porquanto Sócrates, dentro da sua típica maneira de proceder, demonstrou a insuficiência das
hipóteses iniciais, sem as substituir por outras. Se Teeteto pudesse, nesse momento, decidir-
se, seja pela falsidade de uma das três premissas da doutrina do fluxo e pela veracidade das
outras, seja pela falsidade de todas, o diálogo poderia encerrar-se neste ponto. O problema é
que todas as premissas parecem plausíveis e, justamente por isso, Teeteto não consegue
decidir-se por uma ou nenhuma delas.
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Portanto, a aporia de Teeteto é causada pelo estado no qual se encontra a discussão: de
um lado, temos uma série de teses plausíveis, capazes de explicar de forma conveniente certos
fatos; de outro, temos um fato que não só não é explicado por elas, mas inclusive as contradiz.
O elenchus socrático consiste justamente em colocar seu interlocutor em aporia,
mostrando, através de uma série de perguntas, que a tese P defendida por ele implica outras
teses q e r, mas P, q e r juntas são inconsistentes.
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As premissas que inicialmente pareciam
aceitáveis levam, no entanto, a uma conclusão inaceitável, ou constata-se que duas teses que
são contraditórias são ambas plausíveis, sem que se possa rejeitar alguma das premissas ou
das teses. O resultado é que ficamos com argumentos que, conforme Platão afirma na
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É nesse contexto que Sócrates faz a famosa observação sobre a admiração como sendo a origem da filosofia.
O que causa a admiração de Teeteto é justamente o estado de aporia a que chegou a discussão. A origem da
filosofia seria, portanto, o estado de perplexidade causado pela hesitação entre diferentes teses sobre
determinado assunto, teses que individualmente são plausíveis mas revelam-se inconsistentes quando colocadas
juntas.
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Alguns comentaristas afirmam que Sócrates, pela figura lógica da redução ao absurdo, estaria justificado em
afirmar que P é falsa, rejeitá-la e aceitar não-P como verdadeira, de modo que o diálogo deveria terminar com a
conclusão positiva de que não-P é verdadeira (cf. Vlastos, 1996, p. 40; Kraut, 1992, p. 52). Em nosso exemplo,
deveríamos concluir que a tese do fluxo deve ser rejeitada. No entanto, essa não é uma conclusão positiva, pois
ainda ficamos sem saber em que consiste o conhecimento, por exemplo, que é o objetivo principal do Teeteto.
Outros comentaristas, ao contrário, afirmam que Sócrates não está justificado em deduzir não-P, pois ele apenas
mostrou que a conjunção de q, r e P leva a uma contradição, sem que se possa saber qual das premissas é a causa
da falsidade P (cf. Benson, 1996, p. 99). De fato, o que Sócrates faz é convencer seu interlocutor, não da
falsidade de P, mas que P é membro de um conjunto inconsistente de premissas: uma tese plausível, P, implica q
e r, teses igualmente plausíveis, mas P, q e r em conjunto geram uma contradição. Ou P ou q ou r são falsas.
Mas exatamente qual delas é a falsa? As teses examinadas geram uma contradição mas o problema central é que
todas são consideradas plausíveis, e por isso não podem ser simplesmente descartadas. Portanto, a conclusão a
que se pode chegar, no máximo, é que as teses são insuficientes para explicar o que queríamos explicar - o que
não é a mesma coisa que dizer que elas são falsas.
Vlastos chama o elenchus no qual Sócrates estaria justificado
em afirmar que p é falsa de “elenchus standard”, e o elenchus em que Sócrates apenas mostraria a existência de
uma inconsistência de p com as outras premissas de “elenchus indireto” (Vlastos, 1996,35).
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