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A disciplina não implica, como no caso do suplício, em grandes atos teatrais de
punição. Ela é sutil, porém, insidiosa, é sub-reptícia, vai se apoderando dos corpos
sem que esses tomem ciência dela. Trata-se de “pequenas astúcias dotadas de um
grande poder de difusão, arranjos sutis, de aparência inocente, mas profundamente
suspeitos, dispositivos que obedecem a economias inconfessáveis, ou que procuram
coerções sem grandeza” (FOUCAULT, 1987.p. 128). O cuidado no detalhe, a
coerente atenção às minúcias, tudo isso articulado a um todo que se caracteriza e se
mantém pelo funcionamento desses detalhes.
A disciplina é uma anatomia política do detalhe que, aparentemente, é
indolor e não produz efeitos colaterais. Provavelmente seja por essas
peculiaridades insidiosas que os sistemas disciplinares se encontram tão
arraigadamente incrustados na sociedade moderna, fazendo-se presentes em
todas as mais variadas atividades humanas, participando de todo o cotidiano
das pessoas sem que elas se apercebam da sua presença, ou mais, sendo
aceita tacitamente, pois parecem fazer parte da essência da vida, de uma
vida tão boa, quanto produtiva. Quando, no entanto, os mecanismos
disciplinares são notados e, por algum motivo, relevante ou não, demonstra-
se alguma insatisfação, rebelando-se contra eles, afrontando-os, revelando
um corpo não tão dócil, tal procedimento será criticado, taxado de
indisciplinado e, conseqüentemente, penalizado por dispositivos
aparentemente tão “naturais” quanto a própria disciplina. Também as sanções
estão previstas em regulamentos, e os julgamentos que se seguem devem
ser sumários e as punições certas.
O que surpreenderá sempre é que a discussão sobre o certo e errado
parece dar-se sempre como uma tentativa de interpretar e julgar o
comportamento dos indivíduos, no caso, daquele não tão dócil quanto se
esperava e nunca dos próprios sistemas disciplinares, pois esses se
apresentam acima do bem e do mal e o próprio poder disciplinar se pretende
incontestável.
Não se trata de uma obrigação contratual, mas mecanismos que fazem
funcionar uma subordinação não reversível, que se apresenta como “natural”.
O conjunto de técnicas e estratégias que constituem a disciplina, fluem por
onde a vida parece seguir seu “curso natural” ou, mais do que is,o, “a minúcia
dos regulamentos, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle das mínimas
parcelas da vida e do corpo darão em breve no quadro da escola (supervisor,
inspetor escolar, etc.), do quartel, do hospital ou da oficina, um conteúdo
localizado, uma racionalidade econômica ou técnica a esse cálculo místico do
ínfimo e do infinito” (FOUCAULT, 1987, p. 129).
Embora não se possa concordar que o modelo disciplinar faça parte da natureza
do homem, o certo é que a observação minuciosa do detalhe, num esmiuçamento da