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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em História – Mestrado
A “hecatombe de Olivença”:
Construção e reconstrução da identidade étnica – 1904.
Teresinha Marcis
Salvador. Ba.
2004.
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ii
Teresinha Marcis
A “hecatombe de Olivença”:
construção e reconstrução da identidade étnica – 1904.
Dissertação apresentada ao Mestrado de História Social
da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA,
como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Hilda B. Paraíso.
Salvador-Ba.
2004.
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iii
Banca formada por:
Drª Maria Hilda B. Paraíso – Orientadora.
Doutora em História Social, professora Departamento de História da
Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Dr. Luiz Mott
Doutor em Antropologia, professor do Departamento de Antropologia da
Universidade Federal da Bahia - UFBA.
Dr. Luis Sávio de Almeida
Doutor em História Social, professor Adjunto do Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Federal de Alagoas - UFAL
iv
Agradecimentos
Sou muito grata a minha orientadora Profª Drª Maria Hilda B. Paraíso. Suas críticas e
sugestões, bem como sua amizade e confiança foram fundamentais para o desenvolvimento
desse trabalho.
Aos membros da banca de qualificação, professores Antônio Guerreiro e Valdemir
Zamparoni, pelas críticas, sugestões e entusiasmo demonstrado pelo tema.
Aos professores Lígia Bellini, Lina Aras, João Reis e outros, pelas críticas,
orientações, sugestões de bibliografia e pela disponibilidade e amizade.
Aos funcionários do APEB, da Biblioteca da UFBA, da Biblioteca Pública do estado
da Bahia, do Arquivo e Biblioteca Pública de Ilhéus, do CEDOC/UESC e do Cartório de
Olivença. Sempre encontrei disponibilidade e empenho de todos em contribuir com a
pesquisa.
Tenho profunda gratidão para com a professora Mary Ann Mahoni que fez críticas
extremamente importantes ao projeto, sugerindo bibliografia e auxiliando a pesquisa no
APEB que contribuíram decisivamente para a concretização desse trabalho.
Agradeço aos colegas da turma do mestrado pelos ótimos momentos que passamos
juntos, além das críticas e sugestões. Sem o clima de amizade e solidariedade construído,
desde o início, certamente as dificuldades seriam bem maiores.
Agradeço em especial aos companheiros de Mestrado e moradia em Salvador: Jairo
pelo exemplo de dedicação intelectual e a Ivaneide Almeida – Neidinha, amiga de todas as
horas, que sempre ouviu minhas preocupações e devaneios intelectuais e pessoais, e, que
tornou nossa jornada mais alegre.
Não posso deixar de agradecer a comunidade Tupinambá de Olivença, em especial ao
núcleo de professores indígenas, a Cacique Valdelice Amaral, a dona Nivalda e a todos com
quem mantive contato. Sou muito grata, especialmente, a minha amiga Núbia Tupinambá
pela sua amizade, incentivo e disposição de informações e bibliografia.
Aos meus filhos Daniel e Davi Leandro e ao meu companheiro Paulo Demeter serei
sempre devedora de gratidão e profundo carinho. Sem o apoio, a compreensão e o estímulo
recebido, certamente, teria sido impossível a realização desse trabalho.
E, finalmente, agradeço a CAPES, que me concedeu bolsa de estudos para a realização
do curso de Mestrado.
v
Resumo
MARCIS, Teresinha. A “hecatombe de Olivença”: construção e reconstrução da
identidade étnica – 1904. Salvador: UFBA, 2004. Dissertação de Mestrado.
Este trabalho analisa a problemática da construção e reconstrução da identidade étnica
dos índios de Olivença a partir da constatação de sua existência social no início do século XX.
Testemunhas distinguiram-nos entre as centenas de pessoas que impediram o grupo, apoiado
por um coronel de Ilhéus, tomar posse da Intendência. Esse conflito, denominado
“hecatombe de Olivença”, resultou na morte dos sete membros do grupo e na condenação do
coronel, chefe político local, mestiço e nativo de Olivença, Manoel Nonato do Amaral, pela
autoria intelectual e mandante do crime
Considerando a identidade individual e coletiva como dinâmica e atualizada
historicamente pelos indivíduos ou coletividades, buscou-se analisar a trajetória histórica dos
índios em Olivença, focalizando as questões relativas a reelaboracões da cultura e identidade
étnica no espaço do aldeamento e após sua elevação à condição de Vila, em 1758. A análise
abarca as transformações originadas pelas mudanças na legislação e pelo aumento de
moradores não-índios que se instalavam como comerciantes, funcionários do governo e
proprietários de terras.
A presença dos índios é apreendida nos documentos produzidos pelos vereadores,
entre o período de 1823 a 1888, cuja interpretação desvendou diversos aspectos do
relacionamento interétnico e da participação ativa dos índios como eleitores, vereadores,
autores de denúncias e reivindicações. Analisando a estrutura política e social da Câmara,
constatou-se o revezamento de um grupo de famílias nas funções de vereadores e funcionários
que formaram a elite dirigente de Olivença em luta pela conquista da hegemonia, inseridos
num contexto de disputas internas e externas, conflitos e negociações, envolvendo, inclusive,
a manipulação da identidade étnica.
A análise conclui com a afirmação da presença dos índios, organizados politicamente
para defender os seus diretos e autonomia em vários conflitos ocorridos em Olivença,
inclusive na “hecatombe”. E, mesmo tendo perdido muitos aspectos de sua cultura, esses
índios reelaboraram e adquiriram outros, frutos do relacionamento interétnico, permanecendo
identificados e se identificando como índios.
Palavras-chaves: Índios; aldeamentos; identidade étnica; Bahia; Ilhéus; Olivença.
6
SUMÁRIO
Agradecimentos ____________________________________________________________iv
Resumo___________________________________________________________________ v
SUMÁRIO ________________________________________________________________ 6
INTRODUÇÃO ____________________________________________________________ 8
A “hecatombe de Olivença”: construção e reconstrução da identidade étnica – 1904.____ 8
Olivença: informações gerais______________________________________________ 10
Metodologia____________________________________________________________ 13
A análise das fontes e a estrutura da dissertação ______________________________ 18
CAPÍTULO I
OS ÍNDIOS DO ALDEAMENTO NOSSA SENHORA DA ESCADA DE OLIVENÇA__ 23
A ocupação da Capitania de São Jorge dos Ilhéus e a desconstrução do espaço indígena 24
O redicionamento do projeto colonizador ___________________________________ 30
Os aldeamentos na Capitania _____________________________________________ 34
O aldeamento de Nossa Senhora da Escada__________________________________ 37
Vestígios do cotidiano no aldeamento ______________________________________ 41
O aldeamento e a vila de São Jorge dos Ilhéus________________________________ 46
CAPÍTULO II
A EXTINÇÃO DO ALDEAMENTO E SUA ELEVAÇÃO A VILA DE NOVA OLIVENÇA
________________________________________________________________________ 50
A implementação do Diretório nas terras da antiga capitania___________________ 53
A transformação do aldeamento em Vila Nova de Olivença________________________ 55
A estrutura administrativa da Vila Nova de Olivença _________________________ 57
As eleições: um espaço de participação dos índios ____________________________ 58
A vila Olivença: reelaborações do espaço indígena____________________________ 61
As terras do antigo aldeamento ___________________________________________ 66
A Câmara de Olivença e a criação de novos significados_______________________ 69
O Código de Posturas: a reelaboração do espaço social da Vila __________________ 74
Reelaboração das relações econômicas e políticas_____________________________ 78
O controle da mão-de-obra indígena _______________________________________ 81
A negociação da identidade: conflitos entre elites e moradores__________________ 84
Os conflitos e ambigüidades da Câmara de Olivença __________________________ 87
7
CAPÍTULO III
ALTERAÇÃO DAS ESTRUTURAS POLÍTICAS E CULTURAIS: UMA VERDADEIRA
HECATOMBE EM OLIVENÇA _____________________________________________ 92
Ilhéus e Olivença no início da República_______________________________________ 92
Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei! _________________________________________ 95
Índios, caboclos, jagunços e coronéis se confrontam em Olivença _______________ 97
O confronto__________________________________________________________ 102
O processo __________________________________________________________ 104
Crime político: a disputa pelo controle de Olivença __________________________ 107
A identificação étnica como alicerce do conflito_____________________________ 112
CAPÍTULO IV
A DEFINIÇÃO ÉTNICA DOS ÍNDIOS DE OLIVENÇA ________________________ 117
CONCEITUANDO ETNICIDADE _______________________________________ 119
Identificação étnica: quem tem o poder de nomear? _________________________ 122
Caboclo de Olivença: a construção de uma nova nomeação? ___________________ 126
Índio ou caboclo: redefinição da identidade ou dos critérios de pertencimento ao grupo
étnico de olivença? ____________________________________________________ 129
Reelaboração da Identidade étnica e do papel do chefe _______________________ 132
O realce da origem comum: um demarcador da identidade étnica______________ 136
CONSIDERAÇÕES FINAIS _______________________________________________ 140
ANEXOS _______________________________________________________________ 143
Anexo I: Mapas________________________________________________________ 143
a. Mapa do município de Ilhéus, destacando-se o distrito de Olivença __________ 143
b. As capitanias hereditárias____________________________________________ 144
c. Localização vila de Ilhéus, dos principais rios e engenhos. __________________ 145
d. Os quatro engenhos mais importantes da Capitania de S. J. dos Ilhéus -1631 ____ 145
e. Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes (detalhe). _______________ 146
Anexo II: Distribuição da população indígena de Olivença____________________ 147
Anexo III: A evolução do direito de propriedade da Capitania de São Jorge dos
Ilhéus.________________________________________________________________ 148
Anexo IV: Relação de vereadores e funcionários da Câmara Municipal da Vila Nova
de Olivença: 1824-1879. _________________________________________________ 149
Anexo V: As divisões administrativas do sul da Bahia no período colonial _______ 152
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ________________________________________ 154
Fontes primárias_______________________________________________________ 154
Fontes secundárias _____________________________________________________ 157
8
INTRODUÇÃO
A “hecatombe de Olivença”: construção e reconstrução da
identidade étnica – 1904.
O título desta dissertação se insere na trajetória histórica dos índios de Olivença,
reflete o processo de construção deste trabalho e a concepção sobre identidade étnica como
construção histórica. Esse processo dinâmico de construção admite reelaboracões, perdas e
incorporações de novos valores e conhecimentos advindos das experiências, individuais e/ou
coletivas, que se desenvolvem a partir das condições ecológicas e do relacionamento social,
político e econômico. O ponto de partida da investigação foi à constatação da existência
social dos índios de Olivença, no início do século XX, e da forma ambígua que essa
existência foi representada no processo jurídico referente a um crime ocorrido em Olivença,
no ano de 1904.
1
“Hecatombe de Olivença” foi a denominação adotada pelo promotor público para
caracterizar o crime, aqui tratado como um evento. Nesse evento foram mortos sete membros
de um grupo político que pretendia tomar posse da Intendência de Olivença em dezembro
daquele ano. O grupo, liderado pelo coronel Paulino J. Ribeiro, o pretenso intendente que se
1
APEB. Seção Judiciária. Série Crimes. Est. 24 cx. 853 - d. 6. Translado crime político. Morticínio de Olivença,
réo: Amaral, Manoel Nonato do, e outros. Período: 1906.
9
dizia eleito no pleito de 1903, invadiu a Igreja, local que servia de espaço para o
desenvolvimento dos serviços da administração. Após um cerco de vinte quatro horas, sem
que nada fizesse o grupo se entregar e sem que acorressem ao local algum destacamento
oficial para debelar a aglomeração, houve intenso tiroteio, resultando na morte do grupo e em
ferimentos leves na população. Os depoimentos das testemunhas, durante o inquérito policial,
forneceram o detalhe que chamou atenção para a pesquisa: apontaram muitos índios,
moradores do vilarejo e das matas interioranas, entre as mais de duzentas pessoas que
fizeram o cerco aos invasores da Igreja e que retiraram os editais, pregados pelo coronel
Paulino, informando que estava assumindo as funções de intendente. O motivo do crime,
segundo as testemunhas, foi essa intenção do Coronel Paulino contra a vontade do povo de
Olivença.
Também chamou atenção o fato do principal acusado e condenado como autor
intelectual e mandante do crime ter sido um coronel mestiço e nativo de Olivença, Manoel
Nonato do Amaral, também apontado como o chefe político local. O processo criminal
também revela a participação indireta do Intendente de Ilhéus, o poderoso coronel Domingos
Adami de Sá, como interessado em expandir seu controle político sobre Olivença através do
enfraquecimento do chefe político local, que se efetuaria com a posse do seu grupo aliado na
Intendência de Olivença. Como o grupo foi assassinado, a nova estratégia foi a de incriminar
e manter Manoel Nonato na prisão.
A multiplicidade de interesses e significados, refletidos no processo crime, sustenta a
definição de Sahlins sobre evento
2
adotada neste trabalho e justifica a interpretação da
“hecatombe de Olivença” como um conflito étnico. Ou seja, considera-se a possibilidade
desse evento representar o ápice de uma ação política, projetada pelos grupos representantes
da sociedade nacional, como parte complementar do processo estruturado de
descaracterização étnica dos moradores de Olivença. Assim, para a compreensão desse
processo torna-se imperativo ultrapassar a visão sobre os fatos e personagens mais evidentes,
o que implica compreender como as transformações históricas ocorreram e foram elaboradas,
e compreender os vários atores envolvidos, seus interesses, trajetória política e social e como
eles se posicionavam na estrutura social, política e econômica local.
2
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, p. 14-15.
10
Assim sendo, buscaram-se dados que informassem sobre a trajetória histórica do povo
de Olivença e explicasse sua presença no local, justificando sua disposição, informada pelo
coronel Manoel Nonato, em derramar sangue para impedir a posse do coronel Paulino.
Contudo, não houve a pretensão de encontrar uma continuidade de uma suposta cultura
original desses índios, como alerta Pacheco de Oliveira,
3
mas sim, como foram construídos os
significados e conceitos em confronto no início do século XX. A pesquisa foi direcionada
para identificar e contextualizar, a partir do relacionamento interétnico estabelecido desde que
Olivença foi sede do aldeamento, da vila e da intendência, alguns elementos explicativos e
transformadores da cultura e identidade do povo de Olivença.
Olivença: informações gerais
Atualmente, o visitante do vilarejo de Olivença terá dificuldade em perceber que nesse
local, durante séculos, os índios foram maioria dos habitantes. Hoje, ainda são moradores,
mas, como minoria, podem ser confundidos com os demais habitantes distribuídos pela zona
rural e urbana.
4
Muitos desses descendentes indígenas trabalham em restaurantes, bares,
hotéis, pousadas e serviços domésticos, que tanto atendem aos turistas como aos proprietários
não indígenas de casas situadas ao longo da costa.
A extensão territorial do distrito (cf. Anexo I: a Mapa do município de Ilhéus,
destacando-se o atual distrito de Olivença) abrange uma região que se estende à leste do rio
Cururupe até a Barra do rio Acuipe (36 Km). Para o interior, abarca uma extensa área de
baixo relevo por onde correm inúmeros riachos e rios, cujo limite a oeste é uma área
montanhosa composta por diversas serras: das Trempes, do Padeiro, Peito de Moça, Serrote e
Cabelo. Nesse espaço urbano e rural vivem os descendentes dos índios do antigo aldeamento
3
OLIVEIRA, João Pacheco de. Instrumentos de bordo: expectativas de trabalho do antropólogo em laudos
periciais. In. OLIVEIRA, João Pacheco de. (Org.) Indigenismo e territorialização: poderes, rotinas e saberes
coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de janeiro: Contra Capa Livraria, 1998, p. 278. (Coleção Territórios
Sociais).
4
A população de Olivença, segundo o último Censo de 2000: total 15.815 habitantes, distribuídos na zona rural
14.307 e urbana 1.508 hab. A população indígena cadastrada para o atendimento à saúde pela FUNASA totaliza
2.945 pessoas vivendo na zona urbana e rural. Cf. IBGE. Censo demográfico 2000. Informações preliminares.
Ilhéus, Bahia. 2000; FUNASA - Fundação Nacional de Saúde. População indígena cadastrada para o
atendimento a saúde. Coordenação regional da Bahia. Pólo Base Indígena de Ilhéus. 2004. Cf. Anexo II dessa
dissertação - Distribuição da população indígena de Olivença.
11
de Nossa Senhora da Escada, dispersos em 16 comunidades distantes entre si em média de 3 a
30 Km da sede do distrito.
5
A maioria da população indígena da zona rural sobrevive do trabalho nas roças
familiares, complementado pelas atividades extrativas de piaçava,
6
madeira e coco. Muitos
trabalham como diaristas assalariados em fazendas que produzem em escala comercial coco,
mamão e seringa. A baixa remuneração por essas atividades e a falta de espaço para fazer
novas roças ou ampliar as que possuem são fatores que contribuem para a situação de carência
vivida pelas famílias indígenas.
Localizado a 14 km da cidade de Ilhéus, o vilarejo de Olivença está situado em um
ponto alto no litoral, tendo à frente vasta extensão das praias e, no seu interior, nascentes de
águas ferruginosas de valor medicinal. Esses atributos serviram para atrair moradores de
vários lugares do Brasil, o que ainda se verifica na atualidade. A pressão demográfica
exercida pelos nacionais acentuou-se por volta de 1920 e prosseguiu quando do auge do
desenvolvimento da sociedade cacaueira, que via Olivença como um local apropriado para
instalação de casas de veraneio e chácaras para o lazer de suas famílias e convidados.
A igreja ainda se destaca no conjunto formado por casas residenciais e comerciais,
construídas ladeando a praça quadrada, uma característica do modelo de urbanização adotado
pelos jesuítas para os aldeamentos. Ao longo do tempo, foram abertas novas ruas e edificadas
outras construções que, aos poucos, desfiguram o traçado original. A instalação de um tablado
(de cimento) na praça da igreja, mesmo sob protesto dos moradores de origem indígena é um
bom exemplo recente (2002) da descaracterização contínua que o local enfrenta.
Em geral, as autoridades e moradores da região do entorno e de Olivença não negam a
origem indígena do local e até admitem a presença dos descendentes, aos quais se referem
como “caboclos”. A maioria da população não reconhece a indianidade dos descendentes ou
“caboclos” sob a alegação de que eles já se misturaram e perderam sua cultura original,
tornando-se pessoas “iguais” aos outros, usando as mesmas roupas, falando a mesma língua e
5
PAULA, Jorge Luiz de. Relatório de Viagem realizada ao distrito de Olivença, município de Ilhéus-Ba, no
período de 26.11 a 10.12.2001, com o objetivo de levantar dados sobre a demanda fundiária dos índios
Tupinambá, conforme a instrução técnica executiva nº 140/DAF, de 14.11.2001. Cf. Anexos dessa dissertação.
6
A piaçava, uma palmeira nativa que fornece fibras que são vendidas principalmente para fábricas de vassoura e
para coberturas de barracas de praia.
12
desenvolvendo as mesmas práticas culturais e econômicas dos membros da sociedade
dominante.
Fazem parte, porém, da memória histórica dos moradores indígenas vários conflitos
por pessoas que tomavam as terras dos índios utilizando-se da violência física e psicológica
(ameaças, compras, grilagem entre outras). Este processo implicou a saída forçada de muitas
famílias indígenas do vilarejo, especialmente daquelas que não tinham condições de se
adequar aos novos padrões da vida urbana. Na zona rural também aumentaram as dificuldades
da prática da agricultura familiar, uma vez que muitas roças eram abertas em locais dispersos
e distantes devido à pobreza e desgaste do solo. Essa possibilidade de uso do solo foi, aos
poucos, sendo reduzida pela intrusão de novos agricultores e fazendeiros que adquiriam e
titulavam as terras. Os moradores de Olivença mais idosos e alguns antigos freqüentadores do
local ainda lembram desse período de conflitos, especialmente os confrontos entre policiais e
o grupo do Caboclo Marcelino (1924-1937), um líder indígena ainda reverenciado como
defensor dos direitos dos índios de Olivença por alguns, ou referido como um “bandido”, por
outros.
A presença dessas pessoas que se identificam e são identificadas como “índios ou
caboclos” de Olivença, demonstra sua capacidade de resistência. Inseridos na sociedade
dominante, compondo a massa dos excluídos pelo sistema econômico e político, não se
encontram, porém, diluídos nas categorias genéricas de camponeses, pobres, desempregados.
Pelo contrário, apesar dessa inserção, ainda se afirmam como uma coletividade constituída,
tendo como grande elemento identificador sua identidade étnica. E mantém essa opção apesar
de, como índios, sofrerem a discriminação expressa nos estereótipos preconceituosos de
preguiçosos, cismados e ingênuos.
A luta dos índios em Olivença ultrapassou séculos. Foram várias situações de
conflitos, internos e externos, que demandaram diferentes estratégias de acordo com as forças
e interesses em jogo. Os diversos contextos exigiram maior ou menor visibilidade e realce
dos sinais demarcadores da diferença étnica, resultaram em abandonos, fugas e buscas de
alternativas de sobrevivência dentro e fora dos limites de Olivença. Desde 1998, novamente
encontram-se mobilizados pela retomada da afirmação da identidade étnica e lutando pela
demarcação da área indígena, pelo respeito à diferença e por outros direitos sociais. Nessa
retomada, contam com apoio e solidariedade de entidades populares, indigenistas e indígenas,
13
e de algumas instituições governamentais ou não, além de setores da sociedade civil que
valorizam e admitem os direitos dos povos indígenas e as diferenças sócio-culturais.
Já conquistaram muitas coisas como, por parte dos órgãos oficiais: o reconhecimento
oficial da identidade étnica Tupinambá de Olivença,
7
atendimento médico e contratação de
agentes de saúde administrado pela FUNASA; internamente e junto a instituições da
sociedade civil, organizaram um núcleo de professores indígenas da comunidade, ainda
atuando como voluntários à espera da prometida regulamentação do Estado; conseguiram
suporte técnico de ONGs para ações visando a recuperação das matas, rios e do solo, a
implantação do cultivo orgânico, o fornecimento de água encanada e demais ações voltadas
ao reaprendizado do artesanato, pintura, danças, músicas e outras atividades e valores
praticados pelos ancestrais.
Essa capacidade de resistência e de desafiar a sociedade dominante foi a motivação
para a elaboração do projeto de pesquisa. O foco da investigação proposto girava em torno
das questões da etnicidade e da construção da identidade étnica, para assim, compreender
quais os mecanismos e estratégias usadas pelos índios de Olivença que tornaram possível a
sua sobrevivência enquanto povo diferenciado, mesmo que inseridos em um contexto
desfavorável e de intenso relacionamento interétnico.
Metodologia
A concepção sobre os povos indígenas como agentes da história foi um princípio
adotado desde a elaboração do projeto. Essa concepção implica compreendê-los não apenas
como vítimas passivas da dominação, inclusive a catequese, imposta pelo colonizador
europeu, ou como heróicos resistentes através das fugas para as matas e dos embates corporais
contra os bandeirantes e tropas oficiais do governo colonial. Apreender os índios como
agentes históricos não significa encobrir ou minimizar os impactos da invasão européia e da
colonização, responsável pela redução dos povos indígenas de milhões a algumas centenas de
7
Paula, J. L. Relatório de Viagem .... 2001.
14
milhares de pessoas no Brasil. Nem significa negar que nas terras da antiga Capitania de São
Jorge dos Ilhéus, como em vários pontos da América, a colonização simplificou e reduziu a
diversidade cultural, lingüística e religiosa existente impondo a esses povos uma relativa
homogeneidade,
8
usando as táticas de dispersá-los, misturá-los e situando-os nas camadas
mais pobres e excluídas do sistema econômico, político e social.
A percepção dos índios como agentes ativos da história permite explicar como, apesar
de toda a política visando ao genocídio ou ao etnocídio, alguns povos indígenas continuam
vivos, lutando e desafiando a sociedade dominante. Assim como no caso em estudo, muitos
grupos étnicos considerados extintos ou desaparecidos estão ressurgindo e reivindicando sua
condição de povo diferenciado, organizando-se para reconstituir a coletividade e reafirmar sua
identidade étnica reaprendendo costumes, valores e práticas culturais dos antepassados para
reinventar o presente como índio. Muitos vivem da agricultura em pequenas roças familiares,
incrustadas entre os latifúndios das monoculturas do cacau, soja, café, cana entre outras.
Muitos vivem nas periferias das cidades e são identificados como destribalizados devido a
pouca ligação com seus parentes, mas que, aos poucos e cada vez mais, se assumem como
indígenas.
Devido ao alto grau de integração na sociedade nacional, os índios do Nordeste não
foram considerados temas relevantes para as pesquisas e estudos referentes a etnicidade. Tais
estudos priorizaram os índios do Norte do País que apresentam maior visibilidade dos
demarcadores étnicos e dos traços culturais particulares. Porém, a existência desses índios,
vivendo ou não em reservas e reivindicando direitos baseados na identificação étnica, vem
motivando novas pesquisas acerca desses povos e impondo a necessidade de rever muitos
conceitos sobre a questão da etnicidade e cultura. Nessa retomada se incluem os índios
aldeados, que apesar de terem sido considerados, pelos colonizadores, como domesticados e
inseridos na base do sistema colonial português e, mesmo tornando-se a parte cabocla ou
parda da população brasileira, muitos continuaram sofrendo a discriminação expressa pelos
preconceitos e estereótipos atribuídos aos índios pela sociedade dominante.
Os estudos e pesquisas (mais difundidos) sobre os impactos do contato entre os povos
nativos e os europeus partem do pressuposto de que restavam às populações nativas apenas
8 GRUZINSKI, Serge. O Pensamento Mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 93-100; RAMOS,
Alcinda Rita. Sociedades Indígenas. 5ª ed. São Paulo: Ática, 2001, p. 10-11.
15
duas alternativas: a de se aliar aos colonizadores ou resistir até a eliminação; era o etnocídio
ou o genocídio.
9
Segundo esses paradigmas, os que se tornassem aliados perderiam sua
identidade étnica ao adotarem padrões da cultura e o estilo de vida ocidental, enquanto a
resistência seria temporária uma vez que as duas opções levariam ao mesmo resultado, pois,
como representantes de uma raça inferior, estavam fadados a se integrar ou morrer, seguindo
o ritmo e características do modelo das frentes colonizadoras.
Convém ressaltar, porém que muitos estudos já inscreveram os povos indígenas como
participantes ativos da sociedade brasileira, contribuindo para o estabelecimento de uma luta
por direitos sociais e contra a discriminação baseada nos preconceitos e etnocentrismo.
Destaca-se a nova visão em relação ao papel dos índios na história do Brasil desenvolvida por
John Monteiro em sua obra Negros da Terra.
10
O autor desmistifica a história (especialmente
do Estado de São Paulo) que trata os povos indígenas como preguiçosos, pouco produtivos e
como entrave ao desenvolvimento econômico que, no período colonial, levou muitos paulistas
a praticarem a caça aos índios como alternativa de sobrevivência. Sua análise, baseada em
fontes diversas, comprova que os índios foram subjugados para serem utilizados como mão-
de-obra dos colonos e que esse trabalho movimentou todo o sistema produtivo implantado
pelos europeus naquelas paragens. A abordagem do autor é importante, especialmente para
compreender os indígenas como trabalhadores, que, juntamente com os africanos
escravizados, formaram a riqueza apropriada pela classe dominante.
A emergência de muitos movimentos sociais, especialmente na segunda metade do
século XX, e os avanços das pesquisas interdisciplinares propiciaram o desenvolvimento de
novas concepções teóricas sobre cultura e etnicidade. Nesse sentido, a maior aproximação da
Antropologia com a História, uma tendência que segundo M. Celestino de Almeida
11
vem se
tornando mais intensa nos últimos anos, e a valorização da abordagem interdisciplinar
proporcionam o desenvolvimento de novas interpretações, especialmente no campo da
história cultural. Esse diálogo interdisciplinar revigora as abordagens sobre os grupos étnicos,
não mais entendidos como isolados e imutáveis e sim como integrantes do processo de
9
FERNANDES, Florestan. Investigação etnológica no Brasil e outros ensaios. Petrópolis, 1975, p. 30.
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a Civilização. A Integração das Populações Indígenas no Brasil Moderno. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970, p. 51-52, 370-372, 420-429, 431-446.
10
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
11
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias
coloniais do Rio de Janeiro. Rio de janeiro: Arquivo nacional, 2003, p. 28-29.
16
transformações oriundas do relacionamento social. A partir desse pressuposto discutem-se,
neste trabalho, a problemática da etnicidade e os índios de Olivença como um grupo étnico.
Assim sendo, como apontou Pacheco de Oliveira
12
na apresentação do trabalho de
Maria Celestino de Almeida, é viável afirmar a existência da terceira alternativa defendida
pela autora: a do aldeamento como um espaço indígena.
13
Em seu trabalho, a autora concluiu
que, esses espaços de ressocialização projetados pelo colonizador, muitos índios adotaram
como seu território e se reestruturaram enquanto povo. E, como povos aldeados lutaram,
dentro e fora do sistema dominante, usando vários instrumentos e estratégias que permitiram a
sobrevivência física e étnica de muitos grupos indígenas. Nesse processo, visível em
Olivença, esses grupos ou indivíduos se adaptaram, misturaram-se, reelaboraram conceitos e
identidade, mas permaneceram identificados e se identificando como índios.
As novas abordagens que permitiram a atualização das análises em relação aos povos
indígenas no Brasil foram retomadas, entre outras, da teoria desenvolvida pelo antropólogo
Fredrik Barth.
14
O autor propõe pensar os grupos étnicos como formas de organização social,
cuja característica básica, segundo palavras de Maria do Rosário de Carvalho “é a
autoascripção e a ascripção pelos outros”.
15
Essa concepção desvinculou a etnicidade da
cultura, que, por sua vez deve ser vista como uma conseqüência da organização do grupo e
não como o elemento definidor da etnicidade. Para esse autor o que deve se focalizar são as
“fronteiras étnicas” que canalizam a vida social do grupo e que implicam compartilhamento
de critérios de avaliação e julgamento pelas pessoas que identificam e são identificadas como
pertencentes a um grupo étnico.
16
Manuela Cunha atualizou a definição de etnicidade enquanto organização política
defendida por Barth ao afirmar que a etnicidade não representa uma categoria analítica e sim,
uma categoria “nativa”, ou seja, é reivindicada e utilizada por agentes sociais para os quais é
relevante. Concorda que não se podem definir os grupos étnicos a partir de sua cultura,
12
Almeida, M. R. C. Metamorfoses indígenas ... 2001, p. 17-19.
13
Almeida, M. R. C. Metamorfoses indígenas ... 2001, p. 90, 282-283.
14
POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade, seguido de grupos Étnicos e
suas Fronteiras de BARTH, Fredrick. São Paulo: UNESP, 1998, p. 193-195.
15
CARVALHO, Maria do Rosário G. (Org.). Identidade Étnica, Mobilização política e cidadania. OEA,
UFBA, EGBA. Salvador: 1989. Coleção: Cidadania. Introdução: p. 12-13, a autora cita Barth: “uma ascripção
categórica é uma ascripção étnica quando classifica uma pessoa em termos de sua identidade mais geral, básica,
presumivelmente determinada por sua origem e background.”
16
Poutignat, e Streiff-Fenart, Teorias da etnicidade ... 1998, p. 196-197.
17
embora “a cultura entre de modo essencial na etnicidade”,
17
e sim em termos de adstrição, ou
seja, “é índio quem se considera e é considerado índio”.
18
Argumenta que identidade étnica é
calcada na partilha da crença em uma origem e cultura comum que a torna englobante em
termos interno e excludente, se considerarmos a sociedade mais ampla, conformando assim a
identidade diferencial dos vários grupos. Alerta, porém que não há um retorno à definição
estática de cultura ou ao essencialismo cultural; ao contrário, nesse sentido a cultura só pode
ser compreendida como dinâmica, sofrendo adaptações e mudanças, sendo essas
transformações efetivadas pelos próprios grupos em contato, em diferentes contextos e a partir
de bases históricas e socialmente construídas.
19
Assim, como se verifica entre os grupos indígenas do Nordeste, incluindo Olivença, há
um processo de intercâmbio e resgate de um arsenal cultural que Cunha denomina como
“cultura residual”.
20
Essa cultura residual é, atualmente, construída e ensinada pelos diversos
grupos que adotaram a afirmação étnica como um instrumento ordenador de suas relações
intra e interétnicas, e o que lhes permite afirmarem sua especificidade e diversidade
cultural.
21
E, como acrescentou Pacheco de Oliveira, essa etnicidade tem um lugar, um
território em que as relações se estabelecem e onde a cultura é vivida, reproduzida e
modificada.
22
A concepção desenvolvida por Marshal Sahlins, em Ilhas de História
23
, também vai
contra uma lógica cultural independente da ação dos indivíduos e grupos. O autor aponta para
a necessidade de perceber e explicar como as estruturas culturais influenciam as ações dos
homens e não o contrário. Nesse sentido, tanto a cultura como as estruturas devem ser vistas
como historicamente construídas, portanto dinâmicas e mutáveis. Segundo ele, as categorias
culturais são alteradas pela experiência prática dos indivíduos e grupos sociais, adquirindo
novos valores funcionais cujos significados são apropriados e incorporados na prática dos
17
CUNHA, Manuela Carneiro. "Etnicidade: da Cultura Residual, mas Irredutível". CARVALHO, Maria
do Rosário G. (Org.). Identidade Étnica, Mobilização política e cidadania. OEA, UFBA, EGBA. Salvador:
1989, p. 46.
18
Idem, Cunha, M. 1979, p. 46. Cf. Também CUNHA, Manuela Carneiro. Definições de Índios e
Comunidades Indígenas nos Textos Legais. In SANTOS, Sílvio Coelho dos. Org. (et. Al). Sociedades
Indígenas e o Direito: uma questão de direitos humanos - ensaios. Florianópolis: Ed. Da UFSC/CNPq. 1985, p.
31-37.
19
Cunha, M. “Etnicidade ...” 1979, p. 52-53. Cunha, M. Definições de índios... 1985, p.33.
20
Idem.
21
Ibidem.
22
OLIVEIRA, João Pacheco de. (Org.). A viagem da volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no
Nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 1999, p. 30-33.
23
Sahlins, M. Ilhas de história. 1999, p. 180-182.
18
diversos atores, provocando a alteração das estruturas sociais e culturais. Portanto, não se
buscou identificar uma cultura imutável e estática ao se pesquisar a trajetória histórica do
povo indígena de Olivença, e sim, como foram construídos e reconstruídos os valores,
significados e novos aprendizados nesse longo período de sua existência social.
A análise das fontes e a estrutura da dissertação
Este trabalho baseia-se em fontes primárias, manuscritas e publicadas, encontradas no
Arquivo Público do Estado da Bahia, na Biblioteca Nacional, nos diversos volumes dos
Documentos Históricos disponíveis na Biblioteca da UFBA, no Cartório de Olivença, no
CEDOC/UESC e no Arquivo Municipal de Ilhéus. Também foram utilizadas, como fontes
secundárias, a razoável bibliografia sobre a temática indígena e sobre a história da Capitania
de São Jorge dos Ilhéus e da região cacaueira. A análise desses materiais está organizada nos
quatro capítulos que compõem esta dissertação.
Devido à delimitação do objeto de pesquisa ao espaço social de Olivença e da forte
ligação da identificação étnica dos moradores com esse espaço, optou-se por ampliar a
pesquisa sobre a origem e a história do aldeamento. Essa necessidade sempre esteve colocada
durante a pesquisa, uma vez que muitas fontes primárias e secundárias, produzidas no século
XIX, descrevem Olivença a partir de sua origem como um antigo aldeamento. Essa discussão,
organizada como o primeiro capítulo, compreende um longo período, desde a ocupação da
Capitania até a extinção do aldeamento, em 1758. O enfoque adotado incide nas questões
relativas a reelaboracões da cultura e identidade étnica decorrentes do contato e do
relacionamento interétnico entre índios, colonos, autoridades e jesuítas no espaço do
aldeamento.
As fontes primárias deste período são um pouco escassas e muitas se perderam, talvez
pelo fato da pouca importância da Capitania na esfera do desenvolvimento da colônia e da
parca ocupação da área onde se localizava o aldeamento. Convém mencionar pelo menos dois
importantes documentos não localizados, apesar de existirem referências diversas: a Carta
Régia de Elevação à Vila, citada em vários momentos pelos vereadores e constando do índice
19
do Arquivo Ultramarino
24
e a Carta Régia de criação do aldeamento que definiu seus limites e
a quantidade de terras destinadas.
25
As diversas fontes encontradas, em conjunto com bibliografia, proporcionaram a
análise desenvolvida no primeiro e segundo capítulos. Vale ressaltar os trabalhos de Maria
Hilda Paraíso abordando a formação e ocupação das terras que se acordaram como a
Capitania de São Jorge dos Ilhéus, bem como os resultados de extensas pesquisas alusivas ao
impacto da colonização sobre os diversos povos indígenas dos grupos tupis e jês, habitantes
daquela região. A autora também é pioneira na pesquisa e estudos sobre Olivença, sendo sua
tese de Mestrado
26
uma obra de referência para se obter informações e conhecimento sobre a
história dos índios e do local.
Obtiveram-se, também, do livro de Luiz W. Coelho Filho
27
algumas informações
interessantes sobre os custos econômicos e sociais dos primeiros investimentos realizados na
Capitania, além do acesso aos documentos transcritos e publicados como anexos. Sobre a
formação da capitania e da região cacaueira foram extraídas informações valiosas do livro de
Guerreiro e Paraíso,
28
além de outros tantos mencionados nas referências. A obra
Metamorfoses indígenas de Maria Regina Celestino de Almeida também foi importante como
um modelo teórico e fonte de inspiração, especialmente no que tange a sua abordagem sobre a
possibilidade de o aldeamento ter sido um espaço indígena, entre outras questões que a autora
desenvolve.
O segundo capítulo trata um extenso período, desde a extinção dos aldeamentos
definida pelo Diretório pombalino, em 1758, até a Proclamação da República. Com a
implantação da nova política indigenista pela Coroa Portuguesa, o aldeamento de Nossa
Senhora da Escada foi elevado à condição de vila com uma nova estrutura administrativa,
24
Sobre a criação da Vila Nova de Olivença, 22 de novembro, 1758. Anais da Biblioteca Nacional, vol. 36.
provisões. Cód. 19.209. Inventário dos doc. Relativos ao Brasil existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar,
organizado por Eduardo de Castro e Almeida. Bahia, 1798-1800.
25
MOTT, Luis. Os índios do Sul da Bahia: população, economia e sociedade (1740-1854). In. SILVA, Pedro
Agostinho (org.) Índios na Bahia. Salvador: Cultura, n. 1, ano 1 - Fundação Cultural do Estado da Bahia/Museu
de Arqueologia e Etnologia/UFBA, 1988, p. 93-120. Nesse trabalho, o autor apresenta e analisa várias fontes
referentes a Olivença.
26
PARAISO, Maria Hilda B. Caminhos de ir e vir e caminho sem volta; índios, estradas e rios no sul da
Bahia. Dissertação de mestrado. UFBA. 1982.
27
FILHO, Luis Walter Coelho. A Capitania de São Jorge e a década do açúcar. Editora Vila Velha, Salvador:
FIEB/SENAI, 2000.
28
FREITAS, Antônio Guerreiro de. PARAÍSO, Maria Hilda B. Caminhos ao encontro do mundo: a capitania,
os frutos de ouro e a princesa do sul – Ilhéus, 1534 – 1940. Ilhéus: Editus, 2001.
20
laica e mista, composta por um diretor dos índios e pela Câmara de Vereadores. A pesquisa
no APEB, sessão Câmara, revelou fontes verdadeiramente preciosas, destacando-se uma pasta
contendo vários documentos produzidos pelos vereadores de diversas legislaturas entre o
período de 1823 a 1888. São atas, denúncias, relatórios, abaixo-assinados, respostas das
autoridades provinciais a solicitações e tantos outros. Apesar de pouco numerosos (de zero a
três por ano), a análise feita considerou o contexto em que foram produzidos, os interesses em
jogo e a legislação vigente, o que permitiu a percepção de alguns aspectos do relacionamento
entre a população indígena com os não índios, a concepção dos vereadores, seus interesses e
alguns conflitos internos e externos.
Os documentos revelam a presença dos índios, que apesar de terem sido cooptados,
participavam da administração da Câmara. Participaram como eleitores e vereadores, autores
de denúncias contra a discriminação, o abuso das autoridades e a exploração que sofriam
enquanto indígenas. Também reivindicando, através dos representantes da Câmara, entre
outras, escola para meninos e meninas, um professor mais habilitado, um novo pároco e o
direito às terras doadas e que se constituíam no patrimônio aos índios do antigo aldeamento.
Esses documentos são analisados em conjunto com outras fontes primárias e secundárias.
Buscou-se nesse segundo capítulo identificar alguns aspectos do cotidiano da vila,
bem como as transformações que ocorreram ao longo do século, originadas pelas mudanças
na legislação, pelas relações com a sociedade dominante e pela dinâmica sócio cultural, além
do aumento de moradores não-índios que se instalavam como comerciantes, funcionários do
governo ou proprietários de terras. Também foi possível, através do cruzamento dos dados,
detectar como a Câmara estava estruturada política e socialmente, constatando-se o
revezamento de um grupo de famílias indígenas nas funções de vereadores e funcionários,
tendo sido o coronel Manoel Nonato do Amaral um dos membros e um dos últimos
representantes no início da República. Esse grupo, ao qual denominou-se como a elite
dirigente de Olivença, lutava para se tornar hegemônico num contexto de disputas internas e
externas, de forte oposição, conflitos e negociações, envolvendo, inclusive, a manipulação da
identidade étnica.
O terceiro capítulo apresenta a análise de um processo jurídico referente ao crime
ocorrido em 1904, denominado como “hecatombe de Olivença” e que compõe o título dessa
dissertação. A leitura do referido processo crime exigiu cuidadoso esforço no sentido de
21
compreender os procedimentos e rituais do andamento do processo (com petições, vistas,
requerimentos, apelações) os trâmites e a linguagem jurídica. Além desta leitura técnica,
houve todo o cuidado para perceber os interesses, os jogos e estratégias empregadas por
ambos os lados através das peças elaboradas pela defesa e acusação.
Após esse estudo, buscou-se uma metodologia para proceder à análise e à elaboração
da narrativa apresentada no capítulo. Essa narrativa foi elaborada com base nos discursos dos
diversos atores expressos nos depoimentos, nas provas anexadas ao processo, nos argumentos
da defesa e da promotoria, na sentença e outros documentos apensados. Todas essas falas
foram analisadas e cruzadas com informações complementares obtidas através de outras
fontes primárias ou secundárias para contextualizar os personagens, o tempo e o espaço e
identificar os interesses em jogo. Vale ressaltar a importância do trabalho de André Ribeiro
29
sobre a extensa família Sá e Bittencourt, da qual o coronel Domingos Adami era descendente,
e da tese de doutoramento de Mary Ann Marony,
30
que também apresenta e discute dados
sobre as bases econômicas e humanas que proporcionaram o desenvolvimento da economia
cacaueira no século XIX.
A elaboração da análise baseada no processo exigiu também um posicionamento da
pesquisadora sobre o caso analisado. Mesmo favorável à tese da defesa que caracterizou o
crime como ação política e de massa, o foco da análise foi deslocado para um aspecto menos
evidente e que aparece nos documentos como um detalhe: a participação dos índios, direta ou
indiretamente, nos acontecimentos e nas referências dos diversos atores no processo. Convém
ressaltar que, tomando-se o processo como fonte, outras leituras e enfoques são possíveis
serem desenvolvidos.
A trajetória histórica apresentada forma a base para a discussão teórica da etnicidade e
da identificação étnica dos moradores que participaram, direta ou indiretamente, da
“hecatombe de Olivença”. Assim, a conclusão da análise apresentada no quarto capítulo
busca-se tecer os argumentos sobre a motivação étnica do conflito, considerando-se os
moradores como um grupo étnico organizado politicamente, em defesa de sua autonomia
política e seus direitos. Esses direitos foram conquistados pela luta e resistência de seus
29
RIBEIRO, André Luis Rosa. Família, Poder e Mito: o município de S. Jorge dos Ilhéus (1880-1912).
Ilhéus: Editus, 2001.
30
MAHONI, Mary Ann. The World Cacao Made: Society, politics, and History in Southern Bahia, Brazil,
1822-1913. Yale University, USA: 1996. (Dissertation for the Degree of Doctor of Philosophy).
22
ancestrais aldeados no espaço de Olivença adotado como seu território, e como tal, foi
mantido pelos descendentes durante os séculos de ocupação colonial.
Esse capítulo também pretende valorizar a trajetória histórica como elemento essencial
para afirmar a identidade étnica diferenciada da comunidade de Olivença, uma vez que, no
período da ocorrência do conflito (1904), a área do aldeamento vivia um momento de
retomada do crescimento econômico e demográfico, graças à expansão das roças de cacau,
cultivado em grandes extensões de terra e cujo produto (as amêndoas) era destinado à
exportação. Nesse período também se solidificava uma concepção de cidadania nacional que
definia os índios como mestiços ou caboclos, levando-os a negarem sua identidade étnica e a
serem-lhes recusada pela sociedade regional, inclusive dentro de Olivença.
Pretendeu-se demonstrar que a comunidade indígena de Olivença, apesar desse
processo de tentar homogeneizar tudo e todos, mantinha sua identidade étnica, reelaborada
num processo histórico e dinâmico que lhes exigia adaptações e incorporações de novos
membros, o que acentuava a tendência à flexibilização dos critérios de pertencimento e a
aceitação de pessoas portadoras de outra identidade como membros da comunidade. A crença
na origem comum se solidificava a partir da noção das terras do antigo aldeamento como
território, ou seja, parte essencial do seu universo de reprodução cultural e biológica.
A análise conclui sobre a motivação étnica do conflito caracterizando-o como um
confronto entre dois grupos étnicos com interesses antagônicos e disputando o controle
político da Intendência de Olivença. O foco da disputa era a autonomia política dos índios de
Olivença e de escolherem seus representantes como a única alternativa capaz de garantir a
posse das terras, promover a preservação de seus valores e de manifestações culturais
próprias. Constata-se, portanto, que a comunidade indígena de Olivença conseguiu manter-se
enquanto grupo étnico na sociedade dominante e demonstra-se a capacidade de reelaboração e
adaptação à realidade em que se insere sem perder sua identidade étnica.
Finalmente, um comentário sobre as citações e nomes das etnias indígenas. Todas as
citações foram feitas com a ortografia e gramáticas atualizadas, havendo o cuidado de não
prejudicar o conteúdo e o significado. Os nomes indígenas de uso comum foram escritos
conforme as regras gramaticais da língua culta, escrevendo-se com minúscula e empregando-
se as concordâncias devidas.
23
CAPÍTULO I
OS ÍNDIOS DO ALDEAMENTO NOSSA SENHORA DA
ESCADA DE OLIVENÇA
“...devo dizer que eles estão tão civilizados, que se acham inteiramente livres
das supertições do paganismo, e reduzidos ao grêmio da Igreja: tem em cada
uma das suas vilas e aldeias um pároco, que lhes administra o pasto
espiritual”.
31
“Olivença não se pode denominar a nação, visto os índios já se encontrarem
muito assimilados”
32
Os documentos que compõem a epígrafe referem-se ao povo de Olivença e foram
ditos por pessoas em tempos distintos, atendendo diferentes questões e interesses. São
respostas a solicitações diversas e expressam as concepções e políticas gerais adotadas e/ou
incentivadas pelos governos em relação à população indígena. Portanto, os caboclos de
Olivença, mencionados por Manoel Nonato do Amaral em 1904, são herdeiros não apenas da
identidade étnica, mas de todo o processo histórico da construção desta identidade. E, esse
31
Anais da BN. Vol. 37. 1915, p. 177: MACIEL, Domingos Ferreira. Ofício do Ouvidor da Comarca dos Ilhéus
para o Governador da Bahia, sobre os Índios da sua Comarca. Cairú, 16 de outubro de 1803.
32
APEB. Mapa das Aldeias Indígenas da Província da Bahia. Maço: 4610, período, 1700-1861, cf. observação
registrada no quadro que informa sobre a nação a que pertencem os índios aldeados.
24
processo foi profundamente marcado pelo relacionamento interétnico forjado por interesses
econômicos, sociais, políticos e individuais e pelas tradições dos povos em contato.
A abertura de caminhos para o conhecimento do passado faz parte dos direitos dos
povos do presente.
33
Essa afirmação serve como justificativa para essa busca, no passado
distante, dos elementos que permitam compreender a presença de um povo que após séculos
de contato interétnico, ainda era identificado e identificava-se como grupo étnico diferente
dos demais atores sociais envolvidos no evento denominado “hecatombe de Olivença”. A
análise dessa trajetória será efetuada nos dois capítulos seguintes, uma forma de perceber as
transformações e permanências através da abrangência temporal. Toda a análise estará
balizada pelo relacionamento entre os povos nativos e os colonizadores, nas terras da
Capitania de São Jorge dos Ilhéus, que delinearam a formação do aldeamento em Olivença e
deste como um espaço indígena.
A ocupação da Capitania de São Jorge dos Ilhéus e a
desconstrução do espaço indígena
As Capitanias hereditárias foram parte do modelo adotado pela Coroa Portuguesa para
concretizar o projeto de ocupação e colonização das terras do Brasil e, assim, obter algum
lucro através da implantação da empresa açucareira. A mão-de-obra, a tecnologia, as terras, os
conhecimentos e habilidades dos habitantes nativos, além dos poderes totais concedidos aos
capitães nas suas posses do além mar, foram elementos importantes para atrair investidores
particulares ao projeto de colonização. Foi com tal expectativa que no ano de 1534, o rico
fidalgo da corte portuguesa Jorge de Figueiredo recebeu sua Capitania, uma enorme extensão
de terras medindo 50 léguas de norte a sul pelo litoral e a mesma medida para interior do atual
Estado da Bahia.
33
“The Whites block our road towards the future by blocking our road to the past” apud. Wankar, 1981: 279
apud RAPPAPORT, Joanne. The politics Of Memory: Native Historical Interpretation in the Colombian
Andes. Duke University Press: Durham and London, 1998, p. 26.
25
As principais obrigações dos donatários com a Coroa Portuguesa eram ocupar,
defender e tornar economicamente produtivas as terras do além mar. Para tanto, recebiam a
autoridade de capitão para governar sua posse, utilizar todos os recursos humanos e naturais e
distribuir terras como sesmarias àqueles que tivessem rendas e interesses para investir na
colônia. Esses investidores/sesmeiros deveriam participar da armação dos navios,
arregimentar homens livres e escravos, prover com armas, munições e demais recursos
necessários para iniciar as construções dos engenhos e dos núcleos de povoamento.
34
A administração geral da capitania foi delegada a Francisco Romero, loco-tenente do
donatário, também autorizado a distribuir terras aos demais colonos que para lá imigrassem. A
expedição colonizadora aportou primeiro na localidade de Tinharé, ali formando uma
povoação. Continuando a exploração, encontraram um porto natural formado pela foz de três
rios, nomeados como Cachoeira, Fundão e Santana. Como a nova localidade atendia mais aos
propósitos da ocupação e defesa da capitania, construíram algumas habitações e uma capela
em um morro que cercaram com paliçadas, ali instalando o marco da sede da Capitania. São
Jorge dos Ilhéus foi o nome dado a essa povoação.
Os colonizadores chegaram a uma terra estrangeira, habitada por inúmeros povos
possuidores de organizações sociais, políticas, econômicas e culturais distintas e que
mantinham relações de amizade e de guerra entre si. Os habitantes das terras da capitania
derivam, segundo critérios lingüísticos, de dois grandes grupos: os Tupi-Guarani e os Macro-
Jê. Os grupos falantes da língua Macro-Jê se espalhavam pelo interior e, segundo Maria
Hilda Paraíso,
35
era grande sua diversidade: existiam os Kamakã-Mongoió, também referidos
como Menian, os Pataxó/Patacho, pertencentes ao grupo Maxacali, os Aimoré, também
conhecidos como Tapuia, Gren, Guerén, Kren, e Botocudos. Esses grupos se comunicavam
entre si por línguas diferentes e se subdividiam em outros subgrupos, aumentando ainda mais
a diversidade. Eram predominantemente caçadores e coletores, fatores que implicavam o
elevado grau de mobilidade espacial, embora essa mobilidade fosse limitada pelos territórios
ocupados por cada grupo.
34
FILHO, Luiz Walter Coelho. A Capitania de São Jorge e a década do açúcar. Editora Vila Velha,
Salvador: FIEB/SENAI, 2000, p. 38: os primeiros “investidores” que receberam sesmarias e o direito de explorar
as águas, para implantar engenhos, entre os anos de 1535 a 1555, foram: Men de Sá e Francisco Bittencourt de
Sá, 12 léguas de terras entre os rios de Contas e Camamu, e, uma légua de terra no rio Santana; Fernão Alvarez,
rio Fundão, próximo a sede da Capitania; Lucas Giraldes, duas léguas no rio Taipe.
35
PARAÍSO, Maria Hilda B. Amixokori, Pataxó, Monoxó, Kumonoxó, Kutaxó, Kutatoi, Maxakali, Malali e
Makoni: povos indígenas diferenciados ou Subgrupos de uma mesma nação? Uma proposta de reflexão.
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 4: 173-187. 1994.
26
O grupo Tupi-Guarani era formado por povos mais homogêneos, que se comunicavam
por língua semelhante, posteriormente aprendida e latinizada pelos jesuítas que denominaram
como “língua geral”, o “nheengatu”. Dois povos tupis viviam em aldeias espalhadas pelo
litoral: os tupinambás, na faixa de terras da Mata Atlântica entre o rio São Francisco e o atual
município de Camamu, e os tupiniquins que se espalhavam entre Camamu e o Rio Doce, no
atual Estado do Espírito Santo. Esses grupos eram mais sedentários, praticavam agricultura
além da caça, pesca e coleta.
36
Os novos ocupantes/invasores contavam com o apoio desses grupos tupis do litoral,
com quem os europeus já mantinham relações de alianças e negociações desde o período da
exploração do pau-brasil. Essas relações se transformavam na medida em que aumentava a
ocupação e a exploração. O que em um primeiro momento pareceu favorável para ambos os
grupos, logo se definiu como relação de dominação/subjugação, estando os colonizadores na
posição dominante, apesar de numericamente inferiores.
Segundo Jared Diamond, vários fatores de ordem natural e do desenvolvimento
histórico devem ser considerados para a compreensão desta posição vantajosa da minoria dos
colonizadores em relação aos povos nativos da América. O autor destaca os seguintes fatores
como vantagens dos europeus: a resistência de seu organismo aos vírus letais para os índios;
um Estado com experiência nas guerras de conquista e na administração em seu proveito; uma
religião oficial que legitimava as ações do colonizador; a escrita que proporcionava a
elaboração de leis, troca de informações e elaboração de uma burocracia administrativa;
armas de fogo; a fabricação e utilização de instrumentos de ferro para o trabalho; a
domesticação de plantas como a cevada e o trigo, cereais que concentram um alto teor
protéico e grande índice de produtividade, e a domesticação de animais, especialmente bois e
cavalos, úteis para tração, transporte além do fornecimento de carne, leite, couro e adubo.
37
Esses recursos e tecnologias foram transplantados para a colônia que era dotada
fauna, flora e cultura nativa diferente do mundo europeu. Embora na fase inicial da
conquista, definida pelo escambo entre portugueses e os tupis, os bens culturais negociados:
machados, tecidos, foice, colares, espelhos, entre outros artigos que foram muito cobiçados
36
Paraíso, M. H. Amixokori, Pataxó ... São Paulo. 1994.
37
DIAMOND, Jared. Armas, germes e aço. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. (Capítulo 18).
27
pelos índios, não chegaram a provocar desequilíbrio no sistema organizatório tribal, uma vez
que os próprios indígenas selecionavam os valores e objetos que desejavam incorporar e
rejeitavam outros.
38
Existia também, em certa medida, necessidade de adaptações por parte
dos não-índios, dependentes em quase tudo dos indígenas. Além da mão-de-obra, dependiam
do conhecimento deles sobre a fauna e flora local, sobre os índios do interior, os caminhos
seguros pelas matas, tecnologia e práticas agrícolas adaptadas às condições locais, além do
fornecimento de alimentos, como a farinha de mandioca, um produto cultivado e produzido
pelos grupos tupis.
A desorganização social dos povos indígenas ocorreu com a substituição do escambo
pela agricultura, uma vez que a prática dessa atividade exigia, entre outras, mão-de-obra e
terras disponíveis e sob controle dos não-índios. Aos poucos, a colonização foi se tornando
efetiva, sendo a tecnologia e as armas incorporadas nas atividades cotidianas dos grupos tupis,
modificando, por exemplo, a correlação de forças entre os grupos inimigos, os motivos e
significados das guerras, bem como o destino dos prisioneiros. Aumentaram, porém, os
conflitos internos e externos devido à desestruturação da organização econômica e social dos
grupos indígenas, cada vez mais submetidos às necessidades e caprichos dos colonizadores.
O início da povoação da capitania, no entanto, parecia promissor para os investidores e
colonos que se deslocaram para a capitania, esperando resgatar com lucro os investimentos
alocados.
39
Existiam, porém, segundo eles, muitos fatores de risco que demandavam soluções
dispendiosas, entre os quais destacavam a obtenção de mão-de-obra treinada e disponível e a
possibilidade da população nativa se rebelar. Em relação às populações nativas, de quem
esperavam obter os maiores lucros, o risco era previsível, uma vez que as aldeias dos
tupiniquins ficaram incrustadas dentro das terras distribuídas para formação das fazendas e
povoações dos colonos. (Ver, Anexo I. Mapas: c. Localização vila de Ilhéus, dos principais
rios e engenho; d. Os quatro engenhos mais importantes da Capitania de São Jorge dos
Ilhéus - 1631). Essa situação, segundo os investidores, exigia um alto custo com armas e
munições para mantê-los sob controle. O clima de insegurança era alimentado pelas notícias
38
Fernandes, F. Investigação etnológica... 1975, p. 23-25.
39
Filho, L. W. A Capitania de São Jorge... 2000, p. 92. Segundo pesquisa desse autor, o investimento em réis até
1552 na Capitania, alcançava a soma de 10.800$000, que o autor converteu para padrão-ouro em 2000:
1.736.370,00. Esse valor foi desembolsado principalmente pelos três maiores sesmeiros: Lucas Giraldes, Men
de Sá, Fernão Alvarez. A fonte indicada pelo autor: Documentos Históricos, v. 74, p. 349.
28
de ataques dos índios a outras capitanias, como os sofridos pelos colonos da Baia de Todos os
Santos.
40
Em relação à mão-de-obra, o alto custo e risco deviam-se também, conforme se deduz
pelos relatos dos colonos, a prática agressiva visando à obtenção de indígenas. Maria Hilda
Paraíso chama atenção para o “silencio quase absoluto sobre a localização das propriedades
que, comprovadamente, usavam escravos indígenas”,
41
numa tentativa de esconder das
autoridades a utilização compulsória desse recurso e instigar a visão preconceituosa dos
índios como ineptos ao trabalho e preguiçosos. Essa tática se mostrou valiosa para as
expropriações das terras ocupadas por esses povos durante todo o processo colonizador e
condiz com as informações dos primeiros sesmeiros da capitania, que alegavam ser a mão-de-
obra composta por trabalhadores “de soldo” e alguns escravos da ”Guiné” arregimentados em
Portugal.
42
Eles se referiam aos tupiniquins como “gentio mau de pacificar que não servia
nem ajudava a aproveitar a terra pelo que por os suster em paz era necessário ter muita força
de gente”.
43
Todavia, são fartas as fontes que contrariam a informação citada e quebram o silêncio
sobre a existência do trabalho compulsório indígena desde os primeiros anos da colonização.
Por volta de 1540, quatrocentos índios Carijós
44
incluindo mulheres e crianças, foram
aprisionados em uma viagem, com tal objetivo, patrocinada pelos colonos de duas capitanias -
São Vicente e Ilhéus. Provavelmente, esses índios compuseram a mão-de-obra para
implantação dos engenhos pelo menos até 1549, quando a Coroa portuguesa ordenou aos
jesuítas vindos com Tomé de Souza, a missão de resgatar esses índios na capitania de Ilhéus e
40
Filho, L. W. A Capitania de São Jorge... 2000.
41
PARAÍSO, Maria Hilda. De como obter mão-de-obra indígena na Bahia entre os séculos XVI e XVIII.
Revista de História, São Paulo, n. 129-131, p. 179-208, ago.-dez./1994, p. 187.
42
LOCKHART, James & SCHWARTZ, Stuart B. A América latina na época colonial. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002, p. 36-38. Os autores discorrem sobre a existência, o significado e o papel da
escravidão na Península Ibérica antes da “descoberta” da América e sobre como ocorreu a transferência e
adaptação desse sistema às necessidades dos colonos no início da ocupação e implantação dos engenhos.
43
Filho, L. W. A Capitania de São Jorge... 2000, p. 185-190. Documentos transcritos pelo autor: Cartório
Jesuítico, maço 14, doc. Nº 44, microfilme 3652, ANTT. O documento é uma ação de embargo dos investidores
contra a Fazenda Real, movida em 1556 os autores expõem as razões para o não pagamento da “dízima das
coisas e mercadorias que traziam da dita terra”, alegando neste relato, que por serem povoadores da capitania e
haver muita gente trabalhando nos engenhos, o custo com armas, munições era muito alto. Alegam que esse
custo elevado devia-se aos constantes ataques do índio, citando os habitantes das fazendas e povoações deles.
44
Monteiro, J. Negros da terra ... 1994, p. 166-167. O etnônimo Carijó, segundo John M. Monteiro, desde
meados do século XVI, se referia aos guaranis em geral, que foram objetos de apresamento dos caçadores de
escravos e missionários franciscanos e jesuítas da América espanhola e portuguesa. Até 1640, o fluxo de cativos
guarani (sobretudo para a região paulista) provinha principalmente do sertão dos Patos em Santa Catarina e do
Guairá no R. G. do Sul.
29
devolvê-los ao local de origem. As aldeias dos Carijós (Guarani) eram situadas em Laguna,
na região dos Patos e em Guairá, então território Espanhol, cujos colonos e agentes também
disputavam a mão-de-obra indígena, aumentando a animosidade existente entre os dois reinos.
Vale ressaltar que vários autores confirmam o trabalho do indígena como o
instrumento básico para a implantação dos engenhos e para a sustentação dos
empreendimentos coloniais em todas as capitanias e durante vários séculos, inclusive após o
aumento da escravidão africana. John Monteiro defende que os colonos paulistas dependiam
totalmente do trabalho indígena e essa necessidade crônica de mão-de-obra representou um
dos principais fatores para a depopulação das aldeias dos guaranis e o incremento da ação de
apressamento de índios pelos bandeirantes, especialmente ao longo do século XVII.
45
M. H.
Paraíso aponta situação semelhante na Bahia, principalmente na Capitania de Ilhéus cujos
colonos não dispunham dos recursos oriundos da exportação do açúcar e sim das atividades
subsidiárias e menos rentáveis, tais como o fornecimento de caixas para acondicionar o
açúcar, madeiras para construção e alimentos.
46
O crescimento das ocupações e áreas plantadas no período entre 1537 a 1580 incorria
no aumento das necessidades dos colonos que buscavam extrair dos índios, principalmente
dos aliados, as possíveis soluções.
47
Os conflitos com os índios aumentaram na mesma
proporção e por muitas e diversas razões, tais como: a saturação das necessidades dos índios
quanto aos artigos oferecidos pelos colonos em troca da mão-de-obra e dos produtos como
alimentos e madeiras; o aumento da demanda de mão-de-obra com o desenvolvimento das
plantações e ocupações nas terras da capitania, o que acarretava em mais exploração dos
índios aliados, piorando as condições da vida nas aldeias, ameaçando a sobrevivência das
famílias indígenas; a escassez dos recursos que empurravam colonos e tupis cada vez mais
para o interior, gerando conflitos com os grupos jês e, as epidemias de varíola e sarampo que
dizimaram grande parte da população aliada, enfraquecendo os sobreviventes e
desestruturando a produção e fornecimento de alimentos.
45
Monteiro, J. Negros da terra ... 1994
46
PARAISO, Maria Hilda B. O tempo da dor e do trabalho: a conquista dos territórios indígenas nos
sertões do leste. São Paulo: Tese de doutorado em História Social, USP, 1998, p. 68-84.
47
As informações demográficas da vila de Ilhéus compiladas por Marhony, M. 1996, são reveladores deste
crescimento: 1551-60 as residências aumentaram de 80 para 100 casas e foram realizados 1.100 batismos e 120
casamentos, embora a maioria de índios. Na década de 1570, existiam em toda a Capitania, 6.000 cristãos, sendo
1.200 colonos residentes nos engenhos, já produzindo anualmente de 12.000 a 14.000 arrobas de açúcar
exportado para Portugal.
30
É importante considerar, também, como fatores geradores dos conflitos, a ganância
dos colonos em reaver o retorno dos investimentos, além da “preocupação com a obtenção do
título de proprietário de terras – símbolo de poder e prestígio – e o exercício do poder e do
controle sobre os subordinados, principalmente os nativos, como afirmação do sentimento de
superioridade”.
48
O redicionamento do projeto colonizador
Durante o governo de Mem de Sá (1558-1572), a relação entre colonos, autoridades e
povos indígenas assumiu o caráter de dominação/subjugação, efetivada através das ações
militares contra os inimigos e da criação de novos aldeamentos administrados pelos padres da
Companhia de Jesus.
49
A chamada “Batalha do Cururupe” serve como um exemplo da
determinação das autoridades portuguesas em submeter os índios ao seu total controle sem
considerar antigos pactos ou alianças. Mem de Sá relatou ao Rei como exterminou
aldeamentos inteiros dos Tupiniquins que haviam se rebelado contra os colonos, na referida
batalha:
Neste tempo veio recado ao governador como o gentio Tupiniquim da
Capitania de Ilhéus se alevantava e tinha matado muitos cristãos, destruído e
queimado todos os engenhos dos lugares, e os moradores estão cercados e não
comiam já senão laranjas. Logo o pus em conselhos e posto que muitos eram
que não fosse por ter poder para lhes resistir nem o poder do Imperador, fui
com pouca gente que me seguiu e na noite que entrei em Ilhéus, fui a pé dar
em uma aldeia que estava a sete léguas da vila em alto pequeno toda cercada
de água ao redor de lagoas que as passamos com muito trabalho, e antes da
manhã de duas horas dei na aldeia e a destruí e matei todos os que quiseram
resistir. E, na vinda vim queimando e destruindo todas as aldeias que ficaram
atrás. E, por que o gentio se ajuntou e me veio seguindo ao longo da praia,
lhes fiz algumas ciladas, e, onde os cerquei e lhes foi forçado deitarem a nado
no mar da costa brava. Mandei outros índios atrás deles e gente solta que os
seguiram perto de duas Léguas e lá no mar pelejaram de maneira que nenhum
48
Paraíso, M. H. O tempo da dor ... 1998, p. 52.
49
Paraíso, M. H. O tempo da dor ... 1998. As ações missionárias na Capitania eram implementadas pelos padres
da Companhia de Jesus. Os primeiros missionários, em número de oito, comandados por Manuel da Nóbrega,
chegaram no Brasil em 1549 junto com o Governador-Geral Tomé de Sousa. Iniciaram um período de "Missões
Volantes", ou seja, com o apoio dos proprietários e administradores das Capitanias e sesmarias, pregavam e
batizavam os índios já contatados. A partir do governo de Mem de Sá desenvolveram mais efetivamente a
política dos aldeamentos.
31
Tupiniquim ficou vivo, e todos trouxeram a terra e os puseram ao longo da
praia, por ordem que tomavam os corpos perto de meia légua [...].
50
O motivo da revolta dos índios teria sido provocado pelos próprios colonos que
mataram um índio e pelas autoridades coloniais que não tomaram nenhuma providência para
punir os culpados. Revoltados, os índios mataram dois colonos e destruíram algumas roças o
que deve ter aumentado a animosidade já presente. Esse clima gerou pânico entre os colonos
e demais moradores que abandonaram as plantações e se refugiaram na vila de São Jorge,
enviando pedido de socorro ao Governador. Após a ação militar descrita, os sobreviventes
foram condenados ao trabalho compulsório até o “total ressarcimento” dos prejuízos alegados
pelos colonos.
51
Quanto às epidemias (sarampo, gripe, varíola entre outras) que vitimaram os povos
indígenas, na Bahia ocorreram entre 1559-1563. Um surto de varíola que se alastrou entre
1562-63, quase dizimou a população Tupiniquim, já bastante combalida devido à guerra e o
recrudescimento da exploração por parte dos colonos. A alta taxa de mortalidade além das
fugas dos sobreviventes para o interior da floresta, espalhando a epidemia, provocavam o
despovoamento e enfraquecimento social e físico da população atingida, reduzindo ainda mais
o suprimento de mão-de-obra para os colonos.
52
Para as populações indígenas, o efeito letal
afetou também a reprodução cultural, uma vez que seus métodos de cura e o próprio
relacionamento com a morte foram colocados em cheque, resultando na desestruturação
psicológica pela impotência de enfrentar tal catástrofe.
Para compreender o alto de grau de mortalidade provocado pelas viroses citadas entre
os povos nativos da América, cujo organismo não havia desenvolvido anticorpos, Jared
Diamond chama atenção para dois aspectos a serem considerados: as razões históricas
distintas entre os povos da América e da Eurásia (Europa, incluindo Ásia e o Oriente Médio) e
o espaço de tempo para a formação das aldeias, terreno ideal para a proliferação das doenças
epidêmicas. Por razões históricas, os eurasianos entraram em contato há 10 mil anos com os
germes malignos causadores de tais viroses, uma vez que tais germes evoluíram dos
micróbios ancestrais muito parecidos com os causadores de doenças nos animais por eles
50
Apud. Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 42.
51
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 51.
52
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 58-64.
32
domesticados – porco, cavalo, ovelhas.
53
Todos esses animais foram transportados para o
continente americano, que, sendo dotado de condições climáticas, geográficas e ecológicas
distintas da Eurásia, seus organismos naturais e humanos tinham desenvolvido defesas e
adaptações contra os germes e bactérias próprias desse ambiente, mas, não contra as
existentes no mundo europeu. Por outro lado, os europeus também já haviam enfrentado
epidemias devastadoras, como a peste negra, transmitidas pelo intercâmbio entre diferentes
povos e ambientes o que os tornou mais resistentes.
O segundo aspecto apontado por Diamond refere-se ao espaço das aldeias e dos
aldeamentos. Apesar dos constantes deslocamentos dos povos americanos, no caso dos tupis,
as aldeias eram espaços mais homogêneos, relativamente pequenos e afastados entre si, cada
qual desenvolvendo seus próprios métodos de manter a sanidade do local. Os deslocamentos
das aldeias eram constantes e por motivos diversos como o esgotamento dos recursos naturais,
mudanças de chefia e a busca mística da “Terra sem Males”, que no sentido ecológico reduzia
a possibilidade de contágio. Essa estrutura organizacional foi destruída pela implantação
progressiva dos aldeamentos, que concentravam maiores contingentes populacionais
submetidos a uma vida sedentária e a novos hábitos alimentares e sanitários, contribuindo
para formação de focos de proliferação das epidemias e pelo agravamento de seus efeitos
desestruturadores. Há que considerar, ainda, o desconhecimento de “medicinas” adequadas, a
falta de remédios na colônia e o aumento da fome porque não havia quem fosse às roças
buscar alimentos ou às matas caçar e nem mesmo enterrar os mortos.
Com a população Tupiniquim drasticamente reduzida e confinada nos aldeamentos
administrados pelos jesuítas, os colonos da Capitania depararam-se com dificuldades de
obtenção de mão-de-obra para manter seus empreendimentos. As soluções encontradas foram
a importação de escravos da África e a intensificação da caça aos índios do interior e de outras
regiões do Brasil. No entanto, o furor dos investimentos iniciais foi seriamente abalado, e as
alternativas demandavam novos custos, o que provocou estagnação e decadência de muitas
Capitanias, inclusive a de São Jorge dos Ilhéus.
53
Diamond, J. Germes… 2002, p. 358-9.
33
Fatores de ordem financeira e administrativa da capitania também favoreceram a
estagnação do povoamento e o redicionamento do projeto colonizador.
54
Alguns números
revelam o declínio do empreendimento a partir do final do século XVI: em 1585 eram 900
colonos residindo em apenas quatro engenhos, sendo que três outros engenhos haviam sido
destruídos pelos ataques dos índios, franceses e holandeses. Esse número baixou ainda mais:
entre os anos de 1610 e 1625 restavam apenas 80 pessoas e a produção de açúcar estava
reduzida aos dois engenhos decadentes - o de Santana e o de Taipe - situados próximos à sede
da vila de São Jorge dos Ilhéus. Os colonos das localidades de Cairú e Camamu obtinham
algum retorno financeiro pela extração de madeira e piaçava, além da produção de alimentos,
especialmente farinha, comercializada no Recôncavo Baiano. Vale ressaltar que a economia
do norte da capitania sempre esteve totalmente voltada para Salvador, não havendo qualquer
beneficiamento para a sede da capitania.
Os dois principais engenhos próximos à vila de São Jorge dos Ilhéus que continuaram
funcionando, disputavam a mão-de-obra indígena, um fator de geração de conflitos entre os
setores dominantes. Um processo judicial no sentido de comprovar o “direto de propriedade”
sobre índios ilustra essa situação.
55
O administrador do engenho de Santana requereu
judicialmente a devolução dos índios, que, por volta de 1579, juntamente com mais alguns
escravos africanos, se rebelaram e abandonaram o aldeamento, refugiando-se no engenho da
Barra do Taipe.
56
Esse aldeamento foi formado, em data desconhecida, no local denominado
Maria Jape e pertencente ao Engenho de Santana. Abrigava os índios “descidos pelos padres”
e recrutados para lutar contra os Aimorés, e cujo retorno à aldeia de origem não foi
54
FREIRE, Felisbello. História territorial do Brasil. 1º vol. (Bahia, Sergipe e Espírito Santo). Edição fac-
similar. Salvador: Governo do Estado da Bahia/Secretaria de Cultura e Turismo/Instituto Geográfico e Histórico
da Bahia, 1998, p. 170-173. A evolução do direito de propriedade da Capitania ilustra as dificuldades
administrativas enfrentadas por esse empreendimento até 1761, quando foi incorporado à Coroa, caso
semelhante a outras capitanias. Ver Anexo III: A evolução do direito de propriedade da Capitania de São Jorge
dos Ilhéus.
55
MARCIS, Teresinha. Viagem ao engenho de Santana. UESC: EDITUS, 1999. O engenho de Santana, após
a morte de Mem de Sá, passou como herança para sua filha, a condessa de Linhares, que alugou para
administradores até sua morte, quando passou aos Jesuítas. O Engenho do Taipe pertencia aos herdeiros de
Lucas Giraldes. Há poucas informações sobre os proprietários posteriores e do funcionamento desta
propriedade.
56
UESC/CEDOC. Provisão para tornarem a Fazenda dos Ilhéus certos índios que dela se haviam ausentado:
1579, 1582. Torre do Tombo. Cartório dos Jesuítas, maço 16, n. 04. (Documento transcrito). No período o
Engenho de Santana estava alugado para Jorge Francisco Tomaz e o administrador era Domingos Fernandes
Cunha. Quanto ao engenho do Taipe, seu proprietário era Francisco Giraldes e o administrador indiciado
Francisco Lhois. Ver Marcis, T. Viagem ...1999.
34
providenciado após a luta.
57
A sentença foi favorável ao requerente, sendo os adversários
intimados a “devolver os casais de índios aos proprietários”, evidenciando, mais uma vez, a
utilização do trabalho compulsório dos índios.
Com a retração da ocupação portuguesa na Capitania e o fomento à formação de
aldeamentos jesuíticos em lugar das antigas aldeias dos índios,
58
estes espaços tornaram-se os
principais e mais importantes povoamentos para assegurar, à Coroa Portuguesa, sua
propriedade do além mar. Foram esses núcleos que, localizados em pontos estratégicos no
litoral, serviram como pontos de defesa da costa contra “invasores estrangeiros” e,
internamente, contra o avanço das tribos hostis. No interior, os aldeamentos, formados a
partir da expansão das fronteiras agrícolas, da mineração e da pecuária, e instalados em locais
de circulação dos grupos indígenas não-contatados, impediam seu deslocamento, provocando
a rendição ou aniquilação resultante dos confrontos. Índios aldeados eram deslocados para
novos locais e recrutados para serviços de construção de estradas e como soldados nas
expedições de atração ou extermínio, além dos combates aos Quilombos. Eram também
“repartidos” para o trabalho nas propriedades particulares.
Os aldeamentos na Capitania
Com os jesuítas, o governo português buscou implementar o outro braço do processo
de conquista da colônia: a conversão dos povos nativos em súditos da coroa, através da
catequese. Esse projeto refletia, segundo Paraíso, a consonância entre os projetos de cunho
universalista da Coroa e da Companhia de Jesus (fundada pelo dominicano Inácio de Loyola
em 1540): a crença dos monarcas lusitanos na missão de transformar o Império Cristão
Português em sinônimo de Império Universal Cristão. Assim, a Companhia recebeu forte
57
UESC/CEDOC. Instrumento com o tratado de uma petição e justificação de testemunhas para se provar um
levantamento do gentio no engenho de Santa Anna dos Ilhéos. Torre do Tombo. Cartório dos Jesuítas, maço 16,
n. 24, 18 de novembro de 1603. (documento transcrito).
58
As aldeias eram as unidades formadas pelos próprios índios, que mantinham organização social e política
autônoma. Já os aldeamentos eram administrados por particulares, governo ou religiosos onde os índios eram
reunidos sob uma nova organização. Sobre aldeamentos, Cf. Monteiro, J. Negros da terra ... 1994.
35
apoio governamental, espalhando-se pela Europa, América, África e Ásia, comprando terras,
controlando o sistema educacional e fundando Universidades.
59
Na colônia, visando atender colonos e nativos, os jesuítas, como eram chamados os
membros da Companhia, criaram escolas, missões, seminários e colégios. Para enfrentar o
desafio da enorme diferença cultural e a dimensão física da missão, a Coroa lhes concedeu
relativa autonomia política e econômica. Essa autonomia gerou conflitos entre os projetos
dos colonos, autoridades e do próprio governo culminando na expulsão da Companhia do
reino português em 1756.
60
Os aldeamentos na Capitania foram sendo criados, segundo Paraíso “à medida que a
presença da sociedade dominante se expande e sente necessidade de criar muralhas humanas
capazes de deter o avanço de tribos hostis ou de criar centro de treinamento de trabalhadores a
serem usados em empreendimentos estatais ou particulares.”
61
Para constituir os aldeamentos,
os padres recebiam terras e ajuda financeira para a formação das roças, casas residenciais das
famílias indígenas, construção da Igreja, Colégio e do hospício que serviria de moradia. Na
capitania, os primeiros aldeamentos dos jesuítas foram criados durante o governo de Mem de
Sá, que concedeu uma sesmaria em Camamu para aldear os sobreviventes tupiniquins (1560-
62).
O quadro a seguir, elaborado pela autora citada, demonstra a quantidade expressiva
desses espaços, entre os séculos XVI e XX. Poucos aldeamentos tiveram existência longa,
sendo a maioria desativada em pouco tempo, motivada por fatores como o despovoamento
pela morte dos ocupantes, deslocamentos para outros lugares e fugas.
Localização dos aldeamentos e a composição étnica.
BACIA
HIDROGRÁFICA
ALDEAMENTO/
PERÍODO
LOCALIZAÇÃO ETNIAS
Una do Norte São Fidelis Taperoá Tupinambá
Cachoeira Grande Santo André de Santarém Ituberá Tupinambá
Anaraú ou Baiano Maraú Maraú Tupinambá – provavelmente
(Nossa Senhora do
desterro) Barcelos - 1703?
Camamu Tupinambá – provavelmente
Rio de Contas N. Senhora dos Remédios Rio de Contas Gren
59
Paraíso, M. H. Tempo da dor .... tese de doutorado, 1996, p. 57-59.
60
Paraíso, M. H. Tempo da dor .... tese de doutorado, 1996, p. 57-59.
61
PARAÍSO, Maria Hilda B. Índios, aldeias e aldeamentos em Ilhéus (1532-1880). Comunicação apresentada
Simpósio Regional da ANPUH.BA. Ilhéus: UESC/UFBA/FFS/ANPUH, 2002.
36
1725-28,
Capuchinos
do Rio de Contas -
São Miguel da Barra do rio
de Contas
Itacaré Gren
Kamakã-Mongoió
Nova Almada dos Funis no
rio de Contas - 1728
Barra do rio Funis no rio
de Contas
Kamakã-Mongoió
Santa Rosa Margem do rio de Contas
- Jequié
Kiriri-Sapuyá
Grongogi Espírito Santo de Poções Poções Kamakã-Mongoió
Almada N. S. da Conceição dos
Índios Gren.
Almada Gren
Nova de S. José do
Boqueirão da Cachoeira do
Almada
Kamakã-Mongoió
Salgado Barra do Salgado Itapé Kamakã-Mongoió
Colônia São Pedro de Alcântara ou
Ferradas
Ferradas Kamakã-Mongoió
Caramuru-Paraguaçu Pau-Brasil, Camacã e
Itajú do Colônia.
Pataxó, Botocudos, Tupinikin,
Kamakã-Mongoió, Tupinambá
Kiriri-Sapuyá e Baenã.
Cururupe Cocos ¼ de légua de Olivença Tupinikin, Kamakã-Mongoió,
Tupinambá
Nossa Senhora da Escada
de Olivença
Olivença Tupinikin, Kamakã-Mongoió,
Tupinambá, Botocudo, Gren.
Pardo Barra do Catolé Foz do Catolé no Pardo Pataxó, Botocudos, Kamakã-
Mongoió
Lagoa do rio Pardo Foz do rio Jibóia Pataxó
Santo Antônio da Cruz Foz do rio Vereda
Inhobim
Pataxó, Kamakã-Mongoió
Cachimbo Foz do rio Verruga Itambé Pataxó, Kamakã-Mongoió
Catolé Foz do rio Catolezinho
Itapetinga
Kamakã-Mongoió
Salto do rio Pardo Foz do rio do Nado
Angelim
Kamakã-Mongoió, Botocudo ou
Pataxó.
Salsa Quartel do rio Salsa,
Canavieiras
Botocudos, Monoxó/Mapoxó/
Moxotó/Makaxã/Manaxõ
Una Serra dos Boitaracas ou
Goitaracas
Pataxó. Não aldeados até 1927 e 1930. Vários grupos:
Pataxó-Hãahãhãe e Baenã. A partir de 1937, tupinambás os de
Olivença, os Botocudos e os Kiriri-Sapuyá.
Fonte: Paraíso, M. H. Índios, aldeias e aldeamentos em Ilhéus (1532-1880). 2002.
62
As informações do quadro e do Mapa etno-histórico, (cf. Anexo I: Mapas: e. Mapa
etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes - detalhe), demonstram a já referida diversidade
dos povos indígenas que habitavam as terras da antiga capitania e o avanço da ocupação,
pelos colonos, para as terras do interior, desalojando esses povos nativos com métodos
repressivos empreendidos desde o início da colonização. Nesse contexto de violência, os
aldeamentos acabaram tornando-se uma alternativa de sobrevivência física para os índios,
apesar das perdas irreversíveis sofridas por força das transferências, da imposição de novos
hábitos e costumes, além da sedentarização e da convivência forçada com grupos étnicos
62
Paraíso, M. H. 2002. Ver também, MOTT, Luis. Os índios do Sul da Bahia: população, economia e
sociedade (1740-1854). (p. 93-120); DÓRIA, Hildete da Costa. Localização das aldeias e contingente
demográfico das populações indígenas da Bahia entre 1850 e 1882. (p. 81-90); OTT, Carlos. A distribuição
tribal e geográfica dos índios baianos. (p. 123-130) In. SILVA, Pedro Agostinho (org.) Índios na Bahia.
Salvador: Cultura, n. 1, ano 1 - Fundação Cultural do Estado da Bahia/Museu de Arqueologia e
Etnologia/UFBA, 1988.
37
tradicionalmente rivais. Ao serem aldeados, todos os grupos eram também submetidos à etnia
dominante no local, às vezes por um breve período. Aos poucos os diversos grupos passaram
a adotar uma nova identidade, ou, a se identificarem apenas como índios, acrescentando
muitas vezes a denominação do aldeamento a que pertenciam, como no caso em estudo:
“índios da aldeia dos padres, da Capitania dos Ilhéus” e índios de Olivença.
Com a desestruturação das sociedades indígenas tradicionais, o aldeamento passa a ser
também “um espaço indígena, onde os índios encontraram possibilidades de adaptar-se à
Colônia, recriando suas tradições e identidades”.
63
Essa afirmação de Maria R. Celestino de
Almeida permite compreender a resistência indígena frente às ações e políticas coloniais de
promover o etnocídio ou o genocídio. Sem negar a violência extrema que marcaram as
relações interétnica já registradas aqui, os povos indígenas aldeados continuaram existindo,
mesmo desfigurados culturalmente, misturados e inseridos na sociedade dominante, porém,
afirmando sua indianidade e reelaborando sua identidade.
O aldeamento de Nossa Senhora da Escada
No contexto de violência da colonização, o aldeamento em Olivença acabou
tornando-se um povoamento estratégico, com funções e significado diferentes para os
diversos atores envolvidos. Para o governo, povoar a costa com aliados era garantia de
propriedade e defesa contra os ataques externos e internos, limitando o avanço de índios ainda
não contatados. O aldeamento servia como posto de comunicação entre Ilhéus e Porto Seguro,
além de reserva de mão-de-obra para serviços públicos: construções, segurança e guias dos
caminhos, recrutamentos para compor o exército e as bandeiras contra quilombos e índios
“hostis”.
64
63
Almeida, M. R. C. Metamorfoses indígenas .... 2001, p. 90, 282-283.
64
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 136. Em 1732, 100 índios de Olivença foram recrutados para a
expedição do Capitão Domingos Carneiro Barracho que devia levar munições e mais índios aliados em socorro
à Bandeira de André Rocha Pinto que se deslocara para descobrir minas no Rio Pardo e de Contas e enfrentava
resistência dos Mongoió. Segundo a mesma fonte, essa expedição teve um fim trágico.
38
Os colonos esperavam obter mão-de-obra dócil, qualificada, barata e disponível em
número e tempo que julgassem necessários, além do fornecimento de utensílios e alimentos.
Para os jesuítas, os aldeamentos tinham uma dimensão profana e sagrada. Os padres
objetivavam, além dos ganhos econômicos e políticos, os ganhos espirituais obtidos pelo
sucesso da catequese: a conversão ao cristianismo. Para os índios, era a alternativa de
sobrevivência e a possibilidade de reconstruir suas famílias, conquistada com a garantia da
posse das terras destinadas ao aldeamento e da relativa proteção contra os abusos cometidos
pelos colonos, os ataques dos aimorés e dos caçadores de escravos.
O aldeamento de Nossa Senhora da Escada, em Olivença, foi estabelecido em 1700
reunindo diferentes grupos étnicos de diferentes troncos lingüísticos, como se deduz pelos
documentos que informam sobre a composição da população, registrando-a como
“Tupinikin”, “Tobajara”, “Camacã” e, mais tarde, “Tabajara”, “Tupis” ou “Tupinaguês”.
65
É
possível deduzir pela distribuição espacial dos grupos indígenas, que o aldeamento foi criado
para promover a reunião de, pelo menos, três aldeias no interior dos limites da sesmaria
concedida aos jesuítas: dois povos do grupo Jê, provavelmente Camacã, que viviam no
interior, próximo à serra do Padeiro e os tupiniquins na costa, onde foi localizada a sede. Silva
Campos afirma que os 580 habitantes, na época da criação do aldeamento, “obtiveram um
patrimônio maior que o das outras aldeias, pois media cinco léguas de frente por uma de
fundo”.
66
Ao longo da existência do aldeamento, muitos índios foram sendo incorporados por
motivos diversos e visando manter uma média populacional que viabilizasse o povoamento.
Era uma prática comum das autoridades e jesuítas promover os “descimentos”, ou seja, a
transferência de índios provenientes de outros aldeamentos desativados ou das aldeias
destruídas.
A ressocialização desses grupos no aldeamento não ocorreu sem conflitos, desafiando
os jesuítas a buscarem novas estratégias mais eficazes para a conversão. A flexibilidade dos
65
APEB. Seção Colonial e Provincial. Série. Agricultura. Maço: 4610, Ano: 1700-1861. Doc.: Mapa das Aldeias
Indígenas da Província da Bahia; M. Cad. 09. 1758. Doc.: Resp. de J. F. Bittencourt ao questionário para a
criação de vilas onde existiam aldeias das missões jesuíticas; M. 4611. Cad. 24, ano: 1758. Doc.: Relação do nº
de Aldeyas de Índios, que se crearão nomes que se lhes derão na sua creação.
66
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 154. As fontes citadas pelo autor não foram localizadas na
Biblioteca Nacional. A existência do aldeamento é comprovada, porém, pela referência de várias autoridades de
Ilhéus, a exemplo de Borges de Barros; Lisboa, Aires de Casal, Vilhena entre outros. Quanto à medida das terras
doadas como patrimônio, que afirma ser maior que das outras, deve-se considerar tal comparação ao tamanho
padrão das terras destinadas aos aldeamentos: uma légua quadrada. Cf. Mott, L. Os índios do sul da Bahia ... ,
1988, p. 96.
39
jesuítas em relação a algumas diferenças culturais, como por exemplo, o gosto pela música,
dança e a aprendizagem da língua geral, permitiu que os padres se incorporassem no cotidiano
dos povos indígenas, recriando mitos e costumes. Dessa forma, se apropriavam dos valores e
habilidades dos índios com objetivo de transmitir os conhecimentos do cristianismo, das
regras e valores da sociedade ocidental, tais como: disciplinarização do corpo, o modelo
cristão de família monogâmica, o individualismo, a divisão social do trabalho.
Os jesuítas desenvolveram uma pedagogia baseada no amor paternal cristão e no
medo. A própria violência das guerras e a exploração pelos colonos foram fatores que
contribuíam para abrandar o comportamento dos índios no aldeamento visto como rebeldes e
torná-los mais obedientes aos padres e autoridades. Em casos mais graves ou de reincidência,
os “infratores” eram enviados para as autoridades da Vila, como ilustra o documento a seguir:
O padre Provincial da Companhia de Jesus remete ordem do missionário da
Aldeia dos índios que administra nesta Capitania para que mande a minha
presença o capitão Manuel Rodrigues e os índios Felício, Brás e Inofre que
desinquietam e perturbam os mais índios da dita aldeia.
67
Conflitos internos e externos, gerados pela administração dos jesuítas foram
constantes em toda a história colonial, originados principalmente pela dissonância existente
entre os vários interesses e projetos de colonos, governo, padres e índios. Como os
aldeamentos não se revelaram suficientes para atender as demandas de mão-de-obra requerida
pelos colonos, que ainda deviam disputá-la e obedecer a “repartição” feita pelos padres, cada
vez mais eles exigiam ou burlavam essa ordem,
68
inclusive, como o documento a seguir
insinua, encontrando meios de tratar diretamente com os próprios índios.
Como esses índios são vassalos de S. M. que Deus os guarde, se faz preciso
dissimular com eles e vista a repugnância que tem para obedecer ao governo
temporal dos padres da Companhia de Jesus, V. Mercê os governe até eu não
mandar o contrário, advertindo que nenhum desses moradores há de ir a aldeia
buscá-los para o seu serviço e só poderá repartir quando assim seja necessário.
Deus guarde [...].
69
67
UFBA. Documentos Históricos, vol. 42, p. 321, doc. 1938: Carta que escreveu ao Capitão Mor da Capitania de
Ilhéos, Bahia e Janeiro, 14 de 1716.
68
Monteiro, J. Negros da terra ... 1994, p. 132-125.
69
UFBA. Documentos Históricos, vol. 46, doc. 1720-22, p. 52: MENESES, Vasco Fernandes. Carta aos
governadores. Para o Capitão-Mor da Capitania dos Ilhéos. 07 de maio de 1721.
40
Por outro lado, para alguns índios, a possibilidade de trabalhar nas fazendas dos
colonos foi vista como uma forma de fugir do controle e das obrigações religiosas e morais
dos aldeamentos e das dificuldades de convivência com outros grupos e de adaptação à nova
forma de organização a que estavam submetidos. O documento transcrito, que deve ser
analisado de maneira crítica e considerando os interesses dos dominantes, evidência os
conflitos entre padres, colonos e índios aldeados, revelando a complexidade das relações
entre os diversos atores, interesses e o posicionamento do governo.
A situação descrita em ambos documentos também revela a participação dos índios na
experiência dos aldeamentos, tentando influenciar na organização interna e conquistar mais
liberdade de ação. Interferiram de maneira direta ou indireta no processo de socialização, seja
desobedecendo de forma mais agressiva ou adaptando-se ao ambiente e desenvolvendo
estratégias menos visíveis aos olhos dos colonizadores para garantir a sobrevivência física e
social, como será tratado ao longo deste trabalho.
Em geral, a resistência dos índios, como no caso em questão, era interpretada pelos
agentes coloniais como desobediência e selvageria, atribuídas a “gentilidade” de sua alma e
ao total desconhecimento da autoridade. A ideologia do período foi bem representada pela
justificativa de Gomes de Sólis, revelando sua estranheza em relação aos costumes dos índios.
Ele afirmava que os índios desconheciam três letras do alfabeto - F, L e R, numa referência a
sua interpretação de que não tinham fé, ou religião, e, respectivamente, nem rei e lei.
70
Para o
autor, os índios não tinham um Estado com uma autoridade que governasse o povo através
das leis instituídas, conforme o modelo europeu, daí a “repugnância que tem para obedecer ao
governo temporal dos padres” expressa no documento citado. Em sua visão, os povos
indígenas viviam de acordo com a natureza, dispersos e sem qualquer forma de organização
social. Portanto, eram incapazes de viver de acordo com as regras de sociedade civilizada,
pois não tinham essa experiência e cultura que lhes deveria ser ensinada. Justificava-se, assim,
a importância da ação dos religiosos como os agentes da coroa, responsáveis pela catequese e
conversão ao cristianismo, um sinônimo de “civilização” naquela época.
Apesar de a legislação atribuir total controle dos jesuítas sobre os índios aldeados ou
não, eles não poderiam prescindir dos mecanismos governamentais para garantir esse
70
GIUCCI, Guillermo. Sem Fé, Lei ou Rei: Brasil 1500-1532. Rocco. Rio de Janeiro: 1993, p. 210.
41
controle, seja, solicitando ajuda para resolver os problemas mais graves, como citado no
documento, ou mesmo, denunciando os próprios colonos, buscando, através do cumprimento
da legislação, coagir a sua ação quanto ao recrutamento de índios para trabalho. Como os
aldeamentos deveriam ser auto-sustentáveis, essa forma de mão-de-obra representava um
risco, tanto à produção como ao projeto de socialização em curso. Deve-se ter em mente que,
para os jesuítas, os recrutamentos também representavam prejuízo para os empreendimentos
da Companhia, como os engenhos e a produção de artesanato.
Pouco se conhece da vida no interior dos aldeamentos. Talvez uma estratégia dos
próprios índios fosse a de não a revelar. O pouco que se pode visualizar provém de fontes
produzidas por viajantes ou agentes coloniais em períodos distintos, nas quais narravam
aspectos da vida na sede, onde as relações sociais eram mais visíveis, porém não menos
dissimuladas àquelas práticas culturais consideradas pagãs, tais como a prática da poligamia,
do “xamanismo”, benzeduras entre outras.
71
Tais fontes permitem perceber, a partir da
reconstituição de alguns aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos, que nesses
espaços, os grupos indígenas desenvolveram estratégias para recriar suas tradições e práticas
culturais, mesmo reelaboradas no curso do processo de contato e estando subordinados à nova
organização e forma de governo.
Vestígios do cotidiano no aldeamento
A principal imagem do aldeamento era visualizada a partir da sede, onde se
localizavam as principais edificações em pedras e com cobertura de telhas: a igreja, a
residência dos padres e um colégio. As demais moradias estavam dispostas ladeando a praça
quadrada da Igreja e eram construídas de barro e cobertas de palha. Após a expulsão dos
jesuítas, muitas dessas construções se deterioraram conforme o Ouvidor Lisboa, em 1799,
registrou com “pesar” o mau estado das construções e que o antigo colégio, em condições
precárias, servia como residência do vigário. Em 1813, o visitador Vigário Pe. Antônio Pinto
71
Mott, L. Os índios do sul da Bahia ... 1988, p. 110-111. O autor comenta a irreligiosidade e feitiçaria praticada
nas vilas da Comarca de Ilhéus, inclusive em Olivença, após dois séculos de evangelização. Portanto, permite-se
inferir que tais práticas eram muito mais vigorosas e dissimuladas no período do funcionamento do aldeamento.
42
Teixeira relatou que a igreja estava tão arruinada que não oferecia condições para celebrar os
“ofícios divinos”.
72
Não resta dúvida quanto a capacidade administrativa dos jesuítas que
foram os responsáveis pelas melhores construções edificadas em toda a extensão da Capitania.
As aldeias jesuíticas, conforme apontou Mott, disputavam em grandeza com as vilas dos
portugueses.
73
O recenseamento realizado no ano de 1805, ou seja, quase meio século após a extinção
do aldeamento, demonstra uma população adaptada ao modelo imposto pelos jesuítas. Foram
registradas 800 pessoas, agrupadas por unidade familiar nuclear, ou seja, o casal com filhos,
sendo o pai como “o chefe, cabeça do casal”, único identificado com nome e sobrenome,
seguido da esposa e dos filhos menores e os solteiros. O tamanho médio das famílias era de
quatro a cinco filhos, registrados apenas pelo primeiro nome e idade. Os poucos casos de
parentes que residiam na mesma casa eram idosos, existindo, porém, casos em que a família
se resumia apenas ao casal ou da mulher com os filhos.
Essa informação aponta para a desestruturação da organização social indígena
tipicamente Tupi, implementada durante a administração dos jesuítas. A estrutura física do
aldeamento era feita para possibilitar a total vigilância das unidades residenciais e impedir a
realização de antigas práticas indígenas consideradas impróprias ao modelo cristão ocidental.
É importante considerar o processo de reelaboração desse espaço pelos índios, uma vez que os
grupos aldeados muitas vezes já se encontravam em um avançado processo de desestruturação
(dispersão espacial, alto índice de mortes) que impedia, inclusive, a realização dos
matrimônios dentro do mesmo grupo étnico. Portanto, a adaptação a esse novo modelo, como
se verifica em outras fontes, foi uma alternativa de sobrevivência biológica em primeiro lugar,
mas, também, a possibilidade de reorganização cultural e dos laços de solidariedade grupal
através da incorporação de novos membros e novas práticas sociais.
Vale ressaltar, também, que a vida no aldeamento não se resumia à sede, além da ótica
do recenseador que filtrava as informações segundo seus próprios interesses e ideologia. A
vida familiar era bem mais ampla do que demonstrava a disposição das residências na sede do
aldeamento; envolve outras dimensões, como laços de solidariedade, rituais e regras
geralmente desconsiderados pelos colonizadores. Além do mais, a vida na sede não era o
72
Mott, L. Os índios do sul da Bahia ... 1988, p. 102.
73
Mott, L. Os índios do sul da Bahia ... 1988, p. 106.
43
único local onde as relações se estabeleciam, sendo possível para a população indígena
cultivar suas tradições e rituais, inclusive religiosos, em locais mais remotos e de acesso
difícil aos não-índios.
O recenseador também informou que os moradores no período eram “todos de nação
índia, plantam, pescam e fazem artesanato de contas”. Em relação à etnia, expôs a dificuldade
de denominar, “visto serem muito misturados e só falarem português”.
74
Aqui também cabe a
ressalva feita anteriormente em relação ao recenseador e demais agentes coloniais, cujo
discurso totalizante servia para demonstrar a eficácia de suas ações como “agentes
civilizadores”, portanto, não era interessante identificar as etnias, mesmo que concretamente
existissem. Demonstrava também o desconhecimento ou descaso em relação à cultura dos
povos nativos, uma visão etnocêntrica que se desenvolveu ao longo de todo o processo
colonizador e se perpetua ainda na atualidade.
Relatos dos viajantes, embora posteriores ao período em foco, informam sobre a
habilidade dos índios do aldeamento em fazer artesanato a partir da piaçava, uma palmeira
típica da região. Os viajantes escreveram que os índios utilizavam os coquilhos dessa árvore
para fabricar rosários, peças muito apreciadas pelos jesuítas no período em que administravam
o aldeamento. Eles enviavam este artesanato para o Colégio da Companhia em Salvador,
onde as peças recebiam o processo final de acabamento para serem comercializadas. Outros
produtos fabricados eram cestas, esteiras, chapéus além de utensílios de barro. Também
produziam pentes, botões, e rosários com a casca de tartaruga. Essas atividades ainda eram
desenvolvidas no século XIX, segundo Maximiliano, Príncipe de Wied-Neuwied, (1815-
1817) e Spix e Martius, (1817-1820) que encontraram muitos índios dedicados a essa prática,
realizada em suas “palhoças” situadas na vila.
75
Outras atividades desenvolvidas pela população indígena estavam mais ligadas à
subsistência das famílias e do aldeamento, como o cultivo e produção de alimentos,
principalmente a farinha, além da criação de pequenos animais. A leitura das fontes permite
74
APEB. Seção: Colonial e Provincial. Recenseamento. M. 596, caderno 11. Doc. : Mapa dos habitantes da Vila
de Nossa Senhora da Escada de Olivença. Ano: 1805. A população recenseada: 800 indivíduos identificados
como índios e 19 portugueses, um pároco, o diretor e um comerciante com suas respectivas famílias e escravos.
O aldeamento foi extinto em 1758 e elevado a vila, em cujo contexto foi realizado o recenseamento.
75
Ver SALES, Fernando. Memória de Ilhéus. 2ª ed., GRD. São Paulo: 1981. O autor selecionou os relatos dos
viajantes que visitaram ou se reportaram a Ilhéus entre os séculos XVI – XX. Entre eles, Maximiliano, Príncipe
de Wied-Neuwied, p. 73-75 e Spix Von Martiuns, p. 92-93 se referem diretamente a Olivença em seus escritos.
Cf. também, Mott, L. Os índios do sul da Bahia ... , 1986, p. 103.
44
inferir que existiam, além das roças individuais ou familiares, plantações coletivas destinadas
para o sustento do aldeamento e a comercialização dos excedentes. Nas roças também
cultivavam arroz, café e algodão, produto utilizado para confecção das próprias roupas. A
pecuária foi experimentada sem sucesso, logo sendo abandonada, talvez devido à geografia
acidentada e à composição do solo ser imprópria para pastagem. A criação de gado solto
representava prejuízos às roças, fator que também deve ter contribuído para inviabilizar esta
experiência.
76
A venda de aguardente nos aldeamentos representava um sério objeto de conflito e
denúncias que ultrapassaram o período colonial. Os jesuítas denunciavam que os colonos
incentivavam o uso do álcool nos aldeamentos, e apelavam para os juízes proibirem essa
prática, a qual, muitas vezes, contava com o apoio das autoridades locais. Os padres, então,
recorriam aos superiores da província e até mesmo à Coroa portuguesa, que aprovava decretos
e ordens proibindo ou regulamentando a comercialização e o consumo de aguardente. Para os
índios tupis, as antigas beberagens de cauim, uma bebida fabricada pelos índios pela
fermentação da mandioca, tinham função social, uma vez que era parte do contexto da esfera
ritual, utilizada com tempos e datas definidos pelos grupos. A substituição do cauim pela
aguardente de cana, de maior teor alcoólico, representou uma deturpação cultural: o beber
deixou de ser uma prática ritual e passou a fazer parte do cotidiano, favorecendo a
desagregação do grupo, o desgaste da saúde e auto-estima dos índios, que, uma vez viciados,
ficavam à mercê dos comerciantes e colonos para obter a bebida. Os jesuítas denunciavam
que os índios viciados ficavam ainda mais indolentes, preguiçosos, e provocavam tumultos
nos aldeamentos.
77
Para conseguir controlar os aldeamentos, em geral, os padres procuravam manter os
índios ocupados o tempo todo, uma tática objetivando afastá-los de suas práticas culturais.
Preenchiam o tempo com atividades religiosas - ladainhas, rezas, missas, doutrinas, cantos,
festas, procissões – e, também com atividades produtivas, ensinando novas técnicas de
cultivo, a disciplina para o trabalho, além das aulas de ler e escrever. Despendiam atenção
preferencial aos meninos, acreditando que eram mais “facilmente transformáveis e os
76
As fontes que embasaram as colocações foram produzidas por vereadores reportando-se a existência destas
práticas no período da administração dos jesuítas. Estas fontes serão analisadas no capítulo III.
77
UFBA. COUTINHO, Antônio L. G. Ordens para os Juizes dos Ilhéos não consentirem que se venda
aguardente aos índios da aldeia dos Padres da Companhia. 20/08/1692: Documentos históricos. Vol. 32, 1934, p.
299.
45
auxiliavam em diferentes tarefas, incluindo o ensino”.
78
Mas, como aponta Maria R.
Celestino de Almeida, pode-se dizer que essas ações tinham mão dupla, ou seja, afastando os
índios de suas práticas culturais, os padres introduziam outras, algumas bastante úteis na nova
situação colonial, capacitando os índios para a utilização dos instrumentos do sistema
colonial, tais como requerimentos, abaixo-assinados e denúncias diversas.
79
A situação exposta acima verificou-se em Olivença. Em 1720, os índios recorreram
contra a nomeação de João Rodrigues para o posto de Capitão-Mor da aldeia, sob alegação de
que ele era criminoso. Enviaram requerimento à Câmara de Vereadores da Vila de Ilhéus, que
o encaminhou às autoridades competentes da Província.
80
A resposta foi:
nos pareceu deferir a tal requerimento mandando passar as patentes juntas
de Capitão-mor e sargento-mor aos índios, que eles querem, as quais V.
Mercê lhe entregará, dando-lhes, primeiro, posse e advertindo-os de como
devem ter ao seu Padre Missionário, de sorte que nos seus procedimentos,
nos não chegue a mais leve queixa.
81
Esse fato exemplifica a participação dos índios, mesmo que seja apenas a de algumas
lideranças que podiam estar cooptadas pelo sistema, uma prática adotada em todos os
períodos da colonização. Demonstra também, no entanto, que tais índios deviam ter se
apropriado dos recursos mínimos que lhes permitiram, tanto a elaboração da denúncia como a
obtenção de uma resposta favorável a sua reivindicação, com a nomeação de índios para os
postos indicados. O instrumental necessário para tanto incluía saber ler e escrever e conhecer
os caminhos que fizessem o requerimento chegar às autoridades, passando por negociações e
audiências com os oficiais da Câmara de Ilhéus.
O documento citado ainda admite perceber como eram complexas as relações entre
índios, jesuítas e autoridades. Essas relações envolviam negociações, alianças e outras
estratégias de integração como a manifestada pelo atendimento da reivindicação e a nomeação
dos índios para os postos de oficiais. As autoridades transferiam, aos índios, parte da
responsabilidade pela manutenção da ordem no aldeamento, exigindo, porém, que não
ocorressem novas reclamações. Assim, os índios se tornavam cada vez mais inseridos na
78
Almeida, M. R. C. Metamorfoses indígenas ... 2001, p. 138-9.
79
Idem Almeida, M. R. C. Metamorfoses indígenas ... 2001.
80
UFBA. Ofício ao Capitão-Mor dos Ilhéus. Documentos históricos da Biblioteca Nacional. Vol. 63. Cartas
para Bahia. Cartas, alvarás e patentes, 1716-1720. Rio de Janeiro: 1939.
81
UFBA. João de Araújo de Azevedo para o Capitão-Mor da Capitania dos Ilhéus. Documentos Históricos.
Cartas para Bahia – Cartas, alvarás e Patente – 1716-1720. Volume 63. Rio de Janeiro: 1939, p. 343-4.
46
estrutura administrativa colonial, adotando nomes portugueses e ocupando cargos e espaços
tradicionalmente destinados aos europeus e lutando para conquistar e garantir direitos
oriundos da condição indígena, como poderá ser verificado inclusive posteriormente, quando
da elevação do aldeamento à condição de vila.
O aldeamento e a vila de São Jorge dos Ilhéus
Aos poucos o aldeamento foi consolidando-se como um novo espaço dos índios que se
identificavam como “índios da aldeia”, “dos padres” e “da capitania”, porém, “índios”. No
mesmo período, ou pelo menos durante a primeira metade do século XVIII, a vila de Ilhéus
também era uma povoação pobre, pouco desenvolvida economicamente, não havendo grandes
contrastes entre os dois lugares. Essa situação inibiu o predomínio econômico e político da
Vila de Ilhéus sobre o aldeamento, também retardada por outros fatores, tais como: a distância
e as dificuldades de acesso entre as duas povoações; a convergência do desenvolvimento e a
ocupação da Capitania, na sua parte norte, estar voltada para o Recôncavo baiano, portanto,
oposto à área de Olivença; a administração dos jesuítas em Olivença e a legislação da época
que garantia a autonomia dos aldeamentos administrados pela Companhia de Jesus.
Em relatório de 1748, encaminhado pelo Vice-rei, D. Luiz Peregrino ao novo monarca
de Portugal, ele intercedeu em favor das reivindicações das autoridades da vila de Ilhéus,
traçando um quadro social e econômico bastante desfavorável da localidade. As autoridades
(juízes e vereadores) “imploram a piedade” do novo monarca ao pedir a manutenção da
dispensa do pagamento dos tributos e forais, concessão já feita pela Coroa para o período de
1728 até 1744:
representam humildemente a V. Majestade a grande pobreza e suma miséria
com que labutam os moradores da dita vila, sustentando a vida com maior
parcimônia entre todos os povos do Brasil [...] ser uma terra onde não há
misericórdia, açougue, médico nem cirurgião [...].
82
As justificativas apresentadas no relatório para tal situação de miséria da localidade
foram a falta de mão-de-obra, a decadência dos preços dos produtos e os ataques dos índios.
82
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 139-140.
47
Mesmo considerando os interesses políticos e econômicos das autoridades de Ilhéus ao
retratar a realidade da vila ao Vice-rei, é possível inferir que a situação econômica e social era
desfavorável aos colonos, mesmo porque toda a economia era direcionada para Salvador sem
nenhum benefício para a sede da capitania. Vale ressaltar que um açougue representava um
fator econômico e social importante, pois pressupunha a existência de capital para criar gado e
toda a cadeia de mercado – produtores e consumidores – que garantisse o lucro do setor. Por
esse viés, a falta de açougue relatada era um indicativo de pouco desenvolvimento e baixa
densidade demográfica da vila.
A distribuição da população em 1780, quando a Capitania já havia sido extinta pela
Coroa que a transformou na Comarca de Ilhéus, também ilustra um quadro social e
econômico desfavorável da vila, especialmente se comparada às demais localizadas no eixo
de desenvolvimento vinculado ao Recôncavo açucareiro. Nesse período, a nova comarca
englobava as antigas e novas vilas, algumas dessas criadas com a implementação do Diretório
dos Índios. A vila de São Jorge dos Ilhéus, sede da Comarca, ainda permanecia com um
contingente populacional menor em relação as demais localizadas ao norte.
83
Os dados
demográficos devem ser vistos apenas como um indicativo do grau de desenvolvimento e
ocupação da antiga Capitania.
Distribuição da população na Comarca de Ilhéus - 1780.
Vila Número de habitantes % sobre o total da
Comarca
São Jorge dos Ilhéus 1.950 11,0
Olivença 819 4,5
Camamu 5.148 28,0
Boipeba 3.244 18,0
Cairú 3.850 21,0
Maraú 1.498 8,0
Rio de Contas 1.741 9,5
Total 18.251 100
Fonte: Borges do Amaral: Memórias da Comarca de Ilhéus.
84
Essa menor densidade demográfica foi um dos fatores que contribuiu para o relativo
desenvolvimento autônomo do aldeamento de Nossa Senhora da Escada de Olivença,
83
Maiores detalhes sobre a Comarca de Ilhéus e da criação da vila de Olivença serão tratados no segundo
capítulo deste trabalho.
84
AMARAL, Borges do. Memórias da Comarca de Ilhéus. p. 388. Apud Silva Campos. Crônica da capitania
... 1981, p. 139-140.
48
considerando-se a reduzida pressão dos colonos para obter terras e mão-de-obra. As vilas de
Ilhéus e Olivença representavam em conjunto apenas 15,5% da população da Comarca no ano
1780, percentual menor que das vilas de Camamu, Cairu e Boipeba individualmente.
Em toda a Capitania, inclusive na sede, os maiores investimentos e construções
pertenciam aos jesuítas, expulsos em 1760. Os aldeamentos constituíam as maiores povoações
cujas terras eram utilizadas para lavouras dos índios e aforadas aos lavradores não-índios que
não tinham propriedade. Além dos aldeamentos, os jesuítas possuíam outras terras, engenhos,
casas de aluguel, sítios, Igrejas e colégios.
85
Apesar de serem dispensados dos pagamentos de
tributos à Coroa, privilégio combatido pelo Marquês de Pombal, eles representaram para a
capitania um importante fator de desenvolvimento, aproveitado pelos novos proprietários e
administradores que ocuparam o vácuo, após a expulsão, alavancando a retomada do
crescimento da ocupação do interior e implantação das novas frentes colonizadoras.
Em síntese, o processo de colonização das terras da Capitania de São Jorge dos Ilhéus
resultou na desestruturação da organização social dos povos nativos. O colonizador se impôs
como etnia dominante, negociando e guerreando os tupis, tornando-os aliados e enfrentando
os índios resistentes de forma violenta, na medida das necessidades de mão-de-obra e novas
terras.
Os povos indígenas foram a base para a implantação dos engenhos e povoados dos
colonizadores na capitania e foram vários os conflitos de toda ordem entre colonos e índios,
aliados ou inimigos. A dependência dos colonos para com os índios era quase total, o que
provocou o recrudescimento das relações entre os povos e foram estabelecidas segundo uma
estrutura hierarquizada e etnocêntrica. Além do genocídio que reduziu drasticamente a
população indígena afetada pela exploração, guerras e epidemias, os colonizadores também
reduziram e simplificaram toda a diversidade étnica e cultural existente.
Com a política dos aldeamentos, como estratégia para efetivar a conquista, vários
foram instalados nas terras da capitania, sempre atendendo os interesses e necessidades do
avanço da ocupação. Assim, os primeiros aldeamentos dos jesuítas foram instalados nas
85
Um resumo do patrimônio dos Jesuítas na capitania pode ser encontrado em Silva Campos. Crônica da
capitania ... 1981, p.151-7.
49
terras mais próximas à capital e ao recôncavo baiano, seguindo a tendência do eixo de
desenvolvimento da capitania nesta direção e uma economia voltada ao atendimento das
necessidades da capital e dos engenhos por mão-de-obra, alimentos e madeira. O aldeamento
de Olivença foi instalado ao sul da inexpressiva vila e sede da capitania, a vila de São Jorge
dos Ilhéus. A ocupação dessa região foi menos intensa, devido à existência de grande
contingente de povos resistentes ao contato, à distância da capital, às dificuldades financeiras
dos investidores para atrair colonos e custear os engenhos e demais empreendimentos. Esses
fatores contribuíram para o aldeamento se desenvolver com maior autonomia e longevidade
em relação da maioria que, em curto espaço de tempo, foram desestruturados pela intrusão de
colonos nas terras destinadas aos aldeamentos e pela conseqüente expropriação dos habitantes
indígenas instalados.
Os vários grupos indígenas aldeados em Olivença enfrentaram todos os tipos de
descaracterização étnica e exploração por parte dos colonos e agentes da colonização. Sob o
controle dos jesuítas perderam muitos aspectos de sua cultura, valores e tradições, mas
também reelaboraram e incorporaram novos valores e conhecimentos importantes para
sobreviver na nova estrutura imposta. Assim, aos poucos e não sem conflitos, o espaço do
aldeamento foi sendo apropriado como território indígena. Nesse espaço, continuaram como
índios, preservando muitos traços culturais, que, mesmo simplificados e transformados, foram
eficientes para a sobrevivência étnica das populações ali aldeadas.
50
CAPÍTULO II
A EXTINÇÃO DO ALDEAMENTO E SUA ELEVAÇÃO A VILA
DE NOVA OLIVENÇA
A crise econômica da metrópole, agravada pelo fim do ciclo de mineração na colônia,
levou o primeiro ministro português, o Marquês de Pombal, implementar uma ampla reforma
econômica voltada para o restabelecimento do poder político e dos cofres públicos da Coroa.
Entre as medidas adotadas, que diretamente interessam a este trabalho, estão a decretação da
liberdade dos índios do Brasil, em 1755, e a expulsão dos jesuítas (1756). Essas medidas
objetivavam, segundo Rita Eloísa de Almeida
86
a transformação dos índios em indivíduos
livres com direitos de obter bens e ganhos com seu trabalho e comércio e a emancipação dos
aldeamentos, que elevados à vila, tornaram-se projetos de cidades. Essas reformas ganharam
solidez com a instalação do Diretório dos Índios, 1758, quando foram definidas as bases do
modelo de civilização dos índios, então equiparados aos demais súditos da coroa.
O Diretório, segundo a autora, foi um conjunto de leis de caráter geral visando
estabelecer o controle total da metrópole sobre o território ocupado e a centralização plena do
governo, eliminando as ilhas de autonomia dos antigos aldeamentos administrados pelos
86
ALMEIDA, Rita Eloisa. O Diretório dos Índios: um projeto de “civilização” no Brasil do século XVIII.
Brasília: UNEB, 1997, p. 165-8.
51
jesuítas. Foi um projeto pensado e aplicado inicialmente no Estado do Grão-Pará e,
posteriormente, estendido para a totalidade da Colônia portuguesa na América. A
transformação da população indígena em súditos da Coroa era estratégica para garantir a
posse portuguesa da região fronteiriça com as possessões espanholas, facilitar a obtenção de
mão-de-obra indígena aos colonos, além de liberar áreas ocupadas pelos aldeamentos que
barravam o transporte e comercialização das drogas do sertão, tais como a borracha e o cacau.
Além do mais, como os religiosos eram dispensados do pagamento dos impostos e taxas reais,
sua expulsão representou retornos financeiros, aos cofres da Coroa, através dos tributos
cobrados aos colonos e indígenas.
Como lei de caráter geral, o Diretório vigorou em toda a colônia, e, apesar de ter sido
extinto em 1798, as principais bases e orientações foram mantidas. Devido à amplitude de
sua abrangência e ao contexto histórico em que foi produzido (fruto do pensamento
iluminista), o diretório adquiriu cunho de Constituição - tratava desde os “grandes
empreendimentos”, como a demarcação de fronteiras, até a prática e o comportamento das
autoridades e dos demais súditos, orientados para uma nova postura, qual seja, a de considerar
os índios como “população” da nova nação. Era composto por 95 parágrafos,
que dispõem sobre variada gama de questões, desde a civilização dos índios
aos problemas da distribuição de terras para cultivo, formas de tributação,
produção agrícola e comercialização, expedições para coleta de espécies
nativas, relações de trabalho dos índios com os moradores, edificação de vilas,
povoamento e manutenção dos povoados por meio dos descimentos, presença
de brancos entre índios, comportamento esperado entre as partes, casamento e,
por fim, um delineamento do ‘diretor" figura central neste novo procedimento
que vinha substituir os missionários.
87
A implantação do Diretório inaugurou uma nova política indigenista da Coroa
Portuguesa que objetivava promover a integração dos índios à sociedade colonial. Essa nova
política geral representava um verdadeiro etnocídio, uma vez que se esperava que os índios
adotassem o modelo de civilização ocidental e participassem de toda a cadeia produtiva como
produtores e consumidores. Esse artifício implicava a quebra do ethos coletivo e sua
substituição pelo individualismo em prol do pensamento e esforço pessoal de se tornar um
proprietário, um funcionário público e de obter privilégios. De fato, o efeito dessa política foi
devastador para a grande maioria dos povos indígenas, mas não foi suficiente para exterminar
os índios de Olivença e de outros tantos lugares que resistiram e encontraram novas
87
Almeida, Rita E. O Diretório dos Índios... 1997.
52
estratégias de sobrevivência étnica, física e cultural, utilizando, inclusive, os próprios
instrumentos, referenciais e ações implementadas a partir do Diretório.
Índios e não-índios foram mutuamente influenciados pelas novas diretrizes no
transcorrer do processo de reelaboração das relações interétnicas, na reestruturação dos
espaços e na produção de novos valores e significados, o que transparece na trajetória
histórica dos moradores de Olivença. Como todo projeto geral, o Diretório pressupunha
tornar-se hegemônico, e, nesse sentido, os discursos e acontecimentos ao longo do século XIX
indicam como, tais projetos gerais são confrontados no microcosmo local e a partir das
condições históricas de sua implementação, expressando o conflito entre a realidade e
interesses diversos.
A concepção de hegemonia desenvolvida por Grandin, citando Rosberry e Gould é
explicada como “a possibilidade de se viver, interagir e atuar sobre uma ordem social
caracterizada pela dominação, partilhando uma base material e um referencial de análise
comuns”.
88
Essa concepção ajuda a compreender os conflitos e as práticas sociais sob a
orientação dessa nova ordem real. O autor citado sugere observar três pontos fundamentais
para o entendimento das regras e mudanças históricas relacionadas à hegemonia: primeiro,
para ser efetiva, é preciso criar um projeto social e moral comum que inclua as noções
políticas e culturais, das classes populares e das elites dominantes, capazes de tornar possível
o estabelecimento do controle combinando a coerção e o consenso. Tal projeto deve incluir
símbolos, rituais, mitos, histórias locais e regionais, além de um ideal ou objetivo que
unifique os indivíduos em alianças interétnicas. Segundo, a hegemonia opera a partir deste
modelo/projeto comum, tal como o Diretório, porém nem todos os elementos dos grupos têm
habilidade para desenvolver esse projeto comum – existem diferenças marcadas pela posição
de classe, pelo acesso aos recursos, privilégios políticos, controle dos meios de produção,
comunicação entre outros. Terceiro, as elites devem aderir ao projeto e, nesse ponto, é onde os
conflitos e mudanças ocorrem: “grupos dominados podem utilizar a linguagem associada a
seus dominadores para postular suas demandas ou reivindicações”.
89
88
GRANDIN, Greg. The blood of Guatemala: a History of Race and Nation. Duke University Press: Durham
and London, 2000, p.13. ''common material and meaningful framework for living through, talking about, and
acting on a social order characterized by domination". (Tradução minha).
89
Grandin, G. The Blood … 2000, p. 14. "dominated groups can use the language associated with theirs rulers to
make demands". (Tradução minha).
53
Essa concepção orienta a análise das transformações, conflitos e adaptações ocorridas
em Olivença sob a influência do Diretório, mesmo após sua extinção em 1798. Segundo
Manuela Carneiro Cunha,
à falta de diretrizes que o substituíssem, [o Diretório] parece ter ficado
oficiosamente em vigor [...] e de tal maneira permanece um parâmetro de
referência que, quando é votado o Regulamento das Missões de 1845, o
presidente da província do Rio de Janeiro instaura uma comissão encarregada
de, à luz do Diretório pombalino, examinar a nova lei e propor medidas
concretas.
90
Cabe ressaltar que a análise se pauta pela interpretação das práticas associadas dos
índios e não-índios no período de funcionamento da Câmara de vereadores da Vila Nova de
Olivença, tomando-se como base os registros produzidos no período de 1824 a 1887.
A implementação do Diretório nas terras da antiga capitania
Uma das medidas de Pombal para estabelecer a centralização política foi a
incorporação das Capitanias à Coroa portuguesa a partir de 1753, sendo a de São Jorge dos
Ilhéus
91
anexada em 1761. Esse ano também marca a criação da Comarca de Ilhéus e
instituição da Ouvidoria, tendo como termos às vilas antigas e as recém criadas: de norte para
o sul até a Vila de Ilhéus - Valença, Cairu, Boipeba, Camamu, Barra do Rio de Contas
(Itacaré), e os distritos do Almada e Taype; ao sul até o rio Poxim, abrangia as localidades de
Olivença, Una, Canavieiras e Belmonte. A sede da Comarca, foi inicialmente situada em
Cairú, residência dos Ouvidores, indicando o eixo de desenvolvimento que se estendia de
Salvador à vila de Ilhéus, permanecendo as terras ao sul pouco ocupadas por colonos e com
grande população indígena dos grupos Jê ainda resistentes ao contato.
Entre as medidas para incentivar a atração de novos colonos estavam a desocupação
das terras indígenas e o combate aos índios resistentes. Foi criado um terço de Infantaria da
Ordenança, composto por sete companhias instaladas nas localidades citadas anteriormente e,
90
CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.). Legislação indigenista no século XIX: uma compilação: 1808-1889.
São Paulo: Ed. EDUSP. Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1992, p. 11.
91
O donatário da Capitania em 1753 era dom José de Castro. Cf. Anexo III dessa dissertação.
54
também foram autorizadas bandeiras para aprisionamento desses índios, que, uma vez
derrotados ou aprisionados, deveriam ser transferidos para os novos aldeamentos ou quartéis,
criados como espaços provisórios, permanecendo sob a tutela das autoridades. Como previa o
Diretório, as autoridades deveriam garantir a liberdade e a “civilização” dos índios até sua
incorporação na sociedade nacional, prerrogativa descumprida constantemente como
comprova o ocorrido em Olivença, em 1768. Nesse ano foi autorizada uma “entrada”,
solicitada pelo Capitão-mor de Olivença, contra os Pataxó que faziam freqüentes ataques à
localidade. Os índios aprisionados foram transferidos para Olivença onde deveriam viver em
liberdade, dedicando-se ao trabalho na agricultura. No entanto, como o interesse das
autoridades e proprietários locais e de Ilhéus era de obter mão-de-obra escrava passaram a
disputar, entre si, esses índios, que aprisionados e sob pressão, se rebelaram e fugiram para as
matas, aumentando o clima de conflito. As mesmas autoridades, algum tempo depois,
distribuíram roupas contaminadas com vírus de varíola, atingindo-os mortalmente.
92
A nova onda de ocupação foi favorecida pela existência dos “beneficiamentos”
introduzidos pelos jesuítas nas propriedades da Companhia e nos aldeamentos sob sua
administração. Nesses locais já haviam sido desenvolvidos vários experimentos agrícolas e
em alguns já se produzia café e cacau. Conforme previa o Diretório, os aldeamentos jesuíticos
foram extintos e elevados à condição de vila ou lugares, destinando em alguns casos, como
Olivença, as terras para compor o patrimônio dos índios e seus descendentes até sua total
incorporação à sociedade nacional. Essas terras ficaram incrustadas nas novas unidades
administrativas, sendo aos poucos cercadas pelas novas propriedades e ocupadas por colonos
não-índios que se instalavam como arrendatários ou através dos casamentos interétnicos. Tais
práticas foram legalizadas e incentivadas no Diretório como uma forma de “adaptar” os índios
aos valores e regras da civilização ocidental através da convivência interétnica e do
“exemplo” dos colonos europeus.
92
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 155-6, baseado em informações de Calmon, A Conquista, p.
106. (Silva Campos não especifica quando ocorreu a citada contaminação dos Pataxós).
55
A transformação do aldeamento em Vila Nova de Olivença
A vila Nova de Olivença foi criada por Carta Régia em 1758, no mesmo ato em que
foram criadas outras vilas na província da Bahia com a extinção dos aldeamentos.
93
Com a
criação da vila, a então igreja de Nossa Senhora da Escada foi elevada à condição de freguesia
cujo termo abrangia os limites da vila, englobando a capela de Santo Antônio da Barra do rio
de Una, até 1880-1890, quando essa última foi anexada à freguesia de Ilhéus.
94
A sede do
antigo aldeamento permaneceu como o local de funcionamento da nova estrutura
administrativa formada pela Câmara de Vereadores e, várias fontes confirmam que, a
sesmaria do antigo aldeamento continuou como patrimônio dos índios e seus descendentes.
95
Esse foi um fator importante para a configuração da estrutura administrativa mista de
aldeamento e de Vila,
96
que vigorou durante longo tempo, constituindo-se em elemento de
sustentação da identificação étnica, como será discutido ao longo deste capítulo.
A estrutura mista citada era resultado da própria contradição do Diretório: ao mesmo
tempo em que emancipava os índios, equiparando-os aos demais súditos com direitos a
ocupar os cargos e funções da administração, afirmava a sua incapacidade em instituir
governos próprios com os seus "principais". Foi criada, então, a figura do "diretor”, um
funcionário nomeado pelo governador para exercer uma “função diretiva ou coativa, sempre
instruída pelo Diretório”, devendo administrar em conjunto com os "juízes ordinários",
"vereadores" e "oficiais de justiça" que compunham os governos locais constituídos nas
aldeias maiores, tornadas vilas.
97
93
APEB. Seção Colonial e provincial. Série. Agricultura. M. Cad. 09. Relação do nº de Aldeyas de Índios, que
se crearão nomes que se lhes derão na sua creação, 1758; Aldeia de Nossa Senhora da Escada – no distrito da
Vila dos Ilhéos, povoada por índios Tabajara, Tupis ou Tupinaguês: criada como Villa Nova Olivença; Cad. 24.
Relação de aldeias que foram elevadas a vilas.
94
Cf. Anexo V dessa dissertação.
95
Freire, F. História territorial. op. Cit.; ACCIOLI. J. e AMARAL, Borges do. Memórias históricas e políticas
da Bahia. Salvador: Imprensa Oficial, 1931 (vários volumes); LISBOA, Baltazar da Silva. Memória sobre a
Comarca de Ilhéus. (1802) in, Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v. 37. Mott, L. Os índios do sul da
Bahia ... 1986, p. 96.
96
PARAÍSO, Maria Hilda B. Os índios de Olivença e a zona de veraneio dos coronéis de cacau na Bahia.
Revista de Antropologia da USP. 30/31/32, 79-110, 1989; e PARAÍSO. Dissertação de mestrado. 1982.
97
Almeida, Rita E. O diretório dos índios... 1997. As aldeias foram extintas enquanto missões e passaram a ser
“vilas se contivessem mais de 150 habitantes, e ‘lugares’, ou povoados, se sua população fosse menor que 150”.
Cf GOMES, Mércio Pereira. O índio na história: o povo Tenetehara em busca da liberdade. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2002, p. 183.
56
A nova estrutura administrativa do aldeamento/vila influenciou a redefinição das
relações étnicas e interétnicas em Olivença que convergiam pelo interesse de defender a
preservação da característica indígena da vila. Tal caracterização tornou-se uma estratégia de
sobrevivência econômica, social e política dos moradores índios e não-índios, evidenciando a
proposta de Grandin em relação à hegemonia: a de buscar perceber mais amplamente como os
grupos (índios e elites não-índias locais) aderiram ao projeto civilizador da Metrópole, e de
como utilizaram-se dos mesmos instrumentos e linguagens, associadas ao Diretório, para
fazer suas próprias regras e demandas.
A convergência de objetivos dos grupos locais era definida pela existência de
interesses diferentes e, às vezes, antagônicos: para os funcionários e moradores não-índios
(diretores, escrivães, Juiz Ordinário e vereadores) a existência de índios garantiria seu cargo e
rendimentos. Portanto, defender a indianidade da população era uma estratégia para legitimar
seu poder e conquistar popularidade interna e externa junto aos índios, autoridades e demais
segmentos da sociedade dominante.
Para a população indígena, a afirmação étnica tornou-se fundamental para preservação
das suas terras, costumes e cultura, pois, à medida que os grupos se tornavam mais
dependentes da sociedade dominante, os proprietários, colonos e autoridades decidiam que já
se encontravam “civilizados”. Confundidos com os demais moradores, os índios perderiam
direito às terras dos aldeamentos que seriam incorporadas às terras nacionais, divididas em
lotes individuais e redistribuídas para os descendentes e demais interessados. Além do mais, a
identificação indígena proporcionava alguns direitos baseados no princípio da
primordialidade
98
que garantiam alguma proteção e justiça contra os abusos e exploração das
autoridades e colonos. Esse recurso foi, sem dúvida, bastante significativo para a
sobrevivência de muitos grupos indígenas como os de Olivença, inseridos em uma sociedade
hierarquizada, escravista e preconceituosa.
Assim, a atuação dos vereadores de Olivença foi marcada pela ambigüidade, sendo,
por um lado, a tentativa de assegurar a propriedade coletiva das terras do antigo aldeamento,
98
Cunha, M. C. Legislação indigenista .... 1992, p. 15-16; SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. O renascer
dos povos indígenas para o Direito. Curitiba: Juruá, 1998, p. 59. O Alvará de 1º de abril de 1680, declarava que
as sesmarias concedidas pela Coroa portuguesa não poderiam desconstituir os direitos dos índios sobre suas
terras, como “primários e naturais senhores delas”.
57
preservando a característica de ocupação indígena e, por outro, o exercício do poder e a defesa
de seus interesses pessoais. Tal afirmação se respalda no fato de que muitas vilas e cidades
no Brasil, originadas dos aldeamentos, em um curto espaço de tempo sucumbiram e se
descaracterizaram pelas transformações impostas pela dinâmica do povoamento e interesses
dos fazendeiros e administradores. Em Olivença, por sua vez, a identidade indígena foi
preservada e, muitas vezes, reforçada de acordo com os interesses do contexto, evidenciando
ser estratégica sua preservação, como se demonstrará a seguir.
A estrutura administrativa da Vila Nova de Olivença
Normalmente, o mesmo ato que criava as Vilas também criava as Câmaras que eram
formalmente subordinadas ao governo da Província, embora sendo, de fato, subordinadas ao
Ouvidor e corregedor da Comarca. No caso em estudo, a Câmara de vereadores da vila de
Olivença estava subordinada à Comarca de Ilhéus. As Ouvidorias, até 1828, tinham, entre
outras, as funções de avaliar os trabalhos da Câmara e o desempenho de seus oficiais e
empregados, manter vigilância quanto ao cumprimento das “posturas” e à obediência às leis
portuguesas. Os ouvidores, até 1831, também atuavam como procuradores dos índios,
recebendo e julgando os casos fora da alçada dos diretores locais.
As Câmaras tinham atribuições legislativas, administrativas e judiciárias, sendo essa
última reduzida no Império que instituiu o poder judiciário centralizado e transformou as
câmaras em corporações meramente administrativas. Entre as atribuições legislativas das
câmaras constava a elaboração e aprovação do Código de Posturas municipal, onde se
estabeleciam as normas para o funcionamento do comércio, da utilização/preservação do
espaço urbano e dos recursos naturais da vila, além da regulamentação do comportamento e
da convivência social. Entre as atribuições administrativas das câmaras constavam: a
fiscalização dos funcionários, a realização das eleições e, principalmente, a vigilância para
que as posturas fossem obedecidas com a aplicação e o recolhimento de multas aos infratores
das normas. De acordo com o código aprovado, cabia à Câmara autorizar e cobrar pela
utilização dos espaços públicos, que, nas vilas indígenas, incluíam o arrendamento das terras
58
dos índios. Tal atribuição proporcionava aos vereadores e diretores a possibilidade de
controlar o espaço e as pessoas, e, acumular terras, rendas e outros benefícios pessoais.
A Câmara da Vila Nova de Olivença era composta por cinco vereadores eleitos. Os
dois mais votados exerciam o cargo de Juiz Ordinário revezando-se na Presidência até a
reforma de 1828,
99
quando essa função foi extinta e o vereador mais votado passou a exercer a
função de Presidente. Esta reforma retirou os poderes jurídicos das Câmaras, instituindo os
cargos de Juiz Municipal ou de Paz, Promotor e Juiz de Órfãos, cujos nomes eram indicados
pelos eleitores em listas tríplices, sendo, porém, submetidos à autoridade da Comarca
responsável pela nomeação daqueles que exerceriam o mandato por tempo determinado.
Em relação aos índios, especialmente daqueles recém-contatados e aldeados, mais
sujeitos a exploração e a desmandos por parte dos colonos, nessa reforma foram equiparados
aos órfãos, ficando sob a responsabilidade do juiz de órfãos cujas funções eram, entre outras,
proteger e administrar os bens.
100
Os casos fora da alçada das autoridades locais passaram a
ser encaminhados e julgados pelos Juízes de Paz, indicados e nomeados nas localidades
maiores e abrangendo mais de uma povoação ou distrito. Em Olivença, os índios estavam
enquadrados nessa dupla condição: a de súditos equiparados aos demais cidadãos e a de
“órfãos”, submetidos, em algumas situações, às ordens do juiz de órfãos sob título de proteção
e tutela.
As eleições: um espaço de participação dos índios
O princípio da eletividade para todos os cargos públicos locais, como de juízes e
vereadores não significava um sufrágio democrático. Segundo Vitor Nunes Leal, servia mais
99
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 2ª ed.
São Paulo: Alfa-Ômega, 1975, p. 73-6. Lei de organização municipal que separou as atribuições administrativas
e judiciais. As Câmaras ficaram submetidas ao controle (ou tutela) exercido pelos conselhos gerais, pelos
presidentes de província e pelo Governo Geral. As funções das Câmaras se resumiram as da administração
pública, como a aprovação das posturas, embora, nas matérias econômicas e administrativas gerais, fosse
necessário solicitar recursos a província.
100
Cunha, M. C. Legislação indigenista... 1992: Textos de leis: 27/10/1831 - Lei – Revoga as cartas Régias que
mandaram fazer guerra, e pôr em servidão os índios. Art. 4º, 5º e 6º. p. 137. Ordenações Filipinas, Livro I,
Título 88 – Apêndice, p. 137-155.
59
aos próprios interesses da Coroa que mantinha o controle dos cargos e o poder absoluto de
demitir qualquer funcionário do Estado e para legitimar o próprio sistema de representação,
impedindo, inclusive, que os eleitos recusassem o exercício dos cargos não-remunerados.
101
De fato, para alguns, a eleição representava um encargo, como aponta o autor e verificado em
Olivença numa eleição para Juiz de Paz, quando um português eleito recusou-se a assumir,
alegando que a Vila não possuía arrecadação suficiente para manter um Juiz e não dispunha
de local para a instalação da cadeia e dos trabalhos.
102
Mesmo esvaziadas ou pouco atrativas, as eleições mobilizavam esforços locais e
representavam a possibilidade de adquirir prestígio e poder, importantes fatores para a
configuração ou acesso a camada social de elite dominante, e obter os benefícios e privilégios
resultantes desta posição. Além do mais, o novo status do aldeamento e as orientações do
Diretório impunham a reformulação das relações interétnicas em nível local, como já foi
apontado, uma vez que, na condição de súditos, os índios passaram a ser eleitores, e, como
eleitores, podiam ser também eleitos, segundo palavras dos próprios vereadores de Olivença.
Portanto, as eleições tornaram-se um fator importante na negociação da autonomia dos índios
frente à ocupação crescente de moradores não-índios em Olivença.
No caso citado da eleição para Juiz de Paz, frente à recusa do português em assumir o
cargo, os vereadores escreveram para as autoridades da Província perguntando sobre quais
medidas deveriam ser adotadas:
Lembramos que os que podem ser Eleitores podem ser Juizes de Paz, foi
servido este Senado com alguns Republicanos votarem em Luiz Antonio de
Azevedo português e [...] o Suplente Manoel da Encarnação Índio desta
vila.
103
Como a legislação previa a eleição de suplentes para todos os cargos, a preocupação
do vereador demonstrava que a causa do problema era o fato de tal suplente eleito ter sido um
índio, embora ele atenuasse a questão da identidade étnica ao alegar a falta de preparo técnico
do eleito. O vereador justificou sua queixa de forma técnica, dizendo que o cargo de juiz de
paz era novo (instituída em 1828) e exigiria maiores conhecimentos para o aprendizado e
exercício da função. Em outras ocasiões, os vereadores também alegam que os “índios não
101
Leal, V. N. Coronelismo ... 1975.
102
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Doc. Câmara de Olivença, Cx. 24-1373, ano: 1824-1886:
Ofício da Câmara, 1828. Este documento refere-se ao cumprimento da Lei que estabelecia a eleição de Juiz de
Paz e suplente em cada Freguesia e capelas filiais.
103
APEB. Ofício da Câmara. Olivença, 1828.
60
sabem governar a si mesmos quanto mais aos outros”, embora, também existam alegações
“favoráveis” aos índios, informando que são “gente boa” que trabalham e já se encontravam
“civilizados”.
A eleição de um índio, mesmo como suplente, suporta vários significados para os
diversos atores e moradores de Olivença e revela a existência de conflitos e disputas – foram
dez votos para o eleito contra sete do segundo mais votado (vários outros nomes também
receberam votos). Para o grupo que indicou o português, a nomeação do índio podia
representar um risco para a manutenção da hegemonia, caso o suplente não fosse um aliado.
Também reflete a ideologia vigente no período sobre a inferioridade dos índios, o que,
conseqüentemente, implicava a alegada incapacidade de governar. Para os descendentes,
provavelmente, representou uma demonstração de força política quanto à condução das
normas judiciais impostas pela reforma.
Nas eleições registradas em Olivença, os eleitos nunca venceram por maioria absoluta
devido à dispersão de votos por vários nomes, em conseqüência de a votação ser feita pelo
sistema de lista completa em que todos os eleitores, registrados, votavam e podiam ser
votados.
104
Esse modelo permitia certa margem de imprevisibilidade quanto ao resultado,
podendo complicar a atuação de determinados grupos interessados em se manterem no poder,
forçando-os a tomar atitudes mais próximas dos interesses da comunidade étnica através da
negociação e alianças. Segundo a Legislação, para se ser eleitor e eleito, dever-se-iam
cumprir algumas condições, tais como: ser morador do local por um período superior a dois
anos, ter renda própria ou profissão, ser maior de 21 anos e do sexo masculino. Durante o
Império, os analfabetos podiam participar nas eleições locais o que permitia maior número de
eleitores. Como não era necessária a apresentação de provas documentais para comprovação
de renda, tornada obrigatória a partir de 1881,
105
os índios, mesmo analfabetos, estavam
qualificados para votar, pois tinham suas terras como patrimônio. É possível deduzir que
existiam algumas normas locais fundadas na própria composição e organização social, que
104
NICOLAU, Jairo Marconi. História do voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002, 10-26. Pela
Lei de 1828, as eleições eram realizadas pelo sistema de lista completa, cabendo as Câmaras o papel de
apuração. Esse sistema foi modificado com a Lei Saraiva de 1881, as eleições passaram a serem organizadas e
apuradas pela mesa paroquial: uma comissão eleitoral composta pelos membros da Câmara em exercício e
alguns cidadãos com a função de fazer o registro dos eleitores. Ver: capítulo III desta dissertação, tópico “Crime
político: a disputa pelo controle de Olivença.
105
NICOLAU, Jairo. História do voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zarar Ed., 2002. (pp. 16-17). Ver
também LEAL, V. N. Coronelismo ... 1975.
61
somavam pontos para escolha ou rejeição - ser alfabetizado, ter bom trânsito entre as
autoridades, ser de “família respeitada” e benquisto na comunidade.
A proibição legal da reeleição para um segundo mandato consecutivo explica o alto
índice de rotatividade dos vereadores nos 55 anos de funcionamento da Câmara de Olivença,
(1824-1879). Nesse período foram registrados oitenta e oito (88) vereadores eleitos, sendo
que apenas 03 foram vereadores por mais de dois mandatos: um professor, portanto, já
empregado do governo, e dois lavradores. A concentração de poder se configurava em nível
familiar, ou seja, considerando os sobrenomes como identificador, os dados apontam que mais
da metade dos eleitos provinham de apenas sete famílias
106
que, aos poucos, se consolidavam
como uma elite urbana e dirigente em Olivença. Entre essas famílias, dois sobrenomes (Dias
e Bandeira) são de descendentes dos moradores identificados como índios listados no
recenseamento de 1805. Os demais são portugueses que se instalaram em Olivença e
apareceram ocupando cargos a partir de 1824, segundo as fontes encontradas.
A vila Olivença: reelaborações do espaço indígena
Em 1803, Domingos F. Maciel, o ouvidor da Comarca de Ilhéus descreveu a situação
dos índios domésticos, ou civilizados. Como se depreende do relatório, os critérios de
civilização vigentes na época implicavam a descaracterização étnica e a integração dos índios,
prevista pelo Diretório, e que foram válidos durante o Império e a República: falar português,
vestir-se e adotar nomes portugueses, praticar atividades úteis ao desenvolvimento econômico
nos moldes capitalistas: comércio, agricultura, corte de madeiras, ser funcionário público,
proprietário individual de terra, entre outros. Vejamos a descrição segundo as próprias
palavras do Ouvidor:
106
São os seguintes nomes que mais vezes aparecem ocupando cargos de vereadores: Gomes, 11; Marques, 06;
Amaral, 08; Castro, 06; Dias, 09; Bandeira, 06; cf. Anexo IV: Relação de vereadores e funcionários da Câmara
Municipal da Vila Nova de Olivença: 1824-1879.
62
eles estão tão civilizados, que se acham inteiramente livres das superstições do
paganismo e reduzidos ao grêmio da Igreja: tem em cada uma das suas vilas e
aldeias um pároco, que lhes administra o pasto espiritual.
107
Quanto à estrutura política e social:
Pelo que toca ao temporal, usam, geralmente, os índios das três vilas,
Olivença, Barcellos e Santarém, e os das aldeias de Almada e de S. Fidélis
desta Comarca do idioma português, tendo-se, entre eles se extinguido o uso
da linguagem antiga, vulgarmente chamada de língua geral.
São governados por seus juízes e câmaras e pelos Capitães mores.
Usam todos de sobrenomes e eles mesmos escolhem os quais mais lhe
agradam entre os que usam algumas pessoas desta comarca e desta cidade, e
há tais que têm os nomes e sobrenomes de pessoas portuguesas, que
conheço.
108
Vale ressaltar o sentido expresso da compreensão do Ouvidor sobre as orientações do
Diretório quanto à “integração do índio na sociedade” que, para ele estava baseada na
manutenção da diferença entre “brancos” e “índios”. No intuito de demonstrar como a
orientação era respeitada na sua jurisdição, ele deixa transparecer que a integração dos índios
não incluía a equiparação ao status de “branco”, decorrendo, então, da afirmação da
indianidade e do fortalecimento de um aparato administrativo voltado para garantir a
manutenção de alguns direitos e obrigações diferenciados.
São em toda parte tratados como homens brancos, e os que têm
empregos civis e militares, são honrados como tais pelos portugueses e pelos
seus diretores [...].
Andam vestidos segundo o estado da terra, e como lhes permitem as
suas possibilidades; todos os que estão empregados no serviço civil e militar
aparecem de casaca nas ocasiões públicas e muitas particulares [...].
Muitos há entre eles que têm as suas roças de mandioca, mas nem
todos se aplicam a agricultura, porque, como são a gente mais hábil para o
corte das madeiras e para a condução destas pelos rios, estão ocupados muitos
neste exercício, já no Real serviço de S. A., e já no serviço dos particulares
que vivem deste comércio [...].
As vilas têm casas de Câmara e Cadeias, não obstante estas serem
pouco fortes e aquelas, pequenas, não são, contudo, inferiores as de algumas
vilas da comarca povoada por Portugueses.
109
107
Anais da BN. Oficio do Ouvidor da Comarca dos Ilhéus Domingos Ferreira Maciel para o Governador da
Bahia, sobre os Índios da sua Comarca. Cairú, 16 de outubro de 1803. Anais da BN. Vol. 37, 1915, p. 177.
Acesso <http://www.bn.br/fbn/bibsemfronteiras/
> julho, 2003. Cf. Mott, L. Os índios do sul da Bahia ... 1986,
p. 101-111.
108
Anais da BN. Oficio do Ouvidor da Comarca dos Ilhéus Domingos Ferreira Maciel ... 1803.
109
Anais da BN. Oficio do Ouvidor da Comarca dos Ilhéus Domingos Ferreira Maciel ... 1803.
63
O ouvidor aproveita para justificar o baixo nível de desenvolvimento das vilas,
responsabilizando os diretores e a baixa remuneração do cargo que o tornam pouco atrativo.
Se os Diretores, que são os mesmos escrivães das Vilas fossem
pessoas mais hábeis, poderia ter-se aumentado mais a agricultura entre os
ditos índios; porém acontece que esses ofícios, de escrivães e diretores, pelo
seu diminuto rendimento só são procurados por pessoas menos hábeis, e que
não podem alcançar outras ocupações mais úteis. A falta, que acho de pessoas
capazes de cumprir, como devem, as obrigações dos ditos ofícios, me tiram
toda escolha, porque aqueles que me parecem hábeis não os querem servir e
aqueles que os querem não me satisfazem.
Da pouca agricultura provém a falta de comércio e o que a nas vilas de
Santarém e Barcelos e quase todo feito pelos Portugueses: mas contudo os
índios são espertíssimos e nos seus contratos ninguém os engana.
Eles têm uma falta grande de conhecimento das primeiras letras, e os
seus mestres de ler e escrever são os mesmos escrivãos e Diretores, os quais,
estranhando-lhes eu essa omissão, se desculparão que ela procede de faltarem
quase sempre os meninos á escola, porque seus pais, quando vão para o
trabalho não os deixam nas vilas e os conduzem consigo e com mais famílias
para qualquer parte que vão.
110
O discurso semelhante ao do Ouvidor será recorrente em outros relatórios ou
descrições da Vila de Olivença e da situação em que viviam os índios, durante todo o período
Imperial. Essas marcas: falar português, vestir-se como brancos, praticar comércio e
agricultura, além das atribuições negativas (pouco desenvolvido, ingênuo, cismado) serão os
estigmas da identidade dos índios de Olivença, estereótipos apropriados pela sociedade
dominante, em todos os tempos. Os índios, mesmo considerados como “civilizados”,
continuaram sendo identificados e se identificando como “índios”.
Apesar da alegada “civilização” apontada pelo Ouvidor, em outros momentos essa
condição foi negada, por vários motivos e interesses em jogo e como parte do processo
dinâmico da manipulação da identidade étnica. Em 1851, o padre responsável pelo
aldeamento de Alcântara implantado em Ferradas, solicitou à transferência de índios destas
vilas para ensinar técnicas de cultivos e, através do exemplo, um comportamento de
civilizado.
111
Algum tempo depois, o padre capuchinho reclamava que índios de Barcelos,
Olivença e Almada, “tidos como já civilizados” encontravam-se em estado “deplorável” e
“atrasado” no cultivo das terras que lhes tinham sido dadas naquela localidade. O missionário
ainda alertava para a inconsistência daqueles índios, que por qualquer pretexto, “logo eles
110
Anais da BN. Oficio do Ouvidor da Comarca dos Ilhéus Domingos Ferreira Maciel ... 1803.
111
O aldeamento de São Pedro de Alcântara foi erguido na Localidade denominada Ferradas, atual bairro de
Itabuna. Em 1883, agregava uma população de 306 índios das etnias Camacã e outras.
64
voltavam a vida da mata”.
112
Em outro momento, o Diretor dos Índios
113
respondeu
negativamente a uma solicitação por índios já praticantes da agricultura “para ensinar aos
mongoiós ainda não civilizados”. Neste ofício, informou que os índios de Olivença, em
número de 1000 (mil) “almas”, apenas alguns desenvolviam agricultura e mantinham roças de
mandiocas para o consumo, acrescentando que “eram mais utilizados como jornaleiros”.
114
A administração laica foi uma prerrogativa mantida, apesar da nova reforma de 1845
que oficializou a catequese como meio de atração e pacificação. A atuação dos religiosos foi
regulamentada pelo Regimento das Missões,
115
expressando uma atuação de acordo com
cada contexto, como revela o relatório do “arcebispo D. Fr. Antonio Correia, sobre as igrejas,
párocos e missões do arcebispado da Bahia”.
116
Também se destaca nesse documento a ênfase
na demarcação da diferença entre “brancos” e índios, além de revelar a total subordinação da
Igreja ao Império.
Ele esclarece que o arcebispado era composto por três unidades distintas: as “como se
costumam dizer, povoações de brancos”, vilas de Índios (Santarém, Barcellos, Soure, Pedra
Branca, Thomar, Olivença, Mirandela e Abrantes), e as aldeias de Índios. A atuação do clero,
bem como a arrecadação e pagamentos sob a responsabilidade da Coroa, foi assim descrita na
sua exposição esclarecedora:
Na vila o pároco depois da apresentação de S. Majestade é colado e é
sempre um clérigo secular. Nas aldeias o pároco, com o nome de missionário
fazem todas as funções.
As vilas de Índios têm certo e determinado distrito, não assim as
aldeias, que estão como encravadas nas freguesias dos brancos. Em umas e
outras habitam portugueses em maior ou menor número.
112
APEB. Seção Colonial e Provincial – 2ª parte. Série: agricultura. M. 5308. Ano, 1834-1883; Correspondência
dos missionários com presidente da Província, Frei Ludovico de Liorni. [1850?].
113
APEB. Seção Colonial e Provincial – 2ª parte. Série: agricultura. Maço 4610, ano: 1700-1861: Mapa das
Aldeias Indígenas da Província da Bahia, 1861. O Diretor das três aldeias, em 1861: Coronel José Egídio de Sá,
parente próximo do Coronel Domingos Adami de Sá, um dos envolvidos na “hecatombe”.
114
APEB. Série. Colônia. Cx. 603, m. 1758, 1807; Cx. 1598, m. 4611. Dossiê sobre aldeamento e Missões
Indígenas, (Antigo Índios). Anos, 1758-1807.
115
Cunha, M. C. Legislação indigenista ... 1992: texto da Lei: p. 191-199; Souza Filho. O renascer dos povos ...
1998, p. 96-98. Conforme este autor, o decreto foi uma lei de organização do serviço público em relação aos
índios, embora mantivesse a catequese como o meio de pacificação e civilização. Atribuiu aos cargos e funções
públicas graduação militar e competência específica. Criou em cada Província o cargo de Diretor Geral dos
Índios, em cada aldeia cargos de diretor, tesoureiro, almoxarife, cirurgião e missionários.
116
Anais da BN. Vol. 36. Exposição do arcebispo D. Fr. Antonio Correia, sobre as igrejas, parochos e missões
do arcebispado da Bahia. Anexo ao N. 19525. Acesso <http://www.bn.br/fbn/bibsemfronteiras/> julho, 2003.
65
Os portugueses que vivem nas vilas dos Índios estão sujeitos ao
pároco colado da freguesia; os portugueses que habitam nas aldeias dos índios,
não estão sujeitos ao missionário, mas sim ao pároco vizinho.
117
Então justifica a necessidade de recebimento de recursos do Império:
Todas recebem da fazenda real 125.000 rs [...] Como nas vilas (e
assim nas aldeias) os índios nada pagãos aos párocos, por isso, dá a estes S.
M., muito maior côngrua que aos outros nas povoações de freguesias de
brancos.
118
Os documentos citados deixam claro que, apesar da separação da administração
espiritual e temporal, a catequese continuou sendo a estratégia mais apropriada para a obra
“civilizatória” pretendida pelo governo Imperial e pelas autoridades provinciais. Os
missionários foram agentes e empregados do governo, que assumia parte dos custos da
catequese e atração dos índios e o salário dos padres.
119
Em relação à questão religiosa, o arcebispado recebia reclamações e denúncias sobre a
atuação dos párocos, especialmente após o período pombalino. Os baixos rendimentos foram
alegados como o principal motivo para a corrupção, letargia e ganância dos padres, revelada
pelo Ouvidor Lisboa em 1799. Ele declarou que em Olivença, os padres chegaram requerer
que “se penhorassem as miseráveis cabanas cobertas de palha em que moram, ou ao menos
em contas (de rosário) e em serviços arbitrariamente impostos.”
120
Tal situação não foi
resolvida, pois ainda em 1867, os vereadores de Olivença apelaram ao Bispado de Ilhéus em
favor do pároco da Freguesia, alegando estar este idoso e doente, impossibilitado de cumprir
suas funções. Pedem um adjunto, ao que o Bispado respondeu negativamente, alegando à
falta de religiosos e à pobreza de Olivença, que não tinha condições de manter um pároco,
“quanto mais dois”.
121
Em 1877, outra vez denunciam o padre substituto “Vigário Cerqueira
que entende que a religião do crucificado só deve ser exercida aonde haja muito dinheiro e
muita civilização”.
122
Na carta, os vereadores invocam o Presidente da Província por um novo
padre, (reparem a subordinação referida da Igreja ao Estado) alegando que o denunciado se
117
Anais da BN. Exposição do arcebispo D. F. Correia.
118
Anais da BN. Exposição do arcebispo D. F. Correia.
119
Cunha, M. C. Legislação indigenista ... 1992: texto da Lei Provincial n. 32 – Província da Bahia - Sobre o
pagamento ao missionário parocho por seu emprego no serviço da civilisação e catechese dos Indios: p. 168-169.
120
Ouvidor Lisboa, 1799, p. 110, apud. Mott, L. Os índios do sul da Bahia ... , 1986, p. 108.
121
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Doc. Câmara de Olivença, Cx. 24, 1373, ano: 1824-1886;
Oficio da Câmara, 1867.
122
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Doc. Câmara de Olivença, Cx. 24-1373, ano: 1824-1886;
Ofício da Câmara, 18 de março de 1877.
66
recusava morar na vila, desrespeitava os moradores por serem pobres e afastava-se da vila
sem justificativa.
Chama atenção a longa duração da estrutura administrativa mista que caracterizava a
vila como indígena, uma vez que tal estrutura certamente foi projetada como alternativa
provisória para esses casos, prevendo-se sua extinção na medida que a população indígena se
diluísse entre os moradores não-índios e as terras fossem redistribuídas entre os interessados.
Em Olivença, tal modelo de administração ainda funcionava em 1877, período da denúncia
contra a atuação do padre citado. Em várias ocasiões, vereadores e demais autoridades locais
repetiram o discurso ressaltando a pobreza e falta de “civilização” da vila de Olivença, numa
clara analogia aos conceitos pejorativos e aos estereótipos atribuídos aos indígenas. Portanto,
os índios de Olivença, mesmo descaracterizados, como revelaram os documentos citados,
continuavam incluídos na categoria de “domesticados” ou aldeados, e sua importância ainda
era estratégica na região de Ilhéus, em contraste com os índios considerados “selvagens” do
interior que ainda resistiam ao contato.
As terras do antigo aldeamento
Quanto às terras indígenas, a legislação imperial também foi bastante dúbia,
permitindo várias formas de intrusão. Nesse ponto, interessa o fato de as terras do aldeamento
terem sido doadas como patrimônio aos descendentes, permanecendo, portanto, sujeitas à
administração das autoridades que tinham a responsabilidade de arrendar e fornecer
autorizações para abrir roças, construir habitações, retirar madeira e comercializar. O Ouvidor
da Comarca foi a autoridade responsável até 1831, quando foi substituído, nessa função, pelo
Juiz de Órfãos que deveria atuar conjuntamente com a Câmara local.
123
Em 1847, tal função
123
Cf. Souza Filho. O renascer dos povos ... 1998, p. 94-95; Cunha, M. C. Legislação indigenista ... 1992,
Apêndice: Ordenações Filipinas, Livro I, Título 88 ...Dos Juizes de Órfãos, p. 137-153. A lei de 27 de outubro
de 1831, se referia aos índios recém contatados ou aqueles que estavam sob poder de algum proprietário como
prisioneiros das guerras seguindo o princípio estabelecido na Carta Régia de 1808. Porém, como a situação dos
índios não se enquadrava na legislação geral do Império, esses grupos foram enquadrados como órfãos tutelados.
Outras leis editadas entre os anos de 1833 e 1834, transcritas em: Cunha, M. C. Legislação indigenista ... 1992,
p. 160-161, confirmam essa função do juiz de órfãos como encarregados da administração dos bens pertencentes
aos índios e do encaminhamento deles para o trabalho assalariado, aplicação dos produtos dos arrendamentos ao
67
passou a ser uma atribuição do Diretor dos Índios da Província que designava um diretor
adjunto local. Posteriormente, a partir da segunda década de 1870, as Câmaras Municipais da
Província da Bahia passaram a ter o poder de vender as terras tanto para os índios como para
os demais interessados.
A questão das terras indígenas foi um tema jurídico desde os primeiros tempos da
colonização. O Alvará de 1º de abril de 1680, declarava que as sesmarias concedidas pela
Coroa portuguesa não poderiam desconstituir os direitos dos índios sobre suas terras, como
“primários e naturais senhores delas”.
124
Esse princípio nunca foi oficialmente revogado,
permanecendo como uma prerrogativa à interpretação da legislação relativa às terras
indígenas ainda na atualidade, conforme aponta Pacheco de Oliveira:
Cabe frisar que o direito dos índios é originário, ou seja, decorre de sua
conexão sociocultural com povos pré-colombianos que aqui habitavam. Tal
direito não procede do reconhecimento do Estado (nem é anulado pelo não
reconhecimento), mas decorre do próprio fato da sobrevivência atual dos
grupos humanos que se identificam por tradições ancestrais e que se
consideram como etnicamente diferenciados de outros segmentos da
sociedade nacional.
125
Segundo Souza Filho,
126
a Constituição Imperial de 1824 não se referiu aos negros e
índios entre os cidadãos livres. Essa omissão, no entanto, não indicava que sua existência não
fora considerada pelos deputados constituintes. Montesuma defendia que os índios não eram
brasileiros no sentido político, enquanto que José Bonifácio e Moniz Tavares defendiam o
direito dos índios sobre as terras que eles ainda possuíssem. Como não se negou a existência
dos índios, as interpretações da Constituição não indicaram a extinção dos seus direitos.
Além do mais, segundo o autor, a Carta também omitiu a questão das sesmarias e não houve
dúvida sobre a sua transformação em propriedade particular.
Portanto, os índios de Olivença tinham garantido esse direito, fosse como “naturais”
ou como titulares da sesmaria doada como patrimônio no ato de elevação do aldeamento à
condição de vila. Mesmo com a Lei de Terras de 1850 e sua regulamentação de 1857, esse
provimento dos índios mais pobres e na educação dos filhos, entre outros, pelo menos até o regimento das
Missões de 1847.
124
Cunha, M.C. Os direitos do índio ... 1987, p. 59; Souza Filho. O renascer dos povos ... 1998, p, 124.
125
OLIVEIRA, João Pacheco de. Terras indígenas, economia de mercado e desenvolvimento rural. In.
Oliveira, J. Pacheco (Org.). Indigenismo e territorialização ..., 1998, p. 45.
126
Souza Filho. O renascer dos povos ... 1998, p, 124-5; Cunha, Manuela C. Legislação indigenista ... 1992, p.
15-23.
68
direito ainda continuou assegurado pela prerrogativa de não ser possível transformar, em
devolutas, as terras destinadas aos índios e pelo reconhecimento do direito de quem havia
adquirido as terras por sesmaria.
127
O aviso n. 67 de 21 de abril de 1857 mandou incorporar aos territórios
nacionais as terras pertencentes a uma aldeia de índio declarando na
conformidade do aviso n. 172 de 21 de out. de 1850 seja incorporadas as
porções das referidas terras que se acham desocupadas, arrecadando-se como
renda do Estado, os arrendamentos das que se acharem ocupadas por pessoas
não descendentes dos índios primitivos. Logo, (deve-se concluir
juridicamente) não se incorporarão nos próprios nacionais as porções
ocupadas das referidas terras dos índios [...].
128
Entretanto, conforme aponta Cunha, toda sorte de subterfúgios foram usados contra
esses princípios, tais como: o estabelecimento de colonos não-índios como moradores e
arrendatários nas vilas ou lugares indígenas e as transferências dos índios aldeados para novos
locais. Também em nível ideológico os debates giravam em torno das noções erroneamente,
ou maliciosamente interpretadas de “que os índios são errantes, [...] que não têm noção de
território, não distinguindo o ‘teu’ do ‘meu’.”
129
Além desses subterfúgios, após a Lei de Terras, “uma decisão do Império manda
incorporar aos Próprios Nacionais as terras de aldeias de índios que ‘vivem dispersos e
confundidos na massa da população civilizada’”
130
Ou seja, após séculos de favorecimento ás
políticas de integração, como verificou-se no caso em estudo, manteve-se vinculado o direito
à posse coletiva das terras à caracterização dos moradores como indígenas ou descendentes.
Essa vinculação pode ser percebida, indiretamente, nos documentos da Câmara, como
um importante elemento definidor da nova estrutura da vila, da reelaboração das relações
interétnica e da própria atuação dos vereadores, sendo esses interessados em manter a
estrutura mista da vila como forma de garantir seus privilégios e legitimar seu poder. Afinal, a
presença indígena justificaria a ação tutelar exercida pelas autoridades que, além de
administrarem as terras e sua utilização pelos índios e arrendatários, também eram
responsáveis pela distribuição da mão-de-obra, alistamento dos índios para os serviços
127
Souza Filho. O renascer dos povos ... 1998, p, 124-5.
128
Anais do APEB. Vol. 21 e 22, p. 69.
129
Cunha, Manuela C. Legislação indigenista .... 1992, p. 16; na seqüência do texto, a autora argumenta com
fatos contrários a essas noções, afirmando que os índios, errantes ou não, conservam a memória e o apego a seus
territórios tradicionais.
130
Cunha, Manuela C. Legislação indigenista .... 1992, p. 21.
69
públicos, exército e marinha. Os elementos expostos se constituíram em causas de conflitos e
negociações entre os vários atores, como se depreendem das denúncias, reclamações e
reivindicações, agravados após 1870, quando a região ao sul de Ilhéus alavancava o processo
crescente de colonização impulsionado pela expansão da economia cacaueira.
Maria Hilda Paraíso acrescenta que o direito as terras foi constantemente violado por
particulares e autoridades e, de maneira mais incisiva a partir da transferência da
responsabilidade pela questão indígena para as Províncias, que adotaram normas diferentes
em relação aos direitos dos índios. Na Bahia, o Decreto de 1875 autorizou as Câmaras
venderem, pelo preço de mercado aos foreiros ou particulares, às terras dos aldeamentos
considerados extintos.
131
A autora explica que, à parte das terras que já fossem sede de vilas e
as necessárias para a construção de logradouros públicos passavam a pertencer às
municipalidades, devendo-se cobrar foro para as obras de melhoramento que viessem a ser
realizadas. Essas novas medidas incidiram nas transformações das relações sociais, políticas e
econômicas analisadas no transcorrer da dissertação, especialmente na disputa pelo controle
da Câmara pelos fazendeiros de Una a partir de 1867.
A Câmara de Olivença e a criação de novos significados
Com a elevação do aldeamento à condição de vila, detecta-se o aumento de moradores
“portugueses” em Olivença e a construção de uma nova ordem social sob a estrutura
administrativa mista já aqui referida. Essa nova ordem social incluiu a criação de mitos, a
reelaboração de conceitos e das relações internas. A condição indígena da vila tornou-se uma
prerrogativa de dupla face: era negada, por um lado, devido à extinção do aldeamento, e por
131
Paraíso, M. H. por E-mail em julho, 2003: Decreto n° 2672 de 20/10/1875. Para executar esses serviços de
forma mais controlada pelo Estado, o Decreto n° 6129 de 23/02/1876 estabelecia que a Inspetoria Geral das
Terras e Colonização deveria responsabilizar-se por indicar as terras devolutas a serem reservadas, discriminá-
las como patrimônio da Municipalidade ou Provincial, aldeamentos de índios, fundações de povoações e distritos
coloniais,etc. [...] Os lotes reservados para doação aos descendentes dos índios variavam de acordo com os
interesses locais, conforme se pode observar no Decreto n ° 127 de 08/03/1878. Na Bahia, por exemplo, ficou
designado, em 1875, trinta ha. para chefes de família e treze ha. para solteiros (Decisões 272 e 273 de
08/07/1875)..
70
outro, era a garantia da própria existência da vila como unidade política e administrativa, uma
vez que as terras pertenciam aos descendentes que formavam a maioria da população.
Os vereadores e demais autoridades locais não podiam desprezar essa condição da
vila, porém, ao mesmo tempo, desprezavam a possibilidade de serem equiparados aos índios
pela sociedade do entorno e demais autoridades. Destaca-se uma atuação claramente
paternalista exercida como missão, assumida pelas autoridades ao cuidar, zelar, proteger e
ensinar os moradores indígenas. Era como se vivessem em uma grande família ou, como foi
construído na época, em uma “república” de brancos e índios.
132
Afinal, tal prática se apoiava
nas orientações gerais do Diretório que admitia os moradores não-índios como os novos
agentes da “civilização” que ensinariam os índios através do exemplo e da convivência.
Assim, depreende-se das falas, de alguns vereadores de Olivença, a apropriação da concepção
de República como uma “resignificação” do antigo aldeamento elevado à vila, mas que não
poderia prescindir de sua condição étnica. Ou seja, o aldeamento que se tornou vila, formava
uma república, onde índios e demais moradores deveriam conviver em harmonia pelo bem-
estar de todos.
A noção de república, como colocou Rita H. Almeida,
133
fazia parte das orientações do
Diretório concebido num contexto de efervescência das idéias iluministas. Essa concepção
foi, mais tarde, verbalizada no Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau. A autora destaca:
A particularidade do pensamento de Rousseau está em seu conceito de
‘alienação total’, segundo o qual todas as cláusulas do contrato social
reduzem-se à única condição: que cada indivíduo devote suas obrigações e
direitos em favor do bem comum. Seria o estabelecimento soberano da
vontade geral, em que cada cidadão espera dos demais as mesmas exigências
que faz a si mesmo. Concebe, desse modo, o fim das tiranias, ou da
possibilidade de manifestação da vontade de um só senhor sobre os demais,
pelo advento da vontade pública expressa pelo ‘corpo moral e coletivo’
formado pela união de todos e cuja representação é o ‘Estado’ ou o
‘soberano’, quando ativo, sendo seus associados o ‘povo’ em suas nivelações
como súditos ou cidadãos.
134
assim sendo, continua a autora:
132
SILVA, Paulo Pitaluga Costa e. As Câmaras de Vereadores no século XVIII. Rio de Janeiro: Real Gabinete
Português de Leitura, 2000. O autor alerta que o termo República, durante o Império, era utilizado em referência
a herança do direito romano, cujo significado estava relacionado à administração da “coisa pública”, portanto,
essa é a razão pela qual os funcionários responsáveis pela administração serem chamados de “Republicanos”.
133
Almeida, Rita E. O Diretório dos Índios... 1997, p. 33-34.
134
Idem. Almeida, Rita E. O Diretório dos Índios... 1997.
71
Não é absurdo imaginar que esta idéia de ‘República’ chegue a
compor leis coloniais. E contraditório visualizar, de nosso presente, o
conquistador construindo um esquema de permanência que vai produzir sua
negação. Mas, ao tempo do acontecimento que aqui se analisa, [o Diretório] o
conquistador concebia o futuro a partir do que estava construindo, conforme o
que desejava alcançar, quer dizer, como um aumento de seu próprio mundo, e
não sua perda, algum dia.
135
É claro que essa concepção não foi assumida e interpretada da mesma forma pelos
diversos atores sociais. Foi, isto sim, burlada e desafiada várias vezes por índios e não-índios,
o que não elimina a sua importância. Essa concepção de república verbalizou-se nas
correspondências dos vereadores de Olivença, em tempos e contextos diferentes, como
respostas a diferentes questões em que ressaltavam a legalidade de criação da vila como uma
expressão da soberana vontade real: “A Vila de Olivença V. Exma. foi elevada a esta
categoria em Janeiro de 1758, no reinado de El Rei D. José de Portugal”.
136
Destaca-se como exemplo, o abaixo-assinado elaborado pela Câmara em 1829,
pedindo providências contra criadores de gado solto que representavam prejuízo aos índios e
evidenciavam o aumento da ocupação dos arredores da sesmaria dos índios:
Dizem o juiz ordinário da câmara, e demais republicanos pelo abaixo
assinados, naturais e moradores nesta V. N. Olivença, que se dignando S. M.
piedosamente soltar a Nação Indiana da sujeição em que se acham. Em
determinações que foi servido distribuir esta sesmaria intitulada Nova
Olivença de N. S. da Escada, estabelecendo nela uma Republica para o bem
comum destes habitantes, se acha reunido um Diretório para o seu regime, que
tudo encaminha, do primeiro e principal objeto da agricultura; e que nesta dita
Vila se acha preterida por parte das terras, ainda em distância de Légua e meia
por vários sítios em que se acha estancada a plantação não só dos primeiros
gêneros de necessidade como também de café, milho, feijão, arroz,
melancia.
137
O documento é assinado por vereadores e mais de vinte e cinco pessoas, algumas das
quais acrescentam - “português” ou “índio” - ao nome. A referência ao antigo aldeamento,
resignificado como uma república, sugere a importância da condição indígena da vila como
estratégia para a manutenção da posse coletiva das terras e da sua administração pela Câmara.
Os vereadores apontaram, no documento, alguns pontos interessantes e identificados com a
135
Ibidem. Almeida, Rita E. O Diretório dos Índios... 1997.
136
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmaras de Olivença, 1824-1886.Ofício da Câmara,
1863.
137
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmaras de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
[1820].
72
concepção de república definida no Diretório e analisados por Rita E. de Almeida: um
governo baseado na busca do bem comum e pela discussão e decisões coletiva de todas as
questões relativas aos moradores, ou republicanos. Dentre as questões aludidas estão as
político-administrativas, como a já analisada eleição do índio como suplente para juiz de Paz,
e as econômicas, como a da produção agrícola e do trabalho desenvolvido pelos indígenas
indicadas no documento transcrito. Aparentemente, tal noção de república norteará ou
legitimará a prática e o comportamento dos vereadores de Olivença.
Essa nova ordem social “republicana” teve seu marco fundador e uma certidão de
nascimento – a Carta Régia de 1758 – que os vereadores pretenderam consolidar como um
símbolo no decorrer da administração da Câmara:
A Vila de Olivença V. Exma. foi elevada a esta categoria em Janeiro de
1758, no reinado de El Rei D. José de Portugal. Desde então, se não tem
apresentado resultado notáveis, por onde se lhe preste um subido grau de
consideração, tem pelo menos caminhado em aumento, e em civilização a não
d‘outras muitas, mais antigas, que não apresentam, sem dúvida, os mesmos
resultados, principalmente nestes últimos tempos e que a fazem credora de
mais sorte.
138
(Grifos meus).
A Carta Régia foi citada em ocasiões diversas e em tempos diferentes, sempre visando
reafirmar a autonomia e liberdade, da população indígena de Olivença, frente a situações ou
inquirições questionadoras dos direitos conquistados e referendados por tal decreto real. Os
autores do documento citado esperavam ratificar a legalidade da vila frente ao projeto de Lei,
apresentado à Câmara dos Deputados da Bahia, propondo a transferência da sede de Olivença
para Una, em 1866 e que será analisado adiante.
A carta foi citada em outras situações e sempre com objetivo de reforçar o status
político e social da vila de Olivença, ancorado na histórica data da sua criação e no que
representava como garantia das terras aos índios e descendentes. Foi apresentada como
justificativa em vários episódios, como na denúncia contra a criação de gado solto nos
arredores das roças dos índios. A carta também foi o foco central do processo desencadeado
pela da Câmara de Olivença contra o governo da Província do Espírito Santo, quando em
1841, através de ofícios, os vereadores solicitaram informações sobre alguns índios que foram
retidos naquela província juntamente com os arquivos da Câmara. No documento,
138
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmaras de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
1863.
73
enfatizaram como “sendo a principal falta de um livro onde se achavam registradas a Carta
Régia ou concessão de Sesmaria que S. Majestade deu em patrimônio aos índios nesta vila
[...]”.
139
Posteriormente, em 1874 os antigos vereadores denunciaram, ao presidente da
Província, a falta de cuidado com os documentos pela legislatura em exercício e o
desaparecimento dos arquivos da Câmara, incluindo a Carta Régia, quando a sede funcionou
em Una, entre o período de 1869 a 1874.
140
Contudo, o significado atribuído a tal Decreto era mais simbólico, uma vez que sua
legalidade continuava vinculada a etnicidade dos moradores da vila, cada vez mais
questionada pelas autoridades da Província e pelos novos ocupantes que chegavam para
expandir suas posses e implantar a indústria madeireira. As interpretações e manipulações
dos símbolos e significados são pessoais, apesar de serem um produto social historicamente
construído, e, conforme observou Sahlins, as pessoas, ao se apropriarem dos símbolos e
conceitos, passam a interpretar segundo suas acepções, interesses, de acordo com o contexto e
posição que ocupam na hierarquia social do momento.
141
É a manipulação dos significados,
como coloca Murilo de Carvalho, que torna o símbolo mais dinâmico e mais flexível a
adaptações e interpretações. A construção e manipulação de um símbolo, conforme esse autor,
resultam da possibilidade de estabelecimento da relação de significado entre dois objetos ou
duas idéias, entre objetos e idéias e entre imagens.
142
A Carta Régia de 1758 tornou-se símbolo porque estabelecia uma relação de sentido
que não era estranha ao imaginário da população composta pelos descendentes dos indígenas:
a vida em comunidade, a posse coletiva dos recursos naturais, especialmente a terra, além da
responsabilidade dos mais velhos pelas decisões relativas à comunidade. Representou, talvez,
um ideal de organização social e política atribuída aos antepassados, e nesse sentido, foi
adotada como um marco inicial de uma nova aldeia, ressignificada agora como Vila ou
República dos índios. Para os vereadores, este elemento simbólico possibilitou a reelaboração
139
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
11 de maio, 1841. Existem dois outros documentos relativos a solicitação de informações e da devolução dos
documentos retidos na Província do Espírito Santo, datados em 18 de setembro de 1841. Maiores detalhes sobre
esta prisão serão tratados adiante nesta dissertação.
140
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
1874.
141
Sahlins, M. Ilhas de história. 1999, p. 14-5.
142
CARVALHO, José Murilo de. A formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990, p. 10-12.
74
do imaginário, ajudou na construção ou consolidação de valores sociais e políticos que
legitimavam a sua atuação e autoridade.
O Código de Posturas: a reelaboração do espaço social da Vila
O status de vila impôs a reorganização administrativa já referida e implicou a nova
organização social, orientada, em princípio, pelo Diretório e que foi se consolidando ao longo
das décadas. Um fator determinante foi o aumento dos moradores “portugueses”, como eram
chamados nos documentos, que se estabeleciam na vila como funcionários do governo,
atraindo demais parentes e conhecidos que adquiriam terras e autorização para abrir casa de
comércio. Também já havia pequenos núcleos de colonos nos arredores da vila em situação de
contato permanente com os índios de Olivença e que, certamente, estabeleciam relações de
conflitos ou amigáveis resultando em possíveis uniões matrimoniais.
As relações sociais passaram a ser regulamentadas por um Código de Posturas,
elaborado a partir do pressuposto de civilização, estágio no qual as regras sociais são
estabelecidas por lei e não mais pelos costumes e tradições da cada povo. Assim, cada vila
deveria ter um código próprio, elaborado e aprovado pelos vereadores. Esse Código seguia
um modelo produzido pelo Governo da Província, que orientava as Câmaras aprovarem os
artigos mais condizentes com a realidade local, levando em conta suas especificidades. Tais
posturas regulamentavam amplos aspectos da vida cotidiana e, da mesma forma que o
processo civilizador do Diretório, visavam à eliminação das diferenças culturais e à completa
integração do índio na sociedade dominante. A concretização desse processo se faria através
da assimilação, pelos índios, das práticas e valores a esta associada, a eliminação da posse
coletiva da terra com a introdução do interesse pela apropriação em termos individuais e a
desarticulação das relações sociais calcadas na solidariedade grupal.
Em Olivença, as posturas em vigor no ano de 1859,
143
apontam para a manutenção de
uma ordem social rigidamente estratificada em dois segmentos: os “naturais” e os
143
APEB. Seção Legislativa Provincial do Estado da Bahia. Série: Posturas. Local: Olivença. Livro: 859. Ano:
1837-1852. Posturas da Câmara Municipal da Vila de Olivença, remetidas em 1859.
75
“portugueses”.
144
Dessa forma, o Código de Postura de Olivença foi um instrumento
“pedagógico” que visava, em médio prazo, à diluição dos índios na sociedade dominante,
porém, conservando a estrutura hierarquizada que o orientava. No entanto, também se
apreende uma certa margem de manobra por parte dos moradores índios, validando a
concepção de que não foram sujeitos passivos, mas participantes do processo de
transformações que ocorreram nos vários momentos da colonização. Nesse sentido, para o
Código ser legitimado pelos índios, seus formuladores não poderiam desconsiderar este
segmento, sendo feitas concessões de alguns privilégios ou direitos, embora sob o controle
dos vereadores.
Os Códigos de Posturas reproduziam as bases do modelo de civilização e de
modernidade, pressupostos perseguidos pelas autoridades provinciais em consonância com a
ideologia dominante na época. Em Olivença, era composto por 15 artigos, que
regulamentavam a vida social urbana, o comércio e a produção. São artigos que proíbem
atirar com armas de fogo sem licença “dentro da vila por serem as casas de palha”; proíbem
“a criação de porcos dentro da vila” e a manutenção de animais bravos soltos. Obriga “trazer
as frentes das casas limpas”. Prevêem multas para quem “mantiver as tavernas abertas após 9
h da noite; [...] correr, equipar e galopar a cavalo nas ruas; [...] atravancar ruas com carros,
madeiras ou outra; [...] escavar ao pé das estradas, quintais, e outros lugares que causarem
prejuízo a pessoas ou animais”.
145
Em relação ao ordenamento das construções na vila, o Código regulamentava o
alinhamento e impunha a cobrança de taxas de arrendamento e novas construções, que,
mesmo diferenciadas, abriam o espaço aos não-índios interessados em se instalarem na
localidade. Foi proibido “levantar propriedade sem ser pelo alinhamento dado pela câmara e
dirigido por um vereador nomeado, mediante gratificação de 500$ rs para a municipalidade”.
Aos que “não forem naturais do lugar pagarão por este alinhamento 1$000 e ficarão sujeitos a
2$ rs anuais de arrendamento.”
146
Como uma forma de disciplinar e moldar comportamento da coletividade, o Código
vedava o “ajuntamento de pessoas, danças, tocatas nas casas de bebidas, tavernas ou outros
144
Monteiro, J. Negros da terra ... 1994, p. 162. O autor faz referência como sendo “naturais” os filhos de pais
incógnitos no registro de batismo.
145
APEB. Posturas da Câmara Municipal da Vila de Olivença, 1859.
146
APEB. Posturas ... 1859.
76
lugares públicos com tocatas, danças ou vozerias e apresentações de espetáculos”. Também
atendendo aos pressupostos da modernidade e conforme os avanços da medicina, o Código
tornava obrigatório: “vacinar as crianças até dois meses depois do nascimento” e proibia
“deitar tingui ou substância venenosa nos rios.”
147
De acordo com J. Monteiro, “o método do
tingui - técnica indígena que lançava mão de uma substância peçonhenta que entorpecia os
peixes”, facilitando a pesca.
148
Essa prática, aliada ao crescimento da demanda, levaria ao
rápido esgotamento desse recurso e a contaminação das águas, sendo proibida pelas
autoridades coloniais em diversas localidades desde 1591.
Sobre a atividade comercial, um sinal de desenvolvimento e civilização, e que
representava um importante fator de transformação cultural prevista desde o Diretório, as
Câmaras constituíram-se, em nível local, como as instituições e autoridades fomentadoras
dessa incipiente atividade. Talvez pela precariedade das condições para o desenvolvimento do
comércio, uma vez que, na vila, as principais atividades eram a agricultura e a pesca para
subsistência, os artigos aprovados visavam assegurar a autoridade da Câmara. Tornaram
“obrigatória a fiscalização pela Câmara e a permissão por parte dos donos de casas de
vendagens”.
149
A regulamentação do comércio local ainda estava baseada mais em princípios
de uma economia moral do que naquelas voltadas para garantir a realização dos lucros: previa
multa a toda pessoa que vendesse gêneros avariados ou viciados; multas para “os que
atravessarem gêneros alimentícios, fazendo monopólio deles para revenderem ao povo por
preço mais subido indo monopolizar e atravessar nos subúrbios e roças”.
150
Não se pode duvidar que tal regulamentação tinha o efeito de, em médio prazo,
estimular o consumo, tornando a obtenção de bens através da compra mais acessível e criando
novas necessidades por produtos manufaturados. Também visava adornar o negociante com
qualidades positivas, transformando-o, assim, em referencia aos moradores, seja como
modelo a ser seguido, seja pela relação de interdependência entre consumidores e
fornecedores. Assim, em Olivença e em outros lugares, os negociantes sempre estiveram
entre os homens públicos detentores de cargos e respeito que os definia como os “homens
bons” do lugar.
147
APEB. Posturas ... 1859.
148
Monteiro, J. Negros da terra... 1994, p. 101, 243.
149
APEB. Posturas ... 1859.
150
APEB. Posturas ... 1859.
77
Em relação às demais atividades produtivas, o Código delimitava espaços destinados à
criação de gado e à agricultura, proibindo, como já foi aludida, a criação de gado solto nos
locais determinados para as roças e previa o pagamento de taxas por “cabeça de gado que
paste nos pastos da vila e termo”.
151
Quanto à atividade extrativista, submetia a autorização da
Câmara à “retirada de madeira das matas desta vila, seja qual for sua qualidade”,
152
e, a partir
de 1875, foi aprovada a cobrança de taxa sobre a extração e venda da fibra de piaçava que
passou a compor um item do orçamento da Câmara.
153
Para tais casos, quando autorizados
pela Câmara, era mantida a diferença “os que não forem naturais do lugar pagarão 1$000rs
para o Conselho, alcançando grátis os naturais.”
154
A oposição entre os “naturais” e “portugueses” não foi uma prática adotada apenas em
Olivença, no entanto, oficializava a distinção entre nativos e não-nativos enquanto sinônimo
de ser ou não “índio”. O Código permite inferir que algumas práticas e costumes dos índios
podiam ter sido toleradas, mesmo de forma parcial e temporária, considerando que não foram
mencionadas nas proibições. Ao mesmo tempo, as isenções ou redução dos valores das
multas e taxas aos “naturais”, permitiam tanto a manipulação da identidade étnica, como o
fortalecimento do vínculo de dependência desta população com os vereadores, responsáveis
pela confirmação da identidade para essa finalidade.
Conseqüentemente, há de se considerar que, assim como o Diretório, o Código de
Posturas e outros instrumentos que visaram à desintegração étnica dos índios de Olivença,
também permitiram a utilização da mesma linguagem para a sua afirmação. No processo de
reelaboração da identidade étnica, os moradores passaram a se assumir como “índio de
Olivença” e eram vistos como tais pelos outros moradores e autoridades. Mesmo as
definições ainda mais genéricas de “natural” ou “nativo” abarcavam o sentido da origem
comum, de práticas culturais próprias e dos direitos tradicionais às terras do antigo
aldeamento. Essa identidade foi constantemente reforçada nos discursos dos diretores,
vereadores e juiz de órfãos, mesmo sob a concepção negativa e preconceituosa que
151
APEB. Posturas ... 1859.
152
APEB. Posturas ... 1859.
153
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara.
16 de setembro de 1875.
154
Idem. Ofício da Câmara. 16 de setembro de 1875.
78
expressavam ao ressaltarem aspectos como ignorância, ingenuidade e do “perigo de retorno
ao neofitismo”.
155
Reelaboração das relações econômicas e políticas
O trabalho indígena foi disputado por particulares, pelas autoridades locais e pelo
governo provincial. Em Olivença essa realidade não foi diferente, mesmo depois de os índios
serem considerados civilizados e, segundo o Ouvidor Domingos Maciel e o arcebispo D. Fr.
Antonio Correia,
156
praticarem agricultura e comércio com muita habilidade, apesar do pouco
conhecimento de leitura e escrita.
157
No entanto, os índios de Olivença estavam enquadrados
como aldeados na legislação vigente, estabelecida sob os princípios do Regulamento das
Missões (1845). Essa legislação proibiu o trabalho compulsório dos índios, prevendo
contratos de trabalho remunerados. Nesse sentido, a condição de tutelados estabelecida pelo
Regimento foi uma tentativa de proteger os índios, especialmente os recentemente contatados
naquele período, contra os abusos e recrutamentos forçados por particulares. Essa prática
envolvia também as autoridades, que foram inúmeras vezes denunciadas, tanto pela
conivência como pela exploração do trabalho indígena e pelo abuso de autoridade.
Chama atenção o recrutamento de índios para a marinha, principalmente no início do
século XIX, corroborando a afirmativa de Manuela Carneiro Cunha sobre a crença
generalizada que os índios teriam aptidões naturais para navegação.
158
Aos ofícios da Marinha
endereçados a Câmara de Olivença, os vereadores responderam negativamente a solicitação,
argumentando que a vila era muito pobre, que a única casa de telha era a Igreja, as outras
eram “palhoças”. Informavam que a vila era habitada apenas por “gente da Nação Indígena”,
seu diretor e um pároco, que sobreviviam apenas da agricultura. Alegavam a falta de
experiência em navegação, uma vez que a localização da vila “é uma Costa Brava que não
155
. APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara:
7 de fevereiro, 1824; 11 de agosto, 1853; 12 de janeiro, 1860.
156
Cf. “A vila de Olivença: reelaboracões do espaço indígena” dessa dissertação.
157
Cf. tópico A vila de Olivença: reelaboracões do espaço indígena nessa dissertação.
158
Cunha, Manuela C. Legislação indigenista ... 1992, p. 28.
79
oferece ancorador, tendo por Barra a de Ilhéus, distante mais de treze léguas”.
159
A pesca era
praticada por todos, mas em jangadas “que só admitem dois pescadores; estes, apesar de
trabalharem nas roças, no bom tempo vão buscar o peixe para o sustento das famílias”.
160
Afirmavam que a saída de homens para “cumprir esse dever”, mesmo recebendo o pecúlio,
implicaria um prejuízo muito grande para as famílias, pois os moradores obtinham alguma
renda pela venda de gêneros alimentícios e madeira aos comerciantes de Ilhéus.
Existiam, igualmente, os alistamentos de recrutas para compor os exércitos do
governo, uma prática de abuso por parte das autoridades responsáveis e reveladoras da
discriminação da sociedade em relação aos índios. Os vereadores denunciaram a
arbitrariedade do Tenente Coronel Manoel Ferreira Álvares da Silva, do Batalhão da Comarca
de Ilhéus, responsável pelo alistamento militar em Olivença. Reclamaram que este tenente:
mandando escoltas de sua tropa para prender alguns habitantes desta Vila, e
nela casados com as naturais e pensionados de famílias muito antes que se
fizesse aquele alistamento, cujos motivos tem dado ocasião a que alguns
naturais se tenham retirado com suas família para vários lugares, e para o
centro para se segurarem contra a fama que o dito tem feito espargir de que em
breve tempo se fará Senhor e Governador desta vila pelo Comando militar [...]
este dito obrigou o alistamento do vereador Leandro dos Santos Silva (casado
com uma índia a dezenove, vinte anos) e do secretario (nascido e criado) [...]
estes fugiram, se esconderam e o tenente montou busca cercando a casa do
mesmo com mais de vinte soldados para prender.
161
Denunciaram, também, que,
o Capitão mor já está cego [de verdade] e quase caduco, sem condições de
impedir o despotismo praticado pelas autoridades de Ilhéus com os pacíficos
moradores desta que lá vão tratar de seus negócios pois devemos Ter em
consideração que o capitão mor daquela Vila todas as vezes que lhes he
pedido recrutas, espera pelas miseráreis vitimas para preencher o numero
pedido.
162
Assim, percebe-se que os recrutamentos eram forçados, mesmo sob a aura da lei que
proibia tal prática e tornava obrigatório o pagamento de pecúlio. O problema maior revelado
159
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara
a Marinha, 6 de novembro, 1824.
160
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara
a Marinha, 24 de novembro, 1825.
161
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
18 de abril, 1830.
162
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Denúncia
discutida, votada e encaminhada a Província, 1830.
80
na denúncia era a utilização dos índios como soldados rasos, que, discriminados e recebendo
muito pouco, ficavam impedidos de alcançar patentes de oficiais. Esta discriminação motivou
uma viagem dos representantes da Câmara até a Capital, em 1841, para denunciar e pedir
esclarecimentos às autoridades, quanto a:
ter-se criado nesta Vila uma Companhia de Guardas Nacionais e não terem
preferência nos habitantes dela para os Oficiais mais sim os habitantes da V.
dos Ilhéus, de onde proveio bastante descontentamento nos índios assim
governado por pessoas daquele Distrito enquanto que as pessoas da nação
Indiana todas são de boas condutas e representantes [...].
163
É conhecido e declarado nos documentos apresentados que os índios serviam como
número para compor os alistamentos, inclusive para a Guerra do Paraguai, quando muitas
famílias de Ilhéus fizeram campanhas para sustentar os familiares dos índios que se alistaram
no lugar de seus filhos. Porém, é importante ressaltar que os índios não aceitavam
passivamente tais situações como demonstraram os vereadores e índios de Olivença.
Outro aspecto a ser ressaltado é o reforço da identificação étnica dos moradores de
Olivença revelado nestes documentos, que apontam, tanto os interesses dos vereadores e
diretores, como também as possibilidades de alianças e negociações entre índios e não-índios.
Essas negociações envolviam, inclusive, a manipulação da identidade étnica aludida no caso
do vereador Leandro ter sido recrutado por sua identificação como indígena. Tal fato sugere
que o vereador fora incorporado à comunidade indígena pelo matrimônio, contraído a mais de
dezenove anos com uma índia do lugar. Essa condição de membro da comunidade permitia a
manipulação da identificação étnica, tanto pelo vereador como pelas autoridades denunciadas,
de acordo com o contexto e os interesses do momento. Por outro lado, os vereadores também
utilizaram essa mesma identificação étnica como justificativa na denúncia feita contra a
arbitrariedade do tenente de Ilhéus em relação aos vereadores e aos demais índios.
163
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
11 de maio, 1841. São os seguintes vereadores que viajaram para a Capital, Rio de Janeiro: João Marques Dias
secretario, Basílio Gomes Coelho e Alexandre Romão de Castro.
81
O controle da mão-de-obra indígena
O trabalho coletivo desenvolvido pelos índios era parte fundamental para a
caracterização da vila como um espaço indígena. Desde o tempo do aldeamento, os jesuítas
mantinham oficinas de artesanato e roças coletivas de onde retiravam o sustento. Os padres
administravam essas unidades, repartindo os trabalhadores, vendendo a produção e aplicando
os rendimentos. Ainda em 1877, esses empreendimentos eram comumente chamados como
“fábricas da igreja”. Com a extinção do aldeamento, esse sistema continuou sob a
administração dos diretores e juízes, mantendo as funções de “repartir” a mão-de-obra
indígena aos particulares, bem como de receber e aplicar o rendimento recebido pelo
trabalho, estando na base de diversos conflitos envolvendo diretores, índios e proprietários.
Esses conflitos revelam a complexidade das relações sociais na vila frente às
transformações econômicas e políticas da região. Os índios, cada vez mais integrados à
sociedade nacional, ainda eram “forçados” a desenvolver tarefas impostas por diretores e pela
Câmara. Ao mesmo tempo, essa condição de “tutelados” representava a garantia de alguns
direitos e proteção. Nesse contexto, volta-se a afirmar, formam-se alianças e negociações
entre índios, vereadores e moradores, em geral, para defender direitos e denunciar desmandos
e preconceitos.
Um exemplo da situação referida foi o abaixo-assinado já relatado aqui, em que índios
e não-índios denunciaram e pediram providências contra criadores de gado solto. Essa
acusação foi formalizada pelo requerimento de “Joaquim de Souza, Índio desta Vila”
164
que,
além de pedir providências das autoridades, informava que as plantações mais prejudicadas
eram, aquelas, nas quais a Câmara “manda-os plantar” algodão, café e outros gêneros. O
requerente fez questão de ressaltar sua identidade étnica e a de cidadão atuante, que agia
dentro da legalidade, utilizando os instrumentos do sistema estabelecido. Em fevereiro de
1822, o Diretor informou que o processo fora julgado pelas autoridades da Comarca e que a
sentença foi favorável à retirada dos animais. Entre os denunciados, pelo menos um era
164
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Joaquim de Souza,
índios desta vila em requerimento pedindo providências, [1820], em anexo ao processo e despacho, 6 de
fevereiro, 1822.
82
descendente de índio que desobedeceu a ordem estabelecida, pelo “diretório” ou pela Câmara,
de não criar gado para não prejudicar a agricultura local.
165
Os diretores também foram constantemente denunciados por atitudes despóticas, pela
apropriação de dinheiro do Conselho e até por fornecerem aguardente aos índios. Já foi
registrada a reclamação do Ouvidor Maciel (ver citação no tópico A vila Olivença:
reelaboracões do espaço indígena deste capítulo) quanto à incapacidade de promover
melhoramentos técnicos, afirmando ser a função mal remunerada e pouco atrativa às pessoas
mais habilitadas.
166
Devido a esses reduzidos proventos os diretores acumulavam diferentes
funções como se constatou em Olivença e outras vilas. Em Olivença, os vereadores
depuseram o Diretor José Manoel de Azevedo (1822) que também era o Juiz Ordinário e
secretário da Câmara. Segundo a acusação, quem verdadeiramente assumia o cargo de diretor
era o seu filho que tinha o mesmo nome Os vereadores solicitaram um corregedor para tomar
as providências, declarando que os acusados “abriram o cofre do rendimento do Conselho
para tirar dinheiro pertencente ao Subsídio Literário quando nesta Vila não há imposto.”
167
Após o estabelecimento da tutela orfanológica, os Juizes de Órfãos também se
envolveram nas insinuações de corrupção e exploração dos índios, seja como acusados ou
como denunciantes. Eis um exemplo, ocorrido em 1853:
Tomando em consideração o quanto ter sido extorquido o Direito inviolável
dos cidadãos Índios desta Vila vem por meio desta expor o seguinte: Em tendo
esta Câmara e o digno subdelegado deste município representado no muito
digno e probo Juiz de Órfãos desta e de Olivença o Dr. Francisco Marques dos
Santos o estado [independente?] que se acha esta vila, em razão de não ver o
que existia aqui entre algumas [pessoas?], os traficantes no uso de corte de
madeira de Jacarandá de conivência de um estrangeiro Martins Sellman, tratou
o dito Magistrado em evitar semelhante abuso, com um edital de 30 de abril
do corrente ano, o que já havia versando semelhante abuso da sedição, e já
despovoado os habitantes que andarão expatriado, reunido-se em sua Vila e
tratando do uso antigo dos seus costumes de lavoura. Acontece que agora de
próximo achando-se no exercício o Português João Dias Pereira Guimarães
mandou afixar outro Edital convidando os sedutores, e abrindo as rédias aos
ditos Índios para tornarem ao Antigo estado sem abandono do lugar.
168
165
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. CX. 1373. Câmaras de Olivença,1822.
166
Mott, L. Os índios do sul da Bahia ... , 1986, p. 112.
167
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
25 de maio, 1829.
168
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara.
16 de janeiro, 1854.
83
No conflito aludido, o estrangeiro Martins Sellman foi denunciado e processado por
corte ilegal de madeira dentro dos limites de Olivença utilizando mão-de-obra indígena. Os
vereadores e o Juiz de órfãos solicitaram ao Juiz da Comarca de Ilhéus que julgasse o caso e
sentenciasse os índios a retornarem aos seus trabalhos tradicionais, deixando de trabalhar, por
conta própria, no corte de madeira. Os vereadores enfatizaram o “perigo” de
descaracterização dos índios que, cada vez mais, abandonavam os antigos costumes, os
familiares e o “estado de socialização”, que, segundo eles, caracterizava-se pela vivência em
comunidade, trabalhando nas roças familiares e coletivas da vila de Olivença e em
conformidade com as ordens do Diretor e da Câmara. Os vereadores também alertaram para
o risco de despovoamento do que chamaram “seu [dos índios] local tradicional”.
169
As denúncias são reveladoras da opinião dos vereadores e dos conceitos em relação ao
que consideravam como um ideal - os índios submetidos às ordens das autoridades e
trabalhando nas roças coletivas e de subsistência. Expõem, ao mesmo tempo, o processo de
desestruturação do sistema administrativo misto (diretoria dos índios e Câmara), apesar de
controlado pelos vereadores, se constituía em uma marca da identidade indígena dos
moradores da vila. O juiz, exercendo sua função de tutor, reclamava do “estado de
independência da vila”, onde todos podiam se estabelecer. Essa questão foi objeto de debate
na Câmara, e os vereadores procuram tomar medidas “legais” para impedir que os índios
saíssem da Vila e do controle dos vereadores em busca de trabalho fora, principalmente junto
aos madeireiros que se instalavam nas proximidades. Nesse sentido, o processo judicial
instaurado contra Sellman expôs, tanto a ambigüidade dos vereadores como a condição
estratégica da preservação da identidade indígena da comunidade de Olivença, cada vez mais
inserida na sociedade regional.
170
Diversos interesses de índios, madeireiros e vereadores se encontram nesse conflito.
Provavelmente, encoberto sob o discurso da “proteção dos índios”, os vereadores, todos com
nomes ligados a famílias portuguesas e proprietários de terras em Olivença, estavam
interessados em manter o controle do uso da mão-de-obra indígena para suas propriedades, ou
mesmo, para as terras coletivas da Vila. O depoimento de um morador reforça essa
169
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
11 de agosto, 1854.
170
Souza Filho. O renascer dos povos ... 1998, p. 96-97: Apesar do Regimento das Missões ter revogado a
função do juiz de paz em relação a “tutela” dos índios, manteve a competência destes para julgar, em primeira
instância, as causas que dissessem respeito às questões e bens dos índios.
84
colocação: ele denunciou que os índios eram explorados pelos diretores e que os juízes
desconheciam a realidade sobre a acusação contra Sellman; informou que após a sua chegada,
os índios passaram a ter mais liberdade para alugarem-se “a jornal”, obtendo algum dinheiro
ou tecidos por arroba de madeira que cortavam. Quanto às roças, plantavam no tempo livre
ou deixavam sob o cuidado das mulheres e das crianças. Afirmava, no entanto, que os índios
trabalhavam por vontade própria e desconhecia se o corte da madeira estava restrito às matas
da propriedade adquirida por Sellman e seu sócio ou em matas nacionais.
171
Toda essa
situação revela a complexidade da administração ainda baseada na estrutura mista e da
preservação da identificação indígena, ameaçada pelo risco de despovoamento e obtenção de
novos hábitos de consumo. Tal ocorrência resultaria para os descendentes na perda do direito
original sobre a terra.
A negociação da identidade: conflitos entre elites e moradores
A vila de Olivença foi identificada como indígena durante todo o período colonial e
imperial por ser estratégica a manutenção dessa característica, como já foi demonstrado em
vários episódios. Essa condição favoreceu a formação de uma elite dirigente, formada por
índios, comerciantes e proprietários de terras que se estabeleciam nos arredores ou mesmo
dentro dos limites do antigo aldeamento. Assim, entre as poucas famílias que forneciam os
membros para compor os cargos de vereadores, juizes e diretores está a família Amaral, que
desde 1828, sempre um dos seus membros aparecia como representante dos índios, ocupando
cargos de diretor, juiz ordinário, vereadores, procuradores entre outros.
172
A origem do Coronel mestiço, Manoel Nonato do Amaral, o chefe político de
Olivença no início da República, permite visualizar parte do processo de formação da aqui
chamada “elite dirigente de Olivença”. A ascendência familiar de Manoel Nonato
171
APEB. Fundo da Presidência da Província. Série Agricultura, maço, 4611, Diretoria Geral dos Índios:
PEREIRA, João Dias. Ofício enviado ao Juiz de Direito da Comarca de Ilhéus, com cópia para Casemiro de
Sena Madureira, Diretor Geral dos Índios; Ilhéus em 11 de agosto, 1853.
172
Constata-se pela documentação que sempre um membro da família Amaral está representado na Câmara de
Olivença, inclusive no período republicano, no início do século XX. É interessante registrar que a cacique
Valdelice Tupinambá (2004) é parente da família Amaral.
85
identificada documentalmente, remonta a 1828, quando o primeiro Amaral, Benedito Paes,
aparece na história de Olivença como Juiz Ordinário e presidente da Câmara.
173
Depois
aparece Francisco Rogério do Amaral, talvez seu filho e sobre o qual as fontes expõem
aspectos interessantes: foi eleito vereador em 1832 e Juiz de Paz no quadriênio 1845-49,
quando foi denunciado por acúmulo dos cargos de Juiz e vereador e por não “comparecer aos
avisos quando lhe faz conta”. Na relação dos votantes de 1848, Francisco Rogério contava
com 36 anos e foi o único que se declarou “agricultor”, destacando-se dos demais eleitores
que declararam a profissão de “lavrador”. Ele teve pelo menos três filhos: Raymundo
Nonato, Maximino Francisco e Firmino do Amaral, todos proprietários de fazendas de cacau
na região de Una e Ilhéus. Desses, apenas Raimundo Nonato continuou a carreira política em
Olivença, e os dois outros, notadamente Firmino do Amaral, tornaram-se importantes
membros da facção política da oposição ao poderoso Coronel Domingos Adami, de Ilhéus.
174
O coronel Raymundo Nonato do Amaral, talvez seguindo os passos do pai, elegeu-se
vereador em 1883 assumindo a presidência da Câmara, ou seja, foi o mais votado. No ano de
seu falecimento, 1886, também era vereador e Procurador, com a função de recolher os
impostos municipais. Do casamento com dona Amélia, nasceram dois filhos “legítimos”:
Raimundo, que faleceu aos dezoito anos e Maria Amélia Amaral, única herdeira da riqueza
acumulada pelo pai fora de Olivença - uma grande fazenda de Cacau no local denominado
Cachoeira de Itabuna, além de outros bens e terras na região de Una. De relacionamento
extraconjugal, deixou registrado no testamento Manoel Nonato do Amaral e sua irmã “como
filhos adotivos em Ana de Tal, índia desta vila”.
175
Ter filhos fora do matrimônio era uma prática comum entre os proprietários de terras
e, como ocorreu em Olivença, provavelmente muitos foram os filhos nascidos de relações
não-oficiais com as indígenas. Manoel Nonato e a irmã receberam parte de uma fazenda no
Pasto e duas casas em Olivença, sendo uma de negócio. Esse empreendimento já era
administrado por Manoel Nonato antes do falecimento do pai, e em seu comércio, negociava
173
Cf. Anexo IV: Relação de vereadores e funcionários da Câmara Municipal da Vila Nova de Olivença: 1824-
1879. Benedito Pais Amaral aparece como vereador e presidente da Câmara em 1824, outros Amaral que
assumiram cargos de vereadores: Jerônimo dos Santos do Amaral, 1841 e 1866; Cosme Francisco, 1873-75;
Custódio Francisco, 1877-83.
174
Macêdo, J. & Guerreiro. Sá Barreto... 2001, p. 283.
175
APEB. Seção Judiciária. Inventários e Testamentos. Est, 03. Maço: 1764. Doc. 09, período, 1885-1893:
AMARAL, Raymundo Nonato do. Inventário.
86
diversos gêneros, como: tecidos, alimentos e querosene, além de ser um ponto de referência
para empréstimos, compra e venda de piaçava e outros produtos.
176
A morte do coronel Raymundo Nonato projetou o filho Manoel Nonato do Amaral no
espaço político local. Ele foi citado indiretamente em um documento, assinado por membros
da Câmara da legislatura de 1886, em qual denunciaram uma manobra para evitar a eleição de
um novo vereador para a vaga deixada pelo falecido. O não-comparecimento do Juiz de Paz
impediu a realização das eleições segundo o regulamento, beneficiando Manoel Nonato que
estava assumindo o cargo de Procurador em nome de seu pai.
177
Em outro documento
assinado apenas pelo Presidente da Câmara, Theodósio P. Guimarães, Manoel Nonato foi
denunciado pelo exercício ilegal da função de Procurador e por se recusar prestar contas do
dinheiro arrecadado.
178
Novas referências a Manoel Nonato aparecem no regime republicano, em 1892,
período em que ocupou cargos de delegado, comissário de polícia, intendente de Olivença em
1900-1904. Foi Coronel da Guarda Nacional, título que sempre fazia questão de enfatizar nos
confrontos entre facções políticas.
179
Certamente Manoel Nonato recebeu esse título pela sua
atuação em Olivença, uma vez que, segundo Gomes, com o estabelecimento do Regimento
das Missões, o Diretor-geral tinha autoridade para criar uma ‘diretoria parcial’ e nomear um
‘diretor parcial’ que recebia o título de Tenente-coronel. Os diretores parciais tinham a
prerrogativa de nomear um chefe índio para as aldeias, que recebia o título honorífico de
capitão, às vezes coronel. Esse costume, segundo o autor, teve início em 1733 e vigorou em
várias partes do Brasil por muito tempo.
180
176
APEB. AMARAL, Raymundo Nonato do. Inventário. 1885-1893. Não foi possível descobrir a localidade de
tal fazenda na atualidade. Segundo informações orais, tal fazenda pode ser localizada no Acuípe, próximo ao rio
com o mesmo nome, onde alguns parentes de Manoel Nonato ainda possuem propriedade.
177
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
26 de novembro, 1885. Este ofício contém denúncia dos vereadores, entre os eles o Capitão Cornélio José
Cunha, que ocuparia o cargo de Intendente no período da “Hecatombe”.
178
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
20 de abril, 1886.
Este ofício é assinado apenas pelo presidente da Câmara, Teodósio Pereira da S. Guimarães.
Como estes são os últimos documentos da Câmara de Olivença, não foi possível obter maiores detalhes e os
encaminhamentos relativos à denúncia. APEB. Seção Republicana. Cx. 1771, doc. 1782. Secretaria do Interior.
4ª seção, período, julho/outubro, 1896. Ato: 32. 23 de novembro, 1896
179
Novas referências sobre o Coronel Manoel Nonato do Amaral serão tratadas no terceiro capítulo dessa
dissertação.
180
Gomes, Mércio P. O índio na história... 2002, p. 218-9.
87
Os conflitos e ambigüidades da Câmara de Olivença
A atuação dessa elite, aqui representada pela família Amaral, foi ambígua, uma vez
que tinham interesses diversos e até antagônicos em relação aos índios, como já foi colocado.
Essa elite era composta por portugueses e mestiços, vivendo em dois mundos, podendo ser
excluída em ambos conforme os interesses e posturas adotadas em diferentes contextos. Tal
situação induzia a formação das alianças entre moradores índios e portugueses e a negociação
da identidade étnica. Essa complexidade pode ser visualizada nos conflitos internos existentes
entre as próprias elites e entre elas com os moradores, e nos conflitos externos com os
proprietários que se estabeleciam em número crescente a partir do incremento da atividade
extrativa da madeira e piaçava para exportação (1860). Em todos esses conflitos, a questão da
identidade indígena aparece como foco central ou como estratégia de negociação.
Geralmente, ao encerrar uma legislatura com renovação dos vereadores, ocorriam
denúncias dos abusos e desvios contra o grupo que deixava o poder. As denúncias revelam,
além dos desvios, alguns aspectos do cotidiano, além de interesses, ideologia e a identidade
dos membros dos grupos. Assim, serve como exemplo, a família Castro que se instalou em
Olivença a partir de 1850 e passou a disputar o poder com os Amaral e seus possíveis aliados.
Na legislatura de 1853-1857, único período em que não foi eleito nenhum “Amaral”, os
vereadores acusaram o deplorável estado da vila e dos índios, os quais chamavam também de
“nacionais”, e que no período significava “nascido no lugar”.
[...] andam vagabundo deixando suas mulheres e filhos passando a maior
necessidade e sujeitando-se em serviço particular sem ser útil a si e nem a sua
família: os ditos Indivíduos seduzidos por pessoas mal intencionadas, que são
os que costumam a seduzir os miserável Índios valendo-se das sua jasolências
tem feito com que os ditos Índios não obedeceram as ordem superiores visto
ser publico, coisa esta de não haver o necessário sustento bem como o gênero
da primeira necessidade.
181
Entre outras coisas, a denúncia revela a possível influência do grupo aliado à família
Amaral sobre os índios e, as dificuldades da oposição, no exercício do poder, conseguir
181
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
04 de julho, 1853. Vereadores desta legislatura: Francisco Gomes de Castro (Presidente), João Marques Dias,
Manoel Francisco da Rocha, João E. da Cruz, Antônio Mendes de Castro, Januário Francisco Borges.
88
contornar a situação exposta. Na opinião dos vereadores, os índios se encontravam ainda sob
o domínio do grupo anterior (dos Amaral), que se manteve, por várias gerações, no exercício
do poder local utilizando-se das práticas populistas que resultaram na situação de pobreza, no
desestímulo pelo trabalho familiar nas roças da vila e na desobediência crônica às ordens das
autoridades. Esses fatos, divulgados pelos vereadores em 1853, expuseram também o avanço
da integração dos indígenas como mão-de-obra assalariada, trabalhando para “particulares”,
aparentemente com a conivência dos vereadores e do diretor dos índios local.
A conivência denunciada contra os diretores que fizeram “vista grossa” ao estado de
desestruturação familiar e à exploração do trabalho dos índios “pelas pessoas mal
intencionadas” pode ser resultado do processo de transformações culturais e econômicas, já
referidas anteriormente, e do esgotamento das terras férteis do antigo aldeamento o que, por
conseguinte, provocaria a diminuição da produção de alimentos. Outro fator que deve ser
considerado é a qualidade do solo das terras de Olivença, sendo grande parte imprópria para
cultivos, pois o solo é arenoso e de alta salinidade. Muitos locais estavam ainda cobertos por
vegetação nativa, típica de mata costeira, com potencial extrativista apropriado pelos
madeireiros, comerciantes e índios. Como a terra do aldeamento possuía limites definidos
enquanto a população aumentava, seja pela ampliação da própria família, dos arrendatários e
pela presença de outros ocupantes não-indígenas, todos esses fatores levaram ao acréscimo da
demanda por novos espaços para plantações e à busca de alternativas de obter rendas fora de
Olivença, ou mesmo, como mão-de-obra dos madeireiros.
Outra denúncia interessante feita pelo mesmo grupo foi contra o professor, possível
aliado do grupo dos Amaral, Miguel M. Melgaço (um dos vereadores, reeleito três vezes e
que atuava como escrivão). Denunciaram que ele era, desde 1837 o professor de “primeiras
letras”, mas afirmaram o descumprimento das suas obrigações, “uma vez que nenhum índio
sabe ler ou escrever”. Foi aberto inquérito administrativo pelo governo Provincial, através do
qual se conhece a instigante resposta do professor:
Diz Miguel Marques Melgaço Professor Público de Instrução Primaria desta
Vila que para bem do seu direito precisa que Vsª lhe atentem qual o Professor,
com que aprendeu Francisco Gomes de Castro, hoje Presidente dessa Câmara,
Francisco Bernardo Pinto, Vereador Manoel A. da Maia, secretario e Felipe
Francisco do Rozário, fiscal, e quais as suas nacionalidades!
182
(grifo meu).
182
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Melgaço, Miguel
Marques. Ofício anexo ao Processo, 1853.
89
A aparentemente jocosa imputação da identidade indígena aos denunciantes, que na
resposta admitiram terem sido alunos do professor,
183
chama atenção a confirmação da
identidade indígena dos vereadores. Dentre os citados no documento, apenas Castro sempre
aparecia como português, sendo os demais nomes originados das famílias registradas como de
“nação indígena” no censo de 1805. Portanto, o professor reafirma que eles eram índios e que
aprenderam a ler e escrever com ele, desqualificando a denúncia elaborada pelos seus antigos
alunos.
Também foram contundentes os conflitos entre as elites locais e os proprietários que
se instalam ao sul de Olivença (Una, Canavieiras), como já foi registrado. Com o
desenvolvimento da extração de madeiras e fibras de piaçava voltadas para exportação, os
novos ocupantes esperavam reduzir as restrições aprovadas pelo Código de Posturas e menos
controle sobre os índios, exercidos pelas elites locais através dos diretores e juiz de órfãos e
pela Câmara, a partir de 1867.
Como estratégia, os fazendeiros da povoação de Una passaram, então, a disputar os
cargos de vereadores, revigorando a capela de Santo Antônio da Barra do Rio de Una,
pertencente à freguesia de Nossa Senhora da Escada, criada em 1758, cuja matriz era em
Olivença.
184
A Resolução Provincial de 1856 determinou que os limites eclesiásticos das
freguesias de Canavieiras e Olivença fossem os mesmos que os limites civis das duas
freguesias.
185
Essa condição dava o direito à povoação de Una ter representação na Câmara e
participar das eleições. Caso eleito, o representante deveria participar das sessões ordinárias
realizadas na sede da vila, distante “sete léguas”. Essa distância e a parca ocupação da
localidade certamente haviam impedido ou reduzido, anteriormente, os conflitos e disputas,
186
realidade que começou mudar em 1869, quando os novos e antigos fazendeiros reivindicaram
a transferência da sede da Câmara de Olivença para Una:
183
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Castro, Francisco
Gomes de e outros. Ofício da Câmara, 26 de agosto, 1853.
184
Cf. Freire, F. História territorial... p. 263: “A lei de 28 de julho de 1880 revogou a Resolução de 21 de julho
de 1860, continuando a sede da freguesia de N. S. da Escada de Olivença na antiga matriz, e não capela de S.
Antônio da Barra do rio de Una.”
185
APEB. Col. das Leis e Resoluções Provinciais. Resolução provincial nº 593 de 23 de julho, 1856, p. 33.
186
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. CX. 1373. Câmara de Olivença, período, 1824-1886. Denúncia
de irregularidades na eleição, 7 de setembro de 1865; Antônio José da Silva: Justificativa de não
comparecimento às sessões, 1865.
90
na Vila de Olivença aonde funciona a Câmara não há ao menos quem sirva
para Secretario da Câmara e freqüentemente se acha sem ele, ao passo que na
de Freguesia de Una á pessoas suficientes para tal. Dirijo-me a V. S. só para
participar a que acima disse como para pedir autorização para a Câmara
funcionar na Freguesia de Una, aonde a Câmara funcionará sem dificuldade,
andará todo seu expediente em dia e terá empregados de confiança e que
abonem seus empregos.
187
Como se depreende da alegação do vereador do distrito de Una eleito em 1863, tais
justificativas se fundamentavam, além da distância, na falta de pessoas habilitadas para o
exercício das funções da Câmara. É possível inferir que a declarada “falta de pessoas
habilitadas” seja uma referência à “inferioridade intelectual dos índios” para essas funções,
concepção vigente no período e expressa em outras ocasiões. Afinal, proprietários,
madeireiros e fazendeiros certamente não tinham em mente seguirem ordens de uma Câmara
composta por indígenas ou pelo menos identificada como tal. Os vereadores de Olivença
uniram-se contra essa reivindicação dos fazendeiros, declarando que eles eram inimigos
políticos e objetivavam desestabilizar a administração da vila para usurpar os direitos dos
índios. Apesar desses protestos os deputados aprovaram o seguinte:
Fica transferida para a Capela de Santo Antonio da Barra de Una, filial da
Freguesia de N. S. de Olivença a sede da mesma freguesia, assim como
elevada a Matriz e com a invocação que ora tem a referida Capela.
188
Ou seja, Olivença perdeu seu status de freguesia e de sede da Câmara que passou a ser
denominada nos documentos oficiais da seguinte forma: “Paço da Câmara Municipal da Vila
de Olivença na Freguesia de Una”. Os vereadores de Olivença tornaram-se minoria nas
novas legislaturas até 1873, quando outro ato administrativo redefiniu os limites da vila de
Canavieiras que foi elevada à sede de Comarca, incorporando a freguesia de Una como
distrito. Essa nova divisão administrativa gerou incompatibilidade com o fato da sede da
Câmara de Olivença, que pertencia à Comarca de Ilhéus, estar situada na Comarca de
Canavieiras. Os deputados aprovaram, então, o retorno da sede para Olivença em 1874.
189
A atuação dos vereadores, novamente identificados com os grupos que
tradicionalmente se revezavam nos cargos em Olivença, esteve voltada para a reorganização
187
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. CX. 1373. Câmara de Olivença, período, 1824-1886.
Vereadores da Freguesia de Una, 1869.
188
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Acto 1. Lei no 847,
1869.
189
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
25 de junho, 1873. Neste documento informa que a freguesia de Una pertence a Canavieiras pela Resolução n.
1311 de 28 de maio de 1873. Posteriormente, a lei de 19 de agosto de 1880 anexou ao termo de Ilhéus o distrito
de Una, desmembrando do termo de Canavieiras. Cf. Freire, F. História territorial... p. 227.
91
da Câmara. Uma das primeiras medidas adotadas foi à solicitação, via ofício, ao Presidente da
Província, devolução dos arquivos da Câmara que permaneceram sob a posse dos vereadores
de Una. Quando receberam os arquivos, os vereadores de Olivença denunciaram o péssimo
estado dos documentos, estando todos estragados e alguns perdidos. Mencionaram de forma
emblemática que estavam desaparecidos o Código de Posturas e o Decreto que criou a vila e
que confirmava a doação da sesmaria como patrimônio dos índios e descendentes.
190
Essa nova etapa da atuação da Câmara foi marcada pelo controle das atividades
comerciais da madeira e piaçava, aprovando novos artigos do Código de Posturas que
regulamentavam estas atividades na vila. Com relação aos índios, continuaram adotando o
discurso da identificação étnica como forma de manutenção dos direitos dos quais ainda
podiam usufruir. Porém, observa-se uma renovação dos vereadores e a clara perda de
importância da Câmara e da vila como unidade administrativa e econômica, fatores que se
agravaram com desenvolvimento da economia cacaueira e com a Proclamação da República.
190
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
17 de março, 1873.
92
CAPÍTULO III
ALTERAÇÃO DAS ESTRUTURAS POLÍTICAS E
CULTURAIS: UMA VERDADEIRA HECATOMBE EM
OLIVENÇA
Ilhéus e Olivença no início da República
O desenvolvimento da economia cacaueira revelou a estagnação de Olivença frente a
outros locais produtores de cacau, acentuando a conseqüente perda de sua importância política
e econômica, uma vez que as suas terras não eram apropriadas para o cultivo do cacau.
191
Ilhéus, ao contrário, tornou-se o centro da expansão econômica, política e social. Foi
admirável seu crescimento a partir de 1870, tornando-se o principal produtor de cacau,
“produzindo 1,2 milhão de quilos, que representavam 1,4% da renda da província. Vinte anos
depois, em 1890, a produção aumentara para 3,5 milhões de quilos e 21% da renda estadual
provinham das taxas de exportação do cacau”.
192
Segundo Eul-Soo-Pang, em 1900 a região já
fornecia mais da metade da renda do Estado.
191
Silva Campos. Crônicas da Capitania ... 1981, p. 171. B. do Rio de Contas é atualmente o município de
Itacaré.
192
EUL-SOO PANG. Coronelismo e Oligarquias, 1889-1934: A Bahia na Primeira República Brasileira.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 73-74; cf. Mahoni, M. A . The World Cacao Made ... 1996.
93
Os dados demográficos também revelam a tendência de expansão, demonstrado pelo
aumento da população na região do entorno de Olivença, tais como Una e Canavieiras,
visualizada no levantamento feito pelo governo do Estado em 1892. Convém ressaltar que
tais dados devam ser observados com cuidadosa atenção, considerando-se à precariedade das
condições técnicas para a realização das contagens no período. No entanto, tomados em
conjunto com outros fatores, como as reformas políticas-administrativas do novo regime e a
expansão das plantações de cacau, obtêm-se um esboço do perfil da região em que Olivença
estava inserida e, conseqüentemente, de sua posição política, social e econômica nas primeiras
décadas da República.
Estado da Bahia: suas Comarcas, cidades, vilas, Termos e Municípios com suas respectivas
populações.
POPULAÇÃO GERAL COMARCA TERMOS MUNICÍPIOS
1872 1892
% *
c.* Ilhéus Ilhéus 5.682 7.629
40
v. Olivença Olivença 2.132 2.847
15
v. Una Una 2.877 3.850
20
Ilhéus
v. Barra do Rio de Contas Barra do Rio de Contas 3.612 4.844
25
Total 14.303 19.170
c.Canavieiras Canavieiras 3.122 4.185 Canavieiras
1ª Entrância
c. Belmonte Belmonte 4.323 5.790
9.975
Fonte: Secretaria de Governo - 1892
193
* c. = Cidade; v. = Vila; * % sobre o total da Comarca em 1892.
As informações da tabela sugerem a utilização de um mesmo índice (25%) para
projetar a estimativa da evolução populacional no período de vinte anos, entre 1872 e 1892.
Esse fator justifica o mesmo ritmo de crescimento de Olivença e das demais localidades. No
entanto, a tendência de estagnação apontada se depreende a partir do aumento da importância
política de Canavieiras, transformada em sede de Comarca, e da antiga povoação de Una,
elevada à categoria de vila em 1890.
194
A definição dos limites territoriais é outro aspecto a
ser considerado, uma vez que a vila de Olivença permaneceu com a mesma área territorial da
sesmaria destinada como patrimônio aos descendentes indígenas e incrustada entre as
localidades citadas. Esse dado permite inferir que o aumento da ocupação da vila seria
193
APEB – Seção Republicana - Secretaria de Governo. Cx. 2295, ano, 1892. Doc. Assunto: Estado da Bahia:
suas Comarcas, cidades, vilas, Termos e Municípios com suas respectivas populações. Ano: 1892.
194
APEB. Seção republicana. Cx. 1760, est. 065, doc. 1754. Atos do governo, 1890. Acto p. 113: “[...] elevar a
categoria de vila a povoação de Una tendo por limites ao norte, o rio ‘Aqui’ e ao sul, o rio Doce [...]
02/08/1890.”
94
limitado, em parte, pelo controle da posse da terra exercido pelas autoridades locais e pelos
moradores indígenas.
A tendência do crescimento populacional se confirma no levantamento demográfico
realizado vinte anos mais tarde. A população de Ilhéus (município) passou de 7.629 em 1892
conforme a tabela, para 66.694 em 1913, registrando um aumento superior a 87%. Aqui
também cabe a ressalva em relação às divisões territoriais e administrativas: Olivença foi
anexada (1912) como distrito de Ilhéus,
195
que, por outro lado, perdera a povoação de Tabocas
desmembrada para a criação do atual município de Itabuna em 1906.
196
Ressalta-se, porém,
que o crescimento expressivo da população implica apreender todo o processo associado, tais
como: o aumento da pressão e disputa pela terra, por serviços, alimentos e demais materiais
para construções e obras de infraestrutura.
Essa expansão atingiu a população indígena do sul da Bahia, sejam aqueles povos
ainda vivendo nas matas do interior e com pouco contato com a sociedade dominante no
início do século XIX, sejam aqueles em contato mais permanente, como os índios de
Olivença, cada vez mais inseridos no processo de proletarização decorrente da implantação da
monocultura cacaueira. E, segundo Mércio Gomes, como a Constituição republicana de 1891
não tratou especificamente da questão indígena, indiretamente estadualizou a questão ao
“alocar na jurisdição dos estados da federação o controle das terras devolutas, isto é, das terras
que ainda não tinham dono.”
197
Tal medida permite deeduzir que as terras indígenas,
evidentemente, foram assim consideradas, uma vez que pouquíssimas áreas haviam sido
demarcadas. Na Bahia e mais especificamente na região de Ilhéus e Olivença, essa medida
representava a continuidade da abertura de novos espaços para a expansão cacaueira e da
expropriação das terras indígenas, a extinção dos aldeamentos e a descaracterização étnica,
um processo em curso desde a segunda metade da década de 1870.
198
Nas reformas republicanas, portanto, os índios e os demais segmentos populares não
foram considerados e nem favorecidos. Ao contrário, a implantação do regime republicano
195
BMI. Decreto publicado no Diário Oficial do Estado, 28 de junho de 1928,apud. Correio de Ilhéos, Anno III.
N. 316. Terça-feira, 10 de Julho de 1923, p. 01.
196
Mahony, M. A . The world cacau made...1996, 423. Itabuna contava, individualmente, com 20.529
habitantes no período do levantamento.
197
Gomes, Mércio P. O índio na história... 2002, p. 245.
198
Em 1870 o governo provincial havia transferido o poder de decisão sobre os destinos das populações
indígenas e seus territórios às Câmaras Municipais e, posteriormente tal questão foi assumida pelo próprio
governo da Província que alegava falta de verbas para as demarcações.
95
contou com a base social e política do Império, ou seja, priorizando-se as oligarquias locais e
anulando a participação popular, além de derrotar os esforços dessa participação nos anos
seguintes. As tarefas de manutenção da ordem e controle da população tornam-se
responsabilidade dos delegados e dos Estados, que rapidamente aumentaram o efetivo da
polícia militar em substituição da Guarda Nacional. Dentro desse novo contexto, o controle
dos cargos públicos (juiz, delegado, promotores, professores, coletores de impostos,
inspetores de quarteirão entre outros) passou a ser parte constituinte do compromisso
coronelista firmado entre o governo do Estado e as oligarquias municipais.
Com essas reformas, a cidade de Ilhéus tornou-se a sede da Comarca que englobava as
vilas de Olivença, Una e Barra do Rio de Contas. A comarca também era a sede da delegacia
regional, sendo Olivença o 1º distrito do Termo de Ilhéus, no período de 1890-1893, quando
foi suprimido e só restabelecido em 1896. Em cada distrito era estabelecido uma sub-
delegacia, com um subdelegado e mais três suplentes nomeados pelo Secretário ou Chefe da
Polícia do Estado, atendendo a indicação dos chefes políticos, no caso em estudo, do
município Ilhéus. Os municípios se tornaram cenários dos conflitos entre facções
oligárquicas que disputavam o apoio do governo como um meio de se preservarem ou
alcançarem os postos do exercício do poder.
Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei!
A frase acima é uma representação da prática coronelista que vigorou nas primeiras
décadas da República. O novo regime herdou do Império sua base de apoio político, obtido
através do favorecimento das oligarquias locais formadas, basicamente, por latifundiários ex-
escravistas, e também herdou o arcabouço administrativo, como se verifica nas Disposições
Preliminares da Constituição:
Art. 1
o
A Nação brasileira adota como forma de governo, sob o regime
representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889,
e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias,
em Estados Unidos do Brasil.
Art. 2
o
Cada uma das antigas províncias formará um Estado [...].
Sobre os municípios:
96
Art. 68. Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a
autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar
interesse.
199
Portanto, as antigas Províncias tornaram-se os Estados da Federação e os municípios,
unidades administrativas autônomas. Essa autonomia municipal, objeto de intensos debates
políticos, era na prática limitada devido a vários fatores, especialmente, os parcos recursos
financeiros oriundos da arrecadação local. A falta de recursos colocava as municipalidades
em dependência das autoridades estaduais para obter benefícios em obras e serviços, inclusive
a cobertura dos custos da própria eleição, uma vez que a exigência da presença do eleitor na
Junta Eleitoral para depositar o voto, implicava gastos com o transporte dos eleitores.
Essa dependência contribuiu, segundo Leal,
200
para a concretização dos compromissos
coronelista, que se estendiam, desde a esfera Nacional até os municípios, onde se
viabilizavam os acordos com as oligarquias locais. Assim, a reforma republicana que
substituiu as Câmaras das vilas pelo Conselho e instituiu o cargo de chefe do Executivo (na
Bahia Intendente, Prefeito em outros Estados) que passou a centralizar as decisões e a exercer
maior poder na estrutura administrativa e, segundo Eul-Soo Pang, transformaram o município
no “baluarte político-administrativo de um coronel”.
201
Dessa forma, as eleições tornaram-se um elemento importante do compromisso
coronelista, cuja essência era, da parte dos chefes locais, o apoio incondicional aos candidatos
do oficialismo nas eleições estaduais e federais. Como parte do compromisso, as autoridades,
ligadas ao governo estadual davam “carta-branca” ao chefe local em todos os assuntos
relativos ao município, inclusive para a nomeação dos funcionários públicos.
202
As eleições
representaram, então, o foco central dos conflitos entre facções que disputavam o apoio do
governo, o qual, por sua vez, cumprindo sua parte do acordo, fazia vista grossa aos métodos,
lícitos e ilícitos, do candidato da oficialidade a fim de alcançar a vitória. Todo o processo
eleitoral era organizado para permitir essa manipulação.
199
AMARAL, Roberto; BONAVIDES, Paulo. Textos políticos da história do Brasil: Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil. Fev. 1891. Disponível em <http://www.cebela.org.br/txtpolit.htm
>
Acesso em: 04 mar.2003.
200
Leal, V. N. Coronelismo... 1975.
201
EUL-SOO PANG. Coronelismo e Oligarquias, 1889-1934: A Bahia na Primeira República Brasileira.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 31.
202
Leal, V. N. Coronelismo... 1976, p. 50.
97
Essa nova onda de transformações políticas coincidiu, na região, com o aumento da
importância do cacau como alternativa de desenvolvimento econômico e promoveu uma
reordenação das facções políticas que disputavam o apoio do governo estadual. Em Ilhéus,
fortes facções oligárquicas disputavam esse poder, tendo como suporte os descendentes dos
tradicionais proprietários de terras e a importância econômica dos comerciantes. A população
de maneira geral foi preterida nesta disputa e os índios de Olivença cada vez mais alijados dos
poucos instrumentos que permitiam sua participação nas decisões políticas locais. Isso,
porém, não significava atitudes de indiferença frente às transformações e disputas que
envolviam seus direitos e autonomia política, especialmente em relação à expansão do
controle político dos coronéis de Ilhéus.
Em Olivença, o coronel mestiço Manoel Nonato Amaral atuava como o chefe político
local e era ligado ao grupo que representava a oposição ao governo. A legitimação de sua
liderança, pela população de Olivença, explica-se em parte, pela tradição familiar (enquanto
membro da elite dirigente local) e pela possibilidade de manipulação da sua identidade étnica.
Naquele período conturbado e violento, a garantia para o exercício do poder, especialmente
pelos moradores indígenas, estava vinculada a garantia de proteção contra os desmandos dos
coronéis e fazendeiros e pela preservação da posse das terras aos moradores. Portanto, a
autonomia política de Olivença era vista como uma condição de sobrevivência física e social.
Índios, caboclos, jagunços e coronéis se confrontam em Olivença
Uma nota assinada pelo coronel Manoel Nonato do Amaral e publicada no jornal A
Gazeta de Ilhéos,
203
em agosto de 1904, revela as relações políticas entre facções coronelistas
de Ilhéus e Olivença, evidenciando as intrigas e as atitudes para manter o controle do poder.
Os leitores da nota certamente ficaram impressionados ao lerem aquela matéria de duas
203
Silva Campos. Crônica da Capitania... 1981, p. 292: segundo informações do autor, a Gazeta de Ilhéos foi
periódico bisemanal, político e noticioso de propriedade de uma sociedade anônima. Tinha como redator-chefe,
naquele período, o advogado Antônio Pessoa. Foi o primeiro órgão de imprensa que circulou na sede do
município de Ilhéus a partir de 31 de março de 1900. Chegou a ser empastelado em 1901, mas logo voltou a
circular por mais três anos.
98
colunas, publicada na segunda página. Certamente a notícia provocou calorosos debates entre
amigos, correligionários e inimigos políticos do poderoso Coronel Domingos Adami de Sá.
Afinal, o coronel denunciado era chefe político de Ilhéus, membro de família tradicional e
grande proprietária de terras, influente na política baiana e com parentes e amigos ocupando
cargos do executivo, legislativo e judiciário nas esferas estadual e municipal. Esse poderoso
coronel foi chamado pelo autor da nota de “celebre chefete (...) tipo vulgarismo”, revelando
que ele era,
chacoteado em palácio pela sua fraqueza e imbecilidade, pelos seus modos
bajulatórios, pelos seus pedidos constantes de força publica para espaldeirar
os adversários, pelas intrigas contra os oficiais de policia, que não aceitam
os seus pirões e o seu cabresto;
204
Manoel Nonato seguia denunciando que o coronel Adami era “o chefe dominante num
grande município, riquíssimo, porém atrasado, porque alguém come com os filhos e certos
correligionários quase toda renda arrecadada”.
205
Os calorosos debates, comentários e previsões que certamente surgiram nas rodas de
amigos e inimigos do coronel Adami, alvo de tão fragorosa denúncia, também se devem ao
fato de que ele era, na época, o Intendente de Ilhéus. No entanto, sua influência política
remonta ao Império: desde 1880 até 1910 foi um dos coronéis mais poderosos do município
de Ilhéus, chefe de uma oligarquia de base familiar que controlava e se preservava no poder
desde o período colonial.
206
O clã familiar Adami de Sá consolidou-se como um dos maiores latifundiários e
proprietários de escravos do município de Ilhéus, juntamente com outras famílias menos
poderosas, porém aliadas, tais como Homem d´El-Rei e Lavigne, todos representantes locais
do Partido Conservador. A abolição da escravatura e a Proclamação da República não
diminuíram o poder e as riquezas acumuladas. Ao contrário, proporcionou o fortalecimento
da família Sá que aderiu ao “Partido Republicano”, tática também adotada por outros
204
APEB. Seção Judiciária. Série Crimes. Est. 24 cx. 853 - d. 6. Translado crime político, Réo: Amaral, Manoel
Nonato do. Morticínio de Olivença. Período: 1906, anexo I. AMARAL, Manoel Nonato. Notícia, A Gazeta de
Ilhéos, 27 de agosto, 1905. (Anexo como prova de crime de Nonato, p. autos 93v-96v).
205
Idem
206
Mahoni, M. A . The World Cacao Made ... 1996.
99
conservadores para manter os privilégios, como o de indicar seus parentes e aliados aos
cargos e postos públicos.
207
É possível relativizar o teor das acusações de Manoel Nonato pelo fato de a denúncia
ter sido publicada no jornal, cujo redator chefe era um “arquiinimigo” do Coronel Adami, o
ascendente Coronel Antônio Pessoa. Ele, um advogado vindo para Ilhéus de Vitória da
Conquista, em 1898, conquistou riqueza e poder através do exercício da profissão e do
casamento com uma herdeira da rica família Berbert de Castro. Em poucos anos esse
Coronel
208
tornou-se um dos mais influentes líderes da oposição ao “adamismo”, reunindo
simpatizantes e correligionários entre pequenos produtores de cacau, profissionais liberais e
comerciantes. Como membro do Partido Constitucionalista, Antônio Pessoa concorreu à
Intendência de Ilhéus em 1899, saindo vencedor na votação. Chegou a tomar posse do cargo
mesmo sem a oficialização do resultado pelo Senado Estadual, que se pronunciou, anos mais
tarde, dando a vitória e o diploma de eleito ao candidato adamista.
209
A inimizade política é, sem dúvida, um fator importante a ser considerado, porém, o
que certamente tornou a denúncia mais arrasadora deve-se ao fato de o denunciante ter sido o
Coronel Manoel Nonato do Amaral. Esse, um “pardo”, filho de um coronel branco com uma
índia do antigo aldeamento de Nossa Senhora da Escada. Ele não era um grande proprietário,
nem tão rico e poderoso como o Coronel denunciado, ao contrário, era um negociante e
proprietário de uma casa residencial e de comércio, além de alguma terra em Olivença.
Provavelmente, como sucessor de seu pai, herdara o título de coronel além da estima e do
respeito, por parte dos moradores, pelo seu poder e liderança exercidos ao longo da trajetória
e envolvimento na política local.
Manoel Nonato do Amaral foi um membro da elite dirigente de Olivença desde 1886,
quando assumiu o cargo de procurador em nome de seu finado pai.
210
Segundo sua própria
informação, foi Coronel da Guarda Nacional, título que se orgulhava em manter mesmo
207
Ribeiro, A . Família, poder .... 2001, p.58-71. Sobre os coronéis da Região Cacaueira, ver também: Mahoni,
M. A . The World Cacao Made ... 1996.
208
Ainda não foi possível identificar qual a origem do título de Coronel de Antônio Pessoa, porém, toda a
literatura regional assim o denomina.
209
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 297-8.
210
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. Cx. 1373. Câmara de Olivença, 1824-1886. Ofício da Câmara,
26 de novembro, 1885. Este ofício contém denúncia dos vereadores, entre os eles o Capitão Cornélio José
Cunha, que ocuparia o cargo de Intendente no período da “Hecatombe”.
100
depois da República.
211
Em 1892 foi nomeado subdelegado de Olivença,
212
permanecendo no
cargo até 1893, quando foi suprimido o Comissariado de Olivença e só restabelecido em
1898
213
com a nomeação de novos personagens, entre os quais não consta o seu nome.
214
Manoel Nonato reaparece no ano de 1896 como Presidente da Junta de Revista de
Alistamento Militar no distrito de Olivença, encarregada do alistamento para o serviço do
Exército na Companhia de Ilhéus.
215
Ocupou novamente o cargo de comissário de polícia
local em 1900, sob a proteção do então Secretário de Segurança Pública do Estado.
Além dos cargos citados, foi também Intendente de Olivença no período de 1900-
1903, quando ocorreram novas eleições. Encerrando esse mandato, ocupou o cargo de Juiz de
Paz para o qual foi aprovado na referida eleição. Portanto, não resta dúvida sobre a influência
de Manoel Nonato na localidade, cuja autoridade representava uma continuidade da atuação
política familiar, aparentemente aceita pela população indígena como uma alternativa para
preservação ou mesmo restabelecimento do status quo, da ordem social e dos direitos
individuais e coletivos em relação à posse da terra, do comércio de gêneros alimentícios e
outros produtos.
Na comentada denúncia, Manoel Nonato apontava o interesse do Coronel Adami, ao
mesmo tempo em que o chamava de fracassado, de que “há mais de 35 anos, militando em
política, ainda não conseguiu firmar aqui [Olivença] a sua influencia, apesar dos grandes
botes que tem dado para apoderar-se desta terra de caboclos”.
216
O coronel acusado deve ter
ficado muito indignado, imaginando-se objeto de chacota pelas costas, pois, como explicar a
petulância do nativo de uma terra de caboclos desafiar um legítimo representante de uma
dinastia de linhagem familiar?!... Afinal, não havia dúvida quanto ao fato de Olivença ser
mesmo um local com população composta por descendentes dos índios do antigo aldeamento
denominado Nossa Senhora da Escada. Esses descendentes ainda representavam a maioria da
população, mantendo a característica indígena da vila e da Câmara Municipal até 1887, e,
211
UESC/CEDOC. Gazeta de Ilhéus. Anno III, Quinta feira, 19 de março de 1903: desordens em Olivença.
212
APEB. Seção Republicana: Cx. 1765. Doc. 1765. 3ª secção. Ato 217, 1º sem. 1892. Atos do Governo,
período, 1892, p. 237.
213
APEB. Seção Republicana. Cx. 1770, doc. 1779, período, 1889-1899. Ato de 19 de abril, 1898.
214
APEB. Seção Republicana. Cx. 1771, doc. 1783. 1ª secção. Período, 1889-1899. Ato de 19 de abril, 1898.
215
APEB. Seção Republicana. Cx. 1771, doc. 1782. Secretaria do Interior. 4ª seção, período, julho/outubro,
1896. Ato: 32. 23 de novembro, 1896.
216
APEB. Translado crime político, 1906. Anexo I. AMARAL, Manoel Nonato. Notícia, A Gazeta de Ilhéos, 27
de agosto, 1905.
101
seguramente, também formavam a maioria em 1904. Essa resistência os torna excepcionais
sobreviventes culturais de três administrações: a colonial, a imperial e a republicana.
O significado da advertência de Manoel Nonato contra a intenção do Coronel Adami
de pôr fim ao domínio dos caboclos em Olivença, expressa na afirmativa: “vai ter de me
matar primeiro [...] muito sangue inocente vai correr” representa muito mais do que a ameaça
concretizada naquela noite de dezembro. Revela, tanto a prática coronelista de apoderar-se da
intendência municipal colocando no cargo um fiel aliado, como a existência de uma
população disposta a derramar sangue para defender a autonomia política de Olivença. E
esses moradores eram identificados pela alcunha de “caboclos”, o que representava uma
construção social balizada pela identificação étnica definida pela ascendência indígena, por
uma história comum de massacres, exploração, discriminação e de resistência, adaptações e
reelaboração cultural e étnica.
Segundo Manoel Nonato, o Coronel Adami designou, então, para Olivença,
o analfabeto Paulino, tipo reles, desengonçado, clavinoteiro de profissão,
conhecido assassino, com o fim de matar-me, e apoderar-se deste
município, que ainda não teve força para suprimir, e tornar uma
dependência de seu feudo.
217
O ex-intendente de Olivença, Manoel Nonato (1899-1903) tinha motivos para cercar-
se de precauções, uma vez que já fora vítima de complô para desestabilizar sua autoridade.
Fora arbitrariamente preso em março de 1903, quando era o Intendente, em cumprimento a
mandado de prisão expedido pelo delegado regional Dr. José Pereira de Almeida. O motivo
alegado pelo delegado foi o “hábito” de Manoel Nonato, “de tocar para fora de Olivença os
seus inimigos, ou mesmos simples desafetos”.
218
Os partidários de Nonato obtiveram Habeas
Corpus alegando que a prisão fora motivada por ter este votado contra a chapa oficial nas
eleições federais.
219
Enquanto esteve preso na vila, “achava-se esta localidade ocupada por
numerosa força que, numa arruaça ocorrida na véspera, baleara e espancara diversos
moradores”.
220
217
APEB. Translado crime político, 1906. Anexo I. AMARAL, Manoel Nonato. Notícia, A Gazeta de Ilhéos, 27
de agosto, 1905.
218
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 295-6.
219
UESC/CEDOC. Desordens em Olivença. Gazeta de Ilhéus. Ano III, Quinta feira, 19 de março de 1903.
220
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 295-6.
102
Na nota publicada e aqui comentada, Manoel Nonato relatou a ocorrência do processo
eleitoral: dois candidatos se inscreveram para a disputa, mas apenas o Capitão Cornélio José
Cunha obteve votos, uma vez que o outro candidato, o Capitão Paulino José Ribeiro, estava
fora de Olivença, respondendo Júri de crime de morte em Condeúba. Em primeiro de janeiro
de 1904, data da posse dos novos eleitos, o Capitão Cornélio assumiu a Intendência sem
nenhuma contestação ou outros problemas, contrariando os fortes boatos do retorno de
Paulino para reivindicar o posto. Este silêncio, porém, não representava a desistência dele em
tomar posse da Intendência, tentativa efetivada meses mais tarde, mais precisamente em
dezembro de 1904.
O confronto
Olivença, 22 de dezembro de 1904. A Igreja de Nossa Senhora da Escada serviu de
palco para o acontecimento que chocou a sociedade regional e ficou marcado na memória dos
moradores de Olivença: além das marcas de bala e arrombamento, jaziam aos pés do altar,
sete corpos mutilados e sobrepostos uns aos outros. Esse foi o trágico fim daqueles homens
que, liderado pelo Tenente-Coronel Paulino Ribeiro, invadiu a igreja onde funcionava a sede
da Intendência Municipal. O grupo afirmava ser esta a única forma de tomar posse do cargo
de intendente, que, segundo eles, vinha sendo indevidamente ocupado desde janeiro pelo
Tenente-capitão Cornélio Cunha.
O delegado e o comissário de polícia, logo que chegaram ao local, iniciaram as
investigações e os procedimentos para desvendar o crime e encontrar os responsáveis. Qual o
motivo? Quais os agressores? Quem se beneficiaria com a eliminação do grupo? Qual o
envolvimento da população? Foram algumas perguntas feitas pelas autoridades. Uma semana
depois, o delegado remeteu os Autos do Inquérito para o Juiz de Direito da Comarca de
Ilhéus, contendo os laudos periciais e os depoimentos de treze testemunhas e da viúva de
Paulino.
No inquérito policial, os depoimentos das testemunhas informaram que, na
madrugada, ou mais precisamente às 4 horas da manhã de 21 de dezembro de 1904, talvez
aproveitando o movimento maior da vila devido às festas natalinas, a vítima Paulino José
103
Ribeiro juntamente com doze homens, seguiu do Porto da Lancha até a sede da Vila de
Olivença, distante três quilômetros. Na vila, o grupo espalhou e fixou cópias de edital,
nomeando novos funcionários e comunicando ao povo que estava fazendo uso das atribuições
legais dos cargos de Intendente e membros do Conselho Municipal.
221
Ainda, segundo
depoimentos e laudo pericial, o grupo de Paulino arrombou a porta da igreja, apossando-se do
Consistório (sacristia), local que também funcionava como espaço da administração pública.
Preocupado, o Capitão Cornélio Cunha, então Intendente, enviou logo cedo um telegrama
informando ao delegado Barros, de Ilhéus, sobre a atitude do grupo e alertando “população
alarmada receio funestas conseqüências”.
222
E a população se revoltou de maneira extraordinária. No inquérito, as testemunhas
revelaram ao chefe de polícia de Ilhéus qual o motivo da revolta e do desenrolar dos
acontecimentos: Paulino queria ocupar a Intendência e o povo não aceitava isso. Revoltados,
os próprios caboclos de Olivença arrancaram os editais pregados por Paulino, dizendo que ali
ele não ficaria. O movimento foi crescendo e as pessoas começaram a se aglomerar na praça
em frente à igreja exigindo que Paulino de lá se retirasse. Eram mais de duzentas pessoas
entre moradores e índios residentes no local e nas matas interiores. Entre as poucas pessoas
de fora de Olivença, poderiam estar alguns dos jagunços famosos na época e que foram
indiciados no processo.
223
Ambos os lados estavam armados com facões e armas de fogo. A
esposa de Paulino chegou a pedir ajuda, primeiro ao próprio Cornélio, o qual lhe disse que, se
existisse alguém capaz de ajudar, essa pessoa seria o coronel Manoel Nonato do Amaral. Para
falar com o coronel, ela foi escoltada por Vicente Cândido Penedo, um dos líderes do
movimento. Manoel Nonato aconselhou-a que pedisse a Paulino entregar as armas e se
render, senão nada poderia ser feito: era “a voz do povo” alegava, afirmando não poder calar,
mesmo que quisesse, pois não lhes dariam ouvidos.
O cerco durou mais de 20 horas sem que nada convencesse o grupo de Paulino a
mudar de tática e se entregar e sem que acorresse ao local alguma autoridade policial com
força para debandar a aglomeração. Já noite avançada foi disparado um tiro ferindo um
221
APEB. Translado crime político, Réo: Amaral, Manoel Nonato do. Morticínio de Olivença. Seção Judiciária.
Série Crimes. Est. 24 cx. 853 - d. 6, local, Ilhéus - período - 1906.
222
APEB. Translado crime político, 1906.
223
COSTA, José Pereira da. Terra, suor e sangue: lembranças do passado - História da Região Cacaueira.
Salvador: EGBA, 1995, p. 35, 37, 41. Este autor cita os seguintes nomes de cangaceiros e jagunços que foram
contratados por pessoas e ocasiões diferentes: Prejuízo, Zoada, Jararaca, Cobra Verde, Barba Dura, Bode Preto.
104
“caboclo que passava, tangendo uma vaca”. Esse ato, provavelmente, desencadeou o tiroteio
só silenciado na manhã do dia 22, com a morte de Paulino e outros seis homens.
O processo seguiu uma trajetória construída para provar a culpa e punir os possíveis
criminosos: o Coronel Manoel Nonato do Amaral, o Capitão Cornélio Cunha e mais 27
indiciados. Para incriminá-los, o juiz mandou tomar novos depoimentos das testemunhas já
interrogadas até conseguir formular a culpa, processar e levar os réus à julgamento. Manoel
Nonato foi acusado e preso como mandante e autor intelectual do crime e os demais como
participantes e interessados nas mortes. A principal prova da acusação anexada ao processo
foi a denúncia contra o Coronel Domingos Adami de Sá, de autoria de Manoel Nonato
Amaral, publicada no jornal A Gazeta de Ilhéus e comentada anteriormente.
O processo
A título de informação, seguem resumidamente os trâmites do processo. O inquérito
policial foi concluído em menos de uma semana, sendo os autos (exames de corpo delito,
depoimentos das testemunhas e dos laudos periciais) enviados pelo delegado ao juiz
preparador da culpa. Após novas inquirições e análise pelo promotor, em julho de 1906, foi
formulada judicialmente a acusação contra os réus e expedido um mandado de prisão contra
Manoel Nonato do Amaral que se encontrava fora de Olivença. Preso mais tarde, aguardou o
julgamento na prisão, uma vez que foi indeferido o pedido de Habeas corpus e do recurso,
sob alegação de perda do prazo legal para tais requerimentos. Foram marcadas duas sessões
de júri nos anos de 1907-8, as quais não aconteceram, como se deduz da solicitação de
Manoel Nonato:
Petição de Manoel Nonato Amaral, réu preso, que não tendo podido ser
submetido a julgamento na sessão do Juri convocada para janeiro do corrente
ano [1908] devido a perseguição de seus adversários políticos, que ocultaram
testemunhas neste Termo e na Capital para não serem intimadas [...] requer a
V. Senhoria sem perda de tempo se digne de ordenar que, sem perda de tempo
se passe mandado de notificação a todas as testemunhas indicadas no libelo
105
crime acusatório [...] compareçam próxima sessão do Juri [...] Ilhéus, 04 de
agosto de 1908.
224
Em setembro de 1909, Manoel Nonato requereu novamente a notificação das
testemunhas, justificando que se encontrava preso havia três anos, que não havia sido
realizado o seu julgamento na primeira sessão e que a segunda estava marcada para
novembro. Nesta Sessão, Manoel Nonato foi condenado a 30 anos de prisão e apelou por um
novo júri. O Capitão Cornélio Cunha (o intendente de Olivença) e outros réus foram
absolvidos; a promotoria recorreu por um novo julgamento, afirmando que Cornélio não havia
sido julgado com base nas provas. Um novo júri foi marcado para maio de 1910, no qual, as
sentenças foram confirmadas. Esse Libelo foi anulado, segundo a petição assinada pelos réus
e advogados que consta registrada no processo.
Uma nova sessão foi marcada para abril de 1911. Nessa Sessão, Manoel Nonato pediu
adiamento de seu julgamento e apelou para que tal ocorresse em outra Comarca. Como
justificativa, declarou que seu advogado, o coronel Antônio Pessoa, se encontrava na Capital
do Estado, exercendo mandato de Deputado e não poderia comparecer. O pedido foi deferido
e o julgamento marcado, na Comarca de Canavieiras, para agosto de 1911. Os demais réus
foram a julgamento individual.
225
Quanto às sentenças: considerados inocentes e absolvidos,
os réus, Cornélio Cunha, Alexandrino, Manoel Eusébio, Martinho, Plínio; culpado e
condenado a pena de 30 anos na penitenciária da Capital, Manoel José Santos, que apelou e
foi posteriormente absolvido. Outros indiciados não compareceram para julgamento e foram
beneficiados, em 1946, pela prescrição do processo. Manoel Nonato foi julgado na data
definida, saindo absolvido das acusações.
226
O caso descrito pode ser visto como um exemplo funcionamento da justiça no início
da República. O compromisso coronelista afetava a lisura das instituições públicas, como o
judiciário, no cumprimento do papel de árbitro e mediador nas resoluções dos conflitos
públicos e privados, segundo os princípios de uma sociedade civilizada baseada no modelo
224
APEB. Translado crime político, 1906: AMARAL, Manoel Nonato.
225
O coronel Antônio Pessoa continuou advogado apenas de Manoel Nonato. O novo advogado de defesa de
Cornélio foi Rui Penalva, que, posteriormente, tornou-se um advogado bastante conceituado e Deputado
Estadual em várias legislaturas. O advogado Arthur Afonso de Carvalho atuou na defesa dos outros réus.
226
O júri marcado consta na relação anual do Fórum de Canavieiras, porém, os autos e a sentença não foram
encontrados. Estes documentos se perderam devido a intempéries. Porém, existem informações dos parentes
ainda vivos e de Sá Barreto, que afirmam ter sido absolvido. Ver MACEDO, Janete Ruiz de (coord.) e
FREITAS, Antônio Guerreiro de (org.). Sá Barreto: Testemunhos para a história. Ilhéus: Editus, 2001. (Série
Preservação da Memória Regional).
106
americano e francês.
227
No Brasil, as oligarquias republicanas adaptaram os modelos citados
adotando o Estado centralizado como o árbitro e a garantia da liberdade dos cidadãos, porém
mantendo privado o conteúdo do poder e os instrumentos para seu exercício através do
favorecimento de uma facção oligárquica. Essa facção detinha o privilégio de indicar seus
correligionários aos cargos públicos de delegados, juizes, promotores entre outros. Assim, a
justiça só poderia funcionar com alguma autoridade para os inimigos e pobres que não
estivessem sob a proteção de um poderoso local.
228
Provavelmente, a resolução do caso
descrito se deveu muito mais à inimizade entre as facções do que ao cumprimento do papel do
Estado de arbitrar e mediar os conflitos.
O Coronel Adami tinha ao seu favor a Justiça Pública da Comarca que funcionava no
município sede de Ilhéus. Como aliado do governador, foi dele a influência ou indicação das
pessoas nomeadas para os cargos públicos de delegado, comissário, escrivão da justiça,
promotores e juízes que conduziram o processo. Citando dois casos como exemplo: um
membro da extensa família Sá Bittencourt e Câmara, o Dr. Jorge de Sá, que no início do
processo era suplente do Juiz, mas acabou atuando como titular durante todo o processo, e o
Bacharel João Mangabeira, ligado pelo matrimônio ao clã, atuou como auxiliar de Justiça da
promotoria, acompanhando o processo em nome da viúva e da mãe do falecido Paulino. Esse
fato foi denunciado pela defesa, que solicitou a anulação do processo, declarando que o
envolvimento dessas autoridades com os interessados na condenação dos réus colocava em
dúvida a imparcialidade da justiça. A solicitação foi indeferida.
Os trâmites jurídicos do processo também estão recheados de práticas influenciadas
pela vontade e interesse da facção mais próxima do poder do Estado. Assim, desde a
formação da culpa dos indiciados, o julgamento, os vários recursos apelatórios, a condenação
e a absolvição final dos acusados podem ser medidas pelo grau de poder e influência de uma
determinada facção na política local e estadual. Até mesmo a defesa dos réus que ficou a
cargo do Coronel Antônio Pessoa, o chefe político da oposição local, portanto, fora da esfera
227
CARVALHO, José Murilo de. Federalismo e centralização no império brasileiro: história e argumento,
in, Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 1999, (p. 176-181). O autor
analisa as conclusões do Marques do Uruguai, um político e teórico do Partido Conservador do Império, em
relação ao sistema político da França e América do Norte. Segundo Uruguai, na França o Estado centralizado
era a garantia da liberdade e dos direitos civis através dos benefícios públicos. No sistema Norte Americano, as
liberdades políticas só eram garantidas pelo self-government, ou seja, através do governo local, de acordo com o
pensamento de Tocqueville: “Um país pode ter instituições livres, mas se não tiver o governo local não terá o
espírito da liberdade” (Apud. Pp. 176).
228
Carvalho, M. Federalismo e centralização ... in, Pontos e bordados ... 1999, p. 181.
107
do Governo, foi possível perceber que os correligionários oposicionistas ampararam-os
durante o processo, principalmente nos bastidores da justiça. O desfecho do processo com a
absolvição de Manoel Nonato em 1911, segundo Sá Barreto, deveu-se à intervenção política
do grupo de Antônio Pessoa, quando este assumiu uma cadeira no Senado Estadual em 1910,
período em que a influência adamista já era menor.
229
Crime político: a disputa pelo controle de Olivença
Embora o crime tenha sido caracterizado como crime político, tanto pela defesa como
pela promotoria durante a condução do processo tal característica não foi devidamente
considerada para explicar as mortes, a participação da população e dos indiciados. As
testemunhas respondiam quesitos formulados para comprovar a ligação dos réus com as
mortes. A defesa, por sua vez, apesar de inicialmente tentar caracterizar o crime como ação de
massa, viu-se obrigada a tentar desqualificar as testemunhas ou comprovar a inocência dos
acusados com evasivas diversas.
Era justo que se estendesse o processo a todas as pessoas que tomaram
parte da revolta, da qual resultaram sete mortes e não menor numero de
feridos, digo, de ferimentos por armas de fogo e não apenas a algumas
pessoas, no intuito de encontrar um culpado.
230
(grifos meus).
As pessoas a que o advogado se refere são, além das vítimas, o próprio Coronel
Adami, uma estratégia visando dirigir os debates para o contexto e interesses políticos que
estiveram na base do conflito. Ele acrescentou em sua fala a participação da população de
Olivença, reforçando sua tese de crime de massa, uma vez que “que Paulino era geralmente
odiado em Olivença [...] fosse um homem sério, honesto e que tivesse educação não se
insurgiria contra ele o povo mais manso, mais pacato que conhecemos. A paz de Olivença é
tradicional.”
231
229
Sá Barreto. Depoimento oral. 2001. Ver Macedo, J. e Freitas, A . G. Sá Barreto....2001
230
APEB. Translado crime político, 1906.
231
APEB. Translado crime político, 1906, PESSOA, Antônio. Autos da defesa.
108
A tese da promotoria contrasta com a da defesa quanto à participação dos moradores
de Olivença no evento. O promotor argumenta que tal população, tradicionalmente de paz,
jamais poderia ter participado de um ato que “encheu de pânico e horror os espíritos sensatos
de toda uma população ordeira”.
232
Defende como motivação do crime a crueldade dos
envolvidos que tinham o “hábito” de manter a população obediente e sob seu controle. O
promotor expõe a sua interpretação sobre a causa determinante do conflito: a posse de
Paulino, que segundo ele, chegou ocupar o cargo de intendente na véspera do ocorrido. Sua
posse, portanto, representaria a quebra do domínio de Manoel Nonato e a conseqüente
libertação da população.
O promotor assim descreveu o acontecimento:
Vejamos a luz da razão e do bom senso a causa determinante destes crimes
(...). Em 1903, foram eleitos Intendentes Municipais da Vila de Olivença
Paulino José Ribeiro e o respectivo Conselho de que era presidente o cidadão
Amâncio Bernardes. Por sua vez o partido Pessoísta julgara de bom dever,
concorrer as urnas e considerar como legitimamente eleitos o Cap. Cornélio
José da Cunha e o respectivo Conselho, composto de amigos políticos.
Estando, porém de posse dos respectivos cargos “Paulino” [...] e neles se
conservaram sem oposição até setembro de 1904.
233
(Grifos meus).
A afirmação do promotor contrasta com os depoimentos das testemunhas durante o
inquérito e com a nota publicada por Manoel Nonato, anexada ao processo como a principal
prova da acusação. As testemunhas em nenhum momento informaram que Paulino tivesse
assumido o cargo de Intendente até aquela noite e, esta atitude foi realçada como o principal
motivo de sua morte - “o povo não queria, não aceitava Paulino como intendente.” Também
informaram sobre a presença dos índios e de mais de duzentas pessoas no cerco que antecedeu
as mortes e rasgaram os editais pregados por Paulino. Os depoimentos das testemunhas
corroboram a versão de Manoel Nonato:
[...] se fez eleição nesta Vila, a 18 de fevereiro de 1903 a qual foi publicada na
gazeta de Ilhéus, como foi publicado o edital convocando os eleitores e
dando o resultado da verificação de poderes, etc., votando o eleitorado do
lugar nos seguintes e conhecidos cidadãos, todos aqui residentes e
negociantes, lavradores, artistas, etc., para intendente, capitão Cornélio José
Cunha; para membros do Conselho Municipal, Alberto Navaro Lesa, que é o
presidente, Manoel Alexandre Muniz [e outros]; Para Juizes de Paz: Ten.
232
APEB. Translado crime político, 1906, SANTOS, Adolfho Guimarães dos. Promotor Público da Comarca de
Ilhéus, 8 de janeiro de 1906.
233
APEB. Translado crime político, 1906: Anexo I. AMARAL, Manoel Nonato. Notícia, A Gazeta de Ilhéos, 27
de agosto, 1905.
109
Coronel Manoel Nonato do Amaral, Vicente Candido Penedo, Francisco
Antônio Romão e Manoel Sanches de Magalhães. Eis aí os votados pelo
eleitorado de Olivença, cujos poderes foram reconhecidos pela junta
competente, que diplomou os ditos eleitos,
não havendo o menor protesto, e
não se falando que Paulino, que na ocasião da eleição se achava preso na
Cadeia de Condeúba, serviria de instrumento do Ilmo. Adami, para assaltar no
dia da posse, a 1º de janeiro de 1904, a Intendência, guarnecido por capangas e
praças de policia fornecidas pelo jamais esquecido Cap. Galdino Soares da
Fonseca, outro instrumento passivo do Sr. Adami, o qual depois, teve de
deixar, repelido, como um intruso, pelo povo.
234
(Grifos meus).
Na nota citada, Manoel Nonato expôs os procedimentos legais para a realização da
eleição. A legislação eleitoral republicana conservou a base da Lei Saraiva de 1881,
235
modificando alguns artigos: aboliu a exigência de renda para ser eleitor, reduziu a idade para
21 anos, porém manteve a exclusão do direito de voto para as mulheres e analfabetos.
Segundo Eul Soo Pang,
236
a luta pela vitória eleitoral começava com os registros dos eleitores:
cada município ou comarca
237
organizava três comissões para promover as eleições: a junta de
alistamento, a mesa eleitoral e de apuração. As comissões eram formadas pelo Juiz de Direito
da Comarca, (nomeado pelo governador), um Juiz municipal eleito e por munícipes
escolhidos dentre o eleitorado local. Era uma prática comum dos membros do Conselho e dos
Intendentes em exercício integrar essas juntas, ditando o procedimento e o resultado, como,
por exemplo, alistar apenas aqueles eleitores que votariam no candidato do grupo, incluindo
mortos, analfabetos e pessoas de outros municípios.
238
Realizada a votação e a contagem dos votos, a junta revia os resultados e dava
certificado (diplomas) para todos os candidatos, atestando o número de votos obtidos. Os
candidatos a cargos municipais tinham ainda que submeter os diplomas ao senado estadual
para o escrutínio final. O senado instituía então uma comissão de reconhecimento que
proclamava o vencedor. Até essa proclamação final, cada candidato podia se arvorar como
eleito, podendo inclusive tomar posse e assumir o cargo, caracterizando uma duplicata de
eleitos,
239
como aconteceu nas eleições de 1898, em Ilhéus. A demora da decisão final do
Senado permitiu que o candidato da oposição (coronel Antônio Pessoa), como mais votado
234
APEB. Translado crime político, 1906: Anexo I.
235
Sobre as eleições no período Imperial ver, NICOLAU, Jairo Marconi. História do voto no Brasil. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002; sobre a Lei Saraiva,cf. Leal, V. N. Coronelismo... 1975, p. 10-26 e o Capítulo II
dessa dissertação.
236
Eul-Soo Pang, Coronelismo e Oligarquias... 1979, p. 31-34.
237
Uma comarca formava um distrito judicial que abrangia dois ou mais municípios.
238
UESC/CEDOC. A Gazeta de Ilhéus, Ano I, janeiro de 1903. Segundo uma publicação, o município de
Olivença estava divido em 4 (quatro) seções eleitorais, somando um total de 951 eleitores registrados.
239
Eul-Soo Pang, Coronelismo e Oligarquias... 1979, p. 34.
110
nas urnas ocupasse o cargo de Intendente durante dois anos de mandato, mas sendo obrigado
a renunciar, após a decisão final do Senado, declarando como oficialmente eleitos o outro
candidato e o respectivo Conselho, cujo Presidente era o Coronel Domingos Adami.
240
Portanto, contrastando as informações da nota publicada por Manoel Nonato e dos
depoimentos das testemunhas com a prática eleitoreira e o compromisso coronelista do grupo
do Coronel Domingos Adami com a situação, é possível inferir que, o coronel Paulino,
mesmo não estando presente, tenha obtido alguns votos dos contrários de Manoel Nonato e
que foram publicados no jornal dos aliados do Coronel Adami como resultado das votações.
A possibilidade de Paulino ter recebido votos nas eleições encontra justificativa no
fato dele ter sido nomeado comissário de polícia em Olivença, sob a indicação de Adami,
apontando a projeção de sua candidatura nas eleições de 1903. Tal atitude se depreende
telegrama enviado por Manoel Nonato, publicado no jornal do oposicionista Coronel Antônio
Pessoa: “Em nome do comércio e da lavoura desta terra protesto contra a nomeação de
Paulino José Ribeiro para comissário daqui.”
241
Essa nomeação foi objeto de protestos dos
aliados do então intendente de Olivença, como em: “acaba de ser juramentado no cargo de
comissário de polícia Paulino Ribeiro, criminoso de morte na Comarca de Condeúba, por
capricho do delegado regional contra Manoel Nonato.”
242
E, conforme destacou a defesa,
Paulino era odiado pelos moradores de Olivença que reprovavam seu passado (criminoso),
sua condição de “testa-de-ferro” do coronel Adami e pela sua falta de respeito com a
população local.
243
Outro indício revelador da resolução do coronel Adami em assumir o controle sobre
Olivença pode ser identificado na conivência do governador do Estado, uma vez que a
concretização desse golpe enfraqueceria a oposição. O Coronel Adami foi candidato a
Intendente de Ilhéus, nas eleições de 1903, contra seu “arquiinimigo” e adversário, o Coronel
Antônio Pessoa. Foi, em curto prazo, legitimado no cargo de intendente numa negociação
que envolveu a concessão da Presidência do Conselho ao candidato derrotado. Essa
negociação, consentida pelo governador Dr. José Marcelino, fortaleceu ainda mais o Coronel
Adami e suas ambições expansionistas, a ponto de Manoel Nonato ter enviado um telegrama
240
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 296.
241
UESC/CEDOC. A Gazeta de Ilhéus. Ano I. Seção livre. Quinta-feira, 29 de janeiro de 1903.
242
UESC/CEDOC. A Gazeta de Ilhéus. Ano I. Seção livre. Francisco Pereira. 27 de janeiro de 1903.
243
APEB. Translado crime político, 1906.
111
ao Secretário de Segurança Pública, alertando-o sobre o risco para Olivença, uma vez que
Paulino, apoiado por aquele não fora eleito:
Acaba coronel Adami resolver assalto intendência Olivença dia 1º de
janeiro por jagunços apoiados subcomissário também jagunço sem
profissão. Não houve aqui eleição. Meus adversários não contam com
elemento algum. Eleição única apuração publicada Gazeta de Ilhéus. Plano
assalto trará más conseqüências. Responsabilizo Adami pelo que me
acontecer.
244
A evidente conotação política do evento também referenda a argumentação do juiz ao
dar a sentença condenando o réu Manoel Nonato do Amaral no julgamento realizado em
1909:
está constatado que o morticínio de Olivença não foi obra da revolta justa, de
um povo indignado na repulsa legitima e contumaz de um intruso imprudente
e contumaz (...) ao contrario, foi efeito de sua vontade de chefe popular,
agindo com toda a força de sua ascendência sobre o ânimo desse mesmo povo
habituado, de há muito, a obedecer-lhe cegamente a todos os seus desejos e
dirigido por verdadeiro cabos de guerra.
245
A prelação do juiz é instigante por alguns aspectos que se pretende aprofundar neste
trabalho. Primeiro, ele faz referência a um “povo”, portanto particulariza um grupo social
distinto. Um povo que, segundo ele, tinha um comportamento moldado, domesticado para a
obediência e passividade a tal ponto que seria impossível uma revolta contra desmandos ou
“intrusos” como alegou a defesa. Outro aspecto a ser observado é a sua referência ao acusado
como um “chefe popular” que imobilizava a atitude do povo, utilizando sua ascendência,
como estratégia para mantê-los sob seu domínio. A ascendência indígena a que o juiz se
refere indiretamente, era um fato concreto, tanto biológico como social: herdou da mãe a
descendência indígena e do pai a condição de membro da elite dirigente de Olivença. Estaria
o juiz condenando tal situação e atestando a identidade indígena de Manoel Nonato e do
“povo” de Olivença como uma realidade a ser transformada?
244
AMARAL, Manoel Nonato do. Apud. Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981 p. 297-8.
245
APEB. Translado crime político, 1906.
112
A identificação étnica como alicerce do conflito
A certeza do sucesso da ocupação da intendência se revelada pela falta de tática do
grupo de Paulino, que, passados onze meses e vinte e três dias da posse dos novos eleitos no
pleito de 1903, deslocou-se da localidade do Porto da Lancha até a sede da Vila para ocupar
os postos de Intendente e membros do Conselho Municipal. Essa autoconfiança expôs a
concepção da sociedade dominante em relação a Olivença, encarada pelo coronel Adami e
seus aliados como um desafio menor, cuja sujeição não exigiria grandes investimentos em
armas, homens e estratégias; apenas a determinação de um grupo de correligionários. Era
chegar, tomar posse e tudo estaria consumado em poucas horas.
A pouca reação esperada era do coronel Manoel Nonato do Amaral na condição de
chefe político local, porém julgaram-no enfraquecido, sem o apoio das autoridades estaduais
e, provavelmente, enfraquecido também em nível local, uma vez que a população de Olivença
se encontrava inserida no processo de proletarização em curso na região. Esse processo
acentuava a quebra dos laços de solidariedade grupal, uma vez que exigia o afastamento
periódico de muitos moradores em busca de trabalho como assalariados nas fazendas de
cacau.
A fragilidade econômica, política e cultural de Olivença eram dados concretos no
período, especialmente se comparada às áreas ocupadas onde eram implantadas roças de
cacau. Era conhecida a inviabilidade de produzir cacau no local, o que refreou a intensidade
da expropriação dos antigos moradores, especialmente dos descendentes indígenas, também
identificados como caboclos. As atividades agrícolas de cunho familiar e/ou coletiva para o
sustento eram, cada vez menos importantes, frente ao modelo de desenvolvimento econômico
agro-exportador, baseado na monocultura, com mão-de-obra rural assalariada, ou seja,
despojada das terras como meio de subsistência.
Quanto a etnicidade, as exigências baseavam-se na visibilidade dos sinais
demarcadores da singularidade do grupo em relação à sociedade dominante. A invisibilidade
ou transformações desses sinais era a justificativa para a negação da identidade de grupo
étnico, e para a classificação de seus membros como caboclos ou mestiços integrados à massa
113
da população. Essa integração, porém não representava a conquista da cidadania, pois ainda
eram considerados cidadãos de segunda categoria, uma vez que, ao atualizarem sua cultura
tradicional, segundo a concepção no período, viveriam ainda o estágio de aprendizado e
“assimilação” da mais “evoluída” cultura ocidental.
A crença nessa aparente fragilidade de Olivença e do chefe político local certamente
influenciou na forma grosseira como se desenvolveu a ação: apenas um pequeno grupo
formado por Paulino, os sete membros do Conselho e mais alguns amigos recrutados na
véspera que, logo no início do tiroteio, abandonaram o grupo à própria sorte. Assim, a falta de
algum aparato oficial ou extra-oficial visando desbaratar uma possível mobilização da
população local, condiz com a concepção evidenciada no decorrer do processo: os moradores
como “gente pacífica”, ingênuos, incapazes de cometer qualquer ato violento e sem
motivação para reagir contra o coronel de Ilhéus, uma vez que se encontravam oprimidos pelo
seu chefe político local que impedia o desenvolvimento de Olivença. A certeza da facilidade
da queda do Intendente, Conselho e demais políticos neutralizou a seriedade dos avisos,
boatos e da denúncia publicada no jornal da Oposição, todas interpretadas como bravatas.
Estavam confiantes de que as eventuais denúncias e reclamações dos direitos políticos
encaminhadas ao Tribunal do Estado não implicariam em problemas, devido ao compromisso
coronelista em vigor – o Coronel Adami representava a situação enquanto Manoel Nonato era
ligado à oposição.
Como foi apresentado, porém, a população reagiu contrariando as expectativas dos
coronéis Paulino e Adami. Paulino e o grupo foram eliminados e as testemunhas atestaram a
participação ativa de muitos “índios do local e das matas” afirmando que Paulino “ali não
ficaria”. E, embora a importância desse fato tenha sido relegada no processo, uma estratégia
premeditada visando anular o significado dessa participação, tornou clara a motivação étnica
da reação e obrigou os coronéis a redefinirem toda a estratégia e a mobilizarem os
instrumentos políticos e jurídicos para anular a força política do coronel Manoel Nonato e dos
índios de Olivença.
Deve-se ter em conta que o contexto social do período do evento era marcado pela
violência, fenômeno que acompanhou o processo de desbravamento, ocupação das terras e
implantação das lavouras cacaueiras. O cronista Silva Campos assim caracteriza o período:
“episódios sangrentos, desordens, arruaças, agitações, agressões, atentados de toda a sorte,
114
numa palavra, contra a vida, contra a propriedade, e até contra a consciência do cidadão”.
246
A
violência era generalizada contra os índios, fazendeiros, camponeses com e sem terra, e
praticadas pelas autoridades e por jagunços a mando dos fazendeiros, comerciantes e
políticos. Alguns jagunços se tornaram famosos por seus serviços, feitos, muitas vezes, com
requintes de crueldade, o que aumentava a “fama” adquirida pela valentia e pelo terror que
representavam.
Entre 1900 e 1904 alguns casos de mortes ou atentados a mando dos inimigos e
desafetos servem como ilustração do clima de terror que devia pairar sobre a sociedade da
época: em fevereiro de 1901, agressão ao Coronel Domingos Adami, contada da seguinte
forma: um jagunço contratado para matar o coronel encontrou-o no cais do porto, comprando
peixe. Para não o matar a sangue frio, provocou discussão, pegando um peixe pelo rabo e
batendo no rosto do coronel. Este, surpreendido pelo ataque, desequilibrou-se e caiu,
provocando o ajuntamento de pessoas em seu socorro. Tal imprevisto impossibilitou ao
jagunço concluir o serviço. Já o Coronel Hollenwerger
247
não teve a mesma sorte. Foi
assassinado numa tocaia, por jagunços a serviço do Coronel Gentil de Castro, como informou
um dos homens contratados, Manoel Laureano.
248
Várias outras desordens, promovidas
inclusive contra oficiais da força pública, aconteceram no povoado de Tabocas, atual
município de Itabuna, e no Pontal, (atualmente um bairro de Ilhéus) onde morreram dois
soldados e vários civis saíram feridos; também provocou consternação o assassinato do
engenheiro Agenor Portela Passos e mais três companheiros encarregados de demarcar as
terras.
249
São inúmeros os exemplos de práticas violentas contra índios que habitavam as matas,
expulsos de suas terras a fogo e pela transmissão de doenças virais através da distribuição de
roupas contaminadas. Eram comuns se noticiarem ataques de índios no interior, (no
perímetro que abrangia Macuco, atualmente Buerarema, e a localidade de Conquista). Os
fazendeiros e autoridades locais pediam providências ao governo do Estado no sentido de
“proteger” os colonos contra esses índios, o que representava, para os índios, aprisionamento
e transferências para novos locais, ou mesmo, sua eliminação física.
246
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 291.
247
Este coronel era o líder político do Distrito de Castelo Novo. Cf. Costa, J. P., 1995, p. 21; Silva Campos.
Crônica da capitania ... 1981.
248
Costa, J. P., 1995, p. 21.
249
Silva Campos. Crônica da capitania ... 1981, p. 293-5.
115
Os camponeses e migrantes também foram vítimas da violência. Muitos chegaram
incentivados pela promessa de obterem terras e se tornarem proprietários. Após o primeiro
estágio de desmatamento e o início da roças, eram expulsos por fazendeiros que, utilizando a
prática do “caxixe”,
250
registravam em cartório a posse destas terras, expropriando os pobres e
empurrando-os para o interior ou para o trabalho assalariado nas fazendas de cacau.
No contexto de violência ilustrado, a dimensão do significado ficava por conta da
“importância” social dos personagens envolvidos, ou seja, quanto mais alta a posição social e
econômica, medida pela riqueza, poder político e tradição familiar, maior seria a repercussão
da ocorrência. Assim, geralmente os personagens que se sobressaem são os proprietários de
terras mortos nos conflitos e os jagunços que faziam o serviço. Também para os delegados e
os advogados que se valiam desses artifícios para ampliar seus conhecimentos e adquirir
algum prestígio ou benefício econômico e político, graças ao exercício das providências que o
caso suscitava. Esses aspectos levantados não devem ser menosprezados, inclusive no caso
em estudo, uma vez que, como foram descritos, estão presentes todos os ingredientes dos
crimes motivados por conflitos entre coronéis inimigos.
Assim sendo, cabe explicitar uma definição mais abrangente para o acontecimento
aqui reproduzido como um “evento”, de acordo com a definição de Sahlins, para quem:
um evento não é apenas um acontecimento característico do fenômeno,
mesmo que, enquanto fenômeno, ele tenha forças e razões próprias,
independentes de qualquer sistema simbólico. Um evento transforma-se
naquilo que é dado como interpretação. [...] O evento é a relação entre um
acontecimento e a estrutura (ou estruturas): o fechamento do fenômeno em si
mesmo enquanto valor significativo, ao qual se segue sua eficácia histórica
específica.
251
Ou seja, a “hecatombe de Olivença” não foi apenas mais um acontecimento violento
ocorrido naquele período, nem apenas essa característica deve ser considerada por quem se
propõe encontrar explicações mais completas de um acontecimento histórico. Considerar a
“hecatombe” como um evento evita a redução do seu significado ao fato ocorrido (cerco e
mortes), permitindo a apreensão da relação deste com as estruturas simbólicas e culturais,
250
Mahony, 1996, p. 466: caxixe: termo utilizado no sul da Bahia para descrever o “roubo” de terras, forjando
um documento legal e registrando em um Cartório local, com os suportes dos tabeliões e demais oficiais
responsáveis pela demarcação e registro.
251
Sahlins, M. Ilhas de história. 1999, p. 14-15.
116
como sugere Sahlins, e com as estruturas econômicas, políticas e sociais, que, nesta análise,
adquirem prioridade, levando-se em conta o que essas mesmas estruturas representam para
cada um dos envolvidos e como aí estão posicionados.
Dessa forma, ainda citando Sahlins, “cada acontecimento histórico tem assinaturas
culturais distintas”
252
que se traduziram na ação de cada personagem envolvido na
“hecatombe”: coronéis, índios, Nonato, Paulino e outros, todos dotados de referenciais
culturais e de interesses conjunturais que se relacionavam. Assim sendo, o evento
apresentado teve como sua assinatura, a participação da população indígena (ou cabocla), que
o distinguiu dos demais episódios ocorridos no período na região, não apenas pela violência,
motivação política ou pelos coronéis envolvidos. A referência dos diversos atores durante o
processo aos “caboclos de Olivença” denota uma atribuição significativa à identidade
histórica dos moradores como descendentes dos índios do antigo aldeamento ali implantado
pelos jesuítas.
As transformações vivenciadas pela comunidade de Olivença que eclodiram no
conflito foram parte do processo de descaracterização da identidade étnica dos moradores e da
vila de Olivença como uma terra indígena, e, do que essa vinculação representava como um
lugar atrasado, pobre, de pessoas preguiçosas e arredias. A substituição da denominação de
“índio” pela de “caboclo” também aponta para esse processo, mas revela, além da mestiçagem
oriunda da convivência interétnica, uma possível estratégia de sobrevivência na sociedade
preconceituosa que aquele grupo étnico se encontrava inserido e dependente. Portanto, como
foi apresentado nos dois primeiros capítulos, a trajetória histórica dos índios de Olivença
confirma que, a sua identidade étnica sempre esteve vinculada à noção daquele espaço como
território e, à conquista de uma autonomia política que permitisse sua participação ativa nas
decisões sobre seu próprio destino.
252
Sahlins, M. Ilhas de história. 1999, p. 14-15.
117
CAPÍTULO IV
A DEFINIÇÃO ÉTNICA DOS ÍNDIOS DE OLIVENÇA
Todas as formas de identidade colectiva reconhecida [...] são
produto de uma longa e lenta elaboração colectiva: não sendo
completamente artificial, sem o que a operação de constituição
não teria sucesso, cada um destes corpos de representação que
justificam a existência de corpos representados, dotados de
uma identidade social, conhecida e reconhecida, existe por
todo um conjunto de instituições que são tantas outras
invenções históricas [...].
253
A citação que inicia este capítulo reflete o esforço desenvolvido, neste trabalho,
objetivando compreender a presença dos índios de Olivença no conflito ocorrido em
dezembro de 1904. A sua dissimulação no processo representava uma ambigüidade, pois as
testemunhas afirmaram a presença de índios no decorrer de todo o conflito, enquanto as
autoridades negaram-lhes a identificação étnica, sem negar, porém, a distinção contrastiva
entre as duas forças sociais envolvidas no conflito. De um lado estava o grupo formado pelos
moradores de Olivença, liderados pelo coronel mestiço Manoel Nonato do Amaral; do outro
lado, o grupo que representava os interesses dos setores dominantes da sociedade, mais
especificamente, dos coronéis do cacau.
253
Bourdieu, 1989b, p.156-7. Apud. GRUNEWALD, Rodrigo de Azeredo. Etnogênese e ‘regime de índio’ na
Serra do Uma, in Oliveira, J. P. A viagem da volta ...1999, p. 145-6.
118
Admitia-se, portanto, o fato de que muitos moradores de Olivença eram descendentes
dos índios do antigo aldeamento, todavia, o que as autoridades negavam era que tais
descendentes ainda fossem índios. O próprio Manoel Nonato a eles não se referiu como
índios e sim como caboclos. Afinal, já em 1803, o ouvidor da Comarca de Ilhéus descreveu a
situação dos índios das três vilas sob sua jurisdição (Olivença, Barcelos e São Fidélis) como
civilizados, ou seja, segundo a concepção vigente na época, esses índios já se enquadravam
nos critérios de pertencimento à etnia dominante, pois, se encontravam descaracterizados dos
seus antigos costumes (livres do paganismo e superstições segundo o Ouvidor) e integrados
aos demais moradores: eram cristãos, falavam a língua portuguesa, vestiam-se à moda
ocidental, inclusive casacas, adotavam nomes cristãos e praticavam atividades ligadas ao
comércio e a administração pública.
254
Conforme referência no segundo capítulo, todavia esses índios não se tornaram
membros da etnia dominante, pois nunca deixaram de ser considerados como “índios” e,
certamente, também se consideravam como tais. No passado mais próximo (1904) os
descendentes dos índios de Olivença já pouco se diferenciavam dos demais moradores não-
índios: eram comerciantes, lavradores, empregados domésticos, entre outros, porém, de
maneira semelhante ao discurso dito pelo Ouvidor a um século atrás, os envolvidos no
processo da “hecatombe” distinguiram-se dos indígenas atribuindo-lhes características
preconceituosas, historicamente construídas pelos dominantes, tais como ingenuidade,
ignorância, passividade e incapacidade.
A negação da identidade étnica não foi uma exclusividade daquele período, assim
como a resistência étnica também não. Essa problemática ainda é discutida na atualidade,
especialmente quando muitos grupos indígenas reivindicam a etnicidade e são questionados
por diversos setores sociais, que alegam o alto grau de interação com a sociedade dominante e
a pouca diferenciação cultural. No entanto, assumindo que as identidades coletivas são
produtos da elaboração dos grupos, portanto, suscetíveis a mudanças, transformações e
atualizações pela própria história, em relação a Olivença, tentou-se resgatar alguns aspectos
nos capítulos anteriores. Nesse sentido, este capítulo se volta para a compreensão da
identidade étnica reelaborada pelos índios e/ou caboclos, estabelecendo um diálogo entre os
254
Ofício do Ouvidor da Comarca dos Ilhéus Domingos Ferreira Maciel para o Governador da Bahia, sobre os
Índios da sua Comarca. Cairú, 16 de outubro de 1803, op. cit. na dissertação.
119
conceitos teóricos, envolvendo a etnicidade, com a experiência vivida pelos diversos atores
sociais, no espaço construído e denominado como Olivença. E conforme o alerta de Pacheco
de Oliveira, não se pretendeu encontrar uma continuidade histórica, e sim, “mostrar como este
grupo refabricou constantemente sua unidade e diferença em face de outros grupos com os
quais esteve em interação”.
255
CONCEITUANDO ETNICIDADE
A trajetória histórica dos índios de Olivença coloca em questão os conceitos de
identidade e cultura que interpretam as sociedades, indígenas ou não, como rígidas e fechadas,
puras em sua origem, sem contradições e incoerências internas. Também chama atenção para
o alerta de Porto Alegre sobre:
Equívocos das teses evolucionistas (tanto de direita quanto de esquerda) que
julgam que o colonialismo, o nacionalismo e os avanços do capitalismo
conduzem necessariamente à homogeneização, à perda da identidade grupal e
à dissolução das culturas das minorias étnicas locais, engolfadas
irremediavelmente pelos tentáculos da cultura dominante 'universal’
256
Portanto, é preciso adotar uma perspectiva sobre cultura e identidade que permitam
novas interpretações, e parafraseando Porto Alegre, (1999), admitir novos padrões sociais que
podem ser construídos e reconstruídos, manipulados e redefinidos, mas que definem e
estabelecem fronteiras étnicas e a representação política da diferença. Vale ressaltar que os
índios e Olivença (assim como outros) enfrentaram diversas políticas de etnocídio
empreendidas pela sociedade dominante, que resultaram em conflitos internos e externos e na
necessidade de negociação, reelaboração e adaptações culturais.
A teoria de Fredrick Barth sobre fronteira étnica permitiu quebrar o engessamento da
identificação étnica com os aspectos culturais, principalmente como as definidas pelos
teóricos essencilistas ou evolucionistas. A partir desse referencial, é possível afirmar e
255
Oliveira, J. P. Instrumentos de bordo .... In, Indigenismo e territorialização ... 1998, p. 278.
256
Porto Alegre, M. S. 1999, p. 42.
120
compreender os moradores que participaram do evento denominado “hecatombe de Olivença”
como um grupo étnico, apesar da negação do juiz, promotores e outros atores durante o
processo. Barth criticou a definição antropológica tradicional de grupo étnico que designa
uma população que:
1. Perpetua-se biologicamente de modo amplo.
2. Compartilha valores culturais fundamentais, realizados em patente unidade
nas formas culturais,
3. Constitui um campo de comunicação e interesse,
4. Possui um grupo de membros que se identifica e é identificado por outros
como se constituísse uma categoria diferençável de outras categorias do
mesmo tipo.
257
A contestação do autor não recai na substância dessas características, e sim, no fato de
que tal formulação impede o entendimento do fenômeno dos grupos étnicos e de seu lugar na
sociedade e na cultura humana, uma vez que esse modelo ideal “implica um ponto de vista
preconcebido a respeito dos fatores significativos quanto à gênese, estrutura e função de tais
grupos”.
258
Implica também, segundo o autor, assumir que a existência do grupo étnico
decorre do isolamento, e que as fronteiras étnicas se caracterizam como diferença racial e
cultural, separação social, barreiras lingüísticas e hostilidade.
Essa constatação de Barth se coaduna com a situação histórica dos índios de Olivença
demonstrada neste trabalho. Mesmo antes da chegada dos colonizadores os povos nativos já
estabeleciam contatos amigáveis ou não, considerando-se a imensa diversidade cultural
existente nas terras que foram convencionadas como a Capitania de São Jorge dos Ilhéus.
Com a ocupação e colonização, o relacionamento entre povos nativos e destes com o novo
grupo dos colonizadores, que se estabeleceram como etnia dominante, foi intensificado e
transformado para atender os interesses do novo grupo. Outro fator que impede a
compreensão da existência do grupo étnico de Olivença a partir do isolamento deve-se à
reorganização de grupos diversos no aldeamento jesuítico, provocando toda uma série de
conflitos internos e externos e as conseqüentes reelaboracões e adaptações políticas e
culturais. Além do mais, a questão do isolamento já é uma concepção superada pelos
estudiosos, visto que a diversidade étnica e cultural só tem sentido, ou mesmo se estabelece na
relação com o “outro”, com o diferente.
257
Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade ... 1998, p 189-190.
258
Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade ... 1998, p. 190.
121
Porque nenhum grupo vive como em uma ilha, não se pode atribuir ao fator biológico
a perpetuação do grupo, uma vez que esse critério pressupõe a existência de uma cultura ou
um núcleo de origem estático, imutável. Essa concepção foi adotada em diversos graus de
importância pelas correntes primordialista e essencialista, que tinham base na teoria
evolucionista concebida pelas Ciências Sociais e que fundamentaram as teorias racistas e
muitos preconceitos.
Marx Weber ultrapassou essa problemática ao analisar etnicidade como parte do
processo de formação de grupos em ação política cujos grupos ou membros se distinguem
pela crença numa etnicidade comum. Segundo Carvalho, “a distinção que ele [Weber]
estabelece entre raça e etnicidade liberta a consciência étnica do jugo de uma herança
biológica”
259
, o que pressupõe também a possibilidade de considerar que o processo de
mudança cultural não implica a eliminação dessa crença.
A crença no parentesco de origem – sendo indiferente que seja fundamentada
ou não – pode ter conseqüências importantes especialmente para a formação
da comunidade política. Chamaremos de ‘grupos étnicos’ àqueles grupos
humanos que, fundamentados na semelhança do tipo físico e dos costumes, ou
em ambos, ou em memórias da colonização e migração, abrigam uma crença
subjetiva em uma procedência comum, de tal sorte que a crença é importante
para a ampliação das comunidades [...].
260
Barth segue o ponto de vista de Weber, porém atribui maior relevância à organização
étnica. O autor acentua como inadequado definir um grupo ou pessoas como membros de um
grupo étnico, apenas enfatizando o critério cultural, (o segundo critério da definição
tradicional). Ele alerta para o fato de que, geralmente, esse enfoque recai nas diferenças que
podem ser inventariadas, tais como a língua, a religião, os rituais e outros costumes e
tradições manifestadas. Essa inadequação se deve, principalmente, ao fato de que as
manifestações culturais citadas são determinadas por vários fatores, entre os quais os
ecológicos, a própria organização social dos grupos, as relações interétnicas, incluindo-se aí
as diversas formas de transmissão cultural interna e externa. Para o autor, a partilha de uma
cultura comum é conseqüência da organização do grupo, ao invés de uma característica
primária e definicional.
261
259
CARVALHO, M. R. Identidade étnica .... 1989, p. 11.
260
Weber, 1977, p. 318, apud, Carvalho, M. R. Identidade étnica ... 1989, p. 11.
261
Carvalho, M. R. Identidade étnica ... 1989, p. 12.
122
A partir do conceito de Barth, os estudos e definições envolvendo etnicidade puderam
desenvolver-se com maior abrangência, acompanhando a tendência de perceber a cultura
também como historicamente construída e, portanto, dinâmica e mutável. Nesse ponto,
tomou-se a definição de Manuela Carneiro Cunha,
262
que assegura a etnicidade como uma
categoria nativa utilizada por agentes sociais para os quais é significativa e não como uma
categoria analítica como defende Barth, ou seja, ainda que, segundo a autora, a etnicidade seja
mais bem entendida como uma forma de organização política, o que a difere de outras formas
de definições dos grupos é a invocação de uma origem e uma cultura comum.
Essa cultura compartilhada seria uma categoria irredutível, embora Manuela C. Cunha
alerte que isto não representa um retorno às definições essencialistas e da cultura como
ahistórica. Ao contrário, a cultura é transformada, reelaborada e até perdida em muitos de
seus aspectos, porém, essas transformações são parte do processo histórico vivido pelos
grupos étnicos sob diversos contextos. Segundo a autora, “os indivíduos, como os grupos
sociais, são ou cessam de ser, conforme o lugar e o momento, membros de tal ou qual
etnia”,
263
o que coloca a possibilidade de reaprender práticas, costumes e outras linguagens
que se constituirão em sinais demarcadores da diversidade cultural e étnica. Os grupos podem
retomar práticas e valores de afirmação étnica devido à possibilidade de escolha e de
reelaboração, uma vez que tais traços distintivos são arbitrários e plausíveis de ser
manipulados. Por exemplo, a língua pode ser reaprendida, mesmo fragmentada, assim como
a prática das pinturas corporais, as danças rituais entre outros. Os sinais da etnicidade
atualizados podem, em determinados contextos, ficar latentes ou até esquecidos, podendo ser
retomados pelo grupo nos momentos em que se impõe a necessidade de realçar as fronteiras
étnicas.
Identificação étnica: quem tem o poder de nomear?
Considerando um grupo étnico como um grupo social que se “distingue” dos demais
pela crença e partilha de uma origem e cultura comuns, torna-se fundamental analisar a
262
Cunha, M. C. Etnicidade ... In Carvalho, M. R. Identidade étnica ... 1989, p. 52-53.
263
Carvalho, M. R. Identidade étnica ... 1989, p. 14.
123
questão do pertencimento étnico. Barth
264
coloca a ênfase na característica da auto-atribuição
ou da atribuição por outros a uma categoria étnica como principal critério definidor do
pertencimento étnico, tese reforçada por Cunha e pelos antropólogos interacionistas que
definem a identidade em termos de adscrição: “assim, é índio que se considera e é
considerado índio”.
265
De maneira sucinta, a definição antropológica que parece mais pertinente neste
trabalho pressupõe que a identidade se nutre da razão simbólica e tem duas dimensões: a
pessoal e a social. Segundo a definição de Brandão, a identidade ou identidades é o
reconhecimento social da diferença, uma vez que se constituem representações marcadas pelo
confronto com o outro em situações de contato em que se está obrigado a se opor, a dominar
ou ser dominado, a ser mais ou menos livre.
266
Conforme acrescentou Cardoso de Oliveira, a
“identidade contrastiva” torna-se a essência da identificação étnica [...]. Implica a afirmação
do nós diante dos outros”,
267
que se manifesta por oposição, não se afirmando, portanto,
isoladamente. A peculiaridade da situação que engendra a identidade étnica segundo o autor,
é o contato interétnico”.
268
A chegada dos colonizadores tornou mais complexas as relações entre os diversos
povos indígenas e, destes com o novo povo, os portugueses, que se estabeleceram como a
etnia dominante. Logo que chegaram, exerceram todo seu poder de nomear, ou seja, dotar de
identidade ao modo europeu, todos referenciais geográficos e humanos do novo espaço
ocupado, numa tentativa de tornar semelhante ao seu universo simbólico e social. Em relação
aos povos nativos, o procedimento adotado foi também bastante simplificador – toda a
diversidade existente foi reduzida à categoria generalizante de “índios”. Portanto, índio é
“uma categoria criada pelos europeus num contexto histórico específico de conquista e
colonização para designar uma imensa variedade de grupos etnolinguísticos que habitavam as
mais diversas regiões do nosso extenso continente.”
269
264
Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade ... 1998, p.193-194.
265
Idem, Cunha, M., in. Carvalho, M. R. Identidade étnica ... 1989, p. 46.
266
Brandão, 1986, p. 10, 42, 228. Apud, PEREIRA, Cláudio Luiz. Identidade étnica e patrimônio cultural, in
Carvalho, M. R. Identidade étnica ... 1989, p. 30-33.
267
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Identidade, etnia e estrutura social. Brasília: Biblioteca Pioneira de
Ciências Sociais. UFBA, 1976, p. 5; Pereira, C. Identidades... in Carvalho, M. R. Identidade étnica ... 1989, p.
30-33.
268
Idem Oliveira, R. Cardoso de. Identidade, etnia ... 1976, p. 5.
269
Almeida, M. R. C. Metamorfoses indígenas ... 2001, p. 46.
124
Dentro desse novo padrão, as distinções entre os vários povos nativos se estabeleciam
a partir da categoria de índios aliados e índios inimigos, uma polarização construída com base
na dicotomia tupi X tapuia. No desenrolar do processo de colonização, o termo índio passou
a designar os povos aldeados,
270
que, aos poucos, se apropriaram dessa denominação de
maneira contrastiva, para distinguirem-se dos portugueses e dos demais “índios” inimigos,
considerados selvagens, bárbaros, tapuias.
Os índios da Capitania de Ilhéus, logicamente, estavam incluídos nesse processo como
foi apontado no primeiro capítulo. Segundo Poutignat e Streiff-Fenart, de acordo com a
intensidade da dominação de um povo sobre os outros, os dominados podem apropriar-se da
nova nomeação, ressignificando-a ou incorporando-a em seu novo contexto. Esse processo faz
parte do processo histórico de reelaboração cultural estabelecida sob o contexto de relações
interétnicas e em situação de dominação que implica perdas, reelaboracões e absorção de
novos conhecimentos e valores. Assim, como coloca M. R. Celestino de Almeida, a
identidade de índio genérico, inicialmente atribuída pelos colonizadores, foi apropriada pelos
índios aldeados “que souberam utilizá-la para obter vantagens e benefícios que essa condição
lhes proporcionava [...] sendo conseqüentemente a mais valorizada por eles no mundo
colonial, o que demonstra reconhecimento e apropriação dos valores do novo mundo onde
atuavam.”
271
Sendo um dos povos que adotaram o aldeamento como alternativa de sobrevivência,
os índios de Olivença demonstraram que, mesmo subjugados, não aceitaram passivamente as
imposições da nova ordem colonial. Os conflitos e queixas dos índios e dos colonizadores
aparecem nos discursos e no comportamento das autoridades em diversos períodos e
contextos. Por exemplo, a inconstância dos índios foi uma reclamação recorrente: os padres
durante o funcionamento do aldeamento reclamavam da dificuldade de catequizar os índios,
que, em qualquer oportunidade, retornavam aos antigos costumes. Os índios, por sua vez,
reclamavam dos padres, denunciando os abusos, o não-cumprimento de suas funções
religiosas, o abandono do lugar e até a ganância do clero. Os diretores e vereadores também
se valiam da alegada inconstância dos índios e alertavam para o perigo do retorno ao
neofitismo, da fuga para as matas, numa clara intenção de preservar suas funções políticas no
270
Monteiro, J. Negros da terra ... 1994, p. 155.
271
Almeida, M. R. C. Metamorfoses indígenas ... 2001, p. 259.
125
local.
272
Essas reações e reclamações demonstram que não foi fácil a tarefa de subjugar e
substituir valores e significados, mesmo utilizando a violência ou meios brandos como foram
implementados pelas autoridades e demais colonizadores.
A denominação genérica de índios, no caso de Olivença, constituiu-se no referencial
para justificar denúncias e as reivindicações de direitos “nativos” e de espaços dentro da
própria estrutura administrativa colonial, inclusive a ocupação de cargos tradicionalmente
destinados aos europeus. Um episódio ilustrativo ocorreu em 1720
273
quando o governo,
atendendo uma reivindicação encaminhada pelos índios do aldeamento Nossa Senhora da
Escada, mandou passar as patentes de Capitão-mor e sargento-mor aos mesmos. Essa
identidade também foi referência para conquistar e garantir direitos oriundos da condição
indígena em outras situações, tais como: a preservação das terras como patrimônio aos
descendentes após a elevação do aldeamento à condição de vila a partir de 1758;
274
quando
denunciaram a discriminação das autoridades de Ilhéus quanto ao preenchimento dos postos
de oficiais da Companhia de Guardas Nacionais,
275
ou no abaixo-assinado contra criadores de
gado solto nas proximidades das roças das famílias indígenas em 1822.
276
Essa identificação globalizante de índio, contudo, era carregada de significados
atribuídos pelos colonizadores a todos os povos nativos, tais como, selvageria, preguiça,
pobreza, ignorância e paganismo. Dessa forma, segundo Poutignat e Streiff-Fenart,
277
como
essa identificação e seus atributos foram impostos pelos outros (exo-definição), o grupo
nomeado pode lutar contra esses significados ou transformá-los invertendo o valor atribuído.
Em Olivença, as diversas fontes consultadas informam a luta dos índios e de alguns
vereadores (em determinadas situações) contra os significados que tal identificação
representava. Esta luta incluiu a manipulação da identidade étnica sob a negação ou
afirmação da etnicidade conforme a situação e interesses em disputa, e a tentativa de inverter
272
CASTRO, Viveiros de. CASTRO, Eduardo Viveiros de. O mármore a murta: sobre a inconstância da
alma selvagem. In Revista de Antropologia. Vol. 35. São Paulo: 1992, p. 21-75. Sobre essa inconstância, o autor
produziu a instigante análise do conflito resultante da confrontação dos valores culturais entre os tupis e os
europeus no início da colonização. Cf. também I capítulo da dissertação.
273
UFBA. Documentos Históricos. Cartas para Bahia. João de Araújo de Azevedo para o Capitão-Mor da
Capitania dos Ilhéus. Volume XLIII. Rio de Janeiro: 1939, p. 343-4. Cf. tópico Um pouco do cotidiano ... II
capítulo desta dissertação.
274
APEB. Seção Colonial e Provincial. Câmaras. CX. 1373. Câmaras de Olivença, 1824-1886. Ofício da
Câmara, 1863.
275
APEB. Câmara de Olivença. Ofício da Câmara, 1841. Ver referências desta questão no 3º capítulo.
276
APEB. Câmaras de Olivença. Ofício da Câmara, 1822. Cf. dissertação.
277
Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade ... 1998, p. 145-147.
126
os valores negativos atribuídos. O fato de muitos índios assumirem cargo na estrutura
colonial, como de Capitão-mor e vereador, ou mesmo, praticarem atividades comerciais e
converterem-se ao catolicismo, também pode representar essa luta contra os significados
pejorativos que a identificação indígena representava. Assim, negar tal identificação pode
representar uma estratégia de sobrevivência ante a sociedade dominante, que Cardoso de
Oliveira
278
assinalou como a manipulação da identidade étnica, ou seja, convém assumir o
termo em determinadas situações e com determinadas significações e negá-lo em outros
contextos, especialmente frente à discriminação histórica que lhes são imputadas.
Caboclo de Olivença: a construção de uma nova nomeação?
A maior flexibilidade de admissão e a conseqüente fluidez das fronteiras étnicas
provocam modificações no significado das atribuições dos outsiders,
279
gerando um desnível
de pertencimento entre os “índios puros” e os “misturados”.
280
Como se verificou em
Olivença, a flexibilização dos critérios de admissão ao grupo étnico contribuiu para
denominar de “caboclos” aos mestiços ou àqueles moradores que já se encontravam
destribalizados. Nesse sentido, caboclo passou a ser assumido como uma nova identidade
(um sinônimo de índio), servindo também, internamente ao grupo, como identificador de um
índice de pertencimento étnico, uma vez que os indivíduos geralmente apresentam alguns
traços físicos informativos da identidade, tais como: fisionomia facial, cor da pele, estatura,
cabelos lisos e longos entre outros. Porém, como os sinais de pertencimento são sempre
probabilísticos, sujeitos à contradição e insuficientes para informar uma identidade, permitem
o controle, em certa medida, de um “Eu étnico” específico.
281
Portanto, um indivíduo
denominado caboclo pode ou não ser identificado e se identificar como membro do grupo
278
Sobre a questão da manipulação da identidade étnica, Cf. Oliveira, R. Cardoso de. Identidade, etnia ... 1976,
p. 09-18; Oliveira, J. P. Indigenismo e territorialização, 1998, p. 283-285.
279
Vocábulo utilizado por que pode representar estrangeiro, pessoas de fora do grupo étnico, estranho.
280
Desníveis de pertencimento étnico: ser um índio puro pode, internamente ao grupo, reivindicar maior respeito
e direitos, enquanto os misturados são visos como menos índios. No entanto, esse desnível não impede que na
coletividade, todos os membros sejam igualmente aceitos e acolhidos. Ver Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da
etnicidade ... 1998, p. 148-149.
281
Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade ... 1998, p. 152.
127
étnico, uma vez que outros índices e critérios devem ser considerados em conjunto pelo
grupo.
Caboclo também representa um “o paradoxo da identidade”, uma definição de Garai
comentada em Poutignat e Streiff-Fenart: considerando que no plano individual, “a identidade
étnica se define simultaneamente pelo que é subjetivamente reivindicado e pelo que é
socialmente atribuído”
282
e, havendo desacordo entre essas duas fontes de definição, como se
pode inferir da situação de Manoel Nonato, o indivíduo que se encontra assimilado vive um
paradoxo de identidade. Ou seja, geralmente não é acolhido pela sociedade que ainda o trata
como um estranho e seu grupo de origem não o reconhece mais como fazendo parte dos seus,
e mesmo, o próprio indivíduo pode não mais se considerar um membro do grupo étnico.
Nesses casos, “caboclo se torna, então, uma identidade afirmativa de mestiço.”
283
A denominação de caboclo, além de outras terminologias que variavam de acordo com
a região e o período, foi utilizada desde o período colonial para designar um segmento
mestiço da população resultante do relacionamento interétnico: índios com branco e índios
com negro. Segundo J. Monteiro,
284
na região paulista essa população mista era chamada por
dois termos: mamelucos e bastardos. A diferença era que os “mamelucos” eram reconhecidos
publicamente pelo pai, enquanto que os “bastardos” não, permanecendo, esses filhos,
vinculados ao segmento indígena da população. No século XVIII, segundo o autor,
mameluco caiu em desuso e o termo bastardo passou a designar, genericamente, qualquer
descendência indígena. O autor cita a ocorrência de outros termos, como “caboclo e curiboca
[que aparecem em 1680] referentes a filhos de união tanto de brancos e índios como entre
africanos e índios.”
285
Essa terminologia apontava para a desintegração da identidade indígena, conforme
Monteiro,
286
uma tendência realçada pelas práticas matrimoniais que, muitas vezes, seguiam a
lógica dos colonos para suprir a mão-de-obra e garantir a posse de terras das aldeias. Nesse
sentido, a Carta Régia de 1696 que regulamentava o regime de administração particular dos
índios em aldeamentos, também proibia expressamente o casamento entre administradores e
282
Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade ... 1998, p. 148-149.
283
Idem
284
Monteiro, J. Negros da terra ... 1994, p. 166-7.
285
Idem, Monteiro, J. Negros da terra ... p. 256 (nota de fim).
286
Ibidem, p. 169.
128
índios aldeados, bem como entre administrados e escravos africanos. Provavelmente esse
decreto funcionou como lei geral para toda a colônia até a implantação do Diretório dos
Índios (1755), quando o casamento interétnico foi legalizado e até incentivado pela Coroa
Portuguesa. Nessa nova política de integração dos índios como súditos, o Alvará registrava o
preconceito existente na sociedade dominante em relação à população mista, pejorativamente
chamada cabocla:
sou servido declarar que os meus vassalos desde reino e da América que
casarem com as índias dela não ficam com infâmia alguma, antes se farão
dignos de real atenção. Outrossim proíbo que os ditos meus vassalos
casados com índias e seus descendentes, sejam tratados com o nome de
caboclos ou outro semelhante que possa ser injurioso. O mesmo se fará
com portuguesas que se casarem com índios.
287
(grifos meus)
A terminologia de caboclo como representação da população de origem mista
aproxima-se do uso tradicional, difundido por Darci Ribeiro, relativo aos povos da Amazônia.
Esse autor discorre sobre o termo “caboclo” como resultante da multiplicação de uma vasta
população de pessoas destribalizadas, que perderam muitos traços culturais indígenas devido
à mestiçagem promovida pela invasão européia. Para o autor, esse processo colonizador
resultou na formação de três classes de gente: a dos índios genéricos (destribalizados,
misturados), a de índios tribais, que continuou resistindo à invasão de seus núcleos de
sobrevivência e a dos caboclos, formada pela população urbanizada, heterogênea, mas que
tinha em comum se comunicar predominantemente através do idioma português e a
capacidade de operar como base de sustentação da ordem colonial.”
288
Assim, conforme
Mércio P. Gomes,
289
o termo caboclo como “sinônimo de índio doméstico” foi largamente
utilizado no Maranhão durante todo o século XIX.
As definições expostas sobre o termo “caboclo” se assemelham à concepção expressa
nos discursos dos atores envolvidos na “hecatombe” . Manoel Nonato,
290
ao nominar os
moradores nativos de Olivença como caboclos (ao invés de índios como atestaram as
testemunhas) associando-os aos que resistiram à invasão, permite inferir os dois sentidos
abordados. Enquanto marca de distinção, o contraste seria entre os índios de Olivença e os
287
Souza Filho. O renascer dos povos ... 1998, p. 55. Sobre a discriminação e proibição de se referir aos índios
como “negros”, ver, Almeida, M. R. C. Metamorfoses indígenas ... 2001, p. 154-155.
288
RIBEIRO, Darci. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
1995, p. 319-320.
289
Gomes, Mércio P. O índio na história ... 2002, p. 202-3.
290
APEB. Translado crime político, 1906. AMARAL, Manoel Nonato. Notícia, A Gazeta de Ilhéos, 27 de
agosto, 1905; anexo ao processo como prova da acusação. Nonato afirma na nota que Olivença era uma “uma
terra de caboclos”, e que “é preciso matar muito caboclo, a começar por mim”.
129
índios que viviam nas matas, muitos ainda sem contato permanente com a sociedade
dominante.
291
Por outro lado, era um fato concreto a existência de um segmento social,
composto por índios, portugueses e mestiços, moradores na sede da vila, que atuou como elite
dirigente, conforme a análise aqui desenvolvida. Manoel Nonato era, no período, um dos
últimos representantes dessa elite em Olivença: membro do seleto grupo que se revezou nos
cargos da Câmara de vereadores até 1877 e, em menor escala, após a reorganização da
Câmara com a separação do distrito de Una e a maior presença de moradores não nativos.
Nesse sentido, a definição de caboclo como identificador da população mestiçada que opera
dentro da esfera urbana como comerciantes, funcionários públicos e ocupando cargos
militares, certamente equivale à condição vivida por Nonato e por outros moradores de
Olivença.
Índio ou caboclo: redefinição da identidade ou dos critérios de
pertencimento ao grupo étnico de olivença?
A mestiçagem de Manoel Nonato revela algumas questões em relação à identificação
étnica dos índios de Olivença, tais como: a necessária reconstrução dos critérios de
pertencimento, o processo de atribuição de uma nova denominação e o conflito resultante
desses dois processos - a dupla socialização com valores opostos, visões de mundo
antagônicas e projetos de inserção social contraditórios. Sendo as definições dos critérios de
pertencimento, em nível exógeno ou endógeno, provenientes de uma relação dialética fazem
291
Ver Costa, J. C., 1995, p.32-33. O autor relata alguns episódios do contato inicial dos imigrantes que
chegavam as terras da região sul da Bahia, no fim do século XIX, vindos do sertão nordestino, especialmente de
Sergipe para “desbravar” e conseqüentemente desalojar os habitantes indígenas Kamacan, Pataxó que ainda não
haviam sido aldeados. Ele conta que chegou nas terras de Ilhéus, em 1897, com parentes e outros imigrantes para
se instalarem na região de Macuco (atual Buerarema), localizada na região interiorana de Olivença. Ao longo da
jornada, encontraram índios “selvagens”, que usavam flechas e demonstravam desconhecer os instrumentos e a
língua dos brancos. Segundo ele, alguns posseiros queriam atirar mas foram impedidos pelo seu pai, que, lançou
mão de uma flauta e começou tocar. A música chamou atenção e acalmou os índios. No caso descrito não
houve massacre, todavia, mais tarde, foram informados da morte de alguns daqueles índios, na região de Itajú.
Os massacres de índios aumentaram na medida que ocorria a expansão das fronteiras para implantação das roças
de cacau, sendo, após a criação do SPI em 1910, instalado um núcleo “protetor” na região de Ilhéus e seu
entorno. Cf. também, POVOS Indígenas no Sul da Bahia. Posto Indígena Caramuru-Paraguaçu (1910-
1967). Museu do Índio – FUNAI, Rio de Janeiro, 2002.
130
parte de um processo dinâmico de constantes redefinições.
292
Esse processo, em Olivença, foi
simplificador, com a atenuação das particularidades. Uma das conseqüências dessa
reelaboração e da simplificação dos critérios de pertencimento, observadas no histórico das
relações interétnicas durante a administração da Câmara de Vereadores da Vila, foi tornar as
fronteiras entre os grupos mais fluídas e com menor visibilidade dos demarcadores étnicos.
Os critérios de admissão na comunidade indígena tornaram-se cada vez mais políticos.
Um membro poderia ser acolhido pelo grupo através do casamento, pela condição de ser
morador antigo e estar submetido às mesmas situações de discriminação e,
fundamentalmente, ter uma atuação identificada com os interesses da comunidade indígena.
Essas transformações não eliminaram as fronteiras étnicas; ao contrário, permitiram a
sobrevivência da comunidade como um grupo étnico, que, mesmo com as perdas culturais e
de muitos demarcadores da identidade, reproduziu-se e enfrentou os conflitos e dificuldade
reelaborando símbolos e critérios mais condizentes com a nova ordem social, econômica e
política impostas.
O alistamento do “vereador Leandro dos Santos Silva, casado há vinte anos com uma
índia, e do secretário da Câmara, nascido e criado em Olivença”
293
serve como ilustração da
situação referida. Os vereadores reivindicaram o pertencimento étnico de acordo com os
critérios em vigor no grupo (nível exógeno) para fundamentar a denúncia contra a violência e
discriminação das autoridades em relação aos moradores de Olivença. Como era uma prática
comum das autoridades e sociedade dominante, preencher as listas de recrutas, primeiro com
índios e só em último caso alistar não-índios, deduz-se que o vereador Leandro foi alistado
por ser identificado com um índio de Olivença, mesmo não sendo um descendente e sim um
membro acolhido pelo casamento interétnico.
A dupla condição de cidadão e de índio (equiparado a de órfão) e a presença crescente
de não-índios foram fatores relevantes para a reconfiguração social e política dos moradores
de Olivença, especialmente a partir da implantação do Diretório (1758) e com a administração
laica da vila.
294
Esses fatores, que foram parte da estratégia de descaracterização étnica dos
índios objetivando a sua integração total na sociedade nacional, desafiaram os índios do
292
Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade ... 1998, p. 148-149.
293
APEB. Câmara de Olivença. Ofício da Câmara, 1829. Cf. nessa dissertação, citação 162, p. 79.
294
Percebida nos documentos dos vereadores no período entre 1823-1888.
131
antigo aldeamento de Nossa Senhora da Escada a redefinirem critérios de acolhimento no
grupo étnico e as fronteiras étnicas. A maior pressão social e a disputa dos recursos naturais,
nos níveis internos e externos, configuravam uma organização social, política e econômica
cada vez mais complexa e hierarquizada. Na condição de índios, ficaram à mercê de diretores
e vereadores mais interessados em aproveitá-los como mão-de-obra barata e explorar seus
recursos naturais como a madeira. Naquele contexto, muitos demarcadores culturais já haviam
se diluído e transformados e muitas outras habilidades foram adquiridas, a exemplo da leitura
e escrita, importantes para integrar a nova estrutura administrativa imposta pela legislação
colonial.
Segundo Barth, as fronteiras étnicas não representam barreiras para o relacionamento
social e os sinais demarcadores da etnicidade se manifestam no relacionamento, no contraste
com o outro, o diferente. Para esse autor, a manutenção das fronteiras entre os grupos étnicos
não depende da permanência de suas culturas e são produzidas e reproduzidas pelos atores no
decorrer das interações sociais. Assim, a perda da língua nativa, a adoção da outra religião e
de novos hábitos e costumes não representaram a eliminação das diferenças, e sim, a sua
atualização em prol da sobrevivência cultural e étnica do próprio grupo.
A alternativa adotada em Olivença foi a possibilidade encontrada pelo grupo étnico
para sobreviver num contexto de disputa e conflito interétnico, no qual um grupo exerce
maior poder de dominação sobre o outro. As outras reações possíveis, como por exemplo, um
maior realce ou fechamento do grupo, poderiam resultar em maiores dificuldades de
reprodução social interna além do recrudescimento dos conflitos. Portanto, a possibilidade de
manipulação das fronteiras étnicas, tornou possível aos descendentes, identificados como
índios ou caboclos no período da “hecatombe”, atuarem como um grupo étnico na defesa de
sua autonomia e contra uma nova ordem política representada pelo grupo dos coronéis
Paulino e Adami.
132
Reelaboração da Identidade étnica e do papel do chefe
O papel de chefe exercido por Manoel Nonato, em Olivença, era fato incontestável
por todos os envolvidos. Vale repetir a referência do juiz ao povo de Olivença, pronunciada
na sentença de condenação do réu Manoel Nonato do Amaral:
está constatado que o morticínio de Olivença não foi obra da revolta justa,
de um povo indignado na repulsa legitima e contumaz de um intruso
imprudente e contumaz, que, ao contrario, foi efeito de sua vontade de chefe
popular, agindo com toda a força de sua ascendência sobre o animo desse
mesmo povo habituado, de há muito, a obedecer-lhe cegamente a todos os
seus desejos e dirigido por verdadeiros cabos de guerra.”
295
(Grifos meus).
A mestiçagem do principal acusado de envolvimento no crime, Manoel Nonato do
Amaral, permitia sua identificação como caboclo, mas também como índio ou “branco” em
determinadas situações, internas e externas a Olivença. No nível individual, poderia assumir a
identidade que melhor se adequasse aos seus interesses pessoais em cada contexto particular
de atuação, além de o trânsito entre as duas etnias também ser facilitado devido à posição
social e política que ele ocupava, somado ao fato da sua ascendência paterna: filho de um
coronel e membro da elite de Olivença.
Manoel Nonato, como já foi referido, era filho do Coronel Raymundo Nonato, um
rico proprietário de terras e plantações de cacau (fora de Olivença), negociante e vereador em
diversas legislaturas em Olivença.
296
A mãe, uma índia local, aparentemente pouco interferiu
na sua criação, uma vez que as fontes indicam maior ligação dele com a família paterna, pois
era uma prática comum dos proprietários e autoridades adotarem e criarem como empregados
ou agregados domésticos, na maioria dos casos, seus afilhados ou filhos nascidos de relações
extra-conjugais.
295
Jorge de Sá, Juiz Preparador em exercício. APEB. Translado crime político, Réo: Amaral, Manoel Nonato do.
Morticínio de Olivença. Seção Judiciária. Série Crimes. Est. 24 cx. 853 - d. 6, Local, Ilhéus - período - 1906.
296
Sobre a origem familiar e ocupação de cargos públicos de Manoel Nonato e seus ancestrais ver capítulo II:
tópico, “A negociação da identidade: conflitos entre elites e moradores”.
133
Em seu depoimento no processo, informou ainda ter 45 anos, cor parda e, ser lavrador,
alfabetizado, nascido e residente em Olivença.
297
Ao item nacionalidade respondeu
“brasileira”, mesma resposta dos demais indiciados e testemunhas convocadas. Manoel
Nonato do Amaral faz parte da memória histórica dos moradores de Olivença e as referências
a ele ainda são carregadas de ambigüidade. Alguns moradores, como Dionízio Tupinambá,
que o conheceu de “ouvir falar”, afirma categoricamente que “Nonato era índio [...] era a voz
de Olivença [...] era do lado dos índios.”
298
Informação contrária forneceu Aníbal: Nonato
“era coronel, não era caboclo, nasceu em Una”
299
Também existem as opiniões de que Nonato
não era um “índio puro”, era mestiçado, mas estava do lado dos índios de Olivença, lutando
contra os fazendeiros e coronéis de Ilhéus.
Todos os depoimentos obtidos apontam-no como o chefe político em Olivença, seja
como coronel seja como um índio. Moradores e familiares sempre ouviram falar que a casa de
Manoel Nonato era um ponto de “acolhimento” de índios e demais moradores, mesmo
durante o período de sua reclusão na cadeia. Após seu falecimento, sua esposa, dona Laura
do Amaral, continuou essa prática. Certamente esse é um fato que contribuiu para a declarada
“ascendência” sobre os moradores na sentença do juiz, e na obediência que lhe prestavam
como troca de favores, típico da relação paternalista e coronelista vigente naquele contexto.
É possível afirmar que a autoridade e chefia de Manoel Nonato era legitimada
internamente pelo grupo social de Olivença. Tal afirmativa se justifica pela própria trajetória
histórica, na qual, as lideranças, embora questionadas e muitas vezes denunciadas ou
rejeitadas, sempre foram importantes para manter a coesão interna do grupo e os direitos
sobre as terras do antigo aldeamento. Desde os primeiros anos da colonização, os chefes
indígenas foram reconhecidos pelas autoridades, colonos e jesuítas que desenvolveram
estratégias para se aproveitar de sua autoridade para estabelecer o controle sobre os liderados.
A autoridade dos chefes era mantida pelos governantes portugueses, sendo transformada para
que atuassem como intermediários entre as duas sociedades, através das negociações, alianças
e cooptações, estabelecidas pela concessão de títulos e privilégios. Coube a muitos desses
297
APEB. Translado crime político.
298
Sr. Dionízio, 72 anos. Tupinambá, nascido e criado em Olivença. Depoimento oral analisada em, COUTO,
Patrícia Navarro de Almeida. Os filhos de Jaci: ressurgimento étnico entre os Tupinambá de Olivença –
Ilhéus. Ba. UFBA, 2003, monografia de graduação em Antropologia.
299
Aníbal Diogo Bispo. (seu Adiba). 87 anos, não índios. Nascido no pontal, Ilhéus e residente em Olivença há
80 anos. Depoimento oral, in COUTO, Patrícia, 2003, monografia
134
líderes, mesmo na condição de subjugados, resguardar certa autonomia política e cultural e
negociar direitos e melhores condições de vida para os seus liderados.
Segundo J. Monteiro,
300
o papel dos chefes nas aldeias, embora diversificado em sua
constituição, era fundamental para manter a coesão do grupo. Embora os limites da
autoridade dos chefes indígenas sempre permanecessem sujeitas ao consentimento dos
seguidores, eles decidiam praticamente toda a vida da “aldeia”, cuja “identidade histórica e
política se associava de forma intrínseca ao líder da comunidade”.
A fonte da autoridade
provinha do papel de lideranças nas situações bélicas, porém suas responsabilidades
abrangiam à organização da vida material e social: cabia ao chefe escolher o local da aldeia,
supervisionar a construção das malocas, selecionar o terreno para as plantações, escolher
nomes e arranjar casamentos. Ele devia ser um exemplo para os seus seguidores e trabalhar
lado a lado nas roças e demais atividades do grupo, o que resultava no pouco acúmulo de
privilégios ou do distanciamento social e econômico frente aos seus liderados.
301
A autoridade de Manoel Nonato foi legitimada e fortalecida pela estrutura política da
sociedade dominante, também uma prática adotada pelo governo e jesuítas desde os primeiros
contatos. No cartório de registros civil de Olivença,
302
ele aparece em inúmeros casos como
representante e testemunha das pessoas que retiraram atestados de óbitos, certidão de
casamento e nascimento. Até 1897, a identificação de “índio” e “mestiço” aparecia junto aos
nomes, sendo omitida em alguns casos. Posteriormente, esse dado foi substituído pela
informação sobre cor – pardo, mulato, negro e branco, porém, Manoel Nonato continuou
como representante dos requerentes. Esta atuação explica em parte a sua influência sobre os
moradores de Olivença que, na condição de índios, analfabetos e trabalhadores rurais, tinham
pouca experiência para atender as novas exigências civis e políticas implantadas no regime
republicano, ficando à mercê dos padrinhos e conhecidos para resolver tais questões. Manoel
Nonato foi, portanto, uma autoridade que representou oficialmente os índios de Olivença
como vereador, procurador no lugar de seu falecido pai, Intendente, comissário de polícia, e
como um chefe político conhecido, temido e venerado pelos seus aliados. Sua influência sobre
300
Monteiro, J. Negros da terra ... 1994, p. 22.
301
Sobre o papel dos chefes nos aldeamentos, cf. Monteiro, J. Negros da terra ... 1994, p. 48-50; sobre a função
dos lideres na colônia, cf. Almeida, M. R. C. Metamorfoses indígenas ... 200, p. 156-168.
302
Cartório Reg. Civil p. Naturais – Olivença. Livro de óbitos e nascimentos: 1890-1902; 1908-1911; 1933-
1945. Escrituras e procurações: Livro do Tabelionato de Olivença.
135
os moradores era, sem dúvida, um dado concreto e, que certamente influenciou o desenrolar
dos acontecimentos de dezembro de 1904, evidenciando a motivação étnica do conflito.
O fracasso da ocupação da Intendência devido à inesperada reação da população de
Olivença obrigou os interessados a mudarem de estratégia para impetrar o controle político de
Olivença e a conseqüente submissão e descaracterização étnica daquele espaço social. Para
tanto, a estratégia adotada foi à aplicação da justiça, que como parte do compromisso
coronelista do início da República, se constituiu em um método bastante eficiente para
eliminar adversários políticos, reprimir os pobres e proteger os ricos ou, em alguns casos,
resolver conflitos entre as elites favorecendo um dos lados. O processo jurídico que
incriminou Manoel Nonato como autor intelectual e mandante do crime, descrito no terceiro
capítulo, também demonstrou, entre outros aspectos, o esforço das autoridades para
desvincular a motivação étnica da reação da população. Ou seja, embora as testemunhas
apontassem a participação de índios no cerco que culminou com a morte do grupo, todo o
processo e julgamento foram orientados para traduzir o conflito como um ato de violência
praticado por indivíduos cruéis, interessados em manter a população local sob controle.
Frente à estratégica tentativa de evitar qualquer possibilidade de representação do
ocorrido como um conflito étnico, as autoridades (advogado de defesa, Juiz e Promotor)
303
destacaram algumas características tradicionalmente atribuídas aos povos indígenas,
especialmente dos aldeados: a população de Olivença foi concebida como composta por
pessoas ingênuas, pacíficas, mansas, pacatas, ordeiras, incapazes de reagirem contra a
violência e opressão a que estavam submetidos. Porém, como já foi analisado, os índios
aldeados nem sempre aceitaram as ordens dos dominantes de forma pacífica ou ingênua, e a
experiência histórica de Olivença forneceu inúmeros exemplos de conflitos internos e
externos com a participação ativa dos índios, além da constante manipulação de sua
identidade, são alguns aspectos que não apontam para a ingenuidade ou ignorância. Portanto,
Manoel Nonato sabia do que a população era capaz ao alertar que os “caboclos de Olivença”
estavam dispostos a derramar sangue para impedir que o coronel Adami estendesse seu
controle através da posse de Paulino.
303
Ver tópico: “Crime político: a disputa pelo controle de Olivença” nessa dissertação.
136
O realce da origem comum: um demarcador da identidade étnica
Para fechar a análise desenvolvida, invoca-se a questão do mito da origem como um
dos elementos étnicos mais significativos e realçados em Olivença. A crença na origem
comum, conforme afirmação de Weber, constitui o traço característico da etnicidade que
autentica as outras dimensões ou signos da identidade e, assim, o próprio sentido da unicidade
do grupo.
304
Essa crença serviu como um demarcador da diferença entre moradores índios e
os não índios de Olivença, seja, validando o direito ao território dos ancestrais e/ou
neutralizando as perdas/reelaboracões culturais em curso no processo dinâmico da
convivência social interétnica. Os índios de Olivença, assim como os diretores, vereadores e
interessados (por motivações pessoais, benefícios econômicos e políticos) constantemente
recorriam a essa noção, reivindicando a condição indígena como justificativa para a ocupação
da terra, como se apreendem da referência “terra de caboclos” de Manoel Nonato ou, na
reivindicação das terras do antigo aldeamento passadas como patrimônio aos descendentes
indígenas quando esse foi transformado em vila. A ascendência comum, como mito de
origem, também justificou as denúncias contra discriminação e as reivindicações de espaços
dentro do sistema administrativo colonial. Entre outras situações, também se expressou na
intenção dos vereadores em ressignificar esse mito, estabelecendo a “Carta Régia de 1758”
como um novo símbolo que representava a Vila como “uma república”. A ressignificação da
carta sustentaria a condição histórica de “antigo aldeamento” da vila, que por sua vez,
garantiria à Câmara maior autonomia política para controlar as terras coletivas e a mão-de-
obra dos indígenas.
305
A crença na origem comum denota alto valor ao nascimento como uma das formas de
acolhimento/exclusão no grupo étnico, o que não significa a mesma concepção dos
primordialistas, que defendem o nascimento como o princípio que “confere a dimensão
englobante e torna-a [a identidade étnica] pouco maleável com relação a outras identidades de
grupo,”
306
como por exemplo, a religiosa. Em Olivença, o nascimento como critério de
acolhimento no grupo étnico condiz com a noção de “parentesco fictício”, apontado por
304
Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade ... 1998, p. 162.
305
Ver dissertação, capítulo II, tópico “A Câmara de Olivença e a criação de novos significados”.
306
Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade ... 1998, p. 161.
137
teóricos, como Horowitz,
307
que afirmam existir tolerância das exceções e “outros modos de
recrutamento, além da permeabilidade das fronteiras étnicas que tornam possíveis os
processos individuais e coletivos de assimilação ou de mudança de identidade étnica.” Já
foram apontadas neste trabalho algumas formas de acolhimento e assimilação ou vice-versa,
como o casamento interétnico, a identificação com os interesses e dificuldades do grupo e
uma atuação voltada para a defesa dos direitos tradicionais.
Essa noção consubstancializou as lembranças de um passado de massacres, doenças e
sofrimento dos antepassados, além dos mitos, ainda que não referidos na história aqui traçada
de Olivença. Porém, a afirmação tem como suporte a longa presença indígena no território
designado para estabelecer o aldeamento, que foi adotado pelos grupos ali reunidos como
parte integrante do seu mundo e espaço de reprodução cultural e biológica. Assim, o antigo
aldeamento foi adotado como uma terra dos antepassados por representar um lugar de
proteção contra a violência dos colonos invasores. Olivença tornou-se, assim, um território
indígena, ou seja, além da sobrevivência física, representava também um símbolo identitário,
aparecendo, inclusive, como complemento da denominação genérica de índio e/ou caboclo.
A etnicidade, segundo a concepção proposta por Pacheco de Oliveira, supõe a
trajetória histórica e uma origem comum como seus dois aspectos constituintes. O autor
sugere pensar a origem como uma experiência primária que se atualiza com os saberes e
narrativas que se acoplam no processo dinâmico da história e das experiências do grupo ou
dos seus membros individuais. Porém defende que essa atualização não anula o sentimento
de referência à origem, podendo inclusive, reforçá-lo. “É da resolução simbólica e coletiva
que decorre a força política e emocional da etnicidade.”
308
Segundo Barth, a existência de um território fixo pode ou não se constituir um aspecto
definidor do pertencimento étnico ou da manutenção das fronteiras étnicas. O autor citou o
povo Judeu como um exemplo dessa desvinculação, á qual acrescentou-se os diversos grupos
deslocados de seu habitat para os novos continentes, como ocorreu com os povos da África
no período da escravidão. Em relação aos povos nativos do Nordeste, e de Olivença, em
especial, também sofreram a interferência dos colonizadores e muitos foram realocados nas
missões, aldeamentos, reservas (posteriores a 1920), ou simplesmente foram expropriados de
307
Poutignat e Streiff-Fenart. Teorias da etnicidade ... 1998, p.161.
308
Oliveira, J. P. Uma etnologia dos “índios misturados”.... in, A viagem da volta.... 1999, p. 30.
138
suas terras. Essa reunião forçada entre povos nativos, muitas vezes inimigos, e a mistura
posterior com as massas despossuídas, representaram uma transformação radical e capaz de
induzir o pensamento da perda do espaço original.
Nesse sentido, Pacheco de Oliveira
309
enfatiza a noção de territorialização como um
processo implementado pela presença colonial. Essa presença desestruturou as sociedades
indígenas nativas de suas concepções e das possibilidades concretas de manutenção dos seus
territórios, enquanto espaço de reprodução cultural e física, e, de lugar fixo, onde as relações
sociais, políticas e religiosas do grupo se estabeleciam. Segundo o autor, a territorialização
como o processo histórico de reorganização social, implica, primeiro, a criação de uma nova
unidade sociocultural pelo estabelecimento de uma identidade étnica; segundo, a construção
de mecanismos políticos especializados; terceiro, a redefinição do controle social sobre os
recursos ambientais, quarto, a reelaboração da cultura e da relação com o passado.
No caso de Olivença, fatores geográficos, políticos e econômicos retardaram a
ocupação e o desenvolvimento econômico da localidade possibilitando uma existência mais
longa e com relativa autonomia interna, contribuindo para efetivar uma participação mais
ativa dos membros da comunidade indígena nas muitas decisões que envolveram o grupo e/ou
membros individuais. Assim, nesse processo de territorialização, as comunidades indígenas
no Brasil, como no caso em estudo, o espaço criado como novo objeto político dos
colonizadores, foi adotado e transformado pela coletividade organizada como seu território.
Neste novo espaço foi possível reestruturar as formas culturais, inclusive religiosas, reelaborar
a identidade própria e instituir mecanismos de tomada de decisões e representação, mesmo
adotando os elementos do colonizador decorrentes do relacionamento interétnico e das
políticas de integração (e eliminação) dos povos indígenas à sociedade dominante.
E, ao finalizar essa análise, novamente recorre-se a Pacheco de Oliveira e a sua
afirmação sobre a existência de “uma poderosa conexão entre o sentimento de pertencimento
étnico e um lugar de origem específico, onde o indivíduo e seus componentes mágicos se
unem e identificam com a própria terra, passando a integrar um destino comum.”
310
Não há
dúvidas da força desta conexão em Olivença percebida em toda a trajetória histórica aqui
309
Oliveira, J. P. Uma etnologia dos “índios misturados”.... in, A viagem da volta.... 1999, p. 20.
310
Oliveira, J. P. Uma etnologia dos “índios misturados”.... in, A viagem da volta.... 1999, p. 31.
139
analisada e na resistência dos moradores durante a tentativa da expropriação política por
parte dos coronéis de Ilhéus. Não se pode ter dúvidas quanto à vila de Olivença, no período
da “Hecatombe”, ser parte integrante da identificação étnica do grupo, portanto, o significado
daquele espaço estava muito além da noção de lugar de reprodução física e social, pois
abrangia a representação simbólica e mística da origem comum, daí a sua resistência em
perder o controle sobre esse espaço. Essa perda representava depreciar as origens e os
ancestrais, negar as bases da construção de sua identidade e aceitar a destruição de suas
referencias.
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho foi um longo processo de aprendizado e reflexão sobre sobrevivência e
reelaboração de valores, cultura e identidades em um mundo transformado pelo confronto
entre povos distintos. É conveniente ressalvar que, a opção de buscar conhecer o processo de
reconstrução da identidade étnica dos índios de Olivença através de seu passado mais distante,
esbarrou na falta de dados etnográficos e de sistematização do enorme volume de
conhecimento produzido, em diversas áreas, sobre o período colonial. Porém, frente à escolha
de enfatizar o relacionamento interétnico, a falta de aprofundamento de muitos aspectos
importantes da história indígena, tais como, a religiosidade, a cultura, os rituais, os mitos e as
formas de organização internas, não comprometeu a análise e a demonstração da
complexidade do relacionamento interétnico, ainda um campo aberto para pesquisas e
interpretações.
Esta pesquisa comprovou a impossibilidade de perceber as sociedades indígenas de
maneira isolada, separada do contexto de relacionamentos pessoais e institucionais em todas
as esferas políticas, econômicas e sociais. Mesmo definindo apenas um grupo específico, este
representa uma parte de um todo, seja em nível regional ou geral. Assim, os projetos que
foram transformados em leis ou políticas gerais passavam pelo crivo e interpretações dos
atores deste microcosmo, que interpretavam e transformavam em prática, na medida de suas
141
condições, posição social, interesses e disputas por hegemonia. As apropriações e
assimilações de novos conhecimentos e conceitos demandavam tempo, condições técnicas,
vontade política, negociações e conflitos. Vale ressaltar que, em relação às populações
indígenas no período estudado, mesmo sendo os projetos concebidos e implementados pelos
conquistadores que se tornaram a etnia dominante, não implicaram inexistência de conflitos e
contradições entre os membros da sociedade colonial e nem a eliminação da participação dos
povos indígenas, mesmo como atores submetidos a uma nova ordem social.
Esta pesquisa demonstrou a necessidade de conhecer mais a participação dos índios na
esfera administrativa, seja no período colonial, imperial e republicano. Tal constatação se
deve à complexidade que essa participação, mesmo limitada, representa, seja para os próprios
povos indígenas, seja para desmistificar e compreender o papel de muitas lideranças
indígenas, tais como: os chefes indígenas, capitães-mores e vereadores. A compreensão deve
superar o simplismo ou reducionismo de percebê-los apenas como cooptados e manipulados
pelas autoridades dominantes, mas também como atores, que intermediaram muitos conflitos
atuando dentro da estrutura colonial e muitas vezes visando obter ou garantir direitos e
melhores condições de vida para a coletividade. Essa afirmativa não sugere anular os desvios
e conflitos que perpassaram as práticas de muitas lideranças e nem a possibilidade de
manipulação da identidade étnica por índios e não-índios, tanto em favor de interesses da
coletividade como para obtenção de benefícios pessoais.
A questão da identidade étnica como uma construção coletiva e histórica, calcada em
noções subjetivas do pertencimento a uma origem comum, torna possível compreender como
os povos indígenas se reproduzem enquanto grupo social diferenciado. Considerando a
identidade, individual e coletiva como dinâmicas e atualizadas constantemente pelos
indivíduos ou coletividades, justifica-se afirmar a presença dos índios, organizados
politicamente para defender os seus diretos e autonomia em vários conflitos ocorridos em
Olivença, incluindo a denominada “hecatombe”. E, mesmo tendo perdido muitos aspectos de
suas culturas originais, esses índios reelaboraram e adquiriram outros, frutos do
relacionamento interétnico que se desenvolve ainda na atualidade, permanecendo, porém,
identificados e se identificando como índios, vinculados pela trajetória e experiências comuns
em um espaço social adotado como seu território.
142
A pesquisa conclui com muitas indagações. Permanecem muitas lacunas e questões
como a falta de informações sobre as transformações em Olivença, especialmente, no período
entre o fim da administração da Câmara 1888 e criação do Serviço de Proteção dos Índios, em
1910. As informações desse período são gerais e mais direcionadas a instalação das
instituições republicanas e, na região, da expansão das roças e do comércio de cacau. Uma
vez que Olivença não integrava esse ciclo de expansão, pouco se produziu, ou foi encontrado,
que permitisse uma interpretação mais profunda das transformações envolvendo a
comunidade indígena no período. Também está longe de ser esgotada a análise sobre o
papel dos índios na administração dos aldeamentos e vilas, o relacionamento com as
autoridades, com os jesuítas e demais proprietários que se instalavam como arrendatários,
comerciantes, funcionários e fazendeiros. Ainda se faz necessário discutir, com maior
profundidade e dados empíricos, os critérios de acolhimento/exclusão dos membros do grupo
étnico, incluindo os casamentos interétnicos e outras possíveis formas de acolhimento que
resultaram na formação da população mestiça e na atualização da identidade étnica. Outro
tema pouco explorado e que se pretende pesquisar em um futuro próximo, diz respeito à
implantação do Diretório dos Índios na Bahia, com a conseqüente extinção dos aldeamentos e
a transformação de alguns (como Olivença) em vilas indígenas.
143
ANEXOS
Anexo I: Mapas
a. Mapa do município de Ilhéus, destacando-se o distrito de Olivença
Fonte: Marcis, Teresinha. Viagem ao Rio do Engenho. Ilhéus: Editus,1999.
OLIVENÇA
144
b. As capitanias hereditárias
Desenhado por Luiz Teixeira, em 1574. Hoje na Biblioteca da Ajuda, em Portugal. Note o
erro proposital, para Oeste, da linha de Tordesilhas.
Fonte: http://www.rootsweb.com/~brawgw/mapas/index.htm Acesso em 26, março de 2004.
145
c. Localização vila de Ilhéus, dos principais rios e engenhos.
Fonte: Carta Náutica 1210, Ministério da
Marinha. Apud, Filho, Luiz Walter. A
capitania de São Jorge dos Ilhéus e a
década do açúcar. (p. 98).
d. Os quatro engenhos mais importantes da Capitania de S. J. dos
Ilhéus -1631
Fonte: Reprodução de João Teixeira
Albanas, Imagens ... p. 196. Apud.
Filho, Luiz Walter. A capitania de São
Jorge dos Ilhéus e a década do açúcar.
(p. 99).
146
e. Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes (detalhe).
Fonte: Adaptado do mapa de Curt Nimuendaju – 1944. IBJE, 1987. In. Povos Indígenas no
Sul da Bahia. Posto Indígena Caramuru-Paraguaçu (1910-1967). Museu do Índio – FUNAI,
Rio de Janeiro, 2002.
147
Anexo II: Distribuição da população indígena de Olivença
População indígena distribuída por comunidade e sexo. Olivença.Ba. 2004.
LOCALIDADE POPULAÇÃO TOTAL
MASCULINO FEMININO
ACUÍPE DE BAIXO 149 135 284
ACUÍPE DE CIMA 48 25 73
ACUÍPE DO MEIO I 64 58 122
ACUÍPE DO MEIO II 50 31 81
CAMPO DE SÃO PEDRO 24 27 51
OLIVENÇA URBANA 344 329 673
CURURPITANGA 22 25 47
GRAVATÁ 43 43 86
PIXIXICA 8 3 11
SANTANA 165 139 304
SAPUCAEIRA I 118 94 212
SAPUCAEIRA II 98 79 177
SERRA DAS TREMPES 127 144 271
SERRA DO PADEIRO 174 136 310
SERRA NEGRA 65 44 109
ÁGUAS DE OLIVENÇA 69 64 133
TOTAL 1.568 1.376 2.944
Fonte: FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. Coordenação regional da Bahia.
Pólo Base Indígena de Ilhéus. 2004.
148
Anexo III: A evolução do direito de propriedade da Capitania de São
Jorge dos Ilhéus.
1534 - doação a Jorge de Figueredo;
1552 – morte do donatário, dois herdeiros disputam a posse. No mesmo ano é confirmada a
posse para Jerônymo de Alarcão Figueredo favorecida pela desistência de seu irmão menor;
1560-1 – a capitania é vendida para Lucas Giraldes;
1566 - falecimento de Lucas Giraldes que passa ao filho Francisco. A capitania é penhorada
devido a processo jurídico envolvendo membros da família Giraldes (uma ação de cobrança
judiciária de uma dívida a Nicolau Giraldes, pai de Juliana de Sousa, movida por D. João de
Castro, marido e pai de D. Helena de Souza contra Francisco de Sá de Menezes e sua mulher,
D. Maria Giraldes). Não houve compradores;
1615 - é arrematada por D. João de Castro e esposa. A arrematação foi embargada pelos réus;
1646 - julgamento e anulação da arrematação;
1626 - novo lance de D. João de Castro, ocorrendo um duplo arremate e gerando nova
pendenga jurídica;
1645 - D. Helena de Castro, filha, requereu a confirmação da arrematação e passou aos
herdeiros, sendo o último donatário D. Antônio José de Castro até 1761, quando é incorporada
a Coroa, constituindo-se em comarca. O primeiro ouvidor foi o Dr. Miguel Ayres Lobo de
Carvalho.
FREIRE, Felisbello. História territorial do Brasil. 1º vol. (Bahia, Sergipe e Espírito
Santo). Edição fac-similar. Salvador: Governo do Estado da Bahia/Secretaria de Cultura e
Turismo/Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, 1998, p. 170-173.
149
Anexo IV: Relação de vereadores e funcionários da Câmara Municipal
da Vila Nova de Olivença: 1824-1879.
Período Nomes
1824
1. Luis Desidério Alves Arataya
2. Manoel Luis
3. João Gonçalves Pimenta
4. José Correia da Costa
5. Prof. João Marques Dias
1825
6. Juiz Ordinário José do Valle Amado
Ver. Bernardo Francisco Pinto
7. ‘’ Francisco José de Marques
8. ‘’ João ... dos Santos
9. ‘’ Ignácio de V Antônio.
Novembro, 24 de 1825
Outros nomes
10. Francisco Ignácio da Maia
11. João da Silva Santos
12. Juiz Ordinário. João da Luz
13. Prof, Ignácio Francisco de Sant’Anna
1829
Vereadores e comissão eleitoral
14. Juiz ordinário. Rafael Viana
15. Pedro F. Dias
16. Manoel Dias + Luis da Motta
17. João Dias + João Pimenta
18. João Manoel
19. Escrivão José Caetano
Foram eleitos:
Manoel Correia Barros (45 votos), João da Silva Santos,
Pedro Gomes Bandeira, Antonio Manoel dos Santos, João
Marques Dias, Benedito Paes do Amaral, João Borges Matos
1829.
20. Manoel Correia Baroso -P
21. João Marques Dias
22. Pedro Gomes Bandeira
23. João Borges
24. Antonio Manoel de S’ Anna
25. João da Silva Bastos
1837
26. João da Silva Santos – P
27. João Marques Dias
28. Luis de Brito Clafe
29. José do Valle Amado
30. José Mariano Pacheco
31. Francisco dos Santos Silva Carneiro
Indicação para juizes municipal, de órfãos e promotor.
Lista tríplice:
Juiz Municipal:
150
Leandro dos Santos Silva
José Correia da Costa
João Dias das Neves
P/ Juiz de Órfão
Nezario dos S. Tiago Baptista
Manoel Correia Barroso
Desidério Alex. Arataya
1839
João da Silva Santos – P
32. Pedro ª Bandeira
33. Manoel Correia Barroso
34. Luis de Brito Clafe
35. Pedro Gomes Bandeira
Aprovados os nomes:
Pedro Gomes Bandeira p/ Juiz Municipal
Sebastião... p/ Juiz de órfão
Francisco Rogério do Amaral p/ promotor
1841
36. Manoel Pedro Solidade – P
37. Jerônimo dos Santos Amaral
38. Victoriano José Gomes de Castro
39. Francisco Ignacio Gonçalves
40. Antonio Francisco Barbosa
41. Manoel Bezerra das Neves
1845 – 1846 -1847
42. Januário Francisco Borges - P
43. Francisco de Brito Clafe
44. Francisco Rogério do Amaral
45. Joaquim Alves de Magalhães
46. Pedro Antônio Bandeira
47. Antonio Mendes de Castro
48. Alexandre de Oliveira Barbosa
1848
49. João da Silva Santos - P
50. Miguel Marques Melgaço (prof. em 1888)
51. Luis Britto Clafe
52. Vig. José Gomes de Castro
53. Joaquim Alves de Magalhães
1865
54. Protásio José da Silva
55. André Rabello
56. Manoel Tavares da Maia
57. José Victorio Cunha Barbosa
58. Felippe F. do Rosário
59. Francisco Ignácio Gonçalves
1866
Sede da Câmara
transferida para Una.
60. Antonio Diogo de F. Silva – P
61. Jerônimo dos Santos do Amaral
62. Coriolano Eugenio Francisconi
63. Antonio José de Sá
64. Manoel Conrado de Gusmão
1870
65. Fraco Magalhães de Carvalho – P
66. Manoel Conrado de Gusmão
67. Antonio Diogo Souza Filho
68. Manoel G. Vieira
69. Alfheo Elysio de Navarro Lessa
70. José Pereira Pinto - Secretário.
151
1873 –5
Sede em Olivença
71. Francisco Alves Firmino – P
72. João Pereira Gomes
73. Manoel Antonio Falêa
74. André Rabello
75. Cosme F. do Amaral
1877
76. Protazio José da Silva – P
77. Custodio Francisco do Amaral
78. Manoel José de Castro
79. Domiciano Lauriano da Costa
80. Francisco Gomes de Castro
81. (João Pereira Gomes)
1879
82. Protazio José da Silva – P
83. Francisco Alves Fermino
84. Francisco Gomes de Castro
João Pereira Gomes
85. Thermidio de Souza Dias
Fonte: APEB. Série. Câmaras. Cx . 1373. Doc. Câmara de Olivença. Período: 1824-1886.
152
Anexo V: As divisões administrativas do sul da Bahia no período colonial
As divisões adotadas na colônia eram: a religiosa (eclesiástica), militar (Distritos que
abrigavam as Ordenanças) a civil (administrativas) e judiciária (Ouvidoria).
Divisão religiosa
A divisão eclesiástica foi a primeira adotada na colônia;
Assim, a capitania da Bahia era uma freguesia que abrangia quatro paróquias, criados
no século XVI: a da Sé, [...] São Jorge dos Ilhéus (1556), N. S. de Assumpção de Camamu
(1560).
No século XVII e XVIII foram criadas novas freguesias: (Freire, p. 104).
No século XVIII: novas freguesias foram criadas:
Em 1718, a de Boaventura do Poxim de Canavieiras.
Em 1758, a de N. S. de Olivença.
Em 1880: Freguesia de Nossa S. da Escada de Olivença, “A lei de 28 de julho de 1880
revogou a Resolução de 21 de julho de 1860, continuando a sede da freguesia de N. S. da
Escada de Olivença na antiga matriz, e não capela de S. Antônio da Barra do rio de Una.”
(Freire, p. 263)
A divisão militar
A divisão militar é de 1668, com a criação do corpo de ordenança de infantaria.
Os primeiros distritos militares: distritos da vila de Boipeba (1668), e da vila de
Camamu (1697). (Freire, p. 104-105).
Nova divisão militar: novos distritos em conseqüências da criação de corpo de
ordenança. (Força policial).
1725, de Camamu; Cairu e Boipeba,
Em 1770 reforma dos distritos que passaram a terços de ordenanças:
Terço de ordenanças de S. J. dos Ilhéus, S. José da Palma do Rio de Contas, com 7
companhias no distrito de Itacaré e sítio da Cachoeira. (Outros terços de ordenanças nas vilas
de Camamu, Cairu, Maraú, Boipeba, Taperoá). (Freire, p. 188-189).
A divisão civil
A divisão civil: criação das vilas e povoações: pela carta de 5 de setembro de 1696.
“por falta de terem quem lhes pudesse administrar a justiça”. (Freire, p. 105).
No século XVIII foram criadas novas vilas, gerando disputas e controvérsias sobre a
que distritos militares e eclesiásticos.
Em 1760, a capitania de Ilhéus e a de Porto Seguro foram incorporadas à Bahia como
Comarcas. (Freire, p. 173).
153
Com o Diretório e as novas divisões civis, foram criadas novas vilas. A extensão
territorial que abrangiam era denominados como Termos.
A vila de ILHÉUS foi criada no século XVI. Seu Termo abrangia toda a extensão
desde o rio Tejuipe até a própria vila (9 léguas) e daí até Peso, fim da Comarca. Uma extensão
de 26 léguas.
Com a legislação de 1755 foram criadas novas vilas:
Sendo ao sul da vila de Ilhéus: Olivença, em 1755, antiga aldeia N. S. da escada. Em
1768 tinha 122 casas, 125 rapazes e 192 raparigas. Índios receberam 5 léguas da sesmaria.
(Infelizmente não foi encontrado o documento que define os limites da vila).
Foram criadas novas vilas e subdivisões a partir do governo das províncias (Freire, p.
227).
A lei de 19 de agosto de 1880 anexou ao termo de Ilhéus o distrito de Una,
desmembrando do termo de Canavieiras.
Em 1881 a vila de Ilhéus foi elevada a cidade. (264)
Divisão judiciária
A Bahia no século XVI era uma só circunscrição judiciária, portanto existia apenas
uma Ouvidoria. Os donatários é que tinham a função de ouvidores nas respectivas capitanias.
(Freire, p. 140).
No século XVIII foram criadas divisões: a militar e a judiciária
Em 1742 existiam três Ouvidorias de Bahia, Jacobina e Sergipe, cujo território
formava as Comarcas.
Foram criadas então a partir de 1750 novas comarcas, ainda submetidas a Ouvidoria
Geral da Bahia, sendo em 1763 criados duas Ouvidorias: de Ilhéus e Porto Seguro. (Freire, p.
185).
No final do século XVII a Bahia estava divida, em vista da Justiça Pública, em quatro
Ouvidorias: Bahia, Jacobina, Ilhéus e Porto Seguro.
População das comarcas em 1774: A Comarca de Ilhéus e vilas pertencentes 7
freguesias = 13.501 almas.
A comarca de Ilhéus foi divida em duas, pela lei de 21 de março de 1837. (Freire, p.
266). A de Ilhéus a que pertencem as vilas de Ilhéus, Olivença e, Vitória, esta desmembrada
do rio de Contas, sendo sua divisão pelo sul com a comarca de Porto Seguro pelo rio
Comandatuba, que fica com o limite dos municípios de Ilhéus e Canavieiras.
Criadas as comarcas de rio de Contas que comporá as vilas de Barcelos, Maraú, Rio de
Contas. As Comarcas de Camamu, e Taperoá.
154
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fontes primárias
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Seção Colonial e Provincial
Serie: Agricultura, Indústria e Comércio.
M. 4610. Diretoria Geral dos Índios. Mapa das Aldeias da Prov. Da Bahia, 1700-1861.
M. 4611. Cx. 1598. Índios - Diretoria Geral dos Índios. Cap. Mor dos Índios, 1823-1853.
Ofício enviado ao Juiz de Direito da Comarca de Ilhéus, com cópia para Casemiro de Sena
Madureira, Diretor Geral dos Índios; Ilhéus em 11 de agosto, 1853:
M. 4612. Capitão Mor, nomeações, 1823/1853.
M. 4760. Olivença (Sto Antônio de Barra de Una da Nova Villa de Olivença), 1857/1860
M. 5308. Correspondência dos missionários com presidente da Província, 1834/1883.
Cad. 03. Carta de João F. Bittencourt e Sá sobre a demarcação das terras dos índios – não fala
específico de Olivença. 17/02/1759.
Cad. 09. Resp. De J. F. Bittencourt ao questionário para a criação de vilas onde existiam
aldeias das missões jesuíticas. Relação do nº de Aldeyas de Índios, que se crearão nomes que
se lhes derão na sua creação. 1758.
Cad. 24. Relação de aldeias que foram elevadas a vilas.
Cad. 15. Instruções para a criação de vilas Relações das aldeias indígenas que deveriam ser
elevadas a vilas, com nomes que adotariam.
Série. Câmaras. Cx . 1373. Doc. Câmara de Olivença. Período: 1824-1886
Ofício da Câmara, [1820]. Anexo/ processo e despacho, 6 de fevereiro, 1822.
Ofício da Câmara, 7 de fevereiro, 1824
Ofício da Câmara a Marinha, 6 de novembro, 1824.
Ofício da Câmara a Marinha, 24 de novembro, 1825.
Ofício da Câmara, 25 de maio, 1829.
Joaquim de Souza, índios desta vila em requerimento pedindo providências, [1822], anexo ao
Ofício da Câmara, 18 de abril, 1830.
Denúncia discutida, votada e encaminhada a Província, 1830.
Ofício da Câmara, 11 de maio, 1841.
Ofício da Câmara, 18 de setembro de 1841.
Ofício da Câmara, 04 de julho, 1853.
Ofício da Câmara, 11 de agosto, 1854.
Ofício da Câmara. 16 de janeiro, 1854.
Melgaço, Miguel Marques. Ofício anexo ao Processo 1853, 06 de setembro de 1858.
Ofício da Câmara, 11 de agosto, 1853.
Ofício da Câmara, 12 de janeiro, 1860.
Ofício da Câmara, 1863.
Denúncia de irregularidades na eleição, 7 de setembro de 1865; Antônio José da Silva:
Justificativa de não comparecimento às sessões, 1865.
Oficio da Câmara, 1867.
155
Vereadores da Freguesia de Una, 1869.
Ofício da Câmara. 16 de setembro de 1875.Ofício da Câmara/anexo: Acto 1. Lei no 847,
1869.
Ofício da Câmara, 25 de junho, 1873.
Ofício da Câmara, 17 de março, 1873.
Ofício da Câmara, 1874.
Ofício da Câmara, 18 de março de 1877.
Ofício da Câmara, 26 de novembro, 1885.
Ofício da Câmara, 20 de abril, 1886.
Seção Legislativa Provincial do Estado da Bahia
Série: Posturas. Posturas da Câmara Municipal da Vila de Olivença, remetidas em 1859.
Local: Olivença. Livro: 859. Ano: 1837-1852.
Série: Juizes. Cx . 2518. Doc. Juizes de Olivença, anos:1824-1886
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Coleção das Leis e Resoluções Provinciais, 1856. Resolução provincial nº 593 de 23 de julho,
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Seção Judiciária
Série: Inventários e testamentos
AMARAL, Raymundo Nonato do. Inventário. APEB. Seção Judiciária. Inventários e
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Amaral, Raimundo Nonato do.
Est. 2 – 762 – doc. 5
Est. 2 – 1295 – doc. 9
Est. 2 – 740 – doc. 12
Série: Processo
Cidade de Ilhéos, 1906; Justiça Publica. Autora. Ten. Cel
. Manoel Nonato do Amaral, Capitão
Cornélio José da Cunha (e outros). Folhas: 88
Núcleo: Tribunal de Justiça
Série: Translado crime (político). Réo: Amaral, Nonato do. Morticínio de Olivença. Folhas:
351
Seção: Biblioteca
Anais do arquivo Público do Estado da Bahia. Vol. 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 21, 22, 25
Reg. 02 – Mapa Estatístico da Div. Administrativa, Jurídica e eleitoral da Província da Bahia,
1876.
Reg. 129 – Mapa do Município de Ilhéus BA, Inst. De Saúde Pública.
Reg. 130 - Mapa do Município de Ilhéus BA.
Seção Republicana
Documentos da Secretaria de Governo
156
Cx. 1765. Doc. 1765. 3ª secção. Atos do Governo, período, 1892, p. 237.
Cx. 1770, doc. 1779, período, 1889-1899.
Cx. 1771, doc. 1783. 1ª secção. Período, 1889-1899.
Cx. 1771, doc. 1782. Secretaria do Interior. 4ª seção, período, julho/outubro, 1896.
Cx. 1775. Doc. 1795. Designação das eleições para Intendentes Municipais. Ano: 1896/1898.
Cx. 1766. Doc. 1766 – Atos do gov. Ano: 1892. Criação de sub comissariado no distrito de
Pasto e nomeação de subcomissário
Cx. 1786. Doc. 1827. Atos e Of. Expedidos. Intendências Municipais. Ano: 1891
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Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
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Anais da BN. Vol. 37. LISBOA, Baltazar da Silva. Memória sobre a Comarca de Ilhéus.
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DOCUMENTOS históricos da Biblioteca Nacional. (Volumes 32; 46; 63). Cartas para Bahia.
Cartas, alvarás e patente.1716-1720. Rio de Janeiro: 1939.
BMI - Biblioteca e Arquivo Municipal de Ilhéus
Correio de Ilhéos, Anno III. N. 316. Terça-feira, 10 de Julho de 1923. Decreto publicado no
Diário Oficial do Estado, 28 de junho de 1928.
Olivença
Cartório Reg. Civil p. Naturais – Olivença. Livro de óbitos e nascimentos: 1890-1902; 1908-
1911; 1933-1945. Escrituras e procurações: Livro do Tabelionato de Olivença
157
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