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Aristóteles define duas classes de virtude: as virtudes do pensamento, que serão tra-
tadas mais adiante no livro VI, e que são, por exemplo, a sabedoria (sofi/a), a compreensão
(su/nesij) e a prudência (fro/nesij), e as virtudes éticas, que são, por exemplo, a liberalidade
(
e)leuqerio/thta) e a moderação (swfrosu/nh)
117
; estas últimas serão tratadas nos livros II, III,
IV e V.
De início, chama a atenção o fato de Aristóteles empregar a mesma palavra, virtude,
para designar estados de pensamento e estados éticos. Afinal, ninguém contesta que a mode-
ração e a coragem sejam virtudes, mas como considerar virtudes, igualmente, a ciência, a
arte e a sabedoria? Aristóteles, sem dúvida, distingue com clareza virtudes éticas e virtudes
dianoéticas, chegando mesmo a tratar delas em momentos perfeitamente distintos. Isto, to-
davia, não significa que ele não perceba uma identidade de fundo que unicamente possibilita
essa distinção
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. Somente para nós, modernos, que pensamos a diferenciação em termos de
exclusão, é que esta implica sempre numa dissociação. Werner Jäger, em seu Aristóteles, ao
estudar o Protréptico – obra de juventude de Aristóteles, chega precisamente a essa conclu-
são, como se Aristóteles, ao diferenciar virtudes éticas e dianoéticas, tivesse simplesmente
dissociado o que antes (em Platão), e mesmo em suas primeiras obras, achava-
se reunido sob o título geral de fro/nhsij.
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Encontraremos o mesmo tipo de problema quan-
do tivermos de tratar da diferenciação que Aristóteles estabelece entre nou=j e ai)/sqhsij (cap.
IV). De todo modo, o fato de que Aristóteles tenha chamado de virtudes, com a maior natu-
ralidade, por exemplo, a ciência, a arte e a sabedoria, juntamente com a moderação e a libe-
ralidade, já mostra que essa distinção não representava, para ele, nenhuma dissociação. Mas
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Ética a Nicômacos, I, 13, 1103 a 3.
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Em uma passagem do livro I da Ética a Nicômacos (1102 a 30), Aristóteles põe em questão se a divisão
da alma racional em duas partes não seria semelhante a distinção entre o côncavo e o convexo em uma circun-
ferência, os quais em definição seriam dois, mas por natureza seriam inseparáveis (a)xw/rista pefuko/ta).
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“En la contemplación de las formas se amalgaman el ser y el valor, el conocimiento y la acción. Cuando
se abandonó la teoría de las formas, se separaram el ser y el valor, y la dialéctica perdió por ende su signifi-
cación directa para la vida humana, que era para Platón un rasgo esencial de ella. La distinción entre meta-
física y ética se hizo mucho más tajante que antes. A quien mire hacia atrás desde este punto de vista le pare-
ce Platón un “intelectualista”, por basar la acción ética exclusivamente en el conocimiento del ser. Aristóte-
les trazó una línea entre la una y el outro. Descubrió las raíces psicológicas de la acción y la valoración
moral en el carácter (
h)=qoj
), y desde entonces el examen del
h)=qoj
ocupó el primer término en lo que se vino
a llamar pensamiento ético, y suprimió la phrónesis transcendental.” JÄGER, Werner. Aristóteles. Trad. José
Gaos. México, Fundo de Cultura Econômica, 2001, p. 102.