"Você é a maior cantora do Brasil, a maior de todas já, não tem dúvida, você é o
máximo".
O mito Gal Costa nasceria mais tarde.
- Gal é o nome dela. Tem gente que diz que foi inventado por Guilherme Araújo.
Não foi não, é mentira. Toda mulher baiana que se chama Maria da Graça ou das
Graças, no plural ou no singular tem automaticamante o apelido de Gal. Gal é o
nome dela, sempre foi o nome dela. A idéia de botar Gal Costa, de botar um dos
sobrenomes como nome artístico, é que foi do Guilherme. Ele achava que Maria
da Graça era nome de fadista, não condizia com uma coisa moderna. Nós
achávamos Gal lindo, achávamos que poderia ser só Gal. Mas Guilherme odiava e
odeia até hoje nome sem sobrenome, acha cafona, que não é chique. Foi ele que
botou Moraes Moreira, Jards Macalé e Gal Costa.
Bethânia, Gal, Gil e Caetano - estavam prontos os Doces Bárbaros que, muitos
anos depois, cheios de felicidade e amor no coração, entrariam nas cidades,
rasgando a manhã, avançando através dos grossos portões. Ali em Salvador, em
1964, ano em que a ditadura se instala no país, o quarteto se junta com Tom Zé e
faz o show ‘Nós, por exemplo'. Era a arrancada para o profissionalismo. Gil já
pensava em mudar para São Paulo. Caetano foi ao Rio para acompanhar a mana
Bethânia, convidada para substituir Nara Leão, estrela e musa da Bossa Nova, no
show ‘Opinião’. Voltou a Salvador decidido:
- Olha, Gil, eu pretendo fazer outra coisa. Vou ficar por perto, quero acompanhar
vocês, mas Bethânia já está lançada. Gal necessariamente será uma cantora e
você é que é o homem da música mesmo. Eu vou gradativamente me afastando.
Não quero fazer música, não me sinto músico.
Mais tarde, logo depois do Tropicalismo, Caetano teria uma recaída e, de novo,
quis deixar a música para fazer cinema e bolar projetos para Bethânia, Gal e Gil:
- Eu queria fazer outra coisa pra não ficar entrar no trabalho direto com música e
não atrapalhar os músicos de verdade. Mas o Gil, nas duas oportunadades que
lhe falei disso, me dissuadiu desesperadamente. Reagiu nas duas ocasiões como
se fosse uma coisa inaceitável. E me disse claramente que, se eu não fizesse
música, ele deixava de fazer. Então, eu pensava: para mim, Gil é a própria
música. Então, era a música me dizendo que eu tinha que fazer alguma coisa.
E fez. Afinal, quando levou aquele primeiro papo, na volta do Rio para Salvador,
Caetano já era um compositor e, dentro de pouco tempo, lançaria "Domingo", um
disco lindo e delicado, dividido com a ainda Maria da Graça. Mas não o encantam
os ecos joãogilbertianos em "Domingo":
- "Domingo" é sub-Bossa Nova. A única coisa que não é sub ali é a voz da Gal. É
bonito, tem alguma graça, mas desde aquela época eu achava isso mesmo.
Caetano preparava o salto para o Tropicalismo. Já queria muito, mesmo que
parecesse modesto:
- Tem uma história que o Augusto de Campos conta sobre música, um modo de
interpretar a atuação de Erick Satie na história da música, que é como se o Erick
Satie tivesse visto que o Debussy já tinha feito tudo. Eu acho que o Erick Satie
chegou mesmo a dizer isso, não sei, ou é o Augusto que diz ou é alguém que diz
e o Augusto me contou, mas, enfim, o Satie viu, que, naquela direção, a música de
Debussy era tão deslumbrante, concebida, tão realizada, que ele tinha de fazer o
avesso. Ele parte para uma simplicidade exagerada, depois para a entrada do