tempo, revive magicamente toda a evolução das espécies. Da alga ao peixe, do
peixe ao mamífero, daí para nós. E todo esse crescimento especificado, pré-
determinado, só pode acontecer por ter sido alimentado pelo cordão umbilical.
E esse retorno ancestral, repetindo a gênese e corrigindo defeitos, passa a
limpo a história da evolução, a cada gestação. Tudo isso vem pelo cordão, esse
canudinho que traz todos os elementos, que mergulham em vôos circulares,
espirais e redemoinhos: o cálcio, o fósforo, o potássio, o nitrogênio, o carbono, o
hidrogênio, a partir dos quais o mistério da vida produz aminoácidos. E eles nos
produzem, de acordo com o que está escrito em nossas partituras. Por isso tem
gente que é apenas ruído, tem gente que é rock, tem gente que é samba, tango,
bolero ou forró. Mas tem gente que é sinfonia. E todos nós, durante trinta e seis
semanas, ficamos imersos num líquido quente, virando cambotas ao compasso de
nossa música, como um astronauta ensandecido dançando no espaço em torno do
cordão umbilical que o liga à nave. Não é a gravidade que nos diferencia dele; é
a gravidez.
Após o nascimento, o novo ser, ao contato com seu novo mundo, chora e
grita, aspirando golfadas cada vez maiores de ar. Pega no tranco. E o cordão
umbilical, exaurido de tanto trabalho, tem a instantânea percepção da inutilidade
de continuar sua função. E, como uma concha, se fecha e se lacra numa cicatriz
enigmática que serve de taça ao brindar o dever cumprido. Murcha, seca e cai.
Alimentou tudo. Alimentou a evolução das espécies. E, na espécie, a evolução da
estirpe. Por isso podemos fugir de tudo na vida; menos de nós mesmos. É a nossa
sina.
O umbigo dorme o seu descanso, enrodilhado de si mesmo, ponto sem
ânsia, enovelado, lacrado. Quase desabitado de carícias, permanece discreto –
mas orgulhoso – como a haste de uma flor já colhida. E, sob esse aspecto, cada
filho é uma flor colhida. Cercado de poros dourados, o umbigo tem, ao norte, os
seios que irão continuar a sua função; e ao sul, seu encaracolado jardim onde,
oportunamente, nova semente será plantada.
E essa cicatriz, lacrada e centrada no abdome com a graça do toque
divino, todos nós, nascidos de mulher, devemos render nossas homenagens, com
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