O Cristianismo deu uma nova densidade ao conceito de dignidade humana,
sobretudo durante a Idade Média, depois de S. Tomás e com a poderosa
influência escolástica. O homem é e todos os homens são filhos de Deus,
iguais em dignidade, sem distinção de raça, cor ou cultura. Por outro lado, o
homem não é uma qualquer criatura, participa do divino através da Razão, a
qual, iluminada e completada pela Fé ( ...) lhe indica o caminho a seguir. A
distinção entre o Bem e o Mal era assim acessível ao homem, que podia
conhecer o Direito Natural, anterior e superior ao poder temporal – a Lei
divina que governava o Universo... O Cristianismo, para além das idéias de
igual dignidade do género humano e do carácter indisponível dessa
dignidade, mesmo pelo próprio, trouxe as ideias de cada indivíduo como ser
único e do amor ao próximo, de modo que se pode dizer que marcou
decisivamente a origem dos direitos fundamentais, tais como se manifestam
na nossa cultura.
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O que se verifica aqui, em verdade, é um reflexo da eterna busca humana
pelo “bem comum”
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, noção fluida, de difícil definição, a qual se sente, mas não se
define com precisão, e que tem o valor “justiça” como norte.
Em resumo, pode-se definir os direitos fundamentais como direitos humanos
positivados e inseridos na categoria de direitos subjetivos, ou melhor, “aqueles
direitos que o direito vigente qualifica como tais” e cujo fim almejado é “criar e
manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade
humana”, conforme ensina Bonavides
91
, amparado na doutrina do constitucionalista
tedesco Konrad Hesse.
Constituem, assim, os direitos fundamentais, como manto protetor que são da
própria dignidade humana, o epicentro de toda a ordem jurídica, fundamento da
própria existência do Estado, enquanto ordem em contraposição ao caos de uma
sociedade desregrada
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. Nesse diapasão, comumente tem a doutrina especializada
comentado a existência de uma dimensão dupla dos direitos fundamentais, isto é,
uma face subjetiva ou individual, e outra objetiva ou comunitária.
89
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
2. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 15.
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Essa noção de “bem comum”, muitas vezes foi, na História, corrompida e usada como base de
discursos que implicaram o cometimento de inúmeras barbáries, como as crueldades de Robespierre
durante a Revolução Francesa, ou, mais recentemente, o horror do nazismo e do regime stalinista.
Os exemplos são muitos e há sempre de se atentar à advertência do jusfilósofo Giorgio Del Vecchio,
qual seja, “Sem dúvida, um certo espírito crítico, e principalmente auto-crítico, é sempre necessário
nesta matéria; mas não deve esquecer-se que o espírito revolucionário não poucas vezes também
tem abusado do nome sagrado da justiça para encobrir as mais impuras paixões e os mais
inconfessáveis interesses” (in Lições de filosofia do direito. Coimbra: Arménio Amado, 1979, p. 587).
91
DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Coimbra: Arménio Amado, 1979, p. 560.
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Registre-se a existência, segundo Bobbio de três correntes quanto ao fundamento dos direitos
fundamentais. Uma primeira que os considera como uma verdade em si mesma; uma segunda que
enxerga a base dos direitos fundamentais na própria dignidade humana; e, ainda, uma terceira para a
seriam os direitos fundamentais produtos de um consenso geral.