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Destarte, é necessário frisar que, no Oitocentos, discursos científicos
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, como
o de Coulanges, por exemplo, estavam baseados, tanto nas correntes Racionalistas
do século anterior, quanto no Conservadorismo que contrastava com o Liberalismo,
no final do século XVIII e início do século XIX. Essas correntes de pensamento
influenciaram a estruturação da História, tanto no que diz respeito ao seu estatuto de
ciência, quanto nas posições políticas de seus historiadores.
O Racionalismo estudava a razão humana como uma operação mental,
discursiva e lógica. Os racionalistas acreditavam poder extrair conclusões de uma ou
outra proposição de maneira a classificá-la como verdadeira, falsa ou provável.
Podemos destacar as primeiras definições desta corrente filosófica nos conceitos de
Descartes
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, Spinoza, Malebranche que, no século XVIII, foram retomados por
Leibniz, Wolff, Baumgarten. Estes pensadores sofreram oposição do Empirismo
Inglês e dos enciclopedistas franceses, tais como Bayle, Hume, Condillac, Diderot,
etc.
Segundo Evaldo Pauli (1997, p. 47), essa oposição apoiou-se numa direção
teórica contrastante em relação aos conceitos de Descartes e do Empirismo inglês.
O cartesianismo ou racionalismo radical considerava o conhecimento
independentemente do ser. Situava ao lado de Platão e não de Aristóteles, que tinha
maior influência sobre o Empirismo inglês. Para Descartes, o pensamento
funcionaria independente da experiência, porquanto considerava inatas as idéias
gerais a partir das quais desenvolveu o processo filosófico. Já o Empirismo inglês se
baseava na materialidade dos acontecimentos filosóficos, na crença de que o
conhecimento ou a ciência não se destinava apenas à contemplação, mas também à
transformação da realidade, promovendo o progresso e o desenvolvimento humano.
Diferentemente do Racionalismo, o Conservadorismo foi, de acordo com
Robert Nisbet, uma corrente de pensamento que implicava em “preservar o que
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Reconhecemos outras influências “embrionárias” na constituição da idéia de uma ciência humana que tratasse
do passado com um mínimo de segurança e veracidade, como os escritos de Voltaire e dos Iluministas em geral,
dos românticos do início do século XIX, tais como Jules Michelet, do método de pesquisa de Leopold Von
Ranke, da filosofia positivista de Comte. Entretanto, dedicar-nos a falar sobre esse processo na obra de
Coulanges,eo seu papel no positivismo ou na ciência histórica do século XIX seria retirar o foco do nosso
problema que é a construção do espaço Frances segundo três instancias.. Aqui, somente é oportuno saber que
bases fundamentaram o tipo de história que Coulanges escreveu. Todo o debate sobre o método é realizado após
a obra “Cidade Antiga”, escrita em 1864. É a partir de 1870 que os debates metodológicos em torno da História
vão se tornar fortes e constantes e por esse motivo, apenas oferecemos apontamentos para entender como foi
essa formatação da história a qual Coulanges está envolto.
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A principal obra de Descartes que influenciou a formalização do Racionalismo foi o “Discurso do método” de
1637 e Meditações Sobre a Filosofia Primeira de 1641. Ver mais em Evaldo (1997).