Download PDF
ads:
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
E C questões para reflexão
ads:
M C M (O.)
A M
B H
B M F
E F
I S-W
L M
M S S
M G A
M P
P I C
R C
S P L
S M S A J
P ,
Márcio Duarte –  Design Gráco
R   
Ana Maria Costa
Ministério do Desenvolvimento Agrário ()
www.mda.gov.br
Núcleo de Estudos Agrários e
Desenvolvimento Rural ()
, Quadra, Bloco C, Ed. Trade Center,
o
andar, sala 
 - Brasília/DF
Telefone: ()  
www.nead.org.br
 / – Apoio às Políticas e à Participação
Social no Desenvolvimento Rural Sustentável
L I L S
Presidente da Repúlica
M S R
Ministro de Estado do
Desenvolvimento Agrário
G C
Secretário-Executivo do Ministério
do Desenvolvimento Agrário
R H
Presidente do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária
V B
Secretário de Agricultura Familiar
E P
Secretário de Reordenamento Agrário
J H O
Secretário de Desenvolvimento Teritorial
C G F
Coordenador-Geral do Núcleo de Estudos
Agrários e Desenvolvimento Rural
M C M
Coordenadora Nacional do Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária – Pronera
M, Mônica Castagna.
Brasil. Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Educação do Campo e Pesquisa: queões para reexão. – Brasília : Ministério
do Desenvolvimento Agrário, 2006.
152 p.; 21 x 28 cm.
PCT/MDA/IICA Apoio às Políticas e à Participação Social no Desenvolvim
-
ento Rural Sustentável.
1. Educação do Campo; Políticas Púlicas. 2. Reforma Agrária. 3. Modelo de
Desenvolvimento. 4. Movimentos Sociais.
5
Educação do Campo e pesquisa: queões para reflexão
Mônica Caagna Molina
Elementos para uma Política Pública de Educação do Campo
Antonio Munarim
. A  -
E C
.. Construção de uma nova base epistemológica 
.. Construção de esfera púlica 
.. Estado em ação 
a) Plano Nacional de Educação
b) Financiaento 
c) Infra-estrutura 
d) Foração de educaores
e) Outros projetos eeciais
Os campos da Pesquisa em Educação do Campo:
eaço e território como categorias essenciais
Bernardo Mançano Fernandes
. I 
. O E C
. E T
Sumário
E C : questões para reflexão
6
. P P E C
. C
R B
Assentamentos rurais e pereivas da reforma agrária no Brasil
Beatriz Heredia, Leonilde Medeiros, Moacir Palmeira,
Rosângela Cintrão e Sérgio Pereira Leite
. I

.. Assentamentos e alterações fundiárias e demográcas 
.. Os assentados: trabaho, renda e condições de vida 
.. Produção 
.. Precariedade da infra-estrutura 
.. Reconhecimento político: em busca da cidadania 
As múltiplas inteligibilidades na produção dos conhecimentos,
práticas sociais e eratégias de inclusão e participação dos
movimentos sociais e sindicais do campo
Sonia Meire Santos Azevedo de Jesus
. A
. A 
R B
Da raiz à flor: produção pedagógica dos movimentos
sociais e a escola do campo
Maria do Socorro Silva
. P 
. A
. P
.. Primeiros tempos: “O aprendizado da liberdade”
... Movimentos de Educação Popula
... Movimentos da Ação Católica
... Movimentos Sociais do Capo
... Ensinaentos e aprendizagens do peíoo
.. Seundo e longo tempo: “O aprendizado da perseverança 
E C : questões para reflexão
7
... Organizações da igreja 
... Movimento Sindical Rural 
... Pedagogia da Alternância 
... Ensinaentos e aprendizagens do peíoo
para a Educação do Capo
.. Terceiro tempo: avançar na luta “O aprendizado
da autonomia e dos direitos
... Movimentos sociais do capo 
... Ensinaentos e aprendizagens 
.. Quarto momento: “o aprendizado da diversidade” 
.. Considerações nais
R B
Produção pedagógica dos movimentos sociais e sindicais 
Pedro Ivan Chrióffoli
. D  
 
 MST 
.A  E C

 -
. A  
 
;
 
. O
E C 
 ,
,
. A E C MST
,
. C
A escola do campo e a pesquisa do campo: metas 
Miguel Gonzalez Arroyo
E C : questões para reflexão
8
Para uma metodologia de pesquisa dos movimentos
sociais e educação no campo 
Ilse Scherer-Warren
. V 
. E     
. C 
.. Temporalidade e historicidade 
.. Espaços e teritórios 
.. Formas de sociabilidade 
.. O aprendizado contextualizado ou a escola do sujeito-ator 
R B
Anexos
. P S G T
Miguel Gonzalez Arroyo
. C  I E N
P P E
C
Eliana Felipe
. R P I E N
P E C
. P I E N
P E C
Educão do Campo
e pesquisa: queões
para reflexão
M C M
O
M D A, intermédio
do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera/
Incra, e o Miniério da Educação, por meio da Secretaria de Educa-
ção Continuada, Alfabetização e Diversidade SECAD/Coordenação Geral
de Educação do Campo, promoveram em Brasília, no período de  a  de se-
tembro de , o I Encontro Nacional de Pesquisa em Educação do Campo.
Inúmeras queões teóricas e práticas têm desaado o governo e os movimen-
tos sociais a avançar na construção dos paradigmas da Educação do Campo.
O I Encontro Nacional, que contou com a presença de pesquisadores de  eados
da federação brasileira, possibilitou-nos aprofundar ee debate a partir dos eixos
temáticos: O Campo da Educação do Campo; A Produção Pedagógica dos Movi-
mentos Sociais e Sindicais; Escola do Campo e Pesquisa do Campo.
Esse Encontro foi um momento importante para a elaboração de subsídios à
políticas púlicas interministeriais que possam contribuir na promoção do de-
senvolvimento e da educação nos teritórios rurais, como também, possibilitar
a ampliação das articulações interinstitucionais, construindo agenda comum
de pesquisa na área. Para socializar os caminhos percoridos pelos pesquisado-
Doutora em Desenvolvimento Suenvel. Coordenadora Nacional do Pronera. Professora-pes-
quisadora da Universidade de Brasília
E C : questões para reflexão
10
res durante o Encontro, organizamos ea coletânea apresentando os textos e as
principais reexões ocoridas nos debates.
Como fruto da demanda dos movimentos sociais e sindicais, após a reali-
zação da II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, é constituída
no âmbito do Ministério da Educação, como parte da estrutura da SECAD, a
coordenação Geral da Educação do Campo. O texto do pesquisador e coordena-
dor-geral de Educação do Campo Antonio Munarim, apresenta os projetos que
eão em desenvolvimento, indicando que o tema eá avançando na perectiva
de inserir-se na agenda púlica. Como ressalta o autor, são necessárias muitas
articulações, dada a fragilidade do espaço conquistado e das fortes turbulências
que ainda virão.
O capo da Educação do Capo
. O I Encontro rearmou uma das mais mar-
cantes caraerísticas desse movimento: sua indissociabilidade do debate sobre
modelos de desenvolvimento em disputa na sociedade brasileira e o papel do
campo nos diferentes modelos. A eecicidade da Educação do Campo, em
relação a outros diálogos sobre educação deve-se ao fato de sua permanente asso-
ciação com as queões do desenvolvimento e do teritório no qual ela se enraiza.
A armação de que só sentido no debate sobre Educação do Campo como
parte de uma reexão maior sobre a construção de um Projeto de Nação, popular
e revolucionário, é o chão inicial capaz de garantir o consenso dos que se reúnem
em torno dea bandeira.
Foi com ea perectiva que debatemos a necessidade da produção de no-
vas pesquisas sobre a corelação entre a precarização das condições de vida e
(re)produção dos diferentes sujeitos presentes no espaço rural (agricultores fa-
miliares; assentados; ribeirinhos; quilombolas; extrativistas etc), a perda de seus
teritórios em conseqüência do avanço da reorganização capitalista do espaço
agrário e o papel da Educação do Campo na construção de políticas púlicas que
sejam capazes de interferir nee processo histórico.
divergências entre pesquisadores e movimentos aliados sobre as possibi-
lidades de inter-relação com o processo de mudança necessário e a convivência
com determinadas caraerísticas do modelo hegemônico vigente.
Nos últimos dez anos, os debates da Educação do Campo possibilitaram aglu-
tinar um conjunto representativo de movimentos sociais e sindicais; de pesquisa-
dores; de aluns órgãos de governo, nas três esferas de poder. Mas, o I Encontro
instiga a pesquisar como acoher a diversidade de sujeitos e da própria condão
do teritório onde garantem sua reprodução social, nee movimento. A unidade
se dá na compreensão do campo como espaço de produção e reprodução da vida,
de trabaho, de novas relações com a natureza, da produção de cultura.
É sob essa ótica que o texto, de Bernando Mançano Fernandes faz uma re-
cuperação da história recente da construção do conceito Educação do Campo e
E C : questões para reflexão
11
discore sobre categorias centrais para o aprofundamento de seus paradigmas:
espaço e teritório. Educação, cultura, proução, trabalho, infra-estrutura, organi-
zação política, mecao são relações sociais constituintes das dimensões teitoiais. São
concomitanteente interatias e completias. Elas o existe e searao. Educação
não existe fora do teitóio, asim como a cultura, a economia e toas as outras dimen-
sões. Romper com leituras fragmentadas/doras da realidade; construir ohares
que captem sua complexidade, propor práticas educacionais constituintes das
dimensões essências da reprodução da vida. Este, um dos desaos da Educação
do Campo: provocar rupturas em interpretações que unidimensionalizam o mul-
tidimensional, tal como é o teritório rural.
Dando continuidade aos debates, o texto apresentado no Encontro pelo pes-
quisador Sérgio Leite apresenta ntese das conclusões da pesquisa “Impactos
Regionais da Reforma Agrária: um estudo a partir de áreas selecionadas”. Além
de conrmar a mehoria do acesso a diferentes bens a partir da instalação em
assentamentos (moradia; alimentação; trabaho; educação), a pesquisa comprova
em sua grande maioria, a criação do assentamento como fruto do processo de
luta e organização dos trabahadores. Os resultados encontrados reforçam as
propostas da Educação do Campo: a relevância da democratização acesso à tera;
e a constatação de que, por meio da crião de centenas de unidades familiares,
o teritório rural se revela como um espaço que transcende a mera produção de
mercadorias, sendo a base para processos de transformação das condições de
vida de trabahadores excluídos pelo atual modelo de desenvolvimento. Importa
ressaltar que o avanço vericado nos últimos anos em relação a permanência dos
trabahadores rurais nos processos educativos, nos diferentes níveis de escolari-
zação apoiados pelo Pronera, só é possível em função da garantia de uma mínima
eabilidade para sua reprodução social asseurada pelo acesso à tera.
Proução pedagógica dos movimentos sociais e sindicais. As diferentes formas
de conhecer e sua conuência no teritório da Educação do Campo permearam
todos os debates do Encontro. Posto eá, no diálogo, não apenas o conceito de
conhecimento cientíco, mas principalmente, seu próprio processo de produção.
Trata-se de algo mais amplo do que armar e exaltar os muitos saberes que têm
os camponeses. Está em causa parte da crise paradigmática da ciência atual, que
ignora outras formas de racionalidade, deslegitimando e marginalizando outras
formas de produção de saber e de vida, que afrontam a lógica da acumulação.
O protagonismo dos movimentos sociais e sindicais na Educação do Campo,
tanto nos níveis de escolarização formal em curso, em dezenas de universidades
brasileiras, quanto sua participação no processo de discussão e elaboração de
alumas políticas púlicas, tem provocado/acelerado o aoramento das distintas
maneiras de conhecer, colocando em queão a necessidade de rupturas episte-
E C : questões para reflexão
12
mológicas para avançarmos na perectiva da consolidação do espaço rural como
um teritório de múltiplos saberes e de produção de vida.
A desvalorização dos conhecimentos práticos/teóricos que trazem os sujei-
tos do campo, construídos a partir de experiências, relações sociais, de tradi-
ções históricas e principalmente, de visões de mundo, tem sido ão recorente
das escolas e das várias instituições que atuam nees teritórios. Como romper
com o silenciamento dees saberes e legitimar outros processos de produção do
conhecimento, trazendo-os para dentro da escola do campo, para dentro das
universidades? Em seu texto, a pesquisadora Sônia Azevedo de Jesus, ressalta
a necessidade de implodirmos a imposição capitalista de uma lógica única, da
exaltação de apenas um conjunto de conhecimentos como legítimo, eliminando
todas as outras possibilidades de interpretar a vida. Seundo ela, a compreensão da
iqueza da relação sabe-faze-sabe dos caponeses exige aprofundaros as reexões
sobre as eisteologias ou inteligibilidaes e curso no capo.
Dando continuidade ao debate, o texto da pesquisadora Maria do Socoro
Silva propõe o necessário entrelaçamento das queões atuais da Educação do
Campo com a recuperação da história dos trabahadores pelo acesso a ee direito,
eecialmente a luta e as práticas da Educação Popular. Compreender-mo-nos
como parte desse legado enriquece sobremaneira a construção dos paradigmas
da Educação do Campo, pois, um dos objetivos da Educação Popular é contribuir
para criar condições do povo ser sujeito do processo de produção do conhecimen-
to e de sua própria vida. Ambas o importantes instrumentos na construção
das transformações necessárias ao país, colocando-se na dimensão formadora e
organizadora do povo brasileiro para que seja ele o protagonista da construção
de um novo Projeto de Nação.
Na seqüência, o texto do pesquisador Pedro Christóoli faz um rápido res-
gate da luta pela educão na constituição do MST, enfatizando os processos
de construção coletiva que foram originando os prinpios acumulados em sua
prática pedagógica. O artigo deaca o caráter educativo dos movimentos so-
ciais, não só na identidade dos sujeitos que dele participam, mas, também de
novos conhecimentos e práticas que se acumulam na perectiva da prodão
de mudanças econômicas, sociais, culturais, políticas e ambientais para o campo.
Enfatiza que a constrão de uma agenda de pesquisa para ee teritório, que
persiga a ótica de produzir transformações deve valorizar aluns pressupostos
acumulados pelos movimentos, criando processos em que o conhecimento é
construído a partir da prática, em permanente diálogo e confronto com teorias
já sistematizadas.
A Escola do Capo e a Pesquisa do Capo
. Os debates dee eixo temático fo-
ram bastante provocativos, principalmente, sobre qual escola e quais pesquisas
eamos construindo se levarmos em consideração que a escola do campo traz as
E C : questões para reflexão
13
marcas dos sujeitos: das diferenças convertidas em desiualdades. O pesquisador
Miuel Aroyo indaga em seu texto: qual a relação das desiualdades econômicas,
sociais, historicamente sofridas pelos sujeitos do campo, com a ausência do direito
à educação no campo? Conhecer as marcas das desiualdades do sistema escolar
exige estudos articulados entre múltiplas áreas do conhecimento. Esta é uma
riqueza que a Educação do Campo possui, comprovada pelo Encontro. Um dos
desaos colocados na agenda de pesquisa: articular diferentes áreas do saber, an-
tropologia, ciência política, sociologia, história, geograa, economia, na busca da
compreensão dos processos históricos causadores da perpetuação das ausências
no campo, e principalmente, dos caminhos necessários à sua superação.
Outro ponto deacado por Aroyo é se esse modelo de políticas generalistas
sesuciente para suprimir as históricas exclusões sofridas pelos sujeitos do
campo. Como fazer para reverter esse quadro e garantir que as diferenças sejam
tratadas como propugna Boaventura Souza Santos: temos direito à diferea
quando a iualdade nos descaraeriza e temos direito à iualdade quando a di-
ferença nos inferioriza?
Instiga-nos pesquisar se esse padrão de políticas púlicas, constituído com
a caraerística central de tratamento generalizado para diversas situações será
suciente para enfrentar a gravidade do panorama educacional no campo. Re-
cuperarmos o tempo perdido exigirá a elaboração de políticas armativas, que
sejam capazes de acelerar o processo de supressão das intensas desiualdades no
tocante à garantia de direitos existentes no meio rural. Conceber essas políticas
impõe-nos o desao da produção de novos saberes inter e transdiciplinares, que
sejam capazes de articular diferentes dimensões da vida dos sujeitos do campo,
aliadas ao seu processo educacional, ou seja, uma escola colada ao chão da vida,
ligada aos processos da produção da existência social desses sujeitos.
Para além do conhecimento que contribua na produção de novos estilos de
políticas púlicas, há ainda algo mais essencial para apoiarmos o avanço das prá-
ticas pedagógicas das escolas: pesquisas que nos ajudem a compreender como se
constituem os diferentes tempos da vida dos sujeitos no campo, e que sejam capa-
zes de contribuir para legitimá-los como sujeitos de direitos. Construir um novo
sistema educativo no campo exige que se conheça como se constitui a infância e
a juventude nesse teritório. E, quais são os processos de produção da existência
aos quais eão submetidos os diferentes tempos da vida. Em que medida as graves
contradições impostas aos sujeitos do campo, decorentes da disputa dos modelos
de desenvolvimento têm afetado a vida da infância, da juventude rural na atuali-
dade? Aroyo adverte que “quando a tea, o teitóio, as foras de proução eão
aeaçaas, são aeaçaas tabé a foração da cultura, do conhecimento, das iden
-
tidaes teporais. O fato de earem sendo cada vez mais ameaçadas as condões
E C : questões para reflexão
14
da própria reprodução social dos sujeitos do campo hoje, em função do avanço
do agronecio, ameaça também a existência da própria escola do campo.
Uma das estratégias de resistência às diferentes ameaças pode ser tecida pela
construção de redes de movimentos sociais. Enfatizando a importância da com-
preensão do caráter educativo desses movimentos, a pesquisadora Ilse Scherer-
Waren deaca que essas redes poe contepla uma relação dialógica entre o
traicional e o moerno, entre o mais local e o mais global, entre o indiidual e o coletio.
A compreensão das possibilidades das redes deve ser analisada considerando-se
diferentes dimensões: sua temporalidade, sua espacialidade e as formas de socia-
bilidade que propõem.
A metodologia de trabaho do I Encontro Nacional de Pesquisa em Educa-
ção do Campo, incluiu além de mesas redondas em torno dos eixos temáticos,
grupos de trabaho com a perectiva de aprofundar o conhecimento entre os
diferentes sujeitos presentes. Buscou-se, mapear pontos centrais para a con-
tinuidade da construção de uma agenda comum: quem sãos os pesquisado-
res da Educação do Campo; quais os temas pesquisados; quais queões prio-
rizar nas novas investigações. A partir do trabaho realizado pelos relatores,
que ofereceram signicativas contribuições ao Encontro, o professor Miuel
Aroyo organizou uma ntese dos principais tópicos debatidos nesses grupos, que
eão apresentados nos anexos.
Um dos produtos do I Encontro Nacional, que eá em implantação, na CGEC/
SECAD, é o Fórum Virtual de Pesquisa em Educação do Campo por meio da pla-
taforma e-proinfo. Esta plataforma é um ambiente colaborativo de aprendizagem
desenvolvido pela Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educa-
ção. Nesse espaço virtual podem ser disponibilizados textos e criados fóruns para
aprofundarmos os diálogos iniciados, criando um local de convergência, troca e
articulação das pesquisas em andamento. Para participar dessa rede é necessário
entrar em contato com a Coordenação-Geral de Educação do Campo.
Anexamos também a ea coletânea, a Carta aos Participantes do I Encontro
de Pesquisadores e não pesquisadores- da Educação do Campo, escrita durante
o evento pela pesquisadora Eliana Felipe, e lida aos presentes, expondo diversas
inquietações provocadas pelos debates.
Manifeamos nosso reconhecimento ao precioso trabaho das diversas equi-
pes que se envolveram na realização do I Encontro Nacional de Pesquisa em
Educação do Campo, eecialmente as assessoras da Coordenação-Geral de Edu-
cação do Campo; do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária e do
Programa Residência Agrária.
Importa-nos também registrar nosso agradecimento ao NEAD que uma vez
mais se compromete com a divulgação dos paradigmas da Educação do Campo,
estimulando a pulicação e a circulação dos materiais produzidos.
Elementos para uma
política pública de
Educão do Campo
A M
A
C-G E C, na erutura do
Miniério da Educação (MEC), mais eecificamente na Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, vem coordenando,
pouco mais de um ano, um processo de elaboração do que deverá vir a ser
ou começa a conituir-se numa Política Nacional de Educação do Campo.
Importa, nee espaço, deacar os pontos que considero mais relevantes até o
momento, sejam de avanços, diculdades ou eventuais tropeços, na dinâmica
dessa construção que tem envolvido diversos sujeitos das esferas do Estado e da
sociedade civil organizada no campo, mormente movimentos sociais populares,
organizações sindicais e ONGs, que, de aluma forma, desenvolvem práticas de
educação com as populações do campo.
Inicialmente, e no intuito de introduzir a queão, penso que convém deacar
o fato de que o MEC, depois de mais de  anos de existência, somente agora,
nee milênio e a partir do atual governo, se dispôs a criar um espaço formal
para acoher e coordenar as discussões em torno da elaboração de uma política
nacional de Educação do Campo. Ressalte-se que, tal como reivindicado, essa
função vem sendo executada levando-se em conta as vozes dos próprios sujeitos
do campo que protagonizam e reivindicam esse espaço de política.
Texto apresentado em mesa eecial sobre Educação do Campo na XXVIII Reunião Anual da
ANPEd. Caxambu. .
Doutor em Educação e Coordenador-Geral de Educação do Campo da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC.
E C : questões para reflexão16
Essa iniciativa, no aparato eatal brasileiro, ainda que tardia, faz o atual go-
verno, sem vida, merecer reconhecimento pela iniciativa. De outro lado, por
ser tão tardia ou tão recente, anuncia uma situação ainda muito incipiente na
estrutura da máquina governamental e frágil na estrutura do Estado.
Em outros termos, as portas do Estado, e do MEC em particular, que sempre
estiveram com as maçanetas trancadas, ao se abrirem, continuam, em grande
medida, com as dobradiças emperadas. São amaras burocráticas, de normas
e leis autoritárias e excludentes, de orçamento exíuo e não priorizados pelos
setores que o controlam, de funcionários com pensamentos araigados, de falta
de prossionais em quantidade e formação adequada. Enm, a crião de uma
Coordenação-Geral de Educação do Campo na estrutura do MEC, que pode ser
vista como um ponto de alcance das forças populares do campo que propugnam
por políticas democráticas de educação, deve também ser encarada como um
ponto de partida, o somente um ponto de partida, num árduo e longo caminho
de transformação da máquina eatal. Eis que essa máquina sempre eeve de cos-
tas para os interesses e aspirações das forças populares, sustentada e sustentando
preconceitos e projetos políticos e econômicos diversos dos defendidos por esses
sujeitos sociais que ora se insurgem no campo da Educação do Campo. Reconhe-
ça-se, também, que essas fragilidades apontadas e ainda reinantes no interior do
MEC são reexos da cultura hegemônica na sociedade brasileira.
Ainda com o intuito de introduzir a queão, quero deacar o meu enten-
dimento de que esse processo de construção de uma política púlica não tem
início somente agora, tampouco começa com a entrada do MEC em cena a criar
espaço aos povos organizados do campo. Em vez, conforme entendo, e como
regra no campo das relações sociais, trata-se de um movimento que teve início
antes no seio da sociedade civil organizada, mais propriamente, nee caso, no
seio dos movimentos e organizações sociais do campo, em forma de experiências
de educação popular na formação dos seus quadros dirigentes e de suas bases e,
mais recentemente, em forma de reivindicação de escola púlica de qualidade
como direito de todos e dever do Estado” síntese do conceito de política púlica.
Assim, seria mais apropriado dizer que o MEC abre espaço na máquina eatal
para as vozes desses sujeitos organizados que vinham sedimentando as bases
de uma política púlica de Educação do Campo.
O trato desse ponto referente à história recente da Educação do Campo, to-
davia, não se impõe como prioritário nee documento, até por que outros o
trataram com a atenção devida e no limite de análise que a proximidade histórica
permite. Importa aqui somente registrar o reconhecimento da luta dessas orga-
 Ver, por exemplo, C, Roseli. In: M, M. Por uma Educação do Campo. Articulação
Nacional por uma Educação do Campo. Brasília. .
E C : questões para reflexão
17
nizações e movimentos sociais do campo como o eágio primeiro e origem do
processo de instituição de uma política púlica de Educação do Campo, que ora
se empreende também no interior do aparato eatal. E, por conseuinte, registrar
a compreensão de que esse processo que vem ocorendo no interior do Estado é
prenhe de legitimidade.
Ademais, merece ainda ser observado que, em razão de fazer parte da bus-
ca legítima e meio que instintiva de armação de identidade própria, nas suas
relações com outros grupos e com o Estado, por vezes, esses sujeitos sociais, ao
buscarem educação púlica como tarefa do Estado”, resvalam a comportamentos
ou impulsos corporativistas. Ou seja, ao mesmo tempo em que se pautam pelos
princípios repulicanos da busca do atendimento iual e universal por parte do
Estado, buscam também formas de atendimento particular aos interesses de for-
mação de sua base social eecíca.
Em outros termos, esses sujeitos sociais vivem uma eécie de dilema. Isto é,
buscar o patamar da política púlica, que quer dizer universal, é denido como
estratégia básica, maior e mais nobre de suas ações. De outro lado, porém, isso
implica para cada um desses sujeitos sociais, renunciar, pelo menos em parte, as
condões de formação de sua identidade na medida que transfere ao Estado a
tarefa da formação. É compreensível, pois, que, nas lutas de hegemonia entre os
próprios sujeitos sociais e nas suas relações com o Estado, eles reivindiquem a ação
do Estado como educador, mas procurem, ao mesmo tempo e a partir de suas
próprias experncias pedagógicas, informar e mesmo inuir diretamente nessas
ações que se dão dentro do sistema púlico. Mas, essa última estratégia apontada
não é a única expressão do dilema; talvez, até, mehor seria dizer que essa é uma
forma de resolver o dilema de maneira repulicana, eis que eão, num tempo,
cada qual ampliando seu campo de construção de identidade e contribuindo
efetivamente para a mehoria da qualidade da educação púlica escolar em que
pese o deseero e reação de aluns geores púlicos que rejeitam a pedagogia
dos Movimentos Sociais no interior de suasescolas. a expressão maior do
que eu chamaria de resquício corporativista emerge menos nos discursos pú-
licos ees, bem calibrados por princípios teóricos repulicanos e mais nas
relações diretas de pressão de cada sujeito social em particular sobre o aparato
governamental nas demandas por recursos púlicos às suas ões e mesmo por
normatizações eecícas.
Em síntese, como tarefa da Secad/Coordenação-Geral de Educação do Cam-
po, no âmbito do MEC, nesse momento histórico, consta mediar um processo de
construção de uma política púlica de Educação do Campo, levando em conta
contradições de, pelo menos, três ordens: as lutas de hegemonia inerentes às or-
ganizações populares e suas manifeações corporativistas; as bareiras internas
e araigadas na estrutura do MEC e, de reo, na estrutura de todo o aparato
E C : questões para reflexão18
governamental e eatal; e, por m, as reações de fundo mais classista, cuja mani-
feação, ainda que muito dissimulada, ao ohar crítico é percebida nos próprios
paradigmas da educação nacional vigente, e contra o que, por excelência, a idéia
de Educação do Capo se insurge.
Estamos vivendo um momento eecialmente propício para a tarefa de cons-
trução de uma política nacional de Educação do Campo. O professor Miuel Ar-
royo, em texto preparado para a II Conferência Nacional de Educação do Campo,
em meados do ano passado, arma que o campo brasileiro eá em um desses
tempos politicamente densos. Tempos propícios para políticas púlicas movidas
à lógica dos direitos”.
Com efeito, percebo que duas condições indiensáveis para a produção de
uma política púlica, qualquer que seja, se sucedem e se cruzam para formar esse
tempo politicamente denso e produtivo no campo da Educação do Campo. De um
lado, a assinalada mobilização social, na qual se assenta a origem desse processo
de engenharia política; de outro lado, a também referida, ainda que incipiente e
tardia, mobilização de recursos do apareho de governo e do Estado brasileiro. Isto
é, o governo se mobiliza na direção de criar espaço e responder a direitos cobrados.
Conforme diria Dagnino, importantes pontos de encontro entre Estado e Socie-
dade se evidenciam como fatores a propiciar a construção de uma política púlica
de Educação do Campo, o que se dá, eecialmente, a partir da esfera federal.
Aliás, a primeira grande conquista dos sujeitos sociais coletivos do campo na
esfera federal, tanto pela forma como se deu sua construção quanto pelo conteúdo,
foi a Resolução CNE/CEB , de  abril de , que institui as “Diretrizes
Operacionais da Educação Básica para as Escolas do Campo”. Em que pese seu
engavetamento até o início do atual Governo, e, quiçá, eventuais fragilidades de
conteúdo, as Diretrizes Operacionais signicam um ponto de inexão nessa rela-
ção Estado-Sociedade na medida que consolidam e materializam direitos. A Re-
solução faz indicações concretas de responsabilidades dos entes eatais e de como
se deve cumprir o direito à educação em se tratando de populões socialmente
desiuais e culturalmente diversas. Mais que um eventual ponto de encontro”
entre Estado e Sociedade, que, nee caso, implicaria uma visão dicotômica dessa
relação, as Diretrizes Operacionais têm o signicado de construção democrática
na forma de ampliação do Estado como espaço, por excelência, da política.
A, Miguel. In: M, Mônica e M S A J, Sônia. Orgs.
Por uma Educação do Campo, vol. . Articulação Nacional por uma Educação do Campo.
E C : questões para reflexão
19
1. A prática da Coordenação-Geral de Educação do Campo
Se as Diretrizes Operacionais signicam um ponto de inexão, entendido, pois,
como um ponto de chegada dos movimentos e organizações sociais do campo
na sua luta pelo direito à educação, e um ponto de partida da ação do Estado no
cumprimento do dever de garantir educação apropriada aos povos que vivem
no campo, coube ao atual governo federal dar início e desencadear um processo
de fazer das Diretrizes, instrumento efetivo de mudança da vida da escola no
interior do município brasileiro.
No primeiro ano do governo Lula, funcionou, no âmbito do MEC, a partir
de portaria assinada pelo ministro Cristovam Buarque, um Grupo Permanente
de Trabaho de Educação do Campo”. Um GPT formado por representantes das
diversas secretarias do MEC, por representantes de outros ministérios e por ins-
tituições da sociedade civil organizada que já contavam com práticas no campo
da Educação do Campo. Por cerca de um ano, esse grupo trabahou no sentido
de produzir um diagnóstico da Educação do Campo no Brasil, e traçou uma es-
tratégia de divulgação e implementação das Diretrizes Operacionais que deveria
ocorer a partir de ação coordenada entre as esferas de governos e movimentos e
organizações sociais. Após um interegno que se inicia com a mudança de ministro,
na passagem do primeiro para o seundo ano de mandato do governo Lula, até a
armação, nos meses subseqüentes, da Secad no novo desenho de estrutura admi-
nistrativa do MEC, os trabahos da CGEC, com coordenador denido, se iniciam
efetivamente em princípios de agosto de . Fato que coincide com a realização
da II Conferência Nacional de Educação do Campo, realizada em Luziânia.
Importa, a seuir, deacar as linhas mestras de ação que norteiam as eecici-
dades da prática da Coordenação-Geral de Educação do Campo que, em sintonia
com o espírito da Secad, tem como pano de fundo a diversidade étnico-cultural
como valor, ou, dizendo mehor, tem como pano de fundo o reconhecimento do
direito à diferença, bem como a promoção da cidadania na vida da Repúlica.
Três eixos estratégicos se cruzam para formar um arcabouço norteador da
prática eecíca dessa Coordenação-Geral:
1.1. Conrução de uma nova base epiemológica
Consiste na busca de construção de uma nova base conceptual sobre o campo e
sobre a Educação do Campo. Trata-se da busca de superação do paradigma domi-
nante, que, antes de tudo, projeta o campo como a faceta atrasada da sociedade.
Com efeito, da visão dicotômica, que tem a cidade como o ideal de desenvol-
vimento a ser por todos alcançado, e o rural como a permanência do atraso, no
Brasil, mormente tem se produzido políticas púlicas voltadas ao desenvolvimen-
E C : questões para reflexão
20
to econômico e social em franco privilégio ao espaço humano citadino ou, mais
que isso, em detrimento da vida no meio rural. As políticas voltadas ao meio rural
são traçadas no sentido de extrair do campo o máximo de benecio em favor da
vida na cidade, ou então, no sentido de urbanizar o espaço rural.
A busca dessa nova base epistemogica implica ações na perectiva de se
instalar nas instituições uma agenda de pesquisa na temática do campo e da
Educação do Campo.
Os movimentos e organizações sociais têm insistido nessa tecla, e até apre-
sentam importantes iniciativas, criando institutos de pesquisa e eabelecendo
parcerias para ões concretas com intelectuais vinculados a universidades pú-
licas e comunitárias e mesmo com certos setores universitários, mormente na
criação de cursos de pós-graduação. Entretanto, é necessário muito mais que isso
para a criação e consolidação de um movimento orgânico de produção de novos
conhecimentos na área.
A estratégia que aqui se desenha busca a mobilização de pessoas e instituições.
Ou seja, de um lado, a sensibilização de pesquisadores vinculados a programas e
instituições de pós-graduação e pesquisa, pessoas que possam se animar a meru-
har na temática; e, de outro lado, o convencimento de instituições responsáveis
por políticas de pesquisa a concederem apoio a esses pesquisadores.
Inscreve-se nesse eixo estratégico, atividades como: a) a movimentação junto
à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ANPEd,
no sentido de se abrir espaço mais efetivo à temática da Educação do Campo;
b) a realização do I Encontro Nacional de Pesquisa em Educação do Campo,
em parceria com o MDA/Pronera. Esse encontro reuniu em Brasília, há poucos
dias, cerca de  pesquisadores de todos os eados da União e DF, vinculados
a instituições universitárias e/ou vinculados a movimentos e organizações so-
ciais do campo. Esses pesquisadores – da academia e do movimento social – são
chamados a dialogar entre si e, ao mesmo tempo, a construir instrumentos de
interlocução com os órgãos do governo responsáveis pela pesquisa. Desse evento,
além do debate teórico, que foi sua essência, surgiram encaminhamentos de con-
tinuidade da interação entre os pesquisadores, bem como outras estratégias de
ação para consolidar os objetivos traçados; c) criação de cursos de pós-graduação
e linhas de pesquisa em universidades púlicas – como exemplo já iniciado, cite-
se o curso de eecialização em Educação e Desenvolvimento Rural Sustentável,
desenvolvido pela Universidade Federal de Campina Grande, em parceria com
MEC e MDA.
Ao mesmo tempo que se busca nesses espaços, a denição teórica e metodo-
lógica de linhas de pesquisa e prolemáticas vinculadas à Educação do Campo,
realiza-se o intento político de introduzir a temática na agenda das instituições
púlicas, como a academia e as agências de fomento. Todavia, tudo é ainda muito
E C : questões para reflexão
21
incipiente, e eá a depender de uma eécie de convencimento coletivo mínimo,
do Estado e da sociedade, sobre a importância e urgência de se ver o campo e a Edu-
cação do Campo na sua importância devida e na sua eecicidade. É necessário,
pois, como eixo estratégico de ação, investir na construção de uma esfera púlica.
1.2. Conrução de esfera pública
Esfera púlica, aqui, também pode ser entendida como espaço discursivo, o es-
paço da mídia e da opinião púlica. Com efeito, importa, sim, fazer presentes as
queões da Educação do Campo nesse espaço de construção do imaginário, é aí
que os paradigmas se armam ou desaparecem.
Mas a intenção é dar mais ênfase à esfera púlica no sentido de espaço de
interação entre Estado e sociedade na perectiva da democratização do Estado
e da própria sociedade. Nesse sentido, alude-se a uma interação entre sujeitos
históricos, onde cada qual, em certa medida, cede parte de sua condição ou de
seus atributos eecícos para formar um novo campo político. Assim, esse novo
campo político, conforme diria Francisco de Oliveira, earia aquém do Estado
no seu sentido de sociedade política, e além da sociedade civil no sentido de so-
ciedade dos negócios. Aqué porque não é atribuído a essa interação a qualidade
ou o papel de sujeito geor direto da sociedade. Essa tarefa devecontinuar com
o aparato governamental ou Estado no sentido restrito. E alé da sociedae ciil,
porque é um “espaço” de interação que ultrapassa os interesses particularistas de
cada um dos sujeitos sociais que compõem.
Sem dúvida, trata-se de espaço de luta de hegemonia, conscientemente engen-
drado pelos sujeitos que o compõem e, por isso mesmo, pautado por princípios
políticos da construção do interesse coletivo. É um espaço, por excelência, da
política, de ampliação da política, e, nee sentido de ampliação do Estado pela
via da construção democrática.
Concretamente, eamos falando de processos de interação constante entre o
geor púlico e as organizações da sociedade civil, mormente aquelas representa-
tivas da parcela da sociedade que sempre eeve à margem das relações de poder
na sociedade capitalista. Nessas relações a democracia se consolida na medida
que tanto o “espaço eatal quanto as próprias organizações sociais são objetos e
sujeitos de práticas pautadas pela transparência e espírito repulicano. Na adoção
consciente da estratégia da esfera púlica, a participação social efetiva eá presente
na construção das políticas púlicas que, por denição, são universais. A partici-
pação dos sujeitos sociais se na armação de suas proposições, bem como no
consentimento ativo, seja de negativas ou proposições armativas de outrem.
Duas atividades da Coordenação-Geral de Educação do Campo podem ser
inscritas como típicas e eecícas desse eixo estratégico: o Grupo Permanente de
E C : questões para reflexão
22
Trabaho de Educação do Campo (GPT), da Secad/MEC, e os grupos executivos
eaduais de Educação do Campo ou fóruns eaduais.
O GPT, conforme referido acima, é constituído no âmbito do MEC, e trata-
se de atividade de permanente concertação entre esse ministério e a sociedade civil
organizada do campo, sobre a temática da educação. Não é um espaço de delibera-
ção, mas se faz efetivo na construção e proposição de alternativas políticas e linhas
de ação a serem adotadas pelo aparato eatal, ou a se constituírem normas.
Na prática, como ganho a mais, as reuniões do GPT têm também signicado
a possibilidade de reuniões paralelas de planejamento de suas ações eecícas
sobre o tema por parte das organizações e movimentos sociais. Anal, esses su-
jeitos populares, com diculdades de nanciamento próprio, m de diversas
partes do Brasil e m uma oportunidade rara de encontro. Trata-se, de fato,
de ganho paralelo, mas também pensado, ainda que de forma subjacente, como
parte dos princípios estratégicos que indicam a importância da manutenção de
certa eqüidistância dessas organizações e movimentos em relação ao apareho de
Estado, na perectiva de asseurar-hes as identidades e estratégias próprias.
Já os Comitês Estaduais de Educação do Campo, com o mesmo tipo de repre-
sentação que ocore na esfera federal, e com os mesmos objetivos, são articulões
no âmbito dos eados federados, que não necessariamente, acontecem no escopo
das secretaria de eado da educação. São resultantes de seminários eaduais de
Educação do Campo realizados em cada um dos eados.
Em aluns casos, é insistente a presença da representação do MEC no comitê
eadual, com a intenção de garantir os princípios que norteiam a atividade; nou-
tros casos, nota-se diensável tal presença; em outros casos, ainda, mesmo com
a insistência do MEC, nada acontece no âmbito da secretaria de eado.
O conteúdo básico inicial das reuniões do comitê eadual é implementação
das Diretrizes Operacionais da Educação Básica para as Escolas do Campo, no
âmbito das próprias secretarias de educação dos eados e municípios.
Em síntese, o comitê é uma forma de permear os eados federados com a es-
tratégia da esfera púlica no campo da Educação do Campo, e, desde aí, permear
as estruturas municipais de educação.
1.3. Eado em ação
O terceiro eixo estratégico adotado na construção de políticas de Educação do
Campo diz reeito a ações do apareho de governo denidas como prioritárias.
Ao aparato eatal, ao governo, cabe a busca da eciência administrativa, pro-
pondo e executando políticas permanentes e programas de governo coerentes
com os princípios repulicanos de fundo e com os encaminhamentos engendra-
dos nos espaços da participação social administrada esferas púlicas em cada
E C : questões para reflexão
23
setor da geão da máquina eatal e no seu todo. No caso da Educação do Campo,
o objetivo maior a ser buscado com as políticas permanentes e com os programas
e projetos eeciais, sem descuido do nível superior, é a expansão até a universali-
zação da educação básica amparada em padrões de qualidade técnica e social.
A busca desse objetivo maior implica a proposição e execução de ações que
envolvem todo o Ministério da Educação, isto é, extrapola a governabilidade di-
reta da Secad. De tal sorte, a Coordenação-Geral de Educação do Campo, mais
que propriamente executora de programas e projetos, tem signicado um espaço
de elaboração de propostas e de mediação de encaminhamentos junto a outros
setores do MEC e mesmo junto a outros ministérios. Ainda, a busca da universa-
lização da educação básica no campo com a qualidade pretendida, para além do
papel do MEC, demanda a ação decisiva dos demais entes da federação; eis que,
na ausência de um sistema único de educação nacional, que se efetivar, pelo
menos, o regime de colaboração.
Nessa perectiva de mediação, alumas ações m sendo encaminhadas
como prioritárias.
) P N E (PNE)
O PNE encontra-se em processo de revisão no Congresso Nacional. Instituído
num contexto de rechaço ou, no mínimo, de indiferença ocial à diversidade do
campo, o que consta referente à educação rural no PNE praticamente em nada
atende as expectativas dos sujeitos coletivos do campo. A formalização de pro-
postas, isto é, sua instituição em forma de lei, num plano nacional e, por conse-
qüência, em planos eaduais e municipais, deve signicar a materialização de
conquistas desses sujeitos sociais. Com essa perectiva eá instalado no âmbito
da Coordenação de Educação do Campo um processo de elaboração de propostas
e estratégias com vistas a fazer a Educação do Campo presente, no que tem de
acúmulo dos últimos tempos, na versão do PNE, que se eera, renovada.
) F
Enquanto não for possível, o nanciamento púlico adequado ao atendimen-
to de todas as necessidades da educação nacional com denição de padrão de
qualidade, por razões de parcos recursos globais, que de reo devem ser sempre
buscados, o geor púlico de reconhecer que, tomando-se por base o custo
aluno, em termos relativos à localização do eabelecimento, a educação escolar
do campo demanda mais recursos que a urbana. Assim, é mister que as políticas
de nanciamento, conforme já previsto na Lei Nº /, que institui o Fundo
Nacional de Desenvolvimento e Valorização do Magistério (Fundef), considere
E C : questões para reflexão
24
a necessidade do repasse diferenciado a mais para as escolas do campo. A luta é
pela manutenção e ampliação desse princípio na futura Lei do FUNDEB. Nesse
sentido, de justicar a diferenciação a favor do campo, pelo menos três linhas de
arumentos podem ser relacionadas: i) equação mateática: por condições objeti-
vas, como as distâncias e a relação quantitativa professor-aluno, o custo aluno do
campo é maior que o da cidade; ii) díida históica: exatamente em razão de nan-
ciamento inferiorizado, o campo acumula décits de quantidade e de qualidade
em relação à cidade; tal disparidade se reete nos índices eatísticos de maneira
explícita ao se comparar uma a outra localização; iii) desenvolvimento equilibrao:
é de se supor que qualquer pretendido “plano de construção de nação considere
campo e cidade como partes de uma mesma totalidade que se permeiam. Consi-
derado esse entendimento, a atenção no momento, tanto da CGEC quanto dos
movimentos e organizações sociais, eá voltada ao processo de instituição do
Fundeb, onde não se pode deixar de garantir a diferenciação.
) I-
A política de transporte escolar, com programa de ação no governo federal para
esse m, implementada nos últimos anos, bem como a política de nucleação das
escolas isoladas no campo brasileiro, acabou por gerar uma situação de estímulo
ao fechamento de escolas no campo. Em conseência, crianças são submetidas
a longas horas diárias de transporte cansativo e inadequado, ao mesmo tempo
que passam a receber escolarização totalmente descontextualizada.
Além de se pensar alternativas pedagógicas para as escolas multisseriadas e
unidocentes, uma das formas de reversão de tal quadro pode ser a retomada de
construções de prédios e equipamentos nas localidades, o que será possível com
a efetiva colaboração entre as instâncias da Federação. O MEC, nesse momento,
eá com resolução em aberto para a construção de  salas de aulas equipadas
em comunidades rurais e assentamentos da reforma agrária. Longe de atender
toda a necessidade, nem seria papel exclusivo do MEC, esse pequeno aporte de
recursos quer ter o signicado político de apontar uma intenção de reversão da
nefasta política de transporte escolar tal como vem funcionando.
) F
Está instalado no âmbito do GPT uma comissão de eecialistas, com a tarefa de
pensar e elaborar o que poderá vir ser chamado de “Plano ou Política Nacional
de Formação de Educadores do Campo”.
que se instituir na estrutura das instituições de ensino superior brasileiras
e em escolas de nível médio, processos de formação inicial de educadores do cam-
E C : questões para reflexão
25
po. Não há, ainda, consenso sobre o perl do prossional demandado pelas escolas
do campo, um perl coerente com a nova perectiva de Educação do Campo
que vem sendo construída. Tem-se a certeza, apenas de que, tal formação deve
assentar-se em princípios universais já consagrados no setor das ciências da edu-
cação, e que leve em conta que o campo é constituído de eecicidades que não
podem ser ignoradas nos processos educativos, mais que isso, essas eecicidades
somente earão presentes se o professor tiver tido formação adequada.
Tem-se, ainda a certeza de que essa formação implicará, necessariamente,
na revisão da própria organização da escola do campo. O que deve vir primeiro,
uma ação de reorientação da escola do campo quanto sua organização e funcio-
namento, ou uma forte agenda de formação de educadores que implante, uma
nova dinâmica na organização escolar, como, por exemplo, um jeito inovador de
lidar com as conhecidas classes multisseriadas? Obviamente, que uma política
implica a outra, e é assim que tem de ser pensada e planejada, levando-se em conta
múltiplos e complexos elementos.
) O
Ainda na linha que norteia a busca das políticas permanentes, deaco duas das
ações eecícas que são desenvolvidas :
i)Apoio a expeiências inovaoras de educação escola.
São apoiados com pequenos nanciamentos diretos, projetos de formação conti-
nuada de educadores, processos pedagógicos e produção de material didático-pe-
dagógico. Não tem por objetivo o nanciamento massivo, senão que incentivar e
ressaltar experiências inovadoras e com potencial de reprodução sistêmica. Nesse
campo, os movimentos e organizações sociais são os que têm mais acúmulo e, por
isso, recebem atenção e apoio; todavia, busca-se apoiar iualmente proposições
das redes ociais de educação. O que importa, é a tentativa de se eabelecer entre
entidades civis e púlicas, interações pedagogicamente produtivas.
ii)Prograa “Saberes da Tea, ou Prograa Nacional de
Educação de Jovens e Adultos (EJA) integraa com Qualicação
Social e Prosional para Agicultores Failiares.
Trata-se de um programa interministerial coordenado pelo MEC, juntamente
com o MDA e o MTE. Destinado, prioritariamente, a jovens agricultores familia-
res, integra, numa perectiva dialética de educação, a formação escolar de nível
fundamental com formação prossional. Organizado nos parâmetros metodoló-
gicos da Pedagogia da Alternância, deverá ser desenvolvido nos e pelos sistemas
ociais de ensino eaduais e municipais, em colaboração com os movimentos
E C : questões para reflexão26
e organizações sociais do campo com experiência na área, bem como, em cola-
boração com o sistema federal de escolas agrotécnicas e universidades púlicas.
Esses últimos sujeitos atuarão, fundamentalmente, na formação dos educadores,
acompanhamento e avaliação de processo e certicação. Sem dúvida, trata-se
de uma engenharia política complexa, que visa, além do cumprimento de metas
quantitativas imediatas, modeas metas iniciais, a instalação de uma dinâmica
inovadora e permanente de EJA nos sistemas púlicos.
Enm, essas e outras atividades compõem o quadro geral de ação de uma pe-
quena equipe de trabaho que forma a CGEC/Secad, que tem podido contar com
o apoio e até mesmo com trabaho, na maioria das vezes voluntário, na formu-
lação de idéias e propostas, por parte de muitas pessoas e entidades; são pessoas
e entidades que, mormente e não por acaso, se situam num campo de luta ainda
marcado pela utopia de uma sociedade transformada, que eu ainda ouso chamar
de sociedade socialista, ainda que tenhamos de requalicar o termo.
Os campos da pesquisa
em Educão do Campo:
eaço e território como
categorias essenciais
B M F
1. Introdução
E
 apresentação na mesa redonda O
campo da Educação do Campo durante o I Encontro Nacional de Pes-
quisa em Educação do Campo, que aconteceu em Brasília, de  a  de
setembro de . Esse evento foi uma realização conjunta do Programa Nacio-
nal de Educação na Reforma Agrária do Miniério do Desenvolvimento Agrá-
rio e da Coordenação Geral de Educação do Campo do Miniério da Educação.
Desde , quando iniciamos as primeiras reexões a reeito dos teritórios
camponeses e da Educação do Campo, eamos pesquisando essas realidades para
uma elaboração teórica que contribua com o seu desenvolvimento. Nee artigo
retomamos o conceito de Educação do Campo e aprofundamos nossas análises
a reeito dos conceitos de espaço e teritório para compreender a Educação e o
Campo como teritórios materiais e imateriais. Por ea razão, a parte referente às
categorias de espaço e teritório foi a mais ampliada, porque nee ensaio teórico,
elas são a base da estrutura de nosso pensamento.
Também discutimos os paradigmas atuais para a compreensão dos diferentes
modelos de desenvolvimento do campo brasileiro. Eles são pontos de partida para
Doutor em Geografia, professor-pesquisador da Universidade Eadual Paulia e membro da Co-
missão Pedagógica Nacional do Pronera.
E C : questões para reflexão28
a Pesquisa em Educação do Campo. O desconhecimento desses paradigmas tem
prejudicado a qualidade das pesquisas, que se perdem nas análises incoerentes
por falta de maior atenção aos conteúdos dos referenciais teóricos.
Acreditamos que ee artigo possa contribuir com os pesquisadores da Educa-
ção do Campo, considerando a juventude do tema e o futuro por construir. Para
os cientistas o desao é um companheiro que não os abandona nunca, sendo ao
mesmo tempo obstáculo e superação na compreensão das realidades do campo
brasileiro. Aqui o leitor encontrará iias emergentes e será um enorme prazer
debate-las para armar ou repensar ee ensaio teórico.
2. O conceito de Educação do Campo
Para iniciar ee artigo, quero deacar um fato. O conceito Educação do Campo
não existia há dez anos. E nee evento eamos debatendo a pesquisa em Educa-
ção do Campo. O que aconteceu nesse tempo que possibilitou a construção dea
realidade? Uma parte importante dea história eá registrada em teses, disser-
tações, livros e relatórios de pesquisa. A coleção “Por uma Educação do Campo”
é uma referência importante para entender ea construção. Para compreender
a origem dee conceito é necessário salientar que a Educação do Campo nasceu
das demandas dos movimentos camponeses na construção de uma política edu-
cacional para os assentamentos de reforma agrária. Este é um fato extremamente
relevante na compreensão da história da Educação do Campo. Dessa demanda
também nasceu o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Prone-
ra) e a Coordenação Geral de Educação do Campo. As expressões Educação na
Reforma Agrária e Educação do Campo nasceram simultaneamente, o distintas
e se complementam. A Educação na Reforma Agrária refere-se às políticas educa-
cionais voltadas para o desenvolvimento dos assentamentos rurais. Nee sentido,
a Educação na Reforma Agrária é parte da Educação do Campo, compreendida
como um processo em construção que contempla em sua gica a política que
pensa a educação como parte essencial para o desenvolvimento do campo.
No caderno Por Uma Educação do Campo número , apresentamos os pri-
meiros ensaios para a construção do conceito de campo como teritório, onde
se realizam as diversas formas de organização do campesinato e também as for-
mas de organização da agricultura capitalista, denominada de agronegócio. O
campo pode ser pensado como teritório ou como setor da economia. O signi-
cado teritorial é mais amplo que o signicado setorial que entende o campo
simplesmente como espaço de produção de mercadorias. Pensar o campo como
teritório signica compreendê-lo como espaço de vida, ou como um tipo de
E C : questões para reflexão
29
espaço geográco onde se realizam todas as dimensões da existência humana.
O conceito de campo como espaço de vida é multidimensional e nos possibilita
leituras e políticas mais amplas do que o conceito de campo ou de rural somente
como espaço de produção de mercadorias. A economia não é uma totalidade, ela
é uma dimensão do teritório. Quando a produção de mercadorias é analisada
como totalidade, fora da multidimensionalidade teritorial, constitui-se numa
análise extremamente parcial e, às vezes, equivocada da realidade. É impossível
explicar o teritório como um setor de produção, por mais dominantes que sejam
as relações que determinam o modo de produção.
Educação, cultura, produção, trabaho, infra-estrutura, organização política,
mercado etc, são relações sociais constituintes das dimensões teritoriais. São
concomitantemente interativas e completivas. Elas não existem em separado. A
educão não existe fora do teritório, assim como a cultura, a economia e todas
as outras dimensões. A análise separada das relações sociais e dos teritórios
é uma forma de construir dicotomias. E também é uma forma de dominação,
porque na dicotomia as relões sociais aparecem como totalidade e o teri-
tório apenas como elemento secunrio, como palco onde as relões sociais
se realizam. Contudo, as relões o se desenvolvem no vácuo, mas sim nos
teritórios. As relaçõeso construídas para transformar os teritórios. Portan-
to, ambos possuem a mesma importância. As relões sociais e os teritórios
devem ser analisados em suas completividades. Nee sentido, os teritórios são
espos geográcos e políticos, onde os sujeitos sociais executam seus projetos
de vida para o desenvolvimento. Os sujeitos sociais organizam-se por meios das
relações de classe para desenvolver seus teritórios. No campo, os teritórios do
campesinato e do agronecio o organizados de formas distintas, a partir de
diferentes classes e relações sociais.
Um exemplo importante é que enquanto o agronegócio organiza o seu teri-
tório para a produção de mercadorias, dando ênfase a ea dimensão teritorial,
o campesinato organiza o seu teritório para realização de sua existência, neces-
sitando desenvolver todas as dimensões teritoriais. Esta diferença se expressa
na paisagem e pode ser observada nas diferentes formas de organizações de seus
teritórios. A paisagem do teritório do agronegócio é homonea, enquanto a
paisagem do teritório camponês é heterogênea.
A composição uniforme e geométrica da monocultura é caraerizada pela pou-
ca presença de gente no teritório, porque sua área eá ocupada pela mercadoria,
que predomina na paisagem. A mercadoria é a marca do teritório do agronegócio.
A diversidade de elementos que compõem a paisagem do teritório camponês é
caraerizada pela maior presença de pessoas no teritório, porque é nee e dee
Ver definição de eaço e território na página  e seguintes dee artigo.
E C : questões para reflexão
30
espaço que elas constroem suas existências e produzem alimentos. Gente, mora-
dias, produção de mercadorias, culturas e infra-estrutura social, entre outros, são
os componentes da paisagem do teritório camponês. Portanto, a educação pos-
sui sentidos completamente distintos para o agronegócio e para o campesinato.
A educação como política púlica não faz parte dos interesses do agronegó-
cio porque ea dimensão teritorial não eá contemplada em seu modelo de
desenvolvimento. A pesquisa para o agronecio é um importante setor para
a criação de tecnologias voltadas para o aprimoramento dos diversos produtos
de sua intricada cadeia de processamento de mercadorias. As grandes empresas
do agronegócio possuem articulações com as principais universidades púlicas,
institutos de pesquisas púlicos, onde parte de seus prossionais e pesquisado-
res é formada. Ainda mantêm seus próprios institutos de pesquisa o que hes
garante importante autonomia na produção de tecnologias. A educação como
política púlica é fundamental para o campesinato. Esta dimensão teritorial é
espaço essencial para o desenvolvimento de seus teritórios. Embora a Educação
do Campo ainda seja incipiente, eá sendo pensada e praticada na amplitude que
a multidimensionalidade teritorial exige. Desde a formação cnica e tecnogica
para os processos produtivos, até a formação nos diversos níveis educacionais, do
fundamental ao superior para a prática da cidadania.
A pesquisa também precisa ser realizada nesses parâmetros para ser coerente
com a lógica teritorial. Os diferentes movimentos camponeses eão realizando
cursos em convênios com diversas universidades púlicas e eão debatendo e
iniciando a construção de seus próprios centros de pesquisa.
A partir dea leitura podemos compreender o campo formado por diferentes
teritórios, que exigem políticas econômicas e sociais diversas. A educão é uma
política social que tem importante caráter econômico porque promove as condi-
ções políticas essenciais para o desenvolvimento. Dee modo, para o desenvolvi-
mento do teritório camponês é necessária uma política educacional que atenda
sua diversidade e amplitude e entenda a população camponesa como protagonista
propositiva de políticas e não como beneciários e ou usuários. Da mesma forma,
torna-se imprescindível a pesquisa em Educação do Campo para contribuir com
o desenvolvimento dea realidade. Portanto, atribuímos à Educação do Campo,
a política educacional voltada para o desenvolvimento do teritório camponês
como parte do campo brasileiro. Este teritório é um campo eecico e diverso
que possui sinularidade na sua organização por meio do trabaho familiar. Por-
tanto, não eamos falando de um campo genérico, mas sim de um Campo como
teritório camponês. Daí, a ênfase na contração do Campo. Porque o Campo é
ponto de partida e de chegada de nossas análises. Não é no Campo, porque o
teritório não é secundário.
E C : questões para reflexão
31
3. Eaços e Territórios
Estas denições de espaço e teritório são novas e não são encontradas nos ma-
nuais de geograa tradicional. A construção conceitual vem sendo realizada com
base na realidade formada pela conitualidade entre os diferentes teritórios das
classes sociais que ocupam o campo como espaço de vida e de produção de merca-
dorias. Por ea razão apresentamos nea parte nossos ensaios com as denições
de espaço e teritório. É importante esclarecer que teritório é espaço geográco,
mas nem todo espaço geográco é teritório. Lembrando que teritório é um tipo
de espaço geográco, outros tipos como lugar e região. Também é importante
lembrar que teritório não é apenas espaço geográco, também pode ser espaço
político. Os espaços políticos diferem dos espaços geográcos em forma e con-
teúdo. Os espaços políticos, necessariamente, não possuem área, mas somente
dimensões. Podem ser formados por pensamentos, idéias ou ideologias. Para a
mehor compreensão dos conceitos, delíamos a seuir os conceitos trabahados.
O espaço social é a materialização da existência humana. Esta denição extre-
mamente ampla de espaço foi elaborada por Lefebvre, , p. . O espaço assim
compreendido é uma dimensão da realidade. Esta amplitude, de fato, oferece
diferentes desaos para a geograa que tem o espaço como categoria de análise e
necessita estudá-lo para contribuir com sua compreensão e transformação. Den-
tre os maiores desaos, com certeza, eão os trabahos de elaboração do pensa-
mento geográco para a produção de um corpo conceitual, a partir da geograa
em um diálogo permanente com as outras ciências.
Por sua amplitude, o conceito de espaço pode ser utilizado de modos distintos.
Todavia, muitas vezes a sua utilização não é compreensível, porque não se dene
o espaço do qual eá se falando. É assim que o espaço vira uma panacéia. Para
evitar equívocos é preciso esclarecer que o espaço social eá contido no espaço
geográco, criado originalmente pela natureza e transformado continuamente
pelas relações sociais, que produzem diversos outros tipos de espaços materiais e
imateriais, como por exemplo: políticos, culturais, econômicos e ciberespaços.
O espaço é parte da realidade, portanto, multidimensional. Para uma ecaz
análise conceitual é necessário denir o espaço como composicionalidade, ou seja,
compreende e pode ser compreendido em todas as dimensões que o compõem.
Esta simultaneidade em movimento manifea as propriedades do espaço em ser
produto e produção, movimento e xidez, processo e resultado, lugar de onde se
parte e aonde se chega. Por conseuinte, o espaço é uma completitude, ou seja,
possui a qualidade de ser um todo, mesmo sendo parte. Dee modo, o espaço
geográco é formado pelos elementos da natureza e pelas dimensões sociais, pro-
duzidas pelas relações entre as pessoas, como a cultura, a política e a economia.
E C : questões para reflexão
32
As pessoas produzem espaços ao se relacionarem diversamente e são frutos dea
multidimensionalidade.
O espaço geográco contém todos os tipos de espaços sociais produzidos pelas
relações entre as pessoas, e entre eas e a natureza, que transformam o espaço
geográco, modicando a paisagem e construindo teritórios, regiões e lugares.
Portanto, a produção do espaço acontece por interdio das relações sociais, no
movimento da vida, da natureza e da articialidade, principalmente no proces-
so de construção do conhecimento. O espaço social é uma dimensão do espaço
geográco e contém a qualidade da completividade. Por causa dessa qualidade, o
espaço social complementa o espaço geográco. O mesmo acontece com todos
os outros tipos de espaços. Esse é o caráter da composicionalidade, em que as
dimensões são iualmente espaços completos e completivos.
Essas qualidades dos espaços desaam os sujeitos que neles vivem e pretendem
compreendê-los. O espaço é multidimensional, pluriescalar ou multiescalar, em
intenso processo de completibilidade, conitualidade e interação. As relações
sociais entre classes, muitas vezes, realizam leituras e ações que fragmentam o
espaço. o análises parciais, unidimensionais, setoriais, lineares, uniescalar, in-
completas e, portanto, limitadas, porque necessitam delimitar. Essas leituras es-
paciais fragmentárias promovem desiualdades e diferentes formas de exclusão.
A superação dessa visão de mundo exige ponderabilidade na criação de métodos
que desfragmentem o espaço e que não restrinjam as qualidades composicionais
e completivas dos espaços. Essa é a identidade do espaço, sua plenitude, como de-
monstra Santos, , p.  na elaboração de uma denição plena de espaço. Santos
compreende que o “espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considera-
dos isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se . Essa denição
explicita o espaço geográco onde se realizam todos os tipos de relações.
As relações são formadoras dos sistemas de ações e de objetos, que de acordo
com Milton Santos são contradirios e solidários. As relações sociais são predo-
minantemente produtoras de espaços fragmentados, divididos, unos, sinulares,
dicotomizados, fracionados, portanto, também conitivos. A produção de fragmen-
tos ou frações de espaços é resultado de intencionalidades das relações sociais, que
determinam as leituras e ações propositivas que projetam a totalidade como parte,
ou seja, o espaço em sua qualidade completiva é apresentado somente como uma
fração ou um fragmento. Essa determinação é uma ação propositiva que interage
com uma ação receptiva e a representação do espaço como fração ou fragmento se
realiza. Assim, a intencionalidade determina a representação do espaço. Constitui-
se, portanto, numa forma de poder, que mantém a representação materializada
e ou imaterializada do espaço, determinada pela intencionalidade e sustentada
pela receptividade. Sem essa relação social o espaço como fração não se sustenta.
E C : questões para reflexão
33
É importante reforçar que o espaço como fragmento ou fração é uma repre-
sentação, construída a partir de uma determinação interagida pela receptividade,
constituída por uma relação social. Essa representação exige uma intencionalidade,
ou seja, uma forma de compreensão unidimensional do espaço, reduzindo suas
qualidades. Dee modo apresentam o espaço político somente como político, o
espaço econômico somente como econômico e o espaço cultural somente como
cultural. Essa compreensão se efetiva, ainda que os espaços políticos, econômicos e
culturais sejam multidimensionais e completivos do espaço geográco. A intencio-
nalidade é um modo de compreensão que um grupo, uma nação, uma classe social
ou até mesmo uma pessoa utiliza para poder se realizar, ou seja, se materializar
no espaço, como bem deniu Lefebvre. A intencionalidade é uma visão de mundo,
ampla, todavia una, é sempre uma forma, um modo de ser, de existir. Constitui-se
em uma identidade. Por ea condição precisa delimitar para poder se diferenciar e
ser identicada. E assim, constrói uma leitura parcial de espaço que é apresentada
como totalidade. Anal, todos os povos se sentem o centro do universo.
Desse modo, a multidimensionalidade do espaço é restringida ao ser delimi-
tada pela determinação da intencionalidade. Em outras palavras: a parte é trans-
formada em todo e o todo é transformado em parte. Isto signica que o espaço
agora passa a ser compreendido seundo a intencionalidade da relação social que
o criou. É, então, reduzido a uma representação unidimensional e a visão que o
criou, embora parcial, é expandida como representação da multidimensionali-
dade. A relação social em sua intencionalidade cria uma determinada leitura do
espaço, que conforme o campo de forças em disputa pode ser dominante ou não.
E assim, criam-se diferentes leituras socioespaciais. Dea forma é produzido
um espaço geográco e ou social eecíco: o teritório. O teritório é o espaço
apropriado por uma determinada relação social que o produz e o mantém a partir
de uma forma de poder. Esse poder, como armado anteriormente, é concedido
pela receptividade. O teritório é, ao mesmo tempo, uma convenção e uma con-
frontação. Exatamente porque o teritório possui limites, possui fronteiras, é um
espaço de conitualidades.
Os teritórios o formados no espaço geográco a partir de diferentes rela-
ções sociais. O teritório é uma fração do espaço geográco e ou de outros espaços
materiais ou imateriais. Entretanto é importante lembrar que o teritório é um
espaço geográco, assim como a região e o lugar, e possui as qualidades composi-
cionais e completivas dos espaços. A partir desse princípio, é essencial enfatizar
que o teritório imaterial é também um espaço político, abstrato. Sua conu-
ração como teritório refere-se às dimensões de poder e controle social que hes
são inerentes. A partir dessa compreensão, o teritório mesmo sendo uma fração
do espaço também é multidimensional. Essas qualidades dos espaços evidenciam
nas partes as mesmas caraerísticas da totalidade.
E C : questões para reflexão
34
O teritório foi denido por Raestin, , p. , como sistemas de ações e
objetivos vinculados aos elementos do espaço, que podem ser lidos como sistemas
de objetos. Essa similitude das denições de Claude Raestin e Milton Santos
signica também que espaço geográco e teritório, ainda que diferentes, são o
mesmo. Pode-se armar com certeza que todo teritório é um espaço (nem sem-
pre geográco, pode ser social, político, cultural, cibernético etc). Por outro lado,
é evidente que nem sempre e nem todo espaço é um teritório. Os teritórios se
movimentam e se xam sobre o espaço geográco. O espaço geográco de uma
nação é o seu teritório. E no interior dee espaço há diferentes teritórios, cons-
tituindo suas multiteritorialidades. o as relações sociais que transformam o
espaço em teritório e vice e versa, sendo o espaço um, a priori e o teritório um,
a posteriori. O espaço é perene e o teritório é intermitente. Da mesma forma
que o espaço e o teritório são fundamentais para a realização das relações sociais,
eas produzem continuamente espaços e teritórios de formas contraditórias,
solidárias e conitivas. Estes vínculos são indissociáveis.
A contradição, a solidariedade e a conitividade o relações explicitadas
quando compreendemos o teritório em sua multidimensionalidade. O teritório
como espaço geográco contém os elementos da natureza e os espaços produzidos
pelas relações sociais. É, portanto, uma totalidade restringida pela intencionalida-
de que o criou. A sua existência assim como a sua destruição serão determinadas
pelas relações sociais que dão movimento ao espaço. Assim, o teritório é espaço
de liberdade e dominação, de expropriação e resistência. Um bom exemplo dessas
caraerísticas eá em Oliveira, , nos conceitos de teritorialização do capital
e monopólio do teritório pelo capital.
As relações sociais, por sua diversidade, criam vários tipos de teritórios, que
são contínuos em áreas extensas e ou são descontínuos em pontos e redes, forma-
dos por diferentes escalas e dimensões. Os teritórios são países, eados, regiões,
municípios, departamentos, bairos, fábricas, vilas, propriedades, moradias, salas,
corpo, mente, pensamento, conhecimento. Os teritórios são, portanto, concretos
e imateriais. O espaço geográco de uma nação forma um teritório concreto,
assim como um paradigma forma um teritório imaterial. O conhecimento é um
importante tipo de teritório, da essencialidade do todo. Para a construção de
leituras da realidade é fundamental criar métodos de análise, que são espaços men-
tais (imateriais) onde os pensamentos são elaborados. Para um uso não servil dos
teritórios dos paradigmas é necessário utilizar-se da propriedade do método.
A multidimensionalidade e a indissociabilidade do espaço e do teritório
contêm as propriedades material e imaterial. As relações se expressam em ações,
objetivos e objetos à conuração dos espaços e dos teritórios. A denição e
delimitação do teritório como espaço geográco ou como conceito são deter-
minadas pelas intencionalidades dos sujeitos ou instituições que os construíram.
E C : questões para reflexão
35
A mobilidade dos teritórios imateriais sobre o espaço geográco por meio da
intencionalidade determina a construção de teritórios concretos. Estes possuem
o sentido de trunfo que Raestin, , defende para o conceito de teritório. Sem
a produção de espaços e de teritórios, o conhecimento, como relação social, pode
ser subordinado por outros conhecimentos, relações sociais, espaços e teritórios.
Para a geograa o teritório é uma totalidade, portanto é multidimensional.
Para outras ciências o teritório pode ser compreendido apenas como uma di-
mensão. Aluns economistas tratam o teritório como uma dimensão do de-
senvolvimento, reduzindo o teritório a uma determinada relação social. Assim
como o desenvolvimento, o teritório é multidimensional, portanto o existe
uma dimensão teritorial do desenvolvimento.
A compreensão do teritório como espaço unidimensional trata-o como um
setor, chamando-o equivocadamente de teritório. Essa é uma prática muito co-
mum na implantação dos denominados projetos de desenvolvimento teritorial”.
No espaço as relações sociais se materializam e se reproduzem, produzindo es-
paços e teritórios em movimentos desiuais, contraditórios e conitivos. Deno-
minamos esses movimentos de processos geográcos.
Os processos geográcos são também processos sociais. As relações sociais a
partir de suas intencionalidades produzem espaços, lugares, teritórios, regiões
e paisagens.
Ao produzirem seus espaços e neles se realizarem, as relações sociais também
são produzidas pelos espaços. Essa indissociabilidade promove os movimentos
dos espaços sociais e dos teritórios nos espaços geográcos. Nesses movimentos
as propriedades dos espaços e dos teritórios são manifeadas em ações, relações
e expressões, materiais e imateriais.
Os movimentos das propriedades dos espaços e teritórios são: expansão,
uxo, reuxo, multidimensionamento, criação e destruição. A expansão e ou a
criação de teritórios são ações concretas representadas pela teritorialização. O
reuxo e a destruição são ações concretas representadas pela deeritorialização.
Esse movimento explicita a conitualidade e as contradições das relações socio-
espaciais e socioteritoriais. Por causa dessas caraerísticas, acontece ao mesmo
tempo a expansão e a destruição; a crião e o reuxo. Esse é o movimento do pro-
cesso geográco conhecido como TDR, ou teritorialização deeritorialização
– reteritorialização. Exemplos de TDR podem ser dados com o movimento das
empresas capitalistas que se instalam e mudam de cidades e países de acordo com
as conjunturas políticas e econômicas; ou os movimentos do agronecio e da
agricultura camponesa modicando paisagens, mudando a estrutura fundiária
e as relações sociais; ou ainda quando a polícia prende tracantes que controlam
determinados bairos e semana depois o tráco é reorganizado. Também quando
um paradigma entra em crise ou é abandonado e tempos depois é retomado.
E C : questões para reflexão36
Os processos geográcos são, iualmente, movimentos das propriedades
espaciais e das relações sociais. São quatro os processos geográcos primários:
espacialização, espacialidade, teritorialização e teritorialidade. Os processos
geográcos procedentes o: deeritorialização, reteritorialização, deerito-
rialidade, reteritorialidade. Enquanto a teritorialização é resultado da expansão
do teritório, contínuo ou interupto, a teritorialidade é a manifeação dos
movimentos das relações sociais mantenedoras dos teritórios que produzem e
reproduzem ações próprias ou apropriadas. Existem dois tipos de teritorialidade,
a local e a deslocada, que podem acontecer simultaneamente.
A teritorialidade local pode ser simples ou ltipla, depende dos usos que as
relações mantenedoras fazem do teritório. Um exemplo de teritorialidade local
simples é um hospital, cujo espaço é utilizado unicamente para seu m próprio.
Exemplos de teritorialidade local múltipla são os usos dos teritórios em diferen-
tes momentos. O uso múltiplo de um mesmo teritório explicita a sua teritoriali-
dade. Uma rua pode ser utilizada com o tráfego de veículos, para o lazer nos nais
de semana e com a feira livre acontecendo um dia por semana. A deeritoriali-
dade acontece com o impedimento da realização de uma dessas ações. Da mesma
forma que a reteritorialidade acontece com o retorno da mesma. Outro exemplo
é o prédio de um sindicato onde acontecem reuniões para tratar dos interesses
políticos e econômicos dos trabahadores, mas também é ocupado com aulas de
alfabetização de jovens e adultos e também para a ptica de esportes.
Exemplos de teritorialidades deslocadas são as reproduções de ações, relações
ou expressões próprias de um teritório, mas que acontecem em outros teritó-
rios. Dois exemplos: pessoas tomando chimarão em determinados lugares das
regiões Sudee e Nordee, apropriadas pela população local como resultado da
interação e convivência com gaúchos. Pessoas dançando foró, roc ou tango na
cidade de São Paulo como resultados da interação e convivências com diferentes
culturas. Os teritórios materiais ou imateriais se manifeam por meio das inten-
cionalidades, o delimitados, identicados e ou demarcados no espaço geográco.
Essas mesmas relões produzem espaços sociais diversos, cujos movimentos são
manifeados em espacializações e espacialidades. Todavia, esses processos geo-
grácos são fugazes, de dicil delimitação e demarcação e de fácil identicação.
A espacializão é movimento concreto das ações e sua reprodução no espaço
geográco e no teritório. A espacializão como movimento é circunstancial, é
o presente (Santos, ). Ao contrário da teritorialização, a espacialização não
é expansão, o uxos e reuxos da multidimensionalidade dos espaços. Portanto
não existe a desespacialização”. Uma vez realizada em movimento, a espaciali-
zação torna-se fato acontecido, impossível de ser destruído. Dois exemplos de
espacialização são: o comércio, com a circulação de mercadorias ou as marchas
do MST. A espacialidade é o movimento contínuo de uma ação na realidade ou
E C : questões para reflexão
37
o multidimensionamento de uma ação. A espacialidade carega o signicado da
ão. Na espacialidade a ação não se concretiza como é o caso da espacialização.
A espacialidade é subjetiva e a espacialização é objetiva. Dois exemplos de espa-
cialidade são as propagandas e as lembranças da memória. Os processos geográ-
cos também são conjuntos indissociáveis e podem acontecer simultaneamente.
Um mesmo objeto pode ser parte de diferentes ações no processo de produção
do espaço. Ou diferentes objetos e sujeitos podem produzir diferentes processos
geográcos. Desse modo espacialidade e espacializão podem acontecer conco-
mitantemente. Todavia, teritorialização e deeritorialização não acontecem
ao mesmo tempo e no mesmo lugar, mas pode acontecer simultaneamente em
lugares diferentes.
4. Paradigmas e Pesquisa em Educação do Campo
Pelo exposto na são anterior, partimos do princípio que as pesquisas em Edu-
cação do Campo são processos de constrão de conhecimentos (teritórios
imateriais) que procuram contribuir com o desenvolvimento dos teritórios
materiais campo como espaço de vida. As pesquisas a reeito do campo bra-
sileiro, nas grandes áreas do conhecimento, eão sendo desenvolvidas a partir de
dois paradigmas: paradigma da queão agrária – PQA; paradigma do capitalis-
mo agrário – PCA (Fernandes, ).
A diferença fundamental entre o PQA e o PCA é a perectiva de superação
do capitalismo. No PQA, a queão agrária é inerente ao desenvolvimento desi-
ual e contraditório do capitalismo. Compreende que a possibilidade de solução
do prolema agrário eá na perectiva de superação do capitalismo. Isto implica
em entender que as políticas desenvolvem-se na luta contra o capital. No PCA,
a queão agrária não existe porque os prolemas do desenvolvimento do capita-
lismo são resolvidos pelo próprio capital. Portanto, as soluções são encontradas
nas políticas púlicas desenvolvidas com o capital.
Nee sentido a Educação do Campo eá contida nos princípios do paradig-
ma da queão agrária, enquanto a Educação Rural eá contida nos princípios do
paradigma do capitalismo agrário. A Educação do Campo vem sendo construída
pelos movimentos camponeses a partir do princípio da autonomia dos teritórios
materiais e imaterais. A Educação Rural vem sendo construída por diferentes insti-
tuições a partir dos princípios do paradigma do capitalismo agrário, em que os cam-
poneses não são protagonistas do processo, mas subalternos aos interesses do capital.
A pesquisa em Educação do Campo ou em Educação Rural parte desses refe-
renciais teóricos. Os pesquisadores que trabaham com o campo brasileiro, para
garantir a coerência de seus projetos, partem desses paradigmas. Esses pontos de
E C : questões para reflexão38
partida são fundamentais para a construção dos métodos de análise e denição
das metodologias. A partir dessas determinações, os pesquisadores utilizam con-
ceitos que expressam visões de mundo diversas e que constroem os distintos proje-
tos de desenvolvimento do campo. Para a Educação do Campo, desenvolvimento
e educação tornaram-se indissociáveis. Para a Educação Rural, desenvolvimento
é apenas um tema a ser estudado. Compreendendo o Campo como um teritório,
a Educação precisa ser pensada para o seu desenvolvimento. Compreendendo o
Rural como uma relação social do campo, a Educação é pensada como forma de
inserção no modelo de desenvolvimento predominante, no caso, o agronegócio.
Essa análise nos oferece uma possibilidade de realizar pesquisas em Educa-
ção do Campo e exige que se respondam alumas queões: o que é teritório?
O campesinato é parte do agronegócio, portanto um único teritório, ou é outro
teritório? Estas queões qualicam a pesquisa, porque, parte da crítica como
forma de liberdade de pesquisa, não se subordinando às determinações. Elas
fomentam o debate em todos os níveis, compreendendo as diferenças e quais
os modelos mais apropriados para o desenvolvimento do Campo. Desse modo,
compreende-se a pesquisa como um teritório que deve expressar a identidade
política do pesquisador. Possibilita também maior eecicidade na escoha dos
temas de pesquisa.
A Educação do Campo carega em si o signicado teritorial. Por essa razão,
a Pesquisa em Educação do Campo exige dos pesquisadores um conhecimento
profundo dos paradigmas, uma atenção desdobrada na construção dos métodos
de análise e nas escohas dos procedimentos metodológicos. Esses cuidados são
fundamentais para que os resultados das pesquisas não sejam gericos, porque
os teritórios, o campo e as realidades são eecícas, por mais amplas que sejam,
eamos tratando dos teritórios camponeses.
5. Considerações finais
Estas considerações nais o uma pausa no processo de construção do conhe-
cimento. Se as idéias aqui apresentadas forem contribuições efetivas, teremos
desdobramentos e continuidade dee debate. Se não forem, a continuidade acon-
tecerá por outros caminhos que construiremos. O importante é que a Educação
do Campo ainda jovem e cheia de vida eá crescendo. Desde seu nascimento,
eamos tentando acompanhá-la. Os conceitos, as categorias e os paradigmas aqui
apresentados são possibilidades de leituras desse desenvolvimento. Com certeza
não é suciente, mas sem dúvidas é fundamental.
E C : questões para reflexão
39
Referências Bibliográficas
F, Bernardo Mançano. A Foração do MST no Brasil. Petrópolis:
Editora Vozes, .
F, Bernardo Mançano. Movimento Social como Categoria Geográ-
ca. Revista Tea Lire. São Paulo, n., p. -, .
F, Bernardo Mançano. ueão Agrária: conitualidade e desenvol-
vimento teritorial. In: B, Antônio Márcio. Luta pela Tea, Refora
Agráia e Geão de Conitos no Brasil.
Campinas: Editora da Unicamp, .
K, Edgar; NERY, Israel e M, Mônica Castagna (Orgs ). Po uma
Educação Básica do Capo. Brasília, n. , .
L, Henri. e Prouction of Space. Cambridge: Blackwel Pulishers, .
M, Jean Yves. Les Sans Tee du Brésil: géographie d’un mouvement socio-
teritorial. Paris: Lharmaan, .
O, Ariovaldo Umbelino. Agicultura Caponesa no Brasil. São Paulo:
Contexto, .
R, Claude. Po Uma Geograa do Poe. São Paulo: Editora Ática,.
S, Milton. Metaorfoses do Espaço Habitao. São Paulo: Editora Hucitec, .
S, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: Editora Hucitec, .
Assentamentos rurais e
pereivas da reforma
agrária no Brasil
B H
L M
M P
R C
S P L
U
no Brasil é a pertinência da reali-
zação de uma reforma agrária. Nee artigo, sintetizamos os resulta-
dos de uma ampla pesquisa cujo objetivo foi analisar os processos
de mudança provocados pelos assentamentos de reforma agrária nas regiões
onde eão inseridos, buscando conituir indicadores e relações que permi-
tam mensurar e qualificar o significado da exiência dos assentamentos, a
partir da comparação entre as situações atual e anterior dos assentados (tan-
to em termos objetivos como subjetivos) e entre as condições sócio-econômi-
cas exientes no assentamento e aquelas verificadas no seu entorno.
Ee artigo sintetiza algumas conclusões da pesquisa Impaos regionais da reforma agrária: um
eudo a partir de áreas selecionadas, realizada entre janeiro de  e dezembro de , pelo
CPDA/UFRRJ (Curso de Pós-graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade/ Univer-
sidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e pelo Nuap/PPGAS/MN/UFRJ (Núcleo de Antropologia
da Política/Programa de s-graduação em Antropologia Social/Museu Nacional/Universidade
Federal do Rio de Janeiro), com financiamento do NEAD/IICA. Os autores foram os coordenadores
nacionais da pesquisa, que contou com a participação de equipes de inveigadores nas regiões
eudadas. Os resultados finais eão publicados no livro Impaos dos assentamentos: um eudo
sobre o meio rural brasileiro, editado em abril de pela editora da Une e pelo Nead.
 Pós-Doutora em Cncias Sociais, professora-pesquisadora do IFCS/UFRJ.
 Doutora em Cncias Sociais, professora-pesquisadora do CPDA/UFRRJ.
 Doutor em Sociologia, pesquisador do PPGAS/MN/UFRJ.
 Mere em Desenvolvimento e Agricultura.
 Pós-Doutor em Socioeconomia do Desenvolvimento, professor-pesquisador do CPDA/UFRRJ.
E C : questões para reflexão
41
A pesquisa tomou como foco seis regiões do Brasil que contam com elevada con-
centração de projetos de assentamento e alta densidade de famílias assentadas
por unidade teritorial, pressupondo que ee procedimento traria maior possibi-
lidade de apreensão dos processos de mudança em curso. As regiões selecionadas
reetem a diversidade da realidade brasileira: Sul da Bahia, Entorno do Distrito
Federal, Sertão do Ceará, Sudee do Pará, Oee Catarinense e Zona Canavieira
Nordestina. Dentro de cada uma delas foi montada uma amostra de municípios
com as mais elevadas concentrações de projetos de assentamento e mais altas parti-
cipações de assentados em relação às populações rural e urbana. Foram analisados
 municípios, com um total de . famílias assentadas pelo Incra entre  e
. Nees municípios foram aplicados questionários a . famílias, em  pro-
jetos de assentamento. Essa amostra é eatisticamente representativa apenas nos
municípios selecionados, não representando a totalidade das regiões abrangidas e,
muito menos, a realidade nacional. No entanto, os resultados obtidos dão pistas
importantes para a reexão sobre a situação dos assentamentos e dos assentados.
Embora todas as áreas selecionadas apresentem concentrações importantes
de assentamentos, deacando-se tanto em nível eadual quanto nacional, a par-
ticipação dos assentamentos nos municípios e nas manchas estudadas é bastante
variada, seja em termos de área ocupada, seja em termos de famílias assentadas.
Esse fator, aliado às diferentes dinâmicas regionais nas quais se inserem os assen-
tamentos e à maior ou menor capacidade organizativa dos assentados, faz com
que os impactos provocados por eles sejam bastante diferenciados.
1. Iniciativas dos trabalhadores e formação de áreas de
concentração de assentamentos
Analisando-se as regiões selecionadas, verica-se que há uma forte relação entre
as desapropriações e as iniciativas dos trabahadores rurais e seus movimentos,
trazendo elementos para reexão sobre um tema que recorentemente volta às
primeiras páginas dos jornais: as ocupações e os conitos de tera.
Tomando o mapa da distribuição dos assentamentos no Brasil pode-se per-
ceber claramente a existência de áreas vazias, onde não há praticamente nenhu-
ma presença de projetos e outras onde uma concentração deles, indicando
uma eécie de teritorialização da reforma agrária. Essas áreas não apresentam
necessariamente coincidência com nenhum recorte administrativo ou regional
preexistente, alumas abrangendo uma pequena parte de um eado, outras en-
volvendo partes de dois ou três eados da federação. Também não se explicam
pela lógica das políticas federais de reforma agrária, que se pautaram até hoje por
desapropriações isoladas, seuindo a dinâmica dos conitos.
E C : questões para reflexão
42
Embora o Estatuto da Tera, datado de  e primeira legislão a eabelecer
uma sistemática de intervenção fundiária por meio de desaproprião, previsse a
indicação de áreas prioritárias de reforma agrária, pouquíssimas desapropriões
ocoreram ao longo da cada de . Durante a redemocratização, em , o I
Plano Nacional de Reforma Agrária voltou a propor o eabelecimento de zonas
prioritárias de reforma agrária, mas a reação das forças anti-reformistas levou ao
abandono da idéia. O que houve daí para frente foram desapropriações não siste-
máticas e não planejadas, embora bem mais freqüentes do que no regime militar.
No entanto, sem intencionalidade prévia, acabaram por se formar alumas con-
centrações e o que parece ter pesado na sua conformação foram as iniciativas dos
trabahadores e de suas organizações. Na origem da grande maioria dos projetos
estiveram situações de conito:  dos  assentamentos estudados () nasceram
de aluma disputa pela propriedade da tera entre proprietários e ocupantes, o
necessariamente com uso da violência, embora ea eeja presente em vários casos.
Em  casos (), a iniciativa do pedido de desapropriação partiu dos trabahado-
res e seus movimentos. Em apenas dos assentamentos da amostra a iniciativa de
desapropriação partiu do Incra e em apenas  não houve alum tipo de conito.
As iniciativas dos trabahadores assumiram formas múltiplas e variáveis, às
vezes combinadas ou modicadas ao longo do tempo num mesmo local. Uma
classicão feita com base nas formas predominantes em cada caso aponta que 
dos  assentamentos pesquisados () resultaram de ocupações de tera, ações
massivas e púlicas, surgidas a partir da ação do Movimento dos Trabahadores
Rurais Sem Tera (MST), mas que se ampliaram para outros movimentos de luta
pela tera e também para o sindicalismo de trabahadores rurais, inicialmente re-
sistente a essa forma de ão. Diferentes formas de resistência na tera é o seundo
tipo de iniciativa identicada, eando na origem de quase um terço () dos
assentamentos estudados e abrangendo os casos de luta de trabahadores rurais
(moradores, parceiros, arendatários, posseiros) por permanecer na tera onde tra-
bahavam e/ou moravam. Foram também contabilizadas como resistência na tera
as ocupações feitas aos poucos, por pequenos grupos de posseiros que entram sem
serem notados em teras ociosas e eabelecem benfeitorias visando ter, dentro
de um certo tempo, o seu direito de posse reconhecido. Nesses casos, os conitos
eclodem apenas quando os donos (ou supostos donos) tentam retirá-los.
Há uma variação entre as áreas estudadas no que se refere à predominância
de um ou outro tipo de luta. No Oee de Santa Catarina, Entorno do Distrito
Federal, Sul da Bahia e Sertão do Ceará, a implantação de assentamentos passou
principalmente pela ocupação massiva de teras, apesar deas duas últimas terem
também uma presença forte de casos de ocupações paulatinas e resistência na tera.
No Sudee do Pará, quase todos os assentamentos estudados surgiram a partir
de ocupações que se zeram lentamente, ao longo dos anos, nas quais a iniciativa
da entrada da tera partiu dos próprios trabahadores, e o apoio de mediadores
E C : questões para reflexão
43
(Sindicatos de Trabahadores Rurais, Comissão Pastoral da Tera) se tornou
necessário quando surgiam represálias dos proprietários da tera ou de gileiros, na
forma de ameaças, pressões ou violência direta de pistoleiros ou da polícia.
Na Zona Canavieira do Nordee, boa parte das ocupações estiveram com-
binadas com outras formas, como a resistência de moradores ou foreiros contra
a sua expulsão das teras de engenhos e fazendas de cana, e as mais recentes
reivindicações de trabahadores de usinas falidas de terem suas indenizações tra-
bahistas pagas em tera. A utilização de ocupações como um dos instrumentos
dessa luta generalizou-se nos anos , com a chegada do MST, ampliando-se
para os sindicatos e movimentos e abrindo a possibilidade de incorporar ex-tra-
bahadores da cana e desempregados vivendo nas pequenas cidades da região.
A análise temporal da criação dos assentamentos e sua comparação com as
diferentes ações dos movimentos aponta também para o fato de que as desa-
propriações do período s- ocoreram na eeira dos conitos e das mobi-
lizações sociais que, com o arefecimento da repressão, desenvolveram-se mais
rapidamente. Os primeiros assentamentos levaram a uma perceão de sucesso
do caminho adotado, estimulando trabahadores das cercanias a seuirem na
mesma linha, com novas desapropriações sendo feitas e, mesmo não atingindo
necessariamente áreas contíuas, levando ao adensando de assentamentos em
determinadas áreas e municípios e levando os movimentos a tentarem repetir a
experncia em outras tantas. Dea forma, pode-se dizer que a própria confor-
mação dessas áreas de maior concentração de assentamentos é, por si, um dos
efeitos que eles vêm provocando em alumas regiões.
Assim, as medidas que resultaram na criação dos assentamentos, mesmo sem
earem orientadas para a realização de uma reforma agrária “massiva, como
exigiam os movimentos de trabahadores, mas adotadas sob pressão desses, fo-
ram se concentrando nas áreas em que ees movimentos atuavam, levando ao
surgimento quase que de áreas reformadas a posteioi.
Armar que os movimentos sociais foram o motor das desapropriações de
forma aluma quer dizer que os movimentos atuaram a partir de alum plano
preeabelecido. Tanto quanto os demais atores das lutas sociais, eles têm atuado
sobre alumas conurações históricas das quais eles são também prisioneiros.
Estas conurações, embora inseridas num pano de fundo mais geral da queão
agrária no país, apresentam caraerísticas eecícas em cada região pesquisada,
tais como a falência de grandes empreendimentos patrocinados pelo Estado no
sudee do Pará; as crises das lavouras cacaueira no sul da Bahia, canavieira na
Zona da Mata nordestina e algodoeira no sertão cearense (ea última inten-
sicada pela ocorência de grandes secas); a grande valorização das teras e os
fortes uxos migratórios no chamado Entorno do Distrito Federal; a crise de
reprodução da pequena agricultura no sul do país.
E C : questões para reflexão
44
A análise das atividades exercidas pela população assentada no momento an-
terior ao assentamento reete claramente essa prolemática: mais de  das fa-
mílias de assentados entrevistados vieram do próprio município ou de municípios
vizinhos de onde eá localizado o assentamento. No Sul da Bahia deacam-se
os assalariados rurais permanentes, provavelmente ex-empregados das fazendas
de cacau. No Sertão do Ceará deacam-se os moraores, relão predominante
nas fazendas lá existentes. No Entorno do Distrito Federal e na Zona Canaviei-
ra do Nordee, predominam assalariados rurais temporários ou permanentes,
seuidos de posseiros/ parceiros/arendatários, indicando uma população que
vivia subordinada às fazendas. No Sudee do Pará ganham relevo “membros não
remunerados da família” e posseiros, indicando possivelmente que os assentados
sejam hos ou parentes de posseiros em áreas de ocupação mais antiga. no
Oee de Santa Catarina, predominam parceiros/arendatários e membros não
remunerados da família (hos de agricultores).
Os assentamentos m assim possibilitando o acesso à propriedade da tera
para uma população historicamente excluída, que vivia na zona rural da pró-
pria região e que, embora mantendo anteriormente alum tipo de inserção no
mercado de trabaho, o fazia em condições bastante instáveis e precárias.
1.1. Assentamentos e alterações fundiárias e demográficas
Embora a criação dos assentamentos tenha implicado em aluma redistribuição
fundiária, não chegou a alterar radicalmente o quadro de concentração da tera
ao nível nacional, eadual e nem mesmo nas próprias regiões onde é maior a
presença dessas unidades. A participação da área total de todos assentamentos
rurais implantados pelo Incra na área total dos eabelecimentos dos eados
abarcados pela pesquisa oscilava, em , entre  e . A única exceção era
o Pará, onde os assentamentos representavam  da área total do eado. Se
tomarmos apenas os municípios incluídos na pesquisa (com maiores concen-
trações de assentamentos), a relação entre a área dos assentamentos e a área dos
eabelecimentos agropecuários é signicativamente maior mas, mesmo assim,
com variações importantes entre as regiões e entre os municípios, indo de apenas
 no Sul da Bahia até  no Sudee do Pará.
As alterações na estrutura agrária são portanto mais visíveis somente ao nível
local, motivo pelo qual não se pode classicar a política de assentamentos rurais
como um profundo processo de reforma da estrutura fundiária.
Da mesma forma, embora a população assentada não tenha grande peso so-
bre a população total da região, sua participação relativa na população rural dos
municípios estudados em vários casos é signicativa. Uma inferência possível é
E C : questões para reflexão
45
que a intensicação dos assentamentos neas regiões tenha contribuído, senão
para ampliar a população rural, pelo menos para eancar seu decréscimo.
Por outro lado, em aluns dos municípios analisados, os assentamentos m
levado a um redesenho da zona rural, modicando a paisagem, o padrão de dis-
tribuição da populão, o traçado das estradas, provocando a formação de novos
aglomerados populacionais, mudando o padrão produtivo, às vezes relacionando-
se à autonomização de distritos e mesmo à criação de novos municípios.
1.2. Os assentados: trabalho, renda e condições de vida
A análise do perl da população estudada reforça o arumento anterior de
que os assentamentos vêm possibilitando o acesso à propriedade da ter-
ra para uma população historicamente excluída. Grande parte da popula-
ção assentada vivia na zona rural da própria região: mais de  das famí-
lias entrevistadas vieram do próprio município ou de municípios vizinhos
de onde eá localizado o assentamento e  delas tiveram aluma expe-
riência de trabaho na agricultura ao longo da vida. Os responsáveis pelos lo-
tes têm baixa escolaridade ( dos entrevistados cursaram, quando mui-
to, até a
ª
rie do ensino fundamental, sendo que  nunca foram à escola).
No momento imediatamente anterior ao assentamento,  dos assentados
eavam ocupados em atividades agrícolas, como assalariados rurais permanentes
ou temporários, posseiros, parceiros, arendatários ou trabahavam com os pais
ou outros parentes na agricultura.
Em cenários de elevados índices de desemprego e relativo fechamento do
mercado de trabaho para os segmentos menos escolarizados da populão, as-
sociado à crise de importantes setores da grande agricultura e de diculdades
para os hos dos agricultores familiares se eabelecerem como produtores, os
assentamentos representaram nas regiões estudadas uma importante alternativa
de trabaho e inserção social.
A criação dos assentamentos tornou possível a essa população centrar suas
estratégias de reprodução familiar e de sustento econômico no próprio lote, com-
plementarmente lançando mão de outras fontes de trabaho e de renda fora dele,
muitas delas também relacionadas com a existência do assentamento. Do total da
população maior de  anos nos projetos pesquisados,  trabahavam somente
no lote,  no lote e também fora dele,  somente fora e  declararam não tra-
bahar. Ou seja,  dos assentados maiores de  anos trabahavam ou ajudavam
no lote, numa média de três pessoas por lote. O trabaho fora do lote nas áreas
estudadas aparece como complementar: daqueles  do total da populão que
faziam alum trabaho fora do lote (somando os que trabaham somente fora ou
E C : questões para reflexão46
também no lote),  o faziam em caráter eventual,  em caráter temporário
e apenas  de modo permanente.
A presença dos assentamentos acaba atuando também como fator gerador de
postos de trabaho não agrícolas: mais da metade dos que trabahavam fora do
lote exerciam atividades dentro do próprio assentamento, incluindo trabahos
não agrícolas gerados pela nova situação (construção de casas, estradas, escolas,
obras de infra-estrutura, professores, merendeiros, agentes de saúde, trabahos
coletivos, beneciamento de produtos, transporte alternativo etc.).
Embora os recursos oriundos do lote, por meio da comercialização da pro-
dução, não sejam a única fonte de rendimentos familiares, eles representam 
desses rendimentos, enquanto as atividades de trabaho externo representam ,
e os benecios previdenciários, , sempre com alumas diferenças regionais.
Além do número de empregos gerados, as famílias assentadas acabam ser-
vindo como amparo social a outros parentes, atuando também, em aluns casos,
como mecanismo de recomposição de famílias. Em  dos lotes vivem, além
da família nuclear (pai, mãe e hos), outros parentes, como pais/sogros, genros/
noras, irmãos/cunhados, netos, etc., muitos dos quais não viviam anteriormente
com a família assentada.
O acesso à tera permitiu, pois, às famílias entrevistadas uma maior eabili-
dade e rearanjos nas estratégias de reprodução familiar que resultaram, de modo
geral, em uma mehoria dos rendimentos e das condições de vida, eecialmente
quando se considera a situação de pobreza e exclusão social que caraerizava
muitas deas famílias antes do seu ingresso nos projetos de assentamento. Houve
um aumento na sua capacidade de consumo, o só de gêneros alimentícios, como
também de bens de eletrodomésticos, insumos e implementos agrícolas. Isso se
revela no fato de que  dos entrevistados apontaram uma mehora na alimen-
tação e  consideram que seu poder de compra aumentou. Cresceu o número
de famílias que possuem fogões a gás, geladeiras, televisão, antenas parabólicas,
máquinas de lavar e transporte próprio (eecialmente bicicletas e animais). As
mehorias no padrão de consumo, de habitação e na posse de bens duráveis fazem
com que os assentamentos acabem atuando como dinamizadores do comércio
local, fato que se acentua nos casos de elevada concentração de assentados.
1.3. Produção
É grande a diversidade de produtos originários dos assentamentos, com variações
que, de aluma forma, acompanham o perl tradicional da agricultura nas regi-
ões mas, em aluns casos, também introduzem mudanças. O mais recorente é a
presença de produtos ao mesmo tempo facilmente comercializáveis mas cruciais
na alimentação da família, como miho, mandioca e feijão e, em menor escala,
E C : questões para reflexão
47
inhame, banana, aroz. Aparecem ainda culturas eminentemente comerciais
como algodão, cana-de-açúcar, cacau, abacaxi e fumo, entre outras.
Também a pauta de crião animal é diversicada. Assim como no caso dos
produtos agrícolas, os animais o utilizados simultaneamente para consumo e
venda, com deaque para gado de corte e principalmente leite, criação de aves
(para carne e ovos) e porcos. Aparecem ainda produtos extrativos, em aluns
casos com peso comercial, como a piaçava no Sul da Bahia, a erva-mate no Oee
Catarinense e a madeira em eacas no Sudee do Pará.
Assim, uma das principais mudanças trazidas pelos assentamentos nas re-
giões refere-se à diversicação da oferta de produtos no mercado local, o que
foi vericado através da comparação entre a produção dos assentamentos e dos
municípios estudados. Os assentamentos vêm contribuindo para diversicar as
pautas de produtos agropecuários, introduzindo novos cultivos e incrementando
signicativamente a produção de aluns produtos secundários na pauta regional,
e chegando a se deacar em relação a aluns produtos tradicionais nos municípios.
Em aluns casos, os assentamentos m signicando uma eécie de reconversão
produtiva, provocando uma reorganização do sistema de uso dos solos, eecial-
mente nas áreas monocultoras ou de pecuária extensiva onde a agricultura pa-
tronal encontrava-se em crise. A diversicação da pauta de produtos tem efeitos
também sobre os próprios assentados, com a coexistência de produtos destina-
dos à subsistência e produtos destinados ao mercado, resuardando as famílias
de possíveis prolemas na comercialização, além de signicarem uma mehoria
quantitativa e qualitativa da alimentação.
A condição de assentado possibilitou a essa população, pela primeira vez, o
acesso ao crédito para produção, ainda que essa integração ao mercado nanceiro
eeja marcada por um conjunto signicativo de diculdades:  das famílias
entrevistadas nunca tinham tido acesso ao crédito antes. Além disso, o volume
de crédito que circula em função dos assentamentos impulsiona um conjunto de
atividades, trazendo também impactos no comércio local e regional.
Com relação à comercialização da produção, a pesquisa revelou um quadro
heterogêneo. A presença dos assentamentos provocou, em vários municípios
analisados, o crescimento da oferta local, a diversicação e o rebaixamento dos
preços de produtos alimentícios, com repercussões eecialmente nas feiras livres.
Em geral o peso dos atravessadores é signicativo, reproduzindo situações locais
preexistentes, mas se constatou casos onde, mesmo mantendo os canais tradicio-
nais, os assentamentos introduzem mudanças, com o surgimento de atravessa-
dores para novos produtos ou mesmo trazendo um aumento na produção local
que permite o alcance de novos mercados consumidores. Há também casos em
que mudanças nas formas de comercialização são introduzidas, em eecial nas
áreas onde é mais forte a presença do MST, com inovações no beneciamento
E C : questões para reflexão48
e o surgimento de formas cooperativas e associativas que levam à criação de pon-
tos de venda próprios, implantação de pequenas agroindústrias, constituição de
marcas próprias que identicam a origem do produto como sendo da reforma
agrária. Nee último caso, para além do seu signicado econômico, a comercia-
lização se transforma num momento de armação social e política da identidade
dos assentados e dá visibilidade aos assentamentos.
1.4. Precariedade da infra-erutura
Se a análise de aluns aectos dos assentamentos revela dimensões promissoras,
no que se refere à infra-estrutura, cou evidente a precariedade da sua situação,
indicando, por um lado, uma insuciente intervenção do Estado no processo de
transformação fundiária e, por outro, forte continuidade em relação à precarie-
dade material que marca o meio rural brasileiro. Cerca de  dos assentamentos
estudados têm parte dos lotes com prolemas de abastecimento de áua. Apesar
de  dos projetos terem rede etrica, somente  deles são servidos na sua to-
talidade por ela. Predominam estradas de tera para acesso ao assentamento e, em
metade dos casos, inacessibilidade na época das chuvas. A distância média dos
assentamentos estudados em relação às cidades de maior contato é de  quilôme-
tros, com um tempo dio de deslocamento em torno de uma hora. Com relação
ao transporte coletivo, apesar do quadro geral de precariedade, as observações
de campo indicam que a presença dos assentamentos trouxe mudanças, com a
amplião da frota de veículos e quinas das prefeituras, tais como ônibus para
transporte escolar, ambulâncias e tratores. Também houve casos de mudanças
em itinerários de ônibus e ampliação dos serviços alternativos como mototáxis e
caminhonetes, provavelmente favorecendo também localidades vizinhas.
No que se refere à educação, uma das grandes preocupações das famílias as-
sentadas é com a existência de escolas para seus hos. Em  dos projetos in-
vestigados existem escolas, em grande parte criadas depois de instalado o assenta-
mento. Em  dos casos houve necessidade de reivindicações dos assentados para
a criação dos eabelecimentos escolares. Uma porcentagem alta da população em
idade escolar eava matriculada: cerca de  da população entre sete e  anos.
Apesar das debilidades existentes (salas multisseriadas, oferta apenas do ensino
fundamental),  dos entrevistados consideram que a situação de escola para
os hos é mehor atualmente do que antes do assentamento. a situação dos
serviços de saúde é mais precária: somente  dos assentamentos m postos de
saúde, embora  deles tenham agentes de saúde.
As distâncias dos assentamentos em relação aos centros urbanos, a dicul-
dade das estradas e/ou a carência de transporte coletivo, a precariedade do aten-
dimento à saúde têm efeitos graves sobre a vida dos assentados e mesmo sobre a
E C : questões para reflexão
49
comercialização da produção. No entanto, isso não signica que não haja altera-
ções: a precariedade de infra-estrutura, aliada às diculdades de eabelecimento
na tera e àquelas mais gerais de reprodução da agricultura familiar, faz com que
a criação dos assentamentos e as expectativas que os cercam dêem origem a uma
série de demandas e reivindicações, cuja potencialização relaciona-se com a ca-
pacidade organizativa dos assentados e com a conjuntura política local em que se
inserem.
1.5. Reconhecimento político: em busca da cidadania
A experiência de luta pela tera e a existência do assentamento como espaço de refe-
rência para políticas púlicas, entre outros fatores, fazem com que os assentamen-
tos tornem-se ponto de partida de demandas, levando à armação de novas identi-
dades e interesses, ao surgimento de formas organizativas internas (e também mais
amplas) e à busca de lugares onde se façam ouvir. Com isso, os assentamentos aca-
bam trazendo mudanças na cena política local, com a presença dos assentados nos
espaços púlicos e mesmo nas disputas eleitorais. Eles provocam mudanças nas re-
lações entre os trabahadores que nele vivem e as autoridades locais, quer impondo
a eas novas formas de atuação, quer reforçando mecanismos tradicionais de clien-
tela, quer constituindo novas lideranças que passam a disputar espaços púlicos.
Em muitos lugares os assentados ganharam reconhecimento social e político
pelos demais setores sociais, superando uma tensão inicial, muitas vezes marcada
por uma visão de que os assentados eram forasteiros” ou aruaceiros, em eecial
nas áreas onde os assentamentos foram resultado de ocupações de tera. Em al-
uns casos, os assentamentos chegam a ser vislumbrados por parte da população
como uma saída para a “crise” da agricultura local.
Para além das queões econômicas, criam-se novos atores sociais e resga-
ta-se a dignidade de uma populão historicamente excluída. Foram comuns
os depoimentos sobre o sentido do ser assentado, em eecial (embora não ex-
clusivamente) nas áreas onde predominaram as monoculturas e as relações de
poder que as marcam. Não pagar renda da tera, deixar de ser “escravo”, sentir-se
“liberto” e capacitado a controlar sua vida, foram elementos recorentes na fala
dos assentados, quando contrastam seu passado com seu presente.
Por mais que ee seja prenhe de diculdades, o acesso à tera provocou em
muitos casos rupturas e uma sensação nítida de mehora em relação ao passado:
ao comparar suas condições de vida antes do assentamentos com as atuais, 
dos assentados entrevistados consideraram que suas vidas mehoraram e 
acreditam que o futuro será mehor, apontando um quadro de eerança que tem
no acesso à tera uma perectiva de eabilidade a longo prazo.
S M S A J
E
XXI mais incertezas do que certezas do pre-
sente e, muito mais incerteza do que vem a ser o futuro que eamos cons-
truindo no presente. Às vezes, temos a sensação que não saímos do pas-
sado, pois, ao mesmo tempo que ele se tornou diante, eá muito mais perto,
principalmente, quando observamos práticas coloniais, a exemplo do trabalho
escravo exiente, ainda hoje no país. Também é verdade, que o presente parece
muito mais diante porque os problemas da humanidade, que acompanham
as lutas do presente, não parecem possíveis de ter saídas. E o futuro? Eamos
com o olho no futuro, mas os nossos pés ainda pisam na sombra do passado.
Quando essa sombra alimenta as nossas utopias para que possamos agir no pre-
sente e transformar o mundo em que vivemos, ela é de fato conrutiva, mas
quando ela nos aprisiona, corremos os riscos de só sermos reconhecidos como
vítimas de um passado que não deixou de exiir e, de um presente imobilizador.
Tomo eas reexões para me referir aos modelos de racionalidade que acompa-
nham as certezas e incertezas do presente e do futuro, como uma reexão im-
portante que poderá subsidiar uma auto-reexão das nossas práticas, das nossas
crenças e utopias, pois, parto do pressuposto de que todo o conhecimento que
construímos na luta e na resistência, também comporta incertezas e ignorâncias.
Doutora em Educação e professora-pesquisadora da Universidade Federal de Sergipe. Membro
da Comissão Pedagógica Nacional do Pronera.
As ltiplas inteligibilidades
na produção dos conhecimentos,
práticas sociais e eratégias
de inclusão e participação
dos movimentos sociais e
sindicais do campo
E C : questões para reflexão
51
Essa é uma das razões, talvez, a maior razão, que nos une nee encontro. Como
pesquisadores e militantes podemos fazer juntos, reexões sobre as práticas e
sobre o conhecimento que funda essas práticas.
Para isso, convido todos a uma conversa, a partir de uma análise, ainda que
parcial e provisória, sobre o que os movimentos sociais e sindicais têm produzido
pedagogicamente, na luta por uma Educação do Campo, e, explico que assumo
uma postura em relação a ee encontro, para mim, nee espaço não lugar para
convencimentos sobre teorias ou métodos, mas o nosso objetivo é a construção
de uma compreensão mútua da realidade camponesa a partir da Educação do
Campo, a partir dos diferentes sentidos, teorias, contextos, projetos e utopias.
Essa compreensão exige um modo de pensar muito mais relacional do que dual
entre sujeito/objeto; natureza/cultura; homem/muher; campo/cidade; rural/ur-
bano; conhecimento acadêmico/conhecimento não acadêmico, entre outros.
A compreensão mútua também exige, um exercício crítico às formas de racio-
nalidade que fundam as práticas sociais dos movimentos, incluindo nelas a nossa
participação na construção dessas práticas, como também, um exercício crítico
sobre a nossa postura e sobre o conhecimento que produzimos.
Nee sentido, e em função do tempo que tenho para iniciar uma conversa
sobre as muitas racionalidades existentes na produção pedagógica dos movimen-
tos sociais e sindicais, elegi aquela que eá presente diretamente no princípio da
luta por uma Educação do Campo: a uniersalização do direito.
Essa educação tem na sua origem a necessidade de reinventar as práticas
sociais, contra um processo perverso de uma forma hegemônica de globalização
econômica, política e cultural que impõe aos diferentes países periféricos e semi-
periféricos, a reorganização das formas de poder, de produção do conhecimento, e
de desenvolvimento econômico e social, que aumenta assustadoramente a perda
das autonomias e as desiualdades, em eecial, entre o povo brasileiro que vive no
campo ou é, excluído dele. Portanto, trata aqui de analisar as práticas pedagógicas
que trazem na sua origem a vinculão com um Projeto de Nação, da construção
de um projeto de futuro, mais próero e solidário, em que a cultura camponesa,
seja o elo fundamental para a construção da justiça social, de novos modelos de
desenvolvimento de base solidária, de soberania e de democracia ampliada.
Para tanto, o princípio da universalização que funda as lutas dos movimentos
sociais, como também funda muitas das nossas utopias, resgata da racionalidade
do pensamento liberal, a idéia de que a sociedade possui não deveres, direi-
tos, e, a partir dee princípio, os movimentos sociais produzem a sua existência
política pelos ideários da iualdae, da participação e dos métoos de organização.
A compreensão desses ideários e da materialização na luta e no fortalecimento da
autonomia dos próprios movimentos, não pode ser vista isoladamente, somente
E C : questões para reflexão52
por uma inter-relação é possível identicar as formas de reorganização e produ-
ção de conhecimento, de poder e de direito em cada um deles.
Ainda que eu faça uma exposição muito supercial, ressalto aluns aectos
que eão fortemente imbricados na forma de produção dos conhecimentos, de
poder e de direito dos movimentos sociais.
Em relação aos conhecimentos, os movimentos partem da idéia de que é
direito de todos e todas, tanto a apreensão do que tem sido historicamente pro-
duzido pela ciência, quanto o reconhecimento do que os próprios movimentos
produzem nos diferentes contextos.
No que diz reeito às formas de organização política e social, os movimentos
aspiram a uma sociedade em que os interesses individuais se voltem para os inte-
resses coletivos como condição de emancipação de uma coletividade, reeitando
as diferenças e a diversidade das iias. O poder partihado é um dos objetivos
desse processo de organização.
A coletividade somente pode emancipar-se, se houver uma pluralidade de
projetos políticos. Não é possível pensar uma sociedade iualitária e justa, se
um movimento, ou partido, ou um grupo exercer o poder hegemônico sobre os
demais, ainda que nem todos tenham consciência desse aecto, na realidade, os
movimentos, muitas vezes não conseuem se entender, pela pluralidade dos pro-
jetos, mas reconhecem que se não fosse essa pluralidade não haveria oxigenação
da política como um todo.
Essas formas de produção do conhecimento, de poder e de direito, eão di-
retamente relacionadas à construção dos paradigmas da Educação do Campo.
É a partir dessa relação que procedo uma análise da produção pedagógica dos mo-
vimentos sociais e sindicais na Educação do Campo. Essas formas se relacionam
com o: reconhecimento dos conhecimentos e saberes prouzidos pelos sujeitos do ca-
po e a sua reatualização com outros conhecimentos, incluindo os técnicos e cientícos
.
O seundo com a organização do trabalho pedagógico, e, o teceiro com a pluralidae
de projetos educacionais.
Reconhecimento dos conhecimentos e saberes prouzidos pelos sujeitos do capo
e a sua reatualização com outros conhecimentos, be como a compreensão de outras
foras de proução do conhecimento cientíco.
Os programas educativos ociais, não podem continuar contribuindo para a
descaraerização da cultura camponesa, principalmente, o modo de organiza-
ção social e as suas formas de resistência no campo. Essa discussão nos remete
à iualdade como um princípio a ser defendido, quando o sistema capitalista
e latifundista do campo, utiliza-se dee, para incluir os camponeses, de forma
inferiorizada e subordinada à lógica do capital sob o arumento niilista, de que
para eles, não saídas, a não ser pela sua incorporação a um único modelo de
E C : questões para reflexão
53
desenvolvimento. Essa lógica se fortalece também, pela visão determinista do m
do campesinato na sociedade contemporânea.
Para essa lógica, não faz sentido construir escolas no campo, pensar em me-
todologias eecícas, alterar as relações de poder. Nas práticas educativas essas
lógicas se conituam, porque a compreensão iluminista e racionalista dos proces-
sos formativos e de construção do conhecimento, não conseuem dar conta da
dinâmica social que é o campo brasileiro, primeiro, porque não reconhece o campo
com esses sujeitos, seundo porque, quando os identica, trata-os como fragmen-
tos/objetos de um campo ao qual cabe as grandes relações econômicas, terceiro,
porque ignora os desejos, os direitos, as histórias e, em nome do desenvolvimento
economicamente produtivo ao capital, para aqueles que conseuem chegar à escola,
cabe a ênfase a um desenvolvimento técnico-instrumental na sua formação.
Esta gica instrumental se dissemina em detrimento da construção do co-
nhecimento em que o fazer não pode ear dissociado, do construir e do avaliar.
Para os camponeses(as) ea relação do saber-fazer-saber, pode contribuir para
restituir as possibilidades dos sujeitos produzirem e avaliarem os seus saberes,
conhecimentos e práticas sociais de modo intencional, não ingênuo e crítico.
A relação saber-fazer-saber dos(as) camponeses(as), exige uma reexão profunda
sobre o modo de produção do conhecimento, das epistemologias ou inteligibi-
lidades em curso no campo. Há necessidades práticas da vida cotidiana como a
soberania alimentar, os prolemas da falta de áua, dos solos, das sociabilidades,
da organização do trabaho de jovens e muheres, da assistência técnica, entre
outros, que necessitam de uma avaliação constante do que eá disponível na
sociedade e do que deve ser recriado, ou ressignicado.
A ressignicação do conhecimento o pode ser uma linha de o única, mas,
deve acontecer, em função do contexto onde se produz e esse contexto comporta,
tanto o que é produzido cienticamente, quanto o que é produzido pelos saberes
não-acadêmicos, por vias e por situações diferentes.
Um dos fundamentos das práticas pedagógicas dos movimentos eá na meto-
dologia e nos seus processos. As metodologias interdisciplinares eão subsidiando
os movimentos a ampliar a compreensão a partir dos diversos campos do saber.
Sem negar as eecicidades dos campos cientícos, o reduz toda explicação a
eles. Compreende-se que o processo de apreensão e produção do conhecimento
não pode ser atomizado, homogeneizado e particularizado.
A recuperação da temporalidade da produção econômica, por exemplo, tam-
m exige formas de organização do trabaho, métodos, tecnologias, recuperação
dos saberes, reconhecimento das diferenças de geração e gênero, entre outros.
A recuperação das temporalidades dos sujeitos é fundamental para o enfrenta-
mento da lógica produtivista do capitalismo.
E C : questões para reflexão54
Por sua vez, os(as) camponeses(as) têm feito uma leitura crítica da utilização
das cnicas e tecnologias, principalmente, uma preocupação com a criação ou
socialização das novas matrizes tecnológicas que contribuam para um desenvol-
vimento socialmente justo e ecologicamente sustentável no campo. Analisar os
seus usos e conseqüências ambientais, políticas, sociais, tem sido fundamental
para a construção desse modelo.
Os movimentos entendem que o teritório possui uma complexidade, porque
a sua essência eá imbricada em um tecido de prolemas inseparáveis e, as cni-
cas e tecnologias, seus usos e funções e sua relão com a organização do trabaho,
a inclusão social e o meio ambiente devem ear em comunicação e sendo motivo
de reexão crítica durante todo o processo de formação.
No entanto, os movimentos têm sentido muitas diculdades para uma ree-
xão crítica e para a produção de alternativas ao modelo capitalista. Essas dicul-
dades residem, na falta de inteligibilidade das seuintes queões:
Compreensão das diferentes formas de produção do conhecimento por parte das
práticas sociais entre os próprios movimentos sociais do campo. Essa inteligibi-
lidade é fundamental para a unidade dos projetos políticos);
a existência de lógicas diferenciadas na produção e apreensão do conhecimento
é algo, que necessita ser trabahado. Isto também vale para as universidades. Ne-
nhum conhecimento pode ser entendido como superior ao outro;
diculdades para superar as relações de poder que os excluem como sujeitos
capazes de produzir conhecimentos por lógicas diferenciadas. Nee caso ne-
cessidade de reetir sobre quem controla a produção do conhecimento, quem
produz? Em que condições produz? uem nancia a produção? uem disponi-
biliza? uem tem o poder de legitimá-los?
Qual o papel da pesquisa, das agências de fomento e dos
pesquisaores na construção desa inteligibilidae?
1. A organização do trabalho pedagógico
A produção pedagógica dos movimentos sociais aponta para uma educação que
reforce os princípios da liberdade, das autonomias dos sujeitos, da construção
de condições democráticas e solidárias, compreendendo o campo como o lugar
do pensar diverso, do exercício de saberes e de temporalidades, da resistência, do
1.
2.
3.
E C : questões para reflexão
55
compartihamento de sonhos e utopias, de recrião de pertenças e identidades,
da valorização e emergência da cultura camponesa.
Essa produção eá no cerne do processo de construção de um projeto polí-
tico e pedagógico a partir dos seus sujeitos, que tem sentimentos, desejos, rostos,
histórias de vida e de luta, a partir da realidade particular dos camponeses, que é
a sua materialidade de vida, a situação de pobreza em que muitos se encontram,
a ausência de políticas púlicas de saúde, de moradia, de educação, a ausência de
políticas nacionais e regionais articuladas a um modelo de desenvolvimento que
eleve as condições de vida desses camponeses, e do campo como um todo, sem
destruir seus vínculos de pertença com a tera, a orea, as áuas.
Por m, a organização do trabaho pedagógico necessita da compreensão do
signicado da organização dos sujeitos por coletivos sociais. Nesses coletivos há
possibilidades do exercício de uma formação humana menos individualista e que
projete ações pensando, não somente, no crescimento de cada um, mas princi-
palmente, como os sujeitos coletivamente, podem implementar um projeto do
campo articulando a educação com ee projeto. A produção pedagógica dos
movimentos aponta para um diálogo entre teoria pedagógica e prática em que o
projeto educativo não pode ear dissociado de um projeto político, social.
A inteligibilidade desse projeto passa pela compreensão:
Das resistências que hoje o exercitadas pelos diferentes sujeitos do campo no
enfrentamento à gica capitalista que conduz ao individualismo, à lógica do
salve-se quem puder” (os modelos de desenvolvimento colocado hoje para os tra-
bahadores, a exemplo da carcinicultura no Nordee, da fruticultura irigada para
exportação que expropriam o trabaho e as reservas ambientais, têm produzido
atitudes individualistas). No entanto, resistências e não há uma clareza dessas
resistências no conjunto dos movimentos sociais e sindicais do campo, inclusive,
em relação à educação, em que os projetos educativos eão contribuindo para
criar essas resistênicas;
se uma defesa de construção coletiva, também defesa de princípios e, a partir
deles, os sujeitos podem se sentir incluídos ou excluídos. A inclusão ou exclusão
nem sempre passa por vontades e desejos individuais, mas são determinadas por
relações de poder que controlam a dinâmica dos coletivos sociais. O que eá
dando certo e o que não eá contribuindo para avançar nas relações de poder,
a m de transformá-los em relações de autoridade partihada? Como fazer o
exercício de autoridade partihada nas relações com a rede púlica de ensino que
ignora os sujeitos como capazes para fazer a geão educacional, para planejar
 Esse paralelo foi conruído para trabalhar com os professores do I Encontro da Região Nordee
do Programa de Educação do Campo e Formação e Qualificação para a Assitência Técnica e
Extensão Rural Residência Agria/MDA/INCRA, realizado em Aracaju, Sergipe, nos dias  e
/ e //.
1.
2.
E C : questões para reflexão
56
e executar os projetos político-pedagógicos? Existem experncias inovadoras?
Como podem emergir?
das corentes teóricas que subsidiam as diferentes práticas pedagógicas e for-
mas de organização do trabaho. Há orientações dos movimentos sociais e sindi-
cais, no que diz reeito às opções, mas saber de fato o que eá acontecendo, as
multiplicidades de práticas com diferentes concepções teóricas, não é algo fácil,
principalmente, se considerarmos a imensidão de projetos pedagógicos em curso.
Isto é importante, porque eamos falando da relão entre educação e proje-
to de campo e de sociedade. Pode-se ear falando de projetos pedagógicos que
contribuam para a emancipação e, na prática ear se produzindo práticas pouco
emancipatórias? Identica-se as diculdades dos movimentos e das próprias
universidades para construir propostas que tragam como referência a vida dos
camponeses e todas as contradições. Saber quem eá fazendo o que, com quais
estratégias, referenciais, necessita de um trabaho de escavação.
Na medida e que esas práticas, quando inseidas nas políticas
púlicas eatais e eas tê profundas diculdaes para trauzi
as necesidaes, po razões diersas que não cabe se esclarecidas
nese momento, perunta-se: o que cabe aos pesquisaores na
construção desas inteligibilidaes? Existe espaços alternatios
de proução dea geão? Como elas tê acontecido? Em caso
positio, poe-se eende como referência aos deais?
2. A pluralidade dos projetos educacionais
Um outro desao assumido pelos movimentos sociais e sindicais no avanço da luta
política eá na unidade de luta estratégica entre as classes sociais do campo sem
perder de vista a diversidade que compõe as classes sociais ou frações de classe.
Essa diversidade é fundamental para a emancipação social, pois quanto mais
houver a pluralidade de projetos coletivos, mais aumentam as possibilidades de
alternativas ao capitalismo. No entanto, esses projetos precisam se articular de
modo o hierárquico em função de objetivos comuns. Do ponto de vista do
conhecimento que os fundamenta, não podemos cair na armadiha de que uma
teoria geral irá dar conta da aproximação da realidade. Por isso, nem uma teoria
política nem pedagógica pode dar conta da heterogeneidade que há no campo.
Quanto mais os espaços estiverem sendo reordenados pelos camponeses, com
uma maior heterogeneidade e pluralidade de projetos, mais possibilidades tere-
mos de construir uma sociedade diferente da que temos hoje.
3.
E C : questões para reflexão
57
A formação dos sujeitos não poderá ser fragmentada, homogeneizada, parti-
cularizada demais. Os sujeitos serão obrigados a reconhecer as complexas relações
que engendram a sua vida e a reexão sobre os conhecimentos que a sustentam
em um teritório epistemológico e social.
Desse modo a Educação do Campo para ser coerente com um projeto popular
para o país, uma educação comprometida com esse projeto e com um modelo
contra-hegemônico de desenvolvimento, necessita também da pluralidade dos
projetos educacionais e ea, somente pode ser construída, se tivermos clareza do
que signica para os camponeses o princípio da universalidade.
Inicialmente, quero ressaltar que, como princípio, o direito universal o pode
ser confundido com o universalismo que eá presente na estrutura do modelo de
desenvolvimento excludente do capital, cuja inteligibilidade parte do pressuposto
que ee é, a única forma possível de viver no mundo. A mesma que negligencia as
possibilidades de relações não subordinadas entre o campo e a cidade. A crítica
ao universalismo põe em causa a cidade, como a refencia para o campo.
Armo também que o universal não deve negligenciar a heterogeneidade dos
sujeitos que vivem no campo. Para os camponeses, a luta pela educação como
direito universal não é uma queão apenas de acesso, de ter o direito a estudar,
a se organizar, mas o direito a serem reconhecidos com sujeitos que produzem
conhecimentos, que possuem práticas diferentes na organização do trabaho e da
cultura camponesa, não necessariamente, às mesmas engessadas pelo capitalismo,
embora, muitas delas, eejam fortemente inuenciadas por ele. Abre, portanto,
espaço para o reconhecimento da diferença, bem como a sua prolematização.
Por sua vez, o reconhecimento da diferença, também não pode ser confundido
com a valorização da fragmentação, da pluralidade da proliferação das periferias
que ocultam a relação desiual, central no capitalismo, muito celebrada por alu-
mas corentes teóricas contemporâneas.
Muito menos, cair numa explicação relativista dessas diferenças que, se por
um lado, conduz para a sua naturalização, por outro, legitima as desiualdades.
A diferença necessita ser prolematizada porque ela é fruto dessas desiualdades,
e, ao ser prolematizada, necessita ser reconhecida na Educação do Campo pelo
que ela emancipa e pelo que ela legitima na promoção da desiualdade.
Por essa razão, é que o direito universal da educação na reivindicação dos
movimentos sociais e sindicais do campo, no âmbito das Políticas Púlicas, não
é algo o simples, tendo em vista que, se diferentes projetos, parece não haver
uma inteligibilidade completa dees. Parece ser fundamental ter clareza desses
projetos para produzir conhecimentos e práticas que contribuam para o avanço
político e social dos movimentos e da política educacional.
E C : questões para reflexão
58
De que fora poereos construi esa inteligibilidae,
pincipalmente, no momento de cise política que eaos iendo
e quando, os própios intelectuais, asim como os movimentos
sociais, não tê clareza dos diferentes projetos e curso?
Acredito que não podemos discutir a pesquisa em Educação do Campo que,
por sua vez, eá relacionada diretamente com as diferentes formas de conheci-
mento, de poder e de direito constituintes das instituições em que trabahamos e
dos movimentos sociais do campo. Penso que, para construir essas inteligibilida-
des, necessitamos reforçar os espaços onde atuamos, mas também, criar espaços
alternativos de construção dessas inteligibilidades mútuas, pois as nossas universi-
dades, por mais contribuições que possam fazer, da forma que eão estruturadas,
eão muito longe da construção deas inteligibilidades, pois essas necessitam de
linuagens (música, línua, relações corporais, entre outras), estruturas, metodo-
logias que permitam construir diálogos sem que ninuém imponha a sua forma
de interpretação sobre a linuagem do outro.
Poereos a parti dee encontro pensa nesas foras alternatias
de proução do conhecimento, se abi mão dos nosos
espaços traicionais de proução? Se sim, como alargá-los?
Decerto, os que aqui eão, poderão discordar, acrescentar, ou até mesmo re-
jeitar eas queões, mas creio que, no mínimo, elas podem funcionar como uma
provocação para pensarmos propositivamente um diálogo entre o que fazemos e
a reexão sobre o que fazemos, nee tempo histórico e tão dicil, porque eamos
sentindo na pele a incerteza do presente, o que nos obriga a eabelecer talvez,
alumas fortes radicalizações com ee presente.
Referências Bibliográficas
B. Ministério da Educação. Lei de Diretizes e Bases da Educação Nacional.
Brasília, .
B. Constituição da Reúlica Federatia do Brasil, . Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Pulicações, .
B. Ministério da Educação. Conferência Nacional de Educação para todos.
Brasília. Anais. Brasília, .
E C : questões para reflexão
59
B. Ministério da Educação. Pacto pela aloização do magistéio e qualidae
da educação. Brasília, .
C, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento SeTea: escola é mais que
escola. Rio de Janeiro: Editora Vozes, .
F, Bernardo Mançano. A foração do MST no Brasil. Rio de Janeiro:
Editora Vozes, .
F, Florean. Nova Reúlica? Rio de Janeiro: Zahar, .
J, Sônia Meire Santos Azevedo de. Naega é preciso, ie é trauzirumos:
rotas do MST . . Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal.
M, Mônica Castagna e J, Sônia Meire Santos Azevedo de. (Orgs.)
Po uma Educação do Capo
: contribuições para a construção de um projeto de
Educação do Campo. Caderno . Brasília, .
P, Vera Maria Vidal. Política Educacional e papel do Estao no Brasil dos
anos 
. São Paulo: Xamã, .
Da raiz à flor: produção
pedagógica dos movimentos
sociais e a escola do campo
M S S
“Uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é
lidar com um país de pessoas, de carne e sangue,
de mil-e-tantas mirias… Tanta gente.
G R
1. Ponto de partida
E
 resgatar as produções pedagógicas
dos movimentos sociais do campo e sua influência nos discursos e práti-
cas pedagógicas que m se geado em nosso país nas últimas décadas.
Partimos da premissa de que os movimentos sociais do campo vêm se constituindo
ao longo da nossa história, como um espaço de compreensão e luta da realidade
camponesa, de conhecimento e (re) conhecimento dos saberes, cultura e dos direitos
dos sujeitos do campo, de produção de uma teoria e uma prática pedagógica, por
isso, que sentimos necessidade de recuperar a memória no sentido de identicar os
diferentes ensinamentos que essas iniciativas construíram ao longo da nossa história.
O termo movimentos sociais será usado tanto para designar o conjunto das
lutas sociais, sejam do campo sindical ou popular, adotando a conceituação de
Souza (), na qual,
“Movimentos sociais como grupos de pessoas com posicionamentos políticos e cognitivos
similares, que se sentem parte de um conjunto, além de se perceberem como força social
capaz de formar interesses frente a posicionamentos contrários de outros grupos. Pessoas
que agem, armam posições e se sentem vinculadas. Expressam-se como corentes de
opiniões sobre diversos campos da existência individual e coletiva, sobretudo dos segmen-
Doutoranda em Educação, professora-pesquisadora da Universidade de Brasília.
E C : questões para reflexão
61
tos sociais explorados, oprimidos e subordinados que passam a competir no mercado das
idéias e no sentimento de pertenças (….) são força social atuante que se manifea através
de organizações e grupos de diversas e divergentes naturezas, amplitude e vigor”.
Para Scherer-Waren (), movimento social é uma rede de interações infor-
mais entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações, engajados em
um conito político ou cultural, com base numa identidade coletiva comum.
Num tempo em que tantas experiências inovadoras de escolas do campo tem
se espahado pelo Brasil, com matizes tão diversas, mas com raízes tão semehan-
tes, parece extremamente oportuno reetir sobre como as práticas educativas
não escolares têm contribuído com os ensinamentos para a construção da teoria
pedagógica das escolas do campo.
A conceão de Educação do Campo que temos trabahado refere-se a uma
multiplicidade de experncias educativas desenvolvidas por diferentes institui-
ções, que colocaram como referência para suas propostas pedagógicas uma nova
concepção de campo, de educação e do papel da escola. Assim, a identidade dos
sujeitos sociais do campo em sua diversidade que engloba os espaços da orea,
da pecuária, das minas, da agricultura, dos pescadores, dos caiçaras, ribeirinhos,
quilombolas e extrativistas, conforme posto pela Resolução CNE  de ,
torna-se fundante para reivindicação de políticas educacionais e elaboração das
diversas práticas educativas.
Este debate tem possibilitado o resgate dos fundamentos e a socialização das
práticas existentes que evidenciam elementos e dimensões que estiveram presen-
tes nas práticas da educação popular. Disso resulta o interesse em tentar identi-
car como a produção pedagógica dos movimentos sociais tem contribuído na
discussão, ou seja, perceber como os referenciais construídos na educação não
formal dialogam com as práticas pedagógicas das escolas do campo.
Podemos identificar em diferentes literaturas a definição de educação não formal como: Atividades
ou programas organizados fora do siema regular de ensino, com objetivos educacionais bem
definidos. . Tipo de educação minirada sem se ater a uma seqüência gradual, o leva a graus
nem títulos e se realiza fora do siema de educação formal e em forma complementar, pode
atender a pessoas de todas as idades. . Por ser mais flexível, não segue necessariamente todas as
normas e diretrizes eabelecidas pelo governo federal. É geralmente oferecida por inituições
sociais governamentais e não-governamentais e resulta em formação para valores, para o trabalho
e para a cidadania. . Conjunto de processos, meios, procedimentos, contextos organizacionais
e inituições eecificas e diferenciadamente organizados em função de objetivos explícitos de
formação e aprendizagem de determinado grupo não subordinado e . A educação não formal
realiza-se através de uma organização diinta das organizações escolares e pode incluir a dimen-
são do conhecimento exigido para a educação formal. Porém, inclui uma segunda dimensão, a
cultural, que trata da educação gerada no processo de participação social, em ações coletivas não
voltadas para os contdos da educação formal.
E C : questões para reflexão62
Por m, ressalto que ee texto tem como chão de aprendizagem minha tra-
jetória desde , como professora na educação básica e superior, e da atuação
como educadora junto aos movimentos sociais populares a partir de , o que
gerou uma profunda inquietação sobre a necessidade de diálogo entre esses es-
paços educativos na formação dos povos do campo. Trajetória que inuência
meu pensar e fazer pedagógico, pois a “caba pensa onde os pés pisam, seundo
Paulo Freire. Portanto, é implicada com a escola e com os movimentos sociais
do campo, e com a necessidade de diálogo entre esses espaços de aprendizagem
que teço ea análise.
2. Alargando o conceito de educação
A educação é uma prática social que tem o objetivo de contribuir, direta e inten-
cionalmente, no processo de construção histórica das pessoas, e nesse sentido, os
movimentos sociais, como práticas cio-políticas e culturais constitutivas de
sujeitos coletivos, tem uma dimensão educativa, à medida que constroem um
repertório de ações coletivas, que demarcam interesses, identidades sociais e co-
letivas que visam a realização de seus projetos por uma vida mehor e da huma-
nização do ser humano.
Seundo Freire (), humanização e desumanização, dentro da história são
possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclu-
são. O prolema central do ser humano é, pois, sua construção humana, e essa é a
nalidade social dos processos educativos formais, não formais e informais.
Nessa perectiva temos uma ampliação do conceito de educação, que o
se restringe mais aos processos de aprendizagem no interior da escola, transpõe
seus muros conforme posto no art. ° da LDB:
A educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar,
na convivência humana, no trabaho nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimen-
tos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifeações culturais.
Ou seja, a LDB arma que os indivíduos podem ser educados e se tornar
cidadãos e cidadãs na convivência, na organização social, na cultura, no trabaho
e na escola. Reconhece, assim, que a escola e os espaços extra-escolares são chão
de aprendizagem para o exercício da cidadania e da vivência do direito coletivo
à educação.
Entretanto, precisamos reconhecer que ao falar em educação, vem logo em
nossa mente a escola, mostrando a supremacia que a escola adquiriu, o que pa-
rece contraditório numa sociedade que não conseuiu universalizar seu acesso a
E C : questões para reflexão
63
todos e todas, nem tampouco asseurou uma permanência com sucesso e uma
continuidade com qualidade às populões do campo e das periferias urbanas.
Muito embora os discursos sobre a crise da educação escolar sejam tão antigos
como a própria escola, os fatores supostamente geradores da atual crise são hoje
mais amplos e heterogêneos. A crescente visibilidade social do capo da educação
não-foral (e, iualmente, do capo da educação inforal) não é separável das
representações e dos discursos em torno da chamada crise da educação escolar.
Talvez mais do que em qualquer outra época, as referências à crise da educa-
ção escolar no contexto atual remetem (implícita e explicitamente) para condi-
cionantes econômicos, sociais e político-ideológicos muito diversicados e, conse-
qüentemente, as explicações produzidas e divulgadas são hoje mais heteroneas
e contraditórias.
Os processos educativos que se realizam fora da instituição escolar, têm ocu-
pado espaço na reexão educacional e sociológica do nosso país e de outros pa-
íses da América Latina. Pesquisas, pulicações, espaços de debates nos órgãos
governamentais e não-governamentais e órgãos multilaterais, tipo Unesco vão
implementando as distinções e as tipologias que começam a circular na literatura
buscando denir a educação não formal.
A educação não formal, embora obeda também a uma estrutura e possa
levar a uma certicação (mesmo que o seja essa a nalidade), tem uma exi-
bilidade no que se refere ao tempo, espaço e aos conteúdos que são organizados
e delimitados de acordo com o interesse e objetivos do grupo a que se destina,
amplia a possibilidade de convivência com as diferenças do sujeito humano em
todas as suas dimensões e modulões.
Para Gohn (), a educação não formal tem sempre um caráter coletivo, um
processo grupal, ainda que o resultado do que se aprende seja absorvido também
individualmente, desenvolvendo um processo educativo onde os assessores (as)
e educadores (as) desenvolvem um papel de mediadores no entendimento dos
fatos e fenômenos sociais cotidianos, das experiências anteriores e as condições
históricas culturais determinadas.
Dentro dessa conceituação de educação não formal temos ao longo da nossa
hisria, os movimentos sociais, como um dos sujeitos sociais que tem organizado
de forma sistemática e permanente ações de educação não-formal. Portanto, vamos
fazer um resgate histórico dos principais movimentos educativos ou sociais que têm
contribuído para elaboração da teoria pedagógica da Educação do Campo.
Ao deacarmos a dimensão educativa dos movimentos sociais do campo e o
papel estratégico desses movimentos, como expressão organizada da sociedade
 A educação informal ocorre na família, no convio com os amigos, clubes, leituras, etc que decor-
rem de processos eontâneos ou naturais, ainda que sejam carregados de valores e representações
(Gohn, ).
E C : questões para reflexão64
civil, reconhecemos os desaos que trazem para a construção de uma política
púlica de educação, pois de aluma forma “reeducam o pensamento educacional
brasileiro e a teoria pedagógica (Aroyo, ), levando a educação escolar a
passar por transformações pedagógicas, organizacionais e culturais.
Esse resgate histórico se faz necessário num país onde cada vez mais se des-
carta o passado, mais rapidamente perde-se a visão de totalidade, da tradição
camponesa como pilar da identidade dos povos do campo, conforme arma Gohn
(), temos observado que o resultado prático da nova ordem mundial tem
sido uma sociedade cada vez mais competitiva, violenta e individualista. Os indi-
víduos eão cada vez mais isolados, desenraizados, sem pertencimento”.
Esse enraizamento é uma das necessidades do ser humano, por isso seundo
Caldart (), nossa escola precisa ter raiz e projeto. Pois, enraizado é o sujeito
que tem laços, que participa de uma coletividade, que permite ohar para trás e para
frente, que conserva vivo certos tesouros do passado e certos pressentimentos do
futuro. Ter projeto, por sua vez é ir transformando ees pressentimentos de futuro
em ações e práticas sociais, em um horizonte pelo qual se trabaha e se luta.
A necessidade de um novo enraizamento social requer conceber a educação
de forma ampla, incluindo a educação escolar e não escolar, que se constituem
como espaços da arena política e de aprendizado entre todos os sujeitos sociais
contribuindo para a construção do pertencimento social dos mesmos.
Este texto o pretende dar conta dea riqueza de desaos, da diversidade
das organizações dos povos do campo no que se refere às suas lutas sociais, forma
de produzir e reproduzir a vida e se relacionar com a natureza, nem tampouco
faremos uma análise exaustiva de cada organização ou iniciativa educativa, busca-
remos resgatar elementos gerais que foram construídos a partir de cada momento,
e que ensinamentos perceberemos presentes hoje em diferentes iniciativas de
escola do campo.
3. Puxando o fio da hiória
“Da dearecea dos tempos aprendo as
tranças e tramas das novas lições.
G
Para entender a contribuição pedagógica que os movimentos sociais trazem para
a Educação do Campo, precisamos resgatar práticas educativas geadas em nosso
país, que constituíram o arcabouço da educação popular, pois acreditamos que as
mesmas desempenham e desempenharam um papel importante do ponto de vista
ético, político e pedagógico gerando um repertório de conceões, práticas e fer-
E C : questões para reflexão
65
ramentas que foram sendo construídas e reconstruídas pelos movimentos sociais
e organizações não governamentais na implementação das escolas do campo.
Certamente que, vários caminhos aqui não citados, bem como outros tantos
caminhos a se construir. Mas se são múltiplos os caminhos, também são múltiplos
os sujeitos sociais e as políticas dentro dessa realidade, portanto, coremos o risco
de não resgatar iniciativas importantes que construirão a escola do campo.
Nosso recorte tem quatro tempos de aprendizagem: o aprendizado da liber-
dade, o aprendizado da perseverança, o aprendizado da autonomia e dos direitos
e o aprendizado da diversidade, e é com esse ohar que percoremos a história.
3.1. Primeiros tempos: “O aprendizado da liberdade
“O movimento para a liberdade, deve surgir e partir dos pró-
prios oprimidos, e a pedagogia decorrente será “ aquela que tem
que ser forjada com ele e o para ele, enquanto homens ou
povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade.
Vê-se que o é suficiente que o oprimido tenha conscncia
crítica da opressão, mas, que se dionha a transformar essa re-
alidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização.
P F
Desde a chegada dos colonizadores portuueses, tivemos, em nosso país conitos
e rebeliões populares formados por complexa composição étnica, social e ideo-
gica índios, caboclos, camponeses, escravos, alfaiates, barqueiros, religiosos,
seleiros, etc com proporções e alcances distintos, ora manifeando-se como
amplos movimentos de massa construindo novas formas de organização social,
política e econômica, ora manifeando-se como ações eecícas e localizadas ou
movimentos messiânicos, de confronto com a opressão, a miséria, a dependência,
a ausência de direitos, a luta pela posse da tera e por mehores condições de vida
e de trabaho nas sociedades colonial, monárquica e repulicana.
 Durante os períodos colonial e imperial o trabalho pedagógico dirigido a índios, negros e brancos
pobres foi rerito e provisório. Longe das escolas aprendiam no ofício do trabalho e nas práticas
comunitárias o seu saber.
 No período imperial tivemos apenas o nascimento das primeiras organizações operárias. No
começo do século XIX já exiiam algumas associações de artesãos, mas organizadas sob a forma
de irmandades religiosas. As primeiras organizações operárias, sem um caráter essencialmente
religioso, foram associações voltadas para a ajuda mútua em situações de doença, acidentes no
trabalho, invalidez, etc.
E C : questões para reflexão
66
Durante todos esses peodos tivemos ações populares de intervenção na
ordem social, práticas reprimidas de participação social e política do povo que
colocaram em ebulão os direitos políticos e sociais, antes que a cidadania e a
sociedade civil se eabelecessem entre nós, e que tiveram nos camponeses(as)
sujeitos protagonistas de várias dessas lutas e mobilizações.
A proclamação da Repúlica (), juntamente com a abolição da escravidão
() marcam um dos momentos de maior transformação social já vivido pelo
país. A chamada Primeira Repúlica, que se seue, é o período de delineamento
da identidade social e política do trabahador brasileiro. Evidentemente, havia
anteriormente trabahadores, mas não uma classe trabahadora. Até então, quem
trabahara no Brasil foram os escravos e a sociedade imperial escravista desme-
recera inteiramente o ato de trabahar.
Os movimentos sociais e políticos surgidos ao longo no início da Repúlica,
vão ear impaados pelo processo de urbanização e industrialização, além disso,
o ideário do Partido Comunista colocava o operariado como protagonista da
transformação do país, e, portanto, sujeito prioritário do processo organizativo e
das ações educativas que visavam prioritariamente alfabetizar para votar e formar
quadros para o partido.
No entanto, as várias revoluções ocoridas a partir da década de  no
mundo terão uma intensa e decisiva participação dos camponeses: as revoluções
chinesa, vietnamita, argelina, cubana, nicaraüense, e o surgimento das Ligas
Camponesas no Brasil contribuíram para repensar o papel desses sujeitos sociais
como protagonistas das transformações políticas e sociais.
Entretanto, as ciências sociais e as teorias políticas sempre tiveram diculdades
em encontrar um lugar para o campesinato, sendo visto por muitos teóricos como
uma classe destinada a desaparecer, com uma economia invvel e politicamente
conservadora, contribuindo para o desconhecimento da cultura, da vida e da reali-
dade camponesa e de suas organizações nos estudos e pesquisas acadêmicas do país.
Na verdade, essa concepção vem sendo rompida porque a realidade mostra
que a priori não existe uma classe ou um grupo mais revolucionário do que outro,
na verdade temos uma sociedade complexa na qual a diversidade e heterogenei-
dade da classe trabahadora na forma de produzir e reproduzir a base material
e imaterial da vida, as relações sociais e a construção de diferentes identidades
sociais vão denindo os cenários e os sujeitos das transformações políticas e so-
ciais dentro de cada sociedade.
Na área educacional a partir de , pressionados pelo forte movimento
migratório interno, o aumento da miséria no campo e na cidade, o movimento
E C : questões para reflexão
67
dos pioneiros da educação, a pressão dos setores urbanizados da população por
escola, o interesse do empresariado para que se tivesse uma capacitação da força
de trabaho dos migrantes rurais ou estrangeiros, teve início uma série de inicia-
tivas dentre as quais, as campanhas educativas nacionais, a educação de adultos
, as missões rurais, os programas radiofônicos, a implementação da extensão
rural no Brasil. Os movimentos civis e lutas pela democratização da educão
Grupo de educadores e teóricos brasileiros que elaboram um manifeo em defesa da escola pública,
gratuita e laica, dentre ees podemos deacar: Asio Teixeira, Loureo Filho e Carneiro Leão.
 A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA-) é a primeira grande cam-
panha de educação dirigida predominantemente ao meio rural, dela se desmembrou em , a
Campanha Nacional de Educação Rural CNER, que centrou sua ação na educação comunitária
com as missões rurais e na formação do professorado leigo.
A década de , foi marcada por algumas iniciativas políticas e pedagógicas que ampliaram a
educação de adultos: a criação e a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP,
); a criação do Inituto Nacional de Eudos e Pesquisas (INEP); e a Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo (CNEA-), pretendia ser um programa experimental deinado à
educação popular e educação rural criando entre outras coisas os centros pilotos para treinamento
de professores rurais
Grupos de cnicos e eudantes que penetravam no interior do país para realizar educação de base,
organização de cooperativas, assiência sanitária, organização de clubes agrícolas, centros sociais nas
comunidades, numa tentativa de “modernização do campopara se adaptar a sociedade indurial
emergente, e não na conteão das eruturascio-econômicas exientes (Paiva,).
 São poucas as referências sobre os siemas rádio-educativos, embora seja regirada a exiência
de dezenas deles, implantados do fim dos anos  a meados dos anos , em convênios
com o Sirena. O Siema Rádio-Educativo Nacional (Sirena), criado em , como reforço à Cam-
panha de Educação de Adolescentes e Adultos. A âncora do Sirena era a Rádio Nacional, no Rio
de Janeiro, que se encarregava de radiofonizar e transmitir os programas educativos produzidos
por uma equipe pedagógica do Serviço de Educação de Adultos do MEC. Esses programas eram
gravados em LP de  polegadas, para serem reproduzidos pelas emissoras conveniadas. Além
desses discos, o único material didático editado pelo Sirena que se conhece é a Radiocartilha
para alfabetização.
 A extensão rural nasce em em Minas Gerais com a Associação de Crédito e Assiência Rural
(ACAR), sob o patrocinio da American International Associaton for Economic and Social Develo-
pment (AIA), que segundo Fonseca(), tinha como objetivo imediato o uso de técnicas pelas
comunidades rurais no sentido de aumentar sua produtividade e bem-ear social.
 Nesse momento o conceito de educação popular era entendido como a extensão da escolaridade
para as camadas populares de nossa sociedade.
E C : questões para reflexão
68
púlica, laica e gratuita vai sofrer forte inuência do ruralismo pedagógico, e
contribuir para o surgimento do debate sobre a educação rural em nosso país.
O ruralismo teve grande inuência na construção dos primeiros prédios pú-
licos na área rural, conhecidos como escolas típicas rurais”, criação das “es
-
colas normais rurais”, no entanto, esse discurso foi marcado pelos seus limites
seja pela visão redentora da escola, da idealização do campo ou da idéia de xação
das pessoas no campo como maneira de evitar a explosão de prolemas sociais nas
cidades, servindo assim também aos segmentos das elites urbanas e da oligarquia
rural que não queria o esvaziamento da mão-de-obra no campo.
A partir de , o discurso baseado numa tendência social e política urba-
nizante e desenvolvimentista vem se contrapor ao discurso do ruralismo. Para o
discurso urbanizador (Abraão, ), as populões migrantes rurais têm uma
mentalidade que não se ajusta ao racionalismo da cidade, cabendo à escola prepa-
rar culturalmente aqueles que residem no campo, com uma educação que facilite
a adaptação a um meio que tende a uniformizar-se pela expansão da industriali-
zação e da urbanização, cabendo a escola oferecer uma formação universal e única,
e que os prolemas das escolas rurais eariam vinculados à sua organização, os
métodos e técnicas que utilizava e a formação do professorado.
 Discurso pedagógico que atribui a falta de desenvolvimento do campo, à não fixação do homem
à terra e à situação das escolas rurais, como uma situação predominantemente cultural, portanto,
a escola teria o papel de realizar uma mudança no campo tirando-o do atraso e da ignoncia,
impedindo assim a migração de sua população para a cidade.
 Tentativa de levar a Educação ao Campo, criando uma escola de “natureza rural”, a fim de conter
a migração em suas fontes, propiciando a redução dos fluxos migratórios. (Paiva, : p.). O
grupo indurial que emergia tinha todo interesse neas idéias, pois mais importante que o voto
nesse momento para esse grupo era impedir o crescimento do conflito social nas cidades e o
contato dos camponeses com as idéias anarquias e comunias que começavam a influenciar
as organizações operárias.
 Na década de , tinha ocorrido a primeira intervenção direta e financiada pela União no
ensino primário rural no sentido de nacionalizar e financiar as escolas pririas no sul do país,
eabelecidas em núcleos de população imigrada, para se contrapor às escolas internacionalias
(criadas pelos anarquias e pelos imigrantes).
 Geralmente eram escolas com uma sala de aula, a casa da professora, uma área coberta, sanitários e
terreno para desenvolvimento de atividades agrícolas. Essas escolas foram conruídas com verbas
do FNEP, passando geralmente pelo critério da negociata para beneficiar parentes de políticos, e
não pela demanda da localização impoa pela necessidade da população rural (Paiva, ).
 Essas escolas deveriam ser conruídas nas cidades do interior para formar o professorado leigo
das escolas rurais, com uma formação eecífica e voltada para a realidade rural. No entanto, a
Lei Orgânica do Ensino Normal de , initucionaliza em seu lugar a Escola Normal Regional
colocando critérios que impedem o acesso do professorado leigo que eava em exercio nas
escolas normais (Silva, ).
E C : questões para reflexão
69
Esse discurso urbanizador vai se tornando gradativamente hegemônico na
teoria pedagógica com uma perectiva universalista que vai anulando as eeci-
cidades e a necessidade de uma política educacional eecíca do campo, o que
foi reforçada pela conceão de Educação de Base.
Seundo Brandão (), numa sociedade que divide o trabaho e o poder, e
que faz de tal divisão a condição de sua ordem e a base de tantas outras divisões,
o sistema de educação acompanha ao lado de outras práticas sociais essa repro-
dução e desiualdade. Nesse sentido, o discurso da escola eendida a todos do
mesmo modo, onde todos de início são dados como iuais e partem das mesmas
condões, contribuem para que saiam das salas de aula desiualmente reparti-
dos para a vida e o trabaho, enfatizando que a diferença da qualidade individual
eabelece a diversidade dos resultados, esvaziando a dimensão social, política e
pedagógica da escola.
A partir de , as lutas contra a exclusão da população a escolarização, pela
reforma agrária vão contribuir para a redenição da educação. A educação po-
pular passa a ser entendida, não como um direito de cidadania, mas como a
necessidade de encontrar caminhos para um processo educativo, mas, também,
político, econômico, social e cultural.
O marco dessa redenição é o II Congresso Nacional de Educação de Adultos.
Na preparação dee, no Seminário Regional de Pernambuco, Paulo Freire, como
relator convoca a um trabaho com o homem e não para o homem; a utilização
de modernas técnicas de educação de grupos com a ajuda de recursos audiovisu-
ais que convoca o trabaho educativo da escola a ser com o homem e não para o
homem.(Paiva, ). Esse documento vai ser um marco para a constituição dos
movimentos pedagógicos que vão se estruturar a partir de então.
Para Paiva (), esse Congresso marca:
O início da transformação do pensamento pedagógico brasileiro, com o abandono do
otimismo pedagógico’ e a (re) introdução da reexão social na elaboração das iias pe-
dagógicas. Além disso, ele serviu também como estímulo ao desenvolvimento de idéias
e novos métodos educativos para adultos.
 O conceito de Educação de Base usado pela Unesco a partir de , como sendo o acesso da
população ao mínimo fundamental de conhecimentos, em termos das necessidades individuais e
coletivas, através de métodos ativos, deveria contemplar o desenvolvimento da leitura, da escrita,
do falar e do ouvir, do desenvolvimento profissional, sanitário, moral e eiritual.
 Documento intitulado: A Educação dos adultos e as populações marginais: o problema dos mo-
cambos”, chama a atenção para as causas sociais do analfabetismo e condicionando sua eliminação
ao desenvolvimento da sociedade (Paiva, ).
E C : questões para reflexão70
As práticas educativas desenvolvidas nesse período cunharam uma conceão
de educação popular, como um conjunto de práticas que se realizam e se desen-
volvem dentro do processo histórico no qual eão imersos os setores populares,
ela deve ser compreendida também como estratégias de luta para a sobrevivência
e libertação desses setores.
A mobilização da sociedade brasileira em defesa da escola encontrou nessas
idéias fundamentos para suas proposições e espaços para formulação de movi-
mentos pedagógicos e sociais que com suas ações demarcaram uma nova pers-
pectiva e contribuíram para trabahos posteriores no campo da educação popular,
gostaríamos portanto de deacar os seuintes movimentos e organizações: movi-
mentos de educação popula
(MCP, CPC, A campanha De Pé no Chão também se
aprende a ler, MEB); movimentos da Ação Católica (JAC, JEC, JIC, JOC E JUC) e
Ação Popular; movimentos sociais do capo (Ligas Camponesas, Ultab, Master).
... M
O Movimento de Cultura Popula MCP, criado em maio de , vinculado à
prefeitura de Recife, com a meta de elevar a cultura do povo, preparando-o para
a vida e para o trabaho, realizando programas de alfabetização e educação de
base como seus pilares. A educação não formal para integrar o educando à vida
cultural e política do país e mehoria de vida com programas de formação pros-
sional. Por isso organizava: parques de cultura (oportunidades de lazer, recreação
educativa, prática de esportes, apreciação crítica de cinema, teatro e música); pra-
ças de cultura (centros de recreação e de educação nas comunidades); e núcleos
de cultura onde existiam atividades voltadas para educação infantil (jogos, artes
plásticas), educação dos adolescentes (esportes, clube de literatura, teleclubes,
cineclubes) e dos adultos (círculos de cultura e de literatura, teatro, clube dos
pais) realizando uma articulão permanente entre escolaridade, cultura e for-
mação de base. Essa experiência foi fundamental para pesquisa educacional,que
vai elaborar o método Paulo Freire.
Os Centros Populares de Cultura (CPCS da UNE)
, criados em abril de , pela
União Nacional dos Estudantes-UNE, abriu caminhos para a politização das
queões sociais através, principalmente do teatro de rua (montado nos sindicatos,
universidades, praças púlicas, feiras, etc.), da edição de livros, discos e lmes, e
posteriormente enfatizando também a alfabetização. Acreditavam que o plano
cultural era importante para a transformação social do país e a politização das
massas. Teve um papel decisivo no envolvimento dos estudantes no movimento
estudantil e no movimento de cultura e de alfabetização que por meio das UNEs
Volantes criaram centros de cultura, teatro, grupos de alfabetização em várias
partes do Brasil e contribuíram com o surgimento de um grande número de
1.
2.
E C : questões para reflexão
71
compositores comprometidos com a renovação da música popular brasileira, do
cinema, das artes plásticas e da crítica literária.
A capanha De Pé no Chão tabé se aprende a le, criada em fevereiro de , pela
Secretaria Municipal de Educação de Natal resultou da própria evolução da rede
escolar municipal, por meio da multiplicação de diferentes espaços de educação
com a constituição de comitês formado pela população realizando alfabetização,
formação de professores, praças de cultura, criação de biliotecas populares, pro-
gramações diárias em rádios, realização de autos populares e folclóricos, literatura
de cordel. Trabahou com crianças, jovens e adultos devido à escassez de recursos
propôs a constituição de acampamentos cobertos de paha de coqueiros e sobre
chão de tera, que funcionava durante o dia com turmas para crianças e adoles-
centes e à noite para os adultos. Pulicou cartihas eecicas para a campanha,
fazendo com que o poder púlico assumisse uma ação de massa para escolarização
das camadas populares.
O Movimento de Educação de Base (MEB)
optou pela educação das classes cam-
ponesas por meio de uma rede de escolas radiofônicas e participação na sindica-
lização rural com trabaho nas escolas rurais e nas paróquias para formação de
lideranças rurais apoiados pela CNER. Uma das formas mais ricas de trabaho
pedagógico desenvolvido foi a Animação Popular que consistia em encontros das
comunidades para reexão política, aprofundamento das discussões e ação para a
transformação de situações vividas pela comunidade. Fomentando uma base co-
letivo-associativa a partir da realização de mutirões de trabaho, feas, mobiliza-
ções por educação e saúde, etc. O sistema composto de professores, supervisores,
locutores e pessoal de apoio que se encaregavam da preparação dos programas
transmitidos pelas emissoras das dioceses e acompanhados pelos monitores da
própria comunidade, formados pelo MEB para orientar os alunos sob as aulas
transmitidas pelo rádio” (Paiva, ).
 Campanha Nacional de Educação Rural, criada em , com o objetivo de inveigar e pesquisar
as condições econômicas, sociais e culturais do campo, preparar técnicos para realizar educação
de base ou fundamental no campo, por meio dos centros de treinamento de líderes rurais, os
centros sociais rurais, as missões rurais e as semanas educativas, sua tônica era o desenvolvimento
comunitário.
3.
4.
E C : questões para reflexão72
... M A C
Movimentos da ação católica (JAC, JEC, JIC, JOC E JUC), que organizavam o
laicato jovem para uma inserção dentro de sua realidade. Esses movimentos de-
senvolveram uma metodologia conhecida como Revisão de Vida conhecida como
o métoo e-julga-agi. O método se desenvolve em três momentos: partir da re-
alidade, da vida dos jovens (ver), confrontar os desaos levantados pela realidade
com a (julgar), partir para uma ação transformadora do meio (agir), essa meto-
dologia enfatiza a Formação na Ação, a organização de pequenos grupos em cada
comunidade, escola ou local de trabaho, que os conteúdos de formação partam
da realidade social dos jovens, armação de uma prática transformadora. Esse
trabaho contribuiu para abrir caminhos no engajamento da igreja em queões
políticas e sociais e na formação das lideranças jovens que se inseriram nas lutas
estudantis, sindicais e políticas desse período e posterior a ele. Hoje encontramos
várias experiências que com suas devidas reformulações utilizam metodologias
similares no sentido de partir da realidade, aprofundar o conhecimento e ter uma
ação transformadora na comunidade (ACO, )
Ação Popula (AP):
foi formada em Belo Horizonte (MG), em , a partir de
grupos de operários e estudantes ligados à Igreja Católica: a Juventude Operária
Católica (JOC), Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude Estu-
dantil Católica (JEC). Nos primeiros anos da década de , ainda fortemente
inuenciada pelo ideário humanista cristão, vinculada às estruturas formadas
pela Igreja junto aos movimentos populares, a AP possuía penetração entre ope-
rários, camponeses e estudantes, principalmente entre os últimos. A AP deslocou
militantes para as fábricas e para o meio rural, sendo efetuadas experncias em
meios populares como o ABC paulista, da Zona Canavieira em Pernambuco,
da região Cacaueira da Bahia, da área de Pariconha e Áua Branca em Alagoas,
e do Vale do Pindaré, no Maranhão. Foi da Juventude Estudantil Católica que
partiram as primeiras discussões que operaram mudanças políticas e ideológi-
cas e sua transformação em uma organização marxista-leninista. Em março de
, a AP formalizou o processo de marxistização e se proclamou partido com a
denominação de Ação Popular Marxista-Leninista (APML), que continuou sua
ação política durante a ditadura (ACO, ).
 A ação católica eecializada deve muito ao Padre Cardjin que, trabalhando com jovens operários
na periferia de Bruxelas, formulou os alicerces para o trabalho, como, o laicato como elemento
fundamental para a organização, uma formação na ação eo apenas teórica, uma fé vivida no
engajamento social e pedagogias para deertar o eírito crítico
 Os grupos da Ação Católica Eecializada, Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Eudantil
Calica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operia Católica (JOC) e a
Juventude Universitária Católica (JUC).
a.
b.
E C : questões para reflexão
73
... M S C
No período de  a , surgiram três grandes organizações camponesas que
deram uma outra sionomia ao debate e as lutas dos camponeses (as) no País:
União dos Lavradores e Trabahadores Agrícolas do Brasil (Ultab) criada em São
Paulo em  que reinvidicava o direito a organização dos trabahadores rurais
em associações e sindicatos, o direito de greve, a reforma agrária, previdência
social, adoção de medidas de apoio a produção etc., sendo a primeira experiência
na perectiva sindical no campo brasileiro;
As Ligas Caponesas, criadas em  em Pernambuco, inicialmente contra o
pagamento do foro aos donos de Engenho, e posteriormente, se tornando um
movimento de luta pela Reforma Agrária que se espahou por vários Estados do
Nordee. A partir das Ligas os camponeses organizados faziam um trabaho de
denúncia, agitação, resistência na tera e mobilizações. As ligas utilizavam dife-
rentes estratégias para organizar e formar os trabahadores: conversas na feira, na
missa, nos locais de trabaho, boletins, cordéis, etc…, e dentre as reivindicações
das Ligas a escola já aparecia como um direito importante para os trabahadores
(as) do campo;
Movimento dos Agricultores Sem Tera (Master) surgiu no Rio Grande do Sul
em , a partir da resistência de  famílias de posseiros, inovava com relação
às formas de luta, pois executava a ocupação de teras, formando acampamentos
e organizando estratégias de defesa, dentro das teras dos latifundiários, em áreas
previamente escohidas.
Essas três organizações durante sua existência assumiram alumas lutas de
forma unicada a greve no setor canavieiro em Pernambuco, em , que obteve
conquistas signicativas para a categoria ou a participação em congressos como,
o I congresso Nacional dos Lavradores e Trabahadores Agrícolas, realizado em
, que embora explicitasse as divergências, marcou o reconhecimento social e
político da categoria camponesa e o reconhecimento do seu potencial organiza-
tivo dentro da sociedade brasileira.
... E
a) Educação como foração humana
A educação como contribuição à humanização do ser humano pautada no pres-
suposto de que os seres humanos nascem inconclusos, inacabados, tornando hu-
manos ou nos desumanizando no decorer de nossas vidas, de acordo com as
experncias individuais, coletivas e dos grupos sociais com os quais convivemos,
acreditando, como diz Freire () na capacidade ontológica do humano de ser
1.
2.
3.
E C : questões para reflexão74
mais, porque “ninuém tem liberdade para ser livre, pelo contrário, luta por ela
precisamente porque não a tem”(Freire, ).
Para ilustrar essa conceão resgatamos a denição formulada por Souza
(): O eu (identidade) de cada ser humano se constrói na coletividade (s)”. A
humanização implica então na construção de iias, pensamentos, artes (pensa);
afetos, vontades, paixões (eociona-se); bem como atividades, ões, práticas e
experncias (faze), no interior de determinadas relações sociais e naturais (meio
natural e social).
Assim, precisamos resgatar a conceão de educação no sentido amplo de
processo de construção da humanidae do sehumano e do planeta, que constrói
referencias culturais e políticas para a intervenção das pessoas e dos sujeitos so-
ciais na realidade visando uma humanidade mais plena e feliz.
Para Souza (), o processo de humanização requer uma resocialização
dos seres humanos, implicando em transformações de nossas formas de pensar,
de fazer, de sentir. Essa ressocialização se dá por dois processos: a recognição, que
são as mudanças nas nossas formas de pensar, de compreender a nós mesmos, aos
outros, a natureza, a cultura, as instituições sociais, enm ressignicar o mundo,
possibilitando a desconstrução de idéias anteriores e a construção de uma outra
compreensão dos assuntos e prolemas e a reinvenção, que o as mudanças nas
emoções, nas formas de agir, no gosto de viver e conviver, sendo assim, a apren-
dizagem acontece a partir do confronto entre as diferentes formas de pensar,
emocionar-se e agir, no diálogo, na escuta, na comparação entre as idéias, saberes,
valores, construindo novos saberes e sentires, que busquem contribuir para a
humanidade do ser humano.
Essa relação, presente dentro da escola, possibilita uma reavaliação do passado,
atras do resgate da memória e dos conhecimentos socialmente sistematizados
pela humanidade. É uma indagação sobre as bareiras que no presente se colocam
a nossa condão humana de seres livres, conscientes e responsáveis e, a partir
da produção desses conhecimentos nos remete a construir um futuro solidário,
portanto, a luta por educação se vincula com o conjunto das lutas pela transfor-
mação das condições sociais de vida no campo.
Assim, o ponto de partida da prática pedagógica é sempre o mundo humano
em sua complexidade histórico-cultural, com suas contradições, ambiüidades
e possibilidades. Essa aprendizagem tem sido fundamental para a conceão de
escola do campo.
b) Educação como eancipação humana
Como o ser humano eá aprisionado, ´assujeitado` por diferentes e diversos fato-
res a construção de sua humanidade adquire a forma de processo de emancipação
e libertação. Emancipar-se só é possível, no contexto de sociedades democráticas,
E C : questões para reflexão
75
por exigir um exercício anterior de noções como liberdade, iualdade, autonomia
e desalienação, pois para exercer a emancipação, é necessário viver em sociedade,
usufruindo direitos civis, políticos e sociais, nos âmbitos individual e coletivo, o
que se desdobra em queões morais e éticas.
Na obra de Freire, pensar a emancipação é buscar o seu contraditório: a opres-
são. Esta condição de opressão tem o recorte de classe social, em suas obras iniciais,
pois seriam ees grupos os necessitados do sentido de liberdade, autonomia e
emancipação, passíveis de conquista pela práxis revolucionária dees sujeitos.
Em decorência a conceão da educação como eancipação humana, compre-
endendo que os sujeitos possuem história, participam de lutas sociais, sonham,
têm nomes e rostos, gêneros e etnias diferenciadas, e que ao lutar pelo direito à
tera, à orea, à áua, à soberania alimentar, ao meio ambiente, aos conheci-
mentos potencializadores de novas matrizes tecnológicas, da produção a partir
de estratégias solidárias vão recriando suas pertenças, reconstruindo a sua iden-
tidade na relão com a natureza e com sua comunidade.
c) Educação como ação cultural
A educação como ação cultural que se produz por meio de relações mediadas pela
forma de produzir a vida, na relação com o meio ambiente e o trabaho. Toda
possibilidade para o ser humano eá diretamente ligada com a possibilidade de
criar cultura na sua relação com o mundo e com os outros seres humanos.
Tem como proposta um meruho revitalizador nas próprias raízes culturais,
tanto do passado como contemporâneas, indicando um movimento de tornar
mais consciente o que a gente vive e faz como cultura.
A iia de construir uma educação do povo e não para o povo, o resgate dos
valores culturais, a comunicação, a criatividade e a diversidade dos instrumentos
para fazer a formação foi uma aprendizagem muito forte a partir da ditadura.
A poesia de feição popular, a moda de viola, os repentes, o teatro se constituem
como espaço da identidade, da criatividade, do desejo de se exprimir, das desco-
bertas e alimento das energias e das eeranças.
O resgate dos símbolos do trabaho, da vida dos camponeses (as) era funda-
mental nas celebrações, que alimentavam a stica da resistência e do “não de-
sistir nunca. E hoje, se encontram presentes na simbologia de vários movimentos
e na sala de aula do campo como alimento da cultura, dos valores e da memória
coletiva dos povos do campo.
E C : questões para reflexão
76
3.2. Segundo e longo tempo: “O aprendizado da perseverança
“O aprendizado de outra virtude se impõe à perseverança,
tenacidade com que devemos lutar por nosso sonho. o pode-
mos desiir nos primeiros embates, mas a partir deles aprender
como errar menos. Na exiência de uma pessoa, cinco, dez, vinte
anos representam alguma coisa, às vezes muito. Mas não na
hiória de uma nação. Temos que transformar as dificuldades
em possibilidades. Sermos pacientemente impacientes
P F
O golpe de  violentou a conceão de educação que vinha se desenhando no
Brasil a partir das diferentes iniciativas pedagógicas e políticas organizadas pela
sociedade civil, com o fechamento dos canais de participação e representação
impõe limites e controle aos segmentos populares, aos bens educacionais e sociais.
Educadores (as) comprometidos e lideranças o perseuidos e exilados, as uni-
versidades sofrem intervenções e os movimentos populares são desarticulados.
Contudo, o índice do analfabetismo continuava muito alto. Tal fato reper-
cutia mal internacionalmente, assim o governo organizou durante esse período
várias campanhas de alfabetização com o intuito de colocar o país no rumo do
desenvolvimento”.
Nesse peodo vamos ter uma presença muito forte da extensão rural. Em
muitas comunidades a escola é substituída pela presença do técnico, e o processo
educativo passa a ser visto como instrumento de capacitação mínima para inser-
ção do povo do campo na modernização conservadora, retratada signicativa-
mente pela Revolução Verde, enquanto modelo tecnológico.
A resistência à ditadura vai ear presente principalmente por meio dos mo-
vimentos progressistas da igreja católica que reiniciam a articulão, formação
de lideranças e organização de base nas comunidades.
Desse período gostaríamos de deacar como espaço de resistência e perseve-
rança: Organizações da igreja, movimento sindical rural e a Pedagogia da Alternância.
... O
As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que tinham sido criadas no início
da década de , baseada na teologia da libertação, se tornaram importantes
espaços para os trabahadores rurais e urbanos se organizarem e lutarem contra
a injustiça e por seus direitos, quer de medião para o surgimento e desenvol-
vimento dos movimentos sociais populares, quer para a renovação interna da
igreja (a expressão forjada naqueles anos e que ganhou legitimidade ocial “nova
1.
E C : questões para reflexão
77
forma de ser igrejadiz bem do conteúdo). Com a democratização do país, elas
perderam a visibilidade anterior e permanecem mais na retauarda das ações
políticas. ueões internas de amadurecimento, conitos com Roma e seto-
res hierárquicos nacionais preocupados com sua autonomia e reivindicações de
maior democratização interna da instituição (além do fato de elas serem vistas
como porta-vozes populares da Teologia da Libertação), aumento pequeno de
seus quadros tendo em vista as dimensões do país e a populão católica, levaram-
nas a uma revisão.
A Comissão Pastoral da Tera (CPT), surgiu em , como resposta à grave
situação dos trabahadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia,
a CPT teve um importante papel. Ajudou a defender as pessoas da crueldade
desse sistema de governo, que só fazia o jogo dos interesses capitalistas nacionais
e transnacionais, e abriu caminhos para que ele fosse superado. Ela nasceu ligada
à Igreja Católica porque a repressão eava atingindo muitos agentes pastorais e
lideranças populares, e também, porque a igreja possuía certa inuência política,
mas logo em seuida se tornou ecumênica, incluindo outras igrejas, com deaque
para a Igreja Luterana. Em cada região seu trabaho assume uma ênfase de acor-
do com os sujeitos do campo que se vincula, no entanto, três eixos eão sempre
presentes em seu trabaho: tera, áua e direitos humanos.
... M S R
Criada em , a Confederação Nacional dos Trabahadores na Agricultura (Con-
tag), como primeira entidade sindical camponesa de caráter nacional, na busca pela
mehoria das condições de vida dos trabahadores do campo, pela reforma agrária,
sofre de imediato a violência do golpe militar sobre as lideranças de sua organização,
que viu bandeiras de lutas políticas dos trabahadores, em eecial, a da reforma
agrária, serem colocadas em seundo plano.
Logo na sua criação tinha sido constituída uma equipe de “educação sindical”
com o objetivo de capacitar lideranças e dirigentes a m de mantê-los informados,
nas temáticas do movimento e da realidade social e política do país. A formação
sindical centrava sua ão no período na alfabetização dos trabahadores (as), na
difusão de práticas agrícolas e cursos políticos para formar novas lideranças, que
durante a ditadura tiveram que atuar de forma quase clandestina.
A partir de , trabahadores que resistiam à ditadura buscaram retomar o
controle da entidade, e superar as dissidências alimentadas durante o período de
interveão, buscando a organização dos sindicatos e federações. A formação se
traduzia em práticas educativas para garantir núcleos organizados nos locais de
trabaho e para fortalecer o processo de retirada dos interventores e sindicalistas
pelegos, impostos nos sindicatos e federações, pela ditadura.
2.
E C : questões para reflexão
78
Os materiais de comunicação sindical foram fundamentais para garantir mi-
nimamente uma ação articulada nacional, regional e eadual. Eram boletins,
revistas e jornais, que tinham como objetivo central a conscientização e a socia-
lização das vitórias e lutas do MSR. A criatividade marcou esse período. O
cerceamento das liberdades individuais e coletivas inibia qualquer divulgação de
trabahos que pudessem, em seu conteúdo, ser interpretado como ofensivo ao
governo e a “ordem púlica”.
O cotidiano e o estímulo à organização dos trabahadores (as) rurais eram
reproduzidos por meio de personagens. Também reproduziam as poesias, prosas
e cordéis, escritas pelos trabahadores (as) rurais, dialogando com os desaos do
dia-a-dia, sem serem perturbados pela Polícia ou pelo Ministério do Trabaho. Os
autores das histórias utilizavam pseudônimos, caso a repressão militar resolvesse
censurar os textos, os autores eariam protegidos.
... P A
O movimento das escolas rurais em regime de alternância nasceu em , a partir
da iniciativa de três agricultores e de um padre de um pequeno vilarejo da França
que prearam atenção na insatisfação sentida pelos adolescentes, demonstrando
atenção para com o meio em que viviam, desejando promovê-lo e desenvolvê-lo.
Na França a experiência é denominada de Maison Familiale Rurale (MFR). Na
Espanha e na Itália é denominada Escola Família Agrícola (EFA).
O sistema pedagógico da alternância, no Brasil, teve seu início no Espírito Santo,
em , vel de Unefab, que congrega as Escolas Famílias Agrícolas (EFAS) e em
, no Paraná, a vel de Arcafar, que congrega as Casas Familiares Rurais (CFRS).
Pensar uma proposta educacional em opção à educão formal foi uma neces-
sidade frente à realidade rural de países como o Brasil. Os fatores que contribu-
íram para o surgimento da Pedagogia da Alternância, no Brasil, tiveram relação
direta com a economia agrícola baseada na produção de subsistência. A falta
de conhecimento de técnicas alternativas para preservação ambiental, o rápido
processo de desmatamento, o uso do fogo de modo indevido, preparo do solo
inadequado, uso intensivo de agroxicos, baixo uso de práticas conservacionistas
nas áreas de cultivos e predominância da monocultura zeram com que as famí-
lias rurais cassem em situação precária, comprometendo o acesso de crianças,
adolescentes e jovens à escola formal. A situação se agravou devido à falta de po-
líticas púlicas para atender a grande demanda presente no campo. A Pedagogia
da Alternância veio, então, possibilitar que a freqüência à escola pudesse ser uma
realidade também para quem vive fora dos centros urbanos.
No Brasil, ao conjunto de EFAs e CFRs convencionou-se chamar CEFFAs
– Centros Familiares de Formação por Alternância. Hoje, o Brasil conta com 
E C : questões para reflexão
79
Centros Familiares, distribuído em  eados da federação, envolvendo mais
de  municípios e atendendo, atualmente, cerca de  mil jovens, hos de
agricultores familiares. Em três décadas de atuação, os Ceas já formaram mais
de  mil jovens.
... E
 E C
a)Foração de grupos e coletios de trabalho
O trabaho comunitário e de pequenos grupos foi a estratégia adotada durante
muitos anos para resistir e formar novas lideranças durante a fase da ditadura.
Eram organizações quase clandestinas em grande parte fomentadas ou apoiadas
pela igreja. Portanto, esse período nos ensinou a importância da comunidade, da
formação de base, do trabaho em grupos, da importância do ambiente cultural na
formação do ser humano, por exemplo, na Amazônia, as relações comunitárias
de parentesco e de vizinhança foram a base da organização dos posseiros”, durante
toda a cada de . Os núcleos formados por famílias extensas e vizinhos, lide-
rados pelos mais antigos, formavam uma rede importante de relações através das
quais se recrutavam os membros das comunidades para as ações coletivas. Foi na
experncia de comunidades já existentes, na sua organização já construída e na
solidariedade que novos migrantes foram rompendo as fronteiras do latifúndio
na região, e foram cando na tera e produzindo.
b) A arte como feaenta educatia
As ocinas de arte e criatividade, desde a sua preparação, passam a ser um desao
à criatividade. Lançando o da música, do teatro, da expressão corporal, das
práticas de relaxamento, meditação, massagem, da colagem, da mistur(ação) de
sons, imagens e textos, promovemos a participação e motivamos para a (re)leitura
e a (re)criação da realidade social na qual atuamos. O aprofundamento e o estudo
não eão descartados, ao contrário, o desaados a encontrar formas inovadoras
de se realizarem, a exemplo das ocinas de leitura dramatizada e das teatraliza-
ções temáticas.
Outro instrumento muito utilizado em nais da década de  a meados
de  , foi o sociodrama e o Teatro do oprimido que priorizava a oralidade, a
expressão corporal e o envolvimento do púlico, para estimular uma visão crítica
daquele momento que o país vivia sem chamar a atenção do poder púlico. Hoje,
resgatamos essas feramentas como linuagens fundamentais na construção da
Para aprofundar esse assunto ver o texto de Antonieta Vieira:O trabalho engrupado na organi-
zação do Divino Pai Eternono livro cooperativismo e coletivização no campo: queões sobre a
prática da igreja popular no Brasil-ISER, .
E C : questões para reflexão80
auto-estima, da reexão crítica da realidade, de desenvolvimento da expressão
oral e corporal e de socialização de informações e conhecimentos na sala de aula,
comunidades e assentamentos.
Esses ensinamentos têm um grande signicado, pois trazem a contribuição da
cultura para a educão. O ser humano vive como ser diferenciado no meio dos
outros seres, como ser de cultura, que faz cultura. Então, a cultura o é uma coisa,
não é um aecto da vida… várias expressões para isso, mas tem uma que a
gente usa e que a gente gosta muito: a cultura é tudo aquilo que tem a ver com o
sentir, pensar e agir das pessoas, e também com o sonhar, criar e transformar.
3.3. Terceiro tempo: avançar na luta “O aprendizado da
autonomia e dos direitos
Ainda que o geo me doa,
o encolho a mão: avanço
levando um ramo de sol.
Mesmo enrolada de pó,
dentro da noite mais fria,
a vida que vai comigo
é fogo:
eá sempre acesa
T M
O início da abertura política e da redemocratização do país na década de ,
vai encontrar uma sociedade civil ávida por sua autonomia em relação ao Estado,
com necessidade de organizações de base, de mobilizações de massa para encher
as ruas, praças e campo do país.
O contexto nacional e internacional de implementação do projeto neoliberal,
a submissão do Brasil ao mercado global, o crescimento da pobreza e a concen-
tração da riqueza dentre outros aectos vão provocar mudanças nas estratégias
dos movimentos sociais, que levam alumas análises a falar de crise dos movi-
mentos sociais, seja com no que se refere às formas de lutas, aos paradigmas que
norteavam os movimentos e os desaos da globalização.
Emergem novos atores sociais na cena política, a necessidade de novas te-
máticas, novas bandeiras, formas organizativas e de realização da vida em suas
diferentes modulações de gênero, geração, raça e etnia no auto-reconhecimento
de múltiplas identidades do ser humano.
Os movimentos são desaados a inserir nos seus métodos e bandeiras de lutas
além da reivindicaçao com mobilização e denúncia, a proposição e participação
no controle e geão social das políticas púlicas.
E C : questões para reflexão
81
Desaos que também foram postos para o campo da educação popular, que
ao mesmo tempo em que contribuía para constituir e fortalecer os movimentos
sociais na esfera da sociedade civil era desaada a repensar suas formas e instru-
mentos de intervenção no sentido de qualicação (tanto do ponto de vista ético-
político como de conhecimentos instrumentais) dos movimentos sociais.
Na verdade vivemos um processo de quebra da homogeneidade de leitura da
cultura brasileira e da visão de sujeito único da transformação social, começamos
a perceber que existem diferentes formas de opressão e subordinação dos seres
humanos, que a classe é uma delas, e que mesmo a classe trabahadora do campo
não possuía uma única sionomia, era plural, heterogênea na forma de produzir
e reproduzir a vida, a emergência de novos movimentos sociais, no Brasil e no
Mundo, derotou essa idéia, ao demonstrar a possibilidade prática da plurali-
dade de sujeitos em lutas por transformações em campos diferenciados da vida
social”(EQUIP, ).
Portanto, consideramos importante resgatar aluns movimentos sociais desse
período que trazem para a arena, políticas novas e vehas queões e formas de lu-
tas, e principalmente vêm enriquecer o movimento pedagógico de constituição da
identidade da escola do campo, dentre os quais podemos citar, movimentos sociais.
... M
Movimento dos Trabalhaores Se Tea (MST), junto com a luta pela tera,
pela reforma agrária traz a reivindicação pela Escola nos assentamentos rurais.
As diferentes experiências educativas que começaram a ser desenvolvida pelo mo-
vimento como: ciranda infantil, escolas itinerantes, alfabetização e escolarização
de jovens e adultos pelo Pronera, a formação continuada dos educadores (as) do
movimento e a formação política dos militantes, inclusive com a construção de
centros de formação, como por exemplo, Itera, Instituto Florean Fernandes,
foram constituindo um movimento pedagógico de Educação do Campo em nosso
país contribuindo com princípios político-metodológicos para o debate nacional
sobre a escola do campo. Na concepção do movimento expressa em diferentes
documentos: “Os Sem-Tera se educam no movimento da luta social e da organi-
zação coletiva de que são sujeitos, e que os produz como sujeitos”(Caldart, ),
portanto, o movimento desempenha um papel importante no processo formativo
dos seus militantes, na constituição de valores e de uma ética libertadora e mili-
tante. (Fonte: Site do MST)
 O MST teve sua geação no período de  a , e foi criado formalmente no Primeiro En-
contro Nacional de Trabalhadores Sem Terra, que aconteceu de a  de janeiro de .
E C : questões para reflexão82
Movimentos indígenas (COIAB, APOINME, CIMI), as organizações indígenas
têm sido protagonistas de signicativas rupturas nas lutas de resistência e de ar-
mação pelo direito à tera e à vida. A tera é condição de vida e de realização plena
da cultura de cada povo indígena. As lutas sociais levadas a efeito pelos povos
indígenas, historicamente associaram reivindicações econômicas básicas, como
as da defesa e demarcão de suas teras, àquelas relacionadas à armação de
suas identidades, como o direito de aprender e expressar-se em suas nuas ma-
ternas e cultivar, inclusive na escola, seus valores e tradições. A contribuição das
comunidades indígenas para a elaboração de políticas educacionais que resgatem
a eecicidade dos sujeitos dentro das políticas universais foi de fundamental
importância para a implementação na prática do que eava previsto na LDB
em seu artigo . A luta por políticas púlicas que garantam o desenvolvimento
de uma educação pluricultural, multiétnica, eecíca e diferenciada a partir do
projeto político pedagógico de cada comunidade.
Movimento Nacional dos Pescaores (Monape)
, as organizações de pescadores tra-
zem para a discussão política uma redenição teritorial do espaço, eendendo
para o mundo das áuas, onde os teritórios são lugares nomeados, demarcados e
movidos pelo pescado e não pelo pescador. Contribuindo para um redimensiona-
mento do contexto da educação não ser centrada apenas na tera e na agricultura,
mas na teritorialidade pesqueira, nas áuas e em outros sujeitos sociais.
 A COIAB foi criada em abril de , para organização social, cultural, econômica e política dos
Povos e Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, o fortalecimento da autonomia dos
povos e organizações indígenas da região, a formulação de eratégias, parcerias de cooperação
técnica, financeira e política com organizações indígenas e organismos de cooperação, nacionais
e internacionais, objetivando a garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas.Fonte:
www.cimi.org.br
 Articulação dos Povos Indígenas do Nordee, Minas Gerias e Eírito Santo- APOINME foi criada,
em . Os indígenas lutavam contra o preconceito da sociedade envolvente e com as difi-
culdades de reconhecimento étnico, pois os povos que organizam, m maior contato com os
não-indios. Fonte: www.cimi.org.br
 O CIMI, criado em , é um organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bios do Brasil
(CNBB) que tem atuação junto aos povos indígenas. Favoreceu a articulação entre aldeias e povos,
promovendo as grandes assembléias ingenas, onde se desenharam os primeiros contornos da
luta pela garantia do direito à diversidade cultural.www.cimi.org.br
 O Monape foi criado em abril de, formado por pescadores familiares que tem como principal
bandeira combater a pesca indurial e predatória, a criação de reservas extrativias marinhas e flu-
viais, a política previdencria e políticas de saúde e educação para as comunidades pesqueiras.
E C : questões para reflexão
83
Movimento dos Atingidos po Baagens (MAB), evidenciam no país a necessidade
de discutir o modelo energético em curso, a áua como patrimônio da humani-
dade, a integridade ambiental dos rios, da fauna, da ora como elementos funda-
mentais para se pensar um projeto de desenvolvimento nacional e internacional.
Trazem para a luta uma forte simbologia do meio ambiente como formadora dos
seres humanos. Um sentimento profundo de amor à natureza e à preservação da
vida e do planeta.(Fonte: Documentos do Movimento)
Coodenação Nacional dos Quilombolas (Conaq),
unidos pela força da identida-
de étnica, os quilombolas construíram e defendem um teritório que vive sob
constante ameaça de invasão. Realidade que revela como o racismo age no país.
Impede que negros tenham o direito à propriedade, mesmo sendo eles os donos
legítimos das teras herdadas dos seus antepassados: negros que lutaram contra a
escravidão e formaram teritórios livres. Mas ainda hoje, os descendentes diretos
de Zumbi dos Palmares, símbolo máximo da luta do povo negro por liberdade,
travam no dia-a-dia um embate pelo direito à tera, pela preservação de sua cul-
tura, pelo acesso às políticas púlicas. Esse movimento traz a dimensão de etnia
para a discussão da Educação do Campo, evidenciando que além da dimensão
de classe camponesa, as identidades construídas pelas modulações humanas de
etnia, raça, nero, geração são fundamentais para resgatar a complexidade da
realidade rural em nosso país.
Conselho Nacional de Seinueiros (CNS),
O reconhecimento das ões e da im-
portância do CNS para o futuro das populações extrativistas da Amazônia pro-
duziram uma grande amplião na sua base social de representação. Além dos
serinueiros e coletores de castanhas eão representados: trabahadores agro-
extrativistas, açaizeiros, cupuaçueiros, quebradeiras de coco babaçu, balateiros,
piaçabeiros, integrantes de projetos agrooreais, ribeirinhos, extratores de óleos
 Em  é realizado o I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens, e, em
março de , durante o I Congresso Nacional de Atingidos por Barragens, nasce o Movimento
Nacional de Atingidos por Barragens – MAB. A criação do movimento nacional era o resultado
de um amadurecimento dos movimentos nos vales e regiões: eava ficando claro que, além de
luta contra ea ou aquela barragem, além de organizar e mobilizar os atingidos para defenderem
seus direitos, o MAB teria que confrontar-se com um modelo energético, nacional, e mesmo
internacional. www.mabnacional.org.br
 É uma organização de âmbito nacional que representa os quilombolas do Brasil. O movimento
nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas é hoje um dos mais ativos agentes do
movimento social negro no Brasil.
 O Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), foi fundado em outubro de  no I Encontro
Nacional dos Seringueiros realizado em Brasília. Sua criação é resultado da luta de resiência
contra a expropriação da terra e a devaação da florea, desenvolvidas por esse segmento de
trabalhadores extrativias, por meio dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs), eecialmente
o STR de Xapuri, que tinha como presidente, Chico Mendes.
E C : questões para reflexão84
e plantas medicinais. Suas lutas pelo não-pagamento da renda, contra a sujeição
dos mareteiros e seringalistas, de resistência ao desmatamento, por meio das
grandes mobilizações conhecidas como empates, colocaram na cena nacional
e internacional a luta ecológica e a preservação da orea como fonte de vida
de todos os seres vivos. Esse movimento tem contribuído com o movimento pe-
dagógico para modicar as relações entre o ser humano e a natureza, no debate
sobre o modelo de desenvolvimento em curso em nosso país, e o papel que a escola
pode desempenhar na formação do ser humano para um projeto de sociedade
economicamente justo, com eqüidade social e ecologicamente sustentável.
Movimentos de agicultores (as) e trabalhaores (as) rurais: Contag, Fetraf, MPA,
organizações que têm resgatado o papel da agricultura familiar dentro da socie-
dade e sua importância na construção de um modelo de desenvolvimento para o
país. Suas lutas e reivindicações por políticas púlicas sociais, agrícolas e agrárias
têm introduzido mudanças signicativas na pauta política do país. Ao longo de
sua existência têm realizado trabaho de formação política com suas lideranças
em diferentes áreas: políticas sociais, direitos trabahistas, meio ambiente, política
agrícola, reforma agria, gênero, etc, com a construção de centros de formação e
escolas sindicais que coordenam suas políticas de formação. Embora eas entidades
 A Contag foi criada em  de dezembro de , na cidade do Rio de Janeiro. A Contag representa
os interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais assalariados, permanentes ou temporários; dos
agricultores familiares, dos sem-terra e, ainda, daqueles que trabalham em atividades extrativias
e na pesca artesanal organizados em  federações eaduais e . sindicatos. Suas principais
bandeiras de luta são: reforma agria, valorização da agricultura familiar, direitos dos assalariados
rurais, previncia e assiência social, saúde e educação, gênero e geração e combate ao trabalho
infantil e ao trabalho escravo. Desenvolve ões de formão em diversas áreas e formula propoas
para as políticas públicas de educação junto aos governos municipais, eaduais e federal. Com a
elaborão do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Suenvel e Solidário a formação
sindical passou a ter uma referência política unificada nacionalmente e desenvolvida no âmbito
local a partir das demandas e lutas da categoria. Fonte: www.contag.org.br
 Durante o º Congresso Sindical da Agricultura Familiar da Região Sul, realizado de  a  de
março de , em Chapecó (SC), foi criada a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar.
O objetivo de sua criação foi implantar um sindicalismo novo, classia, democtico, massivo e
propositivo, com capacidade de organização nas comunidades e municípios; com capacidade
de mobilização e pressão por melhores condições de vida; e com capacidade de elaboração e
negociação de políticas com o Eado e a sociedade. desenvolve ões de formação política,
profissional e alfabetização. Fonte: www.fetrafsul.org.br
 Os primeiros passos para a organização do movimento foram dados em . Nesse ano, uma
severa seca caigou as plantações, no Rio Grande do Sul, trazendo prejuízos para as famílias
camponesas. Luta contra o modelo econômico e tecnológico dominante no Brasil, socialmente
excludente, degradador do meio ambiente, concentrador de terras, dos recursos naturais, da
biodiversidade, da água, e outros. Sua propoa de educação eá fundamentada na pedagogia
do exemplo.
E C : questões para reflexão
85
centrem suas lutas de educação escolar numa política púlica de educação, na cons-
trução de um sistema púlico de ensino que reconheça a eecicidade do campo,
também desenvolvem ações de alfabetização e escolarização pelo Pronera, experi-
ências de formação prossional como forma de cidadania ativa e desenvolvimento
do ser humano, tais como: o Projeto Vento Norte, o Tera Solidária, o Programa
de Desenvolvimento Local Sustenvel (PDLS), o Programa Todas as Letras, etc.
Movimentos de mulheres trabalhaoras rurais:
a luta das muheres por iualdade
de condições de participação, de direitos e de oportunidades comou desde as
primeiras organizações do campo no Brasil. Os movimentos de muheres se
eecicam em relação a outros movimentos ao proporem uma nova articulação
entre a política e a vida cotidiana, entre esfera piaa (a casa no rural é também
relação com a tera, a natureza), esfera social (repensar os papéis dentro da família,
da sociedade, da produção atribuída a cada sexo) e esfera púlica (sair da invisi-
bilidade que são colocadas pelas políticas agrícolas e agrárias e participação dos
espaços de decisão das políticas). A reivindicação por tera, áua, salário mínimo
digno, direito à saúde púlica com assistência integral à muher e combate à vio-
ncia sexista e todas as formas de violência no campo são as principais bandeiras
assumidas pelas diferentes organizações de trabahadoras rurais.
... E
a) Movimentos sociais como sujeitos coletios coloca
a luta pela escola no âbito dos direitos
O aprendizado dos direitos pode ser deacado como uma dimensão educativa
fundante para os movimentos sociais que colocaram a escola como um dos direi-
tos dos povos do campo. A luta pela tera, pela áua, pela orea, pela soberania
alimentar vem articulada ao direito à saúde, à moradia, à seurança, à proteção
da infância, ao meio ambiente, à vida. Revelam à teoria e ao fazer pedagógicos a
centralidade que tem a luta pela humanização das condões de vida nos proces-
sos de formação do ser humano.
Os direitos questionam as desiualdades sociais e recolocam o julgamento
das queões sociais sob a ótica da iualdade, da diferença e da justiça, por isso,
os direitos não eão restritos ao marco legal. O direito para ser direito não ne-
cessariamente precisa ser jurídico, mas ser reconhecido como tal. Portanto, os
movimentos sociais, requerem sujeitos ativos que tomam para si a denição de
seus direitos e buscam seu reconhecimento efetivado.
 Entre esses movimentos podemos citar: Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag,
o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordee (MMTRNE), Movimento Interes-
tadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) e o Movimento de Mulheres Camponesas
(compoo por CPT, MST, PJR, MAB, MPA).
E C : questões para reflexão
86
Os direitos são necessariamente para todas as pessoas e grupos sociais e, em
função disso, são estruturalmente universais e gerais, indicando o atendimento
de demandas a partir de critérios púlicos iualitários em detrimento de práticas
clientelistas que rearmam a exclusão. “Contepla ao mesmo tepo a uniersali-
dae daa pelo direito e a diersidae posta pela complexa realidae do país, aseu
-
rando, desa fora, que o reconhecimento dese espaço de ida social ocoa mediante
o acolhimento das diferenças e o pertencimento se faça, do ponto de ista educacional,
pela iualdae”(Fala da Professora Ela Soares relatora das diretrizes operacionais
para educação básica nas escolas do campo).
b)Movimentos como sujeitos coletios apresenta deandas
mateiais que desaa a agenda política do país e
disputa signicaos sociais, culturais e políticos.
Os movimentos sociais ao apresentarem demandas ao poder púlico de luta pelos
seus direitos: à tera, à produção, à áua, à orea, à escola, aos direitos humanos,
sociais e políticos provocam a renovação do sistema político (regras, normas e
procedimentos), como exemplo, podemos citar: a existência do Programa Nacio-
nal da Agricultura Familiar (Pronaf), a criação do Programa Nacional de Edu
-
cação na Reforma Agrária (Pronera), a crião da Coordenação de Educação
do Campo no MEC e a aprovação das Diretrizes Operacionais para Educação
Básica nas Escolas do Campo.
A participação dos movimentos em consehos e outros espaços institucionais
de interlocução entre Estado e Sociedade, formulando e realizando o controle
social das políticas, possibilita a construção de novas institucionalidades para a
geão social das políticas púlicas, colocando o desao de como articular a parti-
cipação nees espaços com as outras ações dos movimentos, com o seu processo
organizativo, com sua capacidade mobilizadora e formativa.
Um dos campos de atuação dos movimentos é a política, as relações de poder
instituídas na sociedade, portanto suas ações, intervenções e visão de mundo pro-
duzem uma política cultural, a partir da construção de novos valores e sentidos
 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) foi initdo pelo De-
creto de  de junho de , a partir da reivindicaçao dos movimentos sociais de uma
política para a agricultura familiar. Apesar dos limites conhecidos à sua efetiva adoção, conitui
uma expressão dea mudança.
O Pronera é executado por uma ampla articulação interinitucional, que envolve Eado, univer-
sidades e movimentos sociais, o objetivo geral do Pronera é fortalecer a educação nos assenta-
mentos eimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais,
utilizando metodologias eecíficas para o campo. O programa tem como essência a preocupação
de capacitar membros das próprias comunidades onde seo desenvolvidos os projetos, na pers-
peiva de que sua execução seja um elemento eratégico na promoção do Desenvolvimento
Rural Suenvel.
E C : questões para reflexão
87
para mudar a realidade existente, sobretudo ao expor socialmente as desiualda-
des que se originam e se sustentam nas relações sociais.
Essa prática tem inuenciado também na geão da escola como espaço pú-
lico e comunitário, ou seja, a democratização do espaço escolar. Isto signica
que deve haver ampliação (quantitativa e qualitativa) do acesso às escolas; parti-
cipação da comunidade nas decisões sobre geão escolar, propostas pedagógicas
e políticas púlicas; participação dos educandos/as, das famílias e de outros pro-
ssionais da educão na geão escolar.
c) Movimentos como sujeitos coletios disputa
projetos de desenvolvimento
Os movimentos sociais revigoram a noção de projeto político, tecendo no ime-
diato da ação e no mediato do pedagógico e das políticas culturais, um projeto
político que não é simplesmente uma formulação perfeita e nal da sociedade, o
desejo de transformação permitindo o eabelecimento da identidade de projeto,
da qual fala Castel () que faz emergir o compromisso coletivo com as estra-
tégias de desenvolvimento e de inclusão social e política.
Essa articulação (educação x micro poderes x desenvolvimento social) per-
mite a apreensão de que o poder é uma ação relacional fundamentada na com-
preensão de que o mesmo não se centra na força eatal, mas se dissemina como
uma rede pela sociedade e as relões cotidianas em todos os níveis.
Portanto, temos presente nos diversos movimentos sociais do campo uma
dimensão de projeto político, de transformação social que do ponto de vista ope-
rativo apresenta diferentes estratégias ancoradas nos campos de intervenção a
que se dedicam.
As proposições com relão a um projeto de desenvolvimento alternativo ao
projeto neoliberal, se constituem como um processo de formação de base, im-
portante porque ajudam na construção de referenciais que levem as pessoas a
lutarem contra a subalternidade.
Essas proposições e referenciais m contribuído para se repensar o papel
da educação escolar e não escolar dentro da nossa sociedade na construção do
desenvolvimento sustentável, inclusive inovando na legislão que pela primeira
vez faz referência aos movimentos sociais como fundamentais para a construção
do projeto político-pedagógico das escolas do campo.
d) Os movimentos sociais como sujeitos coletios
desenvolve conceções e práticas pedagógicas.
Podemos armar que o cotidiano nos movimentos sociais possibilita a (re) criação
de relações educativas e da própria idéia do que seja a educação. O redimensio-
namento do que seja o educativo.
E C : questões para reflexão
88
Um redimensionamento é o das relações entre educador(a) e educando(a) no
sentido de que, se a escola quer contribuir para a emancipação social e autonomia
das crianças, dos adolescentes e de suas famílias necessita incorporar uma prática
libertadora, estimuladora da reexão, da ação dos educandos(as) na realidade, na
construção de sua autonomia e independência.
O cerne da educação libertadora eá na relão diferente que se eabelece
com o conhecimento e com a realidade, em que o mundo escolar (o das letras) não
se dissocia do mundo dos fatos, da vida, das lutas, da discriminação e das crises
cotidianas. A educação libertadora estimula o ser humano a se mobilizar ou a se
organizar para adquirir poder. É uma forma de comunicação que provoca o outro
a participar, incluindo-o na busca ativa por sua autonomia.
O campo cultural compõe-se por atitudes e ações que valorizam a inovação, a
reconstrução de valores e, portanto, as atitudes coletivas. Compõe-se, ainda, pela
presença de ações pautadas no indivíduo e sua liberdade”, o que muitas vezes eá
vinculado com relações tradicionais de trabaho na produção familiar. Ambas
facetas se complementam e entram em conito, alumas vezes, no entanto, são
elas que dinamizam a produção cultural e valorativa no âmbito dos movimentos
sociais (vide as músicas, as místicas, os símbolos).
Muitas das práticas desenvolvidas e das experiências nos contextos não-for-
mais têm buscado nas linuagens artísticas, suportes e caminhos para a ocorên-
cia de seus trabahos, valendo-se do uso da imaginação, da criação e de meios
motivadores e expressivos. Recorem também aos referenciais da cultura e da
memória, para a reescrita, a reconstrução de identidades de ver-se e ser visto
de outras formas. A cultura e a arte são as chaves que permitem que os sujeitos
envolvidos – tanto educadores quanto educandos – possam se (re) conhecerem
e se (re) pensarem em termos de origem, pertencimento e inserção social.
3.4. Quarto momento: “o aprendizado da diversidade
“Reconhece-te a ti mesmo para que reconheças aos
teus companheiros, mas também, com humanidade,
aqueles que o são nem pensam como tu”.
C F
a) Constituição de redes e de novas foras de articulação
Na medida em que um movimento social interage com outras organizações co-
letivas, nasce uma nova solidariedade, expressa nas redes de movimentos. Essas
redes oportunizam transformações mais abrangentes, que transcendem os limites
locais, por meio da comunicação entre grupos organizados disseminam-se os
temas e as estratégias de luta que envolve a superação de prolemas pertinentes
E C : questões para reflexão
89
às queões da cidadania. Dea forma, as ações coletivas tornam-se aptas para
inuir na elaboração de políticas gerais de mehoria do contexto societário.
Scherer-Waren () concebe redes como formas mais horizontalizadas de
relacionamento, mais abertas ao pluralismo, à diversidade e à complementaridade,
portanto, corespondendo como formato organizacional e interativo a uma nova
utopia de democracia. As redes representam a capacidade que os movimentos
sociais e organizações da sociedade civil têm de explicitar a sua riqueza intersub-
jetiva, organizacional e política e concretizar a construção de intersubjetividades
planetárias buscando consensos, tratados e compromissos de atuação coletiva.
O engajamento de atores sociais que no geral tem um vínculo e enraizamento
local muito forte assim como um compromisso ético com as populões e o teri-
tório onde desenvolvem suas atividades, em redes que transcendem a sua escala
de atuação e de poder de inuência é um dado novo.
Na Educação do Campo a organização de redes foi signicativa para a elabo-
ração de sua identidade e para dar visibilidade às ações e iniciativas existentes em
nosso país, entre essas podemos citar: fórum mundial de educação, a articulão
de Fóruns Estaduais de Educação do Campo, a Articulação Nacional por uma
Educação do Campo, Resab, Ceas.
 A Articulação por uma Educação do Campo nasce como resultado de uma caminhada que se
iniciou em julho de , quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) realiza
o I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I Enera), em parceria
com organizações como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Confederação Nacional dos
Bios do Brasil (CNBB) e a Universidade de Brasília (UnB).
Rede de Educação do Semirido Brasileiro (Resab) eá presente nos  eados que compõem
o semi-árido brasileiro e tem o papel de articular ações de convivência com o semirido entre
poder público, organizações não-governamentais, centros de eudo e pesquisa em educação e
membros da sociedade civil.
 O siema CEFFA eá presente em  eados brasileiros, ultrapassando o total de  eabe-
lecimentos em funcionamento, atendendo cerca de  mil alunos, cem mil agricultores, mais de
monitores. Ees centros já formaram mais de mil jovens dos quais,  permanecem no
meio rural, desenvolvendo seu próprio empreendimento junto às suas famílias ou exercendo vários
tipos de prossões e lideranças no campo. Importante ressaltar que os outros jovens egressos que
não eão no eaço rural desenvolvem outras atividades nas cidades.
E C : questões para reflexão
90
3.5. Considerações finais
o que passou o conta? Indagarão
as bocas derovidas
o deixa de valer nunca.
O que passou ensina
com sua garra e seu mel.
T M
Fazendo essa viagem ao longo da história e conhecendo as diferentes experiências
escolares existentes no campo, percebemos claramente que embora o termo e o
conceito “Educação do Campo” tenham sido construídos a partir da cada de
, os referenciais que fundamentam as diferentes práticas educativas m suas
raízes e aprendizagens na educação popular.
Essa trajetória convocou a escola e seus prossionais a dialogar com o mundo
do campo e com seus sujeitos sociais, a construir uma escola diferenciada e con-
textualizada na vida, no trabaho e na cultura do povo.
Essas ações políticas coletivas que foram se dando ao longo da nossa história
foi construindo uma teoria de formação humana do sujeito humano e uma práxis
coletiva que forma subjetividades dialogantes, criticas e capazes de contribuir com
a construção de outras relações sociais, sobretudo, na construção de uma concep-
ção de educação que se questiona sobre as nalidades do processo educativo e dos
conteúdos presentes nos processos educativos para os povos do campo.
A produção pedagógica dos movimentos sociais ao longo da nossa história
foi geando um repertório de conhecimentos e práticas que foram resgatadas e
sistematizadas pelos movimentos sociais atuais constituindo assim uma teoria
pedagógica cujos fundamentos earão presentes em várias iniciativas que temos
hoje no movimento pedagógico da Educação do Campo.
No âmbito educacional podemos apontar duas caraerísticas centrais, a sa-
ber: a presença da luta pela escola púlica no campo, portanto, o campo da edu-
cação formal e a presença de processos educativos o formais existentes desde a
origem dos movimentos sociais. A conuração dees processos educativos não
formais eá explícita na dinâmica interna dos movimentos (reuniões, congressos,
assemléias, cursos de formação, mobilizações, greves, etc) e na dinâmica externa,
construída a partir do eabelecimento de relações de parcerias com diversas
organizações da sociedade civil, dentre eles deacam-se grupos religiosos, univer-
sidades, órgãos de pesquisa e extensão e Organizações Não-Governamentais.
O diálogo entre os diferentes saberes e conhecimentos tão enfatizado pela
educação popular, vem se armando cada vez mais como um referencial para as
escolas do campo, no sentido, do direito dos grupos e dos indiíduos de descrevere
E C : questões para reflexão
91
a si própios, de falare do luga que ocupa, de contare sua ersão da históia de si
mesmos, de inventare as naatias que os dene como participantes da históia de si
mesmos, num proceso peranente de confronto com outras naatias, inclusie a cien-
ca, para que se posa aplia, da maio consistência e alcance às construções pesoais
e coletias de acodo com as descobertas e forulações que se tornare posíeis nesa
ação dialógica, num tepo e num espaço concretos, históicos, culturais (Souza, ).
A contribuição dos movimentos sociais na construção das identidades so-
ciais dos sujeitos e grupos trazem a valorização das diferenças, à conuração e à
função que assume hoje o sentido de coletividade, em sociedades complexas, que
se caraerizam pela relação entre ambientes culturais plurais. Esta pluralidade
condiciona a elaboração das formas e dos conteúdos da cultura interiorizada pe-
los indivíduos na vida quotidiana e na visão de mundo dos sujeitos em formação
aparecendo como uma queão importante na prática pedagógica das escolas.
As diferentes organizações sociais com matizes, sujeitos e ações diferenciadas
têm gerado a necessidade de aprender a conviver com a diferença, questionam
a homogeneidade cultural tão incrustada no curículo e na escola e de formas
diversas quebram a aparente homogeneidade para armar a diversidade em que
é tecida a vida social, em que se constroem os coletivos sociais e os indivíduos.
No entanto, isso não implica em reduzir a identidade coletiva ao pó da fragmen-
tação dos discursos e do pluralismo pós-moderno e na dissolução dos sujeitos.
As desiualdades sociais e a exclusão continuam acirando as contradições de
nossa sociedade, portanto, a luta pela tera, pelo meio ambiente, pela cidadania,
a soberania alimentar, os valores humanistas, a participação popular, a educação,
a saúde, as relações iualitárias de nero e etnia, vinculadas à luta por uma socie-
dade economicamente justa, ecologicamente sustentável com eqüidade e justiça
social continuam na agenda do dia para tecer o amanhã.
Tecendo a manhã
João Cabral de Melo Neto
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sepre de outros galos.
De um que apanhe ese gito que ele lançou
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o gito que um galo antes lançou
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruze
os os de sol de seus gitos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se á tecendo, entre toos os galos
E C : questões para reflexão
92
Referências Bibliográficas
A, José Carlos. (). O educao a cainho da roça: notas introutóias
para uma conceituação de educação rural.
Mato Grosso do Sul.
A. A C O.() Históia da clase operáia no
Brasil: Geação e nascimento - a . Rio de Janeiro: ACO.
A, Miuel Gonzalez. (). Pedagogias e movimento o que teos a
aprende dos Movimentos Sociais? In: Curículo sem Fronteiras, v , n., p. -,
Jan/Jun. Minas Gerais.
C. Roseli Salete. (). Pedagogia do Movimento Se Tea: escola é mais
do que escola. Petrópolis: Vozes.
C, Manuel. (). O Poe da identidae. São Paulo: Paz e Tera.
CNE
. Diretizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Capo. ()
CNE/MEC: Brasília.
E Q P. (). Movi-
mentos sociais e educacionais no Nodee. Recife: EQUIP.
F, Maria Teresa Lousada. (). A Extensão Rural no Brasil: um projeto
educatio para o capital
. São Paulo: Loyola.
F, Paulo. ( a). Pedagogia da Eerança. ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Tera.
F, Paulo. ( b) Política e Educação. ª ed. São Paulo: Cortez.
F, Paulo. () Pedagogia da Autonomia: saberes necesáios à prática edu-
catia. ª ed. São Paulo: Paz e Tera.
F, Paulo. (). Pedagogia do Opimido. ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Tera.
G, Maria da Glória. () Educação não foral e cultura política: impactos
sobre o asociatiismo do teceiro seto
. São Paulo: Cortez. (Coleção ueões da
nossa época; v.).
E C : questões para reflexão
93
P, Vanilda Pereira () Educação Popula e Educação de Adultos. ª ed.
São Paulo: Loyola.
S-W, I. (). Redes de Movimentos Sociais. Centro João XXIII,
São Paulo: ed. Loyola.
S, Maria do Socoro. () Os saberes do profesorao rural: construídos na
ida, na lida e na foração.
Dissertação de mestrado. UFPE, Recife.
S, João Francisco. (). A Educação Escola, noso faze maio, des(a)a o
noso sabe. Educação de Jovens e Adultos
– Recife: Bagaço.
S, João Francisco. (). E a educação? que? A educação na sociedae e/ou
a sociedae na educação.
Recife: Bagaço.
Produção pedagógica dos
movimentos sociais e sindicais
P I C
1. Da luta pela terra à luta pela educação – a produção
material das condições de vida nos acampamentos e
assentamentos do MST e o processo educativo formal
O
  terra é a realização da ocupação
das áreas improdutivas. Nos acampamentos é onde se geam, des-
de o início do movimento, as primeiras experiências de educação
popular do MST. No início como simples reivindicação de escolarização. O
importante era que as crianças não perdessem o ano escolar enquanto ei-
vessem no acampamento.
Como as municipalidades e governos eaduais negassem o direito à educação,
professoras eram escohidas dentre as próprias famílias acampadas, para ir dando
aulas até que se resolvesse a situação legal. Ocore que muitos desses mestres eram
leigos, sem a formação acadêmica necessária.
Posteriormente, com a instalação dos assentamentos, surge uma nova contra-
dição a partir do questionamento da postura político-pedagógica dos professores
Doutorando em Desenvolvimento Suentável e membro da Unidade de Educação Superior do
Inituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária Iterra.
Anos mais tarde () essa luta embrionária daria lugar a uma importante conquia pelo MST, das
escolas (no RS), que acompanham os acampamentos para onde eles se movam. Isso é importante,
porque é comum que os acampamentoso permanam no mesmo local durante todo o pro-
cesso de luta pela terra, que pode levar de poucos anos a mais de uma década.
E C : questões para reflexão
95
contratados pelas prefeituras para as escolas conquistadas, que em sua maioria
eram contra a luta pela tera e contra a reforma agrária.
Isso leva à necessidade de postular a titulação das professoras-militantes e fez
surgir no movimento as primeiras turmas de magistério, nos anos . E com
isso se desenvolve uma reexão mais sistematizada das práticas pedagógicas e das
lutas políticas em torno da educação.
No processo de organização da produção nos assentamentos também será
feita uma interface com o processo educativo e, portanto com a pesquisa. Muitos
assentamentos são oriundos de deslocamentos para regiões distantes da origem
das famílias, e portanto, também da aplicabilidade do conhecimento, do saber-fa-
zer dessas famílias. Com o assentamento em regiões com clima e solos alumas ve-
zes diferenciados da situação de origem, torna-se necessário uma abertura maior
dessas famílias para o aprendizado. Esses processos migratórios importantes
em nosso país contribuem para complexicar a integração dessas pessoas na
nova realidade social e produtiva onde se inserem.
Ainda que permaneçam na sua região de origem, as famílias assentadas precisam
construir alternativas produtivas e organizacionais para mehoria de suas condi-
ções de vida, modicar a forma de condução da agricultura, ou mesmo de reto-
mar práticas e costumes antigos que tinham relação mais próxima com a natureza.
Nesse aecto abre-se um horizonte importante para repensar e recriar as
bases de uma agricultura camponesa de base ecológica, onde saberes ancestrais e
tradicionais devem ser coadunados com novos conhecimentos trazidos pelos pro-
cessos de pesquisa participativa, por exemplo. Ou seja, a escola deveria preparar
os sujeitos para essa nova realidade, deveria contribuir ainda para a construção
desse projeto alternativo de agricultura.
2 .A prática da Educação do Campo como processo de
conrução coletiva – educadores e famílias sem-terra
O processo educativo, desde seu início, acontece de forma coletiva, com a cons-
tituição de comissões nos acampamentos, que se encaregam dos vários aectos
da vida coletiva: construir um baraco para funcionar como escola, conseuir
doações de materiais escolares, ou construir bancos e mesas improvisadas para as
crianças sentarem etc. Aos poucos essas comissões começam a discutir o processo
pedagógico, o aprendizado, a legalidade da escola etc.
Essa marca do fazer-coletivo imprime-se como código getico da educação
no MST, desde sempre. Não surgiu como elemento teórico trazido de fora, mas
como resultado natural de um processo organizativo e de luta no acampamento,
que buscava sempre construir coletivamente as principais decisões envolvendo
aquela coletividade em luta.
E C : questões para reflexão96
Como mostram diversas pesquisas, a maioria das escolas de assentamentos são
conquistadas como fruto de luta coletiva da comunidade e dos educadores. Em
geral é uma luta contra o poder local, que quase sempre busca levar as crianças
para escolas fora do assentamento e para escolas urbanas.
Mas também é uma luta contra a tradição oligárquica e repressora da elite
política brasileira que nega o acesso à educação aos hos da classe trabahadora
em geral (e camponesa, principalmente). Uma luta pela apropriação de seu des-
tino. Uma luta emlemática, que seqüência e consistência à prática de romper
a cerca do latifúndio e se armar como sujeito político.
3. A luta pelo direito à educação – de uma luta pela
cidadania a uma luta pela conrução de uma nova
sociedade; de uma educação bancária a uma educação
portadora de um futuro de humanidade liberta
A preocupação inicial da escola nos assentamentos era asseurar uma escola-
ridade nima. Também procura discutir o que gera as condições de vida dos
sem-tera e, portanto, as relações sociais que levam às injustiças.
Desde cedo questionou-se a educação que considerava o aluno como um re-
cipiente vazio a ser preenchido, como aluém que nada conhecesse e que eava
na escola apenas para aprender. Enamoramo-nos por Paulo Freire e sua educação
popular e dialógica, pelos processos coletivos e participativos de construção do
conhecimento, como sujeitos críticos e conscientes de seu papel na construção
de um mundo mehor.
A escola que imaginamos deve preparar cidadãos conscientes de seus di-
reitos e deveres; lutadores pela justiça social; por relações democráticas e pela
participação popular nas decisões e geão dos processos púlicos. Capazes de
formular, de conceber alternativas de organização e desenvolvimento. Preparados
para arumentar, aregimentar apoios e para negociar suas propostas e reivindicar
direitos (atuais e alargar o horizonte com novos direitos).
Pensamos em uma escola que o apenas conscientize, mas que capacite o
educando para realizar as mudanças necessárias. ue faça a crítica, mas que seja
capaz de fazer também a proposta e conduzir a mudança, construindo o novo
no seu quê-fazer diário. Para isto é preciso dominar feramentas metodológicas
e organizativas, além das técnicas tradicionais. conhecemos e “ruminamos
Makarenko, Pistrak, a teoria da organização de Santos de Morais, e outros.
Preparar tecnicamente a juventude do meio rural para aprender com a ob-
servação da natureza (pois perdemos a habilidade de observar os processos e
E C : questões para reflexão
97
tirar lões deles). Saber alterar/modicar as partes sem perder de vista o todo,
compreendendo as inter-relações dos processos da vida, em sua complexidade.
Pessoas capazes de enfrentar o desao de atuar sobre e com a natureza sem
destruí-la, sem comprometer as futuras gerações. Isso requer preparo técnico e
cientíco. O agricultor também tem que ser visto como um sujeito provido de
saberes, que em sua vida e história também tem que agir como experimentador
(e porque não dizer, como pesquisador). Ter capacidade cnica implica dominar
saberes, mas também o saber-fazer, a prática com qualidade, quem sabe o esforço
para atingir a práxis ecogica de novo tipo. Superar a arogância do fazer pelo
fazer e a petulância do saber livresco (sem prática e sem práxis).
O educando deve aprender. Porém, mais do que um leque amplo de conheci-
mentos dados, cristalizados (uma enciclodia), um excesso curicular, ele deve
saber como buscar o conhecimento que outros produzem. Deve ear preparado
para acessar criticamente as feramentas que a evolução cientíca e tecnológica
trouxe, deve ear preparado para analisar e pescar” nesse mar de informações
e conhecimentos que hoje se produz no mundo. E deve ear se preparando per-
manentemente para o diálogo com outros agricultores e pesquisadores.
Contudo, os educandos devem dominar minimamente um conjunto de co-
nhecimentos acerca do saber-fazer. Dominar aectos técnicos básicos e ter fera-
mentas metodológicas que permitam uma contribuição concreta aos prolemas
já constatados e recorentes.
Mas deve ser preparado para produzir e estruturar novos conhecimentos (seu
próprio conhecimento e o de seu coletivo social), adaptar o que se desenvolveu em
outros lugares ao seu lugar, à sua unidade produtiva, sua comunidade, ao bioma
em que se localiza, ao teritório onde constrói relações sociais e políticas.
Saber buscar o conhecimento mais do que decorar coisas e fórmulas, ou en-
tuhar o educando com excesso de conteúdos e de disciplinas. O conhecimento
se revoluciona dia a dia. É preciso saber buscar e selecionar as informações, mais
do que querer repassar uma enciclodia.
4. O surgimento da reivindicação política por uma Educação
do Campo – conrução de unidade e luta entre movimentos
sociais, pesquisadores, educadores e setor público
Recapitulando, vimos que os primeiros embates do MST no campo da educação
foram para asseurar o direito à escola, ainda nos acampamentos. O seundo em-
bate se deu para que os professores seuissem uma linha pedagógica mais próxima
da experncia de luta das famílias. O terceiro grande embate aconteceu para
que os professores militantes pudessem assumir as classes. Isto levou à exigência
E C : questões para reflexão98
da titulação e, portanto, à necessidade/possibilidade de se formar escolas onde o
ensino fosse pensado como forma de auto-organização dos trabahadores rurais,
como feramenta de conscientização e libertação.
Mais tarde, nos municípios a luta foi para manter as escolas situadas no meio
rural, ainda que seu ensino muitas vezes fosse inadequado. Era uma luta para
manter as escolas situadas sicamente no meio rural, para que os jovens e crianças
dos acampamentos e assentamentos não fossem para as cidades. A escola era vista
como a porta de saída da juventude do meio rural. uem ia estudar na cidade não
voltava para o campo. E o que aprendia não servia para a vida no campo.
Desses embates, logo cresce a consciência que não apenas a localização sica
das escolas era importante (aecto que eava claro desde as escolas improvisadas
nos primeiros acampamentos), mas que também era preciso lutar para adequar
o ensino à realidade das pessoas que vivem no campo: uma escola do campo.
A escola do campo visa preparar as pessoas que vivem e que pretendem me-
horar as suas condões de vida no meio rural. É aquela que trabaha desde os
interesses, a política, a cultura e a economia dos diversos grupos de trabahadores
e trabahadoras do campo”. Ela compreende diversas dimensões, e incorpora
aprendizados dos movimentos sociais do campo, tais como:
A escola não move o campo, mas o campo que queremos, o irá se mover sem a
escola. Não nos basta a visão idealista de que só a educação muda o mundo. Mas
com certeza para construírmos um novo meio rural será necessário a contribui-
ção de uma educação renovada e renovadora.
uem faz a escola do campo são os movimentos sociais e os povos do campo, or
-
ganizados e em movimento. A escola do campo não é um movimento educativo
que surge a partir do Estado. Ele se constrói e consolida pela ação dos movimentos
sociais e assim tem sentido como algo diferenciado e criador de novas poten-
cialidades. Ao contrário do que novos e vehos conservadores acreditam, sua
força eá no fato justamente de desaar e forçar a democratização das ações do
Estado no meio rural, pela primeira vez em décadas.
A escola deve ajudar a formar sujeitos de mudança (lutadores do povo). São
pessoas que eão em permanente movimento pela transformação do mundo,
que se movem por sentimentos de dignidade, de indignação contra as injustiças
e de solidariedade com as causas do seu povo e de outros povos. Isso é possível
quando se trabaha com dois elementos básicos: raiz e projeto. Raiz que liga com
identidade, história, e passado, mas que dá sustentação a projetos de futuro.
 Conferência Nacional por uma Educação do Campo. Texto-base. .
 Como José de Souza Martins que se considera porta-voz único, da sabedoria e vontade dos povos
e “viventes” do meio rural. In: M, José de Souza. Educação rural e o desenraizamento do
educador. Revia USP, n
o
. . São Paulo, dez. .
E C : questões para reflexão
99
A escola do campo precisa ser ocupada pela pedagogia dos movimentos que
formam os sujeitos sociais do campo. Na linha de discussão de que a escola se
constitui também como apareho ideológico do eado, os movimentos sociais
subalternos têm de disputar a condução político-pedagógica desse espaço que
não é neutro, e utilizá-lo na construção da contra-hegemonia.
A escola do campo se situa em um meio em constante movimento, portanto deve
ser tamm ela, uma escola em movimento. A realidade da vida e da produção
no campo eá em permanente mudança. Ainda mais nos momentos atuais, em
que o avanço da reorganização capitalista do espaço agrário reconura o modo
de vida dos povos do campo, determinando até mesmo a amea de extinção
de sua cultura ou de sua existência sica, o cerceamento de suas teras e a des-
truição do ambiente.
5. A pesquisa em Educação do Campo no MST –
hiórico, pressupoos e cenários futuros
A pesquisa nos processos educativos do MST surge há alum tempo em vista da
dinamicidade do processo anteriormente descrito. Contudo, é no nal dos anos
 onde se realiza um esforço mais sistemático para incorporar uma agenda de
pesquisa própria ao MST.
Desde meados dos anos , na primeira turma do Curso Técnico em
Administração de Cooperativas (TAC), sediada no Itera, introduz-se a prática
da pesquisa como elemento pedagógico central na formação dos militantes so-
ciais. A conclusão do curso se dá mediante realização de um trabaho de inicião
cientíca, que culmina com a apresentação escrita, com defesa oral em banca
examinadora, por parte dos educandos.
Inicialmente essa prática era restrita ao curso TAC, mas mediante reexões
pedagógicas do coletivo político-pedagógico do Itera, é incorporada aos demais
cursos do Movimento, ao menos os sediados naquela instituição.
Em , a partir do Primeiro Encontro dos Pesquisadores do MST, discute-
se a construção de uma agenda de pesquisa do Movimento. Posteriormente ela é
reformulada em encontro do setor de educação do MST () e é incorporada
ocialmente aos cursos do movimento a partir de sua pulicação na forma de
cartiha, em .
 O MST e a Pesquisa. Cadernos do Iterra. Ano I, num. . Outubro .
E C : questões para reflexão
100
Essa agenda visava principalmente construir uma orientação que sinalizasse
ao conjunto de educadores e educandos do MST, mas não apenas a eles, quais
temáticas eram relevantes do ponto de vista de nossa organização, visando possi-
bilitar acúmulos de conhecimento, num esforço coletivo de pesquisa. Para se ter
uma idéia do volume de pesquisas realizadas, hoje temos em nível nacional cerca
de três mil educandos entre os níveis médio, pós-médio, graduação e pós-gradua-
ção, em parceria com dezenas de universidades e escolas, em todas as unidades da
federação em que o MST se organiza. Na maior parte dos cursos incorporou-se na
estratégia pedagógica a realização de trabahos de pesquisa e de conclusão de curso.
Obviamente, a maior parte dessas pesquisas se enquadra na categoria de ini-
ciação cientíca (notadamente as realizadas nos cursos de nível médio, que são a
ampla maioria). também inúmeras diculdades nesse processo, como falta de
orientadores com formação adequada e disponibilidade de tempo, falta de recur-
sos para subsidiar os gastos com as pesquisas de campo, diculdade para pulicar
os mehores trabahos, etc. Mas esse movimento tem gerado uma enorme capaci-
dade de análise crítica e de formulação teórica vinculada com a prática militante
dos educandos que tiveram a oportunidade de passar por esses processos.
Com esse processo, aprendemos diversas lições, que nos levam no momento
atual à necessidade de revisar a agenda de pesquisa, atualizá-la e rediscutir esse pro-
cesso coletivo e organizativo de construção do conhecimento. Ou seja, um conhe-
cimento direcionado e apropriado coletivamente por uma organização camponesa.
Aluns pressupostos que fomos construindo pelo caminho:
O movimento social prouz conhecimento e é um agente capaz de formular sua
agenda de pesquisa, sua demanda legítima de queões e temáticas, no mínimo
tão legítimas quanto a agenda constituída pelos colegiados acadêmicos.
ueremos pesquisar porque queremos transfora a realidae, para trazer mu-
danças nas condições de vida das pessoas. Para transformar é preciso conhecer.
Vemos a pesquisa como eleento pedagógico. Como um aecto extremamente
importante da formação dos educandos.
Presuposto da práxis
saber enfrentar processos em que o conhecimento é construído
a partida prática, em permanente diálogo e confronto com a(s) teoria(s) ela-
boradas/sistematizadas. A prática deve ser a fonte do conhecimento, o espaço de
vericação da adequação das teorias, o espaço crítico e criativo de construção de
novas sistematizações e a formulação de novas teorias. Os processos pedagógicos
deveriam buscar formatos e processos que contemplem essa dimensão, da produção
de novos conhecimentos a partir das práticas sociais e do confronto com a teoria.
 Desde o início se pensava em evoluir para um documento mais consiente que pudesse angariar
apoio e interesse junto a pesquisadores externos ao movimento (ONGs, universidades) que se
identificassem com uma propoa popular transformadora para o meio rural, e se somassem nas
pesquisas e na conrução de práticas pedagógicas e sociais libertadoras.
E C : questões para reflexão
101
Presuposto da construção coletia do sabe – Saber atuar em grupo, coletivamente.
A mudança no meio rural dar-se-á como fruto de ações coletivas e não indivi-
dualizadas- isoladas. O processo de trabaho cada vez mais necessita de pessoas
que consigam atuar em grupo, seja liderando, seja participando como membro
ativo, como parte do todo.
Educação não se faz apenas em sala de aula. Aliás, até se faz em sala de aula!
Assim também a pesquisa não se faz apenas em laboratório ou nas universidades.
O conhecimento é construído por todos os seres humanos, desde que se consiga
sistematizar, apreender sua dinamicidade. Inserir a escola nas queões e desaos
da comunidade.
Não temos que ter receio da pesquisa militante. Não há neutralidade na pesquisa,
como não há neutralidade em qualquer processo social. Precisamos contudo ter
seriedade para apreender a realidade e o querer justicar determinadas teo-
rias ou práticas sociais, ainda que elas sejam as esposadas pelo nosso Movimento.
Buscar asseurar processos de pesquisa que asseurem a isenção, mas não a neu-
tralidade! Esta não existe nem no pesquisador (que tem determinada inserção e
compreensão sobre o mundo; nem na instituição que privilegia um ou outro ator
e temas de pesquisa; muito menos nas agências nanciadoras, que direcionam
o que pode e o que não pode ser estudado, com mecanismos de decisão pouco
participativos e de legitimidade questionável).
Diculdades
Vivemos um momento histórico de abandono, desilusão com os projetos coletivos
(de país, de instituição, de coletivos de pesquisa, etc.) em detrimento de projetos
pessoais, academicistas, governados pela lógica do produtivismo simplicador;
determinado pelos contratos privados, pela apropriação do saber e conhecimento
púlicos pelo grande capital.
Desencantamento da universidade com o povo brasileiro e com o projeto de
país; elitização crescente (mais do que era); darwinismo academicista; o que
passa a valer são projetos pessoais, embalados em mecanismos de avaliação que
estimulam a produção quantitativa.
Apropriação crescente da universidade pelos interesses do grande capital. A edu-
cação e pesquisa universitárias cada vez mais o questionadas em vista de atender
aos anseios do mercado, das grandes empresas, do capital. A nalidade maior
das instituições púlicas deveria ser a de contribuir para pensar e transformar a
realidade do povo e não ser subserviente aos desmandos do capital.
Perceão ainda estreita de que o conhecimento se gera apenas na academia e,
mais do que isso, por quem tem título de doutorado (e além); aliás isso se reete
em grande medida na composição dos encontros de pesquisa, muito fortemente
focados na academia, aparentemente em contradição com o papel que pregamos
a.
b.
c.
d.
E C : questões para reflexão
102
para as relações entre pesquisador e comunidade, ea última percebida como
portadora de saberes e de capacidade de diálogo com a modernidade.
Visão cartesiana do processo de conhecimento a realidade é muito mais complexa
do que os esquemas cartesianos simplicadores que encontramos freqüentemente,
dominando os diversos campos do conhecimento. Os processos sociais e ambientais
complexos exigem que se repense também a concepção metodológica da pesquisa.
Diculdade da interação entre movimento social e universidades no campo da
pesquisa, apesar dos avanços recentes; A pesquisa do campo em certas temáticas
foi abandonada ou relegada a traços. Apesar de concentrar cerca de  da po-
pulação do país, as pesquisas direcionadas ao meio rural somam cerca de  do
volume produzido nas universidades brasileiras.
6. Conclusão
O que se discutiu acima, refere-se ao histórico de evolução da perceão da edu-
cação e da pesquisa no movimento social de luta pela tera. Colocou-se uma
demanda sobre a necessidade de pesquisar a partir da realidade e da agenda pro-
posta pelas comunidades, pelos educadores do campo e pelos movimentos sociais,
numa interação com a agenda proposta pela academia.
Apontou-se a necessidade de superar o tratamento dos movimentos sociais e co-
munidades como objetos de estudo/pesquisa. Da possibilidade de que se construam
delineamentos de pesquisa onde os atores sociais sejam co-produtores de conheci-
mento e de saberes e o apenas aliados menores nos enfrentamentos acadêmicos.
ue se produzam questionamentos e enfrentamentos em vista da democra-
tizão das universidades para atender aos anseios da maioria da populão e
não apenas do grande capital, tendência que se reforça a cada passo. E que os
pesquisadores da Educação do Campo possam atuar como militantes pela
transformação social sem que isso contamine suas pesquisas ou hes dê um viés
panetário, que em nada contribuiria para o avanço do conhecimento e a prepa-
ração das pessoas para a superação dos atrasos e diculdades que temos.
Como movimento social, acreditamos ser necessário romper as cercas que
isolam as pesquisas acadêmicas, os muros das universidades, as discussões de
prioridades de pesquisa denidas pelas agências nanciadoras, como forma de
trazer os interesses dos movimentos sociais, e da maioria da populão para o
centro do debate.
É nesse sentido que nos colocamos à disposição para o diálogo e para a rea-
lização em conjunto de discussões e condução de atividades de pesquisa, seja na
Educação do Campo, seja nas diversas áreas do conhecimento que afetam a vida
e a dignidade de nosso povo.
e.
f.
A escola do campo e a
pesquisa do campo: metas
M G A
E
diferente daquele em que nos encontra-
mos semana passada com quase quatrocentos educadores e educado-
ras do campo das escolas dos assentamentos. Aqui eamos reunidos
como pesquisadores, como representantes dos movimentos sociais, como
membros das universidades, do governo e agências. Ee caráter de um cole-
tivo que pesquisa, que indaga, que vai atrás do conhecimento parece-me que
dá uma identidade muito eecial a ee encontro.
Vou limitar minha intervenção em dois sentidos: primeiro vou focar a escola, as
políticas púlicas, o sistema educativo. A perunta que vai mediar é: que agenda
de pesquisa para entender mehor o sistema educativo do campo ou sua ausên-
cia; as políticas púlicas educativas do campo ou sua ausência. E para entender a
escola em construção, que não conura-se nem sequer como escola. Esse seria
o primeiro recorte que vou fazer. O seundo recorte é que o vou entrar em
pesquisas como as que apareceram nos grupos de trabaho ontem que focalizam
mais a formação de professores, didáticas, conteúdos, curículos, material didá-
tico. Não vou entrar tanto neas dimensões que são fundamentais, sem dúvida
nenhuma, mas tentei me peruntar se não haveria pesquisas mais de subsolo que
Pós-Doutor Universidad Complutense – Madrid/Eanha. Professor Titular e Professor Emérito
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.
E C : questões para reflexão
104
seriam necessárias e urgentes para a conuração de um sistema educativo, de
uma escola e de políticas púlicas de Educação do Campo.
Deaco aluns pontos:
P : parece-me que é urgente pesquisar as desiualdades
históricas sofridas pelos povos do campo. Desiualdades econômicas, sociais e
para s desiualdades educativas, escolares. Sabemos como o pertencimento
social, indígena, racial, do campo é decisivo nessas históricas desiualdades. Há
uma dívida histórica, mas há também uma dívida de conhecimento dessa dívida
histórica. E esse parece que seria um dos pontos que demanda pesquisas. Pesqui-
sar essa dívida histórica. Esclare-la, mostrar nuances, ir fundo para ver o que
caraerizou esses processos históricos. Esse enredo histórico que fez com que o
pertencimento social, indígena, racial do campo tenha sido tão decisivo nas de-
siualdades em geral, mais eecicamente nas desiualdades escolar e educativa.
Nee sentido penso que deveria ser urgente pesquisar como eas desiualdades
marcam profundamente a construção ou a não-construção do sistema educati-
vo, de políticas educativas, de garantias de direitos, eecicamente do direito à
educação. Marcam a própria escolarização e a escola.
A escola traz as marcas das desiualdades sofridas pelos sujeitos que a ela m
direito. Não traz apenas as marcas das desiualdades de rendas, de condições, de
Fundeb, de Fundef, nem sequer das distâncias e da diersão da população. A
escola do campo traz as marcas fundamentalmente dos sujeitos marcados pelas
diferenças convertidas em desiualdades. Essa vergonha da desiualdade baseada
nas difereas sociais, raciais, étnicas, do campo acompanha toda nossa história
da construção da escola do campo. Sabemos que a modernidade não alterou as
desiualdades, mas aprofundou-as e eá aprofundando-as.
Conhecer as marcas das desiualdades no sistema escolar exige pesquisas e
estudos articulados com outras áreas de conhecimento. prossionais de outros
campos, de outras áreas do saber que pesquisam com profundidade a queão do
campo. É necessário que a educação seja pesquisada em outras áreas. uma
tradição lamentável entre nós. A educação só é pesquisada por educadores! Em
outros países a educação faz parte da sociologia, da ciência política, da antropo-
logia, da historiograa. Temos que fazer um processo de aproximação entre áreas
e a pesquisa pode ser um dos canais de aproximação urgente.
Mas o que pesquisar? É necessário pesquisar a capacidade das políticas pú-
licas universalistas para superar as clássicas desiualdades. Torna-se urgente
promover políticas e ações armativas. O sistema educativo no campo tem que
ser construído como um sistema de armação para coreção das desiualdades
e da dívida acumulada. Não é suciente eerar que um dia cheue ao campo o
que chegou à cidade! Precisamos mostrar e pesquisar que esse caminho não
é suciente, que a própria natureza das desiualdades históricas exige políticas
E C : questões para reflexão
105
armativas, sistema armativo, escola armativa. Ou seja, pesquisar e mapear as
desiualdades. Ressignicar essas desiualdades. Criar consciência dessas desi-
ualdades no Estado, na academia, no campo da educação e na teoria pedagógica.
Criar consciência dessas desiualdades na ANPEd e nas pesquisas de formulação
de políticas. É urgente pesquisar se os programas generalistas de acesso e de per-
manência para garantia do direto à educação vão dar conta dessas desiualdades,
se vão dar conta de universalizar o direito à educação dos povos do campo, negros,
indígenas. Ou o contrário, se esse padrão generalista é um limite mais que um
estímulo para dar conta das desiualdades históricas. Esse padrão generalista
tem que ser superado! Enquanto as políticas púlicas, os sistemas educacionais
continuarem insistindo nesse padrão, vamos continuar com as desiualdades!
Vamos continuar com as crônicas, croníssimas desiualdades!
Podemos eerar desse padrão a garantia dos diretos à educação dos povos
tão historica e desiualmente tratados ou será uma forma de continuar negando
esses direitos? Estas interogações vão na contramão de muitas crenças de que
o mesmo padrão serve para todos. A história eá mostrando que não serve. Te-
remos que pesquisar e mostrar se serve ou não serve; se as políticas generalistas
contribuem ou não contribuem para reproduzir as desiualdades.
S : conhecer a nova dinâmica do campo. Os novos sujeitos
do campo. Os movimentos sociais do campo. As lutas, as tensões, os paradoxos,
os paradigmas em contradição… Tudo isso que vimos aqui ees dias.
Pesquisar em que direção eariam esses movimentos e essa dinâmica superan-
do ou acentuando desiualdades. O campo eá dinâmico! Mas eá dinâmico no
sentido de superar as desiualdades ou de acentuá-las? Por exemplo, a expansão
do agronegócio polariza-as ainda mais? É urgente ter clareza disto. Dependendo
de qual paradigma vencer, earemos acentuando as desiualdades. Estaremos
condenando a escola ao desaparecimento. Esta é uma queão urgentíssima que
teremos que pesquisar com muito cuidado. Ou trazer pesquisas, contribuições
de outras áreas que vão nea direção. Mas também ea dinâmica eá criando
outros sujeitos como nos foi colocado aqui: sujeitos econômicos, sociais, culturais,
políticos. Está criando novas identidades coletivas. Nova consciência de direitos
coletivos, eecicamente do direito à educação. Isto é uma verdade? falta-nos
comprovação de todas eas armações. Hoje foi apresentado aqui um quadro
muito interessante da riqueza das pesquisas que se voltam para os movimentos
sociais como construtores de novos sujeitos.
Mas a perunta que deveríamos fazer voltando-nos para a escola seria ea:
em que essa dinâmica, esses movimentos eão pressionando o sistema educativo,
as políticas educativas, a escola, os educadores para serem outros? A impressão
que às vezes temos é que os movimentos sociais vão muito mais longe do que as
próprias escolas desses movimentos. A escola não se dinamizou, o avançou no
E C : questões para reflexão106
ritmo em que o campo hoje se dinamiza e os movimentos sociais se dinamizam.
Por que? O que tem a escola de tão pesado, de tão eático que o acompanha
essa dinâmica? ueões rias para as pesquisas. Os dados indicam que não
podemos cair na ilusão de pensar que porque o campo eá em contradição, em
tensão, que novos sujeitos políticos eão se construindo no campo, a escola, por
causa disso vai ser outra. motivos para ter vidas sobre nossas eeranças
de que haveria um contágio. Parece que a escola é tão resistente, tão vacinada
que ela o conseue se contaminar. Tem resistências históricas muito fortes.
Isto tem que ser pesquisado. A não ser que caiamos na ingenuidade de pensar: a
sociedade muda por aqui, em certos momentos puxa por e a escola vai atrás. A
escola o vai atrás desse trio etrico! Não vai! Talvez porque moreu! Como fala
a música. Ou eá fechada em si mesma e não vê, nem acompanha essa dinâmica
social. Mas acreditamos que o! Senão, não earíamos aqui. Podemos pesquisar
também em que condições ela e acompanha essa dinâmica social. Por exemplo,
as tensões no campo, a redenição de sujeitos ou recriação de novos sujeitos, as
dinâmicas novas. Os movimentos novos no campo pressionaram a escola para
acompanhar essa dinâmica. Porém, não é automático! A história mostrou isso.
A história da escola, sobretudo essa escola moderna construída a partir dos colé-
gios do século XV, XVI parece ter resistido a muitos movimentos de renovação.
Temos que ter realismo no trato da escola.
A escola é uma instituição com estruturas, culturas e valores consolidados.
Como todas as instituições, ela é mais lenta do que os sujeitos dos movimentos.
Sobre isto pesquisas que precisam ser contextualizadas. É verdade que algo
que possivelmente dinamize a escola: os movimentos do campo trazem a idéia
de direitos. Colocam a educação no campo dos direitos. E talvez isto seja um dos
pontos mais explosivos dentro da educação ultimamente. Ela sai da ótica de mer-
cado, mas não sai automaticamente. Em sua maior parte a cultura docente ainda
continua na ótica do mercado: preparar os alunos para o mercado. Ainda a idéia
de direitos porque lutamos tanto desde a cada de oitenta, não acabou por ser
a lógica estruturante da escola, do curículo, das avaliações, dos rituais.
Mas os movimentos sociais puxam muito nessa direção: de construir sujeitos
de direito com consciência de direitos. outro avanço que também os movi-
mentos sociais nos trazem: o direito à educação é inseparável, eá emaranhado
com a pluralidade de direitos humanos: o direito à tera, à vida, à cultura, à
identidade, à alimentação, à moradia, etc. Assistimos a uma tensão que exige
pesquisas: o avanço da consciência do direito à educação como que se limitado
pelo retrocesso na garantia dos direitos humanos mais básicos. As crianças, ado-
lescentes e jovens do campo caregam em suas trajetórias essa tensão. Lutam pelo
direito à educação, à escola, mas têm de sobreviver nos limites. Seu direito à edu-
cação ca condicionado ao direito mais básico a sobrevivência. Viver é preciso!
E C : questões para reflexão
107
Sobreviver é preciso! Isto tem que ser pesquisado, porque senão caímos em uma
eécie de triunfalismo educativo e tivemos tempos de triunfalismo educativo
e agora eamos em outros tempos, diferentes. Triunfalismo educativo da década
de . Educação como direito para a cidadania, consciência crítica. Tudo isso
é muito bom… hoje as coisas eão mais embaixo. O direito à educão não é um
direito apenas no campo da consciência política, o direito à educação se atrela
com a produção/reprodução mais elementar da vida. Isto, os movimentos nos
colocam. Tem que ser pesquisado, em que medida isso coloca as possibilidades
e os limites das dinâmicas políticas na consolidão de um sistema educativo no
campo, na institucionalização da escola.
Teamos que pesquisar o que é mais determinante na construção de um
sistema educativo e da escola. São os movimentos ideogicos? Os movimentos
políticos? Ou é o cotidiano da produção/reprodução da existência? Das formas
de trabaho, das formas de produção. Parece-me que a produção da vida e a pro-
dução da escola caminham juntas. Tornou-se urgente pesquisar esse entrelaçado.
Pesquisemos a que processos históricos foram atreladas a construção do sistema
educacional e a da escola. As evidências sugerem que foram atreladas muito mais
aos processos tera a tera, da produção da vida e da existência do que a grandes
movimentos, inclusive pedagógicos. Isto me parece decisivo para pensarmos em
construir um sistema educativo para o campo, em construir escola do campo.
Parece-me que as coisas têm que caminhar por . Nee seundo ponto eu ter-
minaria ponderando o seuinte: não esqueçamos, insisto, dos limites que m
da estrutura da escola. A escola tem sua força, sua identidade, sua dureza, sua
ossatura. E essa ossatura não é cil de quebrar. Temos que pesquisá-la mais e
ver, sobretudo, a ossatura de um sistema educativo encahado, como é o sistema
educativo do campo, que eá iual, parece que nada passa, parece que tudo parou
no tempo. Escolinha cai não cai, que o acaba de decolar. O que a amara? Estas
são queões que teremos que pesquisar.
T o terceiro ponto seria dar centralidade em nossas
pesquisas à construção dos sistemas educativos e da escola do campo vinculados
à construção dos próprios sujeitos da educação, eecicamente à construção da
infância, da adolescência, da juventude, que são os sujeitos mais diretos da ação
da escola. A perunta que deveríamos fazer é: que infância, que adolescência,
que juventude se conforma no campo? Parece-me que a infância do campo tem
suas eecicidades. Há processos eecícos de construção da infância e da ado-
lescência, ou das infâncias e das adolesncias. E pensar na eecicidade da
infância e da adolescência do campo, e nas eecicidades dentro dessa infância
do campo. Eecicidades étnicas, de raça, de nero, de classe. Eecicidades
dentro das diversas formas de produção, dos diversos povos do campo. A hipótese
iria na linha por onde nos levou à história social da infância e da juventude,
E C : questões para reflexão108
com um foco na eecicidade da história social da infância do campo, da ado-
lescência e da juventude do campo. Sabemos muito pouco da infância popular e
menos ainda do campo. Sabemos um pouco da infância trabahadora, explorada
de que nos falaram Marx e Engels, a infância em Paris, em Londres nos tempos
da industrialização, a infância que dormia ou moria ao pé da máquina. Sabemos
de tudo isso. A infância espósita.
Mais eecicamente a infância do campo, que processos constroem essa in-
fância? Uma hipótese poderia nos uiar nas pesquisas: que o sistema de educação
básica se construiu ao longo da história, se arma ou o se arma, na medida
em que se conuram ou vão se conurando esses tempos da vida com as quais
se trabaha. Enquanto não se legitima a infância como sujeito social, de direitos,
cultural, não se arma a educação infantil. É o que temos entre nós agora como
grande desao: armar a educação da infância. Mas que infância? A infância
popular, a infância do campo não são reconhecidas, daí ser tão dicil legitimar
a educação infantil. Somente quando se armou a infância e a adolescência de
sete a  anos é que foi-se construindo esse sistema educativo que chamávamos
educação fundamental ou ensino fundamental. Mas nem sequer a juventude se
construiu como um sujeito social. Agora é que eamos com todas essas identi-
dades juvenis, culturas juvenis, pressionando para que seja reconhecido o direito
à escola. Parece que a escola vem atrás, constituindo-se para dar conta de tempo-
ralidades humanas armadas, reconhecidas social e culturalmente.
Nee sentido a perunta para o campo é: até onde a infância, a adolescência,
a juventude do campo têm uma identidade reconhecida socialmente? Se não
tiverem, o vai ser legitimada sua educação no sistema escolar. O fato das es-
colas do campo somente serem de ª a ª séries, não é só porque eão distantes,
porque não dinheiro, porque os políticos não m vontade, etc., mas porque
na realidade o único tempo mais ou menos reconhecido como tempo de direitos
é esse tempo de sete a  anos. A infância tem uma vida muito curta no campo,
por isso a educação da infância tem uma vida muito curta no campo. A ado-
lescência praticamente não é reconhecida, porque se inserem precocemente no
trabaho, e a juventude se identica com a vida adulta precocemente. Dporque
não temos educação mais do que ª a ª. A perunta que teamos que nos fazer
é: quais processos são criados, em que direção seuem essas temporalidades, que
supostamente são de sujeitos de direito à educação? Esta queão para mim é
uma das mais nucleares na pesquisa do campo. Podemos ter tanto processos de
construção, quanto de desconstrução. Nea direção um ponto a pesquisar: as
famílias do campo o pensam nos hos apenas para o campo, para viver no
campo; mostram que uma grande mobilidade. A infância do campo não é um
teritório fechado. A agricultura camponesa prepara seus hos para sair.
mecanismos no mundo rural, próprios, para sair. A família camponesa tem uma
E C : questões para reflexão
109
intuição de que a infância rural não é um tempo fechado, conseqüentemente ela
o prepara para car e para sair, prepara para entrar na vida do campo e prepara
para sair. Isto é muito rio para a escola. Pensar uma escola do campo, só para
o campo, no campo, sem entender que infância, que adolescência do campo são
essas, podemos entrar em uma perectiva ingênua. Cair em uma eécie de
culto a car no campo, quando a própria lógica da produção familiar não é essa.
Compreender mehor, por meio de pesquisas, os processos de conformação dos
tempos de vida nos dará elementos para construir um sistema educativo no cam-
po e uma escola do campo.
Entretanto, a conformação desses tempos é bastante diversa. Teríamos que
estudar a conformação das diversas infâncias, adolescências, por exemplo dos
grupos quilombolas, das comunidades negras, camponesas, dos indígenas, das
diversas formas de trabaho no campo. Qual é a diferença? Não é diferença de
cultura. Hoje eamos hipersensíveis às diferenças de cultura, o que é um avanço
na construção de um projeto de educação. A escola ultimamente vem incorpo-
rando no curículo as diferenças de cultura entre uma menina, um menino, um
quilombola, e um menino indígena e um menino da agricultura familiar, extra-
tivista. É necessário pesquisar o peso da materialidade na formação dos seres hu-
manos, eecicamente da infância e da adolesncia do campo. Em que medida
os processos de produção da existência são ameaçados, redenidos, e quando
eles são ameaçados e redenidos, eles redenem as conurações desses sujeitos.
Eu diria que, na medida em que a tera é ameaçada e as formas de produção são
ameaçadas, a produção da existência é ameaçada, a produção da infância e da
adolesncia também o ameaçadas. A escola do campo tem que se acostumar a
trabahar com conurações de infância não denidas, mas ameaçadas. Por que?
Porque a própria base da produção dessas conurações eá ameaçada. Isso eá
claro em todos os movimentos do campo. Quando a tera, o teritório, as formas
de produção eão ameaçadas, são ameaçadas também a formação da cultura,
do conhecimento e das identidades temporais. É ameaçada a escola. Como pes-
quisar isso? Pesquisar esses processos é prévio a pesquisar a escola por dentro, o
curículo, a didática, os horários. Deveamos colocar com prioridade na nossa
agenda eas outras queões, que são extremamente radicais na conuração do
sistema educativo do campo e na escola do campo.
Q pesquisar a tradição camponesa. Tanto Nazaré, quanto
Palmeira, como Elem nos colocaram muita ênfase nessa queão. Nazaré questio-
nou a tradição camponesa. Veja que não é apenas a cultura camponesa, eu entendi
que era algo mais. Vamos pesquisar um dos campos onde a educão tanto se
enreda: a cultura, as representações, as identidades, as vozes, a participação social.
Mas há algo mais de fundo, a economia moral de que falou Braudel. A economia
E C : questões para reflexão
110
moral dos povos do campo na sua diversidade, mas uma economia moral, que
é a que determina a moralidade, os valores, as razões, a sociabilidade.
Lembremos como são profundas e lindas nossas místicas! Elas apontam uma
outra pedagogia, uma outra didática. Não são importantes apenas porque to-
cam em símbolos, mas porque elas explicitam uma economia moral, mais de
fundo. Os povos do campo são portadores de uma tradição, seundo Nazaré. E
de capacidades geradas e aprendidas nessa tradição. Ou seja, é essa tradição que
é a matriz formadora deles. No fundo, ela diz: uma matriz pedagógica no
campo, formadora do campo, tão determinante quanto os movimentos sociais.
É a tradição camponesa. Temos que estudar essas matrizes, a matriz da luta, da
dinâmica, do confronto, da tensão, dos movimentos sociais, mas sem esquecer
ea outra matriz. Porque ea outra matriz é mais permanente, eá no subsolo.
A formação, os valores, os saberes e a escola eão colados ao subsolo da produção
da existência, tanto ou mais do que a certos movimentos políticos e ideológicos,
por mais força que eles tenham. Os povos do campo têm capacidade de serem
éis à sua tradão, de adaptarem-se a essa tradão, mas também de modicá-la
e de se modicarem.
Esta visão positiva da tradição é extremamente importante para nossas pes-
quisas em Educação do Campo. Construir uma visão positiva contraria a visão
dominante, de que a tradição camponesa é uma tradição que puxa para trás, para
as sombras do passado. Essa idéia de que o passado é sombra, é peso, tradição inútil,
rotineira. Nazaré aponta outras dimensões. Primeiro, esse adaptar-se não é algo
negativo. Adaptar-se é uma sabedoria para a própria sobrevivência. E seundo, é
um adaptar-se modicando-se, inerente a essa tradição. Reconhecer essas virtu-
alidades da tradição camponesa é fundamental para repensarmos a Pedagogia da
Tera, a pedagogia da tradição camponesa, da tradão dos povos do campo em
sua diversidade. Ela falava, repetindo um autor: em cada camponês sempre
um sujeito adormecido. Em cada homem/muher do campo, em cada jovem,
adolescente e até criança do campo há um sujeito adormecido que nós teríamos
que de aluma forma acordar, e ver com que pedagogia, com que didática, com
que escola, se poderiam fazer esses processos, ou seja, pesquisar como se reproduz
essa tradição, no modo de vida cotidiano, nas raízes do campo. E sobretudo, para
nós, em que medida essa matriz pedagógica terminará enriquecendo, poderia
enriquecer a própria teoria pedagógica. A teoria pedagógica esvaziou-se muito.
Esquecemos as grandes matrizes pedagógicas que herdamos desde a Paidéia, des-
de a Renascea, a Modernidade, desde o socialismo: o trabaho como princípio
educativo, a cultura como matriz formadora.
A matriz formadora, que é a própria tradição camponesa, a própria tradição
dos povos do campo, deveria ser retomada na teoria pedagógica. Poderia ser um
grande enriquecimento para a teoria pedagógica. Mas como funciona essa matriz?
E C : questões para reflexão
111
O que a constitui? O que dá a ela essa força de ser formadora? Isso tem que ser
pesquisado. Para educadores(as), pesquisadores(as) do campo torna-se desaante
estudar essas matrizes formadoras e fazer que redenam a teoria pedagógica. No
grupo Trabaho e Educação falamos muito do trabaho como princípio educativo,
desde Gramsci e Marx, aprendemos que nos produzimos-nos produzindo. Mas
custa chegar à teoria pedagógica e mais ainda à teoria escolar. Por que não chegou?
Em que medida isso o deveria ser enriquecedor, revitalizador da teoria peda-
gógica? Nos cursos de Pedagogia da Tera há grande preocupação em recuperar
a teoria pedagógica. O nome Pedagogia da Tera assume que a tera, o teritório
é uma matriz formadora, sempre foi. A tera sempre forneceu metáforas para a
pedagogia. Desde a metáfora da semente, da jardinagem. Mas ela forneceu mais
do que metáforas, ela forneceu matrizes formadoras. ue escola contribuiria para
a manutenção dessa tradição, no que ela tem de dinâmico e adaptativo? Como
enxertar a pedagogia escolar nessa matriz? Ou serão coisas sempre diferentes, se-
paradas? Uma coisa é a escola, sua didática, seus métodos, seus conteúdos, e outra
coisa é a tradição onde essas crianças, adolescentes e jovens, como camponeses,
como quilombolas, como negros, como indígenas, vão se formando? Falta muito
para eabelecer essas relações. Parece que a escola é algo diferente, é algo que
tem sua dinâmica. E às vezes é verdade que apenas seuimos sua dinâmica e não
conseuimos enxertá-la nessas grandes matrizes formadoras. falava antes que
na medida em que essa matriz formadora eá ameaçada, na medida em que essa
tradição, essa economia moral são ameaçadas, a escola terminará sendo ameaçada.
Mas que capacidade tem essa tradição camponesa de resistir? Historicamente
teve sempre uma grande capacidade de resistir. A tradição camponesa sempre
resistiu, ela se refez. É o que dissemos: a morte anunciada, e o ressuscitar também
anunciado. Tudo isso deveamos pesquisar.
Q pesquisar a cultura tecnológica. Foi debatido no encon-
tro que tivemos poucos dias em Luziânia, sobre não negar aos povos do campo
o saber cientíco, o saber tecnológico, como conhecimento socialmente constru-
ído. Como pesquisar isto um pouco mais? Certas crenças que s tínhamos: a
função da escola é transmitir o saber socialmente construído, hoje eão sendo
revistas, não superadas. Não se trata de superar o direito de todo ser humano ao
saber socialmente construído, à cultura de vida, à herança cultural. Trata-se de
que isso passou a ser uma eécie de slogan, que precisa ser mais trabahado, mais
pesquisado. Aonde os conhecimentos escolares o esse saber construído, ou
são apenas parte e até ltram esse saber construído? Aonde uma seletivi-
dade desse saber construído? Até onde em nome do direito aos saberes escolares,
negamos os saberes construídos? Aonde esses saberes são mais mortos do que
vivos? Até onde não temos capacidade de incorporar os saberes vivos, os sabe-
res do trabaho e da vida, os saberes dos movimentos, os saberes da tradição
E C : questões para reflexão
112
camponesa? Um dos prolemas que encontramos nos cursos de Pedagogia da
Tera é exatamente ee: uma tensão muito grande entre o saber da história,
do trabaho, o saber das lutas e os saberes da pedagogia aonde vão estudar. Não é
uma tensão burocrática. É uma tensão que se situa bem fundo. Eles se consi-
deram sujeitos de produção do saber, percebem que processos de produção do
saber, dos quais participam, mas quando chegam aos cursos hes dizem: vos o
sabem de nada, vocês são ignorantes. No fundo é uma tensão de saberes, mais do
que uma tensão de saberes, uma tensão de produção de saberes. É uma tensão de
matrizes de produção de saberes. Isto nos leva a algo muito mais profundo do que
simplesmente dizer: o camponês também carega o seu saber!; como incorporar
esse saber na escola; ele também aprende a contar fora, a contar as vacas, os cor-
deirinhos, os coehinhos ou as plantas. Não é isso! Acho que simplicamos tanto
a relação entre saber popular e saber escolar, deixamos de fora as grandes tensões
que eão no subsolo da diversidade de processos de produção de conhecimento.
que teamos que nos situar e pesquisar com mais profundidade. tensões
de paradigmas de conhecimento e de formas de pensar o real. Não só reconhecer
o povo também sabe, tem cultura e saberes. Incorporemos isso aos curículos.
A década de  incorporou essa incorporação. Mas parece que é pouco. Hoje te-
amos que levar eas pesquisas mais fundo. Ir mais dentro das grandes tensões
sobre a construção de saberes, sobre paradigmas da construção dos saberes, sabe-
res legítimos e ilegítimos. Paradigmas legítimos e ilegítimos. Produtores legítimos
e ilegítimos de saberes.
Dentro dea queão também temos que pesquisar bastante algo que Nazaré
e Palmeira levantaram: a cultura do campo sempre foi uma cultura de inova-
ção tecnológica, pela própria dinâmica da produção. As formas como meu pai
produzia não eram as mesmas que produzia meu avô e meu tataravô. Eram dife-
rentes. Havia sempre uma busca de novas formas de produzir, até para diminuir
o trabaho que é muito pesado no campo. Para ir explorando mais o trabaho, a
natureza, sobretudo por uma coisa: como sempre a produção familiar se situa
no reino dos limites das necessidades e depende muito da natureza, precisa de
muita engenhosidade para sobreviver nessa dinâmica das necessidades. Há uma
sensibilidade para a necessidade de novas tecnologias. Isso teria que ser explo-
rado nos curículos. A escola não pode dar simplesmente aperitivinhos de sabe-
res e noções elementares de ciências dentro de uma tradição da qual faz parte a
cultura tecnológica. As necessidades de explorar tecnologicamente o trabaho.
Há uma cultura do desenvolvimento. Há uma cultura moderna na tradição
camponesa. Como administrar uma unidade de produção no mundo de necessi-
dades? Exige muita perícia para isso. Como alimentar, às vezes famílias numerosas,
em tera escassa? Torna-se preciso inventar destrezas, saberes, tecnologias, valo-
res que tem sido formados e que tem que ser incorporados aos curículos. Como
E C : questões para reflexão
113
a escola do campo pode contribuir na formação de conhecimentos, de valores, de
compreensões da realidade do campo? Nazaré diz que o camponês é um modo
não só de vida, mas de lidar com a vida. Não lida com coisas. Não lida com sapa-
tos numa fábrica. Lida com seres vivos! Lida com tera! Lida com convívios, com
sociabilidades, com formas coletivas de trabahar! Para isso é necessário ter sensi-
bilidades, valores, culturas, sociabilidades, destrezas para essa lida que fazem parte
da própria formação, do perl dos povos do campo, de sujeitos do campo. Daí que
a escola do campo tem que ser uma escola exigente, tão exigente ou mais que a
escola da cidade! Precisamente porque a própria tradição camponesa é exigente
consigo mesma. E a produção da vida no campo é extremamente exigente.
S pesquisar a construção da organização do próprio sis-
tema escolar e das escolas. Ou seja, insistir no aecto organizativo. No aecto
da construção desse sistema. Pesquisar mais até onde temos ou não temos um
sistema, ou temos um aremedo de sistema. Até onde temos uma escola instituída
ou aremedo de escola, uma pia desurada da escola e do sistema educacional
no campo. Pesquisar como construir! Não é pesquisar o que de negativo.
O que de confuso ou o que de indenido, mas se é possível construir ou-
tro sistema educativo, outra organização da escola, que organização da escola?
O modelo a seuir será a organização seriada das escolas da cidade? Superar a
reação tão freqüente contra as escolas multisseriadas. As escolas do campo não
são multisseriadas. São multiidades. ue é diferente! Os educandos eão em
múltiplas idades. Múltiplas temporalidades. Temporalidades éticas, cognitivas,
culturais, identitárias. É com diversidade de temporalidades que trabaha a escola
do campo. Não é com séries. Eu estudei numa dessas escolas e nunca ouvi de ne-
nhum professor que ele trabahasse numa escola multisseriada. Ele falava: eu sou
professor dos pequenos, o outro professor é dos maiores. Os pequenos éramos de
seis a dez. A infância que penetrava ainda na educação fundamental.E os maiores
eram os adolescentes, de dez a  anos. Na realidade era uma escola da infância
e uma escola da adolescência. E uma escola da infância de seis, sete, oito e nove
anos onde o professor tinha que saber lidar com multiidades, e com o que havia
de comum com todas essas idades: sermos crianças ainda! E possivelmente, o
que facilitava o trabaho era não perder de vista que todos eávamos no mesmo
tempo humano. O tempo da infância. Enquanto que outro professor para o qual
passávamos com dez anos já tinha que partir de outra idéia.Não só que tinha de
dez, , , ,  anos, mas que educava adolescentes com uma conuração da
adolesncia no campo diferente da infância. Isto é muito mais rico do que a
multisserialidade. Classicar a escola do campo como multisseriada leva a uma
visão sempre negativa e a tendência dos professores a organizar a escola por séries
apesar de terem idades tão diferentes. Leva a recortar os conhecimentos: “agora
trabaho o conteúdo da primeira série, agora com vocês o da seunda… Isso é um
E C : questões para reflexão
114
caos! A perunta: vamos acertar com uma organização da escola do campo que
não seja cópia da escola seriada da cidade que queremos já destruir? Eu sou um
grande defensor que ea escola seriada seja desconstruída e que se organize a par-
tir das temporalidades humanas. Temos que pesquisar mais as formas possíveis
de organização do sistema educativo e da escola no campo. Pesquisar a fraqueza.
A vulnerabilidade do sistema educativo do campo, e pesquisar os porquês dessa
fraqueza. Um dos porquês mais fortes é o vínculo entre poder local, sistema edu-
cativo do campo e escolas do campo. É a veha tese: coronelismo, enxada e voto.
A escola do campo ainda eá entreue a uma suposta cooperação entre os diver-
sos entes federativos. Em realidade a escola do campo ainda é uma moeda de troca
de baixa política, de articulações e barganhas. Enquanto isto o for superado,
não teremos um sistema educativo do campo, não teremos uma escola do campo!
Outra realidade que enfraquece a escola do campo são os fracos vínculos que têm
o corpo de prossionais do campo com as escolas do campo. Não é um corpo nem
do campo, nem para o campo, nem construído por prossionais do campo. É um
corpo que eá de passagem no campo e quando pode se liberar sai das escolas
do campo. Por o haverá nunca um sistema de Educação do Campo! Isso
signica dar prioridade a políticas de formação de educadores. Elaborar políticas
de concursos diferenciados? Políticas de formação diferenciadas? Políticas de
contratação diferenciadas? Não podemos continuar com essa conuração de
educadores do campo desvinculados do campo. Os nculos de trabaho entre
escolas do campo, sistemas de Educação do Campo e prossionais do campo são
decisivos para a conformação da Educação do Campo.
Por onde construir, enraizar positivamente a construção de um sistema de Edu-
cação do Campo e da escola do campo? A escola do campo, o sistema educativo do
campo se armará na medida em que se entrelaçarem com a própria organização
dos povos do campo, com as relações de proximidade inerentes à produção cam-
ponesa a vizinhança, as famílias, os grupos, enraizar-se e aproximar as formas de
vida centrada no grupo, na articulação entre as formas de produzir a vida.
Por exemplo, as formas de vinculação da infância à agricultura familiar exi-
gem outras formas eecícas de organização da escola. Não podemos transferir
formas de organização da escola da cidade que partem de uma forma de viver a in-
fância e a adolescência para as formas de viver a infância e a adolescência no cam-
po. Precisamos das pesquisas sobre como se inserem a infância e a adolescência na
organização camponesa, na agricultura familiar para articular a organização da
escola, a organização dos seus tempos, aos tempos da infância, as formas de viver
o tempo na própria infância. uma lógica temporal na produção camponesa
que não é a lógica da indústria, nem da cidade. É a gica da tera! É a gica do
tempo da natureza! É saber eerar e reinventar formas de intervir. A primeira
coisa que o agricultor faz é ohar para o u e para a tera. Esse é seu relógio! Plantar,
E C : questões para reflexão
115
não plantar; semear, não semear dependendo do tempo do u e do tempo da
tera. Essa lógica do tempo da natureza a qual ele sabiamente tem que se adaptar
e sobre a qual terá que saber intervir traz coisas rias para os tempos de escola.
A escola não pode ter uma gica temporal contrária à lógica do tempo da vida,
da produção camponesa onde ela eá inserida. Se ela tiver uma lógica diferente
ela se torna um corpo estranho. Essa compreensão vai além de articular o calen-
dário escolar e o calendário agrícola. Isso é supercial. Precisamos ir mais fundo.
Como pesquisar isso? Como chegar a formas mais concretas de organização?
O agricultor não tem um tempo fechado. Não se move num tempo controlado.
Não se move numa lógica temporal fechada. Mas a escola se move.
Este é sério prolema da Educação de Jovens e Adultos (EJA), nas escolas da
cidade. O tempo de trabaho, de sobrevivência dos jovens e adultos que estudam à
noite, não coincide com o tempo da escola. Conseqüentemente  em agosto
não freqüentam mais a EJA por incompatibilidade temporal. O ritmo da infância
livre, ociosa é um. O tempo da vida de jovens e adultos trabahadores sobrevi-
ventes é outro. O tempo da infância e da adolescência na agricultura familiar é
outro. Isso traz conseqüências seríssimas para a organização escolar, de espaços,
de tempo, de horários, de calendários escolares.
E nalmente nee ponto a queão dos assentamentos. Os assentamentos
têm sua organização. E nem sempre a escola, como é municipal, tem sua orga-
nização, seus horários, não se vincula a essa organização. Isto foi tocado outro
dia quando estivemos com quase quatrocentos educadores dos assentamentos.
Eles encontram contradições entre a forma de organizar os assentamentos e a
forma de organizar a escola. A escola parece um corpo à parte. Ela cai do céu na
organização dos assentamentos. E ela é impenetrável. Sua organização nem se
discute. Pode-se discutir a organização dos assentamentos, mas da escola não!
A escola é do município. A diretora é do município. As professoras o do mu-
nicípio conseqüentemente é uma escola organizada em outras lógicas. Estas são
tensões muito sérias que precisam ser pesquisadas. Para terminar mais uma per-
unta: que contribuições da tradição camponesa, dos processos de formação de
sujeitos do campo podem ajudar no avanço da teoria educativa? Estou colocando
isso no campo da teoria educativa. Tudo que foi falado aqui sobre o papel dos
movimentos sociais na conuração de novos sujeitos tem que ser assumidos pela
teoria pedagógica. A teoria pedagógica deve ter como foco, como se forma o ser
humano e tem que ear onde o ser humano se forma. O artista eá onde o povo
eá. A pedagogia educativa tem que ear enxertada onde eão acontecendo os
processos de formação. Se isso acontece nos movimentos sociais, na tradição cam-
ponesa, nas formas de produção agrícola teamos que incorporar as dimensões
pedagógicas dos processos de formação no mundo tão impenetrável da teoria
pedagógica. Nós que somos da área e tantos aqui que eamos nas faculdades de
E C : questões para reflexão116
educação, vamos abrir as faculdades de educação para que se deixem contaminar
disso. A pedagogia virou didatismo. E não didáticas magnas, mas didáticas miúdas.
Como fazer para que essas grandes didáticas, no sentido desses grandes processos
de formação, penetrem na formação de educadores e educadoras do campo?
Seundo ponto: levar para a academia, também para a teoria da formação, dos
prossionais do conhecimento, de professores e professoras todas as discussões
sobre os modos diversos de produção do conhecimento. Não só sobre os produtos
do conhecimento. Mas sobre os próprios modos de produção do conhecimento,
sobre os diversos paradigmas. É uma discussão ausente na formação de licencia-
dos. Lamentável. Mas deveria ser incorporada.
Terceiro: os processos de produção da vida humana no campo m suas
matrizes, suas eecicidades e reconrma a veha pedagogia que inspirou que,
produzindo-nos na vida, nos produzimos! Ou, é produzindo a vida que nos pro-
duzimos. É produzindo no campo que nos produzimos, que os sujeitos coletivos
produzem-se, formam. Produzindo uma tradição camponesa, se produz cultura,
valores, saberes, tecnologia. Essas matrizes podem inspirar outras escolas do cam-
po. Mas pouca pesquisa sobre isso. Pesquisando o campo teremos um papel
muito rio na própria revitalização dos cursos de pedagogia e eecicamente
da Pedagogia da Tera, no que eles podem ter de mais revitalizador: a própria
teoria pedagógica!
Para uma metodologia de
pesquisa dos movimentos
sociais e educação no campo
I S-W
P
contribuição da pesquisa das ciências sociais
para a educação no campo, um dos recortes possível e frutífero refere-
se à inveigação da relação entre práticas pedagógicas e sociedade civil
organizada. É nessa direção que traremos algumas reflexões sobre o eado
da arte dos eudos dos movimentos sociais no campo, considerando-se as
seguintes temáticas: vitalidade da pesquisa; eaços de aprendizagem; a abor-
dagem multidimensional e a contextualização do sujeito do aprendizado.
1. Vitalidade da pesquisa sobre movimentos sociais no campo
Nos anos recentes, os estudos e pesquisa sobre os movimentos sociais no campo,
vêm assumindo uma proporção considevel da pesquisa em ciências humanas
ou sociais. Isso se deve, em grande medida, pela vitalidade das ações coletivas no
campo, eecialmente no Brasil, que passaram a ter maior visibilidade na arena
política do que a maioria dos movimentos de outra natureza. A título de ilustra-
ção, trago aluns dados:
No X Congresso de Sociologia Rural, realizado no Rio de Janeiro, em , dos
 trabahos apresentados,  () foram classicados no tema “Movimentos
Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais (NPMS/UFSC), professora titular
do Departamento de Sociologia e Cncia Política da UFSC e pesquisadora sênior do CNPq.
E C : questões para reflexão118
sociais, assentamentos e reforma agrária, o que é bem relevante tendo em vista
que o congresso abrangia a diversidade de temas da pesquisa sobre o rural, em esca-
la mundial. Além disso, a temática freqüentemente aparece em temas fronteiriços
como em “Democracia local e políticas púlicas, com  papers (), assim os dois
temas acabaram perfazendo  das apresentações. (Lepri, , p. ).
No IV Congresso da Associação Latino-americana de Sociologia Rural, ocor-
rido em Porto Alegre, em , dos  trabahos apresentados,  () eram
no tema “Movimentos sociais, assentamentos e reforma agrária” e  () em
tema corelato Democracia local e políticas púlicas, somando  do conjunto
dos trabahos, o que é muito expressivo (ibid, p. ).
Para trazer um exemplo da produção cientíca apenas no Brasil, temos um
levantamento da ANPEd, sobre teses e dissertações na área de Educação Rural,
onde pode-se observar que , dessas, produzidas entre -, recaem no
tema “Educação popular e movimentos sociais no campo (cf. Damasceno &
Besera, , vide quadro abaixo):
T Q %
Ensino Fundamental (escola rural) 15 14,7
Professores rurais 09 8,8
Políticas para a educação rural 18 17,6
Currículos e saberes
14 13,7
Educação popular e movimentos sociais no campo 22 21,5
Educação e trabalho rural 08 7,8
Extensão rural 07 6,8
Relações de gênero 03 2,9
Outros 06 5,8
Total 102 100
Área de Educação Rural – // –Dissertações e Teses. Banco de Dados da ANPEd .
Sabe-se que a vitalidade da pesquisa expressa também, a visibilidade dos sujei-
tos coletivos do mundo rural. Por isso, a reexão sobre os processos de educação
no campo deve levar em consideração a presença desses sujeitos organizados,
mesmo porque não se pode negligenciar a educação informal que ocore nesses
espaços dos movimentos sociais.
2. Eaços de aprendizagem nos movimentos sociais do campo
Maria Antônia de Souza () resgata a contribuição de vários autores
Grzybowski, Gohn, Caldart e Fernandes os quais deacam que os movimentos
E C : questões para reflexão
119
sociais possuem um caráter educativo, oriundo da participação política, dos pro-
cessos de interação, das negociações com representantes políticos, das relações
com os mediadores, enm, o Movimento como espaço de socialização política. A
autora acrescenta que, seundo Mançano Fernandes, esse espaço de socialização
política é composto pelos espaços comunicativo, interativo e de luta e resistência,
sendo assim denidos:
O espaço comunicativo como lugar onde as pessoas se conhecem, constroem conhecimen-
to, debatem temas do cotidiano, relembram suas trajetórias, enm, é o espaço da leitura
e releitura da realidade vivenciada. O espaço interativo pressupõe um conhecimento
crítico da realidade, o qual foi desenvolvido no espaço comunicativo. O espaço de luta e
resistência, de acordo com Fernandes, é a manifeação púlica dos sujeitos e de seus objetios.
É, efetiaente, o espaço de luta (ibid., p.).
Vendramini (, p. -)), numa pesquisa realizada em três assentamentos
do MST em Santa Catarina, por meio da perunta onde mais se aprende”, chegou
a um resultado, que sistematizamos nas seuintes categorias:
E  MST/SC
Movimento/vivência na luta 38 %
Casa/família 24%
Escola 17%
Igreja 10%
Leituras/paleras 10%
Fonte: Vendramini, 
Subjacente a essa visão sobre aprendizado, eá uma idéia de que educação o
se refere apenas a conhecimento geral, ou conhecimento técnico, mas também
a conhecimento para o exercício da cidadania e para a convivência com a diver-
sidade cultural e o reconhecimento do outro enquanto sujeito de seu destino
pessoal e coletivo. Essa preocupação eá bem explicitada nas palavras de uma
militante do MST, Maria Gorete Sousa (Revista Novae):
“Na escola púlica não existe preocupação com as diferenças, com a educação dos povos
indígenas, dos povos do campo, dos quilombolas. Hoje, existe uma articulação nacional
envolvendo várias organizações do campo, entre elas o MST, para discutir essa educação
diferenciada. Diferenciada não quer dizer técnica, é preciso frisar isso. Muitos pensam
que a educação para os pobres deve ser prossionalizante, não a do conhecimento geral.
ueremos não só o conhecimento geral, como o processo completo de conhecimento”.
E C : questões para reflexão
120
Maria Gorete reconhece nessa articulão, bem como na iniciativa do MEC
sobre educação no campo, propostas relevantes para o avanço de uma educação
diferenciada, que leva em conta os anseios dos movimentos sociais:
“Existe, inclusive, no MEC um grupo de estudo de Educação do Campo. É mais uma
conquista. É claro que não é um processo fácil, haverá tensão e conitos permanentes,
vivemos em uma sociedade capitalista que não permitiria uma educação libertadora,
uma educação para a transformação. Essa articulação é formada pela Via Campesina,
Universidade de Brasília, pastorais, movimentos quilombolas, indígenas etc. Estamos em
processo de aprofundamento das discussões. Temos feito vários seminários, colóquios,
debates etc. Estamos sempre nos encontrando”.
Roseli Caldart () aponta alumas dimensões de um processo pedagógico
continuado, em movimento, fruto da vivência no cotidiano dos assentamentos
dos sem-tera: ética comunitária; solidariedade com os outros e com o coletivo;
consciência sobre os direitos de cidadania (o indivíduo ter documentos; partici-
pação política etc); democracia de base e reeito às diferenças (étnicas, de gênero,
de religião, regionais etc); compreensão de que faz parte da história e de que a
vida é um movimento (p. -).
Os movimentos sociais no campo, dentre esses o caso emlemático do MST,
mas também os movimentos contra as baragens, da economia solidária, quilom-
bolas, serinueiros, indígenas, ribeirinhos e muitos outros, o laboratórios de
vivência, e que nos permitem pensar sobre as necessidades pedagógicas para uma
educação no campo, na direção da construção de escolas do sujeito (cf. Touraine,
), orientando-se para a criação de um sujeito livre, para uma comunicação
intercultural e para uma geão democrática da sociedade e das mudanças, prin-
cípios esses que são assim entendidos pelo autor:
“El nino que lega a la escuela no es una tala rasa sobre la cual el educador va a inscribir
conocimientos, sentimientos, valores. En cada momento de su vida, el nino tiene una
historia personal y colectiva siempre dotada de rasgos particulares….
“Una educación centrada en la cultura y los valores de la sociedad que educa es suce
-
dida por otra que atribuye una importancia central a la diversidad (histórica y cultural)
y el reconocimiento del otro….
“Este nuevo modelo parte de la observación de las desiualdades de hecho y trata de
coregirlas aivamente… Atribuye a la escuela un papel aivo de democratización al to-
mar en cuenta las condiciones particulares en que los diferentes niños se ven confrontados
a los mismos instrumentos y los mismos prolemas. (Touraine, op. cit., p. -).
E C : questões para reflexão
121
Para se introduzir práticas pedagógicas adequadas a essas realidades, deve-se
também possuir um conhecimento razoável acerca desses cenários, e é que a
pesquisa social podetrazer aluma contribuição. Esse cenário de mudança e em
constante movimento, requer abordagens multidimensionais da realidade.
3. Contribuições para uma abordagem multidimensional
Para se compreender os movimentos sociais hoje, deve-se observar como os in-
divíduos tornam-se sujeitos de seus destinos pessoais e como sujeitos se transfor-
mam em atores políticos por meio de suas conexões em redes. Deve-se, também,
buscar entender como ees atores e reectivos movimentos são formas de re-
sistência e de proposições em relão a:
códigos culturais opressores (cf. Touraine, ), que para o caso dos movimentos
sociais no campo referem-se eecialmente ao patriarcalismo, ao paternalismo,
ao clientelismo e aos preconceitos classistas, étnicos, regionais e de gênero;
códigos informacionais que regem suas vidas (cf. Castels, ), que diz reeito
à ideologia que predomina na grande mídia e nas falsas ideologias da democracia
racial, da homogeneidade nacional etc.;
incertezas do cotidiano (cf. Melucci, ), decorente das condições de exclusão
social, pobreza, precariedade das condições de vida etc.
Para tanto, propõe-se uma abordagem que considera a relação entre sujeitos e
atores coletivos em sua transformação em movimentos sociais, a partir de uma tri-
pla dimensão das redes na sociedade contemporânea: social, espacial e temporal.
As redes sociais do cotidiano, bem como as redes de movimentos sociais,
podem contemplar uma relação dialógica entre o tradicional e o moderno, entre
o mais local e o mais global, e entre o individual e o coletivo. Para a compreensão
dee intrincado cenário das redes, é que três dimensões de análise das redes
devem ser consideradas: o tempo social; o espaço e teritório; e as formas de
sociabilidade, conforme seue.
3.1.Temporalidade e hioricidade
Os movimentos sociais podem vir a se construir em torno de legados histó-
ricos ou de raízes culturais. As redes de movimentos sociais através de seus
vários níveis de manifeão (submersas, latentes, virtuais ou estruturadas)
Outros desdobramentos para essa parte do trabalho, vide em Scherer-Warren,a e b.
Para uma conceituação desses tipos de rede, vide Scherer-Warren, a.
E C : questões para reflexão
122
podem, assim, respaldar-se emrias temporalidades: o passado (a tradição, a
indignão), o presente (o proteo, a solidariedade, a proposta) e o futuro (o
projeto, a utopia). Mas para além da noção de tempos sociais distintos, as redes
podem ser também portadoras de historicidade, conforme tem se observado
no Brasil no caso do sindicalismo rural, da pastoral da tera, dos movimentos
dos sem-tera, contra as baragens, dos serinueiros, das muheres agricultoras,
dos quilombolas e outros.
Será, pois, no jogo dialético, entre tradão e raízes culturais revistas criti-
camente, por um lado, e opções políticas e utopias, por outro, que as redes de
movimento podem construir seus projetos de transformação. A equação das
raízes/opções, nos termos de Boaventura Santos (), pode ser frutífera nos
movimentos sociais na medida em que o passado deixar de ser a acumulação
fatalista de catástrofe e for tão-a antecipação da nossa indignação e do nosso
inconformismo” (p. ).
Todavia, as propostas pedagógicas de articulações entre tradições culturais,
utopias e opções do presente devem ser constantemente reavaliadas, conforme
nos adverte ueiroz (, p. ), a partir de uma pesquisa realizada em assen-
tamentos no nordee brasileiro:
O MST desenvolve uma estratégia de reconstrução do passado… Entretanto, essa re-
construção encontra diculdade de ser incorporada pelo conjunto de sua base, tendo
em vista as particularidades reais das histórias de cada situação concreta, e também pela
ausência de uma metodologia que procure reconstruir ee passado em articulão com
as histórias concretas de conitos e lutas.
Portanto a recuperação da história das lutas sociais deve ser referenciada
e reinterpretada à luz das histórias de vida dos sujeitos concretos em cada as-
sentamento ou setor do movimento. Um caso latino-americano bem sucedido
dessa recuperação da história e sua articulação com um projeto de transforma-
ção ocoreu no Movimento Neo-Zapatista de Chiapas, que conseuiu resgatar
valores culturais milenares associando-os a novos ideários modernos e mesmo
pós-modernos e difundindo-os em tempo real. Criou-se, assim, pela primeira
vez na história da humanidade, um potencial para uma dialógica entre culturas
com raízes históricas diversicadas e, quiçá, um laboratório para a construção
de relações interculturais de reconhecimento, reeito, solidariedade entre o tra-
dicional e o moderno.
Essas queões temporais ampliam seu signicado quando tratam-se as redes
também, a partir de suas conurações espaciais, isto é, quando os legados his-
tóricos da tradição e os projetos ou utopias de transformação são lidos à luz de
E C : questões para reflexão
123
ações que conectam as escalas locais, com escalas regionais, nacionais e globais,
conforme veremos a seuir.
3.2. Eaços e territórios
Do ponto de vista da dimensão espacial, na sociedade da informação podem
ser observados dois tipos de redes sociais subjacentes aos movimentos: a) redes
sociais primárias interindividuais ou coletivas as quais se caraerizam por
serem presenciais, em espaços contíuos, criando teritórios no sentido tradicio-
nal do termo, isto é, geogracamente delimitados; b) redes virtuais, resultantes
do ciberativismo, as quais são intencionais, isto é, suas conurações se denem
pelas adesões por uma causa ou por anidades políticas, culturais ou ideológicas
transcendendo as fronteiras espaciais das redes presenciais, e criando, portanto,
teritórios virtuais. Todavia, as últimas poderão vir a ter impacto sobre as redes
presenciais e vice-versa, numa constante dialética entre o presencial e o virtual,
entre o ativismo do cotidiano e o ciberativismo, entre o local e o mais global, vindo
a auxiliar na formação de movimentos cidadãos transnacionais ou globalizados.
Podendo, assim, haver um deslocamento das fronteiras tradicionais comunitárias,
locais, para o plano global, bem como se abrir a possibilidade dos atores globais
revisitarem constantemente os planos locais, na construção de movimentos glo-
balizados, construídos em torno de impactos e visões alternativas, conforme foi
expresso por Abdel-Moneim (, p. ), para o caso emlemático do movi-
mento indígena de Chiapas:
O Ciborue Neo-Zapatista é capaz de nos deslocar ao nos convidar a atravessar fronteiras
geográcas, étnicas, e de classe, e a participar, na qualidade de leitores(as)/escritores(as)/
eectadores(as)/atores(atrizes) de textos/performances de uma ueriha multimídia,
de esforços de resistência virtual contra projetos globais neoliberais. O Ciborue Za-
patista é mais eciente na sua habilidade para nos des-locar: para incitar a armar e
transgredir diferenças, e para entrever novas ‘uniões radicais na busca de solidariedade
com outros indivíduos e grupos.
Milton Santos (, p. ) aponta para uma aparente ambiüidade desses
processos de interação globalizada sob a forma de redes, na medida em que as
redes são reais e virtuais, técnicas e sociais, locais e globais, integradoras e desin-
tegradoras: “mediante as redes, uma crião paralela e ecaz da ordem e da
desordem no teritório, já que as redes integram e desintegram, destroem vehos
recortes espaciais e criam outros.
Assim como possíveis prolemas resultantes da conectividade de diver-
sas escalas espaciais, pesquisas que também indicam ganhos. Fischer (),
E C : questões para reflexão
124
com base numa pesquisa sobre o papel das ONGs no Terceiro Mundo, conclui
que, desde meados da cada de , as redes têm permitido um desempenho
organizacional mehor do que um pequeno número de organizações pequenas e
homoneas não conectadas. Além disso, na maioria dos países, ONGs de apoio
e organizações intergovernamentais, cooperam mutuamente de aluma forma e
desenvolvem parcerias com os governos.
Dea forma, os conitos, as conteações e as agendas sociais se globalizam
e se particularizam simultaneamente, pelas redes de informações, de redes inte-
rorganizacionais (coletivos em rede) e de redes de movimentos. Os prolemas
comunitários o local podem se projetar transnacionalmente, assim como, uma
ética ou valores planetários o global pode se expressar simbolicamente ao
nível das ações locais. Por exemplo, Chico Mendes é transformado num símbolo
universal da resistência para a conservação das oreas, assim como a ética eco-
logista da ação ativa não-violenta é incorporada pelo movimento dos serinueiros
na Amazônia (cf. Scherer-Waren, b).
Enm, para apreender a dimensão espacial das redes de movimento, a inves-
tigação deverá buscar as conectividades da rede, ou seja, vericar:
Como atores e organizações locais interagem com agentes coletivos atuantes
nas escalas regionais, nacionais e transnacionais, e que novas teritorialidades de
ação se constroem nee processo? Nessa direção, Mançano Fernandes ()
classica os movimentos sociais no campo em “isolados (mais efêmeros) e em
teritorializados (mais duradouros e com maior alcance em suas ações), sendo
o último assim denido:
o movimento teritorializado ou socioteritorial eá organizado e atua em diferentes
lugares ao mesmo tempo, ação possibilitada por causa de sua forma de organização, que
permite espacializar a luta para conquistar novas frações do teritório, multiplicando-se
no processo de teritorialização. (Ex.: MST, CPT e outros).
Quais são as organizações, atores e movimentos que são integrados ou excluídos
atras das redes, e quais as razões subjacentes aos processos de exclusão e in-
clusão social? Aqui é necessário lembrar que há hegemonias na organização dos
teritórios e que, portanto, é necessário ear atento aos processos pedagógicos,
para que os atores menos visíveis não sejam marginalizados dentro do próprio
movimento. Como bem observou ueiroz (op. cit.), em sua pesquisa sobre o MST
na Paraíba, o qual seue a prática do “centralismo democrático, da submissão do
indivíduo ao coletivo, da minoria à maioria, e o reeito à hierarquia entre os
distintos níveis da organização” (p. ), o desao a ser enfrentado seria certa
Sobre essa noção, vide Scherer-Warren, a.
a.
b.
E C : questões para reflexão
125
capacidade de abertura e reconhecimento do outro, que tem sido sempre um
processo delicado a ser enfrentado pelos movimentos sociais no Brasil” (p. ).
Isso nos remete à última queão, sobre a coerência entre redes teritoriais e redes
de sociabilidade: quais são os graus de coesão grupal, tipos de solidariedade, de
estratégias, mecanismos de negociação, representações simbólicas, construção
de processos de subjetivação, interculturalismo etc. em cada espacialidade do
movimento? Trata-se, em última análise, de buscar entender as tensões entre
formas de sociabilidade nas redes, as ambiüidades entre o mais local e o regional,
o nacional e o global e as referências a tempos sociais diferenciados.
3.3. Formas de sociabilidade
No campo da sociabilidade, as redes de movimentos sociais podem ser observadas
a partir de dois tipos de relacionamentos principais:
Primeiro, através dos vínculos diretos eabelecidos entre atores, em seus co-
tidianos, ao nível de suas comunidades, no espaço mais restrito das organizações
coletivas eecícas. Nee caso, trata-se de redes sociais personalizadas. Confor-
me colocam Loiola e Moura (, p. ), nea situação, a rede constitui-se por
meio de interações que visam a comunicação, a troca e a ajuda mútua e emerge a
partir de interesses compartihados e de situações vivenciadas em agrupamentos
locais – a vizinhança, a família, o parentesco, o local de trabaho, a vida prossio-
nal etc”. Como exemplo, poderemos trazer as redes que se desenvolvem a partir
da convivência e formas de sociabilidade que se desenvolvem no cotidiano dos
acampamentos e assentamentos rurais.
Seundo, por meio de articulações políticas entre atores e organizações, em
espaços denidos pela conitualidade da ação coletiva, podendo, pois transcen-
der os espaços de emergência da ação, onde os elos constroem-se em torno de
identidades de caráter ideogico ou de identicações políticas ou culturais. Essa
proposta de articulação em redes de movimentos parte do pressuposto ideo-
gico de que as relações na rede serão mais horizontais, a práticas políticas pouco
formalizadas ou institucionalizadas. Entretanto, as pesquisas demonstram que
de fato os conitos e tensões entre atores de uma mesma rede também se fazem
presentes nesse tipo de organizações da sociedade civil.
Além disso, as redes de movimentos podem se construir sobre o pano de
fundo de múltiplas redes sociais primárias e redes submersas. Seundo Fischer
e Carvaho () a formação das redes associativistas locais (a politização) é
perpassada pelos elos que se formam nas redes submersas (a cotidianidade) que
he dão base, e transferem os conitos desses espaços para as redes mais amplas.
A pesquisa sobre as formas de sociabilidade nas redes deve, pois, compreender
c.
E C : questões para reflexão126
as seuintes categorias analíticas, dentre outras: reciprocidade, solidariedade, es-
tratégia e cognição.
A noção de redes sociais a partir da categoria da reciprocidae tem sido es-
pecialmente útil aos estudos dirigidos às relações sociais do cotidiano local de
comunidades camponesas. As redes de reciprocidade nas comunidades rurais
são típicas das práticas de mutirão e de mútua ajuda, portanto, ocorendo nas
atividades produtivas e da reprodução familiar, como na saúde e nos cuidados
com as pessoas, parentes, vizinhos e amigos. São úteis para essa análise as noções
de Polanyi () sobre uma economia que não se dene apenas pelas motivações
de mercado, mas também pelo contexto da vida social, onde as relações de “reci-
procidade, redistribuição e troca, podem ser constitutivas da reprodução social
do grupo; e as de Mauss e seus seuidores (…), sobre a teoria da dádiva social,
baseada nos princípios de dar, receber e retribuir”, típica das trocas de favores,
dias de trabaho e alimentos nas comunidades rurais.
A categoria da solidaiedae tem sido útil para a análise de ações do volunta-
riado e das redes da economia solidária, como, por exemplo, foi empregada na
pesquisa de Mance (). Seundo o autor, quando as redes de solidariedade
constituem-se num movimento social, poderão vir a extrapolar os limites locais,
regionais, atingindo escalas nacionais ou internacionais, como vem ocorendo
com as redes de economia solidária, as quais têm ampliado seus espaços de atu-
ação na esfera púlica:
A agregação de redes locais em redes regionais, redes internacionais e, por m, em uma
rede mundial, passará a fortalecer a democracia em todas essas esferas; as Redes de
Colaboração Solidária terão um poder de alcance cada vez maior, podendo interferir
democraticamente nas políticas púlicas nesses diversos níveis.” (id. ibid, p. ).
A dimensão estratégica das redes de ões coletivas tem sido empregada, so-
bretudo, para o entendimento das dinâmicas políticas dos movimentos sociais
e das parcerias poticas ocoridas nas esferas púlicas das mais locais às mais
globais. A idéia de rede assume freqüentemente um caráter propositivo nos
movimentos sociais, isto é, a rede como forma organizacional e estratégia de
ão que permitiria aos movimentos sociais desenvolverem relões mais ho-
rizontalizadas, menos centralizadas e, portanto, mais democráticas. Portanto,
desempenhariam um papel estratégico, como elemento organizativo, articulador,
informativo e de empoderamento de coletivos e de movimentos sociais. As re-
des, como estratégia de mobilização da sociedade civil, são formas de expressão
simlica, de visibilidade púlica, e pedagógica para os sujeitos participantes
como ocore, por exemplo, nos fóruns sociais mundiais e nas grandes marchas
nacionais, como a marcha pela Reforma Agrária e outras. No Brasil têm-se como
E C : questões para reflexão
127
exemplos signicativos: redes estratégicas de denúncias (as grandes marchas, Gri-
to dos Excluídos etc.); redes de estratégias de desobediência ciil (acampamentos
dos Sem-Tera e dos Sem-Teto); redes de combate à exclusão (ão da Cidadania,
Economia Solidária etc.); redes de negociação na esfera púlica (consehos setoriais,
confencias nacionais, dentre outras).
As redes apresentam também uma dimensão cognitia, que merece ser inves-
tigada, eecialmente quando se busca entender o sentido das transformações
sociais encaminhadas pelas redes de movimentos sociais. Os movimentos con-
temporâneos em construindo novas narativas para a compreensão da com-
plexidade na sociedade globalizada e da informação, das quais se podem deacar
quatro, nea nova situação sistêmica:
desfundaentalização: c
onfrontando-se com a noção das “grandes narativas do
marxismo, que continha a idéia de existência de um sentido subjacente à história,
seundo o qual há um rumo previsto para as lutas de transformação social, a nar-
rativa das redes concebe os movimentos como coletivos múltiplos, construídos
em torno de projetos alternativos (da reforma agrária, do ecologismo, de direitos
humanos, dentre outros); ees podem servir de pontes de comunicação e de di-
fusão de novos códigos culturais desenvolvidos por eas redes, para outras redes
na sociedade, opondo-se aos códigos das redes dominantes: nacionais, teritoriais
e/ou comunidades étnicas ou religiosas fundamentalistas (cf. Castels, );
descentraento: as grandes narativasprivilegiavam um sujeito da transformação
social (eecialmente a classe). As novas narativas das redes de movimentos
sociais têm buscado no pensamento desconstrutivista elementos cognitivos que
concebem o sujeito a partir de suas múltiplas identidades (além da classe, o nero,
a etnia, a cultura regional etc.), e a transformação como resultado da articulação
discursiva e da prática de variados atores coletivos (cf. Moue, ), como se
observa nos Fóruns Sociais Mundiais e nas Grandes Marchas nacionais e mun-
diais, dentre outras formas de mobilizações das redes de movimentos;
dos esencialismos rumo ao inteculturalismo: s
e as “grandes narativas fortaleciam
a noção de essencialismos coletivistas (dicotomização das classes), as pequenas
narativas dos novos movimentos sociais, das décadas de - contribuíram,
muitas vezes, para um essencialismo das diferenças (como em alumas aborda-
gens do feminismo e ecologismo radicais). A queão que tem se colocado para os
atores das redes de movimentos sociais na contemporaneidade é de como trans-
cender as fragmentações dos novos movimentos sociais sem cair nas tentações
de novos unitarismos totalitários. Não se trata, portanto, de anular as diferenças,
mas por meio da dialógica realizar o reconhecimento do outro, elevando o outro
 Vide maiores desdobramentos em Scherer-Warren & Rossiaud, ; e no dossiê da Revia
Política & Sociedade, n. , .
 Já descritas em maiores detalhes em trabalho anterior, Scherer-Warren, .
a.
b.
c.
E C : questões para reflexão128
da condição de objeto para a condição de sujeito e construindo a solidariedade,
uma vez que ea só existe a partir das diferenças;
da searação entre teoia e prática ao engajaento dialógico na rede: nee nível, preci-
sa-se examinar como, através de práticas emancipatórias ligadas em redes, tem-se
ou não trabahado a relão entre conhecimento-reconhecimento-práxis política.
Trata-se também de se repensar as interações e articulações necessárias entre
acaeia (locus privilegiado da produção intelectual), ONGs e entidaes de apoio
(agentes relevantes da mediação entre pensar e agir) e militância de base (sujeitos
do ativismo e da participação cidadã), os quais deveriam participar de um pro-
cesso dialógico de construção cognitiva na rede. Isso nos remete ao último ponto
dea exposição, de como pensar os processos de aprendizado no campo a partir
de um trabaho colaborativo entre academia (eecialmente a pesquisa social
aplicada), entidades de mediação (ONGs, pastorais, escolas etc.) e movimentos
ou organizações de base.
3.4. O aprendizado contextualizado ou a escola do sujeito-ator
Inicio esse último ponto com uma reexão de Victor Vala (, p. ): “traba-
har com os temas de movimentos sociais e educação popular exige muito estudo,
tanto no nível teórico, quanto em nível de uma atenta observação daquilo que
eá sendo dito ou realizado por grupos populares. É nessa direção que uma
sociologia aplicada ao estudo dos movimentos sociais e da educação no campo
poderia trazer contribuições para uma relação social construtiva entre o pesqui-
sador, o mediador do aprendizado (outra palavra para professor) e o sujeito-ator
do auto-aprendizado.
Por isso, parece-me que tratar o aprendizado do sujeito-ator, a partir de sua
inserção em cenários socialmente contextualizados, exige considerar as dimen-
sões tratadas acima: suas histórias de vida, seus teritórios de referência e suas
formas de sociabilidade.
Conforme Castels (, p. ) observou, as redes de movimentos sociais
fazem mais do que organizar atividades e socializar informações, sendo de fato
produtoras e distribuidoras de códigos culturais. Por isso, a escola do sujeito-ator
deve ear sintonizada com as forças culturais sinérgicas de cada realidade social,
assim como os atores dos movimentos devem ear atentos ao que se hes proe
como aprendizado (cf. Scherer-Waren, ). Para ilustrar trazemos um relato
de uma escola do MST:
 Sobre as noções de sujeito e ator dos movimentos, vide Touraine,  e .
d.
E C : questões para reflexão
129
Como a mística é algo que nos alimenta, que fortalece nossa organização, que nos dá
eerança de viver com dignidade, resgatando os valores, entendemos que ela deve ear
presente em nosso cotidianoÉ nee sentido que a mística eá presente na sala de
aula e na escola, através da riqueza dos símbolos de nosso Movimento”. (MST, Coleção
Fazendo Escola, , p. ).
Além disso, essa sinergia dos movimentos sociais alarga os projetos dos sujeitos,
os processos de inclusão social tornam-se mais abrangentes, não se restringindo
às conquistas socioeconômicas apenas, mas incluindo demandas por direitos de
participação política, à diversidade cultural, qualidade de vida, e ambiental e ao
conhecimento. A escola do sujeito-ator deve ser sensível a esses novos anseios de
cidadania, como foi bem ilustrado por um representante do Fórum Nacional de
Reforma Agrária e Justiça no Campo, referindo-se às práticas dos movimentos
sociais no campo:
Você vê que aumentaram várias frentes de inclusão. Porque você não só incluiu os cam-
poneses no processo produtivo,… mas voeá incluindo gente, vida, que é a inclusão
social, que é a queão da cidadania. Vorecuperou aquela pessoa, que não sabia nem ler,
nem escrever. O cara hoje eá na escola. Já pensando em ir para a faculdade. Oha como
o sonho dele aumentou. O sonho dele antes era de ter a tera, agora o sonho dele é ter a
faculdade. Você fez foi uma revolução cultural”. (Giberto Portes de Oliveira)
Para nalizar, poderemos relembrar com Roseli Caldart (), que ohar
para o movimento social como sujeito pedagógico signica retornar uma vez mais
à reexão sobre a educação como formação humana e suas relações com a dinâmi-
ca social em que se insere (p. -). O que, em outras palavras, signica discutir e
entender a relação entre os movimentos sociais e a cultura política, a democracia,
a economia popular, a teritorialização e espacialização dos movimentos, a histó-
ria…(ibid, p. ), aproximando metodologicamente produção do conhecimento
e aprendizado e, assim, construindo sujeitos de seu próprio destino.
Referências Bibliográficas
A-M. Sarah G. O Ciborue Zapatista: tecendo a poética virtual
de resistência no Chiapas cibernético. Estudos Feinistas. Florianópolis: Editora
UFSC, v., n.-, p.-, .
Entrevia concedida ao Projeto AMFES, op. cit.
E C : questões para reflexão
130
C, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Se Tea. São Paulo, expressão
Popular, .
C, Manuel. e inforation age: economy, society and culture ol. II:
e powe of identity. Oxford: Blackwel Pulishers, .  p.
C, Manuel. Materials for an exploratory theory of the network society.
e Bitish Journal of Sociology, v. , n., p -, jan./mar. .
D, Maria Nobre e B, Bernadete. Estudos sobre educação ru-
ral no Brasil: eado da arte e perectivas. Educação e Pesquisa. V. , n., abr. .
F, Bernardo Mançano. Movimento social como categoia geográca.
AGB-Nacional: Associação dos Geógrafos do Brasil, . (site).
F, Tânia & C. Poder local, redes sociais e geão púlica
em Salvador – Bahia, in T. Fischer (org.), Poe local, governo e cidaania. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, .
F, Julie. e roa from Rio: sustainale development and the nongovern-
mental organizations in the third world. Westport, Praeger, .
L, Mônica Cavalcanti. A Sociologia Rural e seus duplos sentidos. In: B-
, Anita & P, Diego (orgs.). Agicultura latino-aeicana: novos a-
ranjos e elhas queões.
Porto Alegre, Editora da UFRGS, , p. -.
L, Elisabeth & M, Suzana. Análise de redes: uma contribuição aos
estudos organizacionais, in T. Fischer (org.), Geão conteporânea: cidades estra-
tégicas e organizações locais, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, .
M, Euclides A. A revolução das redes. Petrópolis: Vozes, .  p.
M, Marcel. Ensaios de Sociologia. ª edição, São Paulo: Ed. Perectiva, .
M, Aberto. Chaenging coes: colective aion in the information age.
Cambridge: Cambridge University Press, . p.
M, Aberto. Acción colectia, ida cotidiana y deocracia. xico: Centro
de Estudios Sociológicos, . p.
E C : questões para reflexão
131
M, Chantal. O regreso do político. Tradução de Ana Cecília Simões. Lis-
boa: Gradiva, .  p.
MST. Construindo o cainho numa escola de asentaento do MST. Coleção Fazen-
do Escola, .
P, K. A grande transforação: as origens da nossa época. .ed. Rio de
Janeiro: Campus, 
Política & Sociedade Revista de Sociologia Política, Florianópolis: Cidade Fu-
tura, n. , out. , (Dossiê Movimentos Sociais, Participação e Deocracia).
Q, Tereza C. da Nóbrega. Lideranças populares, esfera púlica, identidaes.
Tese de doutoramento em Sociologia. UFPE, .
S, Boaventura de Sousa. Por que é tão dicil construir uma teoria crítica?
Revista Cítica de Ciências Sociais, n. , p.-, jun. .
S, Boaventura de Sousa. A queda do angelus novus fragmentos de uma
nova teoria da história. Novos Estudos Cebrap, n. , p. -, .
S, Milton. A natureza do espaço: cnica e tempo, razão e emão. São
Paulo: Hucitec, .  p.
S-W, Ilse. Movimentos em cena… as teorias por onde andam?;
In: S-W, Ilse, et. ali. Cidaania e Multiculturalismo: a teoria
social no Brasil contemporâneo. Lisboa/Florianópolis: Socius/Editora da UFSC,
, p. -.
S-W, Ilse & R, Jean. A deocratização inacabáel: as
memórias do futuro. Petrópolis: Vozes, .  p.
S-W, Ilse. Redes e sociedade civil global. In: H, S.
(org.). ONGs e uniersidaes desaos para a cooperação na América Latina.
São Paulo: Peirópolis, .  p.
S-W, Ilse & R, Jean. O movimento cidadão e de-
mocracia: as conexões local-global. In: S, José V. T., Bareira, C. e B-
, M (org.). Cise social e multiculturalismo, São Paulo: Hucitec, ,
p. -.
E C : questões para reflexão
132
S-W, Ilse. Redes sociais: trajetórias e fronteiras. In: D, Leila
Christina & Silveira, Rogério L.L. da (orgs.). Redes, Sociedae e Teitóio. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, a.
S-W, Ilse. Redes sociales y de movimientos en la sociedad de
la información. Nueva Socieda, Venezuela, n. , mar-abr. b.
S, Maria Antônia de. Foras cooperatias de proução e asentaentos
rurais do MST: dimensões educatias. Revista online Bil. Prof. Joel Martins, v. ,
n. , fev. .
S, Maria Gorete. Revista Novae.inf.br, . (site).
T, Alain. ?Poreos ii juntos? La discusión pendiente: el destino
del hombre en la aldea global. Tradução de Horário Pons. Buenos Aires: Fondo
de Cultura Económica, .  p.
T, Alain. Cítica da moernidae. Tradução de Elia Fereira Edel. Pe-
trópolis: Vozes, .
V, Victor Vincent. Movimentos sociais, educação popular e intelectuais:
entre alumas queões metodológicas. In: F, Reinaldo Matias (org.). In-
tecultura e movimentos sociais.
Florianópolis: Mover/NUP, .
V, Célia Regina. Tea, trabalho e educação: expeiências socioeduca-
tias e asentaentos do MST.
Ijuí: Editora Unijuí, .
Anexos
1. Plenária de encerramento – Síntese dos grupos de trabalho
1.1. Quem somos? Qual nossa identidade?
uma diversidade de origens: agrônomos, pedagogos, sofos, geógrafos, letras,
engenharia… Esta diversidade é uma riqueza, mas, ao mesmo tempo, poderá ser
um empeciho para construir uma identidade como pesquisadores da Educação
do Campo, dado ao pouco que as áreas de formação nos aproximam. Normalmen-
te as áreas de formação nas universidades mais nos distanciam do que aproximam.
O que vai nos aproximar aqui, terá de ser o objeto, para conseuirmos ohares e
sensibilidades comuns. Deveria haver um empenho para que isso aconteça. Va-
mos trabahar partindo da diversidade e da diversidade do campo. Pessoas com
origens de formação tão diversas encontramo-nos num campo que nos é comum.
Aí é que eá a riqueza. É o campo que vai nos dar a identidade. É a própria pro-
lemática do campo, a interogação que o campo nos traz, seja como agrônomos,
engenheiros, lósofos, educadores, sociólogos etc. Isto signica que vamos ter
que nos encontrar nee lugar, nee teritório. É o teritório que vai nos dar a
identidade que será mais produto do campo do que produto da nossa formação
de origem. A nossa identidade vai se forjar no teritório do campo.
E C : questões para reflexão
134
Aproximão entre os pesquisaores das uniersidaes e pesquisaores indos da
militância
Isto é muito novo. Normalmente o militante era o oposto do pesquisador. A gica
militante era o oposto da lógica da racionalidade da pesquisa. Uma das coisas mais
ricas é a aproximação entre lógicas aparentemente contraditórias. Encontram-se
no mesmo universo educadores, professores, militantes, pesquisadores. Estamos
aproximando campos antes tão distantes, lógicas antes tão distantes, quase im-
possíveis de dialogar. Quantas vezes se fala: “essa pesquisa, essa dissertação é mais
militante do que acadêmica, como se fosse possível deixar em casa a militância e,
depois, na pesquisa, sermos invadidos ou iluminados pela racionalidade. Nos anos
isso era dominante: esqueça quem você é para poder ver a realidade. Aí, como
esquecíamos quem éramos não víamos a realidade. O que poderá signicar ea
aproximação? Talvez aluém se anime a escrever aluma coisa sobre isso. uma
queão ainda: quem sairá ganhando? Acho que os dois. Não os militantes sairão
ganhando, mas também as pesquisas. Isto se percebe nos cursos de Pedagogia
da Tera. Não só os militantes da tera, dos diversos movimentos se enriquecem
quando vão às universidades fazer um curso, mas quem enriquece mais são as
próprias universidades. Elas percebem outras prolemáticas e outras linuagens,
outro conhecimento para as universidades, outro conhecimento delas mesmas, de
nós mesmos que trabahamos nas universidades. Outro conhecimento dos sujeitos
do campo muito diferente da visão tradicional do campo. Isto pode ser algo que
fecunde a visão que os movimentos têm de si mesmos e do campo. Não fazemos
pesquisa para os movimentos. Os movimentos procuram aprofundar o conheci-
mento de si mesmos, procuram qualicar-se. Esse seria o terceiro ponto.
... A 
Os movimentos sabem que têm que ter a sua voz, não só seu grito. Têm que ter
na mente seu conhecimento. Não só gritos, marchas. Têm direito ao conheci-
mento. Combinar o conhecimento com ser sujeito de pesquisa, de interpretação
da própria realidade. Surpreende-nos os movimentos sociais do campo, a quase
mania de qualicar-se. Esse empenho pela qualicação facilita o diálogo entre os
movimentos e as universidades. Não se sabe se isso vem de uma visão negativa
do campo. Os movimentos sociais sabem que os povos do campo foram sempre
desqualicados quanto ao saber cientíco. Os movimentos do campo dão centra-
lidade a sua qualicação no trato das queões da tera, das queões indígenas, dos
quilombolas, da reforma agrária, da construção de um projeto de nação, de campo.
Outro ponto que me chamou a atenção sobre a perunta quem somos”, é a vincu-
lação entre doncia/pesquisa/militância/ intervenção. Isto marca quase todas
as pesquisas. São pesquisas de intervenção, de pesquisadores que intervém. São
E C : questões para reflexão
135
estudos de pesquisadores da universidade que ao mesmo tempo têm alum pé nos
movimentos. Isto que para aluns poderia ser algo perigoso, é uma riqueza. Isto
termina dando à pesquisa um caráter mais de analisar intervenções para novas
interveões. Isto parece que foi uma constante na discussão com os relatores e
parece que consenso. Isto leva-nos a uma queão: não podem faltar pesqui-
sas teóricas, pesquisas que o sejam diretamente aplicadas para intervenções;
teremos que também apresentar pesquisas noutras direções.
Outro dado sobre “quem somos é que, como somos a maior parte pesquisadores
comprometidos, quase todas as pesquisas são mais pessoais do que dos departamen-
tos, da universidade. Isto é uma caraerística do grupo. A onde representamos
a universidade? Por que, se as pesquisas são mais de compromissos pessoais isso
pode nos colocar uma tarefa: fazer que sejam compromissos das universidades,
dos departamentos e não só pessoais. Apenas o compromisso pessoal será sempre
fraco. Não que sejamos fracos pessoalmente, cada um. É que o respaldo da insti-
tuição, o compromisso da universidade, sobretudo púlica, enquanto universidade,
é fundamental para armar um projeto. A maior parte dos GTs da ANPEd, da
associação que reunimos a cada ano, só tem força quando tem respaldo do depar-
tamento, ou do mestrado, ou do programa de pós-graduação, de doutorado etc.
Do contrio eles terminam tendo vida curta. Como comprometer a universida-
de? Outra caraerística é que são pesquisas com pouco respaldo das agências de
fomento à pesquisa. Como comprometer as agências? Parece que aluma coisa
nea direção; será aberto um campo dentro do CNPq sobre Educação do Campo.
1.2. O que pesquisamos
Há uma riqueza enorme no que se pesquisa. Eu diria que é uma caraerística: a
quantidade de focos que eamos pesquisando. Um foco que aparece com muita
nitidez é o próprio campo como objeto de pesquisa. Não apenas a educação. Não
apenas a escola do campo: é o próprio campo. O campo, a tera, o teritório, a
produção, os sujeitos do campo, os povos do campo, a diversidade desses povos, as
suas diversas formas de produção, os seus pertencimentos étnicos, raciais. Tudo
isso já eá acontecendo. A própria dinâmica, as culturas do campo, a tradição, a
religiosidade do campo, os valores, a inter-culturalidade. Mas, o foco é o campo.
Não é tanto a escola, a formação de professores. Nos relatos que me foram entre-
ues aparece como primeiro teritório onde pesquisamos o próprio campo. Cada
vez mais é objeto de pesquisa.
O seundo foco é a educação. Não é a escola, mas a educação, os processos educa-
tivos, a educação no sentido mais amplo, no sentido de socialização, de formação
humana, de formação de condutas, de valores, de culturas. Nesse sentido mais
amplo da formação dos sujeitos humanos na totalidade de suas dimensões. Nessa
E C : questões para reflexão136
concepção ampliada de educação o que mais se deaca é o papel do trabaho e
da produção da vida, como as grandes matrizes formadoras do ser humano e es-
pecicamente do campo. Outra matriz que aparece com muita força: as lutas, as
resistências. Outra grande matriz: a cultura. O que aparece como matrizes forma-
doras, quando falamos da formação dos sujeitos do campo: o trabaho e, junto com
o trabaho, a produção da vida em termos mais amplos do que o trabaho. As lutas
através dos movimentos sociais e dos sindicatos. São os dois agentes formadores:
suas lutas e suas resistências e a cultura. Temos que ter consciência que não ea-
mos apenas fazendo pesquisa sobre o campo, sobre a Educação do Campo. Estamos
também, revigorando, revisitando as grandes matrizes da Teoria Pedagógica. Isto
teria que ser explicitado, e termos oruho de ear contribuindo de maneira tão
rica com essa volta às grandes matrizes da formação do ser humano.
Outro grande foco é a escola, a educação escolar. O que mais se deaca na edu-
cação escolar? Aparece com bastante deaque a organização da escola, apesar
de muito centrada nas classes multisseriadas. Até onde as classes multisseriadas
são paradigmas”? Fala-se muito do paradigma multisseriado. Teamos que trans-
cender esse paradigma. É o único paradigma para a organização da Escola? Este
ponto aparece com muita força. Aparecem outras formas de organização, como
a alternância. Aparece também com muito deaque a forma de geão da escola,
ou do sistema educativo. Sobretudo aparece com deaque a geão municipal.
Aonde a geão municipal, tal como eá, garante a formação, a constituição do
sistema educativo? E até onde ee garante sua própria organização por meio da
escola? Ou exatamente por essa vulnerabilidade do sistema municipal também,
a escola e o Sistema Municipal de Educação se tornam vulneveis?
Outro ponto é a cultura escolar, a cultura da escola. Não aparece tanto a cultura
docente, talvez porque são escolas de unidocência e não um corpo docente,
como temos um corpo docente nas escolas das cidades. Essa é uma lacuna que
merece ser trabahada. Sempre me perunto que cultura docente pode ser gerada
na unidocência? É muito diferente da cultura docente que se possa criar numa
escola com ,  ou  professores, que se encontram ao menos no café ou na hora
de sair e entrar na sala de aula. Também na escola da cidade a docência é solitária,
individualizada ou monodocente: eu e minhas turmas, eu e minhas disciplinas.
Dadas essas eecicidades da docência no campo uma perunta mereceria mais
deaque nas pesquisas: pode-se construir uma cultura docente quando a maior
parte dos docentes vão da cidade para o campo? Essas são queões muito sérias
que precisamos pesquisar, porque não construiremos a escola do campo sem cons-
truirmos um perl, uma cultura docente dos prossionais do campo.
Aparece com deaque o curículo vinculado à cultura do campo. O que é uma
grande riqueza. Não é a análise do curículo em si, e sim o curículo em relão
à cultura do campo. A formação de professores, saberes docentes, aparece em
E C : questões para reflexão
137
quase todos os grupos. Também o perl do professor. Aparece mais a formação
do professor do o que perl que eamos formando, como se partíssemos do pres-
suposto de que esse perl existe. Dá deaque à formação de professores para os
grupos eecícos do campo, para os povos indígenas, para os quilombolas, o que
sugere que uma diversidade de pers se conurando. Formar o professor para
os quilombolas é uma coisa, formar professores para os assentamentos talvez seja
outra, formar os professores para os ingenas também seja outra. A produção
de material aparece bastante. As múltiplas linuagens. A formação tecnológica
aparece muito pouco. As políticas púlicas para o campo, sua história, sua au-
ncia aparecem muito pouco. O Estado e os entes federativos responsáveis por
eas políticas aparecem muito pouco. Aparecem mais políticas de governo do
que políticas de Estado. Esta é mais uma queão para a pesquisa do campo: até
onde são políticas de governos e não de Estado? Não aparece muito clara a política
púlica de formação. Aparece apenas a formação. A formação que nós vamos dar,
a formação que é feita, como se a formação fosse um prolema apenas nosso, dos
movimentos, dos sindicatos etc. e não tanto do Estado. Não apareceu muito o
estilo de formulação de políticas para o campo. Numa análise rápida, eu diria há
um leque muito amplo. O que pode signicar esse leque tão amplo? Tanto pode
signicar uma sensibilidade para o leque de interogações que vem hoje do campo
e que é muito amplo, como pode também signicar uma certa diersão do foco,
uma falta de foco. Isto é uma interogação que teremos que nos colocar para o
depois de amanhã. Ou seja, de um lado, até onde é preciso não fechar tanto os
focos para não perdermos a pluralidade de queões que o campo hoje apresenta,
nea dinâmica tão diversa e na diversidade de seus povos. Mas também ver o
perigo de cairmos numa diersão tão grande que podemos nos perder.
... Q
Este é um ponto interessante. Nem todos os grupos colocaram ea queão.
As queões que emergem podem ser um pouco mapeadas na seuinte forma: ques-
tões relativas ao próprio campo; compreeno do campo. A queão que se coloca é
se o conceito de campo o é estreito de tal forma que não conta da dualidade de
campos. Se não se restringe o campo ao agrícola. Se não é uma denição um tanto
genérica de camponês. Isto foi colocado com bastante ênfase. Não conta da diver-
sidade. Em síntese o que parece é que se exige ainda mais estudos. Exige, sobretudo,
estudos para conceituar mehor o campo. Parece que uma queixa de que o campo
earia sendo restringido, de que a concepção de campo é um tanto restritiva e deve-
ria ser ampliada. Este é um ponto extremamente importante e precisa ser trabahado.
Quanto à educação, alumas queões que aparecem com muito deaque.
O que signica retomar a relação entre educação e trabaho, modos de vida, de
E C : questões para reflexão138
produção da vida no campo etc. O que signica isso? Parece que ainda é uma
interogação que deve ser mais esclarecida e mais trabahada. Discutir o campo
epistêmico enquanto diferentes possibilidades de construção de saberes no campo,
queão que vem se repetindo.
Outra queão para ser retomada: a relão entre Estado e movimentos sociais.
Parece que a relação é muito mais entre Estado e movimentos sociais, do que
Estado/universidades/movimentos sociais. uma queão que aparece com
força e que diz: o Estado não pode car de fora! Como entra o Estado? pou-
cas pesquisas sobre políticas de Estado. pouca sensibilidade com o papel do
Estado. Isto pode ser porque nas próprias universidades nem sempre nos consi-
deramos como parte do Estado. O Estado, nos parece, como sempre, ausente, ou
um incômodo. Pelo que apareceu nos diversos grupos é urgente incluir o Estado
em nossas pesquisas. Não esquecer o Estado, do contrário o construiremos o
que foi colocado na II Conferência Nacional de Educação do Campo: Por uma
Política Púlica de Educação do Campo. Nós não somos os únicos responsáveis
pela Educação no Campo, disseram os movimentos nea conferência. Este foi
um grande avanço e o slogan foi: “Educação direito nosso dever do Estado!” Esta
consciência de que a educação acontececom a presea do Estado e se ela for
púlica. Isto ainda exigiria ser questionado e ser matizado através de pesquisa.
Um outro campo de interogações é sobre a própria eecicidade da Educação
do Campo. Ainda se fala muito em educação rural. Escolas rurais. O que signi-
ca ee termo do campo, em vez de rural, e ea eecicidade da Educação do
Campo, isso não eá muito claro. Em que medida a Educação do Campo dá conta
dea totalidade. O próprio conceito de campo não dá conta dessa totalidade.
Mas, também, outro ponto: em que medida focar muito as eecicidades faz
perder a totalidade da educação? A Educação do Campo deve ser reconhecida
na totalidade da educação brasileira. Então, qual a relação entre pesquisa sobre
Educação do Campo e pesquisa sobre a totalidade da educação brasileira? Seria
estudo comparativo? Seria algo mais do que estudos comparativos? Ou seriam,
até, aproximações? Porque muitas das queões dessas grandes matrizes de que
eamos falando o o apenas da Educação do Campo. É um reencontro da pró-
pria educação urbana com essas grandes matrizes, e da pedagogia como um todo.
Então se trata de não perder o foco da Educação do Campo, da eecicidade, mas
também sempre vinculá-la com a totalidade das queões, das interogações e dos
avanços que vêm acontecendo na educação brasileira como um todo.
... Q
Interessante que quando se colocam temas para pesquisar parece que o foco se
volta mais para a escola. Isto me chamou a atenção. Depois de ter feito ea abertura
E C : questões para reflexão
139
de foco para o campo, para sua cultura, meios de reprodução, a diversidade de
sujeitos etc., nas propostas se focaliza mais a escola. As queões da escola passam
a ter muita relevância. Acho que merecem relevância, desde que, não a escola não
se descole do campo. uma ênfase também nos educadores e conseentemen-
te no livro didático. É curioso como nós nos voltamos para a escola e sempre para
os componentes da escola, para o que é necessário para ensinar. Se entendi ee
encontro, ele é rico porque não cou apenas aí, uma conceão mais ampla
de educação e da própria escola.
Uma queão que aparece para estudo é a relação entre escola e poder local.
As relações de poder determinam a escola! Não só o que acontece internamente
na escola. Possivelmente num campo onde relações localistas de poder a es-
cola é mais marcada por elas. A escola urbana, aliás, se descolou dessa trama tão
complicada das relações de poder local: do vereador, do deputado e até do próprio
prefeito. Em aluns lugares mais, noutros menos. Há uma ausência nos temas a
serem investigados que o: os próprios sujeitos escolares. Pouco aparecem os
sujeitos da escola. Infância, adolescência, juventude, as eecicidades dees
sujeitos escolares, sujeitos humanos, crianças, sujeitos jovens no campo. Aparece
um pouco o trabaho infantil. Mas, o trabaho infantil enquanto relacionado com
a educação e, sobretudo, com a escola. Acho que o nosso ohar sobre os educandos,
seus tempos de vida e a sua construção histórica e cultural, não são relevantes
apenas enquanto alunos, mas para conhecê-los enquanto sujeitos.
Termino listando alumas ausências que me chamaram a atenção.
Uma ausência é conhecer mais o universo agrícola, o universo do campo. Não car
apenas nos assentamentos, nos movimentos etc. A Educação do Campo é mais do
que tudo isso. Talvez tenhamos mais conhecimento acumulado sobre educação dos
assentamentos do que sobre a Educação do Campo como um todo;
Outra ausência é relacionar as pesquisas do campo com um projeto do campo,
com um Projeto de Nação;
Outra ausência seria a totalidade dos próprios movimentos do campo. Não car
fechado sobre apenas aluns movimentos. É claro que aluns movimentos, pela
sua história, chamam mais atenção;
Outra ausência é a interação entre as queões do campo mais amplas e a escola. A
escola ainda não aparece vinculada. Ainda é a escola. Não é a escola do campo;
Outra ausência é a mobilidade da população do campo. Às vezes dá a impressão
de que se estuda a população do campo de maneira muito eática. Isto sugere que
haja mais sensibilidade para a sua mobilidade, a dinâmica do campo que tanto
afeta seus sujeitos, eecicamente a infância, adolescência, juventude. Dinâmica
que tanto afeta sua cultura, tradição, modos de produção etc.
E C : questões para reflexão
140
2. Carta aos participantes do I Encontro Nacional de
Pesquisadores e não Pesquisadores – da Educação do Campo
A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abaado.
Palavras que me aceitam como
sou eu não aceito.
o aento ser apenas um
sujeito que abre
portas, que puxa lvulas,
que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai fora,
que aponta pis,
que a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas.
M B
Esta carta é uma forma de poder viver o conhecimento delírio a que Mônica
Molina nos convidava no início da sua fala, na manhã de ontem. Escrevo porque
acredito em um conhecimento movimento, relação, que eabiliza e deseabiliza,
faz-se relevante na medida em que toca o sujeito e o interpela, criando aberturas
para novas imagens, palavras, conceitos e práticas. Na escoha de um tom para
expressar esse conhecimento movimento, à seriedade e à dureza que o forma
as palavras na paisagem acadêmica, “eu queria avançar para o começo, chegar ao
criançamento das palavras(volto aqui novamente a Manoel de Baros), quando
elas ainda podem ser brinquedos e, portanto, encantadas.
A propósito dessa busca de retorno aos nossos processos primeiros de aprendi-
zagem em que a curiosidade e a intuição predominam no ato de compreensão da
vida, fazendo-nos mais susceptíveis à descoberta e à reinvenção das coisas, “que
as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
[…]” (Metade, Oswaldo Montenegro), apenas acohidas, menos como verdades
e mais como inquietação e interogação. uero dizer com isso que reconheço
os limites das minhas palavras diante da incompletude e da transitoriedade da
condão aprendente na qual me coloco.
E C : questões para reflexão
141
Escrevo ea carta a partir do lugar de uma amazônida que aprendeu a pensar
o mundo na gica das planícies, que reconhece nas áuas e nas oreas o seu
maior vínculo com a sua ancestralidade, desaada, vivendo hoje na cidade de
Campinas, a aprender a gica das montanhas, dos viadutos que passam sobre
elas, do céu encoberto, de temperaturas instáveis que trazem para o dia diferentes
eações do ano – que me obrigam todas as manhãs a ohar a paisagem antes de
abrir o uarda-roupa – fonte de estranhamento para quem até então só conhecia
uma eação, o verão, tão susceptível a eabilidades. Isso me permite pensar os
tempos da vida como tempos de imprevisibilidade e de provisoriedade; tempos
de enraizamento e de desenraizamento, que me fazem retomar a tensão entre
aprender e desaprender como forças tais da vida que trazem grandes desaos
para os processos educativos.
Falo do lugar de uma muher do culo XX, era dos extremos, como disse
Robsbawn, culo de várias ueras, da maior concentração de riqueza da história
da humanidade e do triunfo do capitalismo como referência estrutural das socie-
dades urbanas. Por entender o tempo histórico como um tempo que convive com
a tensão entre rupturas e continuidades, não enxergo soluções mágicas e deni-
tivas para prolemas complexos, que muito provavelmente não serão superados
no tempo da nossa existência, porque expressão das tensões da própria vida e
dos modos de inteligibilidade que construímos sobre e para ela. Apesar disso ou
com tudo isso, temos a responsabilidade histórica de pensar, na medida do tempo
estrutural e conjuntural em que vivemos, alternativas para outros futuros e nos
envolvermos com a sua construção.
Saio dee encontro me reconhecendo nas nossas diferenças. A diversida-
de reclama por um eatuto de cidadania. Muheres, afro-descendentes, índios,
camponeses, homossexuais se interpelam e nos interpelam sobre o direito à iual-
dade de viver as suas difereas. Precisamos insistir na denúncia das omissões,
das identidades restringidas, das relações de subordinação, buscando formas de
(a)rmação para aqueles que não têm lugar no mundo. Mas como nos chamava
a atenção a professora Ilse Scherer-Waren precisamos evitar a essencialidade”
e a centralidade da diferea quando ela nos coloca diante da impossibilidade
de nos reunir em torno de valores humanos mais universais pelos quais devamos
lutar como seres humanos, em nome da construção de um destino comum e o
apenas em nome das nossas diferenças.
O apelo humano dee encontro é da complementaridade e das relões.
A propósito da idéia de passar pelo mundo sem deixar sinais civilizatórios
(abordada em um dos debates) quei me peruntando se isso o seria a nega-
ção do apelo à complementariedade e às relões. Aliás, é justamente em nome
dos rastros que foram apagados que se erue a causa da diversidade. Por outro
lado, pensar um mundo sem rastros, do ponto de vista histórico e cultural, seria
E C : questões para reflexão
142
pensar um mundo sem legado, que nos permitisse nos deslocar no tempo para
reconhecer a grandeza das nossas tradições e os imperativos dos novos processos
civilizatórios, nas suas tensões e conitos.
Como seres históricos e culturais produzimos e somos produzidos pela vida.
Na produção da vida, o tempo nge que passa, mas ca, de forma que não vivemos
unicamente o tempo da nossa existência. Somos homens e muheres do século XXI
professando a luta de classe que Marx formulou no século XIX em nome de um
valor humano fundamental, a superação da exploração do homem pelo próprio
homem, que na sua perectiva, poderia ocorer com o m da propriedade
privada. Marx não viveu o nosso tempo de forma que não poderia pensar sobre
ele. Cabe a nós pensarmos os prolemas que a história nos colocou, buscando a
vitalidade das idéias que nos parecem lidas para enfrentar o próprio movimento
histórico, categoria tão cara ao pensamento marxista. Dito isso, na nossa huma-
nidade, ninuém é totalmente ho do seu tempo e nem tampouco inicializador
das idéias que professa… quando falamos, muitas outras vozes falam através de
nós, porque abrigamos o legado da vida e das idéias de homens e muheres que nos
permitiram enxergar outras formas de compreensão do mundo, que nos permi-
tiram sonhar com coisas maiores, coisas sem lugar, mas caregadas de vitalidade.
Da mesma forma, o legado histórico e cultural nos conforma, (de)limita o pen-
vel e o vivível, de modo que reinventar a vida, é de certa maneira, desformá-la.
Este ser do mundo que somos tem como uma das suas fontes constitutivas
o conhecimento sistematizado, que se por um lado serviu para propagar uma
visão eurocêntrica do mundo, por outro lado nos permitiu também enxergar a
vida para fora das fronteiras das nossas localidades e a produzir instrumentos
de análise que nos permitiram reconhecer e nos reconhecer, com outros povos
do mundo, na construção de valores humanos assentados no direito à vida, na
justiça e na liberdade.
Acredito na dialética do conhecimento, não como elemento fundante da ci-
ência, mas como elemento fundante da própria vida. Por isso me interogo se po-
demos conceber um saber do campo para o campo como instrumento conceitual
para a armação dos saberes constitutivos dos sujeitos do campo.
Para romper com a dicotomia campo-cidade é necessário desconstruir a idéia
de que só são verdadeiras e válidas as formas de vida e de relação com a vida que
constituem o modo de viver urbano. No entanto, não podemos conceber o campo
como teritório de saberes unitários, enclausurados e protegidos, mas de saberes
intercambiados que articulam tradição e inovação, conhecimento cientíco e co-
nhecimento popular. Dearte, a crítica ao conhecimento cientíco não pode ser
modulada pela iia que ele não serve para o campo; o conhecimento hierarqui-
zado e fragmentado, sem enraizamento social e cultural é que não serve nem para
o campo nem para a cidade, o que nos coloca diante de uma queão global e não
E C : questões para reflexão
143
apenas local. Dito isso, arisco-me a apresentar uma formulação que me parece
interessante para pensar o saber e a relação com o saber para além da polaridade
entre campo e cidade: transformar o conhecimento popular em conhecimento
cientíco e o conhecimento cientíco em conhecimento popular, reapropriado
em outras linuagens pelos sujeitos dos quais se origina e para os quais se destina.
Ambos se exigem mutuamente na medida em que o conhecimento cientíco
comporta uma vitalidade que o conhecimento popular não possui que é a de
poder se despreender do aqui e do agora, ao mesmo tempo em que é desprovido
da vitalidade estruturante do conhecimento popular, o seu enraizamento na vida
das pessoas, que faz com que ele tenha corpo e emoção.
Aluém poderia me interogar: de que serviria um conhecimento desprovido
do aqui e do agora, da experncia sentida? Talvez para nos fazer compreender
que o mundo é constituído de muitos mundos, portanto, de múltiplas possibili-
dades de existência humana. Quando me propus a pesquisar assentamentos fui
movida pelo desejo de interogar e sistematizar formas de existência, que mesmo
não tendo lugar, porque subsumidas pelas formas hegemônicas, existem, e num
mundo em que para os historiadores, faltam alternativas de enfrentamento ao
capitalismo, inventariar esses modos de vida é uma forma de manter viva a ee-
rança de um outro futuro, porque outras formas estruturantes eão sendo tra-
vadas por dentro do capitalismo até então vitorioso. Nessa perectiva, na minha
busca da eerança, quero produzir um conhecimento que vindo do campo, possa
educar a cidade: educar para nossas paisagens, novas sensibilidades, novas rela-
ções, novas perectivas eéticas. Da mesma forma, acredito na possibilidade de
apropriações recriadas de conhecimentos “não camponeses” capazes de produzir
tensões necessárias à própria existência do campo.
Nessa perectiva, o conhecimento sistematizado cumpre uma tarefa civili-
zatória importante. Ele é transitável, reconhecendo que o trânsito do conheci-
mento não se faz sem a motivação, a disposição e a opção das pessoas. Por meio
do conhecimento sistematizado podemos falar e dar a conhecer outros mundos,
outras possibilidades de futuro em face à diversidade da vida humana. Para o
MST, a organização coletiva inspirada em Makarenko seria improvável sem o
conhecimento sistematizado que nos tornou possível conhecer a experiência da
revolução na União Soviética.
Rearmo, portanto, uma idéia matriz inerente ao conhecimento cientíco: ele
tem espacialidade e temporalidade. Ele nos conta, nas suas narativas, da aventura
humana, de formas de produzir a vida em tempos e lugares situados. Portanto,
ele tem materialidade, historicidade, apesar de reconhecer que essas dimensões
são perdidas quando esse conhecimento adentra no mundo da escola. O conhe-
cimento que hoje é cientíco foi um dia imaginação, intuição, experiência, vida
consumida. Não podemos esquecer esse sentido embrionário do conhecimento
E C : questões para reflexão
144
cientíco. Mantê-lo vivo é nutri-lo de outras intuições e outras experiências, que
nos permitam contar a vida no seu movimento, na sua diversidade. Ao longo do
tempo construímos fronteiras xas e incomunicáveis entre conhecimento cientí-
co e conhecimento popular; o apelo à complementaridade nos obriga a desfazer
fronteiras ou a entendê-las como lugar de trânsito e de transgressão.
Nessa perectiva, se entendemos poder construir uma relação de comple-
mentaridade entre campo e cidade, quero acreditar que esse movimento é de ida
e de volta: um conhecimento do campo para a cidade e da cidade para o campo.
Uma teoria do conhecimento, a meu ver, comporta uma teoria social e uma
teoria da cultura. O entendimento que o campo é um lugar de integração, de
deslocamento, de trocas simbólicas na medida em que as pessoas se encontram,
se relacionam, alternam lugares, são afetadas por outras culturas comporta a idéia
de um conhecimento transitante.
Nessa formulação sou tocada pela minha condição de amazônida, que há al-
um tempo precisou abandonar a idéia de um conhecimento da Amazônia para
a Amazônia, suciente quando percebemos-nos xados naquele lugar, enraizado
nele. Conheço hoje o custo do silenciamento cultural quando precisei me deslo-
car da paisagem, da linuagem e da relação com a vida que nos constitui como
amazônidas. Falo do lugar dos meus hos, Bruno e Natasha, precisando se desen-
raizar como imperativo de sobrevivência, porque a falta de diálogo cultural hes
impõe abrir mão de aectos muito caros à sua identidade, como a sua linuagem,
para poderem ser aceitos nos padrões de culturalidade em uma escola púlica de
Campinas. Ao meu apelo antropológico de enfrentamento da inferiorização da
linuagem e da subordinação cultural, o saber sociológico elaborado na própria
vida de aluém que só viveu  anos se impõe: a senhora diz isso porque não sabe
o que é ser diferente num lugar onde todos são iuais.
Essa experncia com a dor dos meus hos deu corpo aos conceitos da di-
versidade que tanto proclamo de dentro da ciência que pratico. Num país que
não se conhece, e por isso o pode (com)viver com a diversidade, é preciso fazer
transitar a vida, as muitas formas de vida. No plano teórico (cognitivo), o te-
mos diculdades em admitir uma relão de complementaridade entre campo
e cidade, mas no plano da vida muito a ser feito, não porque o eejamos
fazendo, mas porque as tarefas educativas, naquilo que elas comportam de mu-
danças culturais, o sempre maiores que as tarefas políticas, legislativas. A força
viva da cultura pulsa no coração das pessoas, nas inteligibilidades sentidas, vali-
dadas nas relões.
Não há uma eética e nem uma ética do conhecimento imanentes à própria
materialidade da vida. Elas se realizam na educação da relação. Por isso, é
preciso ocupar, eabelecer vias de presencialidade. A disputa pela escola a que
Mônica Molina se referia na sua exposição, resgatando muito apropriadamente
E C : questões para reflexão
145
um debate importante da Educação do Campo, passa também em poder fazer
aquilo que não tem lugar, ter eatuto de cidadania. Os saberes camponeses, os
saberes ancestrais de indígenas e africanos devem ter lugar no campo e na cidade,
como apelo a um valor humano fundamental: poder viver a nossa diferença na
iualdade, que resumo numa única iia, o direito à dignidade da vida.
A minha utopia é que os hos que ainda vão nascer possam se educar naquilo
que Milton Santos chamou de linuagem do mundo”. Talvez por ea via o nosso
coração possa escutar que os hos do meu irmão são meus hos (fala de um dos
participantes do encontro) ou de outro modo, que os hos do mundo são meus,
e assim sendo, possamos nos reconhecer na maternidade e na paternidade que
assume como suas as tarefas de construção dos destinos dos seus hos.
Volto dee encontro, mesmo num tempo de tamanha descrença política e
social, querendo cantar a utopia de Milton Nascimento nessa nova diversidade
que sinto, vejo e escuto. Não a utopia como aquilo que ainda não existe, mas no
seu sentido etimológico, como aquilo que ainda o tem lugar, que transita entre
estruturas estruturadas e estruturas estruturantes (sábia formulação apresentada
pela professora Elen Woortmann):
uero a utopia quero tudo e mais, quero a felicidade nos ohos de um pai [mãe), quero
a alegria muita gente feliz, quero que a justiça reine em meu país. uero a liberdade
quero o vinho e o pão, quero ser a amizade quero amor, prazer. uero nossa cidade [o
campo] sempre ensolarada, os meninos (as meninas) e o povo no poder eu quero ver”.
Os parênteses que incluí na poesia cumprem a tarefa de expressar a diversidade que
queremos construir
Brasília (tera onde ores vibrantes dividem a paisagem com o cerado seco
e pintado de cor de paha), setembro de .
E F
Profesora do Centro de Educação da UFPA.
Doutoranda do Prograa de Pós-grauação e Edu
-
cação da Uniersidae de Capinas.
E C : questões para reflexão146
Comissão organizadora
Alessandra da Coa Lunas
Brasília/DF Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (Contag)
Antonio Munarim
Brasília/DF MEC/SECAD/CGEC
Bernardo Mançano Fernandes Presidente Prudente/
SP Universidade Eadual Paulia (Une)
Clarice Aparecida dos Santos
Brasília/DF Via Campesina/MST
Edgar Kolling Porto Alegre/
RS Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
Eliene Novaes Rocha
Brasília/DF Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (Contag)
Irene Alves Paiva
Natal/RN Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Laís Mourão de Sá
Brasília/DF Universidade de Brasília (UnB)
Márcio Caniello Campina Grande/
PB Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
Miguel Gonzalez Arroyo Belo Horizonte/
MG Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Mônica Caagna Molina
Brasília/DF Pronera/Incra/MDA (UnB)
Sônia Meire
Aracajú/SE Pronera/Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Participantes Localidade Inituição
Adelaide Ferreira Coutinho São Luís/
MA Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Ademir Cazella
Florianópolis/SC Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Alessandro Auguo de Azevêdo
Natal/RN Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN)
Antônio Alberto Pereira João Pessoa/
PB Universidade Federal da Paraíba (UFPB/CUT-PB)
Antônio Dias Nascimento
Salvador/BA Universidade do Eado da Bahia (UNEB)
Antônio Julio de Menezes Neto Belo Horizonte/
MG Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Celi Neuza Zulke Taffarel
Salvador/BA Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Camila Guimarães Guedes
Brasília/DF Residência Agrária/MDA/Incra
Célia Regina Vendramini
Florianópolis/SC Universidade Federal de Santa Catarina ((UFSC)
Conceição Paludo Porto Alegre/RS Universidade Eadual do Rio
Grande do Sul (UERGS)
Edla de Araújo Soares Lira
Recife/PE UNDIME
Edmerson Reis
Petrolina/PE Universidade do Eado da Bahia (UNEB)
Eliana da Silva Felipe
Campinas/SP Universidade de Campinas (Unicamp)
Eliane Dayse Pontes Furtado
Fortaleza/CE Universidade Federal do Ceará (UFC)
C >
3. Relão dos participantes no I Encontro Nacional
de Pesquisa em Educação do Campo
E C : questões para reflexão
147
Participantes Localidade Inituição
Ellen Fenerseifer Woortmann
Brasília/DF Universidade de Brasília (UnB)
Emília de Rodat Moreira João Pessoa/PB Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Eraldo da Silva Ramos Filho
Aracajú/SE Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Fábio Nolasco
Cuiabá/MT Universidade Eadual do Mato Grosso (Unemat)
Fernanda Litvin Villas Boas
Brasília/DF Residência Agrária/MDA/Incra/UnB
Gema Galgane S. L. Esmeraldo
Fortaleza/CE Universidade Federal do Ceará (UFC)
Georgina Negrão Kalife Cordeiro
Belém/PA Universidade Federal do Pará (UFPA/Pronera)
Gilvanice Barbosa da Silva Musial Belo Horizonte/MG Universidade Eadual de Minas Gerais (UEMG)
Ilma Ferreira Machado
Cuiabá/MT Universidade do Eado de Mato Grosso (Unemat)
Ilse Scherer-Warren
Florianópolis/SC Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Ivanilde Apoluceno
Belém/PA Universidade Eadual do Pará (UEPA)
Jean-Philippe Tonneau Campina Grande/PB CIRAD/Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG)
Jerônimo Rodriguez Souza
Salvador/BA Universidade Eadual de Feira de Santana (UEFS)
João Batia de Queiróz
Brasília/DF Universidade Católica de Brasília (UCB)
João Edmilson Fabrini Unioee (PR)
Kellen Maria Junqueira
Campinas/SP Universidade Eadual de Campinas (Unicamp)
Liliane Lúcia Nunes de
Aranha Oliveira
Brasília/DF INEP
Lourdes Helena da Silva Viçosa /MG Universidade Federal de Viçosa (UFV)
Lúcia Helena Alvarez Leite Belo Horizonte/MG Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Luiz Carlos de Freitas
Campinas/SP Universidade Eadual de Campinas (Unicamp)
Luzia Terezinha Batia Oliveira Boa Via/RR Universidade Federal de Roraima (UFRR)
Maria Inês Escobar da Coa
Brasília/DF Residência Agrária/MDA/Incra/UnB
Mailson Monteiro do Rêgo Boa Via/RR Universidade Federal de Roraima (UFRR)
Maria de Fátima Monte Lima
Aracajú/SE Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Maria de Nazareth
Baudel Wanderley
Recife/PE Universidade Federal de Pernambuco
Maria do Socorro Silva
Brasília/DF Universidade de Brasília (UnB)
Maria Isabel Antunes Rocha Belo Horizonte/MG Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Marilsa Miranda de Souza Rolim de Moura/RO Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
< C
C >
E C : questões para reflexão148
Participantes Localidade Inituição
Marisa de Fátima
Lomba de Farias
Campo Grande/MS Mato Grosso do Sul
Marlene Ribeiro Porto Alegre/RS Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)
Marta Pernambuco
Natal/RN Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN)
Moacir Palmeira Rio de Janeiro/RJ Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Olívio Alberto Teixeira
Aracajú/SE Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Orlando Nobre Bezerra de Souza
Belém/PA Universidade Federal do Pará (UFPA)
Oroslinda Maria Taranto Goulart
Brasília/DF INEP
Paulo Décio de Arruda Mello
Maceió/AL Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Pedro Ivan Chrióffoli
Brasília/DF Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (Iterra)
Renata Silva Mann
Aracajú/SE Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Rosimeire Aparecida Campo Grande/MS Universidade Eadual do Mato Grosso Sul (UEMS)
Salomão Antonio Mufarrej Hage
Belém/PA Universidade Federal do Pará (UFPA)
Sérgio Leite Rio de Janeiro/RJ Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (UFRRJ)
Sérgio Sauer
Brasília/DF Universidade de Brasília (UnB)
Silvana Maria Gritti Porto Alegre/RS Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)
Silvio Simioni Rio Branco/AC Universidade Federal do Acre (UFAC)
Sônia Aparecida Branco Beltrame
Florianópolis/SC Universidade Federal de Santa Catarina (UFCS)
Sônia Fátima Schwendler
Curitiba/PR Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Sônia Meire S. A Jesus
Aracajú/SE Pronera/ Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Tânia Maria de Melo
Brasília/DF SDT/Incra/MDA
Terezinha de Jesus Machado Maher
Campinas/SP Universidade Eadual de Campinas (Unicamp)
Terezinha Maria Cardoso Porto Alegre/RS Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)
Valdete da Luz Carneiro
Manaus/AM Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Vera Maria Vidal Peroni Porto Alegre/RS Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)
Willer Araujo Barbosa
Viçosa/MG Universidade Federal de Viçosa (UFV)
< C
E C : questões para reflexão
149
Local: Brasília - DF
Data: 19, 20 e 21 de setembro de 2005
Dia 19: segunda-feira
14h S A:
• MEC
• MDA
• MCT
• Incra
• Contag
• MST
16h30 M- MR1 O E C.
Coordenação: Antonio Munarim e Mônica Molina
Debatedores: Bernardo Mançano – UNESP, Maria Nazaré Wanderley – UFPE e Sérgio Leite – UFRRJ
20h M- MR2 M : .
Coordenação: Eliene Novaes e Clarice Santos
Debatedores: Ellen Woortman – UnB, Márcio Caniello – UFCG
e Moacir Palmeira – UFRJ e Museu Nacional.
Dia 20: terça-feira
8h EIIT– Eaços Interativos de Identidades e Territórios e GT– Grupos de Trabalho.
14h M- MR3 P .
Coordenação: Bernardo Mançano e Márcio Caniello.
Debatedoras: Pedro Chrióffoli – Iterra, Maria do Socorro Silva – UnB e Sônia Meire Azevedo – UFS.
20h EIIT– Eaços Interativos de Identidades e Territórios e GT– Grupos de Trabalho.
Dia 21: quarta-feira
8h M- MR4 A : .
Coordenação: Irene Paiva e Sônia Meire Azevedo
Debatedores: Miguel Arroyo – UFMG, Ilse Scherer-Warren – UFSC e Mônica Molina – Pronera.
14h EIIT– Eaços Interativos de Identidades e Territórios e GT– Grupos de Trabalho.
18h30 Atividade Cultural
Dia 22: quinta-feira
8h Plenária
11h30 Encerramento
4. Programação do I Encontro Nacional de Pesquisa em Educação do Campo
150
U    
transformação do meio rural em um espaço com qualidade de vida, acesso a di-
reitos, sustentabilidade social e ambiental.
Ampliar e qualicar as ões de reforma agrária, as políticas de fortalecimento
da agricultura familiar, de promão da iualdade e do etno-desenvolvimento das
comunidades rurais tradicionais. Esses são os desaos que orientam as ações do
Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), órgão do Minis-
tério do Desenvolvimento Agrário (MDA) voltado para a produção e a difusão
de conhecimento que subsidia as políticas de desenvolvimento rural.
Trata-se de um espaço de reexão, divulgação e articulação institucional com
diferentes centros de produção de conhecimento sobre o meio rural, nacionais e
internacionais, como núcleos universitários, instituições de pesquisa, organizações
não-governamentais, centros de movimentos sociais, agências de cooperação.
Em parceria com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura
(IICA), o NEAD desenvolve um projeto de cooperação técnica intitulado Apoio
às Políticas e à Participação Social no Desenvolvimento Rural Sustentável”, que
abrange um conjunto diversicado de ações de pesquisa, intercâmbio e difusão.
151
E
Construção de uma rede rural de cooperação técnica e cienca para o desenvolvimento
Democratização ao acesso às informações e ampliação do reconhecimento social da
reforma agrária e da agricultura familiar
O NEAD busca também
Estimular o processo de autonomia social
Debater a promoção da iualdade
Analisar os impactos dos acordos comerciais
Difundir a diversidade cultural dos diversos segmentos rurais
P
O projeto editorial do NEAD abrange pulicações das ries Estudos NEAD, NEAD
Debate, NEAD Eecial e NEAD Experiências, o Portal NEAD e o boletim NEAD
Notícias Agrárias.
Publicações
Reúne estudos elaborados pelo NEAD, por outros órgãos do
MDA e por organizações parceiras sobre variados aectos re-
lacionados ao desenvolvimento rural.
Inclui coletâneas, traduções, reimpressões, textos clássicos,
compêndios, anais de congressos e seminários.
Apresenta temas atuais relacionados ao desenvolvimento ru-
ral que eão na agenda dos diferentes atores sociais ou que
eão ainda pouco divulgados.
Difunde experiências e iniciativas de desenvolvimento rural a
partir de textos dos próprios protagonistas.
152
P
Um grande volume de dados é atualizado diariamente na página eletrônica www.nead.
org.br, eabelecendo, assim, um canal de comunicação entre os vários setores interessa-
dos na temática rural. Todas as informações coletadas convergem para o Portal NEAD
e são difundidas por meio de diferentes serviços.
A difusão de informações sobre o meio rural conta com uma bilioteca virtual temáti-
ca integrada ao acervo de diversas instituições parceiras. Um catálogo on line também eá
disponível no Portal para consulta de textos, estudos, pesquisas, artigos e outros documentos
relevantes no debate nacional e internacional.
B
Para fortalecer o uxo de informações entre os diversos setores que atuam no meio rural,
o NEAD pulica semanalmente o boletim NEAD Notícias Agrárias. O informativo é
distribuído para mais de dez mil usuários, entre pesquisadores, professores, estudantes,
universidades, centros de pesquisa, organizações governamentais e o-governamen-
tais, movimentos sociais e sindicais, organismos internacionais e órgãos de imprensa.
Enviado todas as sextas-feiras, o boletim traz notícias atualizadas sobre estudos e pes-
quisas, políticas de desenvolvimento rural, entrevistas, experiências, acompanhamento do
trabaho legislativo, cobertura de eventos, além de dicas e sugeões de textos para fomen-
tar o debate sobre o mundo rural.
Visite o Portal www.nead.org.br
Telefone: ()  
E-mail: nead@nead.gov.br
Endereço: SCN, Quadra, Bloco C, Ed. Brasília Trade Center, 
o
andar, Sala 
Brasília/DF CEP -
O B P,
C P, 
F .
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo