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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
DO MONOPÓLIO À LIVRE CONCORRÊNCIA
A CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO
Mestrando: Ilan Goldberg
Orientador: Professor Doutor Marcos Juruena Villela Souto
Rio de Janeiro
2007
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Do Monopólio à Livre Concorrência
A Criação do Mercado Ressegurador Brasileiro
Ilan Goldberg
UCAM
2007
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
DO MONOPÓLIO À LIVRE CONCORRÊNCIA
A CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Direito, área de regulação e
concorrência, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito,
sob a orientação do Professor Doutor
Marcos Juruena Villela Souto.
Rio de Janeiro
2007
Goldberg, Ilan
Título: Do monopólio à livre
concorrência. A criação do mercado
ressegurador brasileiro.
Ilan Goldberg. Rio de Janeiro.
Universidade Cândido Mendes,
Mestrado em Direito, 2007.
Xi, 195p., il. 31 cm.
Orientador: Marcos Juruena Vilella
Souto
Dissertação (Mestrado) – UCAM,
Mestrado em Direito, 2007.
Referências Bibliográficas, f. 187-
195
1. Resseguro 2. Regulação 3. Auto-
regulação.
Autor: Ilan Goldberg
Título: Do monopólio à livre concorrência. A criação do
mercado ressegurador brasileiro.
Assunto: Resseguro. Criação do mercado ressegurador
brasileiro. Modificação do papel do Estado. Ordem Econômica
Constitucional. Regulação. Auto-regulação. Principais
elementos a serem observados pelo órgão regulador. Autonomia
da vontade das partes. Usos e costumes internacionais.
Número de folhas: 195 fls.
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
DO MONOPÓLIO À LIVRE CONCORRÊNCIA
A CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO
Ilan Goldberg
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Direito, submetida à
aprovação da Banca Examinadora
composta pelos seguintes membros:
___________________________________
Orientador: Prof. Dr. Marcos Juruena
Villela Souto
___________________________________
Prof. Dr. Paulo Luis de Toledo Piza
___________________________________
Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim
Rio de Janeiro
2007
À minha esposa, Maria Goldberg,
literalmente por tudo.
À minha mãe, por ter-me ensinado a ser
quem sou.
Ao meu irmão, melhor amigo.
Ao meu pai.
AGRADECIMENTOS
A primeira pessoa e, com certeza, a que mais me motivou a aceitar o desafio de
cursar o Mestrado em Direito foi a minha linda esposa, Maria.
Naquela ocasião, em meados de setembro de 2004, confesso que o curso não era
uma prioridade para mim mas, com apoio e incentivo, resolvi participar do concurso de
seleção e, dali por diante, o caminho foi longo e muito trabalhoso. O resultado, com
certeza, extremamente proveitoso.
Realmente muitos finais de semana e feriados foram dedicados à realização deste
trabalho. A advocacia, como profissão, exige muito do profissional. Conciliar o
exercício desta profissão com o desenvolvimento de um projeto acadêmico requer
dedicação, esforço e perseverança. O lazer, a prática dos esportes que tanto prezo, assim
como o convívio com a família e os amigos, tiveram que ser deixados para um segundo
plano. Por já ter passado por esta experiência, Maria soube como me motivar em cada
momento, dando-me força para não esmorecer, mesmo quando a redação do trabalho
parecia que jamais teria fim.
Por todo o amor e pela compreensão incondicional, meu agradecimento
especialíssimo é dedicado a você, Sra. Goldberg, com quem tenho o prazer e a alegria
de conviver no meu dia-a-dia.
Minha mãe Anita, “desde sempre”, educou-me da melhor maneira possível. Não
poupou esforços para, sozinha, proporcionar uma vida excelente a mim e ao meu irmão,
sendo absolutamente decisiva na formação da minha personalidade. Querida mãe: a
você, o meu agradecimento e a minha admiração, por tudo o quê você representou,
representa e representará à minha vida. Um modelo de luta e de pessoa para mim e para
todos os meus.
Ao Andre, meu irmão e melhor amigo, grande companheiro, que também me
acompanha desde o início. Recordo-me da alegria que foi a cerimônia de recebimento
da carteira de estagiário da Ordem dos Advogados do Brasil, quando ainda cursava o 7º
período da Faculdade de Direito. Lá estávamos, juntos, celebrando, sempre juntos.
Meu pai, Jaques, me fez muito feliz a nossa reaproximação nos últimos anos. Que
possamos seguir dessa maneira até os 120 anos. Cada vez mais próximos.
Ao meu orientador, Doutor Marcos Juruena, um agradecimento muito especial.
Lembro-me da nossa primeira conversa, na qual lhe expus o que pretendia abordar na
minha dissertação. A partir de então, quando, imediatamente, o meu pedido foi aceito,
somente tenho elogios a lhe fazer. Não houve uma ocasião em que eu tenha ficado sem
uma rápida resposta. A leitura dos capítulos, na medida em que foram sendo elaborados,
sempre foi realizada de forma minuciosa, o que colaborou sobremaneira para o
aprimoramento do produto final.
Diversas foram as recomendações ao longo deste caminho de pouco mais de 2
(dois) anos que, com certeza, muito me ajudaram à consecução deste trabalho e, mais do
que isto, para o meu amadurecimento como profissional do Direito.
A você, Doutor Marcos, o meu sincero agradecimento. Esta dissertação,
indubitavelmente, também é obra sua.
Ao meu grande amigo, parceiro e sócio Eduardo Chalfin, que me acolheu de
braços abertos quando eu ainda era estagiário, no segundo ano de Faculdade. Mais
tarde, me propôs uma sociedade na advocacia que, com todo o nosso esforço, hoje é
muito proveitosa e gratificante. A você, meu amigo Chalfin, a minha mais profunda
gratidão.
À Clara Vainboim, minha igualmente amiga, parceira e sócia, que sempre me
apoiou nos meus projetos acadêmicos, mesmo ciente de que, inevitavelmente, estes
tomariam espaço das minhas atribuições profissionais cotidianas. Com você Clara,
tenho demonstrações diárias de como é importante aproveitar cada momento da vida.
A todos os meus colegas do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados
Associados e, em especial, menciono alguns nomes, desde já receoso por ter esquecido
algum, por terem colaborado com as pesquisas, revisão dos textos, troca de idéias e,
mais do que isso, por terem me transmitido a tranqüilidade para, em alguns momentos,
abdicar das minhas atribuições profissionais para me concentrar no desenvolvimento
desta dissertação. São eles: Paulo Maximilian W. M. Schonblum, Leonardo Burman,
Ticiana Kirszberg, Walter Fares, Roberto Flamenbaum, Eric Dias, Camila Mazzarela,
Andréa Duarte Maravilha, Luis Eduardo Meurer Azambuja, George Mc Kenzie, Úrsula
Goulart, Márcia Zavataro, Marcio Alchorne, Rodrigo Marra, Paula Rodrigues, Beatriz
Rangel, Sari Franco, Mirela Saar Câmara, Gabrielle Cerri, Roberta Mauro, Daniella
Guarnieri Krause, Eduardo Malheiros Fonseca, Beresford Martins Neto, David e
10
Gabriela Paterman, Maria Angélica Benetti, Ana Lúcia Berardinelli, Fábio Castro,
Danielle Gimenez, Josi Mota, Claudia Batista, Simone Silva, Rafael Rodrigues, Felipe
Garcia, Elaine Souza, Eron Pereira e Simone Willkomm.
No mercado da advocacia securitária, duas pessoas foram muito especiais para o
meu aprimoramento profissional.
Assim, agradeço sinceramente ao Doutor Ernesto Tzirulnik, pelas boas conversas
que tivemos nos últimos anos, muito enriquecedoras para mim. Também lhe agradeço
por ter-me disponibilizado a biblioteca do seu escritório, na qual pude aprofundar um
pouco mais as minhas pesquisas.
Ao Doutor Paulo Piza, com quem tive o privilégio de passar a conviver nos
últimos anos, que considero do mais elevado grau de conhecimento em matéria de
resseguro. Aprendi muito com as suas observações e com sua obra.
Ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade Cândido Mendes, nas
pessoas dos funcionários Fagner Castro e Ana Paula Ioselli e, em especial, ao Doutor
João Marcelo de Lima Assafim, cuja participação em minha banca examinadora muito
engrandeceu o produto final desta dissertação.
Por fim, agradeço ao grupo de estudos de resseguro da Associação Internacional
de Direito do Seguro – AIDA BRASIL, em especial ao Doutor Sérgio Mello, que
coordena este grupo e que, muito gentilmente, recebeu alguns capítulos desta
dissertação para exame.
RESUMO
Nesta dissertação analisamos os principais aspectos decorrentes da modificação
do papel do Estado por força do advento da Constituição da República de 1988, tendo
como foco o resseguro. Por força da ordem econômica que prevalecia na década de 30,
ao IRB, à época chamado Instituto de Resseguros do Brasil, criado em 1939, foi
imediatamente concedida a exploração do resseguro em regime de monopólio. Passados
mais de 60 (sessenta) anos desde a sua criação, em 15.01.2007, foi sancionada a Lei
Complementar nº. 126, que eliminou o monopólio até então existente. Os principais
elementos a serem observados pelo órgão responsável pela regulação do recém criado
mercado ressegurador brasileiro foram estudados, merecendo especial relevo a
autonomia da vontade das partes, bem como os usos e costumes internacionais. Aos
aspectos jurídico-constitucionais que envolveram a elaboração do Projeto de Lei
Complementar nº. 249, de 2005, que culminou com a sanção da mencionada Lei
Complementar, também foi dedicada atenção, partindo da emenda à Constituição nº. 13,
de 1996, passando pela Lei nº. 9.932, de 1999, a Ação Direta de Inconstitucionalidade -
ADIN nº. 2223-7, a Emenda à Constituição nº. 40, de 2003, o posterior julgamento da
mencionada ADIN, culminando, por derradeiro, com a sanção do referido Projeto de
Lei Complementar. Estudou-se, também, a necessidade de que a regulação do
resseguro, em razão de sua marcante especificidade e tecnicidade, deve ser realizada por
agência reguladora independente, a ser criada com esta finalidade, sendo certo que, ante
à influência dos mencionados usos e costumes internacionais, cuja efetivação é
realizada pelos próprios resseguradores, demonstrou-se a viabilidade jurídica de que o
resseguro possa ser objeto de auto-regulação no Brasil.
ABSTRACT
On this work, we draft an analysis of the principal aspects related to the
modification of the role of the State after the Brazilian Federal Constitution of 1988.
Because of the economic order current in the 30 s, IRB, at that time called 'Instituto de
Resseguros do Brasil', created in 1939, was immediately given the monopoly of the
reinsurance. After more than 60 (sixty) years since it´s creation, in January, 15th, 2007,
the Brazilian Congress enacted the Complementary Law nº. 126, which eliminated the
above-mentioned monopoly. This work also studied the essential elements to be
observed by the regulatory agency of the Brazilian reinsurance market, with special
attention to the autonomy of the Parties weal and the international practices. In addition,
the judicial and constitucional aspects regarding the Complementary Law Project nº.
249, of 2005 were examined, including Amendment to the Brazilian Federal
Constitution No. 13, of 1996, the Law No. 9.932, of 1999, the motion for declaration of
unconstitutionality nº. 2223-7 filed before the Brazilian Supreme Court , the
Amendment to the Constitution No. 40, of 2003, and, finally, the enactment of
Complementary Law Project. Because of it´s specificity and required technical
expertise, it is argued in this work that the regulation of reinsurance must be done by an
independent regulatory agency, to be created with this goal. Because of the importance
of the so called international practices, applied by the reinsurers themselves, the work
also examines the legal viability of their self-regulation in Brazil.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 15
1 SÉCULOS XX E XXI – O ESTADO E A MODIFICAÇÃO DE
SUAS FUNÇÕES ......................................................................................
19
1.1 Introdução ......................................................................................... 19
1.2 Primeiras Considerações Relativas ao Setor de Resseguro
Brasileiro ...........................................................................................
27
1.3 A Espera pelo Fim do Intervencionismo no Setor de Resseguro ..... 34
1.4 A Importância da Emenda à Constituição nº. 13, de 21 de
Agosto de 1996 .................................................................................
36
1.5 Como Passo Seguinte, a Emenda à Constituição nº. 40, de 29
de Maio de 2003 ...............................................................................
38
1.6 A Exploração do Setor de Resseguro em Regime de Monopólio .... 40
1.7 Conclusões Parciais .......................................................................... 47
2 DO REGIME MONOPOLISTA À LIVRE CONCORRÊNCIA – A
CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO.....
49
2.1 Considerações Iniciais ...................................................................... 49
2.2 Contextualizando o Resseguro ......................................................... 54
2.3 Limitações do Poder Regulatório exercido pelo Estado sobre o
Resseguro ..........................................................................................
62
2.4 A Criação do Mercado Ressegurador Brasileiro ........................ 65
2.5 Os Fundamentos que Sustentam a Regulação do Mercado
Ressegurador Brasileiro ....................................................................
75
2.5.1 A Flexibilização do Monopólio sob a Perspectiva
Jurídico-Constitucional ...........................................................
75
2.6 Regulação e Resseguro ..................................................................... 78
2.7 Os Principais Elementos a serem observados pelo Órgão
Regulador do Resseguro no Brasil....................................................
79
2.7.1 A Higidez Econômico-Financeira ........................................... 79
2.7.2 Livre Iniciativa e Livre Concorrência ..................................... 82
2.7.3 Cooperação .............................................................................. 87
2.8 Os Benefícios Decorrentes da Abertura do Mercado
Ressegurador Brasileiro: ...................................................................
92
2.9 Conclusões Parciais .......................................................................... 96
3 DADOS PROVENIENTES DOS MERCADOS RESSEGURADO-
RES ARGENTINO, DA COMUNIDADE EUROPÉIA E DOS
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA .......................................................
98
3.1 Introdução ......................................................................................... 98
3.2 O Mercado de Resseguros na Argentina .......................................... 99
3.2.1 Breve Panorama ...................................................................... 100
3.2.2 A Atuação do INdeR ............................................................... 103
3.2.3 A Exploração do Resseguro em Regime de Livre Concor-
rência ......................................................................................
105
3.2.4 As Atribuições Regulatórias .................................................... 109
3.3 O Mercado de Resseguro na Comunidade Econômica Européia ..... 111
3.4 O Mercado de Resseguro dos Estados Unidos da América – EUA . 117
3.5 Conclusões Parciais .......................................................................... 121
4 HAVERIA UM AMBIENTE PROPÍCIO À AUTO-REGULA-
ÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO?
AS FUNÇÕES A SEREM EXERCIDAS PELO IRB –
BRASIL RESSEGUROS S.A. ..............................................................
123
4.1 Introdução ......................................................................................... 123
4.2 Do Monopólio à Livre Concorrência por Intermédio da Regula-
ção. O Destino Final será a Auto-Regulação? ..................................
125
4.3 Justificativa para a Regulação Independente .................................... 127
4.4 Auto-Regulação ................................................................................ 134
4.5 Os Usos e Costumes Ressecuritários Internacionais ........................ 144
4.5.1 Comunhão de Sorte entre Segurador e Ressegurador –
folow the fortunes ....................................................................
148
4.5.2 Autonomia de Gestão do Segurador ........................................ 151
4.5.3 Obrigação de Respeito aos Atos Praticados pelo Segurador ... 154
4.5.4 Direito de Inspeção .................................................................. 155
4.5.5 Dever de Retenção do Risco pelo Segurador .......................... 157
4.6 Conclusão Quanto aos Usos e Costumes Internacionais .................. 158
4.7 As Funções a serem Exercidas pelo IRB – Brasil Resseguros
S.A. no Mercado Ressegurador Brasileiro .......................................
159
4.7.1 O IRB Brasil – Resseguros S.A. como Regulador do
Mercado – Impossibilidade .....................................................
161
4.7.2 O IRB – Brasil Resseguros S.A. como Estatal e Competidor . 164
4.7.3 Desestatização do IRB – Brasil Resseguros S.A.? .................. 167
4.8 A Criação de uma Agência Reguladora Independente para a
Regulação do Resseguro ...................................................................
169
4.9 Conclusões Parciais .......................................................................... 177
CONCLUSÃO ................................................................................................ 180
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 183
INTRODUÇÃO
A Constituição da República, de 5 de outubro de 1998, positivou no ordenamento
jurídico brasileiro os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência em seus
artigos 1º, inciso IV e 170, caput e inciso IV, sendo certo que a relação de atividades
passíveis de exploração em regime de monopólio foi taxativamente discriminada no
artigo 177.
O resseguro, independentemente de não figurar dentre as atividades previstas no
artigo 177 do texto constitucional, foi objeto de exploração monopolista desde 1939,
quando da criação do à época chamado Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, por
força do Decreto-lei nº. 1.186, de 3 de abril daquele ano.
Em razão da incipiência do mercado segurador nacional naquele período, quando
da criação do IRB foi observada a necessidade de que a exploração do resseguro fosse
realizada em regime de monopólio da União, como forma de evitar a evasão de divisas e
de bons negócios para o exterior.
Passados 67 (sessenta e sete) anos desde a criação do mesmo, precisamente em 15
de janeiro de 2007 foi sancionada a Lei Complementar nº. 126 que, enfim, flexibilizou o
monopólio do resseguro no Brasil, submetendo a sua exploração à livre concorrência.
No que se refere à atuação do Estado, após se sucederem diversas modificações
em serviços públicos e atividades econômicas diversas, como, a título exemplificativo,
as ocorridas com as telecomunicações e com a exploração de petróleo e gás, por força
das Emendas à Constituição números 8, de 15 de agosto de 1995 e 9, de 9 de novembro
de 1995, respectivamente, corolário da convicção de que os modelos do Estado Bem-
Estar, Empresário e Desenvolvimentista deveriam ser redesenhados, reuniram-se os
elementos necessários à modificação do regime de exploração do resseguro no país.
Assim, estudamos nesta dissertação, especificamente, todos os passos seguidos a
caminho da flexibilização do monopólio do IRB – Brasil Resseguros S.A.
(nomenclatura que passou a ser utilizada a partir de 1997, quando da promulgação da
Lei nº. 9.482, de 13 de agosto), migrando do regime monopolista para o regime da livre
concorrência.
16
No primeiro capítulo, abordaremos a mencionada modificação das funções
exercidas pelo Estado, tendo como foco o setor de resseguro. Procuramos demonstrar
que, durante boa parte do século XX, o monopólio da União, exercido por intermédio de
sua resseguradora, justificou-se, considerando que o desenvolvimento da economia
nacional encontrava a necessidade de que fossem oferecidas as coberturas
ressecuritárias. Caso não houvesse um ressegurador brasileiro, em condições de oferecer
essas coberturas, necessariamente haveria a necessidade de se recorrer aos mercados
resseguradores estrangeiros, ocasionando um esvaziamento da economia nacional.
O controle da União sobre o resseguro brasileiro afigurava-se estratégico com
vistas ao aperfeiçoamento do mercado segurador nacional e, além disso, mostrava-se
perfeitamente alinhado com o modelo estatal predominante – o chamado “hiper-Estado”
– marcado pelo acúmulo de responsabilidades nos mais diversos segmentos da
sociedade, fossem afetas aos serviços públicos ou às atividades econômicas.
No segundo capítulo, analisaremos como se processará a construção do mercado
ressegurador brasileiro. Mesmo considerando a sanção da mencionada Lei
Complementar, analisaremos que este diploma legal, por si só, não será capaz de
propiciar a criação do mercado ressegurador brasileiro.
Tomando como ponto de partida a exploração em regime monopolista, marcado
pela existência de um setor de resseguro e não do mercado, discutiremos quais são os
principais alicerces sobre os quais o órgão responsável pela regulação do mercado
ressegurador brasileiro deverá centrar a sua atuação, quais sejam, higidez econômico-
financeira, livre concorrência e acordos de cooperação.
Sob a perspectiva jurídico-constitucional, explicaremos, de maneira
pormenorizada, a importância da Emenda à Constituição nº. 13, de 21 de agosto de
1996, sucedida, três anos mais tarde, pela Lei Ordinária nº. 9.932, de 20 de dezembro de
1999, cujo escopo era transferir as atribuições regulatórias exercidas pelo IRB – Brasil
Resseguros S.A. à Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, autarquia vinculada
ao Ministério da Fazenda, responsável pela regulação do mercado segurador brasileiro
desde 1966, por força do que determina o artigo 36 do Decreto-lei nº. 73, de 21 de
novembro daquele ano, não obstante tenha ocorrido a recepção deste diploma legal pela
Constituição Federal de 1988.
17
Comentaremos a respeito da ADIN nº. 2223-7, que atacou a comentada
transferência de atribuições regulatórias do IRB – Brasil Resseguros S.A. à
Superintendência de Seguros Privados – SUSEP por meio de Lei Ordinária, ao
argumento de que esta transferência carecia de que fosse sancionada Lei Complementar
a respeito da matéria.
Na seqüência, observaremos a importância da Emenda à Constituição nº. 40, de
29 de maio de 2003 e sua influência no julgamento da referida ADIN pelo Supremo
Tribunal Federal, culminando, já em 2007, consoante se expôs, com a sanção da Lei
Complementar nº. 126, fruto da aprovação do Projeto de Lei Complementar nº. 249.
Particularmente no que toca à regulação do resseguro, destacaremos a relevância
dos usos e costumes internacionais e da autonomia da vontade das partes, chamando a
atenção à necessidade de que a intervenção estatal nas relações que serão desenvolvidas
entre resseguradores e seguradores deverá ser leve, norteada pelo princípio da
subsidiariedade.
Por fim, analisaremos as principais vantagens decorrentes da flexibilização do
monopólio do resseguro no país.
No terceiro capítulo estudaremos dados provenientes dos mercados
resseguradores argentino, da Comunidade Européia e dos Estados Unidos da América.
Do mercado ressegurador argentino, foram colhidas as experiências oriundas da
flexibilização do monopólio ocorrido naquele país, por força da liquidação do Instituto
Nacional de Reaseguros, ocorrida em 1992.
Dos mercados resseguradores da Comunidade Européia e dos Estados Unidos da
América, extraiu-se a importância de que seja fiscalizada a higidez econômico-
financeira dos seus resseguradores.
Ante à globalização e a atuação dos resseguradores nos cinco continentes,
demonstraremos que na Comunidade Européia o ressegurador autorizado a atuar num
país integrante passa a poder atuar, automaticamente, em todos os demais países
integrantes deste bloco, por força do que determina a Diretiva 2005/68/CE, de 16 de
novembro de 2005.
Nos Estados Unidos da América, de maneira similar, o ressegurador que obtém a
autorização para funcionamento num determinado Estado, independentemente das
18
diferenças legislativas com outros Estados, fica, também autorizado a exercer as suas
funções nos demais estados.
No quarto capítulo, discutiremos se estariam ou não presentes os requisitos
necessários à auto-regulação do mercado ressegurador brasileiro. Nesse passo,
mencionaremos também quais serão as atribuições do IRB – Brasil Resseguros neste
novo cenário.
Antes, porém, de tratar da auto-regulação, demonstraremos a necessidade de que a
regulação do resseguro seja realizada de forma independente, por agência reguladora
criada especificamente com esta finalidade, visando justamente evitar interferências do
próprio Estado ou dos particulares envolvidos com este mercado – a incidência da
captura.
Com relação aos principais aspectos que deverão ser analisados pelo órgão
regulador do mercado ressegurador, comentaremos, individualmente, a respeito dos
usos e costumes internacionais aplicáveis à matéria.
Quanto às funções a serem exercidas pelo IRB – Brasil Resseguros S.A. no
mercado aberto de resseguro brasileiro, trataremos acerca da impossibilidade de que
pelo mesmo permaneçam sendo exercidas atribuições regulatórias, assim como
estudaremos a possibilidade de que este continue como estatal, competindo com os
demais resseguradores que se instalarão no mercado ressegurador nacional.
Por fim, cuidaremos da análise da viabilidade jurídica de que o IRB seja
desestatizado, bem como reforçaremos a necessidade de que a regulação do mercado
ressegurador seja exercida por agência reguladora independente, a ser criada com esta
finalidade específica.
CAPÍTULO 1
SÉCULOS XX E XXI – O ESTADO E A MODIFICAÇÃO DE SUAS
FUNÇÕES
1.1 Introdução
Os artigos 1º, inciso IV e 170, caput e inciso IV, da Constituição Federal de
5.10.1988, trataram da livre iniciativa e da livre concorrência como princípios da ordem
econômica, o que representou uma inovação em comparação com as Constituições
brasileiras anteriores, consideradas as modificações ocorridas com o Estado ao longo
dos anos 90.
Compreendidas como, respectivamente, fundamento da República Federativa do
Brasil e princípio da ordem econômica, a livre iniciativa e a livre concorrência
1
revelaram uma modificação do cenário construído ao longo do Século XX,
consideravelmente marcado pela intervenção estatal, corolário do regime ditatorial
2
.
1
“No concernente à organização da nossa ordem econômica, parece inegável o predomínio dos princípios da livre
iniciativa e da livre concorrência, que, embora sejam expressões próximas, não se confundem. De fato, a livre
iniciativa garante a todos – papel primordial é preservado à iniciativa particular – a prerrogativa de lançar-se no
mercado, na exploração de uma determinada atividade, por sua própria conta e risco, não assegurando a
prevalência das leis de mercado. Enquanto que a livre concorrência vai mais além e assegura ao agente
econômico a possibilidade de desfrutar da exploração de um setor submetido a regras que permitem uma
competição em condições de igualdade, de isonomia com relação aos demais concorrentes. A livre concorrência
envolve a competitividade, a disputa por mais de uma empresa em torno da conquista do mercado, o que gera
maior produtividade, melhorias dos preços e qualidade dos produtos. Ora, estes princípios vetores são
absolutamente infensos à intromissão do Estado na economia, que hoje, portanto, deve ater-se à exploração de
seus monopólios (art. 177 da CF), assim como a assunção excepcional da atividade econômica, quando presentes
os pressupostos do art. 173 – porém, não em caráter monopolista – e à atividade regulamentadora, que vem
disciplinada no art. 174, e que também não é incondicionada à atuação estatal; pelo contrário, o Poder Público só
pode regulamentar nos termos do caput do referido artigo (...)”.(Celso Ribeiro Bastos. Instituto de Resseguros
do Brasil – Seguros face à Constituição Federal. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política,
v. 7. São Paulo: RT, 1994, pp. 140/150).
2
A principal diferença existente entre as Constituições da República de 1988 e as que lhe antecederam pode ser
destacada a partir da possibilidade anteriormente existente de que o Estado pudesse criar monopólios por
iniciativa legislativa a cargo da União Federal. A seguir, alguns dispositivos das Constituições Brasileiras
anteriores à atual:
2
A Constituição Federal de 16 de julho de 1934, em seus artigos 115 e 116, dispunha: Art.
115. “A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida
nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade
econômica. Parágrafo único - Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias
regiões do País. Art 116 - Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá
monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizações, devidas, conforme o
art. 112, nº 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes locais.” A Constituição
20
Enquanto que em boa parte daquele Século o Estado tenha ficado marcado pela
atuação direta nos mais diversos seios da Sociedade, sobretudo nos Poderes Executivo e
Legislativo, o que, por certo, acarretou a exploração de diversos serviços públicos e de
atividades econômicas em regime de monopólio, além de terem sido instituídos diversos
outros monopólios independentemente de prévia disciplina pelas Constituições federais,
a segunda metade da década de 1990 e o início do Século XXI apresentaram mostras
evidentes de que tanto a livre iniciativa quanto a livre concorrência estão assumindo
papel fundamental nas reformas que o Estado brasileiro vem sofrendo.
O início do Século XX, até aproximadamente a década de 1930, marcou o Estado
brasileiro por ser essencialmente agro-produtor, sendo praticamente inexistente
qualquer aparato industrial digno de distinção. Luis Carlos Bresser-Pereira
3
comenta
esse período, que demarcou o início do desenvolvimento industrial brasileiro:
A partir de 1930, ou, se quisermos ser mais exatos, no decorrer dos anos
1930, tem início a decolagem do desenvolvimento brasileiro; é nesta década
que o Brasil entra propriamente na fase de sua Revolução Industrial. As
transformações que irão ocorrer a partir desse momento, todavia, não surgem
do nada. Embora só a partir de 1930 se verifique uma solução de
continuidade no processo histórico brasileiro, que dá um salto para frente,
rompendo com suas bases agrárias, tradicionais e de caráter basicamente
colonial, é certo que a decolagem da economia brasileira tem antecedentes
bem definidos
4
.
Federal de 10 de novembro de 1937, em seu artigo 135, dispunha: “Na iniciativa individual, no poder de criação,
de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a
prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências
da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e
introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado.
A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo
ou da gestão direta”. A Constituição Federal de 18 de setembro de 1946, em seu artigo 146, dispunha: “A União
poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade.
A intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta
Constituição”. A Constituição Federal de 1967, em seu artigo 157, caput, e parágrafos 8º e 9º, dispunha: “Art 157
- A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: I - liberdade de
iniciativa; II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III - função social da propriedade;
IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produção; V - desenvolvimento econômico; VI - repressão ao
abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento
arbitrário dos lucros. § 8º - São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada
indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, ou para
organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de
iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais. § 9º - Para atender à intervenção no domínio
econômico, de que trata o parágrafo anterior, poderá a União instituir contribuições destinadas ao custeio dos
respectivos serviços e encargos, na forma que a lei estabelecer”.
3
BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. Desenvolvimento e Crise no Brasil. 5 ed. São Paulo: Ed. 34, 2003, p. 41.
4
Com relação aos elementos que antecederam o desenvolvimento da atividade industrial no país, convém observar
as palavras de Bresser-Pereira (ob. cit., p. 41): “Esses antecedentes podem ser encontrados, em primeiro lugar, no
desenvolvimento da cultura do café, que se desenvolve no Brasil a partir de meados do século XIX. O ciclo do
café tem características diversas do ciclo do açúcar ou do ouro. Além do fato de os ciclos do açúcar e do ouro
terem ocorrido em plena época colonial, a diferença fundamental está no fato de que com o café começa a ser
usado em grande escala o trabalho assalariado, ao invés do trabalho escravo. (...) Surge, assim, em grande escala
21
Com o advento do regime ditatorial no país, mais precisamente com a chegada da
“Era Vargas”, a aspiração por um Estado forte e que fosse competitivo fez com que a
intervenção estatal nos mais diversos setores da economia e da infra-estrutura se
acentuasse, o que vinha ao encontro da ideologia segundo a qual as divisas produzidas
no Brasil não deveriam ser expropriadas pelo capital estrangeiro. Mesmo criticado por
ter sido instituído o regime ditatorial em 1937 e em 1945, fato é que Getúlio Vargas,
entre as décadas de 30 e 60, conseguiu implementar o desenvolvimento da economia
nacional. Os comentários de Bresser-Pereira
5
a respeito deste período são precisos:
Nos quase 20 anos em que governou o Brasil, Getúlio cometeu erros, o
principal dos quais foi ter assumido poderes ditatoriais entre 1937 e 1945,
mas isso não o impediu de ser o grande estadista brasileiro do século 20.
Entre 1930 e 1960, o Brasil se transformou: logrou completar sua revolução
capitalista e avançou a passos largos em sua revolução nacional. Em 1930 o
Brasil era um país agrícola; em 1960, um país industrial. Em 1930 o
capitalismo era ainda essencialmente mercantil e, não obstante o surgimento
de uma elite cafeeira moderna no oeste paulista, a idéia de aumento da
produtividade engatinhava; em 1960, o capitalismo brasileiro já era
industrial, liderado por uma nova classe empresarial originária da imigração,
que investia e incorporava progresso técnico a todo vapor. Em 1930 a classe
média era pequena, girando em torno de um Estado patrimonial; em 1960
surgira uma grande classe média privada, enquanto a tecnoburocracia estatal
crescera e se modernizara. Em 1930 o Estado patrimonial era apenas um
instrumento de ordem e da unidade nacional; em 1960, transformara-se no
grande Estado desenvolvimentista que permitia à economia brasileira crescer
como nunca antes crescera.
A construção do Estado brasileiro forte, portanto, motivou a instituição de
monopólios em diversos segmentos importantes para a economia e a infra-estrutura do
país, sendo exemplos clássicos o regime monopolista sobre a exploração de petróleo e
derivados
6
, sobre o sistema de telecomunicações
7
e sobre o sistema de produção e
no Brasil, fora dos centros urbanos, o trabalho remunerado, que permitirá a formação de um incipiente mercado
interno. Abre-se uma brecha no sistema agrário tradicional brasileiro, de caráter semifeudal, com as fazendas
constituindo-se em centros relativamente auto-suficientes no que diz respeito ao consumo de seus escravos e
agregados. Desenvolve-se o comércio interno. Começam a surgir as condições básicas para a instalação de uma
indústria nacional orientada para o mercado interno”.
5
BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. O Estadista Brasileiro do Século XX. Artigo publicado no
Jornal Folha de São Paulo. 22.08.2004. Disponível em
<http://www.bresserpereira.org.br/ver_file.asp?id=1441&busca=era%20vargas>, acessado em 12.08.2006.
6
No dia 3 de outubro de 1953, era sancionada a Lei nº. 2.004, que estabelecia o monopólio da União Federal sobre
as atividades integrantes da indústria do petróleo: (i) pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e outros
hidrocarbonetos fluidos e gases raros existentes no território nacional; (ii) refinação do petróleo nacional ou
estrangeiro; (iii) transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo
produzidos no país; e (iv) transporte, por meio de dutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases
raros de qualquer origem. A Lei nº. 2.004 estabelecia, também, que a União Federal estava autorizada a constituir
22
transmissão de energia elétrica
8
, ou seja, o raciocínio orientador da política à época
adotada era no sentido de que o Estado deveria ser um “hiper-Estado
9
”, preparado para
atuar em todas as frentes necessárias de maneira eficiente.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto
10
, discorrendo a respeito da intensa presença do
Estado no desenvolvimento da economia nacional, comenta:
Mesmo porque é nítida a inexistência de setores de produção econômica
plenos, perfeitos e autóctones ao Estado brasileiro. O Brasil era tipicamente
(ou somente) um país agro-exportador até a década de 1930. Depois disso – e
mediante uma forte intervenção estatal – tornou-se um País semi-
industrializado. O surgimento do “domínio econômico” nacional, nos mais
diversos setores (máxime as indústrias pesadas e os setores de infra-estrutura)
deve-se antes à intervenção do Estado do que à iniciativa privada. Poucos são
os setores onde se desenvolveu um capitalismo liberal puro, que não fosse
apenas um “liberalismo de fachada”. Não pode se dizer que o País ingressou
num plano desenvolvimentista autônomo, com a existência de mercados
firmes em todos os setores da economia. Muito menos se forem consideradas
a dimensão nacional e as peculiaridades regionais.
a Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras, como empresa estatal de petróleo para execução do monopólio, incluindo a
execução de quaisquer atividades correlatas ou afins àquelas monopolizadas. Surgia assim a Petrobras,
constituída em 12 de março de 1954, durante a 82ª Sessão Extraordinária do CNP. Em 2 de abril de 1954, o
Governo Federal aprovava a decisão com o Decreto nº 35.308. (Informações obtidas em
<http://www2.petrobras.com.br/portal/Petrobras.htm>, acessado em 12.08.2006).
7
Em 27 de agosto de 1962 foi editada a Lei nº. 4.117 Código Brasileiro de Telecomunicações. Esta lei
possibilitou a criação do Sistema Nacional de Telecomunicações e atribuiu à União a competência para explorar
diretamente os serviços de telecomunicações. Foi regulamentado o artigo 151 da Constituição de 1946, que
tratava das tarifas, autorizando o Poder Executivo a criar uma empresa pública para explorar os serviços. Em seu
artigo 42, foi autorizada a criação pelo Poder Executivo de uma empresa para explorar os serviços de
telecomunicações, denominada “Empresa Brasileira de Telecomunicações – Embratel”. (Fonte:
<http://www.mc.gov.br/historico/telefonia/default.htm>, acessado em 12.08.2006).
8
“Estatização (1950-1990). Por essa época, no segundo Pós-Guerra, mantido o conceito anterior de que o
desenvolvimento brasileiro tinha que ser baseado na industrialização e de que para isso a energia elétrica era
essencial, mas considerando que não estava havendo uma resposta adequada por parte da iniciativa privada no
desenvolvimento dos serviços de energia elétrica, o que entravava o desenvolvimento industrial, então o Estado
decidiu assumir a responsabilidade pela execução desses serviços, não mais deixando essa atividade por conta dos
particulares. Influenciou essa decisão a concepção, vigente à época, de que, em especial a atividade de geração de
energia elétrica, por ser considerada, no jargão econômico, uma atividade de capital intensivo, exigindo grandes
volumes de investimento e propiciando um retorno diluído a longo prazo, não estaria ao alcance da poupança
privada, que não tinha porte suficiente para responder às necessidades nacionais de investimento na geração.
Então o país assistiu, a partir do final da década de 40, o avanço estatal nos serviços de energia elétrica, em dois
níveis: de um lado, a União, criando grandes empresas geradoras – a primeira delas foi a CHESF, Cia.
Hidrelétrica do São Francisco, criada no Nordeste pelos idos de 1947-1948; e, de outro lado, os Governos
Estaduais, também entrando no setor de energia elétrica, através da criação de empresas distribuidoras. Um ano
após o outro, praticamente todos os Estados criaram, ao longo da década de 50, as suas empresas distribuidoras
de energia elétrica, contribuindo para a caracterização do novo modelo setorial brasileiro, o modelo estatal, que,
complementado pela criação da ELETROBRÁS, no início da década de 60, predominou até o recente processo de
reestruturação e privatização, iniciado em 1995. (WALTENBERG, David. O Direito da Energia Elétrica e a
ANEEL. In: Direito Administrativo Econômico. Coord. Carlos Ari Sundfeld, São Paulo: Malheiros, 2002, pp.
355/356).
9
A expressão “hiper-Estado” foi utilizada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Direito de Participação
Política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 185.
10
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito de Participação Política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p.
185. Apud MOREIRA, Bockmann. In: O Direito Administrativo da Economia e a Atividade Interventiva do
Estado Brasileiro. Direito Administrativo – Estudos em Homenagem ao Professor Diogo de Figueiredo
Moreira Neto. Coord. Fábio Medina Osório e Marcos Juruena Villela Souto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006,
p. 859.
23
Nota-se, dessa maneira, que o desenvolvimento da economia nacional ao longo do
século XX, notadamente em sua primeira metade, esteve profundamente vinculado à
intervenção estatal nas mais diversas esferas, seja em matéria de prestação de serviços
públicos, seja em matéria de desenvolvimento de atividades econômicas.
Comentando a respeito dos poderes conferidos ao Presidente da República pela
Constituição de 10 de novembro de 1937, seguem as palavras de José Afonso da Silva
11
:
Em síntese, teve a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1937, como
principais preocupações: fortalecer o Poder Executivo, a exemplo do que
ocorria em quase todos os outros países, julgando-se o chefe do governo em
dificuldades para combater pronta e eficientemente as agitações internas;
atribuir ao Poder Executivo uma intervenção mais direta e eficaz na
elaboração de leis, cabendo-lhe em princípio, a iniciativa e, em certos casos,
podendo expedir decretos-leis; reduzir o papel do parlamento nacional, em
sua função legislativa, não somente quanto à sua atividade e funcionamento,
mas ainda quanto à própria elaboração da lei; eliminar as causas
determinantes das lutas e dissídios de partidos, reformando o processo
representativo, não somente na eleição do parlamento, como principalmente
em matéria de sucessão presidencial; conferir ao Estado a função de
coordenador e orientador da economia nacional, declarando, entretanto, ser
predominante o papel da iniciativa individual e reconhecendo o poder de
criação, de organização e de invenção do indivíduo; reconhecer e assegurar
os direitos de liberdade, de segurança e de propriedade do indivíduo,
acentuando, porém, que devem ser exercidos nos limites do bem público; a
nacionalização de certas atividades e fontes de riqueza, proteção ao trabalho
nacional, defesa dos interesses nacionais em face do elemento alienígena.
A aproximação às últimas décadas do século XX, por sua vez, revelou que o
acúmulo de funções exercidas pelo Estado tornou-o ineficiente em várias delas. As
conseqüências decorrentes da globalização esclareceram que não seria possível atender
satisfatoriamente à demanda da população por serviços públicos, infra-estrutura e
desenvolvimento econômico concomitantemente, ou seja, tornou-se flagrante a
necessidade de que o Estado reformulasse o seu papel, deixando de ser o “personagem
principal”, leia-se, ator, para passar a ser “coadjuvante”, leia-se, regulador, viabilizando,
11
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 83.
João Bosco Leopoldino da Fonseca, no que se refere à autoridade do Presidente da República à época, afirma: “A
Constituição de 1937 restringiu-se unicamente ao campo do nominalismo. Foi um nome sem qualquer vinculação
com a realidade política e social do país. Fruto de um amálgama de fascismo, corporativismo, nacionalismo e de
aparente liberalismo, o fato é que os dois únicos artigos que nela tiveram eficácia foram o artigo 180, onde está
dito que “enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir
decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União”, e o artigo 186 (“é declarado em
todo o país o estado de emergência”). O país, nesse período, foi governado somente através de decretos-leis.
(FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 115/116).
24
assim, que a iniciativa privada pudesse agir em condições regulares, propiciando o
desenvolvimento em melhores condições para toda a sociedade.
Bresser-Pereira
12
, dissertando a respeito da influência da Globalização na referida
modificação do papel do Estado, sustenta:
A crise brasileira foi um caso paradigmático da grande crise dos anos 80 que
ocorreu em quase todo o mundo. Entre 1979 e 1994, o Brasil viveu um
período de estagnação da renda per capita e de alta inflação sem precedentes
em sua história. Só a partir de 1994, com o Plano Real, estabilizaram-se os
preços, criando-se condições para a retomada do crescimento. A causa
fundamental dessa grande crise econômica foi a crise do Estado, que vinha
ocorrendo mundialmente, mas que no Brasil foi particularmente acentuada.
Esta crise, que ainda não está plenamente superada, apesar de todas as
reformas já realizadas, desencadeou-se em 1979, com o segundo choque do
petróleo, e caracterizou-se pela perda de capacidade do Estado de
coordenador do sistema econômico de forma complementar ao mercado.
Conforme ocorreu nos demais países, principalmente nos países latino-
americanos e do Leste europeu, a crise definiu-se como uma crise fiscal,
como uma crise do modo de intervenção do Estado, e como uma crise da
forma burocrática pela qual o Estado era administrado.
A concepção de Estado forte, no Século XXI, difere substancialmente das
características inerentes à boa parte do Século XX. Atualmente, as preocupações do
Estado devem concentrar-se, exclusivamente, no que for essencial, no que for
indelegável
13
. Gaspar Ariño Ortiz
14
, no que toca a essa modificação, tece os comentários
a seguir:
Este modelo, aplicado em toda a Europa durante décadas, e também, embora
com importantes alterações que não vêm ao caso, no mundo anglo-saxão,
começa a se questionar em meados da década de 1950, por um grupo
reduzido de economistas americanos e britânicos. A escola liberal de
pensamento econômico, que se cristaliza nesses anos em Chicago e outros
lugares, norteia um intenso período de pesquisa nos grandes centros
acadêmicos dos EUA, onde estas críticas são formalizadas teoricamente. É
12
BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. Reforma do Estado para a Cidadania. São Paulo: ed. 34, 2002, pp. 40/41.
13
O constante intervencionismo do Estado na economia nacional, na qualidade de ator, isto é, personagem central
no que se refere ao desenvolvimento, foi classificado por Egon Bockmann Moreira como o Estado Promocional.
Confira-se: “Isso resultou numa alteração nodal na configuração das normas constitucionais: “Na constituição
liberal clássica, a função principal do estado parece ser aquela de tutelar (ou garantir); nas constituições pós-
liberais, ao lado das funções da tutela ou da garantia, aparece mais freqüentemente a de promover”. Ao Estado é
imposto o dever constitucional de realizar mudanças, empenhando-se e estimulando a adoção de comportamentos
socialmente construtivos”. (MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 861). O trecho em aspas é da obra de Sulle
Sanzioni Positive. In: Scritti dedicati ad Alessandro Raselli. t. I. Milano: Giuffré, 1971, p. 248 – posteriormente
adaptado e publicado nos ensaios La Funzione Promozionale del Diritto e le Sanzioni Positive – ambos em
Della Struttura alla Funzione. Milano: Ed. Di Comunitá, 1977).
14
ORTIZ, Gaspar Ariño. Sucessos e Fracassos da Regulação. Revista Eletrônica de Direito Administrativo
Econômico. Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 3, ago-set-out, 2005. Disponível em
<http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-3-AGOSTO-2005-GASPAR%20ARINO%20ORTIZ.pdf>, p.
2, acessado em 11.11.2006.
25
preciso lembrar aqui alguns nomes – quase todos, mais tarde, prêmios Nobel
– como George Stigler, Milton Friedman, Ronald Coase, Harold Demsetz e
outros. O seu trabalho se consagrará na década de 70 quando em palavras de
Alfred Kahn, aprofunda o consenso de que a gestão pública ou semi-pública
em monopólio tinha “suprimido a inovação, acolhido a ineficiência,
fomentado uma espiral crescente de preços/salários, promovido um severo
desajuste de recursos pela quebra do vínculo entre preços e custos marginais,
fomentado uma concorrência improdutiva e inflacionária de custos, negando
ao público a variedade de preços e opções de qualidade que o mercado
competitivo teria oferecido”.
Bresser-Pereira e Regina Silvia Pacheco, a respeito da modificação entre as
concepções do Estado forte durante o século XX e durante o século XXI, esclarecem:
BRASIL – ESTRATÉGIA DA REFORMA 1995-1998
(...) Um dos princípios fundamentais da reforma de 1995-1998 é o de que o
Estado só deve executar diretamente as tarefas que são exclusivas do Estado,
que envolvem o emprego do poder de Estado, e que apliquem os recursos do
Estado. Entre as tarefas exclusivas de Estado, porém, deve-se distinguir as
tarefas centralizadas de formulação e controle das políticas públicas e da lei,
a serem executadas por secretarias ou departamentos do Estado, das tarefas
de execução, que devem ser descentralizadas para agências executivas e
agências reguladoras autônomas. Todos os demais serviços que a sociedade
decide prover com os recursos dos impostos não devem ser realizados no
âmbito da organização do Estado, por servidores públicos, mas devem ser
contratados com terceiros. Os serviços sociais e científicos, para os quais os
respectivos mercados são particularmente imperfeitos, já que neles impera a
assimetria de informações, devem ser contratados com organizações públicas
não-estatais de serviço, as ‘organizações sociais’, enquanto que os demais
podem ser contratados com empresas privadas. As três formas gerenciais de
controle – controle social, controle de resultados e competição administrada –
devem ser aplicadas tanto às agências, quanto às organizações sociais
15
.
A discussão a respeito de quais deveriam passar a ser as preocupações do Estado
necessariamente remete à sua dimensão, isto é, no Século XX qual seria o tamanho
adequado para o Estado? Sendo claros os sinais de que a iniciativa privada detém
condições absolutamente melhores do que as estatais para o desenvolvimento de
atividades econômicas e, também, para a prestação de serviços públicos, por meio de
delegações e concessões, não resta dúvida de que o tamanho do Estado deverá
restringir-se ao que realmente for essencial, podendo-se mencionar, a título
exemplificativo, a segurança pública, a teor do que dispõe o art. 144 da Constituição da
República.
Nessa exata linha é o pensamento de Milton Friedman:
15
BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos e PACHECO, Regina Silvia. Reforma do Estado Brasileiro e Desenvolvimento.
disponível em <http://www.bresserpereira.org.br/papers/2005/05.23.ReformadoEstadoBrasileiro-
eoDesenvolvimento.WEB.pdf>, acessado em 12.08.2006.
26
O economista americano Paul A. Samuelson, Prêmio Nobel de 1970, revelou
recentemente que Milton Friedman, um de seus maiores adversários, é o
economista vivo mais influente do mundo. Essa declaração vem apenas
reforçar a percepção de que teses liberais como a do “Estado mínimo” e a do
“mercado como regulador do mercado” conquistaram coração e mente de
gerações e gerações de formuladores econômicos – goste-se ou não do fato,
como é o caso de Samuelson. (...) Qual o tamanho ideal do Estado? Depende
da função do Estado. O Estado precisa ser forte, porém limitado. As funções
básicas de um governo devem ater-se a três aspectos: 1) na defesa nacional;
2) no Poder Judiciário e 3) na manutenção e defesa da propriedade privada,
como já disse. Acredito que, para o restante, o mercado resolve as coisas
muito melhor do que o governo
16
.
Peter Evans
17
, por sua vez, acrescenta que as funções do Estado em relação ao
mercado passaram por três ondas: a primeira, atinente aos anos 50 e 60, logo após a 2ª
Guerra Mundial, partiu da premissa de que o Estado poderia cuidar de mudanças
estruturais; a segunda, constatada a partir das décadas subseqüentes, revelou um
aviltamento da imagem do Estado, decorrente da impossibilidade de que fossem
implementadas as referidas modificações estruturais, o que encontra eco nas
experiências africana e latino-americana; a terceira, iniciada a partir dos anos 80,
evidenciou a necessidade de que fosse repensado o papel do Estado, de que fosse
discutida a sua capacidade de ação.
Fábio Ulhoa Coelho menciona que a partir da queda do Muro de Berlim verifica-
se um movimento oposto à consolidação do fardo intervencionista, ou seja, as
privatizações ocorridas nos setores de telecomunicações, rodovias e hidrelétricas vem
ao encontro desse movimento revelador de que o Estado estaria deixando de lado o
papel de agente no processo de desenvolvimento de serviços públicos e atividades
econômicas
18
. As palavras de Calixto Salomão Filho
19
também ilustram esse quadro:
Para responder a essa questão, antes de tudo é importante deixar algo bem
claro. É absolutamente falso imaginar que a existência de democracia política
leva necessariamente à democracia econômica. O Estado cada vez mais fraco
16
FRIEDMAN, Milton. Prêmio nobel de economia no ano de 1976. Jornal Valor Econômico. Encarte Eu e fim de
semana. 22, 23 e 24 de julho de 2005.
17
EVANS, Peter. O Estado como Problema e Solução. Tradução do original em inglês “The state as problem and
solution: predation, embedded autonomy and structural change”. In: HAGGART, Stephen e KAUFMAN,
Robert (eds). Politics of Economic Adjustment. Princeton University Press, 2002. Tradução de Cid Knipel
Moreira, pp. 107/108.
18
COELHO, Fábio Ulhoa. Reforma do Estado e Direito Concorrencial. In: Direito Administrativo Econômico.
Coord. Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros, p. 191.
19
FILHO, Calixto Salomão. Regulação e Desenvolvimento. In: Regulação e Desenvolvimento. Coord. Calixto
Salomão Filho. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 32.
27
é cada vez menos capaz de transmitir ao mercado, através de sua atuação
direta, preferências dos eleitores no campo econômico. O domínio
econômico é cada vez menos controlável pela esfera política, que, ao
contrário, com cada vez mais freqüência a controla.
Portanto, buscando um extrato das proposições acima enunciadas, observa-se que,
não obstante o objetivo perseguido pelo Estado ao longo dos tempos, durante a vigência
das Constituições promulgadas no século XX, ser semelhante – desenvolvimento
econômico – capaz de proporcionar melhores condições de vida à sociedade, fato é que
os meios a serem utilizados, isto é, o grau de intervenção estatal, desde a comentada
reforma dos anos 1995-1998, agora será diferente daquele que caracterizou
predominantemente o século passado.
1.2 Primeiras Considerações Relativas ao Setor de Resseguro Brasileiro
O marco inicial do resseguro no Brasil está centrado na criação do Instituto de
Resseguros do Brasil – IRB, ocorrida por força do Decreto-lei nº. 1.186, de 3 de abril de
1939. Vigorava a Constituição Federal outorgada, de 10 de novembro de 1937,
conhecida como “A Polaca”, fortemente influenciada pelo fascismo polonês
20
.
A sua criação, dotando-o do monopólio
21
das operações de resseguro
22
e
retrocessão
23
realizadas no país, além de também ser responsável pela regulação
24
destas
20
“GOLPE – Com o golpe já em andamento, Getúlio reforça suas alianças com o governador de Minas, Benedito
Valadares, e de vários Estados do Nordeste. Em 10 de novembro de 1937 as Forças Armadas cercam o Congresso
Nacional e, à noite, Vargas anuncia em cadeia de rádio a outorga da nova Constituição da República, elaborada
pelo jurista Francisco Campos. A quarta Constituição do país e terceira da República, conhecida como “A
polaca” por inspirar-se na Constituição fascista da Polônia, institui a ditadura do Estado Novo. Constituição de
1937 – A Constituição outorgada acaba com o princípio de harmonia e independência entre os três poderes. O
Executivo é considerado “órgão supremo do Estado” e o presidente é a “autoridade suprema” do país: controla
todos os poderes, os Estados da Federação e nomeia interventores para governá-los. Os partidos políticos são
extintos e instala-se o regime corporativista, sob autoridade direta do presidente. A “polaca” institui a pena de
morte e o estado de emergência, que permite ao Presidente suspender as imunidades parlamentares, invadir
domicílios, prender e exilar opositores”. (Disponível em <http://www.conhecimentosgerais.com.br/historia-do-
brasil/era-vargas.html>, acesso em 15.07.2005).
21
O art. 20 do Decreto-lei nº. 1.186, de 3 de abril de 1939 dispõe: “As sociedades seguradoras são obrigadas a
ressegurar no Instituto as responsabilidades excedentes da sua retenção própria em cada risco isolado”.
22
Definição de resseguro: “O resseguro, de fato, apresenta-se como um instrumento bastante mais apropriado que o
co-seguro no sentido de eliminar os problemas referidos e conferir estabilização técnica à empresa de seguros,
minorando, ou pelo menos amenizando, as conseqüências da falta ou insuficiência daquelas condições técnicas
que já mencionamos. Ele permite, com efeito, que se aparem desequilíbrios, que se distribuam no tempo
desembolsos extraordinários, e que as perdas se limitem a valores preestabelecidos, e para tanto pode assumir
diversas modalidades técnicas e valer-se de variadas formas de contratação. Em outras palavras, enquanto por
meio do co-seguro dois ou mais seguradores diluem a assunção de responsabilidades frente a determinado risco,
que asseguram em conjunto, por meio do resseguro os resseguradores garantem a empresa de seguros do risco de
desníveis e desequilíbrios decorrentes das responsabilidades que esta assume por si. Ou seja, através de diversas
modalidades técnicas, que muitas vezes se combinam, o resseguro permite a realização de novas operações de
seguro, incrementando a atividade sem prejuízo do equilíbrio técnico-operacional”. (PIZA, Paulo Luiz de Toledo.
28
duas atividades e, também, do co-seguro
25
alinhava-se perfeitamente com a ideologia de
Getúlio Vargas, com a ordem econômica característica à época. Especificamente no que
se refere à relação existente entre o planejamento de Vargas e o monopólio em espeque,
Amadeu Carvalhaes Ribeiro afirma
26
:
Esse monopólio se inseria perfeitamente nas diretrizes do planejamento
getulista, que pretendia, de um lado, romper os laços de dependência
estrutural de nosso país em relação ao exterior, e, de outro, estimular o
desenvolvimento do capitalismo no Brasil.
A preocupação do Governo com a proteção à economia nacional, no sentido de se
evitar que divisas produzidas internamente fossem expropriadas pelo capital estrangeiro
era notória em diversos segmentos da economia (exploração de petróleo e derivados,
telecomunicações, energia elétrica), o que se repetia no setor de resseguro.
À frente das pressões internacionais, sobretudo tendo em vista o imperialismo
norte-americano, ressaltou-se a necessidade de que a economia nacional se
desenvolvesse de modo a tornar viável a concorrência. Anteriormente à criação do IRB,
o setor de resseguro no Brasil inexistia. Constatada a necessidade de que fossem
diluídos grandes riscos, subscritos por seguradoras nacionais, obrigatoriamente recorria-
se aos resseguradores norte-americanos e londrinos, isto é, os grandes riscos decorrentes
do desenvolvimento do país como, por exemplo, da construção de rodovias,
aparelhamento de parques industriais, construção de torres de transmissão de energia,
Notas sobre Co-seguro e Resseguro no Projeto de Lei nº. 3.555/04. In: IV Fórum de Direito do Seguro José
Sollero Filho. São Paulo: IBDS. 2004, p. 332).
23
Definição de retrocessão: “Como terceira etapa, o IRB, após assumir o resseguro, faria um novo resseguro,
chamado retrocessão, com seguradoras do mercado nacional. Com o fim do monopólio, qualquer sociedade
seguradora, desde que autorizada pelo governo federal, poderá fazer resseguro. Retrocessão, assim, vem a ser a
operação feita pelo ressegurador e que consiste na cessão de parte das responsabilidades por ele aceitas a outro,
ou outros resseguradores”. (GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Seguros Privados. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2004, p. 116).
24
O art. 42 do Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, dispõe: “O IRB tem a finalidade de regular o
cosseguro, o resseguro e a retrocessão, bem como promover o desenvolvimento das operações de seguro, segundo
as diretrizes do CNSP.” Com a sanção da Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007, essas atribuições
regulatórias não mais serão de responsabilidade do IRB, consoante determinado em seu art. 2º. “A regulação das
operações de co-seguro, resseguro e retrocessão e sua intermediação será exercida pelo órgão regulador de
seguros, conforme definido em lei, observadas as disposições desta Lei Complementar”.
25
Definição de co-seguro: “(...) ao co-seguro importa fragmentar ou diluir horizontalmente os riscos, de modo que,
estruturalmente, observa-se a vinculação entre um “pólo segurador” formado por várias empresas seguradoras, e
um “pólo segurado”, no qual está o credor do seguro ou o seu beneficiário. A sua principal característica está no
risco garantido conjuntamente por todos os integrantes desse “pólo segurador”, embora cada qual assuma, no que
diz respeito aos aspectos financeiros da operação econômica, uma parte dele”. (MARTINS-COSTA, Judith. O
co-seguro no Direito Brasileiro. In: II Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho. São Paulo: Manuais
Técnicos de Seguros: IBDS. 2002, pp. 340/341).
26
RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Cooperação e desenvolvimento: a regulação da atividade reguladora. In:
Regulação e Desenvolvimento. Coord. Calixto Salomão Filho. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 171.
29
entre tantos outros, eram diretamente remetidos ao exterior, o que se revelava
totalmente contrário à ordem econômica e ruim sob a perspectiva da evasão de riquezas
nacionais.
O desenvolvimento da economia brasileira, mais precisamente do mercado de
seguros e do setor de resseguro, carecia de que os grandes riscos gerados no país
recebessem internamente as respectivas coberturas, securitária e ressecuritária,
evitando-se a migração de bons negócios e divisas para o exterior e, conseqüentemente,
o natural controle por parte dos resseguradores estrangeiros.
Meredith Woo-Cumings, ao estudar os progressos pelos quais passou o Japão
após a 2ª Guerra Mundial, conhecidos como “o milagre japonês” e, mais tarde, ao
estudar os progressos experimentados por outros países do leste asiático, como, por
exemplo, a Coréia, não hesita em afirmar que o papel exercido pelo Estado foi
absolutamente decisivo, sobretudo como forma de se posicionar competitivamente
diante do imperialismo norte-americano.
How nationalist impulses incited Chinese peasants or Ministry of
International Trade and Industry (MITI) bureaucrats to correct “status
inconsistency” vis-à-vis the United States is not well understood. But is
central to Johnson’s career scholarschip and to Liah Greenfeld’s powerful
analysis of nationalism. Johnson conveyed the truth that the Japanese state
was, like the Korean or the Chinese states, a hard-bitten one that chose
economic development as the means to combat Western imperialism and
ensure national survival: for most of the twentieth century, economic
development was a recipe for “overcoming depression, war preparations, war
fighting, postwar reconstruction, and independence from U.S. aid” (…)
27
.
Pode-se fazer uma classificação que marca a ordem econômica nas Constituições
Brasileiras antes e após o advento da Constituição da República de 1988. Examinando
alguns dos dispositivos legais
28
das Constituições de 1937 e 1946, nota-se que a
27
Trecho extraído da obra The Developmental State. Meredith Woo-Cumings. Cornell University Press, 1999, p.
6. Em tradução livre: “Como o nacionalismo impulsionou camponeses chineses ou burocratas do Ministério
Internacional da Indústria e do Comércio para que fossem corrigidas inconsistências, vis-à-vis os Estados Unidos
não são bem compreendidos. Mas é central para o legado acadêmico de Johnson e para a análise de Liah
Greenfeld acerca do nacionalismo. Johnson conduziu a verdade de que o Estado Japonês foi, assim como o
Coreano ou o Chinês, um “durão” que escolheu o desenvolvimento econômico como significado para combater o
imperialismo ocidental e para assegurar a sobrevivência nacional: durante a maior parte do Século XX, o
desenvolvimento econômico foi um espaço para a saída de depressões, preparação para guerras, disputa de
guerras, recuperação após guerras e independência da “ajuda” dos Estados Unidos da América”.
28
A Constituição Federal de 10 de novembro de 1937, no capítulo relacionado à Ordem Econômica, trazia em seu
artigo 135 o enaltecimento à livre iniciativa, dispondo que a intervenção estatal somente seria possível em
situações excepcionais. Art 135. Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do
indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do
Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os
30
intervenção estatal em atividades econômicas era autorizada, desde que com o escopo
de zelar pela segurança nacional e pelo interesse público. Ditos dispositivos legais, além
disto, preconizavam, ainda, a possibilidade de que fossem instituídos novos monopólios
pela União Federal, desde que precedidos por Lei específica que regulamentasse a
instituição
29
. Este era o panorama que prevalecia na ordem econômica anterior ao
advento da Constituição da República de 1988. Egon Bockmann Moreira
30
, à luz do
panorama característico às Constituições anteriores à atual, expõe:
Todas as cartas republicanas, ao mesmo tempo em que asseguraram aos
agentes econômicos privados o direito à livre empresa, livre iniciativa e a
garantia da concorrência nos respectivos mercados, reservaram ao Estado a
competência para intervir diretamente na Ordem Econômica (além dos
setores reservados e dos monopólios públicos). Isso possibilitou a interação
entre o Estado e que a economia flutuasse de acordo com as peculiaridades
dos governos (sempre com tendências mais intervencionistas e produtivas).
João Bosco Leopoldino da Fonseca
31
expõe de maneira clara quão diferentes são
os textos constitucionais previstos nas Cartas de 1967/1969 e 1988:
Para uma perfeita percepção da mudança de direcionamento, será útil
confrontar os textos do artigo 163 da Constituição de 1967/69 e do artigo 173
da Constituição de 1988. Ei-los: Art. 163. São facultados a intervenção no
domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade,
mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional
ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no
regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e
garantias individuais”; Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta
Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só
será permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou
a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.” Enquanto no texto
de 1967/69 se diz que “são facultados” a intervenção e o monopólio, o de
1988 determina que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado
fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições
individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio
econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta”. A
Constituição Federal de 18 de setembro de 1946, por sua vez, no capítulo dedicado à Ordem Econômica e Social,
dispôs nos artigos 145 e 146: Art. 145. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da
justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano. Parágrafo único. A
todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social. Art. 146. A União
poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade.
A intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta
Constituição”.
29
Sob a égide do regime ditatorial no País, a edição da referida Lei específica, anterior à instituição do regime
monopolista, não representava dificuldade alguma ao Poder Executivo que, valendo-se de sua força, de sua
autoridade, poderia cuidar da elaboração deste diploma legal e instituir o monopólio que entendesse pertinente,
eliminando a concorrência acaso existente num curtíssimo espaço de tempo.
30
MOREIRA, Egon Bockmann. O Direito Administrativo Contemporâneo e a Intervenção do Estado na
Ordem Econômica. Disponível em <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-1-FEVEREIRO-2005-
EGON%20BOCKMANN.pdf>, acessado em 12.08.2006.
31
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Ob. cit., p. 137.
31
“só será permitida” . Enquanto no primeiro caso há uma faculdade aberta ao
Estado, no segundo existe uma proibição que permite exceções.
Após o advento da Constituição da República de 1988, consoante se expôs, os
princípios da livre iniciativa e da livre concorrência passaram a receber tratamento
diferenciado no texto constitucional e, com relação à instituição dos monopólios, o
legislador constituinte foi bem mais rígido, cauteloso, já que apenas os setores previstos
no art. 177
32
continuariam a ser explorados sob o regime monopolista, ou seja, não mais
seria possível a instituição de novos monopólios, mesmo que houvesse a edição de leis
específicas, conforme a exigência prevista nas Constituições anteriores à Constituição
em vigor.
Celso Ribeiro Bastos
33
, a respeito da impossibilidade de que fossem instituídos
novos monopólios por intermédio de leis específicas, comenta:
Embora nosso sistema se oponha ao planejamento estatista e ao monopólio
em vários passos, a Constituição monopoliza certas atividades. O Art. 177
expressa que constituem monopólios exclusivos da União os serviços
relacionados nos incs. I a V, obedecidas as regras do parágrafo primeiro do
mesmo. Nada obstante isso, o importante a se considerar é que a lei Maior
eliminou a possibilidade de monopolização de atividades por via de lei, o que
era possível na ordem jurídica anterior, constituindo isto um avanço na
instauração do Estado Liberal, na medida em que não mais se permite a
intervenção monopolizadora dos Poderes Públicos. A intervenção no domínio
econômico dá-se por determinação da própria Constituição, que além de
prever taxativamente, como mencionamos, quais os casos de monopólio, fixa
expressamente no art. 173 as condições para o comparecimento do Estado na
atividade econômica; aqui, não como detentor do monopólio, mas
simplesmente como agente, protagonista da atividade econômica em
concorrência com os particulares. No concernente à organização da nossa
ordem econômica, parece inegável o predomínio dos princípios da livre
iniciativa e da livre concorrência (...).
José Afonso da Silva
34
, também com relação à restrição estabelecida pela
Constituição da República de 1988, no que se refere à instituição de novos monopólios
pelo Estado, afirma:
32
Art. 177. Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos
produtos derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo
do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o
transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V – a
pesquisa, lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais
nucleares e seus derivados.
33
BASTOS, Celso Ribeiro. Ob. cit., p. 143.
34
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, pp. 805/806.
32
A Constituição não é favorável aos monopólios. Certamente que o monopólio
privado, assim como os oligopólios e outras formas de concentração de
atividade econômica privada, é proibido, pois está previsto que a lei reprimirá
o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. O monopólio
público também ficou bastante limitado, pois já não se declara, como antes, a
possibilidade de monopolizar determinada indústria ou atividade. Declara-se
a possibilidade de exploração direta de atividade econômica quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo (art. 173). Parece-nos que aí não entra o monopólio, que é reservado
só para as hipóteses estritamente indicadas no art. 177 e agora com a
flexibilização introduzida pela EC 9/95 (...).
A impossibilidade de que sejam instituídos novos monopólios, conforme
facultavam as Constituições anteriores à Carta de 1988, ou seja, havendo a partir de
então respeito pelos mercados competitivos já estabelecidos e interesse pela instituição
da livre-concorrência, afigura-se bem clara, revelando uma mudança no relacionamento
existente entre o Estado e o Mercado. Especificamente com relação à nova ordem
econômica, Eros Grau
35
afirma:
(...) a ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de
mercado organizado, entendido como tal aquele afetado pelos preceitos da
ordem pública clássica (Geraldo Vidigal); opta pelo tipo liberal do processo
econômico, que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e
preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio
Estado, quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólios
e ao abuso do poder econômico visando ao aumento arbitrário dos lucros
mas sua posição corresponde à do neoliberalismo ou social-liberalismo, com
a defesa da livre iniciativa (Miguel Reale); (note-se que a ausência do
vocábulo “controle” no texto do art. 174 da Constituição assume relevância
na sustentação dessa posição); - a ordem econômica na Constituição de 1988
contempla a economia de mercado, distanciada, porém, do modelo liberal
puro e ajustada à ideologia neoliberal (Washington Peluso Albino de Souza);
a Constituição repudia o dirigismo, porém acolhe o intervencionismo
econômico, que não se faz contra o mercado, mas a seu favor (Tércio
Sampaio Ferraz Júnior); a Constituição é capitalista, mas a liberdade apenas é
admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere prioridade
aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia
de mercado (José Afonso da Silva).
Diogo de Figueiredo Moreira Neto
36
, no que toca ao ordenamento econômico
previsto na Constituição da República, leciona:
35
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp.
174/175.
36
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 451.
33
A economia, nos Estados contemporâneos, democráticos e de direito, é
expressão da liberdade de trabalho e a de iniciativa, indissociáveis da pessoa
humana, que, em conjunto, conformam a liberdade econômica. Esses
princípios fundamentais, como tal expressos na Constituição de 1988 (art. 1º,
IV), informam, por sua vez, os princípios gerais atinentes à ordem
econômica, definidos em seu Titulo VII, Da Ordem Econômica, Capítulo I,
dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, especialmente no art. 170,
bem como todos os demais princípios e preceitos específicos de conteúdo
econômico, deles derivados a eles referentes. Dessas constatações, retira-se
uma importante conclusão vestibular ao estudo da atuação do Estado no
campo econômico e financeiro: somente a própria Constituição, que
entroniza o regime de livre iniciativa e economia de mercado, poderá
excepcioná-lo, vedado ao legislador, sob qualquer pretexto, prescrever
modalidades de intervenção que não tenham sido nela expressamente
previstas. Com isso, acompanha o País a tendência universal, que, por
tradição ou à custa de malogradas experiências de regimes dirigistas e
intervencionistas, reconhece na liberdade econômica a via natural da
prosperidade das nações.
Portanto, nesta linha de idéias, tendo como base os princípios da livre iniciativa
37
e
da livre concorrência
38
é que está embasada a nova ordem econômica constitucional
brasileira, à qual se contrapõe o regime monopolista de exploração do setor de
resseguro.
Esclarece-se que a opção pelo regime de monopólio para o resseguro no Brasil
não se apresentou de maneira pontual, em apenas um setor da economia nacional.
Consoante exposto, nos mais diversos segmentos se faziam presentes explorações
monopolistas, tendo sido mencionados os setores de petróleo e gás e transmissão de
energia elétrica.
Pode-se afirmar que, à época, quando da criação do IRB, em 1939, a exploração
do resseguro em regime de livre concorrência não seria vantajosa para a economia
nacional, já que, justamente o que motivou a criação deste órgão ressegurador e a
conseqüente instituição do monopólio foi a evasão de divisas e de bons negócios para os
37
O princípio da livre iniciativa é definido por Celso Ribeiro Bastos da seguinte forma: “A liberdade de iniciativa é
uma expressão ou manifestação no campo econômico da doutrina favorável à liberdade. O liberalismo vem a ser
um conjunto de ideais, ou concepções, com uma visão mais ampla, abrangendo o homem e os fundamentos da
sociedade, tendo por objetivo o pleno desfrute da igualdade e das liberdades individuais frente ao Estado. A
liberdade de iniciativa consagra tão-somente a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar peias
ou restrições do Estado. Este princípio conduz, necessariamente à livre escolha do trabalho, que, por sua vez,
constitui uma das expressões fundamentais da liberdade humana. (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Econômico. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2004, p. 115).
38
O mesmo autor define livre concorrência como “[u]m esteio do sistema liberal porque é pelo seu jogo e
funcionamento que os consumidores vêem assegurados os seus direitos a consumir produtos de qualidade a
preços justos. E, de outra parte, para quem se lança à atividade econômica é uma forma de obter a recompensa
pela sua maior capacidade, dedicação e empenho, prosperando mais do que os concorrentes. No entretanto, nem
mesmo por via desta vitória na competição pode a empresa manter-se em situação monopolista. De alguma
maneira, há de multiplicar-se o número de agentes nesse ramo econômico para escapar-se das leis antitruste”
(BASTOS, Celso Ribeiro. Ob. cit., p. 145).
34
resseguradores estabelecidos no exterior. Sendo evidente a incipiência do resseguro no
país naquela época, certo é que o regime de livre concorrência não seria capaz de,
exclusivamente pelas forças do mercado, tornar o ressegurador nacional competitivo em
relação aos resseguradores estrangeiros, ocasionando perdas às seguradoras nacionais e
aos próprios segurados.
1.3 A Espera pelo Fim do Intervencionismo no Setor de Resseguro
O Instituto de Resseguros do Brasil, consoante se expôs, foi criado pelo Decreto-
lei n° 1.186, de 3 de abril de 1939, quando vigia a Constituição outorgada de 1937.
Naquela época, o Estado assumiu o papel de empresário, já que, além de
responsabilizar-se pela provisão de direitos sociais à população, responsabilizava-se,
também, pelo desenvolvimento de atividades econômicas, não raras vezes concorrendo
com os particulares
39
.
Soa bem claro, portanto, que esse período, de 1939 em diante, não foi marcado
pelo Estado liberal ao qual são característicos o laissez faire, laissez passer, le monde va
de lui-même
40
, tendo como referência o setor de resseguro no país. Ao contrário, o que
se notava era a presença estatal marcante, exercendo o monopólio legalmente instituído.
A “mão invisível”, de Adam Smith
41
, sopesados os interesses do Governo, não se
mostrava suficiente para cuidar do desenvolvimento e da regulação deste mercado.
Portanto, com amparo legal, seja sob a égide do Decreto-lei nº. 1.186, de 3 de
abril de 1939, seja sob a égide do Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966,
caberia ao IRB, na condição de empresa estatal, cuidar, de maneira protecionista, do
desenvolvimento do setor de resseguro, intervindo ativamente com vistas à consecução
desta finalidade.
Com a positivação no ordenamento constitucional brasileiro dos princípios da
livre iniciativa e da livre concorrência, ganhou força uma concepção cujos estudos
39
Para Egon Bockmann Moreira, “O liberalismo brasileiro poderia ser denominado de um “liberalismo de
circunstância” (ou “de conveniência”), a variar de acordo com o momento histórico enfrentado. O que fez com
que o Estado atuasse com grande intensidade na esfera econômica formalmente reservada às pessoas privadas e
multiplicasse a área de atuação direta na economia (banco, mercado de capitais, petróleo, energia elétrica, água e
saneamento, construção civil, computadores e tecnologia da informação, transportes, silos e armazéns, indústrias
etc)”. Ob. cit., p. 2.
40
Em tradução livre do autor: “deixai-nos fazer, deixai-nos passar, o mundo anda por si mesmo”.
41
SMITH, Adam. Uma Investigação Sobre a Natureza e Causas das Riquezas das Nações. Tradução de
Norberto de Paula Lima. São Paulo: Hemus, 2003, p. 13.
35
apontavam para a necessidade de que houvesse uma reformulação do papel do Estado,
isto é, que deixasse de ser “empresário” para que passasse a ser regulador, ou melhor,
redistribuidor, reproduzindo-se abaixo o raciocínio de Calixto Salomão Filho
42
a
respeito do tema:
No início, e por mais de cem anos, acreditou-se no Estado polícia, cuja única
função era proteger a liberdade econômica e política do particular. A esse
Estado exageradamente liberal, opõe-se o Estado da era keynesiana e dos
comunismos revolucionários. De formas diversas, esses Estados pretenderam
ser os grandes gestores do sistema econômico. (...) Parece haver consenso
que o Estado, como gestor distante e abstrato, não cumpre a contento suas
funções. Isso não significa que é desnecessário diminuir a sua presença ou
destituir-se de função. Implica atribuir-lhe outra função, talvez até mais
onerosa. Em vez de gestão abstrata e macro-econômica da sociedade,
cumpre-lhe fazer algo que o particular e o mercado jamais farão: incumbe-lhe
redistribuir. É na redistribuição que deve ser identificada a grande função do
novo Estado.
Os primeiros anos posteriores à promulgação da Constituição da República
evidenciaram a necessidade de que a função estatal fosse realmente redesenhada.
Marcos Juruena Villela Souto
43
, mencionando as Emendas à Constituição números 5, 6,
7 e 8, todas de 18.08.1995, afirma:
Com a posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi novamente
deflagrado um processo de reforma da Constituição, desta feita por via de
emendas, que resultaram na flexibilização dos monopólios das
telecomunicações (art. 21, XI e XII, CF – EC nº. 8, de 15/8/95), da
distribuição de gás canalizado pelos estados (art. 25, § 2º, CF – EC nº 5, de
15/8/95) e do petróleo e gás natural (art. 177, CF – EC nº. 9, de 9/11/95),
além do fim da reserva de mercado na navegação de cabotagem (art. 178, CF
– EC nº 7, de 15/8/95) e da distinção entre empresas brasileiras e empresas
brasileiras de capital nacional, como o fim da reserva de mercado no setor de
mineração (revogação do art. 171 e modificação dos arts. 170, IX, e 176, §
1º, CF – EC nº 6, de 15/8/95). Este conjunto de emendas reafirma um ideal de
abertura do mercado à livre competição, onde não cabem reservas de setores
ou monopólios absolutos, reduzindo-se, em conseqüência, as restrições ao
capitalismo estrangeiro e o tamanho da estrutura estatal. Reconhece-se,
assim, que cabe à livre iniciativa o papel propulsor da economia, e ao Estado
o acompanhamento e estímulo do mercado, reprimindo as situações de
anormalidade.
42
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. In: Regulação e Desenvolvimento. coord. Calixto
Salomão Filho. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 41.
43
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo em Debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 15.
36
Justamente analisando essa mudança, ao retirar-se, diretamente, da exploração de
atividades econômicas para a função de redistribuir, de organizar relações sociais e
econômicas, convém novamente observar as palavras de Calixto Salomão Filho
44
:
A primeira delas é o fato de a teoria da regulação, quando bem aplicada
exatamente o contrário do que tem ocorrido até o momento -, poder
representar exatamente a contribuição mais útil de um Estado que decide
retirar-se da intervenção econômica direta (através da prestação de uma gama
bastante variada de serviços) para sua função de organizador das relações
sociais e econômicas e que, por outro lado, reconhece ser para tanto
insuficiente o mero e passivo exercício de um poder de polícia sobre os
mercados.
Portanto, sob as luzes das transformações ocorridas em diversos segmentos da
economia nacional, como, por exemplo, no setor de petróleo, telecomunicações e
energia elétrica, nos quais, consoante demonstrado, o regime de monopólio foi
flexibilizado, o setor de resseguro, ao qual ainda era característico o regime de
monopólio estatal, chocava-se com princípio fundamental constante no art. 1º, inciso IV
da Constituição da República, qual seja, especificamente a livre iniciativa, e com
princípio geral concernente à ordem econômica – a livre concorrência – prevista no art.
170, inciso IV.
Tornava-se, desta forma, assim como se procedeu com diversos outros setores,
necessária a modificação do papel do Estado, desta vez tomando como foco o setor de
resseguro, a fim de alinhá-lo aos princípios acima referidos, isto é, em primeiro lugar à
livre iniciativa, e, em segundo lugar, à livre concorrência
45
.
1.4 A Importância da Emenda à Constituição nº. 13, de 21 de Agosto de 1996
Antes do advento da Emenda em epígrafe, o artigo 192 da Constituição da
República dispunha da seguinte redação:
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade,
será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:
(...)
44
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 14.
45
A análise das principais vantagens relacionadas à flexibilização do monopólio do resseguro no país foram
observadas no item 5 do presente capítulo.
37
II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro,
previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do
órgão oficial ressegurador.
A análise deste dispositivo não deixava margem à dúvida; em conjunto com todo
o sistema financeiro nacional, o setor de resseguro carecia de que fosse promulgada lei
complementar, cujos termos, inclusive, deveriam dispor a respeito da autorização e
funcionamento do órgão oficial ressegurador, considerando, ainda, a recepção do
Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, pela Constituição da República de
1988.
Constando no texto constitucional a expressão órgão oficial ressegurador, o
legislador teria pretendido perpetuar o monopólio do resseguro no país? Caso este fosse
o seu propósito, por quê, então, não teria inserido esta atividade no rol previsto no art.
177 da Constituição da República?
Com o advento da Emenda à Constituição nº. 13, de 21 de agosto de 1996, a
redação do artigo 192 da Carta Federal foi sensivelmente alterada, já que a parte final do
inciso II, que mencionava o “órgão oficial ressegurador”, foi suprimida. Após a
promulgação da emenda, a redação passou a ser a seguinte:
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade,
será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:
(...)
II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro,
previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador.
Assim, não mais existindo o “órgão oficial ressegurador” no texto constitucional,
começou a ser trilhado o caminho rumo à flexibilização do monopólio exercido pelo
IRB no setor de resseguro. Nesse contexto, amoldam-se as palavras de Eros Roberto
Grau
46
:
A Emenda Constitucional n. 13 alterou a redação do inciso II do art. 192 da
Constituição, dela extirpando a referência ao órgão oficial ressegurador.
A alusão do preceito ao órgão oficial ressegurador implicava a existência de
uma entidade estatal brasileira – o Instituto de Resseguros do Brasil – cuja
atividade seria exercida em regime de monopólio. A sua alteração viabiliza a
transferência do exercício dessa função ao capital estrangeiro.
46
GRAU, Eros Roberto. Ob. cit., p. 268.
38
Cotejando a modificação na redação do inciso II do artigo 192 da Constituição
Federal, fruto da Emenda à Constituição nº. 13, com as modificações propostas pelas
Emendas nº. 5 – distribuição de gás canalizado pelos Estados, nº. 7 – fim da reserva de
mercado na navegação de cabotagem, nº. 8 – setor de telecomunicações, de 15 de
agosto de 1995 e nº. 9, de 9 de novembro de 1995 – petróleo e gás natural, nota-se que
todas encontram-se alinhadas com a alteração dos objetivos perseguidos pelo Estado
antes e após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Particularmente no que se refere ao setor de resseguro, por força da modificação
ora mencionada reuniram-se os elementos demonstrativos de que inexistia mais espaço
para o Estado exclusivamente empresário, o que, conseqüentemente, cedeu espaço ao
Estado regulador.
1.5 Como Passo Seguinte, a Emenda à Constituição nº. 40, de 29 de Maio de 2003
Em que pese a supressão do termo “órgão oficial ressegurador” do inciso II, art.
192, da Carta Republicana de 1988, o que, consoante exposto, abriu margem à
flexibilização do monopólio do resseguro, convém enfatizar que o caput deste
dispositivo estabelecia que o sistema financeiro nacional, estruturado de forma a
promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da
coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: (...) II -
autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e
capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador”. (Grifou-se).
Mesmo admitindo-se o término do regime monopolista, a Constituição
permanecia exigindo que lei complementar dispusesse a respeito de todo o sistema
financeiro nacional, disciplinando, desta maneira, os mercados de crédito, monetário,
cambial, de capitais (valores mobiliários) e, ainda, o de seguros e resseguros
47
.
A exigência em foco representava uma dificuldade sob a perspectiva legislativa, já
que a elaboração de um diploma legal, que fosse capaz de cuidar de todo o sistema
financeiro nacional, já seria difícil. Ademais, em se tratando, obrigatoriamente, de lei
complementar, a dificuldade tornou-se ainda maior, em razão da exigência de que o
47
A classificação do sistema financeiro nacional em subsistemas é feita por Nelson Eizirik. Aspectos Modernos do
Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 151. A inclusão dos mercados de seguros e resseguros a
este sistema é feita por Renato Macedo Buranello. Do Contrato de Seguro – O Seguro Garantia de
Obrigações Contratuais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 68.
39
texto em espeque deveria ser aprovado pela maioria absoluta nas duas Casas do
Congresso Nacional, a teor do que determina o art. 69 da Constituição da República
48
.
Com a promulgação da Emenda à Constituição nº. 40, de 29 de maio de 2003, este
contexto foi sensivelmente modificado, já que o caput do art. 192 que, originalmente,
prescrevia a edição de lei complementar para todo o sistema financeiro nacional, passou
a dispor da seguinte redação:
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade,
em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito,
será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a
participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Grifou-
se).
Dessa forma, por modificação introduzida no texto constitucional, foram evitadas
eventuais discussões relativas à obrigatoriedade de que fosse promulgada apenas uma
lei complementar cujo escopo compreendesse todo o sistema financeiro nacional, ou
seja, por força da modificação introduzida pela Emenda à Constituição nº. 40, foi
ratificada a possibilidade de que o sistema financeiro nacional, composto pelos
subsistemas antes mencionados, fosse disciplinado de maneira individualizada, isto é,
para cada um dos mercados abarcados pelo sistema, surgia a previsão constitucional
para que houvesse a edição da respectiva lei complementar
49
.
48
O Supremo Tribunal Federal, quanto à limitação dos juros à alíquota de 12% ao ano, prevista no § 3º do art. 192
da Constituição Federal (redação anterior à Emenda nº. 40, de 29 de maio de 2003), posicionou-se pela
necessidade de que fosse promulgada Lei Complementar a respeito, conforme determinava o caput do
mencionado artigo: “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei
complementar, que disporá, inclusive, sobre: (...)” (Grifou-se). A seguir, as decisões da Suprema Corte: “Juros.
Art. 192, § 3º, da Constituição Federal. Auto-aplicabilidade. Ao julgar a ADI 4, o Supremo Tribunal Federal
entendeu que o § 3º do art. 192 da Constituição Federal não era auto-aplicável. ” (RE 387.404, Rel. p/ac. Min.
Joaquim Barbosa, DJ 26/03/04). “Mandado de injunção e taxa de juros reais. (...) A regra inscrita no art. 192, §
3º, da Constituição, por não se revestir de suficiente densidade normativa, reclama, para efeito de sua integral
aplicabilidade, a necessária intervenção concretizadora do Congresso Nacional, cuja prolongada inércia - sobre
transgredir, gravemente, o direito dos devedores à prestação legislativa prevista na Lei Fundamental - também
configura injustificável e inconstitucional situação de mora imputável ao Poder Legislativo da União.” (MI 542,
Rel. Min. Celso de Mello, DJ 28/06/02).
49
Com relação à obrigatoriedade de que fosse ou não promulgada apenas uma lei complementar que disciplinasse
todo o sistema financeiro nacional, convém observar a lição de José Afonso da Silva - Comentário Contextual à
Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 752 - “A Emenda também declara que o Sistema Financeiro
Nacional será regulado por leis complementares. O texto modificado empregava “lei complementar” no
singular; daí surgiu uma discussão boba, quanto a saber se o Sistema teria que ser regulado por uma única lei
complementar, ou não. Em livro anterior discutimos um pouco essa questão, mostrando que a Lei 4.595/1964 ,
que regula o Sistema Financeiro Nacional – portanto regula toda a matéria que constava do art. 192 -, também
fora recepcionada, nesse aspecto, como lei complementar, não significava uma lei só; o singular tinha sentido
não de único, mas de generalidade. Portanto, o sistema poderia ser regulado por mais de uma lei complementar.
A emenda suprime as dúvidas”. MORAES, Alexandre de, em Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2005, p.
40
Portanto, conjugando as modificações propostas pelas Emendas à Constituição
números 13, de 21 de agosto de 1996 – supressão da expressão “órgão oficial
ressegurador” – e 40, de 29 de maio de 2003 – possibilidade de que fossem
promulgadas leis complementares para os diferentes subsistemas integrantes do sistema
financeiro nacional – conclui-se que, ao menos sob a perspectiva constitucional,
encontrava-se construída a estrutura necessária à flexibilização do monopólio exercido
pelo Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, o que dependia, naquela altura, de que
fosse promulgada a respectiva lei complementar, fruto da recepção
50
do Decreto-lei nº.
73, de 21 de novembro de 1966
51
, com este status.
1.6 A Exploração do Setor de Resseguro em Regime de Monopólio
Monopólio, como nos lembra Modesto Carvalhosa, origina-se de “duas palavras
gregas: monos só; polein vender; donde vender só
52
Ana Maria de Oliveira Nusdeo
53
explica o monopólio da seguinte forma:
Nos mercados monopolizados, nos quais existe um único produtor, a fixação
do preço e da quantidade produzida se dá em bases bem diferentes. Nesse
caso, o produtor influencia o preço do bem controlando sua oferta. Sua
produção, aliás, é igual à produção total do mercado. Sendo assim, para
maximizar seu lucro o monopolista produz uma quantidade menor do que
722, sustenta: “Outra importante previsão foi a expressa determinação da desnecessidade de lei complementar
única para disciplinar todo o sistema financeiro nacional. A nova redação do caput do art. 192 da Constituição
Federal, dada pela EC 40/03, expressamente, prevê sua regulamentação por leis complementares. Ressalte-se,
porém, que o texto constitucional anterior não previa expressamente a obrigatoriedade de a regulamentação do
sistema financeiro nacional ser realizada por uma única e específica lei complementar. A alteração foi realizada
para evitar futuras contestações jurídicas (...)”.
50
“Embora muitas vezes se afirme que as leis anteriores continuam válidas, ou em vigor, desde que conformes com
a Nova Constituição, há nessa afirmação certa falta de rigor científico. Kelsen observa que, na verdade, há uma
imprecisão de linguagem porque, de fato, elas perdem o suporte de validade que lhes dava a Constituição em que
se fundamentavam. Nada obstante isso, há a necessidade de que a legislação pregressa receba o suporte, o apoio,
expresso ou tácito, da Constituição nova, fenômeno que recebe o nome de recepção (similar à recepção ocorrida
no direto romano na Europa). Trata-se de um processo abreviado de criação de normas jurídicas, pelo qual a nova
Constituição adota as leis já existentes, com ela compatíveis, dando-lhes validade, evitando assim o trabalho
quase impossível de elaborar uma nova legislação de um dia para outro”. (BASTOS, Celso Ribeiro, ob. cit., p.
141).
51
O Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, também conhecida com a “lei de seguros brasileira”,
regulamenta diversas matérias afetas ao mercado de seguros e ao setor de resseguro. A constituição e
funcionamento do SNSP – Sistema Nacional de Seguros Privados é tratada em seu art. 7º; o CNSP – Conselho
Nacional de Seguros Privados, por sua vez, em seu art. 32; a SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, em
seu art. 35; o IRB – Instituto de Resseguros do Brasil, em seu art. 41; as Sociedades Seguradores, em seu art. 72 e
os Corretores de Seguros, por fim, em seu art. 122. Posteriormente, em 1967, foi editado o Decreto nº 60.459, de
13 de março, que regulamentou alguns dos seus artigos.
52
Trecho extraído da obra Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. Paula Forgioni. São Paulo: RT., 2005, p. 314.
Apud Poder econômico: a fenomenologia, seu disciplinamento jurídico, p. 30.
53
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Agências Reguladoras e Concorrência. In: Direito Administrativo
Econômico. Coord. Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 164/165.
41
aquela que seria oferecida em condições competitivas, a fim de impulsionar
para cima o preço. A comercialização de mais unidades puxaria o preço de
cada bem vendido para baixo, gerando uma queda na lucratividade do
produtor. (...) essa fórmula, obviamente, fixa o preço num patamar superior
ao estabelecido em concorrência. (...) Os prejuízos sofridos pelos
consumidores em mercados monopolizados são evidentes, pois há uma
redução do consumo e um aumento do preço pago pelo bem. Por outro lado,
sob o ponto de vista da alocação geral de recursos, a Sociedade também
perde com o monopólio. Ao excluir do acesso ao produto uma faixa de
consumidores que não está disposta ou capacitada a adquiri-lo pelo novo
preço, gera-se uma perda social. Isso porque os recursos que os consumidores
deixaram de utilizar na compra do produto desejado não são sequer
transferidos aos produtores.
O Instituto de Resseguros do Brasil, desde o momento em que foi concebido,
“nasceu” monopolista. O art. 20 do Decreto-Lei nº. 1.186, de 3 de abril de 1939,
determinada que “As sociedades seguradoras são obrigadas a ressegurar no Instituto
as responsabilidades excedentes da sua retenção própria em cada risco isolado” ou
seja, não havia qualquer opção diferente do órgão oficial ressegurador nacional para que
os seguradores nacionais pudessem ceder os seus excedentes de responsabilidade. A
obrigatoriedade ora mencionada foi ratificada pelo Decreto-lei nº. 73, de 21 de
novembro de 1966, em seus artigos 81 e 82
54
:
Art. 81. A colocação de seguro e resseguro no estrangeiro será feita
exclusivamente por intermédio do IRB.
Art. 82. As Sociedades Seguradoras só poderão aceitar resseguros mediante
prévia e expressa autorização do IRB.
Ainda com relação a este Decreto-Lei, cumpre esclarecer que pelo artigo 42
55
foram conferidas ao IRB, adicionalmente, atribuições regulatórias, traduzidas em
poderes normativos, já que seria de sua competência a elaboração das normas gerais de
resseguro e retrocessão – NGRR – e poderes fiscalizatórios, já que, consoante se expôs,
também seria de sua competência a cassação das cartas-patentes
56
expedidas em favor
das seguradoras que contratassem o resseguro por intermédio de outros resseguradores.
54
Com a vigência da Lei Complementar nº. 126 de 15 de janeiro de 2007, os dispositivos ora mencionados foram
revogados. “Art. 31. Ficam revogados os arts. 6º, 15, 18, a alínea i do caput do art. 20, os arts. 23, 42, 44 e 45, o §
4º do art. 55, os arts. 56 a 71, a alínea c do caput e o § 1º do art. 79, os arts. 81 e 82, o § 2º do art. 89 e os arts. 114
e 116 do Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, e a Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1999.”
55
Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966. Art 42. O IRB tem a finalidade de regular o co-seguro, o resseguro
e a retrocessão, bem como promover o desenvolvimento das operações de seguro, segundo as diretrizes do CNSP.
56
Carta-patente tratava-se do documento expedido pelo Ministério da Indústria e Comércio às seguradoras que
preenchessem todos os requisitos exigidos pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. Os artigos do
Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, disciplinam a concessão deste documento. “Art 74. A
autorização para funcionamento será concedida através de Portaria do Ministro da Indústria e do Comércio,
42
Não obstante as pressões contrárias à criação do ressegurador monopolista
nacional existentes no âmbito do próprio Congresso Nacional, o Decreto nº. 1.186, de 3
de abril de 1.939, assinado por Getúlio Vargas, determinou fosse constituído o Instituto
de Resseguros do Brasil
57
.
O regime ditatorial, particularmente no que se refere ao setor de resseguro,
fortaleceu as bases do IRB, já que, sendo proibida a exploração dessa atividade
econômica em regime de livre concorrência, todas as coberturas requisitadas pelas
seguradoras nacionais lhe eram obrigatoriamente dirigidas. Este, por sua vez, ou
subscrevia os riscos por si só ou, não dispondo de condições para isso, os repassava aos
resseguradores estrangeiros.
Desfrutando dos bônus inerentes à exploração do resseguro em regime
monopolista, nota-se que, ano após ano, os resultados experimentados pela estatal
brasileira vêm melhorando
58
. Mediante a exploração em regime de livre concorrência,
estes resultados permanecerão positivos?
59
mediante requerimento firmado pelos incorporadores, dirigido ao CNSP e apresentado por intermédio da
SUSEP. Art 75. Concedida a autorização para funcionamento, a Sociedade terá o prazo de noventa dias para
comprovar perante a SUSEP, o cumprimento de todas as formalidades legais ou exigências feitas no ato da
autorização. Art 76. Feita a comprovação referida no artigo anterior, será expedida
a carta-patente pelo Ministro da Indústria e do Comércio”. À hipótese de que seguradoras nacionais contratassem
resseguro por meio de qualquer ressegurador que não fosse o IRB, o mesmo Decreto-Lei, em seu art. 108,
outorgava-lhe poderes para cassar a carta-patente da seguradora infratora: Art. 108. As infrações aos dispositivos
deste Decreto-lei sujeitam as Sociedades Seguradoras, seus Diretores, administradores, gerentes e fiscais às
seguintes penalidades, sem prejuízo de outras estabelecidas na legislação vigente: I - Advertência; II - Multa
pecuniária; III - Suspensão do exercício do cargo; IV - Inabilitação temporária ou permanente para o exercício
de cargo de direção, nas Sociedades Seguradoras ou no IRB; V - Suspensão da autorização em cada ramo
isolado; VI - Perda parcial ou total da recuperação de resseguro; VII - Suspensão de cobertura automática; VIII
- Suspensão de retrocessão; IX - Cassação de carta-patente”.
57
As palavras de Getúlio Vargas, na Sessão Solene de inauguração do IRB, foram as seguintes: “Não estavam nos
meus objetivos prejudicar interesses de capitais estrangeiros aqui empregados e que foram, nesta organização,
devidamente respeitados. Pretendia, apenas organizar, sob a égide de uma fiscalização eficiente, as legítimas
atividades industriais que se desenvolvessem no país, procurando, porém, evitar que fossem drenadas para o
exterior as nossas economias que constituem o sangue e a vida da nacionalidade”. (Trecho extraído da
monografia O monopólio de resseguro no Brasil. NASCENTES, Célio Olympio. Rio de Janeiro: IRB, 1993. 16
p, disponível na Biblioteca do IRB 368.029(81) N 244).
58
Os números colhidos a partir dos relatórios anuais divulgados pelo IRB demonstram a evolução experimentada
entre os anos de 1995 e 2005. O ano de 1998 ficou marcado por ter sido o primeiro exercício fiscal de sua história
no qual a marca de R$ 1 bilhão em receita de prêmios emitidos de resseguros foi superada. (O número exato,
segundo o relatório anual divulgado pelo ressegurador brasileiro, foi de R$ 1,033 bilhão). Desenvolvendo uma
comparação com o exercício anterior (1997), o crescimento foi da ordem de 10%. No que toca à participação de
cada ramo sobre o montante geral arrecadado, o ramo incêndio figurou como líder, respondendo por 33% do
total. Observando os resultados líquidos obtidos nos exercícios de 1995 (87,2), 1996 (73,1), 1997 (51,7) e 1998
(170,4), constata-se a majoração da demanda por resseguro, notadamente a partir do ano de 1997 para o ano de
1998. As justificativas às quedas ocorridas dos anos de 1995 para 1996, assim como de 1996 para 1997 estão
dirigidas às graves crises financeiras ocorridas nos mercados internacionais, tendo sido absolutamente marcantes
as crises na Ásia, na Argentina e a moratória apresentada pela Rússia, em 1998. Ditos acontecimentos
influenciaram a ainda instável economia brasileira que, ressentida, demandou menos contratações de resseguro.
As atividades realizadas no ano de 1999, na mesma linha do que se sucedeu no ano de 1998, demonstraram
crescimento no volume de prêmios emitidos. Em 1998, consoante exposto, R$ 1.032,9 bilhões; em 1999, R$
1.149,4 bilhões. Quanto ao resultado líquido do exercício, o ano de 1999 apresentou a cifra de R$ 155,4 milhões
43
O Governo Federal, por intermédio de sua Secretaria de Política Econômica,
diante do contexto formulado pela ordem econômica após o advento da Constituição da
República de 1988 e, observando que a flexibilização do monopólio exercido pelo IRB
afigurava-se premente, solicitou que fosse desenvolvido estudo
60
a respeito das
(1998 apresentou R$ 170,4 milhões), explicando-se a inferioridade desse número diante da necessidade
extraordinária de que fosse efetuado o pagamento de tributos retroativos (retidos na fonte), relativos aos últimos
cinco anos, que representam a soma de R$ 241 milhões. Não houvesse essa necessidade, o resultado líquido do
exercício representaria a soma de aproximados R$ 400 milhões. O ano 2000 apresentou novo crescimento do
volume de prêmios emitidos – R$ 1.189.345 (bilhões), ao passo que em 1999 o volume foi de R$ 1.149.532
(bilhões). Numa primeira tomada, o ano de 2001 apresentou todos os elementos necessários à apresentação de
resultados desfavoráveis por parte do IRB. A profunda crise argentina, o gravíssimo ataque terrorista ao World
Trade Center nos EUA, em 11 de Setembro, demonstrando a vulnerabilidade da maior potência mundial, a perda
de exportações desenvolvidas pela economia brasileira, aumento do risco-Brasil medido pelas agências
estrangeiras, enfim, o cenário econômico demonstrava momentos difíceis a serem enfrentados pelo país. Tendo
como alicerce o trabalho dedicado de seus funcionários, o empenho dos seguradores brasileiros, dos corretores de
seguros, dos corretores de resseguro estrangeiros, os números finais apresentados pelo órgão ressegurador
brasileiro foram realmente expressivos. Ainda sob a influência do ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001, o
ano de 2002 foi marcado por dificuldades no que toca à aceitação de riscos, taxas mais elevadas por parte dos
resseguradores estrangeiros e condições (coberturas) mais restritas. O ambiente experimentado na América do
Sul, infelizmente, não reuniu condições para ficar alheio à difícil situação conjuntural experimentada pelos EUA,
sobretudo no campo político, ante à desconfiança de parte considerável da população norte-americana às políticas
traçadas e conduzidas pelo Governo George W. Bush. A crise na economia argentina sofreu considerável piora e,
como conseqüência direta disto, a confiança dos investidores estrangeiros naquela economia e, por tabela, na
economia brasileira, foi seriamente abalada. Mesmo diante de cenário desfavorável, o IRB conseguiu auferir bons
resultados. A arrecadação de prêmios emitidos totais de resseguro foi da ordem de R$ 2,45 bilhões (superiores,
portanto, aos R$ 1,67 bilhões arrecadados no ano de 2001 – crescimento de 46,5%). Após a eleição do novo
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, as incertezas acerca da condução da política que seria
implementada tiveram como conseqüências imediatas as altas nas taxas de câmbio, inflação, em suma, houve um
momentâneo nervosismo do mercado. Após a passagem do ano de 2003, cujos resultados demonstraram a queda
da cotação do dólar (valorização do real), diminuição das taxas de juros, assim como as aprovações das reformas
tributária e previdenciária, o mercado pôde perceber que a política aplicada não conduziria os investidores
externos a sustos, o que permitiu, gradualmente, o retorno da confiança dos mesmos na economia nacional.
Particularmente com relação ao mercado ressegurador, seus prêmios totais importaram uma arrecadação de R$
2,87 bilhões, ou seja, crescimento à ordem de 17,22% em comparação com o ano anterior (R$ 2,45 bilhões).
Novamente o ramo incêndio liderou as arrecadações de prêmios, respondendo pela cifra de R$ 468 milhões.
Ainda atuando como órgão ressegurador oficial, um dos últimos do mundo consoante se expôs, o resultado
experimentado no ano de 2003 representou lucro líquido à ordem de R$ 328 milhões, mantendo, portanto, os
mesmos patamares auferidos no ano anterior. Os dados disponíveis acerca dos resultados experimentados no
primeiro semestre de 2004 revelam que o órgão ressegurador oficial brasileiro auferiu um dos maiores lucros
líquidos de sua história, chegando à casa dos R$ 280 milhões (o ano inteiro de 2003 representou lucro de R$ 328
milhões). Fruto de uma política de subscrição de riscos bem desenvolvida e aplicada, de desenvolvimento de uma
excelente carteira de negócios, de uma administração profissional e séria, o IRB conquistou nesse período
resultados realmente muito expressivos.
59
A exposição concernente a esta indagação foi apresentada ao longo dos terceiro e quarto capítulos desta
dissertação.
60
Através de estudo disponibilizado pelo Governo Federal, noticiado pelo Jornal o Estado de São Paulo, publicado
em 29.12.2004, chamado “Reformas Microeconômicas e Crescimento de Longo Prazo”, de autoria da Secretaria
de Política Econômica, integrante do Ministério da Fazenda, comentou-se às fls. 48/50: “3.1.3 Aperfeiçoamento
do Marco Regulatório do Setor de Seguros (...) Por essas razões, o Governo inseriu em sua agenda 2004-2005 a
revisão do marco regulatório do setor de seguros e resseguros, favorecido pela alteração do artigo nº. 192 da
Constituição Federal, através da Emenda Constitucional nº. 40, de 29/05/2003, que permitiu que o Sistema
Financeiro Nacional fosse regulado por mais de uma lei complementar. Colocando a proteção ao consumidor
como objetivo central da ação do Estado, a política para o setor de seguros será baseada em três pontos principais:
i) o aperfeiçoamento institucional; ii) o aperfeiçoamento fiscalizatório; e iii) o aperfeiçoamento das garantias ao
consumidor. O objetivo dessa política é retirar os entraves hoje existentes ao surgimento de novos produtos e
serviços, promovendo aumento da competitividade no setor, melhoria das normas prudenciais e aperfeiçoamento
da atuação do órgão regulador e fiscalizador. Hoje, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB-Brasil Resseguros)
possui tanto a atribuição de regular o mercado quanto o monopólio das operações de resseguro. Porém, sua
composição acionária possui não apenas o Governo, mas também as próprias empresas fiscalizadas.
44
principais desvantagens decorrentes da exploração do setor de resseguro em regime
monopolista. As principais conclusões apresentadas foram no sentido de que o
monopólio propiciava: (i) Criação de ineficiências no mercado de seguros, por inibir
que o ressegurador único recuse atuar com seguradoras com deficiências de subscrição
ou operacionais, gerando maiores custos em última medida ao próprio segurado,
decorrentes do aumento dos prêmios praticados; (ii) Desestímulo à competitividade
entre seguradoras, já que, independentemente das circunstâncias, estas poderão recorrer
ao único ressegurador nacional; (iii) Inibição para a entrada de novas seguradoras no
mercado (nacionais e estrangeiras) e (iv) Inibição para o desenvolvimento de novos
produtos
61
, principalmente aqueles não padronizados.
João Marcos Brito Martins
62
, no que se refere às críticas direcionadas à exploração
monopolista, apresenta os seguintes comentários:
A livre concorrência em seguros sofre limitações de toda ordem. Não apenas
por fatores microeconômicos; não só. A alta concentração do mercado de
seguros se deve, principalmente, ao modelo adotado. O monopólio legal do
resseguro (...) impede qualquer movimento eficiente em favor da livre
concorrência. Se a seguradora cedente solicita uma taxa para determinado
risco, tal taxa é concedida ao risco e não à seguradora solicitante. Como já
visto no início deste trabalho, a taxa deve ser proporcional ao risco. Quando
duas ou mais seguradoras pedem taxa para ressegurar o mesmo risco, nos
casos em que estejam concorrendo entre si, não haverá diferença entre elas. A
taxa de resseguro será a mesma para todas. Então o diferencial será dado pela
própria seguradora nos limites de sua retenção. A que tiver maior patrimônio,
Historicamente, sua importância residiu na própria criação e desenvolvimento do mercado nacional de seguros.
Contudo, o monopólio do resseguro, do qual o Brasil é hoje umas das raras exceções, ao lado de Cuba e Costa
Rica, traz consigo atualmente alguns entraves econômicos à continuidade do desenvolvimento setorial: a) cria
ineficiências no mercado de seguros, por inibir que o ressegurador único recuse atuar com seguradoras com
deficiências operacionais ou de subscrição, gerando maiores custos em última medida ao próprio segurado; b) não
estimula a competitividade entre seguradoras; c) inibe a entrada de novas seguradoras no mercado (nacionais e
estrangeiras); e d) inibe o desenvolvimento de novos produtos, principalmente aqueles não padronizados. (...)”.
61
Em artigo de nossa autoria, publicado no Boletim Informativo FOCUS, nº. 1, Maio de 2006, p. 1, sob o título:
Renovar para Competir – Uma Abordagem Schumpeteriana sobre as Mudanças anunciadas para o Setor
de Resseguros no Brasil. Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados, desenvolveu-se análise
relativa à aplicação do conceito de “destruição criativa”, do qual é precursor o economista austríaco Joseph
Schumpeter, ao setor de resseguros no Brasil. Do texto, convém reproduzir o trecho a seguir: “É notório que o
mercado de seguros e resseguros vem se desenvolvendo enormemente nos últimos anos, razão pela qual a maior
competição nesse mercado é fundamental para a sua expansão. Como bem disse o presidente do IRB, “a
liberalização dos mercados permite uma relação mais íntima entre seguradoras e resseguradoras e estimula o
lançamento de novos produtos”. Benefícios decorrentes da introdução de novos produtos, novas coberturas para
o mercado segurador nacional, estariam intrinsecamente relacionados ao novo regime de exploração deste
setor, já que, sob a égide do regime monopolista, o Brasil se encontra em posição bastante obsoleta em
comparação com os países que dispõem de mercados resseguradores competitivos. À luz do conceito de
“destruição criativa”, de Joseph Schumpeter, a flexibilização do monopólio exercido pelo IRB, que se anuncia
para o setor de resseguros brasileiro, mostra um cenário em que novos resseguradores, estrangeiros ou
nacionais, distinguir-se-ão da estatal brasileira por meio do lançamento de novos produtos em melhores
condições, isto é, com garantias estendidas, prêmios mais acessíveis e períodos mais curtos com vistas à
regulação dos sinistros existentes. (...)
62
MARTINS, João Marcos Brito. Direito de Seguro. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2002, pp. 111/112.
45
automaticamente tem retenção maior e, por conseguinte, poderá oferecer
melhores condições. Nesse suceder de casos, as maiores se tornam ainda
mais alavancadas. (...) O monopólio legal também traz um vício antigo na
redistribuição dos riscos. O IRB Brasil Resseguros, após atingida sua
capacidade de retenção, redistribui, através de mecanismo denominado
retrocessão, para todas as seguradoras do país, o restante do risco até o
atingimento da retenção total do mercado nacional. Qualquer seguradora
participante do movimento industrial tem direito ao seu quinhão, ainda que
não tenha feito nada para merecê-lo. Há muitas que sobrevivem desse ganho,
o que também é óbice à concorrência. A questão que se coloca é:
sobreviverão tais seguradoras à queda do monopólio legal? O mercado ficará
ainda mais estreito para o consumidor de seguros? (...)
Ainda com relação ao mencionado estudo, divulgou-se que o Brasil, ao lado de
Cuba e Costa Rica, formam o grupo dos três últimos países do mundo que detém
regimes monopolistas de exploração dos seus setores de resseguro. A comparação com
Cuba, diante do aspecto histórico, do comunismo que, a duras penas, ainda prevalece
como regime de governo daquele país, não inspira semelhanças com o Brasil, de modo
que se possa traçar uma analogia palpável. As dimensões da econômica brasileira, em
comparação com as dimensões da economia da Costa Rica, também não permitem que
se tome aquele modelo econômico como referência a ser seguida, a ser objeto de
comparação em matéria de exploração do setor de resseguro.
Países cujas características econômicas se assemelham às características
nacionais, como, por exemplo, a Argentina, há tempos cuidaram da flexibilização do
seu regime monopolista de exploração do resseguro. Ariel Fernandez Dirube
63
, explica,
sucintamente, como ocorreu a flexibilização do monopólio no mercado ressegurador
argentino:
De todo lo expuesto surge que el mercado assegurador argentino reconoce
tres etapas en su desenvolvimiento operativo em matéria de reaseguros: a)
una primera etapa prácticamente libre en la cual no existieron normas que
fijaran requisitos mínimos respecto de las empresas de reaseguros de exterior,
síno sólo algunos principios básicos que debían observar las asseguradoras
locales al formalizar sus contratos de reaseguro. B) una segunda etapa,
fuertemente proteccnionista, en la que se establecieron pautas de
diferenciación de la nacionalidad de las entidades asseguradoras directas, un
consecuente tratamiento diferencial en varios aspectos y especialmente en
materia de reaseguros y además la creación de una empresa reaseguradora
monopólica, primero de carácter mixto y luego totalmente estatal. c)
Finalmente, una tercera etapa, de mercado libre desregulado – que estamos
viviendo a partir de la liquidación del reasegurador estatal -, con libre
contratación dentro de ciertos niveles y requisitos, no sólo referidos al
63
DIRUBE, Ariel Fernández. Evolución del marco legal del reaseguro en la Argentina. In: BARBATO, Nicolas
H. (coord.). Derecho de Seguros. Buenos Aires: Hammurabi, 2001, pp. 480/481.
46
contenido de los contratos si no también a las condiciones que deben
necesariamente reunir las reaseguradoras, para se aceptables por la autoridad
de control los contratos concertados con ellas. Este esquema constituye un
novedoso avance legislativo en nuestro país, que implica la introducción de la
normativa en un campo asta ahora poco frecuentado por el derecho
positivo
64
.
Coréia do Sul
65
e China
66
, marcadas pelo desenvolvimento econômico
exponencial, também já flexibilizaram os seus monopólios, circunstância esta que,
necessariamente, força a conclusão de no sentido de que no Brasil inexiste espaço para a
exploração em regime monopolista. A Índia, cuja independência foi proclamada em
1947, também já caminha a passos largos rumo à flexibilização do monopólio
67
.
Com efeito, realmente foi-se o tempo em que o país experimentou a necessidade
de proteger as suas divisas explorando atividades econômicas em regimes de
monopólio. As Constituições da República de 1934 e de 1937
68
, expressamente,
dispunham em seus títulos relativos à ordem econômica e social, que caberia à lei
providenciar a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades,
devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que à época estivessem
em operação, assim como que as sociedades em atuação no Brasil não poderiam dispor
de acionistas estrangeiros em seus quadros.
64
Em tradução livre do autor: “De todo o exposto tem-se que o mercado segurador argentino reconhece três etapas
em seu desenvolvimento operacional em matéria de resseguros: a) uma primeira etapa praticamente livre, na qual
não existiam normas que fixaram requisitos mínimos referentes às empresas resseguradoras estrangeiras, mas
apenas alguns princípios básicos que as seguradoras locais deveriam observar ao formalizar seus contratos de
resseguro. b) uma segunda etapa, fortemente protecionista, na qual se estabeleceram tratamentos diferenciados
pela nacionalidade das seguradoras diretas, um conseqüente tratamento diferente em vários aspectos,
especialmente em matéria de resseguros, além da criação de uma empresa de resseguros monopolista, em
primeiro lugar de caráter misto e, logo após, totalmente estatal. c) Finalmente, uma terceira etapa de mercado
livre e desregulado – estamos vivendo desde a liquidação do ressegurador estatal – com livre contratação dentro
de certos níveis e requisitos não só referentes ao conteúdo dos contratos, mas também às condições que devem
necessariamente reunir as resseguradoras, para serem aceitáveis pelas autoridades de controle os contratos
celebrados com elas. Este esquema constitui um novo avanço legislativo em nosso país, que implica na
introdução da normativa num campo até agora pouco freqüentado pelo direito positivo.”
65
A Coréia do Sul flexibilizou o monopólio do resseguro em 1997. Até então, a Korean-Re detinha o monopólio
legal do resseguro naquele país, extinto como parte do programa de liberalização do mercado de seguros coreano,
quando o país ingressou na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
66
A reforma dos mercados segurador e ressegurador na China ocorreu em 1996. Informações disponíveis em
<http://econ.pku.edu.cn/ccissr/english/member/Engl-zhongzai.htm>, acessado em 27 de janeiro de 2007.
67
Informações pormenorizadas a respeito da evolução dos mercados de seguro e resseguro indianos se encontram
disponíveis em An Analysis of the Evolution of Insurance in Índia. Tapen Sinha. London: The University of
Notthingham, 2005, disponível em <http://www.nottingham.ac.uk/business/cris/papers/2005-3.pdf>, acessado em
27.01.2007.
68
Constituição da República, de 16 de julho de 1934, art. 117. A lei promoverá o fomento da economia popular, o
desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará
sobre a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em
sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País. Constituição da República, de 10 de
novembro de 1937, art. 145. Só poderão funcionar no Brasil os bancos de depósito e as empresas de seguros,
quando brasileiros os seus acionistas. Aos bancos de depósito e empresas de seguros atualmente autorizados a
operar no País, a lei dará um prazo razoável para que se transformem de acordo com as exigências deste artigo.
47
O programa de nacionalização do seguro alinhava-se, perfeitamente, às
características do Estado empresário, do Estado desenvolvimentista, sendo certo que a
exploração monopolista do resseguro vinha ao encontro daquele panorama. Pedro
Alvim
69
, ao comentar a respeito do programa de nacionalização do seguro, observa que
a criação do IRB se tratou da maior conquista deste programa:
Pretendeu, então, o governo impor determinadas condições para restringir
esse fluxo de dinheiro para o exterior em prejuízo da nossa balança de
pagamentos. Houve resistência das companhias estrangeiras, que tudo
fizeram para dificultar a aplicação das normas regulamentares dos sucessivos
diplomas legais publicados (...). A demorada resistência das companhias
estrangeiras à submissão das normas regulamentares gerou um movimento no
Congresso Nacional, visando a nacionalização do seguro no país. Pretendia-
se transformar em nacionais as agências das seguradoras estrangeiras e, ao
mesmo tempo, criar condições para o fortalecimento das nossas seguradoras.
(...) O movimento nacionalista teve, porém, o mérito de ensejar a criação do
Instituto de Resseguros do Brasil (Decreto-lei nº. 1.805, de 27.11.39). Seria o
instrumento da política nacionalista. Sua instalação, no ano seguinte, marcou
o início de uma etapa muito importante para o progresso do seguro nacional.
Como conseqüência da aplicação da livre iniciativa e da livre concorrência ao
setor de resseguros brasileiro, é chegado o momento em que o Estado regulador deverá,
em definitivo, substituir o modelo retrógrado que marcou essa atividade econômica no
país ao longo do século XX.
1.7 Conclusões Parciais
O desenvolvimento da relação existente no país entre o Estado e o Mercado, de
maneira geral, demonstrou, com riqueza de exemplos, que a ordem econômica
constitucional brasileira não guarda mais espaço para que prevaleça um regime
monopolista. Nos segmentos voltados à distribuição de gás canalizado, ao fim da
reserva de mercado na navegação de cabotagem, às telecomunicações, à distribuição de
energia elétrica e ao petróleo e gás natural, foram dados passos importantes rumo à
flexibilização dos monopólios outrora existentes, sendo certo que a recém sancionada
Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007, representou o marco que carecia
de ser alcançado para os mercados segurador e ressegurador brasileiros.
69
ALVIM, Pedro. Ob. cit., pp. 55/56.
48
De fato, seja com motivação no fundamento da livre iniciativa, seja como
motivação no princípio da livre concorrência, aliando-se a esses motivos o fato de que
em âmbito mundial praticamente inexiste a exploração do resseguro em regime de
monopólio, entende-se estarem reunidas as condições necessárias para que o Estado,
com as características que o século XXI lhe impõe, deixe de intervir e passe a regular o
resseguro no país, no sentido de que seja trilhado caminho cujo norte consistirá na
criação do mercado ressegurador brasileiro, isto é, ao invés de termos o setor de
resseguro, dotado de apenas um fornecedor estatal, será construído o mercado
ressegurador, provido de resseguradores em regime de livre concorrência, no qual será
livre a introdução de inovações – novas coberturas – diminuído o valor dos prêmios
praticados, em benefício, sobretudo, de toda a massa consumidora de seguros existente
no país.
CAPÍTULO 2
DO REGIME MONOPOLISTA À LIVRE CONCORRÊNCIA
A CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO
2.1 Considerações Iniciais
Conforme comentado no capítulo anterior, a Emenda à Constituição nº. 13, de 21
de agosto de 1996, suprimiu a expressão “órgão oficial ressegurador” do artigo 192 da
Constituição da República, o que representou o primeiro passo rumo à flexibilização
70
do monopólio exercido pelo Instituto de Resseguros do Brasil – IRB.
Logo a seguir, a Medida Provisória nº. 1.578, de 18 de junho de 1997,
posteriormente convertida na Lei nº. 9.482, de 13 de agosto de 1997, transformou o
Instituto de Resseguros do Brasil – IRB numa sociedade de ações, com uma diretoria
executiva organizada de forma colegiada, ou seja, começava a ser percorrido o caminho
que, posteriormente, culminaria com a inclusão do ressegurador nacional no Programa
Nacional de Desestatização - PND. A partir de 30 de junho de 1997, o Instituto de
Resseguros do Brasil passou a denominar-se IRB - Brasil Resseguros S.A., ou,
simplesmente, IRB-Brasil Re.
Um pouco mais adiante, o Governo Federal, por intermédio do Decreto nº. 2.423,
de 16 de dezembro de 1997, incluiu o IRB-Brasil Re no Programa Nacional de
Desestatização – PND, ante o interesse na realização do seu leilão e, conseqüentemente,
de sua privatização
71
.
70
ENTERRÍA, Eduardo García de (Curso de Derecho Administrativo I. Madrid, Civitas, Décima edicíon, 2000,
p. 55) usa estas palavras quando, a título enunciativo, explicita alguns casos do que denomina “retrocesso” dos
“monopólios” estatais: “a) el monopólio de correos fue flexibilizado al fomentarse por el decreto nº. 197/992, de
12 de mayo de 1992, a la actitividad privada a través de permisarios en régimen de concurrencia. El artículo 746
de la ley nº. 16.736, de 5 de enero de 1996, parece recoger este espíritu y parece pensar en un sistema que
assegure una sana concurrencia entre los permisarios y la actividad estatal en el sector;...” (GOLDBERG, Maria
Neueunschwander Escosteguy Carneiro. Uma Nova Visão do Setor Postal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen
Juris, 2006, p. 4).
71
Sara Jane Leite de Farias afirma: “Desde o final dos anos 80 ressurge a discussão acerca do conceito de serviço
público, tendo em vista as mudanças dos pressupostos econômicos, sociais, políticos e culturais. É notório que
durante o período intitulado como “bem-estar social” o Estado se tornou grande demais, porém num sentido
quantitativo (acúmulo de atividades) mas não necessariamente qualitativo (eficiência na execução das mesmas).
50
Ao lado dessa iniciativa, o Governo Federal também encaminhou ao Congresso
Nacional um Projeto de Lei Ordinária objetivando a transferência das atribuições
regulatórias exercidas pelo IRB-Brasil Re à Superintendência de Seguros Privados –
SUSEP, que, posteriormente, culminou com a promulgação da Lei nº. 9.932, de 20 de
dezembro de 1.999
72
.
Portanto, nota-se que, à época, a pretensão do Governo estava voltada à: (i)
flexibilização do monopólio exercido pela resseguradora estatal; (ii) privatização do
IRB – Brasil Re e (iii) transferência das atribuições regulatórias por ele exercidas à
SUSEP.
As iniciativas em tela, por si só, seriam suficientes à criação do mercado
ressegurador brasileiro? Conforme exposto, o que se tinha, sob a chancela do antigo
Instituto de Resseguros do Brasil, era apenas o setor de resseguros, já que inexistente a
concorrência. Com o IRB-Brasil Re privatizado e ocorrendo a transferência de suas
atribuições regulatórias à SUSEP, cuja competência, originalmente, trata-se da
regulação dos mercados de seguros, previdência privada e capitalização, consoante
determina o art. 36
73
do Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, estarão
erguidos os pilares necessários à sustentação do mercado ressegurador brasileiro?
Segundo Dinorá Adelaide Musetti Grotti, “criou-se a consciência generalizada de que deveria haver um
enxugamento da máquina estatal e a devolução das atividades à iniciativa privada, como também a escolha do
prestador do serviço”. Mais uma vez a sociedade viu-se diante de uma redefinição da atuação administrativa do
Estado no que diz respeito aos serviços públicos. Nesse sentido, leciona Marcos Juruena Villela Souto: “Urge,
pois, que se corrija a anomalia do gigantismo do Estado, oriunda de uma política que lhe atribuiu o papel de
condutor da economia. Esse é o objetivo primordial da privatização: devolver à iniciativa privada um espaço que,
em situação de normalidade, a ela compete, retornando o Estado às suas funções típicas, especialmente no que
concerne ao essencial, como saúde pública, segurança, educação e saneamento”. (FARIAS, Sara Jane Leite de.
Regulação Jurídica dos Serviços Autorizados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 28/29).
72
A discussão afeta à constitucionalidade da Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1.999 foi objeto da Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº. 2223, dirigida ao Supremo Tribunal Federal. Comentários específicos acerca desta
discussão foram realizados ao longo do presente capítulo.
73
Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966. Art 36. Compete à SUSEP, na qualidade de executora da política
traçada pelo CNSP, como órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das
Sociedades Seguradoras: a) processar os pedidos de autorização, para constituição, organização, funcionamento,
fusão, encampação, grupamento, transferência de controle acionário e reforma dos Estatutos das Sociedades
Seguradoras, opinar sobre os mesmos e encaminhá-los ao CNSP; b) baixar instruções e expedir circulares
relativas à regulamentação das operações de seguro, de acordo com as diretrizes do CNSP; c) fixar condições de
apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional; d)
aprovar os limites de operações das Sociedades Seguradoras, de conformidade com o critério fixado pelo CNSP;
e) examinar e aprovar as condições de coberturas especiais, bem como fixar as taxas aplicáveis; f) autorizar a
movimentação e liberação dos bens e valores obrigatoriamente inscritos em garantia das reservas técnicas e do
capital vinculado; g) fiscalizar a execução das normas gerais de contabilidade e estatística fixadas pelo CNSP
para as Sociedades Seguradoras; h) fiscalizar as operações das Sociedades Seguradoras, inclusive o exato
cumprimento deste Decreto-lei, de outras leis pertinentes, disposições regulamentares em geral, resoluções do
CNSP e aplicar as penalidades cabíveis; i) proceder à liquidação das Sociedades Seguradoras que tiverem cassada
a autorização para funcionar no País; j) organizam seus serviços, elaborar e executar seu orçamento.
51
A aplicação da livre concorrência ao setor de resseguros, ao menos em princípio,
motiva a impressão de que estará, então, construído o mercado ressegurador brasileiro,
em que, não apenas sob a perspectiva legislativa, mas sob a perspectiva fática, real,
estarão presentes os pressupostos necessários à sustentabilidade desse mercado, no qual
nenhum agente possa influenciar na formação de preços, haja diversidade de coberturas
disponibilizadas às seguradoras cedentes e os valores dos prêmios praticados tendam a
diminuir em comparação com os preços atualmente praticados pelo IRB – Brasil Re, em
razão da competição que será implementada.
Afirmou-se impressão no parágrafo anterior porque não é o simples fato de um
Projeto de Lei ser aprovado que terá como conseqüência imediata a criação do mercado
ressegurador brasileiro.
O que já existe, desde 1939, quando da criação do IRB, é o setor de resseguros,
não o mercado, havendo entre estas duas palavras – setor e mercado – marcante
distinção.
Seja no ramo das telecomunicações, do petróleo, ou da energia elétrica, tomados a
título exemplificativo, a construção de um mercado não é realizada de forma
instantânea, mediante a simples aprovação de um Projeto de Lei.
Calixto Salomão Filho
74
, especificamente com relação à impossibilidade de
formação automática de um mercado, afirma:
As falhas dessa concepção neoclássica são, portanto, evidentes. A reprodução
em laboratório de condições de mercado é inviável, seja através da regulação
ou da auto-regulação. Há, também, o fato inegável de que a concentração
exclusiva na lógica de mercado desvia as atenções de outros e fundamentais
objetivos que deve ter a ação regulatória do Estado na economia.
A aprovação de um Projeto de Lei, com efeito, figura como um pressuposto
necessário à positivação no ordenamento jurídico do respectivo mercado que se esteja
estudando, mas, a sua efetiva criação depende de diversos elementos de índole jurídico-
econômica, relacionados à função que a regulação exercerá para construir o mercado em
espécie. Justamente com relação ao papel da regulação, tendo como referência a
reestruturação de diversos serviços objeto da privatização, Diogo de Figueiredo Moreira
Neto
75
afirma:
74
FILHO, Calixto Salomão. Regulação da Atividade Econômica. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 25/26.
75
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Público. Rio de Janeiro: Renovar. 2006, p. 389.
52
Finalmente, a necessidade de repensar o desenho da administração pública
encontrou também um importante impulso no fenômeno contemporâneo,
reiteradamente observado e descrito, da fragmentação e despublicização do
interesse público, marcando “o sendeiro tangível da passagem de uma
administração monista e monoorganizada para uma administração
pluralista e pluriorganizada, o que corresponde, com não menor relevância,
ao aperfeiçoamento da aplicação e do controle do poder político.
Com o desmonte dos pesados aparatos interventivos em todos os países que
haviam experimentado um alto grau de estatização, a Europa, em processo de
democratização, optando por republicizar os controles das atividades
econômicas, preferiu fazê-lo, então, nos moldes da solução norte-americana
da regulação, adotando modelo das suas agências independentes
76
.
Analisando, por exemplo, a criação do mercado nacional de telecomunicações,
não resta dúvida de que o Estado, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações
– ANATEL, teve papel essencial, migrando de um regime de monopólio exercido pela
União Federal para um regime de livre concorrência, provido de benefícios sensíveis à
massa de consumidores que se utilizam desse serviço público. Com relação à
importância da função estatal para a criação deste mercado, convém examinar as
palavras de Sidnei Turczyn
77
:
A nova função do Estado seria, em primeiro lugar, a de criar o mercado
competitivo, uma vez que não existe, ainda, um mercado concorrencial de
serviço público, em razão do regime monopolista anterior. Pelo fato de o
serviço de telecomunicações ser um serviço público, o Estado deve,
inicialmente, dirigir a construção deste mercado, para que futuramente possa
ele funcionar em regime de livre concorrência. Entretanto, é o Estado que
possui a titularidade do serviço, podendo influir neste mercado para que ele
não traga prejuízo ao direito dos usuários. O Estado atua nestes setores
através das recém-criadas agências reguladoras. (...) É importante esclarecer
que a concorrência consiste, em resumo, na disputa pelo consumidor através
do menor preço e pela melhor qualidade do produto. Para sua
implementação, as agências reguladoras têm a função de garantir condições
para que este mercado concorrencial funcione corretamente.
Passando a estudar o mercado de petróleo e derivados, percebe-se que sua criação
não foi diferente, observadas as mudanças levadas a cabo a partir do advento da
Emenda à Constituição nº. 9, de 09 de novembro de 1995.
Partindo de um regime no qual a União Federal detinha o monopólio legal para a
exploração do petróleo e seus derivados, a Emenda em comento veio à tona espelhando
76
Realces no original.
77
TURCZYN, Sidnei. O direito da concorrência e os serviços privatizados. In: Direito Administrativo
Econômico. SUNDFELD, Carlos Ari (coord.), São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 208/209.
53
um novo panorama, cuja aplicação prática careceu de que a Agência Nacional do
Petróleo - ANP
78
- envidasse os seus esforços para que fosse criado e desenvolvido o
mercado brasileiro de petróleo, aberto à participação das empresas que dispusessem das
condições necessárias para isto. A transformação do regime de monopólio para o regime
da livre concorrência, tomando como base a exploração do petróleo e seus derivados no
país, foi assim observada por Carlos Ari Sundfeld
79
:
Está em curso, no Brasil, como em outras partes do mundo, um processo de
desregulação da indústria petrolífera. Nossa história principia com o
estabelecimento, por via de lei, de monopólio federal sobre a exploração e
produção de petróleo, com a conseqüente criação da PETROBRÁS,
sociedade de economia mista federal incumbida de exercê-lo (Lei. 2.004, de
1953). Com a Constituição de 1988 o monopólio foi constitucionalizado (art.
177), prevendo-se também a competência estadual para distribuição
domiciliar de gás canalizado, exclusivamente por empresa estatal (art. 25, §
2º). Em 1995, as Emendas Constitucionais 5 e 9 suavizaram essas normas ao
eliminar a exigência de que essas atividades fossem desenvolvidas apenas por
meio de empresas estatais. Assiste-se, agora, ao surgimento de
concessionários privados na exploração e produção petrolífera (concessões
federais), bem como na distribuição de gás (concessões estaduais). Em
paralelo, esboça-se uma política de incentivo à concorrência entre empresas,
e isso também com relação a outras atividades da indústria petrolífera, como
o refino e o transporte. Para conduzir essa transformação, criou-se a Agência
Nacional do Petróleo.
Quando da formação do mercado de energia elétrica, a partir do diagnóstico de
que o Estado não mais detinha condições de zelar pelo seu desenvolvimento de maneira
eficiente, foram estudadas as condições inerentes à sua reestruturação. David
Waltenberg
80
, chamando a atenção para a nova função que deveria ficar a cargo do
Estado, qual seja, a regulação como forma de propiciar a competição em condições
parelhas entre os agentes que viessem a atuar no mercado em exame, afirmou:
2.4 Regulação / Competição (1990 - ...) Caracterizada a crise, tratou-se de
fazer seu diagnóstico e definir as linhas mestras do processo de
reestruturação. Na medida em que o Estado esgotou a sua capacidade de
investimento, que os escassos recursos públicos disponíveis deveriam ser
destinados a outras áreas, à época consideradas mais prioritárias do que a
energia elétrica, e que o setor não desenvolveu mecanismos próprios de
sustentação, então a iniciativa privada é que deveria ser chamada a arcar com
investimentos necessários para o desenvolvimento da energia elétrica. (...)
78
A Agência Nacional do Petróleo – ANP foi criada por força da Lei nº. 9.478, de 6.8.1997.
79
SUNDFELD, Carlos Ari. Regime Jurídico do Setor Petrolífero. In: Direito Administrativo Econômico.
(Coord). Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 385.
80
WALTENBERG, David. A. M. Direito da Energia Elétrica e a ANEEL. In: Direito Administrativo
Econômico. Coord. Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 357/358.
54
Dentro dessa perspectiva de ambiente privado, entende-se conveniente
estabelecer condições de competição, para o quê as diversas atividades
setoriais deveriam ser segmentadas, sendo que a geração e a comercialização,
esta segregada à distribuição, seriam expostas à competição, enquanto a
transmissão e a distribuição seriam dela preservadas. Isso determinou a
adoção, dentre as diretrizes norteadoras do processo de reestruturação
setorial, do postulado da competição, onde fosse possível, e da manutenção e
reforço da regulação, onde fosse necessária.
Portanto, restando esclarecido que a criação de um mercado em regime de livre
concorrência, que suceda a exploração de determinado serviço público ou atividade
econômica em regime de monopólio, carece de medidas regulatórias a serem executadas
pelo Estado, por meio das Agências Reguladoras, pretende-se estudar quais serão os
passos a serem trilhados com vistas à criação do mercado ressegurador brasileiro
81
, isto
é, sobre quais aspectos a regulação deverá incidir neste mercado.
2.2 Contextualizando o Resseguro
A discussão a respeito dos limites ao poder regulatório a ser exercido pelo Estado
carece de que, em primeiro lugar, seja contextualizado o resseguro, isto é, torna-se
necessário compreender qual é a sua classificação. Seria espécie de serviço público, de
serviço público impróprio, de serviço geral, serviço de interesse geral ou seria atividade
econômica? Para responder a essas indagações faz-se necessário, inicialmente, estudar o
conceito de resseguro.
81
Floriano Azevedo Marques Neto ensina que há incidência da regulação tanto nos serviços públicos quanto nas
atividades econômicas, variando a intensidade da intervenção estatal de acordo com a maior ou menor
necessidade de que esta se faça presente: “Tanto nos serviços públicos como nas atividades econômicas (em
sentido estrito) há alguma incidência de regulação estatal. O que irá variar é a profundidade e a intensidade da
carga regulatória. Porém, mesmo na menos condicionada das atividades econômicas – onde vicejar liberdade de
empresa e não houver nenhuma incidência de regulação estatal – haverá, residual e reativamente, alguma
incidência de regulação estatal seja no âmbito da proteção à concorrência (intervenção das autoridades antitruste),
seja no âmbito da proteção ambiental, seja ainda no tocante à defesa do consumidor.” (MARQUES NETO,
Floriano de Azevedo. Limites à Abrangência e à Intensidade da Regulação Estatal, p. 7, disponível em
<http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-4-NOVEMBRO-2005-FLORIANO_AZEVEDO.pdf>,
acessado em 05 de agosto de 2006).
55
A capacidade de retenção
82
das companhias seguradoras é limitada, sendo certo
que diante de grandes riscos emerge a necessidade de que sejam utilizados mecanismos
voltados à sua pulverização. Exemplificando, para subscrever determinado risco,
relativo a interesse segurado representativo de um automóvel, avaliado em R$
50.000,00 (cinqüenta mil reais), observa-se que uma seguradora não enfrentará
problemas para realizar esta operação isoladamente. Por outro lado, caso se estejam
subscrevendo os riscos inerentes a uma plataforma de petróleo, a uma aeronave
comercial ou a um valioso empreendimento imobiliário, cujos interesses seguráveis
sejam da ordem de milhões/bilhões de dólares, nota-se que esta operação, dificilmente,
será realizada por uma seguradora isoladamente, seja por incapacidade financeira, seja
para preservar a sua capacidade de retenção, evitando que apenas um negócio
inviabilize a realização de muitos outros. Exatamente com esta finalidade é que se
utiliza o resseguro.
Pode-se conceituar o resseguro como “a coluna vertebral do seguro
83
”, ou como “o
sistema vascular e o tecido conjuntivo da indústria securitária internacional
84
”. Paulo
Luiz de Toledo Piza
85
define-o da seguinte forma:
Tecnicamente, com efeito, ele se apresenta como um meio pelo qual as
empresas de seguros buscam homogeneizar e limitar as responsabilidades
securitárias que assumem, no curso do exercício de sua atividade empresarial,
normalizando o comportamento de suas carteiras de riscos e garantindo-as
dos desvios ou desequilíbrios que, como visto, afetam a freqüência, a
intensidade, a distribuição temporal ou a própria importância atinente aos
sinistros de tais riscos. Trata-se, basicamente, como já se adiantou, de
promover, por meio do resseguro, em sentido figurado, a “transferência” do
risco ou parte dos riscos por ele assumidos de uma empresa (o segurador)
82
Afirma-se que a capacidade de retenção de uma seguradora é limitada considerando, de um lado, a sua
capacidade econômica e, de outro, a dimensão do risco que se pretenda subscrever. Pedro Alvim explica a
capacidade de retenção de uma seguradora da seguinte maneira: “A divisão de riscos é um dos princípios
fundamentais do seguro. Preserva a estabilidade da empresa seguradora. Se a experiência estatística revela que,
em determinada carteira de seguro, a freqüência de sinistros é, por exemplo, de vinte por cento, o segurador só
poderá estimar suas perdas se houver o nivelamento dos riscos que a compõem. Se todos os riscos tiverem o
mesmo valor, por exemplo, cem mil reais, o cálculo se torna fácil: o prejuízo é de vinte mil reais (20% de R$
100.000,00). Mas se forem de valores diferentes, uns de R$ 50.000,00, outros de R$ 100.000,00 ou de R$
300.000,00, como fazer a estimativa? A possibilidade de ocorrência nos riscos de maior valor agravará as perdas
da carteira, embora se mantenha constante a freqüência dos sinistros. Para resguardar-se desses desvios, a carteira
deverá manter um valor médio constante para os riscos. Tudo que exceder será cedido ao ressegurador. Calcula-
se a retenção, isto é, o que fica a cargo do segurador, levando-se em conta diversos fatores, relacionados com a
capacidade técnico-econômica da empresa e a natureza dos riscos. (ALVIM, Pedro. Ob. cit., pp. 357/358).
83
DIRUBE, Ariel Fernandez. Manual de Reaseguros. Buenos Aires: General Re, 1993, p. 28.
84
DONATI, Antigono. Trattato del diritto delle assicurazioni private. Milano: Giuffré, 1952, t. I, p. 15.
85
PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Contrato de Resseguro: Tipologia, Formação e Direito Internacional. São
Paulo: IBDS-EMTS, 2002, p. 88. A obra em referência corresponde à publicação da tese de doutoramento do
autor submetida à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, aprovada após argüição pública ocorrida
em outubro de 2001.
56
para outra empresa (o ressegurador). Com o resseguro, em apertada síntese, o
que se busca é aparar desequilíbrios, é distribuir no tempo desembolsos
extraordinários, é limitar perdas a valores preestabelecidos.
Pedro Alvim
86
assim o explica:
Consiste o resseguro na transferência de parte ou de toda a responsabilidade
do segurador para o ressegurador. A obrigação assumida perante o segurado
por um só segurador é compartilhada por outros através do resseguro. Assim
como o segurado procura garantir-se contra os efeitos dos riscos por meio do
seguro, procede, da mesma forma, o segurador resguardando-se, através do
resseguro, de prejuízos tecnicamente desaconselháveis. O resseguro facilita a
pulverização do risco.
Nessa linha de idéias, verifica-se que o resseguro se trata de um mecanismo do
qual os seguradores lançam mão quando o risco a ser subscrito representa patamares
elevados, o que motiva o desenvolvimento de uma relação entre segurador e
ressegurador, da qual é antecedente lógica a relação existente entre segurado e
segurador.
Convém esclarecer que entre segurado e ressegurador não há relação jurídica
alguma. A relação existente entre segurado e seguradora trata-se de antecedente
necessário à relação existente entre seguradora e resseguradora, mas, consoante se
afirmou, entre segurado, postado num extremo, e o ressegurador, postado no outro
extremo, inexiste relação jurídica que permita o aforamento direto de demanda pelo
segurado contra o ressegurador
87
. Sob a perspectiva econômica, o pagamento da
86
ALVIM, Pedro. Ob. cit., p. 357.
87
Esclarece-se que, em alguns casos concretos, a regulação do sinistro, quando realizada pelo ressegurador ou,
quando realizada pelo segurador mediante autorização do ressegurador, acarreta prejuízos ao segurado,
decorrentes de mora. Assim, considerando a responsabilidade civil decorrente de ato ilícito, vislumbra-se a
possibilidade de que o próprio segurado reclame seus prejuízos diretamente contra o ressegurador. Paulo Luiz de
Toledo Piza, em “A Mora da Seguradora e o Controle da Regulação de Sinistro pela Resseguradora”, publicado
nos Anais do II Fórum de Direito do Seguro “José Sollero Filho”, São Paulo: IBDS-EMTS, 2002, pp. 163/188,
afirma: “Seja como for, essa realidade imbrica-se com o tema da mora do segurador, por muitas vezes a mora do
segurador na liquidação de determinado sinistro pode decorrer do fato de estar ele submetido à emissão, pelo
ressegurador, de autorização para que proceda ao pagamento da indenização reclamada, sob pena de, não o
fazendo, sujeitar-se a multas e à perda do direito à recuperação ressecuritária. (...) A essa discussão é que se
pretende dedicar, nesta ocasião. Não se irá, doravante, discutir, propriamente, a extensão da responsabilidade do
segurador perante o segurado quando se constata a sua mora, mas sim a responsabilidade do ressegurador perante
o segurador e, eventualmente, perante o segurado, quando àquele é imputada mora na liquidação de sinistros, que
possa eventualmente ter decorrido do exercício do controle ou da direção do procedimento de regulação de
sinistros pelo ressegurador. (...) Na literatura internacional, em especial na Espanha, as discussões em torno
dessas cláusulas ganharam corpo após a publicação de um polêmico artigo de Álvaro Muñoz Lopez, intitulado
“Desnaturalización del Contrato de Reaseguro”. Para este autor, as cláusulas de controle e cooperação podem ser
de tal envergadura, a ponto de provocar uma desnaturalização do contrato de resseguro, vinculando diretamente
segurado e ressegurador. É o caso, por exemplo, das chamadas cut-through clauses, que estabelecem para o
ressegurador a obrigação de pagar diretamente ao segurado a indenização, se este assim lhe solicita, como
também das chamadas simultaneous payment clauses, que estabelecem que o segurador, em caso de sinistro, nada
57
indenização securitária será integralmente efetuado pelo segurador, não obstante tenha
sido repassada parte do risco e, conseqüentemente do prêmio, ao ressegurador.
Exatamente nesse sentido é a posição de Rubén S. Stiglitz
88
:
En una primera aproximación, podemos afirmar que el reaseguro es un
supuesto o modalidad del seguro de daños por el cual el
assegurador/reasegurado se asegura (se garantiza), total o parcialmente,
dentro de los limites estipulados convencionalmente, contra la aparición de
un damno con motivo de tener que afrontar eventualmente las consecuencias
danosas de un siniestro que sufra su asegurado.
De la misma definición, surge que el vínculo reasegurativo se halla
constituido entre el asegurador y el reasegurador, lo significa que ninguna
relación jurídica vincula al asegurado con el reasegurador. Esta solución tiene
alcance normativo, a tal punto que el artículo 160, Ley de Seguros establece
que: “El asegurado carece de acción contra el reasegurador (...)
89
Também visando demonstrar a inexistência de relação jurídica entre segurado e
ressegurador, convém observar a posição de Domingo M. López Saavedra e Héctor A.
Perucchi
90
:
Los contratos pueden tener un punto en común, como por ejemplo, la
ocurrencia de un siniestro que pune en marcha, en un primer momento, al
contrato de seguro y luego – cuando ela segurado primario deba ser
indemnizado – al de reaseguro; pero, insistimos, las partes son distintas, sus
derechos y obligaciones también lo son y entre asegurado y reasegurador, ni
legal ni contractualmente, hay relación alguna
91
.
irá pagar ao segurado, até que tenha recebido do ressegurador a recuperação concernente. O ponto central da
argumentação de Álvaro Muñoz, portanto, está na quebra da autonomia do contrato de resseguro com relação ao
contrato de seguro, produzida por cláusulas como essas. (...) O controle de regulação do sinistro, pelo
ressegurador, portanto, é capaz de produzir, em prejuízo do segurador, a sua responsabilização, junto ao
segurado, pela mora no pagamento da indenização securitária. Todavia, deverá ele acompanhar a sorte do
segurador também na condenação deste em responder pelos efeitos da mora – da mesma forma que lhe cabe
acompanhá-lo mesmo no caso de sua condenação judicial no pagamento da indenização ao segurado e de
eventual mora, quando ele é quem procedeu à regulação do sinistro, concluindo não ser o caso de pagamento; ou
quando esta conclusão resultou de regulação de sinistro por ele “delegada” ao segurador”.
88
STIGLITZ, Rubén S. Derecho de Seguros. Tomo III. 4 ed., Buenos Aires: La Ley, 2004, p. 300.
89
Em tradução livre do autor: “Numa primeira aproximação, podemos afirmar que o resseguro é uma modalidade
de seguro de danos por intermédio da qual o segurador/ressegurado se assegura (busca garantia), total ou
parcialmente, dentro dos limites estipulados convencionalmente, contra o surgimento de um dano decorrente das
conseqüências danosas de um sinistro que acometa o segurado. Desta mesma definição surge que o vínculo
ressecuritário tenha se constituído entre segurador e ressegurador, o que significa que nenhuma relação vincula o
segurado com o ressegurador. Essa solução tem alcance normativo, a tal ponto que o art. 160 da Lei de Seguros
estabelece: “O segurado carece de ação direta contra o ressegurador”.
90
SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. El Contrato de Reaseguro. Buenos Aires: La Ley,
pp. 21/22.
91
Em tradução livre do autor: “Os contratos podem dispor de um ponto em comum. como por exemplo a ocorrência
do sinistro que deflagra, num primeiro momento, o contrato de seguro e, logo, quando o segurado primário deve
ser indenizado, o de resseguro; mas, insistimos, as partes são distintas, seus direitos e obrigações também o são e
entre segurado e ressegurador, nem legal, nem contratualmente, há relação alguma”.
58
No que concerne à sua natureza jurídica, convém observar as palavras de Isaac
Halperin e Juan Carlos Felix Morandi
92
:
Halperin y Morandi, en la Exposición de Motivos de su obra, consideran que
el contrato de reaseguro participa de la natureza de un contrato de seguro de
responsabilidad civil, por lo cual jurídicamente es un contrato de seguros en
el que el asegurador cubre sus responsabilidades que le pueden corresponder
en razón del seguro que celebro con sus asegurados
93
.
Entendido o conceito de resseguro, antes de discorrer a respeito dos conceitos de
serviço público e de atividade econômica, entende-se pertinente pontuar em que
consiste a função social do contrato de seguro e, em seguida, a função social do contrato
de resseguro.
Miguel Reale Júnior
94
, no que se refere à socialidade inerente ao contrato de
seguro, comenta:
O contrato de seguro, portanto, tem um significado social, solidariedade para
minimização dos riscos, para socialização dos riscos, única forma que cada
um de nós tem para enfrentar uma vida cheia de perigo. (...) Dessa forma, se
o contrato de seguro é um instrumento de socialidade, um instrumento de
solidariedade, a função social do contrato vai ter, sem dúvida nenhuma,
repercussões mais significativas no campo do contrato de seguro. (...) Poderia
multiplicar os exemplos (...), gostaria de dizer que esta função social do
contrato no campo dos seguros é extremamente rica. Vai gerar uma série de
conseqüências e de interpretações extremamente inovadoras. Teremos,
portanto, a partir da função social do contrato, no campo dos seguros, criação
doutrinária, e especialmente jurisprudencial, extremamente valiosa para
atendimento do interesse social, para atendimento dos mais vulneráveis,
daqueles sem disponibilidade de poder no âmbito da contratação,
especialmente um contrato de adesão. Ou seja, amplia-se a segurança de toda
a comunidade, atende-se a uma finalidade social estabelecida na Constituição
com a concreção a ser feita a partir do princípio da função social dos
contratos no Código Civil no campo dos seguros.
Com relação ao contrato de resseguro, Paulo Luis de Toledo Piza
95
explica:
92
STEINFELD, Eduardo R. Estudios del derecho de seguros. Buenos Aires: Ábaco, 2003, p. 186. Apud
HALPERIN, Isaac y MORANDI, Juan C. F. Seguros. 2 ed. Buenos Aires: Depalma, 1983, t. I, p. 113.
93
Em tradução livre do autor: “Halperin e Morandi, na Exposição de Motivos de sua obra, consideram que o
contrato de resseguro participa da natureza de um contrato de seguro de responsabilidade civil, por intermédio do
qual juridicamente é um contrato de seguros em que o segurador cobre as responsabilidades que lhe podem ser
imputadas em razão do seguro que celebrou com seus segurados”.
94
REALE JÚNIOR, Miguel. Função Social do Contrato: Integração das Normas do Capítulo XV com os
Princípios e as Cláusulas Gerais. In: III Fórum de Direito do Seguro “José Sollero Filho”. São Paulo: IBDS-
EMTS, 2003, pp. 35/56.
95
PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Ob, cit., p. 140 e p. 158.
59
O que merece ser enfatizado, contudo, é que, mesmo em se considerando,
como parece ser o caso, como não sendo possível a eliminação total do risco
do segurador, dúvida não há de que, por meio do resseguro, esse resultado
pode, pelo menos, ser bastante aproximado. E, isto, tanto por meio da
contratação de resseguros não proporcionais, quanto por meio da contratação
de resseguros proporcionais, valendo acrescentar, a respeito, que estes,
embora igualmente chamados contratos de “participação” nos riscos
segurados, no fim das contas proporcionam – do mesmo modo que aqueles –
a menor sujeição do segurador ao risco decorrente do exercício da atividade
securitária. Há, portanto, um eixo, por assim dizer, em torno do qual gira o
fenômeno ressecuritário, conferindo-lhe unidade de sentido, de modo que,
efetivamente, a sua razão de ser econômico-jurídica assenta-se, acima de
tudo, no interesse primordial do segurador de reduzir a eventualidade de
perda econômica, ainda que ao custo de menores lucros. (...) Mais
importante, porém, é verificar que, no resseguro, assim como no seguro,
verifica-se a contrapartida entre a prestação principal do garantido, de
pagamento do prêmio, e a prestazione de sicureza do garantidor, havendo
frisar, apenas, como distinção, a determinação um tanto mais objetiva e
matematicamente exata dessa correspectividade no caso do contrato de
seguro.
Portanto, analisando as considerações acima apresentadas relativas à função social
dos contratos de seguro e de resseguro, verifica-se entre ambas um traço de similitude,
na medida em que, seja por intermédio do seguro ou do resseguro, a essência do que se
persegue é a socialização das perdas, perdas sofridas ou pela massa dos segurados, ou
pelos próprios seguradores.
Retomando a contextualização do resseguro como serviço público ou como
atividade econômica, convém fazer uma distinção: serviço público e atividade
econômica distinguem-se a partir do exame da livre-iniciativa. Enquanto que a atividade
econômica caracteriza-se pela proteção a este fundamento constitucional, o serviço
público não traz consigo esta característica. Ao particular, enquanto comprometido com
o desenvolvimento de atividade econômica, devem ser conferidas mínimas garantias de
que seus esforços e o seu investimento serão resguardados pela chancela estatal, ao
passo que, em se tratando de serviço público, o contexto se apresenta de maneira
distinta. Alexandre Santos de Aragão
96
, quanto à proteção à livre-iniciativa como traço
distintivo do serviço público em relação à atividade econômica, afirma:
Em outras palavras, o norte principal que distingue essas atividades dos
serviços públicos é o fato de elas se encontrarem protegidas pelo direito
fundamental de livre-iniciativa privada, ao passo que os serviços públicos são
excluídos desse âmbito, podendo ser exercidos por particulares apenas
96
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Atividades Privadas Regulamentadas. In: Direito Administrativo. Estudos
em Homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 759.
60
mediante delegação, quando, como e enquanto o Estado politicamente assim
decidir, observados naturalmente, os limites impostos pelos Princípios do
Direito Administrativo Econômico.
No que se refere ao conceito de serviço público, José dos Santos Carvalho Filho
97
conceitua-o como “toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados,
basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades
essenciais e secundárias da coletividade”. Marçal Justen Filho
98
, por sua vez, conceitua-
o como “uma atividade pública administrada de satisfação concreta de necessidades
individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um
direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de
direito público”.
Assim, verifica-se que o serviço público traz em si, necessariamente, uma
atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, cujo escopo é atender às
necessidades básicas da sociedade, isto é, zelar por direitos fundamentais. O Estado, ou
seus delegados, figuram como titulares do serviço público que será prestado.
A atividade econômica, por outro lado, caracteriza-se pelo exercício de sua
titularidade a cargo da iniciativa privada. Conforme garante o art. 170 da Constituição
da República, a “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios (...)”.
Celso Bastos
99
, acentuando a importância da iniciativa privada para o exercício
das atividades econômicas, afirma:
Qualquer atividade econômica é portanto livre. Há que se fazer apenas a
restrição que o próprio Texto Constitucional faz: salvo os casos previstos em
lei. (...) Cumpre deixar claro que a lei só poderá instaurar uma limitação
condizente com os princípios econômicos elencados no art. 170 do Texto
Constitucional e para que o Estado possa exercer o poder de polícia. A regra
geral é a da iniciativa privada, com alguns temperamentos previstos
constitucionalmente, como os monopólios e os serviços públicos, embora
passíveis de exercício por particulares. (...) Traduzir-se-á, todavia, em
inconstitucionalidade se a lei extravasar estes limites e passar, ao seu talante,
a fazer depender de autorização legislativa as mais diversas atividades
97
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006,
p. 271.
98
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 487.
99
BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2004, pp.
168/169.
61
econômicas. Isso equivaleria, sem dúvida, a uma manifesta negação ao
princípio da livre iniciativa inserido no caput do art. 170 da Lei Maior.
Delineados, assim, os conceitos de resseguro, de serviço público e de atividade
econômica, não resta a menor dúvida de que o resseguro se trata de espécie de atividade
econômica, cuja exploração será realizada em regime de livre concorrência, mediante a
competição entre resseguradores privados e, possivelmente, o ressegurador estatal
brasileiro, isto à hipótese de que inocorra a sua desestatização.
Em outras palavras, analisando esses diferentes conceitos, verifica-se que o
resseguro não pode ser classificado como serviço público, considerando, sobretudo, que
nem a Constituição da República nem qualquer outra espécie legislativa o definiram
como essencial ao desenvolvimento da sociedade
100
. A diferença entre segurança pública
e saneamento, exemplos clássicos de serviço público e o resseguro, é absolutamente
clara
101
. Mister ressalvar, no entanto, que mesmo na condição de atividade econômica o
resseguro exerce função essencial à sustentabilidade do mercado segurador, cuja
influência se opera pelos mais diversos segmentos produtivos da sociedade, sendo
exemplos o comércio, a indústria, a prestação de serviços, o turismo, entre outros.
Nessa linha de idéias, conclui-se pela conceituação do resseguro como atividade
econômica, a ser regulada sob o primado da livre iniciativa, a teor do que determina o
art. 170 da Constituição da República.
100
“Entende-se por serviço público a atividade definida pela Constituição ou por lei como essencial ao
desenvolvimento da sociedade, cuja gestão é assegurada, regulada e controlada pelo Estado, a quem cabe a sua
racionalização e melhoria.” (SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de
Janeiro: Lúmen Juris, 2002, pp. 87/88).
101
Importante esclarecer que, atualmente, vem ganhando destaque corrente doutrinária que não mais vislumbra a
distinção rígida entre serviço público e atividade econômica. Convém analisar os comentários a seguir, de Paulo
Modesto: “nada obstante, parece inevitável reconhecer que a doutrina brasileira de direito público não tem
conseguido oferecer um quadro explicativo suficientemente abrangente e atualizado para os distintos modos de
prestação pelo Estado de serviços ao cidadão. Em geral, nessa como em outras matérias, a doutrina dominante
tem manifestado preferência por classificações binárias. De fato, é usual que conceitos técnicos relevantes do
direito público brasileiro sejam enunciados em duplas. Dicotomias como serviço público/atividade de exploração
econômica, ato vinculado/ato discricionário, cargo efetivo/cargo de confiança, entre muitas outras, são
apresentadas como adequadas e suficientes para a tradução do direito vigente. A observação da ordem jurídica
positiva revela, no entanto, que algumas dicotomias tradicionais mostram-se hoje excessivamente
simplificadoras. Mais: a adoção de dicotomias rígidas, associada à ausência de uma classificação adequada às
atividades do Estado, tem contraditado normas constitucionais expressas e produzido freqüentemente
incompreensões e bloqueios a novas experiências de reforma da atividade pública, tornando árdua e insegura a
implantação de novos modelos de gestão e a própria aplicação do direito vigente. (MODESTO, Paulo. Reformas
do Estado, Formas de Prestação de Serviços ao Público e Parcerias Público-Privadas: Demarcando as
Fronteiras dos Conceitos de Serviço Público, Serviços de Relevância Pública e Serviços de Exploração
Econômica para as Parcerias Público-Privadas. In: Direito Administrativo. Estudos em Homenagem a
Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 1009).
62
2.3 Limitações do Poder Regulatório exercido pelo Estado sobre o Resseguro
Estando contextualizado o resseguro, passa-se a comentar a respeito das
limitações estatais no que se refere à regulação da atividade econômica.
O chamado “núcleo essencial da iniciativa privada como limite da regulação
102
deverá representar um campo no qual não haja espaço para a interferência estatal.
Noutras palavras,
(...) o núcleo essencial do direito de livre-iniciativa nas atividades privadas de
interesse público não pode, portanto, ser sacrificado por limitações
administrativas prévias ou concomitantes à atividade, independentemente do
interesse público invocado, por mais relevante que seja. Não que o Direito
deixe à própria sorte esses interesses públicos, mas a via regulatória não é a
adequada para realizá-los.
103
Daniel Sarmento
104
, no que se refere à salvaguarda deste núcleo essencial,
pondera:
A idéia fundamental do princípio da salvaguarda do núcleo essencial dos
direitos, liberdades e garantias que não pode, em caso algum, ser violado.
Mesmo nos casos em que o Legislador está constitucionalmente autorizado a
editar normas restritivas, ele permanece vinculado à salvaguarda do núcleo
essencial dos direitos ou direitos restringidos.
Particularmente com relação ao resseguro, por se tratar de uma espécie contratual
que, via de regra, reúne companhias estabelecidas em países diferentes, cujo
cumprimento de obrigações espalha-se internacionalmente, sustenta-se posição no
sentido de que a regulação a ser exercida pelo Estado, via agência reguladora
105
, deverá
caracterizar-se por uma intervenção leve
106
, como corolário da aplicação do princípio da
102
ARAGÃO. Alexandre Santos. Ob. cit., p. 763.
103
Idem, ob. cit., p. 767.
104
SARMENTO, Daniel. A ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2000, p. 111.
105
A Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, muito embora regule o mercado de seguros, previdência
privada e capitalização, não se trata de agência reguladora independente. As principais diferentes existentes entre
esta autarquia e as agências reguladoras independentes foram abordadas no quarto capítulo desta dissertação.
106
A expressão intervenção leve foi utilizada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, no seguinte contexto: “A
intervenção leve substitui preferencialmente intervenções pesadas. Finda a II Guerra Mundial, com o
esgotamento daqueles modelos de Estado, do Bem-Estar Social e Socialistas, deflagrou-se um processo inverso,
de desmonte dos pesados Estados intervencionistas e de devolução de atividades estatizadas à sociedade, com a
adoção de políticas públicas de desestatização e de privatização. Desta feita, porém, não mais seria um
movimento ideologicamente inspirado, a partir de uma teórica e inquestionável convicção sobre a superioridade
do intervencionismo estatal, mas se fundamentaria em motivações bem mais pragmáticas. A privatização deixaria
de ser um tabu ideológico para se apresentar como uma opção racional de política pública, e isso com mais razão
63
subsidiariedade
107
, viabilizando, assim, que entre as próprias partes contratantes sejam
firmados os instrumentos necessários à consecução dos seus objetivos. Exatamente
nesse sentido é a posição de João Marcelo Máximo dos Santos
108
:
Bom exemplo de atividade essencialmente internacional é o resseguro, em
que a atuação reguladora é complexa e envolve a influência da supervisão
exercida em um país (onde está sediada a sociedade resseguradora) no
funcionamento de mercados diversos (onde estão os ressegurados).
Considerando o acima exposto, a imposição de padrões de comportamento e
regras prudenciais também tende a ter eficácia mais limitada. Neste contexto,
aliás, tendo em vista a necessidade de mudança de padrões regulatórios,
deve-se abandonar a teoria de que a lei, especialmente a administrativa,
somente pode admitir a utilização de conceitos determinados e tipos
fechados. Isto porque sempre existirá alguma indeterminação em todo e
qualquer conceito legal e porque o “tipo fechado” é uma contradição em
termos.
Paulo Luiz de Toledo Piza
109
, ao discorrer a respeito da formação do contrato de
resseguro, explica que as obrigações geralmente assumidas pelas partes têm como base
determinados usos consolidados e voltados a atender exigências técnico-operacionais.
Abaixo, convém examinar algumas palavras do autor:
As condições gerais do resseguro, em quaisquer de suas formas operacionais
e modalidades técnicas, são de certo modo conhecidas antecipadamente. (...)
A normal uniformidade dos contratos de resseguro, em suma, não deve ser
considerada conseqüência da uniformidade de conteúdo presumido pela
proposta, mas da estandardização de uma série de cláusulas que, por efeito de
sua constante utilização, tornam uniforme o seu conteúdo.
nos países que sequer têm opção de fazer inversões estatais suficientes em setores econômica e socialmente
extremamente carentes, como é o caso das nações em desenvolvimento, que necessitam concentrar suas limitadas
inversões públicas prioritariamente na educação, saúde e segurança públicas”. (MOREIRA NETO, Diogo de
Figueiredo. Ob. cit., p. 387/388).
107
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 88. “O princípio da subsidiariedade diz respeito às relações, de um lado, entre os níveis de concentração
de poder e, de outro, entre os respectivos níveis de interesses a serem satisfeitos. (...) A subsidiariedade prescreve
o escalonamento de atribuições entre entes ou órgãos, em função da complexidade do atendimento dos interesses
da sociedade. Cabe, assim, primariamente aos indivíduos decidirem e agirem no que se refira aos inerentes
interesses individuais, e, apenas secundária e sucessivamente, aos entes e órgãos, sociais ou políticos, de decisão
coletiva, de sua criação. Portanto, nesse escalonamento de responsabilidades no atendimento de interesses, cabe
aos grupos sociais menores, por suas organizações civis, decidirem e agirem para a satisfação dos respectivos
interesses coletivos; aos grupos sociais maiores, também por suas organizações civis próprias, decidirem e agirem
em prosseguimento de interesses coletivos de maior abrangência; e à sociedade civil, como um todo, por sua
organizações civis de âmbito geral, decidir a agir para o atendimento de seus interesses gerais. Somente aquelas
demandas que, por sua própria natureza, em razão da complexidade e da necessidade de uma ação concentrada e
coercitiva, inclusive com centralização de recursos, não puderem ser atendidas pela própria comunidade, por suas
próprias organizações, deverão ser cometidas às organizações políticas, que atuarão, portanto, sempre
subsidiariamente às da sociedade”.
108
SANTOS, João Marcelo Máximo dos. Visão Jurídida da Auto Regulação no Mercado de Seguros. In: Revista
Brasileira de Risco e Seguro. Rio de Janeiro: Funenseg, vol 1, abr./jul. 2005, p. 22.
109
PIZA, Paulo Luis de Toledo. Ob. cit., p. 314.
64
Ainda no que se refere à importância desses usos e costumes consolidados
internacionalmente, significativa doutrina da Argentina, México e Colômbia, ora
representada por Eduardo R. Steinfeld, Arturo Díaz Bravo e Hector A. Perucchi,
sustenta que regulação em matéria de resseguro não deverá ser detalhista, minuciosa,
cumprindo às partes, justamente em virtude do ora exposto, zelar para que ditos usos e
costumes sejam, de fato, observados. Abaixo, os comentários de Steinfeld
110
, que
reproduzem o posicionamento dos mencionados autores:
En 1994 la Comisión de Economía de la Cámara de Diputados de la Nación
convoco a distintos juristas y asseguradores con el objeto de analizar posibles
disposiciones legislativas a adoptar en materia de seguro y reaseguro.
En lo que respecta al reaseguro hubo disidencias, ya que algunos integrantes
consideraron que no debían dictarse normas legales a esta materia, siguiendo
una corriente de la práctica reaseguradora que sostiene la mayor libertad en
razón de que se trata de contratos eminentemente internacionales.
Parte de los convocados opinamos que el Título II mencionado ya había
legislado esquemáticamente esta materia y como en 1993 se habían esbozado
en esa Comisión Legislativa iniciativas para legislar especialmente el
reaseguro, consideramos que solo era procedente una breve actualización de
las normas existentes en ese Título II de la Ley, con especial cuidado de no
interferir en los usos y costumbres internacionales, lo cual hubiera dificultado
el desenvolvimiento de esta actividad en el país, especialmente después de la
supresión del monopolio del reaseguro que ejerció durante décadas el
Instituto Nacional de Reaseguros (INdeR).
El jurista mexicano Arturo Díaz Bravo, al referirse al tema de si debe o no
reglamentarse el contrato de reaseguro, se inclino por esta última alternativa,
apoyando esa oposición al sostener que en razón de hallarse el reaseguro en
constante evolución y ser una instituición eminentemente internacional,
predominan los usos, prácticas y costumbres que lo rigen. Hector A. Perucchi
presentó un trabajo referente a los distintos aspectos propios del contrato de
reaseguro (...) destacando también la aplicación de usos y costumes y la
buena fé como elementos interpretativos
111
.
110
STEINFELD, Eduardo R. Estudios del Derecho de Seguros. Buenos Aires: Ábaco, pp. 185/186.
111
Em tradução livre do autor: “Em 1994, a Comissão de Economia da Câmara dos Deputados da República
convocou distintos juristas e securitários visando analisar possíveis medidas legislativas a serem adotadas em
matéria de seguro e resseguro. No que se refere ao resseguro houve dissidências, já que alguns integrantes
consideraram que não deveriam ser determinadas normas legais para esta matéria, seguindo uma corrente da
prática resseguradora segundo a qual deverá haver maior liberdade considerando que o contrato é eminentemente
internacional. Parte dos convocados opinou que o Título II, mencionado, já havia legislado esquematicamente
essa matéria e como em 1993 se havia esboçado nessa Comissão Legislativa iniciativas para legislar
especialmente o resseguro, consideramos que só era procedente uma breve atualização das normas constantes
nesse Título II da Lei, com especial cuidado de não interferir nos usos e costumes internacionais, o que havia
dificultado o desenvolvimento desta atividade no país, especialmente após a supressão do monopólio do
resseguro exercido durante décadas pelo Instituto Nacional de Resseguros (INdeR). O jurista mexicano Arturo
Díaz Bravo, ao referir-se ao tema de se deve ou não se regulamentar o contrato de resseguro, inclinou-se por esta
última alternativa, apoiando essa oposição ao sustentar que em razão de o resseguro encontrar-se em constante
evolução e ser um instituto eminentemente internacional, predominam os usos, práticas e costumes que o regem.
Hector A. Perucchi apresentou um trabalho a respeito dos distintos aspectos próprios do contrato de resseguro (...)
destacando também a aplicação dos usos e costumes e a boa fé como elementos interpretativos”.
65
Adentrando na discussão afeta ao resseguro, nota-se, de maneira ainda mais
marcante, que a regulação estatal não deverá imiscuir-se sobre as principais obrigações
que serão contraídas por resseguradores e seguradores, sob pena de, possivelmente,
contrariar os comentados usos e costumes consolidados internacionalmente que,
inclusive na América Latina, vêm disciplinando o funcionamento de diversos mercados
resseguradores, sendo exemplos mencionados o argentino e o mexicano.
2.4 A Criação do Mercado Ressegurador Brasileiro
Essencialmente, o que caracteriza a exploração de uma atividade econômica num
regime monopolista é a existência de apenas um fornecedor, ao qual toda a massa de
consumidores se vincula. Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld
112
afirmam que “em
um mercado totalmente competitivo, existe um número suficiente de vendedores e
compradores de uma mercadoria para que nenhum vendedor ou comprador, em
particular, possa influenciar o preço. As empresas, individualmente, se baseiam no
preço de mercado para decidir que quantidades produzirão e venderão e os
consumidores também se baseiam em tal preço para decidir que quantidades irão
adquirir. (...) O monopólio é um mercado no qual existe apenas um vendedor, mas
muitos compradores”.
No outro extremo, a exploração em regime de livre concorrência, consagrada pelo
artigo 170, caput e inciso IV da Constituição da República, é marcada pela presença de
diversos fornecedores, incapazes de, isoladamente, influenciar na formação dos preços,
assim como pela inexistência de barreiras à entrada de novos agentes que queiram
ingressar no mercado.
A exploração do mercado em regime de livre concorrência sujeita os seus
participantes à disciplina legal prevista na Lei Antitruste brasileira - Lei nº. 8.884, de
11.6.1994 - sob pena de que sejam instaurados os procedimentos administrativos a
cargo da Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, da Secretaria de Direito
Econômico – SDE e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.
112
PINDYCK, Robert S. e RUBINFELD, Daniel S. Microeconomia. 5 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002, p. 8.
66
Amadeu Carvalhaes Ribeiro
113
, no que se refere às restrições impostas com a
finalidade de zelar pela livre concorrência, explica que na União Européia seguradora e
resseguradora não poderão, conjuntamente, deter fatia de mercado que seja superior a
15% da totalidade do mercado relevante em referência.
O resseguro é um instrumento capaz de aumentar a capacidade das
seguradoras diretas – isso significa que uma seguradora de pequeno porte
poderá, por meio do resseguro, competir em pé de igualdade com uma grande
companhia. Isso só será verdade, entretanto, se à seguradora de grande porte
forem impostas restrições à contratação de resseguro. Do contrário ela poderá
sempre expandir a sua capacidade e, dessa forma, dominar o mercado. (...)
Assim, por exemplo, na União Européia, para que a seguradora e
ressegurador possam livremente formar uma associação destinada a segurar
um determinado risco, não poderão, juntos, ter participação superior a 15%
no mesmo mercado relevante em que o seguro seja oferecido - Ato normativo
3932/92, artigo 11, (1), (b).
Nessa linha de idéias, a Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007,
especificamente em seu artigo 11, apresenta as salvaguardas que deverão ser respeitadas
ao flexibilizar-se o monopólio exercido pelo IRB. São elas
114
: nos primeiros três anos, a
contar da vigência da mesma, 60% dos negócios realizados deverão ser contratados
junto aos resseguradores locais; passados os primeiros três anos, 40% dos negócios
deverão ser contratados preferencialmente com os resseguradores locais.
Com relação às características inerentes ao regime jurídico das atividades
competitivas, Dinorá Adelaide Musetti Grotti
115
sustenta que quatro seriam as
liberdades:
O regime jurídico das atividades competitivas é presidido por quatro
liberdades: a) liberdade de entrada, de forma que todos os que preencham
certos requisitos mínimos possam prestar os serviços (mediante autorização
administrativa vinculada) e se limitará ao controle das condições técnicas,
econômicas, profissionais etc. fixadas no ordenamento; b) livre acesso ao
mercado, isto é, à rede, às instalações ou às infra-estruturas necessárias à
prestação dos serviços: doutrinas das instalações essenciais; c) liberdade de
113
RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Direito de Seguros – Resseguro, Seguro Direito e Distribuição de Serviços.
São Paulo: Atlas, 2006, p. 167. A obra em referência correspondeu à tese de doutoramento submetida pelo autor à
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sendo seu orientador o Professor Doutor Calixto Salomão
Filho.
114
Lei Complementar nº. 126/2007: Art. 11. Observadas as normas do órgão regulador de seguros, a cedente
contratará ou ofertará preferencialmente a resseguradores locais para, pelo menos: I - 60% (sessenta por cento) de
sua cessão de resseguro, nos 3 (três) primeiros anos após a entrada em vigor desta Lei Complementar; e II - 40%
(quarenta por cento) de sua cessão de resseguro, após decorridos 3 (três) anos da entrada em vigor desta Lei
Complementar.
115
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 319.
67
contratação e à formação competitiva de preços; e d) liberdade de
investimento, cuja rentabilidade ficará por conta e risco do investidor. Esses
instrumentos são indispensáveis para a realização da competição, que é
pressuposto da eficiência na prestação de tais atividades.
Quanto à liberdade de entrada de novos resseguradores no mercado brasileiro, em
razão desta relevante função, que se traduz no oferecimento de garantias sólidas aos
seus segurados (os seguradores), soa bem nítido que o ingresso de resseguradores no
mercado nacional deverá seguir padrões mínimos de higidez econômico-financeira
116
.
Assim como o Banco Central do Brasil fixa quantias mínimas de capital para que
as instituições financeiras possam atuar regularmente
117
, não há dúvida de que ao órgão
responsável pela regulação do mercado ressegurador brasileiro
118
será incumbida a
obrigação de estipular o capital mínimo para que resseguradores nacionais ou
estrangeiros possam atuar, podendo se valer, para a execução cuidadosa desse mister, de
critérios de avaliação utilizados por empresas com reconhecida expertise em análise
econômico-financeira.
Retomando a análise de Dinorá Adelaide Musetti Grotti, o comentado “livre
acesso ao mercado, isto é, à rede, às instalações ou às infra-estruturas necessárias à
116
Rubén S. Stiglitz sustenta que o Estado deve exercer o controle sobre as atividades seguradora e resseguradora.
“Afirmamos categoricamente que o controle do Estado sobre a atividade seguradora e resseguradora forma parte
do poder de polícia, ou seja, de uma potestade reguladora do exercício dos direitos e do cumprimento das
obrigações. Dos direitos e das obrigações que surgem, ao menos, da Constituição Argentina. A Corte Suprema de
meu país, há 43 anos, desde 1958, vem sustentando que na atividade seguradora existe um intenso interesse
público comprometido e, assim, deve o Estado exercer o poder de polícia particularmente intensificado. Ou seja,
o exercício do poder de polícia por si mesmo seria insuficiente se, em matéria de seguros, não fosse intenso.
Obviamente que os sujeitos de controle são as empresas de seguro e de resseguro, e o objeto de controle é a
atividade que desenvolvem as empresas de seguro e de resseguro. Cabe perguntar-se qual o fundamento, por que
o Estado deve controlar a atividade seguradora? A resposta é simples: porque as empresas de seguros
administram uma importante massa de capital ou como diria a doutrina anglo-saxônica, administram poupança de
terceiros. Isso gera a necessidade de que exista uma intervenção estatal intensa”. (STIGLITZ, Rubén S. Controle
do Estado sobre a Atividade Seguradora. In: Anais do III Fórum de Direito do Seguro “José Sollero Filho”,
São Paulo: IBDS-EMTS, 2001, p. 44).
117
O Banco Central do Brasil – BACEN, por meio da Resolução nº. 2.099, de 1994, estabeleceu em seu Anexo II,
artigo 1º, incisos I e II, respectivamente, os limites mínimos para a constituição de bancos comerciais ou carteiras
comerciais de bancos múltiplos em R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais) e para bancos de investimento,
bancos de desenvolvimento, sociedades de crédito imobiliário, correspondentes carteiras de banco múltiplo ou
caixa econômica em R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais).
118
A Lei nº. 9.932/99, em seu artigo 1º, transferiu as atribuições regulatórias em matéria de resseguro para a
Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. Art. 1º. As funções regulatórias e de fiscalização atribuídas à
IRB-Brasil Resseguros S.A. IRB-BRASIL Re pelo Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, incluindo a
competência para conceder autorizações, passarão a ser exercidas pela Superintendência de Seguros Privados -
SUSEP. Parágrafo único. A IRB-Brasil Re fornecerá à SUSEP cópia de seu acervo de dados, informações
técnicas e de quaisquer outros documentos ou registros que esta julgue necessários para o desempenho das
funções regulatórias e de fiscalização do mercado de seguro e resseguro”. A Lei Complementar nº. 126/2007,
em seu artigo 2º, tão somente refere-se ao órgão regulador de seguros, isto é, não menciona, expressamente, nem
a SUSEP nem o Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP. “Art. 2
o
A regulação das operações de co-
seguro, resseguro, retrocessão e sua intermediação será exercida pelo órgão regulador de seguros, conforme
definido em lei, observadas as disposições desta Lei Complementar”.
68
prestação dos serviços: doutrina das instalações essenciais
119120
” deverá ser analisada de
maneira diferenciada tendo como foco os mercados de telecomunicações e o de
resseguro.
No mercado de telecomunicações, originalmente foi difundida uma concepção de
que apenas o Estado ou um concessionário deste serviço público seria capaz de explorá-
lo, ao argumento de que a extensa rede de telecomunicações, dotada de milhares de
cabos, fios e linhas de transmissão jamais poderia ser desenvolvida por um competidor
que viesse a ingressar no mercado em formação. Floriano de Azevedo Marques Neto
121
,
com relação à alegada impossibilidade de que pudesse haver a exploração saudável por
um particular que, nem mesmo concessionário de serviço público fosse, explica que o
desenvolvimento tecnológico derrubou essa falsa premissa, sendo possível, atualmente,
a transmissão de dados e voz por sistema de rádio-transmissão.
Analisando o setor de resseguros no país, nota-se que inexiste a característica
acima aludida, relacionada a este diferencial que seria, em tese, inerente ao IRB – Brasil
Re, assim como era inerente à Telebrás. Por mais que haja argumentos no sentido de
que a base de dados do ressegurador brasileiro seja excelente e, por essa razão, capaz de
representar um diferencial em comparação com os demais resseguradores que se
119
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Ob. cit., p. 319.
120
Ainda com relação à Doutrina das instalações essenciais, convém conferir a lição de Calixto Salomão Filho: “No
final dos anos 70, essa linha teórica de desenvolvimento é desafiada pela concepção liberal da escola de Chicago.
Impulsionada pela necessidade de as empresas americanas ganharem escala para concorrer no cenário
internacional, a concepção liberal de Chicago em relação ao crescimento econômico empresarial e a criação de
situações de poder no mercado se expande internacionalmente. Trata-se de um interregno de curta vida. Uma vez
concentrada a economia, ressurge o movimento no sentido do controle dos pólos de poder. (...) De diversas
formas passa-se, então, a uma forte regulação das situações de monopólio. A construção teórica dessas formas de
regulação faz-se em torno da doutrina das essencial-facilities, que se analisará a seguir. (...) O conceito de
essencial-facility foi desenvolvido no direito concorrencial para hipóteses de extrema concentração econômica.
(...) Sua formulação tem origem jurisprudencial. em United States v. Terminal Railroad Association of St. Louis,
a Suprema Corte reconheceu que a criação de obstáculos a determinada infra-estrutura poderia caracterizar uma
infração ao Sherman-Act, diante de certas circunstâncias”. (SALOMÃO FILHO, Calixto. Tratamento Jurídico
dos monopólios em setores regulados e não regulados. In: Regulação e Concorrência (estudos e pareceres).
São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 38/39).
121
“Então, o regime anterior do serviço de telecomunicações era de monopólio da União, e o constituinte, sabendo
que seria impossível tornar públicas todas as atividades de telecomunicações, abriu uma pequena válvula para
prestação de alguns serviços de telecomunicações, usando a chamada “rede pública de telecomunicações”. A rede
pública de telecomunicações consiste na única trama de cabos, fios e ligações a estações de comutação pela qual
se cursava a telefonia. Este fato conduzia à noção, tão divulgada, de que o serviço de telecomunicações consistia
em um monopólio natural, pois esta infra-estrutura pré-montada era única e pertencia a um único ente, o Estado.
Esta foi a teoria desenvolvida pelo Ministério das Telecomunicações, determinando que o serviço de
telecomunicações, por suas condições naturais, apenas poderia ser explorado por um prestador, ou o Estado ou
um concessionário desta rede. O desenvolvimento tecnológico, tratado alhures, derrubou a teoria do monopólio
natural dos serviços de telecomunicações, pois agora, por exemplo, pode-se transmitir a telefonia por
radiofreqüência, reduzindo sobremaneira os custos de instalação de uma rede. Na seqüência, surge a Emenda
Constitucional 8, de 1995 (...)” (MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Direito das Telecomunicações e
ANATEL. In: Direito Administrativo Econômico, (Coord). Carlos Ari Sundfeld, São Paulo: Malheiros, 2002,
p. 303).
69
estabelecerão no país
122
, entende-se que este elemento, por si só, não será capaz de
representar um empecilho ao ingresso dos novos agentes nesse mercado.
Por fim, com relação às “c) liberdade de contratação e à formação competitiva de
preços; e d) liberdade de investimento, cuja rentabilidade ficará por conta e risco do
investidor
123
”, entende-se que o Estado não deverá se imiscuir nessas questões, salvo
para reprimir abusos, sendo certo que a própria concorrência entre os resseguradores,
em busca de maiores fatias do mercado segurador-ressegurado, ditará a formação dos
preços dos prêmios do resseguro em níveis mais baixos, sendo igualmente correta a
assertiva no sentido de que cada ressegurador estará livre para investir no mercado em
formação, por sua conta e risco.
A questão concernente ao controle de preços, após o advento da Constituição da
República de 1988, gerou acirrada discussão doutrinária. Posicionaram-se pela
impossibilidade Diogo de Figueiredo Moreira Neto
124
, Celso Ribeiro Bastos
125
, Miguel
Reale Júnior
126
, Marcos Juruena Villela Souto
127
e Dinorá Adelaide Musetti Grotti
128
.
Pela possibilidade, Luís Roberto Barroso
129
sustentou os seguintes argumentos:
A despeito do reconhecimento que merecem os autores citados – ambos da
maior suposição – parece-me radical o ponto de vista de que o princípio da
livre concorrência veda tout court, a possibilidade de o Governo controlar os
preços, inclusive por tabelamento ou congelamento. É preciso ter em conta
outros valores da ordem constitucional que atenuam a rigidez de tal
colocação, como, v.g., a defesa do consumidor (art. 170, V) e a repressão do
abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação
da concorrência e o aumento arbitrário de lucros (art. 173, § 4º).
122
Em entrevista concedida à Revista do IRB, com o título “A Abertura Favorece a Inovação”, Marcos Lisboa, ainda
na condição de Presidente do IRB, afirmou com relação às vantagens das quais a estatal brasileira é dotada, que:
“Há sinais de que o IRB possa competir de forma eficiente em um contexto de abertura? Qual o papel do IRB em
um contexto de abertura do mercado? Esse é o nosso desafio: preparar a empresa para o cenário de abertura. Logo
que cheguei ao IRB tive duas boas surpresas. Por um lado a empresa tem uma base de dados impressionante, que
afinal é a matéria-prima básica da análise e distribuição de riscos. Em segundo lugar, a empresa tem um corpo
técnico extremamente qualificado”. (Marcos Lisboa. “A Abertura Favorece a Inovação”, Revista do IRB, Rio de
Janeiro, nº. 300, dezembro/2005, p. 11).
123
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Ob. cit., p. 319.
124
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Ordem econômica e desenvolvimento da Constituição de 1988. Rio
de Janeiro: APEC, 1989, pp. 69/70.
125
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990, pp. 16/17.
126
REALE JÚNIOR, Miguel. Casos de direito constitucional. São Paulo: RT, 1992, pp. 18/20.
127
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Constituição Econômica. In: Cadernos de direito tributário nº 4, 1993, p.
250.
128
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Intervenção do estado na economia. In: Cadernos de Direito Constitucional
e Ciência Política. São Paulo: RT – nº 15, 1996, p. 74.
129
BARROSO, Luís Roberto Barroso. A crise econômica e o direito constitucional. In: Revista Forense nº 323/83,
p. 92.
70
Segundo Luís Roberto Barroso, haveria limitações insuperáveis para que o Estado
pudesse intervir no controle de preços. A primeira seria a observância ao princípio da
razoabilidade; em segundo lugar, a realização do controle, como medida excepcional,
necessariamente deveria pressupor uma situação de anormalidade e, ainda, sofrer
limitações de ordem temporal. Em nenhuma hipótese, o Estado poderia impor a venda
de bens ou serviços por preço inferior ao preço de custo, acrescido de um retorno
mínimo, compatível com as necessidades de reinvestimento e de lucratividade próprias
do setor privado.
Deve-se observar que a intervenção estatal no controle de preços, em não raras
ocasiões, causa problemas à economia, decorrentes de estagnação, escassez de
empregos e de bens (produtos e serviços ao consumidor). As palavras de Luís Roberto
Barroso
130
a respeito são as seguintes:
(...) É que tem amplo curso na teoria econômica e entre seus tradutores
jurídicos a tese de que a interferência estatal no preço de bens e serviços não
promove justiça social nem protege, efetivamente o consumidor, antes pelo
contrário: reduz o investimento pelas empresas, diminui a oferta de emprego
e torna desinteressante a produção de determinados produtos ou a prestação
de serviços. E que a permanente tentação populista do tabelamento e do
congelamento de preços foi responsável por mais de uma década de
estagnação econômica do país.
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIN n. 319-DF
131
,
posicionou-se pela possibilidade de o Estado controlar preços, desde que estivessem
atrelados o fundamento da livre iniciativa e o princípio da livre concorrência aos da
defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os
ditames da justiça social.
No mesmo sentido, fruto das oscilações provocadas na economia em razão do
advento dos planos econômicos Bresser e Collor II, o Supremo Tribunal Federal
também se posicionou pela possibilidade de o Estado intervir nos contratos celebrados
entre particulares, justamente como forma de zelar pelo ato jurídico perfeito, não para
contrariá-lo
132
.
130
BARROSO, Luís Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle
de Preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 14, junho/agosto, 2002,
disponível na Internet em <htttp://www.direitopublico.com.br>, acessado em 1.12.2005.
131
O acórdão em referência foi publicado na RTJ nº. 149, pp. 666/692.
132
A seguir, as ementas dos Recursos Extraordinários números 141.190/SP e 164.836/MG, paradigmas no Supremo
Tribunal Federal, ambas decididas pelo Pleno desta Corte, com relação à matéria em apreço: “APLICAÇÕES EM
71
Observadas essas ponderações, formula-se a seguinte indagação: em se tratando
da fixação do prêmio no contrato de resseguro, cujo pagamento fica a cargo dos
seguradores, seria facultado ao Estado, por intermédio do órgão regulador, controlar
esses preços?
Tendo como norte o fundamento acima citado, da livre iniciativa, os princípios da
livre concorrência, da defesa do consumidor, da redução das desigualdades sociais e
observando a estrutura relacionada ao contrato de resseguro, do qual os consumidores
não participam diretamente, entende-se que a participação estatal no controle dos preços
dos prêmios deverá ser restrita às hipóteses em que sejam verificadas distorções,
contrárias à sistemática prevista na Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1.994
133
.
CERTIFICADOS DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS COM VALOR DE RESGATE PRÉ-FIXADO - CDB. DL
2.335 DE 12.6.1987 (CONGELAMENTO DE PREÇOS E SALÁRIOS POR 90 DIAS). PLANO BRESSER.
DEFLAÇÃO. TABLITA. APLICAÇÃO IMEDIATA. ALTERAÇÃO DE PADRÃO MONETÁRIO.
ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ATO JURÍDICO PERFEITO. O plano Bresser representou alteração profunda
nos rumos da economia e mudança do padrão monetário do país. Os contratos fixados anteriormente ao plano
incorporavam as expectativas inflacionárias e, por isso, estipulavam formas de reajuste de valor nominal. O
congelamento importou em quebra radical das expectativas inflacionárias e, por conseqüência, em desequilíbrio
econômico-financeiro dos contratos. A manutenção íntegra dos pactos importaria em assegurar ganhos reais não
compatíveis com a vontade que deu origem aos contratos. A tablita representou a conseqüência necessária do
congelamento como instrumento para se manter a neutralidade distributiva do choque na economia. O Decreto-
lei, ao contrário de desrespeitar, prestigiou o princípio da proteção do ato jurídico perfeito (art. 5º XXXVI, da CF)
ao reequilibrar o contrato e devolver a igualdade entre as partes contratantes”. (RE 141.190 / SP, Relator Ministro
Ilmar Galvão; Relator para acórdão o Ministro Nelson Jobim, j. 14/09/2005, Pleno, DJ 26.05.2006). “TABLITA.
PLANO COLLOR II. REGRA DE DEFLAÇÃO DA MP 294/91 (L. 8.177/91). PRINCÍPIOS DO DIREITO
ADQUIRIDO, DO ATO JURÍDICO PERFEITO E DA COISA JULGADA. ALTERAÇÃO DE PADRÃO
MONETÁRIO. 1. No julgamento do RE 141.190, o plenário do STF entendeu que o fator de deflação veio a
preservar o equilíbrio econômico-financeiro inicial dos contratos, diante da súbita interrupção do processo
inflacionário. A manutenção dos contratos então vigentes - que traziam embutida a tendência inflacionária -
importaria em ganhos irreais, desiguais e incompatíveis com o pacto firmado entre as partes antes da alteração
radical do ambiente monetário e econômico. 2. Também por isso se confirmou a tese de que normas de ordem
pública que instituem novo padrão monetário têm aplicação imediata em relação aos contratos em curso como
forma de reequilibrar a relação jurídica antes estabelecida. 3. O Plano Collor II também representou mudança de
padrão monetário e alteração profunda dos rumos econômicos do país e, por isso, a esse plano econômico
também se aplica a jurisprudência assentada no julgamento do RE 141.190. Negado provimento ao recurso”. (RE
164.836/MG, Relator Ministro Marco Aurélio Melo; Relator para acórdão o Ministro Nelson Jobim, j.
15/03/2006, Pleno, DJ 02.06.2006).
133
Conforme previsto no art. 20 da Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994, as condutas listadas a seguir constituem
infração à ordem econômica: “Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa,
os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda
que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre
iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; IV -
exercer de forma abusiva posição dominante. § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural
fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito
previsto no inciso II. § 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla
parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um
produto, serviço ou tecnologia a ele relativa. § 3º A parcela de mercado referida no parágrafo anterior é
presumida como sendo da ordem de trinta por cento”. Particularmente no que se refere ao controle de preços,
convém observar o art. 21 e alguns seus incisos, além de observar o parágrafo único do inciso XXIV. “Art. 21. As
seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no artigo 20 e seus incisos,
caracterizam infração da ordem econômica: I - fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer
forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços; IX - utilizar meios enganosos para
provocar a oscilação de preços de terceiros; XVIII - vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de
custo; XXIV - impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço. Parágrafo
72
Entre seguradores e resseguradores o que se tem, nitidamente, é uma relação
exclusivamente entre empresas, via de regra detentoras de vultosos recursos e
capacitação técnica, o que afasta a aplicação dos princípios consumeristas, a teor do que
dispõe o art. 2º da Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990.
A regulação do resseguro, no que se refere especificamente ao papel do Estado
como seu órgão regulador, deverá ser desempenhada em observância ao princípio da
subsidiariedade, anteriormente mencionado, considerando a autonomia da vontade das
partes contratantes e os usos e costumes internacionais aplicáveis a esta espécie de
negócio
134
, desde que, obviamente, estes não sejam contrários à ordem pública.
Acredita-se que a própria concorrência entre os resseguradores terá condições de
cuidar para que os prêmios referentes a estes contratos não representem valores
exagerados, especulativos, representativos de infrações à ordem econômica. Sendo livre
a concorrência, o ressegurador que optar pela prática de preços elevados simplesmente
experimentará a diminuição de sua carteira de negócios, decorrente da migração de sua
clientela para os resseguradores que estiverem praticando preços mais condizentes com
a realidade. Paula Forgioni
135
, ainda com relação à obra de Adam Smith
136
, reproduz
trecho de discurso pelo mesmo proferido em 1755, no qual foram individualizadas as
três funções que caberiam ao Estado para assegurar o desenvolvimento econômico:
Para arrancar um Estado do mais baixo grau de barbárie e elevá-lo à mais alta
opulência, bastam três coisas: a paz, impostos módicos e uma tolerável
administração da justiça.
Portanto, no que toca ao controle de preços dos prêmios de resseguro entende-se
que eventuais interferências por parte do órgão responsável pela regulação do mercado
único. Na caracterização da imposição de preços excessivos ou do aumento injustificado de preços, além de
outras circunstâncias econômicas e mercadológicas relevantes, considerar-se-á: I - o preço do produto ou
serviço, ou sua elevação, não justificados pelo comportamento do custo dos respectivos insumos, ou pela
introdução de melhorias de qualidade; II - o preço de produto anteriormente produzido, quando se tratar de
sucedâneo resultante de alterações não substanciais; III - o preço de produtos e serviços similares, ou sua
evolução, em mercados competitivos comparáveis; IV - a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma,
que resulte em majoração do preço de bem ou serviço ou dos respectivos custos”.
134
A importância da autonomia da vontade das partes contratantes e dos usos e costumes internacionais inerentes ao
contrato de resseguro serão objeto de comentários específicos no quarto capítulo desta dissertação. Apenas a
título de ilustrar o que será exposto, convém observar que a própria Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto
nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942 – em seu art. 4º., determina a importância dos costumes como típica fonte de
obrigações. “Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito”.
135
FORGIONI, Paula. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: RT, 2005, p. 64.
136
SMITH, Adam. An inquiry onto the nature and causes of the wealth of nations. Eds. R. H. Campbell, A. S.
Skinner e W. B. Todd. Indianapolis: Liberty Fund, 1981 [1776].
73
deverão restringir-se às hipóteses nas quais sejam verificadas infrações à ordem
econômica, ou, ainda, como maneira de prevenir infrações desta natureza
137
.
O resseguro e o seguro no Brasil são marcados por uma característica incomum
em comparação com outras economias emergentes.
Desde o ano de 1996, o mercado segurador nacional já conta com seguradores
estrangeiros em plena atuação
138
, não obstante, àquela época, encontrar-se com plenas
forças o regime monopolista exercido pelo IRB - Brasil Re, relacionado ao setor de
resseguros.
Em geral, para que possa ocorrer a atuação de seguradores estrangeiros no
mercado segurador de determinado país costuma ocorrer, em primeiro lugar, a abertura
do setor de resseguros à livre concorrência, isto é, o primeiro passo a ser trilhado rumo à
exploração em regime aberto ocorre no setor de resseguros para, após, prosseguir com o
setor de seguros
139
.
Retomando a atenção para a exploração do mercado ressegurador brasileiro em
regime de livre concorrência, é importante destacar que, sob a perspectiva legislativa,
deverão ser criadas condições que possibilitem o estabelecimento e funcionamento dos
resseguradores que desejem se instalar, bem como que sejam criadas estruturas de
mercado condizentes com a implantação da concorrência. Nesta exata linha de
raciocínio é a posição de Dinorá Adelaide Musetti Grotti
140
:
A implantação da concorrência em setores antes regulados pressupõe a
adoção de duas premissas: a) sua capacidade de funcionamento em esquemas
competitivos entre fornecedores; b) a criação de estruturas de mercado
compatíveis com a implantação da concorrência, o que somente é possível
através da reorganização da forma de exploração das atividades, que deverá
137
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, no uso de suas atribuições legais, sanciona as
infrações à ordem econômica. A título exemplificativo, transcreve-se ementa de processo administrativo que
tramitou perante esta autarquia, cuja conclusão foi no sentido de sancionar as empresas infratoras ao argumento
de que estas teriam formado cartel com objetivo de, conjuntamente, promoverem aumentos dos preços dos
produtos comercializados. “Processo Administrativo. Infração à ordem econômica. Formação de cartel entre
empresas jornalísticas atuantes no Estado do Rio de Janeiro. Coesão do conjunto probatório. Aumento concertado
de preços divulgado por meio de publicação na imprensa. Posição dominante do grupo. Interveniência do
Sindicato da categoria. Conduta caracterizada. Aplicação de multa pecuniária e penalidades acessórias. Exclusão
da imputação capitulada no art. 21, inciso XXIV, da Lei nº. 8.884/94”. (CADE, Processo Administrativo nº.
08012.002097/99-81, Relator Conselheiro Ricardo Villas Boas Cueva, j. 9.3.2005).
138
São exemplos de seguradores estrangeiros em atuação no Brasil a norte-americana AIG – American International
Group, desde 1997 em conjunto com a Unibanco Seguros, o que culminou com o surgimento da Unibanco Aig
Seguros <http://www.unibancoaig.com.br/>, a espanhola Mapfre Seguros < http://www.mapfre.com.br/> e a
japonesa Tokio Marine Seguros < http://www.tokiomarine.com.br/>, acessos em 10.03.2006.
139
(...) Índia e Brasil são casos peculiares, pois normalmente o mercado de resseguro é aberto antes do mercado
segurador e encontra-se sujeito a prescrições menos rigorosas”. (Swiss Reinsurance Company. Technical Article.
Economic Research & Consulting Occasional Papers. BOPP, Juta. Insights. Zurique, Maio/2005, p. 9).
140
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Ob. cit., p. 323.
74
vir acompanhada de mecanismos para evitar a concentração econômica e
práticas anticompetitivas por parte dos operadores dominantes.
Estabelecidas as premissas básicas concernentes à criação do mercado
ressegurador brasileiro, pode-se concluir que:
(i) O Estado, por intermédio de agência reguladora
141
, deverá exercer o controle
sobre o mercado ressegurador brasileiro, considerando a importância de sua
função para o desenvolvimento do mercado segurador nacional;
(ii) Deverá haver liberdade para o ingresso de novos resseguradores no mercado
interno, sejam locais, admitidos ou eventuais
142
, desde que preenchidas as
exigências previstas nos artigos 5º, 6º e 7º da Lei Complementar nº. 126, de
15 de janeiro de 2007
143
;
(iii) O órgão regulador deste mercado, ressalvadas as hipóteses de infração à
ordem econômica, não deverá imiscuir-se em questões relacionadas à
precificação dos prêmios do resseguro;
(iv) Deverão ser estudadas medidas visando evitar eventuais abusos de poder
econômico decorrentes da associação de seguradores e resseguradores, ou
de resseguradores, isoladamente.
141
A necessidade e a adequação de que o resseguro seja regulado por agência reguladora independente serão
enfrentados no quarto capítulo desta dissertação.
142
A nomenclatura em referência – resseguros locais, admitidos e eventuais é empregada pelo art. 4º da Lei
Complementar em referência.
143
Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007. Art. 5
o
Aplicam-se aos resseguradores locais, observadas as
peculiaridades técnicas, contratuais, operacionais e de risco da atividade e as disposições do órgão regulador de
seguros: I - o Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, e as demais leis aplicáveis às sociedades
seguradoras, inclusive as que se referem à intervenção e liquidação de empresas, mandato e responsabilidade de
administradores; e II - as regras estabelecidas para as sociedades seguradoras. Art. 6
o
O ressegurador admitido ou
eventual deverá atender aos seguintes requisitos mínimos: I - estar constituído, segundo as leis de seu país de
origem, para subscrever resseguros locais e internacionais nos ramos em que pretenda operar no Brasil e que
tenha dado início a tais operações no país de origem, há mais de 5 (cinco) anos; II - dispor de capacidade
econômica e financeira não inferior à mínima estabelecida pelo órgão regulador de seguros brasileiro; III - ser
portador de avaliação de solvência por agência classificadora reconhecida pelo órgão fiscalizador de seguros
brasileiro, com classificação igual ou superior ao mínimo estabelecido pelo órgão regulador de seguros brasileiro;
IV - designar procurador, domiciliado no Brasil, com amplos poderes administrativos e judiciais, inclusive para
receber citações, para quem serão enviadas todas as notificações; e V - outros requisitos que venham a ser fixados
pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Parágrafo único. Constituem-se ainda requisitos para os
resseguradores admitidos: I - manutenção de conta em moeda estrangeira vinculada ao órgão fiscalizador de
seguros brasileiro, na forma e montante definido pelo órgão regulador de seguros brasileiro para garantia de suas
operações no País; II - apresentação periódica de demonstrações financeiras, na forma definida pelo órgão
regulador de seguros brasileiro. Art. 7
o
A taxa de fiscalização a ser paga pelos resseguradores locais e admitidos
será estipulada na forma da lei.
75
2.5 Os Fundamentos que Sustentam a Regulação do Mercado Ressegurador
Brasileiro
2.5.1 A Flexibilização do Monopólio sob a Perspectiva Jurídico-Constitucional
Objetivamente, a flexibilização do monopólio exercido pelo IRB – Brasil Re teve
o seu ponto de partida na Emenda Constitucional nº. 13, de 21 de agosto de 1996. Por
meio desta, foi suprimida do inciso II do art. 192 da CRFB de 1988 a expressão “órgão
oficial ressegurador”, modificando, pois, a sua redação
144
.
Por força dessa nova redação, já a partir de 1996 a Federação Nacional das
Empresas de Seguros, Previdência Privada e Capitalização – FENASEG – sustentou
145
que o monopólio do IRB não mais existiria e que, assim, já seria possível aos
resseguradores estrangeiros atuarem no país, afirmando, ainda, que seria da
competência do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP e da Superintendência
144
O inciso em referência passou a ter a seguinte redação: “Art. 192. II - Autorização e funcionamento dos
estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador”.
145
Embasando o entendimento sustentado pela FENASEG, à época foram divulgados dois pareceres, emitidos por
Celso Ribeiro Bastos e José Luiz Bulhões Pedreira. Celso Bastos, dentre as suas assertivas, colocou: “(...) Em
primeiro lugar, é preciso esclarecer que desde a Constituição Federal de 1.988, especificamente após a emenda
n. 13/96, a atividade de seguros e resseguros está franqueada à iniciativa privada, não podendo receber
restrições que sejam incompatíveis com este sistema econômico. (...) A supressão, ocorrida por via de emenda
constitucional, da expressão “órgão oficial ressegurador”, presente no texto anterior à Emenda Constitucional
n. 13, e constante do art. 192, inc. II, teve o condão de excluir o órgão ressegurador oficial, que detinha
legitimidade para atuar no campo econômico mercê da própria Constituição. Desaparecido o seu supedâneo, o
órgão esvaziou-se como prestador exclusivo da atividade de resseguros, ressalvada a permanência, no Estado,
da competência para a função fiscalizatória.(...) Mas fiscalizar não envolve tomar uma fatia do mercado para o
Poder Público, porque estaríamos praticando uma heresia hermenêutica, tomando uma palavra solta na
Constituição, e que de resto não significa invasão ou apropriação, habilitando-a, contudo, a deitar por terra
todos os princípios consagrados no conceito de livre iniciativa” (Celso Ribeiro Bastos. Consulente: Federação
Nacional de Seguros – FENASEG. Tema: Sistema Constitucional da Ordem Econômica, mais
especificamente no que diz respeito ao Desenvolvimento da Atividade Resseguradora. Março, 1999.) José
Luiz Bulhões Pedreira, na mesma linha, ponderou: “e) a partir da Emenda Constitucional nº. 13/96 as normas do
decreto-lei que dispunham sobre a competência do CNSP e da SUSEP, foram revogadas; por conseguinte, ficou
compreendida na competência desses dois órgãos a atribuição de regulamentar “todas as modalidades de
seguros” e, portanto, o resseguro. (...) 2ª) A autorização e funcionamento de sociedades privadas resseguradoras
não depende da promulgação de lei complementar prevista no artigo 192 da Constituição, pois as normas do
Decreto-lei nº. 73/66, recepcionadas pela Constituição de 1988 como integrantes do regime da lei complementar
do artigo 192, atribuem competência ao CNSP e à SUSEP para regular a autorização e funcionamento de
quaisquer tipos de sociedades seguradoras, inclusive as resseguradoras.” (José Luiz Bulhões Pedreira.
Consulente: Federação Nacional de Seguros – FENASEG. Tema: Efeitos da Emenda Constitucional nº 13/96
sobre a disciplina legal da atividade de resseguros. Normas do Decreto-lei 73/1966 que somente podem ser
modificadas por Lei Complementar de que trata o Artigo 192 da Constituição. Março 1999). Em sentido
oposto, isto é, chamando a atenção para a necessidade de que fosse promulgada lei complementar que
regulamentasse o recém criado mercado ressegurador nacional, Pedro Alvim apresentou suas considerações ao
Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, aduzindo o que segue: “Como se vê, toda matéria reservada à
lei complementar não será objeto de delegação. Ora, o art. 192, inciso II, já comentado, inscreve no seu texto o
seguro e o resseguro. Carece, pois, de competência o Executivo para legislar sobre operações de resseguro,
ainda que fizesse uso de Medida Provisória, que constitui uma delegação”. (Pedro Alvim. Consulente: Federação
Nacional de Seguros – FENASEG. Tema: Considerações sobre o Projeto de Normas de Resseguro elaborado
pela SUSEP. Fevereiro de 1999).
76
de Seguros Privados - SUSEP conceder autorizações e estabelecer o regime de
funcionamento dos resseguradores
146
.
Em 20 de dezembro de 1999, foi promulgada a Lei nº. 9.932, transferindo as
atribuições regulatórias exercidas pelo IRB à Superintendência de Seguros Privados -
SUSEP. Ao que tudo indicava, por intermédio de Lei Ordinária, não obstante o que
dispunha o inciso II
147
do art. 192 da Constituição da República, promovia-se o
esvaziamento das funções exercidas pelo órgão ressegurador brasileiro.
Ocorre que em 08.06.2000, o Partido dos Trabalhadores dirigiu ao Supremo
Tribunal Federal a ADIN nº. 2223-7
148
, questionando a forma pela qual estava sendo
operada a transferência do controle (regulação) das atividades inerentes ao mercado
ressegurador do IRB à SUSEP, já que o Diploma Legal referenciado tratava-se de Lei
Ordinária, ao passo que o texto constitucional, em seu artigo 192, exigia Lei
Complementar.
Já no ano de 2003, precisamente em 29 de maio, adveio a Emenda Constitucional
nº. 40, revogando, dentre outros dispositivos, todo o inciso II do art. 192 da
Constituição de 1.988. Suprimido todo o inciso II, a exigência de que Lei
Complementar abordasse a questão relacionada ao estabelecimento e funcionamentos
dos estabelecimentos de seguro e resseguro perdeu o seu objeto, tornando prejudicado
todo o intento buscado por meio da ADIN nº. 2223-7.
Em virtude deste novo contexto, em 15.09.2004, foi publicada no Diário Oficial
da União a decisão
149
do Relator da ADIN em tela, Ministro Marco Aurélio Melo,
146
Acerca dessa controvérsia, voltada à competência ou não do CNSP para conceder autorizações e estabelecer o
regime de funcionamento dos resseguradores estrangeiros, remete-se ao interessante artigo de Paulo Luiz de
Toledo Piza, denominado Tendências em matéria de resseguro: caso e ocaso brasileiro. Publicado nos Anais
do VI Congresso Ibero-Latinoamericano de Direito do Seguro, Maio 2000, Colômbia, disponível na Internet em
<www.ibds.com.br>, no link textos, acessado em 24.02.2006.
147
A redação do inc. II do art. 192, após a supressão decorrente da Emenda Constitucional nº. 13, era a seguinte:
“autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como
do órgão oficial fiscalizador”.
148
Nessa linha de raciocínio, em 13.07.2000 a liminar requerida pelo Partido dos Trabalhadores foi deferida,
suspendendo-se os artigos 1º e 2º, § único do art. 3º, arts. 4º a 10 e 12, todos da Lei nº. 9.932, de 1.999.
Posteriormente, em 10.10.2002, o Pleno do STF referendou a liminar antes concedida, o que demonstrava, ao
menos em princípio, que não ocorreria a tão esperada flexibilização do monopólio.
149
Trechos da decisão em referência: “(...) tanto a Advocacia Geral da União quanto a Procuradoria Geral da
República manifestaram-se pelo prejuízo do pleito formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade. A
premissa mostra-se única: a alteração do dispositivo constitucional de referência - o artigo 192 da Carta Federal,
presente a Emenda Constitucional nº. 40/2003. O requerente, instado a pronunciar-se, quedou silente. Procede o
prejuízo aventado. Com a Emenda Constitucional n.º 40/2003, alterou-se o artigo 192 do Diploma maior, argüido
como inobservado, revogando-se os incisos e alíneas e parágrafos. Vale dizer que, no texto constitucional, já não
mais se alude ao resseguro. Ante o quadro, declaro o prejuízo do pedido inserto na inicial.”
77
manifestando-se pela perda de objeto do pedido formulado, tendo ocorrido,
posteriormente, o seu trânsito em julgado.
Reconhecida a perda do objeto da ADIN que atacava a Lei nº. 9.932, esta voltou a
ter eficácia, o que significava, ao menos no campo teórico, que não havia mais
impedimentos para que fossem transferidas as competências regulatórias do IRB à
SUSEP.
Mesmo após o reconhecimento da perda do objeto da ADIN nº. 2223-7 e do
comentado restabelecimento dos efeitos da Lei nº. 9.932/99, Paulo Luiz de Toledo
Piza
150
, amparado pela posição de Fábio Konder Comparato, sustentou que a revogação
do inciso II do art. 192 da CRFB, em cotejo com o disposto no Decreto-Lei nº. 73/66,
pela mesma recepcionado e com a Lei nº. 9.932, não importava na automática
flexibilização do monopólio do IRB e conseqüente abertura do mercado. Abaixo, as
palavras do autor:
Isso tudo, enfim, parece excesso de juridisme, mas o fato é que não se pode
afirmar, com certeza, que o legislador constituinte congressual, ao aprovar a
EC 40, pretendeu excluir a regulação do setor de seguro e resseguro da via da
lei complementar. Não sendo, portanto, descartável de plano que a
Constituição deixou de prever a edição de lei complementar para regular a
atuação do Estado no setor de seguro e resseguro, se haveria de discutir se a
Lei 9.932, abstraída a discussão de sua inconstitucionalidade, teria sido
recepcionada ou não pela ordem constitucional posterior à EC 40. (...) Desse
modo, retendo o Decreto-Lei essa densidade complementar, de um ponto de
vista formal ele somente por outra lei complementar poderia ser alterado. (...)
Portanto, à medida que o Decreto-Lei 73 foi recepcionado pela Constituição
Federal na qualidade de lei complementar; à medida que se pode argumentar
que ele permanece revestido dessa qualidade, e à medida que lei ordinária
não pode ferir lei complementar, parece razoável concluir pela prevalência do
disposto no Decreto-Lei 73 frente à Lei 9.932, mesmo à luz do atual texto do
art. 192 da Constituição Federal. Sua opinião fora, todavia, refutada, e
amplamente, quando se consultou, ainda antes do aparecimento da referida
Emenda Constitucional, o Prof. Fábio Konder Comparato, que demonstrou,
com carradas de razão, que a expressão “ressegurador oficial”, no contexto
normativo em que se inseria, estava a significar que se havia reservado
“exclusividade de funções” ao órgão oficial, qual seja, o então denominado
Instituto de Resseguros do Brasil. Cf. “Monopólio público das operações de
resseguro”, no seu Direito Público: Estudos e Pareceres. S. Paulo: Saraiva,
1996, pp. 154/165.
Demonstrando que a posição em tela é a que melhor se coadunou com a postura
legislativa adotada para essa questão, é mister reiterar que a Casa Civil encaminhou ao
150
PIZA, Paulo Luiz de Toledo. O resseguro e o STF. Disponível em <www.ibds.com.br>. Acessado em
22.02.2006.
78
Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar nº. 249/2005, tratando, assim como
tratou a Lei nº. 9.932, da transferência de atribuições regulatórias exercidas pelo IRB ao
órgão regulador do mercado, o que culminou, em 15 de janeiro de 2007, com a sanção
da Lei Complementar nº. 126, flexibilizando, em definitivo, o monopólio do qual o IRB
foi dotado desde a sua criação, ocorrida em 1.939
151
.
2.6 Regulação e Resseguro
Inicialmente, convém ratificar a posição segundo a qual o mercado de resseguros
no Brasil deverá ser regulado, considerando, sobretudo, a importância dessa espécie de
negócio como elemento capaz de propiciar a homogeneidade das carteiras dos
seguradores, atuantes no mercado segurador nacional, isto é, a função desempenhada
pelo resseguro tem como objetivo gerar efeitos positivos tanto para os seguradores, com
os quais há relação direta, quanto para os segurados, cujas opções de contratação em
qualidade e quantidade serão melhoradas fruto do aumento da capacidade de subscrição
de riscos pelos seguradores.
Exatamente com este enfoque, Carlos Ari Sundfeld
152
comenta, inclusive, a
respeito da semelhança existente entre os mercados de telecomunicações e o mercado de
resseguro, não obstante aquele represente modalidade de serviço público e este de
atividade econômica:
Paulatinamente vão sendo concebidas ou rejeitadas idéias como as de
Agência da Água, dos Transportes, Postal, da Aeronáutica, e por aí vai.
Interessante também atentar para o setor de resseguros, em que havia
monopólio federal desde 1939, exercido pelo IRB – Instituto de Resseguros
do Brasil. Com a aprovação da Emenda Constitucional 13, de 21.8.1996,
viabilizou-se a abertura do setor à concorrência. Inicialmente, o IRB foi
transformado em sociedade de economia mista (Lei 9.482, de 13.8.1997). A
seguir, a Lei 9.932, de 20.12.1999, promoveu a reforma do setor, transferindo
para a Susep (Superintendência de Seguros Privados) atribuições de
regulação e fiscalização antes exercidas pelo IRB e conferindo ao Conselho
Nacional de Seguros Privados (CNSP) o poder normativo sobre o setor. Os
passos seguintes são a desestatização do IRB e a conseqüente liberalização
151
Confirmando que a posição do Governo quanto à flexibilização do monopólio do IRB deveria se fazer por
intermédio de Lei Complementar convém esclarecer que o art. 31 da Lei Complementar nº. 126 revogou a Lei nº.
9932 em sua íntegra. “Art. 31. Ficam revogados os arts. 6
o
, 15 e 18, a alínea i do caput do art. 20, os arts. 23, 42,
44 e 45, o § 4º do art. 55, os arts. 56 a 71, a alínea c do caput e o § 1º do art. 79, os arts. 81 e 82, o § 2º do art. 89
e os arts. 114 e 116 do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, e a Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro
de 1999”.
152
SUNDFELD, Carlos Ari. Serviços Públicos e Regulação Estatal. In: Direito Administrativo Econômico.
Coord. Carlos Ari Sundfled. Malheiros: São Paulo, 2002, pp. 22/23.
79
do setor, que passa a ser competitivo. Embora os resseguros nunca tenham
sido considerados como serviços públicos, seu processo de reforma é, em
essência, semelhante ao das telecomunicações, por exemplo, envolvendo
essas três notas comuns: a desestatização, a abertura do mercado à
competição e a necessidade de regulação.
Portanto, cumpre aprofundar a pesquisa justamente nos alicerces sobre os quais a
regulação deverá estar focada, o que será tratado a seguir.
2.7 Os Principais Elementos a serem observados pelo Órgão Regulador do
Resseguro no Brasil
Em virtude da importância que o resseguro representa para todo o mercado de
seguros no país e, em conseqüência direta, para todos os segurados, considerando que,
em última instância, as verbas decorrentes do pagamento dos prêmios nada mais nada
menos são do que poupança popular, emerge a necessidade de se fiscalizar com muita
cautela as exigências que serão impostas àquelas empresas que pretendam instalar-se no
mercado como resseguradoras, sejam nacionais ou estrangeiras
153
.
2.7.1 A Higidez Econômico-Financeira
Não se controverte quanto à importância de que seja exercido controle efetivo
sobre as margens de solvência dos resseguradores que desejem se instalar no mercado
ressegurador brasileiro.
Em estudo realizado pela Swiss Reinsurance Company, resseguradora com
atuação em todos os continentes
154
, comentou-se a respeito das vantagens decorrentes da
flexibilização do monopólio do IRB – Brasil Re, na medida em que pelo órgão
regulador do mercado nacional poderão ser impostas mínimas margens de solvência
para a atuação no país, ou seja, somente resseguradores extremamente bem qualificados
sob a perspectiva da análise financeira é que poderão atuar
155
.
153
Consoante exposto anteriormente, as exigências em epígrafe estão discriminadas nos arts. 5º, 6º e 7º da Lei
Complementar nº. 126, de 15.01.2007.
154
Dados disponíveis em http://www.swissre.com/. Acessado em 11.01.2007.
155
“O resseguro internacional é benéfico não apenas em caso de grandes sinistros. Ele proporciona também capital
de longo prazo – que possui caráter de investimento estrangeiro direto no mercado brasileiro – e,
conseqüentemente, contribui para que toda a economia do país possa arcar com riscos. Em 2003, o patrimônio
líquido dos 40 maiores grupos resseguradores do mundo somou cerca de US$ 249 bilhões, conforme a Standard
& Poor´s. O capital oferecido, geralmente, tem uma excelente classificação de risco: a solidez de capital de
80
A exploração monopolista do setor potencializa a criação de problemas
relacionados à higidez econômica dos seguradores diretos.
Reduzida a oferta de resseguro, as possibilidades de aumento da capacidade de
subscrição de riscos também diminuem, o que, inclusive, desacelera o desenvolvimento
de novos negócios. A concentração do risco num único ressegurador é perigosa tanto
para este ressegurador, quanto para todo o mercado, sendo notório que em matéria de
gestão de riscos é preciso diluí-los, evitando-se a concentração
156
.
Basicamente, três são as possíveis espécies de regulação para mercados
resseguradores, citadas por Amadeu Carvalhaes Ribeiro
157
:
Em geral, são reconhecidos três sistemas de regulação da atividade
resseguradora. O primeiro, mais liberal, consiste em exigir do ressegurador
apenas a apresentação de balanços e demonstrações financeiras suficientes
para demonstrar a regularidade e a solidez de seus negócios. Trata-se do
sistema vigente na Alemanha e na Áustria. O segundo sistema, vigente na
Grã-bretanha, envolve um controle maior da solvência do ressegurador, ao
qual são impostas normas de higidez econômico-financeira. Ou seja, não há
apenas fiscalização, há também regulação. O terceiro sistema, adotado em
um número maior de países e inclusive nos EUA, envolve uma regulação
mais extensa e profunda da atividade.
resseguradores geralmente se encontra acima do grau de risco de investimento e, portanto, acima do atual rating
do IRB. Um completo acesso a esse capital reduz assim o risco de crédito das seguradoras. Dos 10 principais
grupos resseguradores, seis deles possuem rating de, no mínimo, ‘AA-‘, conforme a avaliação da Standard &
Poor´s, isto é, “segurança financeira muito sólida”. Além disso, a autoridade de supervisão poderá prescrever
uma classificação de risco mínima para os resseguradores poderem atuar no mercado brasileiro”. (BOPP, Jutta.
Insights – estudo divulgado pela Swiss Reinsurance Company, p. 11).
156
Em artigo denominando Um Seguro Agrícola Eficiente, de Aércio S. Cunha, Brasília, Outubro de 2002,
Departamento de Economia da Universidade de Brasília, disponível na Internet em
<http://www.unb.br/face/eco/cpe/TD/255Oct02ACunha.pdf>, acessado em 04 de março de 2006, o autor disserta
a respeito da necessidade de que os riscos relacionados ao seguro agrícola, essencial à economia nacional, sejam
diluídos por todo o mercado segurador brasileiro e por todo o mercado ressegurador, fazendo críticas ao regime
monopolista exercido pelo IRB – Brasil Re, na medida em que isto cria embaraços ao desenvolvimento: “(...) 2.
Considera-se virtualmente impossível a criação de um seguro que atenda a essas características sem que o
mercado de seguros privados seja minimamente desenvolvido. É indispensável a participação de um número
razoável de companhias seguradoras e resseguradoras no seguro agrícola. A situação atual de monopólio do
resseguro pelo IRB Brasil RE é incompatível com as necessidades do desenvolvimento saudável, financeira e
orçamentariamente sustentável de um seguro agrícola. 3. Não se pode falar em sustentabilidade de um seguro
sem que esteja presente o resseguro. E esta não existe sem resseguradoras. Atualmente, parcela apreciável dos
resseguros realizados no país são contratados no exterior. Propõe-se a “substituição da importação” desse
serviço essencial, em vista, não apenas da economia de divisas, mas da redução dos prêmios de resseguros, que
a medida haverá de propiciar. Além disso, resseguradoras prestam, gratuitamente, um serviço ao país, qual seja,
o de “regular” as seguradoras. Ao definir que apólices seriam passíveis de resseguro e qual o adicional de
prêmio por adicional de risco, as resseguradoras influenciam diretamente o comportamento das seguradoras.
(...) 5. Admitindo ser indispensável a participação do Poder Público na partilha do risco agrícola, desponta
questão da forma mais eficiente de se realizar essa partilha. Especialmente importante é que a participação do
Poder Público venha estimular, não inibir e, menos ainda, distorcer, o desenvolvimento do mercado segurador.
A diretriz do trabalho, neste sentido, é que o governo não chame a si funções que seriam melhor desempenhadas
pelo setor privado, como, por exemplo, o resseguro”.
157
RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Direito de Seguros – Resseguros, Seguro Direto e Distribuição de Serviços.
São Paulo: Atlas, p. 176, Cf. Michael W. Elliott, et alli, Principles of Reinsurance, ob. cit., pp. 47 e seg;. e Klaus
Guerathewohl et alli, Reinsurance Principles and Practice, ,v. 1, cit., pp. 574 a 582).
81
Qual seria a espécie de regulação mais adequada para o mercado brasileiro?
O Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, após a promulgação da
Emenda à Constituição nº. 13, de 1996, editou a Resolução nº. 1, de 14 de janeiro de
2000, cujo texto propunha as regras básicas para o funcionamento do mercado que seria
instituído.
Os resseguradores foram classificados como “local” (aqueles que tivessem sede
no Brasil e o patrimônio líquido não inferior a R$ 50 milhões de reais), “admitido”
158
(resseguradores com sede no exterior e inscrição na SUSEP, cujo patrimônio líquido
não fosse inferior a US$ 85 milhões de dólares norte-americanos) e “eventual”
(resseguradores com sede no exterior, sem inscrição junto à SUSEP, cujo patrimônio
líquido não fosse inferior a US$ 100 milhões de dólares norte-americanos.
Adicionalmente, os seguradores não poderiam lhes ceder mais de 10% das suas
operações anuais).
Nota-se, assim, que a resolução em referência, ao exigir o depósito em conta
vinculada à SUSEP, bem como ao exigir patrimônios líquidos não inferiores a US$ 85
milhões de dólares norte-americanos para os resseguradores admitidos e US$ 100
milhões de dólares norte-americanos para os resseguradores eventuais, alinhou-se à
terceira espécie de regulação do resseguro, mencionada por Amadeu Carvalhaes
Ribeiro, cuja prática era comum na maioria dos países pesquisados, inclusive no
mercado dos Estados Unidos da América.
Em virtude da exploração em regime monopolista desde o ano de 1939, nota-se
que o mercado segurador nacional se encontrava habituado a, sempre que houvesse
demanda por resseguro, procurar apenas o IRB – Brasil Re, que, com exclusividade,
apresentaria a solução disponível, isto à hipótese de realmente haver uma solução
disponível.
A flexibilização do monopólio obedecendo às diretrizes propostas na Resolução
nº. 1, de 2000, da lavra do CNSP procurou, proteger o recém criado mercado nacional
em abertura com mínimas garantias, principalmente aquelas relacionadas aos depósitos
em contas vinculadas à SUSEP.
158
Caberia ao ressegurador admitido, ainda, a abertura de conta vinculada à SUSEP com aplicação mínima de US$ 5
milhões de dólares norte-americanos.
82
Sendo dotadas de vultosos recursos financeiros, certamente as quantias exigidas
pelo CNSP não criariam óbices aos resseguradores estrangeiros que desejassem atuar no
país, fosse como resseguradores admitidos ou como resseguradores eventuais.
Ainda no que se refere à regulação da higidez econômico-financeira dos
resseguradores, cumpre observar que o eventual excesso de normas que obriguem à
realização de depósitos mínimos, que impliquem no engessamento de reservas dos
resseguradores que desejem se instalar no país poderá ter conseqüências indesejadas,
traduzidas no desinteresse dos mesmos pelo mercado nacional. Em sendo possível
aplicar os seus recursos de maneira mais adequada em outros mercados resseguradores,
cujas exigências sejam menos rigorosas, a tendência natural será a busca pelo ambiente
que represente as melhores condições de rentabilidade. Nesse exato sentido é a posição
de Amadeu Carvalhaes Ribeiro
159
:
Aumentar os padrões de higidez pode ser necessário para proteger a
integridade patrimonial do consumidor, porém não pode ser admitido como
instrumento de promoção da livre concorrência. Requisitos de capital mínimo
e patrimônio líquido são típicas barreiras à entrada, que têm por resultado
dificultar o ingresso de novos concorrentes no mercado. O mesmo pode ser
dito em relação ao controle de formação e aplicação de provisções técnicas e
reservas, pois restrições à liberdade do agente econômico de dispor
livremente de seus recursos financeiros tendem a afastá-lo da atividade em
questão. Afinal, se ele puder aplicar os mesmos recursos de maneira mais
rentável em outro lugar, porque não o faria? Assim, um controle de higidez
excessivamente rígido representa um evidente entrave à livre concorrência.
Portanto, os elementos ora apresentados demonstram que a regulação da higidez
econômico financeira dos resseguradores que pretendam atuar no mercado nacional se
apresenta como um dos alicerces sobre os quais o órgão regulador do mercado deverá
concentrar a sua atuação, desde que, por intermédio deste controle, não sejam criadas
condições que, ao invés de estimularem, afugentem os resseguradores estrangeiros
(admitidos ou eventuais).
2.7.2 Livre Iniciativa e Livre Concorrência
A exploração em regime de monopólio pelo IRB - Brasil Re elimina, de per se, a
livre concorrência no setor de resseguro. Enquanto, de fato, não for flexibilizado o
159
RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Ob. cit., p. 106.
83
monopólio, permanecerá existindo no Brasil apenas o setor de resseguro, não o
mercado.
Com relação aos seguradores, entende-se que o regime monopolista cria
dificuldades para que a livre concorrência seja implementada de maneira plena no
mercado segurador brasileiro.
Quão maior for a oferta de resseguro, maiores serão as possibilidades de que
seguradoras de pequeno porte possam competir em melhores condições com as
seguradoras de grande porte, na medida em que com a majoração de sua capacidade de
subscrição de risco, fruto da contratação de resseguro, poderão oferecer garantias
melhores ao empresariado nacional.
Considerando o término do monopólio no país e a conseqüente possibilidade de
que realmente seja instaurada a livre concorrência, surge uma questão instigante: em
que medida a regulação deverá ser aplicada sobre o resseguro no Brasil? Por mais que o
mercado de telecomunicações represente típico serviço público, neste momento convém
traçar um paralelo entre este mercado e o mercado de resseguro, que se formará.
Distinguem-se características marcantes entre os dois mercados. No mercado de
telecomunicações, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – tem à sua
frente milhões de usuários, destinatários finais dos serviços oferecidos e algumas
operadoras, atuando em segmentos distintos como, por exemplo, a telefonia móvel, a
telefonia fixa, a televisão por assinatura e o serviço de radiodifusão. No resseguro, por
sua vez, ao órgão responsável por sua regulação caberá disciplinar o relacionamento
existente entre os seguradores e os resseguradores em exercício no país, o que permite
concluir-se que as partes diretamente envolvidas na relação ressecuritária são muito
mais restritas do que as partes envolvidas na prestação do serviço de telecomunicações.
Observando o relacionamento existente entre segurador e ressegurador, conclui-se
que entre estes inexiste falta de expertise a respeito das matérias que serão tratadas e
discutidas, na medida em que, em regra, empresas estabelecidas no mercado nacional,
que já tenham preenchido os requisitos estabelecidos pela legislação vigente
160
, é que
estarão negociando.
160
Os requisitos necessários à instalação de uma seguradora no mercado brasileiro encontram-se previstos nos arts.
72 e seguintes do Dec. Lei nº. 73, de 21.11.1966. Art 72. As Sociedades Seguradoras serão reguladas pela
legislação geral no que lhes for aplicável e, em especial, pelas disposições do presente decreto-lei. Art 73. As
Sociedades Seguradoras não poderão explorar qualquer outro ramo de comércio ou indústria. Art. 74. A
autorização para funcionamento será concedida através de Portaria do Ministro da Indústria e do Comércio,
84
No mercado de telecomunicações, por sua vez, milhões de usuários, diariamente,
estarão se envolvendo com serviço que está diretamente relacionado à tecnologia de
ponta, com diversas nuances que, evidentemente, fogem ao conhecimento da grande
maioria dos cidadãos que se qualificam como destinatários finais dos serviços
oferecidos.
Este paralelo presta-se para demonstrar que a regulação dos mercados de
telecomunicações e de resseguro deverá ser marcada por características distintas,
sobretudo por entender-se que para o mercado de resseguro a possibilidade de que a
auto-regulação venha a ser efetivamente implementada afigura-se uma realidade,
partindo do posicionamento exposto por Vital Moreira
161
.
Nessa linha de idéias, ao órgão responsável pela regulação do mercado
ressegurador brasileiro caberá observar, em primeiro lugar, que os agentes a serem
regulados detêm expertise técnica a respeito da matéria com a qual estarão lidando, o
que, com efeito, deverá ter como conseqüência a intervenção estatal leve, norteada pelo
princípio da subsidiariedade.
Considerando que os próprios agentes estabelecidos no mercado ressegurador
dispõem de condições para, por si sós, elaborarem as normas que deverão ser
cumpridas, caberá ao órgão regulador inserir-se neste contexto, propiciando o
mediante requerimento firmado pelos incorporadores, dirigido ao CNSP e apresentado por intermédio da
SUSEP. Art 75. Concedida a autorização para funcionamento, a Sociedade terá o prazo de noventa dias para
comprovar perante a SUSEP, o cumprimento de todas as formalidades legais ou exigências feitas no ato da
autorização. Art 76. Feita a comprovação referida no artigo anterior, será expedido a carta-patente pelo
Ministro da Indústria e do Comércio. Art 77. As alterações dos Estatutos das Sociedades Seguradoras
dependerão de prévia autorização do Ministro da Indústria e do Comércio, ouvidos a SUSEP e o CNSP. Os
requisitos necessários à instalação de uma resseguradora no mercado brasileiro encontram-se previstos nos arts.
5º, 6º e 7º da Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007. Art. 5
o
Aplicam-se aos resseguradores locais,
observadas as peculiaridades técnicas, contratuais, operacionais e de risco da atividade e as disposições do
órgão regulador de seguros: I - o Decreto-Lei n
o.
73, de 21 de novembro de 1966, e as demais leis aplicáveis às
sociedades seguradoras, inclusive as que se referem à intervenção e liquidação de empresas, mandato e
responsabilidade de administradores; e II - as regras estabelecidas para as sociedades seguradoras. Art. 6
o
O
ressegurador admitido ou eventual deverá atender aos seguintes requisitos mínimos: I - estar constituído,
segundo as leis de seu país de origem, para subscrever resseguros locais e internacionais nos ramos em que
pretenda operar no Brasil e que tenha dado início a tais operações no país de origem, há mais de 5 (cinco) anos;
II - dispor de capacidade econômica e financeira não inferior à mínima estabelecida pelo órgão regulador de
seguros brasileiro; III - ser portador de avaliação de solvência por agência classificadora reconhecida pelo
órgão fiscalizador de seguros brasileiro, com classificação igual ou superior ao mínimo estabelecido pelo órgão
regulador de seguros brasileiro; IV - designar procurador, domiciliado no Brasil, com amplos poderes
administrativos e judiciais, inclusive para receber citações, para quem serão enviadas todas as notificações; e V
- outros requisitos que venham a ser fixados pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Parágrafo único.
Constituem-se ainda requisitos para os resseguradores admitidos: I - manutenção de conta em moeda
estrangeira vinculada ao órgão fiscalizador de seguros brasileiro, na forma e montante definido pelo órgão
regulador de seguros brasileiro para garantia de suas operações no País; II - apresentação periódica de
demonstrações financeiras, na forma definida pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Art. 7
o
A taxa de
fiscalização a ser paga pelos resseguradores locais e admitidos será estipulada na forma da lei.
161
A auto-regulação dos mercados segurador e ressegurador brasileiros foi defendida por Vital Moreira em recente
visita do mesmo ao país, cujos principais argumentos serão demonstrados no quarto capítulo desta dissertação.
85
desenvolvimento deste mercado. Cumpre esclarecer, todavia, que essa migração de um
regime monopolista, que caracterizou o país por mais de sessenta anos, para o regime de
livre concorrência, em que haja auto-regulação do mercado constituído, não se processa
de forma instantânea. Nesse exato sentido, Marcos Juruena Villela Souto
162
apresenta os
seguintes comentários:
Da Regulação à Concorrência - Detectada a possibilidade de funcionamento
de um dado setor em regime de concorrência pelos reguladores, é necessária
a organização de uma transição da regulação para a concorrência, bem como
a definição de quais segmentos dentro de uma cadeia produtiva têm
condições de ser desregulamentados. Alerta, no entanto, que em geral, não se
passa diretamente de uma política de regulação à liberação total das
atividades. Ao contrário, a desregulação, por diversas razões, costuma ser
parcial. Isso se explica por diferentes razões econômicas ou políticas. As
primeiras têm a ver com a incapacidade de certas fases das atividades antes
monopolizadas de funcionar em concorrência. As últimas, por sua vez, estão
relacionadas à alta relevância social das atividades envolvidas, que são
estratégicas para o país e/ou serviços públicos, cuja prestação deve seguir
objetivos como o da universalização do acesso. Além disso, princípios
próprios da prestação dos serviços públicos, como o da continuidade, não
permitem oscilações na oferta e no preço ao consumidor, presentes com certa
freqüência no regime de mercado. A propósito, deve ser lembrado que a
implantação da concorrência como política para aumentar a eficiência, o
investimento e a modernização não é a única finalidade da nova regulação
dos setores envolvidos.
162
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.
112.
86
A Resolução nº. 1/2000
163
, do CNSP, considerando as quantias mínimas
necessárias à atuação de resseguradores no país, sejam locais, admitidos ou eventuais,
revela que este mercado tende à formação de grupos detentores de posições dominantes,
já que são elevados os valores necessários para o início das suas atividades. Além disso,
convém frisar que a saída destes resseguradores do mercado brasileiro, caso assim o
163
As exigências previstas na Resolução nº. 1/2000, fixadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP,
foram as seguintes: “Do Ressegurador Local. Art. 12. Os resseguradores locais ficam sujeitos, no que couber, às
mesmas obrigações previstas na legislação, regulamentos e atos normativos aplicáveis aos estabelecimentos de
seguro. Parágrafo único. Os estabelecimentos de resseguro não poderão explorar, direta ou indiretamente,
qualquer outro ramo de comércio ou indústria, nem subscrever seguros diretos. Art. 13. O capital mínimo para
constituição dos estabelecimentos de resseguro locais é de R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).
Parágrafo único. O patrimônio líquido e o capital social não poderão ser, a qualquer tempo, inferiores ao valor
mencionado no caput. Art. 14. Os subscritores de capital realizarão em dinheiro, no ato da subscrição, o mínimo
de cinqüenta por cento do valor de suas ações, e os cinqüenta por cento restantes dentro de um ano, a contar da
publicação da Portaria de autorização para funcionamento, observado o capital mínimo previsto no artigo
anterior, o qual deverá ser imediatamente integralizado, como requisito para a concessão da autorização para
operar. Parágrafo único. Igual procedimento será observado nos casos de aumento do capital. Art. 15. As listas de
subscrição do capital dos estabelecimentos de resseguro serão firmadas pelos subscritores e conterão, em relação
a cada um, o nome, a nacionalidade, e o domicílio, bem como, em se tratando de pessoa física, o estado civil, a
profissão; a quantidade, o valor das ações subscritas e respectiva realização. Art. 16. As aplicações dos recursos
das provisões técnicas e fundos dos resseguradores locais serão feitas de acordo com as diretrizes do Conselho
Monetário Nacional - CMN. Art. 17. Os resseguradores locais deverão publicar, semestralmente, suas
demonstrações financeiras no Diário Oficial da União ou no Diário Oficial dos Estados, segundo o local da
respectiva sede, e também em outro jornal de grande circulação. Parágrafo único. As demonstrações financeiras
mencionadas no caput deverão ser auditadas por auditores independentes, com registro na Comissão de Valores
Mobiliários - CVM. Do Ressegurador Admitido. Art. 18. Na condição de ressegurador admitido,
estabelecimento estrangeiro de seguro ou resseguro poderá ser habilitado a subscrever cessões de resseguro do
País, mediante requerimento dirigido à SUSEP, firmado por seus administradores ou representante legal,
observados os seguintes requisitos: I - para garantia de suas operações no País, possua conta em moeda
estrangeira, vinculada à SUSEP, com saldo mínimo de US$ 5,000,000.00 (cinco milhões de dólares dos Estados
Unidos), em banco autorizado a operar em câmbio conforme as diretrizes do CMN, observadas as alternativas a
seguir, isolada ou cumulativamente: a) constituição em espécie, mediante depósito em banco autorizado a operar
em câmbio no País; e b) constituição em ativos financeiros, observadas as diretrizes fixadas pelo CMN; II - esteja
legalmente constituído, segundo as leis de seu país de origem, para subscrever resseguros locais e internacionais
nos ramos em que pretenda operar no Brasil e que tenha dado início a tais operações há mais de três anos; III - a
legislação vigente no seu país de origem permita a movimentação de moedas de livre conversibilidade, para
cumprimento de compromissos de resseguro no exterior; IV - possua patrimônio líquido não inferior a US$
85,000,000.00 (oitenta e cinco milhões de dólares dos Estados Unidos), atestado por auditor externo; V -
apresente balanços e demonstrações de resultados dos últimos três exercícios, com os respectivos relatórios dos
auditores externos; VI - seja portador de avaliação de solvência, por agência classificadora de estabelecimentos
de seguro e resseguro reconhecida pela SUSEP, igual ou superior ao mínimo estabelecido pela SUSEP; e VII -
designe um procurador com amplos poderes administrativos e judiciais, inclusive para receber citações judiciais,
domiciliado no Brasil, para onde serão enviadas todas as notificações. § 1º As informações previstas nos incisos
V e VI deste artigo deverão ser anualmente atualizadas. § 2º Qualquer substituição do procurador a que se refere
o inciso VII deste artigo deverá ser imediatamente comunicada à SUSEP. Do Ressegurador Eventual. Art. 19.
Na condição de ressegurador eventual, estabelecimento estrangeiro de seguro ou resseguro poderá subscrever
resseguro de estabelecimentos de seguro ou resseguro brasileiros, observados os seguintes requisitos: I - esteja
legalmente constituído, segundo as leis de seu país de origem, para subscrever resseguros locais e internacionais
nos ramos em que pretenda operar no Brasil e que tenha dado início a tais operações há mais de cinco anos; II - a
legislação vigente no seu país de origem permita a movimentação de moedas de livre conversibilidade, para
cumprimento de compromissos de resseguros no exterior; III - possua patrimônio líquido não inferior a US$
100,000,000.00 (cem milhões de dólares dos Estados Unidos), atestado por auditor externo; e IV - seja portador
de avaliação de solvência, por agência classificadora de estabelecimentos de seguro e resseguro reconhecida pela
SUSEP, igual ou superior ao mínimo estabelecido para os resseguradores admitidos. Art. 20. A cedente deverá, a
qualquer tempo que lhe for solicitado pela SUSEP, fazer prova das exigências previstas no artigo anterior,
relativamente aos seus resseguradores eventuais. Parágrafo único. A falta ou recusa na apresentação dos
comprovantes solicitados pela SUSEP, em prazo por ela definido, implicará o não reconhecimento do resseguro
para fins de atendimento às normas de limite de retenção e margem de solvência, bem como outras normas em
vigor”.
87
desejem, não será automática, já que as garantias oferecidas, em regra, dispõem de
longa duração.
Esses dados se prestam para demonstrar que, realmente, a efetiva observância da
livre concorrência carecerá de que o órgão responsável pela regulação deste mercado
observe as condutas que serão praticadas pelos resseguradores que se instalarão no país,
impondo-lhe restrições caso representem prejuízos à competição regular.
2.7.3 Cooperação
Notadamente à frente de grandes riscos, cujas somas necessárias ao pagamento
das indenizações alcançam cifras elevadas, é comum a realização de acordos de
cooperação entre resseguradores, justamente com o propósito de que seja facilitado o
cumprimento das obrigações que foram assumidas
164
.
O art. 170 da Constituição Federal, consoante exposto no primeiro capítulo desta
dissertação, consagra os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa.
Independentemente disto, é preciso interpretá-los em cotejo com outros princípios de
igual importância no texto constitucional, entre os quais, por exemplo, menciona-se a
dignidade da pessoa humana (CRFB, Art. 1º, inc. III), cuja busca deverá ser trilhada em
harmonia com a justiça social.
Nessa linha de idéias, surgem motivos para que condutas ocasionalmente lesivas à
livre concorrência possam ser praticadas de maneira lícita, com a chancela do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica - CADE, seja por intermédio de autorização, seja
por isenção, conforme for o texto normativo que ratifique a conduta em exame. Eis as
palavras de Paula Forgioni
165
:
O art. 170 da CF estatui as vigas mestras da nossa ordem econômica e social.
A concorrência é expressamente tratada como instrumento que deve
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Essa constatação, embora evidente, assume especial relevo entre nós e tem
sido pouco compreendida.
Em prol do bem-estar social e de outros valores e princípios também
constitucionais, no Brasil – tal como na Europa – é possível sacrificar a
164
A título exemplificativo, convém reiterar que os sinistros envolvendo o World Trade Center, nos EUA e a
plataforma P-36 da Petrobrás, no Brasil, tiveram o pagamento das suas somas seguradas realizado por diversos
resseguradores estrangeiros, estabelecidos nos EUA e na Comunidade Européia. Não fossem os acordos de
cooperação firmados entre os resseguradores, certamente ficaria dificultada a subscrição desses riscos.
165
FORGIONI, Paula A. Contrato de Distribuição. São Paulo: RT, 2005, pp. 153/154.
88
concorrência para atingirmos um fim maior, mais condizente com o interesse
público. Dessa maneira, em face do texto da nossa Constituição, não se pode
sustentar ser com ela incompatível as leis que autorizem restrições
concorrenciais. Isso pode – e deve – acontecer para atender ao interesse
público.
Com isso, não estamos a dizer que a Constituição do Brasil persiga um
modelo de mercado apartado da livre iniciativa e da livre concorrência –
muito ao contrário. Apenas devemos ter em mente que os princípios
insculpidos no art. 170 e todas as regras que neles se embasam prestam-se,
sempre, a perseguir um fim maior e, portanto, nunca podem ser tomados sem
consideração do sistema ao qual pertencem e que, ao mesmo tempo, ajudam a
conformar. É imperativa a interpretação sistemática de todos os princípios
constitucionais. Trata-se, aliás, do entendimento esposado pelo Supremo
Tribunal Federal
166
.
O mesmo fundamento constitucional embasa o art. 54 da Lei Antitruste: se os
prejuízos concorrenciais forem superados pelos benefícios ali mencionados, a
pratica será permitida e lícita, em virtude da autorização concedida pelo
órgão antitruste. Neste trabalho, para fins da análise do sistema jurídico
brasileiro, chamaremos de autorização o ato administrativo do órgão
antitruste que, exercendo competência própria, permite conduta concorrencial
restritiva (como, por exemplo, as autorizações concedidas pelo CADE, com
apoio no art. 54 da Lei Antitruste). Já por isenção entendemos a licença para
a prática anticoncorrencial constante, expressa ou implicitamente, de texto
normativo.
Especificamente com relação ao resseguro, a experiência prática demonstra a
necessidade de que sejam firmados acordos de cooperação entre os próprios
resseguradores, dando origem aos chamados pools de resseguro
167
e entre seguradores e
resseguradores.
166
ADIn 319-DF, rel. Min. Moreira Alves, julgada em 03.03.1993. O Supremo Tribunal Federal, noutra ocasião,
também se manifestou neste mesmo sentido: “O princípio da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar
regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor”. (RE 349.686, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 14-6-
05, DJ de 5-8-05).
167
Walter Polido esclarece que a subscrição dos riscos ambientais, em razão de sua elevada necessidade de lastro
financeiro e expertise técnica, suscita a formação dos pools de resseguro, aos quais são notáveis as seguintes
características: “Dentre as soluções encontradas por alguns países, desponta o pool de resseguro para a subscrição
de riscos ambientais. A subscrição individualizada por Seguradora apresenta uma série de desvantagens,
notadamente neste segmento de risco onde o fator "concorrência" parece ficar em segundo plano, face não só à
alta exposição do mesmo, como também pelo fato de requerer investimentos na área de underwriting. A
concessão de coberturas mais abrangentes e que vão além da tradicional poluição súbita/acidental, não pode
prescindir da técnica adequada sob pena de total fracasso. O ressegurador internacional, com certeza, não apoiará
iniciativas ousadas nessa área sem o devido respaldo técnico recomendável, até mesmo pelas experiências
negativas já vivenciadas em outros países, em outras épocas. Diante de tais dificuldades, Seguradores e
Resseguradores de outros países se alinharam na busca de soluções comuns. Neste sentido vários pools de
Resseguro foram formados em alguns países da Europa – França, Itália, Holanda e mais recentemente na
Espanha. Algumas vantagens na formação de um pool podem ser destacadas: maior capacidade de oferta de
resseguro para os riscos inerentes; facilidade de subscrição de riscos e coberturas mais complexas – poluição
gradual, por exemplo; representatividade política perante os Órgãos do Meio Ambiente e outros; maior
possibilidade de compra de excessos de resseguro pelo pool; uniformização de estatísticas, disposições tarifárias,
clausulados etc; minimização dos custos operacionais e administrativos na subscrição de riscos. (POLIDO,
Walter. Seguro para Riscos Ambientais. São Paulo: RT, 2005, pp. 571/572).
89
Dois são os possíveis acordos a serem celebrados entre os resseguradores
168
: os
horizontais e os verticais. Nos acordos horizontais, também conhecidos como co-
resseguro
169
ou pools de resseguradores, dois ou mais resseguradores se unem com o
propósito de, em conjunto, subscreverem determinado risco elevado que, isoladamente,
cada ressegurador não teria condições de subscrever.
Nos acordos verticais, as combinações são realizadas entre resseguradores e
seguradores, também visando o aumento da capacidade de subscrição.
O exame da finalidade desejada por cada acordo que venha a ser celebrado entre
os resseguradores determinará a sua licitude ou ilicitude. Cumpre frisar que ao se
unirem, sejam dois ou mais resseguradores ou resseguradores e seguradores, o produto
dessa oferta em conjunto provavelmente se traduzirá no oferecimento de garantias em
melhores condições, o que, em princípio, afigura-se positivo para os seguradores e para
os próprios segurados.
Convém ressaltar, todavia, que a concentração dessas empresas, dando origem à
formação de um poderoso grupo ressegurador, poderá resultar no exercício de posição
dominante sobre este mercado, representando, desta maneira, restrições à livre
concorrência
170
.
Rafael Brum Miron
171
, mencionando a regra da razão - rule of reason, inerente ao
antitruste nos EUA, o sistema de isenções, inerente ao antitruste no âmbito da
Comunidade Européia e o art. 54 da Lei 8.884/94, posiciona-se da mesma maneira que
Paula Forgioni.
168
O Regulamento nº. 358/03, da União Européia, disciplinou quais acordos entre resseguradores poderiam ser
admitidos.
169
A estrutura do co-resseguro assemelha-se bastante à estrutura do co-seguro, no qual, em linhas gerais, diversos
seguradores se reúnem para que, em conjunto, possam subscrever grandes riscos, sendo nomeado um segurador –
o chamado líder – cuja responsabilidade será administrar essa contratação – art. 761, Código Civil. Ricardo
Bechara dos Santos assim define o co-seguro: “Assim como o resseguro, o co-seguro é meio de pulverização dos
riscos a que as seguradoras estejam vinculadas, eis que, não dispondo de capacidade técnica suficiente para
assumir os riscos que lhe são postos, utilizam-se de tais mecanismos de aplicação universal para a sua
distribuição, por isso são como que seguros múltiplos. (...) o denominado co-seguro puro, que se dá com o efetivo
conhecimento do segurado, no qual um dos seguradores emite uma só apólice, em geral a líder e, logicamente,
indica a participação de cada um dos co-seguradores. É a este co-seguro puro que parece referir-se o artigo em
comento. A seguradora líder, nesse caso, segundo o Código, administrará o contrato, representará os demais co-
seguradores no processo judicial ou administrativo.” (SANTOS, Ricardo Bechara dos. Direito de Seguro no
Novo Código Civil e Legislação Própria. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 52/53).
170
RIBEIRO, Amadeu Carvalhes. Ob. cit., p. 182.
171
MIRON, Rafael Brum. O Direito da Concorrência como Instrumento de Defesa do Consumidor. In: Lei
Antitruste. 10 Anos de Combate ao Abuso de Poder Econômico. Coord. João Carlos de Carvalho Rocha et.
alli. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, pp. 226/229.
90
A concentração empresarial, via de regra, causa prejuízos aos consumidores.
Na medida em que acarreta a saída de um ou mais agentes econômicos do
mercado, reduz as possibilidades de escolha aos consumidores, além de
facilitar a cartelização e a busca de condutas uniformes pelas demais
despesas.
Existem traços positivos, contudo, que não devem ser desprezados. A criação
do poder econômico privado acarreta maior capacidade de investir em
tecnologia, redução dos riscos decorrentes de flutuações conjunturais, maior
economicidade na produção e distribuição, entre outros fatores. Isso fez com
que inúmeras legislações desenvolvessem formas de admitir a concentração,
desde que respeitados alguns requisitos. Fala-se então em admissibilidade dos
atos que limitam a concorrência. A aceitação desses atos segue uma
característica fundamental da legislação antitruste, citada por Gérard Farjat,
cujo art. 1º condenaria os atos atentatórios à concorrência e o artigo
admitiria tais atos.
Em todo o mundo, muitos são os exemplos que seguem essa regra. Nos
Estados Unidos, desenvolveu-se a regra da razão, a qual considera como
ilícito apenas aquelas práticas que restrinjam a concorrência de forma não
razoável. Na Europa, criou-se o sistema de isenções, nos temos do § 3º do
artigo 85 do Tratado da Comunidade Européia. Por meio desse dispositivo,
prevê-se a legitimação dos atos apenas após a concessão de isenções, se elas
acarretarem a melhoria da produção ou distribuição de bens ou ainda o
progresso técnico ou científico.
No Brasil, a possibilidade de aceitação dos atos que “possam limitar ou de
qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de
mercados de bens e serviços” encontra regramento no artigo 54 e seguintes
da LA, competindo ao CADE, por meio de sua competência preventiva, a
autorização de tais atos, desde que atendam a determinadas condições
previstas em lei. Fazendo-se uma análise econômica da conduta, verifica-se a
ocorrência de mais benefícios ou prejuízos de sua aceitação. Sua eficácia
condiciona-se à aprovação, retroativa à data da efetivação, existindo
verdadeira condição resolutiva no ato. Diversos requisitos devem ser
considerados, em especial para o consumidor, os relativos à geração de
eficiência e à distribuição eqüitativa dos benefícios. Além desses requisitos,
dispostos no § 1º do art. 54 da LA, também o § 2º do mesmo artigo merece
análise, posto que objetiva diretamente evitar prejuízos ao consumidor.
Nesse sentido, analisando casuisticamente os acordos que serão entabulados entre
resseguradores entre si, bem como entre resseguradores e seguradores, é que a regulação
deverá definir quais serão passíveis de reprimenda legal, por sua ilicitude e quais serão
permitidos, já que benéficos ao mercado. Indo ao encontro do raciocínio antes
sustentado por Paula Forgioni, caso os benefícios decorrentes da eventual conduta
lesiva à concorrência sejam, comparados aos prejuízos, positivos para o mercado
ressegurador como um todo, isto é, levando em consideração os seguradores e os
próprios segurados, deve-se entender pela licitude da mesma.
Com relação à competência para que sejam apuradas as condutas atentatórias à
livre concorrência, assim como se processa no âmbito do sistema financeiro nacional,
em que esta é exercida pelo Banco Central do Brasil, por força do que dispõe o art. 18, §
91
2º da Lei nº. 4.595, de 1964, cujo dispositivo preconiza que o BACEN “no exercício da
fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições
financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena nos termos desta lei”,
raciocina-se que em matéria de resseguro a competência deverá ser exercida pelo órgão
responsável pela sua regulação, possivelmente a Superintendência de Seguros Privados
– SUSEP ou agência reguladora independente que venha a ser criada com este
propósito.
Quanto aos eventuais conflitos de competência surgidos entre o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE e o órgão regulador do mercado de
resseguros, convém observar as palavras de Paula Forgioni e de Eros Roberto Grau
172
,
tomando como base o sistema financeiro nacional e o eventual conflito de competência
existente entre o CADE e o Banco Central do Brasil - BACEN:
O setor financeiro é dotado de especificidades que devem necessariamente
ser consideradas na definição da política de concorrência para esse segmento;
a moldura dessa política está contida na Lei n. 4595, de 1964, que atribui
várias competências ao BACEN, entre elas a de regular “as condições de
concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a
aplicação da pena nos termos desta lei”, bem como analisar atos envolvendo
concentração de instituições financeiras. Não é adequado falar-se em
“competências concorrentes” entre o CADE e o BACEN para apreciação e
aprovação das operações de alienação de controle acionário de instituições
financeiras, porque a lei específica (Lei 4.595, de 1964) prevalece sobre a lei
geral (Lei nº. 8.884, de 1994). O posicionamento do CADE é desprovido de
fundamento e afronta a Constituição do Brasil. É plenamente possível que um
texto normativo afaste a incidência da lei Antitruste sobre determinada
prática. Se assim não fosse, como dissemos, os sindicados estariam sujeitos a
penalidades impostas pelo CADE, porque impedem a concorrência entre os
empregados na negociação com seus patrões. Da mesma forma, é plenamente
possível que a competência para zelar pela concorrência em certo segmento
da economia seja atribuída, por lei, a outro ente que não ao CADE, e a
formatação desse modelo concorrencial siga os parâmetros de microssistema
destacado da Lei n. 8.884, de 1994 (no caso, aqueles indicados na Lei n.
4595, de 1964)
173
.
172
FORGIONI, Paula e GRAU, Eros. CADE V. BACEN: Conflitos de competência entre autarquias. In: Lei
Antitruste – 10 anos de combate ao abuso de poder econômico. Belo Horizonte: Del Rey. Coordenador: João
Carlos de Carvalho Rocha, pp. 115/116.
173
Na mesma linha, Paula A. Forgioni (ob. cit., pp. 162/164) afirma: “Embora não se trate propriamente de isenção
antitruste, mas do tratamento legal dispensado a “setores especiais”, vale mencionar os casos em que o sistema
atribui a competência para cuidar da competição em determinado setor da economia a órgão não integrante do
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. As relações do setor portuário são bom exemplo, assim como as
atividades das instituições financeiras. Não é facultado aos órgãos antitruste sobreporem-se ao ente competente,
por lei, para cuidar da concorrência em específico setor da economia. Se o próprio ordenamento atribui esse
poder a esses órgãos, às autoridades antitruste é defeso interferirem, extrapolando os limites legais de sua
atuação. Frise-se bem: compete exclusivamente à autoridade legalmente investida de poder cuidar da
concorrência no mercado específico”.
92
Por fim, quanto ao órgão investido da competência para regular o mercado
ressegurador, parece que este, em princípio, deveria ser a Superintendência de Seguros
Privados – SUSEP, cujas atribuições regulatórias do mercado segurador datam de sua
criação, ocorrida por intermédio do Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966.
Para que se possa formular conclusão como esta, torna-se necessário observar a
que órgão foi imbuída esta competência nos países visinhos ao Brasil, sejam estes
emergentes ou não. Na Argentina, por exemplo, a Superintendencia de Seguros de La
Nación concentra a regulação dos mercados segurador e ressegurador
174
, o mesmo se
passando com o Uruguai. Em diversos países integrantes da CE, a regulação do seguro e
do resseguro é realizada por entidades cujas funções são similares às exercidas pela
Superintendência de Seguros Privados - SUSEP
175
.
2.8 Os Benefícios Decorrentes da Abertura do Mercado Ressegurador Brasileiro:
Sedimentado o entendimento no sentido de que inexiste mais espaço à exploração
do resseguro em regime de monopólio, não resta dúvida de que a permanência desta
exploração monopolista traz malefícios para todos aqueles que atuam no mercado
segurador nacional, sejam segurados, sejam seguradores, sejam os próprios corretores
de seguros.
Amadeu Carvalhaes Ribeiro
176
, sintetizando, critica o monopólio do resseguro da
seguinte forma:
Atualmente o monopólio do IRB, ao invés de favorecer a atividade
seguradora, prejudica-a. Entre os efeitos adversos do monopólio estão a
redução da higidez do mercado, a limitação da capacidade técnica dos
seguradores diretos e a diminuição do grau de concorrência entre estes, que
por sua vez implica serviços mais caros e de pior qualidade aos
consumidores.
A Revista do IRB nº. 300, de dezembro de 2005, publicou entrevista com o seu à
época Presidente, Marcos Lisboa, na qual, em linhas gerais, sustentou-se que o fim do
174
Conforme informações disponíveis em <http://www.mecon.gov.ar/onp/html/proy2006/jurent/pdf/P06E603.pdf>,
acessado em 21.10.2006.
175
Exercem funções similares às exercidas pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP as seguintes
entidades: 1) Superintendencia de Valores y Seguros, no Chile; 2) Superintendencia Bancária, na Colômbia; 3)
Dirección General de Seguros, na Espanha; 4) State Insurance Regulators, nos Estados Unidos; 5) Instituto per
la Vigilanza sulle Assicurazioni Private e de Interesse Colletivo, na Itália; 6) Supervisor de Seguros de Portugal;
7) La Commission de Controle des Assurances, na França.
176
RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Ob. cit., p. 174.
93
monopólio trará amplos benefícios à economia nacional, notadamente decorrentes do
lançamento de novos produtos, isto é, fruto do surgimento de inovações.
Da sua entrevista, convém conferir os trechos a seguir:
O mercado de seguros e resseguros é um mercado que vem se desenvolvendo
enormemente nos últimos anos e a abertura trará, sem dúvida, mais
benefícios. A maior competição nesse mercado é fundamental para a sua
expansão. A abertura do mercado de resseguros no Brasil é uma perspectiva
extremamente saudável, sobretudo para o desenvolvimento do mercado de
seguros. A liberalização dos mercados permite uma relação mais íntima entre
seguradoras e resseguradoras e estimula o lançamento de novos produtos
177
.
Benefícios decorrentes da introdução de novos produtos – novas coberturas para o
mercado segurador nacional – estariam intrinsecamente relacionados ao novo regime de
exploração deste setor, já que sob a égide do regime monopolista o Brasil encontra-se
em posição bastante obsoleta em comparação com os países que dispõem de mercados
resseguradores competitivos.
Por mais que tenha havido esforço do IRB, no sentido de oferecer melhores
coberturas para o mercado segurador nacional, fato é que a exploração em regime de
monopólio inviabiliza o ingresso de inovações regularmente disponibilizadas por
resseguradores estrangeiros mundo afora. Na entrevista antes mencionada
178
, Marcos
Lisboa acentuou esta deficiência por parte da estatal:
No geral, é uma avaliação bastante positiva, mas há um ponto que aparece
com certa freqüência e que julgamos importante. Diz respeito à falta de
capacidade de inovação de produtos. O mercado quer novos produtos que o
IRB-Brasil Re não está com capacidade de entregar. E esta talvez seja a área
em que o mercado brasileiro de seguros pode ser mais beneficiado pelo
processo de abertura. A abertura favorece a inovação.
Observando a expressão “a abertura favorece a inovação”, utilizada no final da
transcrição acima, pode-se dizer que a aplicação da teoria da destruição criativa, de
Joseph Schumpeter, seria salutar para o resseguro no Brasil.
A destruição criativa é extremamente valorizada por Schumpeter, na medida em
que a sociedade evolui por seu intermédio. Neste exato sentido, confira-se o trecho
177
Revista do IRB. Entrevista Concedida por Marcos Lisboa. nº. 300, dezembro/2005, p. 9.
178
Idem, ob. cit., p. 10.
94
abaixo, extraído de artigo
179
originalmente publicado na Revista Businessweek, de Gary
S. Becker, prêmio nobel de Economia em 1992:
Ainda que a capacidade de empreender seja um conceito difícil de definir, os
economistas reconhecem sua importância desde a análise brilhante do
desenvolvimento econômico feita pelo grande economista austríaco Joseph
Schumpeter, na virada do século. Indivíduos com visão, dispostos a arriscar
seu próprio dinheiro e o de outros investidores em novos produtos, são o
motor que combina capital humano e físico, estimulando o crescimento
econômico e o progresso. Um ambiente que favorece empreendimentos de
sucesso tem como característica uma "destruição criativa" permanente, nos
termos do próprio Schumpeter. Novas empresas prosperam e ajudam a
economia em parte destruindo os mercados de concorrentes estabelecidos.
Entre os exemplos podemos citar a concorrência feita aos telefones
tradicionais pelo telefone celular, o corroído mercado dos pequenos varejistas
de frutas e verduras, dada a maior eficiência dos supermercados, e o declínio
acentuado do mercado de computadores da IBM após a introdução dos PC´s
de rede pela Sun Microsystems e outras empresas. Países que protegem os
mercados e rendas de empresas já existentes impedem a destruição criativa,
tão essencial ao progresso (...).
Raciocinando de maneira Schumpeteriana acerca da flexibilização do monopólio
exercido pelo IRB, nota-se um cenário em que novos resseguradores, estrangeiros ou
nacionais, distinguir-se-ão da estatal brasileira por meio do lançamento de novos
produtos em melhores condições, isto é, com garantias estendidas, prêmios mais
acessíveis e períodos mais curtos com vistas à regulação dos sinistros existentes.
A conseqüência oriunda da introdução das inovações ao mercado ressegurador
nacional será a obtenção de vantagens competitivas por parte dos novos resseguradores
que, possivelmente, destruirão construtivamente a posição privilegiada atualmente
ocupada com exclusividade pelo IRB - Brasil Re.
Ainda com relação às vantagens decorrentes da abertura, Renato Macedo
Buranello
180
afirma:
O principal aspecto que esse anteprojeto visa disciplinar é a abertura do
mercado de resseguros, uma vez que tais restrições vêm prejudicando a
concretização de investimentos que poderiam estar sendo realizados nesse
setor, motivo pelo qual propõe-se a sua revogação e a introdução do
regramento geral na atividade através de lei complementar. Nesse sentido, a
abertura do mercado de resseguro contribuirá de forma significativa para o
desenvolvimento do setor securitário local e, conseqüentemente, para o
desenvolvimento econômico e social brasileiro. Entendemos que a
possibilidade de instalação de novos resseguradores trará elementos
179
Disponível na Internet em <http://www.geocities.com/eureka/plaza/1713/desenv.htm>. Acessado em 20.12.2005.
180
BURANELLO, Renato Macedo. Ob. cit., pp. 49/50.
95
facilitadores para a ampliação da retenção nacional, o incremento da
capacidade de subscrição das seguradoras e o aperfeiçoamento dos agentes
econômicos envolvidos, ajudando, inclusive, a eliminar ineficiências hoje
existentes que são importantes entraves ao desenvolvimento do mercado
securitário nacional. A participação de novos agentes contribuirá para o
aperfeiçoamento institucional, das seguradoras e dos próprios resseguradores
locais, facilitando também a introdução de novos produtos. No mesmo
sentido, a proposição almeja também criar condições para o desenvolvimento
do mercado de resseguros nacional (...).
Assim sendo, constata-se que a abertura do resseguro nacional à livre
concorrência terá como conseqüência a introdução de diversas inovações, seja em
matéria de coberturas diferentes das atualmente oferecidas, em matéria de serviços mais
sofisticados inerentes à regulação de sinistros, elementos esses que, possivelmente,
motivarão uma redução tanto dos prêmios de seguro pagos pelos consumidores
(segurados), quanto dos prêmios de resseguro, pagos pelos seguradores.
A flexibilização do monopólio, no que concerne à globalização, favorecerá à
abertura do caminho para que haja uma maior integração dos mercados resseguradores
no âmbito do MERCOSUL. O mercado ressegurador argentino, por exemplo,
flexibilizou o seu monopólio desde o ano de 1992. Nesse exato sentido, convém
observar a posição de Eduardo R. Steinfeld
181
.
Hemos aludido a la actual libertad de contratación del reaseguro en nuestro
país, en tanto que en Brasil subsiste un instituto oficial, aunque integrado por
aseguradores privados, que detenta el monopolio del reaseguro. Esta es, pues,
una de las importantes asimetrías por encarar y tratar de solucionar en el
régimen del Mercosur
182
.
Outros benefícios também podem ser destacados, decorrentes do término do
monopólio. Neste novo cenário, haverá (i) liberdade para a negociação entre
seguradores nacionais e os resseguradores estrangeiros; (ii) impacto positivo do
resseguro no mercado segurador primário e, por certo, em toda a economia; (iii) oferta
mais ampla de produtos; (iv) diminuição dos preços dos prêmios praticados, fruto da
ampliação da concorrência; (v) fluxo de know-how (conhecimento), considerando que a
expertise dos resseguradores estrangeiros é consideravelmente superior à expertise
181
STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 186.
182
Em tradução livre do autor: “Temos mencionado a respeito da atual liberdade de contratação de resseguro no
nosso país, porém no Brasil ainda subsiste um instituto oficial, ao mesmo tempo composto por seguradores
privados, que detém o monopólio do resseguro. Este é, pois, uma das importantes assimetrias para enfrentar e
tratar de solucionar no regime do Mercosul”.
96
acumulada pelo corpo de técnicos do IRB-Brasil Re, seja pelo maior amadurecimento
dos resseguradores estrangeiros, seja até mesmo pelo tempo em que estes já vêm
exercendo as suas funções; (vi) com o mercado ressegurador aberto, raciocina-se no
sentido de que o Brasil, como um todo, tornar-se-á mais atrativo para o capital
estrangeiro, o que, na mesma direção, contribuiria para que seja melhorada a
classificação do risco do país.
Por esses motivos, nota-se que diversos serão os benefícios experimentados pela
economia nacional em razão da flexibilização do monopólio do resseguro. Desde 1988,
quando a livre concorrência foi erigida à condição de princípio da ordem econômica no
texto constitucional, passando por 1996, com a Emenda nº. 13, por 1999, com a Lei nº.
9.932, por 2003, com a Emenda nº. 40 e, por fim e mais recentemente, com o Projeto de
Lei Complementar nº. 249, de 2005, sancionado por José de Alencar, Presidente da
República em exercício em 15 de janeiro de 2007
183
, o país aguarda seja finalmente
eliminado o monopólio do resseguro exercido pela estatal brasileira, acontecimento este
que, com certeza, marcará uma nova etapa de desenvolvimento da economia nacional,
notadamente do mercado segurador e, por certo, do mercado ressegurador.
2.9 Conclusões Parciais
Demonstrou-se ao longo deste capítulo que o resseguro exerce atribuição
essencial para que o mercado segurador possa oferecer maiores e melhores garantias à
massa de segurados, sendo certo, também, que o seu oferecimento em regime de
monopólio não gera efeitos positivos nem sob a perspectiva da higidez econômico-
financeira, nem sob a perspectiva da livre iniciativa e da livre concorrência, muito
menos sob a perspectiva da cooperação, especialmente a horizontal, já que
absolutamente inexistente.
É com essas idéias que se conclui o presente capítulo, considerando estarem
reunidos os elementos necessários à transição do resseguro brasileiro do regime de
monopólio para o regime de livre concorrência.
183
Alencar sanciona abertura de resseguros. O vice-presidente José Alencar, em exercício da Presidência da
República, sanciona hoje a lei que abre o mercado de resseguros no Brasil. (Notícia disponível em
<http://www.informes.org.br/Informesfixo.htm#07>, acessado em 15.01.2007).
97
Ao órgão responsável pela regulação deste novo mercado, possivelmente a
Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, caberá tomar a devida atenção aos
padrões de higidez econômico-financeira dos resseguradores locais e daqueles
resseguradores que pretendam instalar-se no país, seja na qualidade de eventuais, seja na
qualidade de admitidos. Caberá atenção especial, também, à livre concorrência, de
maneira que esta efetivamente seja observada por aqueles que estiverem atuando no
mercado ressegurador nacional, tornando-se plenamente cabíveis as medidas que visem
sancionar as condutas anti-concorrenciais.
Por fim, importará observar, também, os acordos de cooperação que,
possivelmente, serão entabulados pelos resseguradores entre si e por estes com os
seguradores. Caso os benefícios decorrentes destes acordos, em cotejo com os prejuízos
decorrentes de eventual conduta anti-competitiva, sejam maiores, isto é, caso o
propósito seja lícito, consubstanciado na obtenção de garantias mais estendidas, não
deverá haver restrição alguma à sua consecução; por outro lado, caso os prejuízos
superem os benefícios, caberá ao seu órgão regulador tomar as medidas necessárias a
evitar práticas desta natureza e/ou sancioná-las.
CAPÍTULO 3
DADOS PROVENIENTES DOS MERCADOS RESSEGURADORES
ARGENTINO, DA COMUNIDADE EUROPÉIA E DOS ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA
3.1 Introdução
Considerando a recente flexibilização do monopólio do resseguro ocorrida no
Brasil, decorrente da sanção da Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007,
torna-se necessário trazer à colação elementos relacionados a alguns mercados
resseguradores que, há tempos, atuam sob o regime da livre-concorrência.
O primeiro mercado a ser examinado é o argentino que, em 1992, experimentou a
migração do regime monopolista estatal para o regime de livre concorrência. Os dados
colhidos durante a elaboração desta dissertação serão expostos com a finalidade de que
no Brasil, país igualmente integrante do MERCOSUL, não sejam cometidos os mesmos
equívocos que, reconhecidamente, foram cometidos no país vizinho, cujas
conseqüências foram o endividamento do ressegurador estatal – Instituto Nacional de
Reaseguros – IndeR, que culminaram com a sua extinção.
Adicionalmente, em razão de sua importância ante o oferecimento de coberturas
aos seguradores e resseguradores estabelecidos mundo afora, serão trazidos dados
relativos aos mercados resseguradores da Comunidade Européia e dos Estados Unidos
da América com os quais o Brasil, a partir do momento em que esteja, de fato, atuando
sob o regime da livre concorrência, relacionar-se-á diretamente, isto é, não mais sob a
intermediação do IRB-Brasil Resseguros S.A.
99
3.2 O Mercado de Resseguros na Argentina
Assim como o Brasil, a Argentina experimentou, ao longo dos anos 90, um
processo de modificação do papel do Estado. Diante da grave crise econômica em que
se encontrava mergulhada a economia, com altos índices inflacionários, o Governo de
Carlos Menem viu-se obrigado a tomar as medidas necessárias à redução da carga
inflacionária, visando equilibrar as finanças do Estado. Para isso, diversas estatais foram
privatizadas, havendo, também, sérios problemas com o câmbio, já que no Governo
anterior (Alfonsin) a paridade do peso e do dólar norte-americano havia onerado
gravemente as reservas do país
184
.
O ressegurador estatal monopolista argentino – Instituto Nacional de Reaseguros -
INdeR, assim como diversas outras empresas estatais, comprometeu-se com elevadas
dívidas, o que acabou culminando com o fim do regime de monopólio e, além disso, sua
liquidação pelo Governo argentino, consoante será comentado a seguir.
Nessa linha de idéias, considerando as semelhanças existentes entre as economias
argentina e brasileira, ambas marcadas pela trans
ição do regime ditatorial para o regime democrático ao longo do século XX, pela
conseqüente modificação das funções exercidas pelo Estado
185
, entende-se conveniente o
184
O Governo de Carlos Saúl Menem (1989-1999). Menem governou a Argentina entre 1989 e 1999. Seu primeiro
mandato começou em 1989, após vencer seu concorrente da União Cívica Radical por 15 pontos percentuais.
Recebeu o governo em 8 de julho de 1989, com o país mergulhado no caos econômico e inflacionário iniciado no
governo de Alfonsín. Durante seu primeiro mandato, Menem se concentrou em estabilizar a situação inflacionária
do país. Para tanto, sancionou a Lei de Convertibilidade, impulsionada pelo seu ministro da economia Domingo
Cavallo, que tinha o objetivo de equilibrar a equivalência entre o dólar e o peso argentino. Além disso, privatizou
inúmeras empresas, abriu o mercado e firmou o Tratado de Assunção, que deu origem ao Mercosul, na intenção
de formar um forte bloco econômico sul-americano e estabelecer um mercado comum entre seus membros. Com
a reforma constitucional de 1994, Menem se lançou à reeleição em 1995, vencendo seu opositor - José Octavio
Bordón, da FREPASO - com 20 pontos percentuais de diferença. O segundo mandato de Menem esteve
caracterizado pelo aumento dos indicadores negativos, como o desemprego, a pobreza e o trabalho sem registro.
Além disso a dívida externa aumentou em quase 82 bilhões de dólares. Estes problemas continuaram crescendo até a
queda do sucessor de Menem, Fernando de la Rúa, em 2001. (Informações disponíveis em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Argentina#Processo_de_Reorganiza.C3.A7.C3.A3o_Nacional_.2
81976-1983.29 >, acessado em 3.2.2007).
185
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo da Economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pp.
142/143, comenta a respeito das modificações do papel do Estado ocorridas em diversos países – Espanha,
Inglaterra, França, Portugal, Coréia, Japão, Malásia, Tailândia, Filipinas e Hungria – sendo certo cada um desses
países apresenta os motivos que influenciaram as modificações. “Na Espanha, por exemplo, a privatização foi
fundada numa questão pragmática, que era a busca de uma maior eficiência no desempenho das empresas. (...) Já
na Inglaterra, a privatização foi uma opção mais filosófica, consistente em definir que não cabe ao Estado
produzir riqueza, gerar lucros e exercer atividades econômicas. Este papel deveria caber à iniciativa privada, que
o faria com maior eficiência. Ao Estado cumpre zelar pelo bem-estar social dentro de um regime de liberdade ao
particular. (...) O processo francês de privatização teve como uma de suas grandes preocupações democratizar o
patrimônio público constituído pelas estatais, através de um sistema de venda pulverizada das suas ações,
permitindo ao pequeno poupador particular influir na condução dos negócios do país. (...) Tinha-se em mente,
também, dar vida ao setor privado como força motriz do crescimento econômico, retirando o Estado do setor
100
estudo da experiência argentina, notadamente no que se refere à evolução do seu
ressegurador estatal e ao regime de monopólio, haja vista as mudanças que se anunciam
para o resseguro no Brasil, sobretudo a partir da sanção da Lei Complementar nº. 126,
de 15 de janeiro de 2007.
3.2.1 Breve Panorama
186
O marco inicial da história do resseguro na Argentina data do ano de 1947,
quando Juan Domingo Perón instituiu o Instituto Mixto de Reaseguros – IMAR, cuja
composição era igualmente dividida em duas partes, uma de titularidade do Governo, a
outra de titularidade das seguradoras argentinas privadas. Eduardo R. Steinfeld
187
comenta que a forma utilizada para a constituição do IMAR atenuou o impacto
decorrente da sua implementação, na medida em que foi outorgado aos seguradores
privados o direito de participar de sua composição. Tempos depois, com a eliminação
do IMAR e sua substituição pelo Instituto Nacional de Reaseguros – INdeR, a
participação dos seguradores privados foi extirpada.
Las corrientes estatisticas en el seguro tuvieron su primera expresión en el
reaseguro, con un ente de carácter monopólico. Su forma algo atenuada
consistió en una empresa mixta constituida en 1948, el IMAR, en la cual la
presencia de aseguradores privados locales (algunos de los cuales lo
auspiciaron) no permitió al principio comprender que el camino elegido (el
monopolio) sería nefasto al cabo del tiempo, tal como se encaminó en 1953
industrial competitivo. Em Portugal, a necessidade de privatização foi o financiamento do setor público e o
emprego de recursos para sanar outras empresas públicas não privatizáveis, isto aliado a uma preparação, em
termos de eficiência empresarial, para ingresso na Comunidade Econômica Européia. Na República da Coréia, a
privatização foi utilizada como um mecanismo para melhorar a eficiência das empresas públicas, ao lado de um
fortalecimento da autonomia gerencial. (...) No Japão, a inflação que assolou o país em virtude da 2ª Guerra
Mundial (que gerou grandes despesas militares) e, depois, a Crise do Petróleo de 1973 (que elevou o custo de
vida), resultaram na necessidade de redução de despesas financeiras do Governo, obtida através da privatização.
Na Malásia, deixou-se de lado o entendimento (também reinante no Brasil dos anos 60) de que o papel crescente
do Estado era uma resposta ao desenvolvimento econômico. A privatização foi utilizada como um meio de
fortalecer o debilitado e quase inexistente setor privado, bem como para reduzir o desperdício e a inadequação
dos setor público. O Plano de Desenvolvimento Econômico Tailandês foi calcado, basicamente, nos
investimentos do setor privado e na presença do capital estrangeiro. Nas Filipinas, o programa de privatização
que está sendo desenvolvido tem em vista obter uma fonte de dinheiro novo, capaz de financiar outros projetos e
empreendimentos governamentais. Na Hungria, o objetivo da privatização foi descentralizar a econômica,
retornando aos parâmetros traçados pelo mercado. Diante disso, as empresas estatais deixaram de ser
subordinadas ao Governo, deslocando-se da hierarquia estatal para tornarem-se autocontroladas, permitindo-se,
até mesmo, a alienação de seus ativos”.
186
Informações colhidas em artigo denominado ‘Argentina reforms reinsurance market’, por Jack. R. Perez.
disponível na Internet em <www.amazon.com/exec/obidos/tg/stores/detail/-/ebooks/B000091WP8U/reviews/...>,
acessado em 22.02.2006.
187
STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., pp. 206/207.
101
con su reemplazo por una empresa del Estado, el INdeR, que excluyó a los
aseguradores privados
188
.
O principal objetivo colimado pelo Instituto Mixto de Reaseguros era exercer o
controle do resseguro na Argentina por intermédio da exploração em regime
monopolista, o que importava em ficar à frente de todos os negócios realizados naquele
país.
Em 1953, por força do que dispôs a Lei nº. 14.153, o Instituto Mixto de
Reaseguros – IMAR foi substituído pelo Instituto Nacional de Reaseguros – INdeR,
cujo capital era integralmente de titularidade do Governo, isto é, os seguradores
privados foram retirados de sua composição. O novo Instituto foi criado pelo Decreto
nº. 10.073, de 1953.
Particularmente, no que se refere à gradual saída dos seguradores privados da
composição do IMAR, Steinfeld
189
afirma que este movimento decorreu do preço a ser
pago como forma de evitar a estatização integral do seguro na Argentina, dado ao
maciço intervencionismo estatal que prevalecia à época.
Por determinação legal, competia ao INdeR exercer o monopólio do resseguro. A
partir desse momento, a contratação deste negócio passou a ser realizada de duas
maneiras diferentes, dependendo da nacionalidade do segurador cedente. Fosse um
segurador nacional, seria compulsória a cessão de todos os excedentes ao INdeR, ao
passo que se o segurador fosse estrangeiro, possibilitava-se o repasse de parte do risco a
ser cedido via contrato de resseguro a resseguradores estrangeiros, estabelecidos fora da
Argentina.
Em 1989, a Resolução nº. 412, baixada pelo Ministério da Fazenda da Argentina,
ratificou a exigência de que os seguradores estrangeiros deveriam ceder pelo menos
30% dos seus excedentes ao INdeR, sendo certo que, com relação aos 70% restantes, as
determinações do monopolista argentino também deveriam ser obedecidas.
188
Em tradução livre do autor: “As correntes estatísticas no seguro tiveram sua primeira expressão no resseguro com
um ente de caráter monopólico. Sua formação foi, de certa maneira, atenuada, consistindo em uma empresa mista
constituída em 1948, o IMAR, no qual a presença de seguradores privados locais (alguns dos quais o formaram)
não permitiu, em princípio, compreender que o caminho escolhido (o monopólio) seria nefasto com o passar do
tempo, tal como ocorreu em 1953 com sua substituição por uma empresa estatal, o INdeR, que excluiu os
seguradores privados”.
189
STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 207.
102
Segundo Isaac Halperin
190
, os fins perseguidos pelo Instituto Nacional de
Reaseguros foram os seguintes:
Fines perseguidos con INDER – Los fines perseguidos con este monopolio
son:
a) crear un mercado asegurador argentino;
b) eliminar la importación del servicio de reaseguro, con la conseguiente
pérdida de divisas. La importación por el reaseguro del INDER en el exterior,
se compensa con la exportación por él con la aceptación de reaseguros del
exterior;
c) mejor control de la conducta mercantil de los aseguradores, por el examen
que resulta de lãs liquidaciones de siniestros
191
.
Na ótica de Halperin, a criação do INdeR traduzia, inicialmente, a necessidade de
que fosse amadurecido o mercado segurador argentino, ainda excessivamente
dependente dos resseguradores estrangeiros. Essa necessidade, em caráter exagerado,
importava na evasão de divisas ao exterior, já que os prêmios de resseguro eram todos
pagos aos resseguradores estrangeiros. No que se refere à regulação dos sinistros,
entendeu-se, também, que esta seria melhorada caso fosse realizada em território
argentino, por meio do órgão então criado com esta finalidade.
Steinfeld
192
comenta que, em princípio, o próprio Governo argentino divulgava os
benefícios decorrentes da instituição do monopólio estatal do resseguro.
Desde luego que las razones invocadas para el monopolio resultaron a
primeira vista positivas: economía de divisas (que siempre son escasas) al
evitar su drenaje por la toma de reaseguros en el exterior (aunque no se
consideró, según parece, que el reaseguro externo procede, inversamente,
ingreso de divisas por su contribución a los siniestros que afrontan las
reaseguradas). La concentración de reaseguros en el país debía provocar el
vuelco de excedentes de retención del reaseguros único, via retrocesiones, a
alimentar y ¿fortalecer? a los aseguradores locales, favorecíendo así el
desarollo y el crecimiento del seguro nativo. Obviamente, este esquema
concordaba con la política de economía cerrada y nacionalista que por largos
años rigió en el país. Parecía que este monopolio armonizaba con la
prohibición de asegurar directamente los riesgos locales en el exterior, que
dispuso esa misma ley 12.988, quizá su único aspecto positivo. Pero no deve
190
HALPERIN, Isaac. Leciones de Seguros. Buenos Aires: Depalma, 1997, p. 120.
191
Em tradução livre do autor: “Objetivos perseguidos pelo INDER – As finalidades perseguidas com este
monopólio são: a) criar um mercado segurador argentino; b) eliminar a importação do serviço de resseguro, com
a conseqüente perda de divizas. A importância do resseguro pelo INDER do exterior se compensa com a
exportação pelo mesmo realizada com a aceitação de resseguros do exterior; c) melhor controle da conduta
mercantil dos seguradores, ante o exame das liquidações dos sinistros”.
192
STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 207.
103
identificarse una política de fomento del seguro local con el cierre del
mercado reasegurador que el monopolio impuso
193
.
Portanto, nota-se que com espírito nacionalista, com a expectativa de que o
monopólio seria benéfico para a economia argentina de maneira geral e,
particularmente, para o amadurecimento do seu mercado segurador, é que foi idealizada
e positivada a implementação do Instituto Nacional de Reaseguros – INdeR.
3.2.2 A Atuação do INdeR
Com o passar dos anos, ao invés de se identificar o crescimento e o
amadurecimento do mercado segurador argentino, percebia-se que a atuação do INdeR
não caminhava nesse sentido, A política de aceitação obrigatória de riscos,
independentemente das circunstâncias, causava sérios problemas ao mercado segurador
que, após esgotada a capacidade de retenção do Instituto, acabava recebendo, via
retrocessão, aqueles riscos ruins que, a toda evidência, não deveriam ter sido subscritos.
A atuação do ressegurador estatal, segundo as impressões de Isaac Halperin, não
havia permitido o fortalecimento das seguradoras argentinas, assim como não foi
determinante para o acúmulo considerável de divisas, exercendo, ao contrário, uma
perniciosa influência no mercado, em razão da aceitação de riscos sem seleção prévia.
Halperin acrescentou que o INdeR causou deformações ao mercado segurador
argentino, tornando difícil a sua recuperação
194
.
Em razão do monopólio e do conseqüente resseguro obrigatório, isto é, garantias
compulsórias, não importando a natureza dos riscos que seriam subscritos pelo
ressegurador, surgiram na Argentina, no período compreendido entre os anos de 1958 e
1961 mais de cem novos seguradores, cuja expertise técnica era questionável. O
193
Em tradução livre do autor: “Inicialmente, as razões invocadas para o monopólio apresentavam-se positivas:
economia de divisas (que sempre são escassas) ao evitar sua evasão ante à realização do resseguro no exterior
(devendo se considerar, ainda, que o resseguro externo procede, inversamente, o ingresso de divisas por sua
contribuição aos sinistros que afrontam as resseguradas). A concentração de resseguros no país deveria provocar
o retorno dos excedentes de retenção do ressegurador único, por intermédio de retrocessões, o que alimentaria e
fortaleceria os seguradores locais, favorecendo o desenvolvimento e crescimento do seguro local. Obviamente,
este esquema se alinhava com a política de economia fechada e nacionalista que por muitos anos caracterizou o
país. Parecia que o monopólio se harmonizava com a proibição de assegurar diretamente os riscos locais no
exterior, o que era disposto nessa mesma lei 12.988, quiçá seu único aspecto positivo. Mas, não se deve
identificar uma política de fomento do seguro local com um mercado ressegurador que o monopólio impôs”.
194
HALPERIN, Isaac. Apud STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 211.
104
mercado, em razão da característica ora comentada, viveu um excesso de oferta,
absolutamente vinculada à garantia obrigatória concedida pelo INdeR.
A economia argentina, como um todo, particularmente na década de 1980,
apresentou um cenário de inflação alta, recessão e desemprego, ao passo que ano após
ano as conseqüências decorrentes da exploração do resseguro em regime de monopólio
se agravavam, sobretudo em virtude do endividamento do INdeR.
O à época Presidente da Argentina, Carlos Menem, enfrentou sérias dificuldades
decorrentes das dívidas contraídas pelo INdeR. Estima-se que estas gravitavam em
torno de 200 a 400 milhões de dólares norte-americanos, não havendo como precisar o
montante do débito em virtude da estatal ter apresentado a sua documentação contábil
pela última vez no ano de 1986
195
.
Tornando-se insustentável a situação, o Decreto nº. 171, de 21 de janeiro de 1992,
determinou a liquidação do Instituto Nacional de Reaseguros – INdeR, eliminando, em
definitivo, o monopólio estatal sobre o resseguro na Argentina, tendo sido transferidas
as suas atribuições regulatórias à Superintendencia de Seguros de la Nación - SSN
196
.
Àqueles seguradores que se instalaram no mercado segurador argentino valendo-
se das garantias oferecidas pelo ressegurador monopolista, restaram as dificuldades e as
indagações concernentes a como se daria o prosseguimento de suas funções num
mercado em que, legalmente, não mais existiria a exploração em regime de monopólio.
Eduardo R. Steinfeld
197
, a este propósito, afirma:
Esta degradación técnica y la falta del ejercicio de desenvolverse en el âmbito
natural de la libertad contractual convencional impulso en algunos casos,
cuando se cayó el monopolio en marzo de 1992, que alguns aseguradores, los
sanos y correctos pero nacidos (o desarollados) en las décadas del monopolio,
me expressaran en sus consultas la preocupación que lês producía tener que
195
PEREZ, Jack. R. Ob. cit., p. 5. STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 215: “En los tres ejercicios precedentes al
decreto de su disolución a comienzos de 1992, el INdeR no presentó balances, al mismo tiempo que algunos de
los interventores designados por el Ministerio de Economía y la Sindicatura de Empresas Públicas informaran
sobre su irreversible proceso de insolvencia, desencadenado en los años anteriores”. Em tradução livre do autor:
“Nos três exercícios que precederam o decreto de sua liquidação, no início de 1992, o INdeR não apresentou
balancetes, ao mesmo tempo em que alguns dos interventores designados pelo Ministério da Economia e a
Sindicância de Empresas Públicas informaram sobre a irreversibilidade do seu processo de insolvência,
desencadeado nos anos anteriores”.
196
A transferência de atribuições regulatórias do INdeR para a Superintendencia de Seguros de la Nación – SSN
encontra um paralelo, no Brasil, com o que foi desenhado pela Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1999,
notadamente destinada a cuidar da transferência das atribuições regulatórias do IRB para a Superintendência de
Seguros Privados – SUSEP. A Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 20067, por sua vez, não fez
menção à SUSEP como destinatária das atribuições regulatórias do IRB. Neste, apenas há menção à expressão
“órgão regulador de seguros” em seu artigo 2º.
197
STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 214.
105
actuar en un nuevo âmbito de libertad de reaseguro que desconocían y con
reaseguradores externos más rigurosos
198
.
Os elementos ora apresentados, relativos ao resseguro na Argentina,
demonstraram que a eliminação do monopólio estatal decorreu de um quadro
insustentável de endividamento por parte do INdeR, aliado à dependência crescente por
parte dos seguradores cedentes que ficavam absolutamente vinculados às garantias
obrigatórias disponibilizadas pelo ressegurador estatal.
Nessa linha de idéias, a migração do regime monopolista para o regime de livre
concorrência foi realizada de maneira abrupta, como forma de evitar ainda maiores
perdas seja para o próprio Governo argentino, já que a empresa estatal encontrava-se em
situação delicadíssima, seja para os seguradores que, ante à compulsoriedade, traduzida
pelas coberturas obrigatórias oferecidas pelo ressegurador estatal, acostumaram-se ao
oferecimento de condições utópicas para a contratação de resseguro, que jamais seriam
oferecidas em condições habituais, características ao regime de livre concorrência e
livre iniciativa.
Neste particular, convém comentar que recursos públicos que poderiam ter sido
destinados a necessidades básicas da população – assistência à saúde, segurança
pública, saneamento básico e educação – acabaram destinados à cobertura de
deficiências motivadas por um regime de exploração do resseguro – espécie de
atividade econômica – cujo desenvolvimento deveria ter sido reservado à iniciativa
privada.
Os elementos ora apresentados revelam que a exploração monopolista foi
duplamente ruim, seja para o próprio Estado que, ao invés de auferir resultados
positivos, endividou-se, seja para o mercado segurador – seguradoras, segurados
(empresariado, pessoas físicas) e corretores de seguros, cujas expectativas de que
houvesse o seu amadurecimento e fortalecimento foram absolutamente contrariadas.
3.2.3 A Exploração do Resseguro em Regime de Livre Concorrência
198
Em tradução livre do autor: “Esta degradação técnica e a falta de exercício para desenvolver-se naturalmente, no
âmbito da liberdade contratual convencional impulsionou em alguns casos, quando foi extinto o monopólio em
Março de 1992, que alguns seguradores, sãos e corretos, porém nascidos ou desenvolvidos durante as décadas do
monopólio, me expressaram em suas consultas a preocupação que lhes ocorria por terem que atuar num novo
âmbito de liberdade quanto ao resseguro, que lhes era desconhecido, e com resseguradores externos mais
rigorosos”.
106
Após a promulgação do Decreto nº. 171, em janeiro de 1992, tornou-se livre a
contratação de resseguro no exterior. A título ilustrativo, convém esclarecer que a Lei
16.426, de outubro de 1993, tratou da flexibilização do monopólio do resseguro até
então exercido no Uruguai pelo Banco de Seguros Del Estado. Por meio deste Diploma
Legal, foi criada a Superintendencia de Seguros y Reaseguros¸ à qual foram transferidas
as atribuições fiscalizatórias até então exercidas pelo Banco de Seguros Del Estado.
Andréa Signorino Barbat
199
, explica os passos necessários à instalação de
resseguradores estrangeiros no Uruguai:
En relación a la actividad reaseguradora, ya hemos destacado que la Ley
16.426, establece los requisitos que deben cumplir las compañías
reaseguradoras para instalarse como tales en el territorio nacional,
equiparando su situacinón a la de las empresas aseguradoras que soliciten
operar en el país, tal como hemos visto al detallar el procedimiento de
autorización y habilitación para operar. Es así que el artículo 2º de la Ley, se
exige la autorización del Poder Ejecutivo y en su artículo 7º , la habilitación
de la Superintendencia de Seguros y Reaseguros, que tiene potestades de
supervisión y fiscalización también sobre las empresas reaseguradoras
200
.
Retomando a atenção ao reseguro na Argentina, com o esvaziamento completo
das atribuições exercidas pelo INdeR, seja no que se refere à contratação de resseguro,
seja no que se refere à elaboração de atos normativos a isto relacionados, a competência
para normatização passou a ser de titularidade da Superintendencia de Seguros de la
Nación – SSN.
Convém registrar, por oportuno, que durante o período em que o INdeR foi se
endividando, agravando a sua própria situação e a situação do mercado segurador, a
referida autarquia – SSN – omitiu-se em seu papel de controlar a ruína que se
anunciava.
Eduardo R. Steinfeld
201
critica, pontualmente, a omissão da SSN:
199
BARBAT, Andrea Signorino. Regulación jurídica actual de la actividad aseguradora y reaseguradora en el
Uruguay. Revista de la Facultad de Derecho, nº 14, p. 77. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria,
1998.
200
Em tradução livre do autor: “Em relação à atividade resseguradora, já destacamos que a Lei 16.426 estabelece os
requisitos que devem cumprir as companhias resseguradoras para se instalarem como tais no território nacional,
equiparando a sua situação a das empresas seguradoras que solicitem operar no país, assim como vimos ao
detalhar o procedimento de autorização e habilitação para operar. É assim que o artigo 2º da Lei, exige-se a
autorização do Poder Executivo e em seu artigo 7º, a habilitação da Superintendência de Seguros e Resseguros,
que têm poderes de supervisão e fiscalização também sobre as empresas resseguradoras”.
201
STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., pp. 215/216.
107
En virtud del artículo 1º de la ley 20.091, el INdeR, aún como reasegurador
único del mercado, se hallaba sometido al control de la Superintendencia de
Seguros de la Nación. Si hubiera sido una instituición privada, dadas las
circunstancias indicadas, la Superintendencia debió haberle suspendido la
autorización para operar y disponer su liquidación de acuerdo con su ley.
Tratándose en el caso de una empresa estatal, esto último debió requerírselo
al Poder Ejecutivo Nacional. Nada de eso hizo la Superintendencia de
Seguros; asistió silenciosamente a una insolvencia que estaba afectando
gravemente la economía de todas las empresas aseguradoras locales
dependientes de esse reaseguro y cuya solvencia debía custodiar el
Superintendente
202
.
Portanto, com a devida parcela de responsabilidade em razão de sua omissão
203
, o
INdeR sucumbiu e entrou em regime de liquidação à conta do Estado, marcando o
início de uma nova fase para o resseguro na Argentina, à qual seria característica a livre
concorrência.
David Andrés Halperin
204
, em estudo exclusivamente dedicado à responsabilidade
da SSN em virtude de sua omissão fiscalizatória, critica com rigor a conduta passiva da
mesma, acrescentando que, caso sejam comprovados prejuízos decorrentes desta
conduta omissiva, isto é, o nexo causal entre os prejuízos reclamados e a omissão
constatada, surgirá o dever indenizatório por parte do Estado:
8. Responsabilidad por omisión en la actividad de contralor de la
Superintendencia de Seguros de La Nación. Ya destacamos que las
atribuiciones otorgadas por la ley 20.091 a la Superintendencia de Seguros de
la Nación constituyen una manifestación de la actividad de policía de la
Administración. También, que el ejercicio de la competência atribuída a ella
constituye una obligación del órgano. Y se acentua ésta, teniendo en cuenta la
especialidad técnica del mismo, a la luz de la normativa aplicable, que así lo
202
Em tradução livre do autor: “Em virtude do artigo 1º da Lei 20.091, o INdeR, como ressegurador único do
mercado, achava-se submetido ao controle da Superintendência de Seguros da Nação. Caso fosse uma instituição
privada, dadas as circunstâncias indicadas a Superintendência deveria ter suspendido a autorização para sua
operação e ter determinado a sua liquidação de acordo com a Lei. Tratando-se, no caso, de uma empresa estatal,
esta última deveria ter requerido a suspensão de suas atividades ao Poder Executivo. Nada disto foi feito pela
Superintendência de Seguros, que assistiu silenciosamente a uma insolvência que estava afetando gravemente a
economia de todas as empresas seguradoras locais, dependentes deste resseguro e cuja solvência deveria cuidar a
Superintendência”.
203
WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade Civil das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005, pp. 119 e ss., sustenta a possibilidade de que haja responsabilização das agências reguladoras por
conduta omissiva, no que pertine ao seu dever fiscalizatório. “Ao se cogitar da possibilidade de responsabilização
civil da Agência Reguladora por ausência de fiscalização, não se pode deixar de concordar com ALBERTO B.
BIANCHI quando assevera que “Entramos aqui en el punto más específico de la responsabilidad de los entes
reguladores, pues atañe a su propria finalidad como tales, a las razones de su creación”. O jurista argentino
citado afirma ainda que “La misión de los entes, en síntesis, es vigilar que el servicio o la actividad a cargo de
sus regulados sea prestada en las condiciones que fijan las normas contractuales, reglamentarias y legales
aplicadas”. MARÇAL JUSTEN FILHO também conclui que a fiscalização relaciona-se com o poder-dever do
Estado de acompanhar a atuação dos concessionários, não apenas com a continuidade e eficiência dos serviços,
mas também se orienta a assegurar a solvência e idoneidade do concessionário, destacando que para o usuário o
concessionário atua como se fosse o próprio Estado”.
204
HALPERIN, David Andrés. Estúdios de Derecho Público Del Seguro. Buenos Aires: Depalma, 2000, p. 121.
108
exige. Por esto, la omisión en el ejercicio de la actividad de polícia por parte
de la autoridad de control, causante de un perjuicio a un particular, genera
responsabilidad del Estado
205
.
Com relação às atribuições regulatórias assumidas pela Superintendencia de
Seguros de la Nación – SSN, destaca-se, por sua relevância, sobretudo considerando a
atividade econômica a regular, qual seja, o resseguro, o controle a ser exercido sobre a
higidez econômico-financeira dos resseguradores.
Orlando Hugo Alfano
206
destaca essa característica:
A propósito de salvaguardar esas bases técnicas aplicadas a grandes masas de
riesgos que el asegurador no puede retener por la relatividad de su capacidad
economica, resulta indispensable proceder a la homogeneización de aquellos
mediante el reaseguro, lo cual conlleva a la protección internacional de la
institución.
Dado la trascendencia e importancia que reviste tal cometido para las
economías locales e la necesidad de proteger a los asegurados por la
compleja naturaleza del instituto, se impone reglamentar adecuadamente esa
actividad, ejerciendo el Estado un estricto control de sua exploración, al igual
do lo que ocurre por análogas razones respecto de otras actividades, tales la
bancaria y las que desarrollan a través del mercado bursátil y previsional.
Em nuestro país, a semejanza de muchos otros, la supervisión de la actividad
está a cargo del Estado por médio de un organismo con atribuiciones
especificas creado al efecto, dotado de poder de polícia, denominado
Superintendencia de Seguros. Su misión esencial es la de controlar
adecuadamente el systema y proteger los derechos del asegurado, en
salvaguardia primordialmente de la fé pública y de la estabilidad del mercado
asegurador.
El modo de llevar adelante ese labor, consiste en centrar su accionar en dos
tipos de controles: técnico orientado a mantener la solvencia de la empresa y
el jurídico atinente a la equidad de los elementos técnicos y contractuales.
Para ello debe establecer normas claras, estrictamente necesarias y
cumplimiento posible, a fin de que no sean transgredidas
207
.
205
Em tradução livre do autor: “8. Responsabilidade por omissão na atividade de controlador da Superintendência de
Seguros da Nação. Já destacamos que as atribuições outorgadas pela Lei 20.091 à Superintendência de Seguros
da Nação constituem uma manifestação da atividade de polícia da administração. Também, que o exercício da
competência a ela atribuída constitui uma obrigação do órgão. E esta se acentua considerando a especialidade
técnica da mesma, à luz das normas aplicáveis, que assim lhe exige. Por isso, a omissão no exercício da atividade
de polícia por parte da autoridade de controle, que cause prejuízo a um particular, gera responsabilidade do
Estado”.
206
ALFANO, Orlando Hugo. El Control de Seguros Y Reaseguros. Natureza Y Alcance. Buenos Aires: La Ley,
2000, pp. 1/2.
207
Em tradução livre do autor: “Visando salvaguardar essas bases técnicas, aplicadas a grandes massas de riscos que
o segurador pode subscrever diante das limitações de sua capacidade econômica, torna-se indispensável proceder
à homogeneização mediante o resseguro, que determina a proteção internacional da instituição. Em virtude da sua
transcendência e importância para a economia local e à necessidade de proteger os segurados, impõe-se regular
adequadamente essa atividades, exercendo o Estado em estrito controle de sua exploração, assim como ocorre
com outras atividades, assim como a bancária, as que se desenvolvem por meio do mercado bursátil e de
previdência. No nosso país, à semelhança de muitos outros, a supervisão da atividade esta a cargo do Estado, por
meio de um organismo com atribuições específicas, provido de poder de polícia, chamado Superintendência de
Seguros. Sua missão essencial é a de controlar adequadamente o sistema e proteger os direitos do segurado,
zelando, primordialmente, pela fé pública e pela estabilidade do mercado segurador. O modo de levar adiante
essa tarefa consiste em centrar sua atuação em dois tipos de controles: técnico, orientado a manter a solvência da
109
Alfano explica que o controle é exercido pela SSN sob duas vertentes: (i) técnica,
cujo propósito é zelar pela regularidade financeira dos resseguradores; (ii) jurídica, cujo
propósito é zelar pela eqüidade dos elementos técnicos e contratuais, o que compreende
a obrigação de que sejam emitidas normas claras, objetivas e de cumprimento possível,
a fim de evitar as inobservâncias.
3.2.4 As Atribuições Regulatórias
Traçando um paralelo entre o resseguro na Argentina e no Brasil, cumpre destacar
que a partir do momento em que foi criado o INdeR suas atribuições regulatórias
identificaram-se de maneira marcante com as atribuições do IRB - Brasil Re, enquanto
ressegurador monopolista.
No Brasil, por intermédio das Normas Gerais de Resseguro e Retrocessão –
NGRR, a estatal brasileira editava os atos normativos
208
exercendo, portanto, função
normativa regulatória, que norteia a atuação de todos aqueles que tenham participação
no setor de resseguros (seguradores e corretores de resseguro, por exemplo). Na
Argentina, também por meio da edição de atos normativos o INdeR atuava basicamente
da mesma maneira.
Quanto à função judicante, o Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, também
conferia ao IRB-Brasil Re competência para sancionar as seguradoras que cometessem
infrações na qualidade de co-seguradoras, resseguradas e retrocessionárias
209
. No que
concerne a esta competência, Marcos Juruena Villela Souto
210
explica que os atos
empresa e o jurídico, atinente à equidade dos elementos técnicos e contratuais. Para isso deve estabelecer normas
claras, estritamente necessárias e de cumprimento possível, para que não sejam contrariadas”.
208
A competência para a edição de atos normativos em matéria de resseguro, co-seguro e retrocessão foi outorgada
ao IRB - Brasil Re por força do que dispôs o art. 44, inciso I, letra a
, do Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de
1966: Art. 44. Compete ao IRB: I – Na qualidade de órgão regulador do cosseguro, resseguro e retrocessão: a)
elaborar e expedir normas reguladoras de cosseguro, resseguro e retrocessão. Anote-se que este dispositivo foi
revogado pelo art. 31 da Lei Complementar nº. 126 de 15.01.2007. Comentários relativos à impossibilidade de
que o IRB, na condição de competidor, permanecesse exercendo a regulação normativa serão apresentados no
quarto capítulo desta dissertação.
209
A competência para punir as sociedades seguradoras tinha previsão no art. 44, inciso I, letra e, também revogado
pelo art. 31 da Lei Complementar nº. 126 de 15.01.2007. Art. 44. Compete ao IRB: I – Na qualidade de órgão
regulador do cosseguro, resseguro e retrocessão: e) impor penalidade às Sociedades Seguradoras por infrações
cometidas na qualidade de cosseguradoras, resseguradas ou retrocessionárias.
210
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Função Regulatória. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de
Atualização Jurídica, nº. 11, fevereiro, 2002. Disponível na Internet em <http://www.direitopublico.com.br>,
acessado em 3 de março de 2006.
110
regulatórios que consistem na aplicação de penalidades aos agentes envolvidos num
segmento regulado representam a terceira etapa da atividade regulatória, qual seja, a
regulação judicante, que sucede a regulação normativa e a regulação executiva.
Os atos regulatórios que fixam tarifas, que aprovam reajustes, que aplicam
penalidades aos agentes envolvidos num segmento regulado representam
a terceira etapa da atividade regulatória (a primeira, a regulação
normativa; a segunda, regulação executiva): a regulação judicante, que
tem por objetivo a solução de conflitos entre os agentes, mais uma vez
buscando o equilíbrio entre os envolvidos. Essa função judicante já vinha
sendo normalmente desenvolvida no âmbito da administração pública (os
conselhos de contribuintes, os conselhos de recursos de servidores
públicos) que funcionam de forma inquisitorial, ou seja, aos olhos das
partes envolvidas, a Administração é, a um só tempo, julgadora e parte no
processo. (...).
Quanto à função executiva regulatória, em decorrência da exploração em regime
de monopólio, estas não eram exercidas nem pelo INdeR nem são exercidas pelo IRB –
Brasil Re.
Extrai-se do exposto que o monopólio do resseguro na Argentina resultou no
endividamento do Estado, decorrente do colapso financeiro pelo qual passou o INdeR.
A flexibilização do monopólio, ocorrida em 1992, deflagrou-se diante de um
contexto em que não mais havia opção para o Governo, que não dispunha de condições
para continuar subsidiando o ressegurador oficial, cujas operações, ao invés de
alimentarem o mercado segurador daquele país, o asfixiaram.
A experiência brasileira colhida a partir da exploração do resseguro em regime de
monopólio não se caracterizou pelo endividamento que marcou o ressegurador estatal
argentino. Ao contrário, os resultados do IRB apresentados no segundo capítulo desta
dissertação, tendo como base os anos 90, espelham o crescimento dos seus índices, fruto
do desenvolvimento da economia nacional.
Como traços distintivos entre os dois resseguradores – IRB e INdeR – pode-se
afirmar que a crise econômica que assolou a Argentina entre os anos 80 e 90 teve
contornos realmente muito significativos, sendo correto afirmar que apenas no governo
do Presidente Nestor Kirschner a economia portenha reagiu e voltou a apresentar
índices demonstrativos de crescimento.
Com efeito, diante de tão grave crise econômica, não havia condições para que o
resseguro, como típica atividade econômica – estivesse absolutamente imune a todos os
111
problemas experimentados pelo país. O monopólio desta atividade, nesse particular, foi
ainda mais prejudicial já que, consoante se expôs, as coberturas obrigatórias oferecidas
a todos os seguradores funcionaram como um círculo vicioso, na medida em que,
independentemente das circunstâncias, fossem os riscos bons ou ruins, haveria a
subscrição dos mesmos pelo ressegurador estatal.
A economia brasileira, neste mesmo período, sob o Governo Fernando Henrique
Cardoso, alcançou como grande conquista o controle dos índices inflacionários e a
estabilidade da moeda, o que propiciou um ambiente favorável ao desenvolvimento do
país e, consequentemente, para o mercado segurador, diretamente vinculado ao
ressegurador estatal.
Das experiências acumuladas pelo ressegurador argentino – INdeR, caberá ao
Estado brasileiro, na qualidade de controlador do IRB – Brasil Re – extrair a lição, no
sentido de avaliar a necessidade e a conveniência de permanecer desenvolvendo tão
específica e complexa atividade econômica a partir de 15 de janeiro de 2007, por força
da sanção da Lei Complementar nº. 126, em regime de livre concorrência, ou, por outro
lado, se esta atividade deverá ser exclusivamente reservada à iniciativa privada
211
.
3.3 O Mercado de Resseguro na Comunidade Econômica Européia
Anteriormente à criação da Comunidade Econômica Européia – CEE, ocorrida em
1957 por força do que dispôs o Tratado de Roma
212
, a regulação do resseguro era
realizada de forma individualizada por cada país integrante do continente europeu, isto
é, para que um ressegurador britânico, por exemplo, pudesse atuar na Itália, careceria de
autorização a ser concedida pela autoridade italiana para tanto.
211
Os comentários concernentes à desestatização ou não do IRB – Brasil Resseguros S.A. após a flexibilização do
monopólio foram realizados no quarto capítulo desta dissertação.
212
O Tratado de Roma foi assinado em 25 de março de 1957, instituindo a Comunidade Econômica Européia (CEE)
e a Comunidade Européia da Energia Atômica (Euratom), prevendo também a criação do Mercado Comum
Europeu a partir do dia 1º de Janeiro de 1958. A assinatura deste tratado representou o culminar de um processo
surgido após a Segunda Guerra Mundial, que deixou a Europa destruída economicamente e politicamente, além
de submetida às duas potências militares: Estados Unidos da América e União Soviética. O Tratado de Roma foi
modificado, sucessivamente, pelos seguintes documentos: 1) Ato Único Europeu, assinado em Luxemburgo, em
vigor a partir de 1º de Julho de 1986; 2) Tratado de Maastricht, em vigor a partir de 1º. de novembro de 1992.
Este tratado institui a União Européia; 3) Tratado de Amsterdam, em vigor a partir de 1º. de Maio de 1997,
modificando o Tratado sobre a União Européia, os tratados instituindo as Comunidades Européias e certos atos
ligados a estes; 4) Tratado de Nice, em vigor a partir de 1º de Fevereiro de 2000; 5) Tratado de Roma de 2004,
igualmente chamado de ‘Tratado estabelecendo uma Constituição para a Europa’, assinado em 29 de Outubro de
2004 pelos chefes de Estado membros da União Européia. A entrada em vigor deste Tratado ainda não é certa,
conseqüência da sua rejeição, por referendo, pela França e pelos chamados países baixos – Holanda, em 2005.
112
Em linhas gerais, o desenvolvimento do resseguro subordinado à concessão de
autorizações individualizadas, a serem outorgadas por cada país, ficava fragilizado.
Como um reflexo dos esforços para romper as barreiras comerciais entre os
Estados membros, foi estabelecido um sistema de liberdades, isto é, convencionou-se
que a regulação exercida em cada país deveria ser mais flexível, amenizando as
restrições anteriormente comentadas, notadamente decorrentes da obrigatoriedade de
que fosse obtida uma licença em cada país no qual se desejasse contratar o resseguro.
Wallace Hsin-Chun Wang
213
, em obra específica a respeito da regulação do
resseguro na União Européia e no Reino Unido, apresenta os seguintes comentários a
respeito do sistema de liberdades voltado à implementação do resseguro no continente
europeu:
Regulation of Reinsurers in the European Union and the United Kingdom.
The reinsurance markets in the European Union have become highly
internationalised and less heavilly regulated than the direct insurance
business. As a result, introducing ‘the right to freedom of establishment’
within the European Community / European Union was rather straight
forward in the case of reinsurance operations while the first tentative EC
moves towards ‘the single market’ were taken in the so called reinsurance
directive on the freedom of establishment and service (1964). The adoption
of the First Insurance Directive on freedom of establishment and freedom to
provide reinsurance and retrocession services abolished all restrictions on
establishment and provision of service relating to reinsurance. Reinsurers
established in the European Union, therefore, have not only the right to
freedom of establishment, but also the legal right to supply their service
across national EU country borders, in both cases subject to their complying
with the host´s domestic rules applicable to reinsurers
214
.
Buscava-se na Europa uma harmonização das normas aplicáveis ao resseguro, de
modo que não mais se fizesse necessária a obtenção de autorizações diferentes para
atuação regular em cada país membro.
213
WANG, Wallace Hsin-Chun. Reinsurance Regulation: a Contemporary and Comparative Study. London:
Kluwer Law International, 2003, p. 29.
214
Em tradução livre do autor: “Regulação de Resseguradores na União Européia e no Reino Unido. Os mercados de
resseguro na União Européia têm se tornado altamente internacionalizados e menos intensamente regulados do
que o mercado segurador. Como resultado, a introdução do direito à liberdade para o estabelecimento dentro da
Comunidade Européia / EU estava muito mais focada nas operações de resseguro, atualmente, do que quando da
primeira tentativa empreendida para a criação de um mercado único, na chamada diretiva de resseguro para a
liberdade de estabelecimento e serviço (1964). A adoção da primeira diretiva de seguro quanto à liberdade para o
estabelecimento e liberdade para o oferecimento de resseguro e retrocessão aboliu todas as restrições no
estabelecimento e provisão do serviço relativo ao resseguro; resseguradores estabelecidos na EU, por assim dizer,
tem não apenas direito à liberdade para estabelecimento, mas também o direito para fornecer o serviço por toda a
EU, em ambos os casos sujeitos à obediência para as normas domésticas aplicáveis aos resseguradores”.
113
Nessa mesma linha de raciocínio, convém observar as palavras de Patrick Devine
e Andrew Crouchman
215
:
Initiatives are underway in Europe to create, for the first time, a pan-
European regulatory framework for reinsurers with the ambition that it will
be adopted as a global model. For the first time in the history of Europe’s
integrated single insurance market, two powerful insurance associations, the
British and German, have got together to promote pan-European regulation
of the reinsurance sector “with a view to encouraging discussion on an EU-
wide, and possibly worldwide framework intended to improve reinsurance
security and allow the introduction of a single passport for reinsurers based
on common standards”. The jointly produced “Draft Framework for an
European Regime for the Supervision of Cross Border Reinsurance” is
understood to have the support of both the Financial Services Authority in the
UK and the Comité Europénne des Assurances and is being taken seriously
by the European Comission. It is also under review by a technical sub-
committee of the International Association of Insurance Supervisors (IAIS).
(…) At the EU level the key objective is to provide European Reinsurers with
a single European passport and “home state” control of the type long enjoyed
by their direct insurance counterparts. This would allow EU reinsurers to
trade throughout the European Community under one license, whether
through branches or by way of freedom of services. Such a regime would
logically involve the removal of other barriers to free trade in reinsurance in
Europe including the obligation to maintain local deposits and restrictive
reserving requirements under national rules, and would allow European
regulators to develop a coordinated approach to reinsurance security. At the
international level the ambition is to create a co-ordinated international
regulatory structure under witch the world’s reinsurers will, through mutual
recognition of their licences, be able to trade globally without having to
comply with the uncoordinated regulatory demands of national and regional
authorities
216
.
Entre outros elementos, o comentado sistema único de regulação, desenvolvido
pelas Associações de Seguros britânica e alemã, está centrado numa estrutura que visa a
215
DEVINE, Patrick e CROCHMAN, Andrew. European Reinsurance Regulation: A Global Model?. Global
Reinsurance Magazine, November 2000, pp. 1/5.
216
Em tradução livre do autor: “Na Europa, iniciativas estão a caminho para criar, pela primeira vez, uma regulação
para todos os resseguradores europeus, com a ambição de que esta será adotada como um modelo global. Pela
primeira vez na história do mercado segurador europeu, duas poderosas associações de seguros, a britânica e a
alemã, reuniram-se para promover a regulação européia do setor de resseguro, “com uma visão encorajadora para
a discussão em toda a Europa e, possivelmente, em âmbito mundial, visando implementar segurança para o
resseguro mediante a introdução de um passaporte único para resseguradores estabelecidos em condições padrão
A Associação produziu o trabalho chamado “Resumo para a Regulação do Resseguro além das fronteiras”
visando suportar tanto os serviços financeiros no Reino Unido quanto o do Comitê Europeu dos Seguros. O
trabalho está também sob a supervisão da Comissão Européia da Associação Internacional da Seguros (IAIS).
(…) No nível europeu, o objetivo principal é promover a regulação na Europa com apenas um passaporte
europeu. Isso possibilitaria que resseguradores europeus pudessem negociar por toda a CE, com apenas uma
licença, ao invés de somente por filiais ou através de serviços gratuitos. Um regime como este iria, logicamente,
envolver a remoção de outros obstáculos para o livre comércio no resseguro na Europa, incluindo a obrigação de
manter depósitos locais e de manter restrições às reservas atendendo a regras nacionais, além do que permitiriam
que reguladores europeus desenvolvessem uma aproximação coordenada da segurança no resseguro. No nível
internacional, a ambição é por criar uma estrutura de regulação coordenada mediante a qual, através de mútuos
reconhecimentos das licenças, seria possível negociar globalmente sem ter que se subordinar a normas
regulatórias não coordenadas, por parte de autoridades nacionais e regionais”.
114
globalização dos riscos e a convergência de mecanismos de transferência dos mesmos,
com o propósito de que seja criado um regime internacional, capaz de proporcionar
estabilidade em mercados internacionais, fruto do estabelecimento de medidas
regulatórias parelhas, harmônicas, independentemente dos diferentes Estados em que
serão aplicadas.
Com isso, busca-se que na Comunidade Econômica Européia, nos Estados
Unidos, nos países emergentes, tais como China, Índia, países estabelecidos no Leste
Asiático e na América Latina, sejam adotadas regras harmônicas em matéria de
regulação do resseguro, sobretudo em razão do caráter internacional inerente às
coberturas pelo mesmo oferecidas
217
.
No que se refere aos critérios utilizados para regular o mercado de resseguro na
Comunidade Européia, observam-se os seguintes aspectos:
(i) Análise do capital ressegurado e da margem de solvência;
(ii) Avaliação de ativos dos resseguradores;
(iii) Elaboração periódica de relatórios contendo informações a respeito dos
maiores resseguradores e dos maiores seguradores cedentes
218
.
Justamente nessa linha de idéias é que foi promulgada a Diretiva 2005/68/CE, de
16 de novembro de 2005, disciplinando o resseguro na Comunidade Européia.
De seus “considerandos”, cumpre reproduzir aquele que vai mais ao encontro da
proposta segundo a qual todos os países integrantes da CE devem exigir apenas uma
autorização administrativa para o estabelecimento de resseguradores em seus territórios:
(10) Conseqüentemente, o acesso à atividade resseguradora e o seu exercício
ficam sujeitos à concessão de uma autorização administrativa única, emitida
pelas autoridades competentes do Estado-Membro no qual se situa a
administração central da empresa de resseguros. Esta autorização permite que
a empresa desenvolva a sua atividade em toda a Comunidade, quer em
regime de liberdade de estabelecimento, quer em regime de livre prestação de
serviços. O Estado-Membro da sucursal ou aquele em que é efetuada a livre
prestação de serviços deixa de poder exigir uma nova autorização às
empresas de resseguros que desejem exercer naquele território a sua atividade
resseguradora e que já tenham sido autorizadas no Estado-Membro. Além
disso, uma empresa de resseguros que já tenha sido autorizada no seu Estado-
217
A recorrente utilização dos usos e costumes internacionais em matéria de resseguro será objeto de análise detida
no quarto capítulo desta dissertação.
218
WANG, Wallace Hsin-Chun. Ob. cit., p. 33.
115
Membro de origem não deve estar sujeita à supervisão ou verificações
suplementares relacionadas à sua solidez financeira, realizadas pelas
autoridades competentes do Estado-Membro de uma empresa de seguros que
por ela seja ressegurada. Além disso, os Estados-Membros não devem poder
exigir que uma empresa de resseguros autorizada na Comunidade afete ativos
com vista a representar a sua parte das provisões técnicas da empresa
cedente. As condições de concessão ou de revogação daquela devem ser
definidas. As autoridades competentes não devem autorizar ou renovar a
autorização de uma empresa de resseguros que não cumpra as condições
estabelecidas na presente diretiva.
Com relação à solidez financeira, a diretriz apresenta diversos comentários,
destacando que incumbe às autoridades competentes do Estado-Membro de origem da
empresa de resseguros assegurar o seu controle
219
. Esclarece que deverá haver troca de
informações entre essas autoridades para que seja reforçada a estabilidade do sistema
220
;
quanto à velocidade com que deverão ser prestadas as informações contábeis relevantes,
concernentes à estabilidade dos resseguradores, pontua que deverá ser extremamente
ágil, para que, em havendo necessidade, seja possível às autoridades competentes tomar
as medidas necessárias
221
; obrigatoriedade de que estas autoridades possam exigir que os
resseguradores constituam provisões técnicas adequadas
222
e, ainda, que os
219
Considerando 15. “A presente diretiva clarifica os poderes e meios de supervisão das autoridades competentes.
Incumbe às autoridades competentes do Estado-Membro de origem da empresa de resseguros assegurar o
controle da respectiva solidez financeira, nomeadamente no que respeita à sua situação de solvência, à
constituição das provisões técnicas e reservas de compensação suficientes e à representação dessas provisões e
reservas por ativos de elevada qualidade”.
220
Considerando 18. “Deve ser prevista a troca de informações entre as autoridades competentes e as autoridades ou
organismos que, pelas suas funções, contribuam para o reforço da estabilidade do sistema financeiro. Para
preservar o caráter confidencial das informações transmitidas, a lista dos destinatários das informações deve ser
restrita. É, por conseguinte, necessário prever as condições em que devem ser autorizadas as trocas de
informações acima referidas; além disso, sempre que se preveja que só podem ser divulgadas informações com o
acordo explícito das autoridades competentes, estas podem eventualmente subordinar o seu acordo à observância
de condições restritas. Relativamente a este aspecto e tendo em conta garantir a adequada supervisão das
empresas de resseguros por parte das autoridades competentes, a presente diretiva prevê regras que permitem aos
Estados-Membros celebrar acordos de troca de informações com países terceiros desde que as informações
prestadas estejam sujeitas a garantias adequadas de sigilo profissional”.
221
Considerando 19. “A fim de reforçar a supervisão prudencial das empresas de resseguros, é necessário prever
uma disposição segundo a qual os auditores devem informar rapidamente as autoridades competentes sempre que,
nos casos previstos na presente diretiva, tenham conhecimento, no exercício das suas funções, de determinados
fatos suscetíveis de afetar gravemente a situação financeira ou a organização administrativa e contabilística de
uma empresa de resseguros. Tendo em conta o objetivo a atingir, é desejável que os Estados-Membros
determinem que tal obrigação é aplicável sempre que esses fatos sejam verificados por um auditor no exercício
das suas funções numa empresa que tenha relações estreitas com a empresa de resseguros. A obrigação de,
quando for caso disso, os auditores comunicarem às autoridades competentes determinados fatos e decisões
relativos a uma empresa de resseguros detectados no exercício das suas funções numa empresa que não seja de
resseguros não altera a natureza das suas funções nessa empresa nem a forma como nela devem desempenhar as
respectivas funções”.
222
Considerando 21. “A fim de permitir que as empresas de resseguros cumpram os seus compromissos, o Estado-
Membro de origem deve exigir-lhes que constituam provisões técnicas adequadas. O montante dessas provisões
técnicas deve ser determinado nos termos da Diretiva 91/674/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de
1991, relativa às contas anuais e às contas consolidadas das empresas de seguros e, no que diz respeito às
atividades de resseguro de vida, o Estado-Membro de origem pode igualmente ser autorizado a estabelecer regras
mais específicas em conformidade com a Diretiva 2002/83/CE”.
116
resseguradores deverão dispor, além das provisões técnicas ordinárias, de reservas
técnicas complementares, denominadas “margem de solvência”, representada por ativos
livres
223
.
Ainda com relação à diretriz, vale dizer que está é completa, isto é, aborda
diversas questões necessárias à organização do mercado ressegurador na CE, como, por
exemplo, o seu âmbito de aplicação, a referida autorização, a recusa à sua concessão e
revogação, autoridades competentes e regras gerais, acordos de cooperação com países
não integrantes do bloco, funções dos auditores, constituição de provisões técnicas,
margens de solvência exigidas e empresas de resseguro em dificuldade ou em situação
irregular.
Examinados esses elementos, pode-se concluir que o mercado ressegurador
europeu organizou-se de modo a traçar normas comuns a todos os seus países membros.
A autorização, consoante se expôs, representa a condição necessária para a atuação de
resseguradores em toda a Comunidade Européia, bastando a concessão por um Estado-
membro para que o ressegurador autorizado possa atuar por toda a CE.
No que concerne à regulação propriamente dita, nota-se a preocupação detida com
a solidez financeira dos resseguradores, o que foi objeto de diversos dispositivos
constantes da Diretriz 2005/68/CE, de 16 de novembro de 2005.
Portanto, considerando os principais pilares sobre os quais a regulação do
resseguro foi erguida na Comunidade Econômica Européia, quais sejam, (i) análise do
capital ressegurado e da margem de solvência, (ii) avaliação de ativos dos
resseguradores e (iii) elaboração periódica de relatórios contendo informações a respeito
dos maiores resseguradores e dos maiores seguradores cedentes, entende-se que a
regulação no Brasil não poderá destoar desse norte.
Reconhecidamente, a Comunidade Européia, mais precisamente o mercado
ressegurador Londrino e o conhecido sindicato dos seguradores e resseguradores –
223
Considerando 24. “É necessário que as empresas de resseguro disponham, para além das provisões técnicas, de
uma reserva complementar denominada margem de solvência, representada por ativos livres e, mediante acordo
da autoridade competente, por outros elementos implícitos do seu ativo, que sirva de margem de segurança contra
flutuações econômicas desfavoráveis. Este requisito é um elemento importante do sistema de supervisão
prudencial. Na pendência de revisão do atual regime de margem de solvência que a Comissão está a realizar no
âmbito do denominado “Projeto Solvência II”, devem aplicar-se, na determinação da margem de solvência
exigida para as empresas de resseguros, as regras previstas na atual legislação no domínio do seguro direto”.
117
Lloyd´s, de Londres, exercem papel importante para o resseguro em âmbito mundial,
em decorrência das coberturas oferecidas
224
.
Nessa linha de idéias, raciocina-se no sentido de que o mercado brasileiro, em fase
de abertura, deverá orientar-se a partir dos referidos pilares, como forma de alinhar-se
ao que já vem sendo praticado há tempos pelo mercado ressegurador da Comunidade
Européia, que se encontra amparado em bases sólidas e confiáveis.
Com relação à concessão da autorização administrativa para que um ressegurador
possa atuar no país que a concedeu e nos demais países integrantes da CE, entende-se
que caberá à autoridade reguladora brasileira, num esforço conjunto com as demais
autoridades reguladoras integrantes do MERCOSUL, trabalharem nesta mesma direção,
o que, com efeito, poderá gerar ganhos ao ressegurador brasileiro, considerado o maior
da América Latina
225
, ante à disputa e possível conquista de novos mercados
seguradores, ainda inexplorados.
3.4 O Mercado de Resseguro dos Estados Unidos da América – EUA
Desde 1945, cada Estado integrante dos EUA apresentava disciplinas diferentes
para a regulação do seguro e do resseguro, ou seja, para que seguradores e
resseguradores pudessem exercer as suas atividades deveriam ser observadas normas
diferentes, conforme fosse o Estado em que estivessem atuando.
O interesse pela padronização das normas inerentes à regulação fez com que, já
em 1871, fosse criada a – Nacional Association of Insurance Commissioners
226
- NAIC.
224
“O Lloyd's é o principal mercado especializado em seguros do mundo. Possui 44 agentes e 62 sindicatos, que
oferecem uma incomparável concentração de subscrição especializada. Lloyd's é a marca de seguro mais
conhecida do mundo, mas provavelmente a menos compreendida. Isto porque o Lloyd's não é uma companhia de
seguros, mas uma sociedade de pessoas, tanto físicas quanto jurídicas, que subscreve em sindicatos, cujos
profissionais de seguros aceitam ou não riscos. O capital de lastro é fornecido por instituições de investimento,
investidores especializados, companhias de seguro internacionais e por indivíduos. Os corretores do Lloyd's
levam os negócios ao mercado. Os riscos colocados nos underwriters originam-se de clientes, de outros
corretores e intermediários, de todas as partes do mundo. Juntos, os sindicatos tornam o Lloyd’s um dos maiores
Seguradores / Resseguradores do mundo. A estrutura do mercado incentiva inovação, rapidez e valorização,
sendo assim, atrativa para os segurados. O acesso imediato aos responsáveis pelas decisões significa que as
respostas sobre a aceitação dos riscos são rápidas, permitindo ao corretor fornecer soluções rápidas e de qualidade”.
Informações disponíveis em <http://www.ascunhabueno.com.br/htmls/resseguro/quemsomos/lloyds.htm>. Acessado
em 3.2.2007. Para maiores informações recomenda-se o acesso a <http://www.lloyds.com/>, sítio oficial do
Lloyd´s of London. Acessado em 3.2.2007.
225
Informações disponíveis na Revista do IRB nº. 301, julho – 2006.
226
Disponível na Internet em <http://www.naic.org/>, acessado em 04 de março de 2006.
118
Mesmo não dispondo de autoridade para normatizar diretamente os
resseguradores estabelecidos nos diversos Estados do país, fato é que a NAIC foi bem
sucedida em sua tarefa de fazer com que suas normas passassem a ser observadas
227
.
As principais vertentes sobre as quais incide a regulação do resseguro nos EUA
são as seguintes:
(i) Condução dos negócios de resseguro mediante autorização: o primeiro
passo a ser trilhado para que um ressegurador possa atuar livremente no
território norte-americano consiste na obtenção de autorização em seu
estado de origem. Após a sua obtenção, em regra haverá liberdade para que
este ofereça coberturas ressecuritárias tanto em seu Estado de origem quanto
em outros Estados.
(ii) Restrições à retenção de riscos: é comum restringir a capacidade de retenção
de riscos por pare dos seguradores cedentes, a fim de evitar exposição
excessiva de sua capacidade patrimonial na hipótese de ocorrência de
sinistro de grandes proporções
228
.
(iii) Os contratos de resseguro celebrados pelos seguradores cedentes: a
regulação do resseguro nos EUA está essencialmente focada nas coberturas
ressecuritárias obtidas pelos seguradores. A contratação de uma cobertura
proveniente do resseguro somente é considerada como um ativo ou como
uma redução de reserva técnica quando o resseguro é oferecido por aquele
que tenha autorização para atuar no Estado em que foi realizado o negócio;
à hipótese de a cobertura ser oferecida por um ressegurador que tenha filial
nos EUA, haverá necessidade de que este submeta sua documentação
contábil à conferência das autoridades competentes; o ressegurador deverá
manter sólidas aplicações financeiras em instituição financeira norte-
americana reconhecida.
(iv) Regulação do conteúdo dos contratos de resseguro: diferentemente do que
se sucede com os contratos de seguro, nos quais há intensa regulação por
parte das autoridades estabelecidas nos diversos Estados dos EUA, no
contrato de resseguro inexiste regulação incisiva sobre o conteúdo dos
227
WANG, Wallace Hsin-Chun. Ob. cit., p. 35.
228
WANG, Wallace Hsin-Chun. Ob. cit., p. 36.
119
contratos. Por outro lado, seja em razão da especificidade, seja em razão da
complexidade e, além disso, considerando que as coberturas ressecuritárias
deverão, em última instância, trazer benefícios aos próprios segurados, as
autoridades regulatórias do resseguro nos EUA costumam obrigar a inserção
de três cláusulas nos contratos celebrados, quais sejam: 1ª) Insolvency
clause (cláusula de insolvência), que importa na impossibilidade de que o
ressegurador se exima de suas responsabilidades caso o segurador primário
torne-se insolvente; (2ª) Service of process clause (cláusulas de
representação processual), cujo significado é o de que caberá ao
ressegurador dispor de um representante nos EUA que atue em nome do
mesmo; (3ª) Intermediary clause (cláusula de intermediação), estipulando
que o intermediário é um agente do ressegurador com o objetivo de receber
e pagar quantias
229
.
Portanto, nota-se tanto na Comunidade Européia quanto nos EUA uma
preocupação com a harmonização das normas relativas à regulação do resseguro,
sobretudo visando facilitar a atuação dos seus resseguradores em âmbito internacional e,
havendo possibilidade, não só no continente europeu ou no continente americano, mas
em âmbito mundial. Quanto ao mercado ressegurador norte-americano, convém
esclarecer que, não obstante a realização da regulação com nuances distintas de Estado
para Estado, o papel da NAIC – National Association of Insurance Commissioners –
consiste em, justamente, buscar uma padronização dos aspectos regulados, zelando por:
(i) proteção ao interesse público, (ii) promoção da concorrência no mercado, (iii)
tratamento justo e igualitário aos consumidores, (iv) solvência dos seguradores e (v)
apoio e desenvolvimento da regulação
230
.
Com relação à atenção dispensada às cláusulas inseridas nos contratos de
resseguro, especificamente quanto à cláusula de insolvência (insolvency clause), esta
merece um comentário mais detido na medida em que se presta à efetiva oferta de
garantia ao segurado, na hipótese em que venha a ocorrer a insolvência do segurador.
Em regra, ante à inexistência de relação jurídica entre segurado e ressegurador, não
229
WANG, Wallace Hsin-Chun. Ob. cit., p. 37.
230
Trata-se da missão da National Association of Insurance Comissioners, disponível em
http://www.naic.org/index_about.htm, acessado em 11.01.2007.
120
haveria, sob o ponto de vista estritamente técnico, condições para que o segurado
obtivesse a garantia devida diretamente do ressegurador. A inserção obrigatória da
mencionada cláusula de insolvência presta-se justamente para evitar que com a
insolvência do segurador primário o segurado venha a ser sacrificado, podendo-se valer,
numa situação como esta, de iniciativa a ser diretamente tomada contra o
ressegurador
231
.
A preocupação dedicada às margens de solvência, isto é, à higidez econômico-
financeira dos resseguradores, assim como na CE, também é objeto de atenção pelo
mercado ressegurador norte-americano que, inclusive, exige sólidas aplicações em
instituições financeiras reconhecidamente saudáveis.
Especificamente no que concerne à atenção dedicada às margens de solvência dos
seguradores e dos resseguradores, o mercado norte-americano experimentou ao longo
dos tempos três momentos marcantes. O primeiro sucedeu-se ainda no século XIX,
justamente porque praticamente inexistia a preocupação com a higidez econômico-
financeira. A oferta de coberturas a preços baixos, aliada à aceitação de riscos ruins, isto
é, suscetíveis a sinistros de grandes proporções, colocou o mercado numa situação
muito delicada, o que motivou a preocupação estatal para que se iniciasse a regulação.
O segundo momento foi marcado por um julgamento realizado pela Suprema
Corte dos EUA, ocorrido em 1914, numa demanda movida por German Alliance
Insurance Company contra Lewis, em que, de maneira inovadora para os padrões da
época, aquela Corte decidiu que a regulação da atividade seguradora estava relacionada
com o interesse público.
O terceiro momento ocorreu já na década de 80, podendo ser explicado da
seguinte maneira: seduzidos pelos altos rendimentos pagos pelo mercado financeiro,
231
A cláusula de insolvência (insolvency clause) remete ao estudo da cláusula cut through, assim definida por
Saavedra e Perucchi: “De acuerdo a los textos más difundidos, se trata de una cláusula que se inserta en el
contrato de seguro – pero que afecta al reaseguro – por la que asegurado, asegurador y reasegurador convienen
que entre el primero y el tercero existan ciertas relaciones contractuales directas, de las que surgen, a su vez,
determinados derechos y oblicaciones. Forzoso es reconocer que se trata de una cláusula que rompe con un
principio muy arraigado en el Derecho de Seguros y en el de Reaseguros, cual es que el asegurado es ajeno al
contrato de reaseguro – existente o no, válido o nulo – y que el asegurador cedente es el único y verdadero
deudor frente a aquél”. Em tradução livre do autor: “De acordo com os textos mais difundidos, trata-se de uma
cláusula que se insere no contrato de seguro, mas que afeta o contrato de resseguro, pela qual o segurado,
segurador e ressegurador convencionam que entre o primeiro e o terceiro existam certas relações contratuais
diretas, das quais surgem, por sua vez, determinados direitos e obrigações. Forçoso é reconhecer que se trata de
uma cláusula que rompe com um princípio muito arraigado no Direito de Seguros e no de Resseguros, qual seja,
de que o segurado é alheio ao contrato de resseguro, existente ou não, válido ou nulo, e que o segurador cedente é
o único e verdadeiro devedor frente àquele”. (SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. El
Contrato de Reaseguro y Temas de Responsabilidad Civil y Seguros. Buenos Aires: La Ley, 1999, p. 65).
121
sobretudo, decorrentes dos altos juros praticados nos idos dos anos 70, os seguradores
resolveram direcionar as suas reservas de capitais para aplicações no mercado
financeiro. Para que pudessem captar mais recursos e, conseqüentemente, investir mais,
aceitaram riscos de quaisquer naturezas, inclusive riscos ruins, deixando num segundo
plano a operação securitária propriamente dita.
Nos anos 80, as taxas de juros começaram a baixar de maneira vertiginosa, ou
seja, o retorno decorrente das aplicações também começou a declinar, o que motivou a
necessidade de que as preocupações se voltassem especificamente para as operações de
seguros propriamente ditas, não às operações financeiras. Nesta ocasião, a aceitação de
quaisquer riscos fez com que os seguradores sentissem dificuldades em administrar as
suas reservas técnicas frente aos sinistros ocorridos
232
. A opção pelas operações
financeiras em detrimento das operações securitárias ficou conhecida como cash flow
underwriting, ou, “subscrição de fluxo de caixa”, e colocou o mercado numa grave
crise.
Portanto, analisando os três momentos acima identificados, nota-se que as
experiências vividas nos EUA tornaram claríssima a necessidade de que os mercados
segurador e ressegurador fossem regulados, já que estavam intrinsecamente
relacionados ao interesse público.
Cumpre atentar, ainda, à importância destinada pelas autoridades competentes às
restrições impostas aos seguradores, objetivando que estes não subscrevessem riscos
que excedessem suas capacidades de retenção, evitando-se, dessa maneira, problemas
potenciais em sua origem.
3.5 Conclusões Parciais
À luz dos dados acima observados, nota-se a importância de que a regulação do
resseguro no Brasil, assim como se procede nos EUA e na Comunidade Européia,
dedique-se ao controle da higidez econômico-financeira dos resseguradores e que
também evite a retenção de riscos em patamares exagerados por parte dos seguradores
232
As informações pertinentes aos três momentos nos quais a regulação do mercado segurador nos EUA se fez
necessária foram colhidas em Direito de Seguros – Resseguro, Seguro Direto e Distribuição de Serviços, de
Amadeu Carvalhaes Ribeiro. São Paulo: Atlas, pp. 95/96.
122
cedentes, tudo com o propósito de que o mercado possa desenvolver-se livre da
insolvência de seus agentes.
A inserção das cláusulas de insolvência, de representação e de intermediação,
características aos mercado ressegurador dos EUA, também soa adequada à realidade
que será experimentada pelo mercado ressegurador nacional, considerando que,
mediante o ingresso de resseguradores estrangeiros, sejam estes admitidos ou
eventuais
233
, convém facilitar ao máximo as medidas que, ocasionalmente, precisarão ser
tomadas em relação aos mesmos pelos seguradores estabelecidos no país e pela própria
autoridade reguladora, sejam estas medidas de cunho administrativo ou comercial,
sejam medidas de cunho judicial.
Além disto, os dados relacionados à concessão de autorização administrativa
única para a atuação de resseguradores por toda a Comunidade Européia, se aplicados
ao mercado ressegurador nacional, soam adequados a uma maior integração dos países
integrantes do MERCOSUL, o quê, consoante exposto, poderá ser extremamente
positivo para o IRB – Brasil Resseguros S.A.
233
As definições para os resseguradores admitidos e eventuais, assim como aos resseguradores locais foram
colocadas no art. 4º. da Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007. “Art. 4
o
As operações de resseguro e
retrocessão podem ser realizadas com os seguintes tipos de resseguradores: I - ressegurador local: ressegurador
sediado no País constituído sob a forma de sociedade anônima, tendo por objeto exclusivo a realização de
operações de resseguro e retrocessão; II - ressegurador admitido: ressegurador sediado no exterior, com escritório
de representação no País, que, atendendo às exigências previstas nesta Lei Complementar e nas normas aplicáveis
à atividade de resseguro e retrocessão, tenha sido cadastrado como tal no órgão fiscalizador de seguros para
realizar operações de resseguro e retrocessão; e III - ressegurador eventual: empresa resseguradora estrangeira
sediada no exterior sem escritório de representação no País que, atendendo às exigências previstas nesta Lei
Complementar e nas normas aplicáveis à atividade de resseguro e retrocessão, tenha sido cadastrada como tal no
órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de resseguro e retrocessão. Parágrafo único. É vedado o
cadastro a que se refere o inciso III do caput deste artigo de empresas estrangeiras sediadas em paraísos fiscais,
assim considerados países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20%
(vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas
jurídicas ou à sua titularidade”.
CAPÍTULO 4
HAVERIA UM AMBIENTE PROPÍCIO À AUTO-REGULAÇÃO DO
MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO?
AS FUNÇÕES A SEREM EXERCIDAS PELO IRB – BRASIL
RESSEGUROS S.A.
4.1 Introdução
Higidez econômico-financeira, livre concorrência e cooperação. Estabelecidos os
três principais alicerces sobre os quais deverá ser erguido o mercado ressegurador
brasileiro e, além disso, sobre os quais a regulação a ser exercida pela autoridade
competente deverá centrar suas energias, formulam-se, a partir disto, interessantes
indagações:
(i) O mercado ressegurador brasileiro reuniria as condições suficientes para que
pudesse ser auto-regulado?
(ii) Neste hipotético ambiente, em que haveria auto-regulação, qual seria a
função do IRB - Brasil Resseguros S.A? Cogitar-se-ia novamente acerca de
sua desestatização?
(iii) Ao IRB deixariam de ser imputadas atribuições regulatórias?
(iv) A competição com os demais resseguradores em atividade no país seria
realizada em igualdade de condições?
Visando trazer considerações que permitam facilitar a formulação das respostas a
essas indagações, em primeiro lugar será enfocada a discussão relativa à auto-regulação
do mercado ressegurador brasileiro, reservando-se, para um segundo momento, a
discussão concernente às possíveis funções a serem exercidas pelo IRB. Cumpre
esclarecer que antes de discutir propriamente a auto-regulação, será enfocada a
124
regulação a ser realizada por autoridade independente, o que se entende como um
antecedente necessário à efetivação da auto-regulação no mercado ressegurador
brasileiro.
Apenas no que concerne à desestatização
234
do IRB, convém lembrar que o
Decreto nº. 2.423, de 16 de dezembro de 1997, incluiu a resseguradora no Programa
Nacional de Desestatização – PND. Após terem sido frustrados os respectivos leilões de
venda
235
, no ano 2.000 o Partido dos Trabalhadores – PT propôs a Ação Direta de
234
Utilizou-se o termo desestatização considerando que, em relação ao termo privatização, aquela é gênero, ao passo
que esta é espécie, ao lado de diversas outras formas utilizadas para que o Estado diminua a sua envergadura no
que toca ao exercício de atividades econômicas e de serviços públicos. Marcos Juruena Villela Souto, em Direito
Administrativo da Economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 147, conceitua desestatização como sendo
“a retirada da presença do Estado de atividades reservadas constitucionalmente à iniciativa privada (princípio da
livre iniciativa) ou de setores em que ela possa atuar com maior eficiência (princípio da economicidade); é o
gênero, do qual são espécies a privatização, a concessão, a permissão, a terceirização e a gestão associada de
funções públicas”.
235
Início do Processo de Privatização - fevereiro de 1998. Em 9 de fevereiro de 1998, foi publicado o aviso de
licitação para a escolha dos dois consórcios responsáveis pela avaliação econômico-financeira do IRB-Brasil Re.
Cronograma de Privatização - janeiro de 1999. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) divulga o cronograma de privatização do IRB-Brasil Re em janeiro de 1999, com previsão para que o
leilão seja realizado em 14 de outubro do mesmo ano. Adiamento do Leilão - setembro de 1999. O BNDES
confirma o adiamento do leilão. A decisão deve-se à não aprovação da regulamentação do fim do monopólio do
resseguro. Transferência de Atribuições - setembro de 1999. O governo remete ao Congresso Nacional, em
setembro, projeto de lei ordinária que transfere para a Superintendência de Seguros Privados (Susep) as
atribuições do IRB-Brasil Re - órgão regulador de co-seguro, resseguro e retrocessão. Aprovação da Lei -
novembro de 1999. A Câmara dos Deputados aprova o projeto de lei ordinária, transferindo o controle do
resseguro para a Susep. Em 14 de dezembro, o Senado Federal também aprova o projeto de lei. O Presidente da
República, Fernando Henrique Cardoso, sanciona, em 20 de dezembro daquele ano, a Lei nº. 9.932, transferindo a
fiscalização e a normatização do setor de resseguro do IRB-Brasil Re para a Susep. A medida é publicada no
Diário Oficial da União do dia seguinte. Essa lei, contudo, foi julgada inconstitucional. Regras para o Mercado de
Resseguro - janeiro de 2000. O Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), em 14 de janeiro de 2000,
define as regras básicas para o mercado aberto de resseguro. Mas os atos normativos baixados após a Lei nº.
9.932 permanecem sem valor legal enquanto mantiver-se a decisão do STF. O leilão de privatização do IRB-
Brasil Re é marcado para 25 de abril daquele ano. Novo Edital - março de 2000. No dia 9 de março de 2000, o
Conselho Nacional de Desestatização (CND) publica um novo edital e o preço mínimo de venda do IRB-Brasil
Re é de R$ 550 milhões. Uma nova data é marcada: 25 de julho daquele ano. Novo Adiamento do Leilão - abril
de 2000. O Conselho Nacional de Desestatização (CND) decide, a 18 de abril de 2000, adiar mais uma vez a
venda do IRB-Brasil Re para reavaliação do preço da empresa - alterado por duas vezes. A Resolução n°. 11 é de
20 de abril, publicada no DOU do dia 25 daquele mês. O Tribunal de Contas da União (TCU) solicita
informações complementares sobre as análises realizadas pelas consultorias contratadas. Ação Direta de
Inconstitucionalidade - junho de 2000. O Partido dos Trabalhadores (PT) ingressa com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação é requerida pelo fato de que a
transferência das funções regulatórias do IRB-Brasil Re para a Susep deve ser feita por meio de lei complementar
e não por lei ordinária, por ser uma exigência constitucional. Decisão do STF - julho 2000. O Supremo Tribunal
Federal acolhe, a 20 de julho de 2000, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (2.223-7), adiando o leilão para
venda do IRB-Brasil Re. No mesmo dia, é publicada a resolução do Conselho Nacional de Desestatização (CND),
suspendendo a venda da empresa. A Adin e o STF - a partir de setembro de 2000. O Supremo Tribunal Federal
coloca a Adin na pauta do dia 14 de setembro mas, por falta de quórum, a matéria não é apreciada. O STF julga
as ações apenas quando os 11 ministros estão presentes. A votação é transferida para os dias 20 e 21. No entanto,
nem todos os ministros comparecem e, mais uma vez, não há julgamento. No dia 18 de outubro de 2001, 15
meses após o STF ter concedido a Adin, os ministros começam a julgar a ação, mas a sessão é suspensa por uma
questão de ordem. Em 22 de novembro de 2001, os ministros retornam ao tema que, logo após o pedido de vista
da ministra Ellen Gracie, foi suspenso. A 12 de junho de 2002, a Adin entra em discussão mas não é julgada por
falta de quórum. No dia seguinte, a ação retorna ao plenário, mas também não é votada. No dia 17 de junho, o
STF realiza sessão extraordinária mas, por falta de quórum, a Adin fica sem julgamento. O STF retoma, no dia 10
de outubro, o julgamento da Adin nº. 2.223 e fica confirmado, por maioria dos votos, a liminar concedida em
julho de 2000. Com a decisão, o IRB-Brasil Re mantém sob sua responsabilidade as funções de regulação e
125
Inconstitucionalidade nº. 2223-7, atacando diversos dispositivos constantes da Lei nº.
9.932, de 20 de dezembro de 1.999, o que teve como conseqüência a manutenção do
status anterior à inclusão da resseguradora no PND. Cumpre esclarecer que mesmo após
a sanção da Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007, a questão concernente
à desestatização do IRB não foi modificada, já que este diploma legal não cuidou desta
matéria, sendo certo que a resseguradora permanece estatal
236
.
4.2 Do Monopólio à Livre Concorrência por Intermédio da Regulação. O Destino
Final será a Auto-Regulação?
Nos capítulos anteriores, foram feitas considerações relacionadas à mudança
experimentada pelo resseguro no país, decorrente da migração do regime monopolista
para o regime da livre concorrência, sendo absolutamente certo afirmar que esta
mudança reflete uma alteração ocorrida a partir da forma com que o Estado passou a
enxergar a sua necessidade de intervir em atividades econômicas e serviços públicos. As
mencionadas modificações em relação ao resseguro não ocorreram de maneira isolada,
independentemente de toda uma modificação contextual, seja no que se refere às
atividades econômicas, em que a participação do Estado, realmente, deveria ocorrer de
maneira subsidiária, seja no que se refere aos próprios serviços públicos clássicos como,
por exemplo, a telefonia e a energia elétrica.
Concluiu-se que o Estado não poderia avocar para si funções que deveriam ser
executadas pela iniciativa privada de maneira mais eficiente, ou seja, era necessária a
formação de uma consciência demonstrativa de que este não poderia ter a sua gama de
atribuições exagerada, traduzida na realização de atividades que não fossem essenciais
ao desenvolvimento da sociedade. A máquina estatal não poderia pesar mais do que o
estritamente necessário, sob pena de causar prejuízos a si mesma e à própria sociedade.
fiscalização do mercado ressegurador brasileiro, além da competência de conceder autorizações para atuação no
setor. (Informações disponíveis em <http://pt.wikipedia.org/wiki/IRB#Inclus.C3.A3o_do_IRB-
Brasil_Re_no_PND_-_dezembro_de_1997>, acessado em 4.11.2006).
236
Com relação à parte do capital social do IRB que é de titularidade dos seguradores privados, o art. 23 da Lei
Complementar em referência oferece a esses acionistas a possibilidade de se retirarem do mesmo, desde que
invistam esse capital em ressegurador sediado no Brasil. “Art. 23. Fica a União autorizada a oferecer aos
acionistas preferenciais do IRB-Brasil Resseguros S.A., mediante competente deliberação societária, a opção de
retirada do capital que mantêm investido na sociedade, com a finalidade exclusiva de destinar tais recursos
integralmente à subscrição de ações de empresa de resseguro sediada no País”.
126
Particularmente no que tange a essa modificação, Marcos Juruena Villela Souto
comenta a respeito de uma motivação para a chamada “reengenharia” do Estado. A
seguir, algumas de suas palavras
237
:
Efetivamente, aquilo que sempre se imaginou sobre a razão da crise brasileira
ser gerencial e não institucional deixava de ser uma verdade absoluta. Não
bastava mais colocar as pessoas certas nos lugares certos e cumprir-se a
legislação existente. Passou a ser necessário ousar, repensando-se o papel do
Estado, num aspecto amplo que o modismo resolveu denominar
“Reengenharia”. Trata-se de um fenômeno global, a partir do qual as nações,
motivadas pela evolução das comunicações e da tecnologia, viram-se
obrigadas a rever seus conceitos de soberania, de segurança e de gestão de
bens e serviços públicos, a fim de captarem, para os respectivos territórios, os
investimentos necessários e manterem satisfeitas as respectivas populações.
Explicou-se, de maneira fundamentada, que o país passou por profundas
alterações institucionais, das quais são claros exemplos as emendas à Constituição da
República de 1988 números 5, 6, 7 e 8, de 18 de agosto de 1995, 9, de 9 de novembro
de 1995 e, especificamente com relação ao resseguro, a emenda nº. 13, de 21 de agosto
de 1996, todas como corolário da efetivação da livre concorrência como princípio da
ordem econômica, prevista no art. 170, inciso IV, do texto constitucional.
Posteriormente, já em 2.003, a emenda nº. 40 ratificou a posição proposta após o
advento da emenda nº. 13.
Deixando de ser o responsável direto pela execução das atividades econômicas e
dos serviços públicos disciplinados pelas Emendas à Constituição em referência, surgia,
a partir disto, a necessidade de que o Estado passasse, ao invés de ser o
executor/empresário, a regulador daqueles que passariam a ser imbuídos destes afazeres,
o que se exteriorizou com a criação das agências reguladoras, notadamente a partir da
promulgação da Lei nº. 9.986, de 18 de julho de 2000
238
.
Apenas visando ilustrar essa modificação do cenário, caracterizada,
essencialmente, pelo surgimento das agências reguladoras, Marçal Justen Filho
239
assim
se manifesta:
237
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Ob. cit., p. 361.
238
Com relação à criação das agências reguladoras, insta esclarecer que a criação de algumas agências antecedeu a
promulgação da Lei nº. 9.986, de 18 de julho de 2000, como, por exemplo, a Agência Nacional de Energia
Elétrica, cujas atividades tiveram início em 26 de dezembro de 1996, por força da Lei nº. 9.427.
239
JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002, pp.
20/22.
127
A crise fiscal do Estado de Bem-Estar conduziu a perspectivas de redução
das dimensões do Estado e de sua intervenção direta no âmbito econômico.
Passou-se a um novo modelo de atuação estatal, que se caracteriza
preponderantemente pela utilização da competência normativa para
disciplinar a atuação dos particulares. (...) A concepção regulatória retrata
uma redução nas diversas dimensões da intervenção estatal no âmbito
econômico. Ainda que seja impossível estabelecer um padrão
predeterminado, a regulação incorpora a concepção da subsidiariedade. Isso
importa reconhecer os princípios gerais da livre iniciativa e da livre empresa,
reservando-se ao Estado o instrumento da regulação como meio de orientar a
atuação dos particulares à realização de valores fundamentais. Como assinala
Carlos Ari Sundfeld, “A regulação é – isso, sim – característica de um certo
modelo econômico, aquele em que o Estado não assume diretamente o
exercício de atividade empresarial, mas intervém enfaticamente no mercado
utilizando instrumentos de autoridade. Assim, a regulação não é própria de
certa família jurídica, mas sim de uma opção de política econômica”.
Aplicando a lição de Marçal Justen Filho ao resseguro brasileiro, à luz do
contexto constitucional caracterizado pela livre concorrência, ainda haveria espaço para
que o IRB-Brasil Re, na qualidade de estatal e de concorrente dos demais
resseguradores que venham a se estabelecer no mercado, edite atos normativos
orientando-os a respeito de como deverão proceder? Sintetizando, poderia o IRB,
competindo com os demais resseguradores, regular o mercado ressegurador brasileiro?
A fundamentação necessária à compreensão do porquê de se responder de maneira
negativa a esta indagação será apresentada no tópico a seguir.
Definida, pois, a profunda modificação pela qual passou o papel do Estado no que
se refere ao desenvolvimento econômico, ultrapassadas as perspectivas liberal e
intervencionista, a partir do final da década de 1990 este assumiu a perspectiva
regulatória. Acresce-se que no século XXI podem ser observadas, ainda, outras
modificações afetas à função estatal, fruto do desenvolvimento da regulação dos
mercados para a chamada auto-regulação.
4.3 Justificativa para a Regulação Independente
Antes de adentrar na discussão relativa à auto-regulação, é preciso compreender o
porquê do surgimento da necessidade de que a regulação seja conduzida de maneira
independente, livre de interferências estatais e/ou particulares (captura), isto é, com
imparcialidade, gerando, por conseqüência, resultados mais eficientes para os próprios
regulados e também para o Estado.
128
As mencionadas interferências, sejam estatais e/ou particulares, realizadas por
poderosos grupos econômicos que procuram fazer com que as autoridades reguladoras
lhes tragam benefícios, imediatamente remetem à chamada “teoria da captura”, também
conhecida como “teoria dos grupos de interesse”.
Bernardo Mueller
240
, assim explica a teoria da captura:
Uma explicação alternativa que não sofre do mesmo desencontro entre
predições e realidade é a teoria da captura, também conhecida como teoria
dos grupos de interesses. Esta teoria se baseia na observação empírica que a
regulação tende a favorecer os produtores economicamente mais fortes, que
capturam a regulação como forma de proteger seus interesses. Diferentes
vertentes da teoria da captura existem desde o século passado, sendo um
exemplo a visão Marxista que as grandes firmas seriam sempre beneficiadas
pelo governo. Sob estes pontos de vista firmas demandariam regulação para
efetuar transferências a seu favor e criar barreiras de entrada para proteger
suas rendas de monopólio e/ou gerar custos para seus concorrentes potenciais
e efetivos. Mesmo que a regulação tivesse surgido inicialmente com o
propósito de corrigir alguma falha de mercado, a teoria da captura prevê que
ela acabaria sendo distorcida para atender os interesses das firmas,
prejudicando assim os consumidores. Embora esta teoria tenha um apelo
intuitivo maior do que a teoria do interesse público, ela não se baseia em
nenhum modelo analítico que explica quais grupos irão capturar o regulador
e quem será penalizado (...).
Vital Moreira e Fernanda Maçãs
241
também remetem ao perigo decorrente da
captura das autoridades reguladoras:
É de se salientar que as independências orgânica e funcional se estendem
igualmente em relação aos interesses sectoriais que integram o grupo ou
grupos que desempenham a actividade regulada. Um dos perigos associados
ao desenvolvimento destas entidades é justamente o de caírem sob o controlo
dos poderes económicos e sociais do sector, ficando ao serviço dos interesses
de agentes sociais mais poderosos, em geral constituídos por empresas
economicamente fortes, fenómeno conhecido pela captura pelos interesses
regulados.
Gaspar Ariño Ortiz
242
, por sua vez, chama a atenção para o quão ruim pode ser a
regulação caso venha a ser desenvolvida para atender a interesses de diferentes grupos,
sejam públicos ou privados:
240
MUELLER, Bernardo. Regulação, Informação e Política: Uma Resenha da Teoria Política Positiva da
Regulação, p. 12. A íntegra desse artigo está disponível em <http://www.angelfire.com/ky2/mueller/resenha1.pdf>,
acessado em 4.11.2006.
241
MOREIRA, Vital e MAÇÃS, Fernanda. Autoridades Reguladoras Independentes. Coimbra: Almedina, 2003,
p. 27.
242
ORTIZ, Gaspar Ariño. Sucessos e Fracassos da Regulação. Revista Eletrônica de Direito Administrativo
Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 3, ago-set-out, 2005. Disponível em
129
É preciso combater a tendência de misturar fins diversos e, às vezes,
contraditórios na regulação setorial. É experiência comum que as decisões
regulatórias, muitas vezes, se colocam a serviço dos grandes objetivos do
Governo (por exemplo, combater o desemprego ou a inflação), dos interesses
de diversas administrações ou grupos (aqui intervém a política territorial ou
autonômica em muitas ocasiões), ou de outros setores aos quais se deseja
ajudar (por exemplo, o setor mineiro do cartão na regulação elétrica
espanhola). Isso é sempre um erro que distorce injustamente muitas medidas
regulatórias. (...) Convém trazer aqui – para denunciar – a experiência
observada em muitos lugares, na prática regulatória destes anos. Apreciam-se
as tendências seguintes: uma tendência a sobreregular – regular em excesso –
e uma tendência a que as regulações obsoletas sobrevivam, pelos interesses
que sempre surgem ao abrigo das mesmas. A regulação econômica se
autoalimenta (is self-inflating) querendo corrigir seus múltiplos efeitos
negativos por novas regulações. Existe uma complexa trama de interesses
que se ocultam atrás de toda regulação: interesses dos políticos, dos
burocratas e dos grupos que crescem ao abrigo dos mesmos. Os políticos, que
não só procuram o bem comum, mas, também os seus próprios interesses,
encontram na regulação uma fonte de poder, de influência sobre os
regulados, entre os quais rapidamente surgem amigos e protegidos, sem que o
político assuma mais do que um mínimo custo (a regulação não custa: paga o
público). Estes amigos fazem doações ao partido, estendem a sua influência e
têm um poder mediático que o político agradece. Também a burocracia tem
seus próprios interesses: aumentar seu orçamento, ampliar sua competência,
conseguir poder e prestígio através das regulações que eles têm que desenhar,
supervisar e executar. Muitas vezes os burocratas terminam por ser
“capturados” pelos regulados e, depois de um tempo, deixam a
Administração e trabalham para eles (the revolving door). Finalmente, os
grupos de interesses que se organizam em torno da regulação dos grandes
setores são, pela natureza destes e os imensos recursos que movem, muito
poderosos e, os meios que desenvolvem para obter regulações favoráveis são
muito variados. Face a estas poderosas e bem travadas organizações, o
público permanece afastado, longe dos centros de decisão, desorganizado,
embora, ao final, a fatura será paga por ele.
Nessa linha de pensamento, a regulação a ser desenvolvida no país para o
resseguro, que, deverá ser de titularidade da Superintendência de Seguros Privados –
SUSEP
243
, estará sujeita à captura pelos interesses estatais, considerando que, a uma,
<http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-3-AGOSTO-2005-GASPAR%20ARINO%20ORTIZ.pdf>, p.
11, acessado em 11.11.2006.
243
Em decorrência da inclusão do IRB no Programa Nacional de Desestatização e da conseqüente designação dos
sucessivos leilões cuja finalidade era a alienação da empresa aos consórcios interessados, o Governo Federal
encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei ordinária que regulamentava as operações de resseguro e
retrocessão no país, sendo certo que à SUSEP foram outorgadas as atribuições regulatórias. Demonstrando o
exposto, segue o art. 1º. da Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1.999. Art. 1º. As funções regulatórias e de
fiscalização atribuídas à IRB-Brasil Resseguros S.A. - IRB-Brasil Re pelo Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro
de 1966, incluindo a competência para conceder autorizações, passarão a ser exercidas pela Superintendência
de Seguros Privados - SUSEP. Parágrafo único. A IRB-Brasil Re fornecerá à SUSEP cópia de seu acervo de
dados, informações técnicas e de quaisquer outros documentos ou registros que esta julgue necessários para o
desempenho das funções regulatórias e de fiscalização do mercado de seguro e resseguro. A Lei Complementar
nº. 126 de 15 de janeiro de 2007, em que pese a omissão neste particular, considerando que apenas menciona o
termo “órgão regulador de seguros” em seu artigo 2º. “A regulação das operações de cosseguro, resseguro,
retrocessão e sua intermediação será exercida pelo órgão regulador de seguros, conforme definido em lei,
130
esta autarquia não é dotada das características básicas inerentes às agências reguladoras
em exercício no país, eis que nem mesmo detém a forma de uma agência reguladora e, a
duas, que a resseguradora estatal, qual seja, o IRB, em que pese a participação de
seguradores privados em seu quadro de acionistas, encontra no próprio Governo o seu
acionista majoritário, detentor de mais de 50% (cinqüenta por cento) das ações
preferenciais com direito a voto, elemento este condutor à conclusão de que a regulação,
invariavelmente, tenderá a beneficiar a resseguradora estatal.
Ainda com relação à distinção das características da SUSEP em comparação com
as agências reguladoras, aquela é vinculada ao Ministério da Fazenda, sendo certo que o
preenchimento do cargo de Superintendente ficará condicionado à nomeação por parte
do Presidente da República, valendo esclarecer que o Decreto-lei nº. 73, de 21 de
novembro de 1966, não assegura o cumprimento de mandato fixo, o que retira ainda
mais a autonomia por parte desta autarquia para que possa regular o mercado,
independentemente de pressões externas do Governo Federal
244
.
Com relação ao resseguro, conforme demonstrado, a migração do regime de
monopólio para o regime da livre concorrência encontra na regulação, especificamente
em três pilares de sustentação, quais sejam, higidez econômica, estímulo à própria livre
concorrência e cooperação, os meios para que esta se processe de maneira adequada.
A fim de que, de fato, haja livre concorrência, é necessário que a regulação seja
exercida de maneira imparcial e essencialmente técnica
245
, o que demanda, obviamente,
observadas as disposições desta Lei Complementar”, na prática, transferirá à SUSEP as atribuições regulatórias.
O próprio site desta autarquia já apresenta como certa essa transferência de atribuições: “A SUSEP é o órgão
responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e
resseguro. Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, foi criada pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro
de 1966, que também instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, do qual fazem parte o Conselho
Nacional de Seguros Privados - CNSP, o IRB Brasil Resseguros S.A. - IRB Brasil Re, as sociedades autorizadas
a operar em seguros privados e capitalização, as entidades de previdência privada aberta e os corretores
habilitados. (Informações disponíveis em <http://www.susep.gov.br/menususep/apresentacao_susep.asp>,
acessado em 5.11.2006).
244
Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966. “Art 37. A administração da SUSEP será exercida por um
Superintendente nomeado pelo Presidente da República, mediante indicação do Ministro da Indústria e do
Comércio”. Atualmente, esta autarquia é vinculada ao Ministério da Fazenda, não mais ao Ministério da Indústria
e do Comércio.
245
A regulação do resseguro deverá ser essencialmente técnica, considerando a especificidade de que se reveste este
negócio jurídico, de caráter internacional em não raras ocasiões. Alexandre Santos de Aragão, em Agências
Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 323,
ressalta a importância deste caráter técnico inerente à regulação da seguinte maneira: “O caráter técnico da
atuação das agências reguladoras se revela através dos requisitos de formação técnica que a lei impõe aos seus
dirigentes e, principalmente, pelo fato dos seus atos e normas demandarem conhecimento técnico e científico
especializado para que possam ser emanados, aplicados e fiscalizados. (...) Mesmo nos setores já afetos a uma
normatização preponderante técnica, a isto se soma a necessidade de maior especialização em razão das
constantes evoluções tecnológicas e da crescente complexização e pluralização do sistema social. Estes fatos têm
feito com que a especialização em determinado setor do Direito deva ser acompanhada de profundos estudos
131
a necessidade de que não ocorram interferências de política eleitoral ou de interesses
individualizados neste mister. Caso haja interferências políticas, dependendo da medida,
a instalação dos resseguradores privados no mercado poderá sofrer sérios prejuízos,
notadamente decorrentes de insegurança jurídica, da imprevisibilidade das regras que
passarão a disciplinar o funcionamento do mercado.
Vital Moreira e Fernanda Maçãs
246
dissertam acerca da necessidade de que a
regulação deve ser procedida de maneira realmente independente, destacando,
particularmente, duas principais razões:
- primeira, o reconhecimento de que o
mercado nem sempre dá garantias de
bom funcionamento da economia,
pela sua incapacidade de auto-
regulação de modo eficaz e que o
próprio mercado precisa ser ele
mesmo constituído e fomentado pela
regulação, quer remediando os
defeitos do funcionamento do
mercado (market failures), quer
fazendo valer valores sociais
eminentes, nomeadamente no caso
dos serviços públicos ou actividades
de interesse econômico geral.
- segunda, o reconhecimento de que a
regulação tem uma lógica específica,
que deve ser separada tanto quanto
possível da lógica da política
propriamente dita, de modo a
conferir-lhe estabilidade,
previsibilidade, imparcialidade e
objectividade.
Nisto consiste a racionalidade da
regulação independente nas modernas
economias de mercado. A primeira
consideração justifica a regulação. A
segunda justifica a independência.
Prosseguindo no que se refere à regulação independente, para Vital Moreira
247
as
principais características das autoridades regulatórias independentes são as seguintes:
técnicos da matéria regulada, sendo cada vez mais comuns e necessários os “juristas-biólogos”, “juristas-
sanitaristas”, “juristas-economistas” etc.”
246
MOREIRA, Vital e MAÇÃS, Fernanda. Ob. cit., p. 22.
247
Idem. Ibidem, p. 28.
132
a) Independência orgânica dos seus titulares, traduzida nos seguintes
factores: requisitos pessoais de designação; regime de incompatibilidades;
mandato fixo e inamovabilidade durante o mesmo;
b) A independência funcional, consubstanciada nas seguintes condições:
ausência de ordens e de instruções ou mesmo de directivas vinculantes;
inexistência de controlo de mérito ou da obrigatoriedade de prestação de
contas em relação à orientação definida;
c) A independência em relação aos interesses envolvidos na actividade
regulada, recorrente da ausência de título representativo na designação dos
membros dirigentes e da forma de proceder à sua escolha, assente
essencialmente em critérios que permitam a nomeação de personalidades
regularmente independentes dos interesses em jogo.
Observando as características narradas por Vital Moreira, nota-se, comparando até
mesmo a regulação que vem sendo realizada no país sobre outras atividades
econômicas, sendo claro exemplo a que incide no mercado de petróleo e gás, que a
regulação do mercado de resseguro precisará avançar bastante, a fim de que, realmente,
possa gerar benefícios aos regulados e ao país.
Marçal Justen Filho
248
, apresenta os seguintes comentários a respeito da autonomia
que deve caracterizar as agências reguladoras:
No contexto acima descrito, adquire especial importância a figura das
agências reguladoras independentes. A ampliação do poder de controle
estatal sobre a atividade privada exige instrumentos jurídicos e materiais
compatíveis com necessidades inexistentes anteriormente. A experiência dos
demais países ocidentais propiciou o surgimento de figuras específicas, às
quais foi atribuída a competência para exercício de poderes essenciais para
configuração do modelo regulatório. São entidades integrantes da estrutura
estatal, mas que apresentam peculiaridades que as diferenciam das entidades
administrativas tradicionalmente verificadas nos países de tradição
continental. Costumam ser identificadas como agências reguladoras
(independentes ou não). Figuras similares começaram a ser introduzidas nos
países europeus a partir da década de 1970, sob a denominação de
autoridades (administrativas) independentes – ainda que muitas das quais
vocacionadas a fins peculiares, como se verá adiante. Em todas as hipóteses,
porém, o surgimento dessas entidades autônomas retrata a concepção de que
as competências regulatórias não podem ser mantidas na órbita das estruturas
estatais tradicionais. A natureza dos poderes a ela reservados demandaria
autonomia e independência, o que justificaria seu afastamento da influência
direta dos órgãos executivos e legislativos.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto
249
, da mesma maneira, também afirma que às
agências reguladoras devem ser asseguradas a autonomia, neutralidade e independência,
para que possam exercer o seu mister livre de pressões e interferências políticas.
248
JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p.
51.
249
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Ob. cit., pp. 417/423.
133
A questão da, assim denominada, independência dos órgãos reguladores,
sempre com a cautela de não se tomar a expressão “independência” no
sentido que lhe atribui a Ciência Política, de autodeterminação juspolítica
plena, suscita dois discursos: o do alcance do que deva ser a autonomia do
que se deva entender por sua neutralidade. Quanto à autonomia, embora se
deva reconhecer que se trata de um conceito polissêmico, como tantos outros
do Direito, parece suficiente lembrar que, nos caso das agências reguladoras,
além das tradicionais características autonômicas gerais das autarquias, há
essa outra e nova dimensão de autodeterminação, que resulta da abertura,
pela lei, de um espaço decisório deslegalizado para que elas atuem em seus
respectivos setores sensíveis. Quanto à neutralidade, ela deve ser considerada
a própria finalidade da outorga de tal autonomia qualificada aos órgãos
reguladores, pois será uma condição imprescindível para que os agentes
reguladores cheguem a definir casuisticamente os interesses gerais setoriais,
que devem retirar dos fatos e fazer com que prevaleçam, identificando e
ponderando todos os interesses em jogo, inclusive como já se expôs, não
contém, conceitualmente, qualquer pré-definição de interesses públicos
específicos interferentes sobre a matéria regulação. Na verdade, em se
tratando de relações sujeitas à regulação, a doutrina é clara: “Não há
prevalência de um interesse público sobre interesses privados, mas necessária
coexistência de todos os interesses em jogo, daí a exigência de neutralidade
na função reguladora. (...). Quanto à independência, necessária para que se
garanta o exercício neutro exigido pela função de regulação, deve ser
entendida com um conteúdo restrito a quatro aspectos: a dos gestores, a
técnica, a normativa e a gerencial, orçamentária e financeira.
a) A independência política dos gestores é garantida pela nomeação de
agentes administrativos para o exercício de mandatos a termo, provendo-lhes
estabilidade em seus cargos, necessária para que executem, sem ingerência
do Executivo, a política regulatória estabelecida pelo Legislativo para o setor.
b) A independência técnica dos gestores é garantida para que possam
desempenhar as suas funções prolatando decisões politicamente neutras, com
predomínio dos subsídios técnicos e da negociação.
c) A independência normativa é a que assegura o emprego da regulação como
principal instrumento padronizador de sua ação setorial.
d) A independência gerencial, financeira e orçamentária torna completo o
quadro de garantias de atuação autônoma dessas entidades, como condição
necessária para afastar a ingerência substantiva da Administração Direta em
sua gestão.(...).
Em suma, sem efetiva independência, não obstante a adjetivação inane que se
lhes dê, o órgão regulador estará impossibilitado de ser o executor fiel da
específica política de deslegalização que o Poder Legislativo definiu, por lei,
para um específico setor crítico regulado e, em conseqüência, o cidadão
estará privado de desfrutar das garantias administrativas de seus direitos
constitucionais sem os benefícios da antecipação, da especialização e da
presteza, cada vez mais necessárias naqueles setores, em que a ciência e a
tecnologia incessantemente alteram as relações interpessoais.
Analisando as exposições de Vital Moreira, Alexandra Santos de Aragão e Diogo
de Figueiredo Moreira Neto, pode ser observada a importância de que se revestem a
autonomia, a neutralidade e a independência, como características imprescindíveis ao
134
exercício da regulação independente, o que já se evidencia no país, por exemplo, nos
mercados de petróleo e gás
250
, energia elétrica e no de telecomunicações.
Seja quanto à regulação de serviços públicos ou quanto à regulação de atividades
econômicas, demonstrou-se a necessidade e a importância de que esta seja exercida de
maneira imparcial, sendo certo que, com relação ao resseguro, a realidade não se
apresenta de maneira distinta.
4.4 Auto-Regulação
Invariavelmente, sinistros de grandes proporções, que demandem a contratação de
coberturas ressecuritárias, carecerão de que os pagamentos sejam efetuados por
resseguradores estabelecidos em países diferentes do local em que ocorreu o sinistro
251
.
250
Tomada a título exemplificativo, a Agência Nacional do Petróleo - ANP, criada pela Lei nº. 9.487, de
6 de agosto de 1997, foi desde então submetida a regime autárquico especial (art. 7º). Os mandatos
dos seus Diretores são exercidos pelo prazo fixo de 4 (quatro) anos, possibilitada a recondução por
novo prazo de 4 (quatro) anos (art. 11, § 3º), valendo acrescer que, ao menos em regra, há
discricionariedade técnica para que a agência tome as medidas que entenda adequadas à
sustentabilidade do marco regulatório instituído, elementos que demonstram a preocupação do
legislador no sentido de que a regulação fosse realmente implementada de maneira autônoma,
independente e neutra, imune às pressões exercidas pelo Governo e pelos regulados envolvidos neste
mercado. Garantias similares às concedidas aos Dirigentes da Agência Nacional do Petróleo foram
concedidas aos Dirigentes da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, conforme previsto
na Lei nº. 9.478, de 1997 e aos Dirigentes da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL,
conforme previsto na Lei nº. 9.427, de 1996.
251
Em 20 de março de 2001 a plataforma P-36, à época uma das maiores plataformas de petróleo da Petrobrás,
naufragou na Bacia de Campos, no Estado do Rio de Janeiro, ocasionando prejuízo estimado em US$ 400
milhões de dólares norte-americanos. A distribuição do risco subscrito por um consórcio de seguradoras e por
resseguradores internacionais atribuiu às seguradoras estabelecidas no país o equivalente a 1% sobre a totalidade
do risco assegurado, distribuindo-se os 99% restantes entre os resseguradores estrangeiros envolvidos na
operação. O pagamento do capital segurado foi quase que integralmente realizado por resseguradores que não estão
estabelecidos no Brasil e que, por este motivo, não se sujeitam à legislação nacional de seguros, muito menos à
regulação exercida pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP ou pelo próprio IRB. O acidente relacionado à
plataforma P-36 foi intensamente noticiado pela mídia quando de sua ocorrência. O Jornal “Folha de São Paulo”,
publicado em 17.03.2001 (matéria disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u24685.shtml>,
acessado em 5.11.2006, noticiou o seguinte no que se refere ao pagamento do capital segurado: “A plataforma de
US$ 400 milhões que afunda na bacia de Campos, no Rio, está agitando o mercado internacional de seguros. No
Brasil, o impacto do acidente não provocará um desembolso maior do que US$ 5 milhões pelo consórcio de
seguradoras liderado pela Bradesco Seguros, que responde por apenas 0,98% do valor total de US$ 500 milhões
pelo qual a plataforma P-36 foi assegurada no ano passado. O Bradesco tem 40% desses 0,98%; o Itaú, 30%;
Unibanco, 12%; AGF, 9%; e Tokio Marine, 9%. O consórcio brasileiro tomou a precaução de fazer resseguro
do contrato com a Petrobrás, o que significa que também será ressarcido pelo pagamento de sua parte na
indenização. Tudo caminha na direção da perda total. Ontem, o coordenador da Petrobrás na bacia de Campos,
no Rio, Eduardo Belo, disse que a plataforma P-36 poderá afundar em três dias. O vice-diretor de Comunicações
da Associação de Engenheiros da Petrobrás, Argemiro Pertence Neto, disse que, ontem à tarde, a plataforma P-
36 já estava com inclinação de 35 graus, "o limite para que possa continuar flutuando". O mercado
internacional arca com 99% do seguro de US$ 500 milhões, dividido entre 10 companhias coordenadas pela
AON Re, uma das três maiores do mundo. A AON Re fez o resseguro da plataforma da empresa com outras
corretoras no mercado internacional. Ou seja, o pagamento do prejuízo da Petrobrás será feito por uma série de
companhias que "dividiram" o risco do seguro. Um sinistro desse porte depende de especialistas do mercado
exterior em plataformas e não se pode precisar o tempo que será definitivamente encerrado, uma vez que as
135
Isto demonstra que, em certa medida, a regulação excessivamente detalhista, caso seja
realizada país a país ao redor do mundo, não terá condições de ser compulsória, por
restrições características ao próprio Direito Internacional Privado
252
. Paulo Borba
Casella
253
defende esta posição:
O caráter inerentemente internacional do objeto não se pode separar da
necessidade de sua regulação em distintos ordenamentos, mas esta regulação
se terá de fazer de modo consentâneo com os limites e necessidades da
atuação da matéria, sob pena de perder-se a efetividade e o sentido.
Sendo inviável, pois, a edição de múltiplos atos normativos, voltados à disciplina
dos mais diversos aspectos relacionados ao resseguro, sob a perspectiva internacional
solidificaram-se os usos e costumes, reconhecidos como típica fonte de obrigações.
Nessa exata linha de raciocínio posiciona-se Marcelo Mansur Haddad
254
:
Em função do caráter internacional do resseguro, na maioria dos países, este
instituto não recebe tratamento legislativo específico e, quando o recebe,
muitas das vezes, os ordenamentos nacionais limitam-se a estabelecer que a
ele não se aplicam as regras relativas a seguro, apesar de ser securitária a sua
natureza jurídica, conforme acima analisado. O cenário acima transcrito
resultado do fato de que ocorre nas relações entre segurados e seguradoras,
onde existe uma ampla intervenção dos direitos locais na liberdade individual
das partes, seja através do chamado direito securitário, seja através de normas
de proteção ao consumidor ou normas específicas sobre algumas
modalidades de seguros, como, por exemplo, o seguro-saúde, normalmente a
variáveis para esse tipo de ocorrência são inúmeras. Apesar das grandes proporções, o acidente não deve levar
mais companhias à bancarrota do que a Plataforma Piper Alpha, cuja explosão, no Mar do Norte, custou às
seguradoras, em 1988, mais de US$ 2,9 bilhões”. Da mesma maneira, o fatídico atentado contra o World Trade
Center, ocorrido em 11 de setembro de 2001, também despertou a necessidade de que o pagamento das indenizações,
estimadas em US$ 40 bilhões de dólares norte-americanos, fosse efetuado por resseguradores estrangeiros. Dos 40
bilhões indenizados, Swiss Re e Munich Re pagaram US$ 2 bilhões cada uma. A General e Cologne Re pagaram US$ 3
bilhões cada. (Informações disponíveis em <http://www.segs.com.br/index.cfm?fuseaction=ver&cod=626>, acessado
em 5.11.2006).
252
Paulo Luiz de Toledo Piza explica essa natureza internacional do contrato de resseguro da seguinte maneira: “A
grande incerteza que afeta o direito internacional das obrigações, escreveu Stein, manifesta-se com particular
ênfase no que diz respeito aos contratos internacionais em matéria de seguro e resseguro. (...) Quando se diz,
portanto, que o resseguro é “essencialmente” internacional, e que tem “natureza” internacional, não se está,
exatamente, laborando em bases ontológicas, ou contratualmente móveis, mas se está simplesmente indicando
que boa parte dos contratos de resseguro – mormente onde não há monopólio – são usualmente celebrados
rompendo-se as fronteiras nacionais. Registre-se, nesse prisma, que Hagopian e Laparra, embora insistam na
feição internacional do resseguro, assim o fazem considerando, justamente, a freqüência com que tais operações
são entabuladas entre empresas sediadas em Estados diversos. “O próprio objeto do resseguro”, dizem eles,
“sendo sua finalidade técnica a disseminação, a dispersão, a igualação, a homogeneização dos riscos cobertos
pelos seguradores, as cessões de resseguro se realizam na maioria dos casos por meio e por sobre as fronteiras
nacionais”. Para então assinalarem “que a maior parte das operações de resseguro pertencem ao direito
internacional privado””. (PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Ob. cit., pp. 353/354).
253
CASELLA, Paulo Borba. Prefácio à obra Contrato de Resseguro. Tipologia, Formação e Direito
Internacional, de Paulo Luiz de Toledo Piza. São Paulo: IBDS/EMTS, 2002.
254
HADDAD, Marcelo Mansur. O Resseguro Internacional. Rio de Janeiro: Funenseg, 2003, p. 57. A obra em
referência corresponde à tese de doutoramento apresentada pelo autor à Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, em 2002.
136
relação entre seguradora e resseguradora fundamenta-se na ampla autonomia
das partes, já que se trata de um relacionamento entre dois profissionais. (...)
Note-se, contudo, que os contratos não são as únicas fontes do direito do
resseguro, acrescentando-se aos mesmos os costumes do mercado
ressegurador internacional. Ademais, há que se mencionar a importância da
arbitragem como forma de solução de controvérsias, a qual, embora não
possa ser caracterizada como um costume, pela ausência de seu caráter
obrigatório, é parte integrante da praxe ressecuritária. Apesar da arbitragem
ser aqui analisada separadamente, já se torna possível vislumbrar a existência
de um certo vínculo entre os contratos de resseguro, os costumes
internacionais e a arbitragem, elementos estes, que, justamente com os
princípios securitários nacionais aplicáveis ao resseguro, sustentam o direito
do resseguro.
Constatando-se que as obrigações indenizatórias assumidas nos contratos de
resseguro relacionados a grandes riscos foram cumpridas
255
, não resta dúvida de que o
mercado ressegurador, por intermédio dos mencionados usos e costumes que, a seguir,
serão comentados, encontra-se inserido num contexto em que floresce a auto-regulação.
Não há dúvida de que entre seguradores e resseguradores, estabelecidos em âmbito
mundial, vigora um “Código de Normas”
256
, preenchido pelos mencionados usos e
costumes, que são observados e que, justamente por isso, viabilizam o crescimento e o
aprimoramento constantes desta atividade.
Entre os próprios resseguradores, ao longo dos anos, suas próprias práticas
operam como verdadeiras fontes de obrigações para as contratações futuras, o que
significa dizer que as normas são produzidas pelos próprios agentes em exercício no
mercado.
Vital Moreira
257
, ao abordar a auto-regulação profissional, explica-a da seguinte
maneira:
Quando uma associação profissional elabora um código deontológico para os
membros da correspondente profissão, ou quando uma associação de
fabricantes de determinado produto emite um código de conduta sobre as
normas de controlo de qualidade e protecção do consumidor, em qualquer
dos casos estamos perante fenómenos típicos de auto-regulação. O conceito
de auto-regulação está longe de ser unívoco, tanto ou menos do que o
conceito de regulação. Na sua definição mais elementar, auto-regulação é a
255
Tomando a título exemplificativo, os sinistros envolvendo a plataforma P-36 e o World Trade Center.
256
Foram utilizadas as aspas na expressão “Código de Normas” porque pretendeu-se empregar à mesma um
significado superior ao significado meramente sintático. Na realidade, conforme ocorre com o Direito Civil, que
dispõe do seu Código Civil, com o Direito do Consumidor, que também dispõe do seu Código de Proteção e
Defesa do Consumidor, entre tantos outros diplomas legais vigentes no país, o Direito do Resseguro não dispõe
de um Código do Resseguro. Em que pese esta carência, o referido “Código de Normas” norteia a atuação dos
resseguradores, dos ressegurados e dos demais agentes em atuação nesse mercado.
257
MOREIRA, Vital. Auto-Regulação Profissional e Administração Pública. Coimbra: Almedina, 1997, pp.
52/54.
137
regulação levada a cabo pelos próprios interessados. Na definição de um
autor, <<auto-regulação pode ser definida como o sistema sob o qual as
regras são feitas por aqueles a quem elas vão ser aplicadas>> (I. H. Davison,
1987:35). Três traços caracterizam a auto-regulação. Primeiro, é uma forma
de regulação e não ausência desta; auto-regulação é uma espécie do género
regulação. Segundo, é uma forma de regulação colectiva. Não existe auto-
regulação individual; a autocontenção ou autodisciplina de cada agente
econômico ou empresa, por motivos morais ou egoístas, não é regulação; a
auto-regulação envolve uma organização colectiva que estabelece e impõe
aos seus membros certas regras e certa disciplina (A.C. Page, 1986: 145).
Terceiro, é uma forma de regulação não estadual: <<Negativamente auto-
regulação pode ser definida como regulação não pública>> (A. C. Page,
1986: 144). (...) A auto-regulação propriamente dita não é menos “artificial”
do que a regulação estadual. Também ela implica a formulação de normas e a
sua implementação, de modo a influenciar, condicionar, proibir ou
constranger a actividade dos agentes económicos, colectivamente
organizados, que desse modo são simultaneamente, autores e destinatários da
regulação.
As palavras de Vital Moreira são bem claras ao assentarem que a auto-regulação
profissional não implica em liberdade, no sentido de que inexistira regulação. A
inexistência de regulação, em hipótese alguma, pode ser confundida com a auto-
regulação. Como bem ponderou o referido autor, “auto-regulação é uma forma de
regulação, não ausência desta; auto-regulação é uma espécie do género regulação”.
Auto-regular, portanto, não implica em deixar o mercado em referência
caminhando de maneira livre, anarquicamente, independentemente de regras
específicas, de normas a serem observadas por seus agentes. Ao contrário, implica,
positivamente, na observância dessas normas, com apenas uma diferença em relação à
regulação tradicional, qual seja, a de que a elaboração dessas normas caberá aos
próprios agentes; aqueles que elaboram serão os próprios destinatários finais das
mesmas, não havendo que se falar, portanto, na elaboração de normas – regulação
normativa – a ser exercida por agência reguladora ou outro agente externo, seja público
ou privado.
Especificamente quanto à possibilidade de que o mercado de seguros brasileiro
seja auto-regulado, o próprio Vital Moreira, em recente visita ao Brasil, concedeu
entrevista à FUNENSEG – Fundação Nacional Escola de Seguros, manifestando-se
favoravelmente
258
.
258
MOREIRA, Vital. Auto-regulação no mercado de seguros. Funenseg, Rio de Janeiro, disponível em
<www_Seguros_inf_br auto regulação.htm>, acessado em 25.06.2006: “A auto-regulação é um caminho que a
SUSEP está buscando no Brasil, como que ela pode beneficiar o consumidor brasileiro? Uma das razões que as
empresas se auto-regulam é fazer valer a sua imagem perante os consumidores, e o interesse próprio é a principal
razão. O benefício vem por dois motivos, por um lado porque se auto-regulando, as empresas evitam uma
138
Em síntese, Vital Moreira comentou que a auto-regulação seria benéfica tanto
para o regulador atual quanto para as próprias seguradoras, na medida em que da
elaboração das normas pelas próprias Companhias decorreria uma regulação menos
intrusiva por parte do órgão regulador e, sob a perspectiva dos segurados,
consumidores, haveria um ganho de confiança, motivado por uma melhora da imagem
das seguradoras. Nas palavras do autor,
(...) são variadas as razões da opção pela auto-regulação, que tem a ver
naturalmente com as vantagens que ela oferece sobre a regulação estadual e
sobre a ausência de regulação. As principais vantagens são a maior eficácia,
maior flexibilidade e maior economia, provenientes da integração das
funções de definição e implementação do programa regulador, bem como da
legitimidade da intervenção sob o ponto de vista daqueles sobre quem ela vai
incidir. <<O autopoliciamento dos grupos é frequentemente menos oneroso e
mais eficaz do que a regulação estadual>> (Streeck, 1983:276)
259
.
Acrescentou-se que a auto-regulação não eliminaria a regulação, que continuaria a
ser exercida pela entidade estatal
260
, com a ressalva de que em menor intensidade. Para
os segurados, a certificação pelo regulador dos contratos de seguro firmados no
mercado continuaria gerando ganhos de confiança, sendo certo, consoante se expôs, que
regulação intrusiva por parte do Estado, que neste caso exercerá uma regulação mais severa do que a que a
própria empresa fizer; desta forma seria uma auto-regulação preventiva. Nessa transação todos ganham, ganha o
Estado, pois poupa recursos das autoridades, e ganham os regulados, porque conseguem um sistema regulatório
menos intrusivo e que é feito por eles próprios. Qual seria a razão para a auto-regulação? É criar aquilo que se
chama um bom nome da profissão perante os consumidores, passar aos clientes uma imagem de responsabilidade,
de seriedade, isto é, “Vocês podem confiar em nós, porque nós próprios criamos o nosso código de ética de
conduta”. Tudo isso cria vantagens competitivas em termos comerciais, e portanto mais uma vez há o interesse
próprio. É claro que auto-regulação não pode ser uma solução auto-suficiente, e sim uma solução adicional, é
uma solução que se combina com a ação efetuada pela agência reguladora. Os mecanismos de auto-regulação
facilitam as empresas à aceitação da própria regulação exterior, portanto a idéia de auto-regulação pode ajudar a
aceitar a própria regulação. O resultado é em um ciclo virtuoso, ou seja, a regulação incentiva a auto-regulação e
a auto-regulação assegura as condições para aceitação da regulação externa. Qual o papel do Estado quando a
auto-regulação já está implementada? Regular a auto-regulação, porque esta é incentivada, estimulada, controlada
pela agência reguladora. Para os consumidores é importante saber que a empresa cujos produtos compra está
certificada de acordo com certos parâmetros, e por isso a agência é importante. Há evidências empíricas que os
mecanismos de auto-regulação são muito mais eficazes, pois criam menos resistências. Um exemplo bem claro
são as ouvidorias. Neste caso, a agência reguladora obriga as empresas a ouvirem as queixas de seus clientes,
identificá-las, apreciá-las e tomar decisões para solucioná-las. A agência vai verificar se a empresa está fazendo
corretamente tal procedimento. Ao invés de ter um esquema de regulação triangular, onde as relações são entre
empresa - cliente - agências reguladoras, vamos ter uma regulação cliente – empresa e, a agência reguladora
monitorando e verificando a eficácia do esquema de apreciação obrigatória e se o rigor da empresa está
funcionando, caso contrário a agência terá que intervir. A auto-regulação funciona como um esquema de
descentralização. Qual sua visão do processo regulatório que já está sendo implementado no Brasil? Eu creio que
o Brasil tem feito nos últimos anos um processo de aprendizagem muito rápido das implicações do novo
paradigma da economia de mercado auto-regulada. O que de fato tem que ser realizado é aceitar duas regras
básicas: A primeira é de que a primazia nacional é o mercado e que a regulação é para auxiliá-lo e, a segunda é
que não há economia de mercado sem auto-regulação”.
259
MOREIRA, Vital. Ob. cit., p. 91.
260
No Brasil, esta entidade estatal é a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, por força do que dispõe o
Decreto-Lei nº. 73, de 21 de agosto de 1966, em seus artigos 35 a 40.
139
a auto-regulação não eliminaria essa espécie de regulação. O que se teria, na realidade,
seria um círculo virtuoso, uma soma de forças, não um conflito entre as companhias
auto-reguladas e o regulador.
Portanto, com relação ao mercado de seguros, foram identificados elementos
positivos no sentido de que seja implementada a auto-regulação.
O mercado de resseguros, por sua vez, em razão da utilização dos mencionados
usos e costumes em âmbito internacional, já apresenta sinais de que a regulação estatal
não poderá ser detalhista, sob pena de até mesmo causar embaraços ao desenvolvimento
dessa atividade
261
. Construindo raciocínio nesse sentido, convém observar as palavras de
Paulo Luiz de Toledo Piza, justamente ao explicar que o conteúdo das propostas e dos
contratos de resseguro hodiernamente praticados decorre muito mais dos mencionados
usos e costumes do que de normas regulatórias dispostas pelo Poder Público
262
:
Considere-se, em paralelo, em relação ao contrato de resseguro, que a sua
uniformidade e o conteúdo predisposto pela proposta não decorrem tanto da
sua “tarifação”, ou aprovação, pelo Poder Público, mas de usos consolidados
e especificamente voltados a atender determinadas exigências técnico-
operacionais. Isto, à evidência, não é inteiramente válido em mercados
monopolizados, como ainda é o caso brasileiro
263
, mas, como acima se
assinalou, a “publicização” do conteúdo do contrato de resseguro e, pois, a da
proposta de resseguro, também nesses ambientes, em geral se reportam a
usos consolidados na prática ressecuritária internacional, em grande parte
decorrentes das exigências técnico-operacionais incidentes. (...) As condições
gerais do resseguro, em quaisquer de suas formas operacionais e modalidades
técnicas, são de certo modo conhecidas antecipadamente. Importa ressaltar,
entretanto, que os “modelos contratuais” a que se remetem as propostas não
são, em princípio, imodificáveis. (...) A raridade com que ocorrem
modificações das condições contratuais usualmente praticadas ou divulgadas
por qualquer das partes, em outros termos, não é, a rigor, senão uma
“circunstância de fato” – conseqüência da dinâmica e da particular estrutura
de um mercado específico, e não um dado jurídico intransigente do
procedimento de formação do contrato de resseguro. A normal uniformidade
dos contratos de resseguro, em suma, não deve ser considerada conseqüência
da uniformidade de conteúdo presumido pela proposta, mas da
estandardização de uma série de cláusulas que, por efeito de sua constante
utilização, tornam uniforme o seu conteúdo. Por isso tudo, enfim, não seria o
caso de entender que a proposta de resseguro, por submeter-se, em geral, a
261
Consoante anotado no segundo capítulo desta dissertação, a regulação do resseguro, ante o seu caráter
internacional, deverá nortear-se pela intervenção estatal leve, considerando os mencionados usos e costumes.
Nesse particular, vale reiterar que a própria Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto nº. 4.657, de 4 de
setembro de 1942 – reconhece em seu art. 4º. a importância dos costumes como típica fonte de obrigações. Art.
4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais
de direito.
262
PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Ob. cit., pp. 314/316.
263
A obra da qual foi extraído esse comentário foi publicada no ano de 2002, ocasião na qual o monopólio do IRB
sobre o resseguro no país ainda encontrava-se estabelecido. A partir de 15 de janeiro de 2007, por força da sanção
da Lei Complementar nº. 126, este monopólio foi eliminado do ordenamento jurídico brasileiro.
140
um conteúdo predeterminado, constante e quase fixo, possa ser compreendida
como uma proposta feita mediante condições gerais de contrato. (...) Posto
isto, aliás, é que a doutrina aponta que o contrato de resseguro não seria um
contrato standard, no sentido técnico que normalmente se empresa a esta
expressão, mas um contrato estandardizado pelo uso, que traz uma série de
elementos que respondem sempre a “esquemas” similares, que lhes são
próprios.
Para João Marcelo Máximo dos Santos
264
, o conceito de regulação aplicado à
realidade atual implica na busca pelo equilíbrio econômico, o que, necessariamente,
enfrenta ciclos de regulação e desregulação.
Em suma, pode-se compreender a regulação como sendo a intervenção no
ambiente econômico, em vistas à manutenção de seu equilíbrio e promoção
do seu desenvolvimento. Esse processo passa por ciclos de regulação e
desregulação e, atualmente, assiste-se a uma mudança de posição por parte
do Estado Regulador. Isso na medida em que o foco de sua intervenção deixa
de ser, cada vez mais, estabelecimento de regras de conduta detalhadas para
tornar-se definição de uma estratégia eficiente de supervisão e controle
adaptada à dinâmica econômica atual, de freqüentes mudanças estruturais e
internacionalização do ambiente econômico.
Do conceito acima, convém destacar a noção segundo a qual o foco da
intervenção estatal tem sido muito mais voltado para uma estratégia eficiente do que
para a edição de normas detalhistas em quantidade, cujo escopo seja o de dissecar a
matéria a ser estudada. Esse entendimento alinha-se à regulação a ser desempenhada no
mercado de resseguro, sobretudo considerando os usos e costumes internacionais de
recorrente utilização e, adicionalmente, o fato de os contratantes, segurador e
ressegurador, em não raras ocasiões, encontrarem-se estabelecidos em diferentes países,
o que denota o caráter internacional dessa espécie de negócio.
Calixto Salomão Filho tece comentários a respeito da interseção existente entre a
desregulação ou desregulamentação, consoante chamado pelo próprio autor, e a auto-
regulação, esclarecendo que é por intermédio desta que aquela alcança a sua finalidade.
Por essa mesma origem histórica e ideológica a desregulação vem geralmente
acompanhada da auto-regulação. A desregulação faz-se através de
mecanismos de auto-regulação, exatamente porque é através da auto-
regulação que se pretende criar as condições ideais para tornar efetiva a “mão
invisível” do mercado. Assim, muitos dos movimentos de desregulamentação
optam pela criação de bolsas de negócios, ao formato das bolsas de valores
que concentram todas as operações e criam regras internas de auto-regulação,
264
SANTOS, João Marcelo Máximo dos. Visão Jurídica da Auto-Regulação no Mercado de Seguros. In: Revista
Brasileira de Risco e Seguro, n. 1. Rio de Janeiro: Funenseg, abr/jul 2005, p. 23.
141
no sentido de aperfeiçoar o mercado. Essa é a primeira característica sensível
da desregulação: a opção por sistema de auto-regulação que seja capaz de
tentar criar um ambiente semelhante à concorrência perfeita. A recriação das
condições de mercado “em laboratório” muda, portanto, de forma, mas não
de conteúdo
265
.
Assim, para que determinado mercado possa se auto-regular, torna-se
absolutamente necessário que este tenha alcançado maturidade suficiente a ponto de
poder, por si só, cuidar de si mesmo independentemente de quaisquer interferências
exógenas, livre de captura de interesses por parte dos regulados, sem que, desta
maneira, sejam prejudicados os interesses gerais de titularidade dos consumidores, dos
concorrentes em atuação no mercado em espécie, isto é, que este mercado disponha de
mecanismos suficientes para que não ocorram infrações à ordem econômica.
Sem dúvida, o alcance de condição dessa natureza, que possibilite a auto-
regulação, carece de um elevado grau de amadurecimento do mesmo. Não se alcança
condição como esta de maneira instantânea. João Marcelo Máximo dos Santos
266
oferece
a seguinte explicação para o funcionamento de um mercado auto-regulado:
Em suma, a auto-regulação pode ser entendida como o processo de
implementação e revisão, pelos próprios agentes de um determinado mercado
ou pelas pessoas que exercem determinada atividade, de limites e parâmetros
de atuação a serem respeitados no âmbito de suas atividades. A existência de
auto-regulação, por sua vez, independe de autorização, incentivo ou
determinação estatal, e de integrar o grupo auto-regulado à totalidade dos que
constituem o mercado ou exercem a atividade em questão, nada obstante a
presença desses elementos significar efetivo fortalecimento do processo.
Comentando a definição do referido autor, tem-se que não se faz necessária
autorização do Governo, leia-se, da do órgão responsável pela regulação – SUSEP –
para que seja instituída a auto-regulação. O alcance desse status depende muito mais da
iniciativa dos próprios regulados – resseguradores, corretores de resseguro e
ressegurados – do que de uma iniciativa estatal com este propósito, o que se mostra em
sintonia com o princípio da subsidiariedade
267
.
265
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 21.
266
SANTOS, João Marcelo Máximo dos. Ob cit., p. 25.
267
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 88. “O princípio da subsidiariedade diz respeito às relações, de um lado, entre os níveis de concentração
de poder e, de outro, entre os respectivos níveis de interesses a serem satisfeitos. (...) A subsidiariedade prescreve
o escalonamento de atribuições entre entes ou órgãos, em função da complexidade do atendimento dos interesses
da sociedade. Cabe, assim,, primariamente aos indivíduos decidirem e agirem no que se refira aos inerentes
interesses individuais, e, apenas secundária e sucessivamente, aos entes e órgãos, sociais ou políticos, de decisão
coletiva, de sua criação. Portanto, nesse escalonamento de responsabilidades no atendimento de interesses, cabe
142
Caberá ao mercado, aos seus agentes, enxergar os benefícios que a auto-regulação
será capaz de fomentar, notadamente traduzidos nos seguintes aspectos: (i) desoneração
da carga excessiva, tanto política como administrativa e financeira; (ii) maior eficácia
da regulação, derivada da aceitabilidade e observância menos litigiosa por parte dos
regulados; (iii) maior flexibilidade e mais fácil adequação às mudanças de
circunstâncias; (iv) distanciamento e preservação da legitimidade estadual; (v) melhor
adequação da regulação à crescente diferenciação e complexidade das esferas reguladas
e (vi) única via disponível para a regulação de certas áreas onde a cooperação dos
regulados é condição indispensável
268
.
A partir dos elementos ora mencionados, deverão ser empreendidos esforços no
sentido de implementar a auto-regulação, fazendo transparecer cada vez mais as normas
e costumes observados, criando as ouvidorias (ombudsman
269
), em suma, tornando cada
vez mais claras as operações realizadas, repita-se, independentemente do controle que
venha a ser exercido pelo Governo e valorizando as reclamações formuladas pelos
agentes que tenham participação no mercado.
Especificamente com relação ao mercado de resseguro, a auto-regulação dispõe de
características que se amoldam às nuances dessa espécie de negócio. Consoante exposto
ao longo do capítulo anterior, o resseguro, essencialmente, trata-se de negócio realizado
por países, via de regra, estabelecidos em países distintos, o que significa dizer que pelo
menos dois seriam os ordenamentos jurídicos aplicáveis a eventuais discussões que
viessem a surgir.
Justamente para evitar discussões desta ordem a contratação de resseguro, mundo
afora, adota usos e costumes, observados como típicas fontes de obrigações por
resseguradores, seguradores e retrocessionários, o que elimina, como se pode perceber,
aos grupos sociais menores, por suas organizações civis, decidirem e agirem para a satisfação dos respectivos
interesses coletivos; aos grupos sociais maiores, também por suas organizações civis próprias, decidirem e agirem
em prosseguimento de interesses coletivos de maior abrangência; e à sociedade civil, como um todo, por suas
organizações civis de âmbito geral, decidir a agir para o atendimento de seus interesses gerais. Somente aquelas
demandas que, por sua própria natureza, em razão da complexidade e da necessidade de uma ação concentrada e
coercitiva, inclusive com centralização de recursos, não puderem ser atendidas pela própria comunidade, por sua
próprias organizações, deverão ser cometidas às organizações políticas, que atuarão, portanto, sempre
subsidiariamente às da sociedade”.
268
As vantagens inerentes à auto-regulação profissional por Vital Moreira. Ob. cit., p. 92.
269
A criação das ouvidorias pelo empresariado nacional tem como objetivo formar um canal de comunicação com os
consumidores de maneira a equacionar as eventuais reclamações existentes independentemente da atuação estatal, seja por
intermédio do próprio Governo, seja por intermédio de Agência Reguladora Independente. No país, com atenção para o
mercado segurador, diversas companhias criaram suas ouvidorias. São exemplos a Unibanco Aig Seguros e Previdência,
cuja ouvidoria está disponível em <http://www.unibancoaig.com.br/faleconosco/ouvidoria> e o Grupo Bradesco Seguros,
cuja ouvidoria está disponível em <http://www.bradescoseguros.com.br/fale_conosco/alo_bradesco.asp>, ambos acessados
em 17.11.2006.
143
a atuação de agentes reguladores sobre os diversos negócios que são diariamente
realizados.
Dessa maneira, nota-se que o conceito de auto-regulação parece reunir as
características necessárias à sua implementação ao mercado ressegurador brasileiro,
obviamente que não de uma forma instantânea, sob pena de, prematuramente,
desperdiçar uma oportunidade viável de fazer com que o Estado, gradualmente, deixe
para o próprio mercado o ônus de se auto-organizar.
Quanto às vantagens decorrentes da implementação da auto-regulação, convém
observar a citação a seguir, extraída de artigo de João Marcelo Máximo dos Santos em
que, por sua pertinência, é mencionada a obra de Vital Moreira
270
:
De fato, a auto-regulação pode ser parte da solução para o problema da
juridificação da economia atual. É precisa a lição de VITAL MOREIRA:
“Nessa perspectiva, os sistemas contemporâneos excluem a possibilidade de
uma regulação esgotante das relações sociais pelo Estado. O caminho
admissível é a restrição da regulação estatal ao estabelecimento e
monitorização de esquemas de devolução da regulação aos diversos
subsistemas. A racionalidade substantiva do sistema jurídico clássico,
estabelecendo ele mesmo o conteúdo jurídico da regulação, tem de dar lugar
a um sistema reflexivo, em que a ordem jurídica abandona a regulação
substantiva, para se limitar a definir objetivos gerais, a estabelecer
parâmetros de regulação e de procedimentos e a organizar formas de
supervisão e controle. O direito torna-se um sistema de coordenação da acção
dentro de (e entre) subsistemas sociais semiautônomos; a este paradigma
jurídico chama Teubner o direito reflexivo (1983: 242, 257).”
Seja em decorrência de uma maior eficiência para os regulados, isto é, os
seguradores, os corretores de resseguro, os resseguradores e os retrocessionários, ou em
decorrência de uma diminuição da carga de responsabilidade do Estado que, ao se
afastar, propiciará que o próprio mercado organize-se por seus próprios meios, nota-se
na auto-regulação do mercado ressegurador nacional uma importante via rumo ao seu
desenvolvimento. Consoante exposto, a adoção desse sistema não deverá ser realizada
de maneira instantânea, a fim de que, gradualmente, cada agente que venha a se
estabelecer conheça suas funções e responsabilidades ainda em ambiente regulado por
órgão estatal para, após, aí sim, trilhar-se o caminho planejado para o ambiente auto-
regulado.
270
SANTOS, João Marcelo Máximo dos. Ob. cit., pp. 29/30.
144
A conclusão de João Marcelo Máximo dos Santos
271
para que o resseguro seja
auto-regulado no país é a seguinte:
Como se pode ver, a auto-regulação é processo extremamente benéfico tanto
para os agentes do mercado, e para aqueles que exercem determinada
atividade, como para o Estado. Para os primeiros, evita-se a intervenção
estatal e obtêm-se resultados mais efetivos na busca do equilíbrio e do
desenvolvimento do mercado ou da atividade, tudo com o fortalecimento
institucional do agente auto-regulador e do próprio mercado. Para o Estado, a
auto-regulação resulta na redução de sua responsabilidade e na possibilidade
de construção de um ambiente regulatório estatal mais focado em estratégias
de supervisão e controle eficientes, sem que esteja eliminada a possibilidade
e, sem sendo necessário, intervir no ambiente regulado.
Nessa linha de idéias, coligindo os elementos mencionados, relacionados, em
primeiro lugar, à regulação independente, passando por ciclos de desregulação para,
após, rumar à auto-regulação, entende-se que a implementação da auto-regulação no
mercado de resseguro brasileiro se afigura juridicamente possível à luz do princípio da
subsidiariedade.
4.5 Os Usos e Costumes Ressecuritários Internacionais
Marcelo Mansur Haddad
272
, ao iniciar os seus comentários a respeito dos usos e
costumes internacionais, é taxativo ao nestes identificar verdadeira fonte de obrigações
no direito do resseguro.
Os costumes tornam-se fontes do direito a partir de sua prática reiterada,
constante e uniforme, a qual deve necessariamente ser reconhecida e aceita
pelos agentes de um determinado mercado. Nas experimentadas palavras de
Carlos Maximiliano, é o costume “uma norma jurídica sobre determinada
relação de fato e resultante da prática diuturna e uniforme, que lhe dá força de
lei” (Maximiliano, 2001, p. 154). Sendo tal prática reconhecida e aceita
internacionalmente, estaremos diante de um costume internacional.
No campo do resseguro, não há dúvidas de que existem certas práticas, as
quais analisaremos a seguir, que são reconhecidamente aceitas por todos os
agentes deste mercado, tendo se tornado regras costumeiras através da
contínua divulgação e reiteração de determinadas técnicas ressecuritárias.
Segundo Frey, “a técnica e as necessidades dos negócios ressecuritários, que
mundialmente de uma forma ou de outra se assemelham, fizeram com que se
criassem, com o passar do tempo, regras costumeiras, que, no seu conjunto,
são designadas como usos e costumes ressecuritários”. (Frey, 1989, p. 295).
271
SANTOS, João Marcelo Máximo dos. Ob. cit., p. 30.
272
HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., pp. 68/69.
145
Em primeiro lugar, ao celebrarem determinado contrato de resseguro, caberá ao
segurador e ao ressegurador o cuidado para esmiuçarem todos os aspectos capazes de,
futuramente, gerar dificuldades de compreensão. No entanto, caso essas surjam, não se
controverte quanto à utilização dos usos e costumes como forma de equacioná-las.
Nessa linha é a posição de Klaus Gerathewohl, citado por Marcelo Mansur Haddad
273
:
Neste sentido, ensina-nos Gerathewohl, para quem, em razão do acima
exposto, o costume é uma fonte secundária do direito do resseguro
(nächstwitchtige Quelle des Rückversicherungsrechts), pois, “para a
construção e análise jurídica da relação entre segurador e ressegurador, os
contratos de resseguro têm e continuam a ter significado especial, gozando de
prioridade face a outros elementos. Na prática, contudo, não são raras as
vezes em que a determinação contratual dos direitos e obrigações recíprocos
das partes revela-se lacunosa e incompleta. É neste momento que entra em
ação o costume ressecuritário: ele serve como fonte para a interpretação do
direito contratual escrito e o preenchimento de lacunas, ou seja, situações que
as partes não regularam ou regularam de forma imperfeita” (Gerathewohl,
1979, p. 511).
Para Rubén S. Stiglitz
274
, o motivo pelo qual inexiste um regramento quantitativo
específico nos contratos de resseguro se trata da inexistência de empresas – seguradores
e resseguradores – que não sejam dotadas de expertise para negociar, o que,
conseqüentemente, agrega ainda mais força à importância dos usos e costumes
internacionais. A seguir, alguns dos seus comentários:
El fundamento de la falta de reglamentación legal específica del contrato de
reaseguro se halla en la circunstancia de que las empresas que celebran el
mismo, ambas profesionales en la materia, tienen necesidad de ser protegidas
una de la otra, lo que presupone la inexistencia de un débil jurídico. (...)
Fuera del ámbito de aplicación de las escasas normas de que dispone la Ley
de Seguros, o de la aplicación de ciertos princípios normativos receptados en
la teoría general del contrato de seguro, en tanto se adapten al de reaseguro y
sean aplicables analógicamente, hemos afirmado que prevalece la autonomía
de la libertad contractual, muy especialmente en orden al contenido de los
documentos negociales
275
.
273
HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., p. 69.
274
STIGLITZ, Rubén S. Derecho de Seguros. Tomo III. 4 ed. Buenos Aires: La Ley, 2004, pp. 304/317.
275
Em tradução livre do autor: “O fundamento para a falta de regulamentação legal específico do contrato de
resseguro está calcado na circunstância de que as empresas que o celebram, ambas profissionais na matéria, têm
necessidade de ser protegidas uma da outra, o que pressupõe a inexistência de um débil jurídico. (...) Fora do
âmbito de aplicação de certos princípios normativos presentes na teoria geral do contrato de seguro, os quais se
adaptam ao de resseguro e sejam aplicáveis analogicamente, temos afirmado que prevalece a autonomia da
liberdade contratual, muito especialmente no que se refere ao conteúdo dos documentos acordados”.
146
Nessa linha de idéias, ao lado da importância dos usos e costumes internacionais
encontra-se também a importância da autonomia da vontade das partes, desde que em
observância à ordem pública estabelecida. Saavedra e Perucchi
276
, fazendo remissão a
Halperin e Morandi, assim se posicionam:
La Ley de Seguros contiene algunas muy pocas normas específicas referidas
al contrato de reaseguro en su Título II (76) y frente a tal orfandad legislativa
se nos pueden presentar dos interrogantes básicos: ¿ las normas de la Ley de
Seguros, son en todos los casos, íntegramente aplicables al contrato de
reaseguro? y, ¿ cuál sería el regimen legal aplicable a los contratos de
reaseguro, especialmente cuando en ellos hay normas específicas
determinando, con precisión, los derechos y obligaciones de las partes? (...)
Halperín-Morandi creemos explican, adecuadamente, el régimen legal
aplicable a los contratos de reaseguro. En tal sentido, dicen los citados
autores que en este tipo de contrato, normalmente, hay dos partes que
negocian una operación comercial en una razonable situación de equilíbrio y
libertad: el asegurador y reasegurador quienes se suponen debidamente
capacitados, con los conocimientos técnicos y con la experiencia suficiente
para defender adecuadamente sus derechos y tomar decisiones sin necesitar
del tutelaje de un régimen legal diseñado para proteger situaciones
específicas y propias de los contratos de seguro de tipo massivo. A diferencia
de los contratos de seguro, en donde en muchos casos – por ejemplo el de los
seguros llamados “personales” – el asegurado simplesmente adhiere a una
relación contractual que se le propone, en el contrato de reaseguro las partes
tienen la possibilidad de discutir, negociar o en definitiva, optar por las
condiciones más convenientes a sus intereses, incluso las que le puede
ofrecer otro reasegurador. Por estas razones, la necesidad de protección al
asegurado en el contrato de seguro – la parte “débil” -, no aparece como una
necesidad essencial en el contrato de reaseguro y de allí la norma que
consagra el artículo 162. Así las cosas, podremos afirmar sin temor a
equivocarnos que el contrato de reaseguro le son aplicables , prioritariamente,
las normas contractuales convenidas por las partes en el respectivo contrato y
recién luego y en forma supletoria, se aplicarían las normas del Título I de la
Ley de Seguros en cuanto estas normas no desvirtúen o atenten contra
principios básicos del reaseguro e incluso los usos y costumbres que puedan
resultar prioritariamente aplicables al caso. En consecuencia, dentro del
contrato de reaseguro adquiere singular relavancia el principio de la
“autonomia de la voluntad” según el cual “las convenciones hechas en los
contratos forman para las partes una regla a la cual deben someterse como a
ley misma
277
”.
276
SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. Ob. cit., pp. 25/26.
277
Em tradução livre do autor: A Lei de Seguros contém poucas normas específicas referentes ao contrato de
resseguro em seu Título II e, diante desta carência legislativa, formulam-se duas indagações básicas: as normas da
Lei de Seguros são, em todos os casos, integralmente aplicáveis ao contrato de resseguro? Qual seria o regime
legal aplicável aos contratos de resseguro, especialmente quando nestes há normas específicas determinando, com
precisão, os direitos e obrigações das partes? (...) Halperín-Morandi, acreditamos, explicam adequadamente o
regime aplicável aos contratos de resseguro. Nesse sentido, dizem os mencionados autores que nesse tipo de
contrato, normalmente, há duas partes que negociam uma operação comercial numa razoável situação de
equilíbrio e liberdade: o segurador e o ressegurador, os quais se supõem devidamente capacitados, com os
conhecimentos técnicos e com a experiência suficiente para defender adequadamente os seus direitos e tomar
decisões sem necessitar de tutela de um regime legal desenhado para proteger situações específicas e próprias dos
contratos de seguro de massa. A diferença dos contratos de seguro, nos quase em muitos casos – por exemplo -
dos seguros chamados pessoais – o segurado simplesmente adere a uma relação contratual que lhe é oferecida, no
contrato de resseguro as partes têm a possibilidade de discutir, negociar ou, em definitivo, optar pelas condições
147
Também ressaltando a importância da autonomia da vontade das partes e dos usos
e costumes internacionais cumpre observar a posição de Sérgio Barroso de Mello
278
:
Resulta inquestionável que o primeiro problema a esclarecer, deve ser a
questão das normas aplicáveis aos contratos de resseguro, resguardando a
capacidade das partes à livre transação com a ordem pública, evitando seu
comprometimento. Este tem sido um tema tratado com freqüência pela
doutrina internacional, dado que representa a base de qualquer consideração
posterior de índole jurídica. Geralmente os contratos de resseguro
estabelecem uma tripla graduação quanto às normas aplicáveis à relação
contratual: a) o previsto expressamente no contrato; b) os usos e costumes do
negócio de resseguros; e c) a lei nacional aplicável. (...) O próprio contrato é
a primeira fonte normativa. Nesse aspecto é de plena aplicação o princípio de
autonomia da vontade. Até porque, como observa Kelsen, citado por Orlando
Gomes em Contratos. 12. ed., p. 15 – a definição tradicional que o tem como
um acordo de vontades de dois ou mais sujeitos, tendente a criar ou extinguir
uma obrigação e o direito subjetivo correlato passa por alto uma de suas
funções mais importantes, que é a função criadora do direito. De fato, ao
celebrar um contrato, as partes não estão limitadas à aplicação do direito
abstrato que o rege, estão mesmo criando normas individuais, que fazem
parte do conteúdo contratual e exigem determinado comportamento dos
contratantes, tendo igual fundamento normativo da regra pacta sunt
servanda, que aplicam ao celebrar o contrato. Ao nosso ver, opõe-se à livre
aplicação deste princípio a vulnerabilidade da ordem pública nacional, que se
constitui no conjunto de princípios incorporados implícita ou explicitamente
na ordenação jurídica nacional, que por serem consideradas para
sobrevivência do Estado e salvaguarda de seu caráter próprio, impedem a
aplicação do direito estrangeiro que os contradiga, ainda que determinado
pela regra dos conflitos. Quanto aos denominados usos e costumes
internacionais, a segunda das fontes reconhecidas pelos contratos de
resseguro, deve-se ser sumamente cuidadoso em sua análise e interpretação.
O desconhecimento ou a experiência que poderia ter a Seguradora-Cedente,
pode levá-la, em especial nos momentos de situação econômica pouco
confortável, a passar uma conduta não muito ajustada aos costumes
internacionais, através de utilização de expedientes inexistentes nos contratos
de resseguro, embora comuns nos contratos originários de seguro, ou lhe dar
uma interpretação não muito correta de suas normas e características básicas,
com o intuito de fazer prevalecer uma posição a ela mais favorável. Não raro,
as discussões entre seguradoras e resseguradoras são extremamente
dificultosas, não só sobre estes tipos de costumes, como também sobre a
mais convenientes são seus interesses, inclusive as que poderão ser oferecidas por outro ressegurador. Por essas
razões, a necessidade de proteção do segurado no contrato de seguro – a parte “débil”, no artigo 162, não aparece
como uma necessidade essencial no contrato de resseguro e do que assegura o art. 162. Assim, poderemos
afirmar, sem medo de errar, que ao contrato de resseguro são aplicáveis, prioritariamente, as normas contratuais
convencionadas pelas partes no respectivo contrato e, de forma subsidiária, se aplicariam as normas do Título I da
Lei de Seguros desde que essas normas não desvirtuem ou atentem contra princípios básicos do resseguro,
inclusive os usos e costumes que podem apresentar-se prioritariamente aplicáveis ao caso. Em conseqüência, no
contrato de resseguro adquire singular relevância o princípio da autonomia da vontade das partes, segundo o qual
as convenções celebradas nos contratos formam para as partes uma regra à qual devem se submeter, assim como
se submetem à própria lei”.
278
MELLO, Sérgio Barroso de. Contrato de Resseguro. Natureza Normativa e Conflitos Jurídicos Relevantes.
Disponível em <http://www.anspnet.org.br/adm/Monografias/Arquivos/Contrato%20de%20Resseguro.doc>,
acessado em 3.2.2007.
148
interpretação que dever-se-ia dar a uma determinada palavra ou conceito,
principalmente pelas diferenças idiomáticas existentes. (...).
Assim, pode-se afirmar, à luz do exposto, que a autonomia da vontade das partes
exerce papel relevante no estabelecimento dos direitos e deveres numa relação entre
segurador e ressegurador, valendo acrescentar que os usos e costumes internacionais
também figuram como fonte de direitos e obrigações em matéria ressecuritária,
notadamente nas hipóteses em que o que for livremente celebrado pelas partes não for
suficiente para dirimir as eventuais controvérsias surgidas. Adiante, serão observados os
principais usos e costumes internacionais em matéria ressecuritária.
4.5.1 Comunhão de Sorte entre Segurador e Ressegurador – folow the fortunes
Passando à discussão relativa aos usos e costumes especificamente, Marcelo
Mansur Haddad, em primeiro lugar, remete ao princípio denominado comunhão de sorte
– ou, do inglês, o conhecido follow the fortunes ou, ainda, follow the settlements.
Em linhas gerais, este significa dizer que o ressegurador seguirá a sorte do
segurador no que se refere às suas perdas, decorrentes dos sinistros que venha a pagar,
bem como no que se refere aos seus ganhos, decorrentes da desnecessidade de que tenha
que ser efetuado o pagamento de indenizações
279
, jamais podendo abandoná-lo.
A comunhão de sorte entre seguradores e resseguradores exteriorizou-se,
inicialmente, nos tratados proporcionais de resseguro, cuja estrutura determina que tanto
o repasse do prêmio ao ressegurador, quanto a sua responsabilidade, serão proporcionais
ao que for avençado pelas partes previamente à celebração do ajuste.
Paulo Luiz de Toledo Piza
280
, explicando a sistemática do resseguro proporcional,
aduz que:
O chamado “resseguro proporcional” caracteriza-se, antes de mais nada, pelo
fato de o ressegurador seguir pari passu a sorte do segurador, porquanto
“participa” proporcionalmente dos resultados e das perdas deste. Por esta
razão, aliás, é que os tratados proporcionais, como já se disse, são também
chamados de “resseguros de risco”. (...) O tratado proporcional é o sistema,
por assim dizer, mais conhecido de resseguro. Por meio dele, a prestação do
ressegurado ao ressegurador é proporcional ao prêmio recebido por conta dos
riscos a serem “cedidos”, ou melhor, dos riscos compreendidos pelo tratado
279
HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., pp. 70/72.
280
PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Ob. cit., p. 106.
149
como passíveis de gerar danos à atividade seguradora. Os pagamentos a
cargo do ressegurador, da mesma forma, são proporcionais aos pagamentos
que incumbir ao segurador, frente a seus segurados. Nesse sentido, portanto,
é que o ressegurador “participa” do “mesmo” risco do segurador, ou, como
resume Lambert-Faivre, “a parte do ressegurador é (...) determinada em
função do capital garantido pelo cedente; ele recebe a parte do prêmio
correspondente e suporta os sinistros na mesma proporção; a sorte do
ressegurador está ligada àquela do cedente.
Saavedra e Perucchi
281
explicam que o princípio em referência não se aplica,
apenas, aos tratados proporcionais de resseguro, esclarecendo que a posição voltada à
sua aplicação apenas a esses tratados não encontra justificativa. Reproduzem-se alguns
dos seus comentários a respeito das circunstâncias que implicam na incidência deste
princípio, assim como ao posicionamento dirigido à sua aplicação aos resseguros
proporcionais e aos não proporcionais.
Las obligaciones que para el reasegurador nacen del contrato de reaseguro
respecto del asegurador cedente, derivan, en definitiva, de un contrato cuya
naturaleza jurídica corresponde a la de un contrato de seguro de
responsabilidad civil, cuyas normas influyen, decisamente, sobre el seguro
primario u original – en cuanto a la validez, monto de la responsabilidad, etc.
De allí la regla, consagrada universalmente, que indica que el reasegurador
“sigue la suerte” o “sigue la fortuna” – “follow the fortunes” – del asegurador
cedente en todo lo previsto en el contrato de reaseguro y en las normas
legales que lo regulen. Esta regla ha sido también calificada por Hofmann,
quizás com mayor rigurosidad en cuanto a su alcance, como seguir la
disfortuna. (...) El concepto de “seguir la suerte” o “follow the fortunes”
conlleva la idéia que el reasegurador debe seguir la suerte dela reasegurado,
tanto respecto a las perdidas como también a los gastos conexos a um
siniestro. Originariamente el concepto de “seguir la suerte” estaba
identificado con los contratos proporcionales, pero en la actualidad dicho
concepto se utiliza para todo tipo de contrato de reaseguro y se lo identifica
también con la idea de “follow the settlements”, especialmente en la
jurisdición norteamericana. (...)
282
.
Ainda no que se refere a este princípio, vale chamar a atenção às hipóteses nas
quais o ressegurador alforria-se da obrigação de “seguir a sorte” do segurador-cedente,
281
SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. Ob. cit., pp. 51/52.
282
Em tradução livre do autor: As obrigações que para o ressegurador nascem do contrato de ressegurom com
relação ao segurador cedente, derivam, em definitivo, de um contrato cuja natureza jurídica corresponde a um
contrato de seguro de responsabilidade civil, cujas normas influem, decisivamente, sobre o seguro primário ou
original – no que toca à validez, montante a ser indenizado, etc. Disto decorre a regra, consagrada
universalmente, que indica que o ressegurador “segue a sorte” ou “segue a fortuna” ou – “follow the fortunes” –
do segurador cedente em todo o previsto no contrato de resseguro e nas normas legais que o regulamentam. Esta
regra também foi qualificada por Hofmann, com ainda maior rigor quanto ao seu alcance, como “seguir o revés”
(...) O conceito “seguir a sorte” ou “follow the fortunes” remete à idéia de que o ressegurador deve seguir a sorte
do ressegurado, tanto a respeito das perdas como aos gastos conexos a um sinistro. Originalmente, o conceito
“seguir a sorte” estava identificado com os contratos proporcionais, mas, na atualidade, aquele conceito se utiliza
para todo tipo de contrato de resseguro e também é identificado com a idéia “follow the settlements”,
especialmente na jurisdição norte-americana. (...).”
150
sendo estas as seguintes: (i) o segurador vê-se compelido a cumprir uma obrigação em
razão de um inadimplemento anterior à celebração do contrato de resseguro; (ii) dolo ou
má-fé por parte do segurador-cedente; e (iii) exclusão de risco constante do contrato de
resseguro
283
.
Em seus comentários ao Projeto de Lei Ordinária nº. 3.555
284
, de 2004,
especificamente com relação aos dispositivos afetos ao contrato de resseguro, Paulo
Luiz de Toledo Piza
285
assim se posiciona no que toca à comunhão de sorte do
ressegurador com o segurador:
A disposição encampa o princípio clássico de resseguro de que o
ressegurador deve seguir a sorte do segurador (to follow the fortunes). Há,
com efeito, de um ponto de vista figurado, uma comunidade de interesses
entre segurador e ressegurador, de tal maneira que, por um lado, a fortuna,
boa ou má, da atividade securitária, seja compartilhada pelo ressegurador, até
o limite da atribuição patrimonial fixada no contrato de resseguro. Por outro
lado, isso significa que as decisões tomadas pelo segurador com relação aos
negócios de seguro, que reflitam sobre o negócio de resseguro, sejam
seguidas pelo ressegurador. Trata-se de seguir a responsabilidade do
segurador, no dizer de Blanca Romero Matute. Esse princípio só se
excepciona por disposição expressa constante do contrato de resseguro e se
exerce, como pontuaram as emendas referidas, considerada a modalidade
técnica ressecuritária. Aliás, como consigna Klaus Gerathewohl, trata-se de
princípio “aplicável a todas as modalidades de resseguro e não apenas aos
tratados de resseguro proporcionais. Ele é também válido para todos os tipos
de tratados não proporcionais, inclusive em modalidades raras como o
resseguro para eventos específicos e coberturas setoriais operadas quase
exclusivamente no seguro marítimo”. (...) Em síntese, o princípio
compreende a responsabilidade do ressegurador de garantir o equilíbrio da
atividade securitária, mesmo quando afetada por fatos ocorridos durante a
regulação de sinistro, judicial ou extrajudicial, e de garantir o risco de
prejuízos que, em razão de eventual demora ou recusa do segurador de
indenizar, possam afetar correspondentemente o exercício de sua atividade.
Mas, evidentemente, o princípio não encontrará aplicação, caso, nessas
situações o segurador tenha atuado danosa e dolosamente.
Desta maneira, nota-se que, por intermédio deste princípio – “follow the fortunes”
– o ressegurador, via de regra, não poderá deixar o segurador cedente à sua própria
sorte, inviabilizando as coberturas ressecuritárias originalmente contratadas. Como
conseqüência diretamente decorrente da aplicação deste princípio, obviamente os
283
SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. Ob. cit., p. 57.
284
O Projeto de Lei Ordinária nº. 3.555, de 2004 estabelece normas gerais em contratos de seguro privado e revoga
dispositivos do Código Civil, do Código Comercial Brasileiro e do Decreto-Lei nº 73, de 21.11.1966. De autoria
do Deputado Federal José Eduardo Cardoso – PT-SP, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional, sob a
Relatoria do Deputado Federal Ronaldo Dimas – PSDB-TO.
285
PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Notas Sobre Co-seguro e Resseguro no Projeto de Lei nº. 3.555/2004. In: IV
Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho. São Paulo: IBDS, 2006, pp. 346/347.
151
contratos de resseguro celebrados pelas partes não poderão contrariar esta regra, sob
pena de que ocorra a sua desnaturação.
4.5.2 Autonomia de Gestão do Segurador
O segundo costume reiteradamente utilizado se trata da autonomia de gestão do
segurador. Marcelo Mansur Haddad
286
explica-o da seguinte maneira:
Segundo a praxe ressecuritária, reconhecida internacionalmente como direito
costumeiro, o fato do segurador celebrar com um determinado ressegurador
um contrato de resseguro não afasta a independência e autonomia que aquele
goza na gestão de seus negócios, em especial, dos riscos por ele assumidos.
Não obstante o acima dito, devem, porém “todas as medidas e decisões do
cedente sempre observar também os interesses dos resseguradores”
(GERATHEWOHL, 1979, p. 522), o que não deixa de ser um reflexo do
princípio da máxima boa-fé, onde, como já mencionado por Hans-Heinrich
Frey, o segurador deve sempre agir como se o risco em questão não tivesse
sido – como de fato foi – ressegurado.
Noutras palavras, o fato de ter sido celebrado um contrato de resseguro não torna
a gestão das reservas técnicas por parte do segurador absolutamente vinculada à
administração desenvolvida pelo ressegurador. O segurador permanecerá detendo
autonomia para gerir a sua carteira, valendo ressalvar, no entanto, que esta autonomia
não poderá implicar numa gestão irresponsável, com conseqüentes perdas maiores para
o ressegurador, o que, aliás, representa um reflexo da incidência do princípio da máxima
boa-fé – uberrima fides
287
. Pode-se dizer que o princípio em tela se trata de um corolário
286
HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., p. 72.
287
A respeito da máxima boa-fé ou uberrima fides, cumpre transcrever algumas palavras de Paulo Luiz de Toledo
Piza: “A tônica em que a boa-fé, no âmbito dos contratos de seguro e de resseguro, não é apenas a boa-fé exigida
para os contratos em geral, mas uma boa-fé especialíssima, explica-se, fundamentalmente, de dois modos. De um
lado, pelo fato de não se admitir nem mesmo a mera reticência e, de outro, pelo fato de ser exigida, com grau
máximo de intensidade, desde a chamada fase pré-contratual, passando pelo momento da conclusão do ajuste e
persistindo, com igual rigor, durante toda a fase de execução do contrato. Tal dever comportamental depreende-
se, hoje, de modo explícito, no ordenamento brasileiro, em matéria de seguros, fundamentalmente, do disposto no
art. 756 do Código Civil de 2002, e o mesmo se depreendia, anteriormente a este, dos arts. 1.443, 1.444, 1.454 e
1.455 do Código Civil de 1916. O mesmo, aliás, verifica-se em matéria de seguros nos mais diversos
ordenamentos jurídicos nacionais. Tal não se aponta, entretanto, de modo explícito, na generalidade dos casos,
em matéria de resseguro. Talvez fosse possível, diante disso, com relação ao contrato de resseguro, que nenhuma
norma obrigaria, de modo claro e direto, as partes de uma relação ressecuritária a atuarem, desde o primeiro
contato, de conformidade com a uberrima fides. Na prática, porém, qualquer operador do mercado declarará que
se inspira na uberrima fides, e não simplesmente na boa-fé atinente aos contratos em geral – e que assim procede
quer durante a estipulação, quer no curso da execução do contrato de resseguro. A boa-fé representa, portanto, um
dever de comportamento que é constante em toda a atividade das partes de uma relação ressecuritária qualquer”.
(PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Ob. cit., pp. 319/320). Ainda quanto à máxima boa-fé, os comentários de Ernesto
Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel são taxativos ao examinarem o art. 765 do Código
Civil Brasileiro: “A exigência da boa-fé, como regra de conduta das partes nos contratos de seguro (relação
152
da obrigação originalmente assumida pelo segurador-cedente, cujo cumprimento
independe de haver ou não sido celebrado o contrato de resseguro
288
. O segurador, como
responsável pela subscrição do risco que lhe foi exposto pelo segurado, deverá
diligenciar com a necessária autonomia e responsabilidade, de modo a gerir a sua
carteira de negócios de maneira proba, evitando perdas decorrentes de gestão temerária.
Haddad lembra quais são as três principais conseqüências da aplicação do
princípio da autonomia da gestão dos negócios do segurador em relação ao
ressegurador
289
:
(i) Liberdade de escolha dos riscos e conclusão dos respectivos contratos de
seguro, bem como a autonomia para determinação do valor do prêmio a ser
cobrado do segurado;
(ii) Liberdade de administração dos contratos de seguro, incluindo a
possibilidade de efetuar endossos nas apólices originalmente emitidas; e
(iii) Liberdade no procedimento de regulação dos sinistros ocorridos com base
nos referidos contratos de seguro, a qual inclui a prerrogativa de, a seu
exclusivo critério, reconhecer ou não o sinistro, averiguar e/ou determinar o
seu montante e/ou acionar os terceiros causadores dos prejuízos, em função
da sub-rogação de direitos que normalmente decorrem do pagamento de um
sinistro ao segurado.
Com relação aos contratos de resseguro facultativos, isto é, estabelecidos
individualmente, caso a caso, conforme for a necessidade de expansão da capacidade de
contratual e relação obrigacional) foi proclamada desde sempre e continua sendo objeto de intensa atenção
doutrinária, em face da sua crescente importância. A norma, é importante salientar, exige o comportamento com a
máxima intensidade. Não diz boa-fé, em sim “a mais estrita boa-fé”, e acresce a idéia de
veracidade.”(TZIRULNIK, Ernesto et alli. O Contrato de Seguro de Acordo com o Novo Código Civil. 2 ed.
São Paulo: RT, 2003, p.74).
288
Exatamente em razão de a obrigação assumida pelo segurador-cedente em relação ao segurado ser independente
da obrigação assumida pelo ressegurador em relação ao segurador-cedente, a Lei Complementar nº. 126, de 15 de
janeiro de 2007, em seu artigo 14, caput, impede a responsabilização direta dos resseguradores no que se refere às
obrigações assumidas perante os segurados. “Art. 14. Os resseguradores e os seus retrocessionários não
responderão diretamente perante o segurado, participante, beneficiário ou assistido pelo montante assumido em
resseguro e em retrocessão, ficando as cedentes que emitiram o contrato integralmente responsáveis por indenizá-
los”.
289
HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., p. 73.
153
subscrição por parte do segurador (cedente), esclarece-se que das três principais
características acima mencionadas, a liberdade de escolha dos riscos e conclusão dos
respectivos contratos não será exercida em sua plenitude, ficando vinculada à aceitação
por parte do ressegurador. Igualmente no que toca à regulação dos sinistros, em
contratos de resseguro individuais é comum a participação ativa do ressegurador
290
.
Pode-se explicar a autonomia de gestão do segurador-cedente em relação ao
ressegurador considerando que os riscos por estes subscritos são distintos: ao passo que
aquele subscreve o risco incidente sobre um interesse legítimo do segurado, este
subscreve o risco incidente sobre o patrimônio do segurador-cedente. Nessa exata linha
de raciocínio posicionam-se Isaac Halperin, Juan Carlos Felix Morandi, Nicolas
Barbato e Gustavo Raúl Meilij, citados por Saavedra e Perucchi
291
:
Coincidiendo en líneas generales con los antes expuesto, aunque dicho con
otras palabras, Halperín-Morandi enseñan que “El riesgo cubierto – por el
reasegurador – es distinto al del seguro, porque consiste en la consecuencia
patrimonial para el asegurador... El interés del asegurador radica en el daño
resultante de la ejecución del contrato de seguro”. Por su parte, Barbato y
Meilij coinciden con lo precedentemente expuesto con estas palabras:
“Respecto de la relación asegurado-asegurador, el contrato de reaseguros
no tiene incidência alguna, por ser ajeno a la misma”. Nos parece que desde
el punto de vista de la doctrina argentina, está suficientemente claro que el
contrato de seguro y el de reaseguros son dos contratos totalmente diferentes
(...)
292
.
Restando esclarecido o porquê desta autonomia, traduzida na independência dos
riscos que são objeto dos contratos de seguro e de resseguro, passa-se a discorrer a
respeito do terceiro uso e costume em matéria ressecuritária, qual seja, a obrigação de
respeito aos atos praticados pelo segurador.
290
HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., p. 74.
291
SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. Ob. cit., p. 22.
292
Em tradução livre do autor: “Coincidindo em linhas gerais com o antes exposto, mesmo que dito em outras
palavras, Halperín-Morandi ensinam que “O risco coberto – pelo ressegrador – é distinto do seguro, porque
consiste na conseqüência patrimonial para o segurador... O interesse do segurador está centrado no dano
resultante da execução do contrato de seguro”. Por sua parte, Barbato y Meilij coincidem com o antes exposto
com essas palavras: “Com referência à relação segurado-segurador, o contrato de resseguro não tem incidência
alguma, por ser alheio à mesma”. Nos parece que do ponto de vista da doutrina argentina, está suficientemente
claro que o contrato de seguro e o de resseguros são dois contratos totalmente diferentes (...)”.
154
4.5.3 Obrigação de Respeito aos Atos Praticados pelo Segurador
O terceiro costume internacionalmente aplicado refere-se à obrigação do
ressegurador respeitar os atos praticados pelo segurador, desde que, por certo, com
respeito à máxima boa-fé. Marcelo Mansur Haddad assim explica a utilização desse
costume
293
:
Assim, se existe, para o segurador, a autonomia de gestão, uma vez tendo
esta sido corretamente exercida, existirá, para o ressegurador, o dever de
respeitar as decisões tomadas pelo segurador na administração dos riscos.
Não queremos aqui dizer que a um direito do segurador, o direito de gerir
autonomamente os riscos assumidos, corresponde um dever do ressegurador.
Pelo contrário, a autonomia da seguradora deve ser no sentido de não
poderem ser prejudicados os interesses deste último. Em outras palavras, o
ressegurador “deve ter o direito de esperar que o segurador tenha sempre em
conta seus próprios interesses, assim como os interesses do ressegurador”
(MERKELBACH, 1984, p. 287). (...) Desta forma, excetuados os casos onde
a administração dos riscos pelo segurado tenha sido feita por dolo ou culpa
(GERATHEWHOL 1979, pp. 529 e seguintes), (DIRUBE, 1993, pp. 55 e
seguintes) (GROSSMAN, 1977, p. 46) (MERKELBACH, 1984, p. 288) do
segurado em detrimento dos interesses do ressegurador, estará então este, em
princípio, indiretamente vinculado pelas condições do seguro celebrado pelo
segurador, bem como por quaisquer alterações do contrato. Este vínculo
igualmente existirá, no que tange à regulação dos sinistros verificados, os
quais repercutirão no ressegurador, nos termos do contrato de resseguro,
independentemente das medidas e decisões que tenham sido tomadas pelo
segurador no que se refere a tal procedimento de regulação.
Portanto, não havendo conduta dolosa ou culposa do segurador, que tenha
causado prejuízo ao ressegurador, este estará vinculado às conseqüências decorrentes da
gestão da carteira exercida por aquele.
A questão do dolo, da intenção de que ocorra o sinistro, é contrária à própria
concepção do seguro e, por via reflexa, do resseguro. Determinado segurado, ao desejar
a contratação de um seguro, o faz para prevenir-se de um eventual sinistro que macule o
seu patrimônio, a sua integridade física, a sua saúde, variando, nesse sentido, o interesse
segurável, conforme dispõe o art. 757 do Código Civil Brasileiro. Caso o segurado, no
momento da celebração do contrato, deseje a ocorrência do sinistro e, intencionalmente,
dê causa à mesma, o seguro perde uma das suas principais características, qual seja, a
imprevisibilidade do sinistro e, em assim sendo, o segurado perderá o direito à garantia
293
HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., pp. 75/76.
155
oferecida pelo segurador. Essa é a regra prevista no art. 762 do Diploma Legal acima
mencionado.
Em matéria de resseguro, consoante se expôs, deverá o ressegurador respeitar os
atos praticados pelo segurador, desde que, obviamente, sua conduta seja pautada pela
mais estrita boa-fé.
Para que, em virtude de afronta à mencionada espécie de boa-fé, o ressegurador
possa praticar a negativa de cobertura em relação ao segurador-cedente, algumas
circunstâncias deverão ser observadas: (i) as circunstâncias falseadas ou omitidas
deveriam ser conhecidas do segurador quando da celebração do contrato; (ii) a
informação a respeito da qual houve a omissão fosse, segundo a experiência comum,
necessária à celebração do contrato de resseguro ou tivesse sido especificamente
requerida pelo ressegurador ou, ainda, teria sido oferecida pelo segurador; (iii) diante da
informação omitida, o ressegurador ou teria imposto condições diferentes à celebração
do contrato ou nem mesmo o teria celebrado
294
. Pondo termo aos comentários a respeito
dos principais usos e costumes internacionais em se tratando de resseguro, cumpre
trazer considerações acerca do direito de inspeção e do dever de retenção do risco pelo
segurador.
4.5.4 Direito de Inspeção
Também decorrente da aplicação da máxima boa-fé à relação existente entre as
partes no contrato de resseguro, surge o direito de inspeção por parte do ressegurador
sobre a carteira de negócios do segurador, o que contempla a verificação cautelosa sobre
o cálculo dos prêmios, análise dos riscos, exame dos balanços contábeis, em suma, é
outorgado ao ressegurador o direito de examinar se o segurador está desempenhando as
suas tarefas de modo regular, com transparência e lisura. Segue a explicação de Marcelo
Mansur Haddad para este costume
295
:
Fundamentalmente, o direito de inspeção consubstancia-se na prerrogativa conferida ao
ressegurador, ainda que não expressamente inserida no contrato de resseguro (HAGOPIAN &
LAPARRA, 1991, p. 71) (EWALD & LORENZI, 1998, p. 1.351), de “proceder ao exame e
verificação de todos os livros e demais documentos da companhia cedente (tais como, registro de
prêmios e sinistros), que se relacionem com o contrato de resseguro em questão e com o negócio
294
SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. Ob. cit., p. 34.
295
HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., p. 76.
156
assumido pelo ressegurador” (GERATHEWOHL, 1979, p. 533). Segundo Dirube, “outro ônus
que pesa sobre a companhia cedente é o de permitir ao seu ressegurador, em qualquer momento,
verificar os antecedentes, elementos de avaliação ou comprovantes relacionados com o negócio
ressegurado, pondo à disposição dele todos os documentos, livros e informações em seu poder
sobre os negócios ressegurados ou sobre os sinistros ocorridos” (DIRUBE, 1993, p. 59).
Nota-se nessa prerrogativa conferida ao ressegurador, tendo em vista o seu
relacionamento com o segurador-cedente, um corolário da aplicação da boa-fé
objetiva
296
. O relacionamento entre empresas, do qual é exemplo a relação existente
entre segurador e ressegurador, deve ser norteada pelos princípios inerentes à
governança corporativa, cujo valor foi sensivelmente majorado a partir do advento da
Lei Sarbanes Oxley
297
, em 2002. Não seria congruente, à luz desses princípios, fazer
296
“Distinção entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva. A boa-fé tratada como novo princípio do direito contratual
distingue-se daquela outra boa-fé, consistente numa análise subjetiva do estado de consciência do agente por
ocasião da avaliação de um dado comportamento. Esta última, denominada boa-fé subjetiva, é desde há muito
conhecida da legislação brasileira. O novo Código Civil a define ao tratar da posse de boa-fé: “Art. 1.201. É de
boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”. Analisando sob a
ótica subjetiva, a boa-fé apresenta-se como uma situação ou fato psicológico. Sua caracterização dá-se através da
análise das intenções da pessoa cujo comportamento se queira qualificar. Transposta para o domínio das
obrigações contratuais, a noção de boa-fé adquire conotações muito diversas das que se inferem de sua vertente
subjetiva. A dita boa-fé objetiva, muito além de um critério de qualificação do comportamento do sujeito, impõe-
lhe deveres, constituindo-se numa autêntica norma de conduta. (...) Ontologicamente, a boa-fé objetiva distancia-
se da noção subjetiva, pois consiste num dever de conduta contratual ativo, e não de um estado psicológico
experimentado pela pessoa do contratante; obriga à colaboração, não se satisfazendo com a mera abstenção,
tampouco se limitando à função de justificar o gozo de benefícios que, em princípio, não de destinariam àquela
pessoa”. (NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Novos Paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp.
121/122).
297
“Muitos executivos ainda desconhecem a lei de maior impacto no mercado de capitais dos Estados Unidos, desde
a legislação dos anos 30, que criou a SEC - Secury and Exchange Comission (Comissão de Valores Mobiliários
dos Estados Unidos). Em 2002, após a ocorrência de vários escândalos contábeis, como a Enron e Worldcom, foi
promulgada uma lei de reforma corporativa, para dar maior publicidade às informações e propiciar fiscalizações
preventivas pela SEC. O objetivo mor da Lei Sarbanes-Oxley é coibir a conduta antiética de administradores e
auditores. Assim, a lei surgiu para restaurar a confiabilidade nas demonstrações contábeis e financeiras, e com
isso incentivar o investimento na Bolsa de Valores. A SEC é a entidade responsável pela regulamentação da nova
lei, incluindo a criação do Comitê de Contabilidade (Public Company Accounting Oversight Board). Na
qualidade de autor de livro sobre Ética Profissional, verifico que SEC foi inovadora ao exigir das empresas a
criação de um Código de Ética para seus diretores financeiros. Tecnicamente, a Lei Sarbanes-Oxley apresenta um
rol de responsabilidades e sanções, tipificando crimes de colarinho branco em que os agentes podem ser
administradores e auditores. Ficam proibidas as práticas contábeis que possam expor qualquer sociedade anônima
a um risco sem provisionamento prévio e também os empréstimos para membros do conselho de administração
ou diretoria. Qualquer violação à lei, prescreve em 5 anos do fato gerador ou 2 anos após a descoberta de sua
ocorrência. O impacto para o Brasil, é que a lei é erga omnes para todas as empresas que negociam nas bolsas de
valores norte americanas (transnacionais de capital americano e empresas brasileiras com ADRs). Mesmo assim,
por uma questão ética, todas as empresas devem seguir a Lei Sarbanes-Oxley, para prevenir fraudes e
responsabilizar os maus administradores. Pela lei, foram criados quatro novos procedimentos: controles internos,
controles administrativos, controles de auditoria e controles de risco. Sob pena de responsabilidade civil e
criminal cada Presidente (CEO) e Diretor-Financeiro (CFO) das empresas deverão, até o dia 30 de junho de cada
ano, assinar as demonstrações financeiras referentes ao ano imediatamente anterior. Estas demonstrações deverão
ser entregues, até o dia 30, à SEC em formulários próprios (relatórios 20-F e 40-F), sob pena de responsabilidade
civil e criminal. Até 30 de julho de 2004, o CEO e o CFO terão que certificar e atestar a eficácia dos
procedimentos e controles internos das companhias. A partir de então, todos os procedimentos e informações
terão que ser formalizados por meio de relatórios de responsabilidade e, todos os controles deverão ser avaliados
periodicamente. Por fim, é interessante salientar que o novo Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002), também
incluiu a obrigação de indenizar, como responsabilidade da má gestão de administradores de empresas”. (LIMA,
Alex Oliveira Rodrigues de. Comentários sobre a Lei Sarbanes-Oxley. Disponível em
157
com que as atividades realizadas pelo segurador fossem absolutamente alheias às vistas
do ressegurador, já que, em ocorrendo o sinistro, far-se-ia necessário recorrer às
coberturas por este oferecidas.
4.5.5 Dever de Retenção do Risco pelo Segurador
Por fim, convém trazer comentários relacionados ao dever de retenção do risco
pelo segurador-cedente em relação ao ressegurador.
No contrato de seguro, é muito comum a retenção de parte do risco pelo segurado,
isto é, considerando um determinado risco que corresponda à fração de um inteiro, um
décimo deste inteiro fica sob a responsabilidade do segurado, ao passo que os nove
décimos restantes à composição do inteiro correm sob a responsabilidade do segurador,
o que caracteriza a utilização da franquia dedutível.
A mencionada retenção de risco é também comumente conhecida como a
franquia, gênero do qual são espécies a franquia simples e a dedutível
298
. Por hipótese,
caso ocorra determinado sinistro envolvendo um bem móvel, parte da perda
experimentada pelo segurado correrá às suas próprias expensas, respondendo a
seguradora pelo montante que superar essa participação obrigatória, isto é, o montante
que for superior à franquia será de responsabilidade da seguradora.
Em matéria de contrato de resseguro, especificamente na União Européia, também
é muito comum a aplicação desta retenção do risco pelo segurador em relação ao
ressegurador, até mesmo como forma de fazer com que o segurador tenha interesse em
que não ocorram os sinistros, para que sua parte no montante correspondente à
indenização total não tenha que ser desembolsada
299
.
<http://www.noticiasforenses.com.br/artigos/nf189/online/alex-lima-189.htm>. Acessado em 23 de janeiro de
2007).
298
“Franquia: termo utilizado pelo segurador para definir valor calculado matematicamente e estabelecido no
contrato de seguro, até o qual ele não se responsabiliza a indenizar o segurado em caso de sinistro. Subdivide-se
em dedutível e simples. Franquia dedutível: termo utilizado pelo segurador para definir valor estabelecido no
contrato, que sempre será deduzido do prejuízo apurado em caso de sinistro, importando em redução do prêmio
do seguro; parcela que corra por conta do segurado; subdivide-se em duas formas de contratação: 1 – obrigatória:
é aquela imposta pelo segurador, cujo desconto já está computado no prêmio fornecido pelo segurador; 2 –
facultativa: é aquela contratada por iniciativa do segurado, sendo cumulativa com a obrigatória; sua contratação
importa em redução no prêmio, dependendo do nível escolhido. Franquia simples: termo utilizado para definir
valor estabelecido no contrato, até o qual o segurador não pagará qualquer indenização em caso de sinistro; se, no
entanto, o prejuízo for superior ao valor estabelecido, o prejuízo será pago integralmente”. (FIORI, Alexandre
Del. Dicionário de Seguros. São Paulo: Manuais Técnicos de Seguros – EMTS, 1996, p. 66).
299
HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., pp. 77/78.
158
4.6 Conclusão Quanto aos Usos e Costumes Internacionais
Os cinco usos e costumes acima destacados são freqüentemente utilizados por
resseguradores e seguradores estabelecidos nos mais diversos países ao redor dos cinco
continentes, sendo certo que esta utilização se sobrepõe a eventuais restrições erigidas
pelos seus aparatos regulatórios.
Nos capítulos anteriores, explicou-se que, com relação ao mercado ressegurador
norte-americano, há um esforço voltado à uniformização das normas criadas por cada
Estado daquele país, no sentido de viabilizar a atuação dos resseguradores sediados em
determinado Estado em todo o país. Quanto aos mercados resseguradores dos diversos
países integrantes da Comunidade Européia - CE, demonstrou-se, da mesma maneira,
que a Diretriz 2002/92/CE determina que uma licença concedida por um país integrante
da Comunidade goza de validade nos demais países, ou seja, tanto no mercado dos
EUA, quanto no mercado europeu, a tendência segue o caminho da convergência, da
uniformização das normas, normas essas, consoante exposto, que são criadas e
desenvolvidas pelos próprios resseguradores, independentemente de deliberações
governamentais.
Portanto, no que toca ao mercado ressegurador brasileiro, raciocina-se no sentido
de que o caminho a ser trilhado não poderá destoar do que já vem sendo há tempos
praticado em âmbito internacional. A utilização dos mencionados usos e costumes,
certamente, representa um primeiro passo no sentido de que o país esteja alinhado ao
que já vem sendo realizado nos mercados internacionais.
Com relação à participação do Brasil no MERCOSUL, traçando aqui um paralelo
com a CE, pode-se sustentar que eventual autorização que venha a ser expedida pelo
Governo brasileiro viabilizará a atuação do ressegurador autorizado nos demais países
integrantes desse bloco econômico, sem que se faça necessária a obtenção de nova
autorização nos outros países. Com medidas como essa, certamente será aberto espaço
para que o próprio IRB, mesmo que permaneça sob o controle estatal, possa aumentar a
sua participação nos mercados resseguradores da América Latina, o que,
indubitavelmente, será benéfico para a economia nacional
300
.
300
Cumpre esclarecer que o funcionamento de sociedades estrangeiras no país é objeto do artigo 1.134 do Código
Civil. “Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder
Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os
159
4.7 As Funções a serem Exercidas pelo IRB – Brasil Resseguros S.A. no Mercado
Ressegurador Brasileiro
O IRB ainda se qualifica como uma sociedade de economia mista
301
, cujas ações
preferenciais, com direito a voto, são de titularidade da União Federal. O restante de seu
capital social, composto de ações sem direito a voto, é de titularidade das seguradoras
estabelecidas no mercado segurador nacional, sendo certo que a instalação de uma
seguradora no país fica condicionada à aquisição dessas ações, para que, dessa maneira,
esta possa passar a fruir das coberturas ressecuritárias oferecidas pelo ressegurador
nacional
302
.
casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira. § 1
o
Ao requerimento de autorização
devem juntar-se: I - prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país; II - inteiro teor do
contrato ou do estatuto; III - relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com
nome, nacionalidade, profissão, domicílio e, salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada
um no capital da sociedade; IV - cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital
destinado às operações no território nacional; V - prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes
expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização; VI - último balanço. § 2
o
Os documentos serão
autenticados, de conformidade com a lei nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro
da respectiva sede e acompanhados de tradução em vernáculo”. Especificamente com relação ao funcionamento
de resseguradores estrangeiros, admitidos ou eventuais, o art. 6º da Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007,
impõe as seguintes condições: “Art. 6
o
O ressegurador admitido ou eventual deverá atender aos seguintes
requisitos mínimos: I - estar constituído, segundo as leis de seu país de origem, para subscrever resseguros
locais e internacionais nos ramos em que pretenda operar no Brasil e que tenha dado início a tais operações no
país de origem, há mais de 5 (cinco) anos; II - dispor de capacidade econômica e financeira não inferior à
mínima estabelecida pelo órgão regulador de seguros brasileiro; III - ser portador de avaliação de solvência por
agência classificadora reconhecida pelo órgão fiscalizador de seguros brasileiro, com classificação igual ou
superior ao mínimo estabelecido pelo órgão regulador de seguros brasileiro; IV - designar procurador,
domiciliado no Brasil, com amplos poderes administrativos e judiciais, inclusive para receber citações, para
quem serão enviadas todas as notificações; e V - outros requisitos que venham a ser fixados pelo órgão
regulador de seguros brasileiro. Parágrafo único. Constituem-se ainda requisitos para os resseguradores
admitidos: I - manutenção de conta em moeda estrangeira vinculada ao órgão fiscalizador de seguros brasileiro,
na forma e montante definido pelo órgão regulador de seguros brasileiro para garantia de suas operações no
País; II - apresentação periódica de demonstrações financeiras, na forma definida pelo órgão regulador de
seguros brasileiro”.
301
A análise de Fábio Konder Comparato acerca da constituição do IRB é a seguinte: “(...) Contudo, para Fábio
Konder Comparato, o instituto ressegurador é dotado de uma estrutura sui generis. Entende o emérito professor
não ser o instituto empresa pública, no sentido do disposto no inciso II do artigo 5º do Decreto-lei n. 200/1967,
porque seu capital não pertence integralmente à União. Ele tampouco é uma sociedade de economia mista, pela
boa razão de que lhe faltam os requisitos essenciais para ser tido como uma sociedade tout court. Os detentores
do capital do instituto não são sócios; não têm poderes para deliberar em conjunto, sobre a existência e o
funcionamento da entidade; não decidem sobre o montante de seu capital, a designação de seus administradores,
ou a partilha do lucro do exercício. Conclui Comparato que se pode extrair da análise semântica da linguagem
constitucional na expressão órgão oficial ressegurador, constante do revogado inciso II do artigo 192 da
Constituição Federal, que o instituto ressegurador brasileiro é o órgão ressegurador pertencente ao Estado e está
incluído na área administrativa pública”. (COMPARATO, Fábio Konder. Monopólio público das operações de
resseguro. In: Direito Público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 164).
302
“A Lei nº. 9.482/97 transformou o IRB em sociedade anônima, cuja razão social passou a ser IRB-Brasil
Resseguros S.A., com a abreviatura IRB-Brasil Re, conforme estabelecido no artigo 59 da Lei nº. 9.649, de 27 de
maio de 1998. Preservou-se sua natureza de sociedade de economia mista (Decreto-lei nº. 73/66, artigo 41),
porém seu controle foi transferido do INSS à União, que passou a exercê-lo por intermédio do Ministério da
Fazenda. No novo quadro acionário do IRB, a União passou a deter a totalidade das ações ordinárias com direito
160
O modelo proposto pelo Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, atribuiu
ao IRB funções que, num ambiente em que haja livre concorrência, afiguram-se
totalmente incompatíveis, já que não seria facultado àquele que atua no mercado, em
competição com os demais agentes resseguradores, regulá-los, fiscalizá-los e sancioná-
los. Acima de tudo, não seria lógico este acúmulo de funções, além de totalmente
ilegal
303
.
Nas páginas que se sucederão serão analisadas as possíveis alternativas à
colocação do IRB-Brasil Resseguros S.A. no mercado ressegurador brasileiro, instituído
a partir da sanção da Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007, que flexibilizou o seu
monopólio. Vale esclarecer, neste particular, que diversos dispositivos deste diploma
legal carecem de regulamentação legal
304
, o que poderá retardar o estabelecimento de
outros resseguradores no país.
a voto, representativas de 50% do capital social no mínimo (artigo 43, parágrafo único, do Decreto-lei nº 73/66,
com a redação que foi dada pelo artigo 2º da Lei nº. 9.482/97). Os seguradores diretos, na condição de acionistas
privados, passaram a deter ações preferenciais sem direito a voto. Note-se, a propósito, que todo segurador
autorizado a funcionar no país deve deter ações do IRB (Decreto nº. 60.459, de 13 de março de 1967, artigo 45,
alínea a)”. (RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Ob. cit., pp. 139/140). Analisando a composição do capital social do
IRB, entende-se não ser possível afirmar que haveria auto-regulação. Consoante será exposto ao longo deste
capítulo, a auto-regulação pressupõe que as normas a serem observadas pelos agentes de determinado mercado
sejam criadas pelos mesmos. In casu, considerando que apenas o IRB elabora essas normas, cabendo aos demais
detentores de seu capital social (ações sem direito a voto) apenas obedecê-las, isto é, normas elaboradas por
apenas um agente, não se encontram definidos os elementos necessários à configuração da auto-regulação.
303
Traçando uma analogia, seria o mesmo que no mercado brasileiro de petróleo e derivados a Petrobrás apresentar-
se como competidora e, concomitantemente, como reguladora, ao invés de existir a ANP – Agência Nacional do
Petróleo com esta finalidade.
304
A título exemplificativo, seguem alguns dispositivos da Lei Complementar nº. 126 que carecem de
regulamentação legal: Art. 3
o
A fiscalização das operações de co-seguro, resseguro, retrocessão e sua
intermediação será exercida pelo órgão fiscalizador de seguros, conforme definido em lei, sem prejuízo das
atribuições dos órgãos fiscalizadores das demais cedentes. Art. 6
o
O ressegurador admitido ou eventual deverá
atender aos seguintes requisitos mínimos: (...) II - dispor de capacidade econômica e financeira não inferior à
mínima estabelecida pelo órgão regulador de seguros brasileiro; V - outros requisitos que venham a ser
fixados pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Parágrafo único. Constituem-se ainda requisitos para os
resseguradores admitidos: I - manutenção de conta em moeda estrangeira vinculada ao órgão fiscalizador de
seguros brasileiro, na forma e montante definido pelo órgão regulador de seguros brasileiro para garantia de
suas operações no País; II - apresentação periódica de demonstrações financeiras, na forma definida pelo
órgão regulador de seguros brasileiro. Art. 7
o
A taxa de fiscalização a ser paga pelos resseguradores locais e
admitidos será estipulada na forma da lei. Art. 8
o
A contratação de resseguro e retrocessão no País ou no
exterior será feita mediante negociação direta entre a cedente e o ressegurador ou por meio de intermediário
legalmente autorizado. § 1
o
O limite máximo que poderá ser cedido anualmente a resseguradores eventuais
será fixado pelo Poder Executivo. Art. 9
o
A transferência de risco somente será realizada em operações: I - de
resseguro com resseguradores locais, admitidos ou eventuais; e II - de retrocessão com resseguradores locais,
admitidos ou eventuais, ou sociedades seguradoras locais. § 1
o
As operações de resseguro relativas a seguro de
vida por sobrevivência e previdência complementar são exclusivas de resseguradores locais. § 2
o
O órgão
regulador de seguros poderá estabelecer limites e condições para a retrocessão de riscos referentes às
operações mencionadas no § 1
o
deste artigo. Art. 20. A contratação de seguros no exterior por pessoas naturais
residentes no País ou por pessoas jurídicas domiciliadas no território nacional é restrita às seguintes situações: I -
cobertura de riscos para os quais não exista oferta de seguro no País, desde que sua contratação não represente
infração à legislação vigente; II - cobertura de riscos no exterior em que o segurado seja pessoa natural residente
no País, para o qual a vigência do seguro contratado se restrinja, exclusivamente, ao período em que o segurado
se encontrar no exterior; III - seguros que sejam objeto de acordos internacionais referendados pelo Congresso
Nacional; e IV - seguros que, pela legislação em vigor, na data de publicação desta Lei Complementar, tiverem
161
As possíveis opções estudadas foram as seguintes: 1) regulador do mercado; 2)
ressegurador estatal em competição com os demais resseguradores que venham a se
instalar no país; e 3) sociedade de economia desestatizada.
4.7.1 O IRB Brasil – Resseguros S.A. como Regulador do Mercado – Impossibilidade
O IRB, na qualidade de ressegurador estabelecido no país – ressegurador local,
conforme art. 22 da Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007
305
– assim como outros
resseguradores estarão, sejam nacionais ou estrangeiros, não poderá, pela via da
regulação, exercer influência, por exemplo, na formação dos preços dos prêmios do
resseguro. Obviamente, o IRB capturaria
306
a regulação para lhe trazer benefícios, o que
desvirtuaria completamente a finalidade regulatória.
Organizado sob a forma de uma sociedade de economia mista, cujo capital social,
consoante se expôs, está dividido entre a União Federal e os seguradores em exercício
no mercado segurador nacional, não lhe será facultado continuar exercendo a regulação
normativa do resseguro, do co-seguro e da retrocessão, por intermédio das chamadas
NGRR – Normas Gerais de Resseguro e Retrocessão
307
. Essas atribuições, consoante
assentou a Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1999
308
, e consoante dispõe a Lei
sido contratados no exterior. Parágrafo único. Pessoas jurídicas poderão contratar seguro no exterior para
cobertura de riscos no exterior, informando essa contratação ao órgão fiscalizador de seguros brasileiro no
prazo e nas condições determinadas pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Art. 21. As cedentes, os
resseguradores locais, os escritórios de representação de ressegurador admitido, os corretores e corretoras de
seguro, resseguro e retrocessão e os prestadores de serviços de auditoria independente bem como quaisquer
pessoas naturais ou jurídicas que descumprirem as normas relativas à atividade de resseguro, retrocessão e
corretagem de resseguros estarão sujeitos às penalidades previstas nos arts. 108, 111, 112 e 128 do Decreto-Lei
n
o
73, de 21 de novembro de 1966 aplicadas pelo órgão fiscalizador de seguros, conforme normas do órgão
regulador de seguros. (Grifos nossos).
305
Art. 22. O IRB-Brasil Resseguros S.A. fica autorizado a continuar exercendo suas atividades de resseguro e de
retrocessão, sem qualquer solução de continuidade, independentemente de requerimento e autorização
governamental, qualificando-se como ressegurador local.
306
Vital Moreira explica que nem mesmo uma agência reguladora que venha a ser capturada pelos regulados
exercerá de maneira adequada o seu mister. “No caso de uma agência reguladora estadual ser uma pura presa da
profissão regulada, em termos de ela não ser senão um instrumento dela, então estaremos perante uma forma de
auto-regulação por interposta agência. (...) A teoria da “captura” da regulação (<<regulation capture>>) assenta
na ideia de que as comissões reguladoras, em vez de regularem superpartes o seu espaço económico, são
capturadas ou colonizadas pelos sectores que deveriam regular, passando a funcionar em favor deles. <<Uma
agência “capturada” é aquela em que as políticas prosseguidas geralmente coincidem com as preferências
previamente expressas pelos regulados>> (Sabatier, 1975:310).” (MOREIRA, Vital. Ob. cit., pp. 89/90).
307
Esta atribuição foi conferida ao IRB pelo Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, em seu art. 44, inciso I,
letra a. Este dispositivo foi revogado pela Lei Complementar nº. 126, art. 31.
308
Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1999. Art. 1º. “As funções regulatórias e de fiscalização atribuídas à IRB-
Brasil Resseguros S.A.- IRB-BRASIL Re pelo Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966
, incluindo a
competência para conceder autorizações, passarão a ser exercidas pela Superintendência de Seguros Privados -
SUSEP. Parágrafo único. A IRB-Brasil Re fornecerá à SUSEP cópia de seu acervo de dados, informações
162
Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007
309
, deverão ser transferidas ao órgão
que, a partir de então, terá a responsabilidade de regular o mercado ressegurador
brasileiro, conforme pontuado anteriormente.
A impossibilidade de que o IRB, na qualidade de sociedade de economia mista,
permaneça exercendo funções regulatórias, executivas e fiscalizatórias é explicada por
Celso Ribeiro Bastos da seguinte forma
310
:
Com relação ao órgão oficial fiscalizador, a legislação pregressa atribui tal
mister ao Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, o que acaba por não se
adaptar, por inteiro, às novas disposições da Constituição. Esse instituto
possui natureza de sociedade de economia mista, quando a Constituição
dispensa a estas o desempenho da atividade econômica ou a prestação de
serviços públicos, mas não o da atividade regulamentar.
Uma futura legislação complementar deverá adaptar a natureza jurídica do
IRB, de molde a que este assuma as vestes de uma autarquia, de um ente da
administração centralizada ou, até mesmo, de uma fundação de direito
público, uma vez que a estas pessoas são dados os poderes, são-lhes
asseguradas as condições técnicas, para poderem desempenhar atividades de
caráter fiscalizador, o que acaba, inclusive, por envolver até um certo poder
normativo, absolutamente incompatível com as sociedades de economia
mista, forma que hoje detém.
O exercício da atribuição regulatória é absolutamente incompatível se realizado
por um dos concorrentes que venha a se instalar no mercado ressegurador. Marcos
Juruena Villela Souto
311
, tratando dos limites inerentes à função regulatória,
notadamente no que se refere à discricionariedade restrita por parte do agente regulador,
afirma:
O mecanismo, em apertadíssima síntese, envolve o recebimento do poder
político pela autoridade eleita, com as instruções de atendimento do interesse
geral (mediante o acolhimento de um determinado programa político no
processo eleitoral); o agente político formula a política pública que, para
atender o interesse geral, deve ser executada com eficiência; aí entra a
atividade regulatória, expedindo diretrizes para a eficiente implementação da
política pública sufragada. Esse o limite da função regulatória, traduzindo em
comandos técnicos a orientação normativa, executiva ou judicante, para a
implementação de uma política pública. Não há, pois, discricionariedade
técnicas e de quaisquer outros documentos ou registros que esta julgue necessários para o desempenho das
funções regulatórias e de fiscalização do mercado de seguro e resseguro”.
309
Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007. “Art. 2
o
A regulação das operações de co-seguro, resseguro,
retrocessão e sua intermediação será exercida pelo órgão regulador de seguros, conforme definido em lei,
observadas as disposições desta Lei Complementar”.
310
BASTOS, Celso Ribeiro. Instituto de Resseguros do Brasil. Seguros face à Constituição Federal. In:
Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. V. 7. São Paulo: RT, 1994, p. 145.
311
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.
37.
163
ampla na atuação dos agentes econômicos, mas mera integração técnica do
comando legal que reflete uma decisão política.
Pode-se afirmar que o IRB não seria parcial em suas iniciativas se, ao mesmo
tempo, competisse e regulasse o mercado ressegurador nacional. Àquele que compete,
evidentemente, não podem ser outorgados os poderes para elaborar as regras da
competição, sobretudo quando esta já estiver em curso. Considerando, por hipótese, que
as atribuições regulatórias (executivas, normativas e judicantes) venham a ser exercidas
pelo Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP ou pela Superintendência de
Seguros Privados – SUSEP, caberá ao IRB competir com os demais resseguradores que
se instalarão no mercado ressegurador nacional.
Vital Moreira e Fernanda Maçãs
312
, na mesma linha de raciocínio, também
sustentam a impossibilidade de que o Estado venha a concorrer e, ao mesmo tempo,
elaborar as “regras do jogo”.
A liberalização de um sector da economia não significa que o sector público
empresarial tenha de desaparecer, podendo o Estado continuar a intervir,
desde que respeite os princípios do mercado em especial, as regras da
concorrência. Só que a garantia de um mercado livre e concorrencial não é
concretizável se uma das partes (o Estado) acumula funções de agente
actuante no mercado e de entidade que detém o poder de estabelecer as regras
do jogo. Se o regulador e o gestor de serviços públicos não estão separados,
os organismos públicos ou as empresas encarregadas da gestão ficam numa
posição de domínio, o que é incompatível com as regras da concorrência. Ao
actuar no mercado ao mesmo tempo que dita as suas regras, o Estado pode
ser tentado a distorcê-las em seu favor. Por outro lado, as empresas privadas
passam a actuar no mesmo sector em que intervém o Estado, mas numa
posição de desigualdade. A presença de entidades públicas num mercado em
que se pretende garantir uma concorrência real implica que a entidade que
dita as regras do mercado não possa ser ao mesmo tempo destinatária das
mesmas.
Por sua pertinência à matéria ora observada, vale observar a posição de Gaspar
Ariño Ortiz
313
:
Conditio sine qua non para uma boa prática regulatória é a independência do
regulador a respeito do poder político. Já dissemos que é preciso evitar que
ele caia na tentação de utilizar os setores regulados como instrumentos para a
obtenção de fins políticos, legítimos se se quer, mas estranhos ao serviço e
que se devem obter através de meios mais transparentes e legalmente
aprovados.
312
MOREIRA, Vital e MAÇÃS, Fernanda. Autoridades Reguladoras Independentes. Coimbra: Coimbra Editora,
2003, p. 11.
313
ORTIZ, Gaspar Ariño. Ob. cit., p. 12.
164
Portanto, somando os posicionamentos acima mencionados, conclui-se quanto à
impossibilidade de que o IRB permaneça exercendo as atribuições regulatórias no
mercado ressegurador nacional, por absoluta incompatibilidade entre a sua função,
como empresa, que visa o lucro, em competição com os demais resseguradores que se
estabelecerão no país, e a função regulatória, exercida até este ponto.
Havendo impossibilidade para que o IRB acumule atribuições regulatórias e, ao
mesmo tempo, concorra com os demais resseguradores que se instalarão no mercado
ressegurador brasileiro, passa-se a discorrer a respeito da segunda opção anteriormente
mencionada, qual seja, o IRB, ainda como estatal, concorrendo com os demais
resseguradores.
4.7.2 O IRB – Brasil Resseguros S.A. como Estatal e Competidor
Deixando de exercer as atribuições regulatórias, caberá ao IRB competir com os
demais resseguradores que estiverem em atuação no país, sejam admitidos ou eventuais,
sendo certo que, por conhecer melhor o mercado segurador nacional, isto é, as
coberturas mais requisitadas, as maiores deficiências e, sobretudo, por ter vivenciado as
crises experimentadas pela economia nacional ao longo das últimas décadas, observam-
se nesses aspectos um diferencial em seu benefício.
A própria Lei Complementar nº. 126, em seu art. 22, adotou essa opção para o
IRB no mercado ressegurador brasileiro.
Art. 22. O IRB-Brasil Resseguros S.A. fica autorizado a continuar exercendo
suas atividades de resseguro e de retrocessão, sem qualquer solução de
continuidade, independentemente de requerimento e autorização
governamental, qualificando-se como ressegurador local.
Parágrafo único. O IRB-Brasil Resseguros S.A. fornecerá ao órgão
fiscalizador da atividade de seguros informações técnicas e cópia de seu
acervo de dados e de quaisquer outros documentos ou registros que esse
órgão fiscalizador julgue necessários para o desempenho das funções de
fiscalização das operações de seguro, co-seguro, resseguro e retrocessão.
Inexistindo menção à desestatização do ressegurador nacional neste diploma legal
e, consoante exposto, sendo taxativa a lei complementar no sentido de que as suas
atividades continuarão a ser exercidas regularmente, independentemente de
165
requerimento e autorização governamental, nota-se, ao menos em princípio, que o IRB
permanecerá como estatal e, nesta condição, competirá com os demais resseguradores.
Caberá a tarefa de oferecer melhores condições aos seguradores em atuação no
país, considerando que, naturalmente, cada ressegurador buscará captar para si maiores
fatias do mercado em referência. Em razão de toda a expertise acumulada nas últimas
décadas, desde a sua criação, ocorrida em 1939, o IRB deverá se valer deste diferencial
para buscar uma posição de destaque no mercado ressegurador brasileiro e, por que não
afirmar, no mercado ressegurador dos demais países integrantes do Mercosul, da
América Latina e de outros países emergentes, tais como Índia e China, tomados a título
exemplificativo, assim como o próprio Brasil.
Em entrevista concedida à Revista do IRB, Orlando Fleury da Rocha
314
fez
comentários positivos relacionados à flexibilização do monopólio e à conseqüente
obtenção de maiores fatias do mercado ressegurador latino-americano e de outros países
emergentes para a empresa resseguradora brasileira. Convém observar algumas das suas
posições:
Então o senhor entende que com o fim do monopólio e a abertura do mercado
o IRB-Brasil RE tem potencial para desenvolver um perfil de destaque? O
IRB tem tudo para se converter num grande ressegurador brasileiro, e
também um ressegurador para mercados emergentes. Já vimos que ele pode
desempenhar vários papéis. O IRB entende de mercados emergentes
provavelmente mais do que os maiores resseguradores do mundo, ainda que
talvez ele não se dê conta disso. Repito, está entre os 50 maiores, tem um
balanço sólido, ótima relação prêmio/patrimônio líquido, corpo técnico
capacitado, regras claras de funcionamento, conhecimento para trabalhar em
economias em expansão ou recessão, além de grande capacidade de
adaptação a mudanças. O Brasil é ainda o maior produtor de prêmios dentro
da América do Sul. Para o IRB ser o ressegurador por excelência de toda a
América Latina é um pulo. E ainda temos a Índia e a China, que, como o
Brasil, são gigantes crescendo, e têm identidade conosco. Poderiam talvez se
sentir mais à vontade trocando negócios com um ressegurador brasileiro do
que com um megaressegurador, que pode ter a aparência de um gigante
usurpador, enquanto o IRB pareceria mais próximo. É claro que para essa
possibilidade se materializar o IRB precisaria se internacionalizar, mas a
internacionalização está na essência da técnica do resseguro.
Como o senhor avalia o impacto da abertura do mercado brasileiro no
contexto latino-americano? Certamente haverá mais interesse no Brasil, o que
poderá tornar o custo de operar na América Latina mais eficiente para
algumas empresas estrangeiras, que assim aplicarão mais recursos. Algumas
companhias poderão designar maiores equipes para a América Latina graças
ao crescimento do mercado na região. Hoje alguns resseguradores que
operam de fora do país poderão se estabelecer em algum país da América
Latina ou no Brasil, isso para só falar em efeitos econômicos não muito
evidentes quando se fala em abertura. Consideremos, por exemplo, o que
314
ROCHA, Orlando Fleury da. Mercado Aberto para Resseguros. Revista do IRB nº. 301. Rio de Janeiro, pp.
6/17, julho de 2006.
166
ocorreu nas Bermudas, país menor que a Barra da Tijuca, de economia quase
insignificante, baseada no turismo, e onde só operavam algumas seguradoras
cativas: há cerca de 20 anos, grandes empresas (listadas na Fortune 500)
resolveram formar resseguradores para aproveitar condições favoráveis de
preço e atender a uma carência de cobertura para grandes catástrofes e
seguros de responsabilidade civil no mundo. Bermudas soube rapidamente
adaptar sua legislação para absorver esses grupos; obrigou a contratação de
locais, criou impostos e taxas específicos, protegeu bastante sua economia,
mas regulou o tema de forma tão ágil, eficaz e sem burocracia, inclusive para
a remessa de lucros, que hoje é um dos mercados de resseguro mais
importantes do mundo, e não parou por aí. Para se ter uma idéia, após as
recentes tempestades sobre os Estados Unidos e México, mais de US$ 8
bilhões de capital novo convergiram para Bermudas. É visível o benefício
que isso trouxe à economia do país. Que impacto poderia ter na América
Latina se algum país criasse condições favoráveis para a instalação de
resseguradores? Talvez o embrião de uma idéia assim estivesse contido
quando se falou em criar um centro internacional de resseguro no Rio, mas
não creio que muita gente tenha percebido isso. Os exemplos do mundo,
porém, mostram que tudo é possível, quando bem feito.
Convém observar, no entanto, que em matéria de disponibilidade de capital, de
arrecadação de prêmios de resseguro, a concorrência com os tradicionais resseguradores
estrangeiros
315
, com atuação em âmbito internacional há muitos anos, será bastante
acirrada e difícil. O lastro financeiro dos dois maiores resseguradores em atuação
internacional é realmente muito superior ao lastro da resseguradora brasileira, o que, em
tese, é capaz de propiciar o oferecimento de negócios em condições mais vantajosas
para os seguradores cedentes.
A fim de lidar com essa deficiência, deverá o IRB valer-se dos seus melhores
potenciais, tais como a base de dados inerente ao mercado segurador nacional, o
conhecimento detalhado da economia do país, o relacionamento desenvolvido ao longo
de décadas com os seguradores nacionais para, assim, viabilizar uma competição
parelha
316
.
315
As duas maiores resseguradoras do mundo, Munich Re e Swiss Re, respectivamente, arrecadaram no ano de
2004 prêmios líquidos da ordem de US$ 28.889.4 e US$ 25.780.2 bilhões, ao passo que o IRB arrecadou
R$ 1,394 bilhão. (Fontes: <http://www.siscorp.com.br/dados_mundial.asp> e <http://www2.irb-
brasilre.com.br/documentos/internet_irb/relatorio_financeiro_20041.pdf>, acessados em 1.8.2006).
316
Em âmbito mundial, podem ser colhidos exemplos como o da ex-resseguradora estatal da Coréia do Sul que,
mesmo após o fim do monopólio, permanece detendo o controle de fatia substancial daquele mercado. Até 1997,
a Korean-Re detinha o monopólio legal do resseguro, extinto como parte do programa de liberalização do
mercado de seguros coreano, quando o país ingressou na OCDE – Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico. Entretanto, mesmo após a flexibilização do monopólio, as seguradoras nacionais
continuaram a ceder voluntariamente a maior parte dos seus programas proporcionais para a Korean- RE. Assim,
a estatal coreana permanece detendo parcela considerável daquele mercado. A empresa subscreve tratados de
resseguro proporcional de propriedade, cascos marítimos e de responsabilidades para quase todas as seguradoras
existentes, e também subscreve riscos de engenharia de transportes e de automóveis. A explicação para o sucesso
da Korean-Re resulta parcialmente de uma longa tradição de solidariedade de mercado e também de sua
habilidade em elevar o seu enorme volume de prêmios de retrocessão, para obter tratados com termos mais
competitivos para as suas cedentes. A empresa também oferece ao mercado serviços de alto nível,
167
4.7.3 Desestatização do IRB – Brasil Resseguros S.A.?
Convém questionar: haveria espaço para que o Estado permanecesse atuante no
resseguro, como um dos concorrentes que se estabelecerão no mercado em abertura ou,
ao contrário, seria o caso de deixar a concorrência exclusivamente a cargo da iniciativa
privada? Deveria o Estado, na condição de empresário de resseguro, concorrer com
particulares em busca de lucratividade? Essa seria uma atribuição tipicamente estatal?
A presente discussão, necessariamente, remete aos prós
317
e aos contras
318
relacionados à permanência do Estado como acionista controlador do IRB
319
, em pleno
século XXI.
Principalmente na última década do século XX, assistiu-se a uma marcante
retirada do Estado da condição de personagem principal, encarregado da prestação de
serviços públicos e do desenvolvimento de atividades econômicas à sociedade. Foram
apresentados ao longo desse trabalho diversos exemplos dessa modificação, tais como
as ocorridas com as telecomunicações e com a energia elétrica.
particularmente no desenvolvimento e classificação de novos negócios, como produtos de responsabilidade civil,
além de ser considerada a maior resseguradora no continente asiático. A Korean Re foi fundada em 1963 pela
Indústria Seguradora Nacional e passou a ser cotada na Bolsa de Valores da Coréia em 1978. No exercício
encerrado em 31.03.2003, a empresa obteve uma receita de prêmios bruta de US$ 1.72 bilhões. Informações
disponíveis em <http://www.koreanre.co.kr/eng/about/history.jsp>, acessado em 01.08.2006. Traçando um
paralelo entre a Korean-Re e o IRB, aquela como a maior resseguradora da Ásia, este com o maior ressegurador
da América Latina, entende-se que, guardadas as devidas proporções, considerando que a Ásia representa
desenvolvimento econômico mais acentuado do que a América Latina, o IRB dispõe de condições reais para
aumentar a sua participação no mercado latino-americano. Atualmente, a resseguradora brasileira apenas atua em
território nacional. Valendo-se dos comentados usos e costumes internacionais, da característica internacional
relacionada ao resseguro e, além disso, das barreiras comerciais que foram removidas por intermédio do
Mercosul, caberá à estatal brasileira estabelecer negócios com seus países vizinhos, assim como fez a Korean-Re,
como forma de aumentar a sua capacidade de atuação e, concomitantemente, buscar a concorrência em igualdade
de condições com os maiores resseguradores que se estabelecerão no Brasil.
317
Analisando os aspectos positivos relacionados à continuidade do IRB como sociedade de economia mista,
controlada pela União Federal, cumpre destacar que, consoante exposto no segundo capítulo desta dissertação,
nos últimos anos, os resultados líquidos pelo mesmo apresentados foram positivos, demonstrativos de
progressivos aumentos anuais, o que, em certa medida, deveu-se à exploração do resseguro em regime de
monopólio. Considerando, por hipótese, que o IRB permaneça colhendo resultados positivos no cenário em que
haja livre concorrência, não dúvida de que isto representará um ganho para o Estado e para os seus demais
acionistas, a ser proporcionalmente distribuído.
318
A análise dos aspectos negativos afetos à permanência do Estado à frente do IRB remete ao estudo relacionado à
saída do mesmo da condição de “ator principal” para a condição de “coadjuvante”, isto é, por mais que os
resultados apresentados pela estatal sejam positivos nos últimos anos, pode-se sustentar, assim como se procedeu
com as telecomunicações no país, que a exploração do resseguro pela iniciativa privada, obviamente sujeita à
regulação a ser exercida pela autoridade competente, será mais benéfica para os seguradores, para a massa de
segurados e para a sociedade como um todo.
319
O Art. 43 do Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, alterado pela Lei nº. 9.482, de 13 de agosto de 1997,
passou a vigorar com a seguinte redação: “O capital social do IRB é representado por ações escriturais, ordinárias
e preferenciais, todas sem valor nominal. Parágrafo único. As ações ordinárias, com direito a voto, representam,
no mínimo, cinqüenta por cento do capital social”. Dessa maneira, à União (IRB) foi assegurado o controle do
seu capital social, independentemente da participação dos acionistas minoritários.
168
Deve-se considerar, também, que o resseguro representa uma atividade econômica
importante para o desenvolvimento da sociedade em diversos segmentos, já que,
invariavelmente, os grandes riscos necessitam das respectivas coberturas ressecuritárias.
Seja em matéria de petróleo e gás, telecomunicações, energia elétrica, infra-estrutura,
prestação de serviços, indústria automobilística, entre tantas outras atividades, não se
controverte quanto à necessidade de que sejam contratados os seguros e,
sucessivamente, os resseguros.
De fato, não há como ignorar a substanciosa modificação ocorrida nos últimos dez
anos no que se refere ao tamanho, à dimensão do Estado. Trazendo à tona a análise do
que se passou com o resseguro na Argentina nesse período, nota-se, atualmente, que
inexiste empresa estatal resseguradora, sendo certo que a exploração dessa atividade
econômica encontra-se exclusivamente reservada à iniciativa privada. No Paraguai
320
e
no Uruguai
321
, países também integrantes do Mercosul, inexistem resseguradoras estatais
em atuação. No Chile
322
, uma das economias mais desenvolvidas dentre os países latino
americanos, também não há um ressegurador estatal, de modo que, com relação ao
Brasil, pode-se formular conclusão segura no sentido de que a desestatização do IRB se
afigura como uma medida coerente com a já mencionada “reengenharia do Estado”
323
.
Por esses elementos, considerando, ainda, que em regime de livre concorrência
não poderão ser garantidos os resultados líquidos positivos por parte da resseguradora
estatal brasileira, que se beneficiou da exploração monopolista por tantas décadas,
sustenta-se posicionamento segundo o qual não há mais espaço para que o Estado
permaneça explorando diretamente o resseguro no país. Caminhando na mesma direção
das economias latino-americanas, que, consoante exposto, estão alinhadas ao que vem
sendo praticado pelas economias européia e norte-americana, é preciso deixar assentado
que a função do Estado, na presente hipótese, deverá restringir-se à constituição de uma
agência reguladora independente cuja atribuição será regular o mercado ressegurador
nacional. À iniciativa privada, regulada por esta agência, caberão os ônus e os bônus
decorrentes da exploração deste mercado ressegurador.
320
O exame das 67 (sessenta e sete) resseguradoras em atuação no Paraguai revelou inexistir resseguradora
controlada pelo Estado, conforme dados disponíveis em <http://www.bcp.gov.py/supseg/Reaseguradoras.htm>,
acessado em 20.11.2006.
321
Informações acerca do mercado ressegurador uruguaio disponíveis em <http://www.itf-
commrisk.org/documents/meetings/AgInsurance%202005/Uru.pdf>, acessado em 9.12.2006.
322
A flexibilização do monopólio no Chile ocorreu no ano de 1980. Informações disponíveis em
<http://www.segs.com.br/index.cfm?fuseaction=ver&cod=23746> acessado em 24.01.2007.
323
A expressão “reengenharia do Estado” é de autoria de Marcos Juruena Villela Souto, ob. cit., p. 361.
169
4.8 A Criação de uma Agência Reguladora Independente para a Regulação do
Resseguro
À SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, autarquia vinculada ao
Ministério da Fazenda, foram conferidas as atribuições regulatórias do mercado de
seguros privados no país, consoante disposto no art. 39
324
do Decreto-lei nº. 73, de 21 de
novembro de 1966 e, consoante disposto em seu próprio sítio na Internet, também lhe
serão atribuídas as atribuições regulatórias do mercado de resseguros que será instituído
no país
325
.
Inicialmente, observando as atribuições desta autarquia voltadas para o mercado
de seguros, considerando que, com relação ao mercado de resseguro, por esta ainda não
foram editados quaisquer atos normativos, sua atuação permite que sejam observadas
atribuições afetas à regulação normativa, traduzida na elaboração de portarias e
circulares disciplinadores das condutas que deverão ser observadas pelos regulados.
Vale frisar que os atos normativos emanados da SUSEP deverão restringir-se à
explicitação de comandos técnicos voltados ao cumprimento de deveres legalmente
estabelecidos, na medida em que esta espécie de regulação não representa nem
delegação legislativa, nem exercício do poder regulamentar, privativo do Chefe do
324
Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966. “Art. 36. Compete à SUSEP, na qualidade de executora da
política traçada pelo CNSP, como órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das
Sociedades Seguradoras: a) processar os pedidos de autorização, para constituição, organização, funcionamento,
fusão, encampação, grupamento, transferência de controle acionário e reforma dos Estatutos das Sociedades
Seguradoras, opinar sobre os mesmos e encaminhá-los ao CNSP; b) baixar instruções e expedir circulares
relativas à regulamentação das operações de seguro, de acordo com as diretrizes do CNSP; c) fixar condições de
apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional; d)
aprovar os limites de operações das Sociedades Seguradoras, de conformidade com o critério fixado pelo CNSP;
e) examinar e aprovar as condições de coberturas especiais, bem como fixar as taxas aplicáveis; f) autorizar a
movimentação e liberação dos bens e valores obrigatoriamente inscritos em garantia das reservas técnicas e do
capital vinculado; g) fiscalizar a execução das normas gerais de contabilidade e estatística fixadas pelo CNSP
para as Sociedades Seguradoras; h) fiscalizar as operações das Sociedades Seguradoras, inclusive o exato
cumprimento deste Decreto-lei, de outras leis pertinentes, disposições regulamentares em geral, resoluções do
CNSP e aplicar as penalidades cabíveis; i) proceder à liquidação das Sociedades Seguradoras que tiverem cassada
a autorização para funcionar no país; j) organizam seus serviços, elaborar e executar seu orçamento”.
325
Segue o link ‘apresentação’, extraído de <http://www.susep.gov.br/menususep/apresentacao_susep.asp>,
acessado em 24.11.2006. “A SUSEP é o órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro,
previdência privada aberta, capitalização e resseguro. Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, foi criada
pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que também instituiu o Sistema Nacional de Seguros
Privados, do qual fazem parte o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, o IRB Brasil Resseguros S.A. -
IRB Brasil Re, as sociedades autorizadas a operar em seguros privados e capitalização, as entidades de
previdência privada aberta e os corretores habilitados. Com a edição da Medida Provisória nº 1940-17, de
06.01.2000, o CNSP teve sua composição alterada”.
170
Poder Executivo, conforme determina a Constituição da República, em seu art. 84,
inciso IV
326
.
Deve-se distinguir as atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Seguros
Privados – CNSP e à SUSEP. Enquanto que àquele foi outorgada competência para
traçar as diretrizes principais e a política pública a ser implementada ao setor de seguros
privados, a esta foi outorgada competência para executar a política estabelecida pelo
outro órgão, conforme dispõem os artigos 32, inciso I e 36 do Decreto-lei nº. 73, de 21
de novembro de 1966
327
.
A regulação normativa exercida pela SUSEP que, a rigor, deverá seguir as
diretrizes principais e as políticas públicas estabelecidas pelo CNSP, em não raras
ocasiões desperta a atenção dos regulados, por representar usurpação de função
legislativa, na medida em que são realmente estabelecidas obrigações cuja função,
exclusivamente, pelo que garante o princípio da legalidade, seria de competência do
Poder Legislativo.
Paulo Luiz de Toledo Piza
328
, ao comentar esta questão, assim se posicionou:
Deste modo, por maior que seja a vaidade dos gestores estatais, por melhores
que sejam as suas boas intenções, e por mais aperfeiçoada que possa ser a
engenharia legal de que possam se valer – uma coisa é certa: não podem
exercer função legislativa, no que concerne a matérias da competência
privativa da União Federal, para legislar, por intermédio do Congresso
Nacional. (...) Em outros termos, a edição, por órgão vinculado ao Poder
Executivo, de atos vertidos a regular o exercício da autonomia privada não
pode implicar a edição de “normas primárias”, ainda que supletivamente às
normas de direito das obrigações (de direito civil ou comercial, conforme se
entender). Como esclarece, por exemplo, Eros Roberto Grau, com apoio em
Renato Alessi, emanar estatuições primárias, que se impõem por força
própria, autônoma, é função eminentemente legislativa. Entretanto, nos
últimos tempos, o CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados, órgão
integrante do Sistema Nacional de Seguros Privados, instituído por meio do
Decreto-lei nº. 73, de 23.11.1966, vem editando resoluções que fazem de
tabula rasa a Constituição da República. (...) Em outros termos, por mais que
o citado Decreto-lei tenha conferido ao CNSP atribuição para estabelecer
“diretrizes gerais” para o setor de seguros (art. 32), isso longe está de
significar que ele, ou qualquer outro órgão do Sistema Nacional de Seguros
Privados, possa dar à luz normas de direito civil, comercial, internacional, de
326
Este é o posicionamento de Marcos Juruena Villela Souto. Controle Judicial dos Atos Normativos,
disponível em <http://www.ana.gov.br/Institucional/ASPAR/AgenciasReguladoras/MarcosJuruena-
ControleJudicialDosAtosNormativos.pdf>, acessado em 24.11.2006.
327
Decreto-lei nº. 73, de 23 de novembro de 1966. Artigo 32. É criado o Conselho Nacional de Seguros Privados -
CNSP, ao qual compete primitivamente: I - Fixar as diretrizes e normas da política de seguros privados; Art 36.
Compete à SUSEP, na qualidade de executora da política traçada pelo CNSP, como órgão fiscalizador da
constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras.
328
PIZA, Paulo Luiz de Toledo. A Constituição e o CNSP. Disponível em
<http://ibds.com.br/AConstituiçãoeoCNSP.pdf>, pp. 1/2. Acessado em 24.11.2006.
171
seguro, câmbio, transferência de valores etc. Ademais, tratando-se de
matérias de competência privativa da União, não são passíveis de delegação
ao Executivo, exceto no que tange à eventual regulamentação posterior de
diplomas emanados do Congresso, e nos termos que nestes tiver sido fixado.
Portanto, no que concerne à edição de atos normativos pela SUSEP e pelo CNSP
que, consoante exposto, não se confundem com os atos regulamentares, tem-se como
certo que estes não poderão, em hipótese alguma, representar usurpação de função
legislativa, nem exercício de poder regulamentar, sob pena de se apresentarem viciados,
inconstitucionais.
Ainda no que se relaciona à regulação normativa, convém observar a explicação
de Marcos Juruena Villela Souto
329
a respeito da competência da norma reguladora,
cumprindo chamar a atenção para um dos elementos que a compõe, qual seja, a
neutralidade política:
Cabe, portanto, à norma reguladora traduzir tecnicamente, com neutralidade
política princípios constitucionais e legais que compõem a base da moldura
regulatória (marco regulatório) para uma implementação eficiente com vistas
ao atendimento das decisões políticas previamente tomadas pela sociedade
por meio de seus representantes no Poder Legislativo.
Diante dos elementos ora apresentados, relacionados às características necessárias
ao exercício eficiente da regulação normativa, indaga-se se a SUSEP realmente seria
autônoma, independente, para regular o mercado de resseguro no país. Considerando
que, em princípio, o único ressegurador nacional que estará em atuação é controlado
pela União Federal, assim como é esta autarquia, a resposta à questão suscitada,
lamentavelmente, é negativa
330
.
329
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Função Regulatória. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de
Atualização Jurídica, nº. 11, fevereiro, 2002. Disponível na Internet: <http://direitopublico.com.br>, acessado em
24.11.2006, p. 4.
330
O Instituto Brasileiro de Direito do Seguro - IBDS, em manifestação pública encaminhada ao Congresso
Nacional, tendo como objeto o Projeto de Lei Complementar nº. 249 de 2005, posteriormente convertido na Lei
Complementar nº. 126, de 15.01.2007, expôs sua preocupação com o fato de inexistir no país agência reguladora
independente para regular o resseguro, assim como ocorre com outras atividades econômicas. Nesta
manifestação, chamou-se à atenção para a possibilidade de que, ante à não especificação de diversos itens que
poderiam (deveriam) ter sido regulamentados em lei, houvesse a excessiva edição de atos normativos seja pelo
CNSP, seja pela SUSEP, eivados de inconstitucionalidade, já que emanados sem o devido processo legislativo. A
seguir, trecho desta manifestação: “O maior e mais grave problema é que o texto deixa muito aberta a
regulamentação para autoridades administrativas, esquecendo-se que no caso tem tela não temos agências com
independência como em outros setores. O CNSP é um conjunto de autoridades federais e a SUSEP uma autarquia
federal, ambos à disposição do Governo. Operar assim um mercado como o de resseguro pode deixar os
investidores e a sociedade como um todo intranqüilos”. (Manifestação Pública enviada aos Congressistas
sobre o PLC 249/2005. Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS. São Paulo: 30 de janeiro de 2006).
172
Passando a discorrer a respeito da regulação executiva, não há dúvida de que a
SUSEP disciplina e fiscaliza o mercado segurador brasileiro. Marcos Juruena
331
comenta
que à regulação executiva estão relacionadas as seguintes funções:
A regulação executiva vai ser implementada por atos de atribuição de
direitos, licenças ou delegações, no caso de vitórias em licitações para a
gestão de um determinado serviço público concedido ou permitido. Não para
por aí; a função executiva vai envolver, também, a fiscalização da atividade
objeto da regulação.
Ao analisar as reservas técnicas, balanços contábeis, declarações de resultados em
exercícios fiscais, não há dúvida de que estão sendo desempenhadas tarefas relacionadas
à regulação executiva, sendo certo que com relação ao resseguro, a fiscalização desses
elementos também deverá ser realizada, considerando que a higidez econômico-
financeira, ao lado da livre-concorrência e da cooperação, trata-se de um dos pilares
sobre o qual deverá ser edificado este mercado.
À SUSEP, também, são conferidas atribuições relacionadas à regulação judicante,
na medida em que eventuais conflitos de interesses existentes entre as seguradoras e os
segurados, levados ao seu conhecimento por intermédio de denúncias, serão pela mesma
decididos, sendo-lhe outorgados poderes para sancionar as seguradoras infratoras da
legislação vigente, sem que desta maneira esteja sendo violado o princípio da unidade
da jurisdição.
A explicação da regulação judicante para Marcos Juruena Villela Souto
332
é a
seguinte:
Os atos regulatórios que fixam tarifas, que aprovam reajustes, que aplicam
penalidades aos agentes envolvidos num segmento regulado representam a
terceira etapa da atividade regulatória (a primeira, a regulação normativa; a
segunda, regulação executiva): a regulação judicante, que tem por objetivo a
solução de conflitos entre os agentes, mais uma vez buscando o equilíbrio
entre os envolvidos. Essa função judicante já vinha sendo normalmente
desenvolvida no âmbito da administração pública (os conselhos de
contribuintes, os conselhos de recursos de servidores públicos) que
funcionam de forma inquisitorial, ou seja, aos olhos das partes envolvidas, a
Administração é, a um só tempo, julgadora e parte no processo. A função
regulatória deve ser eqüidistante, garantindo a imparcialidade e o caráter de
agente externo na solução do conflito. A independência é instrumento, mas
não algo indispensável ao exercício da função regulatória.
331
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Ob. cit., p. 5.
332
Idem, ob. cit., p. 6.
173
A SUSEP, enquanto reguladora do mercado de seguros, ao menos no que se refere
aos eventuais conflitos de interesses existentes entre as seguradoras e seus segurados,
parece deter a independência, a liberdade necessária para, à luz da legislação vigente,
apurar infrações e sancionar os responsáveis.
Por outro lado, raciocinando sob a perspectiva do mercado de resseguros, no qual,
em diversas ocasiões, os possíveis conflitos existentes serão mantidos entre o
ressegurador estatal IRB e seguradoras nacionais privadas, ou, entre o próprio IRB e
resseguradores estrangeiros em atuação no país, a autarquia responsável pela regulação
do resseguro teria a isenção, a imparcialidade e a eqüidistância necessárias para dirimi-
los e, em seguida, para aplicar as sanções devidas?
Analisando os aspectos trazidos a esse pensamento, relacionados às três etapas da
regulação – normativa, executiva e judicante – conclui-se que o resseguro, assim como
os seguros privados, carecem de que sua regulação deixe de ser exercida por uma
autarquia comum.
É preciso que uma agência reguladora independente passe a regular os mercados
de resseguro e de seguros no país. Fazendo uso das apalavras de Vital Moreira,
realmente há casos em que a própria natureza da atividade econômica em estudo
reclama o afastamento do Estado no que toca à regulação. Por sua pertinência, segue
trecho de sua obra:
Independentemente desses casos particulares pode haver situações em que a
própria natureza da actividade económica em causa pode reclamar o máximo
afastamento possível da ingerência governamental e da interferência política,
reclamando uma regulação tão técnica, profissional e neutra, quanto possível.
É esse o caso sobretudo dos mercados financeiros em geral e do mercado de
valores mobiliários em especial. Não admita, por isso, que seja nessa área
que desde mais cedo se desenvolveram soluções de autoridades reguladoras
independentes
333
.
Se Vital Moreira aponta os mercados financeiros e os de valores mobiliários como
sendo carentes de regulação eminentemente técnica, certamente pode-se concluir de
maneira semelhante no que se refere ao mercado de resseguro, considerando todos os
elementos relacionados aos usos e costumes internacionais, em suma, à necessidade de
que a regulação não seja intrusiva como forma de zelar pelos interesses dos próprios
regulados.
333
MOREIRA, Vital e MAÇÃS, Fernanda. Ob. cit., p. 13.
174
Sob a perspectiva de órgãos cujas atribuições seriam semelhantes às atribuídas à
agência reguladora do resseguro e do seguro, isto é, contemplando a regulação de
ambos os mercados, convém trazer à colação diversos órgãos, em atuação em países do
Mercosul e de outros blocos econômicos, que concentram essas funções. A seguir,
convém observar a relação:
a. Na Argentina, a Superintendencia de Seguros de la Nación, é responsável
pela regulação dos mercados de resseguro
334
e seguro
335
;
b. No Paraguai, a Superintendencia de Seguros, é a autoridade encarregada de
regular as empresas de seguros e resseguros que operam no país
336
;
c. No Uruguai, a Superintendencia de Seguros Y Reaseguros, criada em 1993,
ano a partir do qual foi flexibilizado monopólio exercido desde 1912,
responde pela regulação dos mercados de resseguro e seguro
337
.
d. No Chile, a Superintendência de Valores y Seguros, também é responsável
pela regulação dos mercados de resseguro e seguro
338
;
e. No México, a Comisión Nacional de Seguros y Fianzas é responsável pela
regulação dos mercados de resseguros e seguros. As informações referentes
aos resseguradores em atuação no país, inclusive no que toca à classificação
de solvência dos mesmos – rating - encontram-se disponíveis na Internet
339
.
f. Na Espanha, à Dirección General de Seguros também foi atribuída a
regulação dos mercados de resseguro e seguro
340
;
g. Na Itália, o Instituto per la Vigilanza sulle Assicurazioni Private e de
Interesse Colletivo regula os mercados de resseguro e seguro
341
;
334
Dispõem de autorização para atuar no mercado argentino 7 (sete) resseguradoras nacionais e 82 (oitenta e duas)
resseguradoras estrangeiras. Informações referentes à regulação do mercado de resseguro argentino disponíveis
em <http://portal.ssn.gov.ar/storage/Registros/Reaseguros/Reaseguros.htm>, acessado em 25.11.2006.
335
Informações referentes à regulação do mercado de seguros argentino disponíveis em
<http://portal.ssn.gov.ar/fwcm/>, acesso em 25.11.2006.
336
No mercado de seguros paraguaio encontram-se instaladas 34 (trinta e quatro) seguradoras e no mercado
ressegurador encontram-se instaladas 67 (sessenta e sete) resseguradoras. Fonte:
<http://www.bcp.gov.py/supseg/esttri2003/breverese%C3%B1a.htm> , acessado em 20.11.2006.
337
Informações referentes ao mercado de resseguro e seguro no Uruguai encontram-se disponíveis em
<http://www.itf-commrisk.org/documents/meetings/AgInsurance%202005/Uru.pdf>, acessado em 20.11.2006.
338
Informações referentes ao mercado de resseguro e seguro no Chile encontram-se disponíveis em
<http://www.svs.cl/sitio/html/merc_seguros/f_seguros.html>, acessado em 20.11.2006.
339
Fonte: <http://portal.cnsf.gob.mx/portal/page?_pageid=1058,1&_dad=portal&_schema=PORTAL>, acessado em
25.11.2006.
340
Fonte: <http://www.dgsfp.mineco.es/sector/legislacion.asp>, acessado em 25.11.2006.
341
Fonte <http://www.isvap.it/isvap/imprese_jsp/HomePageSezione.jsp?nomeSezione=L'ISTITUTO&ObjId=90229&titolo-
=L'ISTITUTO>, acessado em 25.11.2006.
175
h. Em Portugal, o Instituto de Seguros de Portugal é o responsável pela
regulação dos mercados de resseguro e seguro
342
.
Portanto, examinando esses exemplos pode-se concluir que a regulação dos
mercados de resseguro e seguro é comumente exercida por apenas um órgão, sendo
certo que este exercício a cargo de agência reguladora independente será benéfico para
o próprio Governo e para os regulados.
Traçando um interessante paralelo entre o resseguro, cujo mercado será
implementado, com o setor postal brasileiro, ainda objeto de monopólio exercido pela
União Federal, Maria Neuenschwander Escosteguy Carneiro Goldberg
343
, ao sugerir a
flexibilização daquele monopólio, comenta que, sem sombra de dúvida, a regulação que
deverá passar a ser realizada sobre o setor postal deverá ser exercida por agência
reguladora independente, trazendo, neste particular, fundamentação convincente. A
seguir, convém observá-la:
Há necessidade de criação de uma agência reguladora para o setor postal? (...)
Ora, conforme expõe Sérgio Guerra, se o Estado Regulador traduz um
fenômeno de mutação constitucional desencadeado pelas alterações
estruturais por que passou a sociedade, e, se estamos sustentando, ao longo
do presente trabalho, a mutação constitucional por via interpretativa do
“monopólio postal” brasileiro, nada mais adequado do que introduzir neste
setor o fenômeno da regulação, hoje inexistente formalmente (...). Para
Arnoldo Wald: no momento em que a execução das obras e serviços públicos
foi sendo transferida à iniciativa privada, deixou-se de confundir a prestação
destes com a regulação e a fiscalização dos mesmos, pois desatrelou-se o
Poder Público das tarefas de execução das obras e serviços públicos para
fazer com que assumisse a política regulatória de todos os setores da
economia em que anteriormente cabia às empresas estatais o papel de
concessionárias de serviços públicos, que deixaram de ser prestados pelo
Estado, que foram desenvolvidas as Agências Reguladoras no Brasil.
Bernardo Mueller e Carlos Pereira apontam, neste sentido, as possíveis
razões para criação de uma agência reguladora independente: uma razão
possível para criação de uma agência regulatória é para atingir um tipo
diferente de flexibilidade administrativa daquele que é possível se ter pelo
Poder Executivo. Uma agência autônoma pode estar submetida a diferentes
regras que permitirão atrair, pagar e motivar uma força de trabalho
talentosa (Bresser-Pereira 1998). Uma segunda razão envolve a outorga de
poderes aos reguladores, a fim de que eles tenham incentivo para se
especializarem e reduzirem as incertezas daquele determinado setor. (...)
Uma terceira razão que pode motivar o governo a criar agências
regulatórias independentes é o chamado “blame shifting” (transferência de
culpa) (Fiorina 1982). Isto porque as reformas pelas quais estão passando
diversos setores necessariamente implicam a redistribuição de riqueza entre
342
Fonte: <http://www.isp.pt/ >, acesso em 25.11.2006.
343
GOLDBERG, Maria Neuenschwander Escosteguy Carneiro. Ob. cit., pp. 266/287.
176
diferentes grupos, o que pode causar no governo o desejo de se distanciar
deste processo a fim de evitar ser culpado. Uma quarta razão é para assumir
um compromisso crível de que o governo não irá interferir arbitrariamente
no processo regulatório a fim de se apropriar das rendas das empresas
reguladas. (...) em países nos quais a credibilidade é uma preocupação
importante para o governo, pode-se explicar muitas das opções de
instituições regulatórias como uma maneira de fornecer tal compromisso.
Neste trabalho, argumentamos que o motivo mais importante para a criação
de agências regulatórias no Brasil assim como a determinação principal do
design regulatório específico de cada setor, é a questão da credibilidade. (...)
A última modificação institucional proposta foi a criação de uma agência
reguladora do Sistema Nacional dos Correios, que é uma estrutura
diferenciada, dotada de maior independência e autonomia, cuja atividade
consistiria numa permanente ponderação entre custos e benefícios na
intervenção sobre os serviços postais, que passariam, então, a ser regulador
por atos normativos, executivos e judicantes. Este órgão viabilizaria o
controle do setor de forma eficiente. O que se conclui, com relação a este
ponto é que a regulação por entidade autárquica especial criada
especificamente é um instrumento desejável de não interferência política nos
critérios de ponderação técnica entre custos e benefícios da intervenção
estatal na liberdade privada e, antes disso, um instrumento necessário à
“criação jurídica” de um mercado, que, funciona hoje fora de uma moldura
regulatória.
Sintetizando as principais razões determinantes à criação de uma agência
reguladora independente para o setor postal, em primeiro lugar se apresenta a
flexibilidade administrativa diferenciada, que permitiria, por exemplo, uma maior
capacitação de sua força de trabalho, tornando-a mais talentosa; a segunda razão está
traduzida na outorga de poderes à agência reguladora, o que teria como conseqüência
uma maior especialização e, assim, redução das incertezas dos regulados; a terceira
razão foi o chamado blame shifting ou, transferência de culpa, considerando que o
Governo, ao transferir as atribuições regulatórias para agência independente, retira de si
o foco das eventuais cobranças apresentadas pelos regulados; a quarta razão é o
compromisso crível de que o Governo não interferirá naquele mercado, gerando, assim,
maior credibilidade, diminuição do risco-país, o que, por certo, motivará uma maior
convergência de capitais para a economia nacional
344
.
Essas razões, sem dúvida, são aplicáveis à regulação do resseguro no país e, além
disso, estimulantes à criação de uma agência reguladora independente. É absolutamente
necessário que a mão de obra encarregada de atuar na regulação de mercado tão
específico seja especializada, o que vai ao encontro da primeira razão – flexibilidade
administrativa.
344
As quatro razões para a criação de uma agência reguladora independente foram mencionadas por Bernardo
Müeller e Carlos Pereira em Credibility and the design of regulatory agencies in Brazil In: Revista de
Economia Política, v. 22, nº. 3 (87), jul.set , 2002, pp. 65/87, pp. 66-67.
177
A agência responsável pela regulação do resseguro e, possivelmente, do seguro
também, deverá ser especializada nesse mister, ante à complexidade das questões
apreciadas, dos grandes riscos discutidos, de todo o impacto social de que se revestem
tanto a atividade securitária quanto a atividade ressecuritária.
Prosseguindo, a transferência de culpa – blame shifting, fruto da assunção de
responsabilidade pela agência reguladora, afigura-se extremamente vantajosa para o
Governo que, retirando de si a pressão, o foco, poderá dedicar-se a questões realmente
essenciais em que o Estado, invariavelmente, deverá estar presente, como educação,
segurança pública e saúde.
Por fim, o ganho de credibilidade em relação ao mercado de resseguro tornou-se
realmente necessário. Desde 1996, com a Emenda à Constituição nº. 13, de 21 de agosto
de 1996, com a supressão do termo “órgão oficial ressegurador” do art. 192 da
Constituição da República, resseguradores estrangeiros e o próprio mercado segurador
nacional acreditaram, à época, que ocorreria a flexibilização do monopólio exercido
pelo IRB.
A criação de uma agência reguladora independente, exatamente com relação a
este aspecto, revelaria que o Governo, de fato, teria tomado a iniciativa de não mais se
imiscuir diretamente nessas questões, o que, a toda evidência, gerará ganhos em matéria
de confiança, de credibilidade, por parte dos resseguradores estrangeiros, que, ao
optarem pela instalação no país, estarão trazendo insumos à economia nacional.
Por esses motivos, entende-se que a SUSEP deverá ceder espaço à agência
reguladora independente, como forma de que a regulação do mercado ressegurador
nacional possa ser desempenhada de maneira essencialmente técnica, imparcial, imune
às pressões exercidas pelos agentes públicos e/ou privados (imune à captura).
4.9 Conclusões Parciais
Demonstrou-se ao longo deste capítulo que o resseguro, por se tratar de negócio
eminentemente internacional, em não raras ocasiões coloca frente a frente ordenamentos
jurídicos de países distintos, fato este que, em princípio, poderia suscitar problemas
relacionados à opção pelo ordenamento que seria adotado.
178
A prática reiterada, ao longo dos tempos, demonstrou que os usos e costumes
figuram como típica fonte de obrigações em matéria de Direito aplicado ao resseguro,
apenas antecedidos pelo que for disciplinado pelas partes (ressegurador e segurador)
quando da celebração do contrato de resseguro, desde que, por certo, não seja
contrariada a ordem pública.
Por esses motivos, a intervenção estatal, a ser realizada por agência reguladora
independente, deverá ser leve, em estrita observância ao princípio da subsidiariedade,
considerando tanto a autonomia da vontade das partes, quanto os usos e costumes
internacionais em matéria ressecuritária. Com relação à força dos costumes, vale
lembrar que a própria Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 4º, reconhece a sua
força normativa.
Nessa senda, a auto-regulação do mercado ressegurador nacional floresce como
uma alternativa absolutamente bem postada, viável, considerando que os próprios usos e
costumes internacionais em larga medida é que norteiam a atuação dos resseguradores e
dos seguradores. Ora, se estes mesmos é que, por si, disciplinam a sua atuação,
realmente não faria o menor sentido impor a atuação de um órgão regulador que, ao que
tudo indica, criaria embaraços ao que já estaria fluindo de maneira eficiente.
Explicou-se, também, que a implementação da auto-regulação não será levada a
cabo de maneira automática, instantânea, fazendo-se necessário o amadurecimento do
mercado para, então, torná-lo realmente auto-regulável.
Com relação às funções que serão desempenhadas pelo IRB no mercado
ressegurador nacional, demonstrou-se, objetivamente, que este não poderá permanecer
exercendo as atribuições regulatórias, já que, como competidor, não lhe seria lícito
continuar formulando as “regras do jogo”.
Quanto à sua desestatização, sustenta-se posição a esta favorável, considerando
que, assim como se procedeu com as telecomunicações, com a energia elétrica e com
tantos outros segmentos importantes da economia nacional, tudo sugere que o Estado
não continue detendo o controle do IRB.
Por outro lado, caso a opção governamental seja no sentido de não perder o
controle do IRB, demonstrou-se também, com base no exemplo da Korean-Re que,
mesmo após a flexibilização do monopólio coreano do resseguro, sua empresa estatal
permaneceu detendo fatias substanciais daquele mercado, fruto dos bons serviços
179
oferecidos aos seguradores locais e estrangeiros. Caberá à estatal brasileira, nesta
situação, esforçar-se para implementar melhores coberturas em condições mais
vantajosas do que as que serão oferecidas por seus concorrentes, como forma de cativar
a sua clientela e, assim, melhorar os seus números.
Demonstrou-se, também, que seguindo a mesma linha que vem sendo adotada nos
Estados Unidos e na União Européia, o IRB, por intermédio da União, deverá esforçar-
se para que no âmbito do Mercosul o cadastramento para exploração do resseguro
habilite o ressegurador a exercer as suas atividades nos demais países integrantes do
grupo econômico, o que, indubitavelmente, aumentará o lastro de atuação da
resseguradora brasileira. O desenvolvimento de um trabalho eficiente junto aos
mercados de resseguro vizinhos norteará (ou não) o crescimento de sua produtividade.
Finalmente, sustentou-se que a regulação do resseguro no país deverá ficar a cargo
de agência reguladora independente, a cujos Diretores sejam assegurados mandatos
fixos, com a finalidade de que a mão de obra lotada nesta agência possa especializar-se
com maior profundidade e, além disso, para que o próprio Governo Federal possa
transferir as responsabilidades regulatórias que, ordinariamente, lhes são características,
garantindo-se, com isso, a imparcialidade e a liberdade necessárias para que a regulação
do resseguro seja livre das capturas pública e/ou privada.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento da relação existente no país entre o Estado e o Mercado, de
maneira geral, demonstrou, com riqueza de exemplos, que a ordem econômica
constitucional brasileira não guarda mais espaço para que prevaleça um regime
monopolista. Nos segmentos voltados à distribuição de gás canalizado, ao fim da
reserva de mercado na navegação de cabotagem, às telecomunicações, à distribuição de
energia elétrica e ao petróleo e gás natural, foram dados passos importantes rumo à
flexibilização dos monopólios outrora existentes, sendo certo que a recém sancionada
Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007, representou o marco que carecia
de ser alcançado para os mercados segurador e ressegurador brasileiros.
De fato, seja com motivação na livre iniciativa ou na livre concorrência, aliando-
se a esses motivos o fato de que em âmbito mundial praticamente inexiste a exploração
do resseguro em regime de monopólio, sustentou-se que, mesmo antes da sanção da
mencionada Lei Complementar já se encontravam reunidas as condições necessárias
para que o Estado, com as características que o século XXI lhe impõe, passasse a
regular o resseguro no país, ao invés de ser o responsável por sua execução direta.
Demonstrou-se que a exploração do resseguro em regime de monopólio não gera
efeitos positivos nem sob a perspectiva da higidez econômico-financeira, nem sob a
perspectiva da livre iniciativa e da livre concorrência e muito menos sob a perspectiva
dos acordos de cooperação, especialmente os horizontais, já que absolutamente
inexistentes.
Os principais pilares sobre os quais o órgão responsável pela regulação do
resseguro deverá assentar-se são: (i) a higidez econômico-financeira dos resseguradores
locais e daqueles resseguradores que pretendam instalar-se no país, sejam eventuais ou
admitidos; (ii) livre concorrência, de maneira que esta, efetivamente, seja observada por
aqueles que estiverem atuando no mercado ressegurador nacional, tornando-se
plenamente cabíveis as medidas que visem sancionar as condutas anti-concorrenciais,
traduzidas em abuso de posição dominante; (iii) quanto aos acordos de cooperação que,
possivelmente, serão entabulados pelos resseguradores entre si e por estes com os
181
seguradores, estudou-se que caso os benefícios decorrentes de sua implementação, em
cotejo com os prejuízos decorrentes de eventual conduta anti-competitiva, sejam
maiores, isto é, caso o propósito seja lícito, consubstanciado na obtenção de garantias
mais estendidas, não deverá haver restrição alguma à sua consecução. Por outro lado,
caso os prejuízos superem os benefícios, caberá ao seu órgão regulador deste mercado
tomar as medidas necessárias para evitar práticas desta natureza e/ou sancioná-las.
Com relação às experiências colhidas dos mercados resseguradores dos Estados
Unidos da América e da Comunidade Européia, demonstrou-se a importância de que
seja dedicada atenção ao controle da higidez econômico-financeira dos resseguradores,
o que tem como reflexo evitar que haja retenção exagerada de riscos por parte dos
seguradores, tudo com o propósito de que o mercado possa desenvolver-se livre da
insolvência de seus agentes. No que toca à atuação dos resseguradores em todos os
países integrantes da Comunidade Européia, comentou-se que a autorização concedida
num dos países integrantes do bloco permite a atuação em todos os demais países, isto
é, a as normas aplicáveis a um país também são aplicáveis nos demais países, sem
restrições.
Por se tratar de negócio eminentemente internacional, o contrato de resseguro,
usualmente, coloca frente a frente ordenamentos jurídicos de países distintos, fato este
que, em princípio, poderia suscitar problemas relacionados à opção pelo ordenamento
que seria adotado. Nesse sentido, justamente visando evitar questões desta jaez
demonstrou-se que os usos e costumes figuram como típica fonte de obrigações em
matéria de Direito aplicado ao resseguro, apenas antecedidos pelo que for disciplinado
pelas partes (ressegurador e segurador) quando da celebração do contrato, desde que,
por certo, não seja contrariada a ordem pública.
Por esses motivos, a intervenção estatal, a ser realizada por agência reguladora
independente a ser criada com esta finalidade específica, deverá ser leve, em estrita
observância ao princípio da subsidiariedade, considerando tanto a autonomia da vontade
das partes, quanto os usos e costumes internacionais em matéria ressecuritária.
Nessa linha, a auto-regulação do mercado ressegurador nacional floresce como
uma alternativa juridicamente viável, considerando que os próprios usos e costumes
internacionais em larga medida é que norteiam a atuação dos resseguradores e dos
seguradores.
182
Concernentemente às funções que serão desempenhadas pelo IRB – Brasil
Resseguros S.A. no mercado ressegurador nacional, demonstrou-se, objetivamente, que
este não poderá permanecer exercendo as atribuições regulatórias, já que, como
competidor, não lhe seria lícito continuar formulando as “regras do jogo”.
Quanto à sua desestatização, sustentou-se posição a esta favorável, considerando
que, assim como se procedeu com as telecomunicações, com a energia elétrica e com
tantos outros segmentos importantes da economia nacional, tudo sugere que o Estado
não continue detendo o controle do IRB.
Por outro lado, caso a opção governamental seja no sentido de não perder o
controle do IRB, demonstrou-se também, com base no exemplo da Korean-Re que,
mesmo após a flexibilização do monopólio coreano do resseguro, sua empresa estatal
permaneceu detendo fatias substanciais daquele mercado, fruto dos bons serviços
oferecidos aos seguradores locais e estrangeiros.
Analisou-se, também, que seguindo a mesma linha que vem sendo adotada nos
Estados Unidos e na União Européia, o IRB, por intermédio da União, deverá esforçar-
se para que no âmbito do MERCOSUL o cadastramento para exploração do resseguro
habilite o ressegurador a exercer as suas atividades nos demais países integrantes do
grupo econômico, o que, indubitavelmente, aumentará o lastro de atuação da
resseguradora brasileira. O desenvolvimento de um trabalho eficiente junto aos
mercados de resseguro vizinhos norteará (ou não) o crescimento de sua produtividade.
Finalmente, concluiu-se que a regulação do resseguro no país deverá ficar a cargo
de agência reguladora independente, a cujos Diretores sejam assegurados mandatos
fixos, com a finalidade de que a mão de obra lotada nesta agência possa especializar-se
com maior profundidade e, além disso, para que o próprio Governo Federal possa
transferir as responsabilidades regulatórias que, ordinariamente, lhes são características,
garantindo-se, com isso, a imparcialidade e a liberdade necessárias para que a regulação
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