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A nobreza ameaça uma reação. Durante todo o século XVIII invade “decididamente
os postos oficiais que a monarquia absoluta preferira preencher com homens da classe
média, politicamente inofensivos e tecnicamente competentes”. Esta ânsia reacionária era
um dos elementos que “exasperava os sentimentos da classe média”, pois, além da
competição pura e simples dos cargos com a nobreza, via, no avanço desta, “através da
crescente tendência de assumir a administração central e provinciana”, a degradação do
próprio Estado (Hobsbawm, 2007: 88).
A França revolucionária, a partir de 1789, tem, na ideologia de sua ala burguesa
moderada, a permanente preocupação em relação à estabilidade política. A solução, por sua
vez, não surge numa determinada forma político-representativa e nem na administração
civil
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; é o expansionismo militar que põe fim ao problema
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.
Napoleão Bonaparte, para além das vitórias militares, foi o mais bem-sucedido
governante da história da França. Sabe-se que fenômenos históricos não devem ser
analisados a partir das respectivas realizações pessoais
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, mas deve-se encarar os feitos
napoleônicos como ancorados num processo histórico de tal envergadura que – a partir da
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“O problema com que se defrontava a classe média francesa no restante do que é tecnicamente descrito
como o período revolucionário (1794-9) era como alcançar a estabilidade política e o avanço econômico nas
bases do programa liberal de 1789-91. A classe média jamais conseguiu desde então até hoje solucionar este
problema de forma adequada, embora a partir de 1870 conseguisse descobrir na república parlamentar uma
fórmula exeqüível para a maior parte do tempo. As rápidas alternâncias de regime – Diretório (1795-9),
Consulado (1799-1804), Império (1804-14), a restaurada Monarquia Bourbon (1815-30), a Monarquia
Constitucional (1830-48), a República (1848-51), e o Império (1852-70) – foram todas tentativas para se
manter uma sociedade burguesa evitando ao mesmo tempo o duplo perigo da república democrática jacobina
e do velho regime” (Hobsbawm, 2007: 108).
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“A inatividade era a única garantia segura de poder para um regime fraco e impopular, mas a classe média
necessitava de iniciativa e de expansão. O exército resolveu este problema aparentemente insolúvel. Ele
conquistou; pagou-se a si mesmo; e, mais do que isto, suas pilhagens e conquistas resgataram o governo.
Teria sido surpreendente que, em conseqüência, o mais inteligente e capaz dos líderes do exército, Napoleão
Bonaparte, tivesse decidido que o exército podia prescindir totalmente do débil regime civil?” (Hobsbawm,
2007: 109).
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Hegel pensava que algumas personalidades poderiam ser consideradas “indivíduos histórico-mundiais” e
Napoleão, ao seu ver, era aquele que encarna o espírito da modernidade. “A razão, na história, precisa da
paixão para produzir resultados significativos, mudanças concretas. E são as grandes paixões que geram os
grandes homens, os seres humanos que Hegel chama de ‘indivíduos histórico-mundiais’. Esse indivíduos
histórico mundiais não são propriamente modelos de virtudes, e podem apresentar até traços mesquinhos e
lamentáveis em suas respectivas personalidades; são, no entanto, desencadeadores de transformações sociais
necessárias (ainda que ‘explosivas’)” (Konder, 1991: 79). “Na segunda-feira, 13-10-1806, ‘dia em que Iena
foi ocupada pelos franceses e o imperador Napoleão atravessou suas muralhas’, Hegel escreveu ao amigo
Niethammer uma carta, contando: ‘Vi o imperador, essa alma do mundo, sair da cidade a cavalo para um
reconhecimento do terreno. É, de fato, uma sensação maravilhosa a de ver um indivíduo assim, que, de um
determinado ponto, de seu cavalo, estende sua presença sobre o mundo inteiro e o domina’” (Konder, 1991:
26).