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ELISSON FERREIRA MORATO
DO CONTEÚDO À EXPRESSÃO: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA
DOS TEXTOS PICTÓRICOS DE MESTRE ATAÍDE
Belo Horizonte
Faculdade de Letras/UFMG
2008
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ELISSON FERREIRA MORATO
DO CONTEÚDO À EXPRESSÃO: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA
DOS TEXTOS PICTÓRICOS DE MESTRE ATAÍDE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre, sob a orientação
da Profª. Drª. Glaucia Muniz Proença Lara.
Área de Concentração: Lingüística do texto e do discurso
Linha de Pesquisa: E - Análise do Discurso
Belo Horizonte
Faculdade de Letras/UFMG
2008
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A meus pais, Paulo Morato e Maria do Rosário, e a meu
irmão Elder Ferreira Morato dedico o esforço deste
trabalho e os méritos que dele possam ser colhidos.
4
AGRADECIMENTOS:
A Glaucia Muniz Proença Lara, orientadora brilhante, e a José Arnaldo de
Aguiar Lima, professor de História da Arte da Universidade Federal de Ouro Preto,
cujos saberes foram indispensáveis à feitura desta dissertação.
Aos professores William Augusto Menezes e Ida Lúcia Machado, pela acolhida
no curso.
Aos amigos e companheiros desta travessia: Jussaty Cordeiro Júnior e Débora
Martins Barbosa.
Para Taninha e Ana Lúcia (Ninha), pela presença, paciência e atenção.
5
“Diria que se olhar para uma pintura é equivalente a ler, uma
leitura em que devemos não transformar as palavras em som e
sentido, mas as imagens em sentido e histórias.”
Alberto Manguel (Lendo Imagens)
6
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................................................8
ABSTRACT.....................................................................................................................9
INTRODUÇÃO..............................................................................................................10
CAPÍTULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS............................14
1. A semiótica plástica e o estudo do semi-simbolismo..................................................14
2.O plano de conteúdo e o percurso gerativo de sentido.................................................24
2.1.O nível fundamental..................................................................................................25
2.2. O nível narrativo.......................................................................................................27
2.3. O nível discursivo.....................................................................................................30
3. O plano de expressão e sua articulação com o conteúdo.............................................33
4. Contribuições da história da arte.................................................................................36
5. Metodologia.................................................................................................................40
CAPÍTULO II: ANÁLISE DAS TELAS DE MESTRE ATAÍDE.................................50
1.O contexto histórico: a arte barroca e o barroco mineiro.............................................50
2. Algumas linhas sobre Mestre Ataíde...........................................................................54
3.Examinando as telas.....................................................................................................57
3.1.O Batismo de Cristo..................................................................................................57
3.1.1. Análise iconográfica..............................................................................................60
3.1.2. Análise do plano de conteúdo................................................................................61
3.1.3. Análise do plano de expressão...............................................................................65
3.2.A Santa Ceia (de Ouro Preto)....................................................................................69
3.2.1. Análise iconográfica..............................................................................................70
3.2.2.Análise do plano de conteúdo.................................................................................71
3.2.3. Análise do plano de expressão...............................................................................73
3.3. A Ceia (do Caraça)...................................................................................................76
3.3.1.Análise iconográfica...............................................................................................77
3.3.2.Análise do plano de conteúdo.................................................................................79
3.3.3.Análise do plano de expressão................................................................................81
3.4.O Passo da Paixão......................................................................................................85
3.4.1.Análise iconográfica...............................................................................................86
3.4.2.Análise do plano de conteúdo.................................................................................88
7
3.4.3.Análise do plano de expressão.............................................................................91
3.5. A Crucificação.......................................................................................................94
3.5.1.Análise iconográfica............................................................................................95
3.5.2.Análise do plano de conteúdo..............................................................................97
3.5.3.Análise do plano de expressão...........................................................................100
4.Análise dos resultados..............................................................................................104
CONCLUSÃO.............................................................................................................111
REFERÊNCIAS...........................................................................................................114
8
RESUMO
No presente trabalho, analisamos cinco textos/telas do pintor barroco Manoel da
Costa Ataíde, que retratou episódios da vida de Cristo, por meio da semiótica plástica ou
visual, a qual constitui um desdobramento da semiótica greimasiana (ou francesa). O
principal objeto de nossa investigação é o semi-simbolismo, definido como um tipo de
relação significante que decorre da articulação entre os dois planos que formam o texto:
o plano de conteúdo e o plano de expressão. Como as relações semi-simbólicas se dão
entre categorias dos dois planos, nossa abordagem inclui o exame do plano de conteúdo,
formado pelo percurso gerativo de sentido, e do plano de expressão, que, no caso da
pintura, inclui dimensões relacionadas à espacialidade, à luz, à cor e à forma, sem perder
de vista contribuições relevantes da histórica da arte (como a análise iconográfica).
(Re)encontramos, no plano de conteúdo dos textos/telas de Mestre Ataíde, categorias
que “atravessam” o discurso religioso (cristão) como um todo, mas que foram
magistralmente trabalhadas pelo barroco, tais como as oposições fundamentais
/humanidade/ vs /divindade/ e /vida/ vs /morte/ ou temáticas, como perdição vs
salvação. Essas categorias do plano de conteúdo, homologadas às categorias do plano de
expressão, que se situam nas dimensões topológica (central vs periférico), foto-
cromática (claro vs escuro, cores quentes vs cores frias) e eidética (dilatado vs
contraído), constroem relações semi-simbólicas, responsáveis pelos efeitos de sentido
gerados no/pelo texto. Dessa maneira, o conteúdo do discurso religioso barroco é
expresso através de elementos estéticos característicos da pintura.
Palavras-chave: semiótica plástica; plano de conteúdo; plano de expressão;
significação; semi-simbolismo.
9
ABSTRACT
In this work, we analyze, in the light of the plastic or visual semiotics (a
development of Greimas’ semiotics or French Semiotics), five texts/canvas about
Christ’s life produced by the Baroque painter Manoel da Costa Ataíde. The main object
of our investigation is the semi-symbolism, defined as a type of significant relationship
that results from the articulation between the two plans that compose the text: the
content plan and the expression plan. As the semi-symbolism is an articulation of
categories belonging to the two plans, our approach includes the exam of the content
plan, by means of the generative course of meaning”, and of the expression plan, that,
in the case of painting, includes dimensions related to space, light, color and form,
considering also some relevant contributions of the History of Art (as the iconographic
analysis). We found in the content plan of the texts/canvas by Mestre Ataíde categories
that go through the religious (Christian) speech as a whole, but that were masterfully
worked by the Baroque, such as the fundamental oppositions / humanity / vs / divinity /
and /death / vs / life / and themes like perdition vs salvation. Those categories of the
content plan are ratified by the categories of the expression plan, located in the
topological dimension (central vs outlying), the photo-chromatic dimension (clear vs
dark, hot colors vs cold colors) and the eidetic dimension (dilated vs contracted),
building semi-symbolic relationships that are responsible for the “effects of meaning”
generated in/by the text. In this way, the contents of the Baroque religious speech are
expressed through aesthetic elements related to painting.
Key words: plastic semiotics; content plan; expression plan; meaning; semi-symbolism.
10
INTRODUÇÃO
Semiótica visual ou plástica, semiótica gustativa, semiótica da canção, semiótica
tensiva. Ao contrário do que possam sugerir os termos, essas não são definições para
diferentes teorias e seus respectivos objetos, mas desdobramentos da semiótica de linha
francesa também conhecida como semiótica standard , que foi fundada pelo lituano
Julien Algirdas Greimas (1917-1992) no fim da década de 1960, com base na lingüística
estrutural de Saussure e Hjelmslev e na antropologia de Levi-Strauss, entre outras
abordagens, o que lhe confere, antes de mais nada, um caráter interdisciplinar.
Trata-se de uma teoria da significação tal como esta se manifesta em qualquer
texto, seja ele expresso em linguagem verbal ou não-verbal (visual, gestual, sonora),
sem contar os textos sincréticos, em que se mesclam várias linguagens, como é o caso
do cinema, dos quadrinhos, etc.
De certo modo, a possibilidade deste trabalho advém da produtividade
diríamos mesmo da amplitude do conceito greimasiano de “texto”, segundo o qual
este é formado pela articulação de um plano de conteúdo, constituído por estruturas
semio-narrativas e discursivas, com um plano de expressão, em que temos a
mobilização de uma linguagem (verbal ou não-verbal) para a textualização do discurso.
Entende-se, nesse caso, que o discurso, o “aquilo que é dito”, pode ser analisado não
apenas num conto ou num poema, mas também numa pintura, numa fotografia, numa
escultura. No momento em que temos a junção do plano de conteúdo com um plano de
expressão, ocorre a textualização. O texto é, assim, uma unidade que dirige para a
manifestação (FIORIN, 1999).
Grosso modo, a semiótica greimasiana é uma teoria de cunho lingüístico, mas
nos lega uma metodologia que se aplica também a corpora não-lingüísticos. Ao
desdobramento da semiótica que se voltou especificamente para a análise de textos
11
visuais, chamou-se semiótica plástica, ou visual. Esse campo ganhou impulso por meio
dos trabalhos de Jean-Marie Floch (1947-2001), em meados da década de 1980.
Embora a semiótica standard preconizasse o texto como um objeto formado por
um plano de conteúdo e um plano de expressão, a ênfase predominantemente recaíra,
até então, sobre a análise do plano de conteúdo. Os trabalhos de Floch, influenciados
também pela história da arte, trouxeram o diferencial de se enfatizar também a análise
do plano de expressão, uma vez que este, muitas vezes, não se limita a expressar o
conteúdo, mas cria novas relações com este: as relações semi-simbólicas.
O semi-simbolismo é um dos tipos de conexão significante que ocorre entre
categorias do plano de conteúdo e do plano de expressão, sendo freqüentemente
estudado pela semiótica plástica. Por essa via, o semi-simbolismo é também o objeto de
estudo que elegemos para esta dissertação, a qual tem como corpus pinturas de Manoel
da Costa Ataíde (1762-1830), ou Mestre Ataíde, artista mineiro do período barroco,
praticamente desconhecido fora dos círculos acadêmicos.
Dividimos este trabalho em uma dimensão teórica e uma dimensão prática.
Assim, dedicamos o Capítulo I à explanação dos conteúdos teóricos e dos princípios
metodológicos que concernem a esta pesquisa. Seguindo essa disposição, procuramos,
inicialmente, localizar a semiótica plástica no âmbito dos estudos da linguagem e,
particularmente, no domínio dos estudos semióticos. Em seguida, discorremos sobre os
planos de conteúdo e de expressão, evocando também contribuições da história da arte,
oriundas de trabalhos como os de Heinrich Wölflin (1864-1945) e Erwin Panofsky
(1892-1968). Terminamos o capítulo com a apresentação dos pressupostos
metodológicos e das etapas propostas para a análise do corpus.
a análise das telas de Mestre Ataíde (a dimensão propriamente prática que
mencionamos) compõe o Capítulo II, sendo precedida pela apresentação de alguns
12
recortes do panorama histórico e cultural do período barroco em Minas Gerais, bem
como por uma síntese da vida e da obra do artista, questões que remetem ao contexto
(aqui tomado em sentido amplo).
Na realização deste trabalho, visamos atender a alguns objetivos principais,
levando em conta a contribuição que seu cumprimento pode nos legar. Dentre nossos
objetivos, citamos o de demonstrar a viabilidade da semiótica francesa aplicada ao
estudo de textos não-verbais. Nesse caso, através do estudo de textos pictóricos,
buscamos investigar particularidades do plano de expressão na semiose plástica, assunto
ainda relativamente pouco estudado no Brasil, dado o desenvolvimento recente da
semiótica visual (ou plástica): a partir dos anos 1980.
Com o estudo sobre a pintura de Mestre Ataíde, objetivamos a análise das
relações entre o plano de conteúdo e o plano de expressão e das categorias semi-
simbólicas que se instauram na obra do artista. Com a especificidade deste trabalho, que
se debruça sobre um corpus pictórico, esperamos contribuir ainda que modestamente
com as reflexões que se instauram no âmbito da semiótica visual, tomada como um
desdobramento da teoria greimasiana dita standard, do mesmo modo que as outras
semióticas que mencionamos no início desta seção.
Uma vez que nosso trabalho tem como corpus obras de um importante artista
brasileiro do período barroco, acreditamos poder contribuir para tornar mais conhecida a
obra de Mestre Ataíde, a qual é mencionada quase que unicamente nos meios
acadêmicos. Esta pesquisa, desse modo, espera favorecer o trânsito tanto de
conhecimentos quanto de abordagens da obra de um pintor mineiro de importância
exponencial.
Embora não se trate de uma abordagem historiográfica, não deixamos de nos
empenhar no intuito de oferecer alguma contribuição teórico-metodológica oriunda da
13
semiótica plástica para estudos que se desenvolvam no âmbito da história da arte, pois,
assim como a semiótica se constituiu como uma teoria interdisciplinar, o descartamos
o prognóstico de que ela possa contribuir com estudos sobre a arte que tenham uma
outra orientação teórica.
14
CAPÍTULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Iniciaremos o presente capítulo com a apresentação das teorias de base (a
semiótica greimasiana e, mais especificamente, a semiótica plástica ou visual) e das
categorias auxiliares (contribuições da história da arte) que fundamentam este trabalho.
Em seguida, explicitaremos os critérios utilizados para a seleção das telas de Mestre
Ataíde e as etapas que seguiremos para a análise do corpus, a partir do que foi exposto
na parte teórica.
1. A semiótica plástica e o estudo do semi-simbolismo
A partir de uma base hegemonicamente lingüística, calcada em especial no
Cours de Linguistique Générale, de Ferdinand Saussure, e nos trabalhos de Louis
Hjelmslev, a semiótica francesa desenvolveu uma concepção segundo a qual o discurso
pode ser manifestado tanto por textos verbais quanto não-verbais, passando, assim, de
uma semântica estrutural para uma semiótica geral do discurso, ainda na década de
1960. Os trabalhos de Jean-Marie Floch de meados da década de 1980 confirmaram a
aplicabilidade da teoria greimasiana na análise de textos plásticos, o que proporcionou
um desdobramento para a semiótica do visual.
A semiótica plástica
1
é, como Floch a definiu em 1985, aquela que se dedica à
análise de textos concebidos também através de significantes visuais. Mas se
considerarmos a hegemonia de que goza o signo verbal nos estudos da linguagem e se
colocarmos a semiótica plástica no campo desses estudos, uma dificuldade surge de
1
Embora as denominações semiótica plástica e semiótica visual sejam, com freqüência, usadas de forma
indiferenciada, Oliveira (2004, p. 12), pontuando que o adjetivo “plástica” pode abranger o estudo do
plano da expressão das manifestações visuais as mais distintas (artísticas, midiáticas etc), prefere a
denominação “semiótica plástica”, definindo-a como uma semiótica “que se ocupa da descrição do
arranjo da expressão de todo e qualquer texto visual”.
15
imediato: a estranheza que poderia causar o estudo de “imagens” em uma área
atravessada por teorias lingüísticas. Duas premissas elementares poderiam ilustrar a
impertinência da semiótica plástica dentro dos estudos lingüísticos. Vejamos:
A) A linguagem é essencialmente verbal.
B) Os estudos lingüísticos têm a linguagem como objeto de investigação.
A articulação dessas premissas poderia levar a uma das seguintes conclusões:
- o objeto dos estudos lingüísticos é formado de exemplares construídos com o
material das línguas naturais;
- a manifestação da linguagem através de outros códigos constitui não uma
linguagem em si, mas uma tradução intersemiótica.
A essas refutações acrescentemos o fato de tradicionalmente encontrarmos
estabelecida uma dissociação entre texto e imagem, como se fossem elementos de
comunicação estanques, o que naturalmente, exigiria dois tipos diferentes, talvez
divergentes, de análise. Essa distinção poderia assemelhar-se a um raciocínio
matemático do tipo texto = material verbal – material icônico.
Outra invalidação, geralmente, atribuída ao significante visual é a de que o
verbal constitui o “instrumento” mais preciso com que podemos contar. Entretanto,
mesmo a palavra possui sua imprecisão derivada do uso que dela se faz ou do
conhecimento que se tem dela. Qualquer tipo de signo é incerto nas possibilidades que
tem de significar.
Por outro lado, a pertinência e mesmo a importância de textos plásticos para
os estudos lingüísticos pode ser realçada mediante algumas considerações. Saussure,
por exemplo, insere em seu modelo teórico de signo a imagem acústica”, ou seja, é a
partir do “som” do significante que chegamos
16
nosso contato com o significante. Nota-se que a linguagem possui seu substrato
imagético, ainda que este se limite a uma operação mental. Como nos diz Pietroforte
(2007, p.33): “qualquer palavra própria das semióticas verbais quando escrita, é
antes vista que ouvida, o que faz desse registro lingüístico uma semiótica sincrética em
que se combinam palavra e imagem escrita”.
Tanto em textos estéticos quanto em utilitários, o signo visual aparece como
coadjuvante de uma mensagem, e, não raro, como a própria mensagem. Lembremos da
onipresença do elemento visual na publicidade, nas artes, nos livros didáticos modernos,
entre outros. O signo visual acompanha os diversos tipos/gêneros de texto e
acrescentamos a grande maioria possui uma visualidade decorrente de sua
apresentação gráfica. É nessa perspectiva que procuramos localizar ou situar a
importância da semiótica plástica no âmbito dos estudos lingüísticos. Assim, a
semiótica plástica se coloca nos estudos da linguagem como mais uma possibilidade de
se compreender a significação e também de se (re)pensar o conceito de texto.
Devemos esclarecer, entretanto, que embora comumente os objetos estéticos
ganhem um espaço considerável nos estudos da semiótica plástica, o propósito dessa
vertente não é o de estabelecer uma outra teoria que proporcione uma leitura do
construto artístico. Independentemente do corpus sobre o qual se debruça a análise, a
semiótica tem o sentido como objeto, ou antes, “a semiótica se interessa pelo parecer do
sentido, que se apreende por meio das formas de linguagem” (BERTRAN, 2003, p. 11).
A arte, ou a imagem, nesse caso, são exemplos de manifestações textuais nas quais
podemos investigar o discurso e o engendramento das estruturas de sentido que o
“tecem”.
Como mostra Fiorin (1999, p.3), “a Semiótica não visa propriamente ao sentido,
mas à sua arquitetura (...) deseja menos estudar o que o texto diz ou por que diz o que
17
diz e mais como o texto diz o que diz”. O texto é um objeto privilegiado para a análise.
Logo, ele não é um ponto de chegada para o estudo do sentido, mas um ponto de
partida.
No que diz respeito especificamente à análise de textos visuais, constatamos que
essa propostase encontra em Greimas; Courtés (1979, p. 281-2) no verbete semiótica
planar, a qual é incluída pelos autores nas semióticas visuais, caracterizando-se por seu
emprego de um significante bidimensional (como, por exemplo, a fotografia, o cartaz,
os quadros esquemáticos, o desenho, a planta arquitetônica e mesmo a escrita
caligráfica). A semiótica planar trataria, portanto, de estabelecer categorias visuais
relativas a uma expressão, categorias essas que remeteriam ao conteúdo do texto.
Na concepção de Floch (1985, p. 15), a semiótica plástica estaria relacionada,
por excelência, com o estudo da significação de exemplares estéticos. Para o autor, a
semiótica plástica consistiria na realização, em certos tipos de substância a substância
visível –, da semiótica poética, a qual é autônoma quanto à sua organização formal e à
sua significação. Apesar de o autor mencionar a “semiótica poética”, não se restringe
essa abordagem a uma semiótica da arte. Trata-se, portanto, de analisar o substrato
visual da semiótica poética.
Felix Thürlemann (198?, p 66), outro expoente desse tipo de abordagem,
apresenta um interesse particular por textos estéticos, tomando, porém, o cuidado de
esclarecer: “Por ‘estética’ entendemos aqui a competência social que preside
simultaneamente a produção e a recepção das obras de arte no limites de um espaço-
tempo determinado.”
2
Para o estudo de um objeto estético, como a pintura, o autor
propõe que, ao invés da pesquisa sobre o contexto do artista, se “interroguem” os
discursos mesmos, a fim de se proceder à análise de um dado aspecto.
2
Tradução nossa de: “Por ‘estética’ entendemos aqui la competência social que preside simultáneamente
a la produción y la recepción de las obras de arte em los limites de um espacio-tiempo determinado”.
18
Em abordagens posteriores, Greimas (2004, p. 92-3) estabelece a premissa
fundamental de que o ponto de partida da semiótica plástica está em considerar os
objetos plásticos como objetos significantes. Trata-se de estudar exemplares
reelaborados a partir das línguas naturais “na elaboração secundária desta que é a
linguagem poética” (2004, p.93), sendo que mesmo as categorias presentes em um texto
plástico são comparáveis àquelas advindas da reelaboração estética das línguas naturais.
Com essa perspectiva a semiótica plástica se torna uma metalinguagem, uma linguagem
segunda que, assim como a lingüística, se ocupa do estudo da reelaboração do mundo
objetivo pela linguagem.
Uma vez especificada a presença do elemento estético na semiótica plástica,
acrescentamos que seu objeto é um tipo de significação definido como semi-simbólico,
ou antes, a relação de semi-simbolismo que ocorreria em um texto visual, que “toda
semiótica plástica é semi-simbólica” (PIETROFORTE, 2004, p.10), embora nem todo
semi-simbolismo seja uma semiótica plástica. Entretanto, acatamos com reserva a
observação de Pietroforte. Ribeiro (2006), por exemplo, nos mostra que a pintura
abstrata, é um tipo de texto plástico em que não ocorre semi-simbolismo, já que um
trabalho apenas sobre o plano de expressão: o uso das cores não remeteria, segundo o
autor, a categorias do plano de conteúdo.
Do mesmo modo que a pintura abstrata suprime o plano de conteúdo, não
deixamos de considerar a possibilidade de textos/telas em que não haja correlação entre
categorias do plano de conteúdo e do plano de expressão, não se observando, pois, a
instauração de relações semi-simbólicas. Por outro lado, considerando que esses dois
planos podem ser analisados de forma independente, começaremos pela análise do
plano de conteúdo que é o mais solidamente estabelecido em semiótica por meio do
percurso gerativo de sentido para, então, buscar sua articulação com o plano de
19
expressão, que, particularmente nos textos estéticos, conteúdo e expressão caminham
juntos na/para a construção de sentidos.
Quanto ao semi-simbolismo, constatamos que ele experimentou, inicialmente,
pouco desenvolvimento na teoria greimasiana. No Dicionário, Greimas & Courtés
(1979, p. 343) definem as linguagens chamadas semi-simbólicas (ou “molares”), como
aquelas que se caracterizam pela correspondência de categorias, e não de elementos
isolados. As categorias envolvidas nesse tipo de abordagem se apresentam como
oposições do plano de conteúdo e do plano de expressão que se relacionam por
homologação. O exemplo fornecido pelos autores, é dado pela categoria gestual
verticalidade vs horizontalidade (plano de expressão) que corresponde à categoria sim
vs não (plano de conteúdo). Um aceno vertical de cabeça significa “sim”, e um aceno
horizontal, “não”. Notemos que, por essa via, os autores relacionam o semi-simbolismo
às convenções de um contexto cultural.
Essa noção seria mais bem desenvolvida, posteriormente, por Floch (1985, p.
14-5) para o qual “os termos de uma categoria do significante podem ser homologados
àqueles de uma categoria do significado”
3
, o que remete aos conceitos saussureanos de
significante e significado, enfatizando o caráter arbitrário do semi-simbolismo. Em
Floch, a relação semi-simbólica praticamente se confunde com a própria semiótica
plástica. Para o autor, a semiótica plástica seria um caso particular da semiótica semi-
simbólica, a qual seria estabelecida a partir de uma certa relação entre o visível e o
inteligível (FLOCH, 1985, p. 11).
O conceito de semi-simbolismo seria ainda retomado por Greimas (2004, p. 92-
3) que reserva o nome de semiótica semi-simbólica para “esse tipo de organização de
significação – que se define pela conformidade entre os dois planos de linguagem
3
Nossa tradução de: “les deux termes d’une catégorie du signifiant peuvent être homologues à ceux d’une
categorie du signifié. ”
20
reconhecida como se dando não entre elementos isolados, como acontece nas semióticas
simbólicas, mas entre suas categorias”. A hipótese central dessa proposta “consiste em
considerar os objetos plásticos como objetos significantes”. Não se trata apenas de
tomar os objetos plásticos como portadores de significação: “o problema não é,
portanto, o de proclamar que o significante plástico ‘significa’, mas é procurar
compreender como ele significa o que significa”.
Ao mencionar o sentido, não podemos deixar de esclarecer que ele envolve a
articulação dos planos de expressão e de conteúdo. Greimas & Courtés (1979, p. 339)
chamam de “semiose” a significação em si, ou a própria relação entre expressão e
conteúdo, que, para eles, é sinômima de “função semiótica”. A problemática do sentido
nos convida, assim, a passar para o esclarecimento dos conceitos de expressão e de
conteúdo.
Greimas & Courtès (1979) nos falam de “grandeza” como sendo algo de que se
presume a existência semiótica anteriormente à análise, uma unidade decomponível.
Como grandezas fundamentais de um texto, temos aquelas chamadas de “conteúdo” e
“expressão”, conceitos elaborados por Hjelmslev e herdados pela semiótica.
Em Hjelmslev (1968, p. 67), encontramos a chamada função semiótica, grosso
modo, uma função de significar, presente na linguagem que é em si mesma uma
solidariedade entre conteúdo e expressão. Estes estão para a linguagem assim como
significado e significante estão para o signo saussureano. Compreendemos que uma
separação artificial entre essas grandezas seria impossível: “uma expressão não é
expressão senão porque ela é expressão de um conteúdo, e um conteúdo não é conteúdo
senão porque é conteúdo de uma expressão.”
4
(HJELMSLEV, 1968, p. 66-7)
4
Tradução nossa de: “une expression n’est expression que parce qu’elle est l’expression d’un contenu, et
un contenu n’est contenu que parce qu’il est contenu d’une expression.”
21
Na teoria greimasiana, conteúdo e expressão distinguem como que duas etapas
ou dois planos de significação específicos, mas interdependentes, de acordo com os
postulados levantados por Hjelmslev. Esses termos não são sinônimos de discurso e
texto, respectivamente. O plano do conteúdo é estudado por meio de um percurso
gerativo de sentido. É esse percurso que configura o discurso, o qual é formado por
estruturas semio-narrativas e discursivas, como apontamos. o plano de expressão é
construído segundo as particularidades de cada texto, podendo ser uma expressão
verbal, icônica, gestual, entre outras. Podemos ilustrar esses conceitos com o quadro a
seguir:
Quadro 1
Autor
Saussure
Hjelmslev
Greimas
Unidade
observada
Signo
Linguagem
Texto
Funções
Significante
Expressão Plano de Expressão
Funções
Significado
Conteúdo Plano de Conteúdo
(percurso gerativo de sentido)
As estruturas propostas pelo percurso gerativo de sentido são organizadas em
três níveis: o fundamental, o narrativo e o discursivo, segundo um “modelo” um
simulacro teórico-metodológico de geração do discurso. Esse “modelo” vai do nível
mais profundo, aquele que abriga as estruturas elementares, ao nível discursivo, o mais
superficial, em que temos a ancoragem do texto nos mecanismos enunciativos, passando
por um nível intermediário o narrativo –, num processo de complexificação e
enriquecimento crescentes. No patamar discursivo, o discurso se encontra pronto para
ser articulado a um plano de expressão, articulação que pode ser ilustrada com o quadro
seguinte, em que as setas indicam a relação de solidariedade entre os dois planos:
22
Quadro 2
Plano de Expressão
(categorias de expressão)
Plano de Conteúdo
(percurso gerativo de sentido)
O plano de conteúdo é o lugar dos conceitos ou “onde o texto diz o que diz”. O
plano de expressão é o “lugar de trabalho das diferentes linguagens que vão, no mínimo
carregar, os sentidos do plano de conteúdo” (HERNANDES, 2005, p. 228). Por essa
via, o discurso não é um produto, mas um processo inscrito no plano de conteúdo e não
pode ser confundido com o texto.
A semiótica concebe o discurso num duplo viés: ele é tanto um conjunto de
estruturas semio-narrativas e das relações que ocorrem entre elas quanto o resultado
dessas articulações. Nessa perspectiva, devemos entender que essas estruturas devem
ser discursivizadas, ou seja, transformadas em estruturas discursivas (GREIMAS;
COURTÈS, 1979, p.104). Uma vez manipuladas em uma mise en discours, essas
estruturas e suas relações são expressas por meio de um código semiótico, constituindo
o texto, uma estrutura sintagmática dotada de significação, pelas estruturas discursivas
que lhe subjazem no plano de conteúdo.
O discurso, assim entendido, é a infra-estrutura que sustém o sentido, ou os
efeitos de sentido. Quando ele é associado a uma expressão, temos o texto, o qual
consiste na articulação de um discurso (plano de conteúdo) com um plano de expressão.
23
O texto também é entendido pela semiótica como um recorte de discurso com o qual
formamos o corpus de uma análise. Nesse último caso, a noção de texto passa a ter um
caráter metodológico, consistindo a constituição do corpus na transformação deste em
texto (GREIMAS, 1966, p.145).
O texto é um produto histórico construído em uma dada conjuntura social e que,
inevitavelmente, guarda traços da situação na qual foi produzido, situação de produção
24
de produção (sócio-histórico, ideológico), posição que assumimos no presente trabalho,
como se verá no Capítulo II. Mas voltemos ao plano de conteúdo e ao percurso gerativo
de sentido que permite apreendê-lo.
2. O plano de conteúdo e o percurso gerativo de sentido
O percurso gerativo de sentido é, como dissemos, um modelo que permite ao
pesquisador/analista observar a atividade de construção de sentido do discurso, um
simulacro teórico-metodológico em que temos uma representação hipotética das
articulações dos mecanismos semióticos. Como vimos, são três os níveis que constituem
o percurso gerativo o fundamental, o narrativo e o discursivo –, indo do mais simples
e abstrato ao mais complexo e concreto. Cada um desses níveis comporta uma sintaxe
(os mecanismos que organizam, que ordenam os conteúdos) e uma semântica (os
conteúdos propriamente ditos, que são ordenados pela sintaxe). À conjunção dessa
sintaxe com essa semântica, podemos chamar de “gramática semiótica” (BARROS,
2002, p. 16). No quadro a seguir apresentamos a distribuição dessa gramática semiótica
nos três níveis do discurso.
Quadro 3
Nível do percurso Gramática
semiótica
Sintaxe Semântica
Nível fundamental Gramática
fundamental
Sintaxe
fundamental
Semântica
fundamental
Nível narrativo Gramática narrativa Sintaxe narrativa Semântica narrativa
Nível discursivo Gramática
discursiva
Sintaxe discursiva Semântica
discursiva
25
Os níveis relacionam-se entre si, mas podem ser abordados isoladamente.
Articulação semelhante ocorre com os componentes internos, que se intercambiam, mas
podem ser estudados separadamente, a partir dos aspectos “iluminados” pelos próprios
textos. Daí a razão de se encarar a semiótica também “como uma teoria da relação”
(HERNANDES, 2005, p. 228). A seguir, descreveremos cada um dos veis que
compõem o percurso gerativo de sentido.
2.1.O nível fundamental
O nível fundamental é de natureza lógico-conceitual. Nele encontramos as
estruturas elementares da significação, as quais são representadas no/pelo quadrado
semiótico. Segundo Greimas & Courtés (1979, p 29-30), o quadrado semiótico deve ser
entendido como a representação visual da articulação lógica de uma categoria semântica
qualquer, sendo organizado a partir de uma oposição (componente semântico) tal que a
vs b, a qual é preenchida por conceitos binários de modo a se estruturarem da seguinte
maneira:
S1 S2
Não S2 Não S1
26
A sintaxe fundamental trata do conjunto de operações lógicas expressas no
quadrado semiótico e articuladas entre seus termos, o que é ilustrado pelos diferentes
estilos de seta a seguir:
S1
------------------------
S2
Não S2
--------------------------
Não S1
onde:
------------------------
= relação de contrariedade
= relação de contradição
= relação de complementaridade
Assim, os termos S1 e S2 são contrários, enquanto não S1 e não S2 constituem
os subcontrários. S1 e não S1, bem como S2 e não S2 são contraditórios, enquanto S1 e
não S2 e S2 e não S1 são complementares. Os termos que mantêm entre si uma relação
de contrariedade podem manifestar-se unidos. Teremos um termo complexo, quando
houver uma relação a + b; e um termo neutro, quando se estabelecer a união de não a
com não b. Segundo Fiorin (1999), esse conjunto de relações é muito importante, para
analisar a especificidade de alguns textos, cuja sintaxe fundamental se caracteriza pela
presença de termos complexos ou neutros
Podemos notar uma dinamicidade na relação dos termos de modo que, ao negar
um deles, temos a asserção de um outro, o que estabelece uma percursividade:
27
S1 S2
Não S2 Não S1
O conjunto de operações sintáticas do nível fundamental é um arranjo de
categorias que servem como suporte a um investimento semântico. A direção em que
ocorrem as operações de asserção e negação é sugerida pela estrutura sintática
fundamental, mas, uma vez feito o investimento semântico, é pelo texto que ela se
manifesta. Os termos de um eixo semântico aplicados ao quadrado semiótico, por sua
vez, são revestidos de axiologizações positivas ou negativas, sendo projetadas sobre elas
a relação euforia vs disforia, que é uma categoria tímico-fórica. Essas forias, grosso
modo, tratam da relação de estado do ser com seu contexto. Se este estado é de euforia,
é de conformidade; se de disforia, é de desconformidade.
As categorias mico-fóricas tratam de valores virtuais, ou seja, que não foram
ainda assumidos por um sujeito; são valores suspensos em uma abstração, embora
prefigurem uma narrativa. De modo que o quadrado semiótico “constitui, assim, no
nível profundo, a forma primeira das estruturas que, num nível mais superficial, se
desdobrarão em arquitetura narrativa” (BERTRAND, 2003, p. 179).
2.2. O nível narrativo
O nível narrativo é um dos mais desenvolvidos do percurso, tendo
desdobramentos tão complexos que poderiam elevá-lo ao status de uma narratologia.
28
Assim, apresentamos, de maneira suscinta, o vel narrativo dando ênfase ao que mais
importar para a realização de nosso trabalho.
Na passagem do nível fundamental ao narrativo, ocorre uma antropomorfização
do conjunto lógico-conceitual, o que alude à ascensão de um sujeito inscrito na
narrativa. Além da presença do sujeito, temos a inscrição de certos valores em objetos
com os quais são estabelecidas relações de junção. Barros (2002, p. 27) afirma que a
“passagem” dos valores axiológicos virtuais do nível fundamental para o nível narrativo
realiza-se em duas etapas:
.inscrição de valores em objetos
Nível narrativo .junção dos objetos-valor com os sujeitos
A narratividade é, assim, entendida como uma transformação de estado (real ou
potencial) que afeta a relação entre sujeito e objeto: “o fazer do sujeito narrativo
encontra-se, assim, reduzido, num nível mais profundo, ao conceito de transformação”
5
(GREIMAS; FONTANILLE, 1991, p. 8). A transformação narrativa incide sobre a
relação de junção (conjunção ou disjunção) do sujeito com um objeto-valor (Ov).
Greimas (1983, p. 70) define a junção como a relação que determina o estado do sujeito
em relação ao um objeto-valor (Ov) qualquer. Na passagem de um estado a outro da
disjunção para a conjunção ou vice-versa – é que ocorre a transformação.
Na sintaxe narrativa, encontramos um simulacro do fazer do homem, da ação
deste sobre o mundo que o cerca. Importa, pois, verificar as relações dos elementos
estruturais narrativos e seus participantes, o que pode ser observado no quadro a seguir:
5
Nossa tradução de: “Le faire du sujet narratif se trouve ainsi réduit, à un niveau plus profond , au
concept de transformation.”.
29
Quadro 4
SUJEITO ---------------------------------OBJETO
(TRANSITIVIDADE)
JUNÇÃO
TRANSFORMAÇÃO
As duas formas canônicas de enunciados elementares, definidas pelas funções de
junção e de transformação, são o enunciado de estado e o enunciado de fazer. Da
organização de pelo menos um enunciado de estado e um enunciado de fazer surge o
programa narrativo (ou PN), a unidade funcional da narrativa. São quatro os PNs (com
seus respectivos actantes), como mostra o quadro abaixo:
Quadro 5
manipulação sanção
tentação
sedução
cognitiva
intimidação
PROGRAMAS
NARRATIVOS
provocação
competência performance
pragmática
ACTANTES
destinador
manipulador
destinatário-
sujeito
destinatário-
sujeito
destinador
julgador
Na seqüência narrativa canônica, um destinador-manipulador persuade o sujeito
a executar uma ação, manipulação esta que pode ocorrer por meio de tentação, sedução,
provocação ou intimidação. O fazer-persuasivo também estabelece um contrato
fiduciário entre destinador e destinatário que deve ser aceito por ambas as partes (caso
contrário a manipulação pode não ser bem sucedida). Uma vez manipulado (dotado de
30
um querer e/ou de um dever fazer), o sujeito deve adquirir uma competência (um poder
e/ou um saber fazer) para executar a performance (a transformação principal da
narrativa), que será, em seguida, sancionada por um destinador julgador. A sanção
ocorre em dois níveis: o cognitivo (reconhecimento de que a performance ocorreu e de
que o sujeito cumpriu ou não o contrato estabelecido com o destinador-
manipulador) e o pragmático (recompensa ou punição).
A semântica narrativa, por sua vez, estuda as modalidades (querer, dever, poder
e saber fazer ou ser) que incidem, respectivamente sobre o sujeito de fazer (o que
realiza a transformação narrativa) e sobre o sujeito de estado (aquele que entra em
conjunção ou em disjunção com um dado objeto-valor), podendo esses dois actantes ser
sincretizados (ou não) em um mesmo ator no nível subseqüente (o discursivo).
2.3. O nível discursivo
O nível discursivo pode ser entendido como o sendo o da discursivização das
estruturas semio-narrativas. Sua sintaxe trata da relação do enunciador com seu dizer,
permitindo-nos observar as condições da enunciação, bem como alguns efeitos de
sentido presentes nos enunciados. A relação do sujeito com o enunciado é marcada
pelos embreantes, os quais são elementos relacionados às categorias de pessoa, espaço e
tempo, resumidas pelos trabalhos de Benveniste no tríptico EGO-HIC-NUNC.
As projeções da enunciação no enunciado podem ser de dois tipos: a debreagem,
ou desembreagem e a embreagem
6
. A primeira consiste na operação pela qual a
6
A embreagem, definida como o efeito de retorno à enunciação, produzido pela neutralização das
categorias de pessoa e/ou espaço e/ou tempo, assim como pela denegação da instância do enunciado
(Greimas; Courtès, 1979, p. 119), não se mostra relevante para o corpus deste trabalho e, portanto, não
será abordada.
31
enunciação se projeta no enunciado, seja como um eu-aqui-agora (debreagem
enunciativa), seja como um ele-lá-então (debreagem enunciva).
De modo geral, os efeitos de sentido nas operações de debreagem podem ser
resumidos como objetividade e subjetividade: na enunciativa, o enunciador se coloca
como uma instância presente e explícita na enunciação, criando, com isso, um efeito de
sentido de subjetividade; na enunciva, ao contrário, essa presença é pressuposta, ou
implícita, traduzindo-se num efeito de objetividade, que pode ainda trazer um efeito de
verdade impessoal e atemporal pela ausência do enunciador, como ocorre, por exemplo,
no discurso religioso.
no âmbito da semântica discursiva, é importante atentarmos para as noções de
isotopia, de tema e de figura. Por isotopia, deve-se entender o conjunto de traços
recorrentes, que organizam o texto em uma unidade temática (e figurativa),
estabelecendo uma significação global e homogênea. O percurso isotopante, desse
modo, nos permite entender como o discurso sustém uma unidade sintagmática e
semântica: “a noção de isotopia conserva a idéia de recorrência de elementos
lingüísticos, redundância que assegura a linha sintagmática e responde por sua [do
discurso] coerência semântica” (BARROS, 2002, p. 124). É essa coerência que
responde igualmente por uma legibilidade necessária ao discurso.
Para abordar as duas outras noções mencionadas, apoiamo-nos em Fiorin (1999).
O autor define temas como termos abstratos, que organizam, classificam, categorizam
os elementos do mundo natural (beleza; vergonha; inteligência, vaidoso, etc) e figuras
como termos concretos, que possuem um correspondente perceptível no mundo natural,
quer seja este dado ou construído (árvore, sol, correr, brincar, vermelho, frio, etc). Os
temas e as figuras encadeiam-se em percursos (temáticos e figurativos) que
representam, no “contexto paradigmático”, o que as isotopias representam no “contexto
32
33
iconização. A primeira trata da mise en place (ou colocação) das figuras semióticas
propriamente ditas. a iconização consiste em revestir exaustivamente as figuras de
forma a produzir a ilusão referencial, que as transformaria em imagens do mundo
(GREIMAS; COURTÉS, 1979, p. 148-9). A iconização, por sua vez, pode ser
entendida, em si mesma, como uma instauração de iconicidade, a qual é o conjunto de
traços formantes que permitem que um objeto seja tomado como representante do
mundo natural. Essas relações podem ser representadas seguinte maneira:
Figurativização
Figuração Iconização
Instalação de figuratividade Instalação de iconicidade
O percurso figurativo é livre, mas, ao mesmo tempo, arbitrário, pois sofre as
coerções culturalmente estabelecidas que regem a significação da relação entre temas e
figuras. Desse modo, a escolha destas, bem como sua instalação, dependem da
significação a que elas possam remeter, sendo essa significação depreensível numa dada
cultura.
3. O plano de expressão e sua articulação com o conteúdo:
Os estudos semióticos, de maneira geral, centravam-se (e centram-se ainda em
grande parte) no exame do plano de conteúdo. Entretanto, o interesse por textos
34
estéticos motivou preocupações mais relacionadas com a expressão. Particularmente a
semiótica poética e, por decorrência, a semiótica plástica, projetam seu interesse nos
dois planos do texto e buscam explorar as relações semi-simbólicas que se estabelecem
entre eles.
Embora o plano de expressão tenha ganhado relevância, sobretudo com os
estudos de Floch, e venha sendo, cada vez mais, focalizado pela semiótica, não temos
ainda um percurso gerativo de sentido a ele relacionado, como temos para o plano de
conteúdo. O que existe, atualmente, são percursos sugeridos para exemplares semióticos
específicos, como a pintura.
Em De l’imperfection, Greimas marca o que podemos entender como veis de
expressão relacionados a uma semiótica do visível, que inclui objetos como a pintura,
na qual se estabelece “o patamar eidético sendo considerado o mais superficial, seguido
pelo cromático, e situando-se a luz no nível mais profundo desse gênero de percepção
estética” (GREIMAS apud LOPES, 2003, p. 69). As formas (dimensão eidética) são
compostas pelas massas de cores, são efeitos resultantes da aplicação de cromatismos.
Por seu turno, a cor (dimensão cromática) é dependente da luz, a qual estabelece
também as tonalidades diferenciais entre tons claros e escuros. Essa hierarquização é
apresentada em Lopes (2003, p. 69) e a reproduzimos no quadro seguinte:
Quadro 7
Nível superficial forma (eidético)
Nível intermediário cor (cromático)
Nível profundo
luz
35
Em trabalho posterior, Greimas (2004, p. 84-6) ainda formularia um
procedimento de análise das semioses visuais que poderia estender-se à semiótica
pictórica. O autor acrescenta ao plano de expressão das semióticas visuais a dimensão
topológica, a qual( )-117(e)3.741-z21c-110.213(a)3.74( )-100.2074244(o)-0.29( )-117(e)3.741-5er75-2.16436(o)-0.295585(s)-3.74(n.33333 0 0 8.33333 0 0(95585(i)-2.16436(806ç36(806ãn)-0.2955997(d)-10.3015(3 0 0à )-90.16)3.1d)-0.2957(a)3.74( )-93 0 0r)2.80439(i)-2.1643 qu117(e)3.741-znpud3 0 0cz21c-1-7 017 -997(d)-10.30 p 2( )-280.312(q)-0.293 d3 0 0(c)-6.2623 -27(3 0 09(u)-0.34627.6 Td[(t)-6)3.1d58(o)-0.294147792( )-110.ica558(ó)-0.294ca.u.57564aii, aO (O)1.54(a )-9035.4206558(o)-0.294N(a)3.74(u)-6.2659(e)3.741229(e)3.74122 esa9(e)3.74122p-90.1997(e)3.74(x)-0.294974(r)2.805,oa iaí3.74(.)-0.es 117(e)3.741-333 0 0 8.33338i 436(a)3.74(n)-0.295585(o)-0.295585( )-90.1997(d)-10.3015(8i)-238( )-280.313(a)3.74(n)-18i ressão
36
figuras e dos ícones. Desse modo, as “imagens” presentes no quadro são dados de
entrada para uma análise do plano de expressão pictórico. Através delas é que podemos
depreender, na análise semiótica, os contrastes que remetem ao nível profundo do plano
de expressão.
Esse “roteiro” impõe algumas dificuldades: a dimensão matérica, por exemplo
nos parece infrutífera, a não ser quando aplicada à análise de telas trabalhadas com
técnicas mistas ou materiais diversos. As noções de figuras e ícones, por sua vez, ainda
não se encontram suficientemente cristalizadas para que possamos estabelecer
distinções significativas em nossa análise.
Essas questões nos levam a buscar nosso próprio caminho. Por isso, no item 5
(Metodologia,) apresentaremos uma proposta específica para o estudo do corpus.
4. Contribuições da História da Arte
O estudo dos planos de expressão e de conteúdo, quando realizado em um texto
plástico, pode ser enriquecido a partir da incorporação de contribuições da história da
arte. Tais contribuições estão embasadas nos trabalhos de Heinrich Wölflin e Erwin
Panofsky e foi introduzida nos estudos semióticos por Floch. O trabalho de Wölflin
consiste basicamente numa caracterização da arte clássica renascentista e da arte
barroca, que sucedeu àquela. O de Panofsky se assemelha a um percurso, um percurso
interpretativo voltado para a sondagem e a exploração de uma obra de arte em si.
Wölflin apresenta as características do barroco, ajudando-nos a reconhecer uma
obra desse estilo quando nos deparamos, por exemplo, com uma pintura que nos pareça
como uma das muitas “criações irregulares” (1989, p. 77) do barroco, nas quais “a linha
desaparece” (1989, p. 46), e que nos aparenta ser uma obra aberta, visto que “estimula
37
continuamente a fantasia a completar um pensamento” (1989, p. 77). Essas acepções, a
princípio, nos parecem estranhas, mas podem ser entendidas com clareza se reunirmos
as caracterizações do barroco em um único quadro esquemático. Pois, assim como a arte
barroca apresenta “não uma multiplicidade das partes individuais, mas, se possível,
corpos de uma peça” (1989, p. 49), os conceitos wölflinianos são entendidos na
totalidade de sua abordagem e em sua apresentação esquemática.
Para o autor, o barroco é uma oposição à arte clássica (ou vice-versa), de modo
que um é concebido, conceitualmente, numa implicação e, ao mesmo tempo, oposição
ao outro, como mostra o quadro abaixo, apresentado por Floch (2004, p. 260):
Quadro 9
Clássico vs Barroco
Desenho segundo as linhas vs Desenho segundo as massas
Distinção de planos frontais vs Colocação em profundidade
Efeito de forma fechada vs Efeito de forma aberta
Multiplicidade por autonomia das partes vs Unidade indivizível das partes
Claridade a serviço das formas vs Massas arrancadas à obscuridade
Em outro trabalho, Floch (1995, p. 121-125) simplifica o quadro wölfliniano
através de oposições e conjunções entre os elementos: linear e pictural; planos e
profundidade; forma fechada e forma aberta; multiplicidade e unidade, claridade e
obscuridade. Esses dados podem ser ainda representados sob a forma de oposições
discursivas na qual teríamos, de um lado, o modo de expressão do discurso clássico e,
do outro, o do discurso barroco:
38
Clássico vs Barroco
linear pictural
perspectiva profundidade
hermetismo abertura
multiplicidade unidade
claridade obscuridade
Na proposição de Floch (2004, p. 259-60) “uma tal interdefinição do clássico e
do barroco pode ser, aliás, considerada como semiótica avant la lettre na medida em
que ela faz reconhecer as duas visões como verdadeiras linguagens plásticas.” A visão
clássica e a barroca designam como que um modus significandi relativo à linguagem
plástica presente, dentre outros domínios, na arte. O autor ainda salienta que “a análise
desta solidariedade mostra que as duas visões podem ser caracterizadas cada uma por
uma relação entre o sensível e o inteligível ou, em outros termos, semióticos, entre um
plano de expressão e um plano de conteúdo”.
Não basta, no entanto, o levantamento dessas oposições para compreender o
conjunto de obras que analisamos. Assim, como a compreensão do texto é um pré-
requisito para sua análise, a leitura de uma tela, com a devida compreensão de sua
“mensagem”, é indispensável a uma análise semiótica. Telas, como as que foram
pintadas por Mestre Ataíde, trazem, num primeiro plano, figuras, as quais são
permeadas de significados simbólicos que nos exigem uma certa habilidade
interpretativa, uma acuidade no olhar e um saber a respeito da simbologia dos
elementos. O auxílio para essa pequena empresa nos é oferecido pelo trabalho de
Panofsky (1976, p. 50-64), que, empenhado no estudo interpretativo da obra de arte,
estabeleceu um percurso de leitura divido em três etapas, nas quais importam:
- nossa percepção sensorial da obra através de suas linhas, cores, formas;
- o reconhecimento das imagens e suas relações com conceitos ou assuntos
representados;
39
- o entendimento das conotações simbólicas presentes nas imagens e suas
relações com os temas abordados.
A primeira etapa consiste numa “descrição pré-iconográfica”. Esta envolve o
reconhecimento de configurações de formas, cores e linhas que geram imagens
reproduzidas do mundo natural ou gestos e expressões denotadas nas personagens de
uma obra. Esses elementos o autor chama de motivos artísticos”. No passo seguinte
desse percurso, “ligamos os motivos artísticos e as combinações de motivos artísticos
(composições) com assuntos e conceitos”. Temos nessa etapa uma correlação das
imagens com uma carga de significação mais específica: por exemplo, sabemos que o
motivo homem semi-despido com os pés na água de um rio pode representar o Cristo no
Batismo. Sabemos também que outro motivo, homem vestindo pele segurando um
cajado, representa João Batista. Essa significação é dada por uma convenção que
associa certos temas com uma representação icônica.
A combinação de motivos artísticos, como no exemplo em que apresentamos,
40
ocupa em desvendar os chamados “valores simbólicos” (1976, p. 53) que formam o
“significado intrínseco ou conteúdo” (1976, p. 52) de uma obra.
Panofsky (1976, p. 64-5) apresentou suas idéias num quadro sinóptico que
apresentamos a seguir de maneira simplificada, com o objetivo de sintetizar as
postulações anteriormente apresentadas:
Quadro 10
ETAPA OBJETO DA
INTERPRETAÇÃO
REQUISITO PARA A
INTERPRETAÇÃO
Descrição pré-iconográfica Motivos artísticos: cores,
linhas, volumes, e
elementos figurativos.
Percepção sensorial,
habilidade no reconhecimento
dos elementos figurativos.
Análise iconográfica Imagens com o respectivo
assunto que representam.
Habilidade no reconhecimento
de temas e/ou conceitos.
Conhecimento das fontes
literárias.
Interpretação iconológica Significação simbólica dos
elementos.
Conhecimento da carga
simbólica dos elementos
figurativos.
Vemos, assim, que muitas são as propostas dentro e fora da semiótica
(particularmente no domínio da história da arte) para o estudo do texto pictórico. Isso
nos obriga a tomar posições, fazer escolhas para a análise do corpus deste trabalho,
como mostraremos na próxima seção.
5. Metodologia
A semiótica plástica é um desdobramento, e não uma ruptura, em relação à
teoria da significação proposta por Greimas. Desse modo, o estudo do semi-simbolismo
é uma preocupação daquela, a qual, por seu turno, não pode dispensar os postulados
desta. A semiótica plástica não é menos interessada no estudo do sentido do que
poderiam propiciar as formulações greimasianas stricto sensu. Entretanto, devemos
41
salientar que há algumas particularidades entre elas relacionadas a especificidades das
diferentes linguagens no uso do percurso gerativo de sentido.
A semiótica standardizada segundo os trabalhos de Greimas, confere ênfase5.61.22997(a)-T.295585(e)95585(o)-0.2955585(e)3.74(r)2.80439(a0( )-s(o)-0.299s)-1.2312(99s)-o.2312(99s)- 85( )-70.1879(o)-0.295585(s)053.74(8.80439(c)3.7l)561( )-100.207(q5( )-10.1537(u)-0.294363(s)053.74(85( )-70.187974(n)-0.29053.74(810.3015(f)2.80439(e)3.74(r)-7.)3.74(b)-0.74(n)-0ú(o)-0.295585( )-70.1879(o)-0.295585(s)053.74(85( )-70.1879(o)-0.295585(s)053.744.)3.74(b)-0.74(n)-0x3.74(r)-7.)3.74(b)-0.1( )-0.150036( )]TJ75935(s)053.744.T)42400260.295585(o)-0.29558(s)053.744.10.3015(f)2.80439(e.2312(,)-0.(o)-0.295585(s)053.744.10.3015(f)2.80439(e.2312(,)-0.e3.74( 87.086.2659(g)(i)-2.16436(d)-0.295585a4(n)-0.29053.744(R)-3.316485(o)-0.29558b( )-70.187974(n)-0i3.74(b)-0.295585(a)3(o)-0.295585(s)053.744.(95585(a)323.74(r)-7.0o)-0.2955850o)-0.2955856o)-0.295585)95585(a)3(c)3.74(o)-0.29053.744.“0.3015(f)2.80439(e.29053.744.q)-1.2312( )u ad 52egd
42
Do mesmo modo, e pelo mesmo motivo, não deixamos de acatar as
contribuições da história da arte, as quais, conforme diz Floch (1997, p. 213), nos
ajudam a entender que “uma estética deveria ser concebida não como uma forma de
expressão, ou de conteúdo, mas como uma linguagem, dotada tanto de um plano de
expressão quanto de um plano de conteúdo”.
Devemos esclarecer ainda que, embora a noção de contexto, em semiótica,
refira-se ao conjunto de textos (verbais, não-verbais) com os quais uma da obra dialoga,
entendemos que as relações intertextuais não esgotam o objeto de estudo, posição que,
aliás, assumimos e explicitamos anteriormente. Assim, a apresentação, mesmo sucinta,
do contexto histórico ou situacional, ainda que não seja imprescindível para a análise de
um texto, não a invalida, podendo, ao contrário, ilustrá-la ou mesmo enriquecê-la,
conforme se pode verificar, por exemplo, nos trabalhos de Lara; Mate (2005) e
Monteiro (2005). No caso de nosso estudo, como se verá no capítulo II, procuramos
apresentar informações que julgamos relevantes sobre a arte barroca e a obra de Mestre
Ataíde, informações que encontramos, por exemplo, em Bazin (1993) e Campos (2006).
Quanto à metodologia propriamente dita, esta deriva de trabalhos em semiótica
plástica desenvolvidos por Floch (1985, 1995, 2004) e Greimas (2004). Não deixamos
também de acatar a sugestão contida nas abordagens de Thürlemann (198?) e Pietroforte
(2004, 2007). Segundo esses autores, uma análise em semiótica plástica deveria partir
do plano de expressão do texto rumo ao plano de conteúdo. Mas lembramos que o plano
de conteúdo é o mais solidamente constituído pela semiótica. Além do mais, embora o
conteúdo seja depreendido pela expressão, é através do plano de conteúdo que
(re)encontramos sentidos no plano de expressão.
Assim é pelo plano de conteúdo que começaremos a análise, não sem antes
realizarmos uma “leitura” do texto/tela, a fim de levantar os elementos que serão
43
levados em conta na análise do plano de conteúdo. No caso de textos pictóricos, essa
“leitura” é entendida como uma análise iconográfica, a qual favorece a compreensão
dos elementos da expressão. Assim, além das postulações da semiótica plástica,
acatamos noções de análise iconográfica fornecidos por Panofsky (1976) e Wölflin
(1989), noções que influenciaram mesmo as abordagens flochianas.
Embora Floch mencione que as categorias que Wölflin usa para caracterizar o
barroco e o clássico possam ser entendidas como um conjunto de relações entre
conteúdo e expressão, preferimos adotar o procedimento de usar as idéias wölflinianas
na análise do plano de expressão, que elas nos ajudam a entender aspectos do estilo
da pintura, ou de como ela é expressa. Já a análise iconográfica de Panosky será
aplicada anteriormente à análise do plano de conteúdo, isso pelo fato de a descrição
iconográfica nos permitir entender o “assunto” representado na pintura.
Assim, o trabalho de Panosfky nos oferece um subsídio que utilizaremos
anteriormente a análise do plano de conteúdo, enquanto Wölflin nos auxilia na análise
do plano de expressão dos textos/telas que compõem o corpus. Nossa proposta
metodológica é apresentada a seguir de maneira sinóptica:
Quadro 11
PROCEDIMENTO OBJETIVO
Análise iconográfica Descrição dos elementos figurativos das
telas, remetendo ao assunto nelas
representado.
Análise do plano de conteúdo Análise de elementos do percurso gerativo
de sentido que sejam relevantes para a
compreensão de nosso objeto de estudo.
Análise do plano de expressão Elucidação dos níveis e das categorias
(formas, cores, etc) presentes no plano da
expressão.
Análise do semi-simbolismo Homologação entre categorias dos planos
de conteúdo e de expressão.
44
O estudo do plano de expressão se faz, necessariamente, através da identificação
dos formantes plásticos, dos sintagmas, ou contrastes plásticos, e da montagem de
níveis constituintes. Greimas (2004, p. 90) e Floch (1985, p. 46) definem os formantes
como termos de uma mesma categoria plástica que se encontrem em co-presença em
qualquer um dos níveis do plano de expressão. De acordo com Floch (1985), os
formantes fazem correlação com termos do plano de conteúdo, já que eles são “uma
parte da cadeia da expressão correspondente a uma unidade do plano de conteúdo”
8
. A
colocação desses elementos em um sintagma configura os contrastes plásticos que são
oposições como claro vs escuro, cor quente vs cor fria, horizontal vs vertical, dentre
outras possíveis.
Os autores ressaltam que a concepção de formantes, bem como a de contrastes
plásticos, remetem a Jakobson (1977) e seus trabalhos sobre a função poética da
linguagem. Assim, a construção dos contrastes plásticos é o resultado de procedimentos
de seleção de elementos e sua consecutiva combinação. Trata-se de uma projeção do
eixo paradigmático sobre o eixo sintagmático. Essa remissão é justificada pelo fato de a
semiótica plástica se preocupar com a poeticidade do texto visual, embora seja lícito
postular que nem todo texto visual seja, necessariamente, dotado de poeticidade.
Podemos, por exemplo, pensar em anúncios publicitários de produtos variados que se
valem do texto não-verbal (visual) e nem por isso apresentam a poeticidade.
Os sintagmas ou contrastes plásticos se distribuem segundo as dimensões
presentes no nível da expressão de cada texto. O trabalho de Lopes (2003, p. 69), como
vimos no quadro 7, traz uma configuração do plano de expressão visual um possível
percurso gerativo para esse plano –, inspirado em Greimas (1987), que prevê três
dimensões: a dimensão da luz, a dimensão cromática e a dimensão eidética. O autor, no
8
Tradução nossa de: “une partie de la chaîne de l’expression correspondant à une unité du plan du
contenu”.
45
entanto, não menciona a dimensão topológica, para a qual Greimas (2004, p. 85)
confere uma importância capital: “a exploração do significante plástico
começa_gerativa e não geneticamente pela constituição de um campo de problemas
relativos às condições topológicas”.
Assim, inspirados em Greimas (2004), na releitura de Greimas por Lopes (2003)
e em Oliveira (2004, p. 118), reorganizamos os elementos do plano de expressão de
maneira simplificada, embora coerente com o corpus, uma vez que os estudos
wölflinianos sobre o barroco, e também aqueles que foram apresentados por Bazin
(1993), nos mostram que pinturas, como as de Mestre Ataíde, não se encaixariam
comodamente nas dimensões semióticas tal como foram apresentadas anteriormente. No
quadro 12, abaixo, especificamos nossa proposta de análise para o plano de expressão:
Quadro 12
DIMENSÃO TIPO DE
FORMANTES
EXEMPLO DE
CONTRASTE
Eidética Forma curvilíneo vs
retilíneo
Foto-cromática Luz e cor claro vs escuro
cor quente vs cor
fria
Topológica Espacialidade central vs periférico
inferior vs superior
Retomamos a questão de que o esquema acima, embora seja amparado por
estudos de semiótica e de história da arte, deriva da nossa leitura do corpus e atende
especificamente à análise contida nesta dissertação. Além de acrescentar a dimensão
topológica
9
, indicada por Greimas, fundimos as dimensões de luz e cor por entendermos
que, na pintura barroca, esses são elementos intimamente relacionados. A dimensão
9
Embora Greimas situe a dimensão topológica em um nível profundo, esta é uma questão passível de
discussão, o que não caberia nos limites de uma dissertação de mestrado.
46
eidética, nesse caso, estaria diretamente relacionada à dimensão foto-cromática: as
formas seriam delineadas pelas cores, sendo que ambas são “arrancadas”, conforme o
termo usado por Wölflin, das áreas de obscuridade.
Devemos ainda salientar que a disposição dos diferentes níveis no quadro acima
não representa uma hierarquização, já que elas são percebidas na relação que mantêm
umas com as outras e não de modo isolado. A forma, por exemplo, é percebida a partir
das cores e da luz, ou vice-versa, assim como o espaço do quadro ganha sentido em
relação aos elementos foto-cromáticos e eidéticos que nele são trabalhados. Nessa
perspectiva, a análise do plano de expressão não seguirá necessariamente a ordem na
qual apresentamos as dimensões desse plano. Frisamos também que essas categorias
não aparecem com a mesma recorrência nas telas, podendo manifestar-se em uma e não
nas demais, ou, pelo contrário, deixar de ocorrer em apenas uma delas. Além disso,
como forma de ilustrar os dados da análise e facilitar a verificação pelo leitor dos
elementos destacados, optamos por inserir as telas ou parte delas ao longo das análises e
não apenas nos anexos do final do trabalho, como se verificará.
Por sua vez, no plano de conteúdo, nossa análise começará pela identificação das
oposições do subcomponente temático e do seu revestimento figurativo, visto ser o nível
discursivo, em que se situam esses elementos, o mais superficial do percurso gerativo de
sentido, sendo, pois, aquele com que se depara imediatamente o analista. Focalizaremos,
assim, as oposições temáticas (e figurativas) que, de acordo com Floch (1985, p. 46),
fazem, no texto, a mediação entre expressão e conteúdo. Já o nível narrativo será
evocado apenas quando se fizer necessário para ilustrar a passagem de uma etapa à
outra. As categorias temático-figurativas serão articuladas às oposições semânticas de
base, considerando que o texto se vai concretizando e complexificando, mas nossa
47
análise segue o percurso contrário, uma vez que, pela razão já apontada, caminhamos do
nível discursivo (mais superficial) para o nível fundamental (mais profundo).
Buscaremos, assim, no plano de conteúdo, a(s) categoria(s) temático-figurativas
e a(s) categoria(s) semântica(s) que lhe(s) serve(m) de base, as quais serão relacionadas
às categorias plásticas (obtidas por meio da análise do plano de expressão). A partir daí,
passaremos a estudar as homologações entre as categorias dos dois planos, a fim de
apreender as relações semi-simbólicas. Embora as relações semi-simbólicas, no que
tange ao plano de conteúdo, possam ocorre em qualquer um dos níveis do percurso
gerativo de sentido, conforme propõe Fiorin (2003, p. 79), trabalharemos apenas com
aquelas que incidem sobre as categorias do nível fundamental (principalmente) e do
nível discursivo.
Quanto à constituição do corpus, elegemos cinco telas de Mestre Ataíde.
Embora o artista tenha executado trabalhos em forros de igrejas, esse tipo de produção
envolve arranjos pictóricos bastante complexos, enquanto as telas apresentam
fragmentos textuais bastante ricos e coerentes com os limites de uma dissertação. A
ordem em que as telas serão analisadas não é ditada pela cronologia da produção, mas
pela ordem em que as cenas representadas aparecem nos evangelhos. Com essa
organização, objetivamos reuni-las numa seqüência que permita o realce de uma
narratividade alusiva à vida e à paixão de Cristo. Embora cada tela represente em si uma
narrativa, esta pode ser depreendida de maneira mais rica no conjunto formado com as
demais. Desse modo, a análise obedecerá à seguinte disposição: 1). Batismo; 2) Santa
Ceia (de Ouro Preto); 3) Santa Ceia (do Caraça); 4) Passo da Paixão; 5) Crucificação.
Incluímos no corpus uma das raras obras de Ataíde de autoria confirmada
(“Ceia”, hoje exposta no Caraça) e as demais mediante atribuição. Embora não haja um
consenso entre os pesquisadores sobre a questão da autoria, ela, a nosso ver, não impõe
48
limites a uma análise semiótica, uma vez que nosso “olhar” não é de caráter
historiográfico, interessando-se, antes, pela análise do material que a autoria,
comprovada ou não, é dada como sendo de um mesmo artista. Como observamos, “a
assinatura de uma tela por seu criador é dada pelo estilo” (OLIVEIRA, 2004, p.16).
Para a reprodução dos quadros recorremos à divulgação pioneira de Frota e
Moraes (1982). Cumpre-nos salientar que qualquer tipo de reprodução, xerográfica ou
fotográfica, acarreta perdas inevitáveis em relação ao cromatismo original. Tal perda se
deve às diferenças entre as condições de luz previstas para a exposição da pintura e a
exposição de luz imposta pela reprodução. Outro tipo de perda é acarretado pela
degradação progressiva das tintas, elaboradas a partir de pigmentos naturais cerca de
duzentos anos.
Para facilitar o acesso ao corpus, optamos por inserir as reproduções das telas no
corpo do texto (antecedendo cada análise) e não num anexo final, como se costuma
fazer em trabalhos científicos. Além disso, acrescentamos à dissertação um CD
contendo detalhes das telas, com o intuito de realçar observações referentes a dados
mais pontuais, mais específicos das análises. O referido CD traz ainda uma apresentação
em formato Powerpoint sobre a vida e a obra de Mestre Ataíde, bem como dois vídeos
produzidos com as pinturas do Mestre.
No quadro a seguir, apresentamos uma relação das telas a serem analisadas:
49
Quadro 13
TELA DATAÇÃO LOCALIZAÇÃO AUTORIA
Batismo de Cristo 1819-1820
(atribuída
mediante análise
documental)
Catedral da de
Mariana
Atribuída
Ceia Ignorada Igreja do Bom
Jesus de
Matozinhos e São
Miguel e Almas
(Ouro Preto)
Atribuída
Ceia 1828 (datada pelo
artista)
Santuário de nossa
Senhora e dos
Homens (Caraça)
Comprovada (assinada
pelo artista)
Passo da Paixão Ignorada Museu da
Inconfidência
(Ouro Preto)
Atribuída
Crucificação Ignorada Igreja do Bom
Jesus de
Matozinhos e São
Miguel e Almas
(Ouro Preto)
Atribuída
Precedendo cada análise, acrescentamos fragmentos dos Evangelhos em
epígrafes. Os textos bíblicos
10
, desse modo, nos fornecerão um “intertexto” (construído
na relação texto verbal/texto não verbal), que, juntamente com o “diálogo” que os
textos/telas mantêm entre si, constitui a própria noção de contexto em semiótica, como
vimos. Esse contexto nos trará um primeiro parâmetro para a análise das telas e será
acrescido do contexto em sentido amplo (contribuições do barroco e dados do artista), o
que permitirá “desvelar” melhor nosso objeto de estudo.
10
Os textos bíblicos, embora relevantes, não serão aqui analisados, uma vez que fogem aos objetivos
traçados para essa pesquisa.
50
CAPÍTULO II : ANÁLISE DAS TELAS DE MESTRE ATAÍDE
Conforme anunciamos nos pressupostos teórico-metodológicos, nosso estudo
das telas começará pela análise iconográfica e, em seguida, pelo exame do plano de
conteúdo. Nosso intuito, ao realizar uma análise iconográfica, é enriquecer a abordagem
do plano de conteúdo, de modo a compreender melhor a narrativa representada nas telas
e o sentido dos elementos temáticos e figurativos. Após essa abordagem de cunho
iconográfico e conteudístico, passaremos à análise do plano de expressão e à
homologação de categorias desse plano com as do plano de conteúdo, em busca das
relações semi-simbólicas.
No caso da obra de Mestre Ataíde, julgamos que a compreensão do contexto
(tomado em sentido amplo) em que foi produzida, pode auxiliar na análise dos aspectos
formais e iconográficos. Assim, abordaremos, num primeiro momento, o contexto
histórico da arte barroca e exporemos alguns dados sobre o enunciador/pintor, sem, no
entanto, perder de vista, o “diálogo” que se estabelece entre as telas de Ataíde, todas de
cunho religioso, enfocando passagens relevantes da vida de Cristo (o batismo, a santa
ceia, a crucificação, etc), ou mesmo as relações intertextuais que as pinturas mantêm
com passagens da Bíblia (contexto em sentido estrito), conforme posição que
assumimos no Capítulo I.
1. O contexto histórico: a arte barroca e o barroco mineiro
No século XVIII, historiadores designaram como barroco as artes cultivadas
entre o fim da Renascença e o início do Classicismo, isto é, entre o fim do século XVI e
meados do XVIII. A origem desse estilo está na Contra-Reforma católica que, numa
51
oposição a Reforma Protestante, valorizou, ao máximo, dogmas e procedimentos então
suprimidos pelos luteranos: estes “pugnavam pela simplicidade dos templos, negavam a
santidade da Virgem e dos santos. A Contra-Reforma reagiu, reforçou o conceito da
Imaculada Conceição e enalteceu o papel de seus santos e mártires, incentivando a
representação iconográfica” (ETZEL, 1974, p.32). Assim, a tarefa do barroco “era
afirmar a grandeza da Igreja Católica mediante a produção de monumentos esplêndidos,
mas também, por todos os recursos que estão ao alcance das artes figurativas, atestar a
verdade da fé” (BAZIN, 1993, p.9-10).
O discurso da Contra-Reforma passava a tornar-se um conteúdo legível e visível
pelas mãos de artistas diversos, sendo tal legibilidade e visibilidade espetaculares. Nos
países ibéricos, Portugal e Espanha, o barroco recebeu melhor acolhida, devido à
tradição ultra-católica dessas duas nações. Donos de um imenso império colonial,
Portugal e Espanha levaram essa arte aos territórios colonizados. No Brasil, depois de
romper as barreiras naturais impostas pela geografia, o barroco se infiltrou do litoral em
direção ao interior, sempre no rastro dos ocupantes de novos territórios.
Na realidade, o sucesso da estética barroca na região ibérica, bem como em suas
colônias, não se deve apenas à mentalidade religiosa. Portugal e Espanha eram
governados por monarquias absolutas, que não tardaram em demonstrar interesse pelo
barroco: uma arte marcada pelo luxo e pela pompa que exaltava, ao máximo, a
soberania e a onipotência de Deus. Como nos diz Gombrich (1985, p.352): “não foi
somente a Igreja Romana que descobriu o poder da arte para impressionar e dominar.
Os reis e príncipes da Europa estavam igualmente ansiosos por exibir seu poderio e
aumentar assim a sua ascendência sobre a mente dos súditos.” Como os discursos da
Igreja e do Estado se imbricavam, a arte barroca foi logo adotada pelos estados
absolutistas.
52
Nesse contexto, a capitania das Minas Gerais logo se mostrou fecunda ao cultivo
do barroco. As causas desse favorecimento foram a consolidação de uma sociedade
local, a circulação de riquezas e a oportunidade abundante de trabalho para artistas
diversos. Naturalmente, eram grandes os interesses da monarquia por aquela que se
tornava a mais rica capitania da Colônia, tendo em vista a descoberta de enormes
jazidas auríferas.
Numa leitura dos cânones europeus, os artistas mineiros criaram uma expressão
própria do discurso barroco, expressão essa construída com o uso de matérias-primas
locais e de novos modos de composição das obras: “centros artísticos formaram-se nas
colônias, inventando formas originais que às vezes superavam a mãe-pátria em sua
elaboração das possibilidades do barroco” (BAZIN, 1993, p. 238).
O barroco representou em Minas colonial tanto um modo de vida, quanto um
modo de conceber e elaborar a arte. O homem de então vivenciava, com fervor, a crença
na imortalidade da alma, tomando a vida como uma passagem pelo mundo terreno e a
morte como uma entrada no mundo do Além, que incluía o Inferno, o Purgatório e o
Céu. O mais inquietante motivo das atitudes dos homens era a morte, a qual “não era
vista como o fim do corpo apenas, pois o morto seguiria em espírito rumo a um outro
mundo, a uma outra vida. A rigor não havia morte, que se vivia em profundidade a
crença na imortalidade da alma” (REIS, 1997, p.96).
Sendo a alma imortal, era necessário garantir sua salvação, evitando-lhe o
destino do Inferno e abreviando ao máximo sua estadia no Purgatório. Na geografia
celeste, o Purgatório não era local de castigo, mas de purificação, sendo, nesse caso,
uma escala inevitável para se chegar ao Céu. Nesse contexto, a preocupação do homem
barroco pode ser sintetizada em um dilema que envolvia a vida a e a morte. Mas o
catolicismo praticado na época não consistia apenas na preparação do homem para a
53
morte, mas para sua possibilidade de comunhão definitiva com o divino. A vida era o
tempo de garantir previamente a salvação da alma, e a morte, o momento em que se
transcendia de um plano terreno para um espiritual. Pelos atos praticados em vida podia-
se, depois da morte, estabelecer-se como mais um habitante do Céu. Essa possibilidade
era entendida como um atributo do resquício de divindade presente no homem,
reafirmada pelo dogma da imortalidade da alma.
Morte e vida tinham seu significado religioso em conformidade com a
humanidade e o resquício de divindade de cada homem. Nesse sentido, a figura
complexa de Cristo ocupa uma posição de destaque. Jesus tem uma origem divina, mas
vive como um mortal: confirma sua porção divina com o batismo, é martirizado e morto
como um ser humano (um criminoso) qualquer, mas faz milagres e ressuscita como uma
divindade. É um personagem-conceito cuja simples imagem sintetiza o divino e o
humano, uma conjunção de valores que ofereciam o exemplo do que seria a travessia da
vida e o pós-mortem: para aquele que acredita em Cristo, a morte constitui numa
síntese de finitude e infinitude, pois contém a promessa de uma vida futura plena, isenta
de impedimentos” (CAMPOS, 1995, p. 5).
Nesse âmbito, a criação de imagens pelos artistas era privilegiada, que
permitia uma visibilidade do discurso aproveitando-se o fato de que a imagem é menos
lógica e racional que as palavras. As imagens, sendo menos questionáveis que as
palavras, serviam como uma referência satisfatória quando o sacerdote pregava sobre
temas como vida, morte, pecado, salvação. Era uma forma de mostrar um conceito se d6(r)2.80439(a)3.7.147792(d6(r)2.806(i)-2.164385(r)2.80[i3.74(l)-2.16558( )-260.42( )-40.1714(m)-2.45--310.33(i)-2u.164385(r)2.80[i3.74(l-2.16436(t)-26(i)-2.166385(r)2.0.295585(o9.71032(m)-2.459950.295585(d)-0.295585(i)-2.16558(a)3.74( )-90.2009(e)3.74(n)-0.-40.17023(a)3.74(g)-(o)-0.295585(,)-0.147792( )-310.331(a)385(r)2.5( )-100.206(d)-0.293585(u)-0.295585(í)-2.1655810.1537(v)-002931490.2009(á)3.74( )-5(d)-0.295585(e)3.74(,)-o(u)-0.295585(í)-2.16558(v)-002931490.2009(v)-00293140.295585(n)-10.3015(c)3.74(e)3.74(i)-2.1643792(b(í)-2.1655810.1537r37 0 Td[597-10.1525(o)-00293145(m)-12.4659( )-40.170290.2009(v)-0029314.80439(t)-2.16436(i)-2.1643610.1537(v)-0.2912-1.2312(t)-2.16436e)3.74(n)-0.295585(d)]TJ270.2.16436(a)3.74( )-130.223(m)-2.45995(a)3.74244(0.295585(t)-2.16436(i)-2.1643610.1537(v)-00293145(i)-2.16436(l)-2.16436u)-0.295585(s)-114244( )250]TJ-(v)-0.29558 )250]TJ-284.328 -27d[597-(d)-0.294974(e)3.74( )-0.147792(i3.74(s)-(a)3.74(l)-2.16558(:)-2.16558 m)-2.45995(o)-0.295585(r)2.80561(5(o)-0.295585( )-50.1761(C)-3.397585(u)-0.295585(e)3.74(s)-1.2312((C)-3.39758(o)-10.3015(n))3.74(s)-br)2.80439(e)-6.225-1.2312((C)424189950.29558(a)3.74(v)-0.29497(C)-3.397581.22997( )-40.1714(i)-2.16558(b)-0.29558( )-50.1761(h)-0.2972(e)3.74(n)-0.29558(a)3.74( )-10.3015(a)3.74( )-5(r)2.80439(i)-2.16436(v)-0.29558(a)3.74244(0.29558(C)424182(B)6.6459)-40.1702a)3.74( )-(n)-0.295585(o)-0.29314(a)3.74( )-(C)-3.36436153 0 Td[87)-0.295585(9)-0.295585(5)-0.295587(,)-0.147792( )-31.1761(E)0.6400265(.)-0.146571( )-0.146571(50.6400268(9)-0.295585(5)-0.29558(.)-0.14657:n)-0.29558(C)424182(“0.1702O)-1.2312( )-260.3(i)-2-0.295585(a)]TJ258. )250]TJ-(a)3.74244(0.295585(t)-2.16436 )-260.3(i)-2-0.295585(a)3.74( )-50.1773(m)-2.45558é.295585(r)2.829314
54
deram uma figura”. É nesse ambiente cultural que surge a figura de Manoel da Costa
Ataíde.
2. Algumas linhas sobre Mestre Ataíde
Ataíde pertence à terceira geração de pintores que atuou nas Minas Gerais dos
séculos XVIII ao XIX. É considerado o mais genial de todos os pintores do Brasil
colonial e o que mais aproximou os cânones da pintura européia aos recursos e às
feições da realidade local. Esclarecemos que os dados sobre a vida e a obra de Ataíde,
que serão apresentados a seguir, foram recolhidos em leituras diversas com destaque
para a biografia do artista escrita por Martins (1974, p. 79-87) e têm apenas a função
de situar melhor o corpus desta pesquisa.
Manoel da Costa Ataíde nasceu na cidade de Mariana (MG), em 1762, tendo
recebido o batismo na Catedral da Sé. Não teve formação artística, mas militar: era
alferes. E é possível que, embora tirando mais rendimentos da carreira militar, obtivesse
mais prestígio como pintor, tendo em vista o número de trabalhos que lhe foram
encomendados. Sua morte se deu em 1830, sendo o artista enterrado na igreja de São
Francisco de Assis, em Mariana. Do ano de 1800 até o de sua morte (1830), será uma
figura hegemônica no cenário artístico mineiro: “A partir dos primeiros anos do século
XIX, abre-se um novo período (...) da pintura na região de Ouro Preto, dominada pela
figura central de Manoel da Costa Athaíde
11
, cuja influência preponderante deveria
prolongar-se por três décadas consecutivas” (OLIVEIRA, 1997, p 468).
Embora o nome do artista seja o único apontado na autoria das obras, ele não
trabalhava sozinho, mas em conjunto com seus ajudantes, escravos ou homens livres. O
mestre executava as partes principais da pintura, as áreas centrais ou personagens
11
A grafia do nome varia, nos documentos escritos, entre Ataíde, Athaíde e Atahide (parecendo ser essa
última a grafia original, conforme mostra uma das telas – a “Ceia”, do Caraça – assinada pelo artista.
55
principais, por exemplo, enquanto seus ajudantes encarregavam-se das partes periféricas
e dos detalhes. Pintou em forros de igrejas e também em telas.
Em relação às suas obras, não podemos dizer, a princípio, que Ataíde fosse
efetivamente “autor”. Isso porque não concebeu de sua imaginação as cenas e as
personagens representadas. Mais ainda, porque não criou, mas copiou de fontes
impressas boa parte do que pintou. Embora seja herdeiro da tradição estilística da
pintura barroca européia, suas cenas não foram reproduzidas ou inspiradas pelos mestres
europeus, mas por ilustrações contidas em missais, isto é, livros com textos religiosos
usados nas celebrações litúrgicas (missas) ou para-litúrgicas (novenas, encomendação
de defuntos, batizados), contendo orações e orientação para ofícios eclesiásticos. Além
de textos verbais, os missais eram ilustrados com cenas da vida e paixão de Cristo, da
Virgem e dos santos. Na época colonial, muitas dessas obras, impressas em Antuérpia,
na Bélgica, no século XVIII, foram trazidas para Minas (MOTT, 1997, p. 176-7).
Essas ilustrações eram basicamente impostas como modelos a serem copiados
pelo artista, o qual não possuía liberdade de escolha do tema, no máximo uma
autonomia estilística. Isso quer dizer que a cena que se pintava era determinada pelo(s)
encomendante(s), cabendo ao artista apenas a execução. Também por esse motivo não
havia preocupação com a assinatura das obras. Fruto de trabalho coletivo e figurando
como um simulacro a cores de uma gravura impressa, a assinatura consistia no estilo
firmado na pincelada.
Na pintura de Ataíde, é bastante visível o conjunto de características que Wölflin
usou para caracterizar o estilo barroco: a assimetria das composições, o uso de linhas
curvas e a preferência pelas diagonais, a dramaticidade e a busca de provocar a ilusão de
movimento. Podemos também apontar, de maneira mais didática, essas características
conforme os apontamentos de Cavalcanti (1967, p. 202): “a composição em diagonal,
56
movimentação e síntese das formas, violentos contrastes de claro-escuro, veemência do
colorido, intensidade na expressão dos sentimentos, realismo”. também
características particulares: as personagens são mulatas, algumas, negras; a musculatura
é saliente e a anatomia, em muitos casos, desmesurada; os tons de azul e vermelho são
marcantes.
A partir dessas rápidas “pinceladas” sobre a pintura barroca e sobre a obra de
Mestre Ataíde, passaremos à análise das telas já discriminadas no capítulo anterior.
57
3. Examinando as telas
3.1. O Batismo de Cristo
Naqueles dias veio Jesus de Nazaré
da Galiléia, e foi batizado por João, no
Jordão. Logo que saiu da água ,viu os céus
abertos e o Espírito Santo como pomba,
que desceu sobre ele.
Marcos, 1.
9-10
58
59
60
3. 1. 1. Análise iconográfica
O batismo foi um dos sacramentos mais valorizados pela Contra-Reforma
católica, e, por essa via, foi um tema bastante apregoado no discurso barroco. Mais que
marcar a inserção do recém-nascido no mundo terreno, o batismo livra a criança do
pecado original, purificando-a com a água e, ao mesmo tempo, estabelecendo seu
primeiro contato com o divino. Nas igrejas matrizes de Minas, durante os séculos XVIII
e XIX, era comum que o batistério, além da pia de água, guardasse uma pintura alusiva
ao episódio do batismo de Cristo.
A arte barroca buscava uma espécie de “teatralidade” ao representar os preceitos
cristãos através de elementos artísticos. Era um modo de tornar visível e transmitir
sensorialmente conceitos e dogmas que poderiam não ser corretamente depreendidos ou
apreendidos se fossem mencionados apenas verbalmente. Além de primar pela
visualidade, a arte barroca buscava uma ocupação dos espaços destinados à realização
do culto litúrgico (missa) ou para-litúrgico (batizados). Tal é a perspectiva na qual foi
produzida a tela do Batismo de Cristo, executada em
61
gesto, associado ao desenho curvilíneo de seu corpo, é uma das causas de se atribuir o
uso de um modelo feminino para representar um Cristo jovem.
A jovialidade do Cristo é reforçada nos traços do rosto, no tom claro da barba e
dos cabelos, o que, por sua vez, contrasta com a aparência física de João: um homem de
meia idade que dirige um olhar paternal ao ungido. O batizado, de pálpebras semi-
cerradas, mantém a cabeça ligeiramente inclinada e mira para baixo sem focalizar
qualquer ponto específico, presente na cena.
O rio Jordão desce encachoeirado passando sob a ponte de uma cidadela: uma
Jerusalém imaginária, copiada pelo artista. A pequena quantidade de água usada para
ministrar o sacramento torna-se dourada pela ação de um raio de luz, emanado do
Espírito Santo em forma de pomba, representado junto ao triângulo da Santíssima
Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo). Na ocasião, as nuvens do céu se abrem e dois
tipos de anjos aparecem, contemplando enlevados a cena: os querubins (anjos apenas
com cabeças aladas) e os serafins (anjos infantis).
Observamos, por meio dessa descrição, que a análise iconográfica se assemelha,
embora com outros termos, à abordagem, sobretudo do componente temático-figurativo,
do percurso gerativo de sentido. A sugestão de Panofsky, assim, nos auxilia a identificar
e localizar na tela os elementos com os quais podemos justificar a análise do plano de
conteúdo.
3.1.2. Análise do plano de conteúdo:
Iniciamos a análise dessa tela pelos percursos figurativos, do mesmo modo
como procederemos com as demais. Tal opção, conforme anunciamos, decorre do fato
de estarmos lidando com um texto visual (icônico) em que as figuras constituem os
62
elementos que primeiro depreendemos no contato com o texto. Remeteremos as figuras
(e os temas subjacentes a elas) à(s) categoria(s) semântica(s) de base (nível
fundamental), passando rapidamente pelo nível narrativo, de modo a traçar, em suas
grandes linhas, o percurso gerativo de sentido.
Na tela do Batismo, encontramos uma figurativização que alude ao plano
celestial e que poderíamos chamar de percurso figurativo celestial –, ao plano terreno
(percurso figurativo terreno) e também à transição ocorrida de um plano ao outro, de
modo a dividir o quadro em metades intermediadas por um espaço central. Dessa
maneira, podemos dizer que ocorrem duas três, se considerarmos o espaço
intermediário seqüências figurativas devido à tentativa de representar os dois planos
de existência apregoados pelo discurso religioso barroco.
Temos no espaço inferior figuras do mundo terreno, do qual o Cristo é um
membro integrante: homens, plantas, rio, cidade. São figuras que remetem ao mundo
concreto, familiar à existência real do homem barroco, o que ajuda a construir uma
ilusão referencial, ao mesmo tempo em que localiza, poderíamos dizer
“geograficamente”, uma parte dessa narrativa.
no espaço superior, ocorrem elementos de conotação simbólica: luz, pomba
do Divino, triângulo da Santíssima Trindade, anjos, esses últimos ainda bem próximos
do espaço intermediário (o da representação do batismo, em que João derrama água
sobre a cabeça do Cristo), que eles formam um “corredor” que permite ascender ao
espaço propriamente divino (aquele configurado pela presença do Espírito Santo).
Notemos que essas figuras são combinadas a partir das que imitam o mundo real: as
figuras de asas e de crianças, articuladas entre si, geram os anjos, com a figura de uma
pomba temos o Divino Espírito Santo. Através dessa articulação figurativa, elementos
63
de carga simbólica, tematizados abstratamente, ganh
64
Jesus com a água
13
, levando-o à conjunção com o objeto-valor (Ov) Batismo e com os
valores positivos nele inscritos. O resultado dessa performance recai principalmente
sobre Jesus, que passa a ser assistido diretamente pelo Espírito Santo.
Na base dessa narrativa, no nível fundamental, encontramos a categoria
semântica de base /humanidade/ vs /divindade/, que representamos no quadrado
semiótico a seguir, articulando essa categoria à oposição temática apontada
anteriormente:
/humanidade/ /divindade/
perdição salvação
/não-divindade/ /não-humanidade/
não-salvação não-perdição
O ator Cristo executa um percurso euforizante, partindo da humanidade para
chegar à divindade (ou para confirmar a divindade que lhe é previamente atribuída).
Assim, embora na cultura ocidental, Cristo represente o termo complexo que reúne os
contrários /divindade/ e /humanidade/, no quadro ora em análise, é sua condição
humana que é ressaltada, uma vez que ele, como qualquer mortal, depende do batismo
para ascender ao divino.
Embora João Batista seja celebrado pelo catolicismo como santo, ou, grosso
modo, como uma divindade, ele, a exemplo do Cristo, remete à /humanidade/, que,
no quadro, é ressaltada apenas sua natureza humana. Os anjos, por sua vez, enquanto
13
Vemos, na parte inferior da tela, que João Batista tem os pés plantados na terra, enquanto os pés do
Cristo se encontram imersos na água do rio. Trata-se aqui da água como elemento da natureza, que
reforça o caráter icônico do espaço terreno e se opõe à água (benta) do batismo que propicia a comunhão
com o divino.
65
termos neutros implicam /não-humanidade/ + /não-divindade/. Conforme foi dito
anteriormente, eles formam uma espécie de corredor que permite ascender ao Espírito
Santo (a pomba branca), representando, assim, o caminho intermediário a ser percorrido
para a /divindade/. Essa rápida abordagem dos elementos que compõem o percurso
gerativo de sentido pode ser complementada com a análise do plano de expressão, o que
apresentamos a seguir.
3.1.3. Análise do plano de expressão:
Podemos observar nesse quadro que as linhas principais insinuam uma cruz,
sendo o “mastro” formado pelo Cristo e pelo raio de luz, e os braços, pelo membro
estendido de João e pela linha do horizonte. Além de nos permitir observar a típica
assimetria barroca, relacionada ao preenchimento dos espaços, esse alinhamento nos
ajuda a localizar os elementos icônico-figurativos, bem como a distribuição dos efeitos
66
criar uma ilusão referencial (ou estabelecer uma relação inocente entre figura e fundo,
ou entre cenário e atores); antes, propicia um “diálogo” entre os elementos figurativos
de modo a compor a chamada “unidade indivisível das partes” de uma obra barroca,
como a que analisamos.
O que Wölflin chama de “massas arrancadas à obscuridade” também produz
efeitos expressivos: vejamos que as figuras do Cristo e de João encontram-se destacadas
do fundo escuro, graças à incidência de luz. O Cristo em especial parece mais tocado
por essa luminosidade, de modo que pelo manuseio da luz depreendemos o realce sobre
o Cristo, o que, do ponto de vista semiótico, pode ser mais bem compreendido nos
parágrafos subseqüentes.
Na dimensão topológica, temos a matriz da organização semiótica dos formantes
e dos contrastes plásticos. Observamos o contraste ALTO vs BAIXO (espaços
intercalantes) que organiza os espaços figurativos do Céu e da Terra. Há ainda uma
outra parte na altura média do quadro (espaço intercalado) que configura um espaço de
transição entre o plano terreno e o celestial. Assim, no formante BAIXO temos a Terra,
no ALTO, o Céu, e na altura mediada pelos dois, a passagem de um plano a outro, o que
alude à importância do batismo como sacramento que primeiro estabelece a comunhão
do homem com o divino.
O contraste ESCURO vs CLARO, presente na dimensão foto-cromática, pode
ser depreendido sob dois aspectos: o formante ESCURO predomina na metade inferior;
o formante CLARO, na metade superior. Por outro lado, na metade inferior é que temos
o maior contraste desses formantes: os dois atores mas, sobretudo, o Cristo
destacam-se de um cenário sombreado graças à luz refletida em seus corpos. A luz é
mais contrastante no plano terreno e mais uniforme no plano celestial, de tal modo que a
exploração dos espaços do quadro também apóia o jogo de luz e sombra.
67
Nota-se que a luz incide de cima para baixo, desce do Espírito Santo, do céu
aberto entre nuvens, e banha diretamente o Cristo, realçando sua figura, como
observamos acima. Assim, o fundo claro sobre o qual se delineia a figura do batizado
e que é uma espécie de continuidade do plano celeste em termos de luminosidade
(chegando mesmo a “diluir” a cidade que se coloca num plano mais afastado, num
efeito de perspectiva) contrasta com a vegetação e o chão em tons escuros e com a
água, que se torna mais sombria à medida que desce da cascata.
No que concerne à dimensão eidética, não encontramos elementos com os quais
pudéssemos formar uma categoria relacionável às que levantamos nos níveis discursivo
e fundamental do plano de conteúdo do texto. Assim, no estabelecimento do semi-
simbolismo, homologamos, as categorias do plano do conteúdo /humanidade/ vs
/divindade/ (nível fundamental) e perdição vs salvação (nível discursivo) àquelas
levantadas na análise do plano de expressão. Articulando as relações semi-simbólicas no
quadrado semiótico, temos o seguinte arranjo:
/humanidade/ /divindade/
perdição salvação
BAIXO ALTO
ESCURO CLARO
/não-divindade/ /não-humanidade/
não-salvação não-perdição
NÃO-ALTO NÃO-BAIXO
NÃO-CLARO NÃO-ESCURO
A partir da homologação das categorias que formam as relações semi-
simbólicas, apresentamos o quadro a seguir:
68
Quadro 1: Relações semi-simbólicas
Plano de conteúdo Termos
Nível fundamental
/humanidade/ vs /divindade/
Nível discursivo (temas)
perdição vs salvação
Plano de expressão Formantes
Dimensão topológica
BAIXO vs ALTO
Dimensão foto-cromática
ESCURO vs CLARO
69
3.2. A Santa Ceia (de Ouro Preto):
Enquanto comiam, Jesus pegou um pão e,
abençoando-o, o partiu e lhes deu
dizendo: “Pegai, comei, isto é o meu corpo”.
Marcos 14.
22
70
3.2.1. Análise iconográfica:
No conjunto de cenas usadas para representar a Via Sacra, a Ceia é a primeira,
talvez por ser durante ela que foi anunciada aos discípulos a possibilidade de os homens
comungarem com o divino, alimentando-se do corpo de Cristo, que é simbolizado pelo
pão. É na Ceia que temos ainda os elementos que desencadeiam a seqüência de
episódios que culminam com a crucificação: a benção do pão e a comunhão dos
apóstolos com Jesus, o anúncio da traição de Judas e a saída para o Jardim das
Oliveiras.
Ataíde pintou três telas representando a Santa Ceia, duas das quais são
analisadas nesta dissertação. A que analisamos a seguir não possui datação e decora o
interior da Igreja de Bom Jesus de Matozinhos ou São Miguel e Almas, em Ouro Preto.
Essa tela retrata a exemplo daquela que se encontra no Caraça o momento da Ceia
em que Jesus abençoa o pão, oferecendo-o a seus discípulos como seu próprio corpo.
A composição simplificada da tela
14
colabora para que seja atribuída a algum
discípulo de Ataíde. É levantada ainda a possibilidade de que o trabalho tenha sido
retocado em data posterior à de sua execução, o que teria levado a uma alteração, por
exemplo, de seus elementos foto-cromáticos. Encontramos, porém, alguns dos traços
essenciais das pinturas do Mestre, como a fisionomia amestiçada das personagens, a
composição em linha curva e o cromatismo de azul e roxo que caracteriza as vestes do
Cristo.
A disposição das figuras é orientada por um alinhamento curvilíneo formado
pelos olhos dos personagens. No centro, Jesus, olhando para o alto, abençoa o pão e o
oferece aos seus próximos. Os apóstolos se aglomeram em torno do mestre (seus corpos
14
Essa simplicidade de composição fica evidente quando comparamos a tela em foco com a que se
encontra no Caraça, como veremos na próxima análise.
71
recobrindo-se parcialmente) que, mesmo assim, se mantém em posição de destaque
entre os demais graças à dilatação de suas vestes. Com esse efeito “eido-cromático”, o
protagonista se distingue tanto dos coadjuvantes quanto do plano de fundo.
Pendendo acima da cabeça de Jesus, temos um candelabro com velas,
justificando o centro como a área mais iluminada da cena. O cenáculo onde se reúnem é
preenchido por uma luminosidade difusa que contrasta com as áreas escuras formadas
pelo cortinado preto à direita e por uma porta à esquerda. Sobre a mesa, banhada pela
luz das velas, encontramos os alimentos de que nos fazem menção os evangelhos: o pão
e o vinho, este último servido em um pequeno cálice de aparência metálica. Esses
alimentos simbólicos fazem contraponto ao saco de dinheiro que Judas tem consigo.
João, o evangelista, considerado o apóstolo preferido de Cristo, se debruça sobre
a mesa com os olhos fechados. Sua fisionomia revela-o como um jovem imberbe.
Contrastando com essa imagem de inocência, temos a figura de Judas. Aparentemente
exaltado e distraído, ele ergue sua prenda com gesto exaltado e uma expressão bastante
vivaz no rosto enquanto participa da benção. Vejamos agora a relação desses elementos
com o plano de conteúdo do texto.
3.2.2. Análise do plano de conteúdo
Iniciando a análise do plano de conteúdo, temos, no subcomponente temático
(nível discursivo) novamente a oposição perdição vs salvação (a qual é, assim como na
tela anteriormente estudada – Batismo de Cristo –, ancorada numa debreagem enunciva:
ELE-LÁ-ENTÃO, o que cria um efeito de sentido de verdade).
A temática do quadro decorre do fato de o ator Cristo oferecer a comunhão com
o divino através do consumo do pão, o qual representa seu corpo. Assim, o pão além
72
do próprio Cristo e do cálice de vinho sobre a mesa figurativiza o tema da salvação.
o tema da perdição é figurativizada pelo ator Judas, à direita do quadro, que segura
um saco de moedas. Embora os evangelhos mencionem que Judas era o tesoureiro do
grupo, o guardador do dinheiro, o saco de moedas é geralmente associado ao pagamento
pela delação de Jesus, de modo a fazer dele uma figura negativa ligada à perdição.
Passando do nível discursivo para o narrativo, vemos que Jesus realiza a
performance de abençoar o pão, transformando-o em seu próprio corpo. Seus seguidores
são, pois, manipulados a consumir o “alimento” que lhes é oferecido para garantir a
salvação. O pão é, assim, um objeto-valor, no qual se inscreve o atributo oferecido pelo
Cristo. Judas aparenta aceitar enlevar-se com o episódio, mas, ao contrário dos demais,
se apega ao bem material, às moedas, que são um objeto-valor negativo (um anti-
objeto).
Através da oposição temática perdição vs salvação, reencontramos a categoria
semântica de base (nível fundamental) /humanidade/ vs /divindade/. O ator Cristo,
diferentemente do quadro anteriormente analisado (o do Batismo), remete, sobretudo ao
termo /divindade/. Embora sua feição divina seja pouco realçada, ela é notada, de
imediato, pelo gesto de abençoar o pão e pela luz do candelabro que incide sobre o
espaço central, onde ele se encontra. Judas, por sua vez, assume plenamente a condição
humana (pecadora, materialista), o que é denotado sobretudo pelo saco de moedas que
segura em uma das mãos. Já os apóstolos, que recebem a oportunidade de ascenderem
ao divino pelo alimento que lhes oferece o Cristo (percurso euforizante), são seres
neutros que reúnem /não-divindade/ e /não-humanidade/, que não são nem divinos
como o Cristo, nem “humanos”, na acepção que assume o ator Judas na tela em análise.
73
O quadrado semiótico, reunindo as relações subjacentes aos atores da cena, nos
rende o seguinte arranjo
15
:
/humanidade/ /divindade/
perdição salvação
/não-divindade/ /não-humanidade/
não-salvação não-perdição
Passemos agora à análise do plano de expressão, a qual nos permitirá localizar
esses elementos diretamente no texto/tela.
3.2.3. Análise do plano de expressão:
O fascínio dos pintores barrocos pela luz também pode ser exemplificado com
essa tela. A figura do candelabro com as velas reforça a impressão de uma luminosidade
difusa, mais fraca, translúcida, e enfocada na figura do Cristo. A toalha branca que
cobre o tampo reflete parte dessa luminosidade e ajuda a revelar áreas mais iluminadas
que outras, criando ainda um efeito de profundidade. Os efeitos de luz e profundidade,
combinados entre si, revelam-nos alguns dos postulados de Wölflin sobre a presença de
claros e escuros em uma obra barroca, assim como o efeito de profundidade decorrente
desse jogo de luzes e sombras.
15
Para a disposição dos termos no quadrado semiótico, levamos em conta o percurso ideal humanidade
não-humanidade divindade, sugerido nas telas do Batismo e da Santa Ceia, de acordo com os
74
O quadro apresenta um “amontoamento das figuras”, aspecto tipicamente
barroco. O contraste de luz é acentuado pela cor escura do traje de Judas, por uma porta
aberta do lado esquerdo e pelo cortinado preto do cenáculo (na parte direita da tela), o
que constrói o efeito mencionado de profundidade, sem constituir, no entanto, uma
categoria do plano de expressão homologável à(s) do plano de conteúdo.
No que se refere ao cromatismo, notamos as cores frias do traje do Cristo, roxo e
azul, que contrastam com o vermelho do manto de João e do apóstolo de costas para o
espectador. Esses matizes contrastam com a massa cromática das figuras dos apóstolos,
formadas pelo predomínio do tom ocre. Apontamos também o fato de que o cromatismo
do traje de João encontra correspondente no traje do apóstolo sentado à esquerda, o que
torna mais singular e destacada a figura do Cristo. Entretanto, não encontramos nesses
formantes cromáticos condições plausíveis para estabelecer o semi-simbolismo,
parecendo ficar a escolha das cores – assim como o jogo de luz e sombra – mais
subordinada às preferências do artista (ao seu “gosto estético”), sem maiores
implicações para a relação entre conteúdo e expressão.
Temos, enfim, a dimensão eidética. Nela, a dilatação da figura do Cristo
contrasta com a figura, poderíamos dizer, contraída de Judas, uma vez que este é, de
certa forma, destacado da “massa dos apóstolos”. Enquanto o Cristo, figura volumosa,
se destaca por si só, os discípulos eideticamente contraídos no plano individual (e,
nesse sentido, semelhantes ao apóstolo traidor) evidenciam-se, no entanto, no
conjunto homogêneo que formam, passando, portanto, a uma forma nem dilatada
(proporcionalmente à figura do Cristo), nem contraída (proporcionalmente à figura de
Judas), parecendo ocupar um nível intermediário entre uma forma e a outra. Desse
modo, o volume das formas contribui para “dar sentido” aos valores e temas
75
figurativizados pelos personagens. Trata-se, a nosso ver, da única relação semi-
simbólica instaurada na tela em análise.
O conjunto dessas relações apresentamos a seguir no quadrado semiótico:
/humanidade/ /divindade/
perdição salvação
CONTRAÍDO DILATADO
/não-divindade/ /não-humanidade/
não-salvação não-perdição
NÃO-DILATADO NÃO-CONTRAÍDO
Assim, a relação entre as categorias inscritas no plano de conteúdo e aquelas
presentes no plano de expressão resulta no seguinte semi-simbolismo:
Quadro 2: Relações semi-simbólicas
Plano de conteúdo Termos
Nível fundamental
/humanidade/ vs /divindade/
Nível discursivo (temático)
perdição vs salvação
Plano de expressão Formantes
Dimensão eidética
CONTRAÍDO vs DILATADO
76
3.3. A Ceia (do Caraça):
Tomando o pão, deu graças,
o partiu e lhes deu dizendo:
Isto é o meu corpo dado por vós.
Lucas, 22-
19
77
3.3.1. Análise iconográfica:
A tela da Santa Ceia, exposta no Santuário do Caraça é, possivelmente uma das
obras mais elaboradas de Mestre Ataíde. Executado dois anos antes de sua morte, o
trabalho foi encomendado por Irmão Lourenço, eremita fundador do Caraça e amigo de
Ataíde. O encomendante, porém, morreu antes mesmo que o quadro fosse iniciado. É
uma das poucas obras das quais temos confirmada a autoria e a única em que temos a
assinatura do artista, fato raro na época, em que não se usava tal prática, ou seja, assinar
os trabalhos de arte.
Destinada originalmente a compor uma Via Sacra, a Ceia atualmente está
exposta na nave do Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens, no Caraça. A tela
possui uma disposição horizontal, e as figuras são colocadas segundo uma linha curva
que pode ser depreendida pela posição dos apóstolos. Entretanto, quebrando essa
simetria, o artista acrescenta uma linha vertical em cada uma das extremidades. Essas
linhas verticais estão representadas pelos criados que entram no cenáculo (e que estão
ausentes da tela sobre o mesmo tema analisada anteriormente).
O episódio da Ceia é novamente representado, entretanto, numa concepção
bastante livre. Jesus abençoa o pão, anunciando esse alimento como sendo seu próprio
corpo e convidando os apóstolos a comerem dele. Embora o pão e o vinho sejam os
únicos alimentos mencionados na Ceia pelos evangelhos, temos um prato de carne sobre
a mesa, além de talheres: garfos e facas. Ao da mesa, temos uma bacia com uma
toalha branca, usada por Jesus para lavar os pés dos apóstolos, episódio conhecido como
“o Lava Pés”.
Casais de criados entram para servir aos comensais. O da esquerda traz um pão
numa forma, o da direita, uma garrafa. A representação de serviçais na Santa Ceia não é
78
inovadora, a não ser pela movimentação intensa desses personagens: as da esquerda
trocam gestos lascivos, enquanto as da direita entram entusiasticamente no cenáculo,
postura que contrasta com o espírito solene no qual transcorre o episódio da benção do
pão.
Alguns personagens parecem ter recebido destaque da parte do artista.
Primeiramente, podemos observar a figura de Jesus que, apesar de se encontrar ao
fundo, se destaca dos demais pela sua posição central e pela luz que o envolve. Os
apóstolos formam uma massa eido-cromática, de modo que são enfatizados enquanto
um grupo e não individualmente. Reconhecemos, porém, que não aparecem tão
“amontoados” como na “Ceia”, de Ouro Preto, distribuindo-se de forma mais ampla,
mais espaçada. Uma exceção é feita a Judas, que, com um saco de dinheiro na mão, é
situado em primeiro plano, olhando para o espectador.
Outro destaque, embora sutil, dado a alguns atores, é depreendido através do
olhar. Jesus olha para o alto, sem que, no entanto, pareça mirar um ponto fixo. Judas
olha para fora do quadro, prendendo a atenção do espectador. Os demais apóstolos,
enlevados, voltam seus olhares seja para o alto, seja para o Mestre. Um deles, no
entanto, que se encontra do lado direito, trajando vestes azul-claras, parece também
olhar para fora da tela. Esse homem sexagenário e de olhar manso seria possivelmente
um auto-retrato de Ataíde, que, na época, contava com idade semelhante à aparentada
pelo apóstolo.
A luz é outro elemento chamativo nessa composição. Ela está presente,
sobretudo, no centro do quadro, de modo a realçar o motivo principal da tela. Não fica
evidente a fonte dessa luz, pois o artista não colocou um castiçal em cena, como fez na
“Ceia” de Ouro Preto. Mas, por outro lado, fica ressaltada a importância da
79
luminosidade que irradia da figura do Cristo, também manifestada pela auréola ao redor
de sua cabeça (elemento ausente na outra Ceia, como observamos).
Vejamos a análise desses elementos no plano de conteúdo.
3.3.2. Análise do plano de conteúdo
No nível discursivo, a tela notabiliza-se por nela encontramos, no canto inferior
direito, a seguinte inscrição: Atahide fes no Anno de 1828”. Temos, nesse caso, um
efeito de subjetividade, no qual Ataíde se coloca como autor da concepção em que é
retratada a Ceia: como uma “partilha” entre o profano e o sagrado.
O profano e o sagrado, por sua vez, encontram-se articulados, no
subcomponente temático, à oposição perdição vs salvação. Esses termos
“materializam”, no vel discursivo, os esquemas abstratos do nível narrativo:
respectivamente, a disjunção e a conjunção com o divino. Na oposição temática
profanidade vs sacralidade, o termo profanidade, de valor negativo (disfórico), é
figurativizado pelos criados, pela carne alimento profano e também pelo saco de
dinheiro portado por Judas. Já o termo sacralidade, de valor positivo (eufórico), é
figurativizado pela presença do Cristo em seu gesto de abençoar o pão, alimento
sagrado. A partir dessa tematização, poderíamos ainda gerar uma outra, que é a
oposição pecado vs virtude
16
.
Como figuras neutras relacionadas às oposições temáticas mencionadas, temos
novamente os apóstolos, com exceção de Judas. Articulando esses termos a seus
correspondentes no vel fundamental (/humanidade/ vs /divindade/) e dispondo-os no
quadrado semiótico, temos o seguinte arranjo:
16
Essas oposições temáticas também ocorrem na tela anterior a “Ceia”, de Ouro Preto –, porém de
forma mais atenuada do que nesta, muito mais complexa em termos de composição, dada a presença dos
criados, além da de Judas. Por essa razão, optamos por explorá-las apenas aqui.
80
/humanidade/ /divindade/
perdição salvação
profanidade sacralidade
pecado virtude
/não-divindade/ /não-humanidade/
não-salvação não-perdição
não-sacralidade não-profanidade
não-virtude não-pecado
Assim, no nível fundamental do plano de conteúdo, reencontramos a oposição
/humanidade/ vs /divindade/, manifestada nos dois quadros anteriores. O ator Cristo, a
exemplo da tela “Ceia” de Ouro Preto remete, sobretudo, ao termo /divindade/, o que é
indicado pelo halo luminoso ao redor da sua cabeça e, ao mesmo tempo, pelo ato
divino – de abençoar o pão, transformando-o em seu próprio corpo.
Quanto aos criados, em primeiro lugar, cabe notar que eles “quebram” a
solenidade da ceia com sua agitação e seus gestos maliciosos, remetendo, dessa forma,
aos termos /humanidade/ (e a seus correlatos nas oposições temáticas do nível
discursivo). Por sua vez, os apóstolos representam, mais uma vez, o termo neutro (/não-
divindade/ + /não-humanidade/), uma vez que nem chegam a ser divinos como o Cristo,
nem completamente “humanos”, diferentemente dos criados nas suas atitudes lascivas
diríamos mesmo, desrespeitosas – diante da cena que se desenrola.
O apóstolo Judas, embora discípulo do Cristo, aproxima-se dos criados na sua
atitude materialista portanto, plenamente “humana” –: segura o saco de moedas, que
prenuncia a traição, e olha, não para o Cristo, que realiza a performance de abençoar o
pão a partir de um poder e de um saber-fazer que lhe são previamente atribuídos
81
(competência) –, mas para fora do quadro, como para lembrar o espectador da sua
condição de pecador. Por outro lado, é interessante observar que, embora situados no
mesmo plano a “humanidade” de Judas, os criados parecem ser retratados pelo
artista com alguma simpatia, de modo a integrar o profano na tematização do sagrado.
3.3.3. Análise do plano de expressão:
O efeito de forma aberta foi uma das inovações da arte barroca e uma das
características com a qual Wölflin opôs o barroco ao neoclássico. A obra aberta
pressupõe o espectador como um partícipe e não como mero contemplador. Na tela com
que trabalhamos nesta análise, tal característica é notável. Judas, ao olhar para fora,
acompanha o espectador qualquer que seja a posição em que este se encontre em relação
à tela
17
. Mais do que criar um efeito ilusório, uma obra aberta como essa leva o
espectador a se tornar um interlocutor ativo do tema abordado na tela.
O cromatismo é outro elemento bastante trabalhado, o que, além de enriquecer
sensorialmente a obra, estabelece a distinção dos desenhos das personagens. Se a
pintura barroca define o desenho das figuras pelas formas, nessa obra, as formas e a
figura das personagens se destacam graças à utilização profusa das cores. É também
pelo cromatismo que percebemos com nitidez como a tela é afetada pela luz: as
tonalidades de cor tornam-se mais claras ou escuras, conforme a incidência da
luminosidade.
Mas iniciando efetivamente o exame do plano de expressão, a dimensão
topológica é notavelmente trabalhada nessa tela, onde temos o Cristo, que realiza os
17
Trata-se de uma ilusão que consiste em fazer com que a personagem “vigie” e acompanhe o espectador
com os olhos. Esse efeito, entretanto, não pode ser reproduzido através de uma fotografia, a menos que se
tratasse de uma reprodução cujas dimensões fossem semelhantes à do original. Perceber o olhar de Judas,
nesse caso, requer a presença do espectador frente ao quadro.
82
termos /divindade/ e /comunhão/, ocupando a posição central. Nas extremidades, temos
os criados e, bastante próximo deles, Judas. Esses atores, como já observamos em
relação ao plano de conteúdo, realizam os termos /humanidade/ e /dispersão/. Em um
espaço intermediário entre o centro e a extremidade, temos os apóstolos, em seu
conjunto, que articulam /não-divindade/ + /não-humanidade/ e /não-comunhão/ + /não-
dispersão/, implicando o termo neutro. De acordo com essa disposição, temos a
oposição topológica PERIFÉRICO vs CENTRAL que, na distribuição espacial,
evidencia os diferentes “papéis” dos atores – os criados/Judas e o Cristo – na cena.
Na dimensão foto-cromática, temos uma das razões para enfatizar a
complexidade na elaboração do quadro. O principal foco de luz, como afirmamos na
análise iconográfica, está sobre a figura do Cristo e tem o objetivo de destacar sua
/divindade/ e /comunhão/, associada, num nível mais superficial, aos temas da salvação,
da sacralidade e da virtude. De acordo com a reprodução que apresentamos, Judas se
encontra numa zona de sombra, semelhante à dos criados cujas figuras se delineiam
sobre um fundo escuro, representando portas que dão acesso ao recinto. Porém,
diferentemente de Judas, os criados recebem um tangenciamento de luz (evidenciado,
sobretudo, pela cor branca de parte das vestimentas), o que parece apontar para o
“tratamento simpático” ou mesmo benevolente que o artista lhes confere, como já
comentamos na análise do plano de conteúdo. Temos, assim, a categoria fotológica
ESCURO vs CLARO associada, semi-simbolicamente, à categoria do nível fundamental
/humanidade/ vs /divindade/ e aos temas que lhe são correlatos no nível discursivo. O
cromatismo, por sua vez, embora seja bastante realçado, não nos fornece na tela em
questão, uma categoria com a qual pudéssemos compor oposições cromáticas,
semelhantes àquelas que observamos em relação a luz e sombra.
83
Na dimensão eidética, tanto o Cristo quanto Judas e um dos criados (uma mulher
do lado esquerdo da tela) têm suas vestes dilatadas, em contraposição aos apóstolos,
cujas figuras se confundem na aglomeração em que se encontram (embora essa
aglomeração seja menor do que a do quadro anteriormente analisado: a “Ceia”, de Outro
Preto). Ao conceber Cristo, de um lado, e Judas e a serviçal, do outro, como figuras
dilatadas, o artista enfatiza tanto o termo /divindade/ presente no primeiro, quanto
/humanidade/, relacionado aos dois últimos. Desse modo, não temos um contraste com
o qual possamos compor a dimensão eidética nesse quadro.
Assim as relações encontradas nos dois planos (conteúdo e expressão) da tela
podem ser representadas, a seguir, no quadrado semiótico:
/humanidade/ /divindade/
perdição salvação
profanidade sacralidade
pecado virtude
PERIFÉRICO CENTRAL
ESCURO CLARO
/não-divindade/ /não-humanidade/
não-salvação não-perdição
não-sacralidade não-profanidade
não-virtude não-pecado
NÃO-CENTRAL NÃO-PERIFÉRICO
NÃO-CLARO NÃO-ESCURO
A homologação dessas categorias resulta, portanto, nas seguintes relações semi-
simbólicas:
84
Quadro 3: Relações semi-simbólicas
Plano de conteúdo Categorias
Nível fundamental
/humanidade/ vs /divindade/
Nível discursivo (temas)
perdição vs salvação
profanidade vs sacralidade
pecado vs virtude
Plano de expressão Formantes
Dimensão topológica
PERIFÉRICO vs CENTRAL
Dimensão foto-cromática
ESCURO vs CLARO
85
3.4. O Passo da Paixão
Eles tomaram a Jesus, e ele mesmo
carregando a sua cruz, saiu para o lugar
chamado Calvário.
João, 19-
17
86
3.4.1. Análise iconográfica:
A representação do sofrimento e da morte do Cristo não tinha um fim em si
mesma, mas atendia a uma das estratégias da Contra-Reforma de enaltecer o martírio
como forma de salvação da alma e fortalecimento da fé. Por outro lado, o martírio fazia
com que o homem encontrasse um traço comum com a divindade, pois, se o Cristo
sofrera como um mortal e se o homem podia ascender ao divino com o cumprimento
dos sacramentos, isso significava que ambos, Cristo e os homens, tinham uma mesma
origem, já que ambos foram concebidos por Deus.
As cenas de martírio colaboravam para humanizar o Cristo de modo a fortalecer
a crença na possibilidade de ascensão ao reino dos Céus após a morte. Cenas da Via
Sacra, como a que vemos na tela do Passo da Paixão, foram bastante exploradas pela
arte barroca, e parte dessa produção ainda decora os interiores das igrejas históricas de
Minas. O episódio representado na tela que analisamos agora mostra a queda de Cristo
enquanto, na subida para o Calvário, era açoitado pelos soldados que guarneciam sua
execução. O quadro está hoje exposto no Museu da Inconfidência em Ouro Preto, mas,
nos séculos anteriores, provavelmente decorou o interior de um templo religioso.
É chamativa a concentração das personagens e o dinamismo intenso presente na
tela, dinamismo esse que resulta da “movimentação” das personagens em cena, de sua
expressão fisionômica, de sua postura física, de sua musculatura saliente. Por meio
desse recurso, o artista cria, sensorialmente, a impressão de uma agitação, através da
qual poderíamos imaginar até mesmo os gritos de zombaria dos participantes da cena ou
os suspiros de agonia do Cristo.
Jesus, portando a cruz, de cor acentuadamente escura, ocupa a posição central. A
cruz, nesse caso, vai emoldurar sua figura, que é o motivo principal do quadro. O
87
protagonista, ajoelhado, colabora para ressaltar seu estado de submissão ao sofrimento.
Sua boca, os olhos semi-cerrados, o ombro esfolado, o pescoço envolvido por um
corrediço, a cabeça coroada com espinhos realçam-lhe o sofrimento que o artista buscou
representar. Os traços de divindade praticamente desapareceram
18
, o que resulta na
representação de um Cristo bastante humanizado, entregue ao castigo de carregar a cruz
na subida do Calvário, sob as ordens de um pequeno grupo de homens subservientes ao
Estado Romano. O lugar onde de culminar o suplício é mostrado em segundo plano,
como um monte de coloração ocre e vegetação rala.
O espaço central do quadro é aquele em que o artista parece ter enfatizado a
representação do suplício: é onde temos o rosto com feições martirizadas do Cristo e os
objetos com os quais ele é castigado. Nas adjacências desse espaço é que se encontram
seus flageladores, sendo dois militares e dois civis. Um soldado negro olha para o
condenado com certa mansidão, ao mesmo tempo em que parece tentar levantá-lo de
uma possível queda, puxando-o pelas vestes. Um outro soldado, segurando o braço da
cruz, aponta o dedo para o Cristo num gesto acusador.
No extremo direito da tela, um carrasco anônimo (um dos civis) chama a atenção
pelo seu porte rude. De costas para o espectador e com o rosto ligeiramente de perfil, é
ele quem puxa o supliciado pelo pescoço. Os pés descalços, o braço com parte do tronco
nu e sua “movimentação” pesada sugere-nos uma personificação do castigo. De um
outro personagem (também civil), quase cortado da cena, à esquerda, só se pode ver que
usa uma espécie de turbante ou barrete vermelho e que também ajuda a manter ou a
recolocar a cruz nos ombros do Cristo caído. Ao que tudo indica, tanto ele quanto o
outro seriam auxiliares da crucificação.
18
Do lado direito da cabeça do Cristo parece haver um estreito halo luminoso que se confunde com parte
da corda que ele traz ao redor do pescoço. Esse seria um possível traço de divindade na tela em foco,
além da incidência maior da luz sobre sua figura.
88
Vejamos, no plano de conteúdo, como esses elementos nos levam a entender a
geração do sentido do texto/tela.
3.4.2. Análise do plano de conteúdo:
Uma quantidade considerável de figuras presente nessa tela nos leva a encontrar,
no nível discursivo, o tema do martírio, o que é observado pela aparência supliciada do
Cristo e pelos objetos usados para esse fim: seu ombro esfolado, sua queda sob o peso
da cruz, a coroa de espinhos, a corda atada ao pescoço. De acordo com a concepção
contra-reformista, o sofrimento e o martírio são fatores que levam à salvação da alma
devido à imitação do exemplo de vida e morte fornecido pela trajetória de Jesus. Em tal
contexto, essa graça (entendendo-se graça” no sentido cristão) poderia depender de
uma aceitação tácita do sofrimento terreno, o qual poderia oferecer a oportunidade de
enobrecimento da alma do cristão perante Deus.
Nessa perspectiva, poderíamos reconvocar a oposição temática perdição vs
salvação sob a qual subjaz a categoria semântica de base /humanidade/ vs /divindade/,
como nas telas anteriormente analisadas. Aliás, pode-se considerar que essas duas
oposições dos níveis fundamental e discursivo funcionam como “macro-categorias” não
apenas no conjunto de telas de Ataíde, mas também no próprio universo religioso
(cristão), tão bem explorado pela Contra-Reforma e pelo Barroco, sendo que cada
discurso, cada tela enfatiza mais um termo do que o outro
19
.
No entanto, o que fica mais “marcado” na tela em foco, a partir do tema do
martírio, é a categoria semântica de base /opressão/ vs /libertação/. Essa categoria,
ausente das telas anteriormente analisadas, mostra-se, especialmente, no Passo do
19
Isso pode ser visto quando consideramos que Cristo é um termo complexo (/humanidade/ +
/divindade/), mas percebemos que cada tela de Ataíde explora mais uma dessas vertentes, tanto no plano
de conteúdo quanto no plano de expressão.
89
Calvário e poderia ser associada a uma outra, uma vez que a prenuncia: /morte/ vs
/vida/, pressuposta pelo castigo da crucificação. De acordo com a concepção religiosa
explorada nessa tela, a /libertação/ e a /vida/, termos eufóricos nas categorias em que
aparecem, não são elementos terrenos: não se trata de libertação ou de vida do corpo,
mas da alma, o que remete ao tema da ressurreição: “o surgir para uma nova e
definitiva vida, distinta e, em certa medida, oposta à existência terrestre” (FERREIRA,
1986, p. 1497).
Nesse sentido, os termos /opressão/ e /morte/, “concretizados”, no nível
discursivo, pelo tema do martírio, remetem às figuras dos algozes de Cristo (os
soldados e seus auxiliares) e aos instrumentos do suplício (a cruz, a corda, a coroa de
espinhos, etc). Já os termos /libertação/ e /vida/ encontram-se pressupostos no
supliciado e no seu olhar, que se volta para o céu como que “rompendo” com a situação
terrena em que se encontra
20
. Tal representação ilustra um pressuposto muito explorado
pelo barroco, segundo o qual a alma se liberta de maneira gloriosa do mundo terreno,
através do martírio.
As categorias discutidas acima ganhariam a seguinte representação no quadrado
semiótico:
/opressão/............................/libertação/
/morte/ /vida/
martírio ressurreição
/não-libertação/ /não-opressão/
/não-vida/.........................................../não-morte/
não-ressurreição não-martírio
20
De acordo com Fiorin (2003, p.83), uma relação semi-simbólica pode abrigar uma categoria na qual um
dos termos não se manifesta explicitamente no texto, sendo, entretanto, recuperado através de
pressuposição, já que “a manifestação de um termo pressupõe a presença do outro”.
90
Embora a representação de um tema como o sofrimento possa favorecer uma
expressão de maior subjetividade por parte do artista, Ataíde ancora sua enunciação nas
categorias ELE-LÁ-ENTÃO. Desse modo, fica mantida, com a debreagem enunciva, o
efeito de objetividade, de verdade do discurso da Contra-Reforma católica.
Passando ao nível narrativo, temos a sanção como o programa narrativo mais
enfocado no Passo da Paixão. A partir de uma performance (pressuposta na tela) que se
mostrou em desacordo com o sistema de valores do destinador-manipulador (o Império
Romano), o sujeito do fazer – Cristo – é reconhecido como culpado (sanção cognitiva) e
conduzido pelos soldados (destinadores-julgadores delegados) até o Calvário para ser
crucificado (sanção pragmática).
Nessa narrativa, o ator Cristo age de modo semelhante ao episódio do Batismo.
Assim, devido à sua porção humana, procura o batismo como forma de salvação. Do
mesmo modo, aceita o martírio, embora hesitante, conforme nos informa a descrição do
episódio do Horto das Oliveiras no qual, Jesus teria pronunciado a súplica: “Pai, tudo te
é possível; passa de mim esse cálice; contudo não seja o que eu quero, mas o que tu
queres” (Marcos, 14,
36
).
Assim, as figuras que aludem ao castigo (cruz, coroa de espinhos, chagas, corda)
notabilizam-se por apresentar uma bi-polaridade, que elas representam um objeto-
valor positivo e, simultaneamente, negativo. Uma concepção antitética, bastante cara ao
discurso barroco. Não nos referimos apenas à exaltação contra-reformista do suplício,
mas aos textos evangélicos, segundo os quais Jesus aceita o sofrimento por ser esta a via
pela qual ele poderá ressuscitar e, assim, reafirmar sua divindade. Em outras palavras:
Jesus aceita o martírio que este lhe foi imposto como condição para reafirmar sua
divindade.
91
3.4.3. Análise do plano de expressão:
Um dos aspectos mais expressivos dessa obra é a iluminação. Segundo a teoria
wölfliniana, o contraste entre luz e sombra é um traço marcante do barroco. Embora a
tela represente uma cena ocorrida ao ar livre, é chamativa a atmosfera obscura, talvez
numa tentativa empreendida pelo artista de expressar mais lugubremente o episódio. Se
Wölflin nos diz que o barroco trabalha com “massas arrancadas à obscuridade”, temos,
no Passo da Paixão uma cena quase que totalmente arrancada da obscuridade, e
arrancada com uma gradação, o que gera um efeito de profundidade.
uma zona de maior obscuridade ao fundo, onde temos o monte Calvário.
Sobre esse fundo, uma zona um pouco menos escura, onde se encontram os soldados e
seus auxiliares, bem como os instrumentos usados no martírio, com destaque para a
cruz, o elemento mais escuro presente em cena, funcionando como uma espécie de
divisor entre esse plano mais escuro e uma outra zona, mais superficial e mais clareada,
que é o centro onde se encontra a figura do Cristo. Esse jogo de luz faz mais do que
criar um contraste com a sombra; ele também nos ajuda a apreender a disposição
espacial das figuras e a estabelecer a relação que elas travam no texto/tela, obtendo-se,
assim, uma significação coerente para o conjunto de elementos figurativos. Assim,
dentre as categorias wölflinianas, apontamos aquelas que tratam das “massas arrancadas
à obscuridade” e da “unidade indivizível das partes” como aspectos privilegiados na tela
em foco.
Marcando a dimensão topológica, temos um espaço englobado (central),
ocupado pela figura do Cristo, e um espaço englobante, nas laterais, preenchido pelos
demais atores. Também aqui a delimitação dos espaços é dada pela cruz, que cria uma
espécie de intermediação entre um espaço e outro. É também junto da cruz que temos as
92
93
oposição eidética PARCIAL vs INTEIRO, que se articula à anterior, ressaltando a
complexidade do Cristo.
Como não há, na tela em foco, diferentemente das que foram analisadas
anteriormente, termos neutros (que implicariam a conjunção dos subcontrários, não a e
não b), prescindiremos da apresentação do quadrado semiótico, passando diretamente
ao quadro de homologações das categorias do plano de conteúdo e de expressão, de
modo a apreender o semi-simbolismo presente no Passo da Paixão.
Quadro 4: Relações semi-simbólicas
Plano de conteúdo Termos
Nível fundamental
/opressão/ vs /libertação/
/morte/ vs /vida/
Nível discursivo (temas)
martírio vs ressurreição
Plano de expressão Formantes
Dimensão topológica
LATERAL vs CENTRAL
ENGLOBANTE vs ENGLOBADO
Dimensão foto-cromática
ESCURO vs CLARO
CORES QUENTES vs CORES FRIAS
Dimensão eidética
DILATADO vs CONTRAÍDO
PARCIAL vs INTEIRO
94
3.5. A Crucificação
Quando chegaram ao lugar chamado
Calvário, o crucificaram.
João, 23
-33
95
3.5.1. Análise iconográfica
A tela da Crucificação encontra-se, junto com a da primeira Ceia analisada, na
igreja de Bom Jesus de Matozinhos ou São Miguel e Almas, em Ouro Preto. Sua
temática também remete à paixão de Cristo. Essa tela compunha, originalmente, uma
Via Sacra enriquecida com outras obras, em madeira, dispostas na devida ordem dentro
do templo. Esse conjunto de imagens começava pela tela da Ceia e culminava com a
imagem esculpida do Cristo morto, que ainda hoje se encontra sob a mesa do altar.
O episódio da Crucificação é um dos pontos altos da Via Sacra. Representando o
auge do suplício de Cristo, artistas barrocos como Mestre Ataíde, desdobravam-se para
realçar a dramaticidade da cena, visando a despertar a comoção dos fiéis. Era também
por meio da Crucificação que a Igreja enaltecia ainda mais, por um lado, o valor do
martírio e, por outro, a falta de misericórdia humana que crucificara o Messias. Era
explorado, assim, tanto o exemplo do Cristo, para se alcançarem as glórias do paraíso
celestial (a vida eterna) quanto o pecado humano da indiferença pelo divino.
Destinada a explorar o sentimento de piedade do espectador, o quadro nos
mostra, ao contrário de outras telas, um Cristo macilento e de corpo excessivamente
alongado, despido e sendo encravado no madeiro. A compleição física do supliciado, tal
como representado pelo artista, colabora para realçar o tema do martírio. A boca aberta
num estertor, a barba agora rala, talvez arrancada no cárcere, as chagas espalhadas no
corpo e os olhos que se voltam para o alto buscando o céu, reforçam a impressão de
sofrimento transmitido pela figura.
Outro diferencial contido na figura do Cristo é a ausência quase completa de
sinais capazes de denotar sua divindade (a não ser por uma tênue incidência de luz,
assim como ocorreu na tela do Passo da Paixão). Logo, é principalmente nosso
96
conhecimento do contexto histórico e religioso da obra que nos permite, num primeiro
momento, dizer que se trata de uma divindade. Temos, na tela da Crucificação, o
protagonista sendo tratado como um criminoso comum e, por essa via, igualado a
qualquer homem.
Embora seja outra cena ao ar livre, a atmosfera também é obscura, e o céu é
apenas translúcido. Quatro algozes estão presentes, sendo que dois deles são soldados
romanos, os quais descansam suas lanças e um estandarte enquanto trabalham. O
soldado acima, à esquerda, martela um dos cravos e é ajudado por um homem de meia
idade que executa gesto semelhante. Enquanto um outro homem, com turbante
vermelho (seria a mesma personagem da tela anterior?), agachado à direita, segura o
braço do Cristo para também encravá-lo. Mais um soldado abaixo, à esquerda, se
encarrega de fixar os pés do crucificado no madeiro.
Depositado no chão, temos um cesto com ferramentas de carpintaria. Outros
artefatos do mesmo ofício, como um martelo e o que parece uma furadeira manual se
encontram esparramados, demonstrando seu uso na preparação da cruz. Sobre uma
pedra, à esquerda, temos as vestes retiradas do Cristo. Tocada por um foco de luz,
encontramos, junto das vestes, a inscrição que será afixada no lenho: I N R I, letras que
são as iniciais de Iesus Nazarenus Rex Iudeorum (em latim, Jesus Nazareno, Rei dos
Judeus).
Uma outra inscrição aparece no canto superior direito. São as letras S e Q
estampadas sobre um pano vermelho. Essas letras são parte das iniciais S P Q R de
Senatus et Populum Quae Romanum (O Senado e o Povo Romano), uma mensagem
emblemática que protagonizava a execução das ações diretas ou indiretas do Estado
romano e denota o poder político, a dominação. Ao lado da letra S aparece parte da letra
97
P, sugerindo que, originalmente, essa tela possuía dimensões maiores, suprimidas num
posterior reemolduramento.
Passemos agora a análise dos elementos do plano de conteúdo.
3.5.1. Análise do plano de conteúdo
Por se tratar, novamente, de uma narrativa cristológica, reencontramos o tema do
martírio, do sacrifício e também do poder, figurativizado pelos algozes de Cristo, pela
cruz, pela coroa de espinhos (elementos presentes no Passo da Paixão), por novos
elementos, como os cravos e os martelos que os fixam, transpassando o corpo do
condenado, e mesmo por seu rosto, que denota com feições dramáticas (conforme o
gosto barroco) o sofrimento com a crucificação
21
.
Sob esse conjunto de figuras, reencontramos as oposições temáticas perdição vs
salvação e poder humano vs poder divino, ligadas à categoria semântica de base
/humanidade/ vs /divindade/, que, como dissemos, constituem uma macro-categoria no
conjunto de telas de Ataíde e no próprio universo cristão.
Observando, pois, as relações intertextuais/contextuais que formam um diálogo
entre obras capaz de esclarecer o sentido de cada uma delas, vemos que, na tela do
Batismo, a inscrição “Ecce Agnus Dei”, que João Batista trazia no cajado, funciona
como uma “chave” para acionarmos a rede dialógica entre as telas.
O “cordeiro de Deus” a que se refere o pequeno texto, no discurso cristão é o
próprio Jesus. Na figura do cordeiro, a propósito, temos uma relação simbólica, em
termos semióticos, na qual o cordeiro é símbolo da mansidão, da resignação perante o
sofrimento, razão pela qual ela é freqüentemente evocada na iconografia religiosa
21
Por sua vez, o tema do poder político, de que não trataremos aqui, é figurativizado pelos soldados
romanos, por suas lanças em posição de descanso, e, em especial, pelo estandarte, embora não
completamente visível, com a inscrição SPQR.
98
barroca. Esse simbolismo remete aos rituais judaicos, anteriores ao cristianismo, de se
oferecer um animal em sacrifício (geralmente um carneiro ou bode) como forma de,
com essa imolação, redimir as faltas dos homens para com Deus. Desse rito nasceu a
expressão “bode expiatório”.
De acordo com a versão dada pelos evangelhos, o martírio do Messias era um
fato pré-determinado pelas Sagradas Escrituras contidas no Velho Testamento. Durante
a Ceia, Jesus teria oferecido o pão e o vinho como sendo seu próprio corpo e sangue,
dados, num sacrifício simbólico, aos apóstolos, enquanto proferia palavras como:
“Porque isto é o meu sangue (...) que é derramado por muitos para remissão de pecados”
(Marcos: 26,
28
). Podemos retomar a descrição do episódio do Horto para enfatizar que,
pressentindo sua paixão, Jesus reza e suplica a Deus: “Passa de mim esse cálice;
contudo não seja o que eu quero, mas o que tu queres” (Marcos, 14,
36
).
Dessa maneira, a tradição católica nos lega o pressuposto de que o sacrifício de
Jesus é um fato permitido por Deus e aceito por seu próprio filho como uma forma de
expiar o pecado da humanidade, tal como se procedia com o sacrifício do cordeiro. A
oposição temática perdição vs salvação, nesse contexto, está relacionada à remissão dos
pecados pelo martírio e a perdição pela indiferença em relação aos dogmas de
penitência, amplamente valorizados pela Contra-Reforma. A exploração do temário
sobre o martírio de Cristo tinha, assim, uma finalidade edificante, voltada para o
estímulo da salvação das almas. O tratamento dessa temática se torna ainda mais
convincente com a ancoragem da enunciação nas categorias ELE-LÁ-ENTÃO, através
da debreagem enunciva, comum ao discurso religioso barroco para criar um efeito de
sentido de verdade.
99
Ainda no nível discursivo, a oposição temática poder humano vs poder divino
22
,
figurativizada pelos militares romanos, bem como pelo estandarte com as letras SPQR
trata do poderio político e militar de Roma que leva ao sentenciamento do Cristo como
um criminoso comum. O termo poder divino, por sua vez, se encontra pressuposto na
própria figura do Cristo agonizante, que volta o olhar para o céu como que antevendo
sua libertação através da submissão ao martírio imposto pelo poder humano.
No entanto, para além das tensões entre o /humano/ e o /divino/ e entre a
perdição e a salvação, tensões essas tão caras ao discurso religioso barroco, também na
tela da Crucificação reencontramos, de forma mais acentuada, as categorias semânticas
de base /opressão/ vs /libertação/ e /morte/ vs /vida/, presentes na tela anteriormente
analisada: a do Passo da Paixão. Lembramos que /libertação/ e /vida/ estão aqui
relacionados ao plano espiritual e não ao plano terreno.
Podemos registrar esse arranjo das oposições fundamentais e temáticas no
quadrado semiótico da seguinte maneira:
/opressão/ /libertação/
/morte/ /vida/
martírio ressurreição
poder humano poder divino
/não-libertação/ /não-opressão/
/não-vida/ /não-morte/
não-ressurreição não-martírio
não-poder divino não-poder humano
22
Na realidade, a oposição temática poder humano vs poder divino já aparece na tela anterior (“Passo da
Paixão”), porém de forma mais atenuada do que na tela ora em análise (“Crucificação”). Por essa razão,
optamos por abordá-la apenas aqui.
100
No quadrado semiótico, o ator Cristo remete aos termos /libertação/, /vida/ e
ressurreição e poder divino, temas que os materializa. Essa constatação é embasada no
contexto dessa narrativa, segundo a qual o Cristo, oprimido fisicamente, inicia, no
entanto, sua libertação espiritual e, conseqüentemente, o caminho para a vida eterna e
para a plena assunção de sua condição divina , ainda que essa liberdade seja apenas
pressuposta: observemos que, embora preso, ele olha para o céu como que
transcendendo o seu estado de opressão. Já seus algozes remetem aos termos contrários
/opressão/ e /morte/, bem como aos temas do martírio e do poder humano, infligido ao
Cristo pelas leis romanas, como sanção por uma performance inadequada ou proibida.
Assim, no nível narrativo, temos, no episódio da crucificação, o sancionamento do
Cristo, enquanto um sujeito do fazer, por sua performance messiânica.
Para compreender devidamente a montagem do quadrado semiótico, devemos
retomar o contexto da narrativa bíblica, começando por enfatizar que estamos
analisando justamente a trajetória do ator Cristo. Segundo a concepção cristã, a morte
seria uma ante-sala para uma vida no Além, um momento de passagem pelo qual a alma
deixa o corpo rumo a uma outra existência. Também essa concepção poderia encontrar
justificativa nos evangelhos, como no trecho a seguir, no qual Jesus teria dito aos seus
apóstolos: “Pois quem quiser salvar sua vida, a perderá, e quem perder a vida por mim e
pelo evangelho, esse a salvará” (Marcos, 8,
35
).
Trabalhamos com a categoria /morte/ vs /vida/ nessa tela e na anterior, mas, na
verdade, ela fica pressuposta também nas demais telas analisadas, parecendo constituir-
se também como uma macro-categoria. Senão, vejamos. No Batismo, Jesus é anunciado
por João Batista como o Cordeiro de Deus, o cordeiro que destinado à imolação para
redimir os pecados dos homens. Na Ceia, Jesus oferece seu corpo e seu sangue na forma
do pão e do vinho, representando, assim, seu sacrifício, que deve ser partilhado com os
101
demais. No caso do discurso cristológico presente nas telas do Passo da Paixão e da
Crucificação, a morte do Cristo, no plano terreno, é sucedida pela vida, obtida pela
ressurreição no plano celestial. nesse caso, uma continuidade, um processo cíclico,
no qual o Cristo morre para (re)viver, condição estendida a todos os fiéis cristãos.
Vejamos como esses elementos se mostram no plano de expressão.
3.5.3. Análise do plano de expressão:
Retomando alguns dos postulados de Wölflin, a divisão dessa tela em duas
partes, inferior e superior, nos mostra como os elementos figurativos mantêm entre si
um diálogo que consolida a significação. Nesse caso, o cenário faz mais que situar a
crucificação em um plano de fundo, ele mostra, através de um contraponto, dois pólos,
dois planos de existência mencionados no discurso no barroco: o Céu, na parte de cima,
e a Terra, na parte de baixo. Assim, o cenário colabora para marcar a significação que
corresponde aos espaços celestial e terreno, ressaltados na análise do plano de
conteúdo. Com isso, realiza-se o postulado da unidade de significação entre as partes.
Quanto ao jogo luz/sombra, embora ele não seja tão nítido como nas demais
telas analisadas, podemos observar, na metade inferior do quadro, como o Cristo se
destaca do fundo escuro, dado pela cor da terra, através da luz que sobre ele incide (um
dos elementos que lembrariam sua condição divina, pouco explorada na tela em
questão). Esse efeito torna-se notável se o compararmos com o que ocorre com a figura
do soldado agachado no canto inferior esquerdo: ela quase se dissolve na obscuridade,
ao contrário do Cristo, cuja claridade encontra equivalência com o Céu, na metade
superior.
102
A luz incide tanto sobre o Cristo quanto sobre o espaço celeste, funcionando,
assim, como uma espécie de elo entre ambos. A cruz, nesse contexto, faz mais que
ajudar a compor o cenário: ela cria uma espécie de moldura que delineia a figura
estendida do crucificado e o destaca, cromatica e espacialmente, do chão. É, assim, mais
um exemplo de como as massas cromáticas, contrastantes, formam o desenho,
remetendo, ao mesmo tempo, à categoria foto-cromática: CLARO, que incide sobre o
Cristo e sobre o espaço celeste (libertação/vida/ressurreição/poder divino) vs ESCURO,
que se aplica sobre os soldados, a cruz e o espaço terreno
(opressão/morte/martírio/poder humano). Nesse caso, os espaços claros e escuros não
se restringem a áreas específicas e bem delimitadas, mas se intercalam na composição
da tela, reforçando a ilusão referencial.
Temos também uma ampla exploração da dimensão topológica, havendo uma
significativa divisão entre uma parte englobante e uma parte englobada. Podemos
observar que, na parte englobada, situa-se o Cristo, remetendo aos termos /libertação/,
/vida/ e ressurreição, representados, sobretudo pelo seu olhar, que se dirige ao espaço
celeste. No entorno, temos os homens em plena ação, que associamos aos termos
contrários /opressão/ e /morte/, que eles estão empenhados na performance de
crucificação (parte do martírio terreno do Cristo). Os soldados, ao contrário do Cristo,
embora se encontrem no espaço englobante, mantêm o olhar na direção descendente.
Reencontramos aqui a oposição topológica ENGLOBANTE vs ENGLOBADO, também
presente na tela do Passo da Paixão.
Quanto à dimensão eidética, chamamos a atenção para uma ocorrência, já
comentada no Passo da Paixão, que reaparece aqui. Observamos que a figura do Cristo é
a única que aparece inteira; as dos demais atores são vistas apenas parcialmente. No
caso da tela em foco, o artista parece querer deixar mais evidente a figura daquele que
103
remete aos valores eufóricos da /libertação/ e da /vida/, deixando menos visível a figura
dos homens que martirizam o Cristo e que estão relacionados aos valores disfóricos
/opressão/ e /morte/. Desse modo, reencontramos a categoria eidética INTEIRO vs
PARCIAL, a qual também se correlaciona, semi-simbolicamente, com as categorias
fundamentais e com as oposições temáticas martírio vs ressurreição e poder humano vs
poder divino.
No arranjo esquemático das relações semi-simbólicas, temos a seguinte
apresentação
23
:
Quadro 5: Relações semi-simbólicas
Plano de conteúdo Termos
Nível fundamental
/opressão/ vs /libertação/
/morte/ vs /vida/
Nível discursivo (temas)
martírio vs ressurreição
poder humano vs poder divino
Plano de expressão Formantes
Dimensão topológica
ENGLOBANTE vs ENGLOBADO
Dimensão eidética
PARCIAL vs INTEIRO
Dimensão foto-cromática
ESCURO vs CLARO
23
Pelas mesmas razões expostas na análise da tela do Passo da Paixão – ausência de termos neutros: o
a + não b
104
4. Análise dos resultados
Uma vez feita a análise das telas individualmente, cabe agora comparar os
resultados obtidos, a fim de obter uma visão de conjunto da obra de Mestre Ataíde. Para
tanto, abordamos, primeiramente, o plano de conteúdo; em segundo lugar, o plano de
expressão e, finalmente, propomos uma análise global, articulando os dois planos.
Nessa análise de conjunto, algumas categorias do plano de conteúdo
notabilizam-se pela recorrência, a qual é derivada da unidade temática do textos/telas,
que tratam da vida e da Paixão de Cristo. Constatamos, assim, que a categoria semântica
de base /humanidade/ vs /divindade/ (nível fundamental do percurso gerativo de
sentido) e a oposição temática perdição vs salvação (nível discursivo) parecem tratar-se
de “macro-categorias”, visto que atravessam o discurso como um todo. Ou seja, essas
oposições perpassam, de forma explícita ou implícita, todos os textos/tela analisados, o
que deriva, em última análise do seu caráter religioso.
Dessa maneira, a oposição /humanidade/ vs /divindade/ mostrou-se bastante
produtiva na análise das três primeiras telas: o Batismo e as duas Ceias. Nessas telas
também encontramos uma ênfase maior na oposição perdição vs salvação, que
materializa num nível mais superficial (mais próximo da manifestação) a oposição do
nível fundamental (mais profundo). nas duas últimas telas, a do Passo da Paixão e da
Crucificação, apontamos a oposição fundamental /opressão/ vs /libertação/, associada à
categoria /morte/ vs /vida/, como mais evidente. Particularmente na tela da
Crucificação, a ocorrência das categorias semânticas de base anteriormente apontadas,
nos leva a encontrar as oposições temáticas martírio vs ressurreição e poder humano vs
poder divino, contrapondo-se os dois planos terreno e celestial que se articulam no
discurso religioso e na sua representação (pictórica) pelo barroco. Entretanto, como
105
procuramos mostrar ao longo das análises, a categoria /morte/ vs /vida/ parece constituir
uma outra macro-categoria, uma vez que também “atravessa” globalmente o discurso,
mesmo que de forma implícita nas três primeiras telas analisadas.
O conjunto dessas categorias do plano de conteúdo pode ser resumido no quadro
ilustrativo a seguir, em que são indicadas as categorias mais recorrentes em cada tela e
marcadas, com asterisco, as que consideramos macro-categorias:
Quadro 1
TELA
CATEGORIAS SEMÂNTICAS
DE BASE
OPOSIÇÕES
TEMÁTICAS
Batismo de Cristo /humanidade/ vs /divindade/*
perdição vs salvação*
Ceia (Ouro Preto) /humanidade/ vs /divindade/*
perdição vs salvação*
Ceia (Caraça) /humanidade/ vs /divindade/* perdição vs salvação*
profanidade vs sacralidade
pecado vs virtude
Passo da Paixão /opressão/ vs /libertação/
/morte/ vs /vida/*
martírio vs ressurreição
Crucificação /opressão/ vs /libertação/
/morte/ vs /vida/*
martírio vs ressurreição
poder humano vs poder divino
Mais do que elencar as categorias relacionadas ao plano de conteúdo dos
textos/telas, cabe tecer algumas considerações que são fruto dessa constatação. Por
estarmos lidando com um conjunto de textos (pictóricos) de cunho religioso,
“preenchidos”, no plano de conteúdo, de acordo com os preceitos do discurso da
Contra-Reforma católica (assumidos plenamente pelo barroco), encontramos nas
categorias anteriormente apresentadas, os indícios de uma arte produzida com fins
106
persuasivos. A proposta da religião cristã é o oferecimento da salvação da alma do fiel
(vida eterna), em detrimento de sua perdição (vida terrena), mediante a obediência aos
preceitos e dogmas defendidos pela Igreja católica.
O barroco, por sua vez, trabalhou exponencialmente essa preocupação e
traduziu, na arte, tanto a proposta salvacionista da Contra-Reforma quanto os estados de
alma, os temores e receios dos homens que viveram nesse período. Dessa maneira,
encontramos nas pinturas de Mestre Ataíde a temática da salvação que, por influência
da Igreja, norteou as criações artísticas do período.
A recorrência dessa categoria, portanto, mostra-se previsível se relembrarmos
que os textos/telas trazem uma temática cristológica, a qual “oscila” entre o mundo
terreno e o mundo celestial. Os temas da salvação e da perdição, por sua vez, são
embasados por preocupações bastante caras ao homem do período barroco: a tensão
entre o humano e o divino, entre a vida e morte.
É através da asserção do sofrimento terreno, da morte e da possibilidade da
ressurreição (vida eterna) que o discurso barroco assevera a oportunidade de o homem
ascender ao divino, conforme o exemplo que lhe era fornecido pelo temário cristológico
na arte. Assim, é lícito que na análise dos textos/telas encontremos uma hegemonia das
categorias /humanidade/ vs /divindade/ e /morte/ vs /vida/, associada a outras como
/opressão/ vs /libertação/, ou, num outro nível (o discursivo), a oposições temáticas
como perdição vs salvação, martírio vs ressurreição ou poder humano vs poder divino.
Na análise do plano de expressão, constatamos, em primeiro lugar, o
enriquecimento que nos foi dado pela articulação entre o suporte teórico fornecido pela
semiótica e contribuições da história da arte.
Embora a luz seja um dos elementos mais característicos da pintura barroca
(como vimos na análise das telas), as categorias topológicas como PERIFÉRICO vs
107
CENTRAL, BAIXO vs ALTO e ENGLOBANTE vs ENGLOBADO também se
mostraram produtivas. A recorrência da categoria fotológica ESCURO vs CLARO pode
talvez ser explicada pela tradicional conotação simbólica da luz em relação ao divino.
Particularmente nos textos/telas de Mestre Ataíde, o uso da luz serve tanto para realçar
os atores da narrativa (lembremos como o Cristo é destacado pela luz) quanto para
estabelecer o efeito de perspectiva em profundidade. Desse modo, as telas não são
produzidas em um esquema figura e fundo, mas através de sucessivos planos que geram
efeito de profundidade.
O cromatismo também colabora para dar realce aos atores e distinguir os papéis
que lhes são atribuídos. Podemos ilustrar essa constatação com o uso das CORES
FRIAS (roxo, azul, branco) para matizar as vestes do Cristo. Na dimensão eidética,
vemos novamente que as formas “funcionam” a serviço da distinção entre os atores e os
valores e temas a eles associados. Notemos, por exemplo, como a figura do Cristo, nas
Ceias, se destaca pela dilatação de suas vestes e como na telas do Passo da Paixão e da
Crucificação, ele se destaca por ser uma figura de corpo inteiro, ao contrário das
demais, que só aparecem parcialmente.
Chamamos a atenção para o fato de que, no plano de expressão, também parece
haver uma macro-categoria, que ela perpassa todos os textos/telas examinados: trata-
se da categoria foto-cromática CLARO vs ESCURO ou LUZ vs SOMBRA, ligada,
como dissemos, à própria caracterização da pintura de estilo barroco, em oposição à de
estilo clássico. A seguir apresentamos um quadro ilustrativo, indicando as oposições
encontradas no plano de expressão:
108
Quadro 2
TELA DIMENSÃO CATEGORIAS
Topológica BAIXO vs ALTO
Foto-cromática ESCURO vs CLARO
Batismo de Cristo
Eidética (não há)
Topológica (não há)
Foto-cromática (não há)
Ceia (Ouro Preto)
Eidética CONTRAÍDO vs DILATADO
Topológica PERIFÉRICO vs CENTRAL
Foto-cromática ESCURO vs CLARO
Ceia (Caraça)
Eidética (não há)
Topológica LATERAL vs CENTRAL
ENGLOBANTE vs ENGLOBADO
Foto-cromática ESCURO vs CLARO
CORES QUENTES vs CORES FRIAS
Passo da Paixão
Eidética PARCIAL vs INTEIRO
DILATADO vs CONTRAÍDO
Topológica ENGLOBANTE vs ENGLOBADO
Foto-cromática ESCURO vs CLARO
Crucificação
Eidética PARCIAL vs INTEIRO
Embora a análise do plano de expressão dos textos/telas tenha contemplado
apenas as dimensões que apontamos no quadro anterior (topológica, foto-cromática e
eidética), uma leitura mais cuidadosa poderia revelar mais um aspecto do plano de
expressão. Especificamente no plano de expressão dos textos/tela de Mestre Ataíde,
encontramos uma característica que está relacionada ao movimento, ou antes, à
“movimentação das formas” (termo nosso) presente nas pinturas.
Considerando que a “dinamicidade” é uma característica marcante da arte
barroca, julgamos lícito que o movimento também seja considerado no estudo do plano
109
de expressão. Na abordagem iconográfica das obras, apontamos, por exemplo, o olhar
do Cristo direcionado para o alto, que contrasta, via de regra, com o olhar das demais
personagens, com destaque para Judas (na Ceia do Caraça) que olha para fora do
quadro, mirando o espectador. Isso nos leva a pensar no olhar dos atores como um traço
gerador de sentido em potencial.
Dessa maneira, poderíamos mencionar uma “dimensão dramática
24
que trata da
movimentação das formas e que, por essa razão, estaria situada em um nível mais
superficial que o da dimensão eidética dita do plano de expressão. O movimento,
através do direcionamento do olhar, poderia ser uma categoria aplicada ao estudo do
semi-simbolismo, uma categoria que poderíamos denominar “ofto-direcional” por tratar
da direção do olhar, tal como apresentamos a seguir:
Quadro 3
DIMENSÃO EXEMPLO DE SINTAGMA
Dramática OLHAR EXOCÊNTRICO vs OLHAR ENDOCÊNTRICO
Eidética CONTRAÍDO vs DILATADO
Foto-cromática ESCURO vs CLARO
CORES QUENTES vs CORES FRIAS
Topológica BAIXO vs ALTO
A presença de “movimentação” nas formas estaria intrinsecamente relacionada
com os outros elementos do plano de expressão e também com categorias do plano de
conteúdo, através do semi-simbolismo. Nessa perspectiva, associadas às categorias do
plano de conteúdo, as categorias que apontamos no plano de expressão sugerem
24
O termo “dramático” no vocabulário dos estudos sobre o barroco refere-se à movimentação através da
qual se criam “efeitos de realidade” nas obras. Um exemplo amplo da aplicação desse termo é encontrado
na obra de Ávila (1971).
110
estratégias usadas por Mestre Ataíde na textualização (pictórica) do discurso barroco. E
podemos mesmo dizer que se trata de uma textualização coerente com os valores da
época.
A localização espacial dos atores da narrativa conota sua importância e os
valores que eles representam. É nessa perspectiva que o Cristo, figura complexa que
reúne /divindade/ e /humanidade/, ocupa hegemonicamente uma posição central.
Também as cores e luzes conotam valores positivos (eufóricos) ou negativos
(disfóricos), ligados à salvação e à virtude, de um lado, e à perdição e o pecado, do
outro, questões ou tensões essas tão caras ao homem barroco. O trabalho com a
forma, por seu turno, parece reforçar ainda mais os valores e temas apresentados,
levando-se em conta a espacialidade das obras. Em outras palavras: as formas realçam
ainda mais os atores dentro de sua localização espacial nos quadros. Já o “movimento
das formas”, como assinalamos anteriormente, contribui, em definitivo, para conferir
dinamicidade à tela.
Vemos, assim, através dessa homologação de categorias do plano de conteúdo e
do plano de expressão, como o semi-simbolismo funciona no texto estético: nele, o
plano de expressão não se limita a veicular sentidos construídos no/pelo plano de
conteúdo, servindo-lhes meramente de suporte, mas colabora na construção desses
sentidos, criando, no caso da pintura icônica como a que analisamos, um simulacro do
mundo, com suas formas, seus contrastes de luz e sombra, suas cores, seu “movimento”,
enfim, em estreita associação com os valores e temas presentes numa dada sociedade,
de uma dada época.
111
CONCLUSÃO
Ao examinar o texto, a semiótica standard, embora não deixasse de considerar o
plano de expressão, consolidou seus estudos no plano de conteúdo através do percurso
gerativo de sentido. A semiótica plástica (ou visual), por sua vez, enfatizou a análise do
plano de expressão, sem perder de vista sua estreita relação com o plano de conteúdo, o
que pode ser constatado por meio dos estudos do semi-simbolismo. Uma vez que nosso
trabalho se desenvolveu nos liames da semiótica plástica é, principalmente, sobre o
plano de expressão que os resultados incidem.
É no plano de expressão que se mostram mais claramente as diferenças entre os
diversos tipos/gêneros de texto estudados pela semiótica, que além do texto verbal,
interessa-se pelo texto não-verbal, como a pintura, a escultura, a arquitetura, para
citarmos apenas alguns exemplos, e pelo texto sincrético, que articula pelo menos duas
linguagens, como é o caso do cinema, dos quadrinhos etc. Além disso, muitos dos
desdobramentos da semiótica standard foram propiciados por um estudo mais acurado
do plano de expressão, como é o caso da semiótica da canção e da semiótica visual ou
plástica. Nessa perspectiva, os resultados desta pesquisa, conforme apontamos
anteriormente, convergem de maneira significativa para o estudo do plano de expressão,
e, por essa via, para uma semiótica pictórica.
Se um percurso gerativo de sentido para o plano de expressão ainda se encontra
longe de ser concebido, e se os esboços feitos mostram, em geral, poucos resultados e
muitos problemas, tal fato pode servir de estímulo à continuidade de estudos acerca da
semiose pictorial, o que talvez possa nos levar a estabelecer mais um desdobramento da
teoria greimasiana, desembocando num ponto específico e contido dentro dos limites da
semiótica plástica, que seria definido como semiótica pictórica ou pictural. Isso mostra
112
que um campo bastante amplo a ser investigado ou, podemos mesmo dizer, a ser
concebido.
A preocupação relacionada com a significação especificamente de textos
pictóricos é possibilitada pelo próprio caráter geral da semiótica, mas se confirmaria,
por exemplo, com a inclusão definitiva do verbete “sémiotique picturale” num terceiro
volume do Dictionnaire. Essa possibilidade seria embasada nos trabalhos pioneiros de
Jean-Marie Floch e de Felix Thürlemann e enriquecida por meio da contribuição de
pesquisas mais recentes, como as que têm sido desenvolvidas, no Brasil, por Ana
Cláudia de Oliveira e Antonio Serafim Pietroforte. Lembramos que os resultados deste
trabalho, ainda que parciais (já que não esgotamos nosso objeto de estudo, sempre
aberto a novas “leituras”) e modestos, também convergem para o que poderia ser
definido como uma semiótica pictórica.
Se a leitura e a compreensão de uma obra são pré-requisitos para sua análise,
esta, por sua vez, pode revelar aspectos relevantes do texto no caso, as pinturas de
Manoel da Costa Ataíde que tenderiam a passar despercebidos numa leitura mais
superficial (ou menos comprometida). Assim, a análise semiótica, como a que foi
realizada neste trabalho, oferece um outro foco de compreensão da obra de Mestre
Ataíde e, por meio dela, da própria arte barroca mineira. Embora não tenhamos
pretensões historiográficas, podemos ver em Ataíde um artista plenamente inserido em
sua época e na sociedade em que viveu, retratando, com maestria, a inquietação
espiritual/religiosa daquele tempo. Isso pode ser constatado através do plano de
conteúdo, com as oposições fundamentais e discursivas (temáticas) que se fazem
presentes nas telas do artista, mas também e, principalmente, por se tratar de textos
pictóricos no plano de expressão, por meio da assimetria da composição, da
alternância de claros e escuros, da própria inquietação das formas em movimento. Por
113
outro lado, percebemos como a homologação dos dois planos, por meio das relações
semi-simbólicas, permite “desvendar”, de forma mais completa, os efeitos de sentido
construídos.
Com o estudo que apresentamos sobre as tela de Mestre Ataíde, podemos
verificar agora, de maneira conclusiva, a posição que alcançamos em relação aos
objetivos propostos inicialmente. Mais do que confirmar a produtividade do percurso
gerativo de sentido (plano de conteúdo), pudemos aprofundar, ainda que modestamente,
o conhecimento sobre particularidades do plano de expressão na semiótica plástica e,
em especial, na semiótica pictórica. O aprofundamento no estudo do plano de
expressão, por seu turno, permitiu-nos demonstrar como a semiótica plástica se viabiliza
como ferramenta de análise aplicada a textos não-verbais.
Finalmente, esperamos que esta pesquisa possa contribuir para tornar mais
conhecido, mesmo que apenas nos meios acadêmicos, um dos maiores pintores mineiros
de todos os tempos, que nos legou um patrimônio de valor exponencial.
114
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