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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
Dissertação de Mestrado
EDUCAÇÃO MUSICAL NÃO-FORMAL E ATUAÇÃO PROFISSIONAL:
UM SURVEY EM OFICINAS DE MÚSICA DE PORTO ALEGRE - RS
por
CRISTIANE MARIA GALDINO DE ALMEIDA
Porto Alegre
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
Dissertação de Mestrado
EDUCAÇÃO MUSICAL NÃO-FORMAL E ATUAÇÃO PROFISSIONAL:
UM SURVEY EM OFICINAS DE MÚSICA DE PORTO ALEGRE - RS
por
CRISTIANE MARIA GALDINO DE ALMEIDA
Dissertação submetida como requisito
parcial para obtenção do grau de
Mestre em Música.
Área de Concentração: Educação Musical.
Orientadora: Profª Drª Luciana Marta Del Ben
Porto Alegre
2005
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida, pela família e pelos amigos.
À minha orientadora, Dra. Luciana Del Ben, por me fazer ver o conhecimento de
uma outra forma.
À Dra. Alda Oliveira, Dra. Any Raquel Carvalho e Dra. Cláudia Bellochio, por
acrescentarem novas possibilidades de ler o trabalho.
À Universidade Federal de Pernambuco, pela liberação de minhas atividades
profissionais.
Ao Departamento de Música da UFPE, pela formação e atuação a mim
proporcionadas.
Ao CNPq, pela bolsa concedida.
À Secretaria Municipal de Cultura e ao Projeto de Descentralização, por permitirem a
minha inserção.
Aos oficineiros e oficineiras de música, por aceitarem participar deste trabalho.
Ao ativista de música, por me receber sempre de maneira tão gentil e atenciosa,
além de ter participado da pesquisa.
Aos professores, funcionários e colegas da Pós-Graduação em Música, por todos os
momentos compartilhados.
À Agnes Schmeling, Fernanda de Assis, Lélia Diniz e Lúcia Teixeira, por termos
desfrutado mais do que a amizade.
À Guiomar Ribas e Magali Kleber, amigas responsáveis por minha chegada ao
curso, e por tantos conselhos sábios.
À Guiomar Ribas e Lília Gonçalves, por constituírem uma pré-banca tão especial.
A Juciane, José Luiz e Ruy, pela assessoria na área de informática.
À Cleonice Bezerra de Almeida, pelo suporte dado aos meus filhos.
À Valnita e Carrie, irmãs/amigas que me “adotaram”.
À família Fürstenau, em especial ao Dr. Horst, pela tradução do alemão.
Aos meus pais, Maria José e Elpídio, e irmãos, Cristina, Betânia e André, por todo o
apoio recebido e pelo amor doado.
A Jonatan, por ter mantido tudo “sob controle” e pela revisão do texto.
Aos meus filhos, Tiago, Cristiane e Jonatan, pela ausência permitida.
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo caracterizar o ensino de música inserido em
projetos sociais. Os objetivos específicos foram analisar as dimensões presentes
nas práticas educativo-musicais das oficinas de música, identificar os profissionais
que ali ensinam música e qual a sua formação, e examinar as concepções sobre
educação musical desses profissionais e do coordenador. O referencial teórico do
trabalho está fundamentado em conceitos de educação não-formal, de autores da
pedagogia e da educação musical. Foi realizado um survey de pequeno porte em 19
oficinas de música do projeto de Descentralização, da Secretaria Municipal de
Cultura, da Prefeitura de Porto Alegre. Os participantes foram 14 oficineiros
(profissionais que ensinam música) e o ativista de música (coordenador das
oficinas). A técnica de pesquisa utilizada foi a da entrevista semi-estruturada, e os
dados foram analisados qualitativamente. A partir da análise, considerei que as
oficinas de música se configuram como espaços de educação musical não-formal.
Os resultados sinalizam a necessidade de reconhecimento desses espaços como
contextos de atuação profissional que, como tais, demandam uma formação também
profissional.
Palavras-chave: educação musical não-formal, formação de professores de música,
educação não-formal.
ABSTRACT
This work aimed to characterise how music teaching is placed in social projects.
More specifically, it aimed to analyse the dimensions that are present in the musical-
pedagogical practices of the workshops, to identify the professionals that teach music
and their educational background, and to examine the concepts of music education
sustained by those who teach music and by the co-ordinator of the project. The
research was carried out with 19 music workshops offered by the “Projeto de
Descentralização”, promoted by the Municipal Secretary of Culture, from the
Administration of Porto Alegre. The theoretical framework was constituted by
concepts of non-formal education developed by authors coming from the fields of
pedagogy and music education. A small survey was carried out, with 14 “oficineiros”
(professionals that teach music) and the “ativista” (the coordinator of the music
workshops). Data was collected through semi-structured interviews and qualitatively
analysed. The analysis showed that the music workshops can be considered as non-
formal educational spaces. The results point to the need to recognise these spaces
as professional spaces of music education. As such, they also demand professional
education.
Keywords: non-formal music education, music teachers’ education, non-formal
education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – Por que projetos sociais?......................................................................23
TABELA 1 – Localização das oficinas por região do OP...........................................56
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 9
PARTE I – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
CAPÍTULO 1
1 DELIMITANDO O OBJETO DE ESTUDO: ATUAÇÃO E FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DE MÚSICA.............................................................................. 15
CAPÍTULO 2
2 A EDUCAÇÃO MUSICAL E A EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL.......................... 25
CAPÍTULO 3
3 METODOLOGIA DA PESQUISA.....................................................................
3.1 Seleção dos participantes.......................................................................
3.2 Método: survey.........................................................................................
3.3 Abordagem qualitativa.............................................................................
3.4 Técnica de pesquisa: entrevista semi-estruturada...............................
3.5 Procedimentos de coleta de dados........................................................
3.6 Procedimentos de análise dos dados....................................................
36
36
41
42
43
46
48
PARTE II – ANÁLISE DOS DADOS
CAPÍTULO 4
4 DAS OFICINAS: “NÃO É SÓ UM TRABALHO ESPECÍFICO DE MÚSICA...
É MUITO MAIS ABRANGENTE.”....................................................................
4.1 A Descentralização – “É um projeto a fú, tri!” ......................................
4.2 Atividades e funções da música – “A música é uma isca... uma
ferramenta de resgate da cidadania.”.....................................................
4.3 Os oficinandos..........................................................................................
4.3.1 Faixa etária – “É um grande jogo de cintura...”................................
4.3.2 Expectativas – “Eu vou aprender a tocar!”.......................................
53
53
61
74
74
76
4.4 Opinião dos oficineiros sobre o projeto – “É difícil, mas [...] ele tem
resultado.”................................................................................................
4.4.1 “E, além do cachorro que fica latindo horrivelmente, [...] começou a
vir pedra.”..........................................................................................
4.4.2 A Mostra da Descentralização – “O orgulho da galera...”..................
4.5 As reuniões – “Um baita momento de crescimento.”...........................
4.6 O ativista – “O ativista cultural é, na verdade, o supervisor das
oficinas.”....................................................................................................
80
82
91
94
99
CAPÍTULO 5
5 DO OFICINEIRO: “OFICINEIRO É UM ‘TROÇO’ CURIOSO. TEM PERFIL
MESMO!”.........................................................................................................
5.1 Seleção dos oficineiros – “O que é que eu estou fazendo aqui?”......
5.2 Chegada ao projeto – “Às vezes até eu tenho que me cuidar para
que isso não tome o espaço do músico.”..............................................
5.3 Formação – “A cada ano a gente aprende um pouco mais.”...............
5.4 As experiências anteriores – “Uma coisa vai puxando outra. Um
projeto vai puxando outro.”.....................................................................
5.5 Habilidades – “Se não é músico, não é professor de música...”.........
5.6 Concepção de professor de música – “Eu não sou professor de
música.”.....................................................................................................
5.7 Concepção de aula de música – “Não é aula de música, mas é.”.......
5.8 Autonomia – “Liberdade total. Liberdade total mesmo.”.....................
102
102
105
107
110
114
122
124
128
CAPÍTULO 6
6 FORMAÇÃO E ATUAÇÃO PROFISSIONAL – “QUANDO TU VAIS PARA
A OFICINA MESMO, A EDUCAÇÃO MUSICAL É O QUE É...”..................... 131
CONCLUSÃO...................................................................................................... 148
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 156
APÊNDICES........................................................................................................ 165
ANEXOS.............................................................................................................. 167
9
INTRODUÇÃO
As trilhas que percorri profissionalmente me levaram ao caminho do ensino de
música na educação superior. Para chegar ao curso de licenciatura em música, da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), passei, antes, por escolas de música
situadas em igrejas, academia de dança, escolas específicas de música e escolas
do ensino fundamental da rede municipal e da rede estadual. Essa é uma rota bem
conhecida entre os que atuam como professores de música.
As marcas conseguidas durante o percurso integram, hoje, tanto o meu
curriculum vitae quanto meu curriculum mortis
1
. Algumas mais foram acrescentadas
no período em que estive como coordenadora e professora do curso de licenciatura
em música da UFPE, e uma delas determinou a realização deste trabalho.
Era comum a coordenação do curso ser procurada, no decorrer do ano letivo,
por instituições que trabalhavam com educação, a fim de estabelecer parcerias ou
convênios que envolviam estágios extracurriculares dos licenciandos. Uma delas, o
1
“O Curriculum Mortis, quer dizer, aquele conjunto de verdades desagradáveis, constrangedoras,
dolorosas e que constituem o avesso existente, embora muitas vezes mentido, sonegado, do
Currirulum Vitae.” (KONDER, 2005). Tomei conhecimento desse termo nas “conversas em forma de
aula” do prof. Dr. Michel Zaidan Filho, da UFPE.
10
Centro de Educação Popular Mailde Araújo (CEPOMA), não apenas me marcou,
mas deixou uma profunda cicatriz que ainda não está completamente curada. Essa
escola comunitária desenvolve, em Recife, um trabalho de educação infantil aliada à
cultura popular, mais especificamente, ao maracatu. O Nação Erê, grupo de
maracatu formado pelos alunos, já é reconhecido nacionalmente, em gravação do
selo Palavra Cantada.
Foi a partir de sua carta-proposta que construí meu projeto de mestrado para
a seleção no Programa de Pós-Graduação em Música, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). A distância entre Porto Alegre e Recife, porém,
inviabilizou a realização da pesquisa. No entanto, a busca por um novo tema me
ajudou a descobrir outros espaços onde ocorre o ensino de música sem uma
intervenção mais efetiva dos que refletem sobre ele.
Em sala de aula, ouvia dos alunos sobre as dificuldades em ensinar nesses
espaços, por serem, na maioria das vezes, desconhecidos para eles. Em alguns
casos, o receio de ser malsucedido era razão suficiente para o estágio ser recusado
pelos alunos. Esse posicionamento, defendido por alguns como uma atitude
responsável, contribuía para perpetuar a situação. Não se aceitava o estágio por
desconhecer aquelas realidades e, sem conhecer tais contextos, não se arriscava a
ir até eles.
A fim de contribuir para a alteração desse quadro, decidi investigar como se
caracteriza o ensino de música inserido nos projetos sociais. O locus escolhido foi o
projeto de Descentralização, ligado à Secretaria Municipal de Cultura, da Prefeitura
11
de Porto Alegre, por oferecer, entre suas ações, oficinas de música nas 16 regiões
do Orçamento Participativo, na capital. Decerto, cada espaço investigado, esse,
inclusive, dará pistas para a caracterização de uma educação musical não-formal ou
não-escolar, como é também denominada.
Os oficineiros e o ativista de música do projeto de Descentralização foram os
participantes desta pesquisa. O depoimento deles, colhido por meio de entrevistas
semi-estruturadas, me deu subsídios para analisar as dimensões presentes nas
práticas educativo-musicais das oficinas, examinar as concepções sobre educação
musical desses profissionais, além de identificá-los e caracterizar sua formação.
Esses objetivos, aliados ao número de participantes, conduziram-me para a
definição do survey como método da investigação, com uma abordagem qualitativa.
O referencial teórico que conduziu a pesquisa se constituiu de alguns autores
que apresentam a educação não-formal ou não-escolar como possíveis de ser um
campo dentro da educação. Na área de pedagogia, autores como Afonso (1992),
Colom (1998a, 1998b), Vásquez (1998), Gohn (1999), Libâneo (1999) e Simson,
Park e Fernandes (2001) vêm constituindo o que Afonso denominou de uma
sociologia da educação não-escolar. A sistematização que propõem objetiva a
caracterização do campo da educação não-formal, incluindo a formação profissional
para atuação nessa modalidade de ensino. Entre as várias possibilidades da
educação não-formal, Colom (1998a) apresenta a educação urbana, aquela que
envolve as instâncias administradoras da cidade. É por meio da educação urbana
que se estabelece uma intervenção para a compensação educativa não-formal.
Também na área de educação musical, vários autores discutem essas questões e
12
argumentam no sentido de mostrar a necessidade de se conhecer esses espaços
para uma atuação mais efetiva dos professores de música (ARROYO, 1999;
GREEN, 2000; SANTOS, 2001; OLIVEIRA, 2000, 2003, entre outros).
Apresento, neste trabalho, os resultados a que cheguei, concluindo um
processo que começou com a seleção do tema e dos participantes, no entremeio, as
entrevistas, sua transcrição, “transcriação”
2
e análise. A estrutura da dissertação tem
um design semelhante. A primeira parte está dividida em três capítulos. O primeiro
inclui a delimitação do tema, a revisão da literatura e as questões que conduziram a
pesquisa, o segundo expõe o referencial teórico e o terceiro, a metodologia. A
segunda parte traz a análise dos dados em três capítulos. Os dados foram divididos
em duas categorias: das oficinas e dos oficineiros, apresentadas no quarto e no
quinto capítulos. No sexto capítulo, retomo a formação e a atuação profissional.
Logo em seguida, apresento a conclusão.
Para uma leitura mais fluente do texto, devo dar alguns esclarecimentos.
Todas as citações em português foram mantidas no original, seja ele de Portugal,
seja do Brasil. As citações, originalmente em espanhol e inglês, foram traduzidas por
mim. E a tradução do alemão, por sua vez, foi realizada pelo Dr. Horst Fürstenau.
Pretendi, com esta pesquisa, contribuir para minimizar o desconhecimento
sobre o ensino de música inserido em projetos sociais. A análise dos dados
coletados junto ao ativista e aos profissionais que ensinam música poderá ajudar a
refletir, entre outras coisas, sobre como é definida a inclusão do ensino de música
2
GATTAZ, 1996. Ver o conceito na p. 48.
13
nos projetos sociais e em que dimensões ele atua, gerando dados que contribuam
para a definição da educação musical não-formal, para a discussão dos currículos
de licenciatura em música e para uma maior relação entre formação e atuação
profissional.
14
PARTE I: REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
15
CAPÍTULO 1
1 DELIMITANDO O OBJETO DE ESTUDO: ATUAÇÃO E FORMAÇÃO DO
PROFESSOR DE MÚSICA
A atuação profissional do educador musical remete-nos, quase
imediatamente, ao espaço escolar. É esperado dos egressos dos cursos de
licenciatura em música que eles atuem na educação básica, uma vez que tais cursos
os habilitam para tal
3
. No entanto, os espaços de atuação são múltiplos e essa
multiplicidade é apontada por Del Ben (2003, p. 31) como uma das particularidades
da formação do professor de música.
É possível constatar essa variedade de locus de atuação antes mesmo do
término da graduação. Cereser (2003, p. 86), ao investigar os licenciandos dos
cursos de música das universidades federais do Rio Grande do Sul, relata que,
[em relação] aos espaços de atuação, os licenciandos se inserem: nas
escolas específicas de música, nas escolas de educação básica, nas
igrejas, em cursos de extensão oferecidos nas universidades em que
estudam, em projetos comunitários, em aulas particulares que dão na casa
do aluno ou em sua própria residência.
Esses espaços são similares aos apresentados por Kraemer (2000) em seu
modelo estrutural pedagógico-musical. O autor, ao focar os problemas da
apropriação e transmissão de música, propõe como campos de aplicação e análise,
entre outros,
16
a educação musical escolar e extra-escolar, processo de impregnação
músico-cultural na família, nos jardins de infância, escola de música, escola,
escola superior, escola popular, instituições de formação continuada, aulas
particulares, em corais, conjuntos, organizações comunitárias. (KRAEMER,
2000, p. 67).
A importância de se pensar sobre o espaço de formação e o espaço de
atuação do professor integrou o debate sobre “formação: qual concepção” iniciado
por Bellochio (2003, p. 17), no 11° Encontro Anual da Associação Brasileira de
Educação Musical (ABEM). Ao dialogar com o texto desse fórum, Del Ben (2003, p.
32) afirma que é “a favor de uma formação que tenha relação com os espaços de
atuação profissional.”
Além de aparecer como uma proposição dos pesquisadores da área, a
necessidade de “integrar os diversos espaços educacionais que existem na
sociedade, ajudando a criar um ambiente científico e cultural, que amplie o horizonte
de referência do exercício da cidadania” (BRASIL, 2001, p.14) consta também do
Parecer sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
da Educação Básica. O documento afirma ser preciso,
para contemplar a complexidade dessa formação, [...] instituir tempos e
espaços curriculares diversificados como oficinas, seminários, grupos de
trabalho supervisionado, grupos de estudo, tutorias e eventos, atividades de
extensão, entre outros capazes de promover e, ao mesmo tempo, exigir dos
futuros professores atuações diferenciadas, percursos de aprendizagens
variados, diferentes modos de organização do trabalho, possibilitando o
exercício das diferentes competências a serem desenvolvidas. (BRASIL,
2001, p. 52).
3
Conforme Art. 1º, da Resolução CNE/CP 01/2002: “As Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de
graduação plena [...] aplicam-se a todas as etapas e modalidades da educação básica.”
17
O Parecer também aponta para a possibilidade de atuação/formação em
campos específicos, como “crianças e jovens em situação de risco” (BRASIL, 2001,
p. 44), no eixo que articula a formação comum com a específica.
Acompanhando a trajetória das pesquisas desenvolvidas na área de
educação musical, tanto no Brasil como no exterior, pode-se constatar o número
crescente de investigações sobre os processos de ensino e aprendizagem musical
que ocorrem fora do espaço escolar. Utilizando diferentes metodologias, os
trabalhos realizados por Conde e Neves (1984), Campbell (1989; 1991; 1998),
Okafor (1989), Trimillos (1989), Rios (1995), Prass (1998), Stein (1998), Arroyo
(1999), Green (2000, 2001), Tanaka (2001) e Candusso (2002) investigaram
espaços que articulavam ensino e/em manifestações culturais, enquanto Lima
(2002) e Kleber (2004) se detiveram sobre projetos comunitários.
O aprendizado fora do ambiente escolar foi investigado também por Finnegan
(1989), Gomes (1998), Corrêa (2000), Souza (2001a), Hentschke; Souza; Cunha;
Bozzetto (2001), Pinto (2002), Ramos (2002), Fialho (2003), Wille (2003), Araldi
(2004) e Schmitt (2004). Uns se voltaram para os processos de auto-aprendizagem,
alguns para a aprendizagem em grupos musicais e outros, ainda, para a
aprendizagem por meio de programas de rádio e televisão.
Uma outra linha de pesquisa abordou os espaços não-escolares como locais
de atuação profissional do professor de música. O trabalho de Bozzetto (1999), por
exemplo, investigou os professores particulares de piano. Entretanto, a relação entre
os espaços e a formação inicial de professores de música ainda é um tema pouco
18
pesquisado. Um dos poucos trabalhos sob esse viés foi realizado por Arroyo (2000),
com alunos da disciplina Prática de Ensino, do curso de Licenciatura em Educação
Artística – habilitação em Música, da Universidade Federal de Uberlândia – MG. Ao
relatar a experiência, a autora descreve como conduziu os alunos
[a] transitar entre o escolar e o extra escolar, o ‘formal’ e o ‘informal’, o
cotidiano e o institucional, [...como] um exercício de ruptura com modelos
arraigados que teimam em manter separadas esferas que na experiência
vivida dialogam. (Ibid., p. 89).
Os temas dos encontros anuais da ABEM têm refletido as discussões sobre a
atuação do educador musical na sociedade contemporânea. Em 2001, por exemplo,
ao tratar sobre a “Educação Musical hoje: múltiplos espaços, novas demandas
profissionais”, o debate contribuiu para a reflexão sobre o ensino de música, não se
restringindo apenas ao ambiente escolar, e sobre a formação do professor de
música para atuar em diversos contextos (ver SOUZA, 2001b; HENTSCHKE, 2001).
No 11º Encontro Anual da ABEM, Oliveira (2003, p. 95) destacou o “terceiro
setor e demais espaços alternativos como associações de bairro, creches, casas e
cursos de apoio ao idoso e aos portadores de necessidades especiais” como um
mercado de trabalho que está “em franco desenvolvimento para o educador musical”
(Ibid., id.). Essa proposição é compartilhada por Kleber (2003), que vê o terceiro
setor e os projetos sociais como
um campo emergente e significativo para a realização de um trabalho em
educação musical que se alinhe ao discurso que invoca a inclusão social
tomando a educação e a cultura como dimensões da sociedade capazes de
uma verdadeira transformação social. (KLEBER, 2003, p. 3).
19
Os projetos sociais são “ações estruturadas e intencionais, de um grupo ou
organização social, que partem da reflexão e do diagnóstico sobre uma determinada
problemática" (STEPHANOU et al., 2003).
Segundo Gohn (2001, p. 16-17),
estas organizações [sociais privadas], situadas no âmbito não-
governamental, reestruturam o velho modelo das associações voluntárias
filantrópicas para um novo modelo onde combinam o trabalho voluntário
com o trabalho assalariado, remunerando profissionais contratados segundo
projetos específicos.
A música tem exercido um papel importante nesses projetos. Conforme
Wickel (1998, p. 7), ela “participa de forma considerável na configuração do nosso
dia-a-dia [e suas] propriedades de certa forma nos desafiam a [usá-la] de modo
dirigido como meio em todas as áreas da atuação social.” Isso fica evidente na
home-page do Grupo Cultural Afro Reggae (GCAR), projeto desenvolvido desde
1993, em Vigário Geral, no Rio de Janeiro – RJ. Dentre as informações da página
inicial, o GCAR afirma que,
apesar de toda a diversidade de atividades, a música tem sido em Vigário
Geral o melhor instrumento para atrair os jovens a participar do GCAR. O
sucesso obtido com a Banda Afro Reggae, tanto artístico quanto como
modelo de projeto social, fez com que outros jovens quisessem percorrer o
mesmo caminho e, hoje, temos em Vigário, mais três grupos musicais, que
estão em fase de amadurecimento, mas que já fazem apresentações
públicas: Banda Makala (antiga AfroReggae II), Afro Lata e Afro Samba.
(www.afroreggae, 2003).
A importância da arte, incluindo a música, é percebida também pelos
financiadores. O Banco Nacional para o Desenvolvimento Social (BNDES), por
exemplo, selecionou, em 2003, através do programa “Transformando com Arte”, 52
20
projetos sociais, considerados exemplares, que “utilizam a arte e a cultura em suas
mais variadas linguagens e expressões, para a formação educativa de crianças e
jovens em situação de risco social em diversas regiões do País” (www.bndes, 2003).
Entre os selecionados, estão vários projetos que utilizam a música como foco.
Outro segmento a destacar a função da arte nos projetos sociais é a
imprensa. Em 2001, a Editora Abril publicou uma edição especial da Revista Veja –
Guia para fazer o bem – onde apresenta uma matéria intitulada “Libertar pela arte”,
destacando os “projetos [que] utilizam atividades artísticas [entre elas, a música]
como ferramenta de transformação das condições de vida de crianças e
adolescentes” (www.veja, 2001). Para Armani (2003, p. 15), há “uma crença de que
é possível, efetivamente, resolver problemas sociais através de projetos sociais.”
Ainda segundo o autor, a contribuição dos projetos sociais está em oferecer
condições para o enfrentamento dos problemas, mas não necessariamente
solucioná-los. Entre as contribuições que o autor apresenta, estão:
Pode[r] promover a experimentação e a inovação metodológica; pode[r]
fortalecer organizações comunitárias e a participação na vida política e
social; [...] pode[r] também ajudar na recuperação da auto-estima e da
dignidade humana de setores sociais excluídos. (ARMANI, 2003, p. 15).
Uma característica evidente nos projetos sociais acima referidos foi a
predominância da percussão como a principal atividade musical. A necessidade de
refletir sobre a parceria entre a percussão e projetos sociais resultou no I Simpósio
Brasileiro de Percussão e Ação Social, realizado de 24 a 26 de maio de 2000, no
Centro de Convenções, da Universidade Estadual de Campinas – SP. Inscreveram-
se no evento cerca de 30 projetos sociais que têm na percussão o principal
21
elemento de trabalho (FAVA, 2000, p. 16). Uma segunda edição foi realizada em
2002. Essas experiências educativas em música percussiva foram retomadas no
seminário Rumos da Percussão, realizado em 29 de novembro de 2003, em Recife –
PE, através dos relatos das Organizações Não-Governamentais (ONGs) Daruê
Malungo, Centro Maria da Conceição, Nação Erê, além do Conservatório
Pernambucano de Música e do Instituto de Ação Social e Cidadania (IASC).
Foi possível observar, a partir das informações obtidas ao visitar os projetos
pela web, que a maioria dos que atuam nesses espaços são músicos que não
tiveram uma formação profissional para atuar como docente. Em alguns casos, ex-
participantes do projeto que se destacam assumem a posição de oficineiros. Em
outros, como no Projeto Jovens Escolhas, financiado pelo Credicard, 20 jovens entre
16 e 21 anos, moradores das comunidades de Paraisópolis e Jardim Colombo, em
São Paulo – SP, são capacitados pela ONG Meninos do Morumbi
4
para atuar “no
campo musical, [...] realizando oficinas musicais” (www.credicard, 2003).
Dentre os que contam com a participação de licenciados em música e/ou
assessoria de escolas de música, há o projeto “Música e Cidadania”, realizado em
Florianópolis – SC, que tem na coordenação uma licenciada em música (ver LIMA,
2001); o “Herdeiros da Vila” (Escola de Samba Unidos de Vila Isabel), que tem uma
parceria com o Conservatório Brasileiro de Música, e o “Instituto de Educação
Artística de Xerém”, patrocinado por Zeca Pagodinho e assessorado pela Escola de
Música Villa-Lobos (ver www.papodesamba, 2003). Na Bahia, a Escola Pracatum de
4
A ONG Meninos do Morumbi (SP) e o projeto Villa-Lobinhos (RJ) são os projetos sociais
investigados por Kleber (2004), em pesquisa de doutorado, com o objetivo de verificar “como se
configuram esses espaços de prática de educação musical e como se constroem os significados, o
22
Música contou desde o início com a assessoria da Escola de Música da
Universidade Federal da Bahia (ver OLIVEIRA, 2003).
Esses dados me levaram a alguns questionamentos: Quais são as dimensões
presentes nas práticas educativo-musicais em projetos sociais? Que profissional
ensina música? Qual sua formação? Qual sua concepção de ensino de música?
Fiz, então, um levantamento inicial sobre os projetos sociais desenvolvidos na
cidade de Porto Alegre e constatei que eles seguem a mesma estrutura dos projetos
acima mencionados. No entanto, eles se diferenciam por serem financiados, em sua
maioria, pelo poder público. Essa característica é apontada por Armani (2003, p. 14,
grifo do autor), quando mostra que “a ação social no âmbito governamental vem,
cada vez mais, sendo projetada e gerenciada através de projetos e programas.
Apresenta-se, assim, um novo espaço de atuação que conjuga as políticas públicas
e a sociedade. Segundo Stephanou et al. (2003),
A política pública envolve um conjunto de ações diversificadas e
continuadas no tempo, voltadas para manter e regular a oferta de um
determinado bem ou serviço, envolvendo entre estas ações projetos sociais
específicos.
Os autores defendem que os projetos sociais são ferramentas de ação social
e devem ser utilizadas pela sociedade. É através deles que a sociedade pode
intervir na implementação de políticas sociais, contribuindo, desse modo, para
mudanças tanto na esfera estatal quanto na própria sociedade. Os projetos, assim,
são uma via de mão dupla. Funcionam como articulação da sociedade civil com o
sentido do fazer musical na vida dos adolescentes a partir de suas condições de vida cotidiana
23
Estado, por um lado. E, por outro, são uma forma de intervenção do Estado nessa
sociedade, como mostra o quadro abaixo:
FIGURA 1: Por que projetos sociais?
(Fonte: STEPHANOU et al., 2003)
Para atuar nesses espaços a “formação nem sempre é exigida, apesar de
necessária” (SIMSON; PARK; FERNANDES, 2001, p. 12). No entanto, ao pensar na
formação dos professores de música para atuação também nos projetos sociais, não
se pode “desconsiderar o contexto no qual está inserida [a educação musical] e a
quem está voltada” (Ibid., id.). É necessário lembrar que os projetos “podem se
tornar instrumentos importantes para a organização da ação cidadã, capazes de
aumentar as chances de êxito de uma intervenção social” (ARMANI, 2003, p. 15).
associados aos valores simbólicos presentes nas suas respectivas culturas.” (KLEBER, 2004, p. 677).
24
Santos (2001, p. 42), convida a “reconhecer a existência desses múltiplos
espaços de atuação em educação musical hoje e buscar desvendar a lógica do seu
funcionamento.” Segundo a autora, teremos, assim, a possibilidade de alargarmos
os enquadramentos redutores de formação e atuação profissional e das
competências necessárias para viver os papéis sociais que aí vão se configurando.
A necessidade de pesquisas diagnósticas é apontada por Hentschke (2001, p. 69)
como uma forma de identificar os “espaços ou campos profissionais disponíveis para
atuação de professores de música.”
Com o propósito de contribuir para compreender esses espaços, este trabalho
teve como objetivo caracterizar o ensino de música inserido em projetos sociais.
Mais especificamente, busquei analisar as dimensões presentes nas práticas
educativo-musicais das oficinas de música, identificar os profissionais que ensinam
música, caracterizando sua formação, e examinar as concepções sobre música e
educação musical desses profissionais (oficineiros) e do coordenador (ativista). O
projeto selecionado foi o de Descentralização, coordenado pela Secretaria Municipal
de Cultura, da Prefeitura de Porto Alegre. Embora duas oficinas de música,
integrantes do projeto, já tivessem sido etnografadas (STEIN, 1998), este trabalho
pretendeu ampliar as informações já disponíveis sobre elas, relacionando as
concepções e práticas ali desenvolvidas à formação de professores de música.
25
CAPÍTULO 2
2 A EDUCAÇÃO MUSICAL E A EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL
Por ter decidido caracterizar o ensino de música inserido em projetos sociais,
a revisão da literatura me conduziu a alguns pesquisadores que debatem sobre o
ensino de música em espaços não-escolares. Nesses trabalhos, tive acesso a vários
teóricos que, tanto na área de pedagogia quanto na área de música, vêm
constituindo uma sistematização sobre a educação que ocorre fora das escolas. A
opção por adotar conceitos de educação não-formal e educação urbana se deu por
acreditar que, embora haja uma discussão sobre a adequação desses termos, como
exponho a seguir, os considerei os mais pertinentes para o trabalho em questão.
O debate sobre os termos formal, não-formal e informal na área da educação
musical vem ocorrendo mais sistematicamente desde o ano de 2000. No 7º
Simpósio Paranaense de Educação Musical, Oliveira (2000) alerta para a possível
inadequação desses termos para a área de música. Inicialmente, sua reflexão partiu
dos termos formal e informal propostos no tema do evento
5
. Oliveira menciona que,
nos países considerados desenvolvidos, a distinção entre os dois termos se dá pela
formalização legal, ou seja, a educação formal ocorre em espaços escolares,
enquanto que a educação informal, em espaços não-escolares (Ibid., p. 18).
Segundo a autora, no Brasil, essa definição é inconsistente, pois há uma tendência a
se classificar como informal toda aprendizagem que está ligada à tradição oral
(espontaneidade), enquanto a tradição escrita e acadêmica (sistematização) é vista
5
Educação musical: transitando entre o formal e o informal.
26
como formal. Não se reconhecem as formalidades existentes na tradição oral nem
as informalidades que são possíveis dentro da tradição escrita.
Ao se referir à área da pedagogia, Oliveira cita Libâneo (1999), que
acrescenta aos outros dois termos a educação não-formal. Para o autor, “educação
formal seria, pois, aquela estruturada, organizada, planejada intencionalmente,
sistemática” (LIBÂNEO, 1999, p. 81). Ele considera que
são atividades educativas formais também a educação de adultos, a
educação sindical, a educação profissional, desde que nelas estejam
presentes a intencionalidade, a sistematicidade e condições previamente
preparadas, atributos que caracterizam um trabalho pedagógico-didático,
ainda que realizadas fora do marco do escolar propriamente dito. (Ibid., id.).
A educação não-formal inclui aquelas atividades com caráter de
intencionalidade, porém com baixo grau de estruturação e sistematização, como é o
caso dos movimentos sociais organizados na cidade e no campo, os trabalhos
comunitários, atividades de animação cultural, os meios de comunicação social, os
equipamentos urbano-culturais e de lazer. Também se configuram como educação
não-formal as atividades extra-escolares que ocorrem nas escolas (LIBÂNEO, 1999,
p. 81-82).
A educação informal, por sua vez, abarca os “processos sociais de aquisição
de conhecimentos, hábitos, valores, modos de agir etc., não intencionados e não
institucionalizados” (LIBÂNEO, 1999, p. 87). Percebe-se, assim, que o elemento
diferenciador entre as três formas de educação é o seu grau de intencionalidade, e,
por isso, Libâneo agrupa como educação intencional a educação formal e a não-
27
formal, e considera como educação não-intencional a educação informal (Ibid., p.
78).
A complexidade da delimitação de cada uma das modalidades da educação
apontada por Oliveira (2000) em relação à educação musical é reconhecida também
por Libâneo (1999) na área de pedagogia. O autor admite que,
[embora tenha] atribuído ao sistema educacional a intencionalidade e a
institucionalidade [...reconhece] que nem tudo o que é intencional converte-
se obrigatoriamente em institucional; e o que é intencional não prescinde,
por sua vez, dos elementos informais da educação. (LIBÂNEO, 1999, p. 86).
Para Santos (2001, p. 42), na área de educação musical, é o espaço que tem
caracterizado as diferentes formas de educação,
[pois esses são] chamados de espaços de educação “não-formal” ou
“informal”, de escolas “alternativas”, “livres”, “independentes”, de
experiências “extra-escolares” ou desenvolvidas “fora da grade” escolar [...]
devido à comparação a um outro espaço, tomado como regular, oficial, de
educação “formal”.
Isso fica evidente nas pesquisas realizadas sobre processos de ensino e
aprendizagem musical que ocorrem fora do ambiente escolar. Arroyo (2000, p. 79)
identificou os termos “ensino e aprendizagem cotidianos, extra-escolares,
comunitários (SOUZA, 1996; CORRÊA, 2000; IJME, 2000).” Em trabalhos mais
recentes, encontramos as seguintes expressões: contexto de tradição oral, ensino
de música no contexto das classes populares, projetos de base comunitária e
educação musical popular (CANDUSSO, 2002; LIMA, 2002; KLEBER, 2004;
TANAKA, 2004). No entanto, predominam nos textos a classificação da educação
em formal, informal e não-formal (WILLE, 2003; SCHMITT, 2004; TANAKA, 2001,
28
2004) ou escolar e não-escolar ou extra-escolar (ARROYO, 1999; CORRÊA, 2000;
SILVA, 2003; ARALDI, 2004; RABAIOLI, 2004).
Arroyo (2000, p. 79), mesmo após a decisão pela utilização dos termos formal
e informal, explica que, no trabalho em questão, esses termos “referem-se,
respectivamente, ao escolar (instituições oficiais e não oficiais) e ao não-escolar
(cotidiano, ‘oficinas culturais’, comunidades – congadeiras, sambistas, etc).” Esse
trânsito entre os termos também é percebido no objetivo do projeto “Articulações de
processos pedagógicos musicais em ambientes não escolares: estudos multi-casos
em Porto Alegre-RS e Salvador-BA”. As autoras informam que
A intenção [...da pesquisa é] examinar os processos de
ensino/aprendizagem formais e informais de jovens que vivenciaram a
música em ambientes escolares e que hoje a vivenciam em ambientes não
escolares. (HENTSCHKE; SOUZA; CUNHA; BOZZETTO, 2001, p. 143).
Green (2000), ao investigar músicos populares, utilizou a expressão práticas
de aprendizagem musical informal, em oposição à educação formal, pois elas “não
recorrem a instituições de ensino, nem curriculum escrito, programas ou
metodologias específicas, nem professores qualificados, nem mecanismos de
avaliação ou certificados” (Ibid., p. 65, grifo da autora). Para essa autora, tais
práticas existem em todas as sociedades e, embora existam diferenças significativas
entre a educação formal e a informal, “não são esferas totalmente separadas”
(GREEN, 2000, p. 65).
A área de pedagogia, de modo similar, encontra-se em processo de
construção do campo da educação não-formal. Fernandes e Garcia (2003, p. 173)
argumentam que
29
[esse] processo de constituição [depende] das ações colocadas
em prática por diferentes profissionais e por instituições de
diferentes origens, sejam elas públicas, privadas ou provenientes
do terceiro setor. Por suas próprias características, ela não pode
existir sozinha, precisando dialogar com outros campos e áreas do
fazer e do saber para ir se construindo.
Autores de diferentes países têm contribuído para a consolidação da
educação não-formal. Segundo Afonso (1992, p. 86, grifo do autor), “é possível […]
propor uma sociologia da educação (não-escolar) que estude como se caracterizam
os contextos educativos informais, mas, sobretudo, não formais.” Essa sociologia se
caracterizaria “por atender, preferencialmente, aos contextos onde possam ocorrer
processos relevantes de educação e aprendizagem não-formal” (Ibid., p. 87). A
educação não-escolar, para o autor, compreende a educação informal e a educação
não-formal. A educação escolar, por sua vez, está associada à educação formal.
Delimitando cada uma, o autor afirma que,
por educação formal, entende-se o tipo de educação organizada com uma
determinada seqüência e proporcionada pelas escolas enquanto que a
designação educação informal abrange todas as possibilidades educativas
no decurso da vida do indivíduo, constituindo um processo permanente e
não organizado. Por último, a educação não-formal embora obedeça
também a uma estrutura e a uma organização (distinta, porém das
escolares) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a
sua finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita à não
fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de
aprendizagem a cada grupo concreto. (AFONSO, 1992, p. 86-87, grifo do
autor).
A sociologia da educação não-escolar considerará que são os próprios
valores sociais e culturais de uma dada comunidade que se refletem diretamente
nas associações (Ibid., p. 92). E são essas associações que deverão ser analisadas
por representar um lugar onde se promove a participação comunitária, no que diz
respeito às “vertentes educativas, de participação no desenvolvimento e na
30
resolução dos problemas, e de conscientização dos cidadãos” (LIMA apud AFONSO,
1992, p. 88).
Vásquez (1998), por sua vez, analisa os conceitos de educação informal,
formal e não-formal propostos por Coombs e Ahmed (apud VÁSQUEZ, 1998), a
partir dos critérios de duração, universalidade, instituição e estruturação. Para os
autores, a educação informal ocorre durante toda a vida das pessoas, quando estas
adquirem e acumulam conhecimento, habilidades, atitudes e modos de
discernimento. Esse processo acontece em suas experiências diárias e em suas
relações com o meio ambiente. Segundo Vásquez, nesse tipo de educação, a
duração e a universalidade não são limitadas, pois todos têm acesso a ela, e a
instituição e a estruturação não são necessárias.
A educação formal, por sua vez, associada ao “sistema educativo”, é
altamente institucionalizada e atende só àqueles que conseguirem adentrá-lo.
Obedece a uma estruturação hierárquica, que inicia nos primeiros anos escolares e
se estende até a universidade. Os quatro critérios são, assim, bem demarcados.
Já a educação não-formal é “toda atividade organizada, sistemática,
educativa, realizada fora do marco do sistema oficial, para facilitar determinadas
classes de aprendizagem a subgrupos particulares da população, tanto adultos
como crianças” (COOMBS; AHMED apud VÁSQUEZ, 1998, p. 12). A análise aponta
que, em relação à duração, essa modalidade de ensino determina um período para
a sua realização. A institucionalidade e a estruturação não são tão fortemente
31
marcadas quanto na educação formal. E, finalmente, todas as pessoas, a priori,
podem desfrutá-la.
Ao fazer um levantamento cronológico em relação ao uso desses termos,
Vásquez também retoma a explicação para o estabelecimento da educação não-
formal. Citando La Belle (apud VÁSQUEZ, 1998, p. 14), refere que “a introdução da
expressão ‘educação não-formal’ surgiu para satisfazer a necessidade de respostas
extra-escolares a demandas novas e diferentes das que atende ordinariamente o
sistema educativo.” Por isso, a educação não-formal “exige uma vinculação direta
aos contextos (políticos, sociais, culturais, laborais...) nos quais se incluem os
indivíduos” (VÁSQUEZ, 1998, p. 19).
Gohn (1999) acrescenta aos conceitos já apresentados especificidades de
uma educação não-formal em um mundo globalizado. A autora aponta que a
educação não-formal “aborda processos educativos que ocorrem fora das escolas,
em processos organizativos da sociedade, abrangendo movimentos sociais,
organizações não-governamentais e outras entidades sem fins lucrativos que atuam
na área social” (Ibid., p. 7).
Para Gohn, a educação não-formal atua em quatro campos ou dimensões. O
primeiro diz respeito à “aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto
cidadãos” (Ibid., p. 98). Essa dimensão está ligada às atividades de conscientização
do indivíduo sobre seus interesses e sobre as intervenções que pode fazer em favor
do meio social e do ambiente natural que o cerca.
32
O segundo campo envolve a “capacitação dos indivíduos para o trabalho, por
meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades”
(GOHN, 1999, p. 98-99), enquanto que o terceiro abarca “a aprendizagem e
exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos
comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos” (Ibid., p.
99). A autora denomina essa dimensão de “educação para a civilidade”, por estarem
seus objetivos voltados especificamente para a comunidade.
O quarto campo, e, segundo Gohn (1999, p. 99), “não menos importante, é a
aprendizagem dos conteúdos da escolarização formal, escolar, em formas e
espaços diferenciados.” Além da diversidade de espaço, essa autora aponta que, na
educação não-formal,
o ato de ensinar se realiza de forma mais espontânea, e as forças sociais
organizadas de uma comunidade têm o poder de interferir na delimitação do
conteúdo didático ministrado bem como estabelecer as finalidades a que se
destinam àquelas práticas. (Ibid., p. 99).
Pelo seu caráter abrangente, a educação não-formal acolhe todos os
programas educativos que estão fora da escola. Em seu livro Educación no formal,
Sarramona, Vásquez e Colom (1998) apresentam como âmbitos da educação não-
formal a alfabetização, a formação para o trabalho, a educação para o ócio, a
educação para o consumo, a educação para a saúde, a educação urbana, a
educação ambiental e conservação do patrimônio e, por último, a animação
sociocultural. Deixam claro, entretanto, que o acréscimo de novas modalidades é
intrínseco ao conceito de educação não-formal (Ibid., p. 7).
33
A educação urbana acima referida é traduzida do termo urban education e
passou a ser entendida como “qualquer atividade educativa organizada no seio da
cidade por parte de suas instâncias administradoras” (COLOM, 1998b, p. 108, grifo
meu). A educação urbana transita entre a atividade escolar e a extra-escolar, a
educação formal e a educação não-formal.
O autor também aponta três tipos de ações compensatórias que o município
pode realizar na área educativa, por meio da educação urbana. O primeiro, a
intervenção funcional sobre o sistema educativo, com programas na área de
administração escolar, serviços de infra-estrutura, programas de escolarização e
serviços técnico-educativos. O segundo tipo é a intervenção para a compensação do
sistema educativo. As ações atenderiam aos professores, aos alunos e incluiriam,
também, gestão de instituições pedagógicas auxiliares (planetário, museus),
atividades extra-escolares de integração curricular e as promoções culturais por
meio de programas de teatro, cinema, música. O terceiro, a intervenção para a
compensação educativa não-formal, inclui atividades extra-escolares de formação e
expansão, entre elas, a “organização de oficinas de expressão (cerâmica,
modelagem, fotografia, vídeo, pintura, mímica, teatro, música)” (COLOM, 1998b, p.
112-113) e a educação da comunidade.
Na tentativa de configurar a educação não-formal, alguns autores apresentam
características que estão, ou que devam estar presentes nessa modalidade de
ensino. Entre elas,
[o] compromisso com questões que são importantes para um determinado
grupo é considerado como ponto fundamental para o desenvolvimento do
trabalho educacional (não-formal), mais importante do que qualquer outro
34
conteúdo preestabelecido por pessoas, instituições, valores que não fazem
parte dos ideais desse mesmo grupo. (GARCIA, 2001, p. 152).
Outra característica, segundo autores que discutem a educação não-formal, é
o local onde ocorrem as suas atividades. Para Simson, Park e Fernandes (2001, p.
10), essas atividades “precisam ser vivenciadas com prazer em um local agradável,
que permita movimentar-se, expandir-se e improvisar.” Segundo as autoras, isso
possibilitaria oportunidades de partilhar experiências, de formação de grupos, além
de propiciar o contato e a mistura de diferentes idades e gerações (SIMSON; PARK;
FERNANDES, 2001, p. 10). Além do ganho em termos educacionais, as relações
entre as diversas gerações conduziriam o grupo a uma busca da construção de uma
identidade (Ibid., p. 13). Para Subirats (2003, p. 70),
as relações [que] vão sendo geradas nesses níveis, as redes que se criam,
geram solidez, regras de confiança e vínculos baseados em reciprocidades
que acabam construindo um sentimento de pertencimento e uma vontade
de participação na busca de soluções para os problemas próprios e
coletivos.
Por essa razão, as práticas da educação não-formal são “passíveis de serem
aplicadas a todos os grupos etários, de todas as classes sociais e em contextos
socioculturais diversos” (SIMSON; PARK; FERNANDES, 2001, p. 18). Ainda
segundo as autoras, sua aplicação geraria oportunidades de crescimento do
indivíduo e do grupo, por participarem em processos de transformação social
gerados por essas experiências educativas.
No Brasil, a educação não-formal vem se caracterizando pelas “propostas de
trabalho voltadas para as camadas mais pobres da população” (Ibid., p. 11). Essas
propostas são promovidas, conforme as autoras, tanto pelo setor público quanto “por
35
diferentes segmentos da sociedade civil, desde ONGs (Organizações Não-
Governamentais) a grupos religiosos e instituições que mantêm parcerias com
empresas e outros grupos” (Ibid., p. 11-12).
No entanto, ainda não se discutiu o suficiente sobre o profissional que atua
nessa modalidade de ensino. Em busca de diminuir essa lacuna, Fernandes e
Garcia (2003, p. 173) estão com uma pesquisa em andamento que tem como um
dos objetivos identificar “quem são os educadores que vêm atuando nas propostas
de educação não-formal.” Trabalhos como esse contribuirão para que a
“preocupação crucial no que diz respeito à educação não-formal: a formação dos
educadores que trabalham com essa especificidade de educação” (SIMSON; PARK;
FERNANDES, 2001, p. 12), seja respondida. Considero que “qualquer proposta de
formação de profissionais voltados para essa área da educação não-formal
necessita discussão e reflexão acerca dessas especificidades próprias de programas
dessa natureza” (SOUZA; PARK; FERNANDES, 2001, p. 179) e isso justifica a
escolha desse referencial para a realização deste trabalho.
Apresento, a seguir, as opções metodológicas que conduziram esta pesquisa.
36
CAPÍTULO 3
3 METODOLOGIA DA PESQUISA
3.1 Seleção dos participantes
Como primeira etapa da metodologia, realizei, em Porto Alegre, durante o
segundo semestre de 2003, um levantamento inicial dos projetos sociais que
ofereciam o ensino de música como uma de suas atividades. Consultei o site da
Associação Brasileira de ONGs (ABONG), onde encontrei as organizações
referendadas no Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, a instituição que atendeu ao
meu critério de trabalhar com ensino de música foi a Fundação Maurício Sirostsky
Sobrinho. Entrei em contato com a entidade e descobri que os projetos que
constavam na página da ABONG haviam sido realizados em 2002, em parceria com
a Fundação Ayrton Senna. Em 2003, eles já não estavam mais acontecendo.
Percebi aí que a questão da temporalidade seria um dos critérios mais importantes
no momento da seleção dos participantes da pesquisa. Foi-me sugerido que
procurasse os responsáveis pela execução dos projetos: a Fundação Casemiro
Bruno Kurtz, a SENASA-Semear, o Afrotchê, o Afrosul, em Porto Alegre, o
PROAME, em São Leopoldo, e a FUNDARTE, em Montenegro. Retirei dessa
primeira listagem a Fundação Casemiro Bruno Kurtz por não estar trabalhando com
ensino de música em 2003, e o PROAME e a FUNDARTE, por se situarem fora de
Porto Alegre.
Marquei com os outros três projetos uma visita aos locais onde as aulas de
música estavam acontecendo. O projeto Semear da Igreja Luterana – Comunidade
37
da Paz, no bairro Sarandi, se mantinha com um financiamento permanente da igreja,
buscando parcerias externas a cada ano. Oferecia às comunidades vizinhas várias
atividades, entre elas, aulas de percussão e de canto. Essas atividades ocorriam aos
sábados e tinham como uma de suas finalidades a inclusão social. Um bacharel em
percussão e outro em regência eram os profissionais que atuavam no projeto,
quando o visitei.
Os contatos feitos com o Afrosul e o Afrotchê me abriram uma nova
possibilidade, pois os dois grupos integravam projetos da Secretaria Municipal de
Cultura, da Prefeitura de Porto Alegre. A ONG Afrosul ministrava uma oficina de
inclusão social, em sua sede, na avenida Ipiranga, aos alunos da Escola Porto
Alegre, uma escola aberta, da rede municipal, que atende a crianças e a
adolescentes em situação de rua.
O Afrotchê, também Organização Não-Governamental, trabalhava com uma
oficina de percussão, do projeto de Descentralização da Secretaria Municipal de
Cultura. A oficina acontecia na Escola Timbaúva, da rede municipal de ensino, no
bairro Mário Quintana. Eles me informaram também sobre as oficinas oferecidas
pela Fundação de Assistência Social e Cidadania, outro órgão municipal.
Decidi, então, procurar a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) e a Fundação
de Assistência Social e Cidadania (FASC), da Prefeitura de Porto Alegre, para
identificar, dentre os projetos financiados, aqueles que trabalhavam com o ensino de
música. Descobri que as duas secretarias ofereciam oficinas de música com um
formato muito parecido. No entanto, o processo de seleção das oficinas ocorria de
38
forma diferente. A SMC publica na mídia local uma convocação aos músicos que
tenham interesse em ministrar oficinas. Eles devem, no momento da inscrição,
apresentar seu currículo e uma proposta do trabalho a ser desenvolvido nas regiões
do Orçamento Participativo (OP) da cidade. Essas informações me foram passadas
pelo ativista das oficinas de música, na primeira vez em que estive na Coordenação
de Música, da SMC, localizada no auditório Araújo Vianna. Recebi, também, uma
relação dos locais e horários das oficinas de música, que incluía os nomes dos
oficineiros e o telefone para contato, além do número de inscritos em cada oficina.
Dos 13 oficineiros que estavam atuando em 2003, segundo o ativista, apenas duas
tinham curso superior em música. Descobri, posteriormente, que, na realidade, só
uma oficineira era licenciada. A outra havia cursado apenas um semestre do curso
de bacharelado em música na UFRGS.
A FASC, por sua vez, trabalha em convênio com a Associação Cultural de
Oficineiros (ACO). Os oficineiros, ligados à ACO, são encaminhados à FASC, a
partir da demanda das comunidades, e atuam nos centros comunitários e casas de
abrigagem. Fui informada pelo diretor da ACO que a associação trabalha com
profissionais ligados às diferentes linguagens artísticas. Ainda segundo o diretor, os
critérios para ser oficineiro são determinados por cada área. Enquanto as artes
plásticas, por exemplo, exigem a licenciatura em educação artística para a atuação
profissional, a música não requer nenhuma formação acadêmica. É suficiente ser
músico associado e apresentar uma proposta de trabalho. Ao observar a lista das
oficinas que estavam em andamento, percebi que elas eram classificadas em quatro
tipos: música, hip hop, canto e percussão. As duas últimas eram destinadas ao
39
público da terceira idade. A faixa etária compreendida entre 7 e 14 anos era
atendida nos centros comunitários, e os adultos, nas casas de abrigagem.
Entrei em contato por telefone e por e-mail com o setor responsável pelas
oficinas da FASC, a fim de obter autorização para visitá-las. Logo que fui autorizada,
estive em dois dos centros comunitários, onde assisti às aulas e conversei com o
oficineiro. Em um dos centros, fui recebida pela pedagoga. Essa profissional fez
uma crítica à didática utilizada pelo oficineiro de música e comentou sobre a não-
continuidade da oficina no ano seguinte, pois a comunidade não estava satisfeita
com o trabalho que vinha sendo realizado. A atuação profissional é um dos critérios
de avaliação para a permanência da oficina nos centros comunitários.
Com base nesses contatos iniciais, tomei algumas decisões para definir o
grupo a ser investigado, as quais exponho a seguir. Optei por uma amostragem do
tipo não-probabilística, por isso nem todos os participantes tiveram a mesma chance
de participar da pesquisa (COHEN; MANION, 1994). Embora apresente como
desvantagem a não-representatividade, esse tipo de amostragem tem, a seu favor, a
facilidade de execução, não ser dispendiosa e se adequar aos estudos em que o
pesquisador não tenha a “intenção de generalizar suas descobertas além da
amostra em questão” (COHEN; MANION, 1994, p. 88). A amostra, do tipo
intencional, se caracterizou pela escolha dos participantes com base nos objetivos
do trabalho, considerando suas necessidades específicas (Ibid., p. 89).
Segundo Ruquoy (1997), em um trabalho de cunho qualitativo, como
explicitado adiante, o que vai determinar o valor da amostra não é o número de
40
pessoas interrogadas, mas a adequação destas aos objetivos da pesquisa. A
seleção não é determinada, pois, pela “importância numérica da categoria que
representam” (Ibid., p. 103), mas por estarem os selecionados integrando, naquele
momento, a categoria a ser pesquisada.
Utilizei, como critérios iniciais, a presença do ensino de música nos projetos
sociais e a disponibilidade destes ao acesso da pesquisadora. Não poderia
desconsiderar também a estabilidade, ou melhor, a instabilidade que permeia esses
projetos. Garcia (2001, p. 161), ao refletir sobre projetos no âmbito do poder público,
afirma existir aí um processo que
provoca uma instabilidade nas instituições e as obriga a trabalhar com o inesperado e
o provisório, o efêmero, assim como a executar e planejar projetos mais a curto
prazo do que a longo, porque as parcerias são sempre feitas como contratos, válidos
por determinado tempo e podendo ser renovadas por um tempo maior, dependendo
dos resultados alcançados.
Tomando por base os pontos acima descritos, optei por selecionar projetos
que tivessem a Prefeitura de Porto Alegre como órgão financiador, o que garantia a
eles uma certa estabilidade. Para que houvesse uma unidade em relação aos
participantes, decidi, inicialmente, investigar apenas os oficineiros de música do
projeto de Descentralização. A escolha dos oficineiros da SMC, em detrimento dos
que atuam na FASC, se explica pelo nível de acessibilidade desde o primeiro
contato.
Dos 19 oficineiros de música que foram selecionados pela SMC em 2004, 14
foram entrevistados por mim. Uma outra característica das oficinas interferiu também
41
nesse momento. Por dependerem de infra-estrutura providenciada pelas
comunidades, as oficinas não começam ao mesmo tempo. Os 5 oficineiros que não
participaram ainda não haviam começado as oficinas no período da realização da
coleta de dados, inviabilizando, assim, a inclusão deles. O ativista também foi
incluído como participante, por ser a pessoa diretamente responsável pelas oficinas
de música. Com ele, pude obter informações sobre as oficinas de música do projeto
de Descentralização e o processo de seleção dos oficineiros do ponto de vista da
administração, questões importantes para a realização desta pesquisa.
3.2 Método: survey
Pelo número de oficinas de música e, conseqüentemente, de oficineiros
ligados ao projeto da Descentralização, o método que se mostrou mais adequado
para a realização desta pesquisa foi o survey. Esse método apresenta como uma de
suas finalidades “colher dados em um período com a intenção de descrever a
natureza das condições existentes” (COHEN; MANION, 1994, p. 83) de uma
determinada situação. Essa definição já aponta para outra característica da presente
pesquisa, que é ter um design interseccional (cross-sectional). Segundo Wiersma
(2000, p. 163), esse tipo de design “envolve a coleta de dados em determinado
período de tempo, de uma amostra representativa de alguma população no
momento em que é realizada.”
Em publicação na série Estado do Conhecimento, André (2002) observa que,
nos estudos sobre a formação de professores, o survey é, atualmente, pouco
utilizado. Seu aparecimento se deu nos anos de 1960 e de 1970 e aumentou, de
forma gradativa, nos anos de 1980. No entanto, a partir dos anos de 1990, “chega
42
quase a desaparecer” (Ibid., p. 32). A autora alerta para a importância da retomada
desses estudos, por serem responsáveis pela produção de dados abrangentes e
extensos sobre o objeto da investigação.
Ao fazer um levantamento sobre a utilização do survey na área de educação
musical, Cereser (2003, p. 52) afirma que “na literatura nacional da educação
musical não se vêem presentes pesquisas sobre a formação de professores
utilizando o survey como método.” Esse quadro, no entanto, já se alterou desde a
conclusão do trabalho da autora. Alguns trabalhos concluídos entre 2003 e 2004
utilizaram o survey como método (ver CERESER, 2003; MACHADO, 2003; XISTO,
2004), outros estão em andamento (ver DINIZ, 2004; OLIVEIRA, 2004). Mesmo não
tendo como foco a formação de professores, o survey também foi utilizado por
Hummes (2004), que investigou a função da música nas escolas, sob a perspectiva
de seus diretores, enquanto Rabaioli (2002, 2004) e Wolffenbüttel (2004) o utilizaram
em investigações que tinham como foco os alunos. Isso demonstra a preocupação
da área em desenvolver estudos que possam dar uma visão mais abrangente da
educação musical no Brasil.
3.3 Abordagem qualitativa
Para um trabalho ser considerado de cunho qualitativo, algumas
características devem estar presentes. Entre elas, a “fonte directa de dados é o
ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal” (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 47, grifo dos autores). Os autores acrescentam que “a
investigação qualitativa é descritiva”, (Ibid., p. 48, grifo dos autores), por isso,
“contém freqüentemente citações e tentam descrever, de forma narrativa, em que
43
consiste determinada situação ou visão do mundo” (Ibid., p. 49). Nesse tipo de
abordagem, “a palavra escrita assume particular importância, [...] tanto para o
registro dos dados como para a disseminação dos resultados” (BOGDAN; BIKLEN,
1994, p. 49). Ainda segundo os autores, na abordagem qualitativa, o interesse da
pesquisa está mais no processo do que no resultado, além do significado que se
atribui aos dados ser “de importância vital” (Ibid., p. 49-50).
O survey, historicamente, é associado a uma abordagem quantitativa. Alguns
autores, no entanto, o utilizaram, mesclando com a abordagem qualitativa ou,
apenas, de modo qualitativo (ver CERESER, 2003; MACHADO, 2003; RABAIOLI,
2002, entre outros). Por ter decidido que este seria um trabalho de cunho qualitativo,
“estabelec[i] estratégias e procedimentos que [me] permit[issem] tomar em
consideração as experiências do ponto de vista do[s] informador[es]” (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 51). Dessa forma, a coleta de dados foi feita por meio de
entrevistas semi-estruturadas.
3.4 Técnica de pesquisa: entrevista semi-estruturada
A entrevista tem sido definida como uma conversa entre duas pessoas,
iniciada e conduzida pelo entrevistador, com o intuito de obter informações que
sejam relevantes para a pesquisa (COHEN; MANION, 1994, p. 271). O entrevistador
se torna, então, “uma pessoa estranha que enceta uma conversa de um modo não-
habitual” (RUQUOY, 1997, p. 103). A autora adverte a torná-la um momento
agradável e interrompê-la, sempre que solicitado. Essa situação, de caráter
particular, envolve o estabelecimento de um acordo entre as duas partes sobre o
tema da entrevista, a escolha do local onde ela será realizada, o registro escrito ou
44
gravado, a atitude semidiretiva do investigador e um “rito” de entrada. Esse último
item, também denominado pela autora de preliminares, consiste na escolha de uma
questão inicial que tenha como finalidade deixar à vontade o entrevistado,
informando-o sobre o objetivo do estudo e sua utilização posterior. Ao tomar
conhecimento do projeto, haverá uma maior probabilidade de desejo de participar da
pesquisa por parte dos entrevistados.
Escolhi a entrevista semi-estruturada para a realização deste trabalho porque
ela “se utiliza [de] uma série de temas e tópicos em torno dos quais se constituem as
questões no decurso da conversa” (BURGESS, 1997, p. 112). Esse tipo de
entrevista segue um roteiro cuja função é ser um sumário que envolve as questões
da pesquisa, ao qual o entrevistador pode recorrer, quando for necessário, sem
desrespeitar a ordem de exposição do pensamento do entrevistado (RUQUOY,
1997, p. 110-111).
A opção pela utilização da entrevista também se deu pela “vontade de não
isolar o indivíduo, como o faria um inquérito de tipo estatístico por questionário, mas,
pelo contrário, [pelo desejo] de ir ao seu encontro no seu ambiente” (RUQUOY,
1997, p. 91). A entrevista apresenta algumas vantagens em relação ao questionário.
Segundo Wiersma (2000, p. 185), em primeiro lugar, não haverá o problema dos
não-respondentes. Além disso, a entrevista oferece oportunidade para sondagem
aprofundada, elaboração e clarificação dos termos, se necessário, e ainda uma
maior possibilidade de obter respostas para as perguntas abertas e a facilidade em
evitar a omissão de algum item.
45
As entrevistas seguiram um roteiro básico (ver Apêndice A), que incluíram os
seguintes temas:
Para o ativista
1. contextualização do projeto;
2. critérios de seleção dos participantes;
3. critérios de seleção dos oficineiros.
Para os oficineiros
1. o profissional que ensina música e sua formação;
2. atuação nas oficinas;
3. as dimensões presentes nas práticas educativo-musicais;
4. as concepções de ensino de música subjacentes aos projetos
sociais;
5. as funções atribuídas ao ensino de música.
O papel do entrevistador, numa perspectiva semidiretiva [semi-estruturada],
pode ser delimitado por seguir a “linha de pensamento do seu interlocutor, ao
mesmo tempo que zela pela pertinência das afirmações relativamente ao objectivo
da pesquisa” (RUQUOY, 1997, p. 95) e ser responsável pela “instauração de um
clima de confiança e pelo controle do impacte das condições sociais da interacção
sobre a entrevista” (RUQUOY, 1997, p. 95). O entrevistador necessita também
manter um distanciamento em relação às suas próprias convicções, à sua leitura de
mundo, “a fim de poder captar universos de pensamentos muito afastados dos seus”
(Ibid., p. 101) em razão das diferenças culturais.
46
3.5 Procedimentos de coleta de dados
Realizei a coleta de dados de acordo com as seguintes etapas: em abril de
2004, voltei ao auditório Araújo Vianna, a fim de solicitar ao coordenador de música
da Secretaria Municipal de Cultura a autorização, para realizar a pesquisa com os
oficineiros de música do projeto de Descentralização. Apresentei uma cópia do
projeto que havia sido entregue à comissão coordenadora de meu programa de pós-
graduação, e ele me convidou a procurar o ativista de música, no dia seguinte,
quando seria realizada a reunião semanal dos oficineiros. O ativista era o mesmo
que havia me recebido no ano anterior. Os oficineiros, em número total de 19, se
dividiam em dois grupos. Pela manhã, os 11 que trabalhavam com música de uma
forma geral ou os “genéricos”, termo adotado pelo ativista, e à tarde, os 8 que
ensinavam percussão. Fui às duas reuniões para apresentar a mim e ao projeto,
sabendo que esse primeiro encontro definiria os rumos que a pesquisa tomaria. O
envolvimento dos oficineiros com o projeto de Descentralização ficou evidente em
diversos momentos da reunião. Além da recepção acolhedora, fui convidada a visitar
as oficinas, a participar das reuniões semanais, e alguns deles deram sugestões em
relação à metodologia da pesquisa.
Logo após o término da reunião, estabelecemos que o contato para o
agendamento das entrevistas se daria por telefone, exceto para um dos oficineiros
que preferiu ser avisado via e-mail. Pela razão já exposta, só 14 foram entrevistados.
A maioria das entrevistas aconteceu antes ou depois das reuniões da quarta-feira,
no auditório Araújo Vianna, ou então na sala onde estas se realizavam. Os dois
oficineiros que moravam próximos à minha residência foram entrevistados em seus
apartamentos. O oficineiro que trabalhava com questões ligadas ao meio-ambiente e
47
construção de instrumentos a partir de material reciclável escolheu como local da
entrevista o Parque Farroupilha. Uma das entrevistas precisou ser repetida por
problemas de registro e, da segunda vez, ela ocorreu no Solar dos Câmara, onde o
oficineiro participaria de uma apresentação com músicos da cidade. A escolha
desses locais se deveu ao fato de que o lugar da realização das entrevistas “deve
facilitar no entrevistado a expressão do seu ponto de vista pessoal, deve ser
pertinente relativamente ao objecto de estudo e, ao mesmo tempo, responder a
determinadas exigências mínimas” (RUQUOY, 1997, p. 102), especialmente no que
diz respeito à estrutura física e privacidade.
O período de realização das entrevistas iniciou em abril de 2004 e se
estendeu até julho do mesmo ano, em razão da disponibilidade dos oficineiros.
Todas as entrevistas foram gravadas em mini disc (MD). Por serem músicos
acostumados com estúdios e equipamentos de gravação, se mostraram mais à
vontade com a presença do MD do que eu. Inicialmente, eles foram informados que
havia um roteiro de entrevista, disposto dentro do nosso campo de visão, que eu
consultaria, mas que não me ateria somente a ele. Minha participação como
observadora nas reuniões semanais, em atenção ao convite que me foi feito, facilitou
bastante a condução das entrevistas. Quando necessário, fiz intervenções em
relação às respostas com o intuito de reformulação, interpretação ou confrontação
(RUQUOY, 1997, p. 113-114). As entrevistas sempre terminavam com a
possibilidade de o entrevistado acrescentar o que ele considerava importante, e não
tinha sido questionado.
48
Depois que as entrevistas foram transcritas, entreguei a cada um dos
entrevistados uma cópia, para que lessem e fizessem as alterações que achassem
necessárias. Exceto um oficineiro, todos os outros autorizaram o texto integral das
entrevistas, desde que eu retirasse os termos recorrentes no discurso oral brasileiro,
a exemplo do né. Após essa fase, entreguei a carta de cessão dos direitos sobre o
conteúdo das entrevistas, que foram devidamente assinadas e devolvidas (ver
Apêndice B). Ainda que os oficineiros tenham autorizado a divulgação de seus
nomes no texto do trabalho, preferi que o anonimato fosse mantido, a fim de
preservá-los. Por isso, decidi identificá-los com duas letras do alfabeto, escolhidas
de modo aleatório.
3.6 Procedimentos de análise dos dados
Para a análise dos dados, foi escolhida a abordagem que indica a
concomitância entre coleta, transcrição e análise (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 206).
Por isso, logo após a realização das entrevistas, estas foram transcritas literalmente,
resultando em um caderno, que denominei de CE (Caderno de Entrevistas).
Segundo Gattaz (1996, p. 135), “a transcrição literal, apesar de extremamente
necessária, será apenas uma etapa na feitura do texto final.” Para chegar a esse
texto final, que o autor chama de textualização, há outras etapas. Entre elas, a de
transcriação e a de teatro de linguagem, dois conceitos oriundos da lingüística. Na
transcriação, a transcrição literal é reformulada, para que se torne compreensível,
enquanto, no teatro de linguagem, se passa para o texto a comunicação não-verbal
(GATTAZ, 1996, p. 136). Para Gattaz, a textualização final da entrevista é um novo
texto, cujo autor é o entrevistador, “sendo o depoente um colaborador para a
fabricação deste novo documento” (Ibid., p. 137).
49
Esse é um momento diferenciado no decorrer da pesquisa, pois o
pesquisador se depara com um texto escrito que não consegue guardar todas as
entrelinhas do momento da entrevista, e cabe a ele a decisão de explicitá-las. A
análise é “moldada pelas perspectivas e posições teóricas do investigador e pelas
idéias que este partilha acerca do assunto” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 232). Ele
deve ter em mente, no entanto, que “uma situação é descrita [pelo entrevistado]
através de juízos de valor” (RUQUOY, 1997, p. 89) e que isso é muito mais
pertinente, na medida em que o tema carrega consigo um teor de afetividade. É
através do discurso do entrevistado que reconheceremos seus sistemas de
representação e seus valores. Para Ruquoy, os conceitos propostos por Wynants
(apud RUQUOY, 1997, p. 89) de sentido manifesto, captado por uma simples leitura,
e de sentido latente, onde a compreensão é obtida após um trabalho sistemático
sobre o texto, demonstram essa relação entrevistador/entrevistado no momento da
análise. O sentido manifesto só depende do pesquisador, enquanto que o latente
dependerá de quanto o entrevistado se deixou revelar.
A partir daí, comecei a classificar os dados recolhidos em categorias de
codificação, que representam tópicos e padrões neles presentes (BOGDAN;
BIKLEN, 1994, p. 221). Por ter utilizado a entrevista semi-estruturada como técnica
de coleta, a definição das categorias ocorreu a partir da junção entre a descrição
simples e a descrição analítica (MAROY, 1997, p. 119-120). Para o autor, na
descrição simples, as categorias já estão predeterminadas pelo roteiro da entrevista,
pois “o investigador utiliza uma teoria existente na disciplina para forjar um esquema
de análise a priori que lhe permita classificar o seu material” (Ibid., p. 119). Na
descrição analítica, as categorias emergem dos dados coletados.
50
No momento inicial, as entrevistas foram analisadas a partir da descrição
simples, onde os dados relacionados às oficinas de música do projeto de
Descentralização, à formação e atuação do oficineiro, e ao ensino de música foram
categorizados. Em seguida, passei à descrição analítica, que me apontou categorias
referentes aos oficinandos, à universidade, ao ensino de música nas escolas e ao
ativista. Além da teoria que fundamenta a descrição simples e dos dados que
conduzem a descrição analítica, “os valores sociais [do investigador] e as [suas]
maneiras de dar sentido ao mundo [...] podem influenciar [no momento de decidir
que] processos, actividades, acontecimentos e perspectivas [... ele considera]
suficientemente importantes para codificar” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 229). Essa
redução dos dados, a partir das categorias, foi compilada em um caderno de
Categorias de Codificação. Para Maroy (1997, p. 136), essa etapa é caracterizada
por “um vaivém entre uma classificação, uma manipulação concreta dos dados e um
distanciamento analítico, a fim de forjar interpretações, atribuir um sentido ao
material classificado.” É o momento onde o texto final da análise vai tomando sua
forma definitiva.
Os dados foram distribuídos em duas grandes categorias: das oficinas e dos
oficineiros, e foram analisados a partir do referencial teórico exposto anteriormente.
Na primeira categoria, foi analisado o contexto das oficinas de música e do projeto
de Descentralização. Isso envolveu as atividades desenvolvidas nas oficinas, a
função do ensino de música, os oficinandos e suas expectativas, a opinião dos
oficineiros sobre o projeto, as reuniões e o ativista de música.
51
Na segunda categoria, analisei como se dá a seleção do oficineiro, sua
chegada ao projeto, a formação e experiências anteriores ao projeto, as habilidades
necessárias para a atuação profissional, a concepção dos oficineiros sobre o
professor e a aula de música e, finalmente, sua autonomia em relação ao projeto.
Em seguida, realizei uma síntese onde estabeleço um diálogo entre as duas
categorias e a literatura da educação não-formal, especificamente a educação
urbana, incluindo a caracterização das oficinas como educação não-formal e a
necessidade de uma formação específica para atuação nessa modalidade de
ensino.
52
PARTE II: ANÁLISE DOS DADOS
53
CAPÍTULO 4
4 DAS OFICINAS: “NÃO É SÓ UM TRABALHO ESPECÍFICO DE MÚSICA... É
MUITO MAIS ABRANGENTE.”
4. 1 A Descentralização: “É um projeto a fú
6
, tri!”
O projeto de Descentralização, do qual fazem parte as oficinas de música
aqui investigadas, “consolidou-se como estratégia de ação da Secretaria Municipal
de Cultura, constituindo parte da vida cultural da cidade” (SMC, 2003, p. 2) nos
últimos onze anos. A sua estrutura administrativa tem a seguinte composição: o
secretário de cultura, o coordenador da Descentralização, as coordenações e os
ativistas culturais. As coordenações se distribuem em: artes cênicas; artes plásticas;
cine, vídeo e foto; livro e literatura; memória cultural; e música. Além de ter uma
supervisão geral, os ativistas culturais são responsáveis pelas oficinas de artes
cênicas; artes plásticas; capoeira; cinema, vídeo e foto; inclusão cultural; literatura;
memória cultural; e música. As oficinas de música são divididas em dois grupos: “os
‘genéricos’ [...], como a gente chama o pessoal que trabalha com a música em geral,
e os percussionistas [...], que têm essa ênfase da percussão” (CE, GH, p. 173).
O ativista é o elo entre a comunidade, os oficineiros e o governo. Para a
oficineira EF,
o papel do [ativista] é, então, mais essencial ainda, porque ele é um
centralizador, [...] ele é a nossa escuta, a nossa ponte para qualquer outra
estrutura dentro da Descentralização, dentro da prefeitura. No projeto como
um todo. (CE, EF, p. 6).
54
Foi ele o meu contato mais efetivo, quando estava no processo de definição
do campo a ser pesquisado. Ao se apresentar durante a entrevista, GH se situa
dentro do projeto da seguinte forma:
Esse é o terceiro ano que estou como ativista das oficinas de música.
Trabalhei também no festival de música de Porto Alegre e a minha função é
cuidar da implantação das oficinas. Cuidar do desenvolvimento delas
também. Fazer reuniões com os oficineiros. (CE, GH, p. 173).
Juntamente com os oficineiros, os ativistas culturais “fazem a ligação entre o
projeto, as oficinas, as coordenações temáticas e desenvolvem em conjunto, a
estratégia da ação cultural de participação popular concebida para a
descentralização da Cultura” (PREFEITURA DE PORTO ALEGRE, 2003, p. 3).
O projeto de Descentralização desenvolve dois grandes programas: as
“Oficinas de Arte” e o “Cultura Pura Aqui”. O “Cultura Pura Aqui” promove “eventos,
espetáculos, escolhidos pelas Comissões Regionais de Cultura, pela cidade inteira”
(CORREA, 2003, p. 33). O processo decisório é exposto em publicação da SMC,
como segue:
A programação é planejada em um processo democrático, em que são
protagonistas através das Comissões de Cultura organizadas nas 16
regiões do Orçamento Participativo
7
[ver Anexo A], nos quais é discutido ‘o
que’, ‘quando’ e ‘onde’ será realizada a produção cultural, sustentada em
uma infra-estrutura muitas vezes locada ou construída pela própria
comunidade organizada. (SORDI et al., 2003, p. 6).
6
“A fú – gíria com precedente na língua inglesa. Significa ‘muito bom’, ‘fantástico’.” (FIALHO, 2003, p.
175).
7
As 16 regiões do Orçamento Participativo são: Região 1 – Humaitá/Navegantes/Ilhas; Região 2 –
Noroeste; Região 3 – Leste; Região 4 – Lomba do Pinheiro; Região 5 – Norte; Região 6 – Nordeste;
Região 7 – Partenon; Região 8 – Restinga; Região 9 – Glória; Região 10 – Cruzeiro; Região 11 –
Cristal; Região 12 – Centro-Sul; Região 13 – Extremo-Sul; Região 14 – Eixo-Baltazar; Região 15 –
Sul; Região 16 – Centro.
55
As Oficinas de Arte, em princípio, eram demandadas diretamente na SMC.
Posteriormente, foram decididas “pela população organizada em Comissões de
Cultura e na Temática da Cultura no Orçamento Participativo [OP], o que garante
legitimidade para a conquista de recursos” (SMC, 2003, p. 2). Esses recursos
passaram de R$ 23 mil, no primeiro ano do projeto, para R$ 1,2 milhão, em 2004
(CE, GH, p. 173).
Para que a comunidade demande oficinas de arte, deve atender a alguns
critérios de organização e condições técnicas do local, definidos no Regimento
Interno do OP anualmente. Em relação à organização,
é fundamental e é exigência da atividade cultural que haja cidadãos
organizados, e interessados na propiciação de um trabalho cultural. A
cultura deve respeitar a realidade da região e para isso necessita o
engajamento da comunidade. Sugere-se a constituição de coletivos (ou
conselhos, ou núcleos) culturais que dêem suporte, divulgação e
continuidade às atividades culturais. A culminância do processo deverá ser
a autonomia da região. (PREFEITURA DE PORTO ALEGRE, 2004b, p. 52).
Os locais de realização das oficinas de música são vários, incluindo igrejas,
sedes de sindicatos e associação de moradores, entre outros. Durante o ano de
2004 foram os seguintes:
56
Tabela 1: Localização das oficinas por região do OP
REGIÃO MÚSICA PERCUSSÃO
Centro
Sindicato dos Comerciários
Museu J. J. Felizardo
Esc. Leopolda Barnevitz
Bandejão Popular
Centro-Sul
Consepro
Cruzeiro
União de Vilas
Eixo-Baltazar
Associação 13 de Maio
Extremo-Sul
Clube Xavante
Glória
Salão da Igreja Menino Deus
Humaitá
ASDECOM
Leste
Associação de Moradores da Vila
Brasília
Escola Municipal N. Sra. de
Fátima
Lomba do Pinheiro
Centro Cultural
Nordeste
Associação de Moradores do
Res. Machado
Paróquia Divino Pai Eterno
Noroeste
Igreja Luterana
Norte
Associação de Moradores da
Grande Santa Rosa
Partenon
Associação Paineira ACOVISMI
Restinga
Renascer da Esperança
(Fonte: Jornal da Mostra de processos das oficinas de arte da Descentralização, agosto de 2004)
Para o oficineiro DN, a história do projeto e de seu respaldo tem a ver com
sua
ligação com o Orçamento Participativo [...]. Ele está ligado à mobilização e à
articulação social nesse sentido. Então muito do [nosso] trabalho [...], das
nossas discussões gira em torno de Orçamento Participativo e até mesmo
questões assim: “Ah, de mobilizar a comunidade, ir à comissão de cultura”.
(CE, DN, p. 72).
Mesmo reconhecendo sua importância, DN questiona a relação do projeto
com o OP:
57
um projeto que iniciou como projeto de governo – e ele é um projeto de
governo, de descentralização – ele acaba sendo passado pra população
como se fosse uma demanda da população. Bah! Então fica dúbio. Ao
mesmo tempo é uma conquista da comunidade. Só que é uma conquista
até ali, e é uma ação do executivo até certo ponto. Eu acho que é
“tricomplexo”. Eu não tenho muita certeza sobre isso. Mas essa é uma
crítica que eu estendo a todo Orçamento. (CE, DN, p. 73).
Em um primeiro momento, a crítica de DN parece pertinente. No entanto, essa
dubiedade proposta por ele é o que caracteriza o OP como uma política de governo.
Implementado em Porto Alegre em 1989, funciona, segundo Machado (2002, p.
300), da seguinte forma:
no início do ano começam as reuniões nas vilas e bairros, sindicatos e
outros espaços da população para discutir necessidades, reivindicações e
serviços, para suas regiões ou sector social. Depois, a partir de março e
abril, participam de ‘rodadas’, que são reuniões por regiões (são 16 na
cidade) ou por áreas temáticas
8
[...] nas quais, na última, definem as
prioridades e elegem seus delegados. Os delegados das 16 regiões (2
titulares e 2 suplentes; mais os das plenárias temáticas, 5 titulares e 5
suplentes) compõem o Conselho do Orçamento Participativo ao nível da
cidade. De agosto a setembro eles elaboram conjuntamente com sectores
da Prefeitura Municipal o documento que será enviado à câmara de
vereadores (poder legislativo) que votará a lei visando ser aplicada no ano
seguinte.
Ao explicar o processo decisório do OP na área de cultura, o ativista da SMC
informa que:
de acordo com as demandas, que são feitas na temática de cultura, [... as]
regiões que têm uma pontuação maior na cultura têm prioridade para
pontuar, para exigir, cobrar, demandar oficinas [...e que] no início do
Orçamento Participativo as pessoas demandavam apenas calçamento,
pavimentação, saúde, assistência social e educação. Hoje eles já pontuam
cultura. (CE, GH, p. 173-174).
As 13 prioridades do Orçamento Participativo incluem saneamento básico;
habitação; pavimentação; educação; assistência social; saúde; circulação e
8
Temática Circulação e Transporte (TCT); Temática Saúde e Assistência Social (SAS); Temática
Educação, Esporte e Lazer (EEL); Temática Cultura (TC); Temática Desenvolvimento Econômico,
58
transporte; áreas de lazer; esporte e lazer; iluminação pública; desenvolvimento
econômico, tributação e turismo; cultura; e saneamento ambiental. Elas estão
relacionadas às secretarias da administração municipal. Ainda de acordo com o
ativista,
a cultura, nos primeiros anos, ficava lá em décimo terceiro, décimo segundo.
Então a gente já tem regiões que pontuaram em terceiro lugar. Esse ano a
gente teve quatro regiões: Extremo-sul, Cristal, Humaitá e Leste, que
colocaram [... a cultura entre as quatro prioridades]. Três delas em quarto
lugar e uma em terceiro lugar. Então isso demonstra [...] o resultado que o
projeto alcançou, junto com as comunidades. Hoje, não ter cultura é como
abrir a torneira e não sair água. (CE, GH, p. 174).
Subirats (2003) defende que o município, o bairro e o território, pela
especificidade que têm, podem ser, desde um ponto de vista sociológico e
psicossocial, âmbitos territoriais que favorecem o desenvolvimento de processos
comunitários. Por isso, tornam-se espaços privilegiados para a potencialização de
novos modos de participação e, conseqüentemente, de envolvimento cidadão em
assuntos coletivos (Ibid., p. 73). Dessa forma, reconhecer a cultura como uma
necessidade básica coletiva, no mesmo patamar do saneamento, da saúde, da
pavimentação, reforça a importância do projeto.
Ao comentar sobre a região onde desenvolve sua oficina, RT confirma o
processo de pontuação da cultura, exposto pelo ativista:
[a região] adotou muito bem esse negócio de Orçamento Participativo não
só na área da cultura. [... Eles conseguiram] basicamente toda a infra-
estrutura da vila, que [antes] era uma vila ocupada. Eles conseguiram
regularização, conseguiram asfalto, conseguiram água. E até 15 anos atrás
era água de balde e ruas com areião e esgoto a céu aberto. Quer dizer,
Tributação e Turismo (DETT); Temática Organização da Cidade, Desenvolvimento Urbano e
Ambiental (OCDUA).
59
nesse tempo aí, de 15 anos, eles conseguiram a infra-estrutura e agora
estão reivindicando oficinas. (CE, RT, p. 37).
RT também comenta a sua participação em questões da comunidade, mesmo
não sendo esta uma atitude requerida para sua atuação:
E na questão também do Orçamento Participativo, acho que tu já ouviste
falar da parte da cultura. A gente se organiza nas reuniões temáticas. Leva
gente das comunidades para conseguir angariar mais projetos para as
comunidades. Isso é uma coisa que a gente faz porque é o único jeito de
conseguir as coisas: é organizando a comunidade. Não tem outro jeito. (CE,
RT, p. 36).
Para que uma pessoa se sinta parte de uma comunidade, é necessário
envolver-se com os problemas desta, poder participar nas decisões que impliquem,
entre outras coisas, recursos e, finalmente, estar conectada aos demais integrantes
(SUBIRATS, 2003, p. 75). Para esse autor,
podemos nos sentir parte (potencial ou real) de diversos tipos de
comunidade. Umas mais vinculadas ao território, em que a proximidade, a
vizinhança, será decisiva. Outras podem ser comunidades sem
proximidade, nas quais terão primazia os interesses compartilhados. (Ibid.,
p. 72).
O envolvimento com o projeto ficou perceptível nas falas dos oficineiros e do
ativista. Este chegou a se emocionar em alguns momentos da entrevista,
especialmente, quando se referiu à mudança ocorrida nas comunidades em relação
às questões culturais:
comunidades onde às vezes são difíceis até [ainda está muito emocionado,
a voz fica trêmula] ... as necessidades básicas de sobrevivência e os caras
já verem na cultura uma saída. Isso é para nós muito importante. [...] E,
como eu falei anteriormente, quando falta a cultura, quando não tem um
evento, quando não tem uma oficina, o pessoal reclama como se faltasse o
calçamento da rua, como se tivessem tirado a água da torneira. (CE, GH, p.
175).
60
Quando faziam referência ao projeto, os oficineiros utilizavam termos como:
um projeto democrático, humanizador, uma iniciativa maravilhosa, um trabalho muito
bem bolado, muito interessante, uma “possibilidade de trabalhar com esse povo [as
comunidades carentes]” (CE, ST, p. 32). E, segundo a avaliação de DN: “é um
projeto a fú, tri [risos] e tem um potencial que, apesar da Secretaria, apesar da
Prefeitura e apesar de tudo, ele funciona” (CE, DN, p. 72).
Essa participação se dá também em relação à questão social. Para FC, o
envolvimento com a comunidade, especificamente com o social,
É uma coisa minha. [...] Está à parte da oficina, mas também não tem
problema nenhum. Nunca vi ninguém falar alguma coisa [...como:] “não te
envolve muito assim com a parte social [...] da comunidade”. Daí é uma
coisa [...] pessoal. Tem gente que se envolve, outras, não. E eu já me
envolvo. Até porque também sempre trabalhei assim com comunidades
carentes. (CE, FC, p. 18).
Mesmo trabalhando na região Centro, onde a territorialidade não é tão forte,
FC estabeleceu o social como o elemento aglutinador de sua oficina. Ele cita que
leva, em seu carro, no final da oficina, algumas crianças que moram na Azenha,
bairro diferente daquele onde se realiza a oficina. E que, em outras vezes, também
as busca. “Então tu começas a fazer um trabalho social também. Ultrapassa o lance
de ir ali ensinar música e ir embora” (CE, FC, p. 16).
Para Subirats (2003), o envolvimento é um dos fatores que ajudam a criar a
comunidade, a criar sentido de pertencimento. Esse envolvimento, perceptível em
FC e RT, “permite passar da apatia para a mobilização, da delegação e da
dependência para a atividade e a disponibilidade para assumir compromissos e
61
riscos” (SUBIRATS, 2003, p. 75). Para o autor, “pertencer significa sentir-se parte
de, e uma pessoa faz parte de porque nasceu nesse contexto ou porque escolheu
essa opção. Nesse sentido, pertencer implica ‘sentir-se com’, compartilhar, ter
relações sociais significativas, poder usar um ‘nós’” (Ibid., p. 73). A fim de atingir
esse objetivo com os seus oficinandos, NP fez “um concurso para organizar o nome
para o grupo, dar uma identidade ao grupo” (CE, NP, p. 117).
Conforme Brandão (2003), esse sentido de pertencer é um dos indicadores
de desenvolvimento, encontrado no imaginário popular. O autor mostra como isso é
perceptível entre os integrantes do projeto Pracatum, em Salvador (BA): “O
altamente disseminado orgulho de ‘ser do Candeal’ é um reflexo do sentimento de
possuir uma forte identidade histórica e cultural, bem como do de pertencer a uma
comunidade elegante e criativa, qual símbolo de resistência, utopia e realização”
(BRANDÃO, 2003, p. 2).
4.2 Atividades e funções da música – “A música é uma isca... uma ferramenta
de resgate da cidadania.”
As atividades desenvolvidas nas oficinas de música resultam da ligação entre
a demanda da região, as expectativas dos oficinandos e a formação do oficineiro. O
tempo de existência do projeto já permite uma identificação do perfil de cada região.
GH explica que há um respeito aos pleitos da região, ao mesmo tempo em que se
apresentam novas propostas:
O oficineiro não impõe gosto de gênero. Se a região tem mais afinidade
para os ritmos regionais, música sertaneja, para o samba, para o rock’n roll,
a gente procura em cada região colocar um oficineiro que tenha aquele
perfil. [...] a região Partenon tem uma predileção por samba. Região
Nordeste, hip-hop. Região Centro-sul, música popular. Mas também o
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oficineiro tem aquela missão de mostrar outra janela, sem fechar aquela
deles. “Olha, vocês gostam disso. Mas tem isso também, se vocês
quiserem”. (CE, GH, p. 183).
O relato de AB sobre um dos oficinandos, exemplifica o discurso de GH:
Eu tenho agora um aluno de 64 anos que está aprendendo a tocar lá. Aliás,
ele não está aprendendo a tocar, ele está começando a [...] abrir os
horizontes dele, porque ele tocou música sertaneja a vida inteira. Então hoje
em dia ele quer conhecer outros estilos de música. (CE, AB, p. 156).
Como “não existe um padrão, um programa a seguir” (CE, MN, p. 134), os
oficineiros têm liberdade na condução das oficinas. No entanto, MN ressalta:
existe uma proposta de trabalho, que é um trabalho cultural, social. Que tu
vais utilizar a música como uma ferramenta [...] de resgate de cidadania. Ou
de criação de cidadania. Às vezes, tu nem estás resgatando, tu estás
criando uma consciência cidadã e auto-estima. Existem esses pontos e a
partir daí tu direcionas teu trabalho. Para mim, isso de uma certa forma já
está muito inserido na minha forma de trabalhar. Apenas estou dando
continuidade e aprendendo ainda, construindo [outras] coisas dentro do que
eu já vinha realizando. (CE, MN, p. 134).
Essa não-sistematização se traduz nas diversas respostas sobre o que se
trabalha nas oficinas. A percussão foi uma das respostas mais constantes, mesmo
por aqueles que ministram oficinas “genéricas”. O depoimento de CM mostra esse
emprego: “No ano passado, usei bastante percussão, basicamente percussão. Mas
eu sou um cantor. Então eu procuro trabalhar muito a voz [e] o corpo. E tem sempre
muita gente na oficina que quer cantar. Então isso encaixa legal” (CE, CM, p. 64).
FC também trabalhava com canto e percussão. Sua experiência com escolas
de samba foi acionada na condução de sua oficina. Ele conta:
As crianças cantam mais. E os adultos fazem a parte percussiva. Porque a
minha oficina anterior era oficina de canto. [...] Mas como eu tenho
63
experiência também com percussão, então a gente está colocando as duas
coisas. Percussão e canto juntos. (CE, FC, p. 14).
A percussão é vista por ST como uma “possibilidade de realmente fazer agora
da música chegar ao corpo”. Como professor de educação física, o oficineiro lança
mão dos conhecimentos específicos dessa área e articula-os com o ensino de
música.
Eu então trabalho com essa coisa de tentar sentir no corpo o ritmo e tentar
transpô-lo para o instrumento. E, às vezes, do instrumento sentir no corpo.
Não tem uma ordem. [...] antes eu sempre trabalhava muito mais como, da
educação física, chegar na música. Hoje eu estou tendo a oportunidade de
juntar, fazer o processo inverso e vejo que não tem uma ordem na
realidade. (CE, ST, p. 24).
HR conta que seu instrumento principal é o teclado. Como nas regiões é difícil
aparecer oficinandos com teclado, ele trabalha “mais [com] violão, canto e as
questões rítmicas [...] Então a gente faz umas rodas de percussão, às vezes no
próprio corpo, com palmas, e se tiver algum instrumento [percussivo] também, a
gente usa” (CE, HR, p. 146).
“Violão é o instrumento mais popular”, afirma LN. Os oficineiros que trabalham
com esse instrumento geralmente lidam também “com cavaquinho e com canto”
(CE, LN, p. 54). Isso se deve ao fato de esses instrumentos integrarem os grupos de
pagode, atualmente em exposição na mídia. FJ conta que está “com uma base de
25 [oficinandos], só de cavaquinho” (CE, FJ, p. 93). Ele intitula sua oficina como
“oficina de harmonia”, por trabalhar com os dois instrumentos.
Dependendo da região, o número de instrumentos utilizados vai se
ampliando. AB conta que trabalha com “o violão, cavaquinho e um pouco de teclas”
64
(CE, AB, p. 154). E DN, “com flauta e violão, principalmente”. Mas quando começa a
detalhar a sua dinâmica de trabalho, ele amplia esse rol:
[As crianças] vêm com suas flautinhas. [...] Então das seis e meia às sete e
meia com essa galera [0 a 12 anos]. Às sete e meia, a gente junta com os
adultos e até às oito faz todo mundo junto. [...] um coral, uma dinâmica
coletiva enfocada na voz. [...] Das oito e meia às nove e meia, a parte dos
adultos [com] instrumentos: violão, flauta, cavaquinho, contrabaixo, teclado,
percussão. (CE, DN, p. 74).
A atividade musical ressaltada por HR é a composição. Embora os
oficinandos procurem a oficina com o intuito de tocar, ele defende que sua função é
“tentar que vocês peguem aquele versinho que estava lá na gaveta ou a gente fazer
uma coisa coletiva” (CE, HR, p. 152). A partir daí, “compor as nossas [músicas].
Pode ser com dois, três acordes. [...] Então eu tento mostrar que [...] é muito mais
importante que eles façam a coisa [música] deles” (CE, HR, p. 152).
A prática de conjunto é outro recurso metodológico utilizado por alguns
oficineiros para trabalhar com a diversidade de interesses presentes na oficina: “eu
começo a desenvolver um trabalho colocando cada um no lugar que gosta. Quem
canta, vai cantar. Quem vai fazer percussão, vai estudar percussão. Quem vai tocar
instrumentos, instrumentos. E a partir desse momento eu formo um conjunto” (CE,
JL, p. 48).
Foi possível observar que ocorre, em diversas oficinas, o que Tourinho chama
de preservação do individual no ensino em grupo, pois “o aluno tem outros
referenciais que não o modelo do seu professor, e aprende a aprender vendo e
ouvindo os colegas” (TOURINHO, 2003, p. 52). AB explica como esse processo
ocorre em sua oficina:
65
a minha oficina funciona assim. Eu pego aqueles que já sabem e pego
aqueles que não sabem. Então lá eu não sou professor, eu monto conjunto.
Eu boto quem sabe a ensinar para quem não sabe, para aqueles que estão
aprendendo. [Pois] eles podem se encontrar a semana inteira dentro da vila
onde eles moram. (CE, AB, p. 161).
Para BG, o trabalho em grupo depende do trabalho individual. Por isso, em
sua oficina, ele estabeleceu um momento em que dá um atendimento individual,
para tratar de questões técnicas, como postura. Essa forma de trabalhar resultou,
em alguns momentos, em “um caos” no salão onde ocorre a oficina. Ele confidencia:
confesso que muitas vezes eles saem das minhas mãos. Eu tenho que
deixar [que] eles [façam] aquela algazarra, troca de informação. Vejo
folhinha andando, música [para um] lado e para o outro. Eu acho isso o
máximo. Eu acho que isso [a busca de informação] me fez estudar cada vez
mais. (CE, BG, p. 109).
Abordagens como a de BG, “uma colagem de atendimentos individuais
fragmentados” (TOURINHO, 2003, p. 52), são típicas nos professores que tiveram
uma formação que incluía aulas tutoriais e que decidiram, ou são obrigados pelas
circunstâncias, a trabalhar com aula coletiva. Para Tourinho, a intervenção no
processo de formação de professores é que os capacitaria “a coordenar a ação
individual da prática instrumental dentro da aula em grupo” (Ibid., id.).
O oficineiro BG também acredita que a teoria elementar da música deve ser
ensinada aos oficinandos. Ao relatar uma experiência de aula, onde todos tocavam
Asa Branca, ele começou a desconstruir a música, apresentando cada um de seus
elementos:
E eu comecei a cantar o solo no violão. A melodia da Asa Branca, uma nota
após a outra. Silêncio geral. Todo mundo observando. Já expliquei um
pouquinho o ritmo, que estava na mão direita, e a harmonia, que os acordes
66
têm que estar no tempo certo. Aí começamos a brincadeira de saber
encaixar cada um no seu tempo. (CE, BG, p. 106-107).
Depois disso, ele introduziu a partitura, contrariando o pensamento corrente
entre os oficineiros de que “o pessoal não quer saber de teoria. Isso não é o moral
do grupo" (CE, BG, p. 107). Ele argumenta que é preciso “fazer o pessoal enxergar a
música, porque música não é só ouvir. Chega um ponto em que tu enxergas o
trajeto” (CE, BG, p. 107) e tens de fazer esse registro por escrito.
Embora ressalte a importância do trabalho individual, BG não descarta o
trabalho em grupo como uma parte da aprendizagem musical:
Porque não adianta simplesmente cada um individualmente no violão,
baixar sua cabeça e [reproduz o som do violão com a voz]. Vai longe até.
Mas o outro que vá dormir. Aí, olha só, para ver como isso é legal. Porque
isso [a estrutura de sua aula] está fazendo eu reunir o grupo também, que
nós estamos trabalhando em grupo. Então nós temos que parar e: “não,
vocês têm de se ouvir”. Isso está fazendo eles tocarem. Cada um se
dividindo e tocando com o outro. (CE, BG, p. 106-107).
Já RT, por considerar que “a música é só o gancho pra começar a história”
(CE, RT, p. 39), desenvolve um trabalho de “educação ambiental ligada à percussão.
Unindo essa parte de reaproveitamento de materiais para construir instrumentos.
Partindo daí, ensinamento de percussão com cidadania” (CE, RT, p. 33). Em relação
ao repertório, ele diz optar por “música brasileira, de preferência, folclore regional.
Não colocando de lado também outras tendências. Mas basicamente coisa brasileira
e, de preferência, gaúcha. Porque é uma coisa que a gente conhece mais, por morar
aqui” (CE, RT, p. 33).
67
A música brasileira foi citada por vários entrevistados como material utilizado
em aula. BG comenta:
mas eu presto muita atenção na música brasileira quando eu dou aula. E
todos os meus exemplos são através da música brasileira. [...] Eu toco
Brasileirinho voando para eles em vez de ficar tocando um Metallica. Eu
faço até coisas engraçadas. Eu tento fazer eles transformarem Garota de
Ipanema em heavy metal. (CE, BG, p. 110).
NP explica que a escolha da música brasileira foi dos oficinandos, “com [um]
repertório que poderia se dizer assim, sofisticado” (CE, NP, p. 117). Mesmo
admitindo que a condução do trabalho fosse sua, ele reforça que a escolha do
repertório foi uma “opção deles. Tocamos música popular brasileira da maior
qualidade e com bastante qualidade também na apresentação musical” (CE, NP, p.
117).
A escolha do repertório, como visto acima, ora se dava por decisão do
oficineiro, ora pelos oficinandos. Mas havia também uma negociação entre os dois.
É AB quem relata: “eu escolho três músicas, de conhecimento geral. [...] Todos eles
vão tocar essas três músicas. Depois eu chego, sento com cada um e vou vendo o
que eles querem [tocar]” (CE, AB, p. 168). Mas para o oficinando tocar o repertório
escolhido, o oficineiro impunha uma condição: tocar as três músicas da oficina. “Tem
que fazer, porque se não fizer as três da oficina, ele não faz nenhuma” (CE, AB, p.
168).
Ao ser perguntado sobre as atividades que desenvolvia nas oficinas de
música, NP respondeu: “Eu desenvolvo um trabalho de convivência, que foi
basicamente o que eu pude decodificar o ano passado” (CE, NP, p. 115). A vivência
68
com o mesmo grupo no ano anterior lhe deu subsídios para demonstrar convicção
sobre sua escolha. Depois de um início um pouco conturbado,
passei a fazer um trabalho como cooperativa. E aí um trabalho de
convivência mesmo. Onde [...] aquele que não tivesse uma aptidão musical,
trabalharia na produção. [...] E a partir desse processo, da escolha do nome
[para o grupo], eu consegui um patrocínio para fazer as camisetas. Isso deu
uma identidade ao grupo. E o grupo começou a se fechar e ter um trabalho.
E sabemos que todo mundo teria uma importância. Mesmo quem não
tivesse [...] uma importância musical dentro do grupo. Alguns tinham mais
até porque estavam num estado de adiantamento maior, de evolução,
outros menos. Mas todos tinham as suas funções bem definidas. E cada um
com a sua importância. Isso deu auto-estima para o grupo e, aí sim,
começamos um trabalho muito bacana de convivência. Começou a
aumentar o valor estético. Começamos a nos preocupar com a parte
instrumental. Fora isso, eu comecei também [... a ] colocar [...] a parte de
teoria e solfejo. [...] essas coisas assim que são normais ao trabalho de
grupo. O trabalho vocal. Enfim, o grupo começou a se tornar um grupo de
trabalho. (CE, NP, p. 116-117).
O oficineiro defende que o fundamento principal de um trabalho como esse é
“o da amizade, das pessoas conviverem melhor através da música” (CE, NP, p.
118). Se a oficina conseguisse atingir essa meta, não haveria nem mesmo a
necessidade de uma grande performance instrumental ou vocal, e ele já se sentiria
vitorioso, pois “teríamos criado alguma coisa para nós mesmos” (CE, NP, p. 118).
Alguns oficineiros declararam que foi necessário transformar a oficina, em
alguns momentos, em reuniões onde se conversa sobre tudo. Problemas são
compartilhados, curiosidades dirimidas, pois eles, muitas vezes, “não sabem nem
[...] onde procurar [ajuda]” (CE, RT, p. 37). Temas como sexo, drogas, violência,
família, consciência de vida, religião e relacionamentos surgem com freqüência nas
oficinas, segundo MN, “porque ali tu vais trabalhar com o grupo” (CE, MN, p. 138).
Para a oficineira MN, não é só um trabalho específico de música, como
ensinar instrumento ou canto. “É muito mais abrangente” (CE, MN, p. 138), envolve
69
questões de cidadania e outros assuntos que ela considera básicos. Na sua visão,
por meio da música, será possível fazer uma articulação com a história, com os
movimentos sociais e culturais, com a matemática, com a linguagem. O respeito às
diferenças é outro objeto de discussão, segundo MN, no contexto da oficina:
o outro está lá com a maior dificuldade de tocar o instrumento. Ali a gente já
vai trabalhar o respeito às diferenças. Que tu tens que ter paciência porque
um [...] tem mais dificuldade, outro tem menos. Enfim. [...] tem que [estar]
atento a esses detalhes, além da coisa maior. Sempre pegar esses ganchos
e [fazê-los] refletir. Trazer para a discussão do grupo [as] coisas que irão
também construir o trabalho deles como pessoas e como músicos. (CE, MN,
p. 139).
A observação de FJ complementa o pensamento de MN: “a gente contribui
não só na parte de aprender música. Mas eu acho que em outras partes também,
onde a gente convive diretamente com a comunidade” (CE, FJ, p. 94-95).
Falar sobre a função do ensino de música, nas oficinas de música do projeto
de Descentralização, oportunizou aos oficineiros revelar o seu lado poético, sem
esquecer do comprometimento com o lado social e político. Tomando como base
sua própria experiência, LN considera que “a música é [...] um pouco de sonho, na
verdade”. Mesmo abrangendo o “lado ocupacional, pois a pessoa está tendo uma
atividade, está saindo da rua, ela também tem [...] um poder de esperança” (CE, LN,
p. 56). Ele acrescenta que, embora haja os “outros aspectos sociais que também
são legais, eu acho que o sonho é o mais legal. Eu acho que a música dá essa
jogada” (CE, LN, p. 56).
A imagem do gancho foi usada por RT para explicar que a música “é o motivo
[o gancho] para a gente juntar toda essa turma” (CE, RT, p. 34). A reunião dessas
70
pessoas, moradoras de comunidades tão afastadas do grande centro, faz com que
se sintam valorizadas e ganhem auto-estima, segundo NP.
Auto-estima foi um termo usado por vários oficineiros como uma causalidade
da relação entre a música e os oficinandos. Por ser vista como “uma ferramenta de
resgate da cidadania”, como já mencionado por MN, sua utilização desenvolveria
“uma consciência cidadã e [a] auto-estima” (CE, MN, p. 134). Para MN, a música é
“uma isca. Claro que é uma isca que não mata. Muito pelo contrário [risos]. Uma isca
que vai pescar [os oficinandos...], para ajudar a construir todo um processo. [...]
Acho que a música é o centro. E a partir dali, tu abres para todos os lados” (CE, MN,
p. 138).
Outro tema relacionado à música nas oficinas foi o da inclusão social. Ao falar
sobre seus oficinandos, AB comenta: “Aquelas horas que eles estão com a gente,
eles deixam de [estar] na rua usando droga, fazendo qualquer coisa” (CE, AB, p.
156). Essa mesma visão tem um dos organizadores da oficina na comunidade, cujo
filho é oficinando. O oficineiro dessa região é quem expõe:
Ele vê como uma forma das crianças saírem da rua, [por estarem] lá
comigo. Ele fala até do filho dele: “Bah! Meu filho, se não estivesse lá
contigo, estaria me incomodando aqui. [...] Pelo menos ele está [na oficina]”.
Ele até pede para eu cobrar disciplina. Eles vêem como uma maneira de
educação. “Ah, pelo menos ele está fazendo alguma coisa, não está nas
drogas”. (CE, ST, p. 30).
A inclusão deve ser vista não só no sentido de “criar mecanismos para tirar a
garotada da rua” (CE, FC, p. 15), mas também como uma forma de atender aos
71
idosos carentes. O oficineiro observou um número grande de aposentados que
procura as oficinas porque “não têm o que fazer” (CE, FC, p. 15).
Outras possibilidades foram apresentadas pelos oficineiros. Uma delas
envolve aspectos da contemporaneidade. CM apresenta a música como “um
elemento de diálogo. Um elemento de permeabilidade para romper um pouco esse
isolamento gradual que a sociedade está impondo às pessoas” (CE, CM, p. 64).
Ainda segundo o oficineiro, a música ajudaria a romper com o individualismo, ao
resgatar “o caráter tribal que ela sempre teve” (CE, CM, p. 64).
Uma outra possibilidade se refere à profissionalização. Os oficineiros que já
atuaram, ou provêm de comunidades carentes foram os que ressaltaram esse tema.
A música pode abrir “um caminho para se profissionalizar nessa área.
Principalmente agora [...] que o povo brasileiro tem uma expectativa muito grande
com a música e o futebol” (CE, FC, p. 16). AB explica que dependerá do oficinando a
música ser ou não profissionalizante. Para ele, só haverá vantagens, pois “se ele
não usar para a profissão, é o hobby dele. Se ele usar para a profissão, se
necessitar, ele vai estar apto para trabalhar” (CE, AB, p. 157). AB tem a mesma
visão dos professores de um conservatório, que valorizavam a relação com a prática
musical “como instrução e como possibilidade de profissionalização” (ARROYO,
1999, p. 339). Como músico profissional, AB demonstrou a preocupação em
esclarecer que a oficina não fornece a carteira da Ordem dos Músicos. Se decidir
pela profissão, o oficinando deverá providenciá-la.
72
Com um posicionamento diferente dos demais, JL aponta para um lado mais
espiritual, sem ser religioso. Argumenta que a música deve “proporcionar [aos
oficinandos] a possibilidade de ter uma vida interior, de ter uma vida própria. De
entrar no seu quarto, pegar as músicas, os estudos, as relações e desenvolver um
crescimento interior” (CE, JL, p. 47).
Por estar desenvolvendo uma oficina em uma região “diferenciada”, pois o
seu grupo pertence à “classe média baixa” (CE, EF, p. 7), EF afirma não ser a
inclusão social nem a profissionalização a função do projeto. Para a oficineira, a
finalidade “é abrir caminhos para quem tem talento e não tem possibilidade de tomar
contato com o ensino musical ou não sabe como chegar” (CE, EF, p. 8). EF lança
mão de uma imagem para explicar seu ponto de vista.
Então, para mim, o papel é mostrar a semente, não é plantar a semente. [...]
Não é formar ninguém. E criar um espaço para desenvolver a comunidade,
a união da comunidade. “Nós temos oficina de música”. Isso desenvolve a
auto-estima da comunidade. [É] um espaço de prazer comunitário. (CE, EF,
p. 8).
Esse “espaço de prazer comunitário”, esse fazer musical que os identifica
apresenta também outros desdobramentos, pois, quanto maior for o envolvimento
com a comunidade, mais difícil será, para os integrantes, assumir as diferenças, e o
anonimato se torna quase impossível (SUBIRATS, 2003, p. 73). Por isso, situações
que explicitaram essas diferenças em relação ao grupo, surgidas em uma das
oficinas, foram resolvidas internamente, como descrito pelo oficineiro:
Tivemos alguns problemas com droga e o grupo resolveu. Um problema
com homossexualismo que o grupo também resolveu. E aí não houve
necessidade da minha intervenção. O próprio grupo, pelo desenvolvimento
que tinha, conseguiu resolver. (CE, NP, p. 117).
73
A intervenção em uma coletividade se torna cada vez mais natural à medida
que “aumenta o sentido de comunidade e de coesão, [então] os comportamentos
considerados ‘desviados’ são percebidos com maior facilidade, e a maior força social
ou comunitária acaba comportando um controle social maior” (SUBIRATS, 2003, p.
73). Por essa razão, RT transfere para o grupo a resolução de algumas questões,
tais como pontualidade, responsabilidade e disciplina. “Todo mundo tem seus
compromissos, então a disciplina faz parte. Isso principalmente para os mais jovens.
E eu sempre coloco os mais velhos a falar justamente para os mais jovens
entenderem o que é que eu quero” (CE, RT, p. 39).
RT deixa transparecer em seu discurso uma atitude pedagógica mais
centrada no professor, mesmo que seja de forma indireta, pois utiliza o grupo para
isso. Às vezes, porém, o processo se inverte, e a intervenção do grupo não é bem
aceita pelo oficineiro. A presença de diferentes gerações em uma mesma oficina
provocou, nos adultos, reações de intolerância ao comportamento infantil. Isso exigiu
do oficineiro uma atitude que reflete o conflito entre o poder que lhe é conferido pela
posição que ocupa e o poder que o grupo detém naturalmente.
[Alguns] adultos ficaram bravos, achando que ele estava falando demais.
[Achavam que] ele estava rindo demais, muito agitado. Mas era um menino
com 9 anos, na fase do hiper-ativo. Aí foram fazer queixa para a mãe do
menino. "Espera aí! O oficineiro aqui sou eu”. (CE, FJ, p. 94).
Para MN, as normas internas relacionadas às regras de comportamento e de
convivência devem ser discutidas e construídas com o grupo no início da oficina:
Tu tens que trabalhar desde o início com o grupo, fazer algumas
combinações. Para que eles também façam parte do processo, entendeu?
Não chegar lá: “ah, eu quero assim, assado, e vai ser assim”. Fazer com
74
que eles se sintam importantes também no processo de construção. Desde
as normas. (CE, MN, p. 140).
A organização é, assim, “uma conquista do grupo, que estabelece algumas
combinações sobre a hora de falar, a hora de tocar, a hora de fazer silêncio”
(BEINEKE, 2000, p. 106). A consideração da oficineira sobre essa organização
demonstra a necessidade dos que estão atuando em espaços não-formais em
construir formalidades, desenvolvendo normas que serão seguidas por todo o grupo.
4.3 Os oficinandos
4.3.1 Faixa etária – “É um grande jogo de cintura...”
Segundo os oficineiros, as pessoas que freqüentam as oficinas, chamadas de
oficinandos e oficinandas, apresentam uma faixa etária que vai de 7 anos até a
terceira idade. Apenas três oficineiros lidam com uma faixa de idades mais próximas.
Um atende adolescentes entre 12 a 19 anos. Outro, entre 15 a 20 anos. E o terceiro
trabalha com crianças de 7 a 15 anos. FJ é um dos oficineiros que trabalha com um
grupo bastante diversificado quanto à faixa etária. Sua oficina reúne
[...] crianças de 8 anos, 12, 15. Adolescentes de 17, 18, 21. Adultos de 34,
35. O pessoal da faixa etária acima dos 40 também. Eu tenho quatro
senhores acima dos 40. Tem senhoras da terceira idade. Então temos todas
as idades nessa oficina. Isso para nós é um orgulho. (CE, FJ, p. 93).
A possibilidade de trabalhar com oficinandos de diferentes idades é avaliada
por RT como um “fato positivo” que ocorre em sua oficina: “eu acho legal esse
negócio de misturar as idades, as gerações, inclusive. Isso é uma coisa que eu
estou gostando. Que não fique só aquilo. Só adolescentes, ou só terceira idade”
(CE, RT, p. 37). Ele conta que tem “alunos de 12 anos e de 60 anos. Tenho três
75
senhoras lá que são do Movimento de Alfabetização – MOVA. Estão se
alfabetizando, elas têm aula depois da minha oficina. [...] Elas são as primeiras a
chegar e as últimas a sair. [...] Elas nunca imaginaram que fossem tocar alguma
coisa” (CE, RT, p. 35).
Esse encontro de extremos quanto à idade, comum em algumas oficinas,
ajudou a criar uma cumplicidade entre “as duas pontas” e o oficineiro.
O mais novo tem 13 anos de idade e o mais velho, 74. [...] Ele [o de 74
anos] é do tempo do dente de ouro. Ele tem seu violão caindo aos pedaços.
Mas ele afina o violão dele. Ele me ajuda na aula. É impressionante o valor
que ele tem. Quando eu peço ajuda para ele, ele vira uma criança de 12
anos. É o maior barato. E o de 13 anos de idade me ajuda, é muito
engraçado. Aí eu tenho duas pontas. O de 13 anos vai ajudando, fica de
olho nos adolescentes. [...]. E o [de 74 anos] troca violão, empresta o violão.
(CE, BG, p. 98).
Contrariamente a RT e BG, que consideram positiva essa mescla de
gerações, DN se diz “bem apavorado nesse ponto”:
Tem um senhor de 50 anos, teve um menino de 4 anos que veio com a sua
flautinha. E as mães que vêm com as filhas. Então as mães estão tocando
também. Aí tem uns adolescentes que já têm banda, que já tocam. Tem um
cara que toca violão clássico. Já toca “tribem”. Acho que nunca vi nem
nunca tive uma situação de grupo tão plural assim. (CE, DN, p. 69).
Trabalhar com crianças e adultos em um mesmo grupo envolve diferentes
vivências musicais. Por isso, é necessário “lidar com expectativas muito
discrepantes, às vezes. Tanto pela faixa etária como pela origem de cada indivíduo.
Isso, às vezes, é muito difícil de conciliar” (CE, CM, p. 66).
As dificuldades advindas da junção de crianças e adolescentes e, em alguns
momentos, das mães, leva ST a considerar:
76
Mas eu vejo que é difícil. Ao mesmo tempo em que é necessário também,
eles estarem nessas diferenças.[...] essas intergerações, às vezes é ruim,
mas às vezes é bom, porque [...] é um grande jogo de cintura para mim.
Mas acho que é bom, até porque se tivesse só criança ia ser ruim. Se
tivesse só adolescente também. (CE, ST, p. 27).
Jogo de cintura é também um dos termos utilizados pelas professoras de
música investigadas por Beineke (2000, p. 153) para designar as tomadas de
decisões necessárias em situações inesperadas em sala de aula, como resolver
brigas entre colegas. E isso está sendo um grande aprendizado para o oficineiro na
condução da oficina, pois as crianças não têm o mesmo nível de concentração dos
adolescentes, e estes, que no princípio o testavam, agora procuram ajudar na
disciplina. Essa cumplicidade foi conseguida porque “eu já consegui formar um
grupo com eles” (CE, ST, p. 26).
A formação de um grupo, a partir de práticas musicais como o acima referido
ocorre
ao se colocar as crianças e adolescentes em contato com uma prática
musical, [...esta] naturalmente passa a fazer parte das opções com as quais
poderão investir como forma possível de inserção social, seja através da
atividade profissional, que lhes garantiria uma forma de sobrevivência, ou
atuando como agentes, que, ao desenvolverem uma atividade musical,
conseguem ter uma nova via de expressão com a qual se comunicam e
criam identidades com o seu grupo. (SOUZA, E., 2001, p. 310).
4.3.2 Expectativas – “Eu vou aprender a tocar!”
A prática musical é, também, a maior expectativa dos oficinandos, embora as
expectativas sejam bem diversificadas. Entre as que foram apresentadas pelo
oficineiros, estão tocar um instrumento, cantar, tocar “música da hora”, ser um
grande músico e, até mesmo, ser famoso. Outros, ainda, procuram as oficinas,
77
achando que aprenderão a consertar instrumentos e que terão uma renda extra. E
há também aqueles que querem ter acesso a “essa música”.
A distância entre essas expectativas, a concepção dos oficineiros e os
objetivos do projeto ficou perceptível em diversos momentos das entrevistas.
Segundo NP, as pessoas procuram, nas oficinas, um ensino individual de
instrumento. A referência delas ainda é o modelo tradicional das aulas particulares
de música. A princípio, ele tentou atendê-las. Tornou-se, porém, impossível
continuar com esse formato. Para o oficineiro, no entanto, a oficina consiste em
trabalhar com a “criação de algumas coisas e de alguns valores” (CE, NP, p. 116).
Essa proposta, então, foi levada ao grupo, e “já começou a tirar aquelas pessoas
que estavam ali mais por estar ou [porque] queriam essa coisa do instrumento, ou
ter um atendimento individual que eu não teria condição de dar” (CE, NP, p. 116).
Embora tenha um grupo heterogêneo, HR afirma que, “geralmente, os
oficinandos e oficinandas querem tocar música da hora, essa coisa que está aí na
novela, que está tocando no rádio, que está aí nas revistinhas de música” (CE, HR,
p. 152). Para os mais jovens, tocar esse repertório significa ser aceito e olhado de
uma maneira diferenciada pelos de sua geração. Já os adultos têm outra motivação.
Conforme FC, quando “ficam na roda de samba, numa roda de música, querem
estar participando, mas não sabem tocar. Pegam a garrafa ali pra bater e atrapalham
tudo. Então querem estar pelo menos inseridos” (CE, FC, p. 21).
A profissionalização foi indicada como uma das expectativas mais presentes
nos oficinandos. AB explica: “são pessoas humildes que a vida inteira tiveram
78
vontade de ‘cair pra dentro’ [se profissionalizar em música]” (CE, AB, p. 167). E, por
isso, “muitos chegam com a ilusão de que vão sair músicos” (CE, RT, p. 34). Embora
esclareça que não é essa a função da oficina, ele aponta alguns exemplos de
oficinandos que chegaram a se profissionalizar: “Eu já tive alunos meus que já estão
gravando disco aí. Já têm banda. A gente, sempre que pode, assessora, indica um
estúdio” (CE, RT, p. 34).
Alguns oficinandos já chegam às oficinas sabendo tocar um instrumento.
Segundo ST, eles “já vislumbram a possibilidade de serem músicos. Tem uns já que
tocam muito bem. Tocam em outros grupos. E a possibilidade de tocar no palco, de
ser um artista, é um sonho que os alimenta a viver” (CE, ST, p. 30). Acreditam que o
oficineiro é o elo entre a realidade e a concretização desse sonho, como explicita
BG: “Eles estão loucos para chegar e tirar meus dedos e botar nos deles. Eles
querem me sugar” (CE, BG, p. 101).
Dentre as diversas relações que os estudantes de um conservatório de
Uberlândia investigados por Arroyo (1999, p. 339) estabeleciam com o fazer musical,
estava o “vir a ser um músico de sucesso.” Expectativa semelhante tinham os
oficinandos de FC: “todas [as crianças] querem ser famosas e, a partir da música,
ganhar dinheiro, com certeza. E eu também. Eu fui assim. Eu vi na música uma
possibilidade de me posicionar na sociedade” (CE, FC, p. 21). Essa identificação do
oficineiro com seus oficinandos foi constante em seu discurso. Ele relata que a
música lhe abriu muitas portas, pois, quando começou “a aparecer na televisão,
gravar CD, essas coisas, as pessoas começaram a me respeitar. Não pela minha
cor [ele é negro], nem pelo que eu vestia” (CE, FC, p. 21-22).
79
Ele argumenta que, se fosse “através dos estudos, [seria] bem mais difícil”
(CE, FC, p. 21), e que as crianças “sabem que é assim”. E continua: “Então eles
sabem que [...] o futebol e a música são os meios mais... Não mais rápidos. Mas é o
que está mais visível, que está mais na frente deles, como possibilidade de vencer”
(CE, FC, p. 22). FC ressalta que, em uma comunidade de classe média, os filhos
têm em casa o exemplo de um pai que estudou e se estruturou financeiramente a
partir de sua formação acadêmica. Então, os estudos têm uma outra valoração.
Para seus alunos, o modo mais rápido de ganhar dinheiro é através da
música ou do futebol. “E pode ver que a “negadinha” toda do Brasil vai toda para
esse lado. Isso aí é pela questão discriminatória” (CE, FC, p. 22). O oficineiro
explicita como a música e o futebol, sinônimos de mobilidade social, alteram os
preconceitos vigentes no país.
Então aqui ninguém pode me condenar pela minha cor ou ninguém pode
me condenar pela raça. Se eu for um bom futebolista, eu vou jogar em
qualquer time e pronto. E se eu for um bom músico, eu vou tocar em
qualquer lugar e pronto. E eles vão ter que me pagar e pronto. Não vão nem
avaliar se eu falo certo ou não. Se eu sou inteligente ou não. Se eu sou
preto, se eu sou... Vão avaliar isso [se eu toco ou jogo bem]. (CE, FC, p.
22).
Vieira (2003, p. 88), de igual modo, afirma que “a principal – quando não a
única – via de ascensão para a população negra, em detrimento da educação
formal” está nas artes e nos esportes. O autor adverte a que se faça uma “reflexão
mais detalhada [que] nos permitirá ver [...] não se trata[r] de artes e esportes em
termos universais, mas sim daqueles considerados populares” (Ibid., id.). A relação
entre os instrumentos considerados mais populares, como os de percussão, e os
projetos sociais que trabalham com as classes populares, onde a população negra
80
representa uma grande parcela, já havia sido percebida também em outros projetos
de destaque, citados no capítulo 1 deste trabalho.
A indignação de FC a respeito das relações étnico-raciais do Brasil leva-o a
refletir com os oficinandos sobre esse tema. Mesmo tendo utilizado a música como
“via de ascensão”, ele afirma que nunca deixou de estudar e que incentiva seus
alunos a que façam o mesmo, pois “o estudo é fundamental” (CE, FC, p. 23).
Constatei, então, ser a execução a grande expectativa dos oficinandos, pois
“a grande maioria procura [a oficina] pra aprender tocar um instrumento ou cantar”
(CE, MN, p. 138). Eles chegam na oficina com um objetivo: “eu vou aprender a tocar”
(CE, FC, p. 15), as outras expectativas são decorrentes desta.
4.4 Opinião dos oficineiros sobre o projeto – “É difícil, mas [...] ele tem
resultado...”
Mesmo precisando administrar tantas expectativas, todos os oficineiros se
mostraram satisfeitos com o projeto. E, quando o classificavam como bastante difícil,
complementavam, dizendo: “mas eu acho que tem funcionado, pois ele tem se
expandido” (CE, CM, p. 66). Ou ainda: “É difícil, mas ele já está com 10 anos. É sinal
que ele tem resultado, porque senão ele não teria evoluído” (CE, RT, p. 37). E RT
conclui: “eu gostaria que esse projeto se expandisse mesmo por tudo que é lugar
porque ele dá resultado” (CE, RT, p. 40).
81
As ressalvas que foram feitas envolviam as condições técnicas e de infra-
estrutura. A opinião dos oficineiros era que, em 10 anos, muitos avanços já poderiam
ter sido conseguidos:
Poderia já ter um segundo passo. Pode ser aumentada. Tem que ser mais
valorizada, [...] ter [...] mais condições. Mesmo sem condições técnicas
suficientes, na minha opinião, [...] ela cumpre o seu papel
maravilhosamente. É um trabalho muito bem bolado. Uma coisa muito
inteligente assim. (CE, NP, p. 120).
Hoje eu acho que o projeto está bem amadurecido. Pode amadurecer mais,
principalmente no que diz respeito à infra-estrutura. Isso eu acho que falta.
Porque, afinal de contas, a prefeitura é uma instituição pública. Poderia
buscar parcerias para tentar amenizar um pouco essa carência, sem ser
paternalista. Poderia fornecer mais material. Até porque tu estás
trabalhando nas comunidades. Tu estás fazendo um trabalho de base. (CE,
MN, p. 136).
Um dos oficineiros confessa que sempre achou o projeto muito político. Ele
reconhece que isso se deveu à sua ignorância. Mas no momento que resolveu
conhecer, seu julgamento se alterou: “Eu freqüentei umas duas ou três [oficinas].
Bah! me encantei” (CE, BG, p. 97). Ele acredita “que se [o projeto] fosse um pouco
mais visto pela sociedade, ocuparia muito espaço. Ia ser muito usado” (CE, BG, p.
103). E para que isso ocorra é necessário “falar mais desse projeto. Não
simplesmente convidando. Falar do prazer que é [participar dele...] Ele está um
pouco fechado” (CE, BG, p. 104).
DN se diz “um pouco crítico” em relação à ausência da Secretaria de
Educação no projeto. Para ele, a Descentralização poderia “ser um projeto da
Secretaria de Cultura e não só, mas [também da Secretaria] de Educação” (CE, DN,
p. 73).
82
4.4.1 “E, além do cachorro que fica latindo horrivelmente, [...] começou a vir pedra.”
Ao serem perguntados sobre as dificuldades que estavam vivenciando nas
oficinas, os oficineiros as apontaram juntamente com as soluções procuradas para
resolvê-las. Para ST, MN e FC a dificuldade maior é o oficinando ter o instrumento.
FC inclusive afirma que “essa é a maior dificuldade [...] de qualquer projeto que
envolva música” (CE, FC, p. 19). ST diz que considera isso normal porque trabalha
com um público carente. Para atenuar esse problema, ele procurou “ajuda de um
outro parceiro que conseguiu uns instrumentos para o grupo” (CE, ST, p. 25).
MN, por sua vez, acredita que a Prefeitura deveria compor parcerias com a
iniciativa privada para que,
no mínimo, o projeto conseguisse um número básico [de instrumentos]. Uns
cinco instrumentos [entre os] que são mais procurados: violão, cavaquinho,
alguma percussão leve... Talvez não fosse deles, mas que durante esse
período ficasse emprestado ou que eles se utilizassem, pelo menos, no
momento da oficina. Mesmo que eles não levassem para casa. Mas que,
naquele momento, a gente dispusesse de algum material. (CE, MN, p. 136-
137).
Essa situação de falta de instrumento não é exclusividade dos projetos
ligados ao poder público. Tourinho (2003, p. 54) denuncia:
a maioria das escolas, mesmo as privadas e com boa estrutura para outras
atividades (laboratórios, bibliotecas, salas de projeção, auditório) investem
pouco ou mesmo nada investem na compra de equipamento musical,
optando geralmente por aulas e atividades que não impliquem em ônus.
Para a oficineira MN, com a falta de estrutura, se estabelece uma situação de
discriminação:
Pegar uma pessoa que não tem praticamente o que comer dentro de casa e
querer que ela venha com instrumento. Não que isso seja fundamental. Mas
83
a pessoa já tem a sua auto-estima lá embaixo. Aí chega lá, quer porque
quer aprender um violão. Mas não tem como ter um violão. Acaba que ela
vai embora, entende? (CE, MN, p. 136).
A evasão, associada à impossibilidade de aquisição do instrumento prevista
por MN, é um dos pontos que a faz considerar que
tem um sério problema [em sua oficina:] a falta de instrumentos. A maioria
[dos oficinandos] não tem o instrumento. E os poucos que levam não são
deles. Só um que tem, que é dele. E um instrumento bem simplezinho. Um
violão bem simples mesmo. (CE, MN, p. 132-133).
Não é responsabilidade do projeto de Descentralização a aquisição dos
instrumentos, mas o ativista também apresentou como “uma das dificuldades do
projeto [...] o acesso ao instrumento” (CE, GH, p. 176). Para mostrar que a
administração do projeto está consciente do problema e em busca de alternativas,
ele explica:
Nem todas as regiões têm condição de comprar o instrumento. Então a
gente faz, por exemplo, nas oficinas de percussão, reciclagem de material.
Tubos de papelão, de cano viram ganzá. [Faz] chinelofone. Uma lata de
pomarola vira um tamborim. Uma bombona d’água vazia vira um surdo,
latas de cola, de tinta viram tarol. Então tem que trabalhar com isso, com a
criatividade também para fazer com que surjam instrumentos. A gente tem
um projeto que já encaminhou, no ano passado, na temática do Orçamento
Participativo, que é uma oficina de fabricação de instrumentos, oficina de
luteria. É justamente para suprir essa necessidade, que é praticamente de
todas as oficinas. Umas têm mais, outras têm menos. Algumas chegam a
ter o instrumento, mas a maioria tem essa carência, que é a necessidade de
instrumentos musicais. (CE, GH, p. 176-177).
Esses instrumentos de material reciclado, referidos acima, nem sempre são
bem aceitos pelos oficinandos. FC descreve uma situação ocorrida em sua oficina
que denota a percepção dos alunos a respeito desse problema:
Eu estava contando na reunião que um menino lá na oficina, me falou: "Bah!
Ô, tio, pede para aquele outro tio [o ativista] lá ver se ele consegue uns
84
instrumentos de verdade pra nós". Dizendo que os instrumentos reciclados
não são de verdade. “Mas isso aqui não é de brinquedo, é um instrumento
de verdade também. Só que ele é feito de material usado”. E daí tu tens que
fazer a cabeça deles para aceitarem aqueles instrumentos. (CE, FC, p. 20).
Questões relacionadas à exclusão e à etnicidade foram mais uma vez citadas
por FC:
Porque eles olham na televisão. Eles vêem aqueles instrumentos. Os caras
tocando. Principalmente o pessoal mais negro, assim da raça, nos grupos
de samba, pagode. Eles ficam encantados. Os instrumentos supercaros.
Então, vendo um instrumento desse [reciclado], tu tens que fazer toda uma
lavagem cerebral. Por isso, eu acho que, para trabalhar com esse material,
tu tens que estar dentro do núcleo comunitário. Para poder estar
desenvolvendo uma banda ali dentro com [esse tipo de] instrumento. E
poder estar se apresentando e ver essa banda acontecendo. Porque daí os
outros vão também valorizar. Assim como o AfroReggae, que existe no Rio.
Eles trabalham com instrumentos reciclados, mas a coisa acontece. [...] Não
temos, aqui no Sul, nenhuma banda expressiva que deu certo tocando em
lata, tocando em instrumentos reciclados. Então eu acho que é por isso que
eles tratam como um instrumento de brinquedo. (CE, FC, p. 20-21).
Embora ache que, no decorrer da oficina, os oficinandos modificarão sua
percepção sobre os instrumentos reciclados, FC revela:
o pessoal da Valcareggi, que é uma casa de instrumentos musicais da
Cidade Baixa [bairro de Porto Alegre], ficou sabendo do projeto e se
interessou. E está para ir lá, para ver a meninada e provavelmente doar
alguns instrumentos. Daí sim, daí vai dar para fazer um trabalho bem legal.
(CE, FC, p. 14-15).
O desejo de oferecer instrumentos de “verdade” se contrapõe ao receio de
criar expectativas que não serão satisfeitas: “Instrumentos de corda, sax, metais.
Isso aí, nem pensar em uma comunidade dessas. É melhor não levar porque eles
nunca vão poder comprar um instrumento de 5 mil. Um saxofone [custa] 5 mil” (CE,
FC, p. 19). FC explica que essa foi também a sua experiência: “Eu nunca me
interessei por instrumentos que fossem muito caros. Senão eu não ia poder comprar.
85
Eu também sou de comunidade pobre, sou de origem humilde e não ia conseguir”
(CE, FC, p. 20).
Por isso, ele concorda com MN no que diz respeito à aquisição de
instrumentos por parte da SMC. Para o oficineiro,
[é] uma das coisas que poderia ajudar bastante: poder ter instrumentos
disponíveis para despertar mais essa [gurizada]. Porque no meio daquela
galera ali tu achas quem tem facilidade para tocar um instrumento. Tipo um
teclado. Talvez vá morrer ali e nunca vai tocar. (CE, FC, p. 20).
Posicionamento semelhante têm os egressos dos cursos de licenciatura em
música, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), investigados por Xisto
(2004). Atuando em um espaço formal, onde são professores, eles responderam que
“o maior problema [... dos] que atuam na Educação Básica é a falta de materiais,
principalmente instrumentos musicais, limitando as possibilidades de trabalho” (Ibid.,
p. 136). Acrescentaram ainda que,
nos espaços em que atuam, [os] problemas e dificuldades [para a realização
do seu trabalho profissional] são relativos aos seguintes aspectos: falta de
recursos, materiais didáticos, como instrumentos musicais, aparelhos de
som, CD, discos ou fitas, livros e outros. (Ibid., p. 135)
Outra dificuldade apontada se refere às condições técnicas do local de
realização das oficinas. O Regimento Interno do OP determina que
o espaço deverá apresentar condições mínimas para realização de eventos
culturais [...]. No caso das oficinas de artes, critérios semelhantes [acústica,
visibilidade, ventilação, etc] e adequados a cada área da oficina deverão ser
levados em conta. O projeto de Descentralização conta com uma equipe de
técnicos que fará a avaliação de cada local indicado pela comunidade. A
avaliação será feita em conjunto com a comunidade. (PREFEITURA DE
PORTO ALEGRE, 2004b, p. 52-53).
86
Essas condições, ou a falta delas, interferem na operacionalização das
oficinas e, em alguns casos, na atuação do oficineiro. No final de abril, alguns
oficineiros ainda não tinham o local apropriado para a realização de suas oficinas.
Isso fica evidenciado, no comentário de RT, sobre o fato de as reuniões semanais
dos oficineiros não haverem engrenado, porque “ainda tem alguém que não
começou [a oficina] por falta de espaço” (CE, RT, p. 36). No mês seguinte, pude
confirmar, em uma entrevista, que o problema ainda continuava. O entrevistado, ao
declarar que sua oficina começara tarde, se retrata: “Não [muito] tarde até, [pois] têm
umas oficinas que estão começando ainda” (CE, DN, p. 68).
Em outros casos, o espaço oferecido não correspondia às condições técnicas
anteriormente citadas. MN diz estar “lidando com [... um] espaço físico [...] que é
terrível” (CE, MN, p. 134). Tourinho (2003), ao analisar o ensino de música em
Salvador, encontrou situação semelhante. A autora relata: “os professores
necessitam com freqüência criar seu próprio material didático e improvisar
instrumentos de material reciclável, e se [vêem] obrigados a trabalhar em espaços
inadequados” (Ibid., p. 54).
Isso foi vivenciado também por FC. Ele contou que tem apenas um encontro
semanal com seu grupo, pois o local onde a oficina ocorre só tem disponibilidade em
um dos dias da semana. A comunidade, através de sua associação, está “tentando
administrar e [fazer em] dois dias. [Mas] eles não estão conseguindo. Então estou
dando quatro horas direto, que é uma dificuldade imensa. Acaba não sendo quatro
horas porque [...] fica muito maçante” (CE, FC, p. 14). De igual modo, a “falta de
espaço físico ou espaço físico inadequado à realização de suas atividades” (XISTO,
87
2004, p. 135) foram indicados pelos professores de música egressos da UFSM como
dificuldades encontradas na sua atuação, tanto nas escolas quanto em outros
espaços educativos.
A utilização de ambientes variados, como igrejas e associações de
moradores, nem sempre são adequados à realização do trabalho educativo. O uso
desses locais pela comunidade favorece a ocorrência de situações que interferem
principalmente na disciplina. ST relatou uma cena, em sua oficina, que exemplifica
essa dificuldade:
Lá [no salão da paróquia] elas [as mães] almoçam, tem um rancho. Tem
toda uma história ali. Elas estavam fazendo mais bagunça do que nós. Aí eu
parei a aula, pedi silêncio para as crianças, depois pedi silêncio para as
mães. Daí elas ficaram me olhando, não entendendo. (CE, ST, p.26).
Outras circunstâncias foram expostas por DN. Um dos dias em que a sua
oficina acontece é a sexta-feira, à noite. Ao chegar para dar aula, encontrou “a
associação de moradores [...] meio escura, mas tinha um canto iluminado com um
pessoal preparando uma festa de aniversário para o outro dia” (CE, DN, p. 69). Isso,
porém, não foi o mais grave. Ele contou que, em outro momento,
estava dando aula e, além do cachorro que fica latindo horrivelmente, mas
ele vai se acostumar, começou a vir pedra. [Vinha] do lado de fora da
associação. Então as pessoas, claro, ouvem as flautas e se querem assistir
à novela... Ou [alguém] estava de banda por ali: "Oba, tem gente na
associação, vou atirar uma pedra". E aí atirou. Então, quebraram vidro e
tocaram pedra, uma pedra. E foi um alerta. Não dá para ficar das sete até
às dez da noite assoprando flauta, senão vai voar pedra ali para dentro.
(CE, DN, p. 77).
Questões ligadas à política interna, em cada uma das comunidades, são
responsáveis, entre outras coisas, pela alteração dos locais onde as oficinas se
88
realizam. EF comenta que a região onde atua é “muito grande e as lideranças
internas dessa região brigam por uma oficina ou outra” (CE, EF, p. 3). Os interesses
pessoais afloram, pois existem “pessoas que se adonam assim do espaço que é da
comunidade. Se sentem donas do espaço” (CE, CM, p. 66). LN reitera:
E quando existe algum problema, porque não são só os problemas
relacionados à oficina em si. Tem parte de infra-estrutura, a comunidade lá
tem o fulano que não quer, o outro não sei o quê. Eu [...] não tenho
enfrentado maiores problemas, a não ser quando chove [risos]. Mas têm
outras oficinas que eu sei que dão problemas, têm ciumeiras lá e tal. (CE,
LN, p. 55).
Vários bairros integram as regiões do OP (ver Anexo A), por isso as oficinas
tornam-se itinerantes. Constatei que, pelo fato de acontecerem a cada ano em
bairros diferentes, o processo de formação do grupo reinicia. Isso, às vezes, é muito
demorado.
No ano passado, eu estava numa outra localização dentro da região. Era
um anexo [...] de uma escola municipal, uma escola grande. [...] estava no
mesmo lugar que tinha sido nos dois anos anteriores. Então eu já peguei
um grupo mais ou menos formado. E agora continua sendo à tarde [mas]
está numa região um pouco mais afastada. A minha turminha do ano
passado está começando a vir. Ontem vieram cinco. Mas do pessoal dessa
localização lá, [...] está vindo pouca gente, por enquanto. (CE, CM, p. 61).
Por outro lado, para HR, quando a comunidade começa a oferecer melhores
condições para o trabalho do oficineiro, é uma forma de mostrar como “as pessoas
estão começando [a] entender um pouco mais o que é a oficina. [...] Elas inclusive
pintaram a sede. Agora lá está mais arrumadinho” (CE, HR, p. 146).
As oficinas, em algumas regiões, estão localizadas em bairros onde a
violência é mais aparente. Da primeira vez em que trabalhou no projeto, MN se
89
deparou com uma situação dessas. Ela conta: “infelizmente, dei o azar de que
naquele local onde estava a oficina, [...] teve um problema externo muito sério. [Pois]
tinha brigas de gangue [...] naquele ano” (CE, MN, p. 126). Ao continuar o seu relato,
a oficineira questiona a intervenção feita pela administração para resolver o
problema:
Um local de difícil acesso. A escola, lá era muito escuro, era complicado.
Esvaziou a oficina. Deu muitos problemas. E eram fatores externos que
estavam interferindo. E acabou que a gente teve que cancelar lá. E
colocaram daí [em outro lugar]. Colocaram um oficineiro porque eles
acharam que o fato de eu ser mulher talvez [...] eu não tivesse condições de
[ministrar], que eu achei ridículo. Deixei isso bem claro. (CE, MN, p. 127).
Só essa entrevistada mencionou aspectos relacionados ao gênero e
classificou como “bobagem” a decisão tomada pelo projeto em afastá-la da região,
por ser mulher.
Isso aí, inclusive, eu falei nessa capacitação que a gente teve, inicialmente,
para começar o projeto, que eles não cometessem mais esse erro de
subestimar as mulheres, no projeto. Eu acho até que [elas] estão em
minoria ainda. São poucas. [...] São duas mulheres. [...] Quer dizer, ainda
temos muito que lutar. (CE, MN, p. 132).
Essa situação é mais bem compreendida, quando é recordado que a
convocação da SMC se dirige aos músicos atuantes em Porto Alegre. Então, ser
minoria em um projeto cultural pode ser reflexo dos contextos profissionais do
músico, no que se refere ao gênero, mesmo que seja a atividade educativa
associada, durante anos, ao universo feminino (ver LOURO, 2001, por exemplo).
Outro ponto levantado, sob a perspectiva política, foi a não concretização do
que é anunciado, tanto pela administração quanto pela comunidade. CM confirma:
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“às vezes é um pouco complicado. Esbarra em algumas promessas não cumpridas.
Algumas coisas assim acontecem” (CE, CM, p. 62).
Aliadas às dificuldades já expostas, estão aquelas associadas aos
oficinandos. A primeira delas, a oscilação dos que freqüentam a oficina durante o
ano. Pessoas que aparecem uma vez e só reaparecem no mês seguinte. “Então se
tu não encontras o mote, a estratégia adequada, [...] se tu não crias um mecanismo
de disciplinar isso aí, fica um trabalho muito difícil. Então é um trabalho que custa um
tempinho até começar a engrenar, alguns não conseguem” (CE, CM, p. 66). Além
disso, no início das oficinas, há um procura muito grande por parte da comunidade.
NP diz que chegou “a ter 50 oficinandos. Era uma dificuldade para trabalhar.
Quando eu conseguia organizar tudo eram quinze para as nove. Já estava na hora
de terminar a oficina” (CE, NP, p. 116). A oscilação dos freqüentadores das oficinas
ocorre também em decorrência da faixa etária. LN conta que, em sua oficina,
algumas crianças aparecem, mas acabam não mantendo o curso, não
comparecendo por causa de problemas com os pais. São muitos pequenos,
não têm autonomia para andar pela rua. E os mais velhos, imagino eu,
acabam se evadindo também [...] por outros motivos, que eu sinto que é, um
pouco, resistência ao aprendizado. Ver que tem que se esforçar um pouco
em casa, não vai ser dado tudo na aula, na oficina e aí o pessoal acaba se
escapando também. (CE, LN, p. 54).
Já para JL, a grande dificuldade é a desinformação dos alunos, decorrente da
falta de acesso aos livros. Ele denuncia o fato de, no nosso país, cultura e
informação serem tão caras. Essa dificuldade está aliada também à diferença de
faixa etária dos oficinandos. Então “quando algum conhece alguma coisa, o outro
não conhece. Essa é a primeira dificuldade que a gente encontra” (CE, JL, p. 45).
91
4.4.2 A Mostra da Descentralização – “O orgulho da galera...”
Apesar das dificuldades apontadas, os oficineiros que trabalharam em anos
anteriores destacam alguns avanços. Dentre os mais citados, está a alteração das
regras referentes à renovação do contrato do oficineiro para atuar na mesma oficina.
Segundo NP, “havia uma proibição, na prefeitura, de repetir oficineiro” (CE, NP, p.
114). Então “houve uma torcida muito grande [na oficina para] que se mudasse a lei
até para que eu continuasse” (CE, NP, p. 118).
Outro item relatado foi o da exposição pública das oficinas, compreensível em
termos éticos, pois havia a preocupação em não se utilizar as oficinas com o intuito
de fazer propaganda política.
Os oficinandos jamais poderiam se apresentar em qualquer [espaço]
mesmo que fosse uma festinha das mães na comunidade. De forma
alguma! A não ser que eles fossem como pessoas. Como cidadãos. Mas
nada como oficinas, entende? Não podia se utilizar a oficina para fazer
qualquer coisa. (CE, MN, p. 135).
Segundo MN, “hoje mudou bastante. Hoje já existem [...] essas mostras que
fazem. Tanto a do final do ano, que é a maior, quanto as mostras de processo, a
integração entre as oficinas” (CE, MN, p. 135). Além dos avanços citados, CM
acrescenta a expansão numérica: “No ano passado [tivemos] 70 oficinas. Hoje,
umas 15 oficinas a mais em todas as áreas” (CE, CM, p. 66).
“A Mostra das Oficinas de Artes do Projeto de Descentralização da Secretaria
Municipal da Cultura já é um programa de Porto Alegre” (CORRÊA, 2003, p. 5). É
assim que o coordenador do projeto inicia seu texto em uma publicação sobre a
Mostra, no ano de 2003. Esse programa ocorre “no final do ano, normalmente em
92
dezembro. A gente faz uma amostra das oficinas que não é uma amostra de
resultados” (CE, GH, p. 182). O ativista esclarece que, por não ser objetivo das
oficinas formar músicos, não há uma cobrança de qualidade, muito embora essa
qualidade acabe acontecendo. Em algumas regiões, isso é mais perceptível que em
outras. Ele explica que isso acontece, porque, no histórico dessas regiões, há a
presença de oficineiros que deixaram “uma semente. Aquela semente deu uma
planta, essa planta está dando frutos. Então, o resultado aparece” (CE, GH, p. 182).
Em consonância com o pensamento do ativista, JL revela: “quando a gente começa
a encarar a coisa de uma forma mais séria, dedicada, ordenada, o resultado sempre
aparece e não demora muito tempo” (CE, JL, p. 49).
GH conta que a Mostra das oficinas de 2003 ocorreu no Teatro de Câmara
Túlio Piva, entre os dias 11 e 14 de dezembro. Foi realizada uma gravação ao vivo,
em MD, pois não havia “verba para fazer uma gravação de estúdio, bem elaborada”
(CE, GH, p. 183). Esse registro fonográfico foi passado para CD em 2004. “Então [...]
a gente já vai ter um CD da Mostra das regiões, do resultado das oficinas nas suas
respectivas regiões” (CE, GH, p. 183).
LN relata como foi o processo da apresentação de sua oficina na Mostra de
2003. Ressalta a expectativa do grupo em relação à apresentação e o fato de ter
corrido tudo bem. Além disso, destaca a presença da família, todos usando “roupa
de domingo”. Para ele,
isso tudo é um negócio legal de ver. O esforço e no fim ainda correu tudo
bem. Tocaram legal. A semana passada eu levei lá a gravação. Alguns
ficam com vergonha, outros dão risadas. Aquelas coisas de adolescente.
Mas foi legal. E acho que isso foi um ponto culminante tanto por ser o final
93
do ano quanto realmente [por] ter sido uma coisa significativa para a oficina.
(CE, LN, p. 58).
A SMC providencia a infra-estrutura, “monta um palco, com os recursos que a
gente tem, que são bons: microfones, amplificadores, etc., todo equipamento
possível para dar condições para a oficina se apresentar” (CE, GH, p. 183). Ainda
segundo o ativista, “disponibiliza o transporte, também na medida do possível, para
que o pessoal se desloque até o teatro. E é uma oportunidade também deles se
verem no palco e de conhecerem outras oficinas” (CE, GH, p. 183).
Ao ser questionado sobre a capacidade de acomodação do Teatro de Câmara
Túlio Piva (em torno de 120 pessoas), GH argumenta que ele tem atendido às
exigências do projeto. Admite que “a platéia se resume ao pessoal das oficinas e às
famílias que vão ver os próprios oficinandos se apresentando. Dificilmente pessoas
alheias ao projeto, até porque a gente não tem exposição na mídia” (CE, GH, p.
184).
A Mostra foi apresentada por RT como um momento de avaliação. Ele insiste
com os alunos sobre a oficina ter “um objetivo: ‘Nós vamos nos apresentar’. [As]
pessoas vão nos ver. Tem uma avaliação” (CE, RT, p. 39). Para os oficinandos de
BG, a Mostra é o momento de compartilhar com as outras oficinas o que foi
aprendido. Há um sentimento de “orgulho da galera de querer ali mostrar. [...] Então
é mais para nós aqui mesmo e para eles” (CE, BG, p. 105).
LN acredita que esse é o momento ideal para uma avaliação do trabalho
desenvolvido pelo oficineiro:
94
se eu fosse ativista das oficinas, seria um bom momento para eu avaliar o
trabalho que foi feito. Porque é manter um grupo unido. Porque tem muita
gente que durante o ano fica com o grupo. No final, aquilo vai se
escapando, porque muita gente que não gosta de se apresentar, não quer e
tal. [...] Eu acho que é um bom momento para a avaliação, desde que tenha
os critérios adequados. Não é o grupo mais afinado. (CE, LN, p. 59).
Alguns resultados da oficina se tornam visíveis na Mostra e foram apontados
pelo ativista. Em algumas regiões, surgem compositores, mesmo que não seja esse
o objetivo das oficinas. Para GH, a finalidade é “estimular a criatividade das pessoas
que surge através da composição. Pode ser apenas interpretação de música do
gosto deles. [...] Então, às vezes surgem na Mostra composições bem interessantes”
(CE, GH, p. 183).
O outro momento de troca entre as oficinas é a Mostra de processo. No
momento da coleta de dados, ainda fazia parte do planejamento realizá-la em
agosto. Seguindo a proposta do projeto, ela deve “ser descentralizada. A idéia é
fazer [a Mostra de processo] em cinco regiões que reúnam [...] três ou quatro
regiões, dependendo da disponibilidade, [...] para que as oficinas possam se
conhecer. Saber o trabalho que está sendo desenvolvido nas outras, que isso é
importante também” (CE, GH, p. 183-184).
4.5 As reuniões – “Um baita momento de crescimento.”
A troca que ocorre na Mostra é bem pontual e envolve todos os que dela
participam. No entanto, durante todo o ano, há um outro recurso, na estrutura do
projeto, para que as informações sobre as oficinas sejam compartilhadas. Para isso,
além das quatro horas de aula, o contrato dos oficineiros prevê também duas horas
semanais para as reuniões com o ativista. Essas reuniões ocorreram durante o ano
95
de 2004, às quartas-feiras. O grupo que desenvolvia as oficinas de percussão se
encontrava às 15 horas, enquanto aqueles que trabalhavam com canto e outros
instrumentos, às 10 horas. As reuniões tinham lugar no auditório Araújo Vianna, no
Parque Farroupilha. Um dos oficineiros que participa do projeto pela sexta vez,
afirma: “E isso sim, sempre existiu. Essas reuniões. Desde que eu participo, sempre
teve. [...] Faz parte, inclusive, do contrato. Eu acho superválido” (CE, HR, p. 150).
Elas são avaliadas como fundamentais no início das atividades,
“principalmente para aqueles que não conhecem ou que não trabalharam [ainda nas
oficinas]. Porque é a troca de experiência com aqueles que já fizeram” (CE, NP, p.
118). Para o oficineiro, essa “é a única coisa que tu tens. Porque não existe um
curso ou um treinamento de como chegar na comunidade, como tu vais te portar.
Então as pessoas esperam que tu faças isso de forma natural. Todo mundo espera
que tu já nasças sabendo” (CE, NP, p. 118-119).
Existe também a possibilidade de o oficineiro avaliar o trabalho que está
sendo desenvolvido:
Eu acho superimportante. Para mim é [...] uma oportunidade de aprender
com os colegas e de sempre me puxar um pouco mais. Às vezes, a gente
negligencia. Entra numa rotina. Deixa de procurar outros estímulos para os
alunos. Faz essa rotina. Então vem sempre uma [coisa nova]. Tu ouves a
experiência dos outros e isso é muito bom, essa troca. (CE, CM, p. 63).
FC lembra que o resultado da avaliação deve chegar também às regiões que
demandaram as oficinas. Além da troca com os colegas,
[o oficineiro estará] prestando conta do que está acontecendo. [Ele vai]
poder também estar mostrando os pontos positivos e os pontos negativos
96
da oficina. E, assim, melhorar, eu acho, o projeto. Quem está pontuando o
projeto vai ter toda essa [informação]. [...] Eu acho que se a gente não se
encontrasse, [...] ia ficar uma coisa estranha daí. Talvez eles visitassem a
oficina. Mas não sei se conseguiriam captar exatamente o que é que estava
acontecendo. Então, eu acho que é legal toda semana ter um encontro, até
para avaliar. (CE, FC, p. 18).
Para LN, a reunião é também um dos momentos em que o ativista pode
avaliar as oficinas. Além disso, ela se justifica, pois,
em primeiro lugar, [em] uma atividade dessa que cada um vai [para um]
lado, [então] é muito necessário que haja essa reunião. Mesmo que fosse
só para tomar cafezinho. Porque senão fica uma coisa muito dispersa, sem
a possibilidade de acompanhamento. A pessoa [...] responsável pelos
oficineiros, [...] praticamente tem que [estar junto] às oficinas, para ter um
controle. Para ter uma avaliação disso. E essas reuniões, [...] além dessa
possibilidade de manter [as] atividades, [as] oficinas, de uma certa maneira
unidas, ainda existe o compartilhamento dos problemas, que bem ou mal
acabam muitos sendo comuns. Não comuns a todos, mas comuns a alguns.
Isso favorece a maneira de proceder, porque as situações são diversas e
quando tu já tens [...] uma jurisprudência formada, [...] aí tu já recorres sem
maiores problemas. [...] essa reunião serve também para isso. (CE, LN, p
55).
Dentre essas situações diversas, RT expõe o fato de a oficina receber alunos
indiscriminadamente. Em sua oficina de percussão, apareceu um aluno de
cavaquinho e ele “não tinha noção de como seria cavaquinho” (CE, RT, p. 36).
Então, “pediu socorro” e os colegas o auxiliaram.
AB concorda que há um proveito advindo desse compartilhamento de
problemas:
Em toda região aqui de Porto Alegre, cada um tem o seu problema. Mas
esse problema quase sempre vai [ser identificado] com o que o outro tem.
Então a gente vem aqui e faz um debate. [...] é esse o motivo de nossa
reunião de quarta-feira, às 10 horas da manhã. É para ficar sabendo o que
está acontecendo dentro das outras oficinas. Até mesmo se a gente precisar
ser trocado. [...] Se vai ser trocado de uma região para outra, ele já vai
sabendo como o pessoal age lá, como é que o outro estava agindo, tudo
certinho. (CE, AB, p. 159-160).
97
Receber “dicas de um, dicas de outro” são as vantagens apontadas por FC,
quando se refere às reuniões. Por ser “marinheiro de primeira viagem”, considera
que os encontros são “superproveitosos. Acho que pra mim é fundamental porque é
no meio da semana” (CE, FC, p. 18). Essa informação se torna clara, quando ele
acrescenta que sua oficina acontece aos sábados.
Essas “dicas” citadas por FC, essa “troca de materiais, esse negócio de cada
um falar um pouquinho do que está acontecendo” (CE, BG, p. 102), são também
mencionados por JL:
Eu vejo as reuniões [como] importantes porque existem várias maneiras
também de ensinar. Dinâmicas a serem desenvolvidas. E coisas diferentes.
E a gente vendo o relato de cada um, as experiências de cada um, sempre
aprende alguma coisa nova e ao mesmo tempo fica a par do que está
acontecendo nas outras oficinas. E a gente fica com uma idéia abrangente
assim de todo o movimento que acontece com relação a todos [...] os que
freqüentam as oficinas. A gente tem uma idéia, uma confirmação, uma
avaliação do desenvolvimento geral de todos. (CE, JL, p. 48).
Em outros espaços de educação musical isso também acontece. Xisto (2004)
relata em sua pesquisa como um dos entrevistados analisa a troca de experiências
entre os professores das diversas áreas de conhecimento que atuam na educação
básica:
Nas escolas, os professores costumam relatar experiências bem sucedidas
com as suas turmas, fornecendo informações que podem auxiliar na prática
pedagógica de seus colegas, mesmo que não sejam profissionais da
mesma área de conhecimento. Esta troca de conhecimentos efetiva-se nas
“dicas” que os professores dão uns aos outros sobre estratégias para
realizar determinadas atividades, sobre como avaliar determinado conteúdo
ou sobre como resolver problemas de comportamento dos alunos em sala
de aula, entre outras orientações. Também costumam contar aos colegas
experiências realizadas em sala de aula que não deram certo,
aconselhando-os a optar por outras estratégias. Através da troca de
experiências, o corpo docente de uma determinada escola vai,
gradualmente, construindo um conjunto de saberes experienciais de caráter
coletivo. (XISTO, 2004, p. 152).
98
Mesmo que o grupo seja formado só por músicos, as especificidades de cada
um vão corresponder à diversidade de áreas dos professores da educação básica.
RT expõe como esse momento da reunião vai ser fundamental para a construção de
novos saberes:
a gente discute metodologia, troca informação. Por exemplo, estou levando
aqui hoje um método de cavaquinho. Que eu não tinha noção de como seria
cavaquinho e já pedi socorro [e eles] já me conseguiram. Troca de
informações, troca de sugestões, dinâmicas de trabalho. Tem muita gente
que é nova, que está recém entrando. A gente, como é mais experiente, já
está há mais tempo, a gente ajuda. [E há] essa relação aí, [essa]
interatividade entre os que trabalham no projeto. (CE, RT, p. 36).
Considerando esse encontro o responsável por dar “sentido” às oficinas e, por
isso, ser “essencial”, EF relata que “no início das reuniões, [...] as pessoas vêm com
aquela ansiedade e com aquela vontade e sonham muito alto. E a tendência [...]
depois é começar a botar os pés no chão, aos poucos” (CE, EF, p. 6).
Dois entrevistados já se encontram nesse estágio de “botar os pés no chão” e
questionam aspectos importantes das reuniões. ST admite sua parcela de culpa, por
não ter tentado mudar uma situação que o incomoda. Ele declara:
Ali se reúnem grandes pessoas que não aproveitam o tempo como poderia
ser. Sou culpado disso porque não falo também. Já pensei assim [em]
intervir. Em falar que a gente poderia fazer oficinas entre nós, mas daí teve
um momento que eu já vi que eu estava cheio de coisa e me acomodei. E
para mim facilitou também não ter [as oficinas internas]. Tento fazer meus
relatórios ali para entregar. E a gente pergunta como é que estão as
oficinas. [Eu acabo] perguntando assim para os outros como é que está a
oficina deles, mas especificamente para embasar a minha. Mas acho que é
um baita momento aquele. Acho que o músico sempre reclama de falta de
tempo, [de] grana para se reunir. Agenda e grana. Lá nós temos agenda e
grana, estamos recebendo para estar ali. Acho que seria um baita momento
de crescimento. Tanto de músico como de professor. Para estar trocando
experiência, tocando junto, querendo pegar métodos de estudo. Enfim, acho
que é um baita momento que a gente não aproveita. Em um espaço, que é
o Araújo Vianna, que é “tribom”. Acho que é uma coisa a evoluir ainda. Acho
que eu também podia trabalhar para que isso melhorasse. (CE, ST, p. 29).
99
Para DN, a falha das reuniões consiste na ausência de uma reflexão sobre a
prática:
Eu acho que a gente está num [...] momento agora, [que] revela uma
lacuna, onde a teoria e a prática não estão se encontrando. [...] Mas tem
várias coisas que são pensadas que poderiam ser legais se [...] eles já
olhassem para a própria oficina com distanciamento, com um
questionamento. E isso, bah, faria crescer um monte. Mas não tem espaço
para isso porque tem outras questões. Tem a cota do xerox, por exemplo.
Então tudo sempre é importante, menos esse momento de teoria e prática.
(CE, DN, p. 91).
4.6 O ativista – “O ativista cultural é, na verdade, o supervisor das oficinas.”
Por ter uma posição estratégica, o ativista foi citado espontaneamente em
todas as entrevistas. A avaliação feita, positiva na maioria dos casos, envolveu a
condução das reuniões, a comparação com ativistas de anos anteriores e sua
postura política. Mesmo quando houve críticas, um fato foi ressaltado pelos
oficineiros: “é um ativista para muitas oficinas. É meio complicada a vida do GH”
(CE, NP, p. 120).
As características profissionais de GH foram mencionadas por BG como algo
motivador:
é impressionante o empenho que esse cara tem de fazer o negócio
acontecer. Ele parece que está em todos os lugares em todos os instantes.
Ele é muito [...] engajado. É impressionante como ele mandou gente lá para
a minha [oficina], para a região Centro. Pode ver, ele vai de bicicleta. Então
[...] pelo esforço dele de ter conseguido fazer isso acontecer, eu acredito
que vale a pena meu esforço. (CE, BG, p. 102).
Outro ponto levantado, o seu posicionamento político e ético, foi visto como
mais importante para sua atuação do que uma formação acadêmica:
100
Eu acho [o ativista] um cara muito interessante. Eu acho que ele é [...] o
melhor coordenador que a Descentralização já teve. Ele é um cara que tem
uma posição política muito forte. E dentro da Secretaria de Cultura ele é
muito contundente [...] é muito ético, nesse sentido, e [isso] é muito legal.
Ele tem uma coisa de liderança forte. Acho que ninguém coordenaria melhor
do que ele essas reuniões [...] embora se esperasse um acadêmico para
fazer essa coordenação. (CE, DN, p. 79).
Essa expectativa em relação a um acadêmico para coordenar as oficinas
justifica-se por ser DN egresso da academia e por considerar o projeto de
Descentralização não só cultural, mas também educativo.
Ainda que a função do ativista tenha uma vinculação política, e isso em outros
anos era tema das reuniões, GH se diferencia pela condução das discussões:
E hoje, por exemplo, com o GH, já não tem essa discussão tão política. O
jeito dele já é diferente. Apesar dele ter uma consciência política também,
mas ele se atém mais ao lado prático. E eu acho que isso para os oficineiros
até é melhor. Tu acabas assim tirando mais proveito. Mesmo achando que é
importante a discussão política. Acho que a gente tem que discutir também
isso aí. Mas, [...] da forma que ele leva, até gosto mais. (CE, MN, p. 136).
Essa comparação com outros ativistas também foi feita por JL, que participa
do projeto desde 1999. Para esse oficineiro, atualmente há uma maleabilidade, que
ele denominou de bom senso, por parte da administração em relação ao que se é
exigido:
Então eu já tive coordenadores assim mais rigorosos, mais exigentes. Que
mandava a gente estudar coisas mais aprofundadas. Estudar Paulo Freire.
Métodos de educação em livros. [...] Eu senti que era uma coisa assim mais
exigente. Mas, com o tempo, acho que a coisa ficou mais maleável. (CE, JL,
p. 47).
Entretanto, algumas críticas foram apresentadas. Entre elas, a cobrança por
uma participação mais efetiva do ativista nas oficinas. HR reforça que essa é uma
101
crítica que ele já fez e que continuará fazendo, pois “o ativista cultural é, na verdade,
o supervisor das oficinas. Eu acho que a presença dele nas regiões deveria ser [...]
mais presente” (CE, HR, p. 151).
O oficineiro acrescenta ainda que considera o processo, dentro das oficinas,
muito lento, por isso acha
que essas coisas de escrever relatórios semanais, como o ativista está
propondo, não [...] são muito [práticas]. Claro que é legal escrever, [...] mas
é que têm coisas que são muito lentas. Então tu vais passar dois, três
meses, às vezes, falando de uma história, de [...] uma questão em pauta.
(CE, HR, p. 151).
Ao ser perguntado sobre a função do relatório, se ele era um dos
instrumentos de avaliação, o ativista informou:
Eu costumo cobrar que eles entreguem. Tem uns que entregam semanal,
outros quinzenalmente. Não basta o cara preencher ali um formulário e que
não conste nada. Então o sentido do relatório é ser uma espécie de
histórico para que o projeto tenha memória. Isso é importante, que o projeto
tenha memória. E por uma questão de avaliação também. Embora a reunião
tenha duas horas de duração, às vezes tem temas que não são abordados.
Então depois eu faço uma análise do relatório em casa. E também para
amadurecimento do projeto. O relatório é fundamental. É um histórico. É a
memória escrita do projeto. (CE, GH, p. 182).
Essa preocupação com a memória da Descentralização, com o seu
amadurecimento, com a condução das reuniões, com a prática dos oficineiros faz
com que o ativista exerça um papel fundamental na dinâmica do projeto, uma vez
que ele acompanha, anualmente, todo o processo, desde a seleção dos que ali vão
atuar.
102
CAPÍTULO 5
5 DO OFICINEIRO: “OFICINEIRO É UM ‘TROÇO’ CURIOSO. TEM PERFIL
MESMO!”
Ao ser indagado sobre as habilidades que um oficineiro necessita para
desenvolver o seu trabalho, RT inicia, da seguinte forma, sua resposta: o “oficineiro
é um ‘troço’ curioso. Tem perfil mesmo!” (CE, RT, p. 38). É esse perfil que, a partir
de suas falas, tentarei compor, abordando aspectos da formação e as experiências
anteriores, além de destacar suas concepções sobre professor e aula de música.
5.1 Seleção dos oficineiros - “O que é que eu estou fazendo aqui?”
A seleção dos oficineiros, segundo o ativista, se dá, normalmente, em
dezembro de cada ano. As inscrições são abertas por um período de 30 dias. Os
interessados encaminham o currículo e uma proposta de projeto, que são analisados
[por uma] comissão de avaliação na qual participam o [próprio] ativista, o
coordenador de música, o coordenador da Descentralização mais um
representante das relações comunitárias, que trabalha junto à
Descentralização. Então é uma comissão de quatro avaliadores. (CE, GH, p.
180-181).
Para 2004, foram 65 projetos inscritos, dos quais, 19 foram selecionados.
Onze para as oficinas “genéricas” e 8 para percussão. Ainda segundo o ativista, o
processo de seleção é muito difícil, pois não há a possibilidade de absorver todos os
inscritos. Além disso, o processo seletivo, explica GH, envolve subjetividades, entre
elas, a predisposição do candidato a se envolver muito mais do que aquelas horas
para as quais ele será contratado.
103
Ele tem uma carga horária de quatro horas semanais [de aula], mas ele
acaba chegando uma hora antes, saindo uma hora depois. Nos fins de
semana tem eventos, ele tem que participar. A comunidade pede que a
oficina se apresente... A gente não exige, mas avalia por esse ângulo
também. A disponibilidade do oficineiro, do candidato a oficineiro em se
disponibilizar para mais horas do que ele se propõe a fazer no contrato.
(CE, GH, p. 180).
Por não utilizar como instrumento de seleção a prova de conhecimentos, o
currículo tem um peso muito grande nesse momento. No entanto, mesmo que se
inscreva um “quase doutor em música”, como esclarece GH, ele será avaliado pela
experiência prática com oficinas e pelos trabalhos que tenha desenvolvido na
periferia. A formação acadêmica não é exigida, embora as oficinas sejam
reconhecidas como um espaço educativo. De acordo com o ativista, ter a
licenciatura em música “não faz diferença. Mas pode vir, por exemplo, uma pessoa
que apenas tenha o diploma” (CE, GH, p. 177).
Um critério considerado importante pelo ativista nesse momento de avaliação
é a participação do candidato como oficineiro em anos anteriores. Ele mencionou
aqueles
que deixaram saudade, que fizeram um bom trabalho e que proporcionaram
aos que vieram a sucedê-lo [...] um trabalho embasado na região. Isso é
importante. Porque a gente já teve caso de oficineiro que passou pela
região e não deixou nada. Não conseguiu fazer um trabalho de grupo. (CE,
GH, p. 181).
A consciência do que é o projeto de Descentralização foi abordada pelo
ativista como outro critério para a seleção dos oficineiros. Espera-se que eles
tenham essa visão da função que desempenham no projeto,
104
porque é muito mais que uma política cultural, na medida em que tu vais te
dando conta que as pessoas vêem naquilo uma alternativa, uma saída.
Então dá uma responsabilidade muito maior do que só levar cultura. Só
levar cultura que eu digo, no sentido do entretenimento, apenas a diversão.
É muito mais que isso. É um envolvimento, é um fazer cultural. As pessoas
têm uma oportunidade de se verem fazendo cultura, que para eles era uma
coisa completamente centralizada. Só nos teatros, no centro da cidade é
que era possível ter acesso à cultura. Então esse projeto, ele proporciona
justamente isso. Que as pessoas lá nas comunidades mais carentes tenham
o acesso à cultura. Então essa é a política cultural do projeto. Justamente
está [contido] no nome. O nome descentralizar ele é fundamental. Tirar do
centro. Fazer com que a periferia se insira. (CE, GH, p. 175).
Os contratos das oficinas “genéricas” são renovados de três em três meses,
totalizando nove meses. Nas oficinas de percussão, têm a duração de seis meses,
também renovados a cada três meses. Esse artifício corresponde a um estágio
probatório, tanto para a administração quanto para o oficineiro. O ativista esclarece:
“Se o oficineiro, nos primeiros meses, não atendeu aos quesitos que a gente exigiu,
então, a partir da avaliação nas comissões de cultura, a gente troca o oficineiro ou
remaneja” (CE, GH, p. 181).
Exemplificando, o ativista relata que, em 2002, um oficineiro não conseguiu
preencher o perfil que a região exigia, que era trabalhar com samba. Por um
equívoco, foi enviado um oficineiro com uma vivência maior com rock. Em razão
disso, a oficina estava com dois a três participantes. “A gente remanejou, não o
excluiu do projeto e ele deu certo em outra região” (CE, GH, p. 181).
Muito embora a renovação se dê a cada três meses, o oficineiro pode pedir
rescisão do contrato a qualquer momento. De acordo com o ativista, não há a
necessidade de ficar se perguntando durante esse tempo: “O que é que eu estou
fazendo aqui?” (CE, GH, p. 176)
105
5.2 Chegada ao projeto – “Às vezes até eu tenho que me cuidar para que isso
não tome o espaço do músico.”
A chegada dos oficineiros ao projeto se deu, na maioria dos casos, por meio
da inscrição do currículo, em atendimento à convocação da SMC.
É bem aberto aqui. [...] Em dezembro eles colocam as notas nos jornais
convidando todo músico [que queira participar do projeto]. Eles não
escolhem as pessoas [...] para quem eles vão dar trabalho. Eles fazem uma
seleção. Então é colocado no jornal. Fica circulando no jornal, rádio. Circula
[...] pela Internet. Eles colocam à disposição dos músicos que querem se
inscrever e é escolhido pelo currículo. (CE, AB, p. 155).
Mesmo nos casos em que houve indicação, a inscrição havia sido feita em
anos anteriores:
[...] Foi uma indicação. Eu já tinha feito uma inscrição uns dois anos atrás,
mas não tinha sido privilegiado com a oficina. Mas aí houve uma indicação
[...] na época em que não abriram concurso. Eles pegaram as inscrições
anteriores e eu entrei no ano passado. (CE, NP, p. 114).
Embora a mídia tenha sido mencionada pelo ativista e pelos oficineiros como
a forma de divulgação do processo de inscrição do projeto, outras possibilidades
surgiram nas entrevistas com os oficineiros. Uma delas foi indicada por LN:
Eu não me lembro direito aonde, quem [falou], como eu fiquei sabendo, mas
isso é uma coisa comentada aqui em Porto Alegre. E o meio musical [...]
acaba todo mundo se relacionando e falando. E, além dos músicos, sou um
simpatizante do PT e conheço muitos músicos vinculados ao PT e outras
pessoas que não são músicos e que também trabalham com a prefeitura.
Eu não me lembro especificamente quem me falou, mas isso foi uma coisa
que me chegou naturalmente aos ouvidos. (CE, LN, p. 53).
Os amigos foram citados como responsáveis por incentivar a inscrição.
Alguns, por já estarem participando do projeto, outros, porque iam se inscrever
naquele momento. Para EF, além do fato da amiga estar também se inscrevendo
106
para as oficinas de teatro, havia outras vantagens como: ter “um dinheirinho fixo
[risos...] e ser a coordenação de música perto de sua casa” (CE, EF, p. 2). O
“dinheirinho fixo” foi lembrado por outros entrevistados. Como músicos, convivem
com uma instabilidade financeira, pois sua fonte de renda, geralmente, limita-se a
“essas coisas de tocar na noite e dar aulas particulares avulsas” (CE, HR, p. 143).
HR diz que procurou o projeto de Descentralização porque estava “precisando
trabalhar”. Foi informado por um amigo vinculado ao projeto que havia sido aberta
uma oficina na região extremo-sul, dentro de um Centro de Tradições Gaúchas –
CTG. Ele pensou: "Bom, oficina nunca fiz. Dentro de um CTG, ainda muito menos.
[...] Aí topei a parada” (CE, HR, p. 143).
Outra pessoa ligada à Descentralização foi o responsável por informar a RT
que as inscrições estavam abertas. Isso ocorreu no segundo ano do projeto. Em
2004, o oficineiro estava em sua quarta participação e ele admite: “Às vezes até eu
tenho que me cuidar para que isso não tome o espaço do músico (CE, RT, p. 36).
CM, oficineiro há dois anos, foi a peça chave para que ST e BG chegassem
ao projeto. ST contou: “algumas pessoas me diziam que eu não ia pegar esse
projeto, que tinha que ser famoso para pegar. E aí o CM me falava: ‘mas faz teu
projeto. Manda lá’. Aí mandei. Fiz” (CE, ST, p. 32). Com BG, CM discutia suas
dificuldades como oficineiro iniciante, pois os dois tocam no mesmo grupo. A partir
dessas discussões, CM sugeriu ser a oficina de música o lugar onde BG deveria
trabalhar. Ele decidiu se inscrever, depois de visitar algumas oficinas e reconhecer
que esse “era mesmo [seu] caminho. [... Resolvi] tentar. E daí falei com GH. Me
107
inscrevi. Passei, enchi meu currículo, tudo. [Pois] eu queria abraçar isso de qualquer
maneira” (CE, BG, p. 97).
5.3 Formação - “A cada ano a gente aprende um pouco mais.”
Os profissionais que atuaram nas oficinas de música durante o ano de 2004
se apresentaram como músicos, com exceção de um deles, que se denominou de
professor de música. Esse é o único licenciado em música. Há um outro licenciado,
só que em educação física. Os dois são egressos da UFRGS. Quanto à formação, a
maioria mencionou as aulas particulares individuais ou em escolas específicas de
música. Entre elas, a Escola da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA), o
Projeto Prelúdio da UFRGS, a Escolinha de Artes da UFSM, o ProArte (RJ), a
Escola Brasileira de Música (RJ), a Faculdade de Música Palestrina, a Belas Artes
Heitor de Lemos, em Rio Grande (RS), a Prediger e o Touguinha – Centro Livre de
Música, em Porto Alegre. Bacharelado em desenho, publicidade e direito foram os
cursos superiores concluídos por três dos oficineiros. Um deles iniciou, mas não
concluiu a licenciatura em música na UFRGS. A terminologia utilizada pela Ordem
dos Músicos foi usada por dois deles, que se identificaram como músico do quadro e
músico prático, “que é o músico que pode dar aula” (CE, AB, p. 154).
Essa diversidade na formação era esperada, uma vez que a SMC convoca
músicos para a atuação nas oficinas. Além disso, não há uma formação específica
para a atuação nessa modalidade de ensino. No projeto Noite Viva, desenvolvido em
Paulínia – SP, os profissionais que nele atuam são assim apresentados:
o capoeirista, o “cara” que tem uma banda de hip hop, o skatista, o músico
responsável pela banda de percussão, a senhora que ensina pintura em
tecido e bordado, o professor de desenho artístico que desenvolveu uma
108
técnica própria, [...] educadores com formação para professor [...] e
profissionais com uma formação universitária (música, artista plástico).
(GARCIA, 2001, p. 154-155).
Percebe-se que não há ainda uma preocupação com a regulamentação da
profissão ou do profissional que ocupará esse espaço de trabalho. Mesmo em
projetos desenvolvidos pela Secretaria Municipal de Educação (SMED), não se
exigiu uma formação para a atuação profissional, como relata MN:
Surgiu [uma] oportunidade para fazer oficinas pela SMED, lá no Cristal. [...]
Juntando crianças com necessidades especiais com pessoas que não têm
necessidades especiais. Mas tudo junto. Que foi outro desafio porque eu
não tinha formação nenhuma para trabalhar com crianças especiais. Mas fui
assim de uma forma intuitiva e deu super certo. Foi para mim um grande
desafio. E foi muito legal também. Essa oficina rendeu grandes frutos,
apesar de ter sido um curto espaço de tempo. Foram três meses de oficina.
(CE, MN, p. 127).
No projeto de Descentralização, como já foi mencionado, o oficineiro é
selecionado a partir de uma “proposta de oficina e do currículo. Currículo
[significando] não só a formação acadêmica, mas a experiência acumulada através
de outros projetos”, reforça GH (CE, GH, p. 181).
A atuação em outros projetos ou no próprio projeto, mas em anos anteriores,
surgiu nas entrevistas como parte da formação dos oficineiros. Esse aprender com a
prática, segundo RT, iniciou com as primeiras experiências nas oficinas, “depois a
gente foi moldando e a cada ano a gente aprende um pouco mais” (CE, RT, p. 35).
Para o oficineiro licenciado, sua formação, mesmo que não seja uma
exigência, foi um diferencial no momento da seleção:
109
Eu tinha certeza que ia ser chamado não só por já ser conhecido como
músico – e isso é importante. Também o que conta aqui muito é isso, ser
conhecido como músico. Mas por ter uma formação, embora ache que não
é o que conta aqui para que seja feito esse trabalho. (CE, DN, p. 71).
No entanto, DN avalia que o seu interesse por projetos sociais, associado ao
fato de ter tido uma orientadora que considerou suas vivências, foram mais
importantes do que a estrutura curricular da licenciatura. Ao ser perguntado se o
curso incentivava os alunos a participarem em projetos sociais, ele afirma:
acho que sim, para mim. Não que a graduação seja voltada para isso. No
campo pessoal, eu me senti muito mais preparado, pois meu projeto de
graduação foi feito sobre o trânsito do professor de música entre dois
mundos. A idéia não foi comparar, mas foi pensar no professor num
ambiente formal entre aspas e num ambiente informal. Mas a licenciatura
acaba ainda não sendo voltada para isso. A licenciatura é voltada para a
escola mesmo. A sorte é que minha orientadora tinha essa boa visão. (CE,
DN, p. 70-71).
Esse comentário de DN em relação à licenciatura ser voltada para a escola é
semelhante às respostas obtidas por Cereser (2003, p. 90), em sua investigação
com os alunos de licenciatura em música das universidades federais do Rio Grande
do Sul:
Após questionar se o curso de licenciatura atual prepara os licenciandos
para atuar nessas diversas áreas e diversos espaços, [...] as respostas
[sugeriram] que o curso, da forma como está estruturado atualmente,
prepara o licenciando para a atividade docente em escolas de ensino
básico.
O oficineiro DN acrescenta ainda que o projeto de Descentralização supõe um
conhecimento e um domínio de uma proposta que seja popular. Entre eles, os
recursos materiais disponíveis. E os recursos que costumam ser solicitados ao se
fazer um projeto de música são: “sala com boa acústica, teclado, quadro, giz, xerox
110
de partituras, um aparelho de som, TV, vídeo” (CE, DN, p. 89). Enviar um projeto
com todos esses itens o torna inviável, pois
O cara pode ter uma proposta “triboa”, mas eles não têm como comprar
nada. Hoje eu vou levar umas músicas de um xerox que eu estou pagando.
Aí a gente vê o GH falando aqui: “ah, a nossa cota de xerox já esgotou por
enquanto". Hoje é dia 12 de maio. 12 de maio! Então esgotou a cota do
xerox e daí eu pago. Eu fui comprar na livraria do Globo uma caixinha com
giz e um apagador para levar. Sorte que tem um quadro lá. Meio
abandonado, mas tem. Então já dá pra usar. (CE, DN, p. 89-90).
Sua crítica aos projetos que são enviados por quem saiu da academia é
construída a partir de seu conhecimento dos dois espaços. Ele justifica:
o acadêmico se preparou para isso. Vai se preparar para reger um coro,
para montar uma orquestra, para fazer música antiga. [...] E, por exemplo,
nunca a gente vai pegar um cavaquinho no Instituto de Artes, que é um
instrumento que mais aparece [nas oficinas]. Ou violão, o violão de rua. A
gente nunca vai pegar esse violão de rua. Pandeiro, a gente nunca vai
pegar. (CE, DN, p. 80).
Oliveira (2003, p. 97) explica esse descompasso entre os egressos e a
atuação em outros espaços, por ser “[um] problema na formação de licenciados [...]
a dificuldade de pensar o planejamento das ações educativas de acordo com a
missão das instituições contratantes.”
5.4 As experiências anteriores – “Uma coisa vai puxando outra. Um projeto vai
puxando outro.”
As experiências vivenciadas pelos oficineiros em anos anteriores foram
mencionadas espontaneamente nas entrevistas. Como um número expressivo já
participou de edições anteriores, o projeto de Descentralização foi o mais citado. FJ
declarou, com orgulho, ter sido “o primeiro oficineiro de música na Descentralização
111
da Cultura” (CE, FJ, p. 92). E que, em 2004, estava na mesma região onde trabalhou
em seu primeiro ano.
A SMED foi citada como o outro órgão público no qual os oficineiros já haviam
prestado serviço. NP relata que a oficina por ele ministrada “era de formação de
público. [...] Meu trabalho sobressaiu bastante, com esse trato com as crianças, e
com o pessoal da periferia e talvez tenha sido esse um dos motivos também pelo
qual eu tenha sido chamado” (CE, NP, p. 113). MN, como citado anteriormente,
desenvolveu, nessa secretaria, uma oficina na educação especial, com um viés
inclusivo.
Essa oficineira foi a que mais se reportou às experiências anteriores. Seu
currículo inclui, além de uma estada anterior na Descentralização, a participação em
um projeto “com os adolescentes que estão em conflito com a lei. [...] Porque era
para dar oficina dentro da FEBEM [...]. Independente do delito, eles estavam todos
juntos ali. Adolescentes de 14 a 21 anos” (CE, MN, p. 128).
Na FASC, MN fez oficinas para grupos da terceira idade em vários bairros da
cidade, como “Restinga, Ilha da Pintada, Bom Jesus, Vila Mapa, Vila Floresta” (CE,
MN, p. 127). Ainda com a FASC, ela diz ter tido “algumas experiências com o
Serviço de Apoio Sócio-Educativo (SASE), com crianças de 7 a 14 anos. Também
em centros comunitários. E aí é uma coisa. Tu vais amadurecendo teu trabalho
como oficineiro. Uma coisa vai puxando outra. Um projeto vai puxando outro” (CE,
MN, p. 127-128).
112
Segundo MN, essas vivências concorreram para a sua formação e atuação
profissional: “o que me veio nesse tempo anterior me amadureceu muito como
oficineira. Eu me sinto hoje bem mais preparada também. Inclusive comparando
1999 e 2004 dentro da região [onde estou], é de uma outra forma [sua atuação]”
(CE, MN, p. 134-135).
No âmbito estadual, o oficineiro que trabalha com percussão feita com
material reaproveitado realizou oficinas “para professores, oficinas para alunos [e
para a] terceira idade. Sempre com essa temática” (CE, CD, p. 33). Elas foram
promovidas pela Fundação de Meio Ambiente do Estado (FEPAM), com a Secretaria
Estadual de Meio Ambiente.
As aulas em escolas específicas de música da cidade de Porto Alegre
também constaram como experiências dos oficineiros. Entre elas, a Prediger, a
Delta, o Verdi e o Touguinha – Centro Livre de Música. Uma dessas escolas,
inclusive, é citada por BG como “uma escola que até hoje eu sinto uma grande falta
e uso muito dela ainda no meu jeito de lecionar” (CE, BG, p. 96).
As escolas do ensino fundamental da rede particular fizeram parte da vivência
profissional de AB e de DN, que precisava “inventar muita coisa até pra poder
justificar minha presença lá [na escola]. Então eu era o ‘pau pra toda obra’” (CE, DN,
p. 67). AB, por sua vez, ensinou em uma escola, situada em Porto Alegre e outra em
Viamão (RS).
Lá [na escola em Porto Alegre, ele conta], tínhamos o material todinho,
tínhamos dois pianos, nós tínhamos uma orquestra lá dentro. [...] Todo
mundo tinha instrumento. Mas lá [por ser um] colégio particular, a atenção
113
que eles [os alunos] dão para a aula é a que eles querem. [...] Eles botam
opções e aquilo ali vale nota no final do mês. Então eles vão para a aula. E
só em assinar ali, já tem uma nota. Não quer dizer que eles vão sair tocando
ou não. Não é profissionalizante no colégio particular. (CE, AB, p. 166).
Outros projetos também foram lembrados pelos oficineiros. FC, no ano
anterior, estava com uma oficina promovida pela coordenação do carnaval, que
durou só três meses. Para não deixar o grupo “órfão” resolveu procurar a
“associação comunitária [...] que [faz] um trabalho muito bacana com o social. [Um]
trabalho social e também a parte de cultura negra, que é uma coisa que eu gosto
demais” (CE, FC, p. 13). Continuou o trabalho como voluntário no mesmo bairro que
atua como oficineiro da Descentralização.
DN, no período da coleta de dados, participava como professor em dois
projetos de cunho social, além do projeto da Descentralização. Mas ele se reporta a
uma experiência anterior, quando ainda era estudante da graduação, a fim de
comparar com as oficinas de música.
Eu já dei uma oficina que seria semelhante a esse formato, na Vila Jardim
Universitário. Era um grupo de estudantes de várias áreas. Um grupo de
estudantes libertários. [Como] uma corrente política, anarquista. (CE, DN, p.
80).
Nesse projeto, DN trabalhou como voluntário, em torno de um ano e meio,
com uma oficina de música, aonde ele ia aos sábados. Para o oficineiro, o grande
aprendizado foi esse:
eu cheguei querendo fazer percussão com corpo, voz. E [era] justamente o
contrário que eles queriam. Eles não queriam ficar batendo palminhas. Eles
queriam [...] um instrumento mesmo. E incrivelmente [...] de cada dez
crianças, uma, com certeza, tinha acesso a um cavaquinho, a um violão [...]
ou flauta. (CE, DN, p. 81).
114
5.5 Habilidades – “Se não é músico, não é professor de música...”
As habilidades apontadas pelos oficineiros para uma boa atuação profissional
são muitas, mas uma delas é unanimidade: é necessário ser músico, para ser um
oficineiro. Mesmo o licenciado em música apontou essa habilidade como a primeira:
“Porque a gente fica exigindo várias coisas, mas a principal, eu acho, é ser músico.
Então, acho que só é possível ser professor de música se é músico, senão não é. Se
não é músico, não é professor de música, não sabe do que está falando” (CE, DN, p.
83). Essa relação intrínseca entre ser músico e ser professor de música pode
também ser percebida nos depoimentos dos professores de música investigados por
Xisto (2004). Eles foram “unânimes em afirmar que sua atuação como músicos
contribui de forma significativa para a sua atividade pedagógica” (Ibid., p. 137).
Posição que também é compartilhada por uma das professoras que participaram da
investigação de Beineke (2000, p. 96), “ela ressalta a necessidade de que o
professor de música seja também um músico, garantindo um fazer musical de
qualidade em sala de aula.”
DN, porém, esclarece que “ser músico não é ser necessariamente um
virtuoso. Não é ser um gênio de criação. É trabalhar com sons, com a música, com
instrumentos ou não” (CE, DN, p. 83). Para isso, necessita ter uma “versatilidade
para poder pensar em outras formas de trabalhar com os instrumentos” (CE, DN, p.
83-84). Ainda em seu discurso sobre esse tema, ele acrescenta:
É preciso ser gente, ser humano e lidar com outras pessoas. Ter
sensibilidade de saber [...] e de ser um ser social, ou seja, ter uma
percepção do outro. Ter uma noção de igualdade e diferença. Mas no caso
do professor, isso é aplicado como? Percebendo os jogos de poder que têm
nas oficinas. (CE, DN, p. 85).
115
Outros aspectos musicais foram ressaltados por alguns oficineiros como
imprescindíveis para quem vai ensinar nas oficinas. Para JL, o oficineiro ideal é
aquele que tem “o conhecimento mais amplo de música” (CE, JL, p. 49). Esse
conhecimento “amplo” envolve poder tocar vários instrumentos, entre outras coisas.
Por isso, BG argumenta que os responsáveis pela seleção do projeto devem
priorizar quem já tenha “um pouquinho de experiência” ou, como disse FJ, quem já é
“bem malhado” (CE, FJ, p. 95). Esses selecionados não podem “ter síndrome de
instrumentista, apesar de ter que tocar bem, para causar o efeito surpresa na
gurizada” (CE, BG, p. 111). Da mesma forma, foi apontado por muitos licenciados de
música das universidades federais do Rio Grande do Sul, que “uma das principais
necessidades de um professor de música está em saber tocar um instrumento ou ter
domínio da voz” (CERESER, 2003, p. 117).
Embora admita que a teoria em sala de aula tem ajudado bastante na
condução de seu trabalho, BG diz não ser preciso ter conhecimentos teóricos. Ao
invés disso, o oficineiro “tem que ser gente acostumada a fazer música, para ele
saber como ensinar a música” (CE, BG, p. 111). CM concorda, mas diz que é
preciso ter “um mínimo de erudição, de conhecimento teórico”. Ele acha que está no
limite desse mínimo: “Abaixo do que eu sei, acho que é impossível. Mas eu sei o
básico para aprender junto, na medida que eu vou fazendo essas vivências com
eles” (CE, CM, p. 65).
“Eu tenho certeza, que o oficineiro tem que ser um compositor. Ele tem que
ser um, seja na palavra, ou na parte musical” (CE, HR, p. 153). Além de saber
trabalhar com a criação musical, a outra habilidade requerida, segundo HR, é “ter
116
uma coisa rítmica bastante forte. A ponto de tirar som do próprio corpo” (CE, HR, p.
153). A composição em sala de aula é defendida por pesquisadores da área, tanto
no Brasil quanto no exterior. Para Stephens (2003), um currículo baseado em
composição é uma alternativa para quem propõe um currículo de música
democrático, em que as áreas sejam igualmente representadas e haja negociações
entre professores e alunos. A composição é vista, então, como a atividade que, além
de envolver a execução e a apreciação, pode atender às demandas desse início de
século.
A situação da oficina, o “caos” que se forma, quando os oficinandos começam
a tocar ao mesmo tempo, requer do oficineiro muita “paciência” e, acima de tudo,
“realmente gostar de música”, pois, “na realidade, o dinheiro não é muito” (CE, BG,
p. 112). FC chama a isso de “dedicação, [pois] se tu não gostares do que tu estás
fazendo, tu não vais conseguir fazer” (CE, FC, p. 17).
NP retoma a caracterização das oficinas como algo que não é formal e, por
isso, “cada um, à sua maneira, desenvolve uma forma de tratar”. Mesmo assim, ele
acredita que o oficineiro “tem que ser um pouco completo. Tem que conhecer um
pouco de tudo. Ou, quando não conhece, vai buscar isso. O que normalmente
acontece. Pede ajuda” (CE, NP, p. 121). Ao usar a expressão “um pouco de tudo”,
NP parece se referir às relações humanas, “porque tu tratas com pessoas, tu tratas
com emoções. [... Precisa] ter uma certa maturidade para conseguir entender tanto o
adolescente como a pessoa mais velha” (CE, NP, p. 121). Por isso, ele procura fazer
uma oficina de convivência ao invés de uma “oficina de técnicas de música ou coisa
assim”. Ele argumenta:
117
Tem que ser pessoas que tenham uma certa maturidade, que tenham
conhecimento geral. Não precisa ser um expert em tudo. Mas que conheça
um pouquinho de cada coisa e tal. E tenha bom senso, antes de qualquer
coisa. Bom senso para tratar com as pessoas. (CE, NP, p. 121).
Bom senso foi uma palavra lembrada por vários entrevistados, quando se
falava sobre habilidades necessárias para ser oficineiro. ST começa assim sua
resposta: “bom senso. Bah! Não sei nem quantos por cento, porque não vou dizer
quantitativamente. Mas é uma grande porcentagem de bom senso” (CE, ST, p.30). E
ele explica o que é bom senso:
Bom senso de tu saberes que não vai interessar se tu és um grande músico,
um virtuoso de técnica, que [isso] não vai adiantar. Só isso. [...] e o bom
senso de lidar com as pessoas. O bom senso de tudo isso. [...] Até onde eu
vou poder dizer para o cara que ele está errado, que ele está certo, que ele
vai tocar. Como é que nós vamos dividir os instrumentos. Como é que nós
vamos consertar o instrumento. Bom senso de dizer para ele que ele está
enchendo o saco, que ele tem que ir embora. Mas sem ser ríspido. Bom
senso de precisar mostrar mesmo que tu sabes tocar o que tu estás
pedindo. Ir lá e mostrar. Mas também não ficar se exibindo. Tentar controlar
o ego das pessoas. Bom senso de lidar com toda essa gama de coisas que
é ser professor. (CE, ST, p. 30-31).
O bom senso, no entanto, não pode permanecer só no plano instintivo, como
nos adverte Freire (1996). O autor o considera como um dos saberes necessários à
prática educativa e, por isso, afirma ser necessário
[por em] prática de forma metódica a nossa capacidade de indagar, de
comparar, de duvidar, de aferir, [... para que] mais eficazmente curiosos nos
[possamos] tornar e mais crítico se pode[r] fazer o nosso bom senso. O
exercício ou a educação do bom senso vai superando o que há nele de
instintivo na avaliação que fazemos dos fatos e dos acontecimentos em que
nos envolvemos. (FREIRE, 1996, p. 69).
Para MN, a habilidade primeira é a “percepção”, a observação dos alunos. É
através dela que o oficineiro capta, “às vezes, uma coisinha boba. [...] um fato assim,
118
pequeno. Uma coisa que [...] poderia passar desapercebida. Se tu estiveres atenta,
a partir dali tu já pegas um gancho para trabalhar aquilo. Seja o que for. Ou um
assunto sobre alguma coisa” (CE, MN, p. 138-139). AB explica como isso ocorre,
fazendo uma analogia com a sua experiência de músico profissional. É mister “ter
uma visão de palco. A gente tem que ver o que é que o oficinando está a fim de
fazer e, dentro daquilo que ele quer fazer, [...] colocar a experiência da gente” (CE,
AB, p. 167). A “percepção” ou “visão de palco” é encontrada também em Beineke
(2000, p. 109), quando analisa: “a professora construiu conhecimentos a partir da
observação dos alunos, elaborando algumas generalizações sobre seus
comportamentos e interesses, resultando em estratégias de trabalho.”
Depois, segundo MN, é necessário o cuidado na abordagem do grupo, pois “a
tua relação, o vínculo que tu crias com eles é fundamental para o teu desempenho
na oficina” (CE, MN, p. 140). Outros cuidados são apontados pela oficineira. Entre
eles:
nunca deves prometer coisa que tu não possas cumprir. Ou te mostrares
totalmente superior. Eles têm que te ver como uma pessoa que, apesar de
tu saberes mais do que eles em determinadas áreas, tu também estás em
um processo de aprendizado, de vida e como profissional. E tu também tens
muitas coisas que tu não sabes e tem muitas coisas que tu também queres
aprender. E que tu podes descobrir junto com eles. (CE, MN, p. 140).
A humildade deve aparecer nos dois extremos, em reconhecer o quanto sabe
e, ao mesmo tempo, que não sabe tudo. Não é o “todo-poderoso” e também não
precisa ser o “oficineiro de borracha
9
. Tu tens muito o que mostrar. Mas também tem
coisas que tu tens que aprender. E que tu aprendes muito com eles também” (CE,
9
De borracha, segundo MN, era o termo empregado pelos guris da FEBEM” para designar os que
nada sabiam.
119
MN, p. 140). Habilidades semelhantes foram observadas por Cereser (2003, p. 118-
119), ao entrevistar os licenciandos em música. Para eles, o professor “deve ser
humilde”, reconhecendo que não sabe tudo e “ter uma flexibilidade” que o leve a
buscar o conhecimento que não possui.
A outra habilidade apontada por MN é a paciência no trato com as pessoas.
Para ela, algumas pessoas são de trato mais difícil, outras, mais fáceis. E ainda tem
aquelas com uma “extrema dificuldade de aprendizado. E tu não podes excluir essa
pessoa. Não deve excluir, nem tem porque excluir” (CE, MN, p. 141). Pelo contrário,
deve procurar “caminhos para que ela se sinta mais motivada” (CE, MN, 141). A
essa habilidade LN chama de “tolerância com a diferença”. Ele lembra que o
professor que ensina em um contexto de aula particular atende o aluno com
“talento”.
É um cara com talento senão ele não vai se inscrever numa aula particular
de música. Pelo menos, não vai continuar numa aula particular de música. E
na oficina tu vai lidar com o não-talento. Com aquela pessoa que vai passar
um ano inteiro estudando e não vai aprender nada ou que vai cantar o
tempo inteiro desafinado. E tu não podes dizer para ela sair. Tu tens que
tolerar ela cantando desafinado o ano inteiro. Tu vais ter que desenvolver
uma capacidade para lidar com isso e achar isso bom. Porque esse é o
objetivo: é que o desafinado cante. Eu acho que isso é o principal. (CE, LN,
p. 57).
Para auxiliá-lo, então, o oficineiro deverá ter um “método, mesmo que seja um
método caótico”. Esse método, segundo LN, “desde que esteja organizado na tua
cabeça”, ajudará na organização das situações de sala de aula e poderá ser
retomado quando elas se repetirem.
120
RT revela o que considera fazer parte do perfil do oficineiro. “Primeiro, ele tem
que ter muita força de vontade para entender a dificuldade das comunidades. [...] Ele
tem que respeitar a vida própria do lugar. E ele tem que [estar] interessado em
superar barreiras” (CE, RT, p. 38). Esse respeito, segundo o oficineiro, deve se
estender também às diferenças individuais em relação ao aprendizado, que ele
chama de “ritmo”. Para trabalhar com essas diferenças, ”tem que criar um ritmo onde
todos aprendam conforme as suas limitações. Ninguém está ali para competir com
ninguém. Está ali para criar um grupo” (CE, RT, p. 39).
Outras habilidades extramusicais foram lembradas por alguns entrevistados.
Uma delas, a responsabilidade, que, para FC, se reflete no cumprimento de horários
e em “uma certa disciplina com o teu trabalho. Porque, a rigor, são duas horas por
dia. Então, duas horas passam muito rápido” (CE, FC, p. 17).
CM afirma que “seria impossível me tornar um oficineiro se não tivesse uma
preocupação assim com os rumos da sociedade. [...] Essa visão do social, isso eu
acho que é importante, fundamental” (CE, CM, p. 65). HR acrescenta: “E acho que
tem que ter uma sensibilidade e uma coisa meio de psicólogo também, para poder
sacar cada dia que você vai lá para as regiões” (CE, HR, p. 153).
Além disso, o oficineiro precisa ter um senso de liderança, ser motivador e ser
“político, a gente viu como esse ser humano é um ser político” (CE, DN, p. 86). E,
após defender a importância da formação acadêmica, DN admite:
[Estou] sendo supercontraditório nesse meu discurso. Eu [estou] dizendo
que é a preparação, que a formação acadêmica é importante, mas eu
duvido que um doutor na universidade faça uma oficina melhor do que
121
qualquer pessoa que faz aqui. [...] Porque é outra forma de conhecimento
que não é o conhecimento acadêmico. (CE, DN, p. 86).
Essa outra forma de conhecimento é reconhecida também pela academia. A
sua valorização se evidencia nos trabalhos já desenvolvidos sobre esse tema (ver
BEINEKE, 2000; DEL BEN, 2001).
Ainda tratando sobre o conhecimento acadêmico, DN acrescenta :
Na verdade, o que está sendo feito aqui agora é o conhecimento acadêmico
tentando entender como é que esse conhecimento não-acadêmico funciona.
Então, está se buscando aprender também com os “erros” dos outros e os
acertos também. (CE, DN, p. 86).
Esse diálogo, que é apontado por DN, entre a academia e o projeto, já
aconteceu em outros momentos. Stein (1998), como mencionado anteriormente,
etnografou duas oficinas de música como dissertação de mestrado. Outro trabalho
acadêmico foi apontado pelo ativista durante a entrevista: “então, [é] como naquele
artigo da Lizete [CORREA, 2003], que eu te passei. Tu tens o pedreiro ator, o
carpinteiro músico, a dona de casa atriz, artista plástica” (CE, GH, p. 178). Ele se
refere a um artigo publicado na revista Porto e Vírgula, no qual a autora faz um
recorte de sua dissertação, defendida no Programa de Pós-Graduação em
Educação, da UFRGS. O artigo foi o mote para a criação de um samba, intitulado
“Samba da Descentralização: cartografando novos modos de subjetivação”, com
letra de GH e música dele, em parceria com um dos oficineiros. Transcrevo, a
seguir, a letra:
A ciência repousou o seu olhar
Sobre a cultura popular
122
Cartografando novos modos de subjetivação
O que é mesmo Descentralização?
É o operário que saindo do trabalho
Na oficina busca alívio pros seus calos
Trocando o cabo da enxada pelo braço de um violão
Vai embarcando nesta emoção.
Dona de casa transformada em bailarina
Traz alegria estampada na retina
A gurizada na roda de capoeira
Fazendo arte em forma de brincadeira.
Tem o teatro, literatura, tem artes plásticas,
Fotografia e vídeo também são cultura
E se a comunidade demandar
Vem a memória sua história registrar.
5.6 Concepção de professor de música – “Eu não sou professor de música.”
Os termos que identificam o profissional que atua na educação não-formal
são bastante diversificados: “educador social, educador de rua, educador cultural,
monitor, agente social, arte-educador e outros” (GARCIA, 2001, p. 157). Nas
oficinas, eles são denominados de oficineiros, mas, na fala dos entrevistados, foi
recorrente o uso da palavra professor. Isso ocorria tanto nos momentos em que
descreviam um diálogo com os alunos (oficinandos), como quando se referiam às
reuniões ou outras atividades. DN situa essa indefinição da seguinte forma:
Aqui na Radamés Gnatalli, nesse momento [ou melhor], daqui a pouco vai
começar uma reunião de professores. De professores!!! Olha a maneira
como eu falo. E para mim é uma reunião de professores. O termo é
oficineiros, que vão falar de seus alunos, que são os oficinandos da
comunidade. Complicado! (CE, DN, p. 74).
123
Algumas pistas sobre o que é ser professor de música foram observadas nas
falas dos entrevistados. Essa foi uma preocupação daqueles que têm a licenciatura,
pois se vêem como professores, atuando nas oficinas de música. O depoimento que
segue explicita isso: “Porque tu estás sendo um professor ali. Ou pode botar outros
nomes. Pode ser um mediador, pode ser um facilitador. Acho que tudo isso é
professor” (CE, ST, p. 31). E ele acrescenta:
Então lá na oficina, com certeza, é um processo de ser professor, de
ensinar e aprender ao mesmo tempo. É um processo horizontal, não
transversal. Não é de cima pra baixo. Mas eu aprendo “pra caramba”. Tem
horas que eu ouço umas levadas diferentes. Fico ouvindo e quando
aprendo eu me sinto na função de professor: de estar ouvindo e saber que
aquilo [foi] usado do conhecimento deles, para incrementar o som deles.
Para dar a tinta certa para eles pintarem. Acho que a gente tinha que
aprofundar isso. Aprofundar na arte de ensinar e deixar ser ensinado
também. (CE, ST, p. 31).
Esse professor que aprende com o aluno e com a prática foi apontado
também por RT. Para o oficineiro, “aqui a gente vem aprender e ensinar. Porque é
uma troca” (CE, RT, p. 35). No entanto, ST ressalta que a prática não deve ocorrer
sem uma fundamentação teórica, nem os conhecimentos teóricos dissociados da
prática. Ele argumenta: “E não adianta ser um grande professor com muitas teorias
de educação e de formas de dar aula. Ou até mesmo na prática ser um baita
professor. Acho que é ser o professor mesmo. Ser o professor que vai unir tanto da
teoria quanto da prática” (CE, ST, p. 31). Posicionamento idêntico tiveram os
licenciandos em música investigados por Cereser (2003). A autora relata: “é
necessário ainda que o professor saiba aliar a prática com a teoria, ‘ter a teoria bem
embasada e ter bastante prática’” (Ibid., p. 118).
124
Ao analisar a prática desse oficineiro/professor, DN estabelece uma
comparação entre estes e os professores de instrumento de escolas específicas de
música. Para o oficineiro, “o professor de instrumento também é um cara que [...]
não vai atuar muito diferente do professor daqui. Porque ele vai mostrar o exemplo
dele ao piano, por exemplo, e o aluno vai reproduzir” (CE, DN, p. 83). É ele que tem
a “água. [E] como eu não vou dar, entendeu? Como eu tenho a água da teoria, a
água da prática, do estudo técnico, [eu vou passar para os alunos] (CE, BG, p. 109).
O professor também foi visto como aquele que “cobra coisas”. Por não ter
“vocação” para isso, LN afirma: “eu não sou professor de música” (CE, LN, p. 56).
5.7 Concepção de aula de música: “Não é aula de música, mas é.”
Para o ativista, uma das principais dificuldades do oficineiro é “diferenciar
oficina de aula”. Ainda segundo GH, não há como negar “o caráter de transmissão
de conhecimento, de socialização do conhecimento. Mas o principal sentido [da
oficina] é o fazer cultural em grupo” (CE, GH, p.176). Embora essas informações
sejam dadas aos oficineiros, no “processo de execução aparece esse conflito entre
aula e oficina. [...] A oficina seria uma aula mais aberta, de caráter assim mais
informal” (CE, GH, p. 177). Em consonância com o discurso do ativista, MN afirma:
isso eu gosto de deixar muito claro para eles [os oficinandos] desde o início.
A compreensão do que é uma oficina, do que é uma aula. E a gente não dá
aula. Eu não dou aula, pelo menos. Eu trabalho uma oficina, que é um
trabalho construtivo em grupo. É muito mais abrangente. (CE, MN, p. 138).
O ativista conta que, muitas vezes, o oficineiro não está preparado para o
trabalho nas oficinas, pois imagina que vai chegar em um local onde todos estarão
com seus instrumentos e que dará aula, utilizando o pentagrama. Nenhum dos
125
entrevistados, todavia, deixou transparecer o desejo de ter essa situação
considerada “ideal” em suas oficinas.
Em suas falas, no entanto, foi possível entrever suas concepções no que diz
respeito ao ensino de música. A contradição presente na dualidade oficina de
música x aula de música é sintetizada por LN: “apesar de que na reunião já tinha
sido dito: ‘não, oficina não é aula de música e tal’. Mas... Não é aula de música, mas
é” (CE, LN, p. 56). Segundo o oficineiro, um mês depois de iniciada sua oficina, ele
admitiu que não era aula de música, mas não sabia dizer o que era. Na sua
concepção, o ensino consiste em “querer acumular conhecimento e querer que as
pessoas acumulem conhecimento, e querer que elas, a partir de uma coisa que
aprenderam, aprendam a próxima” (CE, LN, p. 56). Esse raciocínio, para ele, “é
quase que obrigatório, mas quando ele vem tu tens que negar” (CE, LN, p. 56-57).
Para isso, é necessário “tirar uma coisa da cabeça para botar outra e só a prática é
que te permite substituir” (CE, LN, p. 56). Mesmo com a racionalização que ele
constrói, o depoimento inicial, dado em seu segundo ano de oficina, mostra que ele
não tem ainda uma definição sobre o assunto.
Essa indefinição é compartilhada por HR. Para ele: “têm algumas regiões que
as pessoas confundem oficina com aula de música, não que não tenha toques
assim” (CE, HR, p. 146). Logo em seguida, ele dá as características de uma e outra.
A aula de música referida em sua resposta, entretanto, é a particular, em um
contexto de aula individual. A aula coletiva não surge como uma proposta de ensino,
mas como uma forma de baratear os custos dos alunos.
126
Primeiramente, [em] uma aula de música particular, geralmente você vai
atender uma pessoa individual. Ou, de repente, se é canto, ou até mesmo
[de instrumento], já existem propostas assim de dois, três alunos fazendo
aulas para ficar mais barato. Mas no geral, [é individual] porque cada
pessoa tem uma plástica de mão, tem uma natureza, tem [uma] rítmica.
Então quando se trabalha individualmente você consegue alcançar objetivos
mais [rapidamente], quando a pessoa estuda. Senão não adianta. E [em]
uma aula de música, geralmente você vai tratar muito mais da questão
musical mesmo. (CE, HR, p. 147).
Em relação à oficina, HR ressalta a flexibilidade que o professor necessita ter
na condução de sua aula. “E a oficina, por exemplo, o que eu levo, o que eu penso,
o que eu imagino” (CE, HR, p. 147), nem sempre é possível de ser realizado porque,
“às vezes, as pessoas estão a fim de fazer [outras coisas]: ‘quero cantar, quero isso,
quero aquilo’. A gente trabalha direto com isso” (CE, HR, p. 147). FC teve uma
experiência semelhante. Ele conta: “quando eu fui para lá, eu bolei uma aula cheia
de técnica e tal. Cheguei lá, foi por água abaixo” (CE, FC, p. 16).
Além da adaptação em relação ao planejamento, HR acrescentou que alguns
fatos trazidos pelos oficinandos tornam a música, naquele momento, secundária.
Como aconteceu no ano passado, por exemplo, na entrega do Oscar. Um
menino chegou relatando que ele estava assistindo televisão. Daqui a
pouco ouviu uns disparos de arma de fogo. Olhou pela fresta da janela e viu
um cara caindo e tal. Aí como é que você trabalha isso? Está chegando
para fazer uma [aula e os alunos:] "Ah, não, não, não. Não quero saber
desse teu [conteúdo]". Então naquela noite que teve esse relato, a gente
abriu para outras conversas. (CE, HR, p. 148).
Por isso, RT considera que o trabalho na oficina “não é [só] ensinar música. É
diferente. O contexto é mais amplo, bem mais amplo” (CE, RT, p. 39). E essa
diferença é assim apontada: “ensinar música é fácil. Você vai ali, senta duas horas,
pega só aquele conteúdo. O resto não interessa. Manda para casa. Terminou” (CE,
RT, p. 39).
127
Os relatos desse e de outros oficineiros refletem, muitas vezes, o modelo da
aula de música que tiveram em sua formação. Segundo Tourinho (2003, p. 53),
muitos foram ensinados [...] a preservar as tradições de pedagogia, usar os
mesmos procedimentos metodológicos, um repertório no qual se
sentisse[m] “seguro[s]” e confortáve[is]. Fazer diferente é um risco e um
desafio, muitas vezes sem condições físicas e materiais mínimas.
Por isso, o ensino individualizado, mencionado por quase todos, é
considerado “ideal” por BG, pois “a atenção [que é dada] a cada um é perfeita
porque tu notas a estética do corpo” (CE, BG, p. 101). Ainda segundo o oficineiro,
“querendo ou não [a aula de música] é uma coisa de repetição. O vocal ou
instrumento é uma coisa de repetição” (CE, BG, p. 100).
Essa concepção de aula de música é associada, por NP, à educação formal.
Ele afirma que o trabalho de oficina segue em direção contrária:
meu trabalho não é [...] uma educação formal, no aspecto de dar aulas de
teoria, solfejo, ensinar algum tipo de instrumento, coisas assim [...] e é
impossível fazer ensino formal de instrumento com 12, 15 pessoas. Não tem
como. Aprender um instrumento ou aprender a cantar é um
desenvolvimento individual. (CE, NP, p. 115).
É possível ver que a terminologia educação formal é empregada no sentido
de um ensino tradicional de música, em um modelo tutorial. Não há uma relação
com os conceitos de educação formal que vêm sendo sistematizados por autores
como Afonso, 1992; Vásquez, 1998; Green, 2000, entre outros. Há também, por
parte do oficineiro, um desconhecimento sobre o ensino coletivo de instrumentos,
tema recorrente nos encontros da área de educação musical (ver BARBOSA, 1998,
2002; TOURINHO, 1995, 2003; SANTOS, 2004). Para Tourinho (2003, p. 52), os
128
“repertórios e metodologias de ensino em grupo ainda esbarram no pressuposto de
que o aprendizado instrumental é altamente individualizado.”
5.8 Autonomia – “Liberdade total. Liberdade total mesmo.”
A autonomia do oficineiro, em relação à oficina e à administração, foi elogiada
e criticada pelos entrevistados. Alguns focaram mais a parte trabalhista, outros se
ativeram às questões referentes à sua prática pedagógica. FC comenta como se
configura a autonomia do oficineiro:
Liberdade total. Liberdade total mesmo. Tem liberdade de fazer o que a
gente quiser. E quando eu tenho alguma dificuldade [na oficina], tem essa
parceria assim com o GH e o pessoal. De chegar e [estar] expondo as
dificuldades. Eles ajudam. Muito legal mesmo. Eu não sabia que era assim.
Gostei muito. Achei que ia ser um trabalho de patrão e empregado. Mas
não, é um lance bem legal. [Estou] sempre trocando idéias e sanando as
dificuldades. Tenho liberdade para fazer a oficina da maneira que eu achar
melhor. (CE, FC, p. 17-18).
Para MN, a autonomia dada aos oficineiros é uma decorrência do processo
seletivo. A oficineira afirma que, “quando eles selecionam os oficineiros, eles até já
buscam oficineiros que tenham [...] uma certa experiência” (CE, MN, p. 134). E
mesmo quando “abrem espaços para os novos”, há uma preocupação em selecionar
quem tenha um perfil de alguém que saiba “para que lado ir”.
Porque o projeto ele te dá uma certa estrutura, mas na maioria [das vezes],
tu tens de criar tua estrutura. Tanto física [...] Quanto metodológica, de que
maneira que tu vais abordar. De que maneira que tu vais chegar. Não existe
um padrão, não existe um programa que tu tens que seguir. “Olha, tu tens
que fazer isso, tu tens que fazer aquilo”. Não. Existe uma proposta de
trabalho. Que é um trabalho cultural, social. [...] Existem esses pontos. E a
partir dali tu direcionas teu trabalho. [...] Então não tem interferência no
sentido negativo. Acho que as interferências que ocorrem são positivas, no
sentido até de agregar. (CE, MN, p. 134-135).
129
A “interferência positiva” que está ocorrendo é do grupo que se reúne às
quartas-feiras. Essa é a posição de vários oficineiros, incluindo BG. O oficineiro
acha que existe “até liberdade demais. Eu me sinto cada vez com muito mais
responsabilidade, conforme os dias passam, os meses passam” (CE, BG, p. 102).
Ele relata que, muitas vezes, se encontra refletindo sobre o fato de não ter “ninguém
de olho” nele. Então, se sente “o chefão” e não gosta, porque se sente um pouco
perdido. “Não sei se é perdido a palavra certa. [...]. Mas não tem interferência
alguma. Liberdade geral. Eu gostaria até que eles observassem mais. Mas [é] por
isso que a gente faz nossos relatoriozinhos” (CE, BG, p. 102).
O grupo também foi mencionado por LN como responsável por gerar “um
padrão de conduta [para os] oficineiros. O que é muito bom, mas quanto à escolha
de conteúdo, de maneira de dar aula, de abordagem, isso aí tudo eu tenho total
autonomia” (CE, LN, p. 54). Esse oficineiro considera que “não seria muito
inteligente do núcleo centralizador das oficinas querer dar uma coisa muito
específica porque cada zona dessas é muito diferente, pessoas diferentes, grau de
instrução diferente, idades diferentes, poder aquisitivo diferente” (CE, LN, p. 54-55).
Foi lembrado por dois dos oficineiros que, em anos anteriores, havia
interferência por parte da administração. Essa ingerência, já exposta anteriormente,
ocorria nas reuniões e estava relacionada a uma postura política mais efetiva do
ativista, com vários desdobramentos. Entre eles, uma discussão mais teórica nas
reuniões e a não-exposição das oficinas. Atualmente, no entanto, não sentem
“conflito nenhum na maneira de conduzir a coisa [a oficina]” (CE, JL, p. 47).
130
Essa “liberdade total” ou, como denomina ST, “100% de autonomia” é vista
por DN como uma deficiência do projeto, pois “não se tem muito controle” do que
realmente acontece (CE, DN, p. 72). ST reitera a crítica de DN, ao comentar sobre
esse assunto:
eles nunca foram lá. [A não ser] no primeiro dia. Me apresentaram para a
comunidade. [...] Mas depois, nunca mais foram. Então se eu estou fazendo
um trabalho, é do meu jeito. E é só do meu jeito, não porque eu queira. Mas
porque acontece assim. Tento seguir a visão do projeto, que é essa coisa
de trabalhar a música como um meio de trabalhar a educação, de trabalhar
as coisas que [...] a gente acha que o ser humano precisa ser trabalhado: a
cooperação, a cidadania deles. Enfim, tento fazer através disso. Mas o meu
trabalho final lá, é bem como eu quero. Mesmo se eu não quisesse trabalhar
assim, ninguém ia saber. (CE, ST, p. 28-29).
131
CAPÍTULO 6
6 FORMAÇÃO E ATUAÇÃO PROFISSIONAL – “QUANDO TU VAIS PARA A
OFICINA MESMO, A EDUCAÇÃO MUSICAL É O QUE É...”
A partir da fala dos oficineiros e do ativista, foi possível estabelecer algumas
características que são inerentes às oficinas de música do projeto de
Descentralização, da Secretaria Municipal de Cultura, da Prefeitura de Porto Alegre.
A presença de formalidades, como normas internas ao grupo, relatórios,
atendimento aos objetivos do projeto, nas oficinas de música do projeto de
Descentralização, o configuram como uma das intervenções da Prefeitura de Porto
Alegre, visando à compensação educativa não-formal, na perspectiva da educação
urbana (ver COLOM, 1998a).
A vinculação com a educação não-formal consta nas publicações oficiais e foi
abordada também em várias entrevistas. No jornal da Mostra de processos do
projeto de Descentralização, as oficinas de arte nos bairros são apresentadas com a
finalidade de
desmistificar o espaço de produção do conhecimento e sensibilizar a
comunidade para a necessidade de constituir o seu próprio processo de
educação e expressão sentimental (sentimento, sentido, percepção,
presença). Adotamos uma metodologia de educação não-formal, com
autonomia, onde o fundamental é “aprender a aprender”. (PREFEITURA DE
PORTO ALEGRE, 2004a, p. 6).
A função educativa da Secretaria de Cultura surgiu também na entrevista com
o ativista. Ao ser perguntado sobre o quanto havia de educação nesse projeto da
SMC, ele afirma que há a presença da “educação não-formal. [...] e que a função da
cultura não é educar formalmente. Mas que a cultura está ligada à educação” (CE,
132
GH, p. 176). Embora seja admitida por GH essa ligação, administrativamente ele
considera como um ganho a divisão entre a Cultura e a Educação.
Convém frisar que antes da Administração Popular não existia Secretaria de
Cultura em Porto Alegre. Era Secretaria de Educação e Cultura. Então não
tinha uma política cultural. A partir de 1989, da primeira gestão da Frente
Popular foi que se implantou a Secretaria Municipal de Cultura. (CE, GH, p.
173).
O currículo construído a partir das necessidades dos alunos, a metodologia
flexível e conteúdos adequados a essa estrutura, característicos da educação não-
formal (ver GARCIA, 2001), são apontados por RT como peculiaridades das oficinas:
E agora estou investindo muito nessa coisa da oficina porque é uma coisa
[...] onde a gente tem mais autonomia para trabalhar. E como [...] a
metodologia não é uma coisa rígida, é uma coisa que flutua conforme a
comunidade reage, conforme o potencial da comunidade. Enfim, é uma
coisa boa de trabalhar porque não tem aquela coisa da rigidez. E tu
respeitas muito a comunidade. Parte da comunidade para fora. Em vez
daquela coisa que a gente chega e joga lá o currículo, joga lá, impõe o
negócio. Não! É bem o contrário, dali é que tem que vir. (CE, RT, p. 34).
Já CM credita a ausência de uma sistematização curricular, um dos atributos
das atividades de educação informal (AFONSO, 1992), como a principal
característica das oficinas: “Não é um trabalho curricular. Essa frouxidão entre aspas
[... é] que o caracteriza. Eu acho até que é isso o valor da oficina e ao mesmo
tempo, o seu problema” (CE, CM, p. 66). No entanto, ao colocar entre aspas essa
ausência, ele se aproxima dos conceitos da educação não-formal. Há uma
estruturação em um nível diferente da educação formal.
133
DN chama a atenção para o fato de, algumas vezes, tratarmos os ambientes
“informais” [não-escolares] como passíveis de se trabalhar sem uma sistematização.
Ele conta:
eu vinha com as propostas e o aluno: “pá, eu queria aprender tal música. Eu
queria aprender a tocar aquela música que toca no caminhão do gás”. Era
Pour Elise. Ele então ficava [cantarola] no cavaquinho. Depois disso, teve a
história do Jorge Aragão tocando a Ave Maria no cavaquinho. Bah! Aquilo
foi uma febre. Então é muito interessante porque a gente pensa que o
ambiente informal é qualquer coisa. E não. Acho que o ambiente informal,
ele é o mais formal de todos. É onde quem não tem instrumento quer ter.
"Eu quero ter acesso a essa música". E a gente acha que é qualquer coisa.
É que nem restaurante popular. A gente acha que pode fazer qualquer
coisa, que dá para servir casca de ovo misturado na farofa. (CE, DN, p. 81).
O oficineiro comenta também que a oficina não está preparada para atender a
formalidade que alguns oficinandos buscam nesses espaços:
E olha o contraditório. Outro dia apareceu um oficineiro que comentou [...]
que veio um menino com um violino na oficina. E isso ficou muito
contrastante. Pô, o que é que esse guri quer aqui? O ideal é a oficina poder
trabalhar com todos os instrumentos. E o violino carrega em si uma imagem
acadêmica. Então esse projeto, ao mesmo tempo em que um acadêmico
não está preparado para atuar nesse projeto, esse projeto não está
preparado para atuar com o acadêmico ou com alguém que quer o
acadêmico. Não estou dizendo que não está porque deveria estar ou não
deveria. Mas que são coisas diferentes. É um mundo de dentro e um mundo
de fora, do IA [Instituto de Artes, da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul], ou da academia, ou das licenciaturas, enfim. (CE, DN, p. 80).
A observação feita por LN, ao contar sobre a chegada desse menino com seu
violino, confirma o comentário acima: “Eu não sei muito bem o que eu vou fazer com
ele [risos] porque ele também não toca nada. Mas eu vou dar teoria musical. Pelo
menos é igual para todo mundo” (CE, LN, p. 54).
No que se refere ao público que vai ser atendido pelas oficinas, vimos que há
o que Vásquez (1998) nomeou de “universalidade”. Qualquer pessoa que tenha
134
interesse pode participar das oficinas. A divisão por faixa etária, característica da
educação formal, não foi um critério apontado pelo ativista ou pelos oficineiros. Pelo
contrário, a maioria atende desde crianças até pessoas da terceira idade. O encontro
de diferentes gerações em um mesmo espaço educativo é uma das características
da educação não-formal (ver SIMSON, PARK e FERNANDES, 2001). Essa
intergeração é vista pelas autoras como importante para a construção de uma
identidade do grupo.
Mas nem sempre esse encontro entre gerações é bem-vindo. Em relação a
isso, um deles, cuja oficina atende jovens entre 15 e 20 anos, relata que
[tomou] um susto no primeiro dia que nós fomos. Apareceram 60 crianças
levadas de uma creche. Alguém entendeu mal o recado e levou aquele
bando lá. A gente negociou para que viessem dez crianças mais velhas,
mas elas não apareceram de novo. E, às vezes, aparecem umas crianças
meio soltas. Mas elas não reaparecem. Por um lado é bom porque fica
muito difícil de trabalhar se a criança não é muito quietinha. Fica muito
difícil. (CE, CM, p. 62).
Esse aparecer e não-reaparecer, ou reaparecer um mês depois, ocorreu em
vários depoimentos e se configura como outro atributo das oficinas. Isso se explica
porque, na “educação não-formal ou não-escolar, a decisão de aprender é
voluntária. Não há uma obrigatoriedade de permanência e de freqüência” (SIMSON
et al., 2001, p. 62).
MN relata terem passado em sua oficina 17 ou 18 pessoas, que foram só dar
“uma olhada”. Desses, “uns vão uma vez só e não voltam, que é natural” (CE, MN, p.
132). Para driblar essa flutuação entre os oficinandos, os oficineiros estabeleceram
135
algumas estratégias. Entre elas, priorizar o acesso aos instrumentos para aqueles
que são mais assíduos.
Então hoje a gente já [determinou que] as pessoas que estão sempre indo
no horário, saem no horário, têm preferência em sair tocando o instrumento.
Mas aquele que chega de vez em quando também tem. Mas bem depois,
mais para o final da aula, ele tem oportunidade de tocar o instrumento que
quer. (CE, ST, p. 28).
Foi possível observar também que “a transmissão do conhecimento acontece
de forma não obrigatória e sem a existência de mecanismos de repreensão em caso
de não-aprendizado” (SIMSON; PARK; FERNANDES, 2001, p. 10), por estarem os
oficinandos envolvidos “no e pelo processo ensino-aprendizagem e [desenvolverem]
uma relação prazerosa com o aprender” (Ibid., id.). Para seduzi-los, BG aponta uma
possibilidade:
A gente tem que ser meio mágico, meio Aladin, porque tu tens que encantar
eles, entendeu? No momento que eu tenho que provar para eles que eles
têm que fazer alguma coisa, eu tenho que mostrar para eles, tocar. Eu
tenho que fazer da melhor forma possível, [para] que brilhem os olhos
assim. (CE, BG, p. 100).
Essa imagem utilizada por BG, traduz a posição de Simson et al. (2001) sobre
a educação não-formal. Para os autores, nessa modalidade de ensino é preciso
atrair e ser capaz de cativar os seus educandos para poder realizar o trabalho
educativo.” (Ibid., p. 63, grifo dos autores). Essa necessidade também foi apontada
pelos licenciados em música investigados por Cereser (2003). Para os investigados
“é muito importante ter ‘criatividade’ para ‘conseguir chamar a atenção’ dos alunos.”
(Ibid., p. 118).
136
Mesmo não sendo o objetivo das oficinas, segundo o ativista, “formar
músicos”, essa é a principal expectativa dos que as procuram. Por serem, em sua
maioria, “um público carente” (CE, ST, p. 25), há um desejo muito forte de se
profissionalizar, e não apenas isso, mas ser um músico de sucesso. Contrariam,
assim, o discurso tanto do ativista quanto dos oficineiros, que consideram o ensino
de música uma “isca” ou um “gancho” para se trabalhar questões relacionadas à
cidadania.
As principais atividades desenvolvidas em projetos de educação não-formal
são as “esportivas, artísticas e artesanais, jogos e danças, religiosas” (SIMSON;
PARK; FERNANDES, 2001, p. 25). Ainda segundo as autoras, “embora não trabalhe
com esse objetivo, [a educação não-formal] acaba, muitas vezes, complementando
as lacunas deixadas pela educação escolar” (Ibid., p. 9). Constatei que essa é a
visão de alguns oficineiros, AB confessa “que seria bom que isso [o ensino de
música] estivesse na escola. Se estivesse na escola hoje, nós estaríamos
desempregados“ (CE, AB, p. 157-158).
O projeto de Descentralização prioriza as atividades artísticas e as
desenvolve no formato de oficinas, que, na educação urbana, são chamadas de
“oficinas de expressão”. A realização das oficinas de música está estabelecida em
períodos diferenciados. As “genéricas” duram nove meses e as de percussão, seis.
A duração é um dos critérios apontados por Vásquez (1998) para diferenciar a
educação formal da não-formal. Na educação não-formal, o projeto se desenvolve
num tempo estabelecido pelos objetivos do projeto ou pelo período do
financiamento, entre outras razões.
137
A questão da estabilidade profissional, um dos motivos da chegada ao
projeto, apresentou dois vieses. Para os músicos, o contrato representava a
possibilidade de ter “um dinheirinho fixo”. Para o licenciado, as implicações do
contrato, como renovação a cada três meses, durante nove meses, e o salário, que
considerou baixo, eram motivos para o projeto não ser procurado pelos que têm
formação, pois “o cara que se forma na faculdade não vai querer [essa instabilidade].
‘Eu quero um troço que tenha um salário melhor. [Na] escola é um saco trabalhar,
mas pelo menos eu tenho o meu ali no final do mês’. É a vida. É a coisa da
segurança” (CE, DN, p. 89).
Os locais de realização das oficinas de música, além de múltiplos, variam a
cada ano. Essa é outra característica da educação não-formal relacionada à
instituição (Vásquez, 1998). As condições necessárias em relação à infra-estrutura,
porém, estão previstas no regimento interno do OP. A partir do depoimento dos
oficineiros, constatei que nem sempre elas são atendidas. Dividir o mesmo espaço
com outras atividades promovidas pela entidade que cede o espaço para a
realização da oficina é um dos exemplos dessa inadequação. Interferências externas
foram também percebidas. O “cachorro latindo”, a “pedra que é jogada na janela” ou
o “rancho das mães” no salão da paróquia coexistem com as situações de ensino
nas oficinas. Além disso, a mudança da realização das oficinas de um ano para o
outro contribui para que os oficinandos não continuem, e o oficineiro tenha que
reiniciar o trabalho naquela região.
Cada oficineiro, depois de avaliado pelo seu currículo, é encaminhado às
regiões, a partir das demandas destas. Mesmo havendo esse cuidado por parte do
138
ativista em relacionar currículo e demanda, a diversidade de experiências e
expectativas dos oficinandos impelem os oficineiros a estarem sempre em busca de
novos conhecimentos e novos materiais, para trabalhar com seus alunos. Esses
critérios de seleção são semelhantes aos encontrados por Xisto (2004), ao analisar o
que determinava a atuação de egressos do curso de licenciatura em música da
UFSM. Os investigados responderam que vários aspectos eram considerados nesse
momento. Entre eles, “o Projeto Político Pedagógico da escola, o perfil do espaço
onde atua (escola de música, ensino básico, coral...), e o perfil da turma ou do aluno”
(XISTO, 2004, p. 139). A partir dessas informações, os licenciados estabelecem
“objetivos e seleciona[m] conteúdos, repertório, atividades e estratégias de ensino”
(XISTO, 2004, p. 139).
Não há, nas oficinas, uma obrigatoriedade de conteúdos nem um programa a
seguir. Por isso, na reunião semanal que envolve oficineiros e ativista, as “dicas” são
repassadas, os problemas são compartilhados, construindo, assim, uma
“jurisprudência” a ser utilizada em outros momentos semelhantes. Os oficineiros
apontaram, também, a troca que se estabelece entre os mais experientes e os que
estão iniciando no projeto. Xisto (2004, p. 153) identificou, em pesquisa que realizou,
[ser essa] partilha de experiências [...] intensificada na relação que se
estabelece entre os novos professores com aqueles professores mais
experientes, que já estão em outras fases da carreira docente e num
processo de construção de saberes experienciais há mais tempo.
Esses momentos da reunião, quando ocorre uma possível sistematização e
se avalia o processo do trabalho, os objetivos das oficinas, definidos pelo projeto de
Descentralização, entre outras situações apresentadas pelo ativista e pelos
139
oficineiros, mostram que existe nas oficinas de música uma estruturação
(VÁSQUEZ, 1998). Outra atividade que retrata essa estruturação é a Mostra das
oficinas, tanto a de final de ano quanto a de processo. Com a exposição do trabalho
desenvolvido, ocorre outro momento de avaliação.
No entanto, é a flexibilidade o fio condutor dos trabalhos desenvolvidos
nesses espaços. Os oficineiros relatam como, muitas vezes, preparam aulas “cheias
de técnica” que não conseguem realizar. Em outros momentos, são as ocorrências
cotidianas que são trazidas para a sala de aula, como no caso do homicídio relatado
por HR, e que transformam a aula em um espaço de conversa sobre esse e outros
assuntos. A adequação do que vai ser ensinado ao contexto dos alunos foi vista
como necessária também pelos licenciandos em música (CERESER, 2003, p. 120).
Essa flexibilidade é possível porque os oficineiros desfrutam de uma
autonomia ou uma “liberdade total” na condução de seu trabalho. Não há uma
interferência da instância administrativa do projeto, a não ser quando o oficineiro não
atende às expectativas da região que demandou a oficina. Nesse caso, o oficineiro é
remanejado. Não se mencionou, em nenhum momento, algum caso de demissão.
No entanto, o contrato pode ser rescindido em qualquer momento.
Os oficineiros consideraram que, mesmo com todas as dificuldades com que
convivem, como a falta de instrumentos, locais inadequados e diversificados, a
interferência de líderes comunitários ou da própria comunidade, a oscilação dos
oficineiros no decorrer do ano de trabalho, o projeto “é a fú, é tri”. JL resume assim
sua avaliação sobre as oficinas:
140
Atualmente, a oficina, para mim, é a maneira mais saudável da gente
desenvolver o estudo. Assim, de maneira popular. Eu não digo se alguém
quiser estudar profundamente um instrumento só, que o faça. Mas, em
geral, eu vejo isso, essa maneira, essa leveza, esse “descompromisso”
como a maneira melhor de desenvolver os talentos e da pessoa ser mais
feliz. Então eu acho que a oficina é um novo conceito na matéria
educacional. E eu acho que devia se expandir por todas as escolas, do
Brasil e do mundo mesmo. (CE, JL, p. 51).
Com uma forte parcela de envolvimento da comunidade, condição para sua
realização, pois faz parte do Orçamento Participativo, as oficinas de música do
projeto de Descentralização se apresentam como uma intervenção de educação
não-formal da Prefeitura de Porto Alegre, o que as configura como educação
urbana, conforme conceito de Colom (1998a). Como tal, as oficinas apresentam o
que Colom (1998b) denominou de “inconveniente”. Para o autor, essa modalidade
de ensino padece de inconvenientes, entre eles, uma insuficiência de recursos, por
não se conhecer todas as possibilidades que a educação não-formal tem. Além dos
recursos econômicos, ele acrescenta como insuficientes, os recursos materiais, tais
como instalações adequadas, e, “sobretudo, a deficiente preparação dos recursos
humanos nestes âmbitos tão complexos e diferenciados” (COLOM, 1998b, p. 171). A
legislação brasileira só estabelece a obrigatoriedade da formação para o professor
que atua, nos espaços escolares, na educação formal. Todos os outros espaços
ligados à educação não-formal ainda carecem de legislação própria.
Colom (1998b) atribui à universidade, como instituição formadora, a
responsabilidade de fazer uma intervenção efetiva para a alteração desse quadro.
Para o autor,
141
é necessário, então, que os departamentos universitários
10
centrados em
questões pedagógicas sigam formando não somente os denominados
educadores comunitários, normalmente especializados em técnicas de
alfabetização compensatória ou de animação sociocultural, mas também, e
sobretudo, pedagogos especializados em educação não-formal, ou seja,
abertos e preparados para implementar programas de acordo com as novas
necessidades e perspectivas que as inovações constantes de nossas
sociedades requerem de forma urgente. (COLOM, 1998b, p. 171).
Essa urgência o autor atribui não somente às mudanças da sociedade, mas
também ao trabalho de formação de profissionais, para atuar na educação não-
formal “por parte das instâncias mais adequadas [...] entre elas, indubitavelmente,
[ele vê como] prioritário o papel que a universidade pode ter neste sentido” (Ibid., p.
172). E para que a academia possa dar conta da demanda apontada por Colom, faz-
se necessário que haja pesquisas que ajudem a desvendar a lógica dos espaços
que integram a educação não-formal.
De igual modo, a justificativa apresentada pelo autor, para fundamentar a
educação urbana como objeto de estudo, se aplica ao projeto de Descentralização.
Colom (1998a, p. 108) afirma que a educação urbana “possui objetivos pedagógicos,
e [... que], ao estabelecer-se em novos contextos – as administrações locais – pode
possibilitar, tal como está fazendo, a utilização de profissionais e especialistas em
ciências da educação”.
Esses profissionais e especialistas em ciências da educação, no caso das
oficinas de música, seriam os licenciados em música. A possibilidade de atuação
desses profissionais fica clara no depoimento do ativista, quando ele diz que pode
se inscrever aquele que tenha apenas “o diploma”. No entanto, só um dos oficineiros
tem essa formação. Para o licenciado, não foram as disciplinas cursadas na
10
O autor se refere à universidade na Espanha.
142
graduação que o levaram a procurar outros espaços diferentes da escola, muito
embora seu projeto de conclusão de curso tenha tratado do trânsito entre o ensino
formal e o informal. Isso aconteceu pelo seu envolvimento pessoal com questões
sociais, aliado ao fato de ter tido uma orientadora com uma concepção ampla de
educação musical, que reconhece os vários espaços de transmissão e apropriação
musical (ver KRAEMER, 2000).
Segundo o licenciado, a academia ainda não prepara os egressos para uma
atuação em projetos sociais, pois a tônica das licenciaturas é a escola. Ele, contudo,
lembra que a pós-graduação tem desenvolvido vários trabalhos que já começam a
alterar esse contexto. DN relata:
Mas a gente se prepara muito mais na faculdade para trabalhar com os
ricos. Apesar da produção do mestrado hoje ser mais voltada, por exemplo,
para a periferia. Desde a Luciana Prass, com a escola de samba e a Marília
[Stein] que fez com as oficinas. A Vânia [Müller] com a Escola Porto Alegre
e aí vai. Então, o Pós está na frente. Sempre está. É engraçado isso. O Pós
está na frente da graduação nesse aspecto. (CE, DN, p. 82).
A função da pesquisa é a que foi apontada por DN, “estar à frente”, para dar
um suporte teórico à graduação. Nesse sentido, Colom (1998a, p. 108-109) afirma
ser
necessário que estas novas práticas educativas estejam assistidas, cada dia
mais, por um corpo de conhecimentos que ajudem a formar a estes
profissionais e possam ao mesmo tempo encontrar soluções para as
problemáticas funcionais próprias destes novos postos de trabalho.
Por entender “que os processos educativos ocorrentes na sociedade são
complexos e multifacetados, não podendo ser investigados à luz de apenas uma
143
perspectiva e, muito menos, reduzidas ao âmbito escolar” (LIBÂNEO, 1999, p. 63),
considero que todos os espaços educativos, inclusive as oficinas de música, podem
ser ocupados por profissionais com uma formação específica. No entanto, a
ausência dos licenciados em ocupar esse espaço, que já reflete uma
profissionalização e é disponibilizado pelo projeto de Descentralização, favorece a
atuação dos músicos. Além dessa, outras características foram percebidas e serão
aqui descritas com o objetivo de contribuir para a constituição desse corpo de
conhecimentos que, espera-se, dê suporte à formação dos professores de música.
Como não há outra exigência no momento da inscrição, a não ser a de ter
uma atuação no meio musical, a formação dos oficineiros é predominantemente a de
músico profissional. Na educação não-formal os “profissionais envolvidos, podem ser
voluntários, estagiários (com ou sem remuneração) e profissionais com formação
principalmente nas áreas de magistério, assistência social, psicologia, pedagogia,
técnicos de saúde e educação física” (SIMSON; PARK; FERNANDES, 2001, p. 25).
Garcia (2001, p. 157) acrescenta aos já mencionados os “educadores com uma
formação na prática e por vezes autodidatas (músicos, desenhistas, atores etc.).”
Em países como a Alemanha e a Espanha, a inquietação com a formação dos
profissionais que atuam na educação não-formal já conduziu à implantação de
cursos superiores, visando a uma profissionalização desses espaços. Wickel (1998),
relata que a “música foi incluída no currículo da sócio-pedagogia e do trabalho social
entre as disciplinas dos meios: pedagogia da música e trabalho musical
respectivamente, entendidas nesta conexão como método do trabalho social” (Ibid.,
p. 7). Ele acrescenta que “neste contexto, ela se subordina aos objetivos do trabalho
144
social, sem, no entanto, perder sua autonomia e dinâmica como fenômeno de
expressão artística” (Ibid., p. 10).
Segundo Romans (2003, p. 125), “a formação profissional de base
imprescindível para conseguir desempenhar, ‘com profissionalismo’, a educação
social é proporcionada através de estudos universitários como a Diplomatura de
Educação Social, na Espanha”. A educação social “têm lugar em contextos ou por
meios educativos não-formais” (TRILLA, 2003, p. 28). As funções dos educadores
sociais, segundo Petrus (apud ROMANS, 2003, p. 115), são as seguintes:
1. Função detectora e de análise dos problemas sociais e suas causas.
2. Função de orientação e de relação institucional.
3. Função relacionante e dialogante com os educandos.
4. Função reeducativa em seu sentido mais amplo, mas nunca reeducativa
clínica.
5. Função organizativa e participativa da vida cotidiana e comunitária.
6. Função de animação grupal comunitária.
7. Função promotora de atividades socioculturais.
8. Função formativa, informativa e orientadora.
9. Função docente social.
10. Função econômica/profissional.
Muitas das funções acima descritas foram identificadas no trabalho dos
oficineiros. Uma delas, o envolvimento desses profissionais com a comunidade é
percebida na fala de FC, quando afirma que “ultrapassa o lance de ensinar música e
ir embora” ou quando RT conta que vai às reuniões da Temática da Cultura, para
juntar forças com a comunidade e conseguir avanços para a mesma.
Ser músico é a habilidade considerada mais importante, dentre as
relacionadas pelos oficineiros, como integrantes do perfil profissional do oficineiro.
No entanto, ao apresentá-la, eles estabelecem uma relação com a atividade
145
educativa. Não é possível ser “professor de música” sem ser músico. Essa
dubiedade está presente em todo o discurso dos oficineiros, quando se referem às
habilidades e situações de aula. Nenhuma delas se caracterizaria como uma
exclusividade do músico. Pelo contrário, todas compõem o perfil de um professor. O
bom senso, a humildade em reconhecer sua incompletude, o aprender com o aluno,
a paciência, a tolerância, a responsabilidade, a preocupação com o social e o
respeito aos alunos e à comunidade são também reconhecidas como necessidades
na atuação do professor de música. Os licenciandos investigados por Cereser (2003,
p. 119), além de considerarem essas habilidades pertinentes, acreditam que “mesmo
sendo humilde o professor tem que saber o seu lugar, ‘qual o [seu] papel ’, ‘respeitar
os alunos’, ‘ter muita ginga’, mas saber se ‘posicionar na frente deles’ e ‘ter
autoridade sobre eles’.” As habilidades acima relacionadas apontam para o que
Simson et al. (2001, p. 72-73) consideram como essencial:
O educador que se propõe a trabalhar nessa experiência de educação não-
escolar precisa ser capaz de viver um diálogo frutífero e criativo que lhe
permita captar toda a expressividade de [pessoas] vindas de outras classes
sociais que não a sua e trazendo vivências étnico-socioculturais muito
diversas.
Essas habilidades podem ser entendidas como aquelas que tem um professor
que interprete a “educação musical como cultura”, expressão utilizada por Arroyo
(1999, p. 343-344) para explicar uma concepção de educação musical que envolve
o reconhecimento de que significados socialmente construídos sobre o fazer
musical, estão implicitamente presentes em situações de ensino e
aprendizagem de música, isto é, aprendizes e mestres são portadores de
diferentes concepções sobre música e sobre o fazer musical. Tais
significados são construídos e reconstruídos ao longo de trajetórias
particulares de vida – de diferentes biografias musicais: os tipos de músicas
que consomem e/ou produzem de acordo com a classe social, grupo
cultural, gênero e idade.
146
A concepção de professor e de aula de música perceptível tanto na fala do
ativista quanto dos oficineiros apontou para um modelo de professor que trabalha de
forma tutorial. As aulas particulares, vivência de todos eles, eram a referência mais
constante que todos tiveram. Tourinho (2003, p. 53), ao refletir sobre a postura do
professor de instrumento que trabalha com essa perspectiva, aponta que
o ensino não deve ser a repetição de velhas ações que muitas vezes não
funcionam em novos espaços e tempos, mas nem sempre o professor
desenvolve técnicas e possibilidades de fazer diferente. Na verdade, não é
possível “conservar” a música como algo estático e imutável, mas foi dessa
forma que muitos foram ensinados, a preservar as tradições de pedagogia,
usar os mesmos procedimentos metodológicos, um repertório no qual se
sentisse “seguro” e confortável. Fazer diferente é um risco e um desafio,
muitas vezes sem condições físicas e materiais mínimas proporcionadas
nas próprias escolas de música.
A repetição de velhas ações pode ser percebida no discurso de EF. A
oficineira, que trabalhou “muito técnica vocal”, afirma que “esse caráter informal da
oficina faz com que seja mais difícil tu fazeres as pessoas se concentrarem.
Principalmente se concentrarem juntas” (CE, EF, p. 5).
Finalizando, “não há como pensar a educação não-formal desconsiderando a
comunidade, pois é difícil o envolvimento voluntário das pessoas com algo com o
qual não se identificam” (SIMSON; PARK; FERNANDES, 2001, p. 11). Para
conseguir o envolvimento efetivo da comunidade, Colom (1998b) diz ser
imprescindível um planejamento adequado às necessidades das pessoas
envolvidas. Essa “situação só poderá ser superada se apontamos uma filosofia
própria, uma política adequada de educação não-formal” (Ibid., p. 171). Nessa
política, não poderá ser esquecida a formação do profissional que irá atuar nesses
espaços, pois “daí quando tu vais para a oficina mesmo, a educação musical é o que
147
é, no fim das contas. E educação musical é o que menos se discute” (CE, DN, p.
72).
148
CONCLUSÃO
Com o intuito de ampliar a discussão sobre os espaços não-escolares de
atuação profissional para o professor de música, desenvolvi esta pesquisa cujo
objetivo foi caracterizar o ensino de música inserido em projetos sociais, a partir da
perspectiva dos profissionais que neles atuam. O projeto selecionado foi o de
Descentralização da Secretaria Municipal de Cultura, da Prefeitura de Porto Alegre,
por oferecer, entre suas ações, oficinas de música. Essas oficinas foram, então, o
foco deste trabalho. Os profissionais nelas envolvidos eram os oficineiros de música
e o ativista, termos utilizados na estrutura administrativa do projeto.
Os objetivos específicos foram analisar as dimensões educativo-musicais
presentes nas oficinas, a fim de configurar, com mais propriedade, esse espaço de
educação musical. Outros objetivos me pareceram importantes, para complementar
essas informações. Por isso, procurei identificar os profissionais que ali ensinam
música, caracterizando sua formação, ao mesmo tempo em que examinei as
concepções sobre o ensino de música do ativista e dos oficineiros.
Para responder às minhas questões, entrevistei 14 oficineiros e o ativista das
oficinas de música do projeto de Descentralização. Considerando o número de
149
participantes selecionados e o propósito de ter uma visão ampla de todas as
oficinas, optei por utilizar o survey de pequeno porte como método de pesquisa.
Esse método se mostrou apropriado por possibilitar, entre outros aspectos, a
descrição das condições existentes no momento da coleta dos dados (COHEN;
MANION, 1994). De modo semelhante, a entrevista semi-estruturada, técnica de
pesquisa escolhida, permitiu apresentar os dados, a partir do ponto de vista dos
participantes.
Esta pesquisa teve uma abordagem qualitativa e os dados obtidos foram
analisados a partir da sociologia de uma educação não-escolar, que trata da
educação não-formal, tanto na área de pedagogia (AFONSO, 1992; COLOM, 1998a,
1998b; VÁSQUEZ, 1998; GOHN, 1999; LIBÂNEO, 1999; SIMSON; PARK;
FERNANDES, 2001), quanto na área de educação musical (ARROYO, 1999;
GREEN, 2000; SANTOS, 2001; OLIVEIRA, 2000, 2003).
Os dados foram analisados, assim, a partir dessas perspectivas, divididos em
duas grandes categorias: das oficinas e dos oficineiros. Na primeira, procurei
contextualizar o projeto de Descentralização, descrevi as atividades desenvolvidas
nas oficinas e as funções da música, os seus participantes, as opiniões dos
oficineiros sobre o projeto, as reuniões e o ativista. Na segunda, identifico o
profissional que atua nas oficinas de música, como se dá o processo de seleção,
como chegou ao projeto, sua formação, suas experiências anteriores, as habilidades
consideradas necessárias para a atuação, sua concepção de professor e de aula de
música e, por fim, sua autonomia. Em seguida, apresento o diálogo desses dados
com a literatura da educação não-formal e da educação musical.
150
Consciente de que cada espaço educativo tem a sua cultura própria e, por
isso, deve ser visto como único, não tenho a intenção de generalizar os resultados a
que cheguei. Não tive, também, o intuito de comparar com outros espaços, quer
escolares, quer não-escolares. No entanto, algumas características já vistas nesses
espaços foram também observadas nas oficinas de música, a partir da fala dos
oficineiros e do ativista. Por isso, em alguns momentos, eles são citados.
As oficinas de música são projetos culturais, de cunho social e educativo, em
um programa de política pública que envolve a participação da comunidade para a
sua realização. Dessa forma, ela pode ser classificada como uma atividade da
educação urbana, como proposto por Colom (1998a). A educação urbana é um dos
campos da educação não-formal e, por isso, tem as características desse tipo de
educação. A caracterização das oficinas de música é aqui condensada a partir dos
critérios de análise apresentados por Vásquez (1998), quais sejam, a universalidade,
a duração, a instituição e a estruturação.
Quanto à universalidade, isto é, a possibilidade de acesso a todas as
pessoas, as oficinas de música atenderam a esse requisito. Não apareceu em
nenhuma das entrevistas, algum critério de exclusão, no que se refere à
participação. Crianças, adolescentes, jovens e adultos até a terceira idade estavam
entre o público que é atendido nas oficinas. Na maioria delas, essas gerações
conviviam, partilhavam experiências e constituíram um grupo com identidade
própria. Mesmo tendo um viés de educação compensatória, as oficinas não são
dirigidas somente às classes mais baixas ou aos bairros mais afastados do centro da
cidade. Em uma das oficinas, a oficineira afirma que atende a pessoas da classe
151
média baixa. Em outra, o oficineiro diz ter, entre seus alunos, uma dinamarquesa,
ampliando, assim, o leque de possibilidades de atendidos no projeto.
No que diz respeito à duração, as oficinas de música têm um período que é
demarcado não por uma sistematização, como o ano letivo, mas por seu
financiamento, o que provoca, também, certa instabilidade em relação a essa
duração. Se não forem demandadas pela comunidade a cada ano, não terão
continuidade. E, mesmo que se dê essa renovação anual, não haverá a garantia de
permanência dos oficinandos do ano anterior. Então, o trabalho é quase sempre um
recomeço, ou uma mescla de alunos novos com aqueles que retornaram.
A instituição se define como os espaços das atividades educativas. Eles são,
assim como ocorre na educação não-formal, vários. Associações de moradores,
igrejas, escolas, museus, sindicatos são algumas possibilidades de locais de
realização das oficinas. As condições físicas deles nem sempre estão de acordo
com o que é exigido pelo Regimento Interno do OP. A inadequação dos espaços foi
observada em várias partes das entrevistas. Interferências externas, como cachorro
latindo, ou pedra que é jogada na associação, ou, ainda, locais de difícil acesso, são
exemplos disso. O fato também de não ter um espaço que seja fixo, na comunidade,
para realização da oficina, contribui para a não-continuidade do grupo com o qual se
trabalhou no ano anterior.
Em relação à estruturação, foi possível observar que as oficinas de música
apresentam uma flexibilidade, mas não uma ausência. Elas fazem parte de um
programa de ação cultural e, por isso, nas publicações oficiais, são delimitadas
152
quanto à sua função. Tanto no discurso do ativista quanto no dos oficineiros,
constatei que havia clareza em relação aos objetivos do projeto e que isso se refletia
nas atividades que desenvolviam nas oficinas. Ao mesmo tempo em que afirmavam
não haver um programa, mencionavam as reuniões com o ativista, nas quais
compartilhavam experiências e construíam, assim, um conjunto de saberes a serem
acionados na aula.
Os oficineiros, por sua vez, são músicos profissionais e são selecionados a
partir de sua experiência profissional. Todos eles têm uma atuação comprovada na
cidade de Porto Alegre, tanto como compositores quanto cantores e instrumentistas.
Procuraram o projeto para atender a uma convocação feita anualmente pela SMC,
da qual tomaram conhecimento por meio da mídia, de amigos, entre outros. A
seleção é feita a partir do currículo, e as experiências anteriores, em projetos sociais,
constituem o critério mais importante. A licenciatura, porém, não é exigida, muito
embora o ativista afirme que o licenciado em música pode se inscrever. Ainda que
não se considerem professores nem tenham formação para tal, com exceção de um,
estão trabalhando em uma situação educativa, e não artística. Por não terem uma
formação específica para a atuação como professores, os saberes da prática são os
que eles acionam no desempenho da “profissão”. Para um dos oficineiros, o seu
envolvimento com as oficinas compromete seu fazer artístico a ponto de ele
considerá-lo um ”risco”. A razão para estarem no projeto está ligada tanto ao
envolvimento pessoal com as questões sociais ou políticas, quanto ao fato de
procurarem uma atividade que ofereça, mesmo momentaneamente, uma
estabilidade financeira.
153
Para ser oficineiro, são exigidas algumas habilidades, que foram detalhadas
pelos entrevistados. A primeira delas é ser músico, pois não viam a possibilidade de
“ensinar” música sem ser músico. Em várias situações, inclusive nessa, fica
evidenciado o conflito entre a atuação do músico e do professor. Outras habilidades,
como a humildade em reconhecer que não sabem tudo e, por isso, ir à procura de
novos conhecimentos, a predisposição para aprender com os alunos e reconhecer
as suas diferenças individuais, o bom senso, a responsabilidade, entre outras
apresentadas, são também necessárias em um professor de música, conforme
mostram os resultados de pesquisas realizadas recentemente (ver CERESER, 2003;
XISTO, 2004, entre outras).
A concepção dos oficineiros sobre o professor e o ensino de música aparece
em todas as entrevistas. Algumas afirmações desses profissionais sobre o que é ser
professor de música denotam sua visão de uma educação musical tradicional e
ligada, mais especificamente, às aulas particulares. Por isso, em muitos momentos,
apontavam, como dificuldade, não poder reproduzir esse modelo que vivenciaram.
Mesmo quando diziam trabalhar em grupo, alguns oficineiros faziam atendimentos
individuais, por acharem que questões técnicas deveriam ser preservadas.
A análise acima apresenta as oficinas de música como um espaço com um
funcionamento próprio que as caracteriza como educação musical não-formal. No
entanto, a educação musical ocorre, na maioria das oficinas, de forma “intuitiva”,
pois os que nelas atuam não têm formação e constroem os seus saberes,
fundamentalmente, a partir da prática. Nesse espaço de atuação profissional, os
licenciados ainda não representam um número expressivo. Pelo contrário, dos 14
154
oficineiros entrevistados, só um havia concluído a licenciatura em música. As razões
que justificam esse quadro, conforme comentaram os entrevistados, parecem ser a
prioridade dada ao ensino básico, nesses cursos; a ausência de disciplinas que
promovam o envolvimento em projetos sociais, especialmente nos currículos
anteriores à atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e às Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica; o
receio de professores e alunos em se envolver com questões políticas; e a
instabilidade profissional inerente a esse tipo de trabalho. As habilidades apontadas
como necessárias para compor o perfil do oficineiro revelam, também, que os
licenciados podem ocupar esse espaço educativo. Além disso, o contexto de ensino
das oficinas não difere muito daqueles vivenciados nas escolas da educação básica.
Cabe, portanto, aos cursos de licenciatura, mais especificamente aos seus
professores-formadores, incluir esses espaços não-escolares na articulação entre
formação e atuação profissional.
A partir dessa caracterização, considerei ter contribuído para ampliar a
discussão sobre a educação musical não-formal e suas relações com a formação de
professores de música em cursos de licenciatura. Os dados poderão retroalimentar
as discussões sobre a formação de professores, colaborar com a reestruturação dos
cursos, contribuindo para o reconhecimento da educação não-formal como um
espaço legítimo para a atuação de professores licenciados em música e como mais
uma possibilidade de estágio para os licenciandos deste curso.
Alguns temas emergiram dos dados, no decorrer do trabalho, que avalio como
possíveis de serem desenvolvidos em outras pesquisas. Entre eles, a investigação
155
das concepções de professor de música e de aula de música construídas nos cursos
superiores de música, os fatores ligados ao predomínio do ensino tutorial em
diversos espaços educativos, as relações de gênero na ocupação dos espaços de
educação não-formal e as relações étnico-raciais presentes no contexto da
educação musical não-formal. Finalmente, esse último item leva também a outra
reflexão, que é como os cursos de formação de professores estão tratando esse
tema, uma vez que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana já estão aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação.
156
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Educação, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria.
165
APÊNDICE A – Roteiro para as entrevistas
Coordenador das oficinas de música (Ativista)
1. Histórico
2. Objetivos
3. Atividades desenvolvidas
4. Comunidade(s) atendida(s)
5. Critérios de seleção dos participantes
6. Quantidade de encontros semanais
7. Critérios de seleção dos professores
8. Relações trabalhistas entre os profissionais e o projeto
9. Informações complementares
Oficineiro de música
1. Dados pessoais
2. Formação profissional
3. Formação acadêmica
4. Concepção de ensino de música
5. Como chegou ao projeto
6. Sua atuação no projeto
7. Autonomia profissional em relação ao projeto
8. Função da música no projeto
9. Informações complementares
166
APÊNDICE B – Carta de Cessão
Eu, (nome), RG, declaro para os devidos fins que cedo os direitos de
minha entrevista, gravada no dia, transcrita e depois revisada por mim, para
Cristiane Maria Galdino de Almeida, podendo a mesma ser utilizada integralmente
ou em partes, sem restrições de prazos e citações, desde a presente data. Da
mesma forma, autorizo o uso das citações desde que a minha identidade seja
mantida em sigilo.
Abdicando igualmente dos direitos dos meus descendentes sobre a autoria
das ditas entrevistas, subscrevo o presente documento.
Porto Alegre, 17 de setembro de 2004.
167
ANEXO A – Localização das oficinas por região do Orçamento Participativo
168
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
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Baixar livros de Comunicação
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Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
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Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
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Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo