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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
23 de abril – FESTA DE SÃO JORGE
Um estudo sobre a oficialização de um dia santo em feriado
municipal na cidade do Rio de Janeiro.
Maria Cláudia Martinelli de Mello Pitrez
Rio de Janeiro
2007
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ii
23 de abril – FESTA DE SÃO JORGE
Um estudo sobre a oficialização de um dia santo
em feriado municipal na cidade do Rio de Janeiro.
Maria Cláudia Martinelli de Mello Pitrez
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia
(com concentração em Antropologia).
Orientador: Prof. Dr. Emerson Alessandro Giumbelli
Rio de Janeiro
Agosto de 2007
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iii
23 de abril – FESTA DE SÃO JORGE
Um estudo sobre a oficialização de um dia santo em feriado
municipal na cidade do Rio de Janeiro.
Maria Cláudia Martinelli de Mello Pitrez
Orientador: Prof. Dr. Emerson Alessandro Giumbelli
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Sociologia e Antropologia , Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro UFRJ -, como parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).
Aprovada por:
________________________________________
(Presidente, Prof. Dr. Emerson Alessandro Giumbelli- PPGSA/IFCS/UFRJ)
_______________________________________________
(Prof. Dr. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti – PPGSA/IFCS/UFRJ)
_______________________________________________
(Prof. Dr. Renata de Castro Menezes – PPGAS/Museu Nacional/UFRJ)
________________________________________________
(Prof. Dr. Beatriz Catão Cruz Santos – UFRRJ)
Rio de Janeiro
Agosto de 2007
iv
Pitrez, Maria Cláudia Martinelli de Mello.
23 de abril –
Festa de São Jorge. Um estudo sobre a
oficializão de um dia s
anto em feriado municipal na cidade do
de Janeiro: UFRJ/ IFCS/PPGSA, 2007.
x, 145 f.: il.;31 cm
Orientador: Emerson Alessandro Giumbelli.
Dissertação (mestrado) UFRJ/IFCS/PPGSA, 2007
.
Referências bibliográficas 8f.
4.Festividade religiosa
abril
Festa de São Jorge. Um estudo sobre a oficialização de
um dia santo em
feriado municipal na cidade do Rio de
Janeiro.
v
Aos meus amados e saudosos pais.
vi
AGRADECIMENTOS
Ainda que a dissertação seja assinada apenas por um nome, sabemos que várias
pessoas passam e contribuem para a sua realização. Neste pequeno espaço de papel, mas
grande na sua sinceridade, quero deixar registrado meus agradecimentos àqueles que
indireta ou diretamente deixaram seus cuidados e atenções.
Gostaria de agradecer em primeiro lugar o carinho, o incentivo e principalmente
a compreensão de meus pais por vários momentos que me ausentei e não pude dar a
merecida atenção que ambos necessitaram durante o processo dissertativo. Ao restante
da minha família também muito obrigada por tudo.
Ao meu orientador de mestrado o Prof. Emerson Giumbelli que, sempre muito
atencioso e disposto a incentivar-me, ajudou intensamente nesta construção sem medir
nenhum esforço. Juntamente quero agradecer a todas as pessoas do grupo de discussão,
Religião e Espaço Publico, promovido pelo Emerson, que possibilitou trocas
enriquecedoras neste trabalho.
Ao CNPq que me concedeu bolsa durante o mestrado, viabilizando minha
dedicação exclusiva aos estudos, e a todo o corpo docente e secretárias do PPGSA, cuja
instituição sou muito grata.
Aos colegas da graduação e da turma do mestrado de 2005 do IFCS, e em
especial a alguns amigos que estiveram sempre por perto na pesquisa: à Clara M. Porto,
Clarisse Q. Kubrusly, amigas inseparáveis desde o início da faculdade, pelas inúmeras
trocas; à Bianca Brandão, Luiza Pitanga,rcia Mansur, Rita Toledo, Eduardo Lacerda
que participaram e colaboram no campo, fotografando e filmando; à Luciana Carvalho e
Carla, pelo interesse e pesquisas em festas de São Jorge na cidade carioca, assim como,
à Bianca Arruda que, além da intensa contribuição nas investigações, é uma grande
parceira nesta empreitada de São Jorge no Rio de Janeiro.
Aos professores do IFCS, José Reginaldo Gonçalves por incitar meu primeiro
contato com o campo e a Maria Laura Cavalcanti pelas primeiras orientações na
graduação e contribuições no mestrado. Também agradeço as sugestões de Beatriz
Catão, da UFRRJ, e Renata Menezes, do Museu Nacional, pelas conversas e valiosas
observações.
vii
Aos amigos queridos sempre amáveis que de longe também fizeram parte neste
momento de realização: Elisa H., Eleonora Moura, Júlia Pires, Luciana Florintino,
Joana Araújo, Edilene, Cláudia Sampaio, Ritinha Gama e Andréia Falcão.
Ao André R. Novaes sou muito grata a toda ajuda no trabalho, na pesquisa de
campo, nas correções e sugestões, além do incentivo, compreensão e carinho durante
essa caminhada.
Finalmente deixo aqui a minha gratidão a Irmandade de São Jorge da igreja do
Campo de Sant’ana e a todas as pessoas participantes e organizadoras da festa que
entrevistei.
viii
RESUMO
23 de abril – FESTA DE SÃO JORGE
Um estudo sobre a oficialização de um dia santo em feriado
municipal na cidade do Rio de Janeiro.
Maria Cláudia Martinelli de Mello Pitrez
Orientador: Emerson Alessandro Giumbelli
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).
Discussões contemporâneas sobre experiências religiosas têm freqüentemente se
defrontado com questões que se voltam para a redefinição do estatuto do domínio
religioso. Problematizando a tese da secularização” que previa uma restrição crescente
do religioso ao espaço privado, diferentes abordagens buscam desenvolver análises
relacionais entre “religião” e outros registros da vida social. O presente trabalho procura
se inserir neste debate a partir do estudo de caso que explicita a existência de devoções
religiosas no “espaço público” do Rio de Janeiro. As comemorações para o santo
católico São Jorge se estendem por todo estado, tendo sua capital oficializado um
feriado em sua homenagem no dia 23 de abril de 2001. Ao estudar o processo de
institucionalização que tornou pública uma data festiva de caráter religioso, tivemos
aqui o objetivo de analisar possíveis conseqüências que esta mudança no calendário da
cidade do Rio de Janeiro acarretou na dinâmica festiva de São Jorge na igreja localizada
na área central deste espaço citadino.
Palavras-chaves: 1. Religião e Espaço público 2. São Jorge 3. Feriado 4.Festividade
Religiosa
Rio de Janeiro
Agosto de 2007
ix
ABSTRACT
23 de abril – FESTA DE SÃO JORGE
Um estudo sobre a oficialização de um dia santo em feriado
municipal na cidade do Rio de Janeiro.
Maria Cláudia Martinelli de Mello Pitrez
Orientador: Emerson Alessandro Giumbelli
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação
em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).
Contemporary discussions on religious experiences are often confrotted with
questions concerning the redefinition of the statute of the religious domain.
Problemizing the "secularization thesis" which predicted an increasing restriction of the
religious to the private space, different approaches intend to develop relational analyses
between "religion" and other records of the social life. The present work looks for to
insert itself in this discussion from the case study that explicits the existence of religious
devotions in the "public space" of Rio de Janeiro. The celebrations for the catholic Saint
George ranges the whole State, and the capital has officially established a holiday in its
honor in April 23, 2001. Studying the institutionalization process that rendered public a
festive date of religious character, we had the goal to analyze possible consequences
that this change in the calendar of the Rio de Janeiro city caused in the festive dynamics
of Saint George in the church located in the central area of this city space.
Key-words: 1. Religion and public Space 2. Saint George 3. Holiday 4. Religious Feast
Rio de Janeiro
Agosto de 2007
x
SUMÁRIO
Introdução: O início da “aventura antropológica”- empiria e teoria, diálogos
possíveis............................................................................................................................1
Capítulo I........................................................................................................................18
1. São Jorge: histórias e lendas........................................................................................18
2. De Portugal ao Brasil: “das capelas da realeza para o catolicismo do povo”.............29
3. São Jorge no Rio de Janeiro: devoções públicas.........................................................34
Capítulo II......................................................................................................................42
1. O tempo e suas técnicas de mensuração.....................................................................43
2. A demarcação de um tempo e seu calendário..............................................................48
3. Brasil: legislações e calendários oficiais.....................................................................53
4. Rio de Janeiro: feriado em 23 de abril........................................................................60
Capítulo III.....................................................................................................................74
1. Etnografia da igreja e suas atividades rotineiras.........................................................75
2. “O santo de todo mundo”: etnografia da festa.............................................................83
3. A festa e suas transformações......................................................................................93
Considerações Finais...................................................................................................108
Bibliografia, Fontes e Documentos ............................................................................113
Anexos...........................................................................................................................123
1
Introdução
O início da “aventura antropológica”: empiria e teoria, diálogos possíveis.
Um trabalho em grupo realizado durante a graduação, em 2001, despertou o
interesse em aprofundar o estudo sobre o santo católico São Jorge. A fascinação pela
variedade e riqueza a que este campo nos transporta desdobrou-se numa grande
curiosidade e, conjuntamente, numa vontade de investigar mais detidamente tal
universo. A instigação e o envolvimento aumentaram quando, ao final de 2001, foi
aprovada a lei 3.302/2001 – de autoria do vereador Jorge Babu
1
– para celebrar o dia de
São Jorge, tornando o dia 23 de abril feriado oficial na cidade do Rio de Janeiro.
Iniciou-se, desde então, uma pesquisa de campo na Igreja da Venerável Confraria dos
Gloriosos Mártires São Gonçalo Garcia e São Jorge, no centro do Rio de Janeiro, e
também na festa comemorativa realizada neste local, no dia 23 de abril, em: 2001, 2002,
2003, 2004, 2005, 2006 e 2007.
Na perspectiva de enveredar no mestrado e desenvolver uma investigação
teórica dentro do horizonte antropológico, foram acionados dados recolhidos nestas
observações juntamente com orientações anteriores
2
, com o intuito de apresentar um
projeto de mestrado nesta instituição (PPGSA/IFCS/UFRJ). O plano inicial pretendia
focar a dinâmica relacional entre dois grupos religiosos participantes da festa de São
Jorge na citada igreja: o Catolicismo, via Confraria de São Jorge, e a Umbanda, pela
participação intensa dos freqüentadores que se localizam, principalmente, nas barracas
de samba ao lado de fora da igreja. Durante o curso da pesquisa, o progresso das
orientações e o conhecimento teórico adquirido com as disciplinas do curso de
mestrado, este projeto passou por significativas alterações.
Com a entrada no mestrado do PPGSA e sob a orientação do professor Emerson
Giumbelli, o plano, que outrora se concentrava nas perspectivas antropológica de ritual
1
Jorge Babu do PT está cumprindo, atualmente, seu terceiro mandato na política. Ingressou como
vereador do Rio de Janeiro depois das eleições de 1998, continuando no cargo após sua reeleição em
2002. Agora nas eleições de 2006, com a candidatura para deputado estadual, foi eleito pela legenda do
partido na última vaga.
2
Tive a oportunidade de trabalhar como bolsista, do CNPQ, da professora Maria Laura
Cavalcanti, no período de setembro de 2002 a junho de 2003.
2
e simbolismo, modificou seu enfoque passando, portanto, a dialogar com paradigmas
ligados à área de estudos sociológicos e antropológicos da religião: pluralismo religioso;
“secularização”; a relação dos fenômenos religiosos com “espaço público”, dentre
outros.
Diante disso, o foco do trabalho passou a ser a transformação de um dia santo
em feriado municipal na cidade do Rio de Janeiro, no contexto da atualidade
caracterizada por Pierre Sanchis (1995b) como um tempo moderno-contemporâneo”
3
.
Dentro deste objeto problematizamos questões referentes ao estatuto do domínio do
religioso; relações do espaço urbano e representações de São Jorge; e, sobretudo,
possíveis conseqüências que esta mudança no calendário da capital do Rio de Janeiro
acarretaram na dinâmica festiva de São Jorge na igreja localizada no centro da cidade.
Desta maneira, podemos dizer que o objeto de pesquisa se relaciona a um
evento, do qual o “novo” tempo da capital fluminense ocupa o poder de ligação entre o
espaço e outros agentes sociais. O objetivo, portanto, é estudar o dia de São Jorge como
um tempo/espaço que se relaciona a outros setores da sociedade, não necessariamente
visíveis nesta data, mas que ajudaram, e ajudam, a definir a atual configuração.
As comemorações de São Jorge, conforme descreveremos no primeiro capítulo,
estendem-se por todo estado do Rio de Janeiro
4
. Podemos encontrar uma pluralidade de
eventos em sua homenagem: além das festividades em igrejas, ocorrem festas em
terreiros, cavalgadas, carreatas, feijoadas, festas em escolas de samba e shows
promovidos por lideranças políticas. A escolha pela festa do centro, diante da
realização em outras localidades, parte de dois motivos: 1) por ser uma localização de
grande visibilidade, situada no centro da cidade e num reduto histórico; 2) por ser uma
igreja bissecular, tradicional e “oficial”, no sentido de sua festa ter maior impacto na
dinâmica da cidade.
3
Pierre Sanchis (1995b), diante do debate sobre as expressões (pré-modernidade, modernidade e
pós-modernidade), utiliza-se a noção de “modernidade contemporânea” para designar nossa atualidade.
Como argumenta, os dias de hoje ou pós-modernidade, como muitos definem, carrega em si elementos da
modernidade como também reencontra fundamentos de uma “pré modernidade por sua vez
diversificada”.
4
Podemos destacar, por exemplo, as festividades no centro da cidade; em Quintino; Madureira –
reduto da GRES Império Serrano que organiza uma carreata nas ruas do bairro seguida de feijoada na
quadra da escola; Bangu local em que é realizada uma cavalgada; Santa Cruz com cavalgadas e onde
foi inaugurada uma capela para São Jorge, em 2006; Campo Grande onde também cavalgada;
Duque de Caxias; Padre Miguel onde um show em homenagem ao santo; Itaguaí local com festa
do Pai Jair do Ogum, bastante divulgada pela mídia; Valença – com cavalgadas; dentre outros locais.
3
O primeiro nos auxiliará a refletir sobre uma questão mais urbana que remete a
idéia de espaços “luminosos” e “opacos”, tomando emprestadas as expressões de Milton
Santos (1996) para pensar as distintas relações, como maior visibilidade e atenções, que
o bairro no qual a igreja se situa - centro da cidade - possui frente a outras áreas de
comemorações festivas de São Jorge.
O centro é um bairro que se destaca por ser uma área de grande circulação, tanto
por ser um local de negócios que aglutina prédios de funções administrativas, políticas,
econômicas, como por reunir distintos meios de transportes (trem, metrô, ônibus e
avião) da cidade. Fato que evidencia a “densidade e o teor cosmopolita” do local
(Mafra, 2005: 26).
Juntamente a isso poderemos reavaliar questões antropológicas sobre a devoção
dos santos em centro urbanos. Este tema sobre o culto dos santos em cidades aparece
com pouca relevância nos estudos de religião nas ciências sociais de hoje em dia. Em
trabalhos de outrora, tal temática, quando estudada, direcionava seu enfoque às
comunidades e zonas rurais (Bartholo, 1991). Como veremos mais adiante, é possível
notar que uma “cegueira” no olhar e, conseqüentemente, uma carência metodológica
que aponta para a necessidade de reformulações para este objeto nas ciências sociais
(Menezes, 2004). Desta forma, poderemos contribuir com a tentativa de chamar atenção
para a importância desses fenômenos em espaços urbanos, enriquecendo este debate
com nosso estudo de caso e suas particularidades.
No segundo motivo, nosso interesse se volta para as possibilidades de uma
recapitulação histórica, a fim de verificarmos a longevidade ao culto de São Jorge em
nossas terras. O fato de a igreja ter datação antiga nos possibilita comunicar e dialogar
com a história do culto a São Jorge no Rio de Janeiro, que, sob influência portuguesa,
nos fora introduzido no período colonial através das comemorações de Corpus Christi,
assim como ocorria em Portugal. Nessa procissão o santo seguia na dianteira com seu
“estado” o Estado de São Jorge
5
- e a hóstia sagrada, símbolo da reencarnação de
Deus nos rituais católicos, vinha no meio sob um grandioso pálio. Naquele tempo, a
comemoração religiosa continha uma particularidade: acontecia silmutâneamente à
celebração da monarquia portuguesa, por isso, a festa tornou-se o ápice do calendário
público-religioso de Portugal e do Brasil (Santos, B.; 2005). A idéia do público-
religioso, desenvolvida por Beatriz Catão C. Santos, é uma ferramenta importante da
5
O Estado de São Jorge refere-se ao santo e sua bandeira que era formada pelo corpo de ofícios
responsáveis por sua guarda.
4
qual nos valeremos para verificar como tal relação se apresenta em nossos dias,
pensando, é claro, em uma perspectiva diacrônica.
Uma característica marcante no Brasil colonial e imperial foi a estreita aliança
entre governo e religião católica, uma conseqüência direta do regime de Padroado. Em
relação a esse vínculo, comemorações que, ao mesmo tempo, celebravam menções
cívicas e religiosas, eram um fato muito comum (vide a própria procissão de Corpus
Christi). Na instauração do regime republicano, a opção histórica efetivada pelo Estado
brasileiro foi a implementação constitucional de “separação” do governo com quaisquer
religiões: um Estado laico. Entretanto, mesmo com definições cruciais sobre princípios
de laicização, sobretudo no que se refere a “separação” do Estado a uma “religião
oficial”, nossa constituição republicana também acabou viabilizando um sistema de
“cooperação” conforme os termos da Constituição de 1934. Com isso, trâmites
referentes as noções de “separação” e “vínculo” entre Estado e “religião” foram
permitidos, resultando numa relação positiva entre ambas e não antagônica (Giumbelli,
2002). Mesmo que princípios laicos nunca tenham se realizado plenamente, o quadro
em que se colocava aquela relação entre público e religioso redimensionou e a
oficialização de um feriado municipal pode ser entendida dentro desse novo
contexto.
Na Constituição de 1891, o Estado brasileiro rejeitou a prática de
institucionalização de feriados a datas religiosas. Apesar desta proibição o coibir
totalmente este tipo de prática, pois várias implementações foram inclusive posteriores a
esse momento
6
, encontramos um limite e restrição, conforme a Constituição federal
brasileira de 1988, modificada pela lei n° 9.093, de 1995
7
.
Desde 2001, o calendário da cidade do Rio de Janeiro recebeu mais um feriado,
o dia 23 de abril. Esta data de São Jorge como feriado transformou o dia 23 de abril -
outrora apenas de cunho religioso - também em algo oficial. Afinal, por deixar de ser
um dia "útil", o feriado passou a afetar outros setores sociais da cidade, aprofundando,
portanto, uma data pública religiosa. No entanto, como verificamos e conforme
intensa publicação na mídia, este novo estatuto que o dia de São Jorge adquiriu sofreu
6
A data de 12 de outubro, feriado nacional de Nossa Senhora Aparecida, que foi oficializada no
ano de 1980, é exemplar quanto a isso e também evidencia o sistema de “cooperação” entre Estado e
“religião”, sobretudo em relação ao catolicismo, já que esta santa é simbolizada como padroeira do Brasil
(Fernandes, 1988).
7
Nesta lei fica estabelecida a possibilidade de oficializar feriados a datas religiosas e de
tradição local, no limite de quatro, para os municípios brasileiros. O assunto será analisado no capítulo 2.
5
intensas retaliações, sobretudo do setor comercial que argumentou excesso de feriados
ao município com bases na lei federal de n 9.093
8
.
A construção do objeto de pesquisa foi feita com a soma de várias etapas do
trabalho de campo
9
e investigação em documentos e fontes bibliográficas: observação
participante nas festas de São Jorge, no centro, nos anos de 2001 até 2007, como
também em outras festas: Quintino e Santa Cruz; participação nas missas de ação de
graça a São Jorge nos dias 23 de alguns meses na igreja do centro; levantamento de
material etnográfico feito a partir de entrevistas informais e gravadas – pessoal da
Irmandade, freqüentadores e comerciantes da festa e o deputado estadual Jorge Babu;
registro fotográfico e audiovisual como fonte de documentação e informação; pesquisa
em arquivos – da Cidade, Nacional, Cúria Metropolitana e do O Globo; bibliotecas do
Estado, Nacional e da Câmara dos Vereadores; consulta a matérias de jornais e
documentários sobre São Jorge; além da consulta bibliográfica – histórica e sócio-
antropológica – sobre o santo e religião.
O contato com os debates sobre o campo da religião via as análises sócio-
antropológicas iniciou-se ainda na graduação com textos mais clássicos: Marx,
Durkheim, Weber, Mauss, Evans-Pritchard, Bourdieu, Lévi-Strauss, Geertz, dentre
outros. O estudo mais enfático nas questões atuais, e ainda sobre a religiosidade
brasileira, ocorreu nas disciplinas do mestrado e no próprio trabalho de pesquisa. Diante
das leituras e no decorrer do campo, tornava-se claro que adentrávamos num terreno
intrinsecamente relacionado com nosso cotidiano e por onde muitos pesquisadores
haviam se aventurado.
A religião” é um tema que circula tanto nas áreas do saber acadêmico quanto
do senso comum. Qualquer pessoa, quando interrogada, sabe dizer alguma coisa
relacionada à “religião”. Seja na experiência de vivê-la, ou pelo que se ouve dela, a
“religião” é algo que remonta a longos tempos na vida do ser humano e que está
presente em nossos dias. Isto, é claro, com muitas diferenças, principalmente, no que
diz respeito à sua natureza. Apesar de identificarmos religião” a diferentes grupos e
movimentos de forma geral, isto nem sempre foi assim.
8
O Sindicato de Lojistas do Comercio do município do Rio de Janeiro SINDILOJAS-Rio
entrou com processo na justiça contra o feriado de São Jorge. O assunto será aprofundado no capítulo 2.
9
A descrição mais detalhada desse processo construtivo será realizada ao longo dos capítulos na
utilização dos dados obtidos.
6
Nas últimas décadas, vários pesquisadores se preocuparam em capturar a história
da categoria “religião” e problematizá-la. A maioria destes intelectuais observou, com
perplexidade, os movimentos ditos religiosos que crescerem e se espalharem por planos
variados do globo terrestre como a explosão evangélica e islâmica (Berger, 2001).
Tais movimentos ganharam visibilidade e amplitude que não escaparam dos olhares da
mídia e dos cientistas, espalhando-se de formas variadas pelo tecido social. Esta
movimentação crescente e a ocupação de “espaços públicos” da “religião” levantaram
controvérsias em torno da tese da secularização
10
.
A tese da secularização previa o estreitamento dos “programas de verdade”
11
religiosos diante dos científicos com o processo de modernização, racionalização e
individualização. As supremas religiões” nacionais abririam espaços para um Estado
laico, que, com princípios liberais e diante da “imparcialidade de leis uniformes”,
atuaria com neutralidade frente a todos os cidadãos, respeitando suas diferenças
12
.
Juntamente com este espaço legal de liberdade e pluralidade, “religião” ou “religiões”
cumpririam a função de âmbitos privados e não mais públicos
13
.
O estudo da "religião", sempre presente nas pesquisas sociais, passa então a
questionar ao que concerne à sua própria natureza. Em relação a essa reviravolta, Peter
Beyer (2003) aponta que a grande maioria dos pesquisadores passou a atentar para o
fato de que as idéias de “religião” e “religiões” teriam implicações ideológicas e
políticas, além de aplicação amplamente difundida que estaria estritamente conectada
aos contextos ocidentais de expansão imperial, servindo como instrumentos de controle
e exploração colonial.
Tambiah (1990) retoma a história do ocidente para discutir a construção das
categorias magia, religião e ciência. Segundo o autor, estes conceitos não pertencem
10
A “secularização” como uma tese sem contestação, aplicada de maneira abrangente e prescritiva
a todos os casos, passa a ser questionada. Nesta refutação da tese, a partir da década de 80, encontramos
formações de variadas perspectivas, muitas delas de caráter antagônico: intelectuais que consideram a
tese como mito ou dogma (Frigério, 1995); outros que a defendem enfaticamente (Pierucci,1997, 1998) e
outros que não descartam sua validez, mas questionam alguns pontos (Bax, 1991; Casanova, 1994;
Giumbelli, 2002; Montero, 2003 e 2006; Negrão 2005).
11
Utilizamos aqui o conceito de Paul Veyne (1984), historiador francês, que influenciado pelas
idéias de Foucault sugere a noção de “verdade” e “programas ou critérios de verdades” como construções
históricas, ao invés do termo de “crença”.
12
Podemos encontrar estas formulações de estado laico, neutro e tolerante diante das diferenças
religiosas desenvolvidas pelo filósofo John Locke em 1689 no texto: Carta acerca da
tolerância”(Locke, 1973).
13
Casanova (1994) acredita que a sociologia da religião precisa substituir este mito universalizante
(declínio e privatização do religioso) reinante na tese da secularização e se aprofundar no processo de
formação histórica da “secularização”, que nos faz retomar a modernidade.
7
apenas à realidade antropológica, mas a uma história maior, a história ocidental. O que
era entendido como “religião” no período romano cujo sentido referia-se a algo
específico, no séc. XVI, com influência da Reforma, sua noção torna-se um substantivo
geral e universal que abarca variadas espécies. Como argumenta Guimbelli (2002),
baseando-se em Asad:
É com esse estatuto que a encontrará a própria antropologia, que
terá na ‘religião’ um dos temas centrais de seus
empreendimentos iniciais no séc. XIX. Estatuto preservado na
posteridade, (...), sem levar em conta o caráter propriamente
moderno da categoria. (Guimbelli, 2002:30).
Esta preocupação reflexiva sobre a categoria “religião” nas últimas cadas é
para Burity (2001) um espelho da própria ciência que na busca de novas respostas
volta-se para si mesma. A reflexividade científica ao problematizar suas categorias
analíticas abriu-se para um quadro excessivo de diferenciação e de fronteiras
indefinidas, tendo como conseqüência o que o autor denominou de “vazio de nome”,
movimento que vem passando desde a guinada cultural ou lingüística nas última três
décadas. Para Burity, diante disso, a ciência atual está também paralelamente numa
“política do sobrenome”, i.e., que a busca de nomeações passa a se associar a um sobre-
nome, a contextos, “que não se rende à suposta exuberância do objeto a um
essencialismo do particular” (Burity, 2001: 61).
Com isso, mesmo entendendo a “religião” como um campo de investigação que
nos traz problemas por si só, tanto naquilo a que se refere, quanto no que pretende
abarcar, o seu estudo se faz necessário justamente pelo seu caráter basilar na formação
das ciências sociais. Como é conhecido entre os cientistas sociais, o tema instigou
nossos grandes fundadores, como fica evidente nos trabalhos dos chamados “pais” das
ciências sociais: Marx, Durkheim e Weber. Entretanto, cada um destes autores defendia
e estabelecia um estatuto diferente para o que chamava de religião”. Enquanto
Durkheim (2000) considerava o fenômeno religioso como "fundante" e “liame” dos
valores sociais, buscando as formas elementares da vida religiosa para respaldar sua
teoria social; Weber preconizava que, diante do processo de racionalização e
conjuntamente de maior consciência dos indivíduos, as religiões se tornariam menos
encantadas, afastando-se de valores tradicionais e místicos. Para ambos todas as formas
de religiões são verdadeiras, mas, enquanto para o primeiro apenas uma razão de ser
8
do fenômeno religioso “coesão social” –, para o segundo, existem diferentes razões
para cada tipo de fenômeno religioso: “(...) a sociologia da religião visa,
necessariamente, a contribuir para a tipologia e sociologia do racionalismo” (Weber,
1982: 372).
Apesar de perspectivas distintas, a importância investigativa era presente nos
primeiros cientistas sociais europeus. Todavia, no campo das pesquisas brasileiras este
tema fora deixado de lado pelos seus precursores. Como aponta Rubem Alves (1978), a
“ausência” do estudo da “religião” em nossos fundadores era conseqüência da ideologia
predominante na época, anos 30, que pretendia liquidar com “os sistemas legitimatórios
do Brasil arcaico”. Com isso, a religião”, vista como um sistema arcaico e
conservador, ficou restrita à instituição eclesial, ao passo que nas universidades
pesquisava-se apenas o que era digno de ser estudado para o progresso e modernização.
Diante disso, pairou certo tipo de “silêncio”, que permaneceu até o final da década 50.
O que se via de produção científica, desatinava-se ao exótico – “religião exótica”. Desta
forma, a importante produção dessa época e, sobretudo, dos anos 60, referiu-se ao
catolicismo rural e ao candomblé, confirmando a tese que relaciona o religioso ao não
moderno, apesar do crescimento progressivo das religiões urbanas: pentecostal e
umbanda.
Ainda segundo Alves (1978), a universidade e os saberes científicos sempre
estiveram ligados aos interesses da elite, cuja preocupação era eliminar o tradicional e o
popular. Mesmo quando os estudos se voltaram aos estudos do exótico, da cultura
popular e de suas manifestações religiosas, a produção científica final era de forma
erudita e ininteligível aos grupos populares estudados. Para este autor:
O novo impulso que os estudos da religião experimentam
atualmente no Brasil se deve a uma transformação ideológica
profunda, que implica uma crítica ao ideal de modernização e
secularização e na descoberta da contribuição efetiva que os
oprimidos (que, como tais, não têm acesso à cultura acadêmica)
podem e devem trazer à política. (Alves, 1978: 118).
Nas décadas de 60 e 70 os estudos sobre “religião” ganham foco e se
desenvolvem. A Igreja católica instituída desde a ação dos primeiros colonizadores
portugueses e que sempre fora vista como uma antiga instituição “co-natural” ao Brasil
passa a receber um olhar mais crítico e investigador de intelectuais. Sanchis (1992)
9
comenta que este fato fora conseqüência de uma série de crises que a Igreja católica
passou em relação à sociedade brasileira no século XX.
A primeira crise retratada de caráter interno à Igreja, como conseqüência do
Concílio do Vaticano II na década de 60, resultou nos primeiros estudos. Estes se deram
via a própria instituição católica que, a partir dos modelos europeus instituídos para
pensar os efeitos da secularização e da modernidade, fundou o Centro de Estudos
Religiosos e Investigações Sociais (CERIS). Tais estudos foram marcados pelo debate
entre teólogos e cientistas humanos (Sanchis: 1992). a segunda crise, assinalada por
Sanchis (1992), remete à ditadura militar, quando a relação entre Igreja e Estado teve
profundas modificações. Surgiu uma nova forma de organização entre a Igreja e o meio
popular, como, por exemplo, as Comunidades Eclesiais de Base CEBs –, que estavam
orientadas por uma nova posição teológica e litúrgica, a Teologia da Libertação. A
Igreja passou a ter um forte envolvimento social e político, e se tornou foco de
interesses tanto de jornalistas, quanto de historiadores e cientistas sociais.
Em relação a este panorama de mudanças da Igreja, e de sua proximidade com o
público, no sentido de sua atuação tornar-se mais política e voltada para os pobres,
Montes (2004) afirma que uma grande massa de fiéis passou a não se reconhecer mais
neste novo discurso”, e, por isso, voltou-se para outras formas religiosas. Dentre estas,
a autora destaca o pentecostalismo, em expansão, e as religiões afro-brasileiras que
conquistavam reconhecimento e legitimação no campo brasileiro.
no final da década de 60 e na de 70, protestantes passam a receber foco das
pesquisas acadêmicas, cujos debates centralizam-se em questões em torno da temática
de modernização. O trabalho de ndido Procópio Ferreira de Camargo, publicado em
1973, Católicos, protestantes, espíritas, é representativo nesse momento, justamente por
que busca consolidar e lidar, de forma unida, religiões distintas sobre os efeitos de uma
mesma realidade brasileira “moderna”: “No caso de Camargo (1973), o ponto de
convergência foi localizado nas ‘funções’ que as diversas religiões desempenhariam,
tendo como pano de fundo o tema da modernização, que em outros estudos serviria para
analisar sobretudo o protestantismo” (Guimbelli, 2006:240).
Nas décadas de 80 e 90, a conjuntura brasileira se reconfigura, a democratização
é reincorporada pós-ditadura e uma pluralidade de instituições se instaura. Diante disso,
a Igreja católica também se modifica, se afasta visivelmente do debate político e se
coloca numa posição de auto-análise em relação ao crescente e plural brotar
“contemporâneo de novas formas de sagrado” (Sanchis, 1992: 11). Para o autor, essa
10
mudança na realidade brasileira impõe a necessidade de desvendar a articulação entre
religioso e político, na tentativa de melhor compreender a nossa sociedade.
Nesse mesmo período, faz-se notável o forte crescimento dos neopentecostais,
que ganharam visibilidade na Igreja católica e em outros setores da sociedade. Como
conseqüência, ressalta-se ainda mais a noção de pluralismo religioso, que não é uma
novidade no cotidiano da cidade do Rio de Janeiro. Afinal, no início do século XX, o
cronista João do Rio referia-se às dimensões "babilônicas" do Rio de Janeiro, no que
dizia respeito ao seu universo religioso. Ou seja, este autor observou e descreveu em seu
livro, “As Religiões do Rio”, um cenário metropolitano com uma multiplicidade e
diversidade nas expressões do “sagrado” (Vilhena, 1998).
Dada esta realidade verifica-se uma intensificação dos estudos científicos para
estes “novos movimentos religiosos”
14
e também para os chamados “sem-religião”
15
.
Além de trabalhar com a especificidade destes grupos, destacam-se problematizações
em torno de: mercado e disputas religiosas; trânsito religioso; desinstitucionalização;
modernização e tradição; secularização e sacralização; razão e emoção; subjetivismo e
integração; público e privado. Nota-se assim que “As análises produzidas nos últimos
anos sobre as religiões no Brasil assinalam a dinâmica que perpassa o universo religioso
do país” (Teixeira, F. e Menezes, R., 2006: 7).
Noções de declínio e de privatização do religioso como o processo de
“dessacralização” ou desencantamento” do mundo são reavaliadas pelos pesquisadores
com essa “volta pública” da religião, neste período. Hoje em dia um forte
questionamento sobre a idéia da religião circunscrita apenas aos espaços de “foro
íntimo”, ou seja, referentes apenas às suas formas institucionais. Vemos a tentativa
crescente de se estabelecer um diálogo e confronto da religião” com outros setores da
sociedade, onde as configurações do religioso através de seus símbolos e artefatos
colaboram para a construção e mudanças nos cenários sócio-culturais que participam
16
.
14
Para esta noção referimos, além dos neopentecostais, também as religiões do movimento
chamado de “Nova Era”.
15
Esta categoria o se trata exatamente de ateus, pois, além de englobá-los, também uma
grande fração de pessoas declarantes sem religião” que acreditam em Deus sem pertencer ou participar
de instituições e comunidades religiosas. Assim como aponta o Atlas da filiação religiosa e indicadores
sociais no Brasil (2003), tal categoria vem crescendo amplamente e colocando-se em terceiro lugar em
número de respostas conforme dados do IBGE de 2000.
16
Tal perspectiva vem sendo assinalada de forma crescente, pois, como se nota, desde o período
da ditadura militar, que o religioso passa a dialogar com a sociedade sem ser apenas institucional sua
análise. A questão política da religião se mostrava presente, mas vem se intensificando, conforme
observa Sanchis (1995b) em seu questionamento se o campo religioso será ainda hoje o campo das
11
“Religião” e “sociedade” são vistas como pólos que se constroem mutuamente e o
“espaço público” como um local privilegiado para observar e analisar suas trocas. A
partir desta perspectiva associativa e relacional da vida social com fenômenos
religiosos, as propostas teóricas sugeridas por Montero (2003) sobre “novos
agenciamentos”, de Giumbelli (2002) sobre “regulação do religioso” e Bax (1991) sobre
“regime religioso” tornam-se importantes ferramentas. Como destaca Montero (2003),
sobre o entendimento das relações contemporâneas entre religiões e esfera pública,
podemos verificar que:
As instituições religiosas se expandem também pelo tecido
social: reproduzem lógicas do campo econômico, alimentando
mercados musicais e turísticos, penetram na indústria do
entretenimento, modelam padrões de moralidades e
sociabilidades, promovem políticas sociais e campanhas nos
setores de educação, saúde, trabalho e etc (Montero, 2003: 35).
Caminhamos, desse modo, para um universo de discussões no qual as fronteiras
que definem o que o fenômenos religiosos, econômicos, políticos, culturais, sociais e
etc. não estão dadas, e, de certa maneira, podemos até compreender que elas
efetivamente não existem enquanto esferas autônomas. Cabe-nos, então, a tarefa de
analisar materiais empíricos a fim de melhor compreendermos a relação entre o
religioso e a sociedade contemporaneamente.
O livro organizado por Patrícia Birman (2003) é bastante exemplar neste
sentido, pois é composto por artigos de vários intelectuais da área, em sua maioria
brasileiros, que retratam diferentes questões, imbricadas e impulsionadas, por sentidos
religiosos, como: identidade, política, mercado, produtos culturais (música e livro),
meios de comunicação e deres comunitários. Diante desta pluralidade de conotações,
nota-se que a noção de “espaço público” é trabalhada de forma abrangente, sem reduzir-
se a uma única perspectiva conceitual.
Dessa forma, consideramos que as reflexões acima sobre “espaço publico” e
formas religiosas no atual contexto são fundantes para nossa tarefa de trabalhar sobre a
oficialização do dia de um santo católico. A transformação de uma data em um feriado
implica numa ação política, pois resulta de projetos de leis elaborados por políticos, e,
religiões” : “estamos diante do jogo aberto de identidades nos dias de hoje, onde a tarefa religiosa não
deixa de ser uma “nova” tarefa política” (p.128).
12
ao mesmo tempo, pública, pois adentra nos calendários oficiais da localidade, tornando
o dia na qualidade de não-útil (dia de não-trabalho), o que acaba por afetar outros
setores sociais. Dessa forma, a instituição de um feriado em uma data religiosa provoca
uma boa situação para pensarmos sobre “religião” e “espaço público”, tal como na
relação do Estado frente às “religiões”.
Em novembro de 2001, como mencionado, o dia 23 de abril, dia de São Jorge,
tornou-se feriado municipal da cidade do Rio de Janeiro. Este evento que pode ser
compreendido apenas como uma ação política com intuito de conquista de votos ou
como uma ão de proveito do próprio vereador Jorge Babu, “devotíssimo” do santo
17
,
alertou-me sobre algo mais: poderia acrescentar essa compreensão ao foco que havia
sido delimitado, as festividades do santo no centro do Rio de Janeiro, para tentar
entender como se regularizam as relações do religioso com outras esferas sociais em
nossos dias.
Como veremos, este novo enquadramento temporal de 2001, oriundo de ões
políticas, interferiu no próprio significado do dia 23 que, conseqüentemente, ao dar
maior destaque ao dia, aumentou quantitativamente a freqüência dos participantes nas
festividades de São Jorge. Na festa do centro do Rio de Janeiro esta mudança acabou
por influenciar na dinâmica festiva e na organização espacial da festa, perceptível ao
longo de sete anos de observação. O que se percebe é uma alteração na forma de ocupar
o espaço de “fora”: local de agência de diversos atores sociais, além da própria
Confraria de São Jorge. Desde 2001, a Igreja vem gradativamente ocupando e
territorizando este espaço “público” acirrando disputas.
Desta forma, propõe-se fazer um estudo que analise a transformação do feriado,
percebendo-o dentro dos impasses que o cercam, para averiguarmos possíveis impactos
desse decreto nas festividades de São Jorge, sobretudo, na localizada no centro da
cidade do Rio de Janeiro, que é uma comemoração antiga e que atrai um grande número
de pessoas. Procuraremos, então, refletir sobre a dinâmica festiva e as transformações
observadas pós-feriado em nosso campo empírico.
Além da tarefa de diálogo que este trabalho coloca com a temática sobre
“religião” e “espaço público”, outra questão também nos salta os olhos: a grande
quantidade de expressões festivas de um santo, que não é o padroeiro da cidade. Ora,
17
Jorge Babu é um dos responsáveis pela festa de São Jorge no Largo do Bodegão em Santa Cruz,
e popularmente conhecido nos outdoors de sua campanha a designação como o guerreiro da zona oeste.
13
quando detectamos esse tipo de situação, como é o caso de São Jorge entre os cariocas,
somos impulsionados a saber se este santo possui alguma relação com a configuração e
dinâmica urbanas deste espaço citadino. Se afirmativo qual tipo de vinculo podemos
pensar?
Aqui em nosso trabalho dissertativo essa pergunta não é o objetivo, mas mesmo
de forma oblíqua estará presente e permeará nossas discussões. Acreditamos que para
responder a esta pergunta necessitaríamos de um trabalho mais exaustivo que
procurasse abarcar outras festividades de São Jorge na cidade do Rio de Janeiro. Como
trataremos da transformação do dia celebrativo em feriado desse santo, observando os
impactos na festa do centro, esta pesquisa servirá, portanto, de introdução a esta questão
para trabalhos futuros.
Dentro dos estudos científicos é muito comum a associação do culto dos santos a
uma perspectiva mais popular da Igreja Católica no Brasil, sendo a idéia de popular
restrita às zonas periféricas e rurais. É possível, todavia, refinar a delimitação teórica se
considerarmos a presença do culto aos santos em nossas terras e a importância deste
para o catolicismo como um todo. Como observara Ribeiro de Oliveira (1997), o culto
aos santos pode ser considerado como um dos elementos nucleares do catolicismo
brasileiro: Muita reza, pouca missa; muito santo, pouco padre” (p. 47). Introduzido
desde nossa colonização, tal prática se faz presente em nossa atualidade, podendo até
mesmo ser considerado como uma forma estratégica de atuação do catolicismo diante
de um contexto plural como o que vivemos, onde as explicações sobre o cotidiano da
vida podem vir de múltiplas referências religiosas, como também não religiosas.
Bartholo (1991), a partir de um levantamento bibliográfico, verifica que o culto
de santos permaneceu um “tema menor” na antropologia da religião. Ao refutar as
pesquisas brasileiras sobre este tema, observou que estas se encontram presas a uma
perspectiva dicotômica que direciona a devoção aos santos a um “catolicismo popular”,
sem levar em conta o processo de complementaridade e interdependência entre o
“popular” e o oficial” entre os fiéis e a hierarquia. Como constatou em sua pesquisa
sobre santidade e culto dos santos no Brasil, através de dados estatísticos obtidos no
Anuário Católico publicado pelo Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações
Sociais (CERIS), as devoções aos santos ajudaram a reforçar o desenvolvimento
paroquial brasileiro, sendo constitutivas ao catolicismo como um todo. Desse modo, de
acordo com a autora: “a maneira mais fértil de abordar o tema da santidade e do culto
14
aos santos exige uma ruptura com a visão dicotômica que tem caracterizado o estudo do
tema no Brasil”. (Bartholo, 1991: 179).
Renata Menezes (1996 e 2004) chama atenção para esse tipo de tratamento
efetuado pelas ciências sociais ao tratar das festas de santo, e afirma a necessidade de
reformulações. Em suas análises, ela ressalta a força e a vitalidade desses eventos em
centros metropolitanos. O caso do convento de São Antônio, no centro da capital do Rio
de Janeiro, campo de sua pesquisa de doutoramento, é peculiar porque, além do dia
festivo, 13 de junho, o local fica lotado às terças-feiras, quando acontece a benção do
santo (Menezes, 2006). Assim, as pesquisas científicas que olham para o urbano devem
ficar atentas e tentar enxergar a importância das devoções aos santos, pois elas podem
revelar muita coisa e deixá-las à margem é desprezar um fenômeno valioso que faz
parte de nossa experiência social.
Menezes sugere uma análise que perceba o “jogo de continuidade e mudança
entre forma, conteúdos e significados de práticas cultuais” (Menezes, 2004: 25),
presente nesses eventos religiosos. Desta forma, esta perspectiva nos sugere um estudo
que abarque um movimento e não apenas uma situação fixa, porque esta, por si só, não
nos mostraria os “jogos de continuidades e mudanças”. Todavia, além da tentativa de
iluminar a dinâmica, a autora também comenta que as festas de santos são locais
importantes por convergirem diferentes agentes sociais, e por ser um local no qual o
catolicismo pode se reatualizar, exercendo e atestando sua autoridade e poder sobre os
demais participantes.
Com isso, a investigação aos cultos dos santos auxilia os estudos de uma cultura
local como também de âmbito regional, independente se é urbano ou rural, porque, além
dessa relação com o espaço, este tema envolve uma trama de personagens que perpassa
tanto pela relação com os devotos de caráter pessoal quanto por desdobramentos
políticos, econômicos, sociais e culturais.
Nesta direção, um estudo sobre festas de santos nos dias de hoje em centros
urbanos torna-se representativo, pois nos leva a pensar sobre os “jogos de mudanças e
continuidades” - essenciais e estratégicos à permanência de quaisquer eventos antigos
ao longo do tempo - e na relação da instituição católica diante de um universo amplo e
15
com diferentes valores religiosos e culturais
18
. As festas de santos tornam-se, portanto,
um lócus interessante que nos permite observar o religioso em processo dinâmico e
relacional com a malha social urbana.
A partir do diálogo entre alguns problemas teóricos e o material de pesquisa,
desenvolveremos a construção do nosso texto de acordo com a seguinte divisão:
No primeiro capítulo, atentaremos à história de São Jorge. A perspectiva
histórica tem por finalidade apresentar o santo, dando-lhe uma extensão no tempo. Não
pretendemos com a retomada histórica - da hagiografia de São Jorge, de seu culto no
Brasil e no Rio de Janeiro - estruturar uma linearidade e um percurso evolutivo. Nossa
análise histórica baseia-se em perspectivas que consideram os tempos históricos como
distintos e que levam em conta a pluralidade de suas durações (Braudel, 1976). A
história não é linear, sua passagem no transcorrer do tempo é feita por variações de
princípios legitimadores, onde as “verdades” são sempre históricas e estão relacionadas
ao contexto em que são construídas.
A dialética entre o passado e o presente que fazemos, além de ser de caráter
informativo, é interessante para pensarmos no conceito formulado por Beatriz Catão
Cruz Santos (2005) sobre o calendário público-religioso. Entretanto, esta tarefa será
empreendida com cautela, pois, estaremos considerando a distinção entre os momentos
históricos.
Dentro do terceiro ponto que iremos trabalhar está a pluralidade festiva de São
Jorge no Rio de Janeiro; nesta etapa, procuraremos refletir sobre as diversas devoções
do santo que possuem dimensões públicas. Dados da polícia militar e de representantes
das comemorações de São Jorge, como, por exemplo, Jorge Aguiar presidente da
Confraria da Igreja do centro revelam que o número de participantes vem
aumentando a cada ano, principalmente, depois do dia 23 de abril ter se tornado feriado.
Entretanto, seria um pouco ingênuo considerar que este prestígio se deva
exclusivamente ao feriado. A devoção a São Jorge, como veremos, remonta a longas
datas e uma de suas características ressaltadas por historiadores (Santos, B., 2005;
Santos, G., 2004 e 2005) é a popularidade como também o caráter público conjugado ao
santo no acompanhamento da procissão de Corpus Christi, no Brasil colonial e imperial.
18
Reflexão que se volta para o processo de “descatolização” do brasileiro frente ao crescimento
dos neopentecostais, como ressalta os dados censitários de 2001 do IBGE e de diversos analistas e
pesquisadores (Teixeira, F. e Menezes, R.: 2006).
16
No segundo capítulo, trabalharemos com o processo de construção do calendário
da cidade do Rio Janeiro por meio da transformação do 23 de abril em um feriado.
Desconstruindo a naturalização de um tempo como algo dado, com base em alguns
autores Elias (1998), Le Goff (1984,1989, 2005) e Leach (1974) –, elucidaremos
como disputas políticas e de poder fazem parte do processo de construção de um
calendário. A programação do tempo em dias, meses e anos, com datas comemorativas
e feriados, que nos parecem tão familiar, envolve uma série de questões e agentes.
Através dessa problematização do tempo, entraremos no caso do feriado de São Jorge,
iluminando os embates e atuações dos atores sociais relacionados. Trataremos
especificamente do projeto de lei de Jorge Babu, os impasses resultantes deste dentro da
Câmara dos deputados e, também, fora desta - intensamente registrados por jornais
cariocas, em 2001 e 2002. Como consta, houve tentativas de anulação do feriado pela
justiça comum por parte de associações comerciais. Com isso, verificaremos, diante do
debate entre político e econômico com suas defesas e acusações, como o discurso sobre
o religioso foi colocado.
A partir disso iniciaremos a reflexão proposta no terceiro capítulo: a etnografia
da festa de São Jorge no centro do Rio de Janeiro. Sabemos como são dinâmicas essas
festas e como mudanças em seu cenário fazem parte desses eventos. As razões das
transformações podem ser inúmeras e muitas vezes podem passar despercebidas como
as próprias modificações. Entretanto, situações em que essas se fazem evidentes e
percebidas, como no caso que analisaremos. Depois do decreto do feriado de São Jorge,
a festa desse santo no centro da cidade carioca sofreu algumas alterações em seu âmbito
organizacional e espacial que estão relacionadas aos desdobramentos que esse decreto
acabou por proporcionar: aumento de visibilidade ao dia e no número de participantes.
Notamos uma crescente ocupação e reorganização da igreja no lado de fora com
celebração de missas campais e uma presença maior de agentes da prefeitura
controlando e delimitando uma específica área de comercialização.
O espaço da festa não é homogêneo (Eliade, 1992). Podemos distingui-lo em: a
Igreja como o espaço de “dentro” e sua redondeza como o de “fora”. Diferentemente do
lado de dentro onde as formas de agir são controladas e conduzidas pelas práticas
católicas, no lado de fora a atuação da Igreja limita-se e depara-se com outras formas de
cultuar o santo, onde as fronteiras de estar bebendo, sambando e louvando tornam-se
tênues e fluídas. Desta forma e partindo da idéia de festa de santo como um campo de
17
tensões (Fernandes, 1982), verificaremos estas mudanças e possíveis disputas na
dinâmica espacial da festa.
A última parte da dissertação, de caráter conclusivo, trata das discussões
levantadas no decorrer do trabalho. Acreditamos quando enfocado o dia 23 de abril
como um tempo-espaço - ou seja, dia de São Jorge e sua transformação em feriado
assim como suas conseqüências na dinâmica festiva, no caso específico a do centro do
Rio de Janeiro - poderemos levantar análises importantes e contribuintes para futuras
pesquisas na área, como por exemplo: maiores reflexões sobre a transformação de um
dia santo em feriado em nossos dias, pensando nas trocas do religioso com outras
esferas sociais; sobre as formas de interação das devoções dos santos com o espaço
citadino. Enfim, de forma geral, estaremos complementando e adicionando ao debate
acerca do campo religioso, principalmente sobre o catolicismo com “novas” ou “velhas”
questões que se travam em nosso mundo atual.
18
Capítulo I
1. São Jorge: histórias e lendas.
Neste capítulo, como dito anteriormente, não pretendemos fazer uma
recapitulação minuciosa das “histórias e lendas” de São Jorge, mas, comentaremos
algumas de suas fontes hagiográficas, assim como o olhar da história sobre estas e sobre
seu culto no Brasil. A retomada histórica é direcionada para a cidade do Rio de Janeiro
para refletirmos nas variadas festividades de São Jorge neste local, enfocando
principalmente o caráter público de suas devoções.
O culto às santidades ou divindades é uma tradição antiga de vários povos. A
concepção de ser santo está interligada com a noção de santidade. No universo cristão,
ser santo refere-se a uma distinção que se respalda por dois critérios: a predestinação
relacionada às pessoas escolhidas por Deus e o mérito, referente àquelas que por
opção procuraram em vida seguir o exemplo de Deus. O santo é um morto excepcional,
um mediador entre o “céu e a terra” e uma forma de apoio da igreja, pois sua vida é um
exemplo para seus devotos (Le Goff, 1989). Em geral, a devoção aos santos “ganhou
imensa força na Era medieval, quando os governadores laicos anuíram à religião
católica e legislaram a seu favor, coibindo a expressão religiosa de origem pagã
(Santos, 2005: 29).
Para a Igreja Católica Romana a idéia de ser santo em nossos dias está associada
à canonização cujo candidato necessita, além de ter seguido o exemplo de vida de
Cristo, ter comprovação de milagres realizados. A concepção de canonização,
canonizare, só surge a partir do século XI com a Reforma Gregoriana. As leis de
canonização referem-se às formas de controle do culto dos santos, e as “provas de
santidade” são indispensáveis. As decisões finais que em períodos anteriores cabiam a
um bispo local foram passando gradativamente para as mãos do Papa. Assim, a
canonização tem uma função eclesial, isto é, declarar alguém santo tem um objetivo na
Igreja: propor essa pessoa como um exemplo de vida cristã, como quem seguiu a
vontade de Deus de modo extraordinário, e, por isso mesmo, colocá-la como
intercessora junto a Deus. No entanto, nem sempre a canonização foi determinante para
intitular um morto como santo. O conceito de santo é muito relativo e está estritamente
19
ligado ao contexto histórico. Os modelos de santidade variaram muito em diferentes
períodos (Santos, 2000).
A idéia de ressurreição, uma vida além túmulo difundida pelo cristianismo,
“injetou no circuito de crenças da Antiguidade Tardia outra postura diante da morte”
(Santos, 2005, 30). O culto às relíquias e o local onde o morto fora enterrado são
exemplos dessa “nova” configuração que a noção de morte passou a ganhar. O culto aos
santos tem início na tumba destes. O impacto desta devoção repercutiu na geografia
espacial das cidades deste período, quebrando a antiga antítese entre espaço da vida
pública e local de culto aos mortos. O espaço fúnebre que se localizava nos arrabaldes
das cercanias das cidades passou a fazer parte destas (Brown, 1982). As zonas
mortuárias se converteram em áreas de adoração e o culto aos mortos, em público e
extensivo a toda comunidade. Com isso, inaugurou-se um momento de construções de
ermidas em cima das tumbas dos mortos especiais, colocando-os sob a tutela da igreja.
Georgina dos Santos (2005) destaca que estes “novos” contornos que o culto aos
mortos ganhou na Antiguidade Tardia estiveram relacionados ao modelo de santidade
baseado nos mártires pessoas excepcionais que tiveram uma vida de sofrimento e
torturas em prol da cristã. Nesse sentido, o martírio é uma graça conferida por Deus
aos que, devido ao combate realizado, ganhavam como recompensa a vida eterna. Com
o fim das perseguições aos cristãos e o firmamento da religião Católica, a partir do
século IV, o modelo dos rtires e dos confessores perde espaço e surge outro modelo
de santidade, o clerical. A maioria dos padres, bispos, cardeais, abades e papas
passaram a ser santos. Os papas, como comenta Maria de Lourdes dos Santos (2000),
dos duzentos e sessenta e três existentes, oitenta e um foram canonizados, sendo que a
metade destes como mártires antes do ano 500 d.C.
No ocidente, a partir do século VII e com maior intensidade no século X, surge
o modelo de santidade pautado nos santos nobres com o fortalecimento da união entre a
nobreza e o clero. Nobres que desempenharam a função de cristianizar seu povo
ganhavam “as honras da santidade”. Tal modelo caiu com a Reforma Gregoriana,
século XI, que, como forma de purificar a Igreja do poder laico, extinguiu a sacralização
dos nobres. Assim, o modelo de santidade voltou à vida sacerdotal, impondo uma
castidade e vida de ascese aos sacerdotes, na qual imperava votos de pobreza e
humildade, e os santos para conquistarem tal posto precisavam passar por um processo
de investigação ditado pelas leis de canonização. Pois “os santos que viriam a ser
canonizados deveriam ter seguramente realizado milagres” (Vauchez, 1987: 297).
20
Bartholo (1991) comenta que no século XI ocorre um deslocamento da devoção,
esta sai das relíquias e do corpo santo para a figuração iconográfica
19
. A veneração às
imagens acaba por dissociar o culto aos santos das tumbas e servir, diante de sua
mobilidade, como “propaganda” e “difusora” do culto.
Atualmente, como afirma Maria Lourdes dos Santos (2000), prevalece um
modelo de santidade heterogêneo oriundo do século XVIII que abarca pessoas tanto de
origem eclesiástica, quanto leiga. Este modelo seria para a autora um retorno, pois a
heterogeneidade era o modelo que prevalecia no início da era cristã. Hoje em dia, existe
grande número de canonizações
20
. O papa João Paulo II incentivou fortemente a
canonização de leigos e mulheres e foi o que mais canonizou e beatificou
21
no século
XX: 482 santos e 1.338 beatos (Santos, 2000).
Diante disso podemos pensar e até mesmo afirmar uma grande importância que
os santos possuem diante do catolicismo. Os santos, como mediadores e intercessores,
são exemplos de vida a serem seguidas por seus fieis e “exemplos de um ‘homem
verdadeiro’, tendo para a vida cristã um valor modelar” (Bartholo, 1991: 8),
funcionando, portanto, como apoio pedagógico” aos ensinamentos da Igreja. Além
disso, também funcionam como “instrumentos capazes de sublimar diferenças sociais e
superar diversidades regionais.” (Santos, G., 2005: 29).
Entretanto, nem todos os santos m caráter institucional como demonstrado nos
modelos acima. os que foram considerados santos e estão à margem do panteão da
Igreja Católica, espelhando um caráter de independência aos cultos dos santos por parte
dos fiéis. É famosa a autonomia entre os aspectos institucional e popular que insiste em
continuar, mesmo com diferentes ações para controlá-la.
No Brasil isto se apresenta de forma acentuada em outras áreas. Aqui vigorou
durante quatro séculos o regime do Padroado de herança portuguesa –, que deixou
nossa Igreja sob tutela do Estado, da coroa portuguesa e, como conseqüência, distante
19
A autora comenta que a representação iconográfica “é tão antiga quanto o cristianismo”
(Bartholo, 1991: 19). Desde o Sínodo de Nicéia (325d.c.) que a adoração às imagens é considerada
legítima e com o reconhecimento eclesiástico.
20
Porém estes processos de transformação em santo ainda estão restritos aos países europeus. No
Brasil, até maio de 2007, nenhum brasileiro tinha sido oficialmente canonizado pela Igreja; apenas alguns
conseguiram a beatificação, apesar de tramitarem alguns processos de canonização no Vaticano (Santos,
2000). Com a vinda do Papa Bento XIV para o Brasil no mês de maio de 2007, obtivemos o primeiro
santo canonizado brasileiro, Frei Galvão.
21
A beatificação é uma etapa anterior à canonização. Nela fica permitido o culto do beato em
âmbito público a determinadas regiões. com a canonização, o culto do santo ganha formato universal.
Para a canonização, devem ocorrer milagres após a beatificação, dos quais pelo menos dois devem ser
autênticos (Bartholo, 1991).
21
de Roma. Fundou-se, portanto, uma fraca formação institucional da Igreja cuja vida
religiosa, além do movimento leigo em torno das confrarias, se dava basicamente de
forma mais doméstica. Somente após a independência brasileira, a Igreja do Brasil
começou a se aproximar de Roma, na chamada fase de romanização. Bartholo (1991)
comenta que de “1840 a 1920 foram criadas 1407 paróquias, mais do triplo do que a
soma daquilo que havia sido criado nos três séculos anteriores” (Bartholo, 1991:70).
Para a autora, nossa rede paroquial
22
é recente: 76% das paróquias foram criadas no
século XX, sendo a maioria a partir de 1960.
Vauchez (1987) considera que na América latina, sobretudo no xico e no
Brasil, o modelo que predomina é o do culto aos santos populares. Como bons
exemplos dessa devoção popular, podemos citar: o padre Cícero, o culto às almas
espalhado por todo nordeste, e, também, o culto aos santos “bandidos”, como o caso de
Baracho e Jararaca, no Rio Grande do Norte (Freitas, 2006).
Sabemos como são comuns os movimentos de “purificação” e “separação” na
tentativa de eliminar elementos não institucionalizados, ditos como “populares”, na
história da Igreja Católica. A categoria “popular”, para Ribeiro de Oliveira (1997), é
definida sempre a partir do contraste com outra forma, seja erudita, oficial, ou da classe
dominante. Nesse sentido, o sistema religioso “popular”, com suas devidas
diferenciações, tem efeitos para a sociedade e assume “funções políticas”. As tensões e
afrontamentos que o dito “popular” pode acarretar aos “outros” foram controlados em
diversos momentos da história, seja excluindo como também se apropriando. Dentro da
realidade do catolicismo brasileiro definida por Maués como uma “tensão
constituinte” entre o popular e o eclesiástico (Maués, 1987) os diferentes processos de
romanização, no final do XIX e no XX, são exemplos destes tipos de ação.
A devoção aos santos sempre trouxe para a Igreja este debate de contenção aos
elementos “profanadores” e populares”. No período pós-independência brasileira, fase
de romanização que compreendeu-se o final do século XIX até meados do século XX
colocou a devoção aos santos em “segundo plano” dentro de uma hierarquia dos valores
éticos e morais. Na década de 30, a Igreja investia na criação de novas dioceses e, como
confirmam as palavras de Severino Silva (2003), ela “precisava apresentar-se como
modelo de unidade e de união, de forma a ser aceita como participante do novo acordo
22
A autora trabalhou com dados da rede paroquial desde a formação da Igreja brasileira até os
anos de 1985 com base nos Anuários do Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais -
CERIS.
22
social que brotava da revolução de 30” (p. 83). Todavia, diante deste perspectiva de
“controle” a elementos “profanadores”, em alguns casos de devoções populares
verificou-se a “promoção” e em outros a “retração”.
O caso da romaria de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, é um bom
exemplo da tentativa de institucionalizar e "promover" esse processo. Fernandes (1988)
comenta que a promoção desta, associada ao período em questão, era algo favorável à
Igreja, pois, a imagem da santa e sua romaria eram significativas como elo nas relações
com Estado frente aos “separacionistas” reinantes na República. A santa, como
padroeira do Brasil, representava a nação e aproximava a Igreja do Estado.
Porém, como nos apresenta Silva (2003), outras manifestações populares não
obtiveram o mesmo êxito promocional como no caso da padroeira. Aparições marianas,
Canudos e Padre Cícero foram vistas como perigosas tanto para a Igreja quanto para a
nação, porque representavam “manifestações da periferia”, colocando, portanto, em
risco o acordo de cooperação travado entre a Igreja, sob Cardeal Leme, e o Estado,
governado por Getúlio Vargas.
Entretanto, Silva (2003) também demonstra mudanças na forma de significar
fenômenos como as aparições marianas a partir de um caso ocorrido no ano de 1936 em
Cimbres, Pernambuco. O que no período do ocorrido fora silenciado e visto como
perigoso, foi revitalizado na década de 90, momento em que movimentos católicos
carismáticos locais estavam controlando-o, onde a vidente, que passa a ser agora uma
mensageira de Maria, pôde ter legitimação através do apoio do discurso religioso
católico ressemantizado.
Na década de 60, no II Concílio do Vaticano, o debate em torno da devoção aos
santos ganhou mais destaque. Na tentativa de racionalizar o culto dos santos, algumas
histórias e lendas que se apresentavam pouco verossímeis foram taxadas como
apócrifas, colocando em xeque a validação do culto destes santos. A reformulação de
um novo calendário romano, nesse período, retirou alguns santos que se baseavam,
sobretudo, em devoções medievais e “folclóricas” como as referentes aos mártires,
rebaixando-os ao estatuto de culto particular.
Este foi o caso de São Jorge, santo mártir, que teve sua titularidade de “ser santo
universal e oficial” transformada em caráter particular conforme fica explícito num
trecho do folheto divulgador de vida e culto de São Jorge, da Igreja do centro do Rio de
Janeiro:
23
SÃO JORGE FOI CASSADO? Sabe-se que seu dia litúrgico foi
colocado no Calendário particular da Igreja, isto é, celebrado
nos lugares de sua devoção. No Rio de Janeiro é a devoção
querida de seu povo. Seu Templo, na Praça da República, que é
bi-secular, tem a maior assistência religiosa da cidade. O Sr.
cardeal D. Eugênio Sales, assim se pronunciou: a devoção de
São Jorge nos deve levar a Jesus Cristo. Pela palavra do
Cardeal Sales sentimos a autenticidade do Culto a São Jorge.
(Pe. Eurico José Cavalcanti, capelão)
23
.
Embora muitos considerem que sua história não passe de um mito e outros
assintam na “cassação” pela Igreja Católica, o martírio de São Jorge e o seu culto
continuam reconhecidos pelo catolicismo. Em maio de 1969, com a reforma do
calendário litúrgico, realizada pelo papa Paulo VI, o culto a São Jorge tornou-se
opcional. A reforma retirou as comemorações dos santos sobre os quais o havia
documentação histórica, mas apenas relatos tradicionais. Daí a idéia de "cassação de
santos", que, entretanto, tornou a devoção opcional e não a uma anulação total do
reconhecimento do santo.
Ordep Serra (1995), ao comentar as tentativas da Igreja católica de ordenação ao
culto dos santos, nos anos 60, também menciona esta questão:
[...] a Congregação dos Ritos da Igreja Católica Apostólica
Romana, embora sem excluir do calendário litúrgico a festa de
São Jorge (com data fixa em 23 de abril), ordenou que fossem
suprimidas do ofício religioso todas as referências aos episódios
da vida do Santo (Serra, 1995: 244).
Trata-se de uma contradição interessante, pois é um santo sem reconhecimento
oficial na Igreja, mas, como veremos adiante, com um culto amplamente disseminado
em diferentes continentes. Serra (1995) e Medeiros (1994; 1995) comentam sobre a
interferência mútua entre diferentes histórias de São Jorge e ressaltam que o santo
chegou ao Brasil com referências das lendas orientais, portuguesas, inglesas, dentre
outras. Para eles o santo já veio “sincretizado”.
As histórias sobre as vidas dos santos passaram da tradição oral para a escrita
com os martirológicos e as legendas - primeiros escritos que registravam as vidas dos
santos. Nestes encontravam-se descritas os atos da vida dos santos que demonstravam
23
A data deste folheto, cópia concedida pela biblioteca da Cúria metropolitana, o foi
mencionada, mas, com a assinatura do capelão da Igreja, Pe. Eurico José Cavalcanti, podemos fixá-la
entre o período que permaneceu neste cargo: década de 60 e 80.
24
sua paixão como mártir, esses escritos serviam como forma de apreender a memória e
de unificar uma versão, divulgando-a.
Porém, como coloca Van Der Veer (1994), na unificação de uma versão, ao ser
passada para o papel, existe um conflito de versões que estão co-relacionadas com
“forças” atuantes de cada momento. Para o autor, diferentes discursos sobre a
realidade - político, religioso, filosófico, ideológico, histórico, econômico, científico,
etc. –, que foram se constituindo e se multiplicando na transição da Idade Média para a
“modernidade”. O discurso religioso não é um discurso monolítico, ele existe ao lado
de outras formas de discursar sobre o mundo e dialoga com estas. Mesmo tendo reinado
durante longo período na Idade Média, isto não significa que o discurso religioso fosse
o único, mas que sua alta posição hierárquica o deixava com um “peso” sobre os
demais. Assim, nas hagiografias tradicionais dos santos, o conflituoso debate entre
diferentes versões perpassou em relação aos valores ideológicos operantes em cada
momento: “An important tool for historians is always to confront the religious tradition
with other historical sources, relating to such mundane matters taxation, for example.”
(Van Der Veer, 1994:142).
A historiadora Georgina dos Santos (2005)
24
, ao capturar a história da
Irmandade de São Jorge e a Inquisição na Lisboa moderna, entre os séculos XVI e
XVIII, sob o cotidiano dos menestréis de ferro e fogo lisboetas, dialoga com o contexto
histórico de formação de cada uma das hagiografias citadas em seu trabalho. Ao
analisar a evolução destas, a partir de elementos que se repetiam, constatou que algumas
“variantes corresponderam a condicionamentos culturais específicos” (Santos, 2005:
48).
Durante a Alta Idade Média coexistiram três versões sobre São Jorge (Santos,
2005). A mais antiga destas refere-se a um relato de Pasicrato que “tem como base os
fragmentos de um texto grego, datados da centúria anterior à expansão de seu culto na
Europa” (p.36). Resumidamente, nesta variante, os atos da vida de São Jorge - que o
levaram ao martírio devido a sua adoração ao cristianismo e a recusa em aceitar outros
deuses - estão relacionados um tempo onde os cristãos eram perseguidos por
Graciano, Imperador persa. A descrição dos atos inicia-se com afrontamento de São
Jorge ao Imperador, em repulsa a adoração de seus ídolos. Depois segue por uma série
de perseguições e torturas, nas quais o perseguido” através de milagres e ressurreições
24
A autora é uma das principais fontes deste trabalho, principalmente, no que se refere à análise
histórica da vida de São Jorge.
25
comprova a existência e a força de sua crença cristã. Por fim, após acabar com o
Imperador e todos pagãos à sua volta, São Jorge rezou e perguntou a Deus “o que
aconteceria àqueles que invocassem o seu nome. O Senhor respondeu-lhe que suas
relíquias seriam honradas, assim como suas vestimentas e que elas supririam toda a
sorte das necessidades.” (p. 38).
Apesar de este relato ser impreciso no que concerne aos personagens e local
citados, Santos (2005) não retira sua coerência interna. Como argumenta, esta história
apresenta intenções que correspondem às narrativas hagiográficas que predominavam
na época – como descrição intensa e quantidades elevadas de suplícios – e ao modelo de
santidade em relevância - valorização e sacralização do culto às relíquias.
Diferentemente da primeira versão, a segunda retratada por esta historiadora
(Santos, 2005) faz referencia a elementos mais verossímeis da realidade” dominante.
Nesta diminuem os números de súplicas, de ressurreições e atos mágicos, colocando em
destaque uma data precisa de sua elaboração (916), como também dados sobre a vida do
mártir: tais como sua origem geográfica, seu status e sua profissão. Como disserta
Santos, esta mudança espelha uma nova configuração da espiritualidade na Alta Idade
Média, que representa um afastamento de interpretações fantasiosas e mágicas para
aproximar-se de um modelo mais mundano. Neste período, século X, o padrão de
santidade que servia de molde havia também incorporado os valores da nobreza em
seus critérios, prevalecendo a figura do santo-nobre.
Com isso, a literatura hagiográfica respondendo aos apelos culturais da época
alterou a composição de milagres e a imagem de São Jorge. Nesta segunda legenda,
Jorge é representado como um soldado de família nobre nascido na Capadócia (atual
Turquia), pertencente ao Império Romano, governado por Diocleciano. Este imperador
fora conhecido pela sua crueldade em perseguir e torturar os cristãos e Jorge da
Capadócia rebelou-se contra esta atitude, passando a defender os cristãos e sua fé. Este
movimento ocasionou uma fortíssima perseguição, que após alguns atos milagrosos,
salvação e comprovação da fé cristã, acabou no ato de sua decapitação.
A última versão refere-se à Legenda Áurea (Varazze, 2003). Esta é uma coleção
hagiográfica organizada pelo arcebispo de Gênova, Jacopo de Varazze (1236-1298),
que como aponta Santos, com base em Souza (1998), é uma operação intertextual
textos bíblico, hagiográficos, litúrgicos, cristãos e pagãos. Apesar deste “amálgama” de
narrativas textuais, a autora comenta sobre sua singularidade. É nela que aparece o
combate de São Jorge com o dragão.
26
O santo, nesta legenda, também aparece localizado no tempo e espaço. São
Jorge é um tribuno da Capadócia, nos tempos de Diocleciano que o perseguia devido a
sua confissão pública ao cristianismo. Todavia, conta-se que ao passar pela cidade de
Silca, província de Líbia, São Jorge encontrou-se com a filha do rei, cujo destino tinha
sido reservado a um Dragão grandioso que atormentava a região. Para manter distante
este dragão, os habitantes colocavam animais fora das muralhas da cidade, a fim de
conter a fúria desta fera. Mas, mortos os animais, pessoas eram oferecidas através de
sorteios. No momento da chegada de São Jorge à cidade, era a vez da princesa. São
Jorge, montado em seu cavalo, perfurou com sua lança o dragão, mas só o matou após a
conversão dos habitantes à fé cristã.
Esta versão ocasionou grande impacto em sua época. Como comenta Santos
(2005), esta era uma mina hagiográfica” que circulou bastante pelo mundo medieval.
A entrada do dragão, num momento em que as hagiografias se afastavam de histórias
fantasiosas, representa a oposição do santo a um personagem do maravilhoso
paganismo. Além disso, histórias de heróis combatendo dragões eram recorrentes neste
período e faziam grande sucesso, pois acabava por reviver triunfos de desbravadores e
conquistadores, assim como da aristocracia medieval militar. A figura de santos
guerreiros, principalmente de São Jorge, acabou por ganhar prestígio se aproximando
dos ambientes cavalheirescos e servindo de suporte às batalhas e expedições para a
conquista de novas terras e na defesa do cristianismo – como nas Cruzadas e em Ordens
de Cavalarias e Militares
25
. Neste momento quando o Catolicismo teve seu caráter
associado às virtudes militares e guerreiras, a devoção de São Jorge se alastrou pelo
continente europeu
26
.
Como indicam algumas fontes (Attwater, 1983; Medeiros 1995; Santos 2004;
2006), os restos mortais de São Jorge foram transportados para Lídia (antiga Dióspolis),
local do sepultamento, onde foi erguido um suntuoso oratório aberto aos fiéis. Seu culto
espalhou-se imediatamente por todo o Oriente. Em Constantinopla, século V, havia
25
Neste período do Catolicismo Guerreiro, Medeiros (1995) destacou: a Ordem de São Jorge da
Jarreteira, na Inglaterra; a dos Cavaleiros de Teutões, da Alemanha; a Calatrava de Aragão; e a Sagrada
Ordem Militar Constantiniana de São Jorge.
26
São Jorge transformou-se em padroeiro de alguns locais da Europa como no território lusitano
durante o primeiro reinado da dinastia de Avis, que acabou por aproximar a realeza de seus súditos e a
monarquia da cristandade. Ainda hoje a Inglaterra tem São Jorge como padroeiro mantendo sua festa no
calendário litúrgico da Igreja Anglicana. Em Gênova, Veneza e Barcelona (que no brasão de armas pode
ser vista a efígie de o Jorge) o santo também continua patrono. Como destaca Medeiros (1995), são
títulos que foram oriundos do período das Cruzadas, pois estas “cidades eram portos de onde saíam as
expedições guerreiras e comerciais, para o Oriente” (p. 261).
27
cinco igrejas dedicadas a São Jorge, sendo que no Egito, nos primeiros séculos após sua
morte, foram construídas quatro igrejas e quarenta conventos em homenagem ao santo.
No Ocidente, na Idade Média, as Cruzadas colocaram São Jorge à frente de suas
milícias, como Patrono de algumas Cavalarias. Alguns países ocidentais o têm como
padroeiro (Itália, na cidade de Gênova; Alemanha, onde é patrono de Ordens Militares;
Inglaterra, Portugal e Catalunha).
A Inglaterra foi o país ocidental onde a devoção ao santo teve grande força. O
monarca Eduardo III colocou sob a proteção de São Jorge a Ordem da Cavalaria da
Jarrateira, fundada por ele em 1330. No século XIII, a Inglaterra celebrava sua festa
como dia santo e de guarda e, em 1348, criou a Ordem dos Cavaleiros de São Jorge. Os
ingleses, imitando os gregos, colocaram a cruz de São Jorge na sua bandeira e, em 1415,
a data de comemoração do santo tornou-se um dos feriados mais importantes do país
(Attwater, 1983).
Dentre diferentes versões sobre o santo, a difundida pela Igreja do campo de
Sant’ana, em seu livreto Vida e Morte de São Jorge - é a do “Flos Sanctorum”, relato
semelhante à segunda versão citada por Santos (2005), mas que contém alguns dados
suplementares, como a data da morte de São Jorge: aos 23 anos, no dia 23 de abril de
303. Neste livreto as referências sobre a Legenda Áurea” não foram encontradas,
apesar da figura do dragão ser bastante aclamada nos sermões dos padres desta Igreja,
como o mal onipresente do qual precisamos nos livrar, assim como o fez São Jorge :
O inimigo sempre está por perto. Na vida de Jesus vemos a presença
de Judas (...). Na vida de São Jorge também houve ação de inimigos,
pessoas que o denunciaram ao Imperador Diocleciano, por causa da
catequização que fazia e da vida leal a Deus que levava (...). É
preciso lutar, seguir a caminhada, quem que não tem provações e
dificuldades como vemos no martírio de São Jorge? Com ele estamos
seguros para vencer qualquer dragão, mal, inimigo. (capelão Wagner
– missa da alvorada, 23 abril de 2006).
O dragão e São Jorge são corriqueiramente encontrados representados nos
“santinhos” distribuídos dentre suas iconografias, além de serem amplamente narrados
por alguns fiéis e irmãos da Igreja, como comenta Nadir irmã-zeladora da Irmandade de
São Jorge no centro olhando para a gravura do santo matando o dragão (Anexo I).
Esta imagem aqui (estende e nos mostra) conta sobre a história de
São Jorge matando o dragão. Nossa Senhora (moça na lateral
28
direita da gravura) estava rezando dentro na capelinha quando
dentro da gruta aparece um dragão, aparece São Jorge e mata
o dragão, salvando Nossa Senhora. Por isso tem a imagem de
Nossa Senhora das Vitórias na frente da imagem dele no altar
(Nadir - entrevista, 08 março de 2007).
É interessante que a narrativa dessa irmã baseia-se em elementos que compõem
essa iconografia de São Jorge bastante famosa que tem em seu plano de fundo uma
capelinha, uma moça com véu azul e uma gruta, e no plano de frente a representação do
santo como um soldado medieval sobre um corcel branco atravessando com uma lança
o dragão, que se situa abaixo do seu cavalo. Além disso, essa irmã associa a vitória do
santo que salva Nossa Senhora à ordenação e escolha da imagem que fica no altar junto
com a imagem de São Jorge na capela menor da Igreja. Assim como o pessoal da
Confraria baseia-se em diferentes narrativas para falar da vida de São Jorge, também
encontramos distintas associações quando perguntamos sobre a história do santo para
seus fieis:
São Jorge é um santo guerreiro, santo popular. A história de
São Jorge para gente, para a era cristã, só começa no século III,
d.c., ano 303, quando o imperador Diocleciano, ..., São Jorge,
na mão desse imperador, foi decapitado depois de sofrer um ano
de torturas e prisões para que renegasse sua cristã, sua em
Deus ... e daí apareceu este mártir, para as pessoas cristãs,
como eu que sou cristão católico que gosta de santo... Para mim
São Jorge é meu músico, faz parte da minha veia musical, São
Jorge é meu músico!
São Jorge é uma história maravilhosa, uma história bonita, a
gente não sabe direito, muitas coisas se perderam, coisas
antigas, como ele matou o dragão, naquele tempo não sabia se
existia dragão ou se era uma serpente, uma serpente gigante que
aterrorizava uma vila e São Jorge foi, como ele era um grande
cavaleiro-capitão da guarda, chamado para salvar essa vila.
Dizem que naquele tempo os pagãos tinham adoração de
colocar uma virgem para a serpente levar. Eles tinham essa
crença. Chamaram São Jorge para acabar com esse mal. Deve
ter sido uma serpente ou se, naquele tempo, existia aberrações.
Muita coisa a gente não sabe” (dados retirados da entrevista
realizada com o músico Jorge Ben na festa de São Jorge, 23 de
abril de 2001).
27
27
Entrevista realizada por Bianca Brandão e Luzia Pitanga na festa de São Jorge na Praça da
República, em 2001, a cuja transcrição tive acesso.
29
É comum, ao perguntar a qualquer devoto de um santo, observarmos que cada
um sabe nos informar algumas “coisas” sobre a vida deste santo, dentre muita coisa a
gente não sabe”. Podemos encontrar casos onde um discurso comum predominante
diante de outros menos freqüentes, e outros casos onde uma pluralidade de versões
que se combinam e descombinam quase que ao modo de cada interrogado.
Este trecho da entrevista é bastante representativo no que concerne às fontes
hagiográficas deste santo, pois nos salienta para a combinação de duas versões
recorrentes sobre sua vida aqui no Rio de Janeiro: a da Legenda Áurea e a do Flos
Sanctorum. Qualidades de honra, bravura, força, virilidade e dignidade constituem a
imagem deste santo guerreiro e são aclamadas por seus fieis na evocação de suas
orações:
Glorioso Mártir São Jorge
Vós fostes o defensor da fé cristã e morreste pela Igreja Católica.
Defendei o meu corpo dos males das doenças e das balas assassinas.
Defendei a minha alma contra os males da descrença e contra
inimigos da minha salvação
Defendei minha casa contra os assaltantes e destruidores da felicidade
do lar.
Defendei meus bens contra os ladrões, os malfeitores e contra os meus
inimigos.
Dai-me o vigor da fé, da esperança e o amor a Deus e ao próximo.
Amém.
Com autorização Eclesiástica
28
2. De Portugal ao Brasil: “das capelas da realeza para o catolicismo do
povo
29
São Jorge adentrou na história lusa através de seu feitio de santo militar que
tanto se destacou na Alta Idade Média, ainda mais no período das Cruzadas. Sua face de
guerreiro ajustou-se aos anseios das monarquias onde guerras e movimentos de
conquistas e proteção de territórios ocupavam um lugar central. Nas terras lusas o
“nome do santo passou a designar, para a monarquia, o compromisso com a fé católica e
a vocação de Portugal para a conquista” (Santos, 2004: 16). Assim, com ajuda dos
28
Oração rezada na igreja de São Jorge, Rua da Alfândega, 382, [tirar esse endereço] centro do
Rio de Janeiro.
29
Expressão utilizada pela historiadora Georgina dos Santos (2004) para comentar sobre a
trajetória percorrida pelo culto de São Jorge de Portugal ao Brasil.
30
santos e de armas, as unidades territoriais eram mantidas e novas terras eram
dominadas.
A devoção a São Jorge já estava presente em Portugal desde o tempo dos reis de
Borgonha, no entanto, ainda de forma tímida. Na vitória portuguesa contra Castela pela
soberania portuguesa de seu reino na batalha de Aljubarrota, 1385, o estandarte de São
Jorge era trazido na dianteira, aos sons de gritos portugueses que o aclamavam: “avante,
S. Jorge, avante, que eu sou rei de Portugal!”. (Santos, 2005: 64). Com a reconquista
portuguesa, a Casa de Avis assumiu a dinastia e o orago protetor presente, Santiago,
perdeu seu poder de intercessor passando para São Jorge, que contribuiu por estender
sua devoção por todo reino português. O culto a São Jorge ganhou caracteres público e
dinástico, mantidos durante toda esta dinastia.
D. João I, o primeiro monarca da casa de Avis, regulamentou as festividades em
memória da vitória portuguesa sobre Castela e incluiu de forma obrigatória a presença
do mártir nas procissões de Corpus Christi, em 1387, designando que “sua imagem
fosse montada sobre um cavalo, e entregou o dever de acompanhá-la aos homens de
ferro e fogo da recém-criada Casa dos Vinte e Quatro.” (Santos, 2005: 68)
30
. Para
Santos (2004) a regulamentação da introdução de São Jorge na procissão de Corpus
Christi sob o cuidado dos menestréis de ferro e fogo foi “a grande responsável” por
conceder à figura do santo caracteres mais populares - saindo da realeza para o povo - e
que, mais tarde, se desenvolveriam em terras brasileiras, através de sua identificação
com distintos grupos sociais e religiosos, que garantiriam, portanto, “sua popularidade
até nossos dias.” (Santos, 2004: 20).
A comemoração de Corpus Christi
31
simboliza a celebração da eucaristia que
remonta aos primórdios da Igreja. Sua festividade foi instituída apenas no século XIII,
em 1264, com a bula Transiturus do Papa Urbano IV que a estendeu por toda Igreja e
onde cada cidade ficou incumbida de organizar uma procissão solene ao seu louvor. A
apresentação do corpo de Deus em procissões públicas é conseqüência do Concílio do
Latrão IV, século XII, que enfatizou a importância da comunhão e da generalização da
confissão, num tempo em que raríssimos fiéis as praticavam (Le Goff, 2005).
30
A autora argumenta que a força da figura de São Jorge, que se estendeu para terras além-mar do
controle lusitano, poderia ter definhado caso a imagem não se aproximasse da monarquia portuguesa -
numa sociedade marcada com um perfil militar devido a sua posição de península - como também do zelo
dos homens de ofício ligados a ferro e fogo que compunham a Casa dos Vinte e Quatro.
31
Sua data dentro do calendário é móvel, assim como carnaval e a Páscoa, mas ocorre sempre na
quinta-feira que segue o 8° domingo depois da Páscoa.
31
Le Goff (2005) argumenta que a festa de Corpus Christi com sua magnificência
e exuberância, que ornamentava e mostrava a hóstia sagrada sob um palio a todos
habitantes, serviu de modelo para os ritos reais que, ao invés de deixar o rei inacessível,
colocava-o à mostra para seus súditos. Assim, festividades e procissões eram
oportunidades de reforçar o poder monárquico e de tornar públicas suas façanhas. Em
Portugal, desde a época da vitória de Aljubarrota, as festividades portuguesas
seguiam o modelo da Procissão de Corpus Christi. D. João II, ao assinar o Regimento
das Procissões que regulamentavas as festividades cívicas e religiosas também
continuou a seguir este modelo. “Sem erigir muralhas entre o sagrado e profano, a
composição das procissões descritas pelo documento era o espelho de uma ordem social
que submetia a vida comunitária e cívica à expressão religiosa” (Santos, 2005: 76).
Em grande parte da Europa, a partir do séc. XIV, a procissão de Corpus Christi
tornou-se a forma de celebração da eucaristia por excelência. Em Portugal,
diferentemente de outras regiões européias, a procissão era promovida pela monarquia
local e acompanhada pelo “Estado de São Jorge” (o santo e sua bandeira formada pelo
corpo de ofícios responsáveis por sua guarda): A presença de São Jorge no cortejo de
Corpus Christi simbolizava a fundação da dinastia dos Descobrimentos e imprimia ao
evento um caráter cívico” (Santos, 2004:16).
Assim, a festa de Corpus Christi portuguesa, que era de caráter indubitavelmente
religioso e de grande significância social, como o ponto alto do calendário público-
religioso (Santos, B., 2005), sofreu inúmeras transformações e regulamentações
32
, isso
devido ao tipo de coligação estabelecida entre igreja, coroa, e povo”, que implicava
características plurais. Uma marca destas festas no território português era a tensão
permanente que sofria entre as ordenações eclesiásticas e monárquicas.
Desta forma, com essas características religiosas, reais, populares, contando com
a presença de São Jorge e servindo de molde para outras procissões, a Procissão de
Corpus Christi adentrou e se instalou nas colônias portuguesas. Beatriz Catão C. Santos
(2005), ao pesquisar as festas de Corpus Christi na América portuguesa, demonstra
muito bem a tensão constituinte destes eventos que abarcavam ao mesmo tempo
diferentes agentes. A autora nos apresenta diversas interferências e regulamentações que
esta festividade sofreu, principalmente no séc. XVIII com decreto de D. João V em sua
32
Sanchis (1983) afirma que tais regulamentações o fontes preciosas de conhecimentos das
atividades urbanas e das profissões sob o Antigo Regime devido à grande importância social desta
procissão.
32
tentativa de “purificá-la” e torná-la mais solene, i.e., na tentativa de eliminar caracteres
“populares”, “grotescos” e profanadores”. Mas, tais regulamentações não retiraram a
presença do “Estado de São Jorge”, que conforme afirma Beatriz Catão C. Santos
(2005), é ao mesmo tempo um “fragmento” da época Avis e uma “reminiscência” das
práticas populares.
Entre diferentes versões sobre o culto de São Jorge no Brasil encontramos em
destaque a relação com a procissão do Corpo de Deus, Corpus Christi. Não muitos
dados históricos sobre as comemorações ao santo realizadas por suas Irmandades. Fato
que contribui para o forte vínculo de São Jorge com as festividades de Corpus Christi.
Nas cidades do Brasil colonial, a procissão de Corpus Christi serviu de modelo
para atos cerimoniais similares onde o poder e a autoridade da monarquia, da Igreja e
das Câmaras eram demonstrados e encenados. Mesmo sofrendo interferências das
irmandades e da Igreja, as procissões de Corpus Christi eram submetidas às ações das
Câmaras municipais que ficavam responsáveis por várias funções das preparações
comemorativas, tais como: anunciar ao público, indicar o acompanhamento, nomear
quem seguraria o pálio, escolher as ruas por onde passariam, dentre outras. A Câmara
regulamentava a festa e ainda colocavam em prática as ordens régias, tornando-se,
portanto, responsável pela unificação destas comemorações nas diversas colônias
portuguesas. Assim, como argumenta Beatriz Catão C. Santos (2005), a mara fazia
um “enquadramento”
33
na festa de Corpus Christi.
No Brasil, além da festa de Corpus Christi, o culto de São Jorge, através de
práticas católicas, também podia ser encontrado em suas irmandades e paróquias que se
formaram ao longo do período colonial e imperial. A presença de São Jorge permaneceu
na dianteira da procissão de Corpus Christi até meados do século XIX (Santos, B.,
2005)
34
, depois disso, a devoção católica ao santo restringiu-se aos espaços de suas
igrejas e paróquias. Hoje em dia, as festas de Corpus Christi continuam acontecendo por
várias localidades brasileiras, mas, já não contam mais com a mesma “pompa” de
33
Expressão retirada de Mary Douglas, Pureza e perigo(1976), cuja utilização é trabalhada na
dimensão proporcionada pelas praticas rituais. O ritual para autora são atos simbólicos que fornecem “um
mecanismo de enfoque, um método de mnemônica e controle para a experiência”(p:81). O
enquadramento seria justamente este enfoque que através do ritual estabelece uma delimitação espaço-
temporal (uma espécie de moldura), que atenta para um tipo especial de expectativa e atenção a ação
ritual realizada. “Assim, o ritual focaliza a atenção por enquadramento”(p:82).
34
No Rio de Janeiro a presença de São Jorge permaneceu na procissão de Corpus Christi
ininterruptamente até o ano de 1869 (Maurício, 1977).
33
outrora, relacionado a presença de São Jorge somado a símbolos cívicos e públicos, e,
como no caso do Rio de Janeiro, a corte real que se fazia presente.
No Rio de Janeiro imperial, o desfile de São Jorge provocava
tamanho impacto no dia do Santíssimo (Corpus Christi) que se
tornava por si só um acontecimento. O mártir era o único santo a
integrar o cortejo. Ao repique do sino da igrejinha da Rua de
São Jorge, atual Gonçalves Ledo, declarava-se iniciada a festa.
O foguetório abafava o vozerio e a irmandade do santo, com
capa e volta, punha-se a aguardar a chegada do corcel branco de
São Jorge que, à maneira lisboeta, era cedido pela estrebaria
real. [...] O cortejo, liderado pela irmandade, contava com a
banda de escravos da Quinta da Boa Vista. [...] Logo atrás, em
cima de um corcel branco, com um criado de cada lado, vinha a
figura de São Jorge, com armadura, escudo, elmo com
ornamentos dourados e capa de veludo carmesim bordada a
ouro. Atrás, o escudeiro sobre um ginete abria o caminho para
24 cavalos das cavalariças da Quinta. [...] O único presente a
rivalizar com o santo era mesmo o imperador, que em sinal de
piedade desfilava de cabeça descoberta.
(Santos, 2004: 18 -19).
Assim, nessa sucinta incursão histórica é possível atribuir um argumento possível
de uma especialização do culto São Jorge no Brasil, que sai de um status público-
religioso para somente religioso. Com herança portuguesa a devoção ao São Jorge que
no período colonial e parte do imperial ocupava lugares e status público com o cortejo
de Corpus Christi, assim como era praticada em outros espaços– celebrações de
irmandades, paróquias, terreiros e nichos domésticos –, passa a ser apenas praticada e
cultuada neste último, após sua saída da procissão do Corpo de Deus, em meados do
séc. XIX. No entanto, no Rio de Janeiro verificamos que mesmo com o fim do
acompanhamento de São Jorge na dianteira desta procissão, a desconexão com o civil
não foi total: o santo permaneceu como patrono de instituições e corporações públicas,
como o Corpo de Bombeiros e da Cavalaria da Polícia Militar. Em várias cidades do
estado do Rio de Janeiro existem inúmeras comemorações a São Jorge que possuem
características públicas (seja na sua publização midiática, na quantidade de
freqüentadores, como na participação de pessoas públicas - políticos e músicos), além
da própria data comemorativa também ter se tornada pública com a oficialização de
feriado municipal, desde 2001, na capital fluminense.
Consideramos que o decreto de feriado (dia de não-trabalho) de São Jorge
“acentuou” e “aprofundou” os laços entre o religioso e cívico, de forma distinta do
34
período colonial e imperial, quando o santo acompanhava a procissão de Corpus Christi.
No entanto, esta “acentuação” é interessante, pois diferentemente daquele momento cuja
Constituição brasileira fomentava e legislava a ligação entre Igreja católica e Estado,
atualmente (desde a primeira Constituição republica, 1891) princípios de laicidade
pautam nossa Constituição federal estabelecendo “separação” entre Estado e quaisquer
religiões. Mas, como Giumbelli (2002) muito bem indicou, apesar dessa laicidade, no
Brasil a “separação” não foi total, pois, também viabiliza um processo de “cooperação”
entre ações estatais e religiosas. Com isso, a tese de que o processo de diferenciação da
vida moderna colocaria cada esfera como independente, autônoma e separada, onde a
religiosa estaria reduzida e direcionada ao privado, o se encaixa em nosso estudo que
percebemos vínculos entre “cívico e religioso”, tanto historicamente quanto atualmente.
3. São Jorge no Rio de Janeiro: devoções públicas.
Em relação à difusão do culto de São Jorge no Brasil, devemos pensar que além
da herança portuguesa – através das festividades de Corpus Christi, do caráter da
comemoração público-religiosa, da presença das irmandades deste santo e da relação
com militares com ofícios de “ferro e fogo” a presença das religiões afro-brasileiras
contribuíram e fortaleceram bastante a devoção de São Jorge no Brasil, sobretudo, em
locais como o Rio de Janeiro com grande presença destes cultos.
No Brasil, são inúmeras as igrejas de São Jorge espalhadas ao longo de seu
território, fora a grande quantidade de terreiros de umbanda ou de candomblé que,
dependendo do local, relacionam este santo com os orixás: Ogum ou Oxóssi. São Jorge
é associado a Ogum no Rio de Janeiro e a Oxóssi na Bahia. No Brasil, Oxossi é o deus
dos caçadores, que traz como símbolo seu arco e flecha, Ogum é conhecido como
deus da guerra que tem como símbolo sua espada e aos homens o segredo do ferro
(Prandi: 2001 e Verger: 1993):
Quando Ogum se manifesta no corpo em transe de seus
iniciados, dança com um ar marcial, agitando sua espada e
procurando um adversário para golpear. É, então, saudado com
gritos de ‘Ogum iêêê!’ (Olá Ogum). É sempre Ogum quem
desfila na frente ‘abrindo caminho’ para os outros orixás,
35
quando eles entram no barracão nos dias de festa, manifestados
e vestidos com suas roupas simbólicas. (Verger, 1993: 94).
Para Georgina S. dos Santos (2004) o motivo do culto de São Jorge, no Brasil,
ter grandeza e vitalidade a cada ano de modo extraordinário está relacionado justamente
com a saída “da realeza para o povo”, cuja introdução do santo na procissão de Corpus
Christi possibilitou isso ainda em Portugal, e se fortaleceu ao encontrar-se com distintos
agentes sociais e religiosos em terras brasileiras:
O sincretismo entre São Jorge e os orixás africanos e seu vínculo
com categorias ligadas à força militar, aos ofícios que lidam
com ferro e fogo, como os bombeiros e mecânicos, reforçaram a
devoção do santo no Brasil e garantiram sua popularidade até
nossos dias. [...] nas cidades onde os antigos cortejos do Corpo
de Deus criaram uma tradição religiosa, o culto de São Jorge
mantém-se ativo e vibrante. No Rio de Janeiro, por exemplo, o
23 de abril, dia do santo, tornou-se, desde 2001, feriado
municipal. (Santos, 2004: 20).
Assim refletindo sobre estes vínculos que São Jorge possui na cidade do Rio
de Janeiro, pensar num culto reduzido e privado não faz sentido ou não descreve bem o
que se passa; ou seja, mesmo que não fosse “oficial”, pelo modo que o feriado tornou o
dia de São Jorge, sua devoção reúne muitos exemplos que demonstram bem uma
dimensão pública deste santo na cidade do Rio de Janeiro.
O santo de todo mundo. No dia de São Jorge, a festa é de polícia e bandidos,
católicos e umbandistas”.
(O Dia, 23 de abril de 2001)
“Até traficantes comemoram a data com fogos e disparos
(Extra, 24 de abril de 2003)
Um dia para louvar São Jorge. Homenagens ao Santo levam multidões a igrejas e
procissões pelo Rio. Espetáculo de fé e emoção reúne mais de 350 mil devotos”.
(O Dia, 24 de abril de 2004)
São Jorge arrasta multidões pelo Rio. Missas desde a madrugada e
show na praia homenageiam o Santo Guerreiro”.
(O Globo, 24 de abril de 2007)
36
São Jorge, como outros santos, cruza fronteiras religiosas, étnicas, morais e
sociais. Esses títulos de reportagens de jornais cariocas retratam a ampla abrangência
festiva que São Jorge possui no Rio de Janeiro. É muito comum, ao entrar num
estabelecimento comercial, o encontro com imagens de santos, seja num quadro ou em
gesso. Dentre essas, a figura de São Jorge é recorrente em casas comerciais sobretudo
no Saara
35
– área de comércio onde está localizada a igreja deste santo no centro do Rio
de Janeiro. Dentre as “qualidades” específicas que cada santo carrega, São Jorge é
reconhecido popularmente como protetor das moradias, trabalho, casas comerciais,
contra quaisquer mazelas, armas de fogo, inimigos, ladrões, dentre outras causas. Em
relação a isso, além de encontrarmos facilmente a iconografia do santo dentro de
estabelecimentos comerciais, também a vemos estampadas em camisas, adesivos nos
carros, nos morros cariocas, em letras de músicas, nas quadras de samba, etc. Esta
grande expressão acaba nos chamando atenção para pensar numa certa popularidade
desse santo e no tipo de relação que possui com a configuração e dinâmica urbanas
deste espaço citadino.
Bartholo (1991) apresentou um quadro abrangente do culto aos santos no
Brasil a partir de um material estatístico sobre paróquias brasileiras, que possuíam
registros de suas datas de fundação e que ainda encontravam “sobreviventes” até o ano
de 1985. Em seu trabalho conseguiu apontar e relacionar a distribuição de paróquias
entre 48 oragos que são mais freqüentes entre os brasileiros dentro de um universo de
800 (entre estes estão as representações de Maria e a de Jesus), apesar de seu material
de pesquisa possuir algumas limitações, como observou. Diante dos dados levantados e
de seu estudo sobre o campo paroquial brasileiro, Bartholo dissertou sobre sua hipótese:
a importância do culto aos santos para o desenvolvimento paroquial no Brasil e a
existência de uma relação de proporcionalidade da abrangência da devoção do santo
com o número de paróquias deste.
No entanto, ao considerarmos essa hipótese de Bartholo, o que podemos dizer,
então, a respeito do Rio de Janeiro que, independente de ser paróquia, possui várias
35
O Saara (Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua Alfândega) é uma organização fundada
em 1962 e que compreende um complexo de 11 ruas do centro antigo do Rio do Janeiro (Mafra, 2005).
As lojas são em prédios antigos, mas a maior parte destas não se limita aos confins de seus
estabelecimentos, estendendo-se à rua com seus balcões de venda. É comumente dito um comércio
“popular”.
37
igrejas
36
e capelas dedicadas a São Jorge assim como variadas festividades, além de um
feriado ao dia do santo por decreto municipal. Será que podemos pensar na relação de
santo popular somente vinculado ao número de paróquias, pelo âmbito institucional, ou
devemos levar em conta outros aspectos que circulam e interferem na imagem e
devoção do santo?
Apreciamos o estudo sobre a rede paroquial e a relação com os santos, mas,
além da ligação com a atuação do catolicismo, a devoção aos santos pode refletir
também aspectos sócio-culturais de um lugar. Por mais que a literatura antropológica
sobre festa de santo tenha se voltado para áreas rurais, mostrando e afirmando a
importância com a dinâmica relacional do espaço localizado, não limitamos e
restringimos a ligação do santo e um lugar apenas a essas localidades, mas também
englobamos esses efeitos às áreas urbanas. Menezes (1996 e 2004) demonstra a
efervescência dessas festas e outras atividades religiosas, como a benção de Santo
Antonio que atrai várias pessoas para o centro da cidade do Rio de Janeiro, todas as
terças-feiras.
Em relação a isso, podemos refletir que o peso e desdobramentos do santo e suas
festas podem ser ainda mais fortes quando, além de vínculos com igrejas e/ou
irmandades religiosas, sua devoção estiver entrelaçada com outros setores sociais do
lugar, tais como: cultural-artístico, político, econômico, etc. O caso de São Jorge no Rio
de Janeiro, que analisaremos a seguir, demonstra bem esta polivalência de relações e
intercâmbio do religioso com outros domínios sociais, tornando-se um bom caso para
refletirmos sobre a “religião” e seu campo plural, como também sobre aspectos e
configurações da cidade que não apareceriam em dados e fontes de outra natureza.
As comemorações de São Jorge se entendem a várias localidades do Estado do
Rio de Janeiro. Além das festividades em igrejas, também podemos encontrá-las em
terreiros, cavalgadas, feijoadas, sambas, batucadas, carreatas e shows. Na virada do dia
22 para o dia 23, exatamente as 0:00, quem estiver num local perto de algum morro
carioca poderá acompanhar uma grande salva de tiros e fogos. É comum encontrar
imagens de santos em locais de tráfico, assinalando algum tipo de devoção e proteção, a
iconografia de São Jorge, sentado no corcel branco com sua lança atravessando um
dragão, é bastante recorrente. O santo conhecido como guerreiro com suas armaduras
medievais, protetor contra inimigos e quaisquer malefícios, é utilizado para “fechar” o
36
Inaugurada mais uma igreja no ano de 2006, em Santa Cruz, onde a festa ocorre com
cavalgadas há 47 anos, mais precisamente.
38
corpo das pessoas como amuleto
37
- “armas de fogo em meu peito o alcançarão”
38
.
Assim, ele possui grande representatividade, tanto com bandidos quanto com policiais
39
.
Além de ser patrono do Corpo de Bombeiros e da Cavalaria da Polícia Militar,
São Jorge também é de várias escolas de samba carioca: Estácio de Sá, Salgueiro,
Império Serrano, União da Ilha, Beija-Flor de Nilópolis, Império da Tijuca, dentre
outras. Em dia de comemoração do santo ocorrem festas em vários terreiros de samba.
Praticamente todas as quadras, nas quais o santo é patrono, celebram-no, sobretudo com
feijoadas
40
e samba; todavia, também podemos encontrar na programação dessas missas
realizadas em suas quadras, conforme vemos num anúncio de jornal:
Beija-Flor de Nilópolis: hoje, às 6h, alvorada com salva
de tiros. Às 9h, procissão de cavaleiros da Igreja de São
Sebastião até Nova Comunidade, onde haverá missa e
lançamento da pedra fundamental da nova Igreja de São
Jorge. Às 17h, carreata. Às 18h, missa e show de bateria
na quadra.
União da Ilha: missa às 20h, com apresentação da
direção, coroação da madrinha e show da bateria. (“O
Dia”, 23 de abril de 2005).
O Império Serrano mais de 40 anos realiza, durante a semana próxima à data
do santo, feijoadas com sambas e uma grande carreata que traz a imagem do santo num
carro do Corpo de Bombeiros e percorre vários bairros da zona norte situados na
proximidade de Madureira - local da escola de samba. É uma tremenda maratona
automobilística: sai da quadra do Império, passa num centro de Umbanda ligado à
escola de samba, chega para a Igreja de São Jorge em Quintino, passa na quadra da
escola Imperatriz e depois retorna ao lugar de partida finalizando com grande samba e
feijoada na quadra de samba do Império.
Além dessas festividades ocorridas durante a semana próxima à data e no dia de
São Jorge, o vínculo do santo com samba se evidenciou também dentro do enredo e do
37
O filme de Nelson Pereira dos Santos, 1979, O Amuleto de Ogum, demonstra muito bem o
“fechamento” do corpo de uma pessoa onde nenhuma arma o atinge e nem o fere, como a forte relação do
santo com os “bicheiros” representada pelo diretor na periferia do Rio de Janeiro da década de 70.
38
Trecho de uma das orações de São Jorge que tem sua letra musicada pelo compositor e músico
devotíssimo do santo Jorge Ben Jor.
39
Medeiros (1995) elaborou um interessante trabalho que, com base em entrevistas livres e semi
estruturadas entre policiais militares e detentos, indagou sobre violência, a imagem de São Jorge guerreiro
e sua devoção entre bandidos e policiais.
40
O feijão é uma comida de e oferecida para Ogum, daí essa a ocorrência de diversas feijoadas no
dia de São Jorge.
39
desfile da Sapucaí no carnaval desse ano (2007). Apesar das escolas de samba
enfrentarem alguns impasses na avenida com a Arquidiocese carioca no que refere a
utilização e menção de imagens religiosas, foi a primeira vez que uma escola de samba,
a Império da Tijuca escola do Grupo de Acesso A -, trouxe para a passarela um
samba-enredo todo em homenagem a um santo, São Jorge.
Fora do município do Rio de Janeiro, ocorrem festas em Itaguaí, São Gonçalo,
Niterói, Queimados, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Valença, dentre outros. Em Itaguaí
ocorre uma festividade para São Jorge quarenta anos, que é promovida pelo
babalorixá Jair de Ogum no Ilê da Oxum Apara. Esta festa é um grande evento desse
município, onde o local de sede do centro espírita é uma Casa de Cultura Santa
Cândida, que abriga e fornece atendimento e medicamentos para jovens da área. A
programação da festividade é extensa, contando com várias atividades, como também a
encontramos destacada em jornais do Rio de Janeiro:
A festividade começará com uma procissão, seguida de missa na
igreja Imaculada da Conceição. Depois, bailarinos farão
apresentações afro. Também haverá uma exposição de esculturas
africanas. A festa continuará com homenagens a personalidades,
como o vereador Jorge Babu, entre outros, seguida de um coquetel. A
cerimônia em homenagem a Ogum, São Jorge para os umbandistas,
está marcada para começar às 22h. (“Extra”, 22 de abril de 2004).
Em Santa Cruz, bairro limítrofe do município do Rio de Janeiro com o de Itaguaí,
os festejos para o santo ocorrem num palco armado no Largo do Bodegão durante uma
semana que antecede o dia 23 de abril, vindo a culminar nessa data com uma enorme
cavalgada existente há mais de quarenta anos, que percorre algumas ruas da proximidade
do local. Nesse palco armado, além de missas, ocorrem diversas atividades culturais,
como apresentações de músicos, cuja agenda fica sob responsabilidade do então
deputado estadual, Jorge Babu, que é integrante da irmandade de São Jorge desse bairro
do Rio de Janeiro
41
.
Na zona norte e oeste do Rio outras festas são celebradas, como em Inhaúma,
Bangu, Campo Grande, Jacarepaguá, Quintino, dentre outras. Todas essas o
comemorações realizadas por igrejas e capelas, possuindo em suas programações a
missa da alvorada, 5h, dentre outras celebradas ao longo do dia, e procissões em
41
Essa irmandade, como comentado anteriormente, inaugurou uma igreja para São Jorge num
terreno dessa associação no Largo do Bodegão, com auxílio de verba pública, da prefeitura do Rio de
Janeiro.
40
homenagem ao santo. Dentre essas comemorações, a do bairro de Quintino se destaca,
tanto por ser uma paróquia, quanto pelo tempo de existência da festa e pela quantidade
de pessoas que a freqüentam.
Na zona sul e central da cidade do Rio de Janeiro temos a festa de São Jorge na
Igreja situada no centro da cidade, região de intenso fluxo de pessoas e um bairro
estritamente comercial, como nos deteremos mais adiante em nossas análises no capítulo
3. Além dessa festa de igreja, podemos encontrar em casas noturnas shows de músicos e
compositores em homenagem ao santo guerreiro. Desde alguns anos, ocorre um evento,
“Salve, Jorge!”, que reúne vários músicos para prestar homenagem ao santo guerreiro.
No entanto, essa comemoração musical que ocorria em local fechado, com cobrança de
ingresso na entrada, em 2007, ocorreu na praia de Copacabana, aberto ao público. O
show “Coisa de Jorge”, que se transformará em CD e DVD ao vivo, reuniu os músicos
Jorge Ben, Jorge Aragão, Jorge Vercilo e Jorge Mautner, além da participação do
ministro da cultura, Gilberto Gil.
Dessa forma, a partir das variadas festividades, de intensa publização na mídia
carioca e da grande quantidade de adesivos e blusas com a imagem do santo podemos
pensar na interface plural do religioso, interpenetrado por distintos setores sociais.
Diante do intercâmbio de práticas religiosas com meios de comunicação de massa,
sobretudo em estudos entre evangélicos neopentecostais e católicos carismáticos,
podemos encontrar alguns autores que apontaram para novos discursos, práticas e
experiências, como também numa estratégia de ação diante de uma sociedade de
consumo, (Carranza, 2006; Mariz, 2006). Carlos Steil e Ari Pedro Oro (2003)
verificaram que a imbricação da lógica do mercado com um fenômeno religioso
contribui para potencializá-lo e popularizá-lo. Nesse sentido sobre o impulso dado a um
símbolo ou eventos religiosos oriundo de uma lógica do mercado, também podemos
complementar a influência midiática em torno deles a ponto de pensarmos numa certa
“modização”.
“O Jorge é POP: Santo Guerreiro que tem seu dia amanhã conquista
famosos e se mantém na moda.” (“O Dia”, 22de abril de 2005)
Diante das inúmeras releituras do passado do culto de São Jorge no Brasil e, em
especial, no Rio de Janeiro, escolhemos como uma das peças do nosso quebra-cabeça a
estreita relação do santo guerreiro com a procissão de Corpus Christi. Assim, aliados a
41
essas informações, verificaremos de perto outra forma de tornar pública a imagem e as
festas de São Jorge, oriunda de uma mudança na demarcação do tempo da cidade do Rio
de Janeiro, que, em seu calendário, transformou, no final de 2001, o dia desse santo -
outrora apenas uma data comemorativa de cunho religioso - em feriado municipal, i.e.,
em uma data pública que afeta a outros setores sociais com um dia de não-trabalho.
42
CAPÍTULO II
Falamos na medida de tempo como se fosse uma
coisa concreta à espera de ser medida; mas de
fato nós ‘criamos o tempo’ através da criação de
intervalos na vida social (Leach,1974:207).
Neste capítulo não pretendemos discutir profundamente a noção do tempo, o
que, certamente, requereria uma dissertação completa; o que nos interessa neste
momento é pensar questões pontuais que nos serão úteis na análise do surgimento do
feriado de São Jorge na cidade do Rio de Janeiro. Para a realização do debate e
desnaturalização do tempo, sobretudo do calendário, não colocaremos em diálogo
apenas autores da antropologia, mas outros de duas áreas adjacentes e complementares:
sociologia e história.
Iniciaremos o capítulo com o questionamento da noção de tempo; em seguida,
analisaremos alguns aspectos do nosso calendário Gregoriano, pensando em sua história
e em sua referência atual; no terceiro tópico nos voltaremos para a questão dos feriados
religiosos na legislação brasileira considerando a dimensão oficial do calendário em
vários âmbitos estatais; no quarto tópico, partiremos para uma análise que acompanha a
oficialização do feriado municipal no dia 23 de abril. Assim, procuraremos
problematizar a elaboração do calendário, mostrando como algo que nos parece tão
familiar depende de uma série de disputas e negociações complexas. A instituição de
um feriado (que qualifica o dia em não-útil para a grande parte dos setores sociais de
uma localidade), diante de nosso tempo mercantil de trabalho, de lucro e de consumo,
torna-se um locus interessante para analisarmos essa situação conflituosa, ainda mais se
o dia em questão for de ordem religiosa no quadro de um regime pautado formalmente
em princípios laicos, como nosso Estado brasileiro.
43
1. O tempo e suas técnicas de mensuração.
É algo bastante comum, e que não nos causa estranhamento, o fato de estarmos
cercados e carregados por instrumentos de medição do tempo como calendários,
relógios e marcadores meteorológicos. Se nos perguntam sobre o tempo, em relação ao
dia e as horas, facilmente sabemos dizer com precisão o segundo, minuto, hora, dia, mês
e o ano em que estamos. sobre a previsão climática, por mais que não tenhamos total
certeza, sabemos falar algo sobre suas condições.
O tempo, através de seus aparelhos de calculá-lo, de sua materialidade, nos é
bem familiar. Mas falar sobre o que é o tempo, o porquê de o calcularmos e de pensar
como ocorreria num passado mais longínquo, não é uma tarefa tão fácil. O tempo é algo
a que não sabemos responder de forma única e consensual, mas, no entanto, todos nós o
sentimos no dia-a-dia, seja com as passagens do sol e da lua, seja com o envelhecimento
de nossos corpos. O que não estamos acostumados é com a sua desnaturalização, os
modos de calculá-lo nos orientam de tal maneira que não nos trazem problemas ou
ambigüidades de informações (Elias, 1998).
Por mais que hoje estejamos numa "ditadura do relógio", da exatidão na
contagem numérica das horas e dos dias, via calendários, principalmente quando se
trata de grandes cidades
42
–, o tempo não é número, ele deriva e está relacionado
intimamente aos ciclos e repetições da natureza e, ainda, às ões humanas. Se
regressássemos uns séculos atrás, num incipiente burgo europeu, nos depararíamos com
outras maneiras de olhar e até mesmo de sentir o tempo transcorrer. Ao invés de
estarmos presos como nos encontramos, padronizados global e mundialmente sob
instrumentos de medir o tempo, talvez estivéssemos ainda nos orientando pelo percurso
42
A preocupação com a expansão da divisão de trabalho e dos tipos de relacionamento humano,
somados a exatidão de coordená-los numa cidade, já fora tema de reflexão de grandes pensadores.
Simmel (1996) em “A Metrópole e a Vida mental”, que fora publicado pela primeira vez em 1902, reflete
sobre o significado da vida moderna, sobretudo, na equação entre as múltiplas e diferentes estruturas de
valores que a metrópole produz e o conteúdo individual. Através do contraste com a vida rural, o autor
vai desenvolvendo ao longo de seu artigo a preocupação em relação à acomodação da personalidade
individual frente às forças externas urbanas.
44
dos astros ou pelas baladas dos sinos, através dos ângelus da manhã e da tarde em
grandes campanários associados ou não às igrejas.
43
Na formação da antropologia, o encontro com outras formas de vidas bem
diferentes das conhecidas no mundo ocidental europeu foi uma grande base de dados
empíricos ao debate teórico desta disciplina. Pensar de forma comparativa sobre
configurações sociais “exóticas” e/ou “primitivas” era também colocá-las numa
discussão temporal e evolutiva (“selvagem”, “barbárie” não modernos x
“civilizados” modernos). Contudo, mesmo com diferentes procedimentos
metodológicos desenvolvidos mais tarde e aplicados no campo antropológico, este
encontro com o outro acabava por incitar uma localização temporal e espacial. Assim,
dentro da investigação antropológica, podemos nos referir ao tempo como uma temática
cara na reflexão deste campo investigativo, pois mesmo sem ser questionado
diretamente e sem ter grandes teorizações conceptuais (Cavalcanti, 1999), ele sempre
fora suscitado.
Na perspectiva antropológica cujo centro são as análises voltadas às questões
simbólicas e rituais, o tempo fora algo mais problematizado no que concerne a sua
elaboração e sua categorização (como constroem e sentem as variações temporais).
Pesquisadores com este interesse destinaram alguns capítulos analíticos e descritivos às
noções temporais. Nestes enfoques de pesquisas, tempo e espaço tornam-se
fundamentais na construção e na demarcação de um novo estado de relações e
situações
44
. A categoria tempo passou a ter significação conjuntamente equacionada e
interligada às diferentes atividades da vida social, associando-a a um forte conteúdo
simbólico. Nesta direção, em inúmeros estudos de caso, verificava-se como a noção de
tempo se diferenciava de uma sociedade para outra. O tempo servia para demarcar
43
Le Goff (2005) comenta que a introdução dos ângelus da manhã e do fim da tarde serviu, com
sua data de invenção no século VII, como uma forma de sonoramente enquadrar a vida dos habitantes.
Ainda hoje podemos notar a presença dos toques dos sinos situados ou não em igrejas, marcando as horas
do dia.
44
Em alguns estudos voltados para este tipo de pesquisa podemos destacar como exemplos os
trabalhos de Durkheim (2000), Mauss (1974) e Evans-Pritchard (1981). Durkheim (2000) em seu livro,
As Formas elementares da vida religiosa, demonstrou como a demarcação do tempo, como num
calendário, está intrinsecamente ligada à realização de ritos, cerimônias e festas. A periodicidade destas
celebrações marcaria a mudança de um estado para outro, além de reforçar os laços constituintes da vida
coletiva. Mauss (1974) no Ensaio sobre as variações sazonais das sociedades esquimós analisou como
toda a morfologia e práticas sociais mudavam de acordo com as estações do ano do verão e inverno.
Evans-Pritchard (1981) em Os Nuer destacou a importância para o povo nilota de dois tipos de tempos: o
ecológico e o estrutural. As demais temporalidades o possuíam importância. Apesar de o tempo ser
ordenado de acordo com alterações naturais e sociais, Evans-Pritchard percebeu que as sensações
temporais eram oriundas, sobretudo, nas mudanças nas diferentes atividades sociais.
45
diferenciações nas ações humanas. Assim, dentro das múltiplas temporalidades pelas
quais o tempo é percebido nas ciências humanas (tempo histórico, tempo, estrutural,
tempo físico ou matemático, tempo individual e etc.), a antropologia enfatiza,
sobretudo, a noção temporal que se conecta à dinâmica da vida social, que a regulariza e
coordena: o chamado tempo simbólico ou estrutural que se caracteriza pela idéia de
repetição dos acontecimentos, diferentemente do tempo histórico configurado pela
sucessão dos fatos, cuja sensação experimentada é a de progressividade e a de não-
repetição.
No pensamento do antropólogo inglês Edmund Leach (1974), observamos uma
preocupação com o nosso tempo moderno-contemporâneo, ao invés da descrição do
tempo de “outros povos”. Através da busca do significado da palavra time na língua
inglesa e fazendo contraponto com histórias mitológicas gregas
45
, Leach notou que o
termo possui um amplo campo de sentidos, o que dificulta sua tradução em outras
línguas, de dentro, e fora do continente europeu. Um problema bastante intrigante e
inerente à antropologia: a tradução de um saber local em nomes e conceitos conhecidos
e familiares ao universo dos pesquisadores; é a tarefa do antropólogo num constante
bordejar entre a “realidade-distante”, nativa, e a “realidade-próxima”, do antropólogo
(Geertz, 1997).
Leach (1974), a partir da noção inglesa, verificou que a noção de tempo adquire
papel fundamental na vida dos indivíduos hoje em dia, principalmente, de duas formas:
uma na noção de repetição e a outra na não-repetição. A primeira, com base na
repetição dos fenômenos da natureza, refere-se a alguma coisa que sempre se repete.
a segunda é a noção da não-repetição, é a consciência de que as coisas nascem, crescem
e morrem, e de que as mudanças da vida são irreversíveis. Apesar de considerar que
ambas as noções de tempo convivem lado a lado num mesmo momento, o autor acredita
que atualmente maior ênfase na segunda noção, devido ao forte posicionamento da
visão científica moderna que tende a enfatizar o aspecto irreversível do tempo.
A reflexão sobre as distintas temporalidades em nosso mundo “próximo”
aparece também no trabalho de Maria Laura Cavalcanti (1999). Ao se questionar sobre
45
Como constatou Leach (1974), o tempo para nós, contemporâneos, é algo materializado nos
relógios e a alma é algo imaterial, mas para os gregos isto se apresentava de maneira contrária, era o
tempo uma abstração e a alma algo materializado. O tempo grego era constituído por analogia à alma,
sendo, portanto, uma metáfora a uma substância concreta, assim como as relações sexuais. Com isso, o
autor diz que é o coito sexual que fornece a imagem primária do tempo para os gregos.
46
as formas pelas quais o carnaval se mantém vivo, diante do constante e presente
processo dialético de cristalização e renovação, a autora percebe a comunicação do
tempo estrutural e do histórico num diálogo entre o desfile carnavalesco e o tempo.
Vivendo sob a confluência de distintas dimensões temporais, o carnaval, com seu tempo
próprio – que começa com o término do último desfile e vai até o momento do posterior
–, depara-se com o calendário oficial católico; o ciclo de festas e trabalhos inseridos
dentro de um ciclo maior do ano litúrgico e, ainda, com acontecimentos importantes do
mundo passado e recente. O tempo do desfile, como apontou Cavalcanti, acaba por
integrar de uma só vez todas estas formas temporais.
A percepção desta relação de distintas dimensões temporais num mesmo
acontecimento, sem apenas enfatizar a dimensão estrutural como elemento fundamental,
é para a antropologia um processo alargador de sua visão. Realça-se, com isso, uma
visão multiplex dos fatos, a qual confere não apenas uma coerência através da harmonia
da dinâmica e da estrutura social, mas também pelo seu conflito e seu drama,
ressaltando um universo complexo cheio de ambigüidades e paradoxos
46
. “De fato, na
análise estrutural clássica, a estrutura se afastava do evento e da história quanto dos
sujeitos que, afinal de contas, falavam, usavam, desfrutavam e produziam seus mitos e
rituais” (Da Matta, 1997).
Desta forma, outros processos, como o histórico e o individual, ganham
importância na análise social atual
47
. Todavia, este processo de intercambio da história
com disciplinas das ciências sociais nem sempre fora dado assim de forma tão
relacional, como também ainda não o é. A noção de tempo é um exemplo peculiar nesse
aspecto, pois, como apontam os autores Rajchenberg e Héau-Lambert (2002), esta
sempre fora tratada de forma restrita às análises históricas, como sendo seu objeto de
estudo por excelência
48
. Tanto a antropologia quanto a sociologia, constituídas numa
46
Podemos encontrar nos trabalhos de Victor Turner (1957, 2005) importantes dados empíricos,
analíticos e metodológicos concernentes ao processo dialógico e plural de um dado acontecimento, que
permite explicitar variadas combinações entre tipos de relações e situações, vistas tanto num corte
sincrônico, quanto diacrônico.
47
Entre vários autores que ressaltam o valor da história na antropologia podemos citar Sahlins
que, com formação nas duas disciplinas, afirmou: “O que os antropólogos chamam de ‘estrutura’ as
relações simbólicas de ordem cultural é um objeto histórico.” (Sahlins, 2003: 8). Quebrando, portanto,
uma dicotomia recorrente nas ciências sociais.
48
Como destacam os autores Rajchenberg e Héau-Lambert (2002), apesar do tempo, no sentido
mais teórico do termo, ter sido algo por muitas vezes deixado à margem por antropólogos e sociólogos,
esta concepção é um elo integrador das disciplinas humanas e deve cada vez mais chamar a atenção para
este lado interdisciplinar.
47
ciência de observação, baseiam suas análises em objetos que estão localizados espacial
e temporalmente numa determinada sociedade. Mesmo que em alguns autores, como em
Max Weber com a idéia de uma sociologia histórica –, as fronteiras entre as
disciplinas tenham sido reduzidas, o tempo o fora teoricamente o objeto em questão.
A tentativa mais forte para esta problematização veio recentemente com as pesquisas de
Elias (1998): “La relevancia del esfuerzo reflexivo de Norbert Elias, basado en el
intento de articular estructura y agency, radica precisamente en la sociologización del
tiempo.” (Rajchenberg e Héau-Lambert, 2002:290).
Em Norbert Elias, sociólogo alemão, a história possui um peso essencial para a
decodificação de qualquer código e símbolo social. Em Sobre o Tempo, Elias (1998),
através da aplicação do que chamou de sociologia evolutiva, desnaturaliza o tempo e
suas técnicas de mensuração. O autor considera que podemos evidenciar muitas coisas
sobre nós humanos, das quais nunca imaginaríamos, diante da dissecação da história do
tempo e de suas técnicas. Pois, como afirma, o tempo é um construto social, uma
representação simbólica de uma vasta rede de relações entre o físico, o social e o
individual, que deriva de um longo processo de aprendizagem de um saber. Portanto, o
tempo é uma comunicação humana efetuada por símbolos sociais que estabelecem
conexões com processos físicos; o tempo não é algo apriorístico, mas um saber
cumulativo e padronizado.
O homem sozinho, afirma Elias (1998), não é capaz de formular o conceito de
tempo. Na verdade, o autor considera que “todo homem pressupõe outras condutas
antes dele” (op. cit.: 19). Neste sentido, o tempo é resultado de uma equação de trocas
sociais relacionadas com acontecimentos naturais, que contribui para regular e
padronizar condutas sociais. Por mais que o tempo tenha um caráter particularista e,
como veremos na própria construção do calendário Gregoriano, uma pessoa possa
tomar a frente em decisões importantes e renovadoras, o contexto no qual está inserido é
fundamental na ação deste sujeito.
A transformação de um feriado em nossos dias, apesar de resultar de um projeto
individual, é aceita e ganha adesão após passar por um conjunto de avaliações. Isto
supõe uma ação coletiva que nem sempre ocorre de forma fluída e sem impasses. No
caso do projeto de lei do feriado municipal ao dia de São Jorge, na cidade do Rio de
Janeiro, ocorreram alguns embates interna e externamente à Casa Legislativa local de
origem desse projeto. Na justificativa desse projeto de lei, que descreveremos mais
adiante, aparecem elementos que tornam a realização do feriado um construto coletivo,
48
não apenas resultado de um anseio individual e tampouco exclusivista de uma religião.
O autor, vereador Jorge Babu (PT), utilizou-se de aspectos históricos e atuais que
acabaram por interligar dimensões temporais distintas, contribuindo para ampliar o raio
de abrangência deste santo e, por conseguinte, sua importância, a ponto de ter sido
criado um feriado em sua homenagem.
Assim, as observações levantadas sobre o tempo como uma elaboração e,
concomitantemente, um reflexo do social e coletivo, nos servirão de importantes
ferramentas analíticas. No ponto a seguir, faremos uma sucinta menção histórica ao
calendário Gregoriano e sua formação, para, então, introduzirmos seu contorno atual e
apresentarmos o campo de disputas presente na elaboração e ordenação das datas
comemorativas e feriados.
2. A demarcação de um tempo e seu calendário
As noções consensuais sobre a padronização dos medidores do tempo de forma
global nem sempre foram assim para todos. Em relação aos calendários, dado que nos
interessa ressaltar, inúmeras discussões e reformulações foram travadas (Elias, 1998 e
Le Goff, 1984; 2005). O calendário em sua etimologia deriva da palavra latina calendar
dias a serem proclamados. Ou seja, trata-se de uma organização de horas em dias que
tem como função a regulação das atividades sociais com os processos naturais,
tornando-os públicos a todos. Entretanto, essa noção de “proclamação” também está
associada cada vez mais em nosso mundo contemporâneo à qualidade do dia no sentido
do que está sendo homenageado ou comemorado.
Com o intuito de desenvolvermos a análise, centraremos nossas observações
sobre o calendário a partir de dois vetores que consideramos atuantes e condutores em
sua formulação atual: um religioso – mais antigo, mas nunca abandonado; e o outro não
religioso – que, por sua vez, se subdivide em cívico e econômico.
Tomando como ponto de partida o modelo mais antigo, mas que continua a
influenciar nossas vidas de forma distinta, é claro verificamos, na construção do
nosso calendário atual, influências da Roma Antiga e do Cristianismo, sobretudo, na
Idade Média. Para chegarmos ao que nos norteia hoje, algumas reformas foram
49
efetuadas. Na antiga Roma republicana, o controle do tempo e seu anúncio oficial eram
efetuados por um colégio de sacerdotes dirigidos pelo pontifex maximus, que, apesar de
respeitarem o calendário do Estado, podiam alongar ou encurtar o tempo de acordo com
interesses e poderes de certos grupos, deixando-o à deriva de lutas de poder. Júlio
César, 46 a.C., notou, ao assumir o poder, a desorganização que se instalara no
calendário de Roma e decidiu reformulá-lo. Com apoio de astrônomos egípcios,
transformou as unidades do tempo em correspondência aos movimentos da Lua e do
Sol. Assim, construiu um ano de doze meses e trinta dias, e para aproximar os cálculos
ao do ano solar, retirou um dia do mês de fevereiro e distribui seis dias sobressalentes
em seis meses ímpares, transformando-os em 31 dias. Foram colocados os meses
agosto, em homenagem ao imperador Augusto César, o mês de julho, em homenagem a
Júlio César, e janeiro, ligado a um deus romano, ‘cabeça de janus’, que olhava
simultaneamente para trás e para frente (Elias, 1998 e Le Goff, 1984).
Na Idade Média, até o fim do século XVI, inúmeras mudanças foram realizadas
no calendário. O tempo cristão medieval com o ano em dozes meses continuou com a
datação do tempo juliano, de lio César, mas também se modificou: colocou como
central, a partir do calendário judeu, a celebração da Páscoa (a ressurreição de Cristo); e
enfatizou a noção de semana na forma de um ritmo de trabalho de sete dias e de um
descanso dominical como algo sacralizado:
A semana é a grande invenção humana do calendário; a
descoberta de um ritmo que tem cada vez mais peso nas
sociedades contemporâneas desenvolvidas. Poucos povos
ignoram a semana. [...] A grande virtude da semana é introduzir
no calendário uma interrupção regular do trabalho e da vida
cotidiana, um período fixo de repouso e tempo livre. A sua
periodicidade pareceu adaptar-se muito bem ao ritmo biológico
dos indivíduos e também às necessidades econômicas das
sociedades. (Le Goff, 1984:280).
Nesse período também fora determinada a data do nascimento de Jesus Cristo
que desdobrou a demarcação do tempo em antes e depois de Cristo. Além desse feito,
inaugurou-se também o calendário litúrgico ciclo do nascimento, morte e
renascimento – que se somou ao calendário cíclico utilizado desde a antiguidade. O ano
litúrgico é a história da Salvação. Começa com o advento, período em que se espera a
vinda, o dia da Natividade – o Natal, o nascimento de Jesus fixado no dia 25 de
dezembro, desde o ano 354. Depois o ano litúrgico segue com a Páscoa, ponto central
50
o dia da Ressurreição de Cristo –, e mais adiante com Pentecostes, quando os discípulos
recebem o Espírito de Jesus que sobe aos céus. Desta forma, a noção de repetição que se
instaura com o calendário litúrgico adveio da comemoração da vida de Jesus.
Le Goff (2005) afirma que o tempo definido por celebrações – como as dos atos
da vida de Jesus Cristo – se fortalece ainda mais com a introdução dos santos no
calendário. Todas essas celebrações, tanto do ano litúrgico, quanto dos santos
principalmente as de maiores destaques conforme cada região –, formam ciclos festivos
que contrastam com os dias de trabalho
49
. Cria-se, portanto, tempos de festas e tempos
de trabalho que são poderosas marcações nos calendários da maioria do mundo; entre
um festival e outro, formam-se períodos (Leach, 1974), como a Quaresma que se situa
entre o carnaval e a Páscoa. Como veremos mais adiante, esses períodos cumprem papel
condutor na vida das pessoas e estão expressos em diferentes situações que podem ser
observadas tanto no comércio, em suas propagandas publicitárias, quanto nas escolas
em suas atividades curriculares, por exemplo.
No final do século XVI ocorre uma última grande mudança no calendário que
conhecemos e pelo qual nos orientamos em nossos dias. Diante do desencontro que
estava ocorrendo entre as atividades humanas e os ciclos do Sol e da Lua, definidos no
calendário juliano, o papa Gregório XIII, com a ajuda de astrônomos, criou uma
reformulação a respeito da disposição dos anos bissextos. Era, portanto, uma mudança
que correspondia mais a um ajuste do movimento dos astros às atividades humanas, do
que o contrário. Assim, fundou-se o calendário Gregoriano como resultado do anúncio
papal oficial emitido em 1582. Deste ponto em diante, receberia as “benções” da
cristandade quem aceitasse este calendário.
Após sua reformulação, a aceitação e assimilação foram sendo aderidas de forma
gradual até nossos dias, onde cumpre uma função de padrão oficial (mas não universal).
Os países protestantes demoraram um pouco mais para aceitar o calendário Gregoriano.
No séc. XVII a Inglaterra desenvolveu um novo conceito de temporalidade que permitiu
também expressar uma identidade nacional baseada na idéia de pátria e mito, na qual o
tempo e o calendário tornavam-se instrumentos poderosos para disseminar e celebrar
49
A concepção da divisão da vida humana em trabalho e festa fora uma temática bastante
explorada dentro das ciências sociais. Durkheim em sua obra clássica, citada anteriormente, sobre “As
Formas Elementares da Vida Religiosa”, de 1912, deu uma explicação capital sobre festas em oposição
aos dias rotineiros de trabalhos, que foi aceita por vários pesquisadores. Dentre estes podemos citar Roger
Caillois, com seu trabalho de 1939, no qual trabalha com uma teorização da festa como efervescência e
transgressão sagrada da monotonia da vida ordinária (Caillois, 2004).
51
uma cultura nacional interligada aos valores protestantes (Olick, 1998). Somente em
1752 a Inglaterra adota o calendário Gregoriano (Rajchenberg e Héau-Lambert, 2002).
O calendário sempre fora visto como um projeto de padronização e, por
conseguinte, de maior controle do tempo e de coordenação das tarefas sociais. Por essa
razão, não é casual que as mudanças no calendário tenham sido realizadas na
consagração de um novo chefe político, de um novo poder. Assim como ocorreu no
tempo de Júlio César, na revolução da França, com a implantação de um poder voltado
às idéias racionais e laicas, um novo calendário foi elaborado: um calendário decimal
que terminou com a idéia da semana de sete dias de trabalho e um de descanso,
colocando todos os meses com 30 dias e três semanas de 10 dias. A derrota do
calendário revolucionário com a retomada do Gregoriano, como afirma Le Goff (2005),
demonstra sua grande aceitação e força.
No entanto, a aceitação mais ampla do calendário, de modo geral, é efetuada
com a formação dos Estados-nações, devido à maior necessidade de padronização e
controle das diferenças, sobretudo, nas atividades que surgiam e proliferavam com o
processo de urbanização e industrialização. Além disso, é também nesse período que o
calendário vai ganhando contornos mais laicos, cujas celebrações voltam-se à
festividade civil e patriótica para construção de uma memória cívica.
A partir desse momento, com a formação dos Estados-nações e do processo de
industrialização e urbanização, o calendário no Ocidente passa a “proclamar” cada vez
mais símbolos cívicos como também um “tempo econômico”, que a uniformização
dos medidores de tempo torna-se essencial nas trocas comerciais. Rajchenberg e Héau-
Lambert (2002) comentam que a partir do processo de diferenciação do poder religioso
e político, a disputa de apropriação do tempo vai aumentando e estabelecendo novos
marcos temporais de celebração. É nesse momento que demarcamos o segundo vetor de
modelos atuantes e condutores na formação do calendário Gregoriano, com a entrada de
valores cívicos e econômicos, que vem se mostrando de forma crescente, chegando a
ponto de encontrarmos atualmente uma infinidade de dias celebrativos que evocam tais
valores.
Como vimos apontando, a demarcação do tempo em calendário é um construto
humano que resulta de uma comunicação simbólica, na qual o tempo esintimamente
ligado aos valores atuantes e correlacionado às atividades humanas. Na Idade Média,
vimos a construção de um calendário religioso que ganhou contornos e padrões
mundiais. A idéia de que com a modernização e juntamente com o processo de
52
diferenciação dos poderes, religioso e laico, o calendário tornar-se-ia cada vez mais
cívico como a tentativa da França em sua revolução (Rajchenberg e Héau-Lambert,
2002) – é em parte verdadeira e falsa.
Verdadeira, porque ao pensarmos na grande quantidade de dias comemorativos
que surgem observamos que a grande maioria refere-se à ordem cívica, e não religiosa.
Falsa, porque no calendário o ciclo maior que nos rege vem do ano litúrgico com seus
feriados e festivais, assim como a ordem da semana e sua divisão em dias de trabalho e
descanso, ambos de caráter religioso. Os dias comemorativos não alteram a norma de
trabalho e descanso, diferente dos feriados, e sua grande quantidade não vai contra,
portanto, à lógica do setor econômico de lucro. Vivemos num tempo moderno” no que
se refere aos aparelhos de alta tecnologia utilizados na medição do tempo e
demarcações dos dias comemorativos, entretanto, continuamos ainda bastante
vinculados, vivendo e sentindo um tempo construído há séculos, basicamente, por
Roma: seja pelos romanos de Júlio César seja pela Igreja Católica.
Mesmo com a tendência de institucionalização de dias comemorativos e feriados
de ordem cívica e econômica, principalmente pós - formação dos Estados-nações, nosso
calendário, de fato, não teve grandes modificações desde a última reforma, no final do
século XVI. Com isso, temos um calendário atual estruturado basicamente em valores
romanos e cristãos. Como aponta Le Goff (2005), é um tempo que a Igreja remodelou,
fazendo-o simultaneamente um quadro e um ensinamento de seus preceitos e valores.
Entretanto também encontramos calendários - Islâmicos, Hindus e Judeus - que
se baseiam em outros padrões (no intervalo entre duas luas novas, por exemplo) para
fins religiosos e rituais. Mas, mesmo com diferenças no sentido e na condução religiosa,
para as transações e negociações políticas e econômicas transnacionais, o calendário
Gregoriano prevalece de forma dominante. Assim, podemos dizer numa unificação e
padronização do tempo, diante das distinções religiosas, através de valores econômicos,
onde temos uma marcação temporal que está intimamente associado a ordens numéricas
e de valor: tempo é dinheiro! Um tempo em que o trabalho e o consumo pesam e
estabelecem medidas e padrões. Um tempo, como argumenta Elias (1998), que espelha
mais os símbolos humanos construídos do que os movimentos complicados do Sol e da
Lua.
Nesse tempo, que esestreitamente conectado à lógica do mercado tempo =
trabalho = dinheiro = consumo = lucro –, quais desdobramentos podem suscitar uma lei
cuja determinação estabelece mais um novo feriado, mais um dia de não trabalho em
53
nosso calendário? Ora, a sanção ou promulgação de um novo feriado resulta de projetos
políticos com causas variadas e que, diante da lógica do mercado reinante, assume, em
geral, uma espécie de força na contramão
50
.
3. Brasil: legislações e calendários oficiais
Nesta parte trataremos de enfocar mais especificamente como está estabelecida
nossa legislação em nível nacional sobre feriados, para, assim, refletirmos sobre nosso
calendário federal e, particularmente, estadual e municipal do Rio de Janeiro. Com isso,
adentraremos em nosso estudo de caso observando a transformação do 23 de abril, dia
de São Jorge, em feriado municipal da capital fluminense.
Podemos perceber em nosso calendário que existe dia comemorativo para tudo:
dia da fundação da cidade, dia mundial da saúde, dia da bandeira, dia mundial contra a
AIDS, dia do professor, dia mundial da água, dia da favela, dia do beijo, e assim por
diante. Além desses dias comemorativos temos também em destaque os feriados.
A palavra, feriado, vem do latim feriatu, referente a dias de festas (Le Goff,
1984). Em dicionários brasileiros, como no Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa (Ferreira, 1986), encontra-se a palavra feriado referente a dias de
interrupção do trabalho; dias livres; que por determinação civil ou religiosa, suspende o
trabalho; dia santo. É relevante observar que a palavra designa tanto não trabalho
quanto dia de festa e de santo, ponto que assinala uma íntima relação do o trabalho
com datas religiosas, como fica explícito em nosso calendário brasileiro (nacional
oficial) que possui seis feriados religiosos no total de 11.
O dia considerado feriado é uma data em que determinada ocasião é
comemorada por uma nação, comunidade, religião, grupo étnico ou classe trabalhista.
Os governos podem instituir feriados em vel federal, estadual (ou regional) ou ainda
municipal, dependendo da extensão da importância da data a ser comemorada. Esses
feriados podem ser determinados obrigatórios, ou seja, dispensa do trabalho, o dia
50
O caso da tentativa de instituir um feriado nacional ao primeiro santo católico brasileiro, o Frei
Galvão, ao seu dia de canonização - 11 de maio é exemplar e demonstrativo. O projeto de lei inscrito
pelo senador Francisco Dorneles (PP-RJ) intensificou o debate em torno da quantidade de feriados
brasileiros, ainda mais de ordem religiosa. E o projeto foi vetado justamente pela quantidade de feriados
já existente.
54
torna-se “não util”
51
; ou facultativos ("ponto facultativo"), caso em que as organizações
têm liberdade para acatar ou não à dispensa do trabalho. Há ainda ocasiões em que
apenas uma parte do tempo do dia é considerada uma paralisação dos ofícios.
Cada feriado possui sua razão de acontecer em determinada data, e esta pode ser
fixa, isto é, acontecer todos os anos no mesmo dia e mês, como o Natal, que sempre
ocorre no dia 25 de dezembro, ou móveis, relativos a alguma outra data ou período do
mês, como por exemplo o Carnaval e a Páscoa (no caso, todos de caráter religioso). É
interessante notar que apesar do calendário ter uma padronização mundial, os dias
comemorativos e feriados se modificam entre países como também entre estados e
cidades.
Na Constituição federal brasileira de 1988, modificada pela lei 9.093, de
1995, assinada pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso, determina que os
feriados civis e religiosos são:
Art. 1º São feriados civis:
I - os declarados em lei federal;
II - a data magna do Estado fixada em lei estadual;
III - os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do
Município, fixados em lei municipal.
Art. São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei
municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a
quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.
Verificamos nesta lei que é permitida a elaboração de feriados religiosos. Existe
um reconhecimento como também limite aos feriados religiosos, que, em sua
maioria, ficam mais destinados ao nível municipal. Apresenta-se, portanto, uma
conciliação entre reconhecimento e limitação do religioso: existem feriados
“religiosos”, mas seguem uma “tradição” e têm seu número limitado.
Atualmente, em nosso mundo global, podemos ver vários dias comemorativos
de caráter internacional, que espelham e corroboram a idéia de coletividade, de
sentimento e pertencimento que não é apenas local. Entretanto, mesmo assim, ainda
predominam os dias de caráter mais local, relacionados a cada nacionalidade. Aqui no
51
Interessante observar que a mesmo a idéia de utilidade ao dia é usualmente associada ao
trabalho. Isto demonstra e reafirma o quanto vivemos num mundo que valoriza o trabalho, o quanto o
tempo equivale ao trabalho e ao dinheiro em oposição ao dia de não-trabalho, de festa, ócio e etc.
55
Brasil, de forma geral, os feriados e dias comemorativos são oriundos de projetos de lei
elaborados por vereadores, deputados (estadual ou federal) e senadores. Após sua
elaboração, o projeto segue um trâmite interno, ou seja, passa em cada instância
elaborada (seja a Câmara de deputados, vereadores ou no Senado), onde o presidente
desta o encaminha para outra instância superior, achegar ao representante máximo de
cada nível administrativo e ser sancionado, ou não. Caso o projeto vire lei, esta pode ser
sancionada ou promulgada. O primeiro caso ocorre quando o representante máximo se
manifesta a favor, e o segundo, quando ele não se manifesta durante o prazo
estabelecido, e o projeto então retorna à instância administrativa para ser promulgado,
ou não, pelo presidente desta.
No site da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro
52
podemos ter acesso aos
trâmites dos projetos de lei e às próprias leis que foram sancionadas e promulgadas
recentemente. A variedade de projetos e de leis é imensa, encontramos desde a
nomeação de uma praça em homenagem a alguém, até a criação de um Fundo
Municipal Antidrogas
53
. Incluídas na extensa lista, estão várias leis que remetem à
criação de dias e semanas comemorativos. Parece uma moda atual o ato de legislar uma
data em comemoração ou homenagem a alguém ou algo.
Numa reportagem recente do jornal “O Globo”, 22 de abril de 2007, uma disputa
interna dentro da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro é descrita, aludindo muito
bem a esta “modização” em estabelecer um dia comemorativo. No caso, o “duelo” se
dava entre dois vereadores, onde cada um queria declarar, dentro do calendário oficial
do Rio de Janeiro, um dia de celebração a um time de futebol carioca: “A Câmara de
Vereadores do Rio vive estes dias um curioso clima de Flamengo x Vasco”.
A idéia de definir uma data para homenagear e celebrá-la contribui para dar
maior visibilidade àquela temática definida ao dia, no sentido de divulgá-la e
possibilitar atração e investimentos para futuros projetos de uma determinada área.
Assim podemos pensar no nosso calendário, ao vermos os dias destinados a algum tipo
de comemoração como uma pauta de agendas políticas e sociais, servindo como uma
maneira de enquadrar e enfatizar determinada importância a algo em questão. Diante de
um mundo plural e com normas democráticas vigentes, de igualdade e respeito ao
próximo, é cada vez mais comum ter uma vastidão de referentes como título de
homenagem em nossos dias.
52
www.camara.rj.gov.br
53
Como estipula a lei n°4170/2005 de autoria do Poder Executivo.
56
Com isso, tanto o dia comemorativo quanto os feriados lembram algo a ser
celebrado e reverenciado. Todavia, vemos que a quantidade de dias comemorativos em
relação aos feriados é bem maior. Uma das respostas para isto está na própria diferença
entre o que é cada um, apesar da semelhança mencionada do caráter comemorativo e
reverencial de ambos. Os dias comemorativos são dias normais de trabalho, não
ocorrendo sua interrupção; o que pode ocorrer são variados tipos de ações e projetos
que reverenciam e fortalecem a temática que pauta a homenagem. as datas
classificadas de feriados são consideradas como dias o úteis, como dia de o
trabalho, paralisando órgãos e setores da localidade em questão.
Entretanto, hoje em dia essa sanção de não trabalho não é efetuada da mesma
maneira para todos os setores laborais. Bancos e repartições públicas normalmente não
funcionam nos feriados; apenas quando um prolongamento do feriado, que torna
facultativa sua paralisação, pode ocorrer um funcionamento em horário especial. Em
empresas privadas o funcionamento em feriados pode ocorrer ou não, isto dependerá do
regulamento do contrato. Assim, dentre variados setores, o comercio é o que cada vez
mais torna seu funcionamento como um serviço de 24 horas, como numa emergência
hospitalar
54
. Em feriados, é muito comum ter lojas em funcionamento em shoppings
center, sobretudo nas áreas de lazer e alimentação, favorecendo o consumo e um tipo de
lazer (característica marcante de um dia de não trabalho).
Assim como era importante ser anunciado o calendário ao público em tempos
antigos, hoje também podemos verificar isto. Por mais que o calendário tenha um
formato estável e padronizado oficialmente, no site da Secretaria Executiva do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
55
, na passagem do ano, é lançada uma
portaria que anuncia os dias de feriado e pontos facultativos nacionais, servindo de
pauta aos setores, órgãos e entidades, principalmente no que concerne à Administração
Pública Federal direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo. Como se trata de
um anúncio do Governo Federal aparecem somente os feriados e dias facultativos em
nível nacional; ainda os feriados estaduais e municipais que cada localidade precisa
para agendar suas atividades.
54
As novas possibilidades de compra e venda via Internet enfatizaram ainda mais o mercado,
dando ao consumo uma pulsão incessante.
55
Site: www.planejamento.gov.br. Alguns dados, que virão a seguir, referentes aos órgãos
administrativos foram conseguidos via a rede de Internet, que atualmente funciona como uma grande base
de dados. Mesmo no caso em que há a possibilidade da consulta nas bibliotecas destes órgãos, os
assistentes destas indicam o material dos “sites” desses órgãos como fonte, ainda mais sobre o calendário
já que possui o caráter de ser público.
57
Os dados dessas datas com indicação prévia são essenciais, pois, auxiliam no
calculo de antemão das prestações dos serviços e no levantamento do orçamento do
próximo ano. Ao mercado financeiro, por exemplo, que opera por meios de
especulações, com contratos futuros fechados com antecedência e com valores
calculados nos dias úteis, a divulgação prévia torna-se imprescindível. Qualquer
mudança neste calendário oficial divulgado pode gerar transtornos, ainda mais no meio
do curso do ano como ocorreu, neste ano (2007), com o caso do feriado ao dia de
santificação do Frei Galvão, como mencionado.
Como é comum encontrar em qualquer agenda e calendário, em âmbito nacional,
temos 11 feriados: 1° de janeiro (dia internacional da confraternização); Carnaval, terça-
feira (data móvel); Páscoa (data móvel); 21 de abril (Tiradentes) ; de maio (dia
internacional do trabalhador); Corpus Christi (data móvel); 7 de setembro (dia da
independência); 12 de outubro (dia de Nossa Senhora Aparecida Padroeira do Brasil); 2
de novembro (dia dos mortos); 15 de novembro (dia da República) e 25 de dezembro
(Natal).
Porém, nos dados do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão aparecem
mais feriados e também a distinção entre estes e os pontos facultativos: de janeiro
(feriado nacional); segunda-feira de Carnaval (ponto facultativo); terça-feira de
Carnaval (ponto facultativo); quarta-feira de Cinzas (ponto facultativo até as 14 horas);
sexta-feira da Paixão de Cristo (feriado nacional); 21 de abril (feriado nacional); de
maio (feriado nacional); Corpus Christi (ponto facultativo); 7 de setembro (feriado
nacional); 12 de outubro (feriado nacional); 28 de outubro, Dia do Servidor Público
(ponto facultativo); 2 de novembro, Finados (feriado nacional); 15 de novembro
(feriado nacional); e 25 de dezembro (feriado nacional).
A diferença entre os dados não indica discrepância; apenas no segundo caso, via
fonte do governo federal, os dados são mais detalhados anunciando a qualidade de cada
feriado (se é facultativo ou não), além dos conhecidos dias em destaque do nosso
calendário. Mas, mesmo assim, podemos notar nesses dados sobre os feriados nacionais
que a quantidade de dias em homenagem a comemorações religiosas é maior do que os
dias em menção a comemorações de ordem cívica. Fato que evidencia a estreita ligação
do cristianismo na formação do calendário e, portanto, no controle do tempo, como
apontou Le Goff (1984, 1989 e 2005).
58
No calendário da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro - Alerj -disponível
na página da Internet
56
, encontramos destacados os feriados de cunho nacional, os
estaduais, os municipais, os escolares e os forenses (para Justiça Federal e Tribunais
Superiores)
57
. Em relação aos feriados em nível nacional, não diferenças com os
apresentados acima. O que aparece de novo o os feriados chamados de forense, da
nossa justiça, que paralisa suas atividades, além dos dias destinados aos feriados
nacionais, estaduais e municipais, e nos enforcamentos de dias entre final de semana e
feriados (que caem na terça e na quinta-feira): segunda e terça-feira de Carnaval e na
Semana Santa (quarta-feira até Domingo de Páscoa). O dia 15 de outubro, dia do
professor, aparece como feriado apenas para o calendário escolar. o feriado estadual,
o dia de Zumbi - 20 de novembro - o aparece no quadro, assim como não consta o
feriado municipal da cidade do Rio de Janeiro ao dia de São Jorge. Apenas o dia de São
Sebastião (santo padroeiro), 20 de janeiro, foi notificado neste quadro da Alerj como
feriado municipal.
Atualmente, em nível estadual, o Rio de Janeiro conta apenas com este feriado
de Zumbi, sem possuir nenhum feriado religioso. Em comparação a outros estados
brasileiros, o Rio de Janeiro está na média. Dos 34 dias de feriados estaduais brasileiros,
nove são de ordem religiosa referentes ao santo padroeiro ou de grande devoção –,
enquanto o restante, 25, o cívicos referentes a data de fundação e/ou emancipação
política do estado. A grande maioria dos estados
58
brasileiros corresponde a esta média,
seguindo à risca a lei n° 9.093/95, que em nível estadual permite a instituição de feriado
civil correspondente a data magna do Estado e aos municípios de caráter religioso e de
tradição local.
Na prefeitura do Rio de Janeiro, encontramos informações a respeito de um
calendário da cidade, dentro da página da Internet da RIOTUR
59
, (agencia municipal de
turismo). No entanto, diferentemente dos outros calendários descritos acima, que faziam
menção aos feriados e dias comemorativos, este o enfoca as datas, mas, eventos de
56
www.alerj.rj.gov.br
57
alguns feriados determinados em vel nacional que também são legislados em nível
municipal ou estadual. Como é o caso do feriado da Sexta-feira Santa, explícito na lei federal, n°
9.093/95, como incluso dentro da quantidade de feriados determinados por cada município. Além dessa
data, o município do Rio de Janeiro, através da lei municipal 849, de 23.06.1956, legislou as datas de
Corpus Christi e dia dos finados.
58
Com exceção de alguns estados como: o Acre que possui quatro feriados de menção cívica,
Pernambuco que possui três de ordem religiosa e Goiás que não tem nenhum dia, conforme dados
retirados do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_feriados_brasileiros.
59
www.riodejaneiro-turismo.com.br
59
naturezas variadas que ocorrerão em cada mês na cidade. Algumas datas comemorativas
e feriados aparecem em destaque e os atos referidos a homenagem ao dia. Dentre estes
podemos ver o dia de São Sebastião, dia de Zumbi, como também consta o dia de São
Jorge. Nesse dia, menciona-se apenas sobre as festividades celebradas na igreja do
centro da cidade. Fato que ressalta tanto a importância que o santo e sua festividade
possuem como um evento da cidade, quanto o destaque às celebrações do centro via
órgãos municipais
60
.
No comércio é bastante notável a utilização do calendário festivo em seu
mercado produtivo, como base às suas campanhas publicitárias e marketing. Apesar
deste setor, na maioria das vezes, não ser favorável à institucionalização de feriados
ou porque têm que fechar as lojas, ou porque são obrigados a pagar as horas extras de
seus funcionários ainda assim, o calendário é um grande trunfo aos temas das
propagandas de venda. Trilhando um percurso do início ao final do ano, encontramos:
na virada do ano o réveillon, com suas roupas brancas e variados acessórios e alimentos
para trazer felicidade, amor, sorte, dinheiro, dentre outras coisas; em fevereiro ou
março, o carnaval, com suas fantasias e adereços à venda; em março ou abril, a Páscoa,
com seus coelhinhos e ovos de chocolates; em maio, o dia das mães, com floricultoras
repletas e presentes feitos com amor para quem sempre tem amor”; em junho, no dia
12, celebra-se o dia dos namorados; em agosto, o dia dos pais, presentes para qualquer
tipo de pai, seja esportista ou executivo; em outubro, dia 12, dia das crianças e de nossa
senhora Aparecida, padroeira do Brasil; em dezembro, dia 25, temos o Natal, época de
recordes no setor de venda.
No calendário escolar, as festas e os períodos também são de grande
importância na orientação das atividades curriculares e extracurriculares. Na educação
infantil isto ocorre mais visivelmente porque, além das atividades extracurriculares, os
ciclos festivos norteiam o próprio ensino-aprendizagem curricular. Os dias
comemorativos se tornam a temática do aprendizado, como no dia do índio, 19 de abril,
onde as crianças, por meio de recursos didáticos (pintura, desenhos, músicas, imagens e
etc.), entram em contato com o universo a ser aprendido. Os feriados também servem
como um motivo de aprendizagem, mas também são dias de não funcionamento nas
escolas. De acordo com as normas estabelecidas no Ministério da Educação e Cultura
60
Dado que ressaltarei no capítulo três, ao comentar sobre as formas de controle da prefeitura na
festa do centro em comparação com outras que ocorrem no município, sobretudo a de Quintino, cuja
celebração também agrega milhares de participantes.
60
(MEC), as instituições de ensino precisam cumprir um determinado número de dias de
aula para poder validar o ano ou semestre como letivos. Desta forma, é estabelecido um
calendário escolar que se entrecruza com o calendário nacional, estadual e o municipal.
Sendo assim, contamos com vários calendários que se entrecruzam e guiam
nossas atividades, sobretudo, referente às de trabalho e não trabalho. Além disso, os
feriados e dias comemorativos são ações políticas, cujas justificativas variam em cada
caso, mas, como vivemos numa democracia, acredita-se e supõe-se que seu
requerimento corresponda e sirva a um valor de utilidade pública. Mas, como prezar
uma eqüidade quando o dia a se tornar feriado é referente a um santo católico? Questão
que não estamos preocupados em responder, mas que nos intrigou e nos levou a pensar:
como estes tipos de projetos de lei se justificam num país onde seu regimento
constitucional está pautado em princípios laicos e democráticos?
4. Rio de Janeiro: Feriado em 23 de abril
Diante desta apresentação acima, pretendemos enfatizar agora as disputas em
torno da institucionalização de um dia de santo católico em feriado. Uma vez que surge
algo novo, verificar a quem incomoda tal novidade torna-se instigante para refletirmos
sobre a idéia de justiça como eqüitativa e, ainda, para pensarmos na chamada 'razão
pública'. Pois, como vivemos sobre a égide de uma democracia constitucional pautada
em princípios liberais, cuja igualdade e liberdade são para todos, sem perder de vista a
noção de diferença entre os indivíduos e grupos - a pluralidade -, a implantação de
projetos políticos e suas repercussões tornam-se relevantes em nosso constante e
delicado encaixe de igualdade e pluralidade. Em mudanças os limites tornam-se outros;
desta forma uma alteração é interessante para reavaliar o lugar do plural e do individual
relacionados à razão social e ao bem público.
que constitucionalmente a vigência de uma democracia e de um princípio
laico no Brasil, e que vivemos cada vez mais num campo de diversidades religiosas, um
feriado implica numa ação que atinge, de certa forma, a todos, então: como e em que se
pautam as justificativas dos projetos-leis que pretendem transformar um dia religioso
em feriado?
61
Como vimos discutindo, a transformação de um dia em feriado, apesar de seu
caráter comemorativo, é uma ação “coletiva” e política que implica num
desdobramento diferente aos dos dias intitulados comemorativos. No feriado, o dia
torna-se não útil para a esmagadora maioria de setores trabalhistas na localidade em
questão. Nessa direção, instituir um dia religioso em feriado implica numa ação estatal
em relação a uma religião, que no caso refere-se à Católica. Não é de se admirar em
nosso país os estreitos vínculos do Estado com essa religião que chegou a nossas terras
com posto de oficialidade, sendo mantida e fomentada pelo governo durante quatro
séculos, diante do regime do Padroado. Apesar do processo da crescente expansão dos
pentecostais e do de 'descatolização' registrado nas últimas duas décadas (Menezes e
Texeira, 2006), este estreito vínculo ainda é presente em vários momentos e situações.
Podemos chamar essa relação do Estado e da religião católica como de “separação e
cooperação” (termos contido na constituição de 1934), ou seja, uma situação
constitucionalmente defendida de separação, desde a entrada do regime republicano,
cujos princípios e leis tornaram um tanto flexível este desenlace e separação,
permitindo legalmente inúmeros casos de encontro. Sendo assim, é mais correto falar
de modos de regulação (Giumbelli, 2002) entre o Estado e as religiões do que em uma
separação e imparcialidade como prezam os valores de laicidade.
Em outubro de 2001, o vereador Jorge Babu do Partido dos Trabalhadores (PT)
lançou um projeto de lei, 197/2001, para decretar como feriado municipal na cidade
do Rio de Janeiro, o dia 23 de abril, dia em louvor a São Jorge. Em sua justificativa, o
vereador Jorge Babu inicia sua argumentação com um parágrafo mais histórico,
apontando para uma diversidade de dados:
Santo Católico do Séc. IV, considerado patrono dos exércitos.
No Rio de Janeiro, é patrono da Polícia Militar e do Corpo de
Bombeiros. A Igreja Grega, o inclui como um de seus grandes
mártires. Soldado Romano, preso como cristão, foi
provavelmente decapitado no tempo de Diocleciano por
defender seus ideais cristãos; tornou-se, na crença popular, uma
espécie de Perseu Cristão vencedor de dragões. No período
imperial, foi ordenado por D. João I, que sua imagem saísse na
procissão de Corpus Christi, montado em seu cavalo; o que
ocorreu em 1837 pela primeira vez. No Brasil, São Jorge é
invocado como defensor das almas contra os demônios,
tentações e atos de feitiçaria. É popularmente reconhecido como
o Grande Guerreiro que está sempre disponível para atender
aquele que nele deposita sua fé. No Candomblé, identificam-no
como Oxossi e conta a lenda que designado pelo rei para
defender uma princesa virgem, conseguiu vencer as forças do
62
mal, encarnadas no dragão, apenas com um escudo e uma lança
e montado em seu cavalo, numa árdua batalha, fazendo por
merecer o título de “Santo Guerreiro”. Na Umbanda, é
conhecido como Ogum.
61
Como podemos perceber, Jorge Babu utiliza-se de diversas referências:
história do período do Imperador romano Diocleciano; período imperial brasileiro
quando o santo acompanhava as comemorações da procissão de Corpus Christi e as
representações no Candomblé e na Umbanda. Dados bastante diversificados em sua
natureza, mas que correspondem a uma gama de representações situadas no universo de
referencias de São Jorge. A história do Imperador Diocleciano é tida como uma base
histórica utilizada pela Igreja de São Jorge no Campo de Sant’Ana como a encontramos
em relatos da Idade Média sobre o santo, como descrito pela historiadora Georgina do
Santos (2005). Os dados sobre a atuação do santo na procissão de Corpus Christi
também são registros trabalhados por historiadores que se voltam para esta temática
(Santos, B., 2005 e Santos, G., 2004 e 2005).
Percebemos, portanto, que a descrição feita pelo vereador de forma
introdutória possui certo respaldo”, pois seus dados configuram-se em representações
recorrentes sobre a história da vida de São Jorge, tanto no meio de pesquisadores,
quanto por religiosos e leigos. Outro ponto importante é a abrangência da referência
que o santo representa e que envolve diferentes grupos e públicos: podemos relacionar
isto, talvez, ao fato curioso do feriado católico ter sido proposto por um umbandista.
Na Lei federal n° 9.093/95, os municípios ficam habilitados a decretar feriados
de ordem religiosa e de tradição local, no máximo de quatro, incluindo a sexta-feira da
Paixão. No caso, a justificativa do feriado de São Jorge no município do Rio de Janeiro
é adequada tanto ao requisito religioso, no qual sua menção é alargada convergindo
católicos e adeptos das religiões afro-brasileiras, quanto no aspecto da tradição local.
Quando Jorge Babu argumenta sobre o culto do santo patrono da Polícia Militar e do
Corpo de Bombeiro, além de ressaltar uma grande popularidade e a existência de festas
espalhadas pelo município e estado, também retrata uma tradição de origem do seu
culto no Brasil colonial, onde a imagem do santo acompanhava a procissão de Corpus
Christi. Dados que acabam por se ajustar e confirmar os requisitos de religioso e de
tradição local.
61
Trecho da justificativa do projeto-lei, n° 197/2001, que institui como feriado municipal, o dia 23
de abril, dia de São Jorge, do vereador Jorge Babu. O projeto na íntegra segue em anexo 3.
63
Diante dessa multiplicidade de informações que o autor da lei descreve logo de
início, a justificativa prossegue com a argumentação de que:
[...] gostaria de sensibilizar meus pares para a importância deste
projeto lei que visa basicamente facilitar o culto a São Jorge onde
centenas de milhares de devotos peregrinam às Igrejas Católicas,
aos Terreiros de Macumba e Candomblé para reverenciar o seu
Santo protetor e ao mesmo tempo em que ocorrem Festas
Comemorativas em vários pontos do Rio de Janeiro, cito como
exemplo a popular festa de São Jorge, no Largo do Bodegão, em
Santa Cruz, Zona Oeste da Cidade, que recebe, durante uma
semana, peregrinos de todos os rincões para prestar as
homenagens ao Santo Guerreiro. A institucionalização deste dia
como feriado municipal, apenas coroaria o que se concretizou
consuetudinariamente pela população e pela mídia carioca.
Verifica-se que o conteúdo representativo do santo foi alargado, contemplando
aspectos de diversas naturezas simbólicas que são bastante recorrentes. Isso, que tem
por intuito mostrar a pluralidade do santo de forma geral e especificamente para o Rio
de Janeiro, se respalda pelo fato da quantidade de festas e comemorações existentes no
estado fluminense. O vereador cita como exemplo das festividades, a do Largo do
Bodegão, em Santa Cruz, local
62
em que habita e participa ativamente da Irmandade de
São Jorge
63
.
Com um olhar mais cuidadoso e apurado, nota-se que algumas expressões
utilizadas na descrição do primeiro parágrafo evocam forças por vezes antagônicas. Um
santo com forte relação com as religiões afro-brasileiras (Umbanda e Candomblé) é
também um “defensor das almas contra os demônios, tentações e atos de feitiçaria”.
Ora, uma narrativa que procede tanto às condutas das religiões afro-brasileiras, que
fazem e trabalham contra “demandas” (feitiços), quanto aos discursos dos
neopentecostais contra as tentações mundanas, a feitiçaria e o demônio. No entanto, a
antinomia não se dissolve, pois, neste caso, quem está sendo defendido é São Jorge,
santo católico, cuja devoção aos evangélicos é considerada como o próprio demônio:
62
Jorge Babu foi nascido na Tijuca, mas morou desde pequeno em Santa Cruz, onde participa
25 anos da festa de São Jorge.
63
Como comentado no capítulo anterior, a festa do Largo do Bodegão congrega de uma vez
variados tipos de celebrações ao santo, durante uma semana inteira de comemorações (cavalgada, missas,
shows).
64
“Só Jesus expulsa os demônios! Jesus expulsa São Jorge!”
64
. Mas, as expressões
utilizadas pelo vereador- autor incitam e contribuem a uma tentativa de diálogo com
este outro “público”, possível opositor ao projeto de lei de feriado ao dia de São Jorge.
O que certamente teve algum resultado, pois, como é confirmado nos Diários da
Câmara
65
e segundo nos contou Jorge Babu, não houve manifestação da bancada
evangélica na plenária da Câmara municipal.
O vereador finaliza sua argumentação com a idéia de que o santo é o mais
popular do Rio de Janeiro, como é “prestado pela média falada e escrita”; sendo assim é
justo o feriado para que os devotos possam “reverenciá-lo com toda pompa”! Com
efeito, percebe-se que esta justificativa se pauta essencialmente na popularidade do
santo no Rio de Janeiro, que mantém um vasto e plural número de adeptos. O aspecto
religioso é colocado de forma múltipla Católica, Candomblé e Umbanda e
semelhante ao fato do santo ser patrono do Corpo de Bombeiro, soldado do tempo de
Diocleciano e etc. Apesar da figura do santo ter significados religiosos, o seu caráter
plural e popular foram os fios condutores da justificativa escrita. Um dado bastante
condizente a uma justificativa que pretende um fim mais amplo e não particularista.
Assim, o feriado viria como um prêmio a esta grande devoção, facilitando-a. Viria ao
encontro da vontade e satisfazendo um grande número de pessoas. Um tipo de
justificativa que, ao enfocar na popularidade, acaba por contornar o estritamente
religioso e, em certo sentido, respondendo aos princípios de laicidade.
Porém, em conversa com o vereador, o aspecto religioso como devoção surge
como um dos pilares argumentativos. Babu comenta que o feriado foi uma forma de
agradecimento ao santo que o escolheu (“Sou um soldado dele!”):
O povo é muito carente de ações políticas, devido ao descaso do
governo. As pessoas ficam muito fragilizadas e um santo com
conotação de batalha, e guerreiro, pode fortalecê-las. O ser
humano tem que ter fé, esta traz menções de amor e bondade
com os outros e é isto que a humanidade precisa ter diante de
uma guerra não declarada em que vivemos, onde estes valores
são esquecidos. Sou um defensor da fé, deve-se acreditar em
Deus independente da religião. Respeito todas as religiões,
64
Escritos, que até pouco tempo atrás, podiam ser encontrados numa parede, grudada na estação
de metrô de São Cristóvão, na Avenida Radial-Oeste, próximo à Praça da Bandeira.
65
As atas das sessões o puderam ser vistas na íntegra, apenas as publicações no Diário da
Câmara.
65
não gosto de ateu. (entrevista com o vereador 19/10/06, em seu
gabinete na Câmara dos Vereadores).
Percebemos outros argumentos, subliminares, além do aspecto religioso, que
permeiam sua justificativa, como a ênfase na vontade individual. Sua posição de
político, no sentido de agir aonde o governo não chega, e de auxiliar não apenas um
grupo, mas o “povo” e a “humanidade”, também está presente, entretecida ao
argumento religioso e ao que exalta a vontade individual. Religião aparece como
equivalente de , crença, amor e bondade, atribuindo-a a um significado que não se
encaixa apenas a um tipo de religião, mas a várias.
Da apresentação e criação do projeto de lei, em transformar o dia 23 em
feriado municipal, em abril de 2001, até a promulgação da lei, em novembro de 2001, a
duração do trâmite interno foi de 203 dias como consta na base de dados on-line da
Câmara de Vereadores.
Dentro do percurso dos projetos de lei estabelecido pelo regimento da Câmara, o
projeto do vereador Jorge Babu transcorreu de forma normal. Primeiro passou por uma
comissão de Justiça e Redação, obrigatória a todos os projetos de lei, e que atesta a
constitucionalidade dos mesmos. Depois disso, não ferindo nenhuma outra lei de âmbito
municipal e estadual, não sendo inconstitucional, o projeto foi encaminhado a outras
comissões para o parecer destas, que são requeridas conforme as áreas em que o projeto
pode atuar. Realizam-se normalmente até duas discussões e votações em plenária, onde
o projeto pode ser aprovado ou não. No projeto do feriado de São Jorge não houve
objeção nas comissões e a aprovação ocorreu sem discussões, conforme os dados do
Diário Oficial da Câmara (outubro/2001), seguindo seu encaminhamento obrigatório
para a avaliação do Poder Executivo.
Nesse período, César Maia, prefeito do Rio de Janeiro na ocasião, não se
pronunciou a favor do projeto de lei para sancionar a lei, e nem o vetou parcial e
totalmente. Após o vencimento do prazo regular, o projeto retornou à Câmara para nova
avaliação, ficando sob o julgamento do presidente desta Jorge Sami (PDT), que o
aprovou e o promulgou.
A aprovação do projeto sua transformação em lei entra em vigor após a
publicação nos Diários Oficial, da Câmara e do município do Rio de Janeiro. A lei
2.203/2001, que deu ao dia 23 de abril, dia de São Jorge, o estatuto de feriado
66
municipal, entrou em vigor no dia 14 de novembro de 2001. Para comemorar
66
, assim
como acontece durante os festejos do Senhor do Bonfim, nas escadarias de sua Igreja,
em Salvador, o vereador Jorge Babu junto com pais e mães-de-santo, de mais ou menos
10 centros de Umbanda e Candomblé, fizeram uma lavagem nas escadarias da Câmara
dos Vereadores, espalhando água de cheiro. Na parte interna da Câmara fizeram
defumação e colocaram flores na estátua de um cavaleiro medieval (figura semelhante à
representação de São Jorge), que fica situado logo na entrada via o acesso pela
escadaria. Um ato bem representativo na referência ao vereador-autor do projeto, ele
próprio se denomina umbandista e “soldado do santo”:
Quando bate o tambor, todo mundo é macumbeiro. Quando o
negócio aperta, todo mundo corre para o santo. Eu sou
descarado! Não tiro minha guia e ando com o santo grudado em
mim, no corpo, no carro e em todos os cantos. (entrevista com o
vereador, em 19/10/06, no seu gabinete na Câmara dos
Vereadores).
Esses dados tornam-se fatos quando entramos no gabinete do vereador e nos
deparamos com inúmeras imagens de São Jorge, seja em papel, destinado a sua
campanha eleitoral, como em gesso, plástico e metal. Em cima da mesa há um santuário
com imagens de São Jorge e Ogum, além de flores, velas e colares de conta nas cores
do santo para a igreja e umbanda (vermelho e branco) e para o candomblé (azul-
esverdeado). O próprio vereador possui uma tatuagem, de grande porte, em um de seus
braços, uma grande imagem colorida do santo que preenche todo capô de seu carro
preto e anéis em seus dedos: um com símbolo de Ogum (machado e/ou espada) e o
outro com as iniciais de seu nome (J.B.).
No final de 2001, o vereador Pedro Porfírio (PDT) apresentou dois projetos de
lei à Câmara em protesto à promulgação da lei do feriado de São Jorge. No primeiro,
em outubro período de trâmite do projeto de Jorge Babu Pedro Porfírio pediu a
instituição do dia 28 de junho, dia de São Pedro, como feriado municipal para a cidade.
No segundo, em novembro, pediu a revogação do feriado de São Jorge.
Na justificativa do primeiro projeto, o autor constrói toda sua argumentação em
forma de protesto e desafio à Câmara, que em seu papel como representante de Casa de
66
Dados retirados na entrevista com vereador (19/10/2006) e em jornais cariocas nos dias 13 e 14
de novembro de 2001: “O Globo”; “O Dia” e “Extra”.
67
leis não votou contra o feriado de cunho católico. O vereador criticou, ainda, o não
pronunciamento do prefeito da cidade à lei em questão:
O mais surpreendente é que o Prefeito da Cidade, César Maia,
dizendo-se igualmente devoto do santo cavaleiro, resolveu lavar
as mãos, como Pilatos. Sua postura demonstra que um
ambiente favorável nesta cidade para a profusão de feriados. O
nosso alcaide que veta até nome de ruas, admitiu que vai se
omitir no presente episódio, talvez, quem sabe, por temer a ira
dos céus.
Pedro Porfírio, em nome de outros fiéis e em busca de uma eqüidade, defende que
da mesma forma que o dia de São Jorge se tornará feriado municipal, outros santos
também podem tomar caminhos semelhantes. Nesta direção chama atenção do dia de
São Pedro que segundo a tradição católica é o “manda-chuva” e que, diante da crise dos
apagões que o Brasil passava na época, cumpriria um bom papel de proteção de uma
possível penumbra, trazendo-nos chuvas.
Depois de chamar os poderes Legislativo e Executivo de estimuladores do
clima de festa e de não trabalho, que possuem férias de três meses, o vereador, de
forma irônica, finaliza sua justificativa comentando que:
Caberá à Casa decidir: por escrúpulo, não farei nenhum lobby
em favor do presente projeto. Mas vai ser uma grande
incoerência para os senhores vereadores negar apoio ao mesmo,
e aos de mesmo teor, da mesma forma como se espera que o
senhor Prefeito adote a mesma posição pilatiana (desculpem o
neologismo).
Este projeto recebeu parecer conjunto das comissões de Justiça, Administração,
Educação e de Abastecimento, que apesar de o terem considerado constitucional,
deram-lhe mérito contrário. O projeto nem foi para discussão na plenária, sendo
arquivado na Câmara dos Vereadores. O segundo projeto elaborado por esse vereador,
no final de 2001, sobre a revogação do feriado de São Jorge, tinha o início da
justificativa semelhante ao primeiro projeto que, a partir da lei federal n° 9.093/95,
comenta sobre o excesso de feriados e o possível precedente que o mesmo pode abrir a
outros devotos católicos e não católicos, estimulados a assumirem e requererem em
relação aos seus protetores, alegando a defesa de uma equidade prezada
68
constitucionalmente. O autor modifica apenas o final, no qual argüiu em oposição ao
feriado:
[...] não por ter o autor da presente qualquer oposição ao santo,
mas sim para barrar a profusão de feriados que poderão surgir se
essa moda pegar. Se todo dia é santo, é possível termos feriados
durante os trezentos e sessenta e cinco dias do ano, o que soa ao
(sic) absurdo.
Percebe-se que o vereador em ambos os casos argumenta contra a criação de
feriados, ainda mais sendo estes religiosos, numa cidade repleta de feriados
municipais. A questão de o feriado ser religioso pode abrir precedentes a outros crentes
para reivindicarem pela sua crença ou grupo religioso.
Entretanto, o projeto também foi arquivado na Câmara, mas as ações desse
vereador não pararam por aí. Juntamente com a associação comercial Sindilojas Rio
(Sindicato dos Lojistas do Rio de Janeiro), entrou com recurso na justiça, Vara da
Fazenda Pública, em fevereiro de 2002, contra a instituição do feriado municipal de São
Jorge. O vereador e os membros da associação alegavam prejuízo na economia carioca
com mais uma paralisação e, sobretudo, que a lei Municipal 3.303, feriado de São
Jorge, estava ferindo uma lei Federal 9.093/95 que limita os municípios a decretar
até quatro feriados religiosos e de tradição local, incluindo a Sexta-Feira da Paixão
67
. O
mandado de segurança realizado pelos recorrentes foi negado pelo juiz da vara da
Fazenda Pública, que relatou em sua declaração final que por se tratar de uma lei o
cabia um tipo de ação judicial como mandado de segurança.
Insatisfeitos com a decisão da primeira instância, os mesmos recorreram ao
Tribunal de Justiça onde o desembargador do caso manteve a decisão dada pelo juiz da
primeira instância, alegando que:
A lei atacada não repercute diretamente no direito subjetivo ou
coletivo de quem quer que seja, muito menos em relação a
entidade de classe, e nem gera situação específica e pessoal.
Trata-se, pois, de lei em tese. A doutrina e a jurisprudência têm
pacificamente, como inidôneo, o mandado de segurança contra
67
Interessante observar que esse argumento foi o mesmo efetuado pelo prefeito César Maia ao
vetar totalmente o projeto de lei que instituía o feriado municipal de Zumbi em 1994. No caso de São
Jorge isso não foi comentado pelo prefeito, que por fim não se pronunciou a favor e nem contra.
69
lei em tese, compreendidos os atos legislativos, as normas
regulamentares, instruções e atos administrativos oriundos de
competência regular residual.(...) Não cabe mandado de
segurança contra a lei em tese.
68
Contudo, notamos que a resposta dada tanto pelo juiz quanto pelo
desembargador refere-se prioritariamente ao tipo de ação requerida (mandado de
segurança) contra a lei existente do feriado municipal de São Jorge e não sobre o
feriado em si, que os municípios possuem autonomia para regular suas leis e de
declarar feriado a datas religiosas e de tradição local, como consta na lei Federal
9.093/95. Conforme a palestra sobre O Poder Judiciário no Estado Laico, no
Seminário Internacional de Liberdades Laicas, ocorrida no Rio de Janeiro no dia sete de
maio, de 2007, Daniel Sarmento, Procurador do Estado do Rio de Janeiro, proferiu que
o judiciário, normalmente, não tem se manifestado contra o decreto de feriados, nem
avaliado o motivo e conteúdo dos mesmos.
Durante esse processo alguns jornais (“O Globo”, Jornal do Brasil”, “Extra”,
“Jornal do Commercio”) registravam e anunciavam ao grande público os impasses que
tal decreto proporcionara. Dentre as alegações apresentadas contra o feriado, a do setor
econômico foi a que mais se destacou nos noticiários: proximidade deste feriado com o
de Tiradentes (21 de abril) que viabiliza o enforcamento do dia 22 de abril e que
também pode conjugar com as festividades do feriado da Páscoa, o que resultaria numa
grande paralisação do setor produtivo do Rio de Janeiro e, conseqüentemente, na perda
de lucros. Diversos estudos sobre as estimativas desta perda foram realizadas por
associações, federações, sindicatos e instituições voltadas para o setor econômico
(Firjan, Aloerj, Sindilojas, Abraesc) e exibidas em alguns jornais.
A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro Firjan elaborou um
relatório de prejuízos do estado do Rio de Janeiro em relação à quantidade de feriados
instituídos, argumentando e contabilizando os custos com os dias de não trabalho. Nesse
mostra-se um quadro de feriados entre as principais capitais, os nacionais e os
internacionais: o Brasil estaria pouco acima da média mundial de feriados equivalente a
11 dias de descanso, onde países desenvolvidos como Japão, Canae França, também
constam com grande quantidade de feriados e dias enforcados; a cidade do Rio de
Janeiro passaria à frente da média municipal entre as principais capitais com mais de
68
Parte do processo reproduzida no jornal “Jornal do Commercio” em 19 de abril de 2002.
70
um dia de feriado. O cálculo de perda da cidade carioca foi computado a partir de seu
Produto Interno Bruto (PIB). Segundo a economista e assessora-chefe da Firjan,
Luciana de Sá: “Levando em conta que, em média, o carioca deixa de trabalhar 15 dias
por ano e que o PIB do município do Rio permaneça no nível estimado para 2001 (cerca
de R$ 91 bilhões), a cada 16 anos a cidade perderia um PIB anual”
69
.
O jornal “Extra”, 22/04/2002, encomendou uma pesquisa ao Laboratório
Unicarioca de Pesquisas Aplicadas Lupa para averiguar a opinião da população
sobre a “folga polêmica” que foi parar na justiça e que “está fazendo com que os donos
dos comércios puxem a calculadora do bolso e comecem a contabilizar os prejuízos”.
Na pesquisa, dos 500 entrevistados, 54,3% afirmaram ser favoráveis ao feriado, e 45,7%
contra, o que pode ser considerado um empate técnico, que a estimativa de erro gira
em torno de 4%, mas, curiosamente, ao responderem à pergunta: se a melhor forma de
homenagear um santo seria um feriado, 58,8% disseram que não em relação a 41,2 %
que se posicionaram a favor.
Percebemos, entretanto, que a discussão em torno de se ter mais um feriado
católico diante de um universo religioso plural não fora questionada nestas pesquisas,
sobretudo, nas de cunho econômico. O principal assunto do debate no setor econômico
produtivo foi a legalização de mais um feriado e das conseqüentes perdas por mais um
dia de não trabalho. A discussão sobre a importância do santo, também, fora deixada de
lado. Independente do rigor metodológico e do critério de avaliação de tais pesquisas
seja sobre a opinião do setor produtivo, ou da “população” o que isso demonstra é
uma intensa mobilização em torno da instituição do feriado, o que foi amplamente
divulgado pelos meios de comunicação e suscitou, ainda, estudos como este.
Como vimos, nas pesquisas, a questão religiosa não foi problematizada
diretamente, ao contrário da posição central que ocupava nos argumentos dos
vereadores Porfírio e, posteriormente, nos de Théo Silva em seu projeto de lei sobre um
dia de feriado em louvação ao Dia do Evangélico, como descreveremos mais à frente.
Em 2003, o vereador Pedro Porfírio entrou novamente com um projeto-lei para
revogar o feriado de São Jorge, mas este foi arquivado. Depois disso, Porfírio não
tentou mais nenhuma ão interna e nem externa contra o feriado, mas, como é
colunista do jornal “Tribuna da imprensa online”, podemos encontrar algumas de suas
69
Partes do relatório divulgadas nos jornais: “O Globo” (21/11/2001) e “Gazeta Mercantil”
(22/04/02).
71
matérias com o cunho contestador à enorme quantidade de feriados no Brasil e no Rio
de Janeiro - local de sua atuação política. No dia do Zumbi, de 2006, em referência à
idéia de desenvolvimento econômico brasileiro, defendida pelos candidatos à eleição
presidencial, este vereador-colunista descreveu o calendário de feriados e paralisações
do final de 2006 a 2007, e declarou que “no país do ócio, falar em crescimento é
piada”
70
.
Assim, nos processos judiciais, e nas pesquisas divulgadas, a questão do
religioso não pairou sobre o fato de estar ou o se privilegiando uma religião, mas sim
se o feriado era constitucional, no sentido da quantidade e não do conteúdo, que
temos uma lei federal que permite a criação de feriados religiosos. A idéia de igualdade
e eqüidade entre as diferenças de credo religioso apareceu de modo mais sistemático
e explícito no projeto de lei n° 128/2005 do vereador Théo Silva, cuja temática refere-se
à instituição de um feriado municipal no último sábado de outubro, em louvação ao Dia
do Evangélico, seguindo o exemplo do Distrito federal e da cidade de São Paulo. Nele,
o autor introduz seu argumento baseando-se na liberdade religiosa defendida na
constituição federal, na qual todos, independentes da religião, têm a liberdade de
pensamento e manifestação como direito inalienável do homem:
Partindo desta premissa, não obstante a preferência por
determinada corrente religiosa seja em qualquer segmento
social, mormente ao catolicismo, em que se elaboram e
legalizam pelos governos feriados nacionais e regionais tais
como: Corpus Christi, Nossa Senhora Aparecida, São Jorge, São
Sebastião entre outros, abre-se uma lacuna legal, com amparo
institucional, para celebrar-se, em data especial, para a imensa
comunidade evangélica o seu dia, ou melhor, o seu Dia do
Evangélico, sob pena de ferir de morte o Texto Maior,
desigualando direitos, pois, nesta delicada discussão, não pode
haver hipótese alguma de dois pesos e duas medidas (Projeto de
lei n° 128/2005).
Com o respaldo constitucional de liberdade religiosa e igualdade como direito
de todos, o vereador vai construindo sua narrativa baseando-se em dados que
demonstram desigualdades em torno dos feriados religiosos e a necessidade de
reverenciar e memorizar, sob mesmo peso, um grupo de imensa representatividade
brasileira: os evangélicos. Percebe-se que o autor não ataca os feriados católicos, ele se
70
www.tribunainf.br/anteriores/2006/novembro/20/porfirio.asp.
72
utiliza deles como um fato para fortalecer seu pedido sofre o feriado municipal ao dia
do Evangélico. Este projeto foi aceito e virou lei, promulgada e sancionada, no mesmo
ano, em 2005. Seu trâmite ocorreu normalmente. No entanto, em comparação com o
feriado de São Jorge que teve impasses e reclamações, internos e externos à Câmara,
este dia não sofreu grandes problemas em sua instituição. Talvez isso esteja relacionado
ao dia estipulado para celebrá-lo: o bado. Este projeto foi uma segunda tentativa do
vereador; a primeira, lançada anteriormente e que proclamava feriado o dia 31 de
outubro, independente do dia da semana, não fora aprovada.
O dia de São Jorge ganhou muita visibilidade em sua instituição, pois, além de
passar por impasses judiciais, que ressaltam e estimulam discussões em torno dele (dá
notícia e o que falar), seu dia como feriado não é num sábado, como o anterior que
não interfere tão diretamente na vida das pessoas assim como um dia qualquer da
semana –, e está muito próximo de outros feriados (dia 21, Tiradentes, comemorações
da Páscoa e o 1° de maio, dia do trabalho), chamando ainda mais a atenção para os dias
de não-trabalho, como para a quantidade destes ao longo do ano
71
.
Essas controvérsias em torno do feriado me alertaram para algumas questões
referentes à relação da religião” com o Estado (no caso com a Câmara dos
Vereadores). Fatos como estes de intervenções de ordens seculares em tempos de festas
e ritos religiosos remontam a tempos antigos
72
, mas, como podemos notar, estes tipos de
ações, apesar de distintas, estão presentes nos dias de hoje. Porém, estas relações
realizadas atualmente são marcadas por um sistema específico sob a égide de um Estado
laico, pois proporciona, ao mesmo tempo, “separação” e “cooperação” entre ações
estatais e religiosas.
Em nosso caso específico, uma transformação do dia em comemoração a São
Jorge em feriado municipal não interfere diretamente em seus festejos e rituais. Porém,
como podemos constatar ao longo desses anos de observação, e que descreveremos no
próximo capítulo, o feriado contribuiu na modificação da geografia espacial de algumas
festas, ao passo que atraiu mais atenção ao dia e, de certa forma, possibilitou
oportunidades às pessoas de estarem “livres” (sem trabalho) para homenageá-lo. Como
71
Nas eleições de 2006, Jorge Babu conseguiu eleger-se, através da legenda do PT, a deputado
estadual do Rio de Janeiro. Em conversa com vereador, como também saiu registrado em jornais e
revistas que comentavam sobre os novos deputados eleitos a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro (Alerj), seu futuro projeto político é de tentar passar o feriado municipal de São Jorge para
estadual.
72
A modo de exemplificação podemos citar os trabalhos de Sanchis (1983) e Beatriz C. Catão
Santos (2005).
73
conseqüência, podemos pensar num tipo de intervenção que acabou por reformatar e
enquadrar temporalmente o universo de devoção ao santo guerreiro no Rio de Janeiro.
74
Capítulo III
Situar-nos, um negócio enervante que é bem
sucedido parcialmente, eis no que consiste a pesquisa
etnográfica como experiência pessoal. Tentar formular
a base na qual se imagina, sempre excessivamente,
estar-se situado, eis no que consiste o texto
antropológico como empreendimento científico (Geertz,
1989:10).
Neste capítulo trataremos da festa de São Jorge na Igreja do centro da cidade do
Rio de Janeiro. O intuito é pensar alguns impactos possíveis que o decreto do feriado
dedicado ao dia do santo trouxe na dinâmica e organização festiva, na medida em que
contribuiu para uma maior visibilidade da data e, conseqüentemente, das comemorações
deste santo. Nosso tempo de participação e observação no campo começou a partir da
festa de 2001 (momento que ainda não existia o feriado), e se estendeu até 2007. Nossas
análises envolveram relações entre os diversos agentes atuantes na ordenação da festa:
Irmandade, comerciantes e prefeitura, pensando enfaticamente nas mudanças ocorridas
na forma de ocupar o espaço da festa do lado de fora da Igreja e não em questões
comumente encontradas em estudos de festas de santo que, freqüentemente, baseiam
suas reflexões nas relações entre devotos e o santo.
A partir dessa perspectiva, o capítulo começa por localizar a Igreja, abordando
sua disposição e atividades rotineiras. Em seguida, entraremos na descrição da situação
festiva, focalizando as características gerais da comemoração e a diversidade do público
participante, para, somente então, nos determos nas alterações observadas ao longo
desses sete anos de pesquisa.
75
1. Etnografia da Igreja e suas atividades cotidianas
Situada no centro da cidade do Rio de Janeiro, entre a Rua da Alfândega e a Rua
Praça da República, a Igreja da Venerável Confraria dos Gloriosos Mártires São
Gonçalo Garcia e São Jorge, de arquitetura simples e proporções medianas, fora
construída no século XVII. Localiza-se ao lado do Campo de Sant’ana ou Praça da
República, cujo lugar é um dos importantes “palcos” históricos da cidade, e numa
região que está cercada por expressivos prédios dos órgãos públicos (Arquivo Nacional,
Biblioteca do Estado, Tribunal de Contas do Estado, Polícia Militar, Corpo de
Bombeiros, Palácio Duque de Caxias, Hospital Municipal Souza Aguiar, Faculdade de
Direito Nacional/UFRJ, Radio MEC), empresariais, bancários e comerciais; além de
pertencer ao SAARA, comércio “popular” em antigos casarios (vide anexo 3). É,
portanto, uma área bastante movimentada, contando sempre com intensa circulação de
pessoas nos horários de trabalho, até pelo fato de estar na frente da principal estação
férrea da cidade, a Central do Brasil.
Como podemos notar, essa Igreja tem como santos padroeiros: São Gonçalo
Garcia
73
e São Jorge, diferentemente de outras igrejas, paróquias e capelas que são
dedicadas somente a São Jorge, como: Quintino, Duque de Caxias, São Gonçalo, Santa
Cruz, etc. No entanto, a história dessa Igreja é mais antiga do que as outras, ela é
bissecular, ainda do período colonial, ao passo que as demais datam do século XX e
XXI.
A Igreja foi construída para homenagear São Gonçalo Garcia em 1756, mas
recebeu a Irmandade de São Jorge no final do século XIX. Mediante determinação de
Dom João V, em 1741, por não haver um templo para o santo, foi firmado um acordo
com a irmandade de Nossa Senhora do Parto, em 1742, para que as duas corporações
coabitassem a mesma igreja.
73
Religioso espanhol que sofreu martírio no Japão, em 1597, e que fora canonizado em 1627.
76
Em 1753 iniciaram as obras da Igreja de São Jorge que duraram a1800, na rua
que, à época, possuía o mesmo nome do santo, a atual Gonçalves Lêdo. Essa igreja em
meados do séc. XIX se encontrava em precária situação e sua Irmandade, sem
condições para repará-la e sustentá-la, pediu à irmandade de São Gonçalo Garcia para
que acolhesse seus pertences em seu templo. No entanto, a Irmandade de São Jorge
nunca voltou para sua igreja, formando-se então a Igreja da Venerável Confraria dos
Mártires São Gonçalo Garcia e São Jorge, consolidada em 1854, com a aprovação do
requerimento de junção entre as duas associações.
A imagem de São Jorge que foi transportada para essa Igreja, onde está até hoje,
é bicentenária e acompanhou a procissão de Corpus Christi, momento alto do calendário
público-religioso na América - portuguesa e, sobretudo, no império, representado pela
presença real de D. João VI (Santos, B; 2005). Além desse passado “pomposo”, a
devoção de São Jorge no Rio de Janeiro, como comentamos no capítulo I, é espalhada
por rios locais do estado e forte entre sambistas, “bicheiros”, adeptos das religiões
afro-brasileiras, policiais, bandidos, músicos, dentre outros.
Hoje, a associação primordial dessa Igreja é com São Jorge, que acabou por ficar
conhecida mais por esse orago do que por São Gonçalo Garcia
74
. Podemos dizer que
São Jorge, que se instalou posteriormente nessa Igreja, acabou por atrair mais
visibilidade do que o outro protetor venerado pela Irmandade. É muito comum ouvir
pessoas se referindo à igreja como "Igreja de São Jorge", sem nem mencionar São
Gonçalo Garcia. Fato corroborado pela própria Igreja
75
, como pela prefeitura da cidade
do Rio de Janeiro, conforme vemos num informe de divulgação da Igreja elaborado
para o projeto do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN –, Dia
das Portas Abertas
76
.
Nota-se que a formação dessa Igreja é oriunda da associação de católicos e de
leigos, diferentemente da paróquia de Quintino Bocaiúva que pertence à Congregação
74
A Igreja celebra e festeja seu dois oragos: São Gonçalo Garcia no dia 5 de fevereiro e São Jorge
no dia 23 de abril. No entanto, não há festa para o Gonçalo Garcia apenas uma missa em sua
homenagem.
75
Na igreja existem alto-falantes que anunciam, para fora e dentro da Igreja, durante os intervalos
da música ambiente: “A Igreja de São Jorge não autoriza a venda de quaisquer objetos religiosos na frente
da Igreja”.
76
Neste folheto de divulgação de evento recente, sem data especificada, podemos ver esta ênfase
tanto na parte gráfica e visual utilizadas (vide anexo 4), quanto na descrição sobre a Igreja: “A chegada do
poderoso o Jorge à igreja eclipsou totalmente a devoção ao jovem mártir espanhol. É que São Jorge é
dos santos mais populares da Igreja Católica e sua aura de guerreiro é confirmada por uma devoção de
intensa fé, sob as mais diversas culturas e classes sociais”.
77
de São José (CSJ)
77
, submetida às orientações desse grupo, e também, enquanto uma
paróquia, à Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro
78
. Isso não quer dizer que
a Igreja do centro não sofra controle da Arquidiocese da localidade, mas que são
distintos os processos de cada uma, justamente, pela formação diferente entre elas.
Ambas as igrejas estão sob a orientação dos princípios eclesiásticos da Igreja Católica
Apostólica Romana.
Confraria e irmandade são organizações de pessoas em torno de algo do qual
podemos encontrar variadas finalidades de associação. No caso dessas congregações
católicas
79
, a característica é a formação de leigos onde o existência de um pároco
e sim um provedor da igreja, uma pessoa física que no nosso caso especifico é
denominado de ministro. A igreja do centro, apesar de resultar de uma junção entre a
Irmandade de São Gonçalo Garcia e a Irmandade de São Jorge, é atualmente uma
confraria que possui em torno de sete mil pessoas. Mas os próprios irmãos, em
conversas, chamam sua organização freqüentemente como irmandade e falam mais em
confraria apenas quando são perguntados formalmente sobre o tipo de agregação a que
pertencem. No livreto elaborado pela Igreja, Vida e Morte de São Jorge, na parte sobre
a história do templo e da junção das irmandades, eles utilizam os dois termos juntos,
como: “Atualmente, a Irmandade da Venerável Confraria possui aproximadamente
sete mil irmãos (em maior número) e irmãs” (p.52)
80
.
77
A CSJ Josefinos de Murialdo foi fundada por São Leonardo Murialdo em 1873, em Turim,
na Itália. Foi assim denominada por ter como patrono principal, São José. Sua principal finalidade é atuar
na educação integral das crianças, adolescentes e jovens empobrecidos. Segundo a congregação, seu
objetivo é de educar para a cidadania: formar bons cristãos e honestos cidadãos”. Maiores informações:
http://www.paginaoriente.com/santos/csj.htm.
78
Informações retiradas do trabalho, São Jorge é pop!”: análise comparativa de duas festas de
São Jorge na cidade do Rio de Janeiro, realizado em parceria com Bianca Arruda (2007), para o GT32
Experiências religiosas na contemporaneidade na VII Reunião Antropológica do Mercosul
(RAM)/2007.
79
Conforme o Dicionário do Brasil Colonial (1500 1808) sobre Irmandades: De feição
predominantemente laica, as irmandades, além de promoverem o culto a seus patronos celestes,
encarregavam-se de prover a mútua assistência entre seus integrantes, tanto no âmbito econômico,
procurando resguardá-los com suas famílias da miséria, quanto no espiritual, garantindo-lhes, por ocasião
da morte, o acompanhamento ao enterro, além do cumprimento das providências necessárias à salvação
de suas almas, quais sejam a missa de corpo presente, o sepultamento em local condigno e os sufrágios
posteriores por sua intenção. Empenhavam-se também em sustentar materialmente a devoção, reunindo
os utensílios, os adornos e as pessoas indispensáveis para realizar com brilho os ritos da liturgia, além de
erguerem ermidas, capelas e igrejas às custas de seus próprios rendimentos” ( Chahon, 2000:316).
80
A utilização de ambas as expressões para referir a uma mesma organização era algo comum
entre membros e representantes eclesiásticos e governamentais no período colonial brasileiro conforme
apresenta (Quintela, 2005). Dessa forma, apesar de em tese ter diferenciações entre cada tipo de
agremiação, pode-se encontrar o uso de ambas para um mesmo caso assim como no caso estudado.
78
A entrada para Confraria é realizada por uma proposta que deve ser entregue
pelo requerente. Em seguida, a carta é analisada e, caso seja aprovada, a pessoa é
convocada para tomar posse e tornar-se um membro da organização. É necessário que
junto da solicitação sejam entregues comprovantes do vínculo com catolicismo, como
batismo e primeira comunhão, além participação em missas. Dentro da Confraria, a
conquista de cargos superiores advém da dedicação e do tempo de atuação do
associado.
A Igreja, mesmo sendo bisecular, não é tombada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional IPHAN. Ela não é muito grande e contém duas salas
em seu interior: a principal é a mais antiga e maior; a outra é bem menor e resultou de
uma obra de ampliação no início do século XX.
A decoração interna da Igreja apresenta vestígios do rococó
convivendo com elementos neocoloniais ali introduzidos por
uma reforma havida em 1913. (...) A volumetria e a fachada do
templo são em tudo semelhantes às pequenas igrejas rococós do
centro da cidade. Mas sua torre estabelece com o resto do
conjunto um contraste que marca a chegada do neoclássico.
(Livreto da Igreja, Vida e Morte de São Jorge, p.: 52).
A sala principal é ampla e na sua porta de entrada dois vitrais com as figuras
dos dois oragos do templo. Nessa nave os bancos são dispostos em duas filas contendo
na proximidade do altar uma área reservada com cadeiras aos irmãos e irmãs. As
paredes dessa capela são repletas de imagens de santos em pequenos altares laterais. No
lado esquerdo de quem entra, defronte ao altar mor vemos: Cosme Damião; N. Sra. de
Fátima, N.Sra. das Graças, Pomba do Divino, São Brás; São Pedro, N. Sra. Das
Oliveiras, Santo Antônio, São João; São Judas Tadeu. E no lado direito: Santo
Expedito; N. Sra do Parto, Santo Amaro, N. Sra Luján, Santo Onofre; Santa Bárbara, N.
Sra. Aparecida, N. Sra. das Cabeças; São Crispiano, N. Sra. das Dores, São Geraldo,
São Crispim; São Benedito. Após os assentos para o público em geral e entrando na
área restrita a Irmandade uma saleta na direita, um calvário, que contém algumas
imagens de tamanho semelhante a um adulto: Jesus crucificado com Maria Madalena
aos seus pés, Nossa Senhora em um lado e, no outro, São João Evangelista. Por fim, ao
fundo, o grande altar onde habitam as imagens de São Gonçalo em posição central
juntamente com N. Sra da Glória atrás, tendo no lado esquerdo a figura de São Jorge
sem cavalo e São José, e no lado direito São Sebastião e Jesus.
79
a outra capela anexa, menor, é dedicada exclusivamente a São Jorge. Nela a
imagem do santo sentado no cavalo branco, ambos esculpidos em madeiras com altura
próxima a 2 m e 80 cm e pesando mais de 500 quilos, todo ornamentado - escudo
metálico no braço esquerdo, lança com bandeira no braço direto, capa vermelha e
capacete com plumas branca e vermelha - ocupa o fundo dessa nave, sem estar em cima
do altar justamente pelo seu peso e tamanho. Ao lado da imagem também outras
duas imagens de santos (N. Sra das Vitórias e Sta Catarina). No corredor de entrada
desta capela menor encontra-se uma lojinha controlada pela Igreja, onde são vendidos
vários tipos de itens religiosos, durante todo o ano. Ambas as capelas têm ligação para a
parte dos fundos através de um hall comum onde salas administrativas, a sacristia,
cozinha, banheiros, depósito, dentre outros cômodos sem acesso liberado ao público. Há
dois andares na Igreja que dentro das salas aparecem como mezaninos em algumas
laterais e nos fundos, e na parte interna do templo em salas onde ambos os espaços são
restritos à Irmandade. Do lado de fora, para quem olha do Campo de Sant’Ana, pode-se
avistar um terraço aberto, cujo local também é exclusivo da Irmandade.
Dentro da capela mor há missas regulares como podemos ver na tabela abaixo:
Quadro 1. Atividades Religiosas da Igreja
Missas:
Compromissal da Irmandade - todo domingo às 10h.
Às Almas – toda segunda às 12h.
De Ação de Graça a São Jorge – todo dia 23 de cada mês 9h.
Para Santo Expedito – todo dia 19 de cada mês 9h.
Para Nossa Senhora Desatadora de Nós – todo dia 8 de cada mês 9h.
Circulo Bíblico – toda quinta - feira às 14 h.
Horário de Funcionamento da Sacristia
Segunda de 7h às 11h30min e 14h:30min às 16h:30min
Terça a sexta – feira de 7h às 11h30min e 14h às 16h:30min.
Sábado de 7h às 11h30min.
80
Nas missas celebradas, como descritas acima, qualquer pessoa pode incluir o
nome de alguém ou algum estabelecimento para orar e pedir proteção. Para esse tipo de
serviço são cobradas taxas que variam de acordo a missa escolhida. Para cada nome
inscrito cobra-se: na missa das almas R$1,00; para a missa da N. Sra. Desatadora R$
1,00; para a missa de São Jorge R$ 10, 00 e para a missa de São Expedito R$ 1,00. A
missa das almas e de São Jorge são as mais cheias. Na missa de São Jorge as duas
capelas ficam repletas de pessoas e é comum ouvir nomes de estabelecimentos nos
pedidos de proteção, além de ver pessoas levantando objetos na hora da benção como
carteira de trabalho, chaves, flores, fotos, terços, dentre outros. Num primeiro momento
podemos estranhar o aparecimento de lojas junto aos nomes de pessoas, mas quando
descobrimos as “qualidades” de São Jorge - como protetor de inimigos, assaltantes,
roubos e furtos, das casas comerciais e residenciais - essas ações tornam mais legíveis.
O aparecimento desses objetos não é exclusivo dessa igreja; na benção de Santo
Antônio, Menezes (2004) também comenta sobre os diferentes elementos que aparecem
nesse momento, que é um grande evento daquele convento.
Além dessas missas programadas pela Igreja, aquelas individuais que
qualquer pessoa pode marcar, e onde são cobrados os seguintes valores: com iluminação
e música R$ 110,00; e simples R$ 80,00. Essas missas podem acontecer tanto na
capela mor, quanto na anexa.
Ao olharmos o quadro de serviços religiosos somos impulsionados a indagar
sobre as celebrações de São Gonçalo Garcia, que essa Igreja fora edificada em sua
homenagem, antes da união com a Irmandade de São Jorge. Mas como fomos
informados não missas regulares para esse orago, apenas celebra-se seu dia, cinco de
fevereiro, com uma missa festiva que requer um trabalho especial de divulgação,
conforme informações de uma das integrantes da irmandade: “temos que anunciar um
mês antes colocando cartazes para poder comparecer alguém. Ninguém conhece esse
santo” (Andréia, entrevista, 05 de fevereiro de 2007).
O motivo da escolha dos santos nas missas mensais de Ação de Graça, como
descrita no quadro de serviços, está relacionado com a demanda dos devotos, como nos
explica Andréia, que integra a Irmandade há 12 anos:
81
Tem a ver com a devoção que é procurada aqui. No caso do
Santo Expedito, a única igreja católica por aqui é em Niterói,
a da Penha é ortodoxa, não é católica. Então, as pessoas que
queriam assistir à missa todo mês e fazer promessa ao santo,
vinham nos procurar, e a gente dizia, "só em Niterói", mas
as pessoas não iam se deslocar para sempre, a gente
criou essa missa sete anos que ficou até hoje. A da Nossa
Senhora (Desatadora de Nós) foi da mesma maneira, quando o
quadro dela, que passou em várias igrejas, chegou aqui,
fizemos missa para ela, que ficou até hoje. Já tem cinco anos e
enche mais que a do Santo Expedito.( Entrevista , 05 fevereiro
de 2007).
Dessa forma, as atividades programadas pela Igreja concentram-se basicamente
durante a semana - nas segundas-feiras e nos domingos pela manhã - e ao longo do mês
- nos dias 8, 19 e 23 onde todos os missas ocorrem apenas em um horário em cada
data marcada. Em relação ao pessoal eclesiástico, ali em torno de dez padres onde
um é da Irmandade, o padre Wagner, e os outros são de fora. Esses últimos, na maioria
jovens, buscaram o templo e se inscreveram como voluntários cujo incentivo de entrada
é feito entre eles, cada um puxa o outro”, revela Andréia. A abertura da Igreja para o
público ocorre todos os dias da semana de 7h às 17h, nos sábados apenas na parte da
manhã 7h às 12h e no domingo apenas no horário da missa, quando as portas são
abertas um pouco antes da celebração e fechadas logo em seguida. Esses horários se
assemelham às atividades da Saara e do centro como um todo, diferenciando somente
no domingo quando a Igreja abre, apesar de todo comércio do local estar fechado. Essa
convergência com os horários de trabalho dos seus arredores justifica-se na sua própria
localização, pois não é um bairro residencial e nas horas pós-expediente fica vazio e
ermo. No próprio domingo, dia importante e movimentado na maioria das igrejas
(cristãs), celebra-se apenas a missa matinal e logo após cerram suas portas.
Além dessa relação com o local, a escolha e organização das atividades
oferecidas pela Igreja possuem maior liberdade, pois como não é uma paróquia, não
as mesmas obrigações no atendimento e fornecimento de serviços religiosos à vida das
pessoas de um determinado lugar. Como vimos, a maioria de suas missas são celebradas
às 9h, cujo horário não facilita o comparecimento numa região de trabalho, onde a
grande maioria das pessoas já iniciou seu expediente. O único horário que combina com
intervalo de almoço é o da missa das almas que é bem requisitada e cheia. Entretanto a
missa de São Jorge é a que mais enche, apesar de seu horário, às 9h. Como nos
82
comentou o capelão: “Esse grande movimento que vemos na missa de Ação de Graça
ao santo guerreiro comprova sua popularidade grandiosa aqui nessa cidade” (entrevista,
Wagner Toledo, 23 de maio de 2005).
Na missa de Ação de Graça a São Jorge, as pessoas que querem sentar para
assisti-la devem chegar bem cedo, pois as duas capelas ficam repletas de homens e
mulheres. Podem-se avistar várias pessoas com roupas nas cores do santo vermelho e
branco e com camisas estampadas com a imagem de São Jorge. Os irmãos e irmãs
também usam roupas nas cores do santo e às vezes seus trajes da Confraria: todo preto
com uma murça vermelha por cima, feito uma capa, para homens e mulheres, e com
terno branco, somente para os homens de cargos superiores.
Medeiros (1995) em suas observações nas missas de Ação de Graça a São Jorge
comenta sobre a forte presença do sexo masculino e de jovens com cabelos cortados à
moda militar, sendo que “o número deste predomina sobre o das mulheres. Não vêm em
grupos, mas solitários” (p.258). O autor destaca essa descrição dentro de um tópico que
desenvolve sobre a devoção do santo e o ethos viril. A idéia de guerreiro, que é bastante
vinculada a São Jorge, é de fato um caráter associável à virilidade; no entanto, há muitas
mulheres - adultas, senhoras e jovens - que freqüentam as missas e são devotas desse
santo que não apresentam características de virilidade, ou seja, gestos masculinizados,
como sugeriu o autor.
A quantidade de homem sobre mulher não se apresenta assim tão superior nas
missas e nas festas a ponto de ser uma questão. Na própria Irmandade, mesmo com o
número de irmãos superior ao das irmãs, quando você entra na Igreja em dias normais,
nas missas de São Jorge, na festa e na procissão, o número de mulheres atuantes é
visivelmente superior à quantidade do sexo masculino (vide anexo 5). Andréia da
Irmandade, uma de nossas informantes, entrou na corporação ainda bem jovem, 18
anos, porque, além de gostar das missas e do santo, sua mãe e sua tia já trabalhavam na
Igreja. D. Sônia, freqüentadora das missas e da festa de São Jorge anos comenta que
a devoção do santo já passou por gerações entre mulheres de sua família:
Sou devota muito tempo. Vim aqui pedir ajuda para curar
minha filha que estava muito doente. Fiz uma promessa, sabe.
Depois que minha filha melhorou não parei mais de vir e ela
também virou devota. A minha netinha também adora São Jorge
e quando pode vem na Igreja. (entrevista, Sônia, 62 anos, 23 de
junho de 2005).
83
A missa de Ação de Graça a São Jorge é celebrada pelo padre da Igreja, Wagner
Toledo, que também é capelão do Corpo de Bombeiros. O folheto guia da missa é
sempre o mesmo em todos os dias 23 de cada mês e também na festa. Nele uma
seqüência de musicas, ordenadas de acordo com os momentos litúrgicos, cuja única
variação pode vir na seleção da música, que são mais de uma para cada parte da liturgia.
A história do martírio de São Jorge, com sofrimento e glória, sempre é evocada no
sermão do padre como exemplo de força e explicação aos sofrimentos da vida. No
encerramento da missa é feito uma salva para o santo: “Viva São Jorge! Viva São
Jorge!”
2. “O santo de todo mundo"
81
: etnografia da festa de São Jorge
Esse título da reportagem acima retrata e anuncia muito bem o próximo ponto
que trabalharemos sobre a festa de São Jorge na Igreja do Campo de Sant’ana. As
descrições analisadas no item anterior caracterizam a Igreja no seu cotidiano, todavia na
comemoração ao dia do santo ocorrem grandes modificações internas e externas ao
templo, além de uma grande presença de um diversificado público.
Dentro da Igreja, a imagem enorme do santo sentado no corcel branco é
deslocada para a capela mor e colocada em sua lateral, destacada do altar do fundo, e
rodeada de grades. Esse deslocamento ocorre um mês antes do dia da festa, num final de
semana, fase preparatória ao dia da festa que incluímos dentro desse ponto etnográfico.
Do lado de fora, a Igreja é decorada também um mês antes com bandeiras
vermelhas e brancas - cores que simbolizam o santo
82
e que conforme Ataliba de
Oliveira, pertencente à Irmandade desde 1961, estão relacionadas a:
[...] todos nós devotos gostamos de usar, no dia de São Jorge, a
roupa vermelha e branca. O vermelho é exatamente a cor de
São Jorge, representa o manto que o defendeu e com o qual foi
sacrificado, e também todo o sangue que ele derramou em amor
à igreja, pela devoção que tinha. Na época deixou tudo que
tinha de lado, inclusive ele era preferido do chefão e poderia ter
sido um militar muito mais graduado do que foi. Então hoje nós
81
Título da reportagem do jornal “Extra” de 24 de abril de 2003.
82
O trabalho citado de Medeiros (1995) apresenta análises interessantes sobre o simbolismo das
cores do santo.
84
temos esta roupa em homenagem a ele. O branco simboliza a
paz, quando Jesus veio vestia branco. Quando nós temos a paz
ou a queremos, hasteamos bandeira branca. (entrevista, Ataliba,
5 maio de 2005).
Nesse período de preparação a capela menor também é transformada. Retiram-se
todos os bancos e colocam-se barracas de venda de artigos religiosos, transformando
num verdadeiro mercado de produtos votivos cuja responsável é a própria Irmandade de
São Jorge. Ao longo desse mês o clima é de festividade e é nessa fase que acontece o
Tríduo, três dias anteriores ao dia 23 de abril
83
: um momento marcado pela Igreja de
purificação aos devotos à festa do santo. A cada dia se benze algo específico como:
velas, chaves, água, pão, lança. Apesar de ter sofrido variações nos títulos de cada missa
nos diferentes anos de observação, o Tríduo segue uma lógica
84
.
No primeiro dia a mensagem profetizada refere-se à fé, fazendo alusão às
vitórias de São Jorge sobre seu martírio devido a sua em Deus. no segundo dia do
Tríduo o padre passa a mensagem de esperança recitando trechos como:
“E quando o dragão do desespero rugir no meu coração, confio
que de surgir no meu coração, confio que há de surgir o
cavalheiro da esperança, São Jorge, para vencê-lo e esmagá-lo,
devolvendo ao meu espírito a segurança e a tranqüilidade, a
alegria e a paz com Deus e homens (Vida e Morte de São
Jorge, s/d: 45).
O último dia do Tríduo finaliza com menções à caridade, aludindo ao perdão que
São Jorge concedeu aos seus inimigos: São Jorge, vós que perdoastes o imperador
Diocleciano e os carrascos que vos torturaram e tomastes a defesa dos cristãos
perseguidos, ajudai-me a perdoar os que me ofendem e fazem sofrer injustamente.”
(op.cit. 46). Apesar de cada dia possuir uma mensagem, após seu pronunciamento,
uma seqüência que é a mesma Pai-Nosso; Ave-Maria; Glória ao Pai e depois dessa
última celebra-se a oração que representa todo o momento do Tríduo, envolvendo todas
as preces aclamadas de fé, esperança e caridade:
83
Nem sempre esses três dias o os anteriores subseqüentes ao dia 23, como 20, 21 e 22. Isso
varia em relação ao dia da semana em que caíra a festa no ano. Em 2006, ano em que o 23 de abril foi no
domingo, a programação festiva da Igreja começou com o Tríduo nos dias 19, 20 e 21.
84
Tal lógica vem expressa num livreto escrito e publicado pela Igreja do centro, Vida e Morte de
São Jorge, cujos trechos utilizarei daqui por diante para citar as celebrações de cada dia do Tríduo.
85
Glorioso São Jorge, soldado altaneiro, que empolgais povos e
nações com vossa ; expressais em vosso rosto a esperança e
confiança; que sobrepujais o ódio e a opressão com vosso amor
e vossa caridade; dai-me fé, esperança e caridade. (op. cit.: 44).
Essa celebração de três dias consecutivos faz parte da programação oficial da
Igreja. Com aumento das programações da missa, fato que discutiremos mais
detalhadamente no ponto seguinte sobre as transformações, além do Tríduo agendou-se
também missas comemorativas entre os dias “vagos” dessa celebração ao 23 de abril,
como podemos verificar na programação de 2005 (vide anexo 6). Neste programa temos
uma noção da fase de preparação do Tríduo, o dia “vago” – 22 de abril –, das
celebrações do dia e após a festa, em que nos deteremos mais adiante. Nota-se que
aparece a comemoração mensal a Santo Expedito, dia 19 de abril, às 9h, e ao meio dia e
às 15h o início do Tríduo cujas temáticas das missas acompanham o tema maior dos
festejos ao santo nesse ano: a paz.
Após o mês todo de preparação, a Igreja inaugura seus festejos com a missa da
alvorada celebrada às 5h da manhã. Esta, dentre as outras missas programadas, é a mais
pomposa: é a missa de abertura dos festejos que conta com a participação da Banda do
Corpo de Bombeiros e/ ou da Polícia Militar e ainda com um toque de clarim efetuado
por um representante dos Fuzileiros Navais, anunciando oficialmente o início das
comemorações.
É quase impossível entrar para assistir a missa da alvorada dentro da Igreja,
restando um número significativo de pessoas que se concentra no lado de fora à frente e
na lateral da Igreja para assistir e participar da missa. O padre sempre se refere a este
público de fora, para quem a missa é projetada por caixas de som penduradas na parte
externa da Igreja. Na tentativa de ampliar o espaço de ação para transformar os que
estão de fora em participantes, o padre também sai no momento da benção até as grades
de ferro na entrada principal da Igreja e com balde de metal e um pincel grande (como
uma vassourinha) lança ao público externo água benta, abençoando-o e purificando-o
(vide anexo 7).
86
De acordo com Andréia
85
, a abertura dos portões da Igreja ocorre com uma hora
e meia ou duas horas de antecedência à missa das cinco horas: “nos dois últimos anos
procuramos abrir duas horas antes para evitar confusões na entrada, pois tinha muita
gente”. No entanto quem chega durante a madrugada pode encontrar burburinho de
pessoas e músicas. Essa festividade fica apenas por conta das barracas de comércios que
se instalam na Rua da Praça da República, no dia 22. Alguns comerciantes, sobretudo os
de menor porte, chegam até dois dias antes para conseguirem o lugar mais próximo da
Igreja.
Podemos verificar nessa festa, cuja celebração se faz no interior da Igreja e em
seus arredores, que existe uma divisão espacial entre dentro e fora (vide anexo 8). De
maneira geral, dentro centram-se as programações da Igreja com missas comemorativas
e visitação à imagem do santo, onde a única responsável é a própria Irmandade. do
lado de fora os agentes ampliam-se. Além dos participantes e fiéis presentes que
circulam nos dois espaços, encontramos também policiais militares e municipais;
seguranças terceirizados (contratados pela Igreja e pela associação dos barraqueiros); e
uma série de comerciantes “grandes barracas” e pequenas barracas"
86
, camelôs,
ambulantes, etc.
Na parte de fora, na área de comércio, podemos facilmente nos sentir dentro de
algumas das feiras “populares” brasileiras, como a de São Cristóvão, antes desta ter sido
realocada pela prefeitura da cidade. Dentre os diferentes tipos de comércios encontramos
as grandes barracas” que são as de maior porte e estrutura vendendo especificamente
comidas e bebidas. Compostas por lonas grandes que cobrem as barracas que m em
seu interior geladeiras, fogões, isopores grandes, etc., servem variadas comidas e
cervejas em garrafa um dos artigos mais requisitados na festa. as “barracas
pequenas” têm estruturas mais precárias, e vendem principalmente objetos religiosos. Há
algumas que comercializam comidas e bebidas, mas como sua composição é mais
simplória, acabam ficando restritas aos seus itens religiosos.
O comércio que preenche a rua na lateral da Igreja, Praça da República,
acompanha a festa alguns anos. De acordo com D. Ana, três anos responsável
pela organização das “grandes barracas”, cujo cargo assumiu após a saída de sua mãe, as
barracas compõem o cenário festivo cerca de 40 anos. Os vendedores dessas
85
Entrevista com Andréia, 08 de fevereiro de 2007.
86
Colocamos as aspas nesses nomes, pois o nomenclaturas utilizadas por nós para
diferenciarmos os tipos de comércios entre eles designado de forma geral como barraca.
87
barracas são organizados entre si. É uma organização simples feita através de contatos
cuja representante fica responsável em: fazer o pedido de nada consta na prefeitura para
utilização do espaço público; recolher dinheiro para pagar seguranças, montadores das
barracas, luz da rua, banheiros químicos; e pela coordenação geral das barracas. A
arrumação e organização desses barraqueiros o independentes da Igreja, como
comenta D. Ana:
duas festas, a da Igreja, e a daqui de fora que nós
organizamos [...] não pagamos nada à Igreja, pedimos licença
na prefeitura e nos arrumamos [...] o dinheiro que cada
barraqueiro paga, 100 neste ano, é pra puxar ponto de luz,
montar as ferragens das barracas e as lonas padronizadas,
segurança, banheiro químico, [...]. (entrevista, D. Ana, 23 de
abril de 2006).
Assim como esse trecho acima demonstra um distanciamento da parte do
comércio com a Igreja, ao conversarmos com algumas pessoas da Irmandade
verificamos que essa atitude se dava de forma recíproca:
vinte ou trinta anos atrás a Irmandade tinha um grupo que
ficava lá fora. Toda renda era revertida para a Igreja [...]
vendia alimento, souvenir [...] que as pessoas foram
falecendo e ninguém quis ficar no lugar e eles (barraqueiros)
foram tomando conta. Eles não têm nada a ver com a Igreja.
(entrevista, Ataliba, 5 de maio de 2005).
Além dessas barracas e das pequenas também ambulantes vendendo todo
tipo de produtos: bebidas, comidas, artigos religiosos santinhos, velas, flores,
“fitinhas” do santo, calcinhas, cds, etc.
De forma analítica, esses dois espaços de fora e dentro da Igreja podem ser
classificados de modos antagônicos e separados. Podemos dizer que o lado de dentro é
“puramente religioso”. Isto porque o controle é feito diretamente pela Igreja, que tende
a delimitar contaminações” com outros tipos de manifestações. o lado de fora pode
ser caracterizado pela parte da “diversão” justamente porque ao longo do dia as pessoas
comem e bebem ao “sabor” de variados sons: pagode, samba, afoxé, etc.
No entanto, sabemos que esse tipo de análise é estreito e não consegue
contemplar a realidade desse acontecimento, pois muitos devotos bebem e comem para
88
o santo e estão, dessa forma, celebrando-o. Assim, poderíamos classificar esses
arredores da Igreja como ambíguo, com caráter duplo de “devoção” e “diversão”.
Diferentemente do lado de dentro onde as formas de agir são controladas e conduzidas
pelas práticas católicas, no lado de fora a atuação da Igreja limita-se e depara-se com
outras formas de cultuar o santo.
Medeiros (1995), na descrição da festa de São Jorge, salienta logo de início a
grande diversidade de participantes, comentando principalmente sobre a forte freqüência
de “bicheiros”
87
, sambistas e de pessoas de culto afro-brasileiro. Para o autor, esta festa é
bastante representativa no que diz respeito ao caráter eloqüente das “fronteiras do
sagrado”, que, como descreveu, pode ser comemorado, tanto em clima espetacular,
quanto em espaços de silêncio: “Observamos momentos de paradas, de ‘câmeras lentas’,
ao lado dos barulhentos e entusiastas” (p. 283).
Assim diante da perspectiva antropológica, a festa como um lócus privilegiado
por ser um momento extraordinário que congrega num mesmo espaço diferentes
pessoas, valores e modos se relacionar também é vista como um evento onde ocorrem
negociações complexas e disputas de poder, apesar do tom integrador que se faz
evidenciar num primeiro olhar (Fernandes, 1982; Bahia, 1994; Menezes, 1996 e 2004).
Nesse sentido, as festas do santos, como argumenta Bahia (1994), não apenas
redimensionam e legitimam o papel da Irmandade local, mas também reforçam a
identidade sagrada destes assim como de outros representantes religiosos participantes -
fato que é bem marcante nessas festividades católicas. Além disso, as festas de santos
também podem ser pensadas como um dos pontos ápice da Igreja, um momento em que
ela abre-se e se expõe para um público diferenciado bem superior de seus
freqüentadores assíduos. Apesar de a Igreja ser responsável pelo contato com o
“sagrado”, a festa não se restringe apenas à ação eclesiástica, mas também se
relaciona a outros agentes:
Toda festa de santo esconde um campo de tensões que é
disputado por diversas figuras significativas o vigário, a
87
Os “bicheiros” ou banqueiros de bicho”, como descreve, charmosos em seus ternos brancos
impecáveis, sapatos brancos e camisas vermelhas de colarinho aberto; alguns de flor vermelha na lapela e
chapéu branco; uns poucos com colete, também da mesma cor, e meias vermelhas” (Medeiros, 1995:32),
assemelham-se ao personagem “Exu Pelintra”, da Umbanda carioca. Porém, essas descrições
efetuadas pelo autor, cujo local mais cil para visualizá-las é nas “grandes barracas”, também podemos
utilizar para identificar pessoas de escolas de samba, pois nessas barracas, que são em sua maioria
compostas por integrantes de uma agremiação de samba, esse personagem é figura carimbada (vide anexo
9).
89
autoridade civil, a polícia, o festeiro, o capelão-mor, o palhaço,
o arruaceiro, o comerciante e assim por diante. (Fernandes,
1982: 72).
Dessa forma, trazendo para dentro do caso estudado, a Igreja no dia da festa e
principalmente seus arredores são ocupados por diferentes grupos: diversas
manifestações religiosas podem ser observadas nesse contexto, sobretudo as ligadas aos
cultos afro-brasileiros. Forma-se, portanto, um mosaico de relações que possibilita
observar formas de diferenciação e congregação de grupos na configuração do próprio
espaço festivo.
No entanto, apesar de ser forte a presença de adeptos das religiões afro-
brasileiras na festa, nosso objetivo aqui não é trabalhar acerca de questões e
problemáticas sobre “sincretismo”. Essa categoria dentro das ciências sociais já sofreu
inúmeros debates que abarcou distintas e conflituosas formulações (Ferretti, 1995). Por
esse fato sua utilização requer cuidados redobrados além de uma análise criteriosa que
demanda tempo e espaço de que o dispomos. Mas isso não quer dizer que o damos
importância a esse conceito, aporque sua utilização é de extrema relevância no nosso
contexto contemporâneo multifacetado e multi-religioso, como muito bem observa
Sanchis (1994, 1995a, 1995b). No entanto, nosso enfoque neste trabalho é outro, não
centramos nossas observações diretamente nas trocas entre as duas religiões ou na
dupla-pertença de indivíduos, e sim na polivalência de pessoas na festa de São Jorge e
possíveis embates na confluência de práticas distintas num mesmo espaço físico. Dessa
forma as descrições que seguem abaixo sobre a participação de pessoas da Umbanda no
cenário festivo caminham nessa perspectiva, refletindo especialmente em situações e
momentos conflitantes.
Em seus relatos, Medeiros (1995) refere-se à presença de mulheres “da
Umbanda ou ‘Umbandomblé’, com suas vestes rituais, se postavam, arqueadas sobres os
joelhos ou sentadas ao longo do gradil posto ao lado da Igreja. (...) Estavam ali para dar
consulta, vender patuás e outros objetos ‘portadores de axés, orações, etc.” (p.233). No
entanto, nós não encontramos essas mulheres ornamentadas com seus tabuleiros para dar
consultas (como o comuns na lateral da Igreja da Nossa Senhora do Rosário e de São
Benedito, no centro do Rio de Janeiro). De fato, é muito forte a presença de adeptos da
Umbanda na festa, que podem ser perceptíveis através de suas roupas alinhadas em
vermelho e branco e seus colares de contas (guias), entretanto com vestes rituais e
fazendo suas consultas conforme descrito, não presenciamos. A única mulher que
90
encontramos, mas na festa de 2001, que vestia roupas semelhantes a essas, era uma
baiana que vendia acarajé toda enfeitada com guias no pescoço e no tabuleiro, que
também continha umas bonequinhas nas cores de São Jorge: verde, por causa da ligação
com Oxóssi na Bahia, e vermelho no Rio de Janeiro, devido à relação com Ogum.
Porém, isso não quer dizer que não haja “mulheres” dando consultas e sim que
não as encontramos em grupos e nem em destaque com suas roupas rituais, como
apontou Medeiros (1995) nas festas que freqüentou nos anos 90. Em nossas observações
nos deparamos com inúmeras situações de encontro entre distintas religiões. Esses
encontros que num momento festivo podem aparecer agregados e misturados por ocorrer
num mesmo lugar, nos revelaram circunstâncias onde aconteceram recusas e
distanciamentos, sobretudo em relação à Irmandade com as práticas de religiões afro-
brasileiras.
Em conversa, o secretário da confraria em maio de 2005, Sr. Ataliba, comentou
sobre as trocas com fiéis de outras religiões: “a igreja não proíbe a entrada dos
umbandistas ou de outra religião e também não acha ruim que eles freqüentem a igreja
porque eles dão donativos à igreja”. (entrevista, Ataliba, 05 de maio de 2005).
Todavia, no prosseguimento da conversa, algumas de suas expressões nos
soaram curiosas quando o assunto era a possível entrada dessas pessoas para a
Irmandade, da qual o Sr. Ataliba faz parte desde 1967:
A gente faz uma carta explicando o porquê de entrar na
Irmandade. Eles pedem uma relação de documentos porque só
podem entrar católicos, as pessoas que freqüentam espiritismo,
´essas coisas`, esse negócio de umbanda, esse pessoal não
serve. Você tem que trazer a certidão de casamento da igreja.
Tem que ser casado na igreja católica.
Apesar da postura da Igreja ser permissiva a adeptos de outras religiões,
percebe-se certo preconceito na fala ao se dirigir aos espiritistas umbandistas. Este
fato retrata o que Serra (1995) assinalou ao verificar algumas mudanças na relação do
catolicismo com o povo-de-santo e a própria identidade desse último no âmbito baiano
de um modo geral. O que o autor argumenta é que, apesar de certa permissividade do
catolicismo, encontrada normalmente em pequenas paróquias, a consciência de cada
um no seu lugar” é bem clara: horas que é interessante o aglutinamento, seja nas
festas ou nas doações, mas as coisas são separadas e, como aparece no comentário do
secretário da Irmandade, existem distinções bem claras que estão presentes.
91
A festa do centro é promovida pela Irmandade de São Jorge acompanhando
rituais e liturgias do catolicismo. No entanto, a festa também possui autonomia em
relação a este grupo, justamente por possuir grande diversidade de personagens e
acontecer dentro e fora dos limites da Igreja. Dessa forma, para manter o controle a
Irmandade precisa estar sempre lutando contra essas contaminações, e isso ocorre de
maneira diferente dentro dos espaços festivos. O lado de fora, como mencionamos, é
um local marcado pela atuação de variados agentes, sobretudo pela Irmandade com a
introdução de missas campais, desde 2003. A tensão que percorre esse espaço de fora é
mais forte, pois embora ele seja público, enquanto ocorre a festa, ele deve estar marcado
pelo catolicismo. Assim, conforme descreveremos abaixo, a idéia de permissividade em
alguns casos e repressão em outros pode ser também computada em um episódio que se
repetiu nos últimos três anos no espaço festivo, no entanto, com configurações e
posturas distintas.
Na primeira situação, a história se desenrolou sem atrapalhar o andamento da
festa pela Igreja no lado de fora. no segundo e terceiro ano, o mesmo caso ganhou
mais abrangência e passou a incomodar a Irmandade.
três anos notamos a presença de um moço, seu Aguiar
88
, negro de vestes
vermelha e branca com idade beirando os quarenta anos que, sozinho com seu atabaque,
sentou-se na lateral da Igreja junto à porta de entrada de convidados - local de bastante
movimentação. nesse lugar, por volta das quatro horas da manhã, antes da missa da
alvorada, ele tocou e entoou cânticos de “giras” da Umbanda.
Na primeira vez, em 2005, Aguiar ficou tocando e cantando entre quatro e dez
horas da manhã sem que aglutinassem ou formassem rodas ao seu entorno.
Percebíamos que para alguns transeuntes parecia que nada estava ocorrendo, apenas
uma ou outra pessoa parava e cantava.
Em 2006 essa situação ocorreu diferente. Aguiar, com seu atabaque e suas
vestes vermelha e branca, atraiu em seu entorno uma grande movimentação de pessoas
que formavam uma roda, dançando, cantando e batendo cabeça para o pequeno altar no
chão que continha duas imagens de São Jorge e flores vermelhas e brancas. Formou-se
uma espécie de “terreiro” ao lado da porta da Igreja e perto do palco das missas
campais. Entretanto, essa configuração o agradou à Igreja que, através do padre que
conduzia a missa das sete horas a primeira missa campal –, pedia encarecidamente
88
Nome fictício do informante.
92
que as pessoas não dessem atenção a certos tipos de “rodinhas” que se formavam, pois a
festa é da Igreja Católica. Logo que Aguiar saiu e recolheu suas coisas, por volta das
8h30min, um grupo de policiais militares ocupou e se posicionou no local.
No ano de 2007 a formação em torno de Aguiar, que se instalou no mesmo local,
ao lado da Igreja, cresceu espantosamente. Antes da missa da alvorada já se podia
escutar o som dos tambores repercutindo. Nesse momento não havia muita gente, a
atenção voltava-se para a missa mais “pomposa”. Mas por volta das sete da manhã já
havia muitas pessoas cantando, dançando e batendo palmas fervorosamente. O local
chamou a atenção de inúmeras câmeras fotográficas e filmadoras que circulavam pela
festa, além dos registros nos celulares portáteis. Em alguns jornais de papel e on-line,
Aguiar foi capa da primeira gina (vide anexo 10). Neste ano, Aguiar saiu da festa
mais tarde, permanecendo até 11h da manhã.
Aguiar é ogan de um terreiro na baixada, filho de Ogum, e três anos passou a
freqüentar a festa do centro tocando seu tambor para o cumprimento de uma promessa.
Quando comentava da festa, falava que gostava de tocar e cantar ao lado da Igreja, mas
também que isso era uma obrigação e não uma diversão.
Em relação à Igreja vimos a postura assumida pelo padre em 2006 na missa
campal, na qual atentava para o fato da festa ser católica e de evitar certas “rodinhas”.
Em conversa com Andréia da Irmandade sobre a freqüência de pessoas de outras
religiões, ela comentou que acha complicada a relação, porque considera que alguns
que respeitam, mas outros não. Nesse momento ela se referiu ao moço que toca ao lado
da Igreja:
fora na missa campal tem um moço que fica tocando
atrapalhando as missas é até uma falta de respeito com a
Igreja. Tentamos colocar música alta entre cada missa para
evitar o transtorno de seus batuques. Assim como a gente
respeita, a gente quer respeito. (entrevista, Andréia, 08
fevereiro de 2007).
Ainda na conversa, Andréia observou que a Igreja não pode fazer nada porque o
local é público assim como a festa também. Isto quer dizer que se o evento é público e,
sobretudo, ocupa um logradouro público como a rua, qualquer um, independente de sua
opção religiosa, e se é ou não devoto do santo, pode participar desse acontecimento.
Ainda mais se esse é divulgado e possui um feriado na sua data, como no caso das
comemorações a São Jorge que no dia e na véspera de seu dia são assunto de destaque
93
nos jornais de grande circulação entre os cariocas - como “Extra”, “O Dia”, “Expresso”,
“O Globo”, “Jornal do Brasil”.
Dessa forma nos encontramos numa situação que além da festa ser aberta a
todos, ela ocorre num espaço público e num tempo cuja data também é pública, tanto no
sentido do feriado quanto na “publização” que é feita em torno dela. Assim o número de
pessoas na festa que era grande, por volta de 120 mil segundo dados da polícia
militar, com a ocorrência do feriado sofre um aumento que é computado pelos
organizadores festivos e também divulgado na mídia. Em relação a isso ocorreram
algumas modificações na organização festiva que analisaremos a seguir.
3. A festa e suas transformações
É consensual o fato de que vivemos num mundo dinâmico onde “jogos de
continuidade e mudança” em práticas, comportamentos e valores são constantes.
Podemos observar essa equação dialética em quaisquer eventos, sobretudo naqueles que
se destacam e ganham visibilidade. Dentro dessa perspectiva as razões para manter ou
mudar podem ser inúmeras, podendo estar aparentes ou passarem despercebidas.
Em nosso caso analisado a possibilidade de um campo de sete anos de
observação na festa, cuja realização é feita em um dia, e na participação das atividades
na Igreja no seu cotidiano, nos auxiliou a ter contato com agentes dessa organização
como nos possibilitou também detectar algumas mudanças que se tornaram notáveis
após o decreto de feriado. Consideramos que a consolidação do feriado acabou por
“enquadrar”
89
temporalmente o “universo de devoção” ao santo guerreiro” no Rio de
Janeiro ao passo que contribuiu no aumento de visibilidade ao dia e no número de
participantes, trazendo conseqüentemente novos enquadramentos espaciais na geografia
da festa realizada no centro da cidade.
Em nossa área de investigação percebemos: uma crescente ocupação e
reorganização da Irmandade do lado de fora, especialmente com celebração de missas
campais, que ocorreram em paralelo a uma presença maior, tanto de agentes da
prefeitura controlando e delimitando a área de comercialização, quanto na própria
89
A noção de enquadramento aqui segue o sentido empregado por Mary Douglas (1976) de
mecanismo enfocar e dar mais atenção as práticas rituais, no entanto, expandimos esta percepção para
além da ação ritual, pensando sobretudo na oficialização do feriado.
94
quantidade de vendedores, que cresceu conseqüentemente ao aumento no fluxo de
pessoas.
A partir disso elencamos primeiramente em nossas análises as modificações nas
programações festivas da Igreja com a inclusão de missas campais e a retomada da
procissão para verificarmos depois as alterações no espaço festivo de fora da Igreja cujo
lugar é público e aberto a todos.
Em 2001 o existia missa campal e segundo o programa festivo deste ano (vide
anexo11) podemos notar que as celebrações festivas concentravam-se essencialmente
dentro da Igreja com missas nos dias do Tríduo e na festa. O único grande evento que
ocorria fora, durante a festa, e que já vinha de anos anteriores era a “chuva” de rosas
realizada pelo helicóptero do Corpo de Bombeiros em cima da Igreja, anunciada pelas
badaladas de seus sinos.
Em comparação com o programa da festa de 2005, apresentado no anexo 6,
verificamos uma simplicidade maior na elaboração do ano de 2001. Neste o
encontramos temas na programação festiva do santo como nos outros anos (“São Jorge
o cavaleiro da Paz” programa de 2005) e nem nos tulos das missas celebradas no
Tríduo. Nesse ano as missas celebradas dentro do templo foram quatro missas e não foi
programada nenhuma outra entre os dias do Tríduo e da festa, nem no dia 24.
Em 2002, as programações foram simples como as de 2001, mas a Irmandade
realizou missa no dia “vago”, 22 de abril, que além da comumente efetuada nas
segundas-feiras, a das almas, também promoveu uma em homenagem a São Jorge às
18h, cujo horário coincide com a saída do trabalho para a maioria das pessoas dessa
área central da cidade. No dia da festa houve dois televisores pendurados nas paredes
laterais de fora do templo para transmitir as missas ocorridas no interior da Igreja. De
acordo com o ministro da Irmandade, Jorge Aguiar, essa adaptação dos televisores está
relacionada com “os preparativos da festa (que) aumentaram” (entrevista do secretário
ao jornal Extra, 22 de abril de 2002).
Já em 2003 as diferenças nos preparativos e na programação ficaram mais
notáveis. Nesse ano a Irmandade programou uma missa campal no horário de 12h em
um palco armado no Campo de Sant’ana, defronte à Rua da Alfândega, bem no meio
dos festejos: entre a Igreja e a área dos comerciantes.
No programa desse ano- 2003- (vide anexo 12) vemos uma elaboração maior na
forma de fazê-lo, além de mais atividades planejadas. Nesse aparecem temas na
festividade do santo (“O rosto bondoso de Deus visibilizado em São Jorge”), no Tríduo
95
e nas celebrações do dia 23. Como a festa caiu próximo às comemorações da Páscoa, as
missas do Tríduo também se dedicaram a esse momento do calendário litúrgico.
É notável o aumento na quantidade de missas nos dias de festejos. Tanto no dia
anterior à festa, terça-feira 22, a programação foi intensa contando com diversas missas
(de 8h às 12h e 18h), quanto no dia 24 ( 10h,11h, 14h, 16h, 18h). Na data do “Glorioso
São Jorge” o número de missas que era de quatro passou para seis (da Alvorada - 5h;
Compromissal - 10h; Campal - 12h; Comunitária - 14h; dos Trabalhadores - 18 h;
Encerramento - 21h). Como vemos, aparece a missa campal que também contou com
outras apresentações: Banda de Música da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, Coral
José Bonifácio e a Fanfarra de Seropédica. Além disso, destaca-se a última missa
ocorrida num horário mais tarde 21h – e a missa das 18h, dos trabalhadores, com uma
nova intitulação que, como veremos adiante, irá caracterizar as celebrações campais
posteriormente.
Assim entre a programação de 2001 e 2003, percebe-se um aumento nas
celebrações promovidas pela Igreja e sua primeira “entrada” no lado de fora. Em 2004,
não celebraram missa ao ar livre, mas a programação da Igreja também foi mais repleta.
Neste ano, como afirma o padre Wagner, eles estavam avaliando a realização da
primeira missa campal feita no ano anterior. No ano de 2005 retomaram as missas
campais, adentrando de vez nas programações, ocorrendo em maiores números e com
mais destaque. De acordo com Andréia:
A proposta da missa campal foi de não prender as pessoas
dentro da Igreja, por que uma pessoa entrava às seis horas e
ficava até a próxima missa às 10, isso pára a fila fora. Então
a proposta foi até o padre Wagner [...] de fazer uma missa
fora para fazer com que as pessoas possam circular dentro da
Igreja e diminuir o tempo das filas [...] a quantidade de pessoas
vem aumentando e por causa do feriado muita gente vem
também. (entrevista, Andréia, 08 fevereiro de 2005).
Conforme o padre Wagner: “O número de devotos é muito grande e vem
aumento agora com o feriado a data de São Jorge, por isso decidimos fazer a missa ao
ar livre, evitando confusões dentro da Igreja” (entrevista, Wagner Toledo, 23 de maio
de 2003).
O interessante é que nesses discursos do pessoal da Irmandade o que se enfatiza
é o problema de fazer dentro devido ao número de pessoas e não as novidades, ou as
96
implicações, de ir para fora. Pois, de fato, podemos dizer que os limites de celebração e
“devoção” da Igreja se expandiram para este cenário de variadas formas com a
introdução das missas campais. Estas que começaram com um horário no lado de fora,
tendo o restante das missas no lado de dentro, acabaram por se intensificar, ganhando
mais horários em contrapartida das celebrações internas que foram se reduzindo. Em
2005 (conforme anexo 6) as missas campais foram quatro e no interior, três, sendo que
as celebradas ao ar livre ganharam títulos variados e diferentes dos habituais dados pela
Igreja: doentes, desempregados, família e falecidos.
em 2006 e 2007 também houve modificações na programação (vide anexo
13), cujas missas campais aumentaram para oito horários cada qual com uma temática
diferente: 7h Missa pela Família, 9h Missa pelos Aflitos/Endividados, 10h Missa pelos
Enfermos, 11h Missa pelos Perseguidos/ Caluniados, 12h Missa pelos Falecidos, 14h
Missa pelos Desempregados, 15h Missa de Libertação, 16h Missa da Paz. no interior
da Igreja as missas permaneceram em três horários: 5h Missa da Alvorada, 18h Missa
dos Militares – com a participação da banda de música da PMERJ – e 20h Missa Final –
pelos irmãos, funcionários e benfeitores.
Com esses dados podemos falar numa inversão na quantidade de missas
celebradas. Para dentro da Igreja se restringiram apenas as missas de cunho mais
“oficial”; i.e., cujas temáticas se destinam para instituições que tem o santo como
patrono e protetor: a própria Igreja, como contempla a última missa; para a PMERJ,
conforme a missa das 18h missa dos militares e a missa da alvorada que é
acompanhada pelo clarim e a banda do corpo de Fuzileiros Navais. Neste aspecto
notamos um contraste com o lado de fora onde as temáticas das missas voltam-se mais
para os devotos e suas “necessidades”.
É interessante salientar que essas temáticas não se restringem apenas aos
discursos litúrgicos proferidos pela Igreja Católica, mas apresentam mensagens que são
amplamente divulgadas no meio evangélico pentecostal, tais como: Aflitos/Endividados;
Perseguidos/Caluniados; Desempregados; Libertação. Característica que nos leva a
refletir numa convergência de valores religiosos evangélico e católico muito comum
em Igrejas imbuídas pelos sentidos e práticas da Renovação Carismática (Mariz e
Machado, 1998). Fato que, além dos temas, se comprova no comportamento dos padres
e cantores jovens como nas músicas ritmadas e gesticuladas com toque de palmas,
conforme acontece nas celebrações da Irmandade.
97
Juntamente a essa constatação de congruência entre valores religiosos, podemos
também destacar que esses temas referem-se a uma tendência no campo religioso atual
que busca uma valorização dos discursos e problemas enfrentados no dia-a-dia pelas
pessoas, frente aos temas teológicos (Pace, 1997). Com tudo isso podemos pensar na
ocorrência de mu(n)dan(ç)as dos programas da Igreja, ou seja, alterações nas
celebrações que acompanham uma tentativa de comunicação com variadas pessoas
através de discursos mais mundanos sobretudo nas missas campais. Dessa forma,
refletindo sobre as mudanças e ocupação da Irmandade do lado de fora, podemos pensar
num espaço aberto com caráter mais público, e num outro mais espaço fechado,
reforçando o caráter institucional.
Ao longo do dia festivo que segue com programação de missas dentro e fora da
Igreja, o horário de fechamento do templo varia muito em cada ano de festa, mas ocorre
normalmente após a última celebração, Te Deum”, aguardando-se um pouco mais a
visitação dos devotos à imagem do santo. No entanto, desde 2005 a programação da
Igreja o encerrou por aí, pois a Irmandade retomou uma prática que lhe fora muito
habitual e conhecida: a procissão de São Jorge. Desde a década de 80 que essa procissão
não ocorria mais. De acordo com Ataliba, secretário da Irmandade, o fim dessa
caminhada que carregava a imagem bicentenária e de tamanho “real” se deu pelo fato
das ruas do centro possuírem calçamento ruim, atrapalhando o percurso desta. Como
apontou, o estopim dessa paralisação ocorreu quando o capacete de ferro do santo caiu
em cima de um policial, machucando-o devido ao peso do objeto.
Em 2005 a Igreja retomou novamente a procissão de São Jorge, com uma
imagem do santo reduzida, cuja data agendada ficou para o domingo da semana seguinte
ao dia 23 de abril
90
. A escolha desse dia de não-trabalho pautou-se justamente por esse
motivo de o expediente, para assim não atrapalhar o trânsito e as atividades rotineiras
no centro da cidade. O evento inicia com a missa Compromissal da Irmandade, marcada
sempre aos domingos, que conta com a presença de alguns irmãos e irmãs que com suas
vestes da Irmandade roupa preta e capa de murça vermelha seguem na dianteira da
procissão. Os homens vão numa fileira na frente e entre as mulheres que formam duas
fileiras de cada lado, segurando estandartes com a imagem de São Jorge. Após a
90
De acordo com Andréia da Irmandade, o número de participantes nas procissões atuais ainda é
bem menor do que as celebradas anteriormente, como também o é em relação ao dia da festa que agrega
milhares de pessoas no espaço de fora da Igreja.
98
arrumação da Irmandade, segue o padre condutor e um carro de som, a imagem do santo
em cima de um carro do Corpo de Bombeiros e o público.
No primeiro ano, 2005, o dia “da caminhada ritual” acabou coincidindo com o
dia de maio dia dos trabalhadores. Durante o trajeto mensagens em homenagem ao
dia celebrado foram proferidas pelo microfone do padre, ligado ao carro de som que
emitia músicas na maior parte do tempo. O percurso desse ano foi apenas em torno do
Campo de Sant’ana, mas nos anos posteriores (2006 e 2007) a procissão modificou seu
caminho, aumentando-o e conduzindo-se por avenidas e ruas largas da redondeza: da
Igreja seguiram à Avenida Presidente Vargas em direção à Avenida Passos, depois
entraram pela Rua da Carioca em direção ao Campo de Sant’ana, dando a volta nele a
chegar novamente no templo. Tanto essa reintrodução das procissões de São Jorge
quanto a implementação e acréscimo das missas campais, evidenciam e corroboram para
a tendência de espetacularização que está presente entre católicos e evangélicos nos
últimos anos no Brasil (Mariz e Machado, 1998).
Como já elucidamos, o espaço de fora da Igreja é uma rua - Praça da República
-, um logradouro público onde qualquer pessoa pode transitar e cujo local fica sobre
responsabilidade, manutenção e controle do poder público. No espaço público deve-se
levar em conta, além do aspecto sico, sua dimensão de sociabilidade que possibilita o
encontro de distintas pessoas.
[...] “uma noção de espaço público que o inclua as práticas
interativas entre os agentes envolvidos na construção social do
seu espaço seria apenas uma noção que se estaria referindo a um
espaço urbano. Inversamente, uma noção que prescinda de uma
referencia espacial para essas ações interativas pode ser
entendida como uma esfera pública. Quando, portanto, uma
convergência entre as categorias espaço e ação, podemos
entender que se tem um espaço público, formado da intersecção
entre espaço urbano e a esfera pública, construtos dos quais
retira, respectivamente, as categorias que lhe são constitutivas:
espaço e ação” (Leite, 2004: 287).
Juntamente a essa definição do espaço público, que engloba simultaneamente
ações e o espaço, as noções de dinâmica e transformações constantes também o
acompanham. Entre os diferentes espaços urbanos da cidade, distintas formações de
espaços públicos podem ser configuradas. Em nosso caso, a rua e suas calçadas, além
das atividades e dinamismo no seu dia-a-dia, modifica-se em relação aos festejos no dia
de São Jorge, como expusemos no item anterior. No entanto, refletindo sobre o dia da
99
festa diante das modificações nos programas da Igreja e sua “entrada” nesse espaço
público, pudemos observar novas configurações na ocupação desse lugar e,
conseqüentemente, modificações nas relações entre os agentes organizadores desse
local.
Assim, para podermos visualizar, e entender melhor as análises das
transformações, selecionamos quatro anos distintos - 2001, 2003, 2005 e 2007 - para
elaborarmos os mapas que virão a seguir. Os motivos dessas escolhas referem-se
justamente às diferenças nos programas observadas a partir do feriado com a entrada de
missas campais conjuntamente com modificações espaciais: 2001 ano sem feriado,
com programa simples e poucas missas apenas celebradas no interior da Igreja, primeiro
registro da espacialização da festa; 2003 primeiro ano da missa campal no horário de
12h e palco armado no meio das festividades; 2005 missas campais aumentam para
quatro e deslocamento de seu palco; 2007 missas campais em oito horários, palco na
mesma posição de 2005 e isolamento da área de comércio, assim como divisão de lado
para tipo de comércio.
100
Mapa Festa 2001
101
Mapa Festa 2003
102
Mapa Festa 2005
103
Mapa Festa 2007
104
A Igreja, como os comerciantes para ocupar e montar quaisquer estruturas no
logradouro público – precisa fazer o pedido de nada opor à prefeitura através da região
administrativa do local. A realização desse pedido é feita pela Irmandade bastante
tempo, mesmo sem as missas campais, isso porque, seu evento, de grandes proporções,
extrapolava seus limites internos, seja com o público acompanhando as missas de
dentro da Igreja, como nas filas de espera. Contudo, com essas missas ao ar livre a
descrição do pedido e a relação com a prefeitura foram outras. Como observa Andréia, a
retirada do palco
91
no meio das festividades de São Jorge, na frente da Rua da
Alfândega, como em 2003, para a Av. Presidente Vargas esquina com a Rua Praça da
República nos anos posteriores (conforme mapas), foi determinação da Cet-Rio,
departamento da prefeitura de controle do trânsito:
Como fecha a rua, a Cet-Rio achou melhor colocar o palco na
entrada da rua, esquina com a Presidente Vargas. A gente
algumas sugestões também, mas eles arrumam e pensam na
questão dos ambulantes. As grades ao redor da Igreja são da
prefeitura e as que delimitam o comercio também, as outras são
da Rio-Tur. (entrevista, Andréia, 08 de fevereiro de 2007).
O aumento no número de pessoas na festa atraiu mais vendedores na área e,
conjuntamente, requereu maior controle e organização, sobretudo através da atuação dos
agentes municipais. De acordo com relatos de barraqueiros e de camelôs, a prefeitura
vem “apertando” a fiscalização assim como reorganizando e restringindo uma área de
comércio. Algumas grades de ferro foram colocadas pela prefeitura (vide anexo 14) e
afastaram a formação de barraquinhas e vendedores ambulantes ao redor da Igreja, na
tentativa de evitar tumulto e estabelecer um isolamento nesse local. Após as grades de
ferro determinou-se um zoneamento comercial com a distinção de espaços para a venda
de bebidas, comidas e artigos religiosos: de um lado da rua as “grandes barracas” e do
outro as barracas de pequeno porte (ver mapa acima – festa 2007 – e anexo15).
Existem diferenças significativas entre os barraqueiros e vendedores. As
“grandes barracas” possuem maior autonomia em sua organização e maior relação com
os responsáveis da prefeitura no controle da festa. No ano de 2006 eles resolveram
uniformizar e padronizar suas barracas com cores vermelhas e de tamanhos iguais,
sendo bem aceita a inovação pelos agentes da prefeitura (vide anexo 16). Conforme
91
O palco e o equipamento de som são conseguidos através de um devoto de São Jorge que é
funcionário da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
105
explica Dona Ana- responsável na organização das barracas: “Conversei com
V.(responsável da prefeitura) que estava querendo colocar todas as barracas num padrão
e ela disse que sim que adorou”, (entrevista D. Ana, 23 de abril de 2006). Esse fato
também se comprova com a permissão do aumento no número dessas “grandes
barracas” que passaram a ocupar não mais dois quarteirões ao longo da Rua Praça da
República, mas três, no ano de 2007.
Por outro lado os pequenos barraqueiros passaram a reclamar com freqüência da
crescente atuação normativa da prefeitura, que os trataria com menos respeitabilidade
do que aos donos das grandes barracas”, como pode ser evidenciado a partir das
declarações de Branca, que vende camisas há sete anos na festa:
A fiscalização da prefeitura vem aumentando bastante. Este ano
(2007), eles só deixaram armar a barraca na madrugada e
tiraram todos os produtos de bebidas quentes e de vidro do
pessoal desse lado. Trabalhamos igual ao pessoal do outro
lado, mas eles (prefeitura) só reclamam e cobram da gente.
(entrevista, Branca, 23 de abril de 2007).
A partir disso podemos refletir numa maior ocupação do lado de fora
acompanhada de uma preocupação maior de organização desse espaço. No entanto,
notamos que o controle da prefeitura não é diferenciado apenas aos agentes dessa festa
do centro da cidade, este também é heterogêneo quando consideramos os diferentes
espaços festivos no Rio de Janeiro. Quando questionados sobre a presença da prefeitura
em outras festas de São Jorge, os agentes da prefeitura do Controle Urbano comentaram
que: “atuamos mais aqui na Zona Central e Sul, nas outras áreas não não. Vai ter
gente também hoje na praia de Copacabana, no show para São Jorge (entrevista,
Marcelo, 23 de abril de 2007).
Em comparação a outras festas do município do Rio de Janeiro como a Igreja
Matriz de São Jorge em Quintino, cujo local é também representativo nas
comemorações de São Jorge atraindo várias pessoas, o número de policiamento (Guarda
Municipal e Polícia Militar) era bem menor e não havia esse tipo de agentes da
prefeitura denominados de Controle Urbano. Nessa festa, que ocorre no pátio da Igreja e
na rua em frente, Clarimundo de Melo, com várias barracas de comércio, o esse
tipo de controle e organização realizados pela prefeitura nas barracas do centro da
cidade; não delimitação de uma área específica para o comércio e nem uma
106
separação por tipo de produtos. Conforme nos confirmou o pároco da Igreja, o apoio à
festa ocorre sobretudo pelo vínculo de políticos :
Não fosse a atuação de um vereador que tem influência na
subprefeitura nós não teríamos tido tantos guardas para ajudar
no trânsito [que é interrompido na noite do dia 22 e é
liberado na noite do dia 23 em grande parte da rua em frente à
igreja], nem teríamos tido as grades de ferro que foram postas
próximas à igreja (Arruda, B e Pitrez, M; 2007).
Independente das polêmicas em torno do feriado, seu decreto possibilitou um
aumento no número de pessoas nas comemorações de São Jorge de modo geral. No
entanto, partindo dessa pequena comparação entre duas festas de igrejas tradicionais do
santo, verificamos que a localizada no centro da cidade é um espaço “luminoso”
(Santos, 1996) dentro de uma hierarquia entre os bairros da cidade, tanto no sentido de
atrair mais pessoas, comércios e agentes municipais (fato que observamos com as
transformações espaciais delineadas nos mapas), quanto no sentido do local ter
valorização por ser um centro historio e turístico, possuir importantes prédios públicos,
comerciais, bancários:
Talvez não seja à toa que, na fala corrente do carioca, o Centro
se confunde com ‘a cidade’, não só por ser o core de sua
evolução urbana, mas também por ser o local onde se realizou e
concentrou, a partir do século XIX, e mais intensamente após o
início do século XX, um projeto de cidade e de nação. O Rio de
Janeiro foi capital do país durante muito tempo, constituindo-se
em modelo urbano para as demais cidades brasileiras, e o
Centro é uma de suas vitrines. (Mafra, 2005: 24)
Como analisou Sansi (2003) - nos casos das transformações das festas baianas
do Senhor do Bonfim, em Salvador, e da Boa Morte, em Cachoeira a partir do
momento em que outros agentes ou entidades sociais o religiosos ganham interesse
nas festas, ocorre por um lado um aumento da tensão entre os diferentes atores, e, por
outro, um aumento significativo de participantes. Este processo pode levar ao que ele
designou como “deslizamento de imagens”, quando uma festa de santo passa a ser uma
manifestação de resistência cultural ou a mesmo quando o santo é visto como um
ícone cultural/ nacional, tornando-se “pop”. É interessante ressaltar, assim como fez o
107
autor, que isto não significa que um símbolo religioso deixe de ser propriamente
religioso para designar outra coisa. O que ocorre é uma proliferação de interpretações
tornando essas manifestações mais híbridas.
A reconfiguração de elementos presentes nesses tipos de espaços gera novas
intervenções e “novos agenciamentos”. A negociação, que historicamente se fez durante
muito tempo com o Estado como em nosso regime de Padroado, agora se faz por
articulações em variados meios de contatos, principalmente em manifestações de grande
significância social, como alertou Sanchis (1983). Percebe-se, portanto, que o campo
religioso está em diálogo constante com outras áreas de saber/poder e não reduzido e
nem tão “privado” como prescreveram alguns pesquisadores. Com essa ampla área de
contatos e de intervenções, novos mecanismos de regulação do religioso surgem e
devem ser estudados.
108
Considerações Finais
O debate sobre a problemática do fenômeno religioso interpenetrado (e
interpenetrando) o tecido social faz dialogar “religião” e “sociedade” como pólos que se
constroem mutuamente, tornando o “espaço público” um local privilegiado para
observar e analisar suas trocas. Essa discussão aludida por pesquisadores, diante de uma
cenário religioso em transformação, trouxe reflexões críticas acerca da tese da
secularização” nas ultimas décadas. Questionando, assim, intensamente o estatuto e
lugar da “religião” num tempo “moderno-contemporâneo”.
Apesar dessa perspectiva relacional entre a vida social e religião” ter se
constituído mais recentemente como um campo de estudo, a ligação entre o religioso e
outros domínios sociais é um dado computado historicamente. Alguns autores (Bax,
1991; Casanova, 1994; Giumbelli, 2002) ao retomarem a história de certas localidades
observaram que o processo de diferenciação da vida moderna, que colocaria cada esfera
como independente, autônoma e separada, não se encaixou como prescreve a “tese da
secularização”, que considera o domínio religioso como reduzido e direcionado ao
privado.
Giumbelli (2002), a partir de exemplos que o se restringem apenas à história do
ocidente, evidencia como ocorreram (e ainda ocorrem) as relações entre Estado e
“religião”. Seja através de ões religiosas como no processo de nation building, i.e., na
formação de nacionalidade e identidade dos Estados-nações; seja, no caso do Brasil dos
séculos XIX e XX, onde a configuração de uma “liberdade religiosa” “dependeu de um
determinado modo de intervenção do Estado e contou com o papel positivo e central da
Igreja Católica” (p.138), o autor deixa claro como as fronteiras entre fenômenos
religiosos, econômicos, políticos, culturais e sociais são tênues e fluidas, não
apresentando um comportamento autônomo com distinções precisas e nítidas. Nesta
perspectiva, a idéia de separação das esferas é encompassada pela idéia de relação, que
é conseqüência do próprio modelo de como a “modernidade” define “religião”. Não por
acaso atualmente encontrarmos uma intensa quantidade de estudos que buscam
compreender um “novo” posicionamento e significado do conceito de “religião”.
109
No presente trabalho também buscamos colocar em pauta estas conexões entre a
esfera religiosa e os outros âmbitos da vida social. A história de São Jorge no Brasil, o
seu culto contemporâneo ligado à cidade do Rio de Janeiro e, sobretudo, a instituição de
um feriado municipal no dia comemorativo do santo são elementos que jamais
poderiam ser analisados tendo o domínio religioso como uma esfera autônoma. A
relação entre São Jorge e o Rio de Janeiro constitui claramente uma problemática que
traz a necessidade de um novo posicionamento do campo religioso.
No primeiro capítulo, ao recapitularmos a história do culto de São Jorge no Brasil,
de herança lusa, atentamos para o estatuto cívico-religioso que caracterizava a Procissão
de Corpus Christi. Em Portugal, esta comemoração se diferenciava do restante do
continente europeu pela dupla promoção oriunda de ações eclesiásticas e monárquicas,
além do acompanhamento do Estado de São Jorge imagem do santo e sua bandeira
que era formada pelo corpo de ofícios responsáveis por sua guarda –, presente desde a
dinastia Avis, século XIV e XV (Santos, B., 2005). O que pode parecer para alguns
“puristas”, em nossos dias, como “mistura” entre domínio do religioso e da política, era
justamente um dos elementos que fomentava a festividade em Portugal e em suas
colônias: celebrando o Corpo de Deus, a monarquia portuguesa e São Jorge. Através da
associação com esta procissão, considerada como fonte dos primeiros registros do culto
a São Jorge no Brasil (Cascudo,1974; Maurício, 1977; Santos, B., 2005; Santos, G.,
2004;), podemos dizer, de forma análoga, que foi com esse caráter cívico-religioso que
esse santo adentrou em nossas terras.
Mesmo com o fim do acompanhamento de São Jorge na dianteira da procissão de
Corpus Christi, que no Rio de Janeiro realizou-se ininterruptamente até o ano de 1869
(Maurício,1977), este santo não perdeu seus semblantes cívicos, tornando-se
posteriormente patrono do Corpo de Bombeiro e da Cavalaria da Polícia Militar. Além
desse fato de referencia pública da devoção a São Jorge, que oficialmente é protetor
de órgãos estatais representativos de nossa segurança, no último ponto do primeiro
capítulo mostramos como, em nossos dias, existem inúmeras comemorações deste santo
no Rio de Janeiro que possuem essa característica pública bem marcada: a grande
presença de pessoas nas festas realizadas em locais públicos, a publização feita sobre
estas celebrações nos jornais cariocas e a forte presença iconográfica desse santo em
variados produtos votivos-comerciais o alguns exemplos contundentes explorados ao
longo da dissertação. A implementação de um feriado municipal no dia comemorativo
de São Jorge na capital fluminense clarifica ainda mais como a idéia do estreitamento
110
do religioso não corrobora com os dados e análises de nosso caso de pesquisa. A
discussão em torno do tempo e do calendário festivo da cidade foi fundamental para o
desenvolvimento de nossa abordagem relacional.
A partir da desnaturalização do tempo, verificamos como este é resultante de
uma longa e ininterrupta construção humana, aludindo tensões e disputas de poder na
forma de ordená-lo e calculá-lo. Assim, diante do nosso Calendário Gregoriano e na
forte tendência de homogeneizá-lo, nos deparamos com alguns vetores basilares em seu
processo de formação. Dentre estes, o religioso se destaca em sua antiguidade e
longevidade. Desde as primeiras reformas no calendário, na Roma Republicana, que a
demarcação do tempo em dias, meses e anos sofrera ações modeladoras pautadas em
valores cristãos, vindo a se intensificar, sobretudo, nas reformas da Idade Média, onde o
calendário passou a designar-se de Gregoriano, o sofrendo, desde então, nenhuma
modificação significativa até nossos dias. No entanto, a partir da formação dos Estados-
nações e do processo de desenvolvimento de transações econômicas internacionais,
outros valores também passaram a demarcar e ordenar nosso tempo como cívico e
econômico (Rajchenberg e Héau-Lambert, 2002).
Assim, em nosso calendário, que nos parece tão familiar, uma série de questões
e agentes estão envolvidos. Como vimos, a institucionalização de uma data em um
feriado resulta de ões políticas e públicas. Política, porque está ligada diretamente a
projetos de leis elaborados por políticos; e pública, porque, além de ser uma
conseqüência direta da política, também altera a qualidade do dia em questão, tornando-
o uma data de não trabalho, modificando toda organização e ordenação temporal do
calendário da localidade, que acaba por afetar a outros setores sociais.
Dessa forma, ao tornar uma data pública o dia de São Jorge, o feriado acabou
“reavivando” laços entre religioso e cívico, cujo estatuto faz referência com aquele que
o culto desse santo adentrou no Brasil através do acompanhamento da procissão de
Corpus Christi. No entanto, o que no período colonial e boa parte do imperial era uma
conseqüência direta de um regime de aliança entre governo e religião católica,
atualmente esse vínculo ocorre em um momento em que o Estado se encontra
constitucionalmente “separado” de quaisquer religiões: um Estado laico. Como aponta
Giumbelli (2002), apesar do regime republicano, desde sua primeira Constituição de
1891 estabelecer definições cruciais sobre princípios de laicização, sobretudo no que se
refere à “separação” entre o Estado e uma religião oficial”, seu sistema jurídico, por
outro lado, também possibilitou um sistema de “cooperação” conforme os termos da
111
Constituição de 1934. Com isso, as noções de “separação” e vínculo” entre Estado e
“religião” não ocorrem de forma antagônica (Giumbelli, 2002), mas se relacionam,
resultando em arranjos e agenciamentos distintos em cada momento da história de nossa
democracia republicana.
A instituição de feriados a dias santificados é exemplar nessa questão ambígua de
“relação” e “separação”. Na Constituição de 1891, o Estado brasileiro buscava a
rejeição deste tipo de prática; porém, como observamos na atualidade, existe uma
agenda intensa de feriados a datas santificadas. Muitas implementações foram inclusive
posteriores a esse momento, como, por exemplo, a data de 12 de outubro, feriado
nacional de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, oficializado no ano de 1980
(Fernandes, 1988), evidenciando como os feriados religiosos seguiram sendo
importantes mesmo dentro do contexto de um Estado laico. Além disso, também
podemos encontrar essas implicações de “cooperação” em nossa Constituição federal
brasileira de 1988, modificada pela lei 9.093, de 1995, onde fica estabelecida a
possibilidade de oficializar feriados a datas religiosas e de tradição local, no limite de
quatro, para os municípios brasileiros.
A justificativa do projeto de lei de 2001 para transformar em feriado municipal o
dia 23 de abril (data comemorativa de São Jorge) foi encaminhada pelo então vereador
Jorge Babu e baseou-se, sobretudo, na popularidade do santo. No intuito de legitimar a
institucionalização do feriado foram apresentados argumentos que não se baseiam em
princípios religiosos, mas em noções de maioria e de tradição, que, diante de nossa
Constituição Federal, são pressupostos plausíveis e legais na definição dos feriados
municipais. Desta forma, foram apresentados dados atuais e históricos que exploraram a
amplitude e abrangência devocional do santo, que ultrapassam limites entre religiões e
são considerados como constituintes de uma tradição local.
Ora, como apontamos, de fato, o feriado ao dia 23 de abril, no Rio de Janeiro,
contribuiu para tornar “mais” pública a devoção de São de Jorge. Sendo assim, torna-se
uma situação interessante para questionarmos e refletirmos sobre a noção
contemporânea do “religioso”. Além de centramos nos processos e impasses em torno
da instituição de um feriado católico, também observamos e analisamos possíveis
impactos em decorrência desse decreto numa festividade tradicional de São Jorge,
situada no centro da cidade do Rio de Janeiro. Como demonstram dados da Polícia
112
Militar e do Corpo de Bombeiros, após o feriado, aumentou quantitativamente a
freqüência dos participantes em suas festividades.
Refletir sobre a atuação do catolicismo diante de um contexto plural, onde as
explicações sobre o cotidiano da vida podem vir de múltiplas referências religiosas,
como também não religiosas, requer uma atenção específica aos santos e suas festas.
Não considerá-los é deixar à margem um fenômeno valioso que faz parte de nossa
experiência social e apresenta vitalidade nas ações atuais da Igreja Católica.
Os santos são considerados grandes “mediadores” entre os desígnios divinos e a
vontade dos homens; de acordo com a Igreja Católica são exemplos de vida a serem
seguidos por seus fieis. Os santos podem ser considerados como “objetos” devocionais
de caráter privado, por sua atuação em assuntos de interesses particulares e íntimos, tais
como proteção da casa, da saúde, do trabalho e da família. Mas, quando uma de suas
“qualidades” se torna uma generalidade e ganha notoriedade, como, por exemplo,
protetor contra a violência, o santo ganha popularidade e características públicas, que,
como vimos, pode resultar em um feriado para sua data comemorativa.
Assim os santos também funcionam como “instrumentos capazes de sublimar
diferenças sociais e superar diversidades regionais” (Santos, G., 2005: 29). As festas de
santos como eventos públicos e de atração de várias pessoas - para além do número de
freqüentadores das atividades rotineiras das igrejas - podem funcionar como
mecanismos de promoção e divulgação do catolicismo. Estas constatações nos atentam
para a importância de se considerar os santos e suas festividades como um objeto de
estudo, considerando suas manifestações em espaços distintos, tanto no campo quanto
na cidade. Podemos encontrá-las em pleno vigor em centros urbanos (Menezes, 1996 e
2004), contrariando uma perspectiva comum nas ciências sociais, cujo tema fora
direcionado para áreas rurais e tradicionais, diante do processo de urbanização e
modernização.
Dessa forma, por mais que não tenhamos nos concentrado diretamente nesta
problemática que discute a relação entre santo e cidade de forma teórica e metodológica,
acreditamos que nosso caso de estudo com suas particularidades poderá auxiliar
trabalhos futuros nesta área. Durante o processo dissertativo, a grande quantidade de
expressões festivas e publização iconográfica que São Jorge possui entre os cariocas nos
incitaram a pensar se este santo possui alguma relação com a configuração e dinâmica
urbanas deste espaço citadino. No entanto, para refletirmos sobre isso precisamente, a
113
fim de pensarmos num mapa festivo de São Jorge e seu forte vínculo imagético entre os
cariocas, necessitaríamos de um trabalho mais extenso. Como o dispúnhamos desse
tempo, nosso enfoque foi na oficialização do dia de São Jorge em feriado municipal no
Rio de Janeiro, observando alguns impactos na festa do centro da cidade.
Nesta festividade de São Jorge o novo enquadramento temporal (feriado
municipal) acabou por influenciar na dinâmica festiva e na organização espacial da
festa. O que percebemos, ao longo de sete anos de observação, foi uma alteração na
forma de ocupar e agenciar o espaço de “fora”, que é composto por distintos atores
sociais. A Igreja vem gradativamente ocupando e territorializando este espaço “público”
e a prefeitura aumentando sua segurança e controle, o que pode provocar disputas.
Dessa forma, o feriado indiretamente contribuiu para algumas mudanças na
festa. Por um lado, constatamos um aumento na quantidade de celebrações religiosas
oficiais do lado de fora da Igreja (com as missas campais); por outro, observamos uma
maior presença e controle da prefeitura tanto sobre o comércio quanto sobre o
“religioso” (como na mudança da posição do palco). Com isso, verificamos, ao mesmo
tempo, a ocorrência num espaço público de “mais” religião e “mais” secularidade.
Apesar da vigência de uma democracia e de princípios laicos no Brasil, e de que
vivemos cada vez mais num campo de diversidades religiosas, diante de um processo
crescente de expansão dos pentecostais e do de 'descatolização' registrado nas últimas
duas décadas (Menezes e Texeira, 2006), o estreito vínculo entre catolicismo e Estado
ainda é presente em vários momentos e situações. A oficialização do feriado municipal
ao dia do santo católico é exemplar nesta relação (quantos feriados evangélicos
encontramos no Brasil?). Dessa forma, acreditamos que nosso trabalho possa contribuir
para futuras pesquisas sobre a instituição de feriados religiosos e possíveis
conseqüências diante da publização desta data; sobre a relação entre catolicismo e
Estado; sobre territorialização espacial e disputas na festa de santo num centro urbano.
A despeito de um debate mais amplo, também consideramos contribuições sobre a
relação entre religião e modernidade – já que temos um fato que reforça a idéia de uma
relação positiva (Giumbelli, 2002) e não antagônica ou negativa entre estes dois
conceitos, contrariando expectativas em torno da “tese da secularização”.
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123
ANEXOS
Anexo 1. Iconografia de São Jorge matando o dragão
124
Anexo 2. Projeto lei – feriado de São Jorge
125
126
Anexo3. Fotos da localização da Igreja – retiradas do Google Maps
127
Anexo 4. Folheto Publicitário do projeto
128
Anexo 5. Fotos (Maria Cláudia Pitrez) da procissão 2007
129
Anexo 6. Programa da festa de 2005
130
Anexo 7. Fotos (Eduardo Lacerda): porta central e lateral da igreja com o padre Wagner
Toledo benzendo durante a missa da Alvorada/ festa de 2007.
131
Anexo 8 – A: fotos do lado de dentro da igreja
Fotos (Rita Toledo) de dentro da igreja na missa da Alvorada 2006.
132
Fotos (Rita Toledo) de dentro da igreja na missa da Alvorada 2006.
133
Anexo 8 – B: fotos do lado de fora da igreja.
Foto (Rita Toledo) da fila na lateral da igreja, missa da Alvorada/2005.
134
Anexo 8 – B. Fotos (André R. Novaes) do samba e das “grandes barracas”.
135
Anexo 8 B. Fotos (André R. Novaes) da roda em homenagem a Ógun na lateral da
igreja e fila para entrar no templo/2007.
136
Anexo 8 - B. Fotos (André R. Novaes) da missa campal/2007.
137
Anexo 9. Fotos (Eduardo Lacerda) da caracterização do pessoal do “bicho” e do samba.
138
Anexo 10. Foto do Jornal O Globo On Line – 24 de abril de 2007.
139
Anexo 11. Programa da festa de 2001
140
Anexo 12. Programa festa de 2003
141
Anexo 13. Programas das festas de 2006 e 2007.
142
143
Anexo 14. Fotos (André R. Novaes) das grades de ferro – limitação da área de
comércio/2007.
144
Anexo 15. Fotos (André R. Novaes) da área delimitada para o comercio/ 2007.
145
Anexo 16. Fotos (Eduardo Lacerda) da padronização das barracas/ 2007.
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