palavras, inclusive os substantivos adequados, são genéricas, com a possível exceção de "isto"
que é ambíguo. Quando você traduz a ocorrência em palavras, está fazendo generalizações e inferências,
da mesma forma que quando você diz "existe uma cadeira." Não há, em verdade, diferença vital entre os
dois casos. Em cada caso, é inexprimível o que viria a ser realmente um dado, e o que se pode pôr em
palavras envolve inferências que estariam erradas.
Quando digo que há "inferências" envolvidas, estou dizendo uma coisa não suficientemente precisa, a
menos que fosse cuidadosamente interpretada. Ao "ver uma cadeira", por exemplo, não apreendemos
logo um esquema colorido, para em seguida inferirmos uma cadeira: a crença na cadeira surge
espontaneamente ao vermos o esquema colorido. Mas esta crença tem causas não só no estímulo físico
presente, mas também, em parte, na experiência passada, e em parte nos reflexos. Nos animais, os
reflexos desempenham parte considerável; nos seres humanos, a experiência é mais importante. A
criança aprende devagar a correlacionar tato e visão, e a esperar que os outros vejam o que ela vê. Os
hábitos que, em conseqüência, não formamos tornam-se essenciais à nossa noção adulta de um objeto
igual a uma cadeira. A percepção de uma cadeira por intermédio da vista tem um estímulo físico que
afeta só diretamente a visão, mas que estima idéias de solidez e assim por diante, na experiência inicial.
A inferência poderia chamar-se "fisiológica". Uma inferência de tal natureza é prova de correlações
passadas, por exemplo, entre tato e visão, mas podem estar equivocadas neste caso. Pode-se, para citar
um exemplo, errar um reflexo num grande espelho para outra sala. Da mesma forma, cometemos em
sonhos erros de inferência fisiológica. Não podemos, por conseguinte, ter certeza a respeito de coisas
que, neste sentido, são inferidas, porque, ao tentarmos aceitar o maior número possível delas, estamos,
por outro lado, compelidos a rejeitar algumas devido á autoconsistência.
Chegamos um momento atrás ao que chamei "inferência fisiológica" como ingrediente essencial na
noção elo senso comum de um objeto físico. A inferência fisiológica, em sua forma mais simples,
significa isto : dado um estímulo S, para o qual, mediante um reflexo, reagimos por um movimento
corporal R, e um estímulo S' como uma reação R', se os dois estímulos são freqüentemente
experimentados em conjunto, S produzirá, com o tempo, R'.
2
0 que vale dizer, o corpo agirá como se S'
estivesse presente. A inferência fisiológica é importante na teoria do conhecimento, e terei observações a
acrescentar mais adiante. Por enquanto, mencionei-a parcialmente para evitar que ela fosse confundida
com a inferência lógica, e também a fim de introduzir o problema da indução, sobre a qual devemos
dizer algumas palavras preliminares nesta fase de nossa exposição.
A indução propõe talvez o mais difícil problema em toda a teoria do conhecimento. Toda lei científica é
estabelecida por seu intermédio, e no entanto é difícil ver porque a julgaríamos um processo lógico
válido. A indução, em seu fundamento, consiste do seguinte argumento : já que A e B têm sido
encontrados juntos muitas vezes, e jamais separados, quando A for encontrado outra vez, B
provavelmente o será também. Isto ocorre, primeiro, como "inferência fisiológica", e como tal é
praticado por animais. Quando começamos a refletir, nós nos descobrimos a fazer induções no sentido
fisiológico; por exemplo, à espera de que o alimento que vemos possua um certo gosto. Com freqüência:
só nos damos conta dessa expectativa quando ela nos desaponta., isto é, se provamos sal julgando ser
açúcar. Ao abraçar a ciência, a humanidade tentou formular princípios lógicos justificadores desse
gênero de inferência. Discutirei tais tentativas em capítulos posteriores; agora, direi apenas que elas me
parecem assaz infrutíferas. Estou convencido de que a indução deve ter alguma validade, até certo grau,
mas o problema de mostrar como ou por que ela pode ser válida continua insolúvel. Enquanto isso não
for resolvido, o homem racional duvidará se o alimento o nutrirá, e se o Sol se erguerá amanhã. Não sou
file:///C|/site/livros_gratis/duvidas_filosoficas.htm (7 of 8) [23/06/2001 21:10:46]