez, o uso de recursos visuais e ampliando o número de alunos.
Mesmo com essa inovação, o aluno, para aprender, tinha de com-
parecer às aulas, estar presente, olhar nos olhos do mestre e ver os
desenhos e palavras usados por ele. O uso do microfone ampliou
ligeiramente o número de alunos, mas o ensino continuou a se dar
em sala de aula, em prédios destinados especificamente às universi-
dades.
Em tempos bem mais recentes, surgiram os recursos modernos
da mídia eletrônica, permitindo o ensino a distância. Quase todas as
formas de conhecimento, principalmente para adultos universitários,
podem hoje ser ensinadas sem a presença física de um professor. A
sala de aula deixou de ser um espaço quadrado, cercado de paredes.
Ela é aberta e tem uma dimensão einsteiniana: seu tempo e seu
espaço se misturam, o aluno podendo estar em qualquer lugar e o
professor, em qualquer outro, sintonizados simultaneamente ou em
tempos diferentes.
Algumas universidades vêm-se esforçando para incorporar essa
nova realidade, embora ainda não tenham conseguido entender ou
aceitar a realidade de que os muros de cada campus cercam o mundo
inteiro. As universidades ainda não deram um salto compatível com
a realidade técnica de hoje, capaz de demolir os muros da universi-
dade e conectá-la on-line para, em tempo real, distribuir os conheci-
mentos para o mundo inteiro.
c) Com a eficiência do diploma – a perda de promoção social
Não faz muito tempo, as universidades tinham o papel de
funcionar como promotoras de seus alunos. O diploma era um pas-
saporte seguro para o futuro de qualquer jovem. A situação mudou.
Nas duas últimas décadas, o diploma universitário, apesar de
continuar sendo útil, deixou de ser um passaporte seguro para o
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sucesso. Milhões de jovens graduados, em todo o mundo, não encon-
tram emprego, ou porque há um excesso de profissionais ou devido
à rápida obsolescência do que eles aprenderam.
A universidade, contudo, não assumiu de forma plena essa
realidade: ela critica o mercado, em vez de entender que ele é decor-
rência da realidade e exige novos campos de conhecimento e novos
conhecimentos dentro dos campos antigos e, sobretudo, requer rapi-
dez na formação e reciclagem dos alunos.
A universidade de hoje vive a mesma crise do início do século
XX, quando ela se recusava a entender que a realidade exigia profis-
sionais graduados nas áreas tecnológicas, mais do que nas áreas
bacharelescas.
d) Com os excluídos – perda do papel de construtora de utopia.
No decorrer do século XIX, os centros brasileiros de ensino
superior coexistiram com o regime escravocrata, e eram poucas as
demonstrações de insatisfação ou de protesto, e mais rara ainda a luta
pela abolição. Grande parte da comunidade universitária assistiu com
naturalidade ao absurdo da escravidão, usando seus conhecimentos
de direito, economia e engenharia para manter o sistema funcionan-
do de forma eficiente.
No século XX, a universidade brasileira permanece impassível
e colabora para tornar o Brasil um país dividido entre os que se
beneficiam dos produtos da modernidade e os que são excluídos
desses benefícios. Hoje, a universidade se comporta diante da
pobreza de forma tão alienada quanto o fez, no século XIX, com
relação à escravatura.
A universidade brasileira é um retrato da universidade mundial.
Da mesma forma que a universidade brasileira se aliena frente à
pobreza que a cerca, a universidade européia se aliena diante da
tragédia global.
No século XXI, o século da globalização, a universidade
convive com a tragédia de uma humanidade cindida em duas. De
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um lado, estão os incluídos nos benefícios técnicos do mundo
moderno e, de outro, os excluídos. A cortina de ferro foi derrubada
e o mundo passou a ser dividido por uma cortina de ouro, erigida,
em parte, graças ao saber universitário que beneficia apenas um dos
lados. O ritmo atual da evolução do projeto civilizatório deixará a
humanidade cindida em duas partes, e não tardará muito, apenas
algumas décadas, para que essas partes se diferenciem tanto, a ponto
de não mais se sentirem relacionadas, e isso graças ao trabalho daque-
les que passaram por nossas universidades. O direito defende uma
parte, a economia beneficia uma outra parte e a biologia pode ser
usada para criar os instrumentos que poderão provocar mutações
induzidas nos seres humanos, beneficiando apenas uma parte da raça
humana e destruindo as características comuns ainda existentes.
A universidade ocupa-se agora do conhecimento técnico, tendo
deixado para trás a ética, e pode ser usada como um dos instrumentos
para a construção de uma divisão global.
Até tempos recentes, as universidades formavam profissionais
que, direta ou indiretamente, promoviam o crescimento econômico
e o aumento do bem-estar social, além de serem instrumentos de dis-
tribuição da renda e dos benefícios sociais.
A partir da década de 90, o modelo civilizatório excludente fez
com que os profissionais formados pelas universidades passassem a
servir quase que exclusivamente a um dos lados da sociedade: o lado
dos incluídos nos benefícios sociais. A sociedade passou a se dividir
internacionalmente, e dois setores passaram a se distinguir clara-
mente em todos os países do mundo. Um dos setores é formado pelos
incluídos nos bens e serviços oferecidos pelos avanços tecnológicos
modernos e o outro, pelos excluídos.
O produto dos avanços científicos e tecnológicos das universi-
dades foi posto a serviço das minorias privilegiadas também em outras
áreas. O uso e o consumo desses conhecimentos também ficou restri-
to às elites minoritárias. As universidades passaram a servir a uma
parte específica da sociedade, ignorando a outra.
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Os cursos oferecidos nas universidades pouco têm a ver com
os interesses das grandes massas. Os cursos de Economia buscam
maneiras de aumentar a riqueza e, em raros casos, estudam a supera-
ção da pobreza. Os cursos de Medicina estão mais interessados
em não deixar que os ricos morram ou envelheçam do que em evitar
a mortalidade infantil. Os arquitetos se preocupam em construir
mansões e edifícios para os ricos, e quase nunca pensam em soluções
para os problemas habitacionais dos pobres. Os cursos de Nutrição
dão mais ênfase a emagrecer os ricos do que a engordar os pobres.
Todos os campos da educação superior ignoram a grande massa
da população, tanto por omissão quanto pela ação. A sociedade
optou pela exclusão.
Essa situação não diz respeito apenas ao produto do conheci-
mento, podendo ser vista também nas lutas em que a universidade se
empenha. Na década de 60, a universidade era uma instituição revo-
lucionária, que buscava mudar a sociedade e construir a justiça.
Hoje, os universitários lutam basicamente por seus próprios interesses:
mais verbas para as universidades públicas, mensalidades menores
para as universidades particulares e isenção de impostos para os ex-
alunos.
Esta não é a primeira vez, na história brasileira, que os cursos
universitários demonstram estar alienados em relação aos pobres. É
triste reconhecer que foi mínima ou nenhuma a contribuição das
universidades do século XIX para a abolição da escravatura. No Brasil,
a abolição foi resultado dos esforços de políticos, poetas, jornalistas
e até mesmo da nobreza, mas foram raros os movimentos aboli-
cionistas nas escolas de Direito, Medicina ou Engenharia da época.
Isso mudou no século XX, com a promessa social de que a
riqueza poderia beneficiar a todos, e que o crescimento de seu pro-
duto se distribuiria, aumentando o número dos empregos. A luta
utópica por uma sociedade rica ingressou na agenda das universi-
dades, que então lutavam pela riqueza de todos. A universidade
tornou-se revolucionária.
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A realidade do final do século XX e do início do século XXI
resultou bem diferente. Os limites ecológicos ao crescimento, as
características desempregadoras da tecnologia e a tipologia dos pro-
dutos valorizados pela sociedade moderna mostraram que apenas
uma pequena parcela da população será beneficiada pelo crescimento
econômico, e a universidade retornou à alienação do século XIX,
tratando os pobres de hoje como antes tratava os escravos.
Mesmo quando afirma assumir os problema dos excluídos, a
universidade, muitas vezes, apenas finge. Os exames vestibulares
favorecem os incluídos, os ricos e a classe média, mesmo os que não
têm condições acadêmicas suficientes, cujo acesso é facilitado por meio
do aumento de vagas e de cotas para “minorias”. Os excluídos não
m acesso aos cursos preparatórios e não passam nos exames de seleção.
A universidade não pensa em reformar a estrutura e o conteúdo de
seus cursos, de forma a beneficiar os excluídos, que nela não ingressa-
rão por falta de condições econômicas, defendendo apenas as reformas
que beneficiam os que concluíram o ensino médio, mas que não conse-
guem ser aprovados nos exames vestibulares, em lugar de comprome-
ter a universidade com a melhoria do ensino na escola fundamental.
É como se a universidade tivesse tomado o claro partido de um
dos lados da sociedade, pensando apenas nos excluídos que estão
convenientemente próximos a ela, que nunca são os verdadeiros
excluídos. É como se beneficiar, a título simbólico, uns poucos
representantes dos excluídos, incluindo-os no mundo universitário,
bastasse para desonerar a universidade do compromisso de lutar pela
verdadeira abolição da exclusão.
Essa realidade sufoca a universidade. Os universitários a
negam, por vergonha, ou demonstram desconforto sem nada fazer
para mudar a situação. É por essa razão que a universidade tem de
recuperar a sintonia ética com os verdadeiros interesses da população.
e) Com o mundo – não-incorporação na globalização
Na Europa, a universidade foi uma das primeiras instituições
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globais. Seus profissionais viajavam e trocavam informações. Desde
seus primórdios até o presente, as universidades européias consti-
tuíram uma das mais formidáveis redes de conexões internacionais,
embora, atualmente, elas não estejam conseguindo atuar da mesma
forma diante da realidade do mundo globalizado. Os diplomas
universitários são protegidos nacionalmente, os professores pertencem
a universidades específicas e suas bibliotecas são mais integradas
que os conhecimentos por elas divulgados, uma vez que são auto-
maticamente interconectadas pela tecnologia que empregam, que,
muitas vezes, passa por cima dos processos decisórios e, em alguns
casos, da própria vontade de seus dirigentes.
É comum que os professores confundam viagens com inte-
gração, quando, na realidade, a universidade do século XXI terá de
ser totalmente integrada em bases universais.
A universidade do século XXI não conseguiu entender como
ser global sem perder a própria nacionalidade. Elas se sentem dividi-
das entre abrir-se por completo, negando sua singularidade nacional,
e defender-se das interferências externas a ponto de negar a realidade
atual do saber global.
A Refundação da Universidade
Mais de oito séculos após sua fundação, a universidade se
encontra em meio a uma revolução tecnológica, num mundo dividi-
do, precisando agora fazer sua própria revolução. Pelo menos sete
vetores deverão nortear essa revolução:
a) Universidade Dinâmica
A universidade não pode mais encarar o conhecimento de
forma estática, como se o saber tivesse longa duração, compatível
com o horizonte de vida de seus professores. Hoje, o conhecimento
começa a mudar no instante em que é criado, e a universidade tem
de incorporar essa dimensão ao papel desempenhado por ela.
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Para tal:
• o diploma deve ter prazo de validade
A Universidade do século XXI não pode se responsabilizar
pelos conhecimentos de um ex-aluno formado há alguns anos. É por
essa razão que um diploma universitário deve implicar a exigência de
reciclagem do conhecimento ao longo de toda a vida profissional;
• a universidade deve ser permanente
Na verdade, a universidade deve extinguir o conceito de ex-
aluno. O estudante já formado deve manter um vínculo permanente
com sua universidade, conectando-se com ela on-line e recebendo
conhecimentos ao longo de toda a sua vida profissional, de forma a
evitar a obsolescência;
• os doutorados devem ser atualizados
Todos os diplomas devem ser atualizados, e não apenas os de
graduação. O que acontece hoje é que os alunos de doutoramento
concluem suas teses e carregam pelo resto da vida um título que
demonstra apenas que um trabalho de mérito foi realizado no passa-
do. Possuir um doutorado é como ostentar uma medalha por feitos
heróicos numa guerra, pouco servindo como prova de conhecimen-
to em áreas que mudam a cada instante;
• os professores devem ser submetidos a concursos periódicos
Se os diplomas de graduação e de pós-graduação necessitam de
revalidação, os professores não podem manter seus cargos com base
em concursos antigos. A coerência exige que os professores univer-
sitários prestem novos concursos, em prazos que permitam demons-
trar a atualidade de seu conhecimento;
• flexibilidade no tempo de duração dos cursos
Se, por um lado, um aluno não deve jamais chegar ao término
definitivo de seu curso, por outro, é impossível definir, em termos de
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um período fixo, o tempo necessário à obtenção dos conhecimentos
básicos para a prática de uma profissão. As universidades do século
XXI não podem mais fixar a duração dos cursos. Os alunos poderão
se submeter a concursos que determinem sua habilitação para a práti-
ca da profissão, de acordo com sua própria capacidade e com o
tempo que lhes seja necessário. Com o uso dos novos métodos de
ensino e de pesquisa, o tempo exigido para a formação pode variar
muito, de acordo com a capacidade de cada aluno. Graças aos novos
métodos pedagógicos e aos equipamentos de comunicação e infor-
mática, a formação de um profissional tem de levar menos tempo do
que levava há algumas décadas.
Alguns alunos vão mais rápido, outros, mais devagar, mas
nenhum deles precisará de todo o tempo que seus pais precisaram.
Isso vale ainda mais para os cursos de pós-graduação. Simplesmente
não é possível manter-se sintonizado com a velocidade do avanço do
conhecimento e, ao mesmo tempo, levar anos para concluir um
doutorado. Hoje em dia, muitas teses de doutorado já estão supera-
das no dia em que são defendidas. São tantas as fontes computa-
dorizadas de informação acessíveis às pesquisas, que não há razão
para os cursos de doutorado terem a mesma duração de antes.
A dinâmica atual do avanço do conhecimento significa tam-
bém que um doutorado excessivamente longo pode significar um
doutorado tornado obsoleto pelo trabalho de outros alunos, em
outras partes do mundo, ou então, um doutorado sempre inacabado,
em face da impossível tarefa de manter-se constantemente em sinto-
nia com o que há de mais novo naquela área de conhecimento.
Os estudos de pós-graduação não exigem o mesmo tempo que
antes, e tampouco seu produto ganha em qualidade em decorrência
direta do tempo dedicado a ele;
• as referências bibliográficas devem ser indicadas on-line, com a
própria elaboração do livro pelos autores
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Hoje em dia, a elaboração de muitos livros demora mais que o
desenvolvimento das teorias neles contidas. Uma universidade que se
baseie em livros impressos é uma universidade que se atrasa em ter-
mos do conhecimento de ponta. Embora a leitura e o estudo dos tex-
tos clássicos de cada área devam ser incentivados, o estudo dos textos
ainda em desenvolvimento deve acontecer por meio do diálogo per-
manente entre alunos e autores.
b) Universidade Unificada
A globalização irá eliminar as fronteiras entre as universidades.
As universidades não apenas trocarão professores e alunos, como
também terão acesso a todos os professores e a todos os alunos.
Segundo o Relatório Anual da UNESCO de 1997, a universidade
global possui 88,2 milhões de alunos e 7 milhões de professores.
Hoje, há milhares de universidades mas, em breve, haverá apenas
uma única, integrada por todos os meios disponíveis à comunicação
moderna. Não haverá mais barreiras lingüísticas, graças aos mecanis-
mos de tradução automática já existentes na internet.
Com essa rede mundial, a idéia de limitar um aluno a um curso
específico na sua universidade de origem tornou-se antiquada e ine-
ficiente. Cada aluno pode formular seu próprio programa de curso,
escolhendo professores e disciplinas em escala global, numa rede que
abrange o mundo inteiro.
A universidade tornou-se uma entidade única.
c) Universidade para Todos
A universidade tornou-se uma entidade única, devendo estar
aberta a todos. Deixou de haver razão para exigir exames de ingresso,
e até mesmo os diplomas de segundo grau não são mais necessários.
Se, para os alunos que estão fisicamente presentes no campus, o
exame vestibular é uma necessidade imposta pela limitação do espaço
físico e pelos custos elevados, os novos métodos de ensino a dis-
tância podem alcançar um imenso número de alunos e acompanhar
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seu desempenho. Os alunos serão excluídos em razão de sua inca-
pacidade de acompanhar o curso, não por sua incapacidade de neles
ingressar.
O sistema de ingresso deve mudar também para os alunos que
estão fisicamente presentes às aulas. O que um aluno conseguiu
decorar na escola secundária não é bastante para garantir que ele será
um bom universitário. Os atuais exames não medem a capacidade de
um aluno de captar conhecimento ou de navegar pelo conheci-
mento existente no mundo, transformando as informações recebidas
em conhecimento que possa ser usado de novas maneiras e em outros
contextos. Por essa razão, é de importância fundamental acompanhar
o desempenho dos alunos na escola secundária e formular exames de
seleção que sejam capazes de mensurar a capacidade do aluno de
buscar e elaborar conhecimento, mais que sua capacidade de assimi-
lar conhecimentos prontos e de responder perguntas com respostas
decoradas.
d) Universidade Aberta
A universidade do século XXI não terá muros, nem um campus
fisicamente definido. A universidade do século XXI será aberta a
todo o planeta. As aulas serão transmitidas pela televisão, pelo rádio
e na internet, tornando desnecessário que os alunos estejam presentes
no mesmo campus, ou na mesma cidade que o professor. Os profes-
sores poderão manter diálogo permanente com seus alunos de todo
o mundo.
e) Universidade Tridimensional
A organização da universidade por disciplinas baseadas em
categorias de conhecimento é incapaz de responder às exigências
das mudanças rápidas no conhecimento e incapaz também de atender
às necessidades sociais. O conhecimento muda a cada dia, novos
campos surgem e outros desaparecem, e a realidade social vem
construindo um mundo dividido. As universidades têm que inventar
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maneiras de se reestruturar, que incluam centros de pesquisa sobre
temas atuais, e não apenas os departamentos e os campos de conheci-
mento tradicionais.
Não há razão para que a universidade não possua os mecanis-
mos para vincular-se intelectualmente à realidade, mediante Núcleos
Temáticos multidisciplinares para o estudo da fome, da pobreza, da
energia, da juventude, do emprego e do meio ambiente.
Esses temas existem na realidade de hoje, mas não encontram
lugar nas categorias definidas do conhecimento. A universidade do
século XXI tem, também, de ser organizada de forma multidisciplinar.
A universidade dos próximos anos tem de trazer seus alunos de
todo o mundo para a prática das atividades estéticas e do debate
ético, o que poderia ser feito com a criação de Núcleos Culturais.
Com seus departamentos disciplinares, seus Núcleos Temáticos
e seus Núcleos Culturais, a universidade será tridimensional e for-
mará profissionais tridimensionais, especializados numa área do
conhecimento, mas, também, comprometidos com o entendimento
de um tema da realidade e praticantes de uma ou mais atividades
ligadas à dimensão humanista, nas artes ou na reflexão filosófica.
f) Universidade Sistemática
A universidade do futuro vincula-se universalmente a todas as
outras universidades, mas terá de se vincular também com todo o
sistema de criação do saber. A universidade deverá incorporar as
instituições de pesquisa públicas e privadas, bem como todas as orga-
nizações não-governamentais ligadas à produção de pesquisas devem
fazer parte do sistema universitário.
A universidade será como uma família para todos aqueles que
participam da tarefa de fazer avançar e disseminar o conhecimento.
Quase um milênio após sua criação, já é tempo de ela dar o
salto necessário para o cumprimento de seu papel dentro da imensa
riqueza do mundo do século XXI.
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g) Universidade Sustentável
As universidades deverão ser instituições públicas, sejam elas
de propriedade pública ou privada. A universidade não pode morrer
por falta de recursos públicos, nem pode recusar os recursos privados
de quem nela quer investir. As razões para tal são as seguintes:
• a universidade deve ser financiada por recursos públicos a fim
de garantir sua permanente sustentabilidade e sua coerência
com os interesses sociais, sobretudo nas áreas do conheci-
mento que não geram retornos econômicos, como a formação
de professores de ensino fundamental e o campo das artes e
da filosofia;
• a universidade deve ser aberta à possibilidade de receber
recursos de setores privados que desejem investir em institui-
ções, sejam elas privadas ou estatais; e tanto as instituições
privadas quanto as públicas devem ser estruturadas de modo
a servir aos interesses públicos, sem torná-las prisioneiras dos
interesses corporativos dos alunos, dos professores e dos
funcionários. Da mesma maneira, as universidades particula-
res podem ser privadas em termos de suas instalações físicas,
mas sua organização acadêmica tem de ser controlada pela
comunidade acadêmica. Os proprietários dessas universi-
dades podem permanecer como detentores do patrimônio
físico, mas seus reitores têm de ser escolhidos com base em
seus méritos acadêmicos.
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2. O CASO DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA
A universidade brasileira foi a última a surgir na América
Latina e é irônico que ela tenha sido criada para que fosse concedido
o título de Doutor Honoris Causa ao Rei Leopoldo da Bélgica, em
visita ao Brasil, no ano de 1922. Não fosse por aquela visita e a
ingênua vaidade de um monarca ou o capricho de algum de seus
cortesãos, a universidade brasileira talvez tivesse demorado mais 10
ou 20 anos para ser criada
1
.
Isso serve para demonstrar o obscurantismo e o servilismo da
elite brasileira.
Cem anos depois da Independência e trinta e três anos depois
da Proclamação da República, o Brasil ainda não possuía uma uni-
versidade. E ela só foi criada para atender às conveniências de um rei
europeu.
Esse é um pecado original do qual ainda não nos livramos.
Entre 1922 e 1934, a Universidade do Brasil e do Rei
Leopoldo, no Rio de Janeiro, foi a única e precária instituição uni-
versitária, embora já existissem no país diversos cursos de ensino
superior.
A primeira grande universidade brasileira nasceu em 1934, não
mais pela vontade de um rei belga, aliado ao servilismo de políticos
brasileiros. A Universidade de São Paulo resultou da vontade de
intelectuais brasileiros aliados a intelectuais franceses. O Brasil passou
a olhar para dentro, e não mais para fora. Os políticos servis foram
substituídos por intelectuais acadêmicos, embora a forte dependência
do exterior tenha continuado. Não mais servis, eles eram, ainda,
fortemente influenciados pelo exterior.
Entre 1935 e 1964, a universidade brasileira cresceu, embora
lhe faltasse o vigor necessário para o salto de que o país tanto pre-
1
Deve-se lembrar que a atual Universidade Federal do Paraná reivindica ter-se antecipado em dez anos à Universidade do Brasil,
atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mas, do ponto de vista do desenvolvimento explícito e da dimensão nacional, foi
no Rio de Janeiro, em 1922, graças ao Rei Leopoldo, que surgiu a primeira universidade brasileira.
45
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cisava. Durante esse período, o número de alunos passou de 27.501,
em 1935, para 282.653, em 1970. O número de professores aumentou
de 3.898 para cerca de 49.451, em 1980. Mas, dentre estes, apenas
uns poucos possuíam pós-graduação.
Em inícios da década de 60, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira
criaram uma nova idéia para a universidade a ser fundada em
Brasília, a nova capital do país, experimento esse que foi interrompido
pelo golpe militar de 1964.
Em 1964, a universidade brasileira foi paradoxalmente destruída
e, ao mesmo tempo, fundada. Destruída pela aposentadoria forçada
de centenas de professores, exilados ou expulsos pela ditadura
recém-instalada, que pôs fim também à liberdade de cátedra. Não
foram poucos os alunos que perderam a vida nesse período sombrio.
Ao mesmo tempo, ela foi fundada numa estrutura mais moderna e,
pela primeira vez, tentou-se criar um sistema universitário nacional-
mente integrado. Passou a haver farta disponibilidade de recursos
financeiros e apoio à construção de novos prédios e compra de
equipamentos. E, o mais importante, iniciou-se então a concessão
maciça de bolsas de estudos no exterior, para onde jovens brasileiros
foram enviados para cursarem seus doutorados e mestrados em
universidades estrangeiras.
Essas transformações consolidaram-se em 1968, e foram
tornadas possíveis pela reforma empreendida pelos militares, com o
apoio da USAID. Aqui, já não se tratava do servilismo dos políticos
de 1922, nem da cooperação intelectual de 1935. Essa reforma
não foi orquestrada por intelectuais franceses, mas sim pelos finan-
ciamentos americanos, sob o patrocínio do autoritarismo militar
da ditadura.
A moderna universidade brasileira é filha do regime militar e
da tecnocracia norte-americana. Sob esse patrocínio e essa tutela, a
universidade brasileira, entre 1964 e 1985, conseguiu dar um
enorme salto quantitativo e qualitativo, talvez o maior salto já ocor-
rido em qualquer país do mundo, na área da educação superior.
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Era como se quiséssemos recuperar, embora sem liberdade, os
quinhentos anos que havíamos perdido. Ocorreu um notável aumento
no número de instituições, e também no número de alunos e profes-
sores, principalmente em relação aos professores com pós-graduação
(mestrado e doutorado). Em 1985, já havia, no Brasil, 37.629
professores universitários com graus de mestre e doutor.
A partir de 1985, a reafirmação da democracia trouxe de volta
a liberdade, inclusive o direito de escolha dos dirigentes univer-
sitários, com eleição direta para o cargo de reitor. Mas trouxe, também,
uma forte restrição de recursos financeiros, chegando ao ponto do
abandono da universidade pública pelo poder público. A universi-
dade federal chega em 2003 praticamente falida. Nestes quase vinte
anos, cada avanço, cada conquista, cada melhoria e crescimento foi
resultado da árdua luta de professores, alunos e servidores contra o
poder público, em mais de trezentos dias de greves nos anos letivos
de 1985 e 2002. Sem essas greves, é possível que as universidades
federais já tivessem fechado suas portas, por abandono, mas as con-
seqüências dessas greves foram extremamente desgastantes, desmora-
lizando a universidade perante a opinião pública e esgarçando a
trama de relações sociais entre estudantes, professores e funcionários.
Nesse mesmo período, ocorreu uma mudança no perfil da
universidade brasileira, que passou de entidade pública a entidade
preponderantemente privada. Houve um surpreendente crescimento
do setor privado e uma inesperada interiorização da universidade
estatal, voltada, na sua luta pela sobrevivência, para a defesa dos próprios
interesses. A universidade privatizou-se de duas formas: a predomi-
nância das instituições privadas no número total de alunos e a perda
de um projeto social nacional por parte das universidades públicas.
A universidade brasileira privatizou-se em razão de um círculo
vicioso: faltavam recursos públicos para financiá-la, causando a dete-
rioração das instalações, dos equipamentos e dos salários, o que, por
sua vez, levou à realização de greves que visavam a resgatá-la dessa
situação. Como conseqüência, aumentou a oferta das universidades
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particulares. Simultaneamente, ocorria o aumento do descon-
tentamento e da desmoralização. Agravando tudo isso, a falta de um
projeto nacional em um país que acabava de sair do desenvolvimen-
tismo para ingressar no neoliberalismo, passando do protecionismo
para a abertura, da inflação sem controle, destinada a financiar os
gastos públicos, para o rígido controle desses gastos públicos por
organismos internacionais. Some-se a isso a perda da mística nacional
em relação ao futuro, e todas as condições estavam colocadas para a
grande crise da universidade brasileira. E, além de tudo, havia a
agravante da crise maior da própria instituição no nível mundial, já
mencionada anteriormente.
Lado a lado com o fato positivo de seu crescimento total e
da capacidade de resistência heróica demonstrada pela universidade
pública, o começo do século XXI mostra uma universidade cuja
qualidade é questionável, e é caracterizada por um grande ativismo
corporativo, aliado a uma lamentável desmotivação acadêmica, por
intensas mobilizações alienadas dos interesses da população como
um todo e pela forte crise de identidade da própria instituição uni-
versitária, que vem ocorrendo por todo o mundo. Simultaneamente,
a universidade brasileira tem, a seu favor, a ânsia de estudar e
aprender dos jovens que saem do ensino médio, que se manifesta
agora com uma intensidade nunca antes vista.
Esse é o quadro, ao mesmo tempo adverso e estimulante, em
que o Brasil e sua universidade ingressam no novo século. Temos
agora um governo historicamente comprometido com a transfor-
mação da universidade numa instituição de ponta, em termos
mundiais. Para tal, será necessário:
• atender às necessidades emergenciais de uma instituição
heróica, mas abandonada;
• organizar um sistema universitário que se tornou caótico
devido ao crescimento descontrolado do setor privado,
simultâneo ao encolhimento do setor público; e
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• refundar a universidade segundo as exigências do momento
histórico pelo qual passa a humanidade.
Reorganização do Sistema Universitário Brasileiro
Nos últimos anos, as universidade brasileiras passaram por
rápido e surpreendente crescimento, especialmente no tocante às
instituições privadas.
Número
Universidades e Instituições de Ensino Superior:
1985 2001
Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .233 . . . . . . . . . . . . . . .183
Privada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .626 . . . . . . . . . . . . .1,208
Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .859 . . . . . . . . . . . . .1,391
Estudantes:
Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . .556,680 . . . . . . . . . . .939,225
Privada . . . . . . . . . . . . . . . . . .810,929 . . . . . . . . . .2,091,529
Total . . . . . . . . . . . . . . . . .1,367,609 . . . . . . . . .3,030,754
Professores:
Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . .64,449 . . . . . . . . . . . .90,950
Privada . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49,010 . . . . . . . . . . .128,997
Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . .113,459 . . . . . . . . . . .219,947
Mas esse crescimento foi desordenado, exigindo agora imedia-
ta reorganização. Não se trata, aqui, de dar soluções emergenciais que
se apliquem principalmente às universidades públicas, mas sim de
reordenar todo o sistema universitário brasileiro.
O Sistema universitário brasileiro
Apesar da criação do sistema universitário federal brasileiro,
que teve início em 1968 e foi reafirmado em 1985, com a
implantação da isonomia total e a criação de um sistema comum
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de avaliação, a universidade brasileira ainda não é um sistema. Um
conjunto de normas tem de ser formulado para regular esse sistema,
aplicando-se a todas as universidades, públicas ou privadas, e incor-
porando todas as entidades que fazem parte do sistema de produção
de conhecimento de nível superior, como institutos de pesquisas,
empresas, hospitais, repartições públicas e entidades de formação
profissional de nível superior.
O sistema universitário brasileiro deve atuar no sentido de
garantir autonomia a cada entidade, devendo, entretanto, criar um
conjunto harmônico, capaz de funcionar com sinergia, evitando
as dispersões características do momento atual.
Regularização de transferências
Num mundo já globalizado como o nosso, em que cada uni-
versidade deveria ser parte de um todo universal, a universidade
brasileira ainda não estabeleceu um diálogo no que se refere à trans-
ferência de alunos. Num tempo em que já se discute a possibilidade de
um aluno fazer cursos em diferentes instituições ao mesmo tempo, trocar
de universidade ainda é difícil para ele. Essa dificuldade não se deve
aos exames vestibulares, mas sim à incompatibilidade de currículos.
Ampliação de vagas
Apesar de as vagas terem aumentado no conjunto das universi-
dades brasileiras, seu número ainda é muito pequeno em relação à
demanda já existente. A universidade brasileira terá de, ao longo dos
próximos dez anos, ampliar o número de vagas, com a meta de, no
mínimo, dobrar o número de alunos. Para tal, além de recursos adi-
cionais, ela precisará mudar seus sistemas de ensino, de maneira a
adotar, cada vez mais, os sistemas de ensino a distância.
Cotas para grupos étnicos e escolas públicas
Num país em que metade da população é de origem africana,
não há justificativa moral para a existência de uma elite branca. Essa
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realidade deveu-se, principalmente, ao abandono sofrido pelo ensino
público básico no Brasil e ao número reduzido de jovens que con-
seguem concluir o ensino médio: ao excluir os pobres do ensino
médio, a sociedade brasileira exclui, sobretudo, os negros. A solução
para a imoralidade da branquitude da elite brasileira está no investi-
mento maciço na universalização e na qualificação do ensino básico.
Até que isso seja feito, a universidade terá de dar sua colaboração
para mudar a vergonhosa situação de um país cuja maioria da
população é negra, mas que tem pouquíssimos negros matriculados
na universidade. Por servir como um trampolim para chegar à elite,
a universidade é responsável por esse desvio moral que vem
manchando a sociedade brasileira nesses cento e quinze anos que
se passaram desde a abolição da escravatura. Por esta razão, nada
é mais correto do que ampliar o número de alunos negros.
Isso não vai tornar a universidade socialmente mais justa, uma
vez que apenas os negros de classe média e rica serão beneficiados,
mas vai fazer da universidade uma instituição que colabora para
mudar a mancha branca da elite brasileira. Para que as cotas étnicas
possam desempenhar um papel social, além de racial, as cotas para
estudantes negros deveriam beneficiar apenas os jovens que cursaram
todo o ensino médio em escolas públicas. Com isso, ainda não
estaríamos beneficiando os pobres que, no Brasil, raramente comple-
tam a oitava série do ensino fundamental e, quase nunca, o ensino
médio, mas estaríamos conferindo algum benefício social às classes
médias baixas.
Criação de novas fontes de recursos
A universidade brasileira passa hoje por uma grave crise finan-
ceira: as universidades públicas não contam com o apoio do governo
e as universidades particulares sofrem com altos índices de inadim-
plência, e seus alunos mal conseguem pagar as mensalidades cobradas.
O Brasil não pode abrir mão do compromisso com a gratui-
dade do ensino em todos os níveis, inclusive o superior. O fato
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de que 75% dos estudantes universitários estão em escolas parti-
culares não pode ser ignorado, e o país não pode continuar dependente
do tradicional orçamento governamental para financiar os 25%
restantes, que estudam nas instituições públicas. Se continuarmos nesse
rumo, a universidade pública será transformada num minúsculo
apêndice no sistema universitário brasileiro. Se, nos próximos dez
anos, for mantido o ritmo das matrículas em universidades par-
ticulares e públicas, o setor público ficará reduzido a apenas 10%
do número total de alunos. Esse cenário não será positivo para o
futuro do Brasil, nem de sua ciência e tecnologia.
As universidades brasileiras devem dispor de fontes de financia-
mento que lhes assegurem um funcionamento sem crises, sem neces-
sidade de recorrer a greves e solidamente embasado na democracia,
na eficiência, na ética, tanto em relação à fonte quanto ao uso desses
recursos. Todas as fontes devem ser consideradas, tanto as de origem
pública quanto as privadas; tanto as oriundas dos recursos gerais do
tesouro quanto as contribuições especificamente vinculadas; tanto os
fundos especiais como os de vinculação permanente, iguais aos que
hoje financiam as universidades estaduais de São Paulo.
Avaliação de todas as instituições
A criação de um sistema de avaliação foi um dos avanços
do conjunto das universidades brasileiras, embora, nos últimos
anos, esse sistema tenha sido ainda imperfeito e incompleto. A
reorganização das universidades brasileiras vai exigir a formulação
de um novo sistema de avaliação, que permita muito mais do que
classificá-las como em um campeonato. O objetivo desse novo
sistema deverá ser identificar as qualidades e os pontos fracos das
universidades, a fim de capacitá-las a desempenhar o papel que a
sociedade delas espera.
O crescimento do número de instituições de ensino não pode
ser visto como negativo. Quanto maior for o número de escolas de
todos os níveis, melhor, desde que elas realmente sejam capazes
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de atender às necessidades de conhecimento da sociedade e de
promoção social dos alunos, no país e na cidade onde se situam.
Entretanto, não foi isso que ocorreu com as instituições particulares
de ensino surgidas nos últimos anos.
É obrigação do setor público impedir que empresários vendam
como genuínos diplomas que são falsos passaportes para o sucesso.
É do interesse de todo o sistema, especialmente das próprias uni-
versidades e de seus alunos, que essas instituições sejam avaliadas,
evidenciando assim os seus resultados positivos, juntamente com
seus possíveis aspectos negativos. Os alunos têm o direito de
conhecer o valor dos diplomas que recebem em troca do pagamento
de mensalidades, e a sociedade tem o direito de saber que tipo de
profissionais os egressos das universidades podem vir a se tornar.
O governo pretende coordenar a avaliação de todas as univer-
sidades, em cooperação com o próprio setor, por acreditar que é de
interesse de todos a avaliação do potencial de cada instituição. Essa
avaliação deve ser pública, e as informações respectivas devem ser
amplamente divulgadas. Deve, também, ser participativa, no sentido
de ouvir a comunidade; corretiva, servindo para aperfeiçoar a insti-
tuição e o sistema; e ampla, não se limitando a avaliar apenas alguns
aspectos da universidade.
Liberdade planejada
O Estado não deve limitar o número de entidades que se
proponham a oferecer serviços educacionais. Entretanto, a regu-
lamentação pública é imperativa, e as novas universidades e centros
universitários deverão se submeter a essas regras. Além das avaliações
periódicas, o governo vem pensando em definir as localizações e os
campos de especialização para os quais as novas universidades devem
ser atraídas, e selecionar as novas universidades regulares com base
em licitação. As autorizações seriam concedidas àquelas que melhor
atendessem aos objetivos buscados pelo setor público, como
qualificação dos professores, relação professor/aluno, número
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de bolsas de estudos a serem concedidas, valor das mensalidades e
adoção de sistemas de cotas para grupos étnicos.
Universidades livres
Além das universidades regulares, o governo deve incentivar a
criação de universidades livres, cujos diplomas não são reconhecidos
pelo Estado. Quanto maior o número dessas universidades livres,
melhor para a vida intelectual do país. Embora sem gerar a ilusão do
diploma regular, é possível que alguns desses centros acabem por
despertar respeito, graças aos méritos de seus profissionais.
Autonomia para Mudar ou não Mudar
É necessário, hoje, discutir o papel da universidade dentro da
própria universidade. Esse debate é muito mais importante até mesmo
que os debates sobre a crise que vem afetando essas instituições.
A universidade tem de lutar para evitar os pequenos problemas,
como as goteiras em seus telhados. Mas não basta resolver esses
pequenos problemas sem dar atenção ao quadro mais amplo.
Da mesma forma que, acima, apresentei o que o governo pensa
em fazer para ajudar a universidade a superar seus problemas, darei
agora minha própria contribuição – mais como um apaixonado
pensador da universidade do que como ministro – para o debate
sobre o céu que ameaça derrubar o telhado, mesmo que todas as
goteiras tenham sido consertadas.
O governo não vai impor reformas. A universidade tem de ter
autonomia, mesmo que isso signifique que ela venha a optar por
seguir o rumo tradicional, ignorando as mudanças que ocorrem a seu
redor. Autonomia significa fazer o que parece certo, tanto quanto o
que parece errado, e o governo considera que é melhor respeitar o
velho e fundamental princípio da autonomia do que impor reformas
vindas de fora, mesmo que essas reformas estejam corretas.
No entanto, é dever do Ministério, e principalmente do
Ministro da Educação, incentivar, nas universidades, o debate
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interno, a fim de promover as reformas que eles julgam corretas e que
gostariam de ver acontecer.
O princípio da autonomia não deve ser quebrado, mas tam-
bém não deve ser usado como escudo de proteção para os ministros
que sofram de covardia intelectual ou de oportunismo político.
Por essas duas razões, proponho aqui as linhas gerais do
que imagino poderão ser as reformas necessárias à refundação da
universidade brasileira, caso elas sejam adotadas nas universidades,
após o longo debate que se fará necessário.
A Refundação da Universidade Brasileira
As universidades nasceram porque os mosteiros medievais se
recusaram a mudar. Ao optarem por manter a mesma estrutura, os
mesmos métodos, os mesmos requisitos de ingresso e de permanência,
quando fora de seus muros vinha surgindo um mundo de idéias
novas querendo avançar, e de novos costumes querendo se impor,
os mosteiros religiosos provocaram o surgimento da universidade.
Se eles tivessem se reformado para servir ao conhecimento laico e à
promoção da lógica e da ciência, os mosteiros teriam sobrevivido
como centros do saber, e as universidades não teriam surgido.
Também a própria Igreja Católica, caso tivesse a intenção e a
capacidade de entender as mensagens recebidas por séculos a fio
sobre a necessidade de se adaptar aos novos tempos, teria evitado a
Reforma Protestante do século XVI. Foi, sobretudo, por ter insistido
na infalibilidade de suas interpretações, na perfeição de suas insti-
tuições e no rigor de seus rituais que ela veio a provocar o surgimento
do grande movimento evangelizador que fez surgir uma outra
religião dentro dos princípios cristãos. O mesmo pode ocorrer com
a universidade, de uma forma ou de outra: ela pode ou vir a ser
substituída por outras instituições que, de fora, estão exigindo que
ela mude, ou pode transformar-se a si própria. Essa transformação
implicaria a ampliação, ainda maior, de seus princípios funda-
mentais, por meio do avanço do conhecimento superior, criando
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instrumentos para libertar a humanidade, aumentar a riqueza, tanto
a material quanto a intelectual, ampliar o horizonte social de igual-
dade de oportunidade, incluindo a todos, principalmente os jovens,
independentemente de classe, raça, gênero e lugar de nascimento.
Ao longo de seus oito séculos e meio de existência, a univer-
sidade foi refundada algumas vezes. Uma entidade secular só
consegue sobreviver se houver uma razão muito forte para a sua
existência e, ao mesmo tempo, se possuir uma forte capacidade para
se transformar e se adaptar às exigências de cada momento histórico.
Os exércitos, mais antigos que as universidades, mantendo o
compromisso maior de defender seus países, passaram por inúmeras
transformações ao longo da história. As igrejas, por outro lado,
tendem a resistir às mudanças, insistindo em manter seus dogmas
intactos, provocando, assim, cismas e dissidências. Elas preferem
romper sua unidade a ter de se refundar. Por ser autônoma e não ter
dogmas, a universidade, mais que qualquer outra instituição, tem a
obrigação de refundar-se a si própria, sempre que necessário.
A refundação por que passou a universidade brasileira ocorreu
em fins da década de 60 do século XX, sob os auspícios dos militares
e da influência americana, por meio do acordo MEC-USAID. Desde
essa época até o começo do século XXI:
• o regime militar chegou ao fim;
• não houve censura oficial a qualquer forma de atividade
intelectual;
o Brasil tornou-se democrático, chegando até mesmo a eleger
um presidente metalúrgico, proveniente de um partido niti-
damente de esquerda;
• as universidades foram reorganizadas em segmentos corpora-
tivos que, rapidamente, descobriram possuir um poder que,
alguns anos antes, seria inimaginável, e usaram esse poder
com uma intensidade que os governos e a sociedade jamais
suspeitaram ser possível;
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• há eleições diretas para reitor;
• as bandeiras de luta pelas utopias do século anterior desa-
pareceram ou se instrumentalizaram em mãos de uns poucos
militantes;
• o crescimento econômico passou a provocar desemprego, ao
invés de gerar empregos. Um número menor de pessoas tem
hoje acesso aos produtos industrializados, cuja produção passou
a ser mais lucrativa devido aos preços mais altos, e não
porque tenham se tornado mais acessíveis a um maior
número de consumidores;
• pela primeira vez na história, os jovens passaram a ter a
perspectiva de uma vida mais difícil, em termos econômicos,
do que a que tiveram seus pais;
• os jovens foram abandonados, transformando-se nos órfãos
do neoliberalismo;
• parte da juventude passou a usar drogas, a fim de preencher
o vazio causado pela falta de bandeiras de luta e de oportu-
nidades de enriquecimento pessoal, econômico, intelectual
ou espiritual;
• a ciência passou pela mais radical de suas revoluções, com o
surgimento da biotecnologia, da engenharia genética, da
informática e da microeletrônica;
• novos campos do conhecimento surgiram e continuam a
surgir no mundo do conhecimento;
• outros se tornaram obsoletos, desaparecendo na mesma
velocidade;
• a duração das verdades científicas e, mais ainda, da eficiência
das técnicas tornou-se cada vez mais curta;
• o mundo globalizou-se. As informações são agora distribuídas
instantaneamente,
• o poder econômico concentrou-se nas mãos dos poucos donos
do planeta, e os produtos e técnicas chegam simultaneamente
a todas as partes do mundo;
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uma única e indiscutível potência nacional assumiu a cons-
ciência de seu poderio, de seu papel, de sua ambição e de sua
função de polícia do mundo, com o fim de forçar todos os
povos a adotar seus princípios de democracia política e de
liberalismo econômico, e até mesmo seus valores religiosos;
• o Muro de Berlim foi derrubado;
• o mapa do mundo está sendo redesenhado;
armas inteligentes passaram a ser usadas nas guerras;
• os pobres do mundo, especialmente na África, foram aban-
donados pelos donos do poder mundial, sendo deixados à
margem não apenas do progresso, mas até mesmo da esperança;
• por todo o mundo e internamente em cada país, o sistema
social reconheceu a realidade da exclusão, aceitando a divisão
da sociedade, em vez de propor a distribuição da riqueza;
• os costumes mudaram por toda parte, afetando a todos, mas
principalmente os jovens, sobretudo no tocante à sexualidade;
• as minorias passaram a ter seus direitos reconhecidos, em
especial as mulheres, os homossexuais, os grupos indígenas,
os negros;
• a cultura se universalizou, mas a diversidade cultural é agora
reconhecida como um direito;
• o fundamentalismo, seja religioso ou econômico, é agora
adquirido por meio da força;
• os norte-americanos, pela primeira vez, foram derrotados
em campo de batalha, na longa guerra no Vietnã. Posterior-
mente, contudo, travaram uma série de guerras curtas e
vitoriosas, submetendo o mundo ao seu controle;
• os problemas locais se universalizaram, assumindo dimensões
catastróficas, tais como o uso de drogas, o poder do nar-
cotráfico, as armas do terrorismo, a disseminação de doenças,
o poder do sistema financeiro.
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Apesar de tudo isso, a universidade, em todo o mundo, pouco
mudou em relação a seus aspectos fundamentais.
Número de vagas e formas de admissão
O atual governo assumiu o firme compromisso de, até 2010,
possibilitar a conclusão do ensino médio para todos os jovens
brasileiros. Essa nova situação irá gerar uma forte pressão por mais
vagas nas universidades. As universidades públicas, em especial, terão
de duplicar, nos próximos cinco anos, o número de vagas oferecidas.
Isso não será possível, caso o exame vestibular seja mantido como
forma de ingresso, uma vez que ele funciona mais como uma barreira
do que como processo de seleção justa dos alunos mais capacitados.
A multiplicação dos bancos escolares também não será uma solução,
pois provocaria a queda da qualidade de ensino já alcançada pela
universidade.
O caminho que propomos possui quatro vertentes:
• considerar a possibilidade de adoção da educação a distância
para alunos de graduação, sem fazer distinções entre esses
diplomas e os obtidos por meio de presença às aulas. Essa
seria uma forma de aumentar as vagas sem prejuízo da quali-
dade do trabalho dos professores que se dedicam à pesquisa;
• considerar a adoção de sistemas de seleção que têm lugar
dentro da própria escola secundária. Esse sistema foi desen-
volvido e já vem sendo aplicado pela Universidade de Brasília
– UnB, sob o nome de Programa de Avaliação Seriada (PAS).
Esse mesmo sistema foi adotado e aperfeiçoado pela Univer-
sidade Federal de Santa Maria, com o nome de Programa de
Ingresso ao Ensino Superior (PIES) e também pela Univer-
sidade Federal da Paraíba, com o nome de Processo Seletivo
Seriado (PSS);
• considerar, depois de ouvidos a comunidade e os especialistas
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no assunto, a concessão de maior peso para as disciplinas
português e matemática, uma vez que elas servem de base
para o desenvolvimento do conhecimento em todas as áreas;
• considerar a possibilidade de adoção de sistemas de cotas
étnicas, a fim de reformular, democratizar e corrigir as
desigualdades de oportunidades para os diferentes grupos
étnicos, dando maior força à escola pública.
Estrutura
O mundo de hoje já não permite que a universidade continue
dividida em departamentos. Os novos campos do conhecimento e
o compromisso com a realidade social exigem que seja adotado um
enfoque multidisciplinar. Além disso, a disseminação do conhecimento
e de sentimentos humanistas entre todos os alunos da universidade
não poderá ocorrer se o ensino permanecer limitado às disciplinas
oferecidas dentro das amarras do sistema de departamentos.
Sugerimos que a universidade pense na possibilidade de uma
mudança de sua estrutura, nas linhas já adotadas, há décadas, por
algumas instituições, introduzindo os Núcleos Temáticos e os
Núcleos Culturais.
Com esses núcleos, somados aos atuais departamentos, a uni-
versidade ganhará uma estrutura matricial tridimensional, que
poderá servir de base à formação do profissional em três diferentes
níveis: sua área de conhecimento será desenvolvida no departamento
específico; seu compromisso social e ético, no Núcleo Temático, e o
cultivo e exercício de seu gosto estético se dará nos Núcleos
Culturais.
Formação permanente e duração flexível dos cursos
No mundo de hoje, trinta anos após a reforma MEC-USAID,
de autoria dos militares, as carreiras tornam-se obsoletas em poucos
anos se os profissionais não se dedicarem a um permanente processo
de reciclagem de seus conhecimentos. Por essa razão, a universidade
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deve, urgentemente, examinar a possibilidade de manter um sistema
de acompanhamento e formação permanente de seus alunos, que
deverá durar até o fim de sua vida profissional. No mundo do futuro,
não haverá lugar para ex-alunos; todos serão permanentemente
alunos ou não serão profissionais.
O caminho a ser seguido consistirá, basicamente, na criação de
diversos sistemas de educação permanente e a distância, para todos
os alunos formados pela universidade.
Juntamente com o diploma provisório, o aluno, ao sair,
receberá um código de ingresso nos sistemas de educação perma-
nente da universidade. Será possível ao aluno fazer consultas sobre as
inovações ocorridas na sua área de conhecimento, obter informações
sobre cursos de reciclagem naquela área e, até mesmo, redirecionar
seu campo de estudo, de profissão e de especialização, de acordo com
a evolução do conhecimento.
A universidade deve-se converter numa presença permanente
na vida de seus formandos, que devem continuar sendo alunos. Deve
também ser examinada a possibilidade de flexibilizar os horários de
permanência do aluno no campus, ao longo de toda a sua vida
acadêmica. Se os alunos podem manter-se em contato permanente
com a sua universidade, sua presença física no campus não precisará
ser tão longa quanto é hoje.
Com todas as invenções modernas nos meios de comunicação
e nos instrumentos pedagógicos, não é possível que a universidade
continue precisando, hoje, do mesmo tempo para formar um
profissional que precisava há cem anos, quando essas carreiras
foram criadas. A universidade não pode continuar ignorando a
realidade dos novos métodos e instrumentos de ensino e tem de
examinar seriamente a possibilidade de reduzir o tempo necessário
para a formação de alunos, se não em todos, pelo menos em muitos
de seus cursos.
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Ligação com a sociedade
A ligação da universidade com a população não se dará por
meio da universalização do ingresso que beneficiaria apenas os que
conseguissem concluir o ensino médio e levaria a uma queda na
qualidade. A extensão universitária também não é a solução, pois,
embora com honrosas exceções, ela se transformou numa espécie de
assistencialismo.
O atual governo brasileiro quer passar do assistencialismo à
abolição. Não é fazendo assistencialismo que a universidade se
aproximará da população, mas sim efetuando uma reforma que
lhe permita levar em conta os problemas da sociedade em geral e par-
ticipar de sua transformação, por meio de:
• um firme compromisso para com a qualidade, em todas as
áreas. Se o país mantém uma universidade, deve poder orgulhar-se
dela e da qualidade de seu produto, representado pelos profissionais
e o seu trabalho. O objetivo é tornar o mundo um lugar mais belo,
eficiente e justo;
• currículos dos cursos das áreas técnicas – aquelas que
transformam o mundo, como, por exemplo, a Medicina, a
Engenharia, a Arquitetura e a Economia – têm de passar por refor-
mas, de modo a adaptar seus princípios à ética de um mundo
mais justo, do qual um número cada vez maior de pessoas possa
se beneficiar, independentemente da renda, do gênero, da raça, do
local de nascimento;
• participação nas atividades políticas da sociedade, o que não
pode se dar internamente à produção do conhecimento em si, que
deve ser livre, mas por intermédio dos diversos tipos de práticas de
mobilização. Diferentemente das instituições de ensino superior do
século XIX, que fecharam os olhos ao abolicionismo e se dedicaram
a ensinar formas de manter intacta a escravidão, o atual governo
brasileiro vê a universidade do século XXI como um dos motores
para a consecução da tarefa de Abolir a Pobreza e Construir a
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República, iniciada há cento e quinze anos e jamais concluída por
uma elite reacionária, aristocrática, que desprezava o povo e que
cooptou a universidade.
Fontes de financiamento
Nos últimos anos, os principais debates estiveram sempre vin-
culados ao problema do financiamento, questionando muito menos
a própria universidade (o seu existir) do que as maneiras de financiá-
la. As universidades queriam para si mais recursos do governo,
maiores salários e mais verbas, embora sem permitir o aumento das
mensalidades e concedendo subsídios. A universidade tem de ser dis-
cutida na profundidade de sua crise, mas os debates sobre o finan-
ciamento têm de continuar. A universidade do século XXI tem de ter
clareza sobre quem paga pelo ensino de nível superior e o que deve
receber em troca aquele que paga.
O governo tem a visão clara de que a privatização da universi-
dade está fora de questão, como também a idéia de pôr fim à sua gra-
tuidade. Na verdade, o governo gostaria que todo o ensino superior
fosse gratuito no Brasil, caso isso fosse financeiramente possível, uma
vez que ele é de importância ainda mais essencial para o país do que
para o aluno. Mas, atualmente, essa possibilidade ainda não existe.
Até que ela venha a existir, contudo, o governo pretende, jun-
tamente com a comunidade acadêmica, encontrar formas de finan-
ciamento alternativo para os alunos das universidades particulares e,
também, de financiamento das atividades acadêmicas nas universi-
dades públicas, tais como:
aumentar o número dos alunos que recebem bolsas do governo
para estudar nas universidades particulares, por meio do Programa
de Apoio ao Estudante, lançado para ampliar o FIES e con-
ceder bolsas sem necessidade de pagamento financeiro;
• regularizar as fontes alternativas de financiamento das
universidades públicas, pela total transparência de sua
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administração e a aplicação de processos decisórios
democráticos e autônomos;
• considerar a possibilidade de transformar os alunos das
universidades particulares em co-proprietários dos estabe-
lecimentos em que estudam.
Prioridades de temas
O Brasil e o mundo mudaram, continuam mudando e irão
mudar ainda mais no futuro. Se não percebermos esse fato, não
tardará muito para que muitos de nossos temas de estudo estejam
superados, sem que novos temas sejam examinados. Ao longo dos
últimos anos, demos muita importância aos planos anuais de admi-
nistração e nenhuma aos planos decenais de atividades acadêmicas.
A universidade tem de gerenciar mais do que recursos, ela tem de
gerenciar o conhecimento e de ter consciência do risco de insistir
em conhecimentos que se tornaram obsoletos e ignorar os conheci-
mentos que apontam para o futuro, de modo a compatibilizar o
ensino com as necessidades éticas, sociais, epistemológicas e
econômicas desse futuro.
Publicização do ensino
A reforma da universidade, realizada durante o regime militar,
incutiu a idéia de que a universidade é propriedade do Estado, seu
dono, e não do país, de seus alunos e da sociedade como um todo.
Durante o regime militar, o Estado demitia, prendia e financiava suas
universidades como bem entendia. Com a chegada da democracia,
os ditadores foram substituídos pelos professores e servidores, ou por
ministros. A autonomia passou a ser entendida como a troca de
proprietário, transferindo-se dos quartéis militares para as salas de
reuniões dos professores e servidores administrativos, ou para os
gabinetes dos ministros. Nestes quase vinte anos, pouca coisa
realmente radical foi feita no sentido de levar em conta as reais
exigências e necessidades da sociedade civil, e até mesmo dos alunos.
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A democratização da universidade trouxe as eleições diretas,
muitas vezes com participação reduzida do corpo discente, ou por
desinteresse ou porque a capacidade dos alunos de participar do
processo de escolha era subestimada por muitos. Nos conselhos
universitários, os alunos têm participação mínima ou nenhuma;
os ex-alunos nunca são consultados e ainda menos os representantes
da sociedade civil como um todo, salvo em raríssimas exceções, que
mais parecem a encenação de uma falsa gestão participativa.
O rápido aumento do patrimônio de muitas universidades,
graças às mensalidades pagas pelos alunos ou ao apoio público, tem
levado a sociedade, em geral, e os estudantes, em particular, a criti-
carem aquilo que deveria ser visto como positivo: o crescimento de
uma universidade.
Recentemente, por ocasião da inauguração de uma biblioteca
numa universidade particular, o que deveria ser visto como um feito
louvável, numa época em que o Estado não vem cumprindo com
suas obrigações de ampliar as bibliotecas das universidades públicas,
um aluno comentou: “Eles construíram tudo isto com o dinheiro de
nossas mensalidades e depois usarão esta biblioteca para justificar o
aumento das mensalidades para os futuros alunos”. Os alunos
das universidades particulares, com raras exceções, sentem-se tão
desengajados de suas instituições quanto da sociedade em geral.
O Brasil precisa criar o conceito de alma mater, o amor que a
sociedade e, principalmente, os ex-alunos têm por suas universi-
dades. A única maneira de incentivar a criação dessa idéia é ampliar
o sentimento de que a universidade pertence a todos.
A maneira de alcançá-lo é incentivar o envolvimento da
sociedade, dos alunos e dos ex-alunos nas decisões da universidade.
E, sobretudo, pela criação do conceito de que a instituição pertence
à sociedade, e não a um Estado distante ou a um dono único.
No caso das universidades estatais, o caminho é chamar alunos
e ex-alunos a participar nas decisões e nas responsabilidades da
comunidade. O reitor é o líder intelectual e administrativo da insti-
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tuição, não o representante do Estado. Nas universidades par-
ticulares, é também necessário separar a figura do dono da figura
do líder acadêmico: o dono é o proprietário do prédio, o reitor é
o coordenador das atividades acadêmicas. O primeiro compra ou
herda, enquanto o segundo tem de ser eleito pela comunidade.
Relação com o ensino básico
Apesar de serem da responsabilidade de um mesmo ministério,
a relação das universidades com o ensino básico tem sido muito mais
restrita do que deveria, num país em que a realidade educacional
é tão trágica. A universidade brasileira tem de ser parte integrante
do processo de educação do povo brasileiro, a começar do ensino
básico, e não apenas de seus próprios alunos no ensino superior.
A universidade pode ser o elemento dinâmico, por excelência,
do ensino básico, se:
• participar dos programas de reciclagem de professores;
• der preferência aos professores, por meio de um sistema de
cotas, quando estes prestam vestibular;
• ampliar as vagas em cursos de licenciatura;
• ampliar as vagas nos cursos de pedagogia;
• reduzir as mensalidades para professores;
• criar cursos para especialização em técnicas de alfabetização,
tanto de adultos quanto de crianças;
• em todos os demais cursos, como Arquitetura, Nutrição,
Economia, Filosofia, História, considerar seu papel na
educação como objetivo dos estudos.
Relação com a saúde pública e os demais setores sociais
Da mesma forma que a universidade tem responsabilidades
para com a escola pública, ela as tem também para com a saúde
pública. Parte dos currículos dos cursos relacionados à área médica
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deve centrar-se em estudos relativos à medicina e à odontologia pre-
ventivas e sociais. Os cursos de engenharia civil poderiam contribuir
com tecnologias relacionadas ao abastecimento d'água e aos sistemas
de esgoto.
O setor de transporte poderia se orientar para transporte públi-
co. Todos os campos do conhecimento podem dar sua contribuição.
Como já acontece em alguns casos, os cursos de comunicação pode-
riam deixar de lado os meios de comunicação tradicionais e ensinar
a seus alunos técnicas de comunicação para as massas.
Compromissos sociais imediatos
Além de oferecer uma formação voltada para o objetivo de
construir um país sem pobreza, é necessário que a universidade se
envolva, também, nos compromissos sociais imediatos da sociedade
brasileira, como a alfabetização de adultos. A meta de erradicar o
analfabetismo em apenas quatro anos seria facilmente cumprida
se apenas 3% dos alunos das universidades trabalhassem como alfa-
betizadores. Se todos os universitários trabalhassem na alfabetização
durante quatro anos, o Brasil poderia ensinar um número 30 vezes
maior de pessoas a ler e escrever – 120 milhões de analfabetos, ou
15% do total dos analfabetos do mundo. Se cada universitário dedi-
casse oito horas semanais ao trabalho de alfabetização, durante um
único semestre, apenas 24% dos universitários seriam o bastante para
que, em quatro anos, o analfabetismo fosse erradicado. Isso não é
pedir muito.
Se isso não for feito, dentro de algumas décadas, quando for
escrita a história da campanha pela alfabetização do Brasil nos anos
2003-2006, será dito de nossos universitários atuais o que hoje dize-
mos dos universitários do século XIX: que nos alienamos frente a um
dos problemas sociais mais dramáticos de nosso tempo, da mesma
forma que eles se alienaram frente à escravatura.
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Compromissos com o futuro nacional
O mundo se encontra numa encruzilhada, e o Brasil está bem
no centro dela. O futuro de nosso país é incerto, não apenas pela
falta de investimento social e pela divisão interna, mas também em
razão do cenário internacional. A universidade tem um papel funda-
mental a desempenhar para ajudar o Brasil na construção de seu
futuro em relação ao resto do mundo, da seguinte forma:
• criar as bases científicas e tecnológicas necessárias para
enfrentar o futuro;
• compreender as relações internacionais, num mundo em que
existe hoje uma única grande potência;
• compreender a realidade de um mundo globalizado, onde há
exclusão e divisão;
contribuir na definição de formas de defesa de nossa soberania
num mundo globalizado.
Conhecimentos futuros
Para ser instrumento do futuro, a universidade de hoje tem
de definir quais conhecimentos serão necessários ao mundo
nesse futuro. A universidade, juntamente com a Coordenação de
Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior – CAPES, tem a
capacidade de, dentro de poucos meses, definir os conhecimentos
do futuro, nos quais deveríamos investir desde já, para que o Brasil
esteja preparado para comemorar o segundo centenário de sua inde-
pendência em 2022.
Com base nessa definição, a universidade tem de ir mais
adiante, redefinindo as carreiras nas quais devemos investir mais e
as que devem receber menos investimentos, uma vez que, em
breve, estarão superadas pela dinâmica do avanço e da demanda
de conhecimento. E, sobretudo, temos de definir quais carreiras
são permanentes por servirem aos valores fundamentais do
humanismo.
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Globalização, regionalização, nacionalização
Por ocasião da última reforma, realizada pelos militares, o
Brasil tinha ainda a pretensão de possuir um projeto nacional inde-
pendente do cenário mundial. Apesar do tradicional alinhamento
com os Estados Unidos e do apoio recebido da USAID para a
reforma e, acima de tudo, do apoio norte-americano para o ambi-
cioso programa de formação de pós-graduação, que representou
uma mudança positiva para a realidade do ensino superior brasileiro,
o sonho de um projeto nacional continuava vivo. Hoje, a universi-
dade brasileira não pode ignorar o fato de fazer parte de um projeto
global. O saber universitário, hoje em dia, já não cabe dentro das
fronteiras de país algum. E a universidade brasileira tem de fazer
parte do saber internacional, tanto em termos de suas qualidades
quanto de seus temas.
Mas, a universidade tem de alcançar o objetivo de ser global
e, ao mesmo tempo, ser também nacional. Ela deve manter vivos os
compromissos e as especificidades do Brasil, entendendo quais
conhecimentos específicos são necessários ao país.
Além disso, cada universidade, individualmente, deve
reconhecer a importância do seu entorno imediato, tendo, portanto,
de se regionalizar, ao mesmo tempo em que se globaliza.
A definição do sistema universitário brasileiro
Nossas universidades, apesar dos esforços do Conselho de
Reitores Universitários do Brasil – CRUB –, da Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior –
ANDIFES e de outras entidades representativas, como o Conselho
Nacional de Educação – CNE – , e da Lei de Diretrizes e Bases –
LDB, formam um conjunto que não possui a clareza de um sistema
integrado. O governo irá apresentar uma proposta de criação do
sistema universitário brasileiro, idéia essa que será discutida com
a comunidade acadêmica, mostrando as inter-relações e a interde-
pendência de seus diversos componentes, sua interação com o sis-
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tema de desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da cultura
em geral e evidenciando, também, a relação entre a universidade e o
setor privado e as instituições governamentais.
Esse sistema universitário brasileiro possibilitará que seja
definido, com maior clareza, o futuro da construção do saber superi-
or no Brasil, ao longo das próximas décadas do século XXI.
Democratização e eficiência administrativa
O governo pretende propor à comunidade acadêmica a
democratização das relações entre o sistema universitário e a
sociedade, bem como as regras para a democratização de cada insti-
tuição universitária, tanto no que se refere à gestão, às relações
sociais, às fontes de financiamento, à eficiência administrativa e
às relações internas de cada unidade com seus alunos, como também
no que se refere à sociedade e ao povo brasileiro como um todo.
A universidade tem de servir a todos. Servir a todos não sig-
nifica que todos tenham acesso à universidade, mas fazer com que os
profissionais universitários sirvam a todos. A universidade tem de ser
a elite da força de trabalho, a serviço de toda a população. O fato de
a universidade resistir às mudanças de seus cursos e de sua estrutura
faz com que muitos dos seus membros, demagogicamente, defendam
a ilusão do ingresso universal, quando deveriam estar defendendo a
universalização do trabalho dos professores universitários.
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UMA CONCLUSÃO – SETE APELOS
A universidade é um portal da esperança por nos permitir
compreender a encruzilhada com a qual nos defrontamos em meio a
nosso processo civilizatório. Um dos caminhos leva a um mundo
unido, enquanto o outro conduz a um mundo socialmente cindido.
Temos de conceber idéias para a criação de um futuro melhor, que
venha a beneficiar toda a humanidade, com uma globalização que
não inclua a exclusão social.
Um apelo às universidades dos países mais ricos
Este é um apelo às universidades dos países com rendas per
capita mais altas, os chamados países ricos, para que elas assumam,
na prática, a globalização. Por favor, não façam isso apenas exportan-
do produtos e idéias, mas também importando engajamento. Façam
mais do que desenvolver técnicas; desenvolvam, também, maneiras
de converter a ética numa parte essencial do compromisso para com
um mundo melhor. Conheçam com mais profundidade a realidade
das universidades africanas e das universidades dos países mais pobres
e endividados. Cooperem com a sobrevivência e com a qualidade dos
programas de formação oferecidos por essas universidades, e cola-
borem na criação de uma consciência mundial capaz de interromper
nossa bárbara marcha rumo a uma sociedade cindida e alienada, que
acabará por separar os seres humanos em dois campos tragicamente
opostos.
Um apelo às universidades dos países emergentes
Este é um apelo às universidades dos países emergentes, que
contam com uma massa crítica de pensadores e com centros
de ensino superior de peso. Olhem para a pobreza que os cerca.
Examinem o risco que correm ao permitir a instalação, em seus
países, de sociedades divididas e alienadas. Quebrem o círculo
vicioso das reivindicações corporativas e entendam a universidade
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como parte de uma rede social de seres humanos em busca de um
futuro melhor. Comprometam-se a colaborar com a erradicação da
pobreza e entendam que, apesar da crise, ainda há muito a ser ofere-
cido a universidades ainda mais pobres, principalmente na África.
Um apelo às universidades dos países pobres
Este é um apelo às universidades dos países mais pobres, prin-
cipalmente os da África e de alguns países da América Latina. Não
percam as esperanças. Apesar das tremendas dificuldades a serem
enfrentadas, ainda existe a possibilidade de uma integração global
em termos de conhecimento e de vínculos entre universidades,
compensando, assim, as insuficiências de cada uma por meio da
cooperação mútua.
Um apelo aos professores
Este é um apelo aos professores. Percebam que seus métodos de
ensino têm de incorporar as imensas possibilidades dos novos
equipamentos que permitirão ampliar enormemente o número de
alunos atendidos, seja qual for o país em que eles se encontrem. Por
favor, aceitem o risco de ser professores num tempo em que o
conhecimento muda a cada instante, exigindo dedicação para
acompanhar as mudanças contínuas. Aceitem com audácia esse
desafio, e sigam rumo à criação de novas maneiras de conhecer, por
mais efêmeras que sejam.
Um apelo aos jovens
Este é um apelo aos jovens de hoje. Por favor, assumam o papel
que sempre lhes coube ao longo de toda a história. Sejam rebeldes.
Isso é de importância fundamental, principalmente no mundo
de hoje, no qual, em termos globais e não importa em que país, vocês
se converteram nos órfãos do neoliberalismo. Vocês são a primeira
geração a se deparar com um futuro menos propício de que aquele
que seus pais tinham diante deles. Vocês são a primeira geração para
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quem um diploma universitário não significa um passaporte
automático para o sucesso, e a primeira geração cujo diploma estará
obsoleto muito antes de a aposentadoria chegar. Vocês são a primeira
geração para quem o admirável mundo novo viu-se transformado
no admirável mundo atual, e a primeira geração a não levantar as
coloridas bandeiras da utopia. Vocês são também a primeira geração
em que os jovens parecem mais egoístas e conservadores que seus
pais. Na defesa dos interesses de uma geração, vocês têm direito à
rebeldia. Exijam mudanças nas universidades em que estudam e pra-
tiquem a tradicional generosidade dos jovens. É seu dever rebelar-se,
lutando contra a barbárie entranhada no modelo da divisão socio-
econômica global. A reforma da universidade não ocorrerá sem a sua
mobilização rebelde. São vocês os únicos capazes de se mobilizar pela
revolução ou pela reforma. Estamos celebrando os 35 anos de 1968,
e fica em nossa boca o gosto de algo inacabado. Esperamos que
nossos filhos mais jovens e nossos netos acabem por nos provar
que os sonhos podem se tornar realidade.
Um apelo aos governos
Este é um apelo aos governos, tanto dos países ricos quanto
dos países pobres. Entendam o quanto é urgente resgatar suas
universidades públicas. Apesar de todas as dificuldades financeiras
do momento atual, o futuro não pode ser sacrificado, e o futuro de
cada país depende diretamente de suas universidades. Por favor,
não permitam que as universidades sejam transformadas em fábricas,
nem que o conhecimento se converta em uma mercadoria, que é
a prática proposta pelos tecnocratas de algumas instituições interna-
cionais. Aceitá-la significaria trair o que há de mais nobre no projeto
humano.
Um apelo à UNESCO
Este apelo é dirigido à UNESCO. Mantenham-se firmes na
sua luta pela cultura, pela ciência e pela educação e transformem este
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encontro num Fórum Permanente para a Defesa da Educação
Superior. Peço-lhes que defendam a universidade e façam com que
ela mude, adaptando-se a uma realidade na qual o conhecimento é
volátil e o ensino paira no ar, onde os diplomas perdem seu valor e a
universidade se coloca a distância. Apelo à UNESCO para que o ano
de 2004 ou 2005 seja consagrado como o Ano Universal da
Universidade, para que tenhamos a ocasião de pensar como deveria
ser a universidade do século XXI. Ainda em 2003, peço-lhes que
patrocinem um dia em que todas as universidades do mundo inter-
rompam suas atividades para refletir sobre seu futuro. Que esse seja
um dia para pensar em novos rumos para a humanidade, um dia em
que as universidades discutam maneiras de voltar a ser a vanguarda
do conhecimento, e de como auxiliar a UNESCO a implantar a
Década da Alfabetização. As universidades poderiam dedicar um
dia para pensar em maneiras de erradicar a fome, de tornar o
ensino fundamental acessível a todos, de construir a paz, de
devolver a seus alunos a garantia de um futuro exitoso e para pensar
em como conviver com os novos métodos virtuais de ensino, de
escala planetária. Enfim, pensar em como se tornar a universi-
dade da esperança, a universidade do século XXI.
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Excelências, Senhor Diretor-Geral, Senhores Delegados,
Tenho a honra de me juntar aos senhores para abrir a
Conferência Mundial sobre Educação Superior da UNESCO. Ao
examinarmos hoje nosso trabalho, de 1998 até o presente, avaliare-
mos como nossas políticas se traduziram em ações e programas. Essa
reflexão é um elemento essencial da educação, pois só a reflexão sobre
a prática pode gerar uma teoria lógica. Isolados, a teoria e os planos
são irrelevantes se não dispuserem de procedimentos concretos e de
uma base sólida para transformar a teoria em ação.
Hoje, o tema central da nossa discussão é a necessidade de
que a comunidade global assuma responsabilidade pela reforma e
inovação na educação, para enfrentar os desafios da globalização, da
democratização e das sociedades baseadas no conhecimento. Com
efeito, gostaria aqui de refletir justamente sobre essa responsabilidade
e a relação dinâmica entre democracia e educação.
Atualmente, no nosso mundo convulsionado, temos muita fé
no poder da educação para produzir cidadãos responsáveis, compro-
metidos com a paz, com a compreensão global, com a harmonia e
com a democracia genuína. Com feito, na Declaração Mundial de
1998, nós, da UNESCO, declaramos: “a educação é um pilar funda-
mental dos direitos humanos, da democracia, do desenvolvimento
sustentado e da paz”. No entanto, gostaria de acrescentar que a edu-
cação é não só um pilar da democracia, mas a democracia é um pilar
DISCURSO DA SUA ALTEZA
SHEIKA MOZAH BINT NASSER
ABDALLAH AL-MISNAD
PRIMEIRA DAMA DO QATAR
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da educação. Sem cidadãos educados, que queiram participar da
gestão dos assuntos dos seus respectivos países, a democracia não
pode florescer. Ao contrário, permanecerá um teatro vazio de cadeiras
eleitas. No entanto, com cidadãos educados, orientando criticamente
o rumo do seu futuro, esse teatro se transforma em um espetáculo intera-
tivo. Da mesma forma, se não houver uma democracia de partici-
pação, se não houver estímulo à capacidade do pensamento crítico e
à criatividade, essenciais para a educação, esta sofrerá na sua quali-
dade e integridade. Em uma sociedade democrática, o cidadão edu-
cado é um participante, não um espectador, e a própria democracia
é o processo pelo qual se realiza o desempenho da sociedade civil.
Senhoras e Senhores,
Acredito que a educação superior, em particular, desempenha
um papel vital na promoção e sustentação das sociedades democráticas.
Na verdade, essas sociedades proporcionam alimento para o pensa-
mento crítico e analítico, a liberdade de expressão e o debate.
Acredito que os institutos de educação superior deveriam ser
refúgios do pensamento inovador que impulsiona a sociedade no
rumo da mudança, da diversidade e da adaptação. Essas instituições
deveriam ser ambientes seguros para todos os cidadãos capazes,
independentemente de diferenças individuais, étnicas ou de gênero,
para debater e expressar suas idéias em um ambiente de colaboração
e progresso. Na verdade, os institutos de educação superior são veículos
para a promoção de uma cultura de qualidade que integre o resultado
da pesquisa a todas as facetas da sociedade, servindo como
incubadores de práticas e valores democráticos essenciais para
sustentar os próprios princípios da democracia. Assim, é importante
que essas instituições sejam estimuladas e que lhes confiemos
autonomia e apoio necessários para que cumpram a sua missão.
Senhoras e Senhores,
No meu país, Qatar, temos refletido profundamente sobre
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esses temas, já que nos encontramos no processo de transformar
tanto as nossas instituições educacionais como a nossa estrutura
política, e gostaria de compartilhar com os Senhores algumas das
nossas experiências. Como outros países neste mundo altamente
competitivo, Qatar insiste em encontrar seu próprio caminho para o
desenvolvimento sustentável, a democracia e a preservação da sua
integridade cultural. Começamos assim uma série de mudanças
radicais na educação de todos os níveis, a partir da educação básica
(nos níveis fundamental e médio) até as estruturas da educação superior.
Percebemos que para enfrentar as demandas de uma economia
global baseada no conhecimento, as formas tradicionais de ensinar e
de aprender precisavam ser mudadas. Nosso sistema educacional
precisava ser mais dinâmico e criativo. Percebemos a necessidade de
desafiar e estimular a inteligência dos nossos cidadãos, e entendemos
também que eles precisavam ser equipados com os instrumentos
necessários para permitir-lhes interagir e competir eficazmente com
a cultura e a economia internas e globais.
Em Qatar, atribuímos uma grande responsabilidade às institui-
ções educacionais, porque compreendemos que a educação tem um
papel crítico na preparação do futuro da nossa sociedade. Ao plane-
jar a nossa trajetória, focalizamos quatro premissas importantes:
alianças internacionais, diversidade de opções, sistemas educacionais
inovadores e acesso baseado em padrões de qualidade.
Em primeiro lugar, decidimos fazer alianças firmes com agências
e instituições educacionais internacionais, para receber no nosso país
o seu conhecimento, iniciando assim um processo de imigração de
cérebros, em lugar de evasão de cérebros.
Em segundo lugar, decidimos trocar um sistema monopolístico
estatal por um sistema abrangente, com várias opções, para estimular
a competição em todos os níveis no campo da educação.
Em terceiro lugar, focalizamos as necessidades do desenvolvi-
mento sustentável e concebemos sistemas e consórcios educacionais
que possam responder a essas necessidades. Convidamos universi-
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dades de alta qualidade nos seus campos de atuação para acolher
estudiosos, de modo a partilhar a pesquisa relevante impulsionada pelas
necessidades específicas da nossa sociedade em desenvolvimento.
Finalmente, consideramos a questão da equidade e desenvolve-
mos políticas para proporcionar bolsas de estudo a estudantes
qualificados, e para encorajar tanto os homens como as mulheres
a cruzar as barreiras de gênero de certas profissões.
Para alcançar esses objetivos, era preciso começar com a nossa
educação fundamental, e ampliar essas mudanças até alcançar o nível
da educação superior. Por isso as reformas em andamento tiveram
início nas escolas de ensino fundamental e médio. Introduzimos um
sistema baseado no modelo das charter schools, em que as escolas
competem entre si para estimular a diversidade de opções, a partici-
pação dos pais e a responsabilidade institucional.
No nível pós-secundário, a universidade estatal está passando
por um intenso rejuvenescimento. Da mesma forma, o investimento
privado tem sido estimulado a convidar universidades de alta quali-
dade a se instalar em Qatar. Instituições como o Cornell Medical
College, a Virginia Commonwealth University e a Texas A& M estão
com campi em processo de instalação em Qatar, e promovem
pesquisas e educação nos campos da medicina, desenho industrial e
engenharia. Foram criados também institutos de educação técnica, e
estão sendo planejadas outras escolas de ciências empresariais e de
computação. Além disso, o Parque de Ciência e Tecnologia atrairá
os recursos de todas essas instituições, e de outras ainda, para desen-
volver parecerias entre instituições acadêmicas, firmas comerciais
e indústrias. Adicionalmente, em cooperação com o nosso grupo
nacional de reforma, o Instituto Rand de Política Pública em Qatar
vai trabalhar em pesquisas analíticas de profundidade nos vários
aspectos do nosso desenvolvimento.
Qatar está determinado e comprometido com a reconsideração
dos métodos arcaicos de educação para melhor atender às necessi-
dades da nossa sociedade em mutação. Imagino que os resultados
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dessas reformas serão extraordinários, não só em termos de desen-
volvimento econômico e acadêmico do nosso país e da nossa região,
mas no desenvolvimento dos nossos recursos mais importantes – os
recursos humanos.
Senhoras e Senhores,
À medida que reformamos o sistema de educação de Qatar,
estamos introduzindo simultaneamente reformas na nossa estrutura
política. Com esse objetivo, foi dissolvido o Ministério da
Informação e abolida a censura. Estamos encorajando agora a
liberdade de palavra e o debate. Um conselho municipal foi eleito
para seu segundo mandato, e nele homens e mulheres têm o direito
de nomear e votar. Realizamos um referendum para consultar
os cidadãos sobre a nova reforma estrutural, que será iniciada sob
a nova constituição. Além disso, foi criado o Conselho Supremo de
Educação para servir como um supervisor de todas as instituições
educacionais, particulares e governamentais, em todos os níveis.
A meta do Conselho é estabelecer e implementar políticas
abrangentes e reduzir o caráter autocrático da educação controlada
pelo governo.
Honorável audiência,
Acreditamos que a democracia não é uma ideologia estrangeira
ou estranha, mas é inata à tradição da nossa herança islâmica.
A democracia foi sempre um elemento essencial do Islã, que pro-
move a igualdade dos seres humanos e o processo decisório mediante
consulta. O Islã exige o pensamento crítico e o debate construtivo, e
condena a misoginia. Reviver os valores democráticos inerentes à
tessitura da nossa sociedade é perfeitamente coerente com as exigências
críticas impostas aos muçulmanos, ordenados por Allah a refletir
com independência, com base no conhecimento, Na verdade, na
Surah Al An’am, as pessoas recebem uma garantia, e cito:
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Provas chegaram a ti dadas pelo teu Senhor
Portanto, quem quer que veja
Assim fará
Para o seu próprio bem
E Quem se cegar
O fará
Em seu próprio prejuízo
E eu, Maomé, não sou teu vigia.
Deste modo explicamos de várias formas
Os versos
De modo que ...
Os tornamos claros para quem tem conhecimento.
Distinta audiência:
No Islã não há lugar para a misoginia. O Islã nos estimula a
enfrentar a inovação com criatividade, não com medo. A democracia
é compatível também com os valores islâmicos da diversidade,
pluralismo e tolerância.
Senhoras e Senhores,
O mundo de hoje coloca a responsabilidade pela paz e o
entendimento entre as culturas sobre os ombros da educação e da
democracia. Ao examinar a história das relações entre democracia e
educação, John Dewey declarou: “o ideal democrático da educação
é uma ilusão grotesca e, no entanto, trágica”. Embora as tragédias
dos nossos fracassos ainda nos persigam, creio firmemente que
Dewey desesperou cedo demais. Nunca permitiremos que o ideal
democrático da educação se torne uma ilusão, mas continuaremos
a trabalhar para torná-lo uma realidade global.
Distinta audiência:
Para este fim precisamos de um forum internacional consis-
tente, onde se discuta a relação entre democracia e educação. Como
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comunidade global, temos organizações que monitoram o comércio,
o livre mercado, os direitos humanos, etc. Por que não podemos
ter uma organização para promover o crescimento dinâmico da
educação através da democracia, e o da democracia por meio da
educação? Um forum dessa natureza permitiria a interação global
que só pode aumentar a potencialidade que têm as sociedades de
se relacionarem entre si, em termos de igualdade e dignidade. Um
fórum como esse facilitaria o trabalho de organizações tais como a
UNESCO, e viabilizaria a pesquisa e a política globais orientadas
para promover a democracia e a educação.
Por exemplo, durante algum tempo a atenção mundial esteve
focalizada no Iraque. Se tivéssemos um fórum internacional para a
educação, poderíamos diagnosticar as necessidades educacionais do
Iraque e oferecer àquele país a assistência apropriada e oportuna.
Em Qatar, assistimos à luta do povo iraquiano com pesar e embora
não pudéssemos mudar as causas dessa situação angustiante,
podemos agora oferecer alívio para ajudar a restabelecer a infra-estru-
tura de educação de um grande país. O Iraque é um país orgulhoso,
rico em recursos educacionais e durante a sua história contribuiu
muito para o mundo, em especial em termos de arte, filosofia e
poesia. Acredito que é dever da comunidade internacional apoiar
o Iraque nesse momento difícil e ajudar o país na sua difícil tran-
sição, até que possa se levantar outra vez como um líder mundial em
educação, pesquisa e cultura.
Senhoras e Senhores (pausa):
É neste contexto de estímulo à prática da responsabilidade
global pela educação que quero anunciar hoje a criação do Fundo
Internacional para a Educação Superior no Iraque, cujo objetivo é
proporcionar assistência imediata e de longo prazo para reconstruir
a educação superior naquele país. É minha intenção trabalhar em
estreito contato com doadores internacionais para apoiar o Iraque
na construção do seu futuro, recorrendo à excelente vantagem repre-
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sentada pelos ricos recursos dos seus cidadãos. O primeiro doador para
esse Fundo será o Estado de Qatar, que sempre apoiou e defendeu
causas como esta.
Distinta audiência,
Só pela transformação da ignorância, do ódio e da opressão
existentes no nosso mundo em confiança, respeito e igualdade podere-
mos progredir como sociedade humana. Só pela manutenção da
nossa integridade cultural como nações diferentes, movidas por um
compromisso comum com o desenvolvimento intelectual, espiritual,
físico e emocional dos nossos cidadãos e das nossas nações poderemos
forjar um mundo digno dos nossos filhos. O futuro das nossas nações
depende não apenas da educação baseada no conhecimento, mas
também da educação holística e global alimentada pelo “leite da
bondade humana”, pela tolerância e pela criatividade.
Senhoras e Senhores,
Estamos à altura desse desafio?
Obrigada.
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O filósofo francês Jacques Derrida, em sua obra “O olho da
Universidade”, pergunta se há hoje para a universidade o que se
chama uma “razão de ser”; considera que nesta questão estão impli-
cadas duas palavras, a razão e o ser, que entendidas constituem a
essência da universidade em sua relação com a razão e o ser, mas
também aí está inserida a finalidade, a função, a missão, em suma,
a destinação da universidade. Ter uma “razão de ser” para a universi-
dade é justificar a sua existência, o seu sentido, sua finalidade, sua
função, sua destinação. Perguntar se a universidade tem uma razão de
ser é o mesmo que perguntar “por que a universidade?” e, “em vista
do que?” ou, “a universidade em vista de quê?”. Neste sentido,
pergunta-se então “Qual é o olhar da universidade? ou quais são os
olhares da universidade?” ou ainda o que se vê desde a universidade,
quer se esteja simplesmente nela ou à sua borda, quer indagando qual
a sua função social. Na metafísica de Aristóteles, associa-se a questão
do olhar à questão do saber, e a do saber à do saber-aprender e do
saber ensinar. Mas será que quando se tem o olhar, a percepção,
tem-se o suficiente? Saber entender as diferenças será o suficiente para
aprender e para ensinar? Não é tudo! É fundamental saber ouvir,
A NOVA MISSÃO DA UNIVERSIDADE:
A INCLUSÃO SOCIAL
Carlos Roberto Antunes dos Santos
Secretário de Educação Superior – SESU/MEC
Brasil
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poder escutar o que ressoa e, muitas vezes, humildemente, saber
fechar os olhos para escutar melhor. Faço esta introdução para
afirmar que a universidade sendo o espaço do saber /aprender e do
aprender a saber, nunca será suficiente em si mesma, no sentido
do sistema universitário como um sistema social e orgânico. Se
a universidade, de acordo com Marilena Chauí, em sua obra “A
universidade hoje”, é uma instituição social, científica e educativa,
com identidade fundada em princípios, valores, regras e formas de
organização que lhe são inerentes, na verdade o seu reconhecimento
e sua legitimidade social só se afirmam se ela colocar uma ponte
sobre o abismo que a separa da sociedade, e que permita a ligação ao
seu interior e exterior. Aí sim, todo este conjunto passa a constituir
a essência da universidade, a razão de ser, a identidade, a função
transformadora a expressa na sua função social.
Desta forma, quando a universidade abre mão de sua identi-
dade histórica corre o risco de servir a propósitos de reprodução do
poder e das estruturas dominantes e não à sua transformação. Os
maiores riscos correm por conta do comprometimento com a sua
razão de ser, pois estará perdendo autonomia, adquirindo mais uni-
formidade e abrindo mão da riqueza, de sua diversidade. Enquanto
educadores, nos colocamos, de acordo com Bourdieu no texto “ a
mão esquerda e a mão direita do Estado”, na mão esquerda do
Estado como “trabalhadores sociais”. Mas queremos ser trabalhadores
sociais de uma universidade que seja autônoma e multidiversificada,
nos espaços institucionais da reflexão, da criação, da interrogação, da
busca, da curiosidade, da invenção e da descoberta. Portanto, nós
que vivemos no cotidiano da universidade, devemos respirar a
liberdade, com a utopia e crença na autonomia, que nos permitirá a
necessária autonomia em relação ao aparelho estatal.
É dentro destes fundamentos que se inscreve a função social da
universidade. Sendo uma instituição social, com função social, a
universidade constitui um microcosmo da sociedade, caracterizada,
até certo ponto, em um modelo instituído pelo próprio contexto
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social, político, econômico e ideológico no qual está inserida. É esta
mútua interação de universidade e sociedade que acaba por impor
algumas limitações à própria universidade, cabendo a esta encontrar
as soluções, as medidas adequadas para superá-las. Na verdade, a
sociedade muitas vezes desconhece as funções da universidade e, ao
desconhecê-las, não oferece o apoio necessário para desenvolvê-las.
Muitas vezes a sociedade não tem consciência das potencialidades
da universidade. O rompimento desta situação de isolamento só
pode ser feito por iniciativa da própria Universidade, criando as
condições para o despertar da consciência dos diversos segmentos
sociais sobre a instituição. Nesse sentido, a função social da universi-
dade deve aliar aquela exclusivamente acadêmica – gerar conheci-
mento, formar profissionais de qualidade e disponibilizar os mesmos
para a sociedade – com a atividade extensionista, hoje um dos pilares
básicos da instituição.
Novo mundo, nova história: nova universidade. Dadas as condições
para o exercício de sua função social, cabe à universidade criar e promover
novos programas e novos compromissos para, numa perspectiva
democratizada, contribuir decisivamente para o progresso social.
Uma das metas de ação política do Ministério da Educação
do Brasil é construir uma nova Universidade. De fato, o modelo
que atualmente a organiza dá sinais de esgotamento e a instituição
milenar, formada no Ocidente antes mesmo que o Estado se estabele-
cesse, parece sofrer os abalos de uma transição que se quer para-
digmática, simultaneamente teórica e social.
A Universidade contemporânea e em particular a Universidade
brasileira perdeu a sua exclusividade como centro de produção de
saber e instrumento de preparação para o trabalho e para o emprego,
mas continua a ser a única instituição que permite o encontro, a
articulação e o diálogo crítico e livre entre distintos saberes e modos
de conhecer.
Essa continuidade institucional no contexto de suas múltiplas
e complexas transições se traduz em crises cíclicas de refuncionaliza-
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ção e de legitimação, mas acumula um repertório de alternativas
históricas que lhe tem permitido armar e confrontar os seus renova-
dos desafios.
O século e o milênio se abriram num horizonte de grandes
interpelações civilizatórias que alcançam naturalmente uma das raras
instituições com a mesma longevidade. Por isso se recoloca a questão
de “Por que e Como Reformar a Universidade”, como desafio para
reconfigurá-la enquanto Universidade para o Século XXI.
Com efeito, neste início de Século XXI é fundamental repensar
o ensino superior sobre a base de um novo contrato social entre a
Universidade e a Sociedade que tenha a educação como mediação
realizadora. Retoma-se assim para a Universidade o papel de van-
guarda indiscutível na produção e difusão do conhecimento.
A isso se acresce a circunstância especial de inauguração de um
novo projeto nacional de inclusão social, com crescimento sustentável,
ensejando a oportunidade de republicanização das instituições e
abolição das iniqüidades que suprimem a igualdade de condições de
exercício da cidadania.
É neste contexto que se busca reorientar as funções da
Universidade enquanto instituição de Estado, e não de Governo,
cujos eixos principais se apóiam na afirmação política da educação
como função de Estado e estratégia de governo para o desenvolvi-
mento, num processo que não deixa de armar contradições e de criar
pontos de tensão, tanto nas relações que se estabelecem com o Estado
e a Sociedade como entre as próprias Instituições que organizam
essas funções.
É verdade que parte dos muros da universidade já foram
derrubados, mas ainda restam muitos, grandes paredões. As uni-
versidades públicas vivem, já há muitos anos, crises de retorno
periódico: não têm recursos, não têm autonomia, não têm estímulos.
Tudo isso é verdade. Só que a crise da universidade hoje não é
apenas emergencial, mas estrutural. Isso a tornou burocrática, lenta
e custosa. O dirigente vive triturado pela burocracia. É fundamental
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a indignação em nome da mudança. É possível, com a estrutura
atual, a universidade responder aos desafios da contemporaneidade?
Sim em alguns pontos, não no conjunto. Cientes disso, o Presidente
e o Ministro da Educação querem deixar uma marca na
Universidade, a Universidade XXI, e eu também. Como construir a
universidade XXI, a partir de toda esta imensa contribuição já ofere-
cida pela universidade pública a este país? A Universidade deve
definir a sua missão, a partir da sua história, e das imposições do
tempo presente e futuro. Como a Universidade pode contribuir para
o sistema educativo como um todo? Como a universidade pode con-
tribuir para a definição e implementação de um projeto de nação,
visando uma sociedade mais justa? Qual deve ser o novo contrato
social da universidade com a sociedade? Quais as novas formas
de engajamento da Universidade? Como a Universidade se renova
enquanto projeto social? Como repensar a concepção de modelo de
ensino de graduação, que ainda é por créditos, como um sistema
bancário? A questão da universidade não se encerra dentro da univer-
sidade. Por estar inserida na sociedade, então devemos discutir a nova
universidade dentro de uma nova sociedade.
Em síntese, duas questões devem mobilizar todo este processo
de discussão: 1. O que as universidades podem fazer pelo Brasil? 2.
O que o governo deve fazer pelas universidades? A construção de um
desenvolvimento social harmônico e de uma globalização alternativa
só será possível com o entendimento da Educação Superior como um
bem público e, portanto, direito dos cidadãos.
As universidades brasileiras vivenciam situações complexas
resultantes das exigências e da submissão a uma política de ensino
superior calcada em visões de curto prazo com ênfase na quantidade
e na utilidade da sua produção científica e tecnológica, na ampliação
do seu papel social e na recorrente escassez dos recursos públicos e na
restrição do financiamento das suas atividades por parte do Estado.
Esta nova realidade exige transformações profundas,além dos
estreitos limites das simples reformas. Neste sentido, mais que uma
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análise conjuntural das condições atuais de funcionamento das
universidades, em especial as mantidas pelo poder público, é preciso
imergir na sua realidade estrutural, promovendo mudanças funda-
mentais e organizacionais, a relativa impermeabilidade às pressões
externas e a aversão à mudança.
Tendo por base os reflexos das transformações ocorridas na
economia mundial e os conseqüentes desafios que são colocados para
as universidades, é preciso mais do que nunca alicerçar as diretrizes
da política de educação superior, entendendo que o ensino superior
faz parte de um processo de formação que tem início na educação
infantil, que se estenderá vida afora e que é na formação das pessoas
que se sustenta o projeto de democracia da Nação.
Trazer este debate para o interior das universidades é funda-
mental para que elas autonomamente possam buscar seu novo papel
na nova economia e na sociedade do conhecimento, em gestação.
Neste papel, deve caber, além de formação, a produção do conheci-
mento novo e a sua disseminação por meios de serviços para a
comunidade local e regional, para os governos e para a sociedade em
geral e a discussão dos rumos alternativos que se abrem à evolução
social e econômica.
Para decidir sobre “um modelo de universidade”, é necessário
ter clareza sobre o tipo de sociedade que se quer construir. Por isso,
um governo comprometido com o desenvolvimento social e humano
deve ter as suas universidades como centros de produção de um
conhecimento interessado que lhes permita liderar as reformas do
pensamento e do ensino, numa atitude pró-ativa, contrariamente ao
simples atendimento ao desejo de parte da população de ter acesso a
um diploma de nível superior.
É de fundamental importância que seja superada a rigidez da
estrutura acadêmico-pedagógica. Com a revolução do conhecimento,
o impacto sobre os conteúdos, os métodos, linguagens e instrumentos
do trabalho acadêmico em seu conjunto, os planos e programas
de estudo se tornam obsoletos e ineficazes, os currículos se tornam
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rígidos e desiguais e as disciplinas estanques dificultam as possibili-
dades da inter e da transdisciplinaridade. Este assunto, tão urgente
quanto complexo, requer recursos, especialistas sobretudo abertura
mental e capacidade de previsão e antecipação das necessidades e pos-
sibilidades futuras.
As carreiras tradicionais começam a perder sentido em função
das demandas do mundo, da vida e do trabalho, mas as profissões
tradicionais tendem a resistir a qualquer tipo de mudança. É
necessário que a gestão do conhecimento, conduzida pelas autori-
dades e as lideranças acadêmicas seja concebida como programas de
educação contínua, a fim de que a atualização seja uma atividade per-
manente em cada instituição.
Como a própria razão de ser das IES, este problema do aper-
feiçoamento permanente do conhecimento exigirá modificações nos
processos de ensino-aprendizagem, na construção e atualização dos
currículos, na fusão das ramificações do saber e na produção e trans-
ferência de conhecimentos do mundo acadêmico à sociedade. É
necessário definir novas estruturas acadêmicas, articuladas entre si,
prever novas áreas demandadas pela sociedade do conhecimento e
dar-lhes valor social, assim como abrir ou fechar carreiras, criando
opções que atendam aos desafios da sociedade contemporânea.
Obviamente uma inclusão social deve exigir do processo de
formulação de políticas públicas para o ensino superior compromissos
muito claros de mudanças necessárias aos tempos atuais. Mudanças
alicerçadas na democracia e na autonomia plena das universidades de
forma a garantir: a expansão do acesso com permanência, qualidade
e ampliação dos direitos de cidadania; uma formação resultante de
aprendizagem efetiva, relevante e pertinente; a reestruturação do fazer
acadêmico articulando descentralização administrativa e integração
institucional; a interação efetiva com os diversos segmentos da
sociedade; a construção de pontes para o futuro revendo os paradigmas
que norteiam as atividades acadêmicas, tanto no processo de formação
envolvendo currículo, ensino-aprendizagem e avaliação, como na
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articulação da graduação com a pós-graduação, na produção e
disseminação do conhecimento e na gestão que deverá ser exemplar;
a qualidade das condições de trabalho para docentes, pesquisadores e
técnicos-administrativos, pela valorização e qualificação profissional,
traduzida por melhores salários; aproveitamento da experiência
acumulada dos docentes aposentados em programas de pós-gradu-
ação e pesquisas em Fórum Permanentes de interação Universidade/
Sociedade e em Conselhos consultivos; a autonomia universitária
como condição do Ser Universidade.
Informação, formação (conhecimento transformado em saberes
e competências) e conscientização (saber pensar que leva à partici-
pação cidadã) são os fundamentos para o semear de uma nova
cidadania, na qual a Educação Superior tem papel preponderante,
com universidades concebidas sob a égide da participação e do
compromisso social.
Do exposto, de forma epistemológica, emerge uma nova
concepção de Universidade, de sua nova missão, sem muros, com
funções diversificadas, plurais (não concentrada exclusivamente em
ensino, pesquisa e extensão), com caráter de solidariedade, portanto
comprometida com a ética e o social. Em face dessa nova missão social,
deve daí emergir um novo contrato social entre a universidade, o
governo e a sociedade, que tenha a educação como mediação
realizadora. Dentro desse contrato, uma parte é constituída pela
sociedade que deve avalizar e legitimar o novo papel da Universidade,
a outra parte é a responsabilidade do governo em formular políticas
e dotar as condições para que a instituição implemente a sua deco-
lagem, e a terceira parte cabe à própria Universidade assumir
integralmente a missão de favorecer a inclusão social, considerando
as novas bandeiras de lutas: o papel do conhecimento nesta sociedade
do conhecimento, o ecologismo, a fome zero, a erradicação do anal-
fabetismo, os direitos das minorias, as dimensões imprevisíveis do
papel de mulher na sociedade, a repulsa mundial à guerra e a luta
pela paz. Da parte de Universidade com a inclusão social cabe dentro
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do contrato a implantação de novos cursos noturnos, a interioriza-
ção, o Ensino a Distância, a ocupação de vagas ociosas, o aumento
de vagas, das cotas, a assistência estudantil, etc.
A partir deste contrato social tripartite, a Universidade, em
nova postura de inserção social, pode retomar para si o papel de
vanguarda, de construtora de futuros. Desta forma, é importante
perceber que o ambiente da crise de Universidade, também como
gerador de espaços de criatividade, permite repensar não apenas o
sentido da sua refuncionalização e de sua legitimação, mas acentua
circunstâncias especiais para a inauguração de um novo projeto de
inserção e inclusão social, com crescimento sustentável e igualdade
de condições no exercício da cidadania.
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Prefácio
A Conferência Mundial sobre Educação Superior, reunida pela
UNESCO em outubro de 1998, continua a ser a maior reunião
internacional até hoje realizada sobre o lugar, o papel e a função da
educação superior e a pesquisa nas sociedades modernas. Os docu-
mentos finais que adotou – a saber, a Declaração Mundial sobre a
Educação Superior para o Século XXI; Visão e Ação e o Quadro de
Ação Prioritária para a Mudança e o Desenvolvimento da Educação
Superior, esboçaram um quadro conceitual e uma linha de ação no
sentido da renovação e da reforma na educação superior, guiados por
princípios aceitos de comum acordo com respeito a:
ampliação do acesso e garantia do desenvolvimento da educação
superior como um fator importante do desenvolvimento, um
bem público e um direito humano;
• promoção da renovação e reforma de sistemas e instituições
tendo em vista ampliar a qualidade, a relevância e a eficiên-
cia, mediante vínculos mais estreitos com a sociedade,
notadamente o universo do trabalho;
RELATÓRIO SINTÉTICO SOBRE
AS TENDÊNCIAS E DESENVOLVIMENTOS
NA EDUCAÇÃO SUPERIOR DESDE
A CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE A
EDUCAÇÃO SUPERIOR (1998-2003)
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• garantia de recursos e financiamento adequados – públicos e
privados – compatíveis com o aumento das demandas feitas
pela sociedade à educação superior, em conjunto e por todos
os interessados;
• promoção da cooperação internacional e das parcerias.
A Conferência Mundial sobre a Ciência, organizada pela
UNESCO um ano mais tarde (Budapeste, 1999), proporcionou
elementos adicionais para o processo de renovação da educação
superior, tendo em vista o seu papel mais importante na produção,
difusão e aplicação do conhecimento, e no fortalecimento da
capacitação para pesquisa e desenvolvimento.
De acordo com a estratégia de acompanhamento dos resulta-
dos da Conferência Mundial, a UNESCO e os seus parceiros estão
realizando – cinco anos após o evento – um exame das mudanças e
desenvolvimentos havidos neste período e uma avaliação do pro-
gresso feito na implementação das suas recomendações. O presente
documento se destina a servir como um insumo para as discussões
do Encontro dos Parceiros da Educação Superior, que pode facilitar
a sua tarefa.
As declarações feitas e as conclusões extraídas desta Síntese se
baseiam em dados e fatos apresentados nos relatórios regionais e
em outros documentos informativos, distribuídos separadamente
no encontro. Por este motivo, os dados estatísticos e a informação
factual são mantidos em um mínimo. A ênfase é posta na identifi-
cação das tendências do desenvolvimento da educação superior,
e, mais especialmente, na sugestão de possíveis linhas de ação
em resposta aos desafios cambiantes que estamos enfrentando, e
continuaremos a enfrentar, a curto e a médio prazos.
O documento está assim estruturado:
A Primeira Parte procura captar as principais alterações no
modo como os fatores externos exercem atualmente seu impacto
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sobre a educação superior, determinando assim a direção e o ritmo da
sua futura transformação.
A Segunda Parte sintetiza as formas como a educação superior
está se desenvolvendo em resposta a fatores externos e internos, e a
resultante reforma e renovação em profundidade por que está pas-
sando, em ritmo e abrangência sem precedentes.
A Terceira Parte é dedicada à cooperação internacional e ao
papel desempenhado pela UNESCO em garantir o desenvolvimento
da educação superior em todo o mundo, de acordo com as recomen-
dações da Conferência Mundial.
O documento conclui com um conjunto de Recomendações,
destinado a atualizar o Quadro de Ação prioritária adotado pela
Conferência Mundial.
Komlavi Francisco Seddoh
Diretor, Divisão de Educação Superior
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PRIMEIRA PARTE
A Educação Superior no Ambiente Global
A Conferência Mundial sobre Educação Superior, reunida pela
UNESCO em 1998, realizou-se em um momento quando a neces-
sidade de reforma, ajuste e alteração profunda, em busca de um
“novo paradigma na educação superior” era sentida fortemente pelos
responsáveis por mudanças na educação superior, pelos seus prati-
cantes e seus beneficiários. Antes e depois da Conferência
Mundial, houve e continua havendo mudanças importantes em
todos os níveis e em todos os países. Obviamente, nem todas as
mudanças posteriores a 1998 podem ser atribuídas diretamente à
Conferência. No entanto, conforme o testemunho de todos os
relatórios regionais preparados para este encontro, as mudanças
posteriores e o debate continuado sobre a educação superior têm
acompanhado de perto as posições assumidas pela Conferência
Mundial, e os pontos de vista prevalecentes ali expressados.
As mudanças econômicas, políticas e sociais continuam a
levantar em toda parte desafios importantes à educação superior. Em
resposta a esses desafios, eventos posteriores à Conferência marcaram
uma escalada adicional do ritmo e do escopo da reforma e renovação
na educação superior – tendência que deverá continuar. As preo-
cupações atuais são dominadas pela procura de financiamento
adequado e de outros recursos para facilitar a expansão, em resposta
às pressões crescentes por mais e melhor educação superior. O que
se faz acompanhar pela busca de modos de solucionar o dilema da
quantidade/qualidade, para enfrentar as responsabilidades crescentes
da educação superior na sociedade do conhecimento e o uso pleno
das tecnologias de informação e comunicação, que estão presentes
nesse campo como importante força motriz da mudança.
Em muitos casos, o contexto da política nacional e o planeja-
mento geral estão sendo redirecionados. Serão necessários ajustes
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dentro dos sistemas e das instituições, tendo em vista especialmente
as políticas de acesso e admissão, a organização de estudos, o con-
teúdo curricular, o fornecimento de cursos, os métodos de ensino e
aprendizado, as práticas e as estratégias, etc. A administração, a
avaliação e a responsabilização precisam ser reforçadas.
Diante de tais pressões, a educação superior vem demonstrando
uma capacidade notável de mudar, adaptar-se e ajustar-se, mediante
inovação e experimentação. Essa capacidade é ilustrada pelos esforços
feitos para manter a qualidade sob a pressão da massificação, por
meio de medidas corajosas destinadas a integrar novas tecnologias
e usar cada vez mais modos não-tradicionais de oferta dos seus
serviços. A posição assumida pela Conferência, a saber, que a
educação superior deve ser proativa e não reativa, está ganhando
terreno. Adotando uma abordagem empresarial na busca por recursos,
a formação de vínculos estreitos com o mundo do trabalho passou
a constituir preocupação comum dos gerentes e praticantes da
educação superior. Novas parcerias e consórcios de instituições estão
sendo organizados tendo em vista aumentar a relevância e responder
melhor às necessidades sociais, garantindo a qualidade e comparabili-
dade dos estudos e qualificações dentro dos diferentes sistemas e
entre eles.
Decorridos cinco anos da Conferência Mundial, com base nos
dados apresentados nos relatórios regionais no presente encontro de
parceiros da educação superior, é possível identificar, da perspectiva
da UNESCO, alguns desenvolvimentos e tendências importantes em
escala mundial, com relevância direta para a educação superior e para
fixar a sua direção e ritmo de mudança. São os seguintes:
i) a globalização das economias, do comércio, finanças, serviços,
trabalho e outros domínios, inclusive a educação, a cultura
e a comunicação;
ii) o papel crescente da produção, avanço, difusão e aplicação
do conhecimento, como força motriz do desenvolvimento;
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iii) o progresso fenomenal das tecnologias de informação e
comunicação e do papel penetrante que elas exercem nas
sociedades de conhecimento emergentes (ao lado de pro-
gressos nas ciências cognitivas e na teoria do aprendizado);
iv) a evolução de um novo relacionamento entre a educação
superior, o Estado, o mercado e a comunidade em geral,
que pressiona em favor de uma maior responsabilidade e a
divisão equilibrada dos custos entre todos os interessados,
de modo a garantir o seu desenvolvimento e a melhor
administração e responsabilização das instituições de
educação superior;
v) a constante mudança social e política, marcada tanto
pelo progresso realizado na garantia de uma governança
democrática, baseada no respeito aos direitos humanos,
em sociedades mais equitativas, como pela continuação
persistente e chocante de desigualdades, pobreza, insegu-
rança e instabilidade. Durante esse período conflitos
abertos, a guerra e a ocupação têm afetado diretamente a
educação superior em alguns países, e em muitas partes do
mundo continuam a existir fontes de conflito;
vi) alterações nas tendências demográficas mundiais.
1.1 O impacto da globalização na educação superior
A globalização abriu oportunidades consideráveis para o
aprimoramento da humanidade. No entanto, ela implica o aumento
da competição e um nível elevado de preparação tecnológica, para
o qual muitos povos e nações não estão preparados. O resultado é
que os seus benefícios são distribuídos de forma desigual, e levam
a desigualdades chocantes. As fases mais recentes da globalização
tendem a aprofundar essas desigualdades e discrepâncias, em vez
de reduzi-las. Neste particular, adquire importância especial para a
educação superior o fato de que o ritmo intenso do progresso cientí-
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fico e tecnológico tende a agravar as disparidades econômicas e as
tensões sociais, em lugar de aliviá-las.
A globalização põe em movimento em todo o mundo forças
que têm um potencial intrínseco de unificação, mas elas são
compensadas por forças adversas, que concorrem para ampliar
divisões e animosidades, promover a intolerância, o terror e a violên-
cia, levando ao aumento da insegurança. Não há soluções fáceis
e rápidas para os desafios levantados por esses desenvolvimentos
adversos; no entanto, há uma maior percepção do fato de que como
o futuro da humanidade é único, o controle da globalização exige
soluções globais. A globalidade da condição humana é real, e gira em
torno de dois pólos: 1) a existência de bens globais “comuns” (ar,
água, um planeta comum para sustentar a humanidade, o conheci-
mento, as artes, etc.) e 2) a segurança comum da humanidade, que
só pode ser alcançada se houver um esforço claro para promover
tanto a natureza “global” como “comum” desses bens comuns, ou
seja, para garantir a sua preservação, aumento e distribuição mais
equitativa dentro de um espírito de solidariedade, de compartilha-
mento e atenção às necessidades de todos.
A educação superior se encontra em uma situação especial vis-
à-vis a globalização, derivada do caráter universal da sua missão e das
suas preocupações. O conhecimento é universal, e a sua busca e os
seus progressos se baseiam na livre circulação das idéias através das
fronteiras, dos campos científicos e da disciplinas acadêmicas. Isto foi
entendido claramente pelos fundadores da UNESCO, há mais de
cinqüenta anos, quando estabeleceram como um dos objetivos da
Organização facilitar “ … a livre busca da verdade objetiva, e o livre
intercâmbio das idéias e do conhecimento”, mediante o desenvolvi-
mento de “meios de comunicação entre os povos, e o emprego desses
meios para os fins de compreensão mútua e um conhecimento
mais verdadeiro e mais perfeito da vida de cada povo”. Esta crença,
baseada em uma antiga tradição humanística, segundo a qual “o
conhecimento é como o sol: deve brilhar para todos”, adquiriu um
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novo sentido, e está enfrentando novos desafios nas condições
atuais da globalização.
Ao enfatizar essa relação especial, é preciso indicar também
que a globalização implica processos que têm relevância direta para
a educação superior. Esses processos eram menos evidentes antes
da Conferência, ou não tinham ainda atingido a importância que
têm hoje. Para dar um exemplo, surgiram novos desafios a partir do
aumento do comércio de serviços de educação, e das atuais discussões
da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre o GATS,
General Agreement on Trade in Services, ou seja, Acordo Geral sobre
o Comércio de Serviços. Isto tem implicações para a educação superior
que precisam ser consideradas, nos planos organizacional e também
social e político, Os Estados e as próprias instituições de educação
superior reconhecem a necessidade de posicionar-se efetivamente
para a globalização e a economia do conhecimento. Ao mesmo
tempo, há uma forte resolução de preservar o caráter específico dos
sistemas nacionais de educação superior, resguardando os elementos
principais da identidade e das tradições culturais de cada nação.
1.2 Os novos papéis da educação superior e da pesquisa nas
sociedades do conhecimento
Continua a crescer a função da educação superior como
um fator e força motriz importante para o desenvolvimento sus-
tentável nas sociedades baseadas na informação e no conhecimento.
Segmentos mais amplos da população precisam alcançar níveis
avançados de conhecimento e capacitação. A força de trabalho se
torna cada vez mais uma força de trabalho de conhecimento, que
necessita adquirir treinamento mais avançado, com atualização e
retreinamento constantes por toda a vida. O aprendizado durante toda
a vida está ganhando terreno como princípio subjacente à educação
moderna, e a educação terciária emerge cada vez mais como o nível
educacional onde esses requisitos poderiam ser atendidos de forma
mais adequada e eficiente.
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Além do crescimento econômico, admite-se cada vez mais
que a educação superior pode contribuir também para a solução de
problemas importantes enfrentados atualmente pelo mundo nos
níveis global, regional e local: a remoção de desigualdades, o alívio da
pobreza e da degradação ambiental, a melhoria da saúde, o controle
das pandemias de larga escala, como a AIDS, etc. E desempenha
igualmente um papel decisivo no desenvolvimento da coesão social
e na criação de bases para sociedades civis saudáveis, dotadas de
boa governança e democracia participativa. As implicações para a
educação superior são evidentes: ela precisa continuar a mudar em
profundidade; precisa usar o prestígio de que desfruta na sociedade
para aumentar a relevância e a qualidade dos seus programas e ativi-
dades, de modo geral.
Nunca na história da humanidade o bem-estar das nações
dependeu de forma tão direta da qualidade e da abrangência dos sis-
temas e instituições de educação superior. A maior globalização das
economias, do comércio e dos serviços fez da educação superior uma
necessidade de primeira ordem para todos os países que querem
vencer os seus desafios. Os dados disponíveis e os indicadores do
desenvolvimento apóiam essa afirmativa de forma convincente. Na
estratégia de prosseguimento do trabalho feito pela Conferência
Mundial, é preciso levar em conta as formas como a educação supe-
rior e a pesquisa poderiam ser utilizadas de modo mais explícito na
formação e avaliação dos indicadores de Desenvolvimento Humano
do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.
1.3 O papel da educação superior na redução do hiato de
conhecimento
Uma educação superior de qualidade é particularmente
importante para os países em desenvolvimento, inclusive os países
em transição, porque representa um dos meios mais importantes para
superar o hiato que separa esses países do mundo desenvolvido, em
termos de conhecimento e pesquisa, e os habilita a enfrentar os
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102
desafios da globalização. Esses países precisam fortalecer seu treina-
mento de alto nível e a capacidade de pesquisa, de modo maciço e
com toda urgência, se querem evitar a marginalização e exclusão.
Como observa o relatório regional para a África, em termos de
desenvolvimento de recursos humanos, para tirar a África ao Sul
do Saara da sua crise prolongada, é necessário multiplicar por três
a educação superior até o ano 2010.
Apesar de alguns desenvolvimentos positivos, depois da
Conferência, o hiato entre os países industrializados e os países em
desenvolvimento tem aumentado ainda mais. Com as enormes
dificuldades econômicas, sociais e políticas que enfrentam, está claro
que os países em desenvolvimento e em transição não terão condições
de vencer esse fosso baseando-se apenas nos seus próprios recursos:
eles precisam e precisarão de apoio internacional significativo.
Atualmente, uma das necessidades mais prementes da comunidade
internacional é dar os passos adequados para ajudar a corrigir a situa-
ção precária da educação superior nos países em desenvolvimento,
especialmente naqueles de menor desenvolvimento relativo.
A Conferência Mundial sobre Educação, realizada em Jomtien,
na Tailândia, em 1990, estabeleceu a Educação para Todos como
a primeira prioridade para o mundo no campo da educação. Os
Estados, governos e a comunidade mundial reconheceram que a
Educação para Todos é um pré-requisito para enfrentar os desafios
atuais da humanidade. Quatro agências do Sistema das Nações
Unidas (UNESCO, Banco Mundial, PNUD e UNICEF) juntaram
forças para implementar um programa coerente, com objetivos
claros, baseado nos compromissos incisivos assumidos pelos Estados
e governos, e no envolvimento de todos os setores da sociedade. Duas
das Metas do Milênio, estabelecidas pela Assembléia Geral da Nações
Unidas no ano 2000, vieram reforçar esses objetivos.
A realidade das sociedades atuais, baseadas no conhecimento
e cada vez mais globalizadas, exige a adoção de uma abordagem
semelhante no nível da educação superior, que precisa expandir-se
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de forma considerável. Dados estimativos atuais indicam a necessi-
dade de taxas de matrícula da ordem de 40 a 50 por cento do grupo
da população relevante para permitir que um país funcione ade-
quadamente em um mundo globalizado e competitivo. Os países
industrializados compreenderam essa exigência, e tomaram medidas
para desenvolver sua educação superior e capacitação em pesquisa.
Em sua maioria, eles têm taxas de participação na educação superior
de cerca de 50 por cento, ou mais. Por vezes, esses Estados coordenam
seus esforços no nível regional. Um exemplo é o chamado Processo
de Bolonha, que busca criar, até 2010, um Espaço Europeu de
Educação Superior, com o objetivo explícito de fazer da educação
superior européia um dos sistemas mais competitivos do mundo.
Infelizmente, embora percebam a importância da educação
superior e da pesquisa para o desenvolvimento sustentável, e estejam
prontos para esforçar-se nesse sentido, os países em desenvolvimento
não têm condições de garantir o desenvolvimento da sua educação
superior e pesquisa na escala e com a urgência que se fazem
necessárias. É preciso criar um Programa para o Desenvolvimento e
Cooperação na Educação Superior, de caráter global, baseado em
fortes compromissos assumidos pelos governos nacionais e a comu-
nidade internacional, com claros objetivos e prioridades, semelhantes
aos que foram estabelecidos no programa Educação para Todos.
1.4 O impacto sobre a educação superior das tecnologias
de informação e comunicação
O impacto sobre a educação superior das tecnologias de infor-
mação e comunicação tem sido mais rápido, complexo e abrangente
do que imaginado pela Conferência, cinco anos atrás. Essas tecnolo-
gias, acompanhadas por progressos nas ciências cognitivas e nos
métodos educacionais, estão transformando rapidamente as estru-
turas, instituições, modos de apresentação e, mais particularmente,
os métodos e práticas de ensino e aprendizado. A função de pesquisa
da educação superior tem sido também bastante fortalecida.
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Ao mesmo tempo, as tecnologias de informação e comunicação
demonstraram seu potencial para a ampliação do acesso à educação
superior, reduzindo custos e facilitando os vínculos internacionais e
a cooperação através das fronteiras nacionais. O número das univer-
sidades abertas criadas depois da Conferência é impressionante. Elas
já representam uma parte considerável das matrículas, especialmente
no nível de graduação, e muitas são regionais e transnacionais. O
ensino aberto e através da Internet vem se tornando uma prática
habitual também nas universidades tradicionais, e essas tecnologias
representam atualmente uma abertura única para a educação supe-
rior, especialmente nos países em desenvolvimento.
Para usar plenamente esse potencial, é preciso tomar medidas
destinadas a garantir maior acesso a essas novas tecnologias. De acor-
do com a situação atual, um novo obstáculo foi acrescentado ao
tradicional que separa os ricos dos pobres, os “have” dos “have not”:
é o hiato entre os ricos e os pobres em informação. Estima-se que
quatrocentos milhões de pessoas em todo o mundo utilizam a
Internet, mas esse número não representa mais do que sete por cento
da população mundial. A densidade de uso da Internet é de mais de
53 por cento nos Estados Unidos e no Canadá, mas de apenas 1 por
cento no Oriente Médio, e de só 0,4 por cento na África.
Além disso, enquanto as tecnologias de informação e comuni-
cação abriram a perspectiva de desenvolver os elementos de um
espaço genuinamente mundial para a educação superior e a pesquisa,
o que tem crescido com rapidez é a atividade empresarial: por exem-
plo, a comercialização da educação superior através das fronteiras
visando lucros.
1.5 A Evolução do relacionamento entre educação superior,
o Estado e o mercado
Atender à demanda crescente no campo da educação superior
exige uma soma considerável de recursos. Com poucas exceções, eles
têm sido fornecidos sobretudo pelo financiamento público. Tornou-
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se evidente, contudo, que a expansão da educação superior não pode
ser acompanhada por um crescimento proporcional da despesa
pública. Nenhum governo, inclusive nos países desenvolvidos, pode
garantir, apenas com recursos públicos, o crescimento da educação
superior no ritmo exigido pelas necessidades econômicas e sociais.
Este fato foi manifestado de forma explícita na Conferência
Mundial que, no entanto, preveniu contra o perigo real que traria
para a educação superior o não comprometimento dos governos,
com relação a suas responsabilidades. Essas responsabilidades são
assumidas mais claramente nos países industrializados do que nos
países em desenvolvimento. Isto fica claro no Relatório Regional
sobre a Educação Superior na Região Européia. Nas outras regiões,
especialmente na África, a situação das economias nacionais e o ônus
do endividamento externo tornam difícil para os governos reservar
fundos para a educação superior nos níveis requeridos.
A redução dos recursos públicos e as idéias econômicas
prevalecentes tendem a atribuir ao Estado e aos governos um papel
menos importante nos assuntos relacionados com a educação superi-
or. Ao mesmo tempo, o papel e a contribuição do setor privado nesse
campo têm aumentado consideravelmente, e o financiamento priva-
do reduziu o ônus das despesas do setor público, ajudando também
a garantir que uma proporção dos custos envolvidos seja atribuída
aos que se beneficiam diretamente com a educação superior. Neste
campo, o papel do mercado está evoluindo também com rapidez.
Estamos testemunhando um rápido impulso de comercialização na
educação superior, levando a um “mercado da educação superior”
que tende a assumir dimensões globais.
A Conferência adotou posições claras sobre esses temas,
afirmando que: a) embora busquem a contribuição de todos os interes-
sados, inclusive o setor privado, no desenvolvimento da educação
superior, os Estados e os governos devem preservar plenamente a sua
responsabilidade e empenho no apoio que lhe proporciona; e b)
a educação superior não pode ser modelada somente pelas leis do
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mercado. Essas posições permanecem plenamente válidas e estão
ganhando terreno nos esforços para garantir acesso com eqüidade,
para preservar a qualidade e permitir que a educação superior
cumpra todas as suas missões e funções na sociedade.
1.6 Tendências demográficas no mundo: o seu impacto
sobre a educação superior
Nos países industrializados, o crescimento demográfico está se
estabilizando, e notamos uma tendência para o envelhecimento da
população, mas nos países em desenvolvimento, particularmente na
África, a população continua a crescer com bastante rapidez.
Entre 1995 e 2000, a taxa de crescimento demográfico nos
países em desenvolvimento foi de 1,9 por cento e no período 2000-
5 está sendo estimada em 1,7 por cento. Em 1990, esses países
tinham cerca de 4 bilhões de habitantes e, em 2025, terão entre 7,15
e 8 bilhões. Além disso, os jovens compreendem a maior parte dessa
população. Em muitos países em desenvolvimento, inclusive os mais
populosos, metade da população tem menos de vinte anos. Na Ásia,
há cerca de 1,5 bilhões de crianças com menos de 15 anos.
Em toda parte, inclusive nos países em desenvolvimento, um
número cada vez maior de jovens completam a educação secundária,
qualificando-se assim para acessar o nível terciário. Nesses países,
onde a taxa de matrícula é atualmente baixa, a pressão para a admis-
são à educação superior continuará a crescer exponencialmente,
devido ao fator demográfico. Enquanto os países desenvolvidos têm
taxas de matrícula de 50 por cento ou mais do grupo etário relevante,
na maior parte dos países em desenvolvimento essas taxas são de 5
por cento ou ainda menos. Assim, para esses países garantir o acesso
à educação superior com fundamento no mérito permanece uma
tarefa de enormes proporções.
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107
SEGUNDA PARTE
A Resposta às Pressões Externas e Internas em Favor da Mudança
2.1 Atendendo a demanda pelo maior acesso à educação
superior
A expansão quantitativa. A educação superior continuou a
crescer em taxas ainda mais elevadas do que no período que precedeu
a Conferência Mundial. As estimativas atuais indicam que o limiar
histórico de cem milhões de estudantes em todo o mundo foi ultra-
passado e antes de 2020 chegaremos a 125 milhões de estudantes,
conforme se esperava há algum tempo. Em um curto período, a
China mais do que dobrou as matrículas na educação superior e, em
2001, contava com cerca de 15,1 milhões de estudantes: o maior
sistema nacional. A Índia mostrou um aumento igualmente espe-
tacular, passando de 6,2 milhões de estudantes no ano acadêmico
1992/3 para 9,3 milhões em 1999/2000.
Em todas as regiões, houve aumentos importantes no número
de estudantes, especialmente na África, na América Latina e no
Caribe, os países árabes, na Europa Central e Oriental. Nos países em
desenvolvimento e nos países em transição, que se haviam atrasado
neste particular, o aumento tem sido significativo. Até mesmo nos
países desenvolvidos, nos quais se previra uma estabilização real,
embora moderada desse crescimento, houve aumento do número de
estudantes. Este é o resultado da abertura da educação superior para
novas “clientelas”, em especial o desenvolvimento em larga escala da
educação por toda a vida e dos esquemas de treinamento no trabalho.
Os cinco maiores sistemas nacionais de educação superior
(China, Estados Unidos, Índia, Federação Russa e Japão) respondem
em conjunto por 53,1 milhões de estudantes, que é mais da metade
do número total em todo o mundo. O fato de que esses países
representam pouco menos da metade da população mundial deveria
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108
indicar uma participação equilibrada de todo o mundo na educação
superior. No entanto, tanto a China como a Índia ainda têm taxas de
matrícula bastante baixas (14,0 e 10,4 por cento, respectivamente),
enquanto os dados relativos aos Estados Unidos, à Federação Russa e
ao Japão são muito maiores (72,62%, 64,09% e 47,7%, respectivamente).
Os relatórios regionais indicam claramente que o desafio mais
importante com relação ao acesso continua a ser o grande hiato que
separa os países em desenvolvimento – em especial os relativamente
menos desenvolvidos – dos países industrializados. Os indicadores
mais importantes (por exemplo, taxas de matrícula, número de estu-
dantes por cem mil habitantes, número de graduados na educação
superior, etc.) mostram que a despeito do aumento em números
absolutos, poucos países tiveram um progresso efetivo em alcançar os
países desenvolvidos no que diz respeito ao acesso e à participação
na educação superior. A situação da África ao Sul do Saara continua
dramática. Apesar de na última década as taxas de matrícula na
região terem crescido significativamente, a probabilidade de um
jovem nascido na África Sub-Saariana alcançar a educação superior
é aproximadamente dezoito a vinte vezes menor do que a de
um jovem nascido nos países industrializados (essa probabilidade
era dezessete vezes menor quando a UNESCO produziu seu
Documento sobre Políticas de Educação Superior, em 1994), e
muito menor em alguns países (Malawi, Tanzânia, etc.), onde as
taxas de matrícula chegam a 0,5 e 0,3 por cento.
Todos os relatórios regionais apontam que não seria possível
atender ao aumento da demanda pela educação superior apenas com
as instituições, programas e modos de atendimento tradicionais, e
exclusivamente com recursos públicos. Observam que o aumento das
matrículas só foi possível por um processo de diversificação que
tem continuado a aumentar depois da realização da Conferência.
A educação superior particular ajudou a aumentar as matrícu-
las em muitas regiões, em particular na Ásia e no Pacífico, na
Europa Central e Oriental, na América Latina e nos países árabes.
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Nessas regiões, em muitos países, as instituições de educação supe-
rior de caráter particular são mais numerosas do que as públicas,
e o número de estudantes que elas acolhem representam porcenta-
gens cada vez maiores da matrícula total. De acordo com as respostas
dadas pelos Estados Membros ao Questionário enviado pela
UNESCO, uma média de 31,5 por cento dos estudantes em todo
o mundo estão matriculados em instituições particulares. As por-
centagens variam consideravelmente entre países e regiões. É signi-
ficativo que muitos países em desenvolvimento e em transição apre-
sentam porcentagens mais elevadas do que a maioria dos países da
Europa Ocidental com longa tradição de educação superior pública.
A educação a distância, aberta e pela internet trouxe também
novas perspectivas de ampliação do acesso à educação superior. É o
que revelam de modo convincente os dados dos relatórios regionais.
É especialmente encorajador ver que a educação superior aberta e a
distância contribuem para a expansão do acesso nos países em desen-
volvimento. Na África do Sul, cerca de 30% do número total dos
estudantes da educação superior, no presente ano acadêmico, freqüen-
tam formas abertas e de ensino à distância. A principal instituição
educacional de ensino a distância do país tem atualmente 150.000
estudantes, 55% dos quais do sexo feminino. A Universidade Aberta
Nacional da Nigéria, que foi fechada em 1985, reabriu em maio de
2003, com 100.000 estudantes em 18 centros, e planeja alcançar a
marca de 600.000 estudantes em 2007. Embora a Universidade
Virtual Africana não se tenha desenvolvido na escala desejada, há
muitos outros projetos que tiveram um desenvolvimento normal. As
Universidades Abertas de Zimbabue e da Tanzânia abriram centros
regionais para ampliar o acesso dos estudantes de áreas rurais.
Desenvolvimentos como esses ocorrem especialmente na
região da Ásia e do Pacífico, onde existem mais de setenta universi-
dades virtuais abertas, o que corresponde a mais da metade das
“megauniversidades” existentes em todo o mundo. O ensino superior
aberto ou a distância está se desenvolvendo depressa também nos
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países árabes. Para citar só dois exemplos, a Universidade Aberta
Árabe começou a funcionar em 2001, e a Universidade Virtual Síria
foi fundada em 2002. O Projeto Avicena, lançado recentemente pela
UNESCO, com o apoio da União Européia, deverá dar novo impul-
so à universidade aberta na região mediterrânea.
Um novo fenômeno, em resposta à demanda de acesso, parti-
cularmente nos países em desenvolvimento e em transição, é a rápida
expansão da educação superior trans-nacional. A oferta de educação
superior através das fronteiras tem muitas implicações relacionadas
com a equidade de acesso e a preservação da diversidade dos sistemas
nacionais, tema que será tratado mais adiante, nas seções 2.6 e 3.2.
2.1.2 Eqüidade de Acesso.
A questão da eqüidade persiste em muitos países como uma
preocupação importante. O problema é causado principalmente pelo
fato de que não tem havido um aumento significativo dos recursos
financeiros e materiais compatível com a expansão quantitativa. A
pressão sobre a educação superior é enorme, especialmente sobre as
facilidades de infra-estrutura. Apesar do progresso significativo em
muitos países e regiões, a participação feminina na educação superior
exige uma ação adicional para que se alcance a plena eqüidade. As
mulheres superam os homens no número total de matrículas em grande
número de países, particularmente na Europa, na América Latina e nos
países árabes; no entanto, a sua participação é consideravelmente menor
em países importantes da Ásia (Índia, 36,2%; Bangladesh, 38.,0%:
República da Coréia, 38,5% ) e em outros países. Em muitos deles,
os incentivos e outras medidas destinadas a aumentar o acesso das mulhe-
res tiveram bom resultado. Em Bangladesh o Banco Grameen tem
ajudado muito a participação das mulheres na educação superior,
elevando-a a um nível comparável ao da República da Coréia. Muitos
doadores aumentam suas contribuições às instituições educacionais
proporcionalmente ao número de mulheres matriculadas.
A questão da equidade vai depender ultimamente do papel
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assumido no futuro pelas formas alternativas de educação superior,
que são sobretudo particulares. Essa educação é custeada por taxas
que muitos estudantes não têm condições de pagar. Há taxas para os
estudantes também em muitas instituições públicas, especialmente
nos países em desenvolvimento e em transição. Para compensar essas
tendências, os relatórios regionais insistem no papel da educação
superior como um bem público, e na preservação do direito à
educação superior com base no mérito.
2.2 Financiando a educação superior
Todos os relatórios regionais acentuam o fato de que os recur-
sos destinados à educação superior não acompanham o aumento
da demanda e o seu crescimento efetivo. Existem dificuldades
relacionadas com o financiamento da educação superior na maioria
dos países, inclusive nos industrializados, e nos países em desen-
volvimento e em transição elas são dramáticas, especialmente nos
relativamente menos desenvolvidos – e os Estados pequenos estão
particularmente ameaçados.
O financiamento público da educação superior, que continua
a ser sua fonte mais importante na maior parte dos países, em todo
o mundo, está sofrendo pesadas limitações. A educação é apenas um
dos setores que buscam fundos nos orçamentos governamentais. As
necessidades de outros serviços públicos estão crescendo, em muitos
países o desenvolvimento econômico está se tornando mais lento, ou
estagnando, e o financiamento público é escasso. Opções políticas
difíceis precisam ser feitas entre proporcionar a expansão da edu-
cação superior ou dar à educação básica a prioridade que ela requer.
A visão anterior, baseada na análise da “taxa de retorno”,
calculada com base no custo-benefício, dava à educação superior
uma posição modesta na lista de prioridades. A verdade é que ela era
considerada “elitista”, e o fato de que muitas vezes os seus programas
e o tipo de treinamento profissional oferecido não se ajustavam
às necessidades reais, gerando assim o desemprego dos graduados,
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também não ajudava. A redução dos gastos públicos com a educação
superior foi especialmente severa na África, onde esses gastos caíram
de US$6.300 por estudante em 1980 para $1.500 em 1988 e $1.241
em 1995. Não espanta assim que na África a educação superior
estejaem perigo”, enfrentando sérios riscos.
Tem havido uma mudança significativa na visão apresentada
acima. Nas economias modernas intensivas de conhecimento, a edu-
cação superior tem maior prioridade. Nas respostas ao Questionário
da UNESCO, que lhes foi apresentado em preparação para este
encontro, os Estados Membros indicaram diferentes porcentagens
do orçamento nacional dedicadas à educação superior (ex: Suécia,
7,4%; Nigéria, 4%; Marrocos, 4,33%; Togo, 3,53%; Austrália,3,4%;
Mongólia, 3,9%; Estados Unidos, 3,63%; Romênia, 3,36%; Síria,
3%; África do Sul, 2,98%; Federação Russa, 2,3%; República da
Coréia, 2,3%). Por outro lado, a educação superior parece ocupar
um lugar privilegiado dentro dos orçamentos nacionais para edu-
cação (ex: Romênia, 40%; Síria, 39%; Lesoto, 31,3%; Bangladesh,
31%; Senegal, 25,29%; Nigéria, 25%; Austrália, 23,2%; Suécia e
Estados Unidos, 22,5%; Reino Unido, 18%; Maurício, 18%;
Madagascar, 16,9%; Marrocos, 15,58%; Mali, 14,76%; África do
Sul, 13,66%, etc.) Os Estados Membros apresentam esses números
como um sinal do seu compromisso de apoiar a educação superior.
No entanto, quando se leva em conta a dimensão dos seus
orçamentos, temos um quadro completamente diferente. O finan-
ciamento da educação superior nos países em desenvolvimento,
especialmente nos relativamente menos desenvolvidos, continua
a ser um dos maiores desafios, ilustrado pelos custos médios
anuais por estudante que, em 2001, variavam entre US$220 em
Madagascar, US$280 em Camarões, US$570 na Romênia, US$600
na Líbia, US$670 na Federação Russa, US$785 na Turquia e
US$1.495 no Senegal, subindo bem acima de US$12.000 nos países
industrializados (ex: US$13.224 na Suécia). Serão comparáveis em
termos de qualidade e competitividade no mercado internacional
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da educação superior sistemas baseados em custos médios tão
diferentes?
Segundo dados disponíveis, em 1998, os níveis médios de
despesa por estudante nos países da OCDE, eram: US$3.915 para a
educação primária, US$XXXX para a secundária e US$11.720 para
a terciária. Isto levanta uma pergunta: saber se os custos da educação
superior precisam ser tão elevados como atualmente. Uma forma
de definir eficiência (e também qualidade) em qualquer campo da
atividade humana é em termos de fazer mais e melhor com menor
custo. Este critério deveria ser aplicado também à educação superior.
Na Índia, os custos de treinar especialistas de alto nível em
informática são muito menores do que em muitos outros países, mas
a julgar pela alta competitividade desses profissionais no mercado
mundial, a qualidade do treinamento que recebem é comparável ao
de outros países. Pode haver muitos outros exemplos, que deveriam
estimular idéias mais ousadas e ação mais efetiva para reduzir o custo
na educação superior.
A tendência geral revelada pelos relatórios regionais é diversi-
ficar as fontes de financiamento, recorrendo aos beneficiários diretos
para compartilhar os custos envolvidos: estudantes e suas famílias,
empresas, indústria e o setor público em geral. Muitos governos,
particularmente na Europa, continuam comprometidos com a gra-
tuidade da educação superior. A introdução de taxas nas instituições
públicas encontra resistência também por parte da comunidade
acadêmica, particularmente dos estudantes, assim como do público
em geral. No entanto, o teor da discussão sobre esse tema está
mudando gradualmente: as taxas são aceitas, desde que não sejam
exorbitantes, e esquemas de apoio aos estudantes (doações, emprésti-
mos estudantis, etc.) são instituídos para compensar os possíveis
efeitos negativos sobre o acesso. Em muitos países em transição, as
instituições públicas oferecem um número fixo de vagas gratuitas
para os seus melhores estudantes, e cobram taxas aos demais. Taxas
são cobradas atualmente de forma regular pelo treinamento
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no emprego e em outros tipos especiais de cursos de inscrição
voluntária.
Líderes executivos, professores e pesquisadores universitários,
inclusive os que trabalham em instituições públicas, estão mais incli-
nados a aceitar que a busca de financiamento e recursos adicionais
deve constituir parte das suas preocupações. Em todo o mundo, uma
atitude empresarial, conforme recomenda a Conferência Mundial,
está ganhando terreno no campo da educação superior. Competir
por financiamento público exige melhor capacitação empresarial,
garantias de qualidade e eficiência e transparência administrativa.
Itens orçamentários estritos, estabelecidos por um sistema centraliza-
do, são substituídos por orçamentos contendo quantias genéricas.
Como as fórmulas de financiamento são mais estritas, e se baseiam
na produção, e não no insumo, elas aumentam a competitividade das
instituições, que funcionam melhor.
Além das taxas, as instituições recorrem a uma ampla gama de
modalidades para garantir fundos adicionais: oferecem no mercado o
seu ensino, pesquisas e outros serviços, alugam facilidades, criam
empresas comerciais ou entram em empreendimentos comerciais
com o setor empresarial. O relatório da Ásia faz referência à atuação
empresarial como uma forma de dar autonomia financeira às institu-
ições de educação superior. Na Malásia, universidades organizadas no
estilo empresarial são operadas por companhias governamentais,
enquanto na China empresas de propriedade das universidades
geram renda através da venda dos seus serviços e produtos. Em
muitas universidades, o rendimento dessa atividade cobre mais
da metade do orçamento. A Austrália é apontada como um exemplo
de universidades que têm quase 50 por cento do seu custeio por
conta das taxas pagas pelos alunos, de doações para pesquisa externa,
atividades comerciais, renda de investimentos, etc.
Nos países em desenvolvimento ou em transição, empréstimos
do Banco Mundial e dos bancos de desenvolvimento regionais, pro-
gramas de assistência internacional sustentados pelos países doadores
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e projetos de cooperação bilateral e multilateral continuam a repre-
sentar uma fonte importante de recursos para as suas instituições
de educação superior. Hoje são menos freqüentes as críticas feitas
anteriormente a esses financiadores por impor sua orientação e
obrigar o cumprimento de requisitos que tendiam a ignorar a
especificidade e necessidades locais. Isto se deve à revisão importante
havida dessas práticas e nas novas abordagens adotadas, que reconhe-
cem as funções da educação superior nas sociedades modernas,
atribuindo-lhe maior prioridade.
Um aspecto positivo do trabalho realizado pelo Banco Mundial
e pelos doadores internacionais é o fato de que ele atrai especialistas
estrangeiros e estimula vínculos institucionais estáveis e arranjos em
redes de relacionamento. Os relatórios mostram ao mesmo tempo
que o apoio desses doadores estagnou, se não está diminuindo. A
Nova Parceria Econômica para o Desenvolvimento Africano levantou
grandes expectativas com relação à melhoria da educação superior na
África, mas o programa não se desenvolveu na escala projetada, e os
seus efeitos positivos no sistema de educação superior têm custado a
se materializar.
O apoio dos doadores tem muito a ganhar com uma melhor
coordenação. O Grupo de Trabalho sobre a Educação Superior da
Associação para o Desenvolvimento da Educação na África (ADEA:
Association for the Development of Education in Africa) adquiriu
uma experiência útil, neste particular, que precisa ser conhecida,
além de duplicada. Há muitos atores no cenário da educação
superior africana: a UNESCO, o Banco Mundial, o Banco de
Desenvolvimento Africano, a Agência Universitária da Francofonia,
fundações norte-americanas (Ford, Carnegie, Rockefeller, Mac
Arthur, etc.), doadores bilaterais (especialmente da Europa Ocidental,
Japão, etc.). Com essa coordenação, os recursos são consolidados,
reforçando-se o impacto da sua ação.
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2.3 A educação superior como um bem público
A Conferência Mundial reafirmou vigorosamente a necessi-
dade de conceber a educação superior como um direito humano e
um bem público. A educação superior contribui simultaneamente
para: a) o desenvolvimento econômico, cultural e social; b) a
promoção de valores e de ética compartilhados, que constituem
o fundamento da coesão social e da construção de uma nação; e c) o
progresso da carreira pessoal e do desenvolvimento dos indivíduos.
Serve, portanto, tanto os indivíduos, que têm o direito de acessá-la,
na base do seu mérito, como a sociedade em conjunto, mediante seu
papel crescente como fator do desenvolvimento sustentável. Visto
desta perspectiva, o debate focaliza a melhor forma de equilibrar os
insumos (as fontes de financiamento), os meios (quem proporciona
a educação superior, e como) e os resultados (os benefícios perce-
bidos para a sociedade e as pessoas).
Com relação aos insumos, o consenso geral é que a respon-
sabilidade financeira deve ser compartilhada por todos os interessados.
Mais concretamente, são esperadas contribuições maiores não só
do Estado, mas também dos próprios estudantes e de suas famílias,
assim como da indústria e das empresas em geral. A controvérsia diz
respeito à parte que deve caber a cada um desses contribuintes. Pre-
domina o ponto de vista de que o Estado deve ser o principal responsável,
mas os estudantes e suas famílias devem também participar, e os
empregadores precisam contribuir mais para o treinamento em
serviço e os esquemas de apoio aos estudantes. A proposta constante
do Relatório sobre Educação da UNESCO (O Tesouro Interior) da
Comissão Delors de 1995 voltou a figurar na agenda, com a idéia da
garantia de “tempo de estudo”: cupões que dão direito à educação
superior, concedidos a todos os jovens de dezoito anos, podendo ser
utilizados durante toda a sua vida. Tendo em vista a abordagem à
educação ampliada cada vez mais ao longo da vida, poderia ser útil
considerar as formas da sua institucionalização como parte da
estratégia de acompanhamento dos resultados da Conferência.
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Com relação à educação superior o debate é muito mais intenso.
Embora o modelo institucional predominante continue a ser o
público, especialmente na Europa e na América Latina, sugiram
numerosos outros tipos de fornecedores, oferecendo educação
superior em base particular, e cada vez mais comercial. Todos os
insumos (isto é, as fontes adicionais de recursos por parte do
setor privado) e os meios (vários fornecedores de educação superior,
inclusive instituições privadas) contribuem para o bem público, na
medida em que proporcionam resultados no campo da educação
superior (ou seja, trazem benefícios para a sociedade). Conforme
alguns alegam, “público” não quer dizer necessariamente adminis-
trado, financiado ou controlado pelo governo, e inclui instituições
financiadas e gerenciadas de forma particular – esta é uma perspecti-
va que está se consolidando. A linha divisória tradicional privado/
público vem sendo substituída assim por um novo divisor, que
separa as instituições “lucrativas” das que “não visam o lucro”; e até
mesmo essa divisão tende a ser esmaecida, pois algumas instituições
de educação superior públicas e privadas, sem fins lucrativos, estão
empenhadas em empreendimentos “lucrativos”, especialmente no
caso da educação transnacional.
A privatização encontra resistência em países com instituições
públicas de educação superior enraizadas na consciência nacional, e
continuará a haver seguramente uma evolução na educação superior
considerada como bem público, mas preservar esse status é uma
necessidade e uma prioridade. Os Estados e os governos devem
guardar suas prerrogativas na definição das políticas nesse campo,
garantindo a qualidade e a segurança do cumprimento de todas as
suas funções na sociedade. Promover “boa cidadania” em um país
(e no mundo) é hoje tão importante como promover “recursos
humanos competitivos”. Naturalmente, o inverso é também
verdadeiro: no mundo contemporâneo uma “melhor cidadania
precisa ser necessariamente mais competitiva, com maior competên-
cia e mais qualificações.
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118
2.4 A situação dos professores e pesquisadores. Liberdade
acadêmica e autonomia.
Os desenvolvimentos havidos no status dos professores que
atuam na educação superior e na pesquisa continuam na direção
percebida previamente, embora revelem novas mudanças de ênfase.
Do lado positivo, é encorajador observar que o número de pessoas
empenhadas na educação superior continua a aumentar, ainda que
não proporcionalmente ao crescimento maciço do número de estu-
dantes. Neste contexto, todos os relatórios regionais levantam uma
preocupação legítima com o status do pessoal dedicado ao ensino e à
pesquisa no campo da educação superior.
Muitas instituições, especialmente nos países em desenvolvi-
mento, sofrem de ampla falta de pessoal. O relatório sobre a África
revela que em 1998 estavam vagas 40 por cento das posições de
ensino nas universidades, e 60 por cento nas escolas politécnicas. Na
Nigéria, no mesmo ano, os postos não preenchidos das universidades
chegavam a 50 por cento. Em muitas regiões, há uma preocupação
com o pessoal, mas na África e nos países árabes esse tema é identi-
ficado como uma prioridade, devido à carência de professores do
ensino superior. Em muitos casos, esses professores não têm grau
de doutorado. Nos países em desenvolvimento e em transição, os
professores universitários assumem empregos adicionais para
suplementar seus salários, que são muito baixos, o que limita a
qualidade do ensino e da pesquisa.
As respostas dos Estados Membros ao Questionário da
UNESCO revelam que, na maior parte dos países, tem aumentado o
número de professores no ensino de nível superior, embora não
muito. A proporção entre pessoal docente e estudantes, que varia de
1/12 a 1/30 ou mais, difere de país para país, mas é comparável. Por
outro lado, há discrepâncias muito grandes entre as instituições
públicas e privadas (a Romênia tem uma proporção de 1/17 nas
instituições públicas e 1/42 nas privadas).
Outro tema se relaciona com o uso das tecnologias de infor-
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119
mação e comunicação para ajudar os professores. Afirma-se,
com boas razões, que o seu emprego poderia reduzir o pessoal que
trabalha no ensino e, ao mesmo tempo, aumentar a eficiência do
ensino/aprendizado. Com base nos dados e na experiência existentes,
não se pode chegar a conclusões definitivas sobre esse ponto.
Estamos certamente no princípio de um processo que continuará a se
desenvolver regularmente, com conseqüências importantes sobre o
conteúdo e os métodos de ensino/aprendizado na educação superior.
Embora estimulemos esse recurso por todos os meios possíveis, é
necessário também levar em conta atentamente todas as suas impli-
cações. Esforços devem ser feitos para garantir o acesso e o domínio
dos materiais educacionais baseados nessas tecnologias. Acima de
tudo, é necessário adequar esses materiais às necessidades locais e
treinar os professores na sua utilização, mantendo assim no processo
educativo o necessário contato direto entre professores e estudantes.
Muitas instituições, particularmente nos países em desenvolvi-
mento e em transição, sofrem a perda de pessoal de ensino e pesquisa,
devido a melhores salários e perspectivas profissionais mais atraentes
no setor privado ou no exterior. Este fato introduziu o tema da
“evasão de cérebros” na agenda com força renovada. A Recomendação
sobre o Status do Pessoal de Ensino na Educação Superior, de 1997,
adquiriu maior importância para a melhoria do status e das
condições de trabalho dos professores. Com este fim, a UNESCO
trabalha de perto com as organizações sindicais da profissão de
ensino, assim como com a Organização Internacional do Trabalho.
A promoção da liberdade e autonomia acadêmicas ocupa um
lugar importante na agenda dos esforços destinados a evitar que
o motivo do lucro prevaleça às custas dos valores acadêmicos. A
UNESCO está empenhada atualmente em elaborar um relatório
compreensivo sobre a situação da liberdade acadêmica no mundo,
com a participação ativa de associações de professores. Suas con-
clusões e recomendações deveriam ser incluídas na estratégia de
acompanhamento dos resultados da Conferência Mundial.
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A profissão de ensino na educação superior está se trans-
formando rapidamente. O professor precisa assumir novos papéis
e dominar novas capacitações. Com o apoio da UNESCO foram
criados em muitas regiões programas de desenvolvimento do pessoal
(por exemplo, nos países árabes e na África). No entanto, em com-
paração com as necessidades nesse campo, que são enormes, projetos
muito mais ambiciosos precisariam ser executados de maneira con-
certada, especialmente no nível regional.
Deste modo, a estratégia de acompanhamento dos resultados
da Conferência precisa dar atenção redobrada a esse campo, tendo
em vista o treinamento pré-serviço. Enquanto o treinamento em
serviço e o continuado estão ganhando importância, é necessário
examinar de novo o papel do treinamento prévio. Há muitos pontos
que precisam se avaliados, e requerem decisão e ação: o equilíbrio
adequado entre a educação em matérias (o conteúdo) e o treinamento
pedagógico (o método); se esse treinamento deve ser feito nas uni-
versidades ou se devemos admitir supridores não acadêmicos; o papel
do governo e das autoridades locais na regulamentação das estru-
turais e dos resultados do treinamento, etc. Da resposta a essas
perguntas emergem alguns traços comuns, assim como determinadas
linhas de ação para melhorar o rendimento dos professores, que é a
forma mais segura de aprimorar o seu status.
O treinamento dos professores é não só uma função e um com-
ponente da educação superior, mas também o principal veículo
através do qual ela pode contribuir para melhorar a educação em
todos os níveis. A interface entre educação superior e os outros níveis
educacionais, particularmente a educação secundária, está se tornan-
do cada vez mais complexa. Os relatórios regionais não desenvolvem
este assunto, mas ele deve permanecer uma preocupação constante
da estratégia de acompanhamento dos resultados da Conferência
Mundial. Por outro lado, os relatórios fornecem informações úteis
sobre as ações tomadas de modo a fortalecer o papel da educação
superior para atingir as metas do programa Educação para Todos.
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Segundo estimativas atuais, para alcançar as metas de Educação
para Todos, estabelecidas no Forum de Dacar de 2000, serão
necessários entre 15 e 35 milhões de professores. Atrair mais jovens
para a carreira de professor, dando-lhes o treinamento apropriado
a custos sustentáveis pelos Países Membros e as comunidades é
um tremendo desafio. Uma pesada responsabilidade que recai
primordialmente sobre as instituições de educação superior que
trabalham com a formação de professores. Elas terão condições de
enfrentar com êxito esse desafio na medida em que desenvolvam a
capacitação necessária para usar amplamente as tecnologias de
informação e os meios e métodos de educação a distância.
Há muitas outras formas de a educação superior apoiar a
Educação para Todos. Um bom exemplo é o projeto UNILIT inici-
ado pelo Escritório da UNESCO para os Estados árabes, que se
baseia em um princípio simples. O número das pessoas analfabetas
com quinze anos ou mais é de cerca de 900 milhões. O número dos
graduados em educação superior, cada ano, é de cerca de 9 milhões.
Se cada um dos graduados assumir a responsabilidade de ensinar pelo
menos cinco adultos a ler e escrever, o analfabetismo poderia ser
eliminado no ano 2020, desde que as suas fontes fossem contidas.
Como todas as idéias simples, esta precisa ser elaborada e testada para
garantir que funcione. A experiência ganha em alguns países árabes
parece convincente, mas não é suficiente. De qualquer forma, ela
merece mais atenção pela comunidade de educação superior, e antes
de mais nada pelos estudantes.
Alfabetização deixou de ser apenas o aprendizado da leitura,
escrita e dos números. A alfabetização funcional e, cada vez mais, a
alfabetização” no computador são necessárias para que uma pessoa
tenha a possibilidade de enfrentar as complexidades da civilização
moderna. Além da educação superior e seus mais de seiscentos milhões
de estudantes quem poderia enfrentar esse desafio com maiores
possibilidades de sucesso?
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2.5 Reforma e renovação na educação superior
Reforma e renovação exigem, em primeiro lugar, um quadro
legal apropriado e a adoção de instrumentos normativos e padrões
destinados a orientar o processo de mudança. A primeira parte é
uma prerrogativa dos governos e parlamentos nacionais; a segunda
se desenvolve mais lentamente, mediante acordo e consenso
alcançados nos níveis nacional e internacional. O período posterior
à Conferência Mundial tem sido especialmente ativo sob os dois
aspectos. Imediatamente depois da Conferência, a UNESCO solici-
tou aos seus pontos focais e às Comissões Nacionais que informassem
sobre a reforma legislativa em cada Estado, e recebeu respostas de
104 países, o que indica o alto nível de interesse que a Conferência
despertou. Essa riqueza de informação está arquivada em computa-
dor no Compêndio de Boa Prática na Educação Superior, que a
Divisão de Educação Superior pretende atualizar constantemente.
Por outro lado, os relatórios regionais indicam que no período que
sucedeu à Conferência Mundial tem havido em todo mundo intensa
renovação e inovação no campo da educação superior.
2.5.1 Diversificação de formas e estruturas.
A diversificação se tem intensificado e aprofundado na
educação superior. Ela ocorre, em primeiro lugar, na missão, função
e estrutura dos sistemas e instituições, tanto para satisfazer as
demandas sempre em expansão e mudança da sociedade como as
expectativas individuais dos estudantes. Ao mesmo tempo, a diversi-
ficação atinge os programas de educação superior, tanto em termos
do conteúdo como dos métodos de ensino/ aprendizado. Outro eixo
da diversificação tem a ver com os sistemas de oferta, marcados,
em primeiro lugar, pelo crescimento fantástico das instituições
de educação a distância e ensino aberto.
Com respeito às instituições públicas tradicionais, a tendência
é no sentido da estabilidade por meio do reforço. Novas instituições
são criadas em resposta às necessidades de diversificação, reestrutu-
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ração ou melhor distribuição regional da educação superior. Em
poucos casos tem havido fusão de instituições menores, resultando
na diminuição do seu número. O objetivo expresso é garantir melhor
administração, através da reestruturação institucional do sistema
nacional. De modo geral, porém o número das instituições públicas
de educação superior tende a permanecer estável, mesmo nos países
que passam por reformas profundas do seu sistema nacional.
Por outro lado, depois da Conferência Mundial, o número das
instituições privadas tem crescido consideravelmente. Em 2001, o
número total das instituições particulares na Federação Russa era 667
(em 1998, eram 334): 268 nas Filipinas, 195 em Marrocos, 130 na
Mongólia, 50 na Turquia, 69 na Romênia, 47 no Senegal, 34 em
Mali, 32 em Maurício, 23 na Nigéria e no Togo, etc. O processo de
criação de instituições particulares de educação superior não é fácil.
Numerosas dificuldades são encontradas com respeito à manutenção
da qualidade dos programas, e muitas dessas novas instituições não
contam com recursos materiais e intelectuais adequados. Muita vezes
elas não resistem ao aumento da competição em um mercado emer-
gente que nem sempre se preocupa com padrões de qualidade e com
práticas estabelecidas nos respectivos sistemas nacionais. Como regra
geral, a criação de instituições particulares de educação superior é
melhor efetivada nos países onde existem instituições públicas de
peso, que impuseram padrões de qualidade e desfrutam prestígio
nacional.
2.5.2 Abordagens inovadores ao conteúdo, às práticas e métodos
da educação superior.
São muitos e muito diversificados os fatores que exigem
mudança rápida e profunda e inovação no conteúdo, na prática e
nos métodos utilizados. Os progressos nas tecnologias de informação
e comunicação constituem uma força motriz importante, particular-
mente quando associados com novos desenvolvimentos nas ciências
educacionais e cognitivas. A natureza cambiante do corpo de estu-
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124
dantes e das suas necessidades também exige mudanças. Da mesma
forma, a natureza em evolução das demandas sociais, às quais a edu-
cação superior precisa reagir. Há igualmente dificuldades no modo
como funciona a educação superior em muitas instituições, as quais
precisam ser enfrentadas: em vários programas a duração do estudo é
muito prolongada e as taxas de desistência são muito elevadas. A
distribuição dos estudantes por campo de estudo e a relevância do
conhecimento, das competências e habilitações adquiridas nem
sempre estão de acordo com a realidade do universo do trabalho.
Pode-se afirmar, contudo, que a imagem da torre de marfim
das instituições de educação superior, em que as coisas mudam só
lentamente, é cada vez mais uma imagem do passado. Muitas dessas
instituições têm hoje, ao contrário, a imagem de comunidades
vibrantes, em busca constante de modos e meios para funcionar
melhor, perseguindo claramente missões bem definidas e reagindo
bem às demandas. Como é natural, a reforma e a inovação não são
processos simples. Há resistência às mudanças, justificada muitas
vezes em termos da defesa dos valores acadêmicos tradicionais, mas
refletindo principalmente a inércia e a adesão às práticas antigas.
Por vezes, o ritmo de mudança exerce grande pressão sobre as insti-
tuições, em particular as novas.
É importante salientar que ao enfrentar dificuldades desse tipo,
as instituições se ajustam melhor a elas quando formam parcerias –
acadêmicas, mas também econômicas e empresariais – no nível local,
nacional, regional ou internacional. A Rede Universitária Global
para a Inovação (Global University Network for Innovation, GUNI),
criada na Conferência Mundial, promoveu alguns projetos exitosos,
especialmente na América Latina e na Ásia, e esse trabalho precisa ser
mais desenvolvido.
Abordagens inovadoras ao funcionamento interno da educação
superior são implementadas através de dois processos independentes:
a reforma curricular e o uso de tecnologias de informação e comuni-
cação. Os currículos estão cada vez mais centrados nos estudantes, e
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125
focalizam os resultados do aprendizado, definidos em termos das
competências e habilitações adquiridas, e não mais na armazenagem
passiva de conhecimento – dados e fatos. Colocar o estudante no
centro do processo educacional, e não o professor, há muito é uma
necessidade reconhecida. No entanto, o caminho a percorrer ainda é
longo para que seja adotado de forma sistemática, e em larga escala,
nas instituições de educação superior de todo o mundo. A UNESCO
instituiu um relacionamento muito ativo com uma ampla gama de
organizações estudantis que podem ajudar a tornar esse processo
mais rápido.
A modulação das estruturas curriculares e o uso dos sistemas
de crédito estão surgindo como os instrumentos mais importantes
para atingir essa meta, abrindo a perspectiva de aumento da compa-
rabilidade das instituições e dos sistemas nacionais. O processo em
andamento de “sintonizar” as estruturas educacionais européias,
como parte do chamado Processo de Bolonha, é um típico exemplo.
A introdução de um esquema tríplice (Graduação/Mestrado/
Doutorado) em um sistema muito heterogêneo, que tendia a favore-
cer os estudos mais longos, tornou possível desenvolver estruturas
centrais comuns para os programas de estudo.
As estruturas centrais comuns para os programas de estudo, a
modulação e adoção do sistema de crédito têm diversas vantagens
potenciais. Fica mais fácil para os estudantes escolher programas, o
ritmo e a época dos seus estudos. Eles podem deslocar-se facilmente
de um nível da educação superior para outro. Com efeito, em vez de
oferecer um só ponto inicial de ingresso e um único ponto final de
saída, as instituições e programas abrem pontos intermediários de
ingresso/saída/reingresso no sistema, atendendo, assim, as necessi-
dades individuais com maior flexibilidade. O deslocamento de uma
instituição para outra é mais fácil, assim como o deslocamento entre
países, mediante a transferência de créditos e o reconhecimento de
estudos e qualificações. Quando não se deslocam fisicamente, os
estudantes têm acesso mais fácil aos programas no exterior, e podem
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obter o reconhecimento do trabalho que já completaram. É na base
dessa ampla gama de potencialidades que o presente documento
propõe incluir a idéia de “mover-se no sentido de um espaço mundi-
al da educação superior” como um objetivo da estratégia de acom-
panhamento dos resultados da Conferência Mundial.
2.6 Segurança da qualidade, aceitação de créditos e reconhe-
cimento de estudos e qualificações
Vários fatores convergentes, notadamente a expansão quantita-
tiva e a correspondente diversificação das instituições, estruturas,
programas e modos de suprimento, os procedimentos mais estritos
e formais e a regulamentação das consignações orçamentárias, o
aumento das pressões do mercado, que exigem que as instituições
se esforcem para posicionar-se em contextos altamente competitivos,
nacionais e internacionais, tornaram a garantia da qualidade e a
aceitação de créditos temas muito evidentes no período que sucedeu
à Conferência. Isto é especialmente urgente no que se refere à
Educação Superior através das fronteiras e a ela faltam, no momento,
padrões e uma regulamentação que garanta sua qualidade.
A necessidade de mecanismos para garantir a qualidade e
estruturas de reconhecimento é reconhecida em toda parte, e esforços
consideráveis têm sido feitos para instituí-los em praticamente todos
os países. A aceitação de créditos tornou-se extremamente impor-
tante, em especial nos países e regiões onde numerosas novas insti-
tuições, particularmente privadas, são criadas todo ano (nos países
árabes, na Europa Central e Oriental, na Ásia e Pacífico, etc.). Há um
busca de soluções em andamento. Atualmente, três tipos principais
desses sistemas são usados: a) um agência governamental; b) uma
organização intermediária; e c) um órgão profissional/acadêmico.
A tendência, atualmente, é favorável à instalação de agências do
primeiro tipo, contando crescentemente com elementos de estru-
turas e práticas desenvolvidas pelos dois outros tipos.
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Há esforços persistentes para recorrer menos ao reconhecimen-
to de créditos por um órgão estrangeiro, sistema ainda usado em
alguns países. Por outro lado, a experiência mostra que a melhor
abordagem para a garantia da qualidade e o reconhecimento
acadêmico é um contexto internacional, que facilita o acordo a
respeito de padrões e o reconhecimento mútuo de graus e qualifi-
cações, promovendo ainda a mobilidade. Muitas redes regionais de
estruturas de garantia de qualidade foram estabelecidas. O reconheci-
mento de estudos, diplomas e graus está associado muito de perto à
garantia de qualidade e ao reconhecimento. O conceito mais amplo
de qualificação está incluído nos esforços para se chegar à compara-
bilidade dos estudos e resultados do aprendizado, através de institu-
ições e sistemas. Este é um campo em que a UNESCO realizou um
importante trabalho pioneiro, através de convenções regionais sobre
o tema.
Há uma clara necessidade de abordar os temas mencionados de
forma inter-relacionada, e dentro de um contexto internacional. O
objetivo é chegar a um quadro legal que seja transparente, ampla-
mente aceitável e vantajoso para todos. Obviamente, esta meta só
pode ser alcançada por meio do diálogo e da cooperação entre as
autoridades nacionais e as comunidades de educação superior. Na
qualidade de organização intergovernamental dentro do Sistema das
Nações Unidas responsável pela educação superior, a UNESCO tem
um papel importante a desempenhar, principalmente por meio do
Forum Global sobre a Garantia de Qualidade e o Reconhecimento
de Qualificações.
2.7 Relevância para as necessidades sociais: educação
superior e o universo do trabalho
A globalização e a crescente internacionalização dos meios de
produção transformaram completamente a natureza e as necessidades
do universo do trabalho. As instituições de educação superior não
podem mais esperar oferecer a seus estudantes um treinamento que
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lhes sirva por toda a vida, pois muito depressa o progresso tecnológi-
co tornará essa formação obsoleta. Elas precisam instilar nos seus
futuros graduados aquelas capacidades que os habilitem a lidar
melhor com as exigências da sociedade do conhecimento, as quais
incluem capacidades acadêmicas (baseadas no treinamento especiali-
zado, mas incluindo também o pensamento crítico, a solução de
problemas, a capacidade de desaprender e reaprender ao longo da
vida), habilitações para o desenvolvimento pessoal e social (auto-
confiança, motivação, compromisso com valores morais e uma com-
preensão ampla da sociedade e do mundo), assim como habilitações
empresariais (capacidade de liderar e trabalhar em grupo, domínio
do computador e de outras tecnologias, etc.).
Em grande número de países, desenvolvidos e em desenvolvi-
mento, o desemprego dos graduados continua a ser um assunto
espinhoso. Em muitos países, o desemprego está em crescimento. E
as economias mais importantes passam por um período de baixo
crescimento econômico, enquanto a maioria dos países em desen-
volvimento ou em transição enfrentam sérias dificuldades
econômicas. Obviamente, no futuro imediato, a perspectiva de
aumento da oferta de emprego para os graduados não parece boa. No
entanto, há um consenso generalizado de que a educação de quali-
dade superior, perfeitamente integrada nos sistemas nacionais de
conhecimento, contribui diretamente para o crescimento econômi-
co, aumentando assim a possibilidade de emprego. De seu lado, os
governos não podem se afastar da responsabilidade de garantir uma
maior oferta de emprego para os graduados da educação superior.
A experiência emergente indica que o modo de resolver esses
temas complexos é fazer com que as instituições de educação superior
desenvolvam parcerias e alianças com os governos e os empregadores
potenciais, públicos e privados. A cooperação internacional pode
também ajudar. Uma das recomendações da Conferência Mundial
foi transformar os graduados de simples pretendentes a empregos em
criadores de empregos. Dentro do quadro da estratégia de acom-
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panhamento dos resultados da Conferência, será útil considerar a
possibilidade de que nossos jovens graduados que queiram criar
pequenas empresas, especialmente nos países em desenvolvimento,
tenham acesso a microcréditos oferecidos pelos governos e bancos
nacionais, assim como pelos doadores internacionais e bilaterais e
as agências de financiamento. As associações estudantis (tais como
AIESEC, a Confederação das Empresas Júnior Européias, etc.),
assim como empresas e companhias multinacionais poderiam asso-
ciar-se a esta iniciativa.
2.8 A educação superior e a pesquisa nas sociedades de
conhecimento
Nas atuais sociedades de conhecimento as instituições de
educação superior, especialmente as universidades, contribuem de
forma significativa para ampliar a capacidade nacional de pesquisa.
Esta é uma das suas funções tradicionais, reforçada pela interação das
gerações e as disciplinas proporcionadas pelo ambiente universitário.
Além de desenvolver pesquisas como uma parte importante das suas
atividades, as universidades oferecem treinamento em pesquisa a
grande número de jovens, e continuam a ter um quase monopólio
da concessão de graus de graduação. Elas abrem oportunidades para
perseguir a pesquisa interdisciplinar, e desenvolvem vínculos com a
sociedade por meio de contatos com diferentes grupos interessados.
Desse modo, as universidades desempenham um papel crescente na
definição das prioridades nacionais de pesquisa e ajudam a montar a
política e a agenda de pesquisa.
Os desenvolvimentos ocorridos depois da Conferência
Mundial refletem os esforços feitos pelas universidades para
aproveitar essas vantagens. Por outro lado, os relatórios regionais
indicam uma longa lista de temas relativos às relações entre a
educação superior e suas funções de pesquisa. O primeiro deles
tem a ver com o lugar e a proporção que deve ter a pesquisa no
funcionamento geral de cada instituição. Deveriam todas essas insti-
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tuições dedicar-se à pesquisa? Seria preferível que essa função fosse
primordialmente a responsabilidade das universidades, enquanto
outras instituições se concentrariam no ensino e treinamento profis-
sional? Não pode haver uma solução única. No entanto, há acordo
unânime com respeito à influência da pesquisa sobre a qualidade do
ensino e do treinamento.
Os relatórios regionais insistem no hiato de conhecimento
entre as nações desenvolvidas e em desenvolvimento, que representa
um desafio importante da nossa época. A pesquisa na educação supe-
rior continua a ser muito fraca no mundo em desenvolvimento, o
que se reflete no baixo nível de matrícula nos estudos de graduação,
no número de pessoas com doutorado, a participação relativamente
baixa da ciência e da tecnologia nos programas, as poucas patentes e
poucas publicações de valor reconhecido. Contra esse pano de fundo,
é importante observar os resultados positivos obtidos sempre que os
esforços para desenvolver a capacidade de pesquisa nos países em
desenvolvimento são abordados como um empreendimento interna-
cional cooperativo, envolvendo a educação superior e instituições
de pesquisa no Norte e no Sul, e orientado especificamente para a
promoção da cooperação Sul-Sul.
Assim, na África ao Sul do Saara, foram criados vários centros
regionais de excelência: o Centro de Ecologia e Fisiologia de Insetos
em Nairobi, no Quênia, que deu início ao programa regional
africano sobre ciência dos insetos; o programa de pós-graduação em
engenharia do Recurso Água, na Universidade de Dar es Salaam, na
Tanzânia; o Consórcio Africano de Pesquisa Econômica, baseado em
Nairobi. E os programas de pós-graduação em pesquisa econômica
baseados em Ugadugu, Burkina Faso. Os países participantes pro-
porcionam a maior parte dos fundos necessários, e contribuições
importantes são obtidas através de acordos bilaterais ou de doadores.
Com o apoio da Agência de Desenvolvimento Internacional
Sueca (SIDA), a UNESCO criou o Forum sobre Conhecimento e
Pesquisa a respeito da Educação Superior, como uma plataforma
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aberta para o diálogo e o intercâmbio entre os pesquisadores, os
especialistas e os responsáveis pelas políticas nacionais. Passados
dois anos, em 2001, o Forum já se tornou um instrumento
reconhecido internacionalmente, que não só ajuda a compreender
melhor os sistemas, estruturas, políticas, tendências e desenvolvi-
mentos no campo da educação superior, da pesquisa, aplicação e
produção do conhecimento, como facilita a ação cooperativa,
divulgando as conclusões das investigações e promovendo a capacita-
ção para a pesquisa, particularmente nos países em desenvolvimento.
O Forum criou as estruturas necessárias (um Comitê Científico
Global e cinco Comitês Regionais, assim como uma Secretaria per-
manente). O Comitê de Coordenação do Forum, com funcionários
da UNESCO e representantes das organizações em parceria, é
especialmente ativo na promoção de uma estreita cooperação com as
organizações internacionais governamentais e não-governamentais
que representam os principais atores na promoção da pesquisa e
desenvolvimento na área internacional. O Forum vai desempenhar
um papel importante dentro do quadro de ação de acompanhamento
dos resultados da Conferência.
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132
TERCEIRA PARTE
O Crescimento da Dimensão Internacional da Educação Superior
3.1 Trabalhando em conjunto para fortalecer e transformar
a educação superior
Depois da introdução maciça das tecnologias de informação e
comunicação na educação superior, sua sempre crescente dimensão
internacional representa o desenvolvimento mais importante
ocorrido depois da Conferência. Um processo abrangente de inter-
nacionalização da educação superior está se desenvolvendo, que vai
além das práticas tradicionais da cooperação internacional. Há um
efeito de influência recíproca entre a globalização e a internacionali-
zação na educação superior. Alimentada pela globalização, a interna-
cionalização é também um meio que permite à educação superior
responder aos desafios que ela propõe.
No entanto, conforme o Fórum Mundial das Cátedras da
UNESCO (de novembro de 2002) enfatizou fortemente, os benefí-
cios da internacionalização não são distribuídos por igual entre os
países e as regiões do mundo. Em toda parte, as instituições de
educação superior estão cada vez mais conscientes do fato de que
para envolver-se em esquemas de internacionalização precisam estar
preparadas para enfrentar uma dura competição. Ao mesmo tempo,
todos os atores que atuam no campo da internacionalização devem
estar preparados para compartilhar os esforços dos sistemas e institu-
ições mais débeis, que de outra forma permaneceriam sempre como
perdedores, e assisti-los nessa tarefa. Este é um papel que a UNESCO
sempre assumiu, e está preparada para manter.
3.1.1 Superando o hiato de conhecimento.
A falta de acesso ao conhecimento e à sua utilização pelos países
em desenvolvimento e em transição é uma das maiores iniqüidades
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da nossa época. Conseqüentemente, uma das tarefas mais urgentes
consiste em desenvolver a capacitação e partilhar o conhecimento e
os mecanismos e instrumentos adequados para a sua transferência. A
compartição e a transferência do conhecimento é um dos objetivos
perseguidos pela UNESCO através do seu Programa de Cátedras
UNITWIN/UNESCO. O Fórum Mundial das Cátedras da
UNESCO acentuou a necessidade de continuar a expandir as redes
UNITWIN que no passado demonstraram a sua utilidade, criar
novas redes e diversificar os esquemas de associação entre universi-
dades, tendo em vista elevar a qualidade do ensino e da pesquisa nas
instituições de educação superior dos países em desenvolvimento e
em transição. UNITWIN ajudará também a instituir novos programas
de estudo em áreas prioritárias e a estabelecer centros de excelência
como uma forma de promover a cooperação regional e sub-regional
e o desenvolvimento da capacidade nesses países.
3.1.2. Reduzir a “evasão de cérebros” (a iniciativa Acadêmicos
sem Fronteiras).
Outra prioridade urgente definida pela Conferência é deter a
“evasão de cérebros”, transformando-a em um processo muito
necessário de “ganho de cérebros” pelos países em desenvolvimento.
Para esse fim, a iniciativa Acadêmicos sem Fronteiras, que está sendo
desenvolvida pela UNESCO, prevê uma dupla estratégia: de
um lado, a necessidade de melhorar a capacidade e as condições das
instituições de educação superior dos países em desenvolvimento, de
modo a proporcionar treinamento avançado de qualidade no próprio
país e reduzir a necessidade de estudos prolongados no exterior,
estimulando ainda o regresso de acadêmicos expatriados. Prevê ainda
um movimento em larga escala, envolvendo “voluntários univer-
sitários”, ou seja, acadêmicos que acabaram de se aposentar ou jovens
acadêmicos em princípio de carreira que desejem ensinar e pesquisar
em instituições de educação superior fora do país. A UNESCO tem
o compromisso de promover essa iniciativa com a participação mais
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ampla possível. Está prevista a cooperação do PNUD, e particular-
mente do Programa de Voluntários das Nações Unidas. A nova ini-
ciativa da Associação das Universidades do Commonwealth, a saber,
o Arquivo de Dados sobre Acadêmicos Aposentados, tem muitos
pontos em comum com a proposta da UNESCO, e será solicitada a
cooperação com o maior número possível de parceiros.
3.1.3 Novas perspectivas para a cooperação internacional abertas
pelas tecnologias de informação e comunicação.
A iniciativa Recursos Educacionais Abertos. Com efeito, essas
tecnologias abriram enormes possibilidades para a cooperação entre
universidades, a qual vem assumindo novas formas e adquirindo
novas dimensões. Mas têm sido usadas ultimamente para oferecer
educação superior transnacionalmente, em base comercial. Por isso
é bem-vinda a iniciativa tomada pelo Instituto de Tecnologia de
Massachusets (MIT) de liberar o material dos seus cursos na internet,
com apoio financeiro de fundações privadas. Em julho de 2002, a
UNESCO organizou um encontro com representantes do MIT e de
várias outras instituições, fundações e empresas privadas interessadas
no assunto, que acentuaram tanto a necessidade como as possibili-
dades reais de liberar o acesso a materiais educativos na Internet,
como uma forma de superar o “fosso digital” e de abrir a todos o
acesso equitativo às sociedades de informação e conhecimento
emergentes. Eles sustentaram que a UNESCO é o lugar apropriado
para reunir apoio internacional a essa idéia. Em conseqüência, foi
lançada a iniciativa Recursos Educacionais Abertos, destinada a servir
como um mecanismo de cooperação, de base tecnológica para o
acesso aberto e não-comercial a recursos educacionais.
A estratégia de acompanhamento dos resultados da Conferência
Mundial inclui ação a ser tomada pela UNESCO como catalista e
agente facilitador da cooperação entre as organizações governamentais
internacionais, as organizações não-governamentais especializadas
e instituições individuais, para estimular a formação de redes e os
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esquemas de vinculação que permitam maior acesso das instituições
dos países em desenvolvimento ao aprendizado eletrônico, baseado
na web, e em outras formas de programas de educação a distância.
Dentro desse contexto, a UNESCO convida todos os seus parceiros
a ajudar a fazer da iniciativa Recursos Educacionais Abertos um
amplo movimento de livre acesso aos recursos educacionais.
3.2 O comércio dos serviços educacionais. As implicações
para a educação superior do Acordo Geral sobre o Comércio
de Serviços
Recentemente, vários novos acontecimentos ocorreram,
tendendo a mudar de forma significativa a natureza da oferta da
educação superior através das fronteiras. Agora, não só as pessoas
se deslocam fisicamente, mas sobretudo virtualmente, para fornecer
serviços educacionais no exterior, instituições, programas e
instrumentos de ensino/aprendizado, sob a forma de campi adi-
cionais, esquema de franquias, cursos eletrônicos, etc.
A oferta de educação superior através das fronteiras é motiva-
da primordialmente por razões econômicas. O volume do aprendizado
eletrônico fornecido pelo setor empresarial cresceu em 68 por cento
em 1999, e seu resultado comercial para o ano de 2003 é estimado
em 365 bilhões de dólares. Toda uma série de “novos supridores
(universidades privadas, instituições com fins lucrativos, empresas da
mídia), muitas vezes de status e qualidade pouco claras, aproveitaram
a oportunidade e impuseram a esse movimento uma abordagem
comercial. Este é um assunto que preocupa muitos governos,
instituições de educação superior e a comunidade acadêmica de
modo geral.
O comércio transnacional no campo da educação superior é
atualmente motivo de intenso debate. A Organização Mundial do
Comércio instituiu a Acordo Geral sobre o Comércio em Serviços
(GATS) como um meio de proporcionar um quadro de referência
para se chegar a um intercâmbio sujeito a regras na ampla esfera dos
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serviços. Esse objetivo é consistente com a Oitava Meta do Milênio
das Nações Unidas, que convoca parcerias “para desenvolver um
sistema comercial e financeiro aberto, com base em regras, previsível
e não discriminatório”. Vários Estados argumentaram em favor da
extensão do GATS à educação, e mais especialmente à educação
superior. O Acordo já tem recebido diferentes reações e, provavel-
mente, terá impactos diferenciados. Os críticos focalizam a ameaça
que representa para o papel e as responsabilidades dos governos no
fornecimento da educação superior e insistem no aspecto de “bem
comum” dessa atividade, bem como na necessidade de garantir a
sua qualidade. Argumenta-se também que há perigos consideráveis
em deixar que os temas da política educacional sejam definidos
cada vez mais exclusivamente em termos de comércio e de benefícios
econômicos. Os próprios economistas observam que isto poderia
ser contraproducente, em termos puramente econômicos. Por outro
lado, os defensores do livre comércio dos serviços educacionais
enfatizam que esse comércio dá lugar à inovação e a um acesso
mais amplo.
O certo é que o comércio no campo da educação superior é
uma realidade. No entanto, há um consenso generalizado de que a
educação superior não pode ser comercializada da mesma forma
como qualquer mercadoria. Os Estados, governos e as próprias insti-
tuições de educação superior não devem perder de vista o fato de que
estão lidando com um bem público, e o objetivo último deve ser
torná-la um bem público global. Na recente conferência sobre
Globalização na Educação Superior: Implicações para o Diálogo
Norte-Sul (Oslo, 26-7 de maio de 2003), o Diretor-Geral Assistente
da UNESCO esboçou uma possível linha de ação que poderia ser
incluída na estratégia de acompanhamento dos resultados da
Conferência Mundial.
De acordo com essa linha de ação, em primeiro lugar, é
necessário elaborar um estudo em profundidade dos desafios
levantados pela globalização à educação superior, com ênfase na
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forma como os documentos internacionais existentes e os instru-
mentos definidores, tais como as Convenções e Recomendações da
UNESCO, se relacionam com os novos desenvolvimentos, inclusive
o GATS. Sobre essa base, os Estados Membros poderiam adotar
quadros de legislação e políticas para a condução e o desenvolvimen-
to da educação superior, em estreita cooperação com as comunidades
acadêmicas.
O segundo objetivo é reunir as questões relativas a padrões
de qualidade, garantia de segurança, reconhecimento de créditos,
estudos e qualificações em um contexto coerente que pudesse ajudar
os Estados e as instituições de educação superior a procurar as
melhores soluções para os problemas com que estão confrontados
diante da globalização. A UNESCO proporciona um forum apro-
priado para a discussão e a busca de soluções para esses temas: o
Forum Global sobre Garantia de Qualidade e Reconhecimento de
Qualificações na Educação Superior continuará atendendo esse
objetivo.
3.3 O movimento no sentido de um espaço mundial de
educação superior e pesquisa
Conforme exposto no ítem 3.1 a oferta de educação superior
através das fronteiras é apresentada como o sinal de uma nova fase de
educação genuinamente sem fronteiras”. Com efeito, usando a
mesma terminologia, para os que se encontram do lado da demanda
da educação superior, é possível acessá-la e para os “supridores
ofere-cê-la praticamente em qualquer lugar do mundo. No entan-
to, como salientamos reiteradamente nesta síntese, a abordagem
comercial e a orientação para o mercado não precisam ser as únicas
formas de praticá-la. A opção que existe é entre deixar que esse inter-
câmbio seja regulado pelas forças e regras do mercado ou apoiar um
processo destinado a atingir uma melhor educação superior,
disponível a mais pessoas e trazendo benefícios para o desenvolvi-
mento sustentável de todos os países.
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Todos os relatórios regionais salientam a tendência no sentido
da convergência de sistemas por meio da maior cooperação nas suas
respectivas regiões. Esta tendência é particularmente forte na Europa,
devido ao lançamento, em 1999, do Processo de Bolonha, que
tem por objetivo criar em 2007 um “Espaço Europeu de Educação
Superior”, iniciativa que despertou interesse também em outras
partes do mundo. A América Latina a vem seguindo de perto e fala-
se em um possível Espaço Euro-Latino Americano de Educação
Superior. A Comissão Européia, principal ator por trás do Processo
de Bolonha, tem demonstrado de forma consistente a sua disposição
de estender essa cooperação além da União Européia, expandindo
seus programas de educação superior – em primeiro lugar, para os
outros países europeus, não-membros da União Européia, depois
para os países do Mediterrâneo e para outras regiões. O desenvolvi-
mento mais importante atualmente é o lançamento do Mundo
Erasmo 2004-2008, destinado a fortalecer a cooperação entre a
Europa e todos os países do mundo.
Essas tendências de convergência na educação superior são
um desenvolvimento positivo, na medida em que ajudam a melhorar
a qualidade (mediante a adoção de padrões comuns), a fortalecer a
segurança de qualidade (por meio de estruturas e mecanismos atuan-
do muitas vezes em nível regional e internacional) e a facilitar o
reconhecimento de estudos e qualificações, ampliando, assim, de
modo geral, a mobilidade e a cooperação internacional. É missão
e papel da UNESCO estimular e promover tendências convergentes
voltadas para a qualidade da educação superior, nos níveis mundial
e regional. No entanto, de nenhum modo essa convergência deve
afetar ou reduzir a diversidade da educação superior existente no
mundo, que decorre da história, das tradições e necessidades especí-
ficas nacionais e locais.
Como um processo externo, a globalização impulsiona a
educação superior e a pesquisa para que elas também se globalizem.
Assim, hoje o desafio mais importante consiste em assegurar que o
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resultante espaço mundial de educação superior e pesquisa preserve a
diversidade, rejeite a uniformidade e sirva como um bem comum
global genuíno. A UNESCO convida todos os seus parceiros a unir-
se a ela neste esforço, como parte do acompanhamento dos resulta-
dos da Conferência Mundial.
3.4 O papel da UNESCO
3.4.1 Fortalecendo o papel da educação superior no programa
geral da UNESCO
Ao avaliar a contribuição da UNESCO para o desenvolvimen-
to e a reforma na educação superior, é preciso levar em conta o fato
de que a UNESCO não é uma organização financiadora. Assim, ela
não dispõe dos meios e recursos para implementar efetivamente
mudanças na educação superior em todo o mundo. Não obstante,
pode induzir essas mudanças e mobilizar esforços e recursos para a
sua implementação. Sua contribuição é determinada, em primeiro
lugar pelo fato de que a sua ação reflete a vontade política dos
Estrados Membros no campo da educação superior. Em segundo
lugar, a sua contribuição tem a força trazida pela ampla gama dos
seus parceiros, notadamente pela posição moral e prestígio do seu
parceiro mais natural, a comunidade acadêmica internacional.
Beneficiando-se da sua experiência de âmbito mundial e da sua
ampla gama de parceiros, a UNESCO continuará a focalizar a ação
de acompanhamento dos resultados da Conferência Mundial naque-
les sentidos em que a sua contribuição é mais direta e mais prática:
• assistir os Estados Membros no desenvolvimento da sua
capacidade a na formulação de políticas e estratégias sobre
educação superior;
• servir como plataforma de diálogo e para o intercâmbio e a
compartição de experiência e informação sobre aspectos
importantes da educação superior no século XXI.
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A Conferência Mundial, seguida um ano depois pela
Conferência Científica Mundial (Budapest, 1999), ajudou a precisar
o papel e as responsabilidades da UNESCO dentro do Sistema
das Nações Unidas com respeito à educação superior e à pesquisa.
Esse maior reconhecimento dos papéis vitais da educação superior e
da pesquisa nas sociedades modernas exige, em primeiro lugar, um
programa reforçado, mais visível e mais compreensivo de educação
superior, dentro da atuação geral da UNESCO – o que foi ressaltado
por todos os relatórios regionais. As propostas esboçadas até aqui
na presente síntese e incluídas na Recomendação têm em mente este
objetivo.
3.4.2. Trazendo a educação superior mais para perto da UNESCO.
A segundo diretriz para a atuação da UNESCO é trazer a
educação superior mais para perto da Organização, envolvendo insti-
tuições e a comunidade acadêmica, de modo geral, mais ativamente
na implementação da sua missão, seus objetivos e programas. No
campo da educação, a perspectiva mais ampla da educação básica de
qualidade para todos vai exigir que a educação superior seja um ator
importante no esforço para alcançar a meta desse programa como um
dos objetivos do Milênio estabelecidos pela Assembléia Geral das
Nações Unidas. A contribuição das instituições de educação superior
para a UNESCO é especialmente relevante no campo da ciência
(inclusive as ciências sociais). É com o seu apoio que um dos obje-
tivos estratégicos da Organização para o período 2002-7 poderá ser
atingido, a saber: ampliar a capacidade científica, técnica e humana
de participar nas sociedades de conhecimento emergentes.
A educação superior é essencial nos esforços da UNESCO,
tendo em vista reforçar sua contribuição ao desenvolvimento susten-
tável, como um preceito moral e como conceito científico. Nume-
rosas iniciativas foram tomadas, notadamente a Educação Superior
Global para a Parceria da Sustentabilidade, lançada pela UNESCO
juntamente com a IAU e as principais associações regionais e inter-
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141
nacionais de educação superior. A Década Mundial de Educação para
o Desenvolvimento Sustentável, pela qual a UNESCO é a principal
responsável, proporciona o quadro geral para uma participação mais
ativa da educação superior.
No campo da cultura, a adoção pela UNESCO da Declaração
Universal sobre o Desenvolvimento Cultural abriu novas possibili-
dades de envolvimento mais ativo das instituições de educação
superior nos esforços desenvolvidos pela Organização para salva-
guardar a diversidade cultural e encorajar o diálogo entre culturas e
civilizações. Finalmente, no campo da comunicação e informação,
as prioridades estabelecidas pela UNESCO são compatíveis com os
princípios da liberdade acadêmica, que é intrínseca ao mundo
acadêmico e ao trabalho acadêmico de modo geral. Seus esforços para
promover o livre fluxo de idéias e o acesso universal à informação
estão assim perfeitamente na linha das aspirações e práticas das
instituições de educação superior e seus servidores, professores,
pesquisadores e estudantes.
Recomendações no sentido de atualizar o Quadro de Ação Prioritária
para a Mudança e o Desenvolvimento da Educação Superior
Enquanto os dois documentos adotados pela Conferência
Mundial – a saber, a Declaração Mundial e o Quadro para Ação –
guardam sua pertinência e validade, têm havido importantes desen-
volvimentos posteriores que tornam necessário atualizar o Quadro de
Ação Prioritária. As propostas abaixo visam este objetivo.
I. Ação prioritária no nível nacional
1. Os Estados, inclusive governos, parlamentos e outros
agentes decisórios, devem levar em conta o desenvolvimento e as
tendências posteriores à Conferência Mundial que mostram, com
intensidade especial, o papel vital desempenhado pela educação
superior no desenvolvimento sustentável das sociedades baseadas no
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142
conhecimento; e, sobre essa base, devem tomar a ação apropriada e
adotar provisões para a sua reforma, renovação e desenvolvimento,
como um bem público essencial. De modo particular, os Estados e
governos são solicitados a examinar e a abordar os temas legislativos
e as bases administrativas para a nova relação em evolução entre a
educação superior, o Estado e o mercado.
2. Todos os interessados e todos os setores da sociedade –
públicos e privados – devem contribuir para sistemas de educação
superior viáveis, como condições necessárias para o desenvolvimento
individual e social. É responsabilidade do Estado canalizar sua
contribuição de modo a cumprir plenamente a missão, os objetivos
e funções da educação superior na sociedade.
3. São necessários esforços adicionais no nível nacional para
garantir amplo acesso à educação superior na base do mérito, com
ênfase especial nos grupos em situação de desvantagem (mulheres,
minorias étnicas, jovens em áreas rurais remotas, os incapacitados,
etc.). Uma ação especial é necessária para eliminar a discriminação
de gênero e os estereótipos e para uma participação efetiva das
mulheres no ensino, pesquisa e administração da educação superior,
em todos os níveis. Para garantir eqüidade segura de acesso à edu-
cação superior com base no mérito, devem ser introduzidos esquemas
de apoio aos estudantes (doações, empréstimos estudantis, etc.).
Recomenda-se seja considerada a possibilidade de introduzir
estipêndio para tempo de estudo”, que beneficie jovens de dezoito
anos, qualificados para a educação superior, como uma forma de
enfrentar melhor os requisitos da educação permanente, durante
toda a vida.
4. Deve-se estimular uma maior dimensão internacional da
educação superior. As autoridades nacionais e todos os interessados
devem prever a promoção da cooperação, esquemas de vinculação e
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143
de rede, intercâmbio acadêmico e mobilidade do pessoal e dos
estudantes no nível regional e internacional. São convocados, em
particular, a contribuir para lançar um Programa para o Desenvolvi-
mento e Cooperação da Educação Superior, em larga escala, apto
especificamente a atender às necessidades dos países em desenvolvi-
mento e em transição.
II. Ação prioritária no nível dos sistemas e instituições
1. As instituições devem proceder, com mais ousadia, a reformas
em profundidade, inovações do conteúdo curricular e dos métodos
de ensino/aprendizado, assim como ao fortalecimento do papel da
pesquisa. Nesse esforço, devem aumentar a capacidade de usar ple-
namente o potencial das tecnologias de informação e comunicação.
Os estudantes devem ter ampla possibilidade de participar ativa-
mente nesse processo.
2. As instituições de educação superior são encorajadas a tomar
providências no sentido de fortalecer a sua governança e capacidade
de administração, a desenvolver uma cultura de avaliação que abran-
ja o conjunto das suas atividades a aumentar a responsabilização e a
serem mais empreendedoras na busca de financiamento, bem como
a instituir laços mais estreitos com a sociedade, em particular com o
universo do trabalho.
3. Ao buscar a maior internacionalização dos seus programas
e atividades, sob o impacto da globalização, as instituições devem
procurar estender seus entendimentos cooperativos, tendo por meta a
compartição do conhecimento, dos programas e outras facilidades
com as instituições de parceria nos países em desenvolvimento, em
um esforço concertado para apoiar o desenvolvimento destes últimos
e para contribuir para a elevação da qualidade da sua capacidade de
ensino, treinamento e pesquisa. De modo particular, recomenda-se
que resistam às pressões para adotar nos seus programas de estudos
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144
no exterior e nos vínculos internacionais uma abordagem puramente
comercial, baseada no mercado.
III. Ação a ser tomada no nível internacional, em especial
a iniciada pela UNESCO
1. Tendo em vista o papel ampliado da educação superior
no desenvolvimento econômico, político, social e cultural, e dada a
situação precária da educação superior nos países em desenvolvimento
e em transição, e o hiato cada vez maior que os separa dos países
industrialmente desenvolvidos, com respeito à educação superior e
à pesquisa, a UNESCO deveria iniciar um Programa para o Desen-
volvimento e Cooperação da Educação Superior, em larga escala.
Com base no compromisso dos governos, da comunidade interna-
cional e de todos os interessados, esse Programa aproveitará a
experiência obtida através da Educação para Todos, objetivo para
o qual deve contribuir diretamente.
2. Nesse contexto, e em resposta aos desafios levantados à
educação superior pela globalização, a UNESCO focalizará as impli-
cações da liberalização do comércio no campo da educação superior,
particularmente do GATS, com ênfase em como garantir a qualidade
da oferta estrangeira de educação superior. O Fórum Global sobre
Garantia de Qualidade e Reconhecimento de Qualificações na
Educação Superior será fortalecido como uma plataforma para
intercâmbio de pontos de vista. A ação será focalizada na:
elaboração de um estudo das implicações da globalização
para a educação superior, a ser apresentado aos Estados
Membros para alertá-los com relação aos temas implicados e
para pedir sua orientação e decisão na futura estruturação do
trabalho da Organização, bem como a possível ação interna
cional sobre este ponto;
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145
• busca de soluções para os problemas complexos relativos aos
padrões e garantia de qualidade, aceitação de créditos e
reconhecimento de estudos e qualificações. A UNESCO
procurará promover o diálogo e a cooperação entre as autori-
dades nacionais e as comunidades acadêmicas, para que
cheguem a padrões e estruturas aceitáveis em comum. As
convenções regionais da UNESCO sobre o reconhecimento
de estudos, diplomas e graus serão fortalecidas quando ajus-
tadas aos novos desenvolvimento.
3. A UNESCO promoverá ações tendo por objetivo conseguir
um ajuste mais eficaz entre a educação superior e o universo do traba-
lho, fortalecendo a garantia de qualidade e as práticas e mecanismos
de avaliação, e desenvolvendo uma cultura de auto-avaliação e sensi-
bilidade à responsabilidade nas instituições de educação superior.
4. Especialmente nos países em desenvolvimento e em tran-
sição a UNESCO aumentará a assistência prestada aos Estados
Membros e às instituições a usar plenamente as tecnologias de infor-
mação e comunicação na educação superior. Atenção especial será
dada ao acesso livre na web e na internet aos materiais educacionais.
A iniciativa Recursos Educacionais Abertos será promovida e trans-
formada em um movimento de larga escala e em uma campanha
internacional em favor da educação superior nos países em desen-
volvimento.
5. As Recomendações do Fórum Mundial das Cátedras da
UNESCO (Paris, novembro de 2002) serão parte integral da estraté-
gia de acompanhamento dos resultados da Conferência Mundial, em
particular aqueles relacionados com a superação do hiato de conheci-
mento, através dos esquemas Acadêmicos sem Fronteiras e
Voluntários Universitários.
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146
6. Na ação de prosseguimento da Conferência Mundial será
dada ênfase especial à contribuição ao fortalecimento do papel da
pesquisa na educação superior, e à melhoria da sua qualidade, por
meio do Fórum Global sobre Conhecimento e Pesquisa da Educação
Superior.
7. De acordo com as Recomendações de 1997 relativas ao
status do pessoal de ensino da educação superior, a UNESCO bus-
cará fortalecer em todo mundo a liberdade acadêmica e a autonomia
universitária. O desenvolvimento do pessoal empregado na educação
superior será promovido e assistido no nível nacional e regional. Ao
mesmo tempo, será dada atenção à renovação do treinamento dos
professores, como uma importante contribuição da educação superior
ao desenvolvimento da educação em todos os níveis.
8. No contexto da Década para a Educação sobre o Desenvol-
vimento Sustentável, a UNESCO começará a elaborar um currículo
internacional sobre o desenvolvimento sustentável, a ser implemen-
tado com a contribuição das instituições de educação superior de
todas as regiões.
9. O trabalho iniciado pela UNESCO para desenvolver
indicadores de qualidade e outros instrumentos de avaliação, que
poderiam facilitar o monitoramento do progresso havido na imple-
mentação das Recomendações da Conferência Mundial, deve ser
continuado e intensificado. Dentro do seu mandato relativo à
reunião de dados estatísticos, experiências de boa prática e os resul-
tados da pesquisa na educação superior, a UNESCO procurará obter
maior cooperação das organizações internacionais governamentais e
não-governamentais, instituições e pesquisadores individuais, em
particular da Rede Universitária Global para a Inovação (GUNI).
ANAIS+5 OK 2/5/04 11:21 AM Page 146
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151
INTERNACIONALIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO SUPERIOR
TENDÊNCIAS E DESENVOLVIMENTO
DESDE 1998
Trabalho preparado pela
Associação Internacional de Universidades
Maio de 2003
Nota do Secretariado
Cinco anos depois da Conferência Mundial sobre Educação
Superior (Paris, 1998), a UNESCO reúne outra vez atores no campo
da educação superior de todo o mundo, representados pelos pontos
focais responsáveis pelo acompanhamento da Conferência Mundial,
bem como algumas personalidades notáveis, para uma reunião
de parceiros na educação superior (UNESCO, Paris, 23-25 de junho
de 2003).
O objetivo da reunião é avaliar o progresso havido nos últimos
cinco anos na implementação da Declaração Mundial; medir o
impacto que teve a Conferência sobre o desenvolvimento da educação
superior no mundo e definir orientações para a futura ação dos Estados
Membros e das instituições, de modo a garantir que a educação
superior seja capaz de responder melhor a desafios e necessidades
em crescimento.
Os principais documentos de trabalho fornecidos aos partici-
pantes para facilitar as suas deliberações e para lhes permitir alcançar
seus objetivos foram preparados com base na informação coligida
pelos Estados Membros e nossos principais parceiros, depois da
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Conferência Mundial, assim como por nossos colegas responsáveis
por implementar o programa de educação superior no nível regional.
A Divisão de Educação Superior gostaria de expressar sua
sincera gratidão à Associação Internacional de Universidades pela
contribuição dada à organização do encontro de parceiros.
Komlavi Seddoh
Diretor, Divisão de Educação Superior
1. Introdução
Em 1998, na Conferência Mundial da UNESCO sobre
Educação Superior, uma das quatro Comissões teve como foco a
Cooperação Internacional, acentuando assim a importância desse
aspecto, ao lado de tópicos como Relevância, Melhoria da Qualidade
e Administração e Financiamento da Educação Superior. Além de
ter sido discutida como um tema per se, ao longo da Conferência
a cooperação internacional foi também evocada porque é vista,
muitas vezes, como mais um meio, e não como um fim em si mesma.
Através da cooperação internacional, as instituições e os países
podem perseguir e alcançar objetivos em todas as outras áreas. Com
freqüência, a cooperação internacional é considerada um instrumen-
to para o desenvolvimento da capacidade, para encontrar novos
modos de gerenciar a educação superior, para testar práticas novas ou
já estabelecidas em muitos aspectos do ensino e da pesquisa. E é
vista também como um meio para aprimorar a educação superior.
O Artigo 11 da Declaração Mundial da Conferência de 1998 afir-
ma, no parágrafo b), que “A qualidade exige também que a educação
superior se caracterize pela sua dimensão internacional: intercâmbio
de conhecimento, redes interativas, mobilidade dos professores e
estudantes e projetos internacionais de pesquisa, ao mesmo tempo
em que leva em conta os valores culturais e as circunstâncias dos
países.”
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Introduzindo essa “dimensão internacional” como medida
da qualidade da educação superior transforma-se esse processo
em um fim em si mesmo. Ele pode ser considerado também como a
reconfirmação das raízes históricas da universidade e da sua natureza
universal, em lugar de um fenômeno novo ou único. No entanto, na
última década a educação e a cooperação internacionais no campo da
educação superior receberam muita preeminência e muitos volumes
foram escritos especialmente a respeito da internacionalização da
educação superior. Mais recentemente, essa internacionalização tem
sido debatida juntamente com a globalização e, muitas vezes, é vista
como a resposta da educação superior a esse processo tão abrangente.
Este trabalho examina em particular os desenvolvimentos na
internacionalização da educação superior durante os últimos cinco
anos, ou seja, desde a Conferência de 1998. A segunda seção discute
brevemente a forma como a internacionalização é, cada vez mais,
parte de um debate mais complexo e intenso que examina como a
globalização afeta a educação superior, inclusive sua influência sobre
as estratégias de internacionalização. Na terceira seção, o relatório
proporciona uma breve visão das várias forças que estão mudando
o quadro da educação superior e criam uma nova dinâmica para o
intercâmbio internacional, em termos latos. A seção quatro salienta
alguns resultados preliminares de uma avaliação internacional das
instituições de ensino superior que reuniram dados sobre temas como
a rationale, as metas e prioridades, os instrumentos, obstáculos e
desafios da internacionalização. Na quinta seção, o trabalho identifica
alguns desafios, novos e antigos, assim como áreas para discussão
adicional e algumas que merecem atenção, mais pesquisa e política no
futuro, antes de concluir com algumas recomendações para que a reunião
de especialistas as considere no decorrer das suas deliberações.
Em seu conjunto, o trabalho focaliza primariamente a insti-
tuição como uma unidade de análise, mas sempre que possível
identifica mais amplamente os temas ou implicações setoriais ou
de política nacional.
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2. Internacionalização, cooperação, globalização, educação
transnacional, sem fronteiras ou através de fronteiras
As palavras são importantes? O que conta é o que acontece.
Esta é uma forma de ver os debates a respeito de definições e uma forma
de responder às reivindicações de clareza conceitual quando tratamos
com tendências e iniciativas na área internacional. Como é óbvio,
especialmente quando lidamos com termos carregados de valores,
tais como “globalização”, esse esforço pode ficar cerceado. Ao mesmo
tempo, uma falta ou pelo menos um módico de clareza e de entendi-
mento comum dos termos usados pode levar à incompreensão e resultar
potencialmente em um “diálogo de surdos”. Na pior das hipóteses,
toda discussão se torna impossível, ou perde inteiramente o sentido.
O presente Relatório tem por foco a internacionalização da
educação superior. Em boa parte da literatura sobre o assunto, a
“internacionalização da educação superior” passou a ser entendida
como um conceito amplo, muito abrangente, que pode envolver a
cooperação internacional, mas se refere também a mudanças que
ocorrem dentro de uma determinada instituição, através de inicia-
tivas políticas e de caráter específico. Também neste sentido,
“internacionalização” é um objetivo perseguido por si mesmo. Com
efeito, alguns argumentariam que “o impulso predominante não
é tanto a extensão geográfica da atividade, mas a transformação
interna da própria instituição” (Bond e Lemasson, 1999, p. 2). Uma
das definições mais amplamente aceitas da “internacionalização da
educação superior” a vê como um processo de introdução de uma
dimensão internacional ou intercultural em todos os aspectos da
educação e da pesquisa (Knight e de Wit, 1997). Este processo de
transformação da educação superior para enfrentar os desafios de um
contexto global cada vez mais complexo, processo este impulsionado
e dirigido internamente, é visto como deliberado e não puramente
reativo. Na melhor das hipóteses, é um processo motivado por
estratégia e com objetivos específicos, meios e uma estrutura para
monitorar o seu progresso. Embora seja inegável que é alimentado
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155
por uma globalização crescente, a qual exige novas competências
internacionais e sensibilidades interculturais, ele cria novas demandas
para as instituições da educação superior; é um processo motivado e
que permanece principalmente (mas não exclusivamente) associado a
objetivos acadêmicos. Assume muitas formas e continua a mudar e a
evoluir não só dentro de uma instituição, mas também através dos
setores e em diferentes partes do mundo.
Embora esta possa ser uma definição relativamente bem aceita,
que descreve corretamente os processos em andamento em muitas
instituições de educação superior, a busca feita em muitas revistas
desse campo ou nas estantes das bibliotecas especializadas irá
descobrir também livros e artigos sobre a educação internacional,
a cooperação internacional, a educação transnacional, a educação
através das fronteiras e até mesmo a educação sem fronteiras. E, além
disso, sobre a globalização e a educação superior. Todos esses con-
ceitos são inter-relacionados, e têm na literatura sua especificidade e
seus campeões. Todos eles representam o crescimento dinâmico de
meios e modos encontrados pelas instituições de educação superior,
muitas vezes usando tecnologias de informação e comunicação ou
várias parcerias e alianças, para desenvolver a mobilidade acadêmica
dos estudantes e professores, para se associar tendo em vista o desen-
volvimento de programas, para oferecer cursos e programas em países
estrangeiros, desenvolver parcerias para o planejamento conjunto
de currículos, usar as tecnologias de informação e comunicação na
educação internacional, etc. Embora todos esses termos e práticas
possam ser incluídos na definição ampla de internacionalização
citada acima, pode haver distintas motivações por trás de qualquer
abordagem determinada, desenvolvida à medida que as instituições
de educação superior, e na verdade os sistemas nacionais de edu-
cação, respondem a vários processos econômicos, políticos e mesmo
tecnológicos circundantes.
Um dos debates mais candentes e relativamente recentes é
sobre se a internacionalização e a globalização são ou não conceitos
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diferentes com relação à educação superior, e de que forma. O
tema foi objeto de muitos textos de pesquisa, livros e debates que
continuam entre especialistas na educação superior (van Damme,
2002; Gnanam, 2002; Scott, 1998; Altbach, 2003). Para alguns, a
internacionalização não é mais uma resposta adequada ou apropriada
diante do crescimento da sociedade de conhecimento global; na
verdade, a própria educação superior precisa ser mais “globalizada
(Breton 2003). Todos estariam de acordo quanto ao fato de que a edu-
cação superior, como qualquer outro setor, está sujeita ao impacto
da globalização e que esse processo, em muitos aspectos, a está
transformando fundamentalmente. Os desacordos surgem parti-
cularmente devido à polêmica mais ampla que cerca a palavra
globalização” e seus benefícios ou impacto prejudicial, bem como
o sentido cada vez mais abrangente atribuído ao conceito.
Associada geralmente ao movimento ampliado de bens,
serviços, pessoas e idéias em torno do mundo, em essência a globali-
zação descreve o processo e o estado de interdependência que não é
mais limitado ou suprimido pela distância. É um fenômeno em que
os conceitos de espaço e localização deixam de ser fatores limitativos
com respeito ao processo de produção ou intercâmbio. Assim,
aplica-se facilmente a muitas áreas da atividade humana, inclusive à
produção e difusão do conhecimento: em outras palavras, à pesquisa
e à educação superior. Mesmo quando não considerada de uma
perspectiva ideológica, a globalização é vista muitas vezes como um
processo econômico, aproximando economias (e países) e, deste
modo, exercendo influência sobre os processos políticos, sociais e
culturais. Além disso, para muitos, a globalização econômica está
associada diretamente à expansão do mercado e à remoção de todas
as barreiras ao comércio e à mobilidade dos fatores de produção
(Marquez, 2002; Moja, 2003).
No campo da educação superior, a discussão sobre o lugar
da educação no Acordo Geral sobre Comércio e Serviços e o papel
amplo da Organização Mundial de Comércio, assim como o merca-
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do como mecanismo regulador da interação internacional, tem
alimentado também o debate sobre a rationale, os valores e as
implicações a longo prazo dos vários modos como as instituições
se estão “internacionalizando”. Nesses debates, a globalização é
vista como força motriz fundamental para uma abordagem
mais mercantil à internacionalização da parte de certas instituições
privadas e públicas.
A natureza em expansão e acelerada da globalização e a sua
influência sobre a educação superior, tanto no nível institucional
como no sistêmico, estão refletidas no crescimento do tipo e da
quantidade das trocas internacionais, assim como na complexidade
das motivações que agem como fatores de “push” “pull” para várias
instituições. Além das estratégias tradicionais de internacionalização,
impulsionadas pelo mundo acadêmico, um número cada vez maior
de instituições está expandindo seus esforços para exportar progra-
mas de educação superior, seja pelo recrutamento ativo de estudantes
estrangeiros, que pagam suas taxas, seja pelo desenvolvimento da
capacidade de fornecer programas e cursos no exterior; está ofere-
cendo no mercado sua capacidade e desenvolvendo consultorias
nos fóruns internacionais, além de formar parcerias para obter
financiamento da pesquisa e erigir redes globais de pesquisa
envolvendo muitas instituições.
O resultado geral dessa expansão e diversidade das estratégias
de internacionalização é um ambiente internacional muito mais
competitivo e mais atividades voltadas para o mercado. Num sentido
real, as instituições de educação superior estão agindo como multi-
nacionais, abandonando as operações em um local fixo, concedendo
franquias e criando filiais em outros países (Egron-Polak, 2003). A
maneira como essas estratégias se coadunam com as metas da
internacionalização, conforme a definimos acima, é questionável, e
leva pelo menos um autor a escrever sobre a “multinacionalização” da
educação superior. O impacto de longo prazo sobre aquelas institu-
ições ou nações que estão à frente desses processos, em contraste com
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158
as que estão sujeitas a eles, é incerto. Há uma preocupação crescente
com o seu efeito sobre as desigualdades existentes e o hiato Norte-Sul,
que cresce continuamente à medida que esses processos se expandem
com rapidez, podendo talvez deslocar os modelos mais tradicionais
da cooperação internacional e da internacionalização (Altbach, 2003).
A internacionalização da educação superior, no contexto de
uma globalização mais ampla, tem feito da análise da rationale, das
estratégias e mecanismos, assim como dos seus impactos, um exercício
bem mais complexo, porque as novas estratégias de motivação
econômica coincidem muitas vezes com os programas mais tradi-
cionais de mobilidade, com o intercâmbio de estudantes e professores
e com os programas internacionais de cooperação no campo da
educação superior. Na verdade, essas atividades não são excludentes,
mas podem ser vistas como complementares, reforçando-se mutua-
mente, sendo encontradas em qualquer número de combinações
em uma estratégia institucional, buscando lidar com demandas dos
estudantes, da sociedade, do mercado de trabalho e de outros interes-
ses envolvidos. Na maior parte dos casos, as razões que levam uma
instituição a recrutar estudantes dispostos a pagar taxas estão asso-
ciadas a políticas nacionais de “competitividade econômica”,
favorecendo o desenvolvimento geral das exportações, mas podem
também coincidir com o desejo da instituição de ampliar a composição
do quadro de estudantes nas suas salas de aula, para melhorar a
compreensão internacional e o diálogo entre culturas.
Esta natureza interconexa dessas políticas torna impossível
distinguir entre as várias estratégias, para uma análise clara e
definitiva dos benefícios de longo prazo e dos perigos representados
por essas tendências. Por sua vez, essa dificuldade e a necessidade
constante de “desembrulhar” tais tendências constituem a razão por
que esse debate é tão rico e prevalecente.
Em resumo, os três desenvolvimentos mais importantes dos
últimos cinco anos na área da internacionalização e da cooperação
internacional na educação superior talvez sejam:
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a) a maior complexidade das estratégias e do crescimento das
variedades de iniciativas voltadas para alcançar ou fortalecer a
internacionalização, devido principalmente à globalização
acelerada;
b) a mistura das rationales acadêmica e econômica que impul-
sionam o processo; e
c) a importância geral da internacionalização e do contexto
global na discussão sobre políticas a seguir, nos níveis institu-
cional, sistêmico e internacional da educação superior.
Com efeito, quando relemos os trabalhos preparados para
a Conferência de 1998, e em particular para a Comissão sobre
Cooperação Internacional, chama atenção o fato de que todos os ele-
mentos do debate já estavam identificados e, no entanto, a discussão
atual da internacionalização se tornou muito mais complexa, devido
à multiplicação das formas e justificativas do intercâmbio interna-
cional. A natureza mais competitiva da internacionalização acrescentou
também uma nova urgência e a percepção de maiores benefícios e
perdas potenciais em função da escolha de estratégias apropriadas.
Contudo, essa urgência aparece bem menos motivada por um sentido
de solidariedade e pela intenção de reduzir os hiatos de desen-
volvimento existentes entre o Norte e o Sul que, em 1998, eram
uma motivação explícita.
3. Internacionalizar ou não internacionalizar? O problema
que deixou de ser uma opção
A decisão sobre internacionalizar ou não, no sentido acima
definido, e na verdade até mesmo a própria globalização, são fenô-
menos novos na educação superior, e esta é uma questão em aberto
que os especialistas também debatem com ardor. Bastará dizer que ao
ingressarmos no século XXI, há um consenso generalizado de que o
processo de internacionalização assim como o de globalização estão
se acelerando em um ritmo sem precedentes, e que o seu impacto
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160
conjunto na educação superior é alimentado por muitos fatores,
inclusive os seguintes:
1) A percepção da importância do conhecimento (sua produção,
difusão e aplicação) para o bem-estar econômico, social e
cultural da sociedade em todo o mundo (a sociedade do
conhecimento).
2) A integração em andamento e a aplicação das Tecnologias de
Informação e Comunicação aos processos de aprendizado,
ensino e pesquisa.
3) Novas pressões e demandas para que as instituições de edu-
cação superior preparem graduados, formando-os para toda a
vida e para trabalhar em um contexto internacional.
4) A mobilidade cada vez mais fácil dos recursos humanos de
alta qualificação, criando um mercado de trabalho internacional
competitivo para os trabalhadores científicos e acadêmicos.
5) A redução ou estagnação do financiamento público da edu-
cação superior na maioria dos países, em todo o mundo, sem
um declínio na demanda de acesso a essa educação.
6) O aumento da pressão sobre as instituições de educação
superior para que diversifiquem as fontes de financiamento,
de modo a poder atender à sua demanda, o que em muitos
aspectos alimenta a comercialização da educação, inclusive
no nível internacional.
7) O advento de novos supridores e inovadores no fornecimento
da educação superior (em parte devido aos fatores acima
relacionados), assim como em todo o sistema de produção
do conhecimento.
Todos esses fatores e outros ainda estão criando uma nova
dinâmica da internacionalização no nível institucional, tanto dentro
dos sistemas nacionais de educação superior como nos níveis inter-
nacional ou regional. Eles propõem também novas questões sobre a
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cooperação Norte-Sul, como, por exemplo, o fato de que estudantes
e mais ainda os professores tornam-se recursos escassos, objetos de
demanda no que passou a ser um mercado global. Nesse contexto,
todos os esquemas de cooperação entre universidades, assim como os
programas de formação para capacitação e desenvolvimento institu-
cional são prejudicados por uma “evasão de cérebros” exacerbada,
representando perdas econômicas maiores do que toda a assistência
externa (Altbach, 2003).
Essa tendência conflita diretamente com o reconhecimento
agora unânime da importância assumida pelo conhecimento para o
desenvolvimento econômico e a importância associada da coopera-
ção internacional na educação superior, com base na solidariedade.
O World Development Report de 1998 deu ao conhecimento e ao
know-how uma posição central no processo de desenvolvimento, e
essa centralidade do conhecimento foi reconfirmada pela nova
estratégia do Banco Mundial, com seus empréstimos orientados para
a educação superior, com a justificativa de que “Os países em
desenvolvimento e em transição correm o risco de ser ainda mais
marginalizados, em uma economia mundial altamente competitiva,
porque seus sistemas de educação terciária não estão preparados
adequadamente para capitalizar sobre a criação e o uso do conheci-
mento” (Banco Mundial, 2003). A atribuição de tal importância à
educação superior tem o potencial de dar novo vigor ao apoio à
educação superior nos países em desenvolvimento, mas sublinha
também a necessidade da cooperação Norte-Sul e Sul-Sul entre as
instituições de educação superior, por razões ligadas diretamente ao
desenvolvimento da sua capacidade, ao preenchimento dos hiatos
entre as nações industrializadas e os países em desenvolvimento, e à
abordagem das Metas de Desenvolvimento do Milênio.
Este novo vigor é muito necessário quando se nota que de fato
“Universidades que já serviram como fachos de esperança, inclusive
as universidades de Ibadan na Nigéria; de Dacar, no Senegal; de
Dar-es-Salaam, na República Unida da Tanzânia; e de Cartum, no
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162
Sudão, são hoje simples sombras do que já foram um dia... [que] o
custeio externo da ciência e as iniciativas conjuntas de pesquisa com
universidades e institutos de pesquisa de outras nações têm muitas
vezes declinado, e os melhores talentos científicos continuam a
deixar seus países em grande número” (Africa, World Science Report,
2002, p. 1). É imperioso que dentro do grande número de novos
modos de criar vínculos e de colaborar para a criação de novos pro-
gramas, de construir novas capacidades, de oferecer oportunidades de
aprendizado, etc., a cooperação internacional baseada na solidariedade
continue a ser uma parte importante das estratégias de internacio-
nalização das instituições de educação superior e entre os responsáveis
pelas políticas educacionais.
Portanto, embora a opção de promover ou não a interna-
cionalização da educação superior pareça hoje menos presente do que
no passado, os líderes desse setor da educação, assim como os respon-
sáveis pelas políticas públicas no nível nacional, têm diante de si um
número muito maior de opções em termos das estratégias a desen-
volver, da escolha de parceiros e dos países ou regiões do mundo.
A variedade dos meios utilizados e as inovações que estão sendo
experimentadas e testadas têm crescido exponencialmente, e as insti-
tuições de educação superior não mostram sinais de cansaço com as
formas de se associar às instituições de outros países.
Tendo em vista a natureza muito mais competitiva do ambiente
da educação superior, assim como a variedade das demandas feitas
às instituições de educação superior, a internacionalização se tornou
para muitos uma prioridade mais deliberada – tática, quando não
estratégica. Como vamos mostrar na próxima seção, a maioria das
instituições desenvolveram um plano para a internacionalização,
colocando assim suas escolhas dentro de uma política mais ampla. É
importante analisar essas estratégias, ou pelo menos as prioridades
expressas e as ações tomadas pelas instituições para determinar quais
as opções que estão sendo preferidas em relação a questões tais como:
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1) Deve-se atribuir prioridade a um currículo de sensibilidade
internacional ou enviar mais estudantes para fora do país?
2) Em que medida a estratégia de internacionalização deve ser
motivada pela necessidade de gerar receita?
3) Nas futuras estratégias de internacionalização, qual a posição
da solidariedade e cooperação, dos benefícios mútuos e das
parcerias?
4) Quais são os benefícios e as desvantagens, a curto e a médios
prazos, das várias opções para a “importação de programas”?
5) Será a maior regionalização a resposta mais apropriada à cri-
ação de redes?
6) As práticas de recrutamento que buscam atrair os melhores
cérebros são éticas e sustentáveis?
7) As alianças e parcerias para a cooperação no campo da
pesquisa científica devem ser abrangentes ou específicas a
determinadas disciplinas? Devem ser feitas com instituições
semelhantes ou a diversidade dos parceiros é um valor
adicional?
8) As parcerias entre instituições públicas e privadas, com fins
lucrativos, podem ter êxito, aumentando o acesso aos pro-
gramas?
9) Os programas internacionais oferecem uma solução duradoura
para o problema da demanda não atendida?
10) A ampliação da educação particular é uma forma conve-
niente para os governos de desviar o financiamento da edu-
cação superior para outros setores da economia ou para
outros segmentos do setor da educação?
Estas e muitas outras perguntas cercam as estratégias de longo
prazo para a internacionalização institucional e nacional da educação
superior. Pelo menos em parte elas levaram à elaboração de uma
pesquisa internacional sobre as instituições de educação superior,
cujos resultados parciais apresentamos em seguida.
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4. Focalizando a internacionalização da educação superior.
Resultados iniciais da pesquisa
Se nenhuma instituição ou sistema tem imunidade contra
as imposições da globalização, e nenhuma instituição de educação
superior pode permanecer à margem das redes internacionais, as
perguntas acima relacionadas precisam ser respondidas por meio de
estratégias e iniciativas específicas da parte das instituições e com a
ajuda das políticas e programas governamentais. Por sua vez, essas
respostas precisam ser desenvolvidas com base em análises apropri-
adas e na compreensão dos impactos que têm as várias estratégias e
iniciativas de internacionalização seguidas atualmente em todo o
mundo. Por este motivo, precisamos da coleta de dados e de estudos
comparativos, especialmente sobre as conseqüências, a longo prazo,
das modalidades mais recentes de atividades internacionais, como o
suprimento de educação superior através das fronteiras nacionais, as
franquias, o ensino internacional pela Internet, os cursos orientados
exclusivamente para estudantes internacionais, as campanhas de
recrutamento de programas de graduação de estudantes pagantes, o
aumento da programação em língua inglesa em países que não são
anglófonos, etc.
Não obstante, examinar como as instituições ou os governos
escolhem, ou as opções de que dispõem para responder a essas per-
guntas, depende também de questões essenciais relativas ao contexto,
como estamos tratando as instituições ou nações desenvolvidas, em
desenvolvimento ou em transição para o mundo desenvolvido.
Para isso, é preciso ter uma visão comparativa das políticas
ativas de internacionalização das instituições de educação superior
de todo o mundo: adotaram-se essas políticas, como e por que razão.
Admitindo um conjunto muito amplo de parâmetros para definir a
internacionalização nesse campo, é necessário examinar os meios
empregados pelas várias instituições para alcançar as suas metas e os
obstáculos enfrentados. É importante também aprender como essas
instituições se posicionam na área internacional cada vez mais
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competitiva e dominada pelo mercado, em um mundo globalizado,
e onde essas perspectivas divergem.
Infelizmente, na medida em que essa informação é disponível,
ela é específica para cada país, e na melhor das hipóteses parcial.
Somente poucos países, como o Canadá, os Estados Unidos, a
Austrália e o Reino Unido, assim como alguns dos países nórdicos,
têm realizado análises sistemáticas e compreensivas das estratégias
institucionais da internacionalização da educação superior. Não há
praticamente informação desse tipo com respeito às universidades
dos países em desenvolvimento ou em transição. E, o que é mais
importante, não é fácil comparar entre si diferentes regiões – e são
justamente essas comparações que podem ser mais reveladoras dos
objetivos perseguidos e dos impactos de longo prazo que tais trans-
formações podem provocar.
Este trabalho focaliza primariamente as tendências gerais do
processo de internacionalização, tendo as instituições como unidade
analítica, em lugar dos sistemas nacionais de educação superior.
Portanto, não é uma análise abrangente do estado dessa interna-
cionalização no mundo de hoje e, na melhor das hipóteses, introduz
alguns dos principais aspectos desse processo e elementos impor-
tantes para o debate, concentrando-se naqueles que parecem hoje
mais importantes do que no passado. Continua a ser parcial e, em
certa medida, impressionista, embora se baseie em uma análise
preliminar de um estudo institucional realizado pela Associação
Internacional de Universidades, no princípio do ano 2003.
Antes da Conferência de 1998, a Associação Internacional de
Universidades manteve um grupo de trabalho sobre a internacionali-
zação. Na época da Conferência, a Associação consultou os seus
membros a respeito de um projeto de Declaração de Política sobre a
Internacionalização da Educação Superior, que usou para fundamen-
tar sua apresentação à Comissão de Cooperação Internacional, o qual
consta do Anexo 1. A Associação realizou também, em 2002, na
Universidade Claude Bernard, em Lyon, na França, uma conferência
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internacional sobre o tema e publicou uma série de relatórios sobre
esse evento na sua IAU Newsletter e no seu site na Internet. Foi orga-
nizado um encontro em torno de algumas dimensões da interna-
cionalização e os participantes foram convidados a compartilhar as
suas experiências, positivas e negativas, com relação às políticas e
práticas nas seguintes áreas:
• Mobilidade dos estudantes e professores
• Internacionalização do currículo
• Diálogo intercultural no nível institucional
• Estratégias acadêmicas e/ou empresariais para a interna
cionalização
Tecnologias de Informação e Comunicação como apoio à
internacionalização; e naturalmente
• Barreiras e obstáculos à internacionalização.
As conclusões e recomendações emanadas dessa reunião de repre-
sentantes institucionais procedentes de todas as regiões motivaram
pelo menos em parte o ímpeto para que a Associação realizasse essa
pesquisa sobre a internacionalização, já que a coleta de informações
e a sua difusão estavam no centro do problema. Com efeito, os par-
ticipantes solicitaram à Associação que desenvolvesse a sua capaci-
dade de observar a internacionalização e criasse mecanismos para que
as boas práticas resultantes e as lições aprendidas fossem compartilha-
das. À medida que se faziam os preparativos para a Conferência de
2003, os resultados preliminares dessa pesquisa forneceram também
dados úteis para as discussões que terão lugar nessa Conferência,
enquanto a Associação prepara uma análise mais completa desses
resultados.
4.1 Metodologia e dimensão da amostra
Tendo em vista os múltiplos significados das expressões
“internacionalização da educação superior”, “educação internacional”,
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167
e “educação transnacional”, entre outras, a Associação Internacional
de Universidades fez com que seu curto questionário fosse acompan-
hado por um breve texto explanatório, definindo internacionalização
conforme se fez anteriormente. Foram pedidos e recebidos conselhos
sobre o questionário a vários especialistas de todo o mundo, antes
que fosse remetido aos dirigentes das instituições que são mem-
bros da Associação
1
. Cópias foram fornecidas também aos dirigentes
da cooperação internacional. A carta e o questionários constituem o
Anexo 2, cujo original foi redigido em inglês e francês.
Essa pesquisa global é a primeira do seu tipo e corresponde a
um primeiro esforço feito pela Associação Internacional de
Universidades para reunir informação comparativa sobre a questão
da internacionalização. A taxa de resposta não é extremamente eleva-
da, mas proporciona uma amostra suficiente para uma análise pre-
liminar, e os resultados podem ser considerados razoavelmente repre-
sentativos. Dos 620 questionários enviados eletronicamente ou pelo
correio a todos os membros institucionais da Associação, em 123
países, 163 foram respondidos, ou seja, 26%. No momento da
preparação deste trabalho, outros questionários ainda estavam sendo
recebidos e, por isso, a taxa de resposta pode ser maior quando se
preparar um relatório final.
1
A Associação Internacional de Universidades agradece a contribuição recebida de Jane Knight, Karen McBride, Marejk van der
Wende, Piyushi Kotecha e Stamenka Uvalic-Trumbic, cujas observações aperfeiçoaram tremendamente o questionário.
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O Quadro 1 mostra a distribuição geográfica dos questionários
respondidos:
QUADRO 1
Pesquisa sobre Internacionalização da AIU
Muitas razões podem explicar esta taxa de resposta relativa-
mente baixa. Dentre elas, podemos imaginar uma certa fadiga de
responder questionários por parte dos líderes da educação superior,
assim como o fato de que, especialmente na Europa, nossos
questionários foram enviados logo depois da pesquisa Tendências III
realizada pela Associação Européia de Universidades, dentro das
discussões do Processo de Bolonha. A taxa de resposta mais baixa na
África (11% dos questionários enviados e 6% do total dos respondi-
dos) pode ser devido também à incerteza das comunicações por via
eletrônica.
A distribuição geral das respostas recebidas apresenta um
desvio pequeno da distribuição geral dos membros da Associação,
que aparece no Quadro 2, com a Europa e a África exibindo discre-
tas diferenças no número total de respostas recebidas. 42% dos ques-
tionários sem resposta foram enviados às instituições européias, e a
resposta da Europa representou 55% dos questionários completados.
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QUADRO 2
Membros da AIU, por região
De modo geral, a maioria dos que responderam completaram
todas as partes do questionário. Neste trabalho, só os dados mais im-
portantes serão apresentados e futuramente a Associação publicará
uma análise mais compreensiva. Embora forneçam rico material para
uma reflexão ulterior, várias perguntas com resposta em aberto causaram
uma certa dificuldade na transposição para os sumários das respostas,
de modo a indicar tendências ou padrões gerais. A pesquisa deixou
ampla margem para essas respostas, em lugar de propor uma uniformi-
dade e o desafio correspondente aparece na classificação dessas respostas.
4.2 A política ou estratégia de internacionalização
Não há dúvida de que a internacionalização é uma alta priori-
dade para a esmagadora maioria das instituições de educação superior
em todo o mundo. Todas as respostas indicaram que a internacionali-
zação é pelo menos em parte prioritária e só uma delas respondeu
que é uma prioridade muito baixa, sendo que nenhuma sugeriu que
o tema não tem qualquer prioridade.
No entanto, quando as instituições são convidadas a articular
as principais razões da sua posição sobre o assunto, temos um quadro
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bem mais complexo. As respostas dadas a essa questão em aberto
variam amplamente, mas os motivos citados com mais freqüência
pelos quais a internacionalização tem alta prioridade podem ser clas-
sificados assim, em ordem de prioridade, embora todos os quatro
tipos de resposta se aproximem bastante em termos de freqüência:
• A mobilidade e o intercâmbio de estudantes e professores
• A qualidade acadêmica, a excelência do currículo
• A competitividade internacional
• A colaboração internacional na pesquisa e no ensino
As razões alegadas confirmam o que já era sabido e foi afirmado
no Documento de Política de 1998, preparado para a Conferência
daquele ano: que a busca da qualidade e o contexto global eram (e
permanecem) motivos fundamentais para o maior interesse e preocupa-
ção com a internacionalização da educação superior. O fato de a
maior parte das instituições focalizarem a mobilidade dos estudantes
e dos professores foi refletido também em uma pesquisa canadense,
realizada pela Associação das Universidades e Colégios do Canadá
e publicada em 2000. Nessa pesquisa, a principal razão citada nas
respostas foi a preparação de graduados que tivessem conhecimentos
internacionais e fossem competentes do ponto de vista intercultural
(AUCC, 2000, p. 17). Será preciso uma análise ulterior das respostas
ao nosso questionário para determinar se as razões alegadas diferem
significativamente conforme a origem geográfica das instituições.
Das 156 respostas recebidas a essa pergunta, 70% indicam
que de fato foi elaborado um plano ou uma política estratégica
de internacionalização, abrangendo toda a instituição; além disso, o
mesmo número de respostas revela a existência de um escritório
responsável pela implementação desse plano ou política. Enquanto
só 110 instituições responderam à pergunta sobre provisões orça-
mentárias para a internacionalização, 78% delas confirmaram dispor
desse orçamento específico. No entanto, se incluirmos a categoria
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sem resposta”, concluiremos que quase metade das reações indica a
inexistência de um orçamento específico para esse fim. A vasta maio-
ria dos que não admitiram ter essa dotação orçamentária coube às
instituições situadas na Europa, na Ásia e no Pacífico. Uma divisão
semelhante entre “sim” (89), “não” (19) e “sem resposta” (53) surge
com respeito à existência de um sistema de monitoramento para
acompanhar o progresso no sentido de alcançar os objetivos institu-
cionais da internacionalização.
4.3 As prioridades geográficas
Aprofundando mais os termos das prioridades atribuídas ao
plano ou estratégia de internacionalização, o questionário pedia uma
indicação com respeito às prioridades geográficas identificadas pelas
instituições consultadas. Os resultados desse aspecto da pesquisa
são difíceis de avaliar, pois o tamanho da amostra é relativamente
pequeno em cada caso, quando se leva em conta a procedência
regional da resposta. O que transparece claramente, contudo, é que,
em sua maioria, quer consideremos as respostas da África ou as da
Europa e da Ásia, a cooperação regional é mais apreciada ou deseja-
da do que qualquer outra. A única exceção é a das universidades da
América do Norte que, de modo geral, deram uma resposta insufi-
ciente a esta pergunta, mas indicaram uma prioridade mais alta para
a cooperação extra-regional, a saber, com a Ásia ou a Europa.
Embora a amostra seja muito pequena para extrairmos conclusões
definitivas, é notável o fato de que nenhuma resposta originada na
América do Norte atribuiu prioridade à América Latina, a despeito
dos esforços feitos para desenvolver a cooperação regional entre as
Américas.
4.4 Dimensões, mecanismos/meios mais importantes de interna-
cionalização
Tendo em vista a variedade de modos e meios como a interna-
cionalização é perseguida, o questionário apresentou uma longa lista
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das dimensões ou mecanismos para esse fim. Quando indagadas
sobre a importância dos vários aspectos da internacionalização, a
mobilidade dos estudantes recebeu de 93 universidades a indicação
da maior importância e 87 indicaram também a colaboração
internacional para a pesquisa como sendo da maior importância.
Esses dados são consistentes com as respostas dadas em termos da
rationale para a internacionalização que mencionamos acima. E o
mesmo número de instituições indicou também que atribuem a mais
alta prioridade ao recebimento, envio e troca de estudantes.
Em 53 casos, os projetos internacionais de desenvolvimento, as
associações e a capacitação ficaram em melhor posição na escala da
importância relativa, representando pouco menos de um terço das
respostas que guardaram consistência em todas as regiões.
É notável o fato de que só 13 e 12 instituições, respectiva-
mente, atribuíram a maior importância à exportação ou importação
comercial de programas, de um lado, assim como à criação de campi
no exterior. Duas vezes maior foi o número de respostas atribuindo a
maior importância ao desenvolvimento de programas de “associação
geminada”. Esses números podem parecer baixos, à luz da expansão
desse tipo de atividade, que aparece com tanta freqüência na mídia;
mas na verdade não surpreendem dada a natureza da amostra que
recebeu o questionário, ou seja, os membros na Associação Interna-
cional de Universidades, composta predominantemente de insti-
tuições de educação superior públicas ou privadas sem fins lucrativos.
Com relação às disciplinas mais “internacionalizadas”, os resul-
tados da pesquisa não são conclusivos. No entanto, as respostas
oferecem uma indicação inequívoca de que está crescendo a demanda
por cursos e programas com conteúdo internacional significativo e
por línguas estrangeiras – resultado que se repete em todo o mundo.
4.5 Fatores de facilitação e obstáculos à internacionalização
O questionário indagava de onde provinha o ímpeto para a
internacionalização nas instituições, e também quem demonstrava
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a maior resistência a esse processo. No primeiro caso, 51% das
instituições indicaram que a demanda por atividades relacionadas à
internacionalização provém dos professores, 25% citam a adminis-
tração e 21% os estudantes. Só 3% deixaram de responder. No que
se refere à resistência, os números são muito diferentes, com 44%
deixando a pergunta sem resposta, 35% citando os professores, 12%
a administração e 7% os estudantes. É possível que a grande propor-
ção de “falta de resposta” à segunda parte da pergunta admita uma
interpretação positiva, conforme as palavras escritas em um dos
questionários: “Não há nenhuma resistência!”.
O obstáculo que aparece em primeiro lugar na escala de
importância relativa é a falta de apoio financeiro, identificado em
oitenta respostas. Só dois outros obstáculos receberam uma indicação
significativa, com um número moderado de respostas, nos dois casos
muito inferior ao das referências à falta de recursos: a existência de
outras prioridades e a falta de política ou estratégia com esse objetivo,
nesta ordem.
4.6 Benefícios e riscos
Entre os benefícios mais importantes e citados com maior
freqüência encontramos um consenso absoluto no aperfeiçoamento
e fortalecimento da qualidade da educação oferecida aos estudantes.
Este benefício é citado quase sempre isoladamente, mas com relativa
freqüência é feita referência também à qualidade da pesquisa. Nesse
convite em aberto feito às instituições para indicar os benefícios
derivados da internacionalização, encontramos também referência à
percepção e compreensão intercultural, à tolerância e ao diálogo,
assim como ao melhor preparo dos estudantes para um mundo inter-
nacional mais globalizado. Vários outros benefícios são mencionados,
inclusive de caráter econômico, e o aumento da competitividade
institucional, mas nenhum deles tem grande importância estatística.
Os riscos mostram maior especificidade regional nas institu-
ições da África, da América Latina e do Caribe, assim como de alguns
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países europeus em transição, e o caso da “evasão de cérebros” é cita-
do de forma consistente. De modo geral, menos instituições respon-
deram à pergunta sobre os riscos, mas excetuado o tema “evasão de
cérebros”, só duas ou três revelaram alguma forma de consenso a respeito
da perda de valores locais, da diversidade lingüística e cultural e
dos temas em torno do financiamento, incluindo o risco de uma
dependência excessiva com relação aos estudantes que pagam taxas.
4.7 Novos desenvolvimentos na internacionalização
Reconhecendo a rapidez com que estão mudando as estratégias
que visam à internacionalização, a pesquisa indagou também, medi-
ante uma pergunta que deixava a resposta em aberto: quais institu-
ições podiam ser identificadas como novos desenvolvimentos impor-
tantes nesta área. Aqui também, uma análise mais extensa precisará
ser feita a respeito das respostas recebidas, mas é notável que o
aumento da presença das Tecnologias de Informação e Comunicação,
do aprendizado virtual, os cursos conjuntos baseados na tecnologia
de informação e a Internet sejam mencionados várias vezes como um
importante novo fator no processo de internacionalização. Um
segundo grupo de respostas expressou claramente a noção de cresci-
mento e expansão em todos os sentidos – o número de estudantes em
movimentação, o número das oportunidades internacionais, o
aumento da percepção da necessidade de internacionalizar, etc. Ao
mesmo tempo, algumas das respostas se referiram a um deslocamen-
to da quantidade para a qualidade, e não à expansão dos esforços de
internacionalização. Para muitas instituições européias, o Processo de
Bolonha, ECTS, os vários programas da União Européia, incluindo
o Quinto e o Sexto Programas do Quadro de Pesquisa representam
um novo desenvolvimento de importância.
5. Desafios, áreas para pesquisa e debate adicionais
Nem sempre é fácil extrapolar, com base em um exame dos
temas e desafios levantados pelas instituições, para chegar a um nível
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macro, mais genérico. Da mesma forma, essa extrapolação nem
sempre pode ter comprovada a sua precisão ou proporciona resulta-
dos apropriados, pois os desafios quotidianos dos líderes da educação
superior podem não coincidir com as noções de “interesse nacional”,
nem refletir tendências importantes no país, na região ou no contexto
internacional. Contudo, o ponto de vista institucional é necessário
quando buscamos identificar tendências mais amplas, em nível mais
macroscópico, pois as ações e táticas escolhidas para a internacionaliza-
ção começam quase sempre neste ponto. Assim, a seção que segue
está baseada em parte nos resultados da nossa pesquisa, mas também,
e possivelmente mais ainda, no debate vibrante que tem acontecido
em vários foros desde a Conferência de 1998.
Devido à sua natureza global, baseando-nos apenas em reuniões
ocorridas recentemente na UNESCO, e especialmente nas duas
reuniões do Fórum Global, assim como no debate sobre a interna-
cionalização da educação superior durante a Oitava Consulta
UNESCO/NGO sobre Educação Superior, realizada em janeiro de
2003, podemos identificar poucos desafios, que devem servir para
estimular uma discussão continuada em um encontro internacional
de especialistas em educação superior.
Esses temas são: 1) financiamento; 2) reconhecimento, garan-
tia da qualidade e um quadro internacional de políticas para regula-
mentar a educação através das fronteiras ou a educação transna-
cional; 3) interrupção da “evasão de cérebros”, cooperação Norte-Sul
e desenvolvimento da capacitação. E, talvez o mais importante,
porém menos articulado: 4) a proteção dos valores acadêmicos e dos
princípios de cooperação no processo de internacionalização.
5.1 Financiamento
Quando nos referimos seja ao sistema de educação superior, de
modo geral, ou especificamente ao processo de internacionalização,
o apoio inadequado do setor público à educação superior é um refrão
repetido na maior parte da literatura e da discussão sobre o tema.
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Essa falha é considerada também como a razão principal para o
crescimento das estratégias de internacionalização com motivação
comercial, tais como o recrutamento de estudantes pagantes, a
exportação de programas e cursos e a criação de franquias ou campi
auxiliares. O financiamento insuficiente é também o motivo por que
existe nos países em desenvolvimento uma demanda não atendida,
que contribui para a importação desses programas ou para o
fenômeno do brain drain, a “evasão de cérebros”, quando não há
programas disponíveis localmente.
Além da insistência junto aos governos para cumprirem suas
responsabilidades, oferecendo educação superior de qualidade
mediante a atribuição de recursos públicos adequados a esse setor,
serão necessárias pesquisas adicionais e mais debate para encontrar a
melhor forma de “explorar” a educação superior privada, não só para
o desenvolvimento econômico, mas também para o desenvolvimento
humano social sustentável, o que é tão necessário dentro dos sistemas
nacionais que contam com instituições privadas com e sem fins
lucrativos, assim como para a educação através das fronteiras ou
transnacional, onde o investimento privado, visando lucros, desem-
penha um papel crescente. A pesquisa deve determinar se o cresci-
mento na oferta internacional da educação superior privada aumenta
efetivamente o acesso a essa educação. Paralelamente, é preciso
analisar se o custeio público da educação superior está sendo mantido
e é utilizado para desenvolver a capacitação nas áreas onde a educação
superior privada tende a faltar: estudos no campo da saúde, por
exemplo. E também mais estratégias de internacionalização movidas
pelo mercado precisam ser examinadas para garantir que não estarão
prejudicando a capacidade das instituições públicas locais de
aprimorar sua qualidade e aumentar sua capacidade ou, ao contrário,
se não estariam drenando o sistema público dos professores mais
qualificados e dos melhores alunos.
O financiamento da internacionalização e da cooperação
internacional é também um requisito absoluto à luz da crescente
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177
importância que tem esta dimensão para a qualidade do currículo
e as pesquisas no campo da educação superior. Os resultados da
pesquisa da Associação identificam alguns programas de financia-
mento existentes em nível nacional e regional para apoiar os estudantes
e professores e para desenvolver projetos conjuntos ou pesquisas.
Ao mesmo tempo, muitas respostas indicam que o financiamento é
a principal limitação ao desenvolvimento e à ampliação da interna-
cionalização, a despeito da sua importância.
Muitos dos programas de financiamento mencionados são
de natureza regional e valeria a pena questionar se o fato de que as
instituições de educação superior enfatizam acima de tudo, de forma
significativa, a cooperação regional derivaria da existência desse
financiamento regional ou se o seu interesse existiria de qualquer
forma na ausência de tal apoio.
Outro aspecto da questão do financiamento que vale a pena
examinar mais detidamente é a aparente separação entre os progra-
mas financiados pela assistência oficial ao desenvolvimento, que asso-
ciam instituições de educação superior a outros tipos de mecanismos
de financiamento para a internacionalização. Com poucas exceções,
esses esquemas cooperativos para a capacitação não são mencionados
como uma fonte de apoio. É preciso que haja uma análise corrente
do modo como esses tipos de atividade se ajustam às estratégias e aos
processos de internacionalização, particularmente tendo em vista a
expansão das atividades com apoio comercial orientadas também
para os países em desenvolvimento.
5.2 Reconhecimento, garantia de qualidade e um contexto
internacional
A expansão da internacionalização e em especial a expansão da
educação transnacional ou através das fronteiras nacionais apresenta
novos desafios à preocupação com o reconhecimento oficial dos
períodos de estudo e das qualificações acadêmicas obtidas fora do
país – preocupação que hoje é bem conhecida. Embora essa preo-
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178
cupação não tenha perdido a sua importância, existem cinco
Convenções de Reconhecimento regionais, que proporcionam um
quadro dentro do qual podem ser feitos progressos para facilitar a
mobilidade acadêmica por todo o mundo. No entanto, não há um
conjunto semelhante de convenções relativas ao tratamento e reconhe-
cimento de cursos, programas ou mesmo de instituições, enquanto
estas cada vez mais se deslocam de um país para outro.
O advento e a expansão da educação transnacional e dos nume-
rosos novos tipos de supridores de educação, inclusive universidades
virtuais, têm resultado em uma série de novos problemas ligados ao
reconhecimento, à regulamentação e à garantia de qualidade dessas
instituições, sobretudo quando associados à forma altamente diferen-
ciada como e por quem as instituições de educação superior são
autorizadas a funcionar e a conceder graus, nacionais ou estrangeiros.
Há concordância geral entre os especialistas e os interessados
na educação superior no sentido de que os mecanismos existentes
para regulamentar a educação superior, quase sempre baseados nos
países, são inadequados quando abordam novas formas de intercâm-
bio educacional através das fronteiras. Nesse debate, a opinião de um
importante especialista é a seguinte: “O que é preciso é um quadro
de política sustentável e genuinamente internacional para tratar com
os supridores privados e transnacionais, conciliando interesses dos
governos nacionais, do tradicional setor público da educação superi-
or, dos supridores empresariais, que visam o lucro, e as necessidades
da demanda dos estudantes assim como do interesse do público em
geral” (Van Damme, 2002, p. 27).
Em certa medida, a inclusão da educação superior como um
serviço comercializado pela Organização Mundial de Comércio está
estabelecendo o mercado ainda mais firmemente como a principal
força regulatória para esse tipo de intercâmbio internacional. No
entanto, essa possibilidade encontra forte resistência por parte de
muitas organizações, inclusive as principais associações de institu-
ições, além de professores e estudantes para quem o Acordo Geral
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sobre o Comércio de Serviços (GATS) não é o meio apropriado para
regular esse intercâmbio, primordialmente porque o regime de
comércio e o mercado não podem lidar adequadamente com trocas
sem motivação comercial, e em boa parte a cooperação internacional
nesse terreno recai precisamente fora dessa arena. Além disso, os
opositores desse mecanismo regulatório movido pelo mercado
temem o seu impacto a longo prazo, e a probabilidade do reforço da
tendência de considerar a educação superior como mercadoria, que
prejudicará ainda mais o papel que ela desempenha como bem públi-
co. Para os que se opõem com mais força à inclusão da educação
superior no GATS, um quadro internacional de política baseado na
discussão e no empenho dos interessados é uma alternativa que vale
a pena perseguir
2
.
De modo geral o desenvolvimento de novas convenções, práti-
cas ou quadros regulatórios relacionados com o reconhecimento
internacional ou a garantia de qualidade e intercâmbio requer um
debate corrente e abrangente que respeite a diversidade e permita
examinar os impactos de longo prazo de certos desenvolvimentos, em
uma variedade de contextos. O direito, a responsabilidade, a capaci-
dade e também a necessidade da regulamentação governamental do
sistema de educação superior podem diferir de um país para outro,
como diferem as abordagens e interesses nacionais, em vários pontos
– inclusive a validação de créditos e a garantia de qualidade. Ao tratar
deste assunto, os interesses do “país-meta” (quase sempre um país em
desenvolvimento) precisam ser levados em conta, tendo possivel-
mente um papel central e determinante. Também neste debate é
preciso encontrar o lugar apropriado para o mercado, que pode ser
adequado à regulamentação dos supridores privados de educação
superior, em contraste com as medidas de política governamental,
2
Atualmente, as seguintes organizações estão elaborando um projeto de Quadro Internacional de Políticas a Respeito da
Educação Superior Através das Fronteiras: American Council on Education (ACE), Association of Universities and Colleges of Canada (ACC),
European University Association (EUA), Commission of Higher Education Accreditation (CHEA) e International Association of Universities (IAU)
– esta última a responsável por este trabalho.
179
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180
estas últimas mais aptas à proteção do público e ao atendimento das
necessidades sociais. Encontrar esse lugar apropriado significa
escolher se a garantia da qualidade internacional será baseada na
ética do mercado, que toma como referência o acordo contratual
entre a vontade dos compradores e dos vendedores de educação supe-
rior, ou se será movida pelo espírito do internacionalismo na edu-
cação superior, cuja premissa é a cooperação entre as diferentes partes
envolvidas ...” (Singh, 2002, pp. 186-7)
5.3 Contenção da “evasão de cérebros”, cooperação Norte-Sul e
desenvolvimento da capacitação
A diversificação das formas da internacionalização, e em
particular a expansão do uso das Tecnologias de Informação e
Comunicação e da educação através de fronteiras, que diminuem
potencialmente a necessidade de se deslocar por longos períodos de
estudo fora do país, podem proporcionar respostas parciais ao
problema atual da “evasão de cérebros”. No entanto, não é certo que
esse “contrapeso” baste para combater o advento de um mercado
global da educação superior, uma vez que a maioria dos países da
OCDE estão assistindo ao declínio da sua população e a uma escassez
de acadêmicos. Por outro lado, até hoje não foi possível demonstrar
que quando as instituições universitárias criam filiais do seu campus
ou se associam localmente para proporcionar cursos e programas em
um país em desenvolvimento possam atender a demanda desse país
ou contratar professores locais de forma significativa, evitando assim
que muitas pessoas já qualificadas ou que estão em busca de uma
educação superior deixem o país.
Com efeito, a evasão de pessoas de alta qualificação e com-
petência é o risco trazido pela internacionalização mais citado em
todas as respostas provenientes da África. Particularmente no conti-
nente africano, onde a “evasão de cérebros” e também a epidemia de
HIV-Aids têm devastado literalmente muitas regiões, atingindo o
setor educacional (em todos os níveis) de forma especialmente severa,
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181
há necessidade urgente de examinar todas as medidas e iniciativas
que possam interromper esse fluxo, se ele não for revertido. Embora
muitos se queixem da escassez de dados reais sobre o “brain drain”,
há evidência avassaladora de que são em grande maioria as pessoas
altamente educadas que estão deixando os países africanos, quase
sempre os que têm educação terciária.
Dois relatórios recentes indicam que cada ano cerca de
vinte mil profissionais deixam a África, sendo substituídos por
estrangeiros, o que custa ao continente 4 bilhões de dólares por ano.
O segundo desses relatórios afirma que a África já perdeu um terço
dos seus profissionais capacitados. Cerca de 23.000 profissionais
acadêmicos qualificados emigram cada ano em busca de melhores
condições de trabalho, ou para escapar de perseguição
3
. Não é só a
África que experimenta essa evasão. A situação é semelhante nos países
em desenvolvimento da América Latina, Ásia e Europa do Leste. Até
a China e a Índia expressam preocupação com o “brain drain”, embora
nesses países os efeitos possam não ser tão devastadores, e a proba-
bilidade do retorno ao país seja melhor (Solomon, Akerblom,
Thulstrup, 2003).
A mobilidade acadêmica internacional exige a plena partici-
pação de estudantes e acadêmicos dos países em desenvolvimento,
que enriquecem tanto as instituições que visitam como aquelas
às quais retornam. No entanto, um exame crítico e uma avaliação
das metas e razões por trás da concessão de bolsas de estudo, do inter-
câmbio e da associação de instituições, ou mesmo dos programas
vinculados de capacitação, podem evidenciar a necessidade de garantir
como o planejamento desses mecanismos leva em consideração o
risco de que os seus beneficiários, estudantes ou jovens professores,
permaneçam no exterior. Poder conter a “evasão de cérebros” é um
pré-requisito para o impacto sustentável de qualquer projeto de
desenvolvimento e deve haver uma ênfase muito maior na criação de
3
Comentário da BBC sobre relatório da Universidade de Natal (África do Sul), em 17 de outubro de 2001.
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182
programas que impeçam a evasão de pessoas qualificadas, propiciando
incentivos para que os beneficiários permaneçam no seu país de
origem, fortalecendo assim a capacidade local de forma sustentável.
Reconhecendo que nenhum incentivo terá êxito de forma
duradoura a não ser que melhorem as condições locais dos acadêmi-
cos, pesquisadores e estudantes graduados, mais pesquisas precisam
ser feitas para que os projetos e programas de internacionalização,
envolvendo instituições de países em desenvolvimento, atendam
aos seus objetivos de capacitação e fortalecimento institucional,
contribuindo desta forma para tornar os países em desenvolvimento
mais atraentes a seus próprios estudiosos e acadêmicos, mesmo os
que já estejam há algum tempo no exterior. Essas pesquisas precisam
ser feitas pelos especialistas dos mesmos países e instituições que
sofrem com o êxodo de profissionais. É preciso obter resposta
urgente às seguintes perguntas:
1) As condições das bolsas de estudo oferecidas a estudantes e
pesquisadores dos países em desenvolvimento são concebidas
de forma a desestimulá-los a permanecer fora do seu país, já
que o objetivo desses programas é desenvolver a capacidade
nacional?
2) Incluídos nesses programas há meios suficientes para garantir
que tais programas estão associados à carreira profissional ou
científica do estudante no seu próprio país?
3) Que incentivos podem ser utilizados, e o são, para estimular
o retorno do estudante à instituição de origem?
4) Que mecanismos permitem estabelecer e manter contato
com as instituições onde os bolsistas estudaram sem que
estes fiquem no exterior em caráter permanente?
5) Quais os programas existentes que conseguem trazer de
volta a seus países bolsistas africanos, latino-americanos e
asiáticos altamente qualificados?
6) Deve continuar o recrutamento ativo de estudantes, cientis
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183
tas e profissionais que trabalham em setores onde os países
em desenvolvimento exigem a sua presença? Em caso afirmativo,
deve-se pensar em uma compensação para esse processo de
extração de recursos”?
7) Os países industrializados estão aplicando atenção e recursos
suficientes nos programas de desenvolvimento da capaci-
tação na educação superior?
8) Qual o apoio existente para a cooperação regional Sul-Sul
e para a criação de redes e centros de excelência com massa
crítica de recursos para atrair e manter estudantes graduados
e cientistas dos países em desenvolvimento da região?
Além disso, um aspecto crítico consiste em promover um diálogo
mais freqüente dos que trabalham na área de capacitação e na coope-
ração para o desenvolvimento internacional com os que planejam
programas de mobilidade, desenvolvem a educação transnacional ou
através das fronteiras e estabelecem universidades virtuais nos países
em desenvolvimento. Parece haver um divisor na comunidade
acadêmica, separando os que trabalham com temas relativos à
internacionalização dos que contribuem para o desenvolvimento
internacional e a capacitação nos países em desenvolvimento, ou que
analisam o papel do conhecimento no processo de desenvolvimento.
Esse divisor é um hiato prejudicial à criação de estratégias apropria-
das de internacionalização, que incluam também o desenvolvimento
de instituições nacionais de educação superior, suas necessidades e
a sua contribuição. Como todos os hiatos, será muito vantajoso
construir pontes de cooperação frutífera para atravessá-lo.
5.4 Salvaguardando os valores acadêmicos e os princípios de
cooperação na internacionalização
É evidente que a internacionalização da educação superior que
atribui a maior ênfase à sensibilidade intercultural e à percepção
internacional na experiência oferecida aos estudantes em sala de aula
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184
ou no laboratório, e entende a necessidade de que os seus serviços
funcionem também em uma dimensão internacional, acentua ao
máximo os valores acadêmicos. O intercâmbio recíproco de estu-
dantes e o desenvolvimento de currículos conjuntos, assim como os
programas de graduação dupla, parecem também integrar princípios
de cooperação e parceria.
Assim, por que nos preocuparmos com os valores acadêmicos e
os princípios da cooperação? O motivo principal, e talvez único, é a
competição. Quando, por qualquer razão, as instituições desenvolvem
estratégias de internacionalização motivadas também por razões
financeiras, a vigilância no sentido de que os valores acadêmicos não
sejam sacrificados passa a ser uma necessidade real, porque, de certo
modo, a medida do sucesso dessas metas muda. No recrutamento dos
estudantes que pagam taxas, a participação no mercado se torna
importante, como a eficiência em termos de custo e possivelmente
também em economias de escala na oferta de programas de educação
a distância e na criação de filiais no exterior do campus principal.
Além disso, a competição pela excelência ou pela receita tende
também a deslocar a natureza cooperativa e de colaboração do inter-
câmbio internacional que caracteriza as estratégias tradicionais de
internacionalização; e embora isto possa expandir a inovação e a
experimentação, pode também inadvertidamente criar exclusão.
A globalização exerce sua influência sobre todas as atividades,
inclusive na educação superior e também fortalece o ambiente
competitivo em todas as esferas. E assim como o Acordo GATS
trouxe a educação para a política comercial, pode-se argumentar que
a educação superior se encontra agora mais claramente na esfera
da política econômica e não da política educacional ou social, parti-
cularmente devido ao aumento dos tipos de supridores privados.
Outra vez essa mudança exige que lembremos continuamente os
valores tradicionais e fundamentais que sustentam a maioria das
instituições educativas: um compromisso com a busca do conheci-
mento e a excelência científica, o acesso baseado no mérito e a
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185
aceitação das responsabilidades sociais que incluem o sentido de
solidariedade com as instituições de educação superior dos países
menos desenvolvidos.
Neste contexto, e sem que fiquem no primeiro plano esses
valores e princípios de cooperação visando alcançar benefícios mútuos,
parece impossível atingir a espécie de cooperação e as parcerias inter-
nacionais propostas em 1998 pela Declaração e pelo Plano de Ação e
reiteradas desde então em numerosas oportunidades. Pelo contrário,
há o perigo de que ao contrário da internacionalização erigida sobre
essas premissas, que procura abrir as instituições universitárias para o
mundo, movidas pela compreensão, pelo diálogo e pelo respeito das
outras maneiras de pensar, as instituições de educação superior se
tornem mais e mais globalizadas ou adotem táticas mais apropriadas
a uma megaempresa de programas de computação ou a uma com-
panhia mundial de seguros de vida do que a uma universidade.
Como essas táticas poderão admitir os valores tradicionais e os
princípios da educação superior e se deixarão espaço e recursos para
expandir programas de mobilidade, mudança de currículo, coopera-
ção para o desenvolvimento e projetos de capacitação são questões
que precisam também ser examinadas continuamente nas diferentes
partes do mundo.
6. Conclusões
O presente trabalho sobre a internacionalização oferece uma
breve análise dos desenvolvimentos recentes e das tendências gerais
que ocorrem na educação superior e que estão influenciando a forma
como as instituições se internacionalizam. Levando em conta o fato de
que a internacionalização da educação superior é apenas um conceito,
usado pelos especialistas neste campo para descrever a variedade
crescente de abordagens ao intercâmbio internacional, são discutidos
alguns aspectos das definições desses conceitos e abordagens.
Os resultados e conclusões do trabalho se baseiam no exame
dessas tendências, mas são suplementados pelos resultados preliminares
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da pesquisa institucional, realizada pela Associação Internacional de
Universidades com respeito às estratégias de internacionalização dos
seus membros. Com base nesses resultados, um segundo conjunto de
conclusões, relativas aos desafios e às questões que estão exigindo a
atenção de todos os interessados na comunidade, é apresentado no
nível macro, incluindo problemas que os responsáveis pelas políticas,
os líderes do campo da educação superior e os especialistas precisam
continuar a examinar em conjunto, e na medida do possível em um
fórum global como o oferecido pela UNESCO.
É essencial que essas discussões abarquem verdadeiramente
todos os interessados, e que sejam internacionais, porque, em suma,
cada vez mais podemos falar de um setor da educação superior inter-
nacional ou de uma comunidade global da educação superior.
Muitos dos impactos de longo prazo de ações universitárias isoladas
ou adotadas por um conjunto de países serão sentidos bem longe,
nos lugares para os quais são enviados estudantes, programas ou
ambos. Além disso, o Processo de Bolonha introduziu, entre outras
mudanças, programas acadêmicos estruturados da mesma forma e
práticas para a transferência de créditos em mais de trinta países – o
que é apenas um exemplo da concessão feita pelas autoridades
nacionais à fixação de políticas internacionais no campo da educação
superior, embora seja o mais profundo. Há outros exemplos, mais
modestos, e outros ainda se seguirão.
Pode-se afirmar com segurança que, tanto no mundo acadêmico
como no governo, todos consideram a internacionalização da educação
superior como uma direção para o desenvolvimento ulterior desse
nível educacional. As oportunidades apresentadas pela educação
internacional, a co-participação no conhecimento, a formação de
redes acadêmicas e o enriquecimento curricular são alguns dos
benefícios usualmente citados com respeito à internacionalização.
No entanto, nem tudo é positivo, e à medida que o processo de
globalização exerce sua pressão, alguns desafios se tornam também
mais visíveis. O financiamento pode resultar em uma erosão da idéia
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187
da educação superior como bem público; o fortalecimento da com-
petição pode reduzir a cooperação entre as instituições, em lugar de
ampliá-la; a promoção da diversidade cultural será prejudicada pela
expansão da língua mais forte e da cultura dominante; a chamada
“evasão de cérebros” aumentará à medida que o mercado de trabalho
acadêmico se unifique: estes são alguns dos possíveis perigos, mais
evidentes, de uma maior internacionalização.
Ao mesmo tempo, ao crescer em importância, a internacionali-
zação se desloca da margem para o centro das preocupações institu-
cionais. Nesse deslocamento, porém, assume novas formas, de caráter
empresarial, como este trabalho mostra, e se enreda com outros
processos tais como a transformação em mercadoria, a privatização,
a competição e a formação de alianças entre vários setores; precisa
então ser analisada e discutida juntamente com essas tendências.
Por meio dessa abordagem, teremos condições de verificar que a
internacionalização da educação superior, como uma da formas
criativas com que o setor e suas instituições respondem à globalização,
na verdade, aproximou-se do que chamaríamos mais apropriada-
mente de “globalização” da educação superior, especialmente se as
estratégias de internacionalização mais empresariais continuarem a se
desenvolver. Quando isso vai ocorrer (se podemos saber que ocorreu,
e como) são questões que vale a pena explorar.
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ANEXO
Rumo a um século de cooperação:
a internacionalização da educação superior
(Declaração da Associação Internacional de Universidades)
1998
Preâmbulo
Muitas vezes se tem admitido implicitamente que as universi-
dades são por sua natureza internacionais. O caráter universal do
conhecimento, uma longa tradição de cooperação e colegiado inter-
nacional na pesquisa, os deslocamentos de professores e estudantes
desde a Antigüidade têm criado essa impressão. Conscientes de que
ela só em parte reflete a realidade quotidiana das instituições de
educação superior em todo o mundo, e observando que a interna-
cionalização da educação superior é hoje, mais do que nunca, um
objetivo meritório, a Associação Internacional de Universidades
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190
deseja reafirmar seu compromisso com esse esforço e conclamar
todos os interessados a contribuir para a sua realização.
Ao nos aproximarmos do século XXI, os homens e as mulheres
de todo o mundo enfrentam muitos desafios importantes, à medida
que interagem com indivíduos, com grupos e a natureza. A globali-
zação do comércio, da produção e das comunicações criou um
mundo altamente interconectado. No entanto, os tremendos fossos
existentes entre os ricos e os pobres continuam a se ampliar tanto
dentro das nações como entre elas. O desenvolvimento sustentável
continua a ser uma meta evasiva, de longo prazo, sacrificada muitas
vezes por ganhos de curto prazo.
É imperioso que a educação superior proponha soluções para
os problemas existentes, e inove com o objetivo de evitar problemas
futuros. Espera-se que a educação superior contribua nos terrenos
econômico, político e social para elevar a qualidade de vida em todo
o mundo. Preencher esse papel de forma efetiva e manter a excelên-
cia exigem que a educação superior se torne bem mais internacional;
ela precisa acolher uma dimensão internacional e intercultural nas
funções de ensino, pesquisa e serviço.
A preparação dos futuros cidadãos e líderes de um mundo
marcado por grande interdependência exige um sistema de educação
superior no qual a internacionalização promova a diversidade cultural
e o entendimento entre as culturas, o respeito e a tolerância entre os
povos. Essa internacionalização da educação superior contribui para
formar blocos regionais politicamente poderosos e economicamente
competitivos; representa um compromisso com a solidariedade
internacional e a segurança humana e contribui para formar um
clima de paz global.
Os progressos tecnológicos nas comunicações são instrumentos
poderosos que podem servir para promover a internacionalização da
educação superior e para democratizar o acesso às oportunidades.
No entanto, na medida em que o acesso às novas tecnologias de
informação permanece distribuído desigualmente no mundo, os
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191
efeitos secundários adversos causados pela difusão do seu uso podem
ameaçar a diversidade cultural e ampliar os hiatos existentes na pro-
dução, difusão e apropriação do conhecimento.
Em todo o mundo, contar com pessoal altamente educado e
fazer pesquisa no nível mais alto são elementos essenciais para um
desenvolvimento baseado cada vez mais no conhecimento. A interna-
cionalização e a cooperação internacional podem servir para apri-
morar a educação superior, mediante maior eficiência no ensino e
no aprendizado, assim como na pesquisa, por meio de esforços com-
partilhados e ações conjuntas.
Fundada para promover a cooperação internacional entre
instituições de educação superior, a Associação Internacional de
Universidades observa que, a despeito da universalidade do conheci-
mento, que sempre serviu para afirmar a natureza internacional da
educação superior, o seu nível de internacionalização continua baixo
e desigual. Além disso, a cooperação internacional tem tido um
impacto relativamente pequeno na riqueza global e na distribuição
de recursos no mundo, mesmo no campo da educação superior. Pior
ainda, a “evasão de cérebros” para o exterior e outras conseqüências
negativas de atividades de cooperação mal planejadas têm chegado
às vezes a exacerbar as condições em que se encontram as nações
em desenvolvimento. Mais recentemente, os interesses comerciais e
financeiros ganharam preeminência no referido processo de interna-
cionalização, e ameaçam deslocar os aspectos menos utilitaristas,
embora igualmente valiosos, dessa transformação necessária e
enriquecedora da educação superior.
ANEXO
Recomendações
Reconhecendo a urgência de tomar ações positivas, a
Associação Internacional de Universidades recomenda que:
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192
1. ao determinar suas ações, as instituições de educação superior
tomem a iniciativa no processo de internacionalização, em
lugar de reagir às forças externas globalizadoras, como o
mercado;
2. com o apoio ativo de todos os níveis da comunidade acadêmica,
os líderes da educação superior desenvolvam políticas insti-
tucionais claras de internacionalização, assim como pro-
gramas vistos como parte integrante do funcionamento da
instituição, e nessa condição contem com financiamento
interno e externo adequado;
3. esse apoio seja facilitado pela criação de um Fórum sobre a
Política de Internacionalização, pela Associação Internacional
de Universidades e seus Membros e Parceiros institucionais,
para intercâmbio de idéias e experiência;
4. o currículo da universidade reflita a preparação de cidadãos
internacionais, por meio da facilitação da competência em
línguas; a compreensão dos temas globais, internacionais e
regionais; a preparação de especialistas em áreas necessárias
tais como a tecnologia e a ciência da informação, a paz e
solução de conflitos e o desenvolvimento sustentável, assim
como as necessidades curriculares especiais dos estudantes
internacionais;
5. focalizada, como é o caso, no desenvolvimento de recursos
humanos, a cooperação Norte-Sul na educação superior seja
reconhecida como um instrumento importante da luta
contra a desigualdade entre as nações, os povos e os grupos,
e receba apoio e financiamento adequados das agências
nacionais de desenvolvimento, das organizações intergover-
namentais e das fundações privadas;
6. os programas de mobilidade acadêmica desenvolvidos
dentro de determinadas regiões (Europa, Ásia, América do
Norte), altamente exitosos e de grande valia, continuem a
servir como catalistas e modelos para expandir esses fluxos
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mais amplamente a um número sempre crescente de indiví-
duos e instituições, em nível global. Devem ser feitos esforços
para promover a expansão dos programas de mobilidade
acadêmica nas outras regiões do mundo (África, Oriente
Médio, América Latina), e para ampliar os programas inter-
regionais de cooperação entre universidades;
7. as instituições de educação superior adotem medidas ativas
para garantir a qualidade do processo de internacionalização,
usando a competência existente na avaliação da qualidade
desenvolvida por várias organizações, e que a Associação
Internacional de Universidades divulgue entre os seus mem-
bros a existência desses projetos e contribua para o desenvol-
vimento de um grupo de especialistas disponível para
participar em equipes de revisão;
8. a expansão do desenvolvimento da exportação da educação
seja conduzida dentro de códigos éticos internacionais de
boas práticas acompanhada por pesquisas para avaliar seu
impacto educacional e econômico, bem como para sustentar
o controle de qualidade;
9. a competência e a experiência dos professores aposentados e
dos estudiosos seja mobilizada e compartilhada através da
divisão Norte-Sul em um programa voluntário de Acadêmicos
sem Fronteiras, a ser facilitado pela Associação Internacional
de Universidades e pela UNESCO;
10. a UNESCO, os governos nacionais e as instituições educa-
cionais demonstrem seu compromisso com a cooperação
internacional no campo da educação superior, dentro das
respectivas áreas, implementando políticas que removam
obstáculos à mobilidade, tais como normas muito rigorosas
para a concessão de visto, práticas restritivas ao reconheci-
mento acadêmico e outras normas que impeçam o fluxo de
estudantes e acadêmicos; e
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11. a fundamentação de todos os programas de internacionali-
zação no princípio da parceria entre iguais, com a promoção da
competência intercultural e de uma cultura de paz entre cidadãos
globais.
* * *
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REUNIÃO DOS PARCEIROS NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE
EDUCAÇÃO SUPERIOR +5
Unesco, Paris, 23-25 de junho de 2003
Relatório Geral
Apresentado pelo Sr. Jacques Proulx
Membro do Comitê Internacional de Seguimento da Conferência Mundial sobre Ensino Superior
26 de junho de 2003
Senhoras e Senhores,
Distintos Parceiros na Educação Superior
Senhor Presidente,
É minha honra e responsabilidade apresentar-lhes, em forma
sumária, os preparativos preliminares, as intervenções, debates e
recomendações desta reunião. As mensagens que emergem das suas
deliberações são por vezes claras e convergentes, enquanto em outros
casos são mais diversificadas, refletindo o mundo plural que repre-
sentamos.
Mais de 400 representantes de 120 países participaram da
Segunda Reunião dos Parceiros na Educação Superior realizada em
Paris, na sede da UNESCO, entre 23 e 25 de junho de 2003. Eles
representavam os pontos focais nacionais para o prosseguimento
da Conferência Mundial sobre Educação Superior, várias
Organizações Intergovernamentais e ONGs, membros da comu-
nidade acadêmica mundial, estudantes e responsáveis por decisões
políticas. Os membros dos Comitês de Acompanhamento
Internacional e Regional estavam também presentes, assim como
membros do Secretariado da UNESCO, lotados na sede e no campo.
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Os participantes tomaram nota do amplo trabalho desenvolvi-
do pela UNESCO na preparação da Reunião, mais especialmente
dos documentos elaborados tendo em vista facilitar os debates.
A abertura da reunião
No seu discurso de abertura, o Senhor Koichiro Matsuura,
Diretor-Geral da UNESCO, lembrou os objetivos da Reunião: rever
o caminho coberto durante os cinco anos transcorridos desde a
adoção da Declaração Mundial sobre a Educação Superior e reforçar
o Quadro de Ação prioritária, adotado em 1998.
A questão da qualidade continua a ser uma preocupação
importante, à luz das rápidas mudanças ocorridas na educação supe-
rior, notadamente a sua massificação, a adoção de novos métodos
e instrumentos de ensino, a emergência de novos supridores e o
aumento da comercialização da educação desse nível.
A educação superior precisa reforçar sua contribuição para
alcançar as metas estabelecidas pelo programa Educação para Todos,
especialmente através da pesquisa, do treinamento de professores, da
renovação de programas e do emprego das tecnologias de informação
ecomunicação. Com respeito à sua contribuição ao desenvolvimento,
ela precisa ser concebida no contexto da globalização, que solicita ligações
estreitas entre os níveis de ação local, nacional, regional e mundial.
As necessidades urgentes dos países em desenvolvimento e dos
países em transição com respeito à educação superior e à pesquisa
exigem uma abordagem integrada, baseada em ampla cooperação
internacional. A reunião dos Parceiros na Educação Superior poderia
ajudar a definir a forma como essa ação seria concebível.
As estruturas e os mecanismos estabelecidos e as iniciativas
tomadas pela UNESCO, notadamente o Fórum Global sobre
Garantia de Qualidade, Validação de Créditos e Reconhecimento de
Qualificação na Educação Superior, os Recursos Educacionais Livres
(OER), o Fórum sobre o Conhecimento e a Pesquisa na Educação
Superior, o Programa de Cátedras UNITWIN/UNESCO oferecem
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uma plataforma para o diálogo e são ao mesmo tempo instrumentos
de ação para alcançar os objetivos fixados.
Sua Alteza Sheika Mozah bint Nasser Abdallah Al-Misnad,
Embaixadora da UNESCO para a Educação Básica e Superior,
enfatizou no seu discurso a estreita relação existente entre democra-
cia e educação, insistindo na contribuição da educação superior nesse
domínio. A educação superior deveria educar cidadãos plenamente
comprometidos com a promoção do desenvolvimento, da paz, do
entendimento entre as nações e a democracia. A democracia deveria
basear-se no espírito crítico e na criatividade, valores fundamentais
que estão sendo levados em conta na reforma da educação em Qatar,
em sincronia com a herança da tradição islâmica. Propôs fosse
criado um fórum internacional devotado à relação entre educação e
democracia, para fortalecer a potencialidade e facilitar a integração
nesse domínio.
Sua Alteza sugeriu também a criação de um Fundo Inter-
nacional para proporcionar assistência imediata e de longo prazo à
educação superior no Iraque. Qatar fará a primeira contribuição para
esse Fundo, aberto a doadores interessados de todo o mundo, e o
Japão já anunciou seu apoio. A administração do Fundo está posta
sob a responsabilidade conjunta da UNESCO e dos vários doadores.
No discurso principal da reunião, o Professor Cristovam
Buarque, Ministro da Educação do Brasil, propôs uma profunda
renovação da universidade, baseada no princípio fundamental de
que “o conhecimento não é uma mera acumulação de dados, fatos,
capacitação e competência; é um fluxo contínuo e, portanto, ineren-
temente efêmero”. Como em qualquer momento, o conhecimento
tem vida curta, os diplomas universitários não podem mais servir
como um “passaporte para toda a vida” dos seus possuidores. Sua
validade exige constante renovação da competência.
O próprio conceito de universidade precisa ser alterado. As
universidades precisam mudar sua natureza elitista e isolada; pre-
cisam deixar a sua torre de marfim para aproximar-se da maioria da
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população. As universidades precisam ser globais e regionais, assim
como nacionais em suas preocupações; seu ambiente é a totalidade
do planeta.
Para reconquistar o seu dinamismo, as universidades têm que
antecipar o futuro no uso de métodos e instrumentos educativos,
mas não devem ser transformadas em meras “fábricas de conheci-
mento”, porque correriam assim o risco de embrenhar-se em um
caminho que levaria à exclusão de parte da humanidade.
Para construir essa nova universidade, o mundo espera muito
da juventude. Não uma juventude conservadora, mas uma “juven-
tude rebelde”, que pode alimentar e promover essa renovação.
É necessário proclamar um dia internacional de reflexão sobre
o futuro da universidade. É necessário desenvolver a solidariedade
entre os países ricos e os pobres para o desenvolvimento da educação
superior. É necessário mudar de direção com respeito à universidade,
para mudar o rumo da humanidade.
Apresentações e debates em sessão plenária
As apresentações em sessão plenária pelos representantes das
várias regiões e pelos parceiros da UNESCO acentuaram a persistente
relevância da Declaração Mundial adotada em 1998 e identificaram
mudanças importantes no contexto da educação superior ocorridas
desde então. Dessas apresentações e dos debates subseqüentes, um
certo número de tensões foi identificado no mundo da educação
superior, a saber, tensões entre:
• a permanência e a mudança;
• a unidade e a diversidade;
• a abertura ao mundo circunjacente e o recolhimento em si mesma;
• as preocupações globais e locais;
• as instituições públicas e privadas;
• o papel do estado e o papel do mercado.
Foram também focalizados desafios relacionados com o finan-
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ciamento, a necessidade de garantir a qualidade, a persistência das
barreiras ao intercâmbio, os temas relativos à propriedade intelectual,
a necessidade de reforçar a capacidade de pesquisa no Sul e a maior
equidade no recrutamento de pessoal.
As apresentações e os debates salientaram que há dois caminhos
abertos para a educação superior no mundo:
• continuar em um sentido que gera a exclusão, abandona o
sistema às forças do mercado e debilita a democracia;
• proceder a uma mudança de rumo, de modo a fortalecer o
papel da educação superior na construção de uma civilização
que integre a modernidade sem o efeito oposto da exclusão
social, com ação concertada a serviço das populações e do
desenvolvimento sustentável, movendo-se no sentido de uma
distribuição justa e tomando decisões que não ignorem os
interesses da maioria.
Cinco anos depois da Conferência Mundial sobre Educação
Superior, esses debates nos permitem reafirmar a visão adotada pela
Conferência Mundial e reforçar a ação em resposta a novas mudanças
e desafios. Várias direções importantes para a ação podem ser identi-
ficadas, e as principais são as apresentadas adiante:
1. O papel crescente da educação superior nas sociedades
modernas
A Conferência Mundial enfatizou o papel da educação superior
como um fator fundamental e uma força motriz do desenvolvimento
nas sociedades de conhecimento intensivo. Desenvolvimentos poste-
riores à Conferência reforçaram a percepção desse papel, que é agora
reconhecido unanimemente. Em nenhuma época da história da
humanidade, o bem-estar das nações dependeu de forma tão direta
da qualidade e da abrangência dos seus sistemas e instituições de
educação superior.
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Todos os países precisam de sistemas viáveis de educação supe-
rior para enfrentar os desafios de um mundo competitivo e cada vez
mais globalizado. Esses sistemas são particularmente importantes
para os países em desenvolvimento, que continuam a exibir uma
defasagem considerável com relação aos países desenvolvidos indus-
trialmente, no que se refere à educação superior e à pesquisa: eles
precisam com urgência expandir sua educação superior de forma
maciça para evitar a marginalização e a exclusão.
Tendo em vista, de um lado, o papel mais importante da
educação superior no desenvolvimento econômico, político, social e
cultural e, de outro lado, a precariedade da sua situação nos países em
desenvolvimento e nos países em transição, há uma crescente
percepção da necessidade de adotar ação concertada e integrada, em
nível global, em favor do desenvolvimento dessa educação. O que
poderia levar a um Programa para o Desenvolvimento e Cooperação
na Educação Superior, de caráter global, que poderia basear-se no
compromisso dos governos, da comunidade internacional e de todos
os interessados. A UNESCO deveria tomar a iniciativa de lançar
esse Fundo, formando alianças com os principais IGOs, dentro e
fora do sistema das Nações Unidas, com as Organizações Não-
Governamentais e a comunidade acadêmica de modo geral. O
Programa deveria beneficiar-se da experiência obtida por meio da
Educação para Todos, esforço ao qual está indicado a contribuir de
forma direta.
2. Ampliando o papel da educação superior no desenvolvi-
mento sustentável
A Conferência Mundial enfatizou o papel da educação superior
no desenvolvimento sustentável nos níveis local, nacional, regional
e global. A proclamação, em 2002, da Década da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (2005-2014) proporciona um quadro
favorável para essa ação renovada com todos os parceiros relevantes,
inclusive a Parceria Global da Educação Superior para a Sustentabilidade
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e o Grupo da Declaração de Ubuntu, ambos lançados na Cúpula
Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável (Johannesburg,
2002), com apoio ativo da UNESCO.
Dentro desse contexto desafiador, recomenda-se o lançamento
de uma iniciativa de larga escala, com o propósito de mobilizar as
instituições de educação superior de todo o mundo para criarem, em
conjunto, um espaço de aprendizado global para o desenvolvimento
sustentável, baseado em centros locais e regionais e núcleos de
excelência, que deveriam reunir todos os níveis e setores da educação,
inclusive a educação não-formal e a não-regular.
3. Movendo-se rumo a um espaço para a educação superior
global mediante a cooperação e a co-participação
Os processos de globalização impulsionam a educação superi-
or e a pesquisa para que se tornem também globais. Em todas as
regiões, notam-se tendências convergentes na educação superior;
algumas regiões (por exemplo, a Europa) se desenvolvem mais
depressa do que outras. Em conseqüência, a “educação superior sem
fronteiras” surge como uma realidade. Trata-se de um processo
histórico objetivo que traz consigo um grande potencial, envolvendo
também certos riscos. Em todo o mundo, essa convergência pode
ajudar a melhorar a qualidade da educação superior e, de modo geral,
facilita o reconhecimento dos estudos e qualificações, aumentando
assim a mobilidade e a cooperação internacional. A UNESCO deve-
ria, portanto, encorajar e promover as tendências convergentes que
valorizam a qualidade na educação superior, nos níveis regional
e mundial. No entanto, de forma alguma essa convergência deveria
afetar ou reduzir a diversidade da educação superior em todo o
mundo, que deriva de necessidades especificas nacionais e locais, da
história e das tradições.
O principal desafio da nossa época consiste em garantir que a
educação superior mundial e as áreas de pesquisa em cuja direção
estamos encaminhando preservem a diversidade, rejeitem a unifor-
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midade e estimulem a cooperação e a co-participação, fortalecendo
deste modo os sistemas e instituições nacionais.
As ações práticas destinadas a desenvolver uma educação supe-
rior e uma área de pesquisa no mundo deveriam ter por objetivos:
• Reforçar o ensino, o treinamento e a capacidade de pesquisa
das instituições de educação superior nos países em desen-
volvimento, mediante um esforço cooperativo e várias formas
de cooperação Sul-Sul e Norte-Sul.
• Preencher o hiato de conhecimento, mediante estruturas e
mecanismos apropriados, tais como o Programa de Cátedras
UNITWIN/UNESCO, que associa iniciativas institucionais
e individuais, reforçando assim a ação.
• Aliviar a “evasão de cérebros”, conforme a iniciativa dos
Acadêmicos sem Fronteiras, que está sendo desenvolvida pela
UNESCO, juntamente com o esquema de “voluntários da
universidade”.
4. O papel das tecnologias de informação e comunicação
na educação superior
O impacto das tecnologias de informação e comunicação na
educação superior mostrou ser mais rápido, mais complexo e
abrangente do que se esperava cinco anos atrás. O seu potencial de
aumento do acesso à educação superior, de redução de custos, de
renovação das formas de fornecimento e dos métodos de ensino/
aprendizado é reconhecido unanimemente pela capacidade de
fortalecer a função de pesquisa da educação superior e de facilitar
a cooperação e os vínculos internacionais.
No entanto, usar plenamente esse potencial exige medidas para
garantir o amplo acesso às tecnologias de informação e comunicação
pelas instituições de educação superior dos países em desenvolvi-
mento.
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A UNESCO assistirá também os Estados Membros e as insti-
tuições, particularmente nos países em desenvolvimento e nos países
em transição, a usar plenamente os recursos das tecnologias de infor-
mação e comunicação, especialmente através da iniciativa Recursos
Educacionais Livres, que tem por objetivo servir como mecanismo de
capacitação tecnológica para o uso livre, não-comercial, de recursos
educacionais. Essa iniciativa será expandida e transformada em um
movimento de larga escala e em uma campanha internacional em
favor da educação superior dos países em desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, recomenda-se seja dado um apoio vigoroso
às instituições baseadas nas tecnologias de informação e comunicação
(universidades abertas e virtuais, nacionais e regionais) criadas nos
países em desenvolvimento, de modo que sua potencialidade seja
plenamente utilizada.
5. O desenvolvimento das relações entre a educação superior, o
Estado e o mercado. A educação superior como um bem público
A redução dos recursos do setor público e as idéias econômicas
prevalecentes tendem a atribuir ao Estado e aos governos um papel
menos importante nos assuntos relacionados com a educação superi-
or. Ao mesmo tempo, o papel e a contribuição do setor privado ao
seu desenvolvimento têm crescido de forma considerável. O papel do
mercado na educação superior também se desenvolve rapidamente,
levando à criação de um “mercado da educação superior” que tende
a assumir dimensões globais. Esses novos desenvolvimentos precisam
ser investigados em profundidade.
Preservar o status da educação superior como um bem público
é necessário e prioritário. É necessário examinar os aspectos legisla-
tivos propostos pelo desenvolvimento da relação entre a educação
superior, o Estado e o mercado. Estados e governos devem preservar
suas prerrogativas na definição das políticas da educação superior,
garantindo sua qualidade e fazendo com que ela cumpra todas as
missões e funções que tem na sociedade.
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Os participantes na reunião reforçaram a posição adotada pela
Conferência em 1998, ou seja, que embora busquem a contribuição
de todos os interessados no desenvolvimento da educação superior
(inclusive o setor privado), os Estados e os governos devem preservar
integralmente sua responsabilidade e empenho nesse apoio. Seria
muito arriscado deixar que a educação superior fosse modelada
exclusivamente pelas leis do mercado.
6. O comércio dos serviços educativos. As implicações do
Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) para a
educação superior
Atualmente, o comércio existente no campo da educação supe-
rior transnacional é um tema que provoca intenso debate. Movidos
basicamente por motivação comercial, têm surgido numerosos
“novos supridores” (empresas universitárias, instituições com fins
lucrativos, empresas da mídia) muitas vezes de status e qualidade
pouco claros, impondo uma abordagem comercial na provisão
de educação superior através das fronteiras nacionais. Os debates
havidos na reunião refletiram a tensão que existe entre o quadro
desenhado nas negociações do Acordo Geral sobre o Comércio de
Serviços (GATS) e os princípios compartilhados pela comunidade
acadêmica internacional, em toda a sua diversidade.
Os participantes da reunião salientaram que a educação superior
não pode ser objeto de comércio como qualquer mercadoria. Torna-
se necessário um quadro que facilite e garanta a transparência e o
tratamento equitativo entre as nações e que leve em conta conside-
rações relativas às necessidades dos Estados nacionais, mas garanta as
prerrogativas soberanas das políticas educacionais com respeito à
educação superior e à pesquisa. Esse objetivo, que adquiriu uma alta
prioridade na estratégia de acompanhamento da Conferência de
1998, pode ser alcançado mediante negociações transparentes,
baseadas em princípios claros e com a participação de todas as partes
interessadas, inclusive representantes da comunidade acadêmica.
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Nesse contexto, e em resposta aos desafios levantados à
educação superior pela globalização, a UNESCO focalizará as impli-
cações da liberalização do comércio no campo da educação superior,
particularmente do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, com
ênfase na forma de garantir qualidade no fornecimento da educação
superior fora das fronteiras nacionais. Embora fortalecendo sua
representatividade, o Fórum Global sobre a Garantia de Qualidade,
Validação de Créditos e o Reconhecimento de Qualificações na
Educação Superior será mais fortalecido como uma plataforma para
o intercâmbio de pontos de vista e a tentativa de alcançar acordo em
um conjunto de princípios que possam promover práticas comerciais
equitativas, transparentes e justas. Esse comércio deve ser acompa-
nhado necessariamente por medidas concretas, tendentes a promover
a cooperação internacional na educação superior, com base em
parcerias e co-participações genuínas.
7. Atendendo à demanda por maior acesso à educação superior
A educação superior tem continuado a crescer, com taxas ainda
mais altas do que durante o período que precedeu a Conferência de
1998, havendo já ultrapassado o limiar histórico de cem milhões
de estudantes em todo o mundo. As matrículas têm aumentado
em todos os países, inclusive nos países em desenvolvimento. A
diversificação das formas e estruturas na educação superior, especial-
mente através do estudo aberto ou a distância, contribuiu considera-
velmente para esse resultado.
Não obstante, persiste um importante hiato a separar os
países em desenvolvimento dos países desenvolvidos industrial-
mente, no que concerne ao acesso à educação superior. No caso
de certos países, especialmente na África ao Sul do Saara, esse hiato
vem se alargando.
Persistem também problemas de equidade, especialmente no
que diz respeito à participação das mulheres nas atividades de
ensino, pesquisa e administração no campo da educação superior.
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São necessários esforços adicionais no nível nacional para
garantir um amplo acesso à educação superior com base no mérito,
especialmente para os jovens dos países em desenvolvimento. É
preciso uma ação especial para facilitar o acesso dos grupos marginais
da sociedade, para eliminar a discriminação de gênero e a estereoti-
pagem, assim como para garantir a participação efetiva das mulheres
no ensino, na pesquisa e administração da educação superior, em
todos os níveis.
8. O financiamento da educação superior
Em todos os países, tanto nos desenvolvidos como nos que
se encontram em processo de desenvolvimento, há limites para o
financiamento público da educação superior. Esta situação sugere
um maior rateio dos custos entre todos os interessados e beneficiários
do sistema: o Estado, os estudantes e suas famílias, a indústria e o
comércio.
A diversificação do financiamento da educação superior é uma
realidade reconhecida tanto pelos governos como pelas instituições.
Contudo, é preciso que todos os interessados e todos os setores da
sociedade, o público e o privado, estejam prontos a contribuir para
sistemas de educação superior viáveis, como condição necessária
tanto para o desenvolvimento individual como social. Esquemas
de apoio aos estudantes (subsídios, empréstimos estudantis, etc.)
devem ser instituídos para garantir eqüidade no acesso a esse nível
educacional.
Os participantes da reunião indicaram unanimemente que os
Estados e governos devem manter sua responsabilidade em garantir o
necessário financiamento, com recursos para a educação superior, a
fim de permitir que ela execute suas funções e cumpra suas missões
na sociedade.
Ao mesmo tempo, as instituições de educação superior precisam
intensificar a sua busca de financiamento, com recursos adicionais
obtidos mediante uma atitude empreendedora, conforme recomen-
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dado pela Conferência Mundial sobre Educação Superior. Deve ser
ampliado o apoio financeiro internacional por meio de empréstimos
do Banco Mundial e dos bancos regionais de desenvolvimento, com
a expansão do apoio dos doadores e da cooperação bilateral e multi-
lateral para as instituições dos países em desenvolvimento e dos países
em transição.
9. A relevância das necessidades sociais: a educação superior
e o mundo do trabalho
A relevância social da educação superior abrange todos os
campos e setores, inclusive o econômico, o social, o cultural e o do
desenvolvimento científico. Suas relações com o mundo do trabalho
passam por uma mudança radical. As instituições de educação supe-
rior não podem mais oferecer a seus estudantes uma formação que
lhes sirva durante toda a sua vida; precisam dar aos futuros graduados
a capacitação que lhes permita atender melhor às demandas das
sociedades de conhecimento.
Em muitos países, o desemprego dos indivíduos formados
pelas universidades é um tema espinhoso para a educação superior,
tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos.
O desemprego está aumentando em muitos países. As principais
economias do mundo vivem uma fase de pouco crescimento,
enquanto a maioria dos países em desenvolvimento e em transição
enfrenta sérias dificuldades em sua economia. Para o futuro imediato,
o é boa a perspectiva de aumento do nível de emprego dos formados
pelas universidades. No entanto, há um consenso generalizado
de que a educação superior de qualidade, que esteja plenamente
integrada nos sistemas nacionais de conhecimento, contribui direta-
mente para o crescimento econômico, aumentando o emprego. De
seu lado, os governos não podem abandonar sua responsabilidade de
garantir o aumento do emprego para os graduados em universidades.
As instituições de educação superior devem formar parcerias e
alianças com os governos e com os empregadores potenciais, tanto no
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setor público como no privado. E a cooperação internacional pode
também ajudar. É necessário, em especial, examinar de forma mais
imaginativa os meios e modos como se pode transformar em
realidade a recomendação feita pela Conferência de 1998 no sentido
de que os graduados se tornem não simples postulantes a um
emprego, mas criadores de emprego.
10. A educação superior e a pesquisa nas sociedades de
conhecimento
Nas atuais sociedades de conhecimento, as instituições de
educação superior, especialmente as universidades, contribuem de
forma significativa para ampliar a capacidade de pesquisa dos
países. Desenvolvimentos posteriores a 1998 refletem esforços feitos
pelas universidades para aproveitar essas vantagens. Por outro lado,
persistem muitos problemas no campo da educação superior com
respeito à sua função de pesquisa.
A educação superior precisa utilizar melhor seu potencial de
pesquisa, ajustando-o às necessidades da sociedade mediante o desen-
volvimento de novas parcerias. Isto permitiria não só apreender
melhor os novos desafios (por exemplo, a AIDS) e as expectativas que
eles trazem, mas também identificar formas aptas a solucionar esses
problemas.
Além disso, os resultados da pesquisa devem ser difundidos e
postos a serviço da melhoria das condições de vida e da redução da
pobreza – não só da pobreza econômica e social, mas também da
pobreza cultural.
O desafio mais importante no campo da pesquisa continua a
ser o hiato de conhecimento entre as nações em desenvolvimento e
as desenvolvidas. Nas ações subseqüentes à Conferência de 1998,
ênfase especial será dada à contribuição para fortalecer o papel da
pesquisa na educação superior, aprimorar a sua qualidade e reduzir
o referido hiato de conhecimento. Isto se fará em primeiro lugar
através do Fórum Mundial sobre a Educação Superior, Pesquisa e
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Conhecimento, da UNESCO, como uma plataforma aberta para
o diálogo e o intercâmbio de pontos de vista e experiência entre
pesquisadores, responsáveis pelas políticas educacionais e espe-
cialistas em educação.
11. Renovação e reforma da educação superior
A renovação e a reforma da educação superior têm continuado
em ritmo mais rápido e em escala mais ampla depois da Conferência
de 1998. Os quadros nacionais de política e planejamento educa-
cional estão sendo redirecionados. Fatores externos e internos levam
a ampliar a diversificação das formas e estruturas, assim como a
mudanças inovadoras com respeito ao conteúdo, à prática e aos
métodos da educação superior. Com efeito, está havendo atualmente
uma mudança de paradigma na educação superior.
Currículos e programas são redefinidos, centralizando-se cada
vez mais nos estudantes e focalizando os resultados almejados em ter-
mos de aprendizado. A modulação das estruturas curriculares e o
emprego do sistema de crédito tornam mais fácil responder de forma
mais flexível tanto às necessidades da sociedade e do mercado de tra-
balho como às necessidades específicas dos próprios estudantes.
O seguimento da estratégia adotada na Conferência de 1998
deve ter seu foco na continuação do processo de promoção e genera-
lização dessas tendências inovadoras, por meio do intercâmbio de
experiência e da cooperação internacional voltada para a assistência
às instituições da educação superior nos países em desenvolvimento.
12. O status dos professores e pesquisadores na educação
superior
A Recomendação sobre o Status do Pessoal Docente da
Educação Superior, de 1997, adquire maior importância para o
fortalecimento do status e das condições de trabalho desse pessoal.
Os participantes recomendaram que a UNESCO fizesse um esforço
adicional para garantir a implementação efetiva das suas provisões,
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visando em especial fortalecer a liberdade acadêmica e a autonomia
institucional. As conclusões do estudo da UNESCO sobre a situação
da liberdade acadêmica no mundo, que se encontram em andamento,
serão largamente difundidas, e usadas para orientar as futuras ações
neste particular.
Ao mesmo tempo, a devida atenção será dada à reforma do
treinamento de professores, que é não só um componente impor-
tante e uma função da educação superior, mas também o principal
veículo pelo qual ela pode contribuir para melhorar a educação em
todos os níveis. A educação superior precisa assumir mais ativamente
as suas crescentes responsabilidades para treinar um número impor-
tante de professores, o que é necessário para alcançar as metas da
Educação para Todos, assim como uma das metas do Milênio das
Nações Unidas.
O desenvolvimento dos funcionários da educação superior será
promovido e assistido nos níveis nacional e regional.
13. Garantia da qualidade, validação de créditos e
reconhecimento dos estudos e qualificações
Vários fatores convergentes, notadamente a expansão quantita-
tiva e a correspondente diversificação das instituições, estruturas,
programas e modos de fornecimento; procedimentos mais estritos e
mais formais e regulamentações orçamentárias; e maiores pressões do
mercado, que exigem que as instituições se esforcem para posicionar-
se nacional e internacionalmente, tornaram a segurança da qualidade
e a validação de créditos temas altamente relevantes no período
posterior à Conferência de 1998. Isto é particularmente urgente no
caso da educação através das fronteiras, para a qual não há atual-
mente regulamentação que garanta a segurança e o cumprimento
de padrões estabelecidos.
Os participantes na reunião acentuaram a necessidade da
UNESCO, como a organização intergovernamental no Sistema
das Nações Unidas responsável pela educação superior, assumir a
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liderança na busca de soluções para temas complexos, tais como os
padrões de qualidade e a garantia de segurança, validação de créditos
e reconhecimento de estudos e qualificações.
A UNESCO procurará promover o diálogo e a cooperação
entre as autoridades nacionais e as comunidades acadêmicas, para
alcançar quadros comumente aceitáveis e padrões de normas éticas,
particularmente através do Fórum Global sobre Garantia de
Qualidade, Validação de Créditos e Reconhecimento de Qualificações
na Educação Superior.
As convenções regionais da UNESCO sobre o reconhecimen-
to de estudos, diplomas e graus serão fortalecidas, ajustando-se aos
novos desenvolvimentos.
14. O papel da UNESCO
A UNESCO continuará como ponto focal das ações de acom-
panhamento da Conferência de 1998, nas direções onde a sua con-
tribuição é mais prática e direta:
servindo como plataforma para o diálogo, e para o intercâmbio
e a co-participação de experiência e informação sobre os
aspectos salientes da educação superior no século XXI;
• assistindo os Estados Membros a desenvolver a sua capacidade
e a formular políticas e estratégias de educação superior.
Os participantes da reunião enfatizaram que o maior
reconhecimento das funções vitais da educação superior e da
pesquisa nas sociedades modernas exige um programa mais visível
e mais abrangente para a educação superior, dentro da ação geral
da UNESCO.
* * *
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Finalmente, o trabalho nas Comissões produziu uma série de
propostas e recomendações que foram apresentadas à Conferência,
sugerindo ações concretas a ser incluídas, conforme apropriado no
quadro das ações prioritárias da Conferência. Essas recomendações
serão incluídas no Relatório final.
Senhoras e Senhores,
A Segunda Reunião dos Parceiros da Educação Superior trouxe
à superfície a complexidade dos desafios e a variedade das perspecti-
vas abertas para a educação superior. Avaliou o caminho percorrido
desde a Conferência de 1998. Mais importante, porém, foi ter
permitido avaliar as ações à nossa frente. A tarefa de todos nós –
Estados, Organismos Governamentais Internacionais, ONGs,
demais parceiros e a comunidade acadêmica de modo geral – é
mostrar mais sabedoria, sensibilidade e criatividade e juntar esforços
para abrir “a grande porta” da educação superior de qualidade,
tornando-a acessível ao maior número possível de pessoas.
O Relatório, juntamente com os relatórios e as recomendações
feitas pelas quatro Comissões, será submetido ao Comitê Internacional
de Acompanhamento da Conferência, que deverá se reunir imediata-
mente depois deste encontro. Conforme as recomendações do
Comitê, o Relatório será submetido em sua forma final ao Diretor-
Geral da UNESCO e difundido amplamente entre os Estados
Membros, os Parceiros da UNESCO no acompanhamento da
Conferência e as instituições de educação superior de todo o mundo.
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