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A noção de hibridação provém das duas prévias descrições que fiz da
genealogia da diferença e da idéia de tradução, porque se, como eu
estava dizendo, o ato de tradução cultural (seja como representação,
seja como reprodução) nega o essencialismo de uma dada cultura
antecedente, original ou originária, vemos então que todas as formas
de cultura estão continuamente num processo de hibridação. Mas para
mim a importância da hibridação não é ser capaz de rastrear os dois
momentos originais dos quais emerge um terceiro, para mim a
hibridação é o terceiro espaço que permite a outras posições emergir.
Este terceiro espaço desloca as histórias que o constituem e gera
novas estruturas de autoridade, novas iniciativas políticas que são
inadequadamente compreendidas através do saber recebido [...]
[...] o processo de hibridação cultural gera algo diferente, algo novo e
irreconhecível, uma nova área de negociação de sentido e
representação.
[...] Penso assim que a negociação política é uma questão muito
importante, e hibridação refere-se precisamente ao fato de que uma
nova situação, uma nova aliança que se formula, pode exigir de você
eventualmente que traduza seus princípios, expanda-os, repense-os.
Assim, continuando minha defesa dessa ferramenta, eu diria que afirmar o
movimento joga luz no processo de hibridação que se produz em nós com o outro. Não
seriam ações personalistas na ordem da linearidade, da competição, da fragmentação, da
polarização, tão caras à perspectiva de uma certa modernidade (Veiga-Neto, 2008).
Seria assumir este terceiro espaço, a relação, o rizomático, o ambíguo, o contraditório, o
molecular ao problematizar posturas homogeneizadoras.
Até aqui tentei dar conta do movimento. Agora vou discutir o “movimento de
afirmeação”. Como se daria? A tentativa de construir um vocábulo para dar conta do
vivido nasceu de uma angústia ao tentar expressar pela escrita algo que é de outra
ordem. Assumir uma pesquisa no campo do cotidiano, do meu ponto de vista, provoca-
nos essa busca de outras formas de expressão e de sua afirmação, ainda que
circunstancial, no campo teórico/metodológico/epistemológico.
Assim, considero que a relação entre as palavras afirmação, firme e ação pode
aproximar-se de um movimento capaz de, em relação, ser um catalisador de forças. Essa
atmosfera que se constitui pode ajudar, nesse momento, aquele grupo a criar as
condições de trabalho de que ele (o grupo) precisa de forma singular. Essa idéia estaria
ligada à produção e afirmação de um caminho próprio, sem prescrições, um certo modo
de atuar “orgulhoso, altivo, vaidoso” que acredita em sua possibilidade. “O dia em que
este grupo precisar que alguém diga como devemos trabalhar eu saio da direção da
escola.” (Fala da diretora da escola) É importante ressaltar que a certeza pode cegar e
apagar rastros da diferença. No entanto, há que fazer apostas, e elas precisam da
intensidade dos que acreditam. Estou falando de momentos fugidios, movediços, que,