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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
VERONICA BORGES DE OLIVEIRA
AFIRMEAÇÃO DE FAZERES/SABERES:
uma proposta de investigação dialogada
NITERÓI, RJ
2008
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VERONICA BORGES DE OLIVEIRA
AFIRMEAÇÃO DE FAZERES/SABERES:
uma proposta de investigação dialogada
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientador: Profa. Dra. JOANIR GOMES DE AZEVEDO
NITERÓI, RJ
2008
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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
O48 Oliveira, Veronica Borges de.
Afirmeação de fazeres/saberes: uma proposta de investigação
dialogada / Veronica Borges de Oliveira. – 2008.
126 f.
Orientador: Joanir Gomes de Azevedo.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,
Faculdade de Educação, 2008.
Bibliografia: f. 110-120.
1. Educação. 2. Escola. 3. Cotidiano. 4. Política pedagógica. I.
Azevedo, Joanir Gomes de. II. Universidade Federal Fluminense.
Faculdade de Educação. III. Título
.
A todos os alunos e alunas,
a todos os funcionários e funcionárias,
a todas as professoras e ao professor
da Escola Nossa Senhora da Penha
que, com generosidade,
me acolheram e me permitiram
compartilhar a simplicidade de seu
grandioso universo
A todas as crianças e a todos os adultos da E.M.N.S. da Penha pela possibilidade de “estar
com” vocês nas conversas de corredor, nas salas de aula, nos almoços, nas negociações, nos
estudos, nas culminâncias dos projetos, nas trocas de idéias e em tantos outros momentos...
À professora Joanir, minha orientadora, que com sabedoria soube entrelaçar autonomia,
cuidado, liberdade e crítica. Durante a pesquisa e seu registro, ela esteve presente com
orientações cirúrgicas que me deslocavam de minhas certezas: territorialização,
desterritorialização, reterritorialização.
Ao professor Ferraço por suas preciosas observações sobre a pesquisa. Com seus destaques,
pude dar-me conta de diversas problematizações que estavam presentes na pesquisa,
insinuadas no texto e, ainda assim, despercebidas. Suas contribuições desafiam-me a
continuar pesquisando com o cotidiano.
À professora Carmen Perez, cuja postura crítica, objetiva, firme e, por tudo isso, especial,
muitas vezes me tirou o chão com suas “questões epistemológicas”. Nossas discussões em
suas aulas ajudaram-me no exercício de estranhamento do familiar e na interlocução
práticateoriaprática.
À professora Teresa Esteban, que eu “conhecia” pelos textos e que foi o pontapé inicial
nessa minha busca da professorapesquisadora. Eu dialogava com suas idéias, ia atrás das
referências e, assim, fui-me aproximando do “campo do cotidiano escolar”. Essas marcas
estão vivas no meu trabalho.
À professora Regina Leite Garcia por tensionar as discussões com outros modos de ver o
mundo. Isso me possibilitou exercer postura investigativa mais horizontalizada, mais
dialógica.
À professora Edwiges Zaccur, que ao me desafiar a assumir a ambigüidade, possibilitou-me
encontrar um estilo de escrita.
Ao professor João, que mediou discussões acaloradas em suas aulas nas segundas-feiras à
tarde. Suas críticas ao projeto de pesquisa ajudaram-me a formular questões.
Aos professores da Proped/Uerj: Nilda Alves, Inês Oliveira, Paulo Sgarbi e Walter Kohan,
cujas aulas possibilitaram questionamentos que muito contribuíram para a pesquisa e seu
registro.
Aos parceiros de Orientação Coletiva e especialmente Karla, Janete, Fernanda, Franciana,
Eliana e Wagner. Nossos intercâmbios de opiniões foram fundamentais para me constituir
pesquisadora e registrar esse processo.
À Fundação Municipal de Educação de Niterói, que proporcionou as condições para eu me
dedicar aos estudos.
À minha família por dar-me forças e perdoar as inúmeras ausências durante este período em
que escolhi dedicar-me aos estudos.
Ao Paulo, pelo apoio incondicional nessa empreitada.
A ponte de Heráclito (Magrite, 1935)
“Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”
(Heráclito, Fragmentos - 91)
Resumo
Esta dissertação apresenta e discute o processo de investigação tecido na relação com
seus sujeitos. visibilidade a práticas de um grupo de professores que, com todas as suas
limitações e possibilidades, se sente potente para construir conhecimentos e para afirmar seu
fazer/saber cotidiano. Alguns desses fazeres/saberes forneceram-nos indicativos de que
um conjunto, às vezes amorfo e desestruturado e às vezes muito organizado, de atitudes,
saberes, crenças, culturas, regras, religiosidades, sentimentos de pertencimento e de que tudo
isso, em interação, “inventa” condições para um certo enfrentamento do fracasso escolar
produzido na escola. Nomeio essa movimentação afirmeação de fazeres/saberes” numa
alusão à postura de afirmação de um trabalho com a firmeza de suas convicções, que ora são
totalizantes e ora são bastante singulares, dando-nos uma dimensão contraditória e ambígua.
O referencial teórico-metodológico-epistemológico-estético apóia-se na microssociologia do
cotidiano. O trabalho apresenta-se com a estética do meio: múltiplas entradas e saídas. São
textos intitulados Intermezzo, com o propósito de enfatizar movimento. Expressam
descontinuidades, cortes, paralelismos, deslocamentos que emergiram no processo de
investigação. Traz uma discussão encarnada, vacilante, ambígua, que o tom da pesquisa:
dúvidas eternas e certezas efêmeras.
Palavras-chave: Cotidiano escolar. Práticas docentes.
Abstract
This dissertation presents and discusses the process of research built in the learning
relationship with their subjects. It gives visibility to practices of a group of teachers that, with
all its limitations and possibilities, feels powerful to build knowledge and to affirm
their everyday "to do/to know". Some of these "to do/to know" provided indicators that there
is a set, sometimes amorphous and unstructured, but sometimes very organized, of attitudes,
knowledge, beliefs, cultures, rules, religiosities, feelings of belonging, and all that, in
interaction, "invents" conditions to confront the school learning failure of students. I
named this movement "afirmeação of to do/to know" in a reference to the posture of
affirmation of a job with the firmness of its convictions, which
sometimes are total and others singular, resulting in a contradictory and ambiguous dimension.
The theoretical and methodological-epistemological-aesthetic benchmark supports itself in the
micro sociology of daily life. The work presents itself with the aesthetics of the medium:
multiple entrances and exits. The texts are entitled Intermezzo, with the purpose of
emphasizing movement. It expresses discontinuities, cuts, parallels, displacements that
emerged in the process of the research. Brings an incarnate discussion, sinking, ambiguous,
which gives the tone of the survey: eternal doubts and fragile certainties.
Keywords: School daily life. Teaching practices.
Sumário
INTRODUÇÃO........................................................................................................................14
Cartografia de um plano deslizante/pulsante........................................................................15
INTERMEZZO 1 Movimentos de implicação .......................................................................23
Algumas impressões da escola .............................................................................................23
A formação em serviço.........................................................................................................25
Os sujeitos escolares.............................................................................................................27
Minha inserção na Fundação Municipal de Educação – Niterói/RJ.....................................27
Minha inserção na E. M. N. S. Penha...................................................................................29
INTERMEZZO 2 – Deslocamentos nas “ações potentes” ........................................................34
Inventariando ações potentes no espaço escolar...................................................................34
Trabalho preventivo (fazer uma descrição do trabalho)..................................................37
O mural na altura dos olhos..............................................................................................38
Projeto Leva e Traz (descrição do trabalho).....................................................................39
Roda de leitura..................................................................................................................41
Oficina de textos...............................................................................................................41
Reunião geral: prestação de contas...................................................................................43
INTERMEZZO 3 – Estranhamentos .........................................................................................44
INTERMEZZO 4 – Um certo devir-formiga.............................................................................50
INTERMEZZO 5 – Professora Sônia e seus ensinamentos.......................................................60
INTERMEZZO 6 – Movimento de prestação de contas? Diálogos? Negociação?...................69
INTERMEZZO 7 – Linhas da escrita da pesquisa ....................................................................76
Linhas da escrita da pesquisa: materialidades intangíveis....................................................77
INTERMEZZO 8 – Invenção da pesquisa, do conhecimento... ................................................82
O movimento de afirmeação.................................................................................................82
Uma sombra que nos persegue: o estatuto de cientificidade................................................86
Uma experiência de (re)encontro com modos de ser/estar/fazer pesquisa...........................89
A possibilidade de estar com a escola ..................................................................................92
A teoria como caixa de ferramentas .....................................................................................98
As resistências e os diálogos: faces de uma mesma moeda ...............................................100
A onipresença da relação saber/poder ................................................................................102
INTERMEZZOFINALLE – Notas inconclusas de uma experiência .......................................105
Obras Citadas..........................................................................................................................110
Obras Consultadas..................................................................................................................114
Anexo I – Prova Brasil
Anexo II – Lista de imagens
14
INTRODUÇÃO
[...] faça rizoma e não raiz, nunca plante!
[...] Não seja uno nem múltiplo, seja multiplicidades!
Faça a linha e nunca o ponto!
A velocidade transforma o ponto em linha!
Seja rápido, mesmo parado!
Nunca suscite um General em você!
Nunca idéias justas, justo uma idéia.
Tenha idéias curtas.
Faça mapas, nunca fotos nem desenhos.
(Deleuze & Guattari, 1995, p.36)
15
Cartografia de um plano deslizante/pulsante
O cotidiano escolar não é trivial, inexpressivo, uma tábula rasa, uma tela vazia.
Tampouco um lugar cuja grandiosidade esteja disponível a “quem tenha olhos para ver”.
Acredito que tais condições precisam ser problematizadas no/do/com o cotidiano
escolar. Dialogo com autores empurrando-os para seus limites, para nossos não-saberes.
Eles me ajudam em alguns momentos e entrelaçados a outros autores. Este tem sido
meu trabalho: fazer uma tessitura com os diferentes sujeitos. Não uma teoria a ser
seguida e sim um modo de inventar e de entender a complexidade do cotidiano escolar
nas zonas de indistinção que se configuram no decorrer do processo. Fui-me
encontrando com a pesquisadora que se foi constituindo em mim na relação com a
escola. Assim, em vários momentos, vou dialogando com diferentes autores para que
possam ajudar-me a problematizar o que se passa na relação com certo modo de
pesquisar: “A verdade de um problema de pesquisa não preexiste a ele, não é uma
verdade a ser descoberta, mas é objeto de uma criação, produto do sentido-
acontecimento, quer dizer [...] suscitação de novos modos de ver, de sentir e de pensar”.
(Dias, 1995, p.85 apud Tadeu, 2004, p. 32)
Esta pesquisa se inventou na relação com seus sujeitos. Buscou dar visibilidade,
de diferentes formas, a certas práticas desse grupo que, com todas as suas limitações e
possibilidades, se sente potente para construir conhecimentos e para afirmar seu
fazer/saber cotidiano. Alguns desses fazeres/saberes forneceram-nos indicativos de que
um conjunto, às vezes amorfo e desestruturado, e às vezes muito organizado, de
atitudes saberes, crenças, culturas, regras, religiosidades, sentimentos de pertencimento
que em interação “inventa” um ambiente potente para certo enfrentamento do fracasso
escolar de alunos das classes populares. Nomeio essa movimentação afirmeação de
fazeres/saberes”, em alusão à postura de afirmação de um trabalho com a firmeza de
suas convicções, que ora são totalizantes e ora são bastante singulares, dando-nos a
dimensão contraditória e ambígua própria a essa realidade escolar.
Este trabalho se propôs a pesquisar o uso que nós, os sujeitos escolares, fazemos
com nossos fazeres/saberes a partir do que se nos apresenta. Essa possibilidade de oferta
é sempre relacional e pode vir com as políticas públicas de educação, com as
orientações curriculares, com a presença da pesquisadora, com a família na escola, com
os cursos de graduação, com a mídia, com o espaço físico, com as diferenças culturais.
Tenho aprendido que não um modo de fazer, que se multiplicam as formas de
16
tentar compreender o processo que estamos vivendo na pesquisa. São vários os modos
de fazer, os modos de pensar, os modos de inventar e reinventar o cotidiano. São vários,
mas não infinitos (Certeau, 1994, p. 83):
[...] Para pensá-los, deve-se supor que a essas maneiras de fazer
correspondem procedimentos em número finito (a invenção não é
ilimitada e, como as “improvisações” no piano e na guitarra, supõe o
conhecimento e a aplicação de códigos) e que implicam uma lógica
dos jogos de ações relativos a tipos de circunstâncias.
[...] Toda sociedade mostra sempre, em algum lugar, as formalidades a
que suas práticas obedecem.
A invenção não é ilimitada? Como não? indago a Certeau. Sempre participo de
discussões que defendem nossa ampla, ilimitada possibilidade de ação. Não limites.
Haveria limites? E nossas referências, não nos colocam em certos espaços/tempos?
Haveria um determinismo, então? Não, não haveria. Acredito nas possibilidades de
linhas de fuga. E continuo o diálogo: o que Certeau estaria dizendo com tal afirmação?
Nós temos capacidade de inventar no “campo do inimigo”, trabalhando com as
circunstâncias que se apresentam, e não controle sobre isso. No entanto, haveria
regularidades nos modos de invenção. Trabalhamos com o que temos e com o que
ainda vai acontecer. Bhabha (2007, p. 29) põe mais lenha na fogueira:
[...] não podemos escolher o nosso passado cultural ou biográfico;
podemos esquecê-lo num gesto de amnésia histórica; podemos
reconstruí-lo de modo a que se adeqúe aos nossos interesses
presentes; ou podemos condensá-lo no presente, a fim de demonstrar
a continuidade da tradição cultural como parte da confluência de uma
história partilhada. Em cada um destes casos, negociamos com o
“passado” para transformar nossas vidas; mas não podemos
simplesmente escolher ou “desescolher” o passado. O passado
cultural é uma presença “incubatória” nas nossas vidas (Gramsci):
vivemos com ele, ou de acordo com ele, conversamos com ele
continuamente, e embora a forma como vemos o passado se
modifique, ou o diálogo possa desenvolver-se de modos inesperados,
o passado torna-se “nós”, tal como o futuro nos toma.
Estou me convencendo: haveria limites para nossa capacidade inventiva. Um
exemplo seria o de uma pessoa urbana, cosmopolita, perdida na selva, que não vai poder
operar com todas as informações desse espaçotempo. Ela vai operar a partir de suas
redes, de suas possibilidades, que podem ou não ser ampliadas nessa outra configuração
17
que se apresenta. Sua capacidade inventiva não é ilimitada. Fico com a afirmação de
Certeau, por enquanto.
Voltemos ao texto.
No decorrer da pesquisa e de seu registro vou-me dando conta de meus próprios
aprisionamentos e preciso sabotar-me. Tentar “enganar” minha veia cartesiana que me
empurra para sínteses e análises simplificadoras. Mas, como “a ocasião faz o ladrão”,
minhas parceiras de pesquisa não me deixam ficar confortável. Elas questionam,
perguntam, reclamam dessa tentativa de objetivação que meu olhar e meu registro
revelam muitas vezes. Nessa medida, estou tentando construir um posicionamento
político/epistemológico/estético/ético que se materialize “numa forma e num conteúdo”
que me possibilitem problematizar as situações vividas tentando escapar de
cristalizações do real. E, quando cair nisso, não o esconder, retirá-lo do texto como
“engano” e “equívoco” ou como “inabilidade de uma escrita inicial”. Ao contrário,
assumir esse lugar e ir ao embate. Parece-me que assim posso ousar afirmar uma
dimensão potencializadora da pesquisa que realizamos em parceria com outros sujeitos:
os da escola, os da universidade, os da comunidade escolar.
Ao registrar a cartografia do processo de pesquisa, a opção por trazer fragmentos
se impôs. Pude acolher essa imposição e dar a conhecer aos interlocutores desse
trabalho alguns atravessamentos que nos constituem pesquisadores. Esses movimentos,
deslocamentos, fluxos, relações, encontros, desencontros, acontecimentos, tensidades
podem fornecer pistas do processo vivido. Quão efêmeras são certas posições e atitudes!
Como outras posições se eternizam sem que as possamos questionar.
Esses movimentos trazem “certezas efêmeras e dúvidas eternas” de que somos
multiplicidades. Alguns desses que podemos ser com o outro ajudam “mais” quando se
ampliam as possibilidades de cada um.
Assim, meu embate com a pesquisa e com seu registro se na busca de que ela
faça sentido para outras pessoas, que possa ampliar as possibilidades de reinvenção de
outros cotidianos. Seja para estranhar, para resistir, para divergir, para convergir, para
complementar, e talvez exercitar uma radicalidade da pedagogia do talvez, da pergunta
e da criação de conceitos. A pesquisa devém. Não aponta direções, mas afirma a
possibilidade do caminhar.
Para me ajudar nessa empreitada tenho-me valido, principalmente, do otimismo
de Certeau ao afirmar a possibilidade do fraco e sua capacidade de operar no lugar do
outro e alerta às circunstâncias. De Homi Bhabha, “roubo” a idéia de negociação, que
18
me coloca em movimento com condições de assumir a ambigüidade, a ambivalência das
possibilidades intersticiais que se apresentam nos encontros com o outro. Com Deleuze
e Guattari aprendi que devir-animal e devir-criança metamorfoseiam posições molares,
verticais e arbóreas em outros modos de existir que possam ser fissuras em “sistemas
maiores e que se pretendem maiores”. Essas três perspectivas aliadas a tantas outras que
se intrometem nos pensamentos, nas conversas, nas orientações, nos encontros, nas
entrevistas com os sujeitos escolares também aparecem como interlocutores dessa
investigação.
E o que isso tudo tem a ver com educação? Com a pesquisa com os sujeitos da
Escola Municipal Nossa Senhora da Penha? Esse é um desafio ainda que sigo tentando
estruturar/desestruturar a seguir. Num jogo de luz e sombras e com “certezas efêmeras”
de que não podemos ter a apreensão total do que vivemos.
O que trago são perspectivas, pontos de vista, modos de entender que pude
inventar, a partir daquilo que eu sinto/conheço/reconheço com a rede de conhecimentos
tecida com diferentes sujeitos escolares. Gilles Deleuze, em vários momentos, traz essas
questões em sua obra, que me afetam sobremaneira:
[...] O pintor tem várias coisas na cabeça, ao seu redor ou no ateliê.
Ora, tudo o que ele tem na cabeça ou ao seu redor está na tela,
mais ou menos virtualmente, mais ou menos atualmente, antes que
ele comece o trabalho. Tudo isso está presente na forma de imagens,
atuais ou virtuais. De tal forma que o pintor não tem de preencher
uma superfície em branco, mas sim esvaziá-la, desobstruí-la, limpá-
la. Portanto, ele não pinta para reproduzir na tela um objeto que
funciona como modelo; ele pinta sobre imagens que estão lá, para
produzir uma tela cujo funcionamento subverta as relações do
modelo com a cópia [...] (Deleuze, 2007, p. 91)
Assim, o registro por fragmentos se impôs durante o processo de investigação e
indicou um caminho a ser trilhado. Assumir essa trajetória pôde ajudar-me a dialogar
com as várias linhas de investigação, que, rizomaticamente, ora me levam para
questões como o uso do espaço pelos professores e ora me levam para a discussão e
decisão de qual estilo adotar para fazer esse registro. Essa busca também fez parte da
pesquisa, e não quero negligenciar esse movimento. Quero trazer todas essas
inquietações à discussão porque acredito que o processo de criação expressa muito
mais um estar do que um ser. Quando se pensa que algo ‘é’ interrompe-se a criação,
por isso destaco o ‘estar’. Mas, muito mais do que reconhecer essas multiplicidades, eu
19
gostaria de fazer conexões, seguir nelas, explorar essas conexões que fui fazendo com
os sujeitos da pesquisa. (Silva, 2002, p. 65)
O encontro com uma possibilidade de nomear as seções deste trabalho deu-se
de forma acidental durante a disciplina Estatuto Filosófico da Educação. O professor
Walter
1
levou-nos várias dissertações de diferentes áreas de saber: educação, filosofia,
letras. Nossa tarefa era “passear” por aquele material, escolher uma dissertação e tentar
perceber como o autor escreve. Perceber quais os recursos utilizados e como ele se
aproxima do leitor ou repele o leitor. Cada dupla apresentava a dissertação que
escolhera. Eu e minha companheira escolhemos duas dissertações. Uma delas se
propunha a apresentar os textos por platôs, e a outra propunha um intermezzo. O que
seria isso? Fiquei a pensar, mas estava atraída pela segunda possibilidade de
apresentar os textos. A dissertação
2
trazia a seguinte citação:
Um rizoma o começa nem conclui, ele se encontra sempre no
meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas
o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo
“ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e... e... e..”
nessa conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo
ser. Para onde vai você? De onde você vem? Aonde quer chegar?
[...]
[...] É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as
coisas adquirem velocidade. Entre as coisas não designa uma
correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente,
mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as
carregue uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas
margens e adquire velocidade e no meio. (Deleuze, 1995, p. 37)
Essa idéia de que no meio as coisas ganham velocidade me calou fundo.
Expressava o que eu vivia no cotidiano escolar.
3
A pesquisa acontece no decorrer do
processo. Afetamos e somos afetados ali no meio. O registro escrito desse processo
deveria dar esse tom. Também o processo de escrever deveria trazer a tensão
característica da pesquisa. Existem estratégias de escrita que afastam o vivido. Outras
são capazes de transmutar-se e trazem esses elementos para outra forma de expressão.
Ali, ao ler aquela dissertação, comecei a entender a força que tal escolha poderia
assumir neste trabalho.
1
Walter Omar Kohan, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
2
Mello, Maristela Barenco Corrêa de. Da morte do general à busca rizomática: o ato de escrever como
possibilidade de emancipação. Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
3
Eu e a professora Joanir (orientadora desta dissertação) já chamávamos esses ensaios de miolo, miolinho.
entendíamos, mais ela do que eu, que eles traziam questões importantes, ressonantes, mas que sua
força estava no meio.
20
Decidi pelo intermezzo. E por que eu chamaria essa parte de Intermezzo? Que
conexões seriam possíveis ao utilizar uma palavra de origem italiana com vários
sentidos: entreato; intervalo entre atos de uma peça; intervalo; entrecena; pequena cena
dramática ou musical que se apresenta nesse intervalo. Assim, senti necessidade de
pesquisar, ainda que breve e superficialmente, o que seria intermezzo e encontrei na
ópera alguns sentidos com os quais vou dialogar:
Intermezzo era o nome que se dava, na primeira metade do século
XVIII, às cenas cômicas apresentadas no intervalo entre os atos de
uma ópera séria. Como a reforma arcádica do libreto banira do
drama as inserções de natureza buffa, comuns na ópera do século
XVII, como uma forma de oferecer alternância à tensão dramática,
elas foram retiradas do corpo da ópera e apresentadas dessa maneira,
como uma mini-peça complementar, entre um ato e outro. Com o
passar do tempo, essas cenas soltas que contavam sempre uma
história muito simples, com duas ou três personagens passaram a
ser agrupadas, formando peças independentes.
Estas pequenas comédias tinham tudo para cativar o público, pois,
ao contrário da ópera séria, extremamente estilizada, com figuras e
temas da Antigüidade pesadamente estereotipados, elas traziam
personagens contemporâneas e histórias prosaicas, recortadas da
realidade, nas quais todos os espectadores poderiam reconhecer-se.
Sua música era também necessariamente mais simples, de corte
desenvolto, não raro com um sabor popular que a tornava atraente,
fácil de memorizar, dotada de alto poder de comunicação com todos
os tipos de platéia. (Coelho, 2007)
Parece-me que Deleuze e Guattari (1995) o desterritorializar a palavra
intermezzo do seu sentido mais linear, mais arbóreo, que seria intervalo.
Reterritorializam-na num sentido rizomático, molecular que vai considerar que esses
espaçostempos podem ser acessados por diferentes entradas. Não haveria centro, ou
melhor, haveria vários centros, rompendo com a idéia da hierarquia.
Esta dissertação está organizada em alguns intermezzi com o propósito de
enfatizar o meio, o processo, e, para marcar interrupção momentânea, trago um
intermezzo final (paradoxal) que vai permitir outras possibilidades de abertura que esta
pesquisa suscitou.
21
Intermezzo 1: Movimentos de implicação; nele trago “o passado com que
negocio” em minha entrada na escola. Trata-se de um rescaldo em minha memória a
partir do que consigo ver/lembrar quando faço o registro. Nesse intermezzo eu refaço,
ainda que parcialmente, minha trajetória profissional para dar elementos que possam
mostrar de qual lugar estou falando.
Intermezzo 2: Deslocamentos nas ações potentes; um texto que busca inventariar
o que a escola realiza em seu dia-a-dia. São descrições e problematizações dessas ações,
consideradas potentes pelos sujeitos escolares.
Os intermezzi que se seguem (de 3 a 7) são ensaios que se impuseram a mim e
que dizem desse lugar imponderável que nos acontece no cotidiano escolar. Cada texto
me afetou de forma muito particular e coloca em movimento concepções de aprender e
ensinar, currículo, gestão dos espaçostempos escolares, as práticas docentes.
Intermezzo 8: A invenção da pesquisa, do conhecimento diz de todo o
movimento da investigação e do constituir-me pesquisadora nesse processo. São
inquietações que vão problematizando nossas possibilidades de criação de conceitos na
relação com os sujeitos. E, em diferentes momentos, pontua como o mergulho no
cotidiano escolar nos possibilita estar com os sujeitos sem submissão, num jogo de
forças que se configuram na relação, produzem uma horizontalização dos autores e
afirmam a ênfase na relação sujeito-sujeito.
22
No paradoxal Intermezzofinale: notas inconclusas de uma experiência; eu
recupero algumas possíveis conexões que se abriram, mas ficaram de fora do registro
escrito; espero, porém, que reverberem para além do texto, da escola, de mim, de todos
os tenham entrado em contato com este texto; que possam afetar, enfim, outras pessoas
e criar outras conexões.
23
INTERMEZZO 1 Movimentos de implicação
[...] A velocidade com que cada pessoa se apropria da verdade contida na história é
diferente, tanto quanto a profundidade e coerência dessa apropriação.
A descoberta individual é, já, um considerável passo à frente, ainda que possa parecer
ao seu portador um caminho penoso, à medida das resistências circundantes
a esse novo modo de pensar.
O passo seguinte é a obtenção de uma visão sistêmica, isto é, a possibilidade de
enxergar as situações e as causas atuantes como conjuntos e de
localizá-los como um todo, mostrando sua interdependência.
A partir daí, a discussão silenciosa consigo mesmo e o debate mais ou menos público
com os demais ganham uma nova clareza e densidade, permitindo enxergar as relações
de causa e efeito como uma corrente contínua, em que cada situação se inclui numa rede
dinâmica, estruturada, à escala do mundo e à escala dos lugares.
É a partir dessa visão sistêmica que se encontram, interpenetram e completam as noções
de mundo e de lugar, permitindo entender como cada lugar, mas também cada coisa,
cada pessoa, cada relação dependem do mundo.
(Milton Santos, 2006, p. 169)
Algumas impressões da escola
A Escola Municipal Nossa Senhora da Penha localiza-se na Ponta da Areia,
Niterói/RJ. Segundo relato da direção, a escola, primeiramente, estava instalada no
espaço em que hoje funciona a Associação de Moradores. O local onde a escola foi
construída era um largo que servia de área de lazer para as crianças da comunidade. A
diretora, com entonação
saudosista, apontou para
o corredor da escola e
disse: joguei muita
bola de gude aqui!” Há
uma igreja católica, a
Igreja Nossa Senhora da
Penha, na parte mais alta
do morro. O acesso à
escola pode ser
considerado difícil, pois o
morro é íngreme, e não transporte público. A comunidade, como várias outras na
cidade, tem como alternativa um transporte comunitário que sobe o morro de hora em
hora ou quando completa a lotação. Também aparece em memórias de quem nasceu e
24
cresceu” na comunidade a narrativa de um tempo em que não havia rua calçada e que a
água precisava ser transportada em latas pelos moradores. “Agora, está muito melhor!
Temos água encanada, luz para todos e transporte.” (fala da diretora que é moradora do
bairro)
A comunidade parece ser predominantemente de classe popular, e a ocupação é
antiga (mais de cem anos). Não parece haver um domínio do tráfico, como acontece em
muitos “morros” da cidade. A escola reflete essa tranqüilidade no que se refere à
ausência de violência. Não o clima de medo que se instaurado em outros locais.
Pode-se perceber, por seus aspectos externo e interno, que a escola está bem cuidada,
paredes pintadas e sem pichações ou depredações. Sua área externa é composta por um
parquinho bem pequeno e por um espaço bastante acidentado, mas devidamente murado.
uma antiga reivindicação da comunidade para a construção de uma quadra nesse
local.
O prédio da escola
parece ser da década de
1990, e sua planta é
similar à de outras escolas
da Rede Municipal de
Niterói: simples e com
prioridade para salas de
aula. Não oferta de
outros espaços para os
alunos. Tal arquitetura diz
muito da concepção de
educação para as classes populares na época da construção. Percebe-se essa ideologia
no desenho desses espaços, mas, como sempre há possibilidade de reinvenção, também
podem ser vistas as transformações que os usos do espaço promovem nesse território.
Um desses usos é o aproveitamento dos cantos dos corredores como espaços
multifuncionais: servem para atendimentos a alunos e pais, a planejamentos de
professores. Há também uma sala de jogos com brinquedos.
No que se refere ao espaço interno da escola dois pavimentos, no térreo fica a
área comum: secretaria com um pequeno banheiro para professores, banheiros para
meninos e meninas, refeitório, cozinha, banheiro para funcionários, despensa, sala de
leitura, sala de informática, pequena sala da direção, sala de jogos e o corredor de
25
acesso ao andar superior, onde ficam as salas-de-aula: quatro salas para o ensino
fundamental e duas salas para a educação infantil, uma sala pequena que funciona como
sala de recursos e uma outra com multifuncionalidade. A escola destaca-se pela limpeza
e organização do espaço. Os trabalhos dos alunos são cuidadosamente expostos em
murais trocados com freqüência e que parecem ser razão de orgulho para professores,
alunos e direção da escola.
A organização do trabalho pedagógico é discutida, formalmente, nas reuniões de
planejamento pedagógico que acontecem, semanalmente, às quartas-feiras, das 10h às
12h. Trata-se de um espaço de discussão coletiva coordenado pela EAP (equipe de
articulação pedagógica). uma outra reunião, denominada formação continuada (FC),
realizada a cada dois meses, cujo tema de estudo é negociado entre professores, ER
(Equipe de referência), direção e EAP
4
.
A formação em serviço
Neste ano (2007)
foram estudados temas como:
Ciclos: teoria e prática;
Alfabetização e portadores de
necessidades educativas
especiais: um relato de
experiências; Teorias de
currículo; mediação
pedagógica e avaliação no
sistema de ciclos e a Proposta
de reorganização dos ciclos enviada pelo órgão central, entre outros.
A dinâmica de cada encontro é negociada com a escola. Numa dessas
discussões surgiu a vontade/necessidade de encontrar um modo de compartilhar
experiências com outras escolas da rede municipal. Em diálogo com a equipe de
referência (da qual faço parte), planejamos o primeiro encontro com a presença de duas
escolas interessadas em compartilhar experiências com a organização escolar em ciclos.
4
Todas essas formas de nomear foram criadas pelo Documento Preliminar da Proposta Pedagógica da
Rede Municipal de Educação de Niterói que funcionou em caráter experimental em 2006 em algumas
escolas e, em 2007, estendeu-se por toda a rede municipal pública de ensino.
26
No segundo encontro, a proposta inicial da escola era levar um “especialista” em
alfabetização que pudesse apresentar o modo de alfabetizar crianças com necessidades
educativas especiais. Eu e minha equipe de referência, juntamente , conversamos e
percebemos único qu, masde abordá-lo, Essa discussão foi coordenada por duas
professoras da Rede Municipal de Educação de duas escolas distintas. Elas trouxeram
suas práticas e suas reflexões de como buscaram saídas alfabetizar seus alunos. No
terceiro encontro foram discutidas diferentes concepções de currículo e como essas
concepções aparecem no dia-a-dia da escola.
Gostaria de destacar o primeiro encontro. Ele foi bastante instigante, pois
houve um importante movimento
de discussão sobre o que
pensamos/fazemos na escola.
Apesar de o tema da reunião ser
o sistema de organização escolar
em ciclos, pudemos discutir a
escola e seu cotidiano como um
todo. A apresentação do trabalho
das outras escolas também
propiciou que se colocassem em
questão certos saberes/fazeres
cristalizados. Talvez o mais importante nessas práticas seja a possibilidade de se colocar
no lugar do outro e exercitar uma atitude de potência frente às questões a serem tratadas.
Muitas vezes, vivencio nessa escola essa postura. Identifico entre as professoras um
duplo processo de inquietação: um movimento que as coloca em constante busca de
saberes/fazeres, e outro que afirma seus fazeres/saberes, que lhes “certezas” de que
estão no caminho certo.
27
Os sujeitos escolares
A escola conta com : duas cozinheiras, dois funcionários de apoio, oito
professoras regentes do ensino fundamental, três professoras regentes de educação
infantil, quatro professoras extras,
5
uma professora de apoio, duas professoras para sala
de recursos,
6
uma professora de artes, um professor de educação física, um técnico de
informática, uma secretária, uma diretora, duas coordenadoras de turno, uma
orientadora escolar e uma supervisora escolar para atender a 250 alunos
aproximadamente.
Minha inserção na Fundação Municipal de Educação – /RJ
Apresento, a seguir, o organograma da FME/Niterói na tentativa de localizar o
lugar que ocupo no nível central da rede municipal de educação de Niterói. Fazendo um
recorte do setor pedagógico, parto da Superintendência que está diretamente ligada à
Presidência da referida fundação.
PRESIDÊNCIA DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE ENSINO
Assessoria de Estudos e Pesquisas
Assessoria de Formação Continuada
Departamento de Gestão Escolar
Departamento de Programas e Projetos Especiais
Programa Criança na Creche
Departamento de Políticas Pedagógicas
Coordenação Geral de Educação Infantil
Coordenação de 1o e 2o ciclos (equipe da qual sou integrante)
Coordenação de 3o e 4o ciclos
Coordenação de Informática Educativa
Coordenação de Educação Especial
Coordenação de Articulação Pedagógica
5
Esses professores são denominados professor de referência do ciclo, e sua função é de apoio às turmas
para viabilizar ações de flexibilização dos espaços/tempos escolares. Na escola da pesquisa esse
profissional é denominado professor reagrupador, em alusão a seu trabalho, em que reagrupamento
dos alunos por critérios combinados pelos professores da escola.
6
Sala de recursos é o espaço destinado ao atendimento diferenciado, individual ou coletivo de alunos com
necessidades educativas especiais.
28
Coordenação de Educação de Jovens e Adultos
Coordenação de Promoção de Leitura
N
est
– Núcleo de Estágio
Núcleo de Educação e Prevenção
Núcleo de Educação e Saúde
Núcleo de Educação Ambiental
Formação pela escola
Em 2003, fui convidada a trabalhar no nível central da Fundação Municipal de
Educação de Niterói na Comissão de Reorientação da Aprendizagem.
7
Posteriormente,
em 2006, essa coordenação fundiu-se com a Coordenação de 1
o
e 2
o
ciclos do ensino
fundamental da qual faço parte atualmente (2007). Minha função na coordenação é
acompanhar o trabalho pedagógico de três escolas do pólo I (Centro de Niterói) .
Em 2006, com o propósito de romper com a fragmentação do atendimento das
coordenações às escolas, a Superintendência de Ensino adotou outro critério de
composição das equipes, que passaram a ser integradas por profissionais de diferentes
coordenações. Essa forma de organização foi denominada Equipe de Referência e tem
como função acompanhar o trabalho pedagógico na escola como um todo integrado na
tentativa de não-fragmentação das práticas pedagógicas nas escolas.
Faço parte da ER (equipe de referência) n
o
3, composta por integrantes da
coordenação de informática educativa, da educação especial, da gestão, do 3
o
/4
o
ciclos e
de 1
o
e 2
o
ciclos. As escolas que estão sob nossa responsabilidade são do pólo I: Escola
Municipal Ayrton Senna, Morro do Estado (primeiro segmento do ensino fundamental
e educação de jovens e adultos); Escola Municipal Nossa Senhora da Penha, Ponta da
Areia (educação infantil e primeiro segmento do ensino fundamental); e Escola
Municipal Santos Dumont, bairro de Fátima (1
o
ao 4
o
ciclos do ensino fundamental).
O acompanhamento às escolas deve ser semanal ou quinzenal, de acordo com a
demanda. A visita pode ser feita individualmente ou em equipe, conforme seu objetivo.
Nosso propósito é passar a integrar a equipe da escola, colaborando para que ela
construa saídas coletivas para seu funcionamento.
7
Trata-se de um projeto desenvolvido na rede municipal de educação de Niterói no período de 2000 a
2006. Seu objetivo era oferecer atendimento diferenciado aos alunos retidos ao final de cada ciclo com
vistas à retomada de sua trajetória escolar.
29
Minha inserção na E. M. N. S. Penha
Meu primeiro contato com a escola foi em 2003, quando eu fazia parte da
Comissão de Reorientação da Aprendizagem. Meu trabalho, nessa época, era
acompanhar o atendimento de alunos retidos nos dois primeiros ciclos. A rede
municipal de Niterói implantou o sistema escolar por ciclos em 1999, mas, desde 1994,
havia sido adotado o sistema de promoção automática, o que, segundo o discurso oficial
da época, levou a distorções na relação idade/ano de escolaridade. A Comissão de
Reorientação da Aprendizagem foi pensada como uma estratégia para oferecer, aos
alunos retidos ao final de cada ciclo, um trabalho diferenciado a fim de que esses alunos
retomassem sua trajetória escolar.
Apesar de ser professora de escola pública certo tempo, era novata na rede
municipal (aproximadamente quatro anos) e era a primeira experiência num trabalho em
nível central. Então, com a função de mapear os alunos retidos da escola, selecionar um
professor com perfil para esse atendimento e garantir um trabalho diferenciado para eles,
cheguei na E. M. Nossa Senhora da Penha.
Acho importante dizer que eu tinha, e às vezes, parece-me, ainda tenho, a
percepção de que o professor da rede pública, em geral, apresenta uma postura
descompromissada com seu trabalho e, portanto, eu precisava “cobrar” deles esse
trabalho e proteger os alunos de seus algozes.
Como esses sentimentos tão desmobilizadores se foram consolidando em minha
trajetória profissional/pessoal?
Em 1988, ingressei na rede estadual de ensino como professora, passando por
três escolas no período em que nela trabalhei. A primeira situava-se na periferia de
Niterói, em Santa Bárbara. Sentia-me muito incomodada com a postura de grande parte
dos professores e com a infra-estrutura que (não) tínhamos para trabalhar. Na segunda,
uma escola de educação infantil havia uma proposta unificada de trabalho. Foi bastante
significativo vivenciar esse espaço, pois pude ver que, num mesmo lugar (localizava-se
na mesma rua da primeira escola) e com crianças da “mesma” realidade, era possível ter
escolas com concepções bastante diferentes.
Pedi exoneração para ingressar, por concurso, na rede municipal de educação
do município de Aperibé (estado do Rio de Janeiro) no cargo de psicóloga. Essa outra
forma de atuação possibilitou-me ver a escola de ponto de vista diferente: o da
medicalização da relação ensino-aprendizagem. Por questões pessoais, pedi exoneração
30
desse cargo e trabalhei por cerca de dois anos fazendo psicoterapia em consultório
particular, já no município de Niterói.
Voltei a trabalhar como professora de uma escola particular, o Centro
Educacional de Niterói. Sintetizo esse momento como o de ressignificação da educação
em minha vida pessoal e profissional. No curto espaço de tempo em que estive lá, em
1998 fui demitida por contenção de despesas , pude vivenciar um intenso processo
de formação.
No ano seguinte, trabalhei em duas escolas: uma particular, de educação infantil,
e outra, pública (municipal), de ensino fundamental, experimentando, assim, duas
realidades bastante distintas. Vivi a contradição de estar em dois espaços com gicas
diferentes e pude optar por um trabalho que me instiga por sua potência transformadora.
Na escola particular eu sentia que minha energia não crescia tanto quanto na escola
pública com os alunos de classes populares. Então, terminado o ano letivo, pedi
demissão da escola particular e pude ter certeza de que eu era melhor professora na
escola pública.
Acredito que essas passagens por diferentes espaços escolares, com diferentes
perspectivas profissionais e em diferentes sistemas (público, privado, série, ciclos) me
constituíram numa professora que passou a questionar algumas posturas existentes na
rede pública, relativas a certa “autonomiade trabalho que, às vezes, parece resvalar
para atitudes descompromissadas. Há, do meu ponto de vista, certa liberdade, um
arremedo de democracia capaz de favorecer que as salas de aula sejam ilhas isoladas e
desconectadas entre si. Em algumas, eu vejo a cristalização de um pensamento
etnocentrista, que desconsidera o outro. Paradoxalmente, é nessa escola, a pública, que
o outro se apresenta com mais força, um outro subalternizado muitas vezes. Com a
crescente garantia de acesso às escolas, as classes populares chegam, nelas ficam e se
apresentam a essa instituição que, muitas vezes, não sabe lidar com as diferenças. Como
ser professor na escola pública para classes populares? eu me perguntava.
Então, com esses e outros modos de estar e de ser, fui para a escola no morro da
Penha a fim de cumprir “minha obrigação”: garantir que os alunos retidos nos dois
primeiros ciclos fossem atendidos por profissionais que realizariam um trabalho
diferenciado.
Foi uma das primeiras vezes em que me deparei com uma direção que “lutava”
por um trabalho pedagógico unificado e questionava, com veemência, o fato de esse
trabalho isolado a ser feito dentro de “sua” escola ter orientação “de fora”. Na minha
31
percepção, havia, por parte da direção, interesse por um professor extra e isso precisava
ser negociado. No entanto, em nenhum momento, a direção abriu mão de desenvolver o
projeto que a escola, coletivamente, já havia definido como estratégia capaz de enfrentar
a reprovação. Foi importante entender essa atitude de afirmação do trabalho, sem juízos
de valor, pois questões que não podem ser negociadas. Essa postura da escola foi
importante para minha formação e me fez redimensionar meus saberes/fazeres acerca
das possibilidades de uma educação de qualidade na escola pública.
Nessa época uma política da Fundação Municipal de Educação de Niterói
recomendava que em cada escola houvesse um professor de reorientação da
aprendizagem, responsável pelo trabalho com os alunos retidos ao final de cada ciclo. A
escola, todavia, tinha outro entendimento. Instalou-se um conflito. Como lidar com ele?
O nome do projeto da escola era “Trabalho preventivo” e nele os alunos de todas
as turmas poderiam ser atendidos, do primeiro ano ao quinto ano de escolaridade. A
questão para a escola me parecia ser que o professor (o de reorientação) respeitasse o
planejamento do grupo e atendesse aos alunos que eles (escola) considerassem
necessário.
Nesse ponto, divergiam da proposta do nível central, que priorizava o
atendimento aos alunos retidos ao final de cada ciclo. Naquele momento foi importante
ouvir a escola e entender sua lógica, para então negociar o que seria realizado a partir
daquele descompasso entre nível central e escola. Percebendo que, embora nomeados de
forma diferentes e com atuações distintas, tanto a proposta da Fundação como a da
escola se aproximavam em sua finalidade, não vi por que insistir na da Fundação.
O acompanhamento que eu fazia era semanal ou quinzenal, na própria sala de
aula, com a professora de reorientação e os alunos, bem como através da discussão dos
trabalhos realizados e pensando estratégias para cada grupo nas reuniões centrais do
pólo (mensalmente).
Cabe ressaltar que eu sempre enfatizava o grupo de alunos retidos e que a equipe
técnico-pedagógica queria falar da escola, de seus projetos, e eu fui “obrigada” a olhar
um pouco além da sala de reorientação e da lista de retidos que eu carregava e defendia.
Numa dessas visitas periódicas, pude acompanhar a professora de reorientação
em pleno desenvolvimento do trabalho na escola. Ela ensaiava os alunos de uma turma
para a culminância de um projeto. Todos da turma estavam envolvidos (retidos e não
retidos), a professora de reorientação e a da turma regular também, havia uma co-
responsabilidade pelo trabalho. Eu não podia interferir nesse movimento da escola em
32
nome de uma “ordemoficial. A escola tinha um movimento próprio, que precisava ser
respeitado, eu pensava. Seus fazeres contribuíam para a construção de uma proposta
coletiva de trabalho e por uma cultura escolar que parecia positiva. O grupo docente tem
um forte discurso de unidade de trabalho: “uma escola não pode funcionar como se cada
sala de aula fosse uma ilha e sem comunicação com seus vizinhos”. “Aqui temos um
projeto para todos, e cada um que entra vai entrando no trabalho pensado por todos.” O
resultado do trabalho, em termos de aprovação, foi significativo naquele ano. O maior
resultado, no entanto, era entender que aquele grupo trabalhava com muita vitalidade
para que seus alunos tivessem uma escola que eles, os professores e a equipe de
articulação pedagógica, julgavam de qualidade.
Em 2004, trabalhei no pólo IV (região oceânica de Niterói). No ano seguinte
retornei ao pólo I, na coordenação de 1
o
e 2
o
ciclos, e com olhar “oficial” um pouco
mais ampliado para a escola. Em 2006, iniciou-se o trabalho de ER (descrito no início
deste texto) e com o foco em três escolas do pólo.
Acredito que meu nculo com a Escola Nossa Senhora da Penha se fortaleceu
em função do número de visitas e da forma mais abrangente de entender suas questões.
Também atribuo isso ao processo de entender o modo de atuar desse grupo. Ao
chegarmos a um espaço qualquer, como não poderia deixar de ser, trazemos nossas
marcas e, a princípio, é com elas que operamos. Quando nos propomos o mergulho
(Alves, 2003) no cotidiano estamos propondo um modo de entender essa realidade
assumindo sua complexidade. Também precisamos estar atentos às naturalizações que
vêm com a familiaridade. Em diálogo com Homi Bhabha:
É apenas quando compreendemos que todas as afirmações e sistemas
culturais são construídos nesse espaço contraditório e ambivalente da
enunciação que começamos a compreender porque as reivindicações
hierárquicas de originalidade ou “pureza” inerente às culturas são
insustentáveis, mesmo antes de recorrermos a instâncias históricas
empíricas que demonstram seu hibridismo. (Bhabha, 1998, p. 67)
[...] É significativo que as capacidades produtivas desse Terceiro
Espaço tenham proveniência colonial ou pós-colonial. Isso porque a
disposição de descer àquele território estrangeiro –– para onde levei o
leitor –– pode revelar que o reconhecimento teórico do espaço-cisão
da enunciação é capaz de abrir o caminho à conceitualização de uma
cultura internacional, baseada o no exotismo do multiculturalismo
ou na diversidade de culturas, mas na inscrição e articulação do
hibridismo da cultura. Para esse fim deveríamos lembrar que é o
“inter” –– o fio cortante da tradução e da negociação, o entre-lugar ––
que carrega o fardo do significado da cultura. Ele permite que se
comecem a vislumbrar as histórias nacionais, antinacionalistas, do
33
“povo”. E, ao explorar esse Terceiro Espaço, temos a possibilidade
de evitar a política da polaridade e emergir como os outros de nós
mesmos. (Ibidem, p. 69)
Por tudo isso não considero o lugar do pesquisador no/do/com os cotidianos um
lugar calmo e conquistado. Muito pelo contrário. Considero que nossa condição de
estar em pesquisa envolve essa flutuação, essa liquidez nos nossos próprios modos de
entender o outro e nós mesmos. que assumir uma aproximação do grupo, uma
implicação com os sujeitos e seus usos sem perder o estranhamento. Sinto-me portadora
de uma identidade híbrida. Num lugar que não se fixa, na fronteira, no entrelugar. Em
negociação.
34
INTERMEZZO 2 – Deslocamentos nas “ações potentes”
No mesmo plano o mapa junta lugares heterogêneos, alguns recebidos de uma tradição e
outros produzidos por uma observação.
[...]
O palco, cena totalizante onde elementos de origem vária são reunidos para formarem o
quadro de um estado do saber geográfico, afasta para a sua frente ou para trás, como nos
bastidores, as operações de que é efeito ou possibilidade.
O mapa fica só.
As descrições de percursos desapareceram.
(Certeau, 1994, p. 206/207)
Inventariando ações potentes no espaço escolar
Aprendi que era necessária uma mudança de postura se eu quisesse entender a
lógica do outro. Uma das primeiras atitudes que eu precisava exercitar era a condição de
sujeito que o outro inexoravelmente possui. Isso nos constitui nesse mundo, e a escola
que foi escolhida para a pesquisa se reconhece potente para exercitar sua prática em
plenitude. Não estou falando de um lugar romântico e ingênuo, o paraíso em que todos
trabalham em prol da educação de qualidade. Não sei se pensam que o modelo
econômico capitalista exclui grande parte da população e que a escola pública precisa
trabalhar numa lógica diferente para reinventar outros modos de atuação. Não sei se
pensam que as classes excluídas precisam das ferramentas de luta desse modelo para
que os alunos possam também “jogar o jogo” do sistema para, quem sabe, enfraquecê-lo.
Não sei se é assim que a escola pensa/faz. Eu, entretanto, às vezes penso e, outras vezes,
me vejo negando tudo isso.
As atitudes, posturas que tenho vivenciado com essa escola, do meu ponto de
vista, estão em outra lógica. Baseiam-se numa racionalidade prática que sente toda essa
tensão entre macro e micro, mas tem de dar respostas sem formular tantas questões, ou
melhor, me parece que essas formulações também acontecem, mas está tudo muito
interligado, indivisível. Não estou dizendo que, nesse universo, não reflexão; na
verdade, estou afirmando a existência de uma movimentação em que tudo isso está em
jogo. Essa me parece ser a riqueza desse espaço. Como levar um projeto político
pedagógico adiante com tantos atravessamentos? Como não paralisar diante dos
impasses? Como vivenciar a democracia, o autoritarismo nas relações entre professores,
35
alunos e funcionários? Que sínteses/complexidades precisam ser vivenciadas para
deixar-se atravessar pelo devir? Qual o nível de mobilidade, de flexibilidade exigido
pelo cotidiano? Como respeitar o tempo de cada um e ter que dar respostas a todos?
Todas essas questões me acompanham e estão em jogo. Outras tantas, que nem
sequer posso enunciar estão em mim e nos outros nesse processo. Um primeiro
movimento de busca de indícios que me fizeram escolher essa escola e ser por ela
escolhida foi o de inventariar fazeres/saberes desse cotidiano.
Talvez coubesse aqui problematizar o caráter coletivo desses fazeres/saberes.
Essa construção parte de iniciativas pessoais ou de pequenas alianças que demandas e
interesses instigam a fabricar. Também momentos formais, planejados, registrados,
nos quais são discutidas coletivamente as formas de fazer. os momentos regulatórios,
em que se garante a realização dos acordos coletivos. Essa regulação se origina das
próprias professoras, bem como dos cargos de liderança que ocupam. Parece ser um
processo auto-regulatório.
Havia práticas que eu –– com minhas referências, é bom que se diga ––
considerava da ordem da regulação e do controle. Exemplo disso é a prática de a
supervisora “dar visto”, semanalmente, nos cadernos de plano das professoras. Isso
sempre me incomodou em minha vida profissional. Eu pensava (ponto de vista do
professor avaliado): até onde iria a autonomia da professora? estaria o supervisor
exercendo um papel de controle sobre as professoras? estaria diante de uma postura na
qual separação e hierarquização entre teoria e prática? os que pensam e os que
executam? seria essa uma forma burocrática de coordenar o trabalho?
No decorrer da pesquisa, as professoras, ao ler o texto que foi feito para o
Exame de Projeto, colocaram em debate essa questão do controle. A parte do texto que
se referia a essa prática e que foi muito questionada era: “havia muitas práticas que eu
considerava retrógradas, como, por exemplo, uma prática de a supervisora “dar visto”,
semanalmente, nos cadernos de plano dos professores” (fragmento retirado do texto
enviado à escola em dezembro de 2007). As professoras declaravam não se sentir
controladas pela supervisora. Sentiam que havia alguém a olhar o que estavam fazendo
e que poderia trazer contribuições para sua prática. No depoimento, afirmavam que a
postura era de parceria, de compartilhar o que faziam. O caderno de planejamento servia
para compartilhar o que se passava em sala de aula, o que, em grande parte, não era
possível nos planejamentos semanais, visto o pouco tempo a eles destinado. Segundo as
professoras, a supervisora, além de saber o que se passava, sempre trazia contribuições
36
para as atividades desenvolvidas e, sempre, dialogava com elas através do caderno
como também pessoalmente. Considero que controle nessa ação! Um controle na
positividade que esta ação (controle) pode ter. Parece que possibilidade de diálogo e
troca de saberes a partir das observações da supervisora.
Outras questões afloram em meio à discussão: essa forma de trabalho também
não poderia ser um modo de incentivar os professores a registrar seus fazeres/saberes?
não seria uma forma de acompanhar o trabalho desenvolvido em sua ausência?
controle nesse fazer? o que buscaria a supervisora ao avaliar os trabalhos das
professoras? não seria uma forma de compartilhar o que se passa em cada sala de aula?
o controle também poderia servir como o olhar do outro, o estranhamento que me ajuda
a redimensionar o trabalho? também serve para implicar os cargos de liderança no
trabalho da sala de aula?
Outra prática era a punição” aos alunos que não cumpriam a tarefa: ou ficavam
sem a aula de recreação, ou sem o recreio. Eu também recorri a esse recurso. A
disciplina é item bastante exigido nas escolas em geral e nessa em particular. ouvi o
relato de uma cena em que se percebia a presença da punição, que havia a punição, mas
também de engajamento, de indignação em aceitar que um aluno pudesse não estar
aprendendo ou estivesse negligenciando uma tarefa. A situação dava-me pistas de que o
envolvimento daquela professora com aquele aluno era intenso-tenso, talvez mais
próximo da experiência do que da vivência se dialogamos com Benjamin. Pergunto-me:
seria mais indicado essa professora ser asséptica e não se envolver? Se considerarmos
nossa formação, esse recurso é compreensível. Também não consigo deixar de pensar
nas relações de submissão que se estabelecem. É isso que buscamos? O que buscamos?
Pois bem, diante dessas contradições e no movimento de interação e
interlocução com esses fazeres, tanto na escola como em outros espaços de discussão (a
reunião de equipe semanal, a reunião de pólo), fui tentando desconstruir o olhar
totalizador e racional para as situações.
Com isso, tento exercer a postura de rever as certezas que levamos/trazemos aos
/dos espaços que freqüentamos. E, mais do que isso, escapar da lógica que privilegia o
discurso. Exercer a postura de escutar, observar, confrontar as idéias e compreender o
compreender do outro (Maturana, 1998). Tenho discutido e conversado com pessoas da
escola, do mestrado, dialogado com teóricos como Certeau (1994), e para mim passou a
fazer mais sentido perceber a escola em suas relações, em seus usos, e não em pontos
cristalizados.
37
Trabalho preventivo
O nome que a escola atribui a seu projeto, “Trabalho preventivo”, pode nos dar
pistas de certo pensamento dominante. De uma maneira geral, pode-se dizer que esse
grupo docente tem como concepção a educação clássica: a de formar o ser humano
herdeiro da cultura ocidental, branca dominante. A organização escolar por séries
estaria muito próximo desse modelo. No entanto, pretendo trazer aqui outros elementos
para refletirmos sobre essa experiência, que estou considerando uma ação
transformadora ainda que também guarde relações com práticas conservadoras. A fim
de problematizar nossos pensares, nossos fazeres vou entretecendo essas teias e
questionando vivamente o discurso monolítico.
O próprio nome do projeto é bastante significativo e nos leva a pensar numa
postura excludente, que considera alguns alunos defasados em comparação com outros.
Os alunos são classificados por níveis de aprendizagens, verificando-se clara
hierarquização de saberes. Há, pelo menos, duas lógicas a serem negociadas: a
permanência da concepção de que os alunos estão defasados e precisam ser recuperados
–– o quanto antes melhor ––, pois assim não se acumulam as dificuldades. E há,
também, o conhecimento da importância de atender cada um em suas características, em
seus tempos, partindo do que ele saiba e buscando estratégias para concretizar esse
objetivo. Percebo nesse universo escolar um movimento que aponta para o
entendimento de que todos os professores são responsáveis pela aprendizagem de todos
os alunos e que não podem esperar até o final do ciclo para agir.
certo tempo que esse “trabalho preventivo” me instiga. Todas as vezes que
eu ia até e conversava com as professoras (tanto as que concordavam com esse fazer
quanto as que tinham restrições), era, cada vez mais, invadida por dúvidas. Seria
contraditório ter essas impressões? Saía de com a boa sensação de que a escola
pública podia fazer e “fazia a diferença” na vida de seus alunos. Racionalmente, porém,
não entendia o porquê dessa sensação. Talvez porque eu também vivenciasse
situações com as quais não concordava. Mas haveria algum lugar em que se pudesse
encontrar coerência total? Poderia eu avaliar o outro tomando por base as minhas
referências somente? Seria possível uma relação “harmônica”? Que concepção temos do
mundo? Ou, melhor, existe esse mundo organizado, idealizado? Fiquei muito tempo
tentando digerir essas informações, dúvidas, impressões, maneiras de fazer.
38
O mural na altura dos olhos
Um dos usos da escola é colocar o mural na altura dos olhos das crianças.
Indaguei sobre isso, e a resposta foi que, assim, as crianças poderiam acompanhar o
trabalho das outras turmas e também mostrariam o seu próprio trabalho. Outra
professora observou que o fato de fazer o mural ressignifica a construção de textos
na sala de aula. O trabalho de revisão do texto pode materializar-se pois, ao planejar
sua exposição, a necessidade de considerar o leitor ganha ainda mais força. Também
serve para que a família acompanhe o trabalho de seus filhos na rotina de pegá-los na
escola. Esse “simples” mural constrói um sentimento de valorização de cada aluno,
professor e da família. As relações de poder aluno/professor e professor/pais podem
relativizar-se um pouco, na medida em que o mural seja instrumento, uma prestação de
contas do trabalho realizado na escola. Os pais não precisam saber o que seus filhos
fazem na escola?
Do ponto de vista das professoras, pode-se dizer que tal prática institui um
movimento de repensar as estratégias utilizadas, pois elas também fazem breve registro
do trabalho desenvolvido naquela produção. Poderiam algumas delas sentir-se tuteladas
com essa prática de fazer mural? Como essa prática se no dia-a-dia da escola?
39
Haveria cobrança e/ou incentivo em desenvolver esse trabalho? Como teria nascido essa
cultura escolar? E como ela se atualiza entre os sujeitos da escola?
Ao perguntar à diretora como surgira a idéia do mural mais baixo, na altura dos
olhos das crianças, fui informada de que se devia ao fato de não haver mais espaço em
cima. Na condição de pesquisadora, eu havia elaborado toda uma teoria, com
começo-meio-fim, de como tal prática se havia instituído. No meu imaginário, inúmeras
assembléias teriam sido necessárias para legitimar aquele fazer. Para a escola, porém,
era uma prática prosaica e nem por isso menos valiosa. Estar com o cotidiano pode
ajudar-nos a tomar cuidado com nossos olhares cartesianos para a vida. Por que tudo
deve ter uma explicação? Por que por quês?
Projeto Leva e Traz
Este trabalho iniciou-se em 2006 após o entendimento entre as professoras de
que, se elas tinham como carro-chefe a leitura e a escrita, elas precisavam desenvolver
alguma ação no sentido de aproximar alunos e familiares do universo letrado. A escola
entendia que o contato dos alunos com livros deveria acontecer também em casa com
seus familiares. Para ela a família deve ser um importante aliado na aquisição da leitura
e escrita dos alunos. Assim, a escola disponibilizou todo seu acervo de livros para esse
projeto. Toda semana os alunos escolhem um livro ser levado para casa.. uma ficha
de controle de entrada e saída do livro e uma atividade a ser realizada em parceria
com a família que varia de acordo com a turma. Toda sexta-feira os alunos levam para
casa uma pasta assim composta: livro, ficha de controle e atividade. O retorno dessa
pasta inicialmente era às segundas-feiras. No entanto, após avaliação do grupo docente,
essa data foi modificada para terça-feira em função de que havia um grande quantitativo
de alunos que não traziam o livro de volta na segunda. Depois dessa mudança essa
devolução acontece a contento. Os professores regentes são responsáveis pelo controle
de entrada e saída desse material da escola, pelas atividades e pela mediação pedagógica
desse projeto: a escolha do livro, os cumprimentos dos prazos de devolução, o cuidado
com o material e comentários sobre os temas suscitados pela leitura.
40
Essa é outra iniciativa da escola que eu gostaria de destacar. Como foi acima
descrito, esse projeto nasceu do entendimento da escola de que os alunos precisavam e
queriam compartilhar com seus familiares o acesso ao acervo literário da escola. A
diretora fala com muito orgulho, empenho e satisfação por esse projeto:
A escola comprou cerca de 250 pastas plásticas, da melhor qualidade
[ênfase nessa palavra], com o dinheiro do adiantamento. Fez estas
fichas para controle de saída e entrada dos livros. Fez uma reunião
com os pais e explicou quais eram as regras, como cuidado para não
sujar, ler com o filho, fazer a atividade enviada pela professora, levar
na sexta-feira e entregar na segunda, e falou da importância da leitura
na vida deles. Ah, e cada professora faz o controle dos livros da sua
sala. (Fala da diretora, recuperada pela memória da pesquisadora)
Observa-se a centralidade da resposta na forma de organização da escola, na
pedagogização dessa singular ação educativa. Isso também educa, sabemos. Seria
importante discutir com o outro e consigo próprio como tratar esses conhecimentos?
Qual seria a importância em cobrar das crianças e das famílias o compromisso com a
devolução dos livros? Por que enfatizar que deveria haver uma tarefa pedagógica além
do simples ato de levar o livro para casa? Qual o sentido de ações desse tipo
para esse
grupo de professoras? Como os pais vêem a chegada desse livro em suas casas? E os
alunos? O que pensariam a respeito?
41
Roda de leitura
Trata-se de mais uma invenção desse cotidiano, com elementos de práticas
comuns em outras escolas. O diferencial da roda de leitura dessa escola é que ela
acontece quinzenalmente e há toda uma preparação para esse dia. Um aluno (ou dois) de
cada turma é escolhido –– ou porque ele quer, ou porque é instigado pela professora ––
para ler um texto selecionado por eles. Esse texto em geral está sendo trabalhado na
turma sob os aspectos entonação da voz, postura de orador, interpretação de texto, entre
outros. Essa atividade traz a idéia de reunir para contar e ouvir estórias. Toda a escola,
da educação infantil ao quinto ano do ensino fundamental dela participa, e, a partir das
leituras, abre-se um debate puxado por um dos professores.
Como o grupo decide um trabalho coletivo envolvendo todos os professores?
Como se estabelece uma rede de relações capaz de sustentar ações entre tantos
profissionais? O que pode estar sendo vivido por professores e alunos de diferentes
turmas, ou melhor, de todas as turmas? Esse movimento de ler e ouvir estórias não
poderia resgatar aquilo que Benjamim (1995, 2002) afirma estarmos perdendo na
modernidade: a capacidade de ouvir e narrar experiências?
Oficina de textos
A periodicidade desse trabalho também é quinzenal. Nesse dia os professores
coordenam atividades em turmas diferentes das suas. Eles decidem coletivamente que
professor irá para qual turma e como será o trabalho. O tema, em geral, está ligado ao
projeto em desenvolvimento no período. O foco do trabalho é a produção textual, um
dos carros-chefes da escola, juntamente com a leitura. Essa ação também envolve toda a
escola, e há troca de professores nas turmas para fazer a oficina de textos com os alunos.
Percebe-se, por um ângulo, por trás da atividade certo controle e tentativa de
padronização da escola; por outro, esse trabalho pode favorecer o contato das diferentes
professoras com outros alunos, e isso lhes possibilita compartilhar o trabalho
desenvolvido individualmente. “A opinião dos nossos colegas”, elas afirmam, “nos
ajuda no planejamento semanal, no CAC (Conselho de Avaliação do Ciclo)
8
também,
pois assim todas nós podemos conhecer a produção dos alunos de outros grupos e
também podemos avaliar o nosso próprio trabalho ao avaliar o trabalho dos alunos.” O
8
Trata-se de uma instância de deliberação e é composto por todos os professores do ciclo mais o
professor de referência do ciclo e da EAP (equipe de articulação pedagógica); ocorre trimestralmente, e
nesse momento é elaborado o relatório de avaliação de cada turma e de cada aluno.
42
quanto essa circulação pode potencializar as relações entre os diferentes sujeitos da
escola? Tal ação pertence a um campo? pedagógico, político, institucional ou
filosófico? a nenhum? a todos? Como entendemos nossos fazeres/saberes na escola?
43
Reunião geral: prestação de contas
Esse tipo de reunião é, comumente, considerado uma ação menor. Eu engrossava
essa estatística quando senti a força de uma argumentação pela compra de um tapete:
Meninas, eu preciso falar com vocês como foi gasto cada centavo da
nossa verba. É o seguinte... [e foi apresentando os recibos
correspondentes a cada item comprado] Este aqui é do tapete; eu
comprei dois. O que está na entrada, vocês viram? está todo
gasto, e é a porta de entrada da nossa escola. Ela não pode estar
com uma aparência de desleixo. É AO PISAR QUE O ALUNO,
SEU PAI, SUA MÃE SENTEM COMO NOSSA ESCOLA É [...
]
eu sei que o tapete dura aproximadamente quatro meses e como não
teremos verba para sua compra no início do ano, já comprei o tapete
substituto agora. (Fala da diretora, recuperada por minha memória)
Essa fala pode ratificar discurso recorrente entre pedagogos de que as diretoras
das escolas estão muito mais ligadas ao administrativo do que ao pedagógico. Esse
exemplo acima destacado seria uma prática burocrática que gasta o precioso tempo da
escola com questões tão pequenas? Com o cotidiano, entendi que ter um tapete na
entrada em boas condições pode dar um sentido outro à escola. Os usos do espaço
dizem muito de qual é a concepção de educação vigente. Fazer questão de abordar esse
assunto com essa ênfase, numa reunião de prestação de contas, não anunciaria um outro
modo de ver seus alunos e os próprios colegas professores? Esse grupo parece estar
preocupado em discutir detalhes tão pequenos. Será que intencionalidade maior por
trás disso? Precisamos escavar essas ações, buscando um sentido outro além do de
pisar-um-tapete-limpo-e-novo?
Essas são algumas das ações que, neste texto, trago à discussão. No entanto,
posso dizer que há outros momentos, em comunhão a tantos outros, que talvez eu nunca
tenha vivenciado e que oferecem as circunstâncias para esses espaços/tempos
acontecerem. Meu campo de enunciação é limitado pelos sujeitos sociais que se
superpõem em mim e, o que eu consigo apreender, parece despontar em diversas
direções. Está sendo necessário desenhar uma outra forma de registro para trazer tantos
deslocamentos para esta dimensão do escrito. Há deslocamentos nessas ações potentes?
44
INTERMEZZO 3 – Estranhamentos
Não há um ponto de referência; nem mesmo a Terra pode ser um ponto de referência,
pois nem mesmo a Terra que tomamos como chão e sustentáculo pára.
Qualquer referência é apenas um artifício para possibilitar o estudo, a explicação das
complicadas forças que colocam as paisagens em devir.
(Corazza, Tadeu & Zordan, 2004, p.82)
Fico me perguntando: será essa escola mais uma escola que reflete as
características da escola moderna? Como o aspecto físico de um espaço como a escola
age sobre nossos corpos? E seus cheiros? Seriam pistas dos usos desses praticantes
(Certeau, 1994) nesse espaço?
Uma escola, um lugar onde se aprende, se ensina e se faz pesquisa. Sua
arquitetura traz uma forte marca da vigilância: uma forma de adentrá-la e essa
45
forma é devidamente vigiada. Todos e cada um passam por esse espaço; serão
submetidos a controle? Foucault (1979, 1986) alerta sobre essas formas naturalizadas
de olhar, de viver, de usar os espaços e nos mostra o quanto isso forma e conforma os
sujeitos. Já ao pisar o tapete da porta de entrada da escola pode-se perceber alguns de
seus modos de usar: a organização, a limpeza, a pontualidade, o uso do uniforme, os
posicionamentos de alunos e professores, os lugares marcados de cada um desses
sujeitos. O mural exposto no corredor de acesso à escola também indica o lugar
privilegiado do saber/poder. Eu conheço, pelo menos, duas escolas com a “mesma”
configuração. Serão todas iguais? Usarão seus espaços da mesma forma? Sabemos que
não. Será? Será que sabemos?
Faço essas observações no sentido de ir apresentando esse espaço que traz
marcas de forças ora mais emancipatórias e ora mais reprodutivistas. Podemos
considerar que marcas de chamamento à leitura, como o mural estar à altura dos
olhos das crianças. Com isso os alunos têm acesso à exposição dos trabalhos e podem
conhecer o que é a prioridade anunciada e defendida por essa escola: a leitura e a escrita.
essa imagem primeira pode nos fazer pensar em várias possibilidades de usos. O
que esses alunos aprendem ao ver expostas nos murais suas produções escritas? O que
aprendem antes, ao participar de sua execução? Tanto podem sair embevecidos por
perceber sua capacidade de produzir o que a escola orienta como podem sentir que os
saberes que o ajudam a viver fora da escola não são considerados importantes, entre
tantas outras possibilidades. Vamos pensar, agora, num pai ou numa mãe entrando na
escola. Ele pode examinar, apreciar, controlar ou ignorar o trabalho exposto nesse mural.
E essa me parece ser uma riqueza de possibilidade do olhar para os espaços que
funcionam, dos usos que cada sujeito pode fazer, por exemplo, de cada ação pedagógica
que acontece na escola.
Seriam essas as análises fragmentárias e transformáveis que Certeau (1994) nos
propõe? Essa movimentação de desconfiar das certezas e de buscar diferentes
explicações para os fatos pode recolocar a multiplicidade nos discursos e práticas?
Como problematizar isso no cotidiano escolar? Como articular outras perguntas a essas
questões?
Com a modernidade consolidaram-se as respostas. Houve exigência de
padronizações, necessidade de distribuição dos indivíduos no espaço, do controle da
atividade, da vigilância hierárquica, da sanção normalizadora, do exame. Foram criados
46
vários dispositivos que servem muito bem a instituições como escolas, presídios,
quartéis, hospitais. Foucault (1986) nos ajuda a entender como isso foi tomando forma.
Há clara tendência dos sujeitos escolares (professores, pais, funcionários, alunos,
órgão central) a esquadrinhar cada um dos elementos que compõem essa escola. Como
isso é feito? Sob diferentes aspectos. Desde a tradicional chamada diária, as filas para
entrada, a organização das salas de aula em fileiras, a definição dos quadros de horários
de aulas de educação física e artes, os relatórios da Equipe de Articulação Pedagógica
enviados à sede, a definição da modulação escolar. Em todos esses aspectos
diferentes formas com as quais os sujeitos exercem seu poder-saber. A forma como
usam esses espaços-tempos pode convidar à disciplinarização dos corpos. Estariam as
práticas e os discursos indo nessa direção? Seriam esses elementos que nos fazem
caracterizar um espaço como escola? Isso nos foi ensinado na escola, na família, na
igreja, no trabalho. Como escapar? Queremos escapar desses usos naturalizados dos
espaços?
47
Numa lógica de avaliação classificatória (Esteban, 2003) essa escola apresenta
um bom rendimento escolar. Estou considerando duas avaliações: uma realizada pela
FME com base nas atas finais de cada turma com indicadores de presença (todos os
anos escolares) e de rendimento (ao final de cada ciclo), e outra de nível federal, a Prova
Brasil,
9
realizada no quinto ano de escolaridade. Sua classificação a localiza entre as
melhores escolas da rede municipal de educação de Niterói. O que levaria a esses dados,
ditos satisfatórios? Seria o fato de a equipe seguir à risca os preceitos da escola
moderna: sua organização curricular, sua disciplina, sua gestão administrativa, seu
planejamento pedagógico? Serão as singulares ões e apostas cotidianas que fazem
esse espaço pulsar ou poderia ser essa tensão de forças, constante, que vai inventando
outros modos de estar, de ser, de entender esses alunos/professores?
No cotidiano dessa escola, do meu ponto de vista, algumas formas peculiares
de lidar com os alunos que escapam ao princípio de homogeneidade presente na
instituição escolar. Eu observava o trabalho de uma professora da sala de recursos em
atendimento a dois alunos. Um terceiro pára junto à porta e pede para falar com ela. A
profesora diz que está ocupada e pede que ele volte mais tarde. Segue então seu trabalho
de produzir, com os alunos, bonecos (do tamanho da criança) que serão levados para
casa. A professora explica-me que a criança atendida apresenta uma questão emocional
e que a estratégia do confeccionar o boneco abriu um canal de comunicação entre ela e a
professora e começa a possibilitar a interação da aluna com outras crianças. A porta
da sala está aberta e percebe-se o burburinho da escola, mas os barulhos vindos das
salas são distantes. Nesse momento a escola está silenciosa. Não crianças passeando
pelo corredor. Toca o sinal do intervalo. Agora barulhos vindos do corredor. Passa
pela porta uma turma de crianças enfileiradas que descem para o recreio. O aluno
retorna à porta da sala e, mais uma vez, pede para falar com a professora.
9
A Prova Brasil expandiu a avaliação feita, desde 1995, pelo Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (Saeb). Enquanto o Saeb é feito por amostragem e oferece resultados no âmbito dos
estados e redes de ensino, a Prova Brasil é aplicada a todos os estudantes das séries avaliadas e apresenta
médias de proficiência por unidade escolar. As escolas participantes recebem os resultados, com a média
geral do desempenho de seus alunos. Gestores municipais e estaduais também recebem os dados sobre
desempenho. O material de divulgação contém um livreto com informações técnicas sobre a avaliação;
um cartaz com informações gerais sobre o exame; um segundo cartaz, com os indicadores específicos da
escola e tabela de resultados médios das demais escolas do município, da unidade da Federação e a média
nacional.
48
Trava-se então a seguinte conversa:
–– Já fiz o texto que você me pediu. Agora estou colocando em
formato de diálogo. Eu quero começar o ensaio do teatrinho, mas
preciso que você me ajude. (Fala do aluno)
–– Ah, que bom! Mas lembre-se de que só poderemos fazer isso
quando você acabar as atividades da sua professora! Deixe o texto
comigo e depois te chamo para combinarmos o ensaio.
(Fala da professora que eu observava)
Como o sinal havia tocado, os alunos saíram e fiquei conversando com a
professora. Ela, então, se referiu ao aluno que acabara de sair.
Este aluno é mais um dos meus agregados. Ele não é NEE, não, mas
estou fazendo um trabalho com ele. A professora dele veio me
procurar porque ele estava sendo rejeitado na sala de aula. Ele tinha
um mau cheiro danado! Tem um gênio difícil..., e a professora não
sabia como tratar a questão. Então, um dia, eu o convidei a vir aqui e
conversei com ele sobre a questão do mau cheiro. Conversamos sobre
a adolescência, os hormônios, os hábitos de higiene, etc. Daí,
chegamos à conclusão de que esse problema não era dele e
pensamos na possibilidade de fazer uma peça de teatro abordando a
questão. É por isso que estou atendendo esse aluno.
A professora justificava uma prática que faz parte do cotidiano da escola. São as
vinculações por afinidade, por interesse, por empatia, enfim; algumas professoras
são/estão mais abertas a algumas questões e têm mais afinidade com certos alunos do
que outras. Seu tom de prestação de contas passa pela normatização do espaço da sala
de recurso por parte da Fundação Municipal de Educação-FME da qual eu
(pesquisadora) faço parte. Há, inclusive, uma Portaria que caracteriza o espaço e o
serviço prestado, bem como a função do professor responsável. Não seria essa uma
linha de fuga que tensiona o uso que a Fundação pretende dar a essa sala? Será que ao
tensioná-la ela não avança em termos de dar sentido ao espaço e ao seu próprio
trabalho? As professoras não estariam criando outras possibilidades de se relacionar
com esse aluno? Isso não possibilita a produção de outros modos de existir, talvez mais
respeitosos e mais humanos? Talvez.
Até que ponto as normas, no caso a Portaria de criação da sala de recursos e da
definição de papéis dos professores de recursos, podem ser tensionadas? Considero que
potência nesses micropoderes que se vão capilarizando numa luta não dicotômica.
Não seriam opressores e oprimidos, mas relações entre os diferentes atores dessa
conjugação de forças: a FME e seu instrumento legal, a Portaria; os alunos rejeitando o
colega por cheirar mal; o aluno que permanece com mau cheiro e tem direito de vir à
escola; a professora que deve zelar por todos os alunos; a professora que pode ajudar a
49
intervir na questão; a pesquisadora/integrante da FME com seu olhar
“fiscalizador“ (uma leitura possível). Enfim, quantas forças estariam em jogo numa
simples cena do cotidiano escolar? Simples cena do cotidiano?
Cenas como essas
seriam tensões entre o que
está instituído e o que as
ações transformadoras são
capazes de produzir.
Produzem-se fissuras no
confronto de forças. O
movimento de busca de
parcerias (que a professora
do aluno-com-mau-cheiro
inicia) pode instaurar outros
modos de relacionamento?
Como esse processo social se
atualizaria em processos
individuais e vice-versa?
Se fosse de outra
forma seria melhor ou pior?
Não se trata de emitir juízos
de valor e sim de colocar
como, de acordo com
trajetórias percorridas, as
ações/relações acontecem e quais são as possibilidades de saída inventadas por essas
interlocuções escola/sujeitos/órgão central. possibilidade de existência sem relação
com “outros”? sem estranhamentos dos “outros” em nós? sem estranhar o mundo que
nos cerca? sem estranhar os cheiros que vão e vêm em cada um de nós?
50
INTERMEZZO 4 – Um certo devir-formiga
As palavras simples são
as mais difíceis de escutar.
Logo acreditamos que as entendemos
e, imediatamente,
sem ouvi-las, as abandonamos
e passamos para outra coisa.
(Larrosa, 2006, p. 186)
51
Algumas cenas prosaicas, alguns momentos impregnam-nos, inflam-se, inventam
conexões que se impõem e nos fazem encontrar com nossas histórias, fazem a nossa
história. As cenas relatadas a seguir ocorreram durante uma das minhas incursões pela
escola. Ao chegar a casa pus-me a escrever, sem conseguir parar. Não queria perder um
lance daquela sensação.
São alguns fragmentos de apontamentos registrados, primeiramente, no corpo.
Depois, talvez por força da minha imersão numa cultura escriturística, no caderno de
campo. Tais sensações têm-me ajudado a problematizar minha relação com o pesquisar.
São caminhos e descaminhos que vou trilhando com a escola, na escola.
Niterói, 19 de setembro de 2007. Escola Municipal Nossa Senhora da
Penha. vinte dias que não vou à escola. Na segunda–feira combinei a ida à
escola com o propósito de apresentar as minhas primeiras impressões de pesquisa.
A conversa com os professores seria às 10h, no horário de planejamento semanal.
Cheguei no horário de entrada e acompanhei todo o processo de acolhida
dos alunos. Eles cantam o Hino Nacional e depois fazem uma oração cantada e
com movimentos performáticos. Todos os professores participam à frente de suas
turmas. Os alunos também participam e parecem gostar dessa rotina. Os alunos e
os professores seguem para suas salas ordenamente. Alguns pais e mães, que
estavam no portão de entrada, sobem o morro e outros descem em direção ao
Centro da cidade. Eu penso que alguns retornam para suas casas enquanto
outros seguem para o trabalho.
A entrada da escola se esvazia rapidamente. Fico sozinha por algum tempo e
me dou conta disso. A supervisora chega à escola e me convida para um café.
Aceito. Ela diz que vai percorrer as turmas para recolher os cadernos de
planejamento de cada uma das professoras. Fico esperando no corredor.
52
Aproveito para observar os murais. O tema agora é cultura. Vejo a disputa
do boi Garantido e do boi Caprichoso. Os contos populares também estão lá.
receitas típicas de cada região. um outro mural com fotos dos professores. Não
entendi o porquê. A produção escrita dos alunos aparece o tempo todo. Os
mamulengos ficaram expostos nos corredores. Eles não cabem nas salas? O Boi
Pintadinho da educação infantil também está no corredor. O espaço parece pouco
para tanto trabalho! Parece que ninguém mexe, parece que ninguém toca. Eles estão
em exposição! Parecem totens. Estão imponentes. São sabedoria. Sabedoria
popular. Sabedoria escolar.
53
Os alunos que vão para a educação física passam. Uns vão e outros voltam.
A produção permanece lá. Permanece? Ou segue com cada um? Em que momento o
conhecimento foi construído? Há saberes. fazeres. Ou serão saberesfazeres?
Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? dizia o ditado popular. O tema é
cultura. E o que é cultura? Agora percebo como umas produções ativam minha
sensibilidade, minha cognição, e tudo isso me coloca nesse espaço/tempo num
estado de alerta. Uma caçadora à espreita de que algo aconteça. Estou no portal,
o instante seguinte será determinante, bem como o serão cada um e todos os outros:
a cada passo, a cada olhar, ao sentir um cheiro, ao ouvir um barulho sei que algo se
vai configurar comigo e com os outros. Entrelugares.
Já cheguei ao andar superior onde ficam as salas de aula. A professora
Sônia me chama e me mostra os tapetes tecidos com os alunos e mostra também seu
trabalho com os valores: “estou tecendo tapetes com retalhos de tecidos uns
amarradinhos aos outros e faço com eles estes trançados. Ah, e não deixo de
trabalhar os valores.” Como posso não ter visto os valores? Há muito valor ao redor.
A professora aponta o teto e vejo alguns estandartes com palavras: amor, respeito,
dignidade, etc. Não me lembro exatamente das palavras, mas sei que são valores.
Têm valor.
O cotidiano escolar tem valor? Estaria inscrito numa educação maior ou
menor (Gallo, 2003)? Acho que acabo de convidar Deleuze e Guattari (1977)
para um dedinho de prosa. Deleuze e Guattari não afirmam uma possibilidade!
Eles apostam na conjunção ‘e’. O cotidiano seria, então, maior e menor? Eles
assumem três características para a minoridade: desterritorialização, sua ramificação
política e atuação sempre no coletivo. Inspirados em Kafka, eles discutem a
desterritorialização que um judeu tcheco vive ao ser obrigado a se comunicar em
54
alemão. Essa seria uma relação minoritária com uma língua maior. Existir é
subverter? Ou buscar formas de resistência na própria estrutura maior? Minoria nem
sempre diz de um menor número. É uma postura de resistência ao mesmo, resistência
ao igual. É agenciamento, e agenciamento é coletivo. Pode-se individualizar, mas
“são agenciamentos coletivos de enunciação”. (Ibidem, p.28)
Aprender espara o rato no labirinto, está para o cão que escava seu
buraco; espara alguém que procura, mesmo que não saiba o que e
para alguém que encontra, mesmo que seja algo que não tenha sido
procurado. E, neste aspecto, a aprendizagem coloca-se para além de
qualquer controle. (Gallo, 2003, p. 80)
Entro na sala da professora Roberta e da professora Aparecida. Elas
vivem a experiência de ambas coordenarem o trabalho da sala de aula. A professora
Aparecida trabalha mais diretamente com os alunos que ainda não têm autonomia
na leitura e escrita. A professora Roberta coordena o trabalho com todos os alunos
da turma. um movimento entre os fazeres coletivos e os fazeres individuais. Os
alunos ficam curiosos com minha presença. Eu achava que já era conhecida. Seria o
estranhamento no familiar? Fico perto da professora Aparecida e puxo conversa
com os alunos que ela está atendendo. Vejo o Lheonam entrar na sala, atrasado, e
com um pote de formigas na mão. Quase no mesmo instante Ricardo me diz que não
consegue encontrar as palavras do quebra-cabeça. Ele precisa encontrar o boitatá,
o saci-pererê, o caipora, o lobisomem. Percebo que ele sabe ler. Mas ele não na
vertical. Isso é conhecimento? O que é conhecimento? Dou algumas dicas mais ou
menos assim: aqui você já encontrou a palavra “cabeça”. Você sabe qual é esse
personagem que deve estar por aqui? Ele aponta para o desenho da mula-sem-
cabeça. Então, onde estaria o restante da palavra? Ele mostra a linha da letra “C”
55
da palavra “cabeça”. Sua hipótese primeira seria de que as palavras são escritas na
horizontal. Volto à palavra cabeça e pergunto: como está organizada esta palavra?
Ele me entende e diz: De pé. Isso mesmo! Onde estaria o restante da palavra? Ele
vai ao quebra-cabeça e pinta o restante da palavra. Ricardo tem cabeça e corpo
inteiro para conhecer a mula-sem-cabeça.
O menino com as formigas me preocupa. Olho para ele. Na sala há uma
curiosidade contida. Ele parece não interagir com a turma. Por que minha atenção
se volta para esse menino e não para os outros? Há um movimento intenso dos
alunos fazendo a tarefa indo e vindo à mesa da professora Roberta. São
formiguinhas carregadeiras. A professora interfere no texto, pede para refazer e
depois mostrar a ela. junto com os alunos, orienta a próxima tarefa. Os alunos
estão atentos às suas observações e depois retornam às suas carteiras para
continuar aprendendo. Aprendem com a professora e aprendem sozinhos na
resolução de suas tarefas? O que seria democratização da escola pública?
O Lheonam não faz a tarefa. Ele traz as formigas. Cada aluno tem um
movimento próprio e singular. Ele parece estar na contramão do grupo. O que
fazer? Não consigo deixar de olhar para ele. Ele mexe no seu potinho cheio de
formigas. Não me agüento e quando vejo já estou a seu lado. Puxo conversa. Ele me
ignora. O que é isso? Ele não responde, pois é óbvio. Claro que são formigas!
__ São suas?
__ Não.
__ De quem são?
__ Da Isabela.
__ Quem é Isabela?
__ Minha prima.
56
__ Ela estuda aqui?
__ Não, no Raul Vidal.
10
__ E por que você está com as formigas dela?
__ Estou catando.
A conversa segue bem pausada, pois o Lheonam é econômico nas palavras. Ele não
quer conversa. Eu insisto:
__E este pauzinho para que serve?
__Pra pegar as formiga.
Um e outro aluno se aproximam, pedem para ver as formigas, olham e depois
voltam aos seus lugares para suas tarefas. Seriam formiguinhas cortadeiras e
carregadeiras, que não podem desviar-se de seus fazeres? Seria a sala, neste
momento, um formigueiro em pleno funcionamento? A professora Roberta seria a
formiga–rainha a quem as outras formiguinhas oferecem suas produções e retornam
a seus casulos para continuar a produção em ordenamento exemplar? Por instantes
vejo a imagem de formiguinhas em trilha realizando sua existência. Os devires-
formiga tomaram conta desse momento na sala de aula? Como são trabalhadeiras
estas formiguinhas! vários pontos de fazeres diferenciados. O Lheonam e seu
devir-formiga parece não fazer parte daquele formigueiro.
[...] não sabemos nada de um corpo enquanto não sabemos o que pode
ele, isto é, quais são seus afetos, como eles podem ou não compor-se
com outros afetos, com os afectos de um outro corpo, seja para
destruí-lo ou ser destruído por ele, seja para trocar com esse outro
corpo ações e paixões, seja para compor com ele um corpo mais
potente. (Deleuze, 1997, p. 43)
10
Escola Estadual Raul Vidal: atende alunos do 6
o
AE ao 9
o
AE do ensino fundamental, sua localização é
próxima à escola pesquisada, e é nela que os alunos da E.M. N. S. Penha dão continuidade a seus estudos.
57
Por quê? Por que insisto em perturbar o garoto? Eu sei que ele é
considerado um aluno com necessidades educativas especiais. Por que eu e todos o
colocamos nesse lugar especial? As buscas cotidianas da igualdade de
oportunidades produzem inclusão ou exclusão?
Vejo nas formigas uma pista. Tento segui-la. Empresta-me suas formigas?
Eu posso desenhá-las! Empresta-me? Ele não está convicto de que deveria
emprestar. Insisto. Procuro um papel. Não há. Peço a ele para deixar eu levar suas
formigas para desenhá-las. Ele demora a responder, mas deixa. Eu digo que volto já,
pois a supervisora me chamou para saber como arrumar a sala para a apresentação
da pesquisa. Levei as formigas comigo. Quando retorno a turma já havia ido
embora pois, às quartas-feiras, a saída é mais cedo. Desfez-se o devir-formiga para
Lheonam?
Fico com as formigas e com o desenho delas. Fico com a representação. Por
que levar aquela situação para a representação? O que é conhecer? Para conhecer
temos que ficar com a representação? Que saberesfazeres me constituem? Não
seria justamente o contrário disso? A educação maior e a educação menor não
seriam exatamente esse embate entre o singular e o universal? Isso não me ajudaria a
pensar no caráter rizomático do conhecimento? Isso ajudaria a inventar modos de
estar, modos de fazer neste mundo que possibilitem conexões entre diferentes
saberes. Como religar e despontar outros fios no devir-formiga do Lheonam? Que
encontros são possíveis?
Com a saída dos alunos fiquei com as formigas do Lheonam. Assim que me
dei conta disso pedi à professora dele que guardasse as formigas. Ela lacrou o
pote, cuidadosamente, com plástico e fita adesiva. Disse que guardaria no armário e
devolveria ao aluno no dia seguinte, e assim o fez.
58
Fiquei com as formigas. Com o intenso fazer/saber das formiguinhas
ordeiras, com sua teleonomia. E o devir-formiga do Lheonam? O cotidiano mostra
esses caminhos e descaminhos. Fazemos escolhas, e elas carregam as marcas da
nossa existência no encontro com outras existências. As forças envolvidas são
assimétricas. Como ficam as histórias dos vencidos? O que fazemos com a
diferença? E o devir-formiga do Lheonam? Que pesticida foi utilizado para
afugentá-lo?
Retomo este registro para problematizar a pesquisa com o cotidiano. O que
se faz com os saberes com os quais nos deparamos? Qual seria a importância de
narrar esses momentos fugidios, comuns, que têm tudo e nada de especial? Em que
medida esse fragmento pode nos ajudar a pensar como se pode compreender o
compreender do outro? Como estamos (re)produzindo o mesmo em nossos
cotidianos? Como também o fato de esse aluno “diferente” estar na sala nos
(re)apresenta sua inclusão? Ao mesmo tempo em que temos uma exclusão na
inclusão também temos a inclusão. Isso pode nos ajudar a inventar outros modos de
nos relacionar com as outridades. A situação nos exige a negociação.
Acredito que exercitar essa postura investigativa passa por exprimir esse
caráter híbrido avesso a bipolarizações. A minha tentativa de pedagogizar a relação
com o Lheonam, quando me vejo numa intencionalidade em transformar as formigas
em desenho e em palavras, não retira completamente daquele encontro uma
possibilidade de outros agenciamentos? O Lheonam resiste, ele tem um modo
particular de ver o mundo que não se aprisiona em meu modo de ver o mundo e no
modo de ver o mundo da escola.
Ele vai à procura das formigas com sua própria permissão. Ele mesmo
decide o que fazer naquele momento. Como um aluno com necessidades educativas
59
especiais pode decidir sua forma de inserção na escola, por alguns momentos que
seja, catando formigas no pátio? Comportamentos como esses que podem nos
desterritorializar são logo percebidos, e rapidamente buscamos estratégias para
reterritorializá-los. Não suportamos experimentar a condição de ser uma criança
roubada no berço, de dançar na corda bamba (Deleuze, 1977).
A escola que construímos e o mundo que nos cerca têm sido estruturados a
partir de modelos que tentam pasteurizar as relações, tentam torná-las estéreis. Ao
pesquisar o cotidiano pode-se ir do virtual ao atual, afirmar outras lógicas e
problematizá-las. Ações, discursos, sensações considerados menores podem
“provir do mundo” (Zourabichvili, 2004, pág. 63); expandem, assumem seu vigor, sua
vitalidade no mundo, no encontro. Nossa existência, numa condição de minoridade,
pode desterritorializar-nos, destituindo sentidos e recriando outros.
Um devir-formiga? Quem sabe?
60
INTERMEZZO 5 – Professora Sônia e seus ensinamentos
Há duas mentiras fundamentais: a daquele que proclama
eu digo a verdade
e a daquele que afirma
eu não posso dizer.
(Rancière, 2005, p. 86)
Quem é essa professora? Provoca-me, encanta-me, desestabiliza-me nesse
processo de pesquisa.
Como? Com a
simplicidade de seus
questionamentos faz-
me pensar. Estar com
ela, observá-la, fazer
com, entrar em suas
histórias, tudo isso é
capaz de ativar em
mim processos que
muitas leituras e
discussões “teóricas”
não são capazes de
ativar. Parece-me que
preciso discutir um
pouco isso.
Estarei colocando a empiria em lugar superior ao da teoria? Romanceando a
prática? Esperem. Sinto necessidade de problematizar isso pois estou entrando numa
discussão importante e que não posso banalizar. Não é trivial discutir como percebemos,
entendemos e intuímos que os conhecimentos estão sendo tecidos quando estamos numa
relação de aprendizagem/ensino.
11
São momentos efêmeros, fugazes, mas se eternizam
em nossa pele-memória. Estariam fora e dentro da relação que estabeleço com a
professora Sônia.
11
A inversão dessa expressão partiu da professora Carmen Perez durante discussão com os alunos do
mestrado e integrantes de seu grupo de pesquisa. A professora falava a respeito do posicionamento
político que se pode assumir ao inverter certas expressões naturalizadas.
61
Assumo a junção das palavras práticateoriaprática? Qual postura política estou
afirmando ao me servir dessa junção de vocábulos? Será um jogo de palavras? Palavras
de ordem? Como dar conseqüência ao que afirmamos? Práticateoriaprática. um
entrelace que transforma completamente o que cada palavra carrega de sentido. Qual
postura política estou afirmando ao me servir dessa junção de vocábulos?
Antes, vou dar algumas informações sobre essa professora: mais de vinte anos
de magistério, professora com carga horária de quarenta horas: no turno da tarde,
professora regente do primeiro ciclo; no turno da manhã, professora da sala de recursos
e, à noite, em outra rede municipal de ensino, trabalha como orientadora educacional.
Artesã, contadora de histórias, fala mansa, gosta de samba, “fazedora de coisas”. Parte
dessas informações pode ter sido falseada por meu modo de perceber a professora.
Essa passagem aconteceu quando eu seguia em direção à sala dos professores e
vi a professora Sônia em sua sala. Parei para cumprimentá-la. Ela selecionava e cortava
sobras de EVA.
12
Percebi que ela cortava o material em formas geométricas. Eram
círculos, quadrados, retângulos, losangos, triângulos. Diferentes espessuras. Tamanhos
diferentes: pequenos, grandes, médios. As cores também variavam: amarelo, azul,
vermelho, coral, verde, preto, roxo, marrom. O que ela estava fazendo? Por que não
produz o material com os alunos, pensei imediatamente. Logo em seguida, pensei: o que
será que ela está inventando? Esse segundo pensamento veio quando, formulando ainda
a primeira questão, me concedo o direito à dúvida. Desconfio da “pertinência” da
atividade e suspendo meus juízos. Percebo como esses movimentos de subjetivação e
objetivação agem? Será que percebi ou agora escrevendo? O que seria pesquisar?
Seria investigar os processos de criação pedagógica no próprio processo de fazer, como
Nilda Alves (2003) nos sugere?
Há vários papéis numa mesa perto da janela. Eles estão secando ao sol. A
professora aponta para os papéis e pede que eu para eu os pegue. Parece que ela
percebeu meu olhar esticado para as atividades fresquinhas a secar. Seria o princípio da
incerteza de Heisenberger? O observador sempre interfere naquilo que observa? É isso
mesmo? A física quântica me ajudando a pensar um modo de pesquisa? Voltemos.
Prontamente peguei os trabalhos mais sequinhos e os trouxe para uma mesa
próxima da professora Sônia que, calmamente, continua a riscar e recortar figuras
geométricas, enquanto, num gesto generoso e imponente, me diz:
12
Material emborrachado em variadas cores e também em diferentes espessuras, muito utilizado nas
escolas.
62
Pegue este trabalho e observe.
Sua fala é calma, mansa.
Sabe como eu o desenvolvi?
Eu olhava a atividade e pensava sem falar (talvez por educação, por precaução,
por receio de fazer uma análise precipitada, por tudo isso fiquei com o pensamento):
ela deve ter oferecido estas figuras e pedido aos alunos que montassem uma cena. Um
63
nome em cada folha. O trabalho deve ter sido individual. Eu tentava seguir pistas na
própria atividade, pois parecia que era a isso que Sônia me desafiava. O trabalho estava
com excesso de cola, e a letra do aluno era grande, vacilante, própria de crianças em
início do processo de alfabetização. Sua imagem representava uma figura humana. Ele
utilizara um círculo, um quadrado, dois losangos para os braços, e quatro círculos
pequenos para as duas pernas. Achei estranho, fora do que considero padrão. Pernas
poderiam ser representadas por círculos? Se fossem dois quadrados teria lógica, mas
círculos? A atividade, para mim, teria sido de montagem e colagem de figuras
geométricas.
Sabe como eu trabalhei? Disse-me Sônia com empolgação. Eu fiz um jogo
com eles. Um jogo? (Como? pensei) Nosso projeto agora na escola é trabalhar com
a linguagem matemática, a classificação, a seriação, a categorização, a composição e
decomposição, os cálculos, o vocabulário que envolve a matemática. E continuou
falando e reconstituindo seu trabalho.
O que eu pensei?
[a professora falou pensando] Nesse momento senti que ela refletia sobre seu
fazer. Não seria fazer/saber? E ela continua:
Este trabalho era para ser realizado com alguns alunos que estão com
dificuldades de criar a partir de certos elementos previamente dados. Eu tenho
necessidade de estimular que eles estabeleçam relações entre o que vêem no mundo
e o que se pode colocar no papel, expressem oralmente o projeto idealizado,
negociem quais as figuras utilizar e como utilizá-las. Todas as turmas estão
trabalhando com esses conceitos, e eles não poderiam ficar de fora. limites, mas
eu preciso ir ampliando com eles suas possibilidades.
E a professora continuava a falar/pensar/criar.
Então inventei o seguinte. Aqui estariam as figuras geométricas, o papel, a
cola, poucos lápis de cor e de escrever. Todo o material era escasso. Eu disse a
eles: hoje eu não respondo nada. Só sei os nomes das figuras e suas características.
64
Primeiro perguntei se todos sabiam os nomes das figuras e quais eram as diferenças
entre elas. Muitos sabiam todos os nomes das figuras geométricas. Todos podiam
perceber suas diferentes características. A condição de trabalho existia, pois eles
podiam dialogar entre si. eu não responderia. Meu papel seria questionar. Dei
as instruções de que o jogo era pensar e expor seu projeto de figura. Depois
solicitar as figuras necessárias com os devidos nomes. E também solicitar o material
para executar a tarefa. Com isso o jogo começou. Um, dois e três: começou o
jogo! Olha, eles ficaram tontos a princípio. Mas foram se reorganizando. Vinham à
mesa pegar a folha e eu dizia que não. Eles ficavam intrigados. Como seria aquilo?
Será que a professora iria levar aquilo a sério? Logo entenderam que sim.
Perguntavam o que fazer primeiramente e eu devolvia a pergunta. Alguns
respondiam e já iam reconstruindo a proposta. Tomavam então a iniciativa de falar o
que fariam. Vai ser um boneco. Vou utilizar a bola, o quadrado. Eu perguntava qual
era a característica do quadrado. Ele falava da cor. Eu provocava mostrando
quadrados na cor solicitada e em diferentes tamanhos e espessuras. E assim ia. A
“bola” eu não dava. Só daria o círculo. Eu sabia que eles podiam, mas me surpreendi
com a rapidez e o empenho deles na tarefa. As cenas eram, a princípio, simples e
depois apareciam mais elementos. Outra regrinha era o uso do material e até de
certas figuras que foram acabando. Os alunos tinham que negociar o uso do material
e solicitar uma troca de figuras com os colegas tentando descobrir uma solução de
modo que os dois saíssem ganhando na negociação.
Olha a importância disso “a mestra” me dizia.
Sabe o que uma dupla fez? Um aluno me solicitou um quadrado. Havia
acabado essa figura. Um outro aluno tinha dois quadrados na cor e espessura que
o aluno havia solicitado. Lembrei-me disso e lancei o desafio. negociar com seu
65
colega. Veja se, juntos, conseguem uma solução. Eu ficava com um olho nos outros
alunos e outro olho e ouvido nessa dupla. Lá foi o menino em direção ao seu colega.
[Peço licença para roteirizar a cena que a professora narrou e interferir com
algumas problematizações. Como negamos um certo caráter político e ético do ser
professor e ser aluno? O que seria justiça? E ética? Será que eles aprendiam justiça e
ética numa aula sobre figuras geométricas?]
“A negociação”
PERSONAGENS
PROFESSORA SÔNIA: professora calma, brincalhona, receptiva.
ALUNOS: meninos e meninas de diferentes idades, de turmas diferentes, diferentes
níveis de aprendizagem.
MENINO X: aluno que quer um quadrado para realizar a cena que criou.
MENINO Y: aluno que realiza sua atividade individualmente; ele tem dois quadrados.
PRIMEIRO ATO
Cenário: sala de aula de uma pequena escola localizada no Morro da Penha, bairro
Ponta da Areia, Niterói/RJ, Brasil. América Latina, planeta Terra. Outubro de 2007,
primavera, turno da manhã, quarta-feira. Professora e alunos negociam na mesa
enquanto outros alunos estão em suas carteiras. Todos os sentidos da professora estão
ativados.
Menino X: A professora disse pra você me dar um quadrado seu porque você tem dois!
Professora: O que cada um faria caso precisasse de uma figura do colega?
SEGUNDO ATO
uma movimentação da professora. Ela chama atenção de todos os alunos para sua
questão. Busca no coletivo apoio para problematizar a questão. O menino X olha em
direção à professora. Faz cara de que entende “seu recado”. Reorganiza sua proposta:
Menino X: Olha, eu queria fazer um desenho e a professora o tem mais a figura que
eu preciso. Mas você tem duas... Será que você não me daria....
Menino Y: Eu preciso dos dois quadrados e eu peguei primeiro. Você pode fazer outra
coisa.
66
[Podemos desistir de nossas idéias? O que seria emancipação? Aqui entraria
uma discussão entre moral e ética? Essa possibilidade existiria e seria legítima? O
menino Y que não aceita negociar não estaria “ferindo” a negociação que fora
combinada entre todos? E ele não poderia ter uma opinião contrária ao grupo? Poderia?
E o outro, o menino X, não teria direito de reivindicar que as regras fossem cumpridas?
Havia mais de uma saída? A negociação era uma possibilidade? O que caberia ao
professor fazer? Evitar o confronto em nome da ordem? Julgar a situação e dar o
veredicto final? Incitar o debate? Ampliar os pontos de vista? uma luta entre
prescrição, invenção, negociação? Quando se instaura o pensar? reciprocidade?
possibilidade de um deslocamento de “uma relação de dois ignorantes para uma reação
entre duas inteligências?” (Rancière, 2005) ]
Menino X: Mas eu preciso dessa figura!
Professora Sônia: Meninos, uma negociação envolve conversa. Olhem para o que o
colega quer fazer e vejam se não alternativas. Tentem ver de outra maneira. Tentem
entender o que o outro quer.
Menino X: Quero fazer uma casa com um quadrado!
Menino Y: Eu quero fazer os braços do meu boneco e preciso dos dois braços, pois ele
não é aleijado!!
Professora: Mexam nas figuras. Coloquem como vocês imaginam. Sempre
possibilidade de um acordo!
TERCEIRO ATO
A professora percebe que, depois de suas insistentes intervenções, eles “entraram” no
jogo e não precisam dela. Ela olha, orgulhosa, para a dupla e observa suas tentativas. Os
alunos estão envolvidos na negociação. Às vezes parece uma brincadeira, às vezes uma
briga. Os meninos estão implicados na tarefa. Mexem as figuras aqui, mexem ali. De
repente, o menino X dobra o quadrado e mostra para seu colega, o menino Y.
Menino X: Já sei! Já sei! Olha! Olha!
Menino Y: Ah, legal, vou pegar a tesoura!
[Acredito que eles puderam viver diferentes possibilidades. Do meu ponto de
vista, isso é vital nas relações. O virtual não é destituído de realidade, realidade
67
nessas possibilidades (Deleuze apud Zourabichvili, 2004). existência nesse brincar!
Sem ceder a figura, o menino Y pôde “ver” a casa que seu colega faria. O outro menino
(o X) pôde ver os bracinhos do boneco do seu colega ainda com a possibilidade de,
ambos, terem seus projetos executados.]
QUARTO ATO
Mesma sala de aula. O sol entra pela janela. É primavera. As atividades estão secando
ao sol nas mesas próximas da janela. A professora está sozinha em sua mesa riscando e
recortando figuras geométricas. Uma pessoa entra na sala e cumprimenta a professora.
Inicia-se um diálogo. Fim. Fecham-se as cortinas.
Agora, no momento em que registro toda essa dinâmica de negociação de um
modo de ser professor vejo o diálogo da professora Sônia com o “O mestre ignorante”
de Rancière (2005). Do meu ponto de vista essa experiência se aproxima da experiência
que Jacotot
13
viveu com seus alunos. Ele falava uma língua, e os alunos, outra.
Precisavam criar uma possibilidade de diálogo. Uma obra bilíngüe foi a ponte possível
no caso de Jacotot. E para Sônia? Ela não inventou estratégiastáticas? Quais? O jogo
com as figuras geométricas? A professora, tal qual o mestre ignorante, experimentou
um certo afastamento do professor explicador. Eles nos propõem problematizar a
relação com o conhecimento. Tentam escapar da postura de desconsiderar o pensamento
do outro. Ela aposta na potência, acolhe a questão e cuida para que seus discípulos
busquem. O que ela fez comigo? Indagou-me, colocou meu pensamento em movimento:
o meu e o dela? E o de seus alunos?
O conteúdo da aula é o que menos importa para mim. Fico pensando em como
se faz pensar na escola. Como isso pode acontecer? Que usos, que fazeres, que saberes
favorecem uma relação emancipatória com o pensar? Como isso acontece? A professora
Sônia me pôs a pensar. Instigou-me a entender sua lógica. Eu começava a trilhar um
caminho apriorístico que subalterniza o outro e tive que recuar. Ela com seu saber/fazer
da práticateoriaprática trouxe-me uma possibilidade de pensamento? Coloco-a em
diálogo com Jacques Rancière, Máxime Greene e Paulo Freire. Todos esses autores
problematizam a relação do professor com o conhecer e propõem a busca de outros
modos de aprender e de ensinar. Propõem-se a estar no lugar do não-saber, da
ignorância para provocar deslocamentos, estranhamentos em si mesmos e nos outros
13
Personagem do livro O mestre ignorante, de Jacques Rancière.
68
com os quais se relacionam. Saberes se tecem no cotidiano? Nós, professores,
inventamos as possibilidades que praticamos? Narramos nossos saberes/fazeres nos
corredores, nas salas de professores, no recreio, no cafezinho, na sala de aula, no
planejamento? Seria uma tessitura de conhecimentos em rede? Conhecimentos
rizomáticos? Revoluções moleculares? Que ensinamentos provocamos e por quais
somos provocados?
69
INTERMEZZO 6 – Movimento de prestação de contas? Diálogos?
Negociação?
A tolerância tem uma grande familiaridade com a indiferença.
[...] O discurso da tolerância corre o risco de se transformar num pensamento da
desmemória, da conciliação com o passado, num pensamento frágil, light, leviano,
que não convoca à interrogação e pretende livrar-se de todo o mal estar.
Um pensamento que não deixa marcas, desapaixonado, descomprometido.
Um pensamento desprovido de toda a negatividade,
que subestima a confrontação por ser ineficaz.
(Duschatzky & Skliar, 2001, p.136)
Apesar de estar ciente de que a pesquisa com o cotidiano implica fazer e refazer
o caminho ao caminhar, muitas vezes, pego-me fazendo afirmações totalizadoras da
trajetória da pesquisa. Ao me propor viver essa condição movediça, ambígua, de
negociação (Bhabha, 1998), precisava da aliança dos sujeitos da escola nessa
empreitada. Não poderia ter essa experiência sozinha. Meus parceiros mais próximos
têm sido a diretora da escola, a equipe de articulação pedagógica, os professores, os
alunos, os professores e alunos do curso de mestrado e os autores. Outras alianças em
diferentes espaços/tempos também vão-se articulando e rearticulando.
Em meados do mês de agosto de 2007 solicitei à direção da escola que me
concedesse um espaço para que eu apresentasse as primeiras impressões da pesquisa.
Conseguimos um horário em setembro. Também foi combinado que eu levaria o texto
produzido. Esse texto fora submetido aos alunos e professores do curso de mestrado na
orientação coletiva em junho de 2007.
nesse primeiro movimento, na orientação coletiva, tive mostras de que, em
vários trechos do texto, a postura de estabelecer direções para a pesquisa. Também
foi sinalizado o movimento de falar pelo outro. Havia mais problemas no texto, mas vou
ficar com estas duas questões: as certezas e o falar pelo outro. aproximações entre
elas? Incomodou-me muito perceber que, por mais que tenhamos consciência, isso o
era suficiente para não produzir esse pensares e fazeres totalizantes. Esses sentimentos
de traição e de invenção do cotidiano me assombravam e me deixavam numa situação
desconfortável. Era preciso enfrentar essa questão!
70
Por que eu estaria tão incomodada com isso? Que regime de verdade eu estaria
em vias de sustentar? Seria esse um caminho possível numa pesquisa com o cotidiano
escolar? Como eu poderia totalizar experiências, narrativas, observações fragmentárias?
Racionalmente entendia que a pesquisa não é soma de partes. A pesquisa com o
cotidiano está mais próxima do pesquisar o acontecimento e assumir a radicalidade
disso. A radicalidade de fugir de imagens dogmáticas do pensamento. Problematizar
seria criar outros sentidos para o que se apresenta em nossos encontros? E a criação não
estaria mais próxima da invenção? E pesquisar não é inventar? Por que as ressalvas
com o inventar? Seria preciso assumir isso com os parceiros de pesquisa. Esse se
mostrava um pacto a ser negociado.
Considero que a possibilidade de vivenciar uma negociação mais explícita
favoreceu o início de um processo de desconstrução dos modelos hegemônicos de
pesquisa para mim mesma e, quem sabe, para outros parceiros. Com isso, iniciamos na
escola e na universidade a discussão a respeito de que o trabalho que estamos
produzindo e que eu estou escrevendo seum ponto de vista do que foi vivido. Uma
visão de perspectiva, que certamente está sendo “inventada” nos encontros cotidianos.
Então, por partir dessa condição que, do meu ponto de vista, marca irremediavelmente a
pesquisa, eu precisava explicitar isso aos meus companheiros. Para mim isso era muito
importante. Ruminavam-me perguntas: como fazer isso? como compartilhar com outros
sujeitos esse processo de registro que acaba sendo muito solitário? será solitário
mesmo? Sinto todos os sujeitos tão presentes e convivendo comigo num permanente
deslocamento. Mas esse é um ponto de vista: o meu. Como receberiam as minhas
observações? Como colocar em xeque as minhas percepções? Quais seriam os pontos de
contato e de afastamento com os sujeitos escolares? Como possibilitar que todos os
sujeitos envolvidos leiam, discutam, negociem todos os processos da pesquisa? Isso
seria possível? Tudo isso me afligia, e eu percebia o quão dominadora desse movimento
eu estava em vias de me constituir. Foi importante sair desse lugar da lamúria, da culpa
e do “se isto e se aquilo”, e partir para o diálogo. Acho que meu principal companheiro
nesse momento foi Paulo Freire. E com o contraponto sobre a tolerância de Duschatzky
& Skliar (2001). Com eles fortaleço meu exercício de escuta sensível e na busca do
diálogo, com humildade e altivez de quem tem questões e deseja/precisa conhecer as
posições dos outros sobre elas. Intercambiar pontos de vista. Cada um de nós tem o que
dizer do mundo que nos rodeia e até do que está além de nós. Fico com o ensinamento
de que aprendemos aprendendo. Eu não sabia fazer, mas intuía que era preciso fazer.
71
Emoção, ação e razão. Faz sentido hierarquizar os modos de conhecer? Como lutar
contra séculos de colonização dos conhecimentos? O que são conhecimentos
científicos? Produzimos conhecimentos com a pesquisa?
Insegura nesse lugar de pesquisadora, mas confiante na decisão tomada,
apresentei as primeiras questões aos sujeitos da escola. O grupo acolheu a proposição. A
fala dos professores durante a exposição dessa proposta foi no sentido de que assim eles
entendem um pouco sobre o que parece ser fazer pesquisa com o cotidiano escolar. De
modo geral não houve grandes questionamentos. Deixei o texto na escola, enfatizando a
importância de que todos lessem aquele primeiro registro.
Uma professora destacou como positiva a ênfase que atribuí ao que os sujeitos
fazem e como realizam suas práticas relacionando-as aos saberes, ao movimento de
práticateoriaprática.
Outro ponto que destaquei foi o exercício que eu tentava fazer para me
aproximar, me misturar aos sujeitos da escola, pois me interessava muito “o mergulho”
(Alves, 2003) no cotidiano escolar, tentando pensar coisinhas à toa, sem importância,
que escapam às lógicas de pasteurização do vivido, mas que nos constituem e que
podem fazer diferença no cotidiano de cada escola.
Minha impressão foi de que grande parte das professoras ficou surpresa com a
afirmação de que elas participam da pesquisa. Havia também uma desconfiança no ar.
Como seria essa participação? O que ela (pesquisadora) quer dizer com isso? O que
querem os pesquisadores? Se nós (os professores da escola) produzimos conhecimentos,
o que um pesquisador faz aqui? Ele estaria pegando o que fazemos e levando para a
Academia? Sinto que momentos de desconfianças, mas também sinto apoio e
vontade de compartilhar seus fazeres/saberes entendendo/intuindo a importância desse
encontro para cada uma de nós.
Então, o texto ficou lá, e suas considerações viriam certamente. No dia seguinte,
retornei à escola. Cheguei antes de tocar o sinal de entrada. As professoras vão
chegando e se dirigindo à secretaria onde esperam a hora de iniciar o trabalho. O
movimento é muito parecido com o de outras escolas que vivenciei: algumas pessoas
reclamam do trânsito, outras falam do sono. É tudo muito igual e muito diferente: as
pessoas que acabam de chegar não falam, recuperam o fôlego perdido na subida do
morro, a coordenadora do turno se prepara para instalar o som que irá tocar o hino.
Quando a diretora chega, digo-lhe que gostaria de falar com ela, que prontamente
responde: “Não, quem quer falar com vo sou eu! Ontem, as meninas ficaram
72
impressionadas como eu estava quieta e lendo sem parar o texto que você deixou. Eu
não concordo com algumas de suas colocações no texto.”
Fiquei sem palavras a princípio. Qual seria o ponto de discordância que
teríamos? Eu já sabia que meu ponto de vista nos registros não seria a verdade e sim um
modo de ver o que se passa. Mas isso eu falara no dia anterior. Como estava sendo
importante aquela interlocução, eu pensava. Em parte era isso que eu procurava, mas,
como Carmen Perez
14
costuma dizer, na pesquisa com o cotidiano mira-se no que se vê
e se atira no que não se vê, e estava eu à deriva, em plena negociação. O sinal tocou.
Os alunos entraram. Eu e a diretora nos sentamos para conversar. Fui logo me
defendendo, lembrando que já tinha avisado que isso iria acontecer e que me interessava
muito viver esse processo e entender como eles vêem seu próprio fazer.
A diretora foi categórica, reafirmando que não concordava com algumas
colocações do texto:
Foram basicamente três pontos do texto que eu questiono. Quando
você escreve a palavra competição ao se referir ao trabalho do mural.
Isso eu não concordo. Se alguma coisa que não acontece aqui é
competição. Ao contrário, muita colaboração entre os professores.
cobrança sim, incentivo, estímulo para trazer para baixo os
trabalhos das salas de aula. professores que aprenderam a fazer
mural aqui, que sequer respeitavam uma margem para colocar os
trabalhos. Isso eu ensino, o mural precisa ser bonito, ser feito com
trabalho das crianças, apresentar uma descrição de como foi realizado,
etc, mas na hora de fazer um ajuda ao outro. Não admito a palavra
competição. (Fala resgatada por minha memória)
Foi muito importante esse momento da conversa com a diretora, que relatou ter
ficado lendo e relendo o texto durante todo o seu almoço e que todos ficaram curiosos
em saber o que a prendia na leitura. Ela fez destaques e apresentou aos professores do
turno da tarde. Segundo a diretora ninguém concordava com o que estava escrito e que
aquele sentimento (o de competição) não aparecia em relação ao mural ou ao trabalho
dos professores. De onde eu haveria tirado aquilo? Eu me perguntava.
Será que para mim o único modo de produção é pela competição? Por onde
estaria vagando meu olhar, minha escuta, minha sensibilidade para ir fazendo
afirmações aligeiradas sobre o outro? Será que a competição estaria em mim? Será que
estava lá? Na fala isolada de alguma professora? Isso me deixa mais atenta, mas não
14
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF.
73
imune. Inspiro-me nos animais que estão sempre no tempo instantâneo, de orelhas em
pé, atentos a qualquer possibilidade. O animal vive sua existência para o acontecimento;
precisa estar sempre de corpo inteiro no mundo. Eu precisava também exercitar essa
condição.
Outro ponto destacado pela diretora foi com relação à afirmação feita de que o
carro-chefe da escola seria a alfabetização e que TUDO na escola seria direcionado para
esse fazer: “do uso das verbas ao planejamento pedagógico”. Segundo a diretora, da
forma como foi escrito, levaria a pensar que a escola só se preocupa com a alfabetização,
e isso não era o que acontecia. Ela enfatiza que sua preocupação é com o todo da escola.
Nesse aspecto em particular eu fiquei mais tranqüila com o texto. Talvez o
entendimento da direção e dos professores tenha sido que a ênfase era para as turmas de
alfabetização propriamente ditas. Não era isso que eu destacava. Meu destaque era no
sentido de falar da alfabetização de uma forma mais ampla, que passaria por todas as
turmas. Mas...
Quantos sentidos têm as palavras? Mais uma vez me deparava com a
(im)possibilidade de expressar o vivido. A escrita, muitas vezes, promove um
distanciamento entre aquele que conhece e o que conhece, uma separação do falante e
do que ele propõe. “A escrita separa a fala do seu contexto e a transforma em um objeto
de pensamento e interpretação.” Najmanovich (2001, p. 125) Acho que essa autora nos
ajuda um pouco a problematizar as (im)possibilidades da pesquisa do/no/com o
cotidiano escolar:
Uma descrição dinâmica permitiria um olhar multiperspectivista. Mas
esta diversidade de enfoques é sempre limitada por nossa
corporalidade, ou seja, podemos compor –– e é isto que fazemos ––
“um imaginário” mais complexo, que inclua diferentes fontes de
informação, mas nunca infinitas fontes. podemos conhecer o que
somos capazes de perceber e processar com nosso corpo. Um sujeito
encarnado paga com a incompletude a possibilidade de conhecer.
(Ibidem, p. 23)
Pretendo exercitar essa condição de incompletude, pois me parece que tal
postura me ajuda a pesquisar com o cotidiano tanto nas relações com as pessoas como
na relação com o texto. Assim, posso aproximar forma e conteúdo do processo vivido
na pesquisa. O sentimento de incompletude funciona como um sentido molecular que
me serve de chave de entendimento para o que se passa e o que nos passa no cotidiano
escolar.
74
O terceiro ponto foi uma questão colocada a respeito do trabalho de
Reorientação.
15
No texto aparecia o registro do embate que tivemos em 2003. O trecho a
que ela se referia: “a escola apresentou sua proposta e a realizou como também realizou
o trabalho oficial”. A diretora argumentou que o escrito leva ao entendimento de que
teria havido recusa a fazer o trabalho oficial, o que não havia ocorrido. Afirmou que em
nenhum momento tinha expressado não ter intenção de fazer trabalho oficial.
Não gostaria de ressaltar aqui as distorções que faço do que percebo ou se
percebo distorcido, ou se a verdade está com um grupo de professoras. Elas compõem
maioria, e do ponto de vista da capacidade de perceber, pode ser que estejam mais
próximo de uma certa verdade consensuada. Acho que a riqueza desse momento foi a
possibilidade de colocarmos nossos pontos de vista. A escola não tem que aceitar o que
a seu respeito se fala. Elas precisam/devem questionar as verdades. Achei muito
pertinentes as colocações feitas, pois precisamos estar atentos aos usos que os outros
fazem e que nós próprios fazemos dos processos sociais vividos. Fazer pesquisa com o
cotidiano não é definitivamente ser porta-voz, também não é dar voz ao outro. Como
discuti nos primeiros parágrafos deste texto, nosso estar no mundo “precisa” de um
éthos que nos dê condição de termos o que falar sobre o que vivemos.
Foi muito instigante exercitar a postura de negociação criando o um entre dois, o
entrelugar (Bhabha, 1998) e uma possibilidade de encontro que não seja o da escola
como também não seja o meu ponto de vista. Isso é a condição de fronteira, do fazer-
com, que Certeau (1994) relata em sua própria trajetória de pesquisa. Esse momento
ajuda a pensar, pois um choque de realidades e nos impõe mudança no modo de
olhar o outro, bem como muda o olhar do outro para mim e para o trabalho que
desenvolvemos juntos.
A opção por um trabalho assim pode colocar-me na berlinda, desterritorializada,
num não-lugar. O que tenho condição de ver na pesquisa? O que as pessoas vêem? O
que nós sujeitos vemos, e quais os limites de cada um de nós? Dos outros eu posso
falar que, do meu ponto de vista, limites em nossos olhares. Com relação ao meu
olhar vou tentar trazer as marcas que consigo perceber e que poderia problematizar.
Cada vez que sigo nesta empreitada de escrever, ler, reler, expor meu texto às pessoas
pergunto-me: como cabem tantos personagens numa pessoa? Quais “eus” deixamos
passar, quais suprimimos e quais nos escapam? Acredito que o movimento de
afirmeação de fazeres/saberes” dessa escola estaria um pouco nessa forma de se
15
Esse trabalho foi apresentado no Intermezzo 1, em nota de rodapé na pág. 28.
75
relacionar com o outro sem submissão. Não heróis nessa história. Há, talvez, um
conjunto circunstancial que propicia a emergência de estratégias/táticas num continuum
frenético de afirmação e ampliação da potência do fazer/saber que o cotidiano exige. O
momento de fazer é o instante. Importa traçar estratégias, mas, mesmo do lugar de
poder que a estratégia proporciona, que vislumbrar a possibilidade das táticas.
(Certeau, 1994) Sem ‘apriores’, sem planejamentos; e, com os planejamentos,
improvisando sempre. As circunstâncias nos impõem essa condição de, no cotidiano,
(re)inventar a vida.
Eu, a diretora da escola e outras professoras presentes combinamos que, caso o
grupo não se sinta contemplado na escrita do texto, elas possam registrar sua posição
que essa seria então incorporada ao trabalho. Caso isso ocorra, a dissertação teria os
diferentes pontos de vista do que foi considerado equivocado, incompleto ou o que o
valha, por parte de algum grupo ou alguma pessoa em particular.
A leitura do material de pesquisa em suas diferentes etapas de escrita, no meu
entendimento, foi/é importante como mais uma forma de diálogo. Pode ser uma forma
de escape daquele lugar que coloca o outro subalternizado. Acho que possibilidades
de travarmos discussões sobre o que entendemos desse mundo. Assim, na medida do
possível vou incorporar ao texto, com todas as limitações que se mantêm nesse tipo de
registro, os questionamentos que fizermos durante o processo de pesquisa.
O que pode ser esses momentos? Movimento de prestação de contas?
Movimento de negociação? Diálogo? O que importa nomear isso?
Parece-me que o que pode nos ajudar a transformar nossas ações é compartilhar
nossos fazeres/saberes sem submissão.
76
INTERMEZZO 7 – Linhas da escrita da pesquisa
traço linhas,
linhas de escrita,
e a vida passa
entre as linhas
(Deleuze e Guattari)
16
um livro intitulado Linhas de escrita (Tadeu, Corazza e Zordan, 2004) que
me acompanhou em diferentes momentos da pesquisa. Ele se apresenta em três partes.
Imagino que cada parte seja de um dos autores referidos. Folheio suas páginas.
Detenho-me em diferentes palavras. Um enigma se apresenta antes de eu começar a
leitura. Não sei se foi proposital ou se sou eu que não consigo ler as pistas deixadas
pelos autores. Fato é que eu não descubro que texto foi escrito por qual autor. Pode ser
que os três tenham escrito as três partes. Suspeito, mas definitivamente não consigo
relacionar texto e autor. Confesso que continuo tentando.
Como disse, não sei se foi uma estratégia dos autores ou se se trata uma grande
confusão minha. Não importa. Esse livro instiga-me a inventar possibilidades de
entendimento, argumentá-las, pesquisar em outras fontes. Colocou-me curiosa, inquieta
com os achados sobre a autoria de cada parte do livro. Por diversas vezes acreditei ter
16
Assumo o plágio dessa epígrafe, que está no livro Linhas de escrita, citado neste Intermezzo.
77
“descoberto a pólvora”: eu inventava uma relação que fazia sentido e acreditava nela.
Eu precisava ter paz para ler. Entretanto, isso é justamente o que o livro não me deixa
ter. Ele não permite que eu o leia de forma linear. Nem sequer com a segurança de que
conheço sua autoria. No meu modo de pensar, o que o faz ser instigante é essa
ambigüidade, até em questões de sua organização textual. Não esperamos que um livro,
que está submetido aos rigores das normas técnicas, possa deixar dúvidas sobre sua
autoria. Na verdade, esse livro declara a autoria, três autores. E também apresenta
três partes com características próprias. Não há continuidade. [Não precisa haver.]
Procurei o prefácio, a apresentação, a orelha da capa, e não nada disso. Eu buscava
uma explicação dos autores e /ou editores acerca dessa incerteza.
Compartilho esse pequeno imbróglio para discutir esse lugar ambivalente que
parece ser potencializador da pesquisa. Acredito que a autoria de uma pesquisa é sempre
compartilhada. As intensidades variam, certamente. Estou aproximando pesquisa à
produção de conhecimento.
Fico pensando que esse processo não seria sistemático, hierarquizado e não seria
uma relação com o saber do outro. Assim, me parece, não criação. Implicaria muito
mais uma forma de se relacionar com nossas ignorâncias e as ignorâncias do outro
(Rancière, 2005). Por momentos, inventamos modos de entender, modos de existir que
os acontecimentos nos impõem. Essas, parece-me, são nossas produções de
conhecimento. Fortuitas, provisórias e da ordem de uma certa materialidade.
Linhas da escrita da pesquisa: materialidades intangíveis
A escrita dessa dissertação está constituída de idas e vindas. Seus tempos se
misturam. também uma mistura dos espaços: escola, universidade, casa, rua, sala da
orientadora, congressos. Tento problematizar como fomos inventando essas linhas da
escrita da pesquisa. Algumas dessas escritas aparecem neste registro, outras foram
perdidas, e outras arranjaram outras formas de se escrever/inscrever.
Há uma escrita que foi inscrita em nossos corpos. São os barulhos da escola e de
seus arredores. As vozes dos alunos transformam-se num burburinho uníssono que se
ouve pela escola, que, por momentos, é trazido ao primeiro plano, quer por si próprio ou
pela dinâmica proposta pelos professores. Há também as vozes das discussões de textos,
da discussão de idéias, das conversas, das entrevistas escritas no gravador, nos
depoimentos, do cochicho no corredor. Essas vozes são calorosas, são de alegria, de
78
insegurança, de otimismo, de indiferença, de tristeza, de orgulho, de autoridade, de
indignação, são vozes com diferentes tons e que refletem diferentes cosmovisões.
Também o que se escreve em nós pelas imagens. Vemos tudo e não vemos
nada. Há, no interior da escola, uma estética que inventou uma lógica própria de se
relacionar com seus espaçostempos. Muitas fotografias foram tiradas atraídas por essa
estética. No entanto, ao rever algumas fotos, percebo outras maneiras de ver a escola.
Percebo que, ao produzir as fotos, outras possibilidades acontecem sem que as
possamos controlar. Ao registrar o processo de pesquisa, as fotos, as palavras, as vozes
passam por um sujeito encarnado (Najmanovich, 2001). Mais uma vez, cabe assumir o
caráter arbitrário dessas linhas da escrita e das suas intencionalidades explicitadas ou
não.
Outras escritas que levo são as dos cheiros. Lembro-me dos aromas vindos da
cozinha. Os cheiros vão marcando os tempos da escola. O do característico leite matinal,
deixando o bigodinho nas crianças, marca a entrada. O do café dos professores com seu
forte perfume invade todos os espaços do andar térreo e anuncia o recreio. Depois vem
o do almoço, que suscita apostas: hoje tem cachorro-quente, macarrão com salsicha,
galinha ensopada, etc. Nessa escola não mau cheiro vindo dos banheiros. Passamos
por “estes-vilões-das-escolas-em-geral” sem nos dar conta de que são banheiros. Na
hora da saída a turma da limpeza movimenta-se. As salas são varridas, e as mesas são
limpas. Não sei se isso acontece todos os dias. Mas às quartas-feiras, dia em que as
crianças saem mais cedo, sempre vejo os funcionários limpando as mesas com um
desinfetante. O chão é encerado e esse é também um cheiro característico.
E há, “naturalmente”, as palavras. Os registros escritos foram produzidos
durante o processo. E houve uma tentativa de compartilhar esses escritos. Essa ação foi
negociada com a escola e assumida como constitutiva do processo. É importante
destacar que entre o que havia de intenção em fazer e o que foi efetivamente realizado
certa distância. Isso, porém, não é nenhum demérito do trabalho desenvolvido. Faço
a ressalva para dar a conhecer o quanto nos distanciamos daquilo que tencionamos fazer.
Acho bom que tenha sido assim. Isso talvez aponte para a heterogeneidade que o
pensamento dissonante pode provocar. Isso me interessava. Estar com diferentes
sujeitos em diferentes espaçostempos. Essa tensão poderia nos ajudar a rever o que
pensamos com nossa existência na escola. Poderíamos negociar uma desacomodação do
pensamento.
79
Isso foi feito em grande parte como requisito do programa de mestrado em
educação no campo do cotidiano escolar que trabalha com orientação individual e
coletiva. uma aposta de que a orientação coletiva possa ser um espaço de fomento e
discussão de idéias tanto pela leitura e pela escrita dos trabalhos dos colegas. Nesse
espaço, exercitamos um modo mais horizontalizado de nos relacionar com os teóricos.
Também discutimos a escrita enquanto postura política/epistemológica/estética/ética de
afirmar um mundo no qual possamos descolonizar o pensamento colocando em tensão
os processos de subalternização a que temos nos submetido sem, muitas vezes, deles
nos dar conta. (Porto-Gonçalves, 2008).
uma luta política que nos põe em alerta quanto aos acordos tácitos que se
fazem, em diversas instâncias, para manter posições, para manter o status quo. Eu diria
que ninguém está imune a essa condição. O que pode nos ajudar nesse exercício é
promover espaços coletivos em que possamos compartilhar nossos fazeres/saberes,
nossas ignorâncias. O coletivo nos vigia, nos denuncia e nos faz repensar. É preciso
cuidado para que isso não seja da ordem da repressão. O coletivo também acolhe,
festeja, orienta. O dissenso gera uma condição que nos põe em alerta ao nos tirar da
confortável posição de consenso. No primeiro caso não se desprezam as diferenças que,
ao contrário, são colocadas em relevo. no segundo as diferenças precisam ser
descartadas em nome de um pensamento que une posições.
Assim, o processo de investigação já tinha um espaço coletivo de discussão, mas
eu sentia necessidade de ampliar essas redes e trazer os sujeitos da escola para a cena
principal. Também considerava importante que eles tivessem conhecimento dessa
inquietação. É claro que as coisas ditas nem sempre contemplam essa discussão. Por
isso acredito na relação, no estar com um número maior de possibilidades quando
estamos disponíveis para viver a experiência.
A pesquisa não acontece espontaneamente só por estarmos juntos, é sempre bom
lembrar. intencionalidades em jogo: interinvenções. Resgato uma conversa recente
com o professor doutor Carlos Eduardo Ferraço (durante o II Congresso Internacional
Diálogos sobre Diálogos, em março de 2008). Ele comentava que inventou uma palavra
para tentar dar conta dessa condição do pesquisador no campo: o lugar de interinvenção.
Se entendi o que dizia, o que ele propunha era tensionar intervenção (da ordem do
controle) com invenção (da ordem da intuição, da possibilidade de criação) para se
aproximar do que seria pesquisar com o cotidiano. Assim ele tenta nomear o que se
passa quando um pesquisador está lá. uma outra conjunção de forças em jogo com a
80
chegada desse estrangeiro”. Nesses lugares instauram-se mudanças, em cada relação
que se estabelece nos momentos em que acontecem.
A escola foi, então, essa outra arena importante para pesquisa. Os textos foram
disponibilizados às professoras. Nem todas leram. Nem todas discutiram. Eu considero
que o produto escrito nesse caso a dissertação foi frustrante para elas que
participaram do processo. Elas sabem que muita coisa ficou de fora, que muitas
experiências não foram consideradas no registro. Para quem escreve é desconfortável,
mas resolve-se, bem ou mal, no decorrer da escrita. Depois, quando outros lêem,
concordando ou não, passa a ser um outro momento, o de ressignificação. Sinto que o
texto a partir daí ganha vida própria. Na interação com os leitores as linhas escritas vão
tomando outras formas e outros sentidos.
Para mim, houve momentos significativos quando discutimos as questões na
escola. Quando elas têm um insight ou rememoram fatos, ou quando percebem as
“bobagens” que fazemos, juntos ou sozinhos, quando conseguimos ressignificar nossas
ações, quando discussões acaloradas diante da distância entre as opiniões. Esse estar
com de que eu estou falando não se refere à harmonia nem à tolerância, mas ao conflito.
Viver o conflito seria respeitar e deixar que o outro siga sendo o outro. Viver a
diferença (Skliar, 2008).
Recupero meu sentimento de não saber, minha postura diante do livro Linhas de
escrita e tento compartilhar aquelas sensações de desamparo, de incerteza para anunciar
essa tensão de que vivi com a escola. Não há sofrimento, energia pulsando,
deixando-me inquieta impulsionando-me a inventar um sentido para aquilo que me
forma, me transforma na relação.
Desconfio de que o registro das linhas da escrita da pesquisa possa ser uma
possibilidade de assumir a existência em nossa relação, e o diálogo com Skliar (2008)
ajuda-me a problematizar esse estar com o outro:
Contrariar, sí; enfrentar al otro con su alteridad, de acuerdo; llegar a
comprenderse mejor a sí mismo, también. Habría que decir, entonces:
contrariar, enfrentar, hacer comprender sí, si es que el otro quiere. Y
“que el otro quiera” supone pensar al otro no sólo como presencia
sino también como existencia. Está claro que la educación consiste en
encontrar-se de frente con otro concreto, especifico, cara a cara. Ese
encuentro es en encontrarse de frente con otro concreto, especifico,
cara a cara. Eses encuentro es con un nombre, una palabra, una
situación, una emoción y un saber determinados.
81
Si es que el otro quiere. Essa frase traz questões. Há limites nessa “cruzada”. Há
fascismos plenos de “boa intenção”.
17
Não para seguir sem questionar, com
radicalidade, essa condição de existência que todos temos. Aqui está uma grande
questão para nós que queremos discutir práticateoriaprática. Como negociar esse
querer? Como estar atento aos nossos limites e aos limites do outro? Que lugar é esse
que se constrói na relação?
As linhas escritas podem ser outra forma de assumir a existência em nossa
relação. materialidade. Aceito. Não seria um acordo de que estávamos presentes
porque assinamos a lista de presença, porque respondemos à chamada ou assinamos o
livro de ponto. Essas são provas de nossa presença. Inventamos também “provas” da
nossa existência. Este texto, quem sabe, possa ser mais uma marca de nosso encontro.
Existência.
Assumir nossas heranças e as heranças dos outros, assumir os gêneros, assumir
posturas políticas, assumir a religiosidade, assumir a inteireza do outro, a de cada um de
nós, com nossas contradições, nossos preconceitos, nossas verdades, nossos medos,
nossa solidão. Assumir a solidão de sermos um ser único e por isso igual a todos.
Quanta responsabilidade temos conosco e com os outros. Que sejamos coerentes com
nosso éthos. Que sejamos leves nessas escritas.
17
Trata-se de um prefácio, intitulado Introdução à vida não fascista, de autoria de Michel Foucault. In:
Gilles Deleuze e Félix Guattari. Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia, New York, Viking Press,
1977, p. XI-XIV. Traduzido por Wanderson Flor do Nascimento.
82
INTERMEZZO 8 – Invenção da pesquisa, do conhecimento...
Mas –– de repente –– eu temi?
A meio, a medo, acordava, e daquele estro estrambótico.
O que: aquilo nunca parava, não tinha começo nem fim?
Não havia tempo decorrido. E como ajuizado terminar, então?
Precisava. E fiz uma força, comigo, para me soltar do encantamento.
Não podia, não me conseguia –– para fora do corrido, contínuo, do incessar.
Sempre batiam, um ror, novas palmas. Entendi. Cada um de nós se esquecera de seu
mesmo, e estávamos transvivendo, sobrecrentes, disto: que era o verdadeiro viver? E
era bom demais, bonito –– o milmaravilhoso –– a gente voava, num amor, nas
palavras: no que se ouvia dos outros e nosso próprio falar. E como terminar?
18
(Guimarães Rosa, 2006, p. 99)
O movimento de afirmeação
no projeto de pesquisa eu apontava para a necessidade da criação de um
vocábulo que expressasse a atmosfera que eu vivia na escola. Naquele momento,
pesquisei várias palavras que pudessem expressar o que, do meu ponto de vista, era
inexpressável. É claro que inventamos formas de partilhar o que vivemos. Assumia o
risco de não me fazer entender. No entanto, precisava correr esse risco. Eu precisava
pelo menos tentar compartilhar essa inquietação que me acompanhava.
A literatura foi aliança providencial. Recordei-me de Guimarães Rosa.
Recordei-me da sensação que esse autor provocava em mim com suas histórias. E mais
ainda, lembrei-me da sensação como leitora e retornei a ele com o olhar de pesquisador.
O que ele fazia para nos conduzir ao seu mundo era criar uma linguagem própria. Não
mais a linguagem do sertanejo, do caipira, mas sim a linguagem da relação de um
estrangeiro que afetou e foi afetado pelo particular-universal modus operandi de um
povo de um lugar. Com esse olhar interessado voltei a ler uma de suas obras e a partir
dessa leitura inventei um vocábulo –– afirmeação –– que expressasse ou que fosse
18
As palavras são grifadas no texto. Em notas laterais aparecem os significados de algumas delas:
“Estro estrambótico: inspiração extravagante.
Um ror: um monte, muito.
Transvivendo, sobrecrente: Rosa costuma usar prefixos (no caso, trans- e sobre-) para intensificar a
percepção dos sentimentos dos personagens.
Milmaravilhoso: aqui a transformação do numeral em prefixo destaca o maravilhamento geral.”
83
capaz de causar um estranhamento inicial. Eu precisava deslocar-me e deslocar o outro
para um lugar que se está a inventar com a pesquisa.
Essa necessidade de inventar um estilo de expressão capaz de contemplar vários
pontos que foram emergindo na pesquisa tomou corpo. Acredito que assumir um modo
de pesquisar assistemático propiciou o aparecimento da multiplicidade, e vivenciar isso
foi muito instigante na medida em que nos desloca, eu e os outros, e nos coloca em
movimento: vários questionamentos pululam à minha volta. Qual deles pegar? O que
fazer com essas provocações? Como pensar junto com a escola as questões que eu
própria me coloco, o que eu estou levando para o grupo e o que ele inventa? Como isso
tem-se dado? Até que ponto eu estaria atropelando o movimento da escola? Quais
seriam meus limites e possibilidades nessa pesquisa em movimento? Como essa
pesquisa pode ajudar, a nós, seus praticantes?
É bom lembrar que não invento sozinha e que a necessidade de inventar o
cotidiano, que as professoras da Escola Municipal Nossa Senhora da Penha assumem,
contamina-me. E, para tentar fazer aproximações do processo vivido, inventei uma
ferramenta que pode nos ajudar a pensar as redes de relações produtoras de fazeres/
saberes que alimentam e ampliam as forças do grupo. Essa ferramenta eu chamo de
“movimento de afirmeação de fazeres/saberes”. O que seria essa invenção? Até que
ponto ela me serve na pesquisa? Tentando responder a isso, diria que, ao falar de um
movimento há uma tentativa de impessoalizar essas práticas, retirando a ênfase da
história pessoal, da biografia heroicizada e mitificada. Estou “criando um chão”, um
plano de composição para a pesquisa, ressaltando a força do movimento do grupo. Com
isso, não pretendo negar as singularidades e a importância de cada um no processo.
Também não estou negando que nossas histórias estejam presentes o tempo todo nem a
importância de narrá-las e rememorá-las. Eu diria que as circunstâncias que fizeram
emergirem aquelas condições de trabalho são únicas, mas não são mérito de uma
pessoa ou da soma das várias pessoas. Parece-me que o que acontece ali se na
relação, nesse movimento e que não podemos mais dizer o que é de um ou de outro.
Algo que eu poderia dizer que se aproxima de um processo de hibridação (Bhabha, apud
Ruterford, 1996):
19
19
Esta citação foi retirada de uma entrevista de Homi Bhabha a Jonathan Rutherford. O terceiro espaço.
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.24, 1996. [Não há numeração de páginas no
material consultado.]
84
A noção de hibridação provém das duas prévias descrições que fiz da
genealogia da diferença e da idéia de tradução, porque se, como eu
estava dizendo, o ato de tradução cultural (seja como representação,
seja como reprodução) nega o essencialismo de uma dada cultura
antecedente, original ou originária, vemos então que todas as formas
de cultura estão continuamente num processo de hibridação. Mas para
mim a importância da hibridação não é ser capaz de rastrear os dois
momentos originais dos quais emerge um terceiro, para mim a
hibridação é o terceiro espaço que permite a outras posições emergir.
Este terceiro espaço desloca as histórias que o constituem e gera
novas estruturas de autoridade, novas iniciativas políticas que são
inadequadamente compreendidas através do saber recebido [...]
[...] o processo de hibridação cultural gera algo diferente, algo novo e
irreconhecível, uma nova área de negociação de sentido e
representação.
[...] Penso assim que a negociação política é uma questão muito
importante, e hibridação refere-se precisamente ao fato de que uma
nova situação, uma nova aliança que se formula, pode exigir de você
eventualmente que traduza seus princípios, expanda-os, repense-os.
Assim, continuando minha defesa dessa ferramenta, eu diria que afirmar o
movimento joga luz no processo de hibridação que se produz em nós com o outro. Não
seriam ações personalistas na ordem da linearidade, da competição, da fragmentação, da
polarização, tão caras à perspectiva de uma certa modernidade (Veiga-Neto, 2008).
Seria assumir este terceiro espaço, a relação, o rizomático, o ambíguo, o contraditório, o
molecular ao problematizar posturas homogeneizadoras.
Até aqui tentei dar conta do movimento. Agora vou discutir o “movimento de
afirmeação”. Como se daria? A tentativa de construir um vocábulo para dar conta do
vivido nasceu de uma angústia ao tentar expressar pela escrita algo que é de outra
ordem. Assumir uma pesquisa no campo do cotidiano, do meu ponto de vista, provoca-
nos essa busca de outras formas de expressão e de sua afirmação, ainda que
circunstancial, no campo teórico/metodológico/epistemológico.
Assim, considero que a relação entre as palavras afirmação, firme e ação pode
aproximar-se de um movimento capaz de, em relação, ser um catalisador de forças. Essa
atmosfera que se constitui pode ajudar, nesse momento, aquele grupo a criar as
condições de trabalho de que ele (o grupo) precisa de forma singular. Essa idéia estaria
ligada à produção e afirmação de um caminho próprio, sem prescrições, um certo modo
de atuar “orgulhoso, altivo, vaidoso” que acredita em sua possibilidade. O dia em que
este grupo precisar que alguém diga como devemos trabalhar eu saio da direção da
escola.” (Fala da diretora da escola) É importante ressaltar que a certeza pode cegar e
apagar rastros da diferença. No entanto, há que fazer apostas, e elas precisam da
intensidade dos que acreditam. Estou falando de momentos fugidios, movediços, que,
85
qual nômades, se transportam a diversos territórios com as certezas das escolhas que são
feitas na trajetória. Estou falando de deixar os lamentos junto daquelas ações que
naquele momento não foram tão acertadas e encarnar os atos (considerados certos ou
errados) em sua potência. Isso me parece se aproximar do “movimento de afirmeação
de fazeres/saberes”. Grande parte dos sujeitos da escola tem o movimento de: cai,
levanta, sacode a poeira e dá volta por cima. Na vida agimos muitas vezes assim.
Essa expressão evoca o processo vivido em negociação na pesquisa. Também
vejo como estratégia ou até tática (Certeau, 1994) de afirmar politicamente a potência
da criação que está presente nessas pequenas ações cotidianas. Quer seja na escola
quando a professora, quebrando seu planejamento, segue sua intuição e atende à
solicitação de um aluno porque “entende” a urgência de sua tomada de decisão; quando
supervisão nos cadernos de planejamentos das professoras, quando uma professora
compartilha com suas colegas as possibilidades que a roda de leitura está trazendo para
seu grupo e muitas adotam esse fazer, quando embates em defesa de suas posições,
quando se evita o embate “entendendo” que seria melhor retomá-lo adiante. Enfim, as
formas de expressão são as mais variadas e podem parecer, ao olhar aligeirado para uma
situação retirada do contexto, questões inexpressivas. No cotidiano, porém, em sua
complexidade, esse movimento tem diferentes expressões.
Tudo teria expressão?
Este TUDO é grandioso demais para nossa possibilidade de percepção, e, quase
sempre, ficamos com algumas impressões e as tomamos como verdadeiras. Abstraímos
da situação certos pontos e os colocamos como verdades, como bem nos ensinaram os
preceitos de um certo pensamento moderno. A crise da compreensão é nossa!! O uso
radical dessa expressão pelo professor Valla
20
pode indicar-nos um olhar para dentro e
para fora de nós mesmos, redimensionando nosso poder/saber. Nesse sentido, vejo um
ponto de aproximação com estudos que vão realçar outras perspectivas da história e
falar dela do lugar de quem teve seu discurso despotencializado. Então, narrar esse
“movimento de afirmeação de fazeres/saberes” poderia ajudar a compreender o outro
no que esse outro fala de si e poderia nos mostrar os processos de negociação, tradução
e hibridização que se vão apresentando no cotidiano escolar?
Para dar conta de tal empreitada, vou imprimir organização completamente
arbitrária, tentando construir um cenário já sabendo de antemão que ele não corresponde
20
A expressão é de José de Souza Martins, mas segundo Regina Leite Garcia, “Encontro esta reflexão
sobretudo em Valla, que muito tem falado e escrito sobre esta questão, aprofundando e radicalizando o
insight de Martins.” (Garcia, 2001, p.53)
86
ao real. Muitas situações foram deixadas de lado quer por impossibilidade de percebê-
las, quer por não ter encontrado ainda uma forma de expressão capaz de enunciá-las.
Embora enfatize um movimento que se aproxima da idéia de totalidade e faça
questão de ressaltar a rede de relações que vai sendo criada, trago fragmentos de
processos sociais vividos durante a pesquisa. Meu interesse não é devolver o olhar do
outro, pois o foco ainda estaria no pesquisador, mas exercitar mudanças de ponto de
vista do olhar.
Estou trabalhando com movimentos, com os deslocamentos que fui fazendo no
decorrer da pesquisa. Assumo a intencionalidade de buscar traçar linhas que conectem
forma e conteúdo da pesquisa.
São movimentos de negociação, implicação, de prestação de contas,
movimentos-só-movimentos, movimentos de fazer com, movimentos
metodológico/epistemológicos, movimentos.
Uma sombra que nos persegue: o estatuto de cientificidade
Ao ingressar no curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal
Fluminense, em 2007, passei a considerar a possibilidade de gravar as conversas com as
professoras. Já estava em contato com a escola certo tempo (desde 2003) e nunca
havia levado um gravador para registrar as falas das pessoas. Conversei com o grupo,
solicitando sua permissão, e parecia tudo bem. fui eu para a escola portando um
gravador. Logo percebi que não estava tudo bem. Como gravar as conversas? Ou seriam
entrevistas? Eu me sentia incomodada com a ferramenta e, do meu ponto de vista, as
professoras também.
Quando eu ligava o gravador, a conversa fluía de um jeito. A voz soava mais
impostada, e as idéias eram mais organizadas do ponto de vista da linearidade, havia
preocupação em dar informações mais “fidedignas” de como eram certos alunos e
certos professores, enfim, de como, “de fato”, havia ocorrido tal prática. Eu percebia o
incômodo da professora na possibilidade de estar falando algo inapropriado, incorreto,
que o tivesse acontecido exatamente como expusera. Algumas falas: “se é para falar,
vamos falar certinho”, “deixa eu conversar com ela e te dar uma informação correta
“pergunta a ela, e ela vai te dizer exatamente o que eu estou falando”. Ao final de um
tempo, a conversa acabava, e eu desligava o gravador. Então a professora me chamava
87
para mostrar os trabalhos dos alunos ou convidava outra professora para falar de alguma
parceria que estivesse realizando naquele momento. Nessa outra situação, muitas vezes
eu me dava conta de que a narrativa estava tomando corpo e me lembrava do gravador.
Se eu me movimentava para gravar, o rumo da conversa fazia-se outro. Isso aconteceu
algumas vezes, até que desisti de usar o gravador em certas situações que envolvem
movimentação mais intensa. Principalmente aquelas de conversa mais informal.
Mantive a gravação de conversas/entrevistas, para as quais eu convidava uma
professora ou duas a fim de ter outro ponto vista, talvez não tão impregnado de minha
intervenção. Acabei de escrever uma grande bobagem e não vou apagá-la do texto.
É claro que no momento da entrevista há também “invenção”! Como afirmei
em outros trechos deste trabalho, o fato de eu estar na escola, e isso não implica
nenhum juízo de valor, instaura uma outra articulação de forças. E acredito que foi
importante também fazer as entrevistas para ouvir-me, ver e rever o quanto interferia no
processo. A escrita do caderno de campo, como diário de bordo, acredito que pelo
suporte do texto, me coloca num plano de exposição maior. Ali registro minhas
inquietações, surpresas, medos, inseguranças. Nas entrevistas, eu e os outros estamos
muito marcados por outras regras: a cordialidade, a “postura profissional”, a
disponibilidade ao diálogo, o interesse em falar e ser ouvido, a partilha de experiências.
Mas esse é também um modo diferente de estar com o outro. Talvez até mais importante
do ponto de vista de sua hegemonia. Na grande maioria das vezes colocamos nossas
idéias sob esses crivos, quais sejam, o da relação profissional, o da cordialidade, etc.
Mas, afinal, o que é verdade numa narrativa? Não se trata a rememoração de
uma reinvenção do vivido? O que o lugar de saber-poder da universidade pode fazer
conosco ou, colocando de outra forma, por que deixamos que esse lugar de saber-poder
ganhe força e desqualifique o discurso do pesquisador-sujeito em nome de um registro
“mais fidedigno” como a fala gravada no gravador? E, sendo ainda mais radical, por que
impor esse instrumento (gravador) de outro universo sem o questionar, sem o
problematizar no campo?
Outra questão seria: por que não nos permitir devaneios? Se estamos tratando da
experiência, por que não narrar o que nos passa, como nos passa? Essa opção de
trabalho não comportaria os rigores técnico-científicos no sentido de investigar
verdades? Essa escolha nos possibilitaria trazer as experiências através de narrativas.
Quando se conta o vivido, essa narração é de outra ordem. Se o sujeito (pesquisador)
traz esse registro, quer pela sua, quer pela rememoração do outro, há que considerar que
88
sempre imprimimos marcas nessa narrativa. O que narramos –– a experiência –– pode
ser considerado o que aconteceu de fato, para nós.
Ao registrar a pesquisa em seus fragmentos e, em certos momentos, rompendo
com a lineridade, revivo seu vigor e assumo minha cumplicidade com seus sujeitos. Os
fragmentos, de certa forma, trazem a totalidade da experiência. Ao dar relevo a aspectos
considerados menores, atualizam-se questões molares porque o micro o se constitui
isolado do contexto no qual está inserido. interconexões entre eles. Numa
abordagem clássica, tal movimento seria um equívoco. Mas considero que essa
possibilidade de encontros de afetos e de perceptos é imprescindível e não pode ser
descartada ou subestimada. As experiências vividas e narradas com os sujeitos poderiam
ampliar nosso olhar e nos devolver uma humanidade perdida? um caráter humano-
existencial que se apaga dos registros quando tentamos ser fiéis ao que aconteceu? E
por que a história oficial é mais fidedigna do que a memória dos sujeitos que a viveram?
Como não questionar os estatutos de cientificidade que se cristalizam em certos modos
racionais, mensuráveis, especializados de entender o mundo? Por que buscar a história
oficial e não considerar as histórias, as diferentes histórias que os diferentes sujeitos
possam narrar? Estou defendendo a segunda possibilidade e assumindo os riscos de ser
inventora desse espaçotempo escolar.
Tentando responder a essas questões, eu iniciaria com a postura de autoria que
se busca imprimir nas relações, quer sejam entre alunos, entre alunos e professores, ou
entre professores e professores. Ao sinalizar que há imaginação, que há criação, ou seja,
ao assumir que colocamos nossos pensares e nossos sentires na narrativa, estou
afirmando fazeres/saberes em sua potência de transformação.
Cada aluno, cada professor, cada pesquisador que vive uma experiência vai
narrá-la de forma original, singular. Para cada um ela vai acontecer e afetar de forma
muito própria. Talvez isso seja invenção, reinvenção do vivido. Isso acontece com todos
em todos os momentos? Será que se pode ativar no outro, racional e intencionalmente,
todo esse movimento? Ou será na relação que a experiência se passa?
Como então nomear as diferentes formas de envolvimento com o que se narra,
como se narra e como se ouve o que se narra? Um depoimento, uma entrevista, uma
conversa ou outra forma de expressão poderá ser uma narrativa se o(os) envolvido(os)
comungar(em) dessa experiência na relação?
Não assumo essa postura de definir e conceituar o referencial teórico-
metodológico. Assumo a criação de metodologias, a criação de certas maneiras de fazer
89
pesquisa com seus sujeitos. Estou assumindo uma crítica ao modelo de pesquisa que
impõe o afastamento entre sujeito e objeto de pesquisa. Aquele modelo que prescreve a
neutralidade científica, o controle de variáveis, a generalização dos achados. Mesmo
assumindo essa crítica, não posso eximir-me de declarar que me pego muitas vezes
reafirmando exatamente este modelo.
Caberia, então, apontar sempre para o cuidado que se deve ter com posições
totalizadoras acerca de modos de fazer uma investigação. Nesse sentido, acredito que
uma forma de dar conseqüência a essa postura ética seria esclarecer o modo como se
deu o processo, tentando expressar as certezas, as dúvidas e as contradições que o
sujeito (pesquisador) consegue perceber, intuir.
Assim, pode-se estabelecer com os interlocutores um diálogo capaz de conceber
nossos limites como condição instauradora da pesquisa com o cotidiano escolar. Talvez,
desse modo, o processo de investigação possa experimentar esse caráter
desterrritorializante do pesquisar o acontecimento. Que narra a história pelo seu avesso.
Pelas situações moleculares, ínfimas, inconstantes, sem expressão, que estabelecem
múltiplas microconexões com universos tanto micro quanto macro, numa relação
intensa/tensa, indissociável.
Uma experiência de (re)encontro com modos de ser/estar/fazer
pesquisa
Continuo a dialogar com um modo de ser pesquisador que me foi apresentando
múltiplas entradas e saídas. São tessituras de redes que se vão ampliando, entrelaçando
em mim e nos outros. Isso também tem sido motivo de inspiração, receios e
encantamento, pois me reapresenta a condição de ser “caçador de mim” (Ferraço, 2003).
Vários teóricos ressaltam essa condição da pesquisa (Santos, Ferraço, Najmanovich,
Foucault). Ao pesquisarmos, pesquisamos a nós mesmos: isso assusta, mas também
pode nos impulsionar ao encontro.
Ao fim e ao cabo, percebo-me, encontro-me e posso acolher uma experiência
assistemática e fragmentária de pesquisar. Acredito que que estar disposto a viver
essa experiência em diferentes níveis de intensidade. Não idéias prontas a serem
descobertas, mas haveria conceitos a serem significados na/da/com a experiência.
90
Esse modo de pensar/fazer/escrever que aparece na obra de Benjamin (1995)
tem-me ajudado muito em todo o processo de investigação. Põe-me em contato com o
outro e problematiza-me na relação. Acabo de encontrar uma entrevista com Paulo
Freire que dialoga com essa busca de uma vivência, de uma escuta do outro e de uma
necessidade de registro desse processo:
Eu me lembro, por exemplo, de um período em que precisei trabalhar
com pescadores. O Sesi também tinha um centro social na área
pesqueira de Pernambuco e eu observei que nos meus primeiros
encontros com os pescadores, nem os entendia bem. Então eu
aproveitei um tempo livre, consegui uma casinha na praia e fui para lá
com a minha família. Nessa época eu tinha apenas três filhas, a
Madalena, a Cristina e a Fátima, que era a menorzinha. Ficamos lá um
mês e eu com uma cadernetinha, repetindo, sem saber, o Guimarães
Rosa, tomando nota das frases, das palavras que os pescadores usavam.
Eu ouvia largas histórias dos pescadores e perguntava: o que quer
dizer isso? Faz mal que registre? E explicava por que precisava
registrar. Os pescadores não se sentiam ofendidos por minha
curiosidade; eles se sentiam valorizados. Muitas vezes eu explicava
que aquilo que eles diziam com tal palavra eu dizia de outra forma.
Foi que se colocaram diante de mim, concretamente, certos
problemas de linguagem; o problema da sintaxe, o da semântica, a
estrutura do pensamento diferente e a significação das palavras dentro
do contexto do discurso. Eu aprendi muito durante um mês de
convivência com os pescadores. Houve uma coisa extraordinária.
Antes eu "falava para" os pescadores, depois esse falar virou "falar
com" os pescadores, porque eu usava todas as metáforas que tinha
aprendido na praia com eles. A comunicação se fazia facilmente e eu
podia colocar para eles, como desafio, questões muito sérias. (Freire
apud Cortella, 1992)
O trabalho com o campo do cotidiano escolar tem-me mostrado que um
movimento que se aproxima desse emaranhado de possibilidades é a condição de
artesão, de artista ou até garimpeiro, que, com trabalho bem cuidado vai tentando captar
aqui e ali pequenas-grandes informações, observando os fazeres/saberes que nos são
possíveis observar e participar, estar com o outro, percebendo suas lógicas em diferentes
situações. Essas formas de trabalho se ocupam do que se vive, numa idéia de tempo
presente alargada, pois atualiza o vivido e já cria outra coisa, na medida em
que o
ressignifica.
A infância que, por exemplo, Benjamin (1995) traz em seus escritos não é a
infância vivida, é uma infância inventada com tudo que o constitui até o momento.
Por tudo isso, faço essa tentativa de articular práticateoriaprática, com o objetivo de
destacar o quanto estamos imbricados naquilo que produzimos e como isso nos constitui
91
e se constitui na relação. Ali, nas narrativas dos sujeitos no cotidiano, em suas artes de
dizer e de fazer, há força, uma potência capaz de organizar, desorganizar e reorganizar e
que articula, desarticula e rearticula pensares, sentires e fazeres num continuum
frenético.
Os conceitos de experiência e narrativa, de certa forma, encontram eco com
perguntas-respostas intuídas antes que eu tivesse tido acesso aos escritos de autores
que tratam desses conceitos. Com isso, quero dizer que, mesmo sem conhecer
formalmente sua obra, eu tinha a crença de que nossas memórias, nossas narrações
favorecem o encontro, o estar com o outro. ensinamentos que podem ser tirados
dessas leituras, como, por exemplo, um modo de compartilhar a narrativa. Ao
enfatizarmos essa possibilidade, abrimos um canal capaz de nos reconectar com nossa
ancestralidade, e, assim, a experiência pode incorporar-se em nossa história e em nossa
narrativa.
Com essas e outras problematizações, retomo minha questão. O que seria
pesquisar com o cotidiano e como inventar e reinventar um modo de ser/estar/fazer
nessa relação que não prevê o assujeitamento do outro?
92
A possibilidade de estar com a escola
Expresso uma maneira de fazer deixando claro que essa foi a forma pela qual,
na relação com o grupo, pude construir um certo vínculo e que tenho consciência de
que ele precisa ser cuidado. São buscas de um modo de estar com os sujeitos na escola
da qual começo a fazer parte.
A princípio, era uma relação bastante distante, mas aos poucos, aqui e ali, fui-
me aproximando de algumas professoras. Como não faço parte do corpo docente da
escola e exerço uma função no nível central, percebia certa desconfiança quanto à
minha presença. A partir de 2005, reestruturou-se a forma de acompanhamento das
escolas. Com isso, diminuiu o número de escolas a serem acompanhadas, e a freqüência
dos encontros passou a ser bem maior. Outra mudança, foi o rompimento com as
especificidades, ampliando-se o modo de atuação na escola, que passou a ser entendida
como um todo complexo.
Acredito que, desde o primeiro contato até o vínculo que hoje tenho com essa
unidade escolar, houve uma construção, uma troca de experiências e que cada um de
nós está aprendendo nessa relação. Se eu refizer minha trajetória profissional, talvez me
veja em sala de aula, nas reuniões pedagógicas, nos cursos, nas visitas a outras escolas,
enfim, em cada espaço que freqüentei e que foi/é importante para me constituir
professora e praticar esses vários ensinamentos e aprendizados. Aprendi que foi
necessário estar com freqüência na escola, nessa escola e, mais do que isso, é necessário
ser um sujeito ali, afetando e sendo afetado.
Negociar esse estatuto de pertencimento coloca-me num lugar privilegiado e
com condições de, no meu entendimento, compartilhar experiências. Para isso, foi/é
necessário enfrentar certa desconfiança que os sujeitos escolares têm das pessoas da
fundação municipal de educação, em geral, no que se refere à potencial condição de
observador/fiscalizador desses profissionais. Esse enfrentamento não constituiu
movimento planejado de fazer isto e aquilo para conseguir aquilo. A partir de todas as
colocações que fui fazendo, parece que esse enfrentamento se aproxima mais do
mergulho de qual no fala Alves (2003). Seria a condição de sentir, ouvir, cheirar, rir,
discutir, expor-se com os sujeitos. Não se trata de receita, mas de movimento que
considero consistente e que favorece o reconhecimento de que há uma implicação
minha (pesquisador) com esses sujeitos. Estamos aprendendo que podemos contribuir
mutuamente, numa relação de troca de saberes, conscientes de que temos papéis
93
diferenciados. Esses papéis não são necessariamente opostos, estariam em condição de
complementaridade, de paralelismo, de atravessamentos. São relações, e elas são
movimentos, ondulações que ora podem nos levar ao embate e ora podem nos mostrar
nossas aproximações.
Nesse sentido, é importante ressaltar que não há uniformidade na relação com os
sujeitos da escola. Essa experiência tem-me mostrado que vínculo quando estou com
algumas professoras e em alguns momentos. Com outras, só “conversamos”, e, para
enfatizar ainda mais a dimensão de multiplicidade com a qual vivemos, há aquelas com
quem tenho diferenciadas formas de relação, seja por minha disponibilidade, a do outro
ou de ambos. Em minhas andanças pela escola, percebo que afeto e sou afetada por
algumas pessoas de forma completamente diferentes. Às vezes, a conversa circula
por atividades, trabalho pedagógico e percebo essas regularidades com certos sujeitos.
Seria como se nós (eu e essa pessoa) só pudéssemos ter esse ponto de encontro. Imagino
que não tenha que ser assim. Imagino que possamos ter outros pontos de aproximação,
mas não estamos disponíveis para esses encontros. Vejo isso como nossos limites que se
esbarram o tempo todo na relação com o outro. O que eu vivo e enuncio dessa vivência
precisa afirmar esses limites. O meu e o do outro. É importante marcar essa condição de
sujeitos encarnados (Najmanovich, 2001), ou ainda assumir o outro como legítimo outro.
A aceitação do outro como um legítimo outro na convivência constitui
a convivência social como a única convivência na qual o modo de
conviver surge e se na aceitação, e não na negação que surge na
exigência de que o outro seja diferente. (Maturana, 2002. p. 83)
Esta é uma possibilidade ensinante da investigação: viver a possibilidade de
intercambiar com o outro e ser capaz de viver a radicalidade do encontro e se
transformar com ele ou a partir dele. Esse movimento de ir e vir nos faz perseguir pistas
que muitas vezes se encontram também em s. Às vezes me pergunto se isso que
acabo de discutir é trivial. Parece-me que não. Essa me parece uma possibilidade “real”
desse modo de pesquisa. São microações afirmativas que podem fazer a diferença em
sistemas tão totalizadores como os que vivemos nas escolas. É bom que tenhamos
cuidado com a curvatura da vara, que insiste em estar sempre polarizada. Nosso
movimento, ao explorar essa mudança de perspectiva, pode fazer deslocar o pensamento.
Um texto chamado O narrador, de Walter Benjamin, apresenta-me o fazer
cotidiano dos artífices, e, investigando um pouco mais, em minha própria trajetória
94
pessoal, resgato práticas/discursos de minha infância, vivida numa cidade pequena do
interior do estado do Rio de Janeiro, com forte influência do universo rural. Vou trazer
essas narrativas que, me parece, se comunicam entre si e explicitam outros modos de
ser/estar/agir/pensar nesse modelo hegemônico:
A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão
no campo, no mar e na cidade –, é ela própria, num certo sentido, uma
forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em
transmitir o “puro em-si” da coisa narrada como uma informação ou
um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em
seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do
narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. Os narradores
gostam de começar sua história com uma descrição das circunstâncias
em que foram informados dos fatos que vão contar a experiência
autobiográfica. (Benjamin, 1995, p. 205)
Minha filha, na minha época, aqui na roça, os momentos de troca mais
importantes aconteciam enquanto estávamos realizando algum serviço.
Os homens conversavam no curral ou enquanto “batiam o pasto” e as
mulheres passavam seus conhecimentos ao “mexer o tacho” ou no fim
da tarde, quando íamos à varanda para bordar, fazer crochê ou tricô.
(Rememoração da fala de minha avó)
Hoje fui [pesquisadora] à escola com a equipe de referência.
Chegamos na hora do planejamento. Todos os professores estão
presentes. A EAP [equipe articulação pedagógica] passa os informes
no primeiro momento e, no segundo momento, solicita que os
professores socializem suas idéias sobre como organizar o espaço da
sala de leitura. Enquanto as professoras Cristina e Carmen expõem
suas idéias, observo que outros professores, talvez mais da metade
deles, estão “fazendo coisas”. A professora de artes organiza os
trabalhos dos alunos por turma, a professora Sônia recupera os coletes
utilizados pelas bandeiras nos Jogos Penha-Americanos; alguns
professores estão com livros abertos enquanto debatem as idéias
expostas. Há outra professora a embrulhar coisas escondidas dentro de
uma sacola [depois soube que eram presentes-surpresa para uma
professora]. Fico olhando e não consigo ter clareza quanto ao que é
que é mais importante, se é a discussão em pauta ou cada tarefa que
cada professor realiza. (Fragmento do caderno de campo/2007)
Haveria importância em definir qual seria o fazer importante? Por que ainda
trabalhar com as hierarquias? Tudo acontece aqui-e-agora? Haveria espaçostempos para
pensar e para fazer? O que essas narrativas podem problematizar? Elas dialogam com
nossos modelos de ensino, por exemplo, que prevêem um modo de organização em que
centralidade numa pessoa que ensina (a ação está com essa) e o outro aprende (sem
ação)? Também nos mostram que outras lógicas vigoram além das hegemônicas. Apesar
de haver forte influência do pensamento dominante: homem branco, ocidental e do
hemisfério norte. Ainda assim outros modos de viver que não são minoritários, mas
95
que são subalternizados cotidianamente por práticas de colonização do pensamento, que
nós reificamos. Somos todos nós que fortalecemos tais posições.
Há na escola uma professora que sempre está a narrar e a fazer coisas. Para estar
com essa professora e seus alunos preciso mergulhar em sua lógica e partilhar do seu
fazer com. momentos em que eu (sujeito/objeto) fico sem chão e que vou buscar em
referências remotas (infância/própria experiência) apoio para seguir pesquisando,
conforme acabo de destacar acima. Num desses momentos de pesquisa, pergunto à
professora se posso estar com ela, e ela me convida para sua sala. No turno da manhã,
ela é a professora que atua na sala de recurso. No turno da tarde, exerce a função de
professora regular do primeiro ciclo do ensino fundamental. Ela pede que eu espere um
pouco enquanto vai chamar os alunos para o atendimento.
São três alunos: uma menina e dois meninos, considerados com necessidades
educativas especiais. Entram na sala, e a professora os apresenta a mim. Um menino,
que eu conheço, traz seu caderno para terminar uma tarefa com a professora da sala
de recursos. Fico mais próxima desse. Os outros (o menino e a menina) têm outra tarefa
a fazer junto com a professora: confeccionam bonecos grandes (quase do tamanho
deles), decidem como serão os cabelos que colocarão e cada detalhe do boneco, como
roupas, nome, etc. É com muito capricho que eles tocam os materiais, olham, comparam,
retiram aquilo que colocaram, refazem e depois olham novamente com olhar de
afirmação quando parecem dar por finalizada a tarefa. A professora se entrega à
atividade e parece esquecer que eu e o outro aluno estamos na sala.
Observo a atitude deles por um tempo e percebo que um outro espaçotempo se
impõe. Estaria o tempo Aion
21
regendo, absoluto, esses instantes para eles? todo um
fazer ininterrupto no sentido de construir o boneco e também uma conversa que a
professora vai tecendo com os alunos. Parece que cada gesto e cada palavra, cada olhar
são absolutamente imprescindíveis para que aquele envolvimento entre eles se de
forma crescente. Religo esse fragmento da experiência de pesquisa a um fragmento de
texto de Walter Benjamin (1995, p.205):
Quanto maior a naturalidade com que o narrador renuncia às sutilezas
psicológicas, mais facilmente a história se gravará na memória do
ouvinte, mais completamente ela se assimilará à sua própria
experiência e mais irresistivelmente ele cederá à inclinação de
21
O tempo Aion é o tempo da intensidade, e o tempo Chronos indica duração objetiva, quantidade
mensurável e contínua do tempo.
Cf. Agambem, 2005.
96
recontá-la um dia. Esse processo de assimilação se em camadas
muito profundas e exige um estado de distenção que se torna cada vez
mais raro [...]
Com isso, desaparece o dom de ouvir, e desaparece a comunidade de
ouvintes. Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela
se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história.
Quanto o ritmo do trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de
tal maneira que adquire espontaneamente o dom de narrá-las. Assim
se teceu a rede em que está guardado o dom narrativo. E assim essa
rede se desfaz hoje por todos os lados, depois de ter sido tecida,
milênios, em torno das mais antigas formas de trabalho.
A cena que eu descrevia segue com os alunos interrompendo a tarefa ao sinal
da saída. A professora, então, conta-me que essa foi a forma que encontrou de fortalecer
o vínculo, pois realizar as atividades sem se envolver com eles não favorecia o processo
de aprendizagem. Diz-me que faz assim muito tempo e foi acostumada a não ficar
parada, a não jogar conversa fora sem estar fazendo algo. Esse modo de fazer em sua
vida, ela reinaugura na sala? Ela “conhece” seus alunos e “aprende” com eles como
compartilhar suas experiências? Ela teoriza seu fazer com bastante propriedade, mas
intuo que ali, enquanto ela agia, a centralidade não parecia ser na aplicação de um saber
técnico que uma pedagogia tecnicista, por exemplo, propõe trabalhar. Essa professora
em particular, nesse momento relatado, se desprendera dessa racionalidade técnica e
recriara “sua” forma de ensinar e aprender na relação com o outro?
Fico pensando no porquê dessa pesquisa e do movimento de registro dessa
reflexão. Qual o sentido disso? O que me mobiliza a expor parte de minha história
entrelaçada com parte das histórias de outros sujeitos? Em que medida isso pode ajudar
à compreensão do que é ensinar/aprender? Que diferença faz trabalhar com
narrativas/memórias? Qual a contribuição que um projeto como esse pode trazer para
aqueles meninos e meninas que ‘são insistidos’ na não-aprendizagem? Qual a dimensão
da força do “fazer com” numa pesquisa? Qual a implicação que se pode/deve ter ao
pesquisar? Essa maneira de “fazer com” possibilita o encontro? Como, quando? Quais
as tensões que se apresentam nessa disputa? Seriam de ordem interna da própria
pesquisadora ou seriam de uma relação mais externa? Lembro que o outro está em mim
e aqui neste registro vejo vários outros: nível central, escola, universidade, para ser
simplista. Se eu problematizasse um pouco mais, elencaria mais personagens, e eles em
relação entre si se poderiam apresentar como outros sujeitos: diretora, supervisora,
orientadora, professor, aluno, gestão central, professores da universidade, mestrandos.
Conforme anunciei, a leitura de alguns textos (Najmanovich, Ferraço, Benjamin,
97
Azevedo, Alves, Esteban, Garcia) e a vivência da pesquisa possibilitam que eu desperte
minhas próprias rememorações e perceba os processos de hibridizações pelos quais fui
sendo constituída. Também estão presentes os sujeitos da escola em seus multifacetados
posicionamentos no mundo. O lugar minúsculo do qual vou falar acaba tendo dimensão
muito maior do que a que olhares demasiado naturalizados vêem. Caberia, então,
dialogar com, em diferentes âmbitos? Na escola, no órgão central, na orientação
individual e na coletiva? Para, quem sabe, discutir essas cristalizações que se
materializam e compartilhar aqueles momentos que comunicam uma experiência no
sentido benjaminiano?
uma grandiosidade, por vezes asfixiante, que pode nos paralisar se
racionalizamos e decompomos todo esse universo. O desafio tem sido viver esses
momentos únicos sabendo, de corpo inteiro, que eles são também universais, sem tentar
analisar, interpretar tudo e compartimentalizar essas situações. Nessa medida, trazer as
narrativas pode auxiliar a religar este registro de pesquisa ao que foi vivido e a
reconfigurar o sabido da escola, na escola e com a escola. Perez (2003, p.117) nos
ajuda a pensar:
Cotidiano é movimento, é construção social e histórica da ação
humana. Ao produzir a cultura e a história, homens e mulheres
produzem vida, a sua vida como indivíduo e como espécie fluxo
vital que os coloca diante de estados inéditos, num movimento
permanente de tornar-se: criando, aumentando e intensificando suas
potencialidades e energias.
Vejo-me muitas vezes sem saber o que fazer e registrando pequenas partes que
consigo perceber/intuir. Afirmando, assim essa condição de trabalhar com o inacabado,
sempre. Esse trabalho com o provisório nos propõe desconfiar das certezas, pôr a
caminho, construir, nos reeducar, reinventar o cotidiano. Assim, faço ensaios aqui e ali,
que não se pretendem verdades absolutas e, sim, outras possibilidades de resposta.
Assim também, procuro resgatar momentos e exercitar uma posição menos cristalizada
da realidade. São tentativas.
Essa busca tem-se apresentado fugidia, pois nossa formação dogmatizada insiste
em nos colocar nos trilhos. No entanto, algo que escapa e que nos tira as referências
ou, até, nos recoloca frente a frente a referências adormecidas e consideradas
inapropriadas. São essas as posturas que procuro, essas outras possibilidades de sentidos,
diferentes dos sentidos que, em geral, os pensamentos hegemônicos nos impõem.
98
A teoria como caixa de ferramentas
Tenho utilizado muito esta frase: “Uma teoria é como uma caixa de
ferramentas”. E sigo com o argumento de Deleuze:
Nada tem a ver com o significante... É preciso que sirva, é preciso
que funcione. E não para si mesma. Se não pessoas para utilizá-la,
a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que
ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou. Não se faz
uma teoria, fazem-se outras; há outras para serem feitas.
(Foucault, 1979, p.71)
A teoria se impõe nas questões à medida que o investigador as pode perceber.
Nessa medida exercito a mudança de rumos de acordo com as questões que vão
aparecendo no processo. Não me parece possível, então, refutar nossas referências. Elas
estão conosco, constituem-nos, estão encarnadas. Muitas vezes apresentam-se em não-
linearidade que fomos educados a ocultar. Ao assumir a possibilidade da teoria como
caixa de ferramentas abre-se um caminho que me permite transitar por diferentes
autores, dialogar com eles e a partir deles criar.
Um dos instrumentos utilizado na pesquisa é o registro dos encontros num
caderno de campo. Narro o que me parece relevante: as pessoas com quem falei, sua
receptividade, minhas impressões, breves descrições dos lugares pelos quais passei e o
tempo gasto em cada ação. Esse registro apresenta diferentes ênfases e omissões, de
acordo com os acontecimentos. Às vezes, ele tem características de desabafo, de
encantamento, de perplexidade comigo mesma e/ou com outros, às vezes apresenta
dados objetivos, como datas, horários, relatos sintéticos do encontro.
Muitas vezes, ao escrever e até ao reler o que escrevi procuro uma
interlocução para ajudar-me a colocar as questões que me afetam na investigação.
Acredito que não possa chamar esse momento de solitário porque percebo com muita
clareza que diferentes modos de pensar a me acompanhar nesse registro. E é assim
que a “teoria” vai aparecendo, nas conversas com os próprios sujeitos da pesquisa,
durante as disciplinas, nas discussões com os diferentes professores do programa de
pós-graduação nas quais dialogamos com os autores.
Grande parte dos livros utilizados estou conhecendo agora, mas os teóricos
adormecidos e que vão emergindo e tomando corpo.
Alguns deles são Foucault, Deleuze, Guattari:
99
A teoria não totaliza; a teoria se multiplica e multiplica. É o poder
que por natureza opera totalizações e você diz exatamente que a
teoria por natureza é contra o poder. Desde que uma teoria penetra
em determinado ponto, ela se choca com a impossibilidade de ter a
menor conseqüência prática sem que se produza uma explosão, se
necessário em um ponto totalmente diferente.
(Foucault, 1979, p. 71)
Uma teoria, segundo Deleuze no diálogo com Foucault, não precisa ter
aplicabilidade, ela é uma prática e opera possibilidades de mudanças. Segue
questionando a relação de subserviência com a teoria e seus teóricos, e indica uso mais
horizontalizado. Trabalhar com os autores ou por seu intermédio parece ser o que ele
nos recomenda. Considera que esse modo de relação com o saber está sob tensão e
emerge nesse confronto.
Na escola, durante a pesquisa, tem sido possível vivenciar essa condição
rizomática do conhecer. Em momentos fugidios pode-se dizer que criação de outros
modos de ser professor e de ser aluno. Vejo lampejos de inversão da tradicional relação
ensino/aprendizagem para aprendizagem/ensino.
Também destaco o que nos diz Deleuze: “a indignidade de falar pelos outros”
(Foucault, 1979, p. 72), que me possibilita articular os vários discursos encontrados na
pesquisa sem hierarquias. São outras versões da realidade. As versões fazem sentido
se possibilitarem a criação de outras formas de existência. É no meio, no que se passa
entre uma coisa e outra, que se pode aumentar a potência do pensamento.
Os autores vêm e vão no decorrer do processo de pesquisa. Não uma
linha a seguir. A metáfora da caixa de ferramentas cai bem e nos disponibiliza um
amplo saber a ser negociado. E preciso chamar novamente para a conversa Foucault
(op.cit., p. 71) quando aponta que o lugar do intelectual não é “um pouco na frente ou
um pouco de lado para dizer a muda verdade de todos”, “é antes o de lutar contra as
formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, objeto e instrumento: na
ordem do saber, da ‘verdade’, da ‘consciência’.”
100
As resistências e os diálogos: faces de uma mesma moeda
Iniciei o trabalho “sabendo” que o processo de investigação não seria tranqüilo,
ou melhor, que possivelmente haveria confrontos entre os diferentes sujeitos. De fato,
os confrontos vieram e ainda virão, na medida em que a exposição de diferentes
pontos de vista, na medida em que sigo tentando assumir um lugar no qual não
“certos e errados”. Essa postura é muito criticada, pois muitos a consideram estratégia
de não exposição, de não posicionamento.
O que tenho tentado discutir é que não se trata de não ter posições e sim de
não desqualificar a posição do outro. Acredito que, no texto, nas falas, nas atitudes
estou a experimentar com as professoras essa condição, esse modo de fazer pesquisa na
qual haja disponibilidade para o diálogo.
A formação cartesiana à qual fomos submetidos nos ensinou a pensar por uma
lógica binária, por polarizações. No meu ponto de vista, pensar “isto ou aquilo” não
favorece o conhecimento. Se uma pesquisa tem a pretensão de produzir conhecimento,
ela precisar estar atenta a esses movimentos, às leituras que fazemos da realidade.
Num livro organizado por Boaventura de Sousa Santos intitulado
Conhecimento prudente para uma vida decente, vários autores discutem suas idéias
polêmicas, diga-se de passagem sobre a possibilidade de discurso da ciência. Uma
autora em especial, Maria da Conceição Ruivo, problematiza as leituras que os
cientistas fazem do real. Utilizo sua argumentação para pensar no papel do pesquisador:
[...] O que sabemos de concreto é que, ao “fazer falar a natureza”,
somos nós a preparar o palco, a pôr em acção os aspectos que os
nossos a priori nos dizem ser relevantes, que contradições lógicas
que tornam impossível pôr a falar ao mesmo tempo aspectos da
realidade que só poderemos descrever de forma complementar [...]
O que a ciência faz são leituras, representações da natureza, por isso,
quando Santos, retomando Heisenberg, nos lembra que “conhecemos
do real senão a nossa intervenção nele” (Santos, 1987: 26), não
poderia estar mais de acordo. Mas podemos continuar a falar de um
tipo de “objectividade construída”, a única que podemos ter. Por mais
subjectivo que tenha sido o processo que levou à formulação de uma
dada conjectura, por mais escolhas que tenha havido na forma do
“fazer falar a natureza”, os resultados finais são um saber partilhado,
são considerados factos depois de serem alvo de um amplo consenso.
O sujeito deixou de ser o indivíduo, passou a ser a comunidade.
(Santos, 2004, p. 593)
101
Esse consenso de que nos fala a autora diz de um “acordo” entre cientistas na
direção de um saber fabricado a partir de argumentos considerados específicos e
subjetivos. E considero importante esse destaque na medida em que a autora fala de um
campo de saber das chamadas ciências duras e mostra-nos uma faceta dessa construção
de saberes que têm o estatuto de científicos. Maria da Conceição Ruivo nos ajuda a
pensar no processo de construção do saber e nos remete ao caráter humano-existencial
dessas relações.
Como se que desconfiar de discursos que afirmam que na escola não
deveria haver conflitos. Ao contrário, constituímo-nos no conflito. O que nos diferencia
e enriquece como cultura é a diversidade com que lidamos com esses conflitos. Não
como negar que o mundo ocidental, com sua hegemonia, ditou regras para os outros
povos, desqualificando sua racionalidade, sua cosmogonia, sua episteme. Faz-se
necessário repensar esses paradigmas e considerar outros como possibilidades legítimas
de entendimento do mundo.
Com Foucault e Deleuze comecei a problematizar a minha relação com os
sujeitos escolares dando-me conta de que sempre uma tensão no ar. Há um jogo de
forças que nos coloca em campos diferentes e não necessariamente antagônicos. Isso
está sendo difícil de articular uma vez que a lógica na qual vivemos ainda polariza
muito as discussões. Quando digo que está difícil não me refiro apenas ao outro; essa
afirmação também se aplica a mim:
Se na violência dois pólos antagônicos um sujeito que a pratica
e um objeto que a sofre, cuja única alternativa é a resistência ou a
fuga, no poder não propriamente dois pólos, que os dois
elementos não são antagônicos, mas sim sujeitos de num mesmo jogo.
E para que isso seja possível, o saber entra como elemento condutor
do poder, como correia transmissora e naturalizadora do poder, de
modo que haja consentimento de todos aqueles que estão nas malhas
do poder. No interior das relações de poder, todos participam, todos
são ativos. (Veiga-Neto, 2005, p.143)
Parece que um acordo tácito entre os sujeitos no sentido de enunciar o
que é considerado uma atividade bem-sucedida. Em algumas narrações o discurso
vem bastante organizado, pautado por linearidade. outras atividades que os sujeitos
naturalizaram e a elas nem se referem. Acontecimentos fissuram a linearidade do
discurso, das ações planejadas. Quando estamos dentro da situação, naturalizamos as
102
posições. Um olhar estrangeiro pode trazer a dúvida, a perplexidade. O pesquisador
pode estar a serviço dessa estrangeirice.
Tenho feito um exercício de interlocução, de trânsito por diferentes autores, de
mudança de posição e para isso tenho me valido de certa sabotagem de mim mesma. É
uma tentativa de estranhamento de meu próprio movimento de investigação tentando
ampliar minhas possibilidades de escuta do outro. Esse movimento segue conflituoso
para mim e para os outros sujeitos, mas tem sido bastante respeitoso a ambas as partes
na medida em que conseguimos assumir nossas posições sem submissão.
A onipresença da relação saber/poder
Um certo descentramento de que eu falava ao final da última seção não
elimina a relação de saber/poder que nos produz e produzimos ao exercer o poder. Ele
pode instaurar um caráter crítico/dialógico que caminha pari passu com a investigação.
Nesse sentido, acredito que o que estou chamando de onipresença da relação
saber/poder no processo de investigação. Essa relação é sempre assimétrica, mas não da
ordem da violência. O que pode torná-la menos cristalizada é sua condição de
circulação por diferentes níveis, como Foucault nos aponta. A capilaridade do poder
possibilita que ele possa ser exercido por diferentes sujeitos e em diferentes situações
nas relações uns com os outros. Foucault nos conta essa história. Em seus estudos ele
mostra como os dispositivos de poder se forjam e assumem diferentes facetas no
decorrer da civilização. Em seus estudos ele aborda como o poder era exercido na
sociedade de soberania e na sociedade disciplinar. Seguindo essa discussão, Deleuze
apresenta-nos outras formas hegemônicas que o poder assume nas sociedades de
controle. Esses processos não são lineares e podem assumir outras configurações
independente do período histórico de que se fale.
Embora eu dialogue com Foucault, assuma que o poder seja exercido pelos
diferentes sujeitos e que ele esteja passando por nossas relações, algumas vezes percebo
que situações nas quais forças hegemônicas se enrijecem. Na investigação que vou
negociando com a escola isso aparece tanto nas interlocuções como no registro que faço
desses momentos. Numa sociedade em que a cultura escriturística é tão forte o poder de
quem registra não pode ser desprezado.
O que estou registrando, por mais que haja uma negociação, são apontamentos
de um indivíduo com várias limitações. Nesse sentido, o que me tem ajudado é o
103
diálogo, bem como o fato de compartilhar as idéias com os envolvidos no processo,
mesmo que em fase inicial de escrita e com todas as limitações dessa iniciativa. Quando
assumi esse compromisso, propus que, nos casos em que não concordássemos com
alguma declaração, ela não seria omitida e que haveria espaço para ambas as versões.
Assim, a opção não seria por equilibrar as forças, pasteurizá-las e sim assumir a tensão e
ambigüidade de muitas situações.
Foucault e Deleuze (Foucault, 1979, p.75) nos o uma pista importante a ser
seguida ao falar sobre o que é o poder. Retomam o século XIX quando se discutiu muito
a exploração e dizem que tal abordagem não dá conta do exercício e do funcionamento
do poder. E o que será o poder, pergunta Foucault? “Onde poder ele se exerce.
Ninguém é, propriamente falando, seu titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em
determinada direção, com uns de um lado e outros de outro lado; não se sabe ao certo
quem o detém; mas se sabe quem não o possui.”
E a escola? Como esse diálogo pode problematizar seus microscópicos
exercícios de poder? Como exercemos pequenas ações fascistas que vão demonstrando
nosso poder sobre o outro? Como produzimos circunstâncias nas quais se evidencie que
temos poder sobre o outro? E o quanto aquele que sofre essa ação a legitima? Sabemos
que nós, professoras, trabalhamos com a desqualificação de nosso discurso. Caberia
discutir como somos, também, os produtores dessa condição? um movimento que se
pode atribuir a mudanças paradigmáticas que impõem outras formas de lidar com o
conhecimento e para o qual os docentes não se sentem preparados. E também um
contexto socioeconômico que, nas últimas décadas, vem sucateando os sistemas
escolares públicos. E como agimos com funcionários, pais e alunos? Como fazemos o
enorme esforço de centralizar o poder em doses pequeninas e cotidianas que, nem por
isso o torna menos eficaz?
Como essa relação de poder/saber se redimensiona, em alguns aspectos,
ampliando sua força de atuação coletiva? E como, em outros casos se mantém num
movimento individualista? Como o coletivo se utiliza de estratégias de centralização do
poder e como esse mesmo coletivo força para que ele circule? O que se pode aprender
com essas situações?
Insisto numa relação com o conhecimento menos submissa que possa
favorecer o processo criativo dos envolvidos. Insisto na condição de estar em
negociação, estar na fronteira, ali no limite entre o saber e o não-saber, um espaço no
104
qual possam coexistir possibilidades que façam sentido para ambos os envolvidos. Um
terceiro espaço, que não seja de sínteses e sim ambivalência, processos híbridos.
105
INTERMEZZOFINALLE – Notas inconclusas de uma experiência
Um acontecimento
não se liga a um sujeito
mas a outros acontecimentos,
formando linhas, e
o “sujeito” se constitui
aí, entre as linhas,
por acontecimentos.
(Corazza,Tadeu
& Zordan, 2004, p.71)
É muito estranho estar a escrever um intermezzofinale, por isso apressei-me
em colocar travessão e complementar com ‘notas inconclusas de uma experiência’.
Logo veio a pergunta: por que fazer um texto com características de uma dissertação
clássica, como o das considerações finais? Tento responder. Acredito que não consegui
enganar minha veia cartesiana o suficiente para subverter todo o formato da dissertação.
Fico pelo meio. Fico no intermezzofinale. A junção de vocábulos oferece-me a
possibilidade de fazer outro uso desse lugar demarcado. Utilizar-me-ei deste espaço
para trazer algumas sobras que transbordaram na pesquisa. O recheio escorre. Tentamos
contê-lo, mas em vão, muitas vezes isso não é possível. Se formos generosos no recheio
ele escorre. Aproveitamos alguns bocados, outros se perdem, caem, sem que os
consigamos apreender.
Falar a respeito desse transbordamento pode afastar-me da insistente tentativa
de fazer sínteses. Definitivamente, não é isso que gostaria de fazer aqui. Gostaria que
esta dissertação fosse aproveitada em seus lampejos de criatividade, nas centelhas que
se acendem construindo outras possibilidades. São poucos esses momentos. Foram
efêmeros, mas defendo que eles possam ampliar nossas redes. Todavia devemos
considerar o alerta de Nietzsche:
Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em
um sem número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que
animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais
soberbo e mais mentiroso da "história universal": mas também foi
somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-
se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer. – Assim
poderia alguém inventar uma fábula e nem por isso teria ilustrado
suficientemente quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão
106
sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza.
Houve eternidades, em que ele não estava: quando de novo ele tiver
passado, nada terá acontecido. Pois não há para aquele intelecto
nenhuma missão mais vasta, que conduzisse além da vida humana.
Ao contrário, ele é humano, e somente seu possuidor e genitor o
tomam tão pateticamente, como se os gonzos do mundo girassem
nele. (Nietzsche, 1983, p. 45)
t
É bom observar que este estudo teve uma carta de intenções. no projeto de
pesquisa eu trazia alguns questionamentos. E também já assumia um referencial teórico-
metodológico-epistemológico: o cotidiano escolar em suas singularidades ou na relação
entre as forças moleculares e molares. A perspectiva privilegiada era a das coisas
consideradas menores, ínfimas, desprezíveis, apagadas e postas sob o tapete. O ponto de
vista é o da perspectiva se contrapondo ao modelo da transcendência, ainda tão forte nas
teorias epistemológicas.
A intenção inicial foi pesquisar o “movimento de afirmeação” de um grupo de
professores tentando compreender como eles inventavam seu cotidiano e colocá-los em
diálogo com essas invenções. Outros acontecimentos puderam emergir. Essa pesquisa
acabou sendo também uma problematização de como vou-me tornando pesquisadora
com o cotidiano escolar. Em diversos momentos formulo questões que problematizam
minha relação com o outro. um exercício de desconstrução de posturas totalizantes.
Ainda surpreendo-me com o fato de atribuirmos levianamente ao outro muito daquilo
que está em nós mesmos. Isso aconteceu muito comigo no decorrer dessa pesquisa.
Outra marca deste trabalho me parece ser a ambigüidade. Muito questionada
em diversos momentos, essa marca me parece ser uma conquista. Ela faz crescer o
pensamento quando vislumbra outras possibilidades. Não um modo de perceber, de
sentir, de viver. Não um modo de narrar e de fazer. Podemos sempre fazer diferente.
Por que não assumir isso? As explicações do “porque não” vêm facilmente. Podemos
culpar a estrutura, os sistemas escolares, os problemas socioeconômicos, a mudança
paradigmática por que estamos passando, a falta de tempo, as violências, a
desagregação das famílias, a falência dos modelos, a cultura, enfim. Achamos
justificativas para tanta coisa talvez para não assumir nossas contradições, nossas
ambivalências. Colocar no outro aquilo com que também nós não conseguimos lidar
pode criar uma zona de conforto, mas, parece-me, não favorece a invenção de um
mundo mais justo para todos.
107
Por que não utilizamos mais a intuição? Por que não dar ao outro a
oportunidade de falar? Por que não escutar esses outros em nós e fora de nós? Por que
não ampliar as redes de conhecimento? Por que não acessar essa rede por diferentes
lugares? Por que não deixar de lado os ‘apriores’, os continuísmos? Por que não
horizontalizar as relações? Por que não assumir o inacabamento? Por que não viver a
experiência, o acontecimento?
Nessa pesquisa eu vivi nesse embate comigo mesma. Tentei fazer um
exercício de me deixar afetar e afetar os sujeitos. Tentava colocar-me a serviço do
diálogo, da escuta. Levantei questões e tentei não as fechar. Havia intencionalidade
nisso. Eu intuía que, se cristalizasse um movimento totalizador, inviabilizaria a pesquisa.
Estava no limite entre estar ou não com todas aquelas pessoas num posicionamento
mais horizontal. Todos achamos muitas coisas, e esse mundo ainda está muito
hierarquizado. Eu trazia rótulos que não podiam ser esquecidos: uma pessoa ‘de fora’,
uma professora com relativa experiência, atuando no nível central, estudante de
mestrado na universidade, psicóloga por formação, psicopedagoga.
O que estou querendo problematizar é que diferenças, mas diferenças
que desqualificam e também aquelas que nos qualificam. Eu estava marcada pelas duas
formas. Todas nós estávamos. Isso não pode ser deixado de lado, pois esses
discursos/ações estão presentes nas relações. Eu me sentia responsável por isso. E como
pesquisadora achava que devia cuidar disso. Estar atenta a isso. Eu não estava ali a
passeio, mas para tentar misturar-me aos sujeitos. Eu não era um deles. Também não era
mais “a pessoa vinda da Fundação”. Uma pesquisadora da UFF também não era. Era
outra coisa que não sei definir. Meu lugar não foi tranqüilo em momento algum. Toda a
pesquisa foi atravessada por essa tensão. Também não posso dizer que não senti prazer
em estar lá. Gostei muito de poder vivenciar cada minuto da pesquisa. Quando falo
tensão talvez possa remeter a algo sofrido, negativo, e não foi essa a marca deste
trabalho. Foi ambíguo. Sim, os sentimentos vivenciados foram ambíguos. Talvez esse
tenha sido o modo como nos relacionamos neste trabalho.
Em diálogo com os diferentes sujeitos da escola, com os teóricos, com os
alunos e professores do curso de mestrado consigo afirmar que a pesquisa com o
cotidiano precisa experimentar todo este universo semântico: o inacabamento, a
fugacidade, a tensão, o diálogo, a fronteira, a escuta, a coexistência temporal, o estar
com, a insubmissão, a tessitura em rede do conhecimento, o corte, a dúvida, a
descontinuidade, a polifonia, o compreender o compreender do outro, a experiência, o
108
acontecimento, a invenção. Não só. Há muito mais. Escolhi o que me afetou mais. Cabe
muita coisa nesse universo.
Dessa forma, sinto que ficamos frágeis diante das clássicas questões sobre a
metodologia e queria entrar um pouco nessa discussão a partir deste meu lugar
circunstancial: o da pesquisa na escola com seus sujeitos. No Intermezzo 8, que enfatiza
o como a pesquisa foi inventada, trago questões a respeito de como fui-me permitindo
experienciar a pesquisa. Não no sentido do experimento, mas no sentido da experiência
(Benjamin, Larrosa). Acredito que a fragilidade emerja quando nos desculpamos por
esse modo de pesquisa, o que fiz muito no decorrer do trabalho.
Não seria o caso de virarmos essa página e assumirmos plenamente esse fazer
sem submissão? Nesse sentido esta última seção deveria ser retirada deste trabalho. Por
que não afirmar um trabalho em seu meio? Sem pretensos finais, ainda que sejam para
cumprir finalidades? Por que não assumir o inacabamento de fato? E se eu tivesse feito
isso e se o texto não guardasse nenhuma relação com o que se espera de uma
dissertação? Talvez seja o caso de nos questionarmos. Muitas vezes queremos, a
qualquer custo, mudar o mundo. Seria bom cuidarmos um pouco desse poder que
achamos que temos sobre o outro, mesmo quando acreditamos ser isso o melhor.
Será que ao fazermos isso não estaríamos refundando uma relação “fascista”
sobre o outro? O que seriam essas minúsculas relações de poder sobre o outro que
afirmamos cotidianamente quer na condição de assujeitados, quer na de sujeitos?
Voltemos às escolas. O que se pode pensar/fazer/sentir para desestabilizar as
relações totalizadoras nas escolas? Caberia inventar elementos instáveis que se insiram
nesses contextos e que os instiguem a ver de outro modo o que fazem? Caberia
problematizar posições polarizadas e dar a ver as contradições, as ambigüidades das
ações moleculares em sua relação com as ações de caráter universal?
Por fim gostaria de ressaltar o movimento de afirmeação que pude
compartilhar com a escola. Posso dizer que saio modificada dessa experiência, na
medida em que consigo negociar com o outro, aproximar-me do compreender o
compreender do outro. Levo comigo a força de um grupo que não levanta bandeiras
libertárias e de luta pela transformação da escola. Elas não fazem isso. Nem por isso
deixam de lutar. A luta desse grupo me parece ser outra. Elas acreditam que todos os
alunos podem aprender e com essa convicção inventam modos de ensinar.
Quando mantêm a escola limpa, quando colocam os murais na altura dos olhos
das crianças, quando utilizam esses murais como mais uma forma de expor textos
109
produzidos pelos alunos, quando fazem rodas de leitura em que toda a escola participa
de momentos de contação de história, entre tantas outras invenções, elas, de forma
insistente, criam estratégias que favorecem a aprendizagem dos alunos. Mesmo não
defendendo que haja turmas heterogêneas, elas acabam promovendo diferentes formas
de ensinar, e isso acaba por contemplar os alunos em suas diferenças.
nesse grupo uma força autor-regulatória que organiza seus fazeres/saberes.
Este movimento a afirmeação produz nessa escola uma cultura na qual os sujeitos
que vão chegando se vão integrando ao processo. Na minha percepção essa
regularidade, essa organização. Há sucessos em decorrência disso e os fracassos. Há
conflitos que emergem dessas tensões: todos podem aprender e um currículo
marcadamente construído por uma classe dominante; todos podem aprender e todos têm
que aprender do mesmo modo; o planejamento e a acolhida do inesperado; o coletivo e
seus pactos de funcionamento; as singularidades das relações que se constroem no
encontro. Há a presença e há a existência. (Skliar, 2008).
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Trans)
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ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2004.
121
ANEXO 1 – Prova Brasil
122
ANEXO1
– Prova Brasil
123
ANEXO 2- LISTA DE MENSAGENS
Dedicatória Fotos de alunos e de professoras da escola em diferentes
momentos.
Epígrafe Ponte de Heráclito, p. 192. In: FEITOSA, Charles. Explicando a
filosofia
com arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
Página 14 Imagem de Escher: O côncavo e o convexo, p.87. In: ERNST,
Bruno. O
espelho mágico de M. C. Escher. Taschen Editora, 2007.
Página 21 Imagem de Bosch, p. 73. In: BECKET, Wendy. História de la
Pintura.
Barcelona: La isla Editora, 2001.
Página 23 – Foto da fachada da escola, março/2007.
Página 24 – Foto da vista do portão e da rua, março/2007.
Página 25 e 26 – Foto tirada durante Formação Continuada em março e agosto
de 2007.
Página 38 – Fotos de murais.
Página 39 – Fotos do material utilizado no Projeto Leva e Traz/2007.
Página 41–Fotos de alunos produzindo textos em pequenos grupos, 2006.
Página 43 – Fotos alunos de diferentes escolas, 2006.
Página 45 foto e uma escola projetada por Gaudí, p. 81. In: CRIPPA, Maria
Antonieta.
Antonio Gaudí: Da natureza à arquitetura. Singapura: Taschen, 2006.
Página 48 – Foto de Robert Doisneau, Taschen, 2005.
Página 49 – Imagem intitulada: Laço de Moebius II, xilogravura, 1963. In:
ERNST,
Bruno. O espelho mágico de M. C. Escher. Taschen Editora, 2007.
Página 51 – Fotos de murais da escola, agosto/setembro de 2007.
Página 55 – Imagem de formigas. In: MELLO, Maristela Barenco Corrêa de. Da
morte
do general à busca rizomática: o ato de escrever como possibilidade de
emancipação.
Rio de Janeiro, 2005. [100 f]. Dissertação (Mestrado em Educação)
Faculdade de
124
Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
2005.
Página 60 – Foto da sala de aula da professora Sônia, 2006.
Página 62 Imagem digitalizada de atividade desenvolvida pela professora
Sônia.
Página 75 – Imagem de desenho feito por Kafka, p. 146. In: FEITOSA, Charles.
Explicando a filosofia com arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
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