11
idealidades
1
, que no máximo, serviam para compor o projeto político pedagógico
positivo das escolas. Quando alvo de uma reflexão mais apurada, quase sempre o que se
mostrava era uma realidade transfigurada em dois grupos distintos: a comunidade dos
professores, legítima detentora de uma verdade e de um saber absolutos, que
direcionava ativa e arbitrariamente o chamado processo ensino-aprendizagem e a
comunidade dos alunos, considerada por nós, profissionais da Educação, como
ingênua, sem história, sem bagagem cultural, social, política. As próprias justificativas
do poder público em relação à necessidade e ao direito à Educação giram exatamente
em torno do fato de que é unicamente pela via da educação formal que um ser humano
pode descobrir-se enquanto cidadão, no sentido mais amplo da palavra.
Então, na cotidianidade escolar, mesmo quando as palavras tinham a intenção de
transmitir receptividade, carinho, acolhimento, no todo do discurso que se estabelecia
entre a escola e o educando, a criança deixava perceber nos diferentes modos de se
colocar diante desta ou aquela situação que sabia que para se sentir aceita e integrada à
essa comunidade era importante reproduzir e reafirmar, como se dela fosse, a ideologia
2
ali praticada e que esperava, de sua parte, passividade, obediência, respeito às
hierarquias, resignação. Antes mesmo de assimilar os conteúdos da grade curricular,
estabeleciam-se, assim, regras de convivência, a maioria delas tratadas implicitamente,
não discutidas, justificadas. Por exemplo, as classificações de melhor/pior,
maior/menor, mais alto/mais baixo, mais novo/mais velho, mais ou menos alfabetizado
permeavam todas as relações vivenciadas nesse espaço. A mim se desvelava a suspeita
de que há um acordo tácito entre ambos os lados, e que nos fala que esta categorização
que se instala com naturalidade no ambiente escolar traz o tom de condição
indispensável na efetivação do processo do conhecimento. Como diz Gustave Flaubert
(1857):
Eu ainda me vejo, sentado sobre os bancos da classe, absorvido em
meus sonhos do futuro, pensando o que a imaginação de uma criança
pode sonhar de mais sublime, ao mesmo tempo em que o pedagogo
ridicularizava os meus versos latinos, que os meus camaradas me
observavam rindo de forma abafada
3
.(prefácio, s/p)
1
- Idealidade: sinônimo de perfeição, sublimidade, imaginário. (ABBAGNANO, Nicola. 2000, p. 523).
2
- Ideologia: conjunto de idéias ou convicções religiosas, sociais, políticas praticadas por uma
determinada comunidade. ( ABBAGNANO,Nicola. 2000, p. 531 a 533)
3
- Tradução de Laura Meirelles.