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Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Filosofia e Ciências
Campus de Marília
A Fantástica Fábrica de Dinheiro na trilha do
Empowerment:
o discurso gerencial no Banco do Brasil
Marília
dez/2007
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Erika Batista
A Fantástica Fábrica de Dinheiro na trilha do Empowerment:
o discurso gerencial no Banco do Brasil
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade
Estadual Paulista sob orientação do Prof. Dr.
Antonio Carlos Mazzeo.
Marília
dez/2007
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FICHA CATALOGRÁFICA
Batista, Erika
A fantástica fábrica de dinheiro na trilha do empowerment: o discurso gerencial no
Banco do Brasil / Erika Batista. Marília, SP: [s.n.], 2007.
Orientador: Antonio Carlos Mazzeo
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e
Ciências.
1. Trabalho bancário. 2. Reestruturação bancária. 3. Banco do Brasil.
4. Discurso gerencial. 5. Empowerment. 6. Relações de trabalho. 7. Título.
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Erika Batista
A Fantástica Fábrica de Dinheiro na trilha do Empowerment:
o discurso gerencial no Banco do Brasil
Banca Examinadora:
___________________________ ____________________________
Prof. Dr. Marcos Tadeu Del Roio Prof. Dr. Mauro Luís Iasi
___________________________
Prof. Dr. Antonio Carlos Mazzeo
(orientador)
Marília
dez/2007
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Aos ex-colegas (mas não ex-amigos) do Banco do Brasil,
A todos os trabalhadores bancários,
A todos os trabalhadores que sofrem o jugo da hipocrisia gerencial.
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Agradecimentos
Enfim, é hora de agradecer aqueles que de alguma forma contribuíram para que este
trabalho se realizasse, participando de forma direta ou indireta, de forma ativa ou simplesmente
observando, e até aqueles que duvidaram que ele fosse possível. E como não podia deixar de ser,
já me antecipo a pedir desculpas aos que não forem lembrados aqui. Como foram muitas as
“ajudas” recebidas, começo por ordem cronológica, e não de importância. Também aviso que
como este é o único espaço deste trabalho que posso escrever do jeito que eu quiser, me darei o
direito de abrir mão do “rigor científico”.
Agradeço aos colegas do Banco do Brasil que à época do exame para ingresso no
Programa me aturaram subindo pelas paredes, principalmente aos amigos Melissa, Marquito e
Emerson, companheiros de trabalho no PAB-TRT. Muito obrigada pela cobertura dos almoços
estendidos e das filas únicas para que eu pudesse dar conta das leituras, pelo material
institucional reservado à pesquisa e pela torcida sincera. Vocês foram ótimos! Também agradeço
aos gerentes Dedival e Juliana, que liberaram as minhas folgas sem chantagem gerencial para que
eu fizesse as provas e me dispensaram sem terror burocrático quando fui aprovada.
Agradeço ainda a todos os colegas que se disponibilizaram a conceder as entrevistas,
abrindo mão de horários de almoço ou ficando após a jornada de trabalho para dividir comigo um
pedaço de suas vidas. Obrigada ao colega Fernando, pelas informações “extra” concedidas. Sem
vocês esta pesquisa não seria possível e não teria o menor sentido. Muito obrigada mesmo, de
coração! Obrigada também aos colegas que torceram para que eu (com o perdão da palavra) me
estrepasse, pois muitas vezes vocês foram minha maior motivação, não só por vaidade, mas
principalmente para mostrar que tudo é possível quando a vontade é verdadeira.
Minha amiga Isabel também foi fundamental neste processo de ingresso, me
emprestando seus textos, discutindo comigo as questões propostas e me ajudando a elaborar o
projeto que originou este trabalho. Obrigada pelas tardes de domingo me explicando Lukács,
Marx e toda a turma, e pela torcida para que eu chegasse até o fim. Valeu Bel!
Deveria deixar para o final, mas como o critério foi cronológico, agradeço aqui ao
amigo Antonio Carlos Mazzeo, que manteve contato comigo nos 3 anos que me separaram da
pesquisa acadêmica, participando da confecção do projeto e me recebendo de volta com muita
satisfação. Obrigada pelas sessões “papo cabeça” nos piores momentos que passei durante este
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processo, que me ajudaram a crescer como pessoa e acabou se refletindo neste trabalho. Quanto
ao orientador, bem, penso que deveria agradecer aquela coisa toda de orientação padrão, mas não
dá. Então, agradeço por todas as vezes que você sumia e eu ficava desesperada comendo os livros
para entender sozinha o que eu sabia que tinha que entender de qualquer jeito; pelas vezes que eu
escrevia alguma coisa achando que tava “abafando” e você, depois de praticamente ser amarrado
na cadeira para ler, dizia “É, ta bom, mas........precisa disto, disto, disto” me fazendo correr atrás;
por todas as vezes que estávamos em cima da hora com prazos e questões burocráticas e você
dizia “Calma, isto é “pro forma”, vai dar tudo certo”, me pondo doida atrás de todo o “pro forma”
para que assim desse certo.....enfim, pelo seu jeitinho peculiar de (des) orientar.
Agradeço ao meu amorinho Alexandre, que me apoiou quando resolvi encarar mais
esta empreitada, vivendo comigo o céu e o inferno (com tudo que vem junto!) de lutar por algo
em que se acredita. Obrigada pelas discussões corporativas e pelo laboratório vivo que você me
forneceu. Apesar dos pesares todos que vivemos neste processo, saiba que hoje eu sou mais forte
justamente por causa disso, o que também está refletido neste trabalho.
Aos meus pais, Dol e Benê, agradeço pela torcida, as orações e a compreensão com
os momentos de desatenção, ausência e rispidez. À minha sempre irmãzinha Kaká, obrigada pelo
colo nos momentos difíceis, pela torcida, pelos textos recomendados e emprestados (e que até
hoje eu não devolvi!), pelas discussões e pelo “kit mestrado” que recebi quando comecei esta
saga. Agradeço ao meu primo Gustavo pelos textos sugeridos e pelos debates homéricos (que
atravessaram até o Atlântico!) que ajudaram a fortalecer minha posição “teórico-metodológica”.
Obrigada aos meus outros pais, Seu Adel e Mary, que tantas vezes me esperaram de
madrugada, me levaram e buscaram na rodoviária, pelas comidinhas e roupas lavadas, e
principalmente, pela torcida e paciência com a minha estadia em Marília quando cumpria as
disciplinas. Obrigada também à minha cunhada Sandra, pela companhia durante este período.
Agora começa uma família maior (ainda bem), que viveu comigo este processo,
contribuindo cada qual a sua maneira. Meus amigos da Unesp, com quem dividi inúmeras
discussões, sugestões de leitura, risos e lamentações: Tati, Lívia, Mateus, Simone, Lúcio, Carol,
Anderson, Bóris, profª Fátima e profº Del Roio. Também agradeço aos professores Corsi,
Giovanni, Ariovaldo e Felipe pelas sugestões bibliográficas, dicas e livros emprestados.
Fazendo parte desta família de amigos, obrigada à amiga Jaqueline, pelos caminhos
idos e vindos (literalmente) e pelas infinitas sessões de angústia que deixavam a gente com a
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garganta seca de tanto falar (e falar alto)! Também agradeço outra amiga, Virgínia, que
acompanhou o processo todo desde o início. Obrigada pelos jantares naturebas em Mariland,
pelas horas de MSN socializando as dúvidas, “portões de mármore e valas”! Agradeço ainda às
amigas Nani e Lourdinha pelas “positive vibrations”, especialmente durante os 15 dias em que
me acolheram durante o período das entrevistas (que vocês sabem, foi muito mais do que isso).
Obrigada às Meninas da Seção de Pós-graduação, principalmente Aline e Andréia,
sempre dispostas a colaborar na resolução dos problemas burocráticos. Valeu pelos socorros e
operações de “salvar a pátria” em tempo!
Agradeço pelos recursos recebidos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior, fundamentais para a realização desta pesquisa.
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Os indiferentes
Odeio os indiferentes.
Acredito que viver
significa tomar partido.
Indiferença é apatia,
parasitismo, covardia.
Não é vida.
Por isso, abomino os indiferentes.
Desprezo os indiferentes,
também, porque me provocam
tédio as suas lamúrias
de eternos inocentes.
Vivo, sou militante.
Por isso, detesto
quem não toma partido.
Odeio os indiferentes.
(Antonio Gramsci)
Los derechos se toman, no se piden;
Se arrancan, no se mendingan.
(Jo Martí)
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Resumo
Uma lógica de instabilidade e imprevisibilidade inerente ao funcionamento da sociabilidade
capitalista acompanha as transformações das relações sociais do trabalho em sua totalidade, e que
aliada às novas tecnologias delineia mudanças nas formas de organização do trabalho. O aparato
ideológico de dominação se torna fundamental para garantir a subordinação da classe
trabalhadora à acumulação capitalista, constituindo os variados métodos de gestão do trabalho em
um controle ideológico que extrapola a dinâmica do processo produtivo e assume forma social,
do qual os discursos gerenciais são formas típicas. Através da caracterização histórica do modo
de produção capitalista no século XX, a pesquisa contextualizou as formas de gerenciamento do
trabalho e sua manifestação no setor bancário brasileiro. A partir da reestruturação bancária do
país, principalmente com o Plano Real, o objeto específico se concentrou no estudo realizado em
uma agência do Banco do Brasil SA. A análise das tendências organizacionais propostas pelo
discurso gerencial do Banco tiveram a finalidade de verificar a suposição de uma contradição
inerente ao discurso gerencial, traduzido na ideologia do empowerment, e a sua respectiva
concretização pela prática do trabalho bancário.
Abstract
The work relations have been changing according to the capitalism transformations and the new
technologies, resulting in an uncertain social logic. The ideological ways of domination have
become an important component to ensure the capitalist accumulation. Thus, the several
instruments of work management are ways to improve the ideological control which goes beyond
the productive process dynamics, and that gets a social shape. The management discourse is an
example of that. Through the historical characterization of capitalism in the XX
th
Century, the
study shows the work organizational practices and their management discourse in the capital
mundialization, and how they manifests themselves in the brazilian bank sector. From the bank
restructuring, specially with “Plano Real” (Real Currency Economic Measures), the specific
object of this study focused on field work made at an agency of “Banco do Brasil” (Bank of
Brazil). Therefore, the organizational trends of the bank management discourse were analysed in
order to verify a contradiction between the empowerment discourse and the work bank practice.
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Sumário
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................................... 13
PARTE I - A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E SUAS FORMAS SOCIAIS DE CONTROLE ................. 19
CAP I MUNDIALIZAÇÃO CAPITALISTA E GERENCIAMENTO DO TRABALHO ..................................................... 19
A organização fordista do trabalho para além da linha de montagem .................................................... 21
A organização taylorista do trabalho para além da administração científica .......................................... 25
O limite orgânico do “trabalho em migalhas” ......................................................................................... 28
CAP II CRISE AGUDA DO CAPITAL E A APROPRIAÇÃO SISTEMÁTICA DA SUBJETIVIDADE ................................ 32
A ideologia e o poder gerenciais ............................................................................................................. 35
A organização toyotista do trabalho para além do just- in- time ............................................................. 41
A apropriação da subjetividade pela gestão dos “recursos” humanos .................................................... 46
O discurso do Empowerment .................................................................................................................. 52
PARTE II – O BRASIL E A FANTÁSTICA FÁBRICA DE DINHEIRO ............................................................ 60
CAP I O BRASIL NA MUNDIALIZAÇÃO FINANCEIRA ........................................................................................ 60
O caráter da reestruturação capitalista brasileira ..................................................................................... 65
Militar-bonapartismo e reforma bancária ................................................................................................ 68
“Milagre” econômico, crise e endividamento ......................................................................................... 77
A “democracia burguesa” e os planos de estabilização monetária .......................................................... 83
CAP II SUBORDINAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO BANCÁRIA ............................................................................... 87
Os Planos Collor e a liberalização financeira ......................................................................................... 88
O Plano Real ........................................................................................................................................... 91
Crise e reestruturação bancária ............................................................................................................... 94
O segundo governo FHC e a subordinação plena ................................................................................... 98
PARTE III – O DISCURSO GERENCIAL NO BANCO DO BRASIL .............................................................. 104
CAP I O TRABALHO BANCÁRIO E O BANCO DO BRASIL ................................................................................ 104
A organização do trabalho bancário ...................................................................................................... 105
História do Banco do Brasil SA ............................................................................................................ 111
Composição acionária e estrutura organizacional ................................................................................. 116
CAP II - A GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS NO BANCO DO BRASIL ......................................................... 121
O “pacote” de benefícios e o fetiche da qualificação ............................................................................ 122
As ferramentas do discurso gerencial e a cooptação ideológica ........................................................... 131
A reestruturação organizacional de 1995 .............................................................................................. 138
CAP III O BB NA TRILHA DO EMPOWERMENT ............................................................................................... 147
Rupturas e continuidades entre os antigos e os novos funcionários ...................................................... 150
Segmentação do atendimento e fragmentação da força de trabalho ...................................................... 167
12
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................................... 174
APÊNDICE A - APONTAMENTOS SOBRE AS NOVAS TECNOLOGIAS E CRISE ATUAL DO MODO
DE PRODUÇÃO CAPITALISTA .......................................................................................................................... 183
APÊNDICE B - APONTAMENTOS SOBRE A NATUREZA DO TRABALHO BANCÁRIO ....................... 188
ANEXO 1 – PERFIL DOS ENTREVISTADOS NA AGÊNCIA X EM SÃO BERNARDO DO CAMPO/SP. 192
ANEXO 2 – CÓDIGO DE ÉTICA DO BANCO DO BRASIL S.A. ..................................................................... 194
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................... 197
OUTRAS FONTES .................................................................................................................................................. 204
REVISTAS ........................................................................................................................................................ 204
DOCUMENTOS ELETRÔNICOS ........................................................................................................................... 205
MATERIAL INSTITUCIONAL ............................................................................................................................. 207
FILMES .............................................................................................................................................................207
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INTRODUÇÃO
Para situar o objeto específico deste trabalho, que é o discurso gerencial e a prática de
trabalho no Banco do Brasil SA (BB), ao objeto geral da reestruturação financeira e bancária
nacional, se faz relevante problematizar a temática num contexto mundial de reestruturação do
próprio capitalismo, que a partir do movimento de internacionalização do capital e expansão do
“credo” neoliberal, reorganizou o sistema financeiro global e fez emergir o momento
predominante da acumulação financeira no âmbito de interações complexas, parafraseando
Lukács.
Considerou-se a prioridade da categoria universal da produção material em interação
com momentos predominantes da circulação, caracterizados pela desregulamentação do sistema
bancário e inovações tecnológicas, descentralização das atividades financeiras, juntamente com a
criação de novas ferramentas e nichos no mercado. Tais adequações passaram a ser consideradas
condição sine qua non para a sobrevivência de qualquer centro financeiro no bojo da
reestruturação mundial do capitalismo.
Uma lógica de instabilidade e imprevisibilidade, inerente ao funcionamento da
sociabilidade capitalista, acompanhou as transformações das relações sociais do trabalho em sua
totalidade, e que, aliada às novas tecnologias refinou o tom dos discursos gerenciais, que, mais do
que uma teoria da administração de empresas, constituem-se no que Tragtenberg qualificou de
ideologia gerencial, uma resposta intelectual da classe dominante para disciplinar a força de
trabalho, quando o controle sobre o trabalho ultrapassa o espaço organizacional e assume forma
social.
A fim de ilustrar as conexões estabelecidas teoricamente e fundir o conhecimento em
uma realidade objetiva, tais transformações foram observadas para um determinado tipo de
trabalho, o bancário. A atividade bancária é parte da esfera da circulação, e de acordo com a
distinção de trabalho produtivo e improdutivo abordada por Marx, o trabalho bancário deve ser
analisado como atividade improdutiva, que não cria riqueza concreta, e sim viabiliza a
concretização do valor produzido na esfera produtiva, atuando na pseudovalorização da
acumulação financeira por meio da contabilização e manipulação da mercadoria dinheiro.
14
Mesmo não produzindo o valor excedente o trabalho improdutivo realiza a mais-valia
na medida em que articula sua circulação e posterior acumulação. É trabalho assalariado,
considerado como trabalho abstrato e, portanto, trabalho alienado na sociedade capitalista. O
mesmo mecanismo utilizado para a compra e venda da mercadoria força de trabalho e a
respectiva lógica de seu controle e exploração pelo capitalista na esfera produtiva é aplicado na
totalidade do modo de produção, e, portanto, engloba trabalhos considerados improdutivos como
a atividade bancária. As mesmas diretrizes organizacionais do espaço industrial são transferidas
para gerir e controlar os trabalhadores do setor de serviços, o que por sua vez, foi particularizado
na observação do trabalho bancário na instituição financeira Banco do Brasil.
O BB conta uma estrutura de grande porte, de abrangência nacional e internacional, e
por ser uma instituição bancária que opera em regime de economia mista, no qual 70% de suas
ações pertencem ao Tesouro Nacional, estabelece relações singulares com o governo brasileiro.
Além disso, por estar inserido em um contexto de alta competitividade do setor financeiro, o
Banco deve acompanhar as modificações organizacionais sucedidas em nível mundial.
O Plano Real em 1994 modelou um cenário de relativa estabilização da moeda, após
as várias tentativas fracassadas de planos econômicos desde 1986 com o Plano Cruzado. O Banco
Central assumiu a coordenação da reestruturação do sistema financeiro brasileiro e a engenharia
financeira promoveu novas estratégias de lucratividade durante a reestruturação bancária, uma
vez que as antigas estratégias, pautadas em altos índices inflacionários que atravessaram as
décadas de 1960, 1970 e 1980 careciam de ser superadas num contexto de controle inflacionário.
Tais estratégias apontaram para a direção da diversificação e venda de serviços e produtos
bancários, e para a redução de investimentos em capital variável.
As transformações referentes à organização do trabalho no BB devem ser
compreendidas como expressão de um processo mais amplo, de reestruturação do sistema
financeiro nacional num contexto de internacionalização do capital, e não meramente decorrente
de inovações tecnológicas no setor bancário. Visando se adequar a este movimento, o Banco
lançou o Programa de Ajustes em 1995, cuja principal ação foi o Plano de Demissão Voluntária
(PDV) e o Plano de Adequação de Quadros (PAQ).
Como parte do Programa, houve a realização de três concursos públicos nos anos
seguintes para a contratação de nova força de trabalho, que ocorreram em 1998, 1999 e 2002. A
15
finalidade era reduzir os custos com a folha de pagamento e instituir um novo modo de controle e
disciplina da força de trabalho que viabilizasse a implantação das “modernas” formas de gestão
empresarial.
Tomando-se como ponto de partida para a análise da reestruturação no BB o
Programa de Ajustes em 1995 e o ingresso dos novos funcionários a partir de 1998, torna-se
pertinente a seguinte questão: como o BB viabilizou as modernas técnicas de gerenciamento do
trabalho numa atmosfera organizacional supostamente conflitante, composta por funcionários
anteriores ao Programa e funcionários ingressantes após a reestruturação? Como disciplinar e
controlar concomitantemente uma nova força de trabalho em meio a um corpo de funcionários
antigos e identificados com as “velhas” técnicas de gestão?
Tal problemática se traduziu em um estudo de campo que teve como objetivo
estabelecer uma conexão entre o conhecimento teórico apreendido e a realidade histórica
objetiva, a fim de não ceder às armadilhas metodológicas que escondem a essência da coisa em
si, e apresentam o fenômeno como concreto. Dessa forma, a orientação teórico-metodológica
desta pesquisa compreendeu o materialismo histórico dialético, que, de acordo com Kosik se
propõe a compreender a “coisa em si” e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à
compreensão da realidade.
Os sujeitos deste trabalho são os funcionários do BB que ingressaram no Banco até
1995 e os que ingressaram a partir dos concursos de 1998, 1999 e 2002. Todos os 19 funcionários
que participaram foram abordados a partir da técnica de entrevistas pautadas e individuais, dos
quais 01 se aposentou, 02 se demitiram, e os outros 16 continuam na ativa em uma agência em
São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo. Além dos entrevistados em caráter formal,
também foram obtidas informações em caráter informal com demais funcionários da agência
mencionada. Todos os sujeitos foram tratados no sexo masculino durante o texto a fim de garantir
o anonimato dos funcionários, conforme termo de compromisso assumido entre pesquisador e
entrevistados (exceto quando a troca do sexo descaracterizaria o trecho do discurso ou quando a
própria fala do entrevistado o sugere).
A seleção dos entrevistados ocorreu a partir do recorte metodológico do problema em
uma agência do BB. A escolha da localidade no ABC Paulista se justifica pela reconhecida
tradição de lutas trabalhistas da região, nos setores metalúrgico, automobilístico e bancário. A
16
agência que serviu de locus para o trabalho empírico é uma unidade média, de perfil comercial
jurídico e que atua no segmento de varejo. Conta com 21 funcionários lotados na agência, dos
quais 18 são concursados, 02 são menores aprendizes e 01 é estagiário. Por limitações financeiras
e de tempo, não foi possível estender as entrevistas a nível regional, mas as reflexões e tendências
verificadas em âmbito local podem orientar os caminhos de outros estudos na mesma perspectiva
e para um plano mais amplo.
A pauta elaborada para a realização das entrevistas compreendeu uma composição de
temas que abordasse a trajetória do funcionário no Banco e que contemplasse aspectos
particulares desta trajetória de acordo com o ingresso dos mesmos antes ou depois da
reestruturação de 1995. Os entrevistados foram divididos em dois grupos, o Grupo 01 dos que
ingressaram até o Programa de Ajustes, e o Grupo 02 formado pelos funcionários que entraram a
partir dos concursos de 1998, 1999 e 2002. Os respectivos perfis individuais se encontram no
Anexo 01 desta pesquisa, embora no decorrer do texto haja ocasiões em que os cargos que
ocupam sejam mencionados para permitir a análise ou se tornam públicos pela própria fala do
entrevistado.
O rendimento dos temas foi diferentemente acentuado e se configurou num quadro
relativamente diversificado, tanto no Grupo 01 quanto no Grupo 02. Entretanto, foi possível
identificar nos depoimentos a incidência de algumas tendências na percepção das estratégias
organizacionais do Banco. O Grupo 01 se destacou por uma relação mais umbilical com o BB,
mas nem por isso menos contraditória, enquanto que o Grupo 02 demonstrou ambigüidade nas
representações da empresa, que também indica a contradição inerente ao discurso gerencial e
prática de trabalho.
A coleta de dados se desenvolveu através de quatro instrumentos de pesquisa, sendo a
entrevista pautada, fonte bibliográfica nas áreas de sociologia, economia, administração e
psicologia, material institucional do BB e fonte documental, composta de boletins informativos
da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil. Optou-se por utilizar estas quatro
fontes de dados com a finalidade de confrontar os dados obtidos em cada uma delas, bem como
de promover uma verificação autêntica da suposição do estudo. As entrevistas foram realizadas
no período de novembro e dezembro de 2006.
Novas formas de organizar a produção material alteraram as relações sociais de
trabalho em uma relação de determinação e sobredeterminação que ultrapassou a esfera produtiva
17
e assumiu forma social. Os tipos de organização do trabalho refletem mais que um mero
“trabalhar”, são verdadeiros “modos de ser” determinados historicamente por condições
objetivas, e que por sua vez, são fruto das relações antagônicas entre as classes.
A organização fordista do trabalho expressou um dos momentos da queda de braços
entre capitalistas e trabalhadores, quando ao mesmo tempo em que a produção industrial
transformava a base material, também conformava um novo tipo de trabalhador que em si mesmo
já era a negação desta forma social, ou, segundo Gramsci, um novo tipo humano, conforme ao
novo tipo de trabalho e de produção, e que se tornou mais evidente com as práticas de
administração do trabalho tayloristas, que colocaram a nu os limites orgânicos da exploração do
trabalho pelo capital.
Em resposta a mais uma crise, inerente ao seu metabolismo, o capital se reestruturou
produtivamente, o que adaptou, mais uma vez, novas formas de acumulação para o capital e,
conseqüentemente, de organização do trabalho. Contudo, tais formas se acomodaram às velhas
técnicas de gerenciamento do trabalho, lançando um modelo híbrido que uniu as organizações
fordista, taylorista e toyotista do trabalho num movimento de descontinuidade com continuidade.
Como a reestruturação do capital vai além da esfera produtiva, um aparato ideológico
de dominação se torna fundamental para garantir a subordinação da classe trabalhadora à
acumulação capitalista, e os variados métodos de gestão do trabalho vão além de organizar a
força de trabalho para o capital, constituindo-se num controle ideológico do qual os discursos
gerenciais são formas sociais típicas.
Esta ideologia gerencial busca se apropriar da dimensão subjetiva do trabalhador a
partir da manipulação de necessidades sociais objetivas e subjetivas. Perbart coloca que a
subjetividade não é algo abstrato, trata-se da vida, mais precisamente, das formas de vida, ou do
“modo de ser”, daí
este trabalho utilizar tal conceito de subjetividade. Não se trata de interioridade
ou personalidade, mas de uma relação maior que é construída socialmente, a partir de condições
objetivas e em conjunto com os sujeitos.
Enquanto ideologia, o discurso gerencial pode promover discursos de liberdade e
autonomia ao mesmo tempo em que corrói os laços de solidariedade coletiva, dissemina o medo e
diminui a capacidade de resistência dos grupos, além de criar meios de controle e dominação
18
diferentes dos utilizados pela gestão “clássica” do trabalho. Este processo vem sendo chamado de
empowerment pela administração moderna.
Estas reflexões foram objeto da primeira parte deste trabalho, intitulada
“Mundialização do capital e suas formas sociais de controle”, que a partir de uma caracterização
histórica do modo de produção capitalista no século XX, contextualizou as práticas de
organização do trabalho e os seus respectivos discursos gerenciais no bojo da mundialização do
capital. O momento predominantemente financeiro da mundialização foi abordado na segunda
parte, “O Brasil e a fantástica fábrica de dinheiro”, quando a pesquisa abordou a reorganização da
economia nacional para se adequar ao ciclo de acumulação financeira, viabilizado pelas
reestruturações produtiva e bancária no Brasil.
Partindo das perspectivas enunciadas até aqui, a pesquisa pressupôs a seguinte
relação: há uma contradição entre o discurso gerencial, traduzido na ideologia do empowerment
em sua forma mais atual, e a prática efetiva de trabalho, ou, de outra forma, o discurso gerencial
não se efetiva plenamente na prática porque carrega consigo as contradições inerentes ao modo
de sociabilidade capitalista. A problemática que permitiu a suposição do estudo foi abordada
durante todo o texto, embora o debate seja aprofundado na terceira parte, “O discurso gerencial
do Banco do Brasil”, através do confronto das reflexões e conexões estabelecidas teoricamente
com o objeto específico da pesquisa.
19
PARTE I - A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E SUAS
FORMAS SOCIAIS DE CONTROLE
CAP I – Mundialização capitalista e gerenciamento do trabalho
A banalização do conceito de globalização ofusca sua natureza real, que é a natureza
da expansão do capitalismo durante o século XX, como Marx indicava já em 1848, a formação de
um mercado mundial. Também Chesnais se refere a este movimento global da acumulação
capitalista, chamando-o de mundialização do capital, e que a partir das últimas décadas do século
XX se manifestou sob a predominância da esfera financeira
1
.
Ianni também aponta parte de sua análise sobre o processo de mundialização
capitalista nesta direção. A respeito do papel do Estado-nação, a análise de Ianni sugere sua
redefinição, “que perde algumas das suas prerrogativas econômicas, políticas, culturais e sociais,
debilitando-se. Aos poucos, algumas dessas prerrogativas aparecem nas decisões e atividades de
empresas multinacionais e organizações multilaterais” ou co-atuação em nome dos interesses
corporativos
2
.
1
Devido ao não consenso sobre o conceito de globalização, e ou sua banalização, utilize-se a perspectiva desenvolvida por Marx
para indicar o desenvolvimento e a expansão capitalistas em sua tendência mundial. “A necessidade de mercados sempre
crescentes para seus produtos impele a burguesia a conquistar todo o globo terrestre. Ela precisa estabelecer-se, explorar e criar
vínculos em todos os lugares. Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao
consumo em todos os países [...] No lugar da tradicional auto-suficiência e do isolamento das nações surge uma circulação
universal, uma interdependência geral entre os países. E isso tanto na produção material quanto na intelectual”. MARX, K.;
ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. In: COUTINHO, C. N. [et.al.] O Manifesto Comunista 150 anos depois. Rio de
Janeiro: Contraponto; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998. p. 11-12.
Ver CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996; A mundialização financeira: gênese, custos e riscos.
São Paulo: Xamã, 1999; O capital produtor de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In:
CHESNAIS, F. (org). A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005.
2
IANNI, O. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 41. “A rigor, a história do capitalismo pode ser
vista como a história da mundialização, da globalização do mundo. Um processo histórico de larga duração, com ciclos de
expansão e retração, ruptura e reorientação [...] Assim se caminha do século XVI ao XX, passando pelo mercantilismo, a
acumulação originária, o absolutismo, o despotismo esclarecido, as revoluções burguesas, os imperialistas, as revoluções de
independência, as revoluções socialistas, o terceiro-mundismo e a globalização em marcha nesta parte da história”. Ibid., p. 55.
Em Teorias da Globalização, “[...] ainda que os Estados nacionais mais fortes continuem a desempenhar tarefas imperialistas,
formular geoeconomias e geopolíticas, suas prerrogativas já não são mais aquelas do imperialismo “clássico”. [...] já se colocam e
impõem as corporações transnacionais, que se transformaram inclusive em estruturas mundiais de poder”. Idem, 2003, p.186.
20
Na verdade, tal debilitação do poder de Estado, em sentido clássico, deve ser
entendida não como não-intervenção do Estado nas suas respectivas esferas - econômicas
políticas, culturais e sociais - mas, ao contrário, como não intervenção nas atividades das
empresas trans e multinacionais, nos negócios de tais companhias, ou seja, uma intervenção total
do Estado no aparelho jurídico-administrativo de cada país que viabilize a acumulação do capital
para as corporações. Significa o fortalecimento dos Estados imperialistas e o enfraquecimento
dos Estados subordinados, que a fim de não obstaculizar a lucratividade e os arranjos políticos
das grandes empresas, melhor dizendo, o projeto de recomposição da classe burguesa, ao qual
chamamos de neoliberalismo, minam as conquistas e direitos adquiridos pela classe
trabalhadora
3
.
Este projeto nada mais é do que a acumulação capitalista “pura”, e, desde fins do
século XX, de predominância financeira, sem as reformas do Welfare State, e no qual o Estado
controla a moeda, o câmbio, taxa de juros, destitui direitos trabalhistas, aliás, como já atuava
quando Marx escreveu o Manifesto do Partido Comunista: “O poder do Estado moderno não
passa de um comitê que administra os negócios comuns da classe burguesa como um todo”
4
.
A expansão do capitalismo a partir da permanente revolução de seus meios de
produção carrega consigo um processo também permanente de transformação das relações de
produção, em outras palavras, transforma as formas de trabalho para torná-las adequadas à
expansão, e, portanto, as relações sociais. Em cada momento de desenvolvimento das forças
produtivas as relações de trabalho correspondentes criam e recriam o campo de batalha dos
detentores dos meios de produção e vendedores de força de trabalho, com novas formas de
opressão e resistência.
3
Como afirma Mazzeo, “utilizando a crise da experiência socialista, a burguesia propõe uma aparente reformulação do Estado,
baseada na idéia do “Estado mínimo”. Essa idéia que, em seu aspecto formal, tem a proposta de uma estrutura estatal mais ágil,
constitui-se, de fato, na privatização de todas as instâncias fundamentais do Estado, coerentemente alojada dentro da visão
globalizadora neoliberal, que busca transferir as atribuições do Estado para as grandes corporações privadas”. MAZZEO, A.C.
Sociologia política marxista. São Paulo: Cortez Editora, 1995. p. 59.
4
Op.cit. p. 10
21
A organização fordista do trabalho para além da linha de montagem
No início do século XX, o modelo de organização do trabalho de Henry Ford
caracterizou um destes momentos da luta de classes
5
. A indústria automobilística fordista
sistematizou o trabalho mecanizado via esteira de montagem. Com a padronização de poucos
modelos, no início o carro modelo T de cor preta, Ford customizou a produção de carros em
série, e que, após a Segunda Guerra, ao lado dos métodos desenvolvidos por F. Taylor, pode
abastecer o consumo de massa.
Para subordinar a força de trabalho ao ritmo extenuante da produção e orientado pelo
“princípio da justiça”, Ford organizou a produção a partir de uma nova lógica, a do pagamento de
altos salários a fim de ocultar o antagonismo inerente à relação capital-trabalho
6
. Em “Os
princípios da prosperidade”, Ford contraria algumas análises que classificam seu método de
organização do trabalho
7
como mera composição dos princípios da organização taylorista,
deixando claro não só como se organizou a idéia para o modelo produtivo da Ford Motor
Company, como também os valores moralistas e positivistas com os quais identificava sua lógica
de trabalho e acumulação.
Ford expôs princípios que serão posteriormente desenvolvidos e sofisticados pelo
método produtivo da empresa japonesa Toyota, como: separação entre trabalho
5
As formas de reestruturação produtiva e sua reverberação na organização da sociabilidade do capital são polêmicas, e daí a
indeterminação de seus respectivos conceitos. Vale as palavras de Wood: “os autores não usam os conceitos da mesma forma. Em
particular, o termo fordismo pode ser, e é efetivamente, utilizado de maneiras bastante diferentes. Para alguns, ele é
aproximadamente sinônimo de taylorismo, produção em massa e linha de montagem. Para outros, fordismo se refere a um modo
de vida global. Enquanto uns limitam sua aplicação ao processo de trabalho e aos métodos de gestão, outros querem assentá-lo
num conjunto de conceitos gerais que servem para entender as sociedades em sua totalidade”. WOOD, S. O Modelo Japonês em
debate: pós-fordismo ou japonização do fordismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 17, Outubro, 1991. p. 28-43. p. 31.
Assim, o estudo trata as formas de organização do trabalho como processos das relações sociais de produção e a partir de seus
respectivos idealizadores.
6
Cf. Ford: “É loucura considerar-se o capital e o trabalho como partidos antagônicos. Não passam de associados [...] A única
ambição de um chefe deveria consistir em pagar salários mais elevados que os outros, e toda ambição do operário deveria
consistir em tornar isto possível [...] Entendemos por salários elevados salários maiores que os de meses ou anos atrás, e nunca
salários maiores do que devem ser [...] Mas o ponto de partida do salário alto está na vontade de trabalhar ”. FORD, H. Os
princípios da prosperidade. Trad. Monteiro Lobato. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1967. p. 90-91
7
A organização do trabalho é o meio pelo qual os trabalhadores irão criar seus mecanismos de defesa e resistência, na tentativa de
equilibrar suas tarefas e seu aparelho psíquico, criando assim verdadeiros sistemas de regulação, muitas vezes complexos e que se
estendem ao coletivo de determinada especialidade ou grupo. “Por condição de trabalho é preciso entender o ambiente físico [...]
o ambiente biológico [...] as condições de higiene, de segurança, e as características antropométricas do posto de trabalho. Por
organização do trabalho designamos a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, o sistema hierárquico, as modalidades de
comando, as relações de poder, as questões de responsabilidade, etc”. DEJOURS, C. A loucura do trabalho. São Paulo: Cortez-
Oboré, 1992. p. 25.
22
intelectual/planejamento e execução/repetição a partir de critérios mentais
8
, esboço de uma
“captura” da subjetividade do trabalhador a partir da dedicação integral à atividade
9
, organização
descentralizada da produção e redução dos níveis hierárquicos como forma de combate ao poder
dos chefes
10
, responsabilização individual
11
, incitação da competição e gestão por iniciativa e
incentivo dos trabalhadores
12
, esboço da gestão participativa com intuito de apropriação do
conhecimento tácito do trabalhador e reduzir custos
13
, rodízio de tarefas por motivo de
substituição ou ausência de trabalhador especialista em uma tarefa
14
, programas de educação
instrumental promovido pela Escola Industrial Henry Ford, nos moldes dos programas de Trainee
atuais
15
, e com requinte de responsabilidade social
16
.
8
“os homens de valor é que dirigem a massa e permitem que os menos capazes vivam com menos esforço”. “Para certa classe de
homens, o trabalho repetido constitui uma perspectiva horrível [...] para certos temperamentos a obrigação de pensar é que é
apavorante [...] o tipo médio de operário evita o trabalho que requer os dois esforços conjuntos. Não querem pensar”. FORD,
op.cit. p. 18; 80.
9
“se um operário deseja progredir e conseguir alguma coisa, o apito será um sinal para que comece a repassar no espírito o
trabalho feito a fim de descobrir meios de aperfeiçoá-lo”. Ibid, p. 41.
10
“ não há disposição mais perigosa do que a dos chamados gênios organizadores [...] traçam todas as ramificações da autoridade
[...] cada um tem um título e exerce funções estritamente limitadas [...] as fábricas Ford não possuem nem organização, nem
atribuições específicas a cargos, nem ordem de sucessão ou hierarquia determinada [...] a maioria dos homens é capaz de manter-
se à altura da sua função, mas não resiste ao desvairamento de um título.” Ibid. p. 73-74.
11
“queremos completa responsabilidade individual [...] onde a responsabilidade se acha fragmentada e dispersa por uma série de
serviços, rodeado por sua vez de um grupo de subtitulares, é realmente difícil encontrar alguém que seja realmente responsável
[...] o jogo do empurra, que certamente nasceu nas empresas de responsabilidade fragmentada”. Ibid. p. 74.
12
“O espírito de competição leva para a frente o homem dotado de qualidades [... ] não dispomos de postos ou cargos, e os
homens de valor criam por si mesmos as suas posições [...] A pessoa em questão vê-se de repente num trabalho diverso com a
particularidade de um aumento de salário”. Ibid. p. 76.
13
“todos conservam a sua liberdade de crítica a respeito dos detalhes da produção [...] a direção da fábrica aceita todas as
sugestões [...] todo operário pode comunicar qualquer idéia bem como tentar sua realização [...] a simplificação do trabalho, com
benefício do operário, também diminui o custo”. Ibid. p. 78.
14
“Nada lhe é perguntado sobre o passado; temos um livro onde um operário que já tenha exercido um ofício pode registrá-lo.
Sempre que nos falta um especialista, estamos em condições de escolher outro. É um dos meios de ascensão na nossa usina”. Ibid.
p. 86.
15
Os concorridos programas de Trainee atuais contratam jovens rescém-formados, ou quase formados, para dar-lhes
supostamente a oportunidade de um bom treinamento numa companhia de nome forte, e se após o treinamento se mostrarem
hábeis, possuem grandes chances de serem “efetivados” na companhia. Enquanto estão no programa, trabalham em troca de bolsa
de estudos ou bolsa-auxílio, que na maioria das vezes chegam até a ser superiores aos salários dos operários da produção, mas
inferiores aos de profissionais formados e experientes, ou seja, a companhia ganha no período em que contrata o trainee, já que se
fosse contratar um especialista teria de pagar o salário já cristalizado na habilidade e experiência do mesmo, e ainda, se o trainee
passar no teste da “doutrina organizacional” e assimilar os “dogmas organizacionais” do mascaramento da luta de classes, com
certeza será escolhido e destinado a uma posição de comando na companhia, o que representa um ganho qualitativo duradouro na
estrutura do controle da força de trabalho. Sem contar a deixa de mais uma “história de sucesso”, do rapaz que “veio de baixo,
batalhou, fez tudo direitinho e chegou aonde chegou”, que dá vazão ao discurso da oportunidade segundo a qualificação.
16
“Para nossa escola não se selecionam os rapazes porque sejam hábeis ou promissores. Escolhem-se os necessitados de dinheiro
e oportunidades [...] Outorgamos bolsas a fim de que possam prover ao sustento de suas mães enquanto cursam a escola [...] Todo
23
Houve um embate com a lógica industrial predominante no início do século XX, em
que a diminuição dos custos de produção se dava via redução de investimento do capital variável
(KV), ou seja, com o pagamento de baixos salários. O modelo fordista só veio a se universalizar
ao lado dos métodos de racionalização de Friederick Taylor e do Estado regulador de Keynes
após a II Guerra, quando a tendência de equilíbrio do mercado deu sinais evidentes de
esgotamento e criou um novo momento para o capitalismo.
Na teoria clássica, segundo Heimann, a “Lei de Say” havia sugerido que toda
produção gerava sua própria demanda, e assim, todos os fatores de produção seriam ocupados na
economia, forçando o sistema ao equilíbrio do pleno emprego das forças produtivas. A liberdade
de mercado, sem intervenção do Estado, era fundamental para manutenção do equilíbrio natural
entre oferta e demanda, e as crises econômicas seriam resultados de más administrações políticas
e ou catástrofes naturais, ao contrário de uma deficiência no próprio sistema capitalista. Para os
neoclássicos a questão era manter este equilíbrio
17
.
Acontece que as duas guerras mundiais haviam devastado a Europa e o mundo estava
cindido entre os pólos capitalista e socialista-soviético, contrariando o princípio de auto-
equilíbrio e pleno emprego. O pós-guerra foi um período de tumulto econômico e social,
provocado pela crise capitalista e pelos esforços de guerra, e que foi agravado com o retorno dos
soldados, que mutilados ainda encontraram suas casas destruídas e não tinham perspectivas.
Neste contexto, as idéias de Keynes e Ford eram oportunas para o capital se reconstruir e superar
mais uma crise de acumulação.
De acordo com Heimann, o sistema keynesiano rejeitava o princípio de auto-
equilíbrio e pleno emprego, admitindo que a economia se realizava através de ciclos de expansão
e contração, cujas crises seriam períodos de flutuações econômicas. Keynes partia do pressuposto
de que havia uma propensão a poupar, daí a falta de dinamismo econômico e a necessidade de
uma esfera superior a capitalistas e trabalhadores que captasse esta propensão e a direcionasse
para investimentos produtivos úteis, ativando mais um ciclo virtuoso para a expansão.
o trabalho executado na escola é adquirido pela nossa empresa e isto faz que a escola se mantenha por si mesma, além de que
acentua nos alunos o senso da responsabilidade”. Ibid. p. 314-315.
17
HEIMANN, E. História das doutrinas econômicas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.
24
A forma de captação dos recursos teoricamente poupados seria a arrecadação de
impostos, tanto de capitalistas como de trabalhadores, aumentando a exploração da força de
trabalho, que pagava em dobro, ou seja, na expropriação da mais-valia no processo produtivo e
no pagamento dos impostos. Diante da desmantelação do mundo capitalista e da ofensiva
socialista, o ideário keynesiano caiu como uma luva e o projeto de reconstrução capitalista foi
encampado pelos social-democratas. O Estado regulador de Keynes se compôs no chamado
Estado do Bem-Estar, Welfare State , na Europa, e no Estado desenvolvimentista na
América Latina, que, grosso modo, significou as reformas capitalistas para que o processo de
acumulação continuasse.
Apesar de conservar as bases do modo de produção capitalista, essa foi uma fase
diferente, em que reformas significativas, para os trabalhadores e para o capital, foram levadas
adiante. O Welfare State, inspirado na idéia do Estado providência bismarckiano do fim do século
XIX
18
, funcionou com o objetivo de atenuar o descontentamento e agitação social, evitando que o
bloco socialista pudesse avançar e oferecer os benefícios que a classe trabalhadora não dispunha
no mundo capitalista.
O modelo de produção em massa fordista foi universalizado e combinado com as
técnicas de administração científica tayloristas, ao passo que foram ampliados diversos direitos
sociais - não só pela benevolência estratégica do Estado, mas, principalmente, pelas pressões
exercidas pelos trabalhadores através das lutas operárias - como previdência social, seguro
desemprego, saúde pública, dentre outros, o que suavizou temporariamente o conflito inerente à
relação capital-trabalho
19
.
18
Tal comparação pressupõe que o Welfare State promoveu mudanças sociais em benefício da classe trabalhadora a fim de frear o
movimento comunista. O Estado alemão de Bismarck também promoveu ajustes sociais que visavam melhoramentos para os
trabalhadores nesta mesma lógica, de oferecer benefícios que obstaculizassem o crescimento do sindicalismo alemão então
nascente. Para aprofundar esta tese consultar parte III, Allemagne, em HEGE, A.; DUFOUR, C. Syndicalismes. Dynamique des
relations professionnelles. Paris: Dunod, 1992, cap. I de BRUNHOFF, S. Etat et Capital. Recherches sur La politique
économique. Paris: FM/Foudations, 1982. Sobre o caráter do capitalismo na Alemanha, vejam-se, Introdução de LUKÁCS, G. El
Asalto a la Razón, Barcelona: Grijalbo, 1972, e HERF, J. El Modernismo Reaccionario. México: FCE, 1990.
19
Cf. Braga, o compromisso fordista assegurou, até a crise de seu padrão de acumulação “[...] entre outros benefícios sociais, uma
legislação social referente ao salário mínimo; a generalização das convenções coletivas de trabalho (induzindo os capitalistas a
conceder aos assalariados ganhos anuais de poder aquisitivo correspondentes ao crescimento da produtividade nacional; um
Estado burguês de tipo Welfare com um sistema de previdência social desenvolvido, que permitiu aos assalariados continuar
como consumidores [...]”. p. 96. BRAGA, R. (1995) Luta de classes, reestruturação produtiva e hegemonia. In: Novas
Tecnologias. Crítica da atual reestruturação produtiva. São Paulo: Xamã. Sobre a idéia do “compromisso” fordista também
consultar BIHR, A. Da grande noite à alternativa. O movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo Editorial, 1998.
25
O Estado social-democrata funcionou como mediador de um “pacto conciliatório”
entre capitalistas e trabalhadores, necessário para a reconstrução do mundo capitalista. O Estado
arrecadava os impostos e assegurava certos direitos trabalhistas, o patronato se comprometia com
o pagamento dos altos salários inspirados no modelo produtivo de Ford e os trabalhadores
suportavam as formas fordistas-tayloristas de exploração do trabalho.
Até 1973-74 o modelo do Estado de Bem-Estar garantiu um ciclo virtuoso de
crescimento com baixas taxas de desemprego (dando margem ao retorno da teoria clássica do
pleno emprego das forças produtivas). O período também ficou conhecido como “Os Trinta
Gloriosos”, quando se realizou a sociedade do consumo em massa e a tríade capital-trabalho-
Estado foi capaz de administrar minimamente as contradições internas da expansão capitalista.
As condições postas objetivamente no âmbito produtivo modelaram a organização social do
capital para além da linha de montagem.
A organização taylorista do trabalho para além da administração científica
Os “Trinta Gloriosos” foram caracterizados pelos ganhos de produtividade, oriundos
da robotização e mecanização do trabalho, aperfeiçoadas pelas técnicas tayloristas de
parceirização e decomposição do trabalho em tempos precisos. A preocupação de Taylor era o
desperdício, assim como para Ford, e instituir uma organização racional do trabalho em termos
científicos significava “indicar a enorme perda que o país vem sofrendo com a ineficiência de
quase todos os nossos atos diários. [...] provar que a melhor administração é uma verdadeira
ciência, regida por normas, princípios e leis claramente definidos, tal como uma instituição
20
”.
As normas, princípios e leis “científicas” de Taylor visaram, sobretudo, a exploração
do trabalho em seu limite máximo, e daí o estudo minucioso do tempo e movimentos
21
. A
20
TAYLOR, F.W. (1990) Princípios de administração científica. São Paulo: Editora Atlas, p. 23..
21
Vale destacar a Lei da Fadiga, quando um trabalhador considerado mentalmente “superior” aplica os princípios científicos para
estabelecer a carga máxima que permita a outro trabalhador, geralmente de “tipo bovino”, exercer sua atividade o tempo todo,
sem precisar de intervalo, ou utilizando intervalos cada vez menores. “A lei aplica-se somente aos trabalhos em que é atingido o
limite da capacidade do homem pela fadiga. [...] Praticamente todos esses trabalhos consistem em movimentos de extensão ou de
flexão do braço do trabalhador; [...] A lei mostra que, para cada um desses movimentos, o trabalhador só pode ficar sob o peso
durante certa parte do dia. [...] À medida que a carga se torna mais leve, aumenta a proporção de tempo que o carregador pode
conduzi-la. [...] Diminuindo-se o peso, maior é o tempo que pode o homem conduzi-lo, até que, finalmente, reduz-se tanto que é
carregado durante todo o dia sem fadiga”. Ibid. p. 52. Na parte III a Lei da Fadiga será comparada aos intervalos permitidos aos
trabalhadores bancários em funções “fatigantes”.
26
racionalização da produção consistiu em parcelar o ofício do trabalho em movimentos básicos,
que pudessem ser descritos, cronometrados e transmitidos rapidamente a qualquer trabalhador,
sendo um dos pontos fundamentais a separação entre os momentos de planejamento e execução
do trabalho
22
.
Se havia algum resquício de saber artesanal e autônomo, a organização taylorista
solapou, condensando-o em normas e técnicas padronizadas e reduzindo-o a um denominador
comum. Esta “cientifização” do processo de trabalho foi além de uma mera inovação no campo
administrativo para a melhoria da organização do trabalho, constituindo o controle patronal sobre
a atividade de trabalho e ultrapassando os limites da administração científica.
Tal como Ford, Taylor também desejava ocultar o antagonismo inerente na relação
capital-trabalho
23
. São muitos os pontos de continuidade entre o modelo fordista e o taylorista de
organização do trabalho, como também de descontinuidade. Vale destacar pontos fortemente
evidenciados em “Princípios da Administração Científica”, como substituição dos métodos
empíricos por métodos científicos e cronometrização das tarefas
24
, divisão do trabalho gerencial e
trabalho operacional segundo critérios de inferioridade mental
25
, atividades gerenciais orientadas
para a apropriação e sistematização do saber tácito do trabalhador
26
, dissimulação dos efeitos do
22
Este trabalhador de “novo tipo” pode ser conferido no filme Tempos Modernos (1936), do cineasta britânico Charles Chaplin,
onde seu personagem “Vagabundo” tenta se adequar ao ritmo de trabalho. Dejours, em estudo de psicopatologia do trabalho,
desenvolveu uma belíssima definição do modelo taylorista de produção, onde evidencia as transformações promovidas na relação
homem-trabalho e os impactos para a saúde física e psíquica do trabalhador taylorizado, e que ilustra bem o “Vagabundo” de
Chaplin tentando se adaptar à nova lógica social do capital. “Nova tecnologia de submissão, de disciplina do corpo, a organização
científica do trabalho gera exigências fisiológicas até então desconhecidas [...] As performances exigidas fazem com que o corpo
apareça como principal ponto de impacto dos prejuízos do trabalho. O esgotamento físico não concerne somente aos trabalhadores
braçais, mas ao conjunto dos operários da produção em massa. Ao separar, radicalmente, o trabalho intelectual do trabalho
manual, o sistema Taylor neutraliza a atividade mental dos operários. Não é o aparelho psíquico que aparece como primeira
vítima do sistema, mas sobretudo o corpo dócil e disciplinado, entregue à injunção da organização do trabalho, ao engenheiro de
produção e à direção hierarquizada do comando”. Op.cit. p. 18-19.
23
“assegurar o máximo de prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o máximo de prosperidade ao empregado. [...] a
administração científica tem, por seus fundamentos, a certeza de que os verdadeiros interesses de ambos são um único e mesmo: é
preciso dar ao trabalhador o que ele mais deseja – altos salários – e ao empregador o que ele realmente almeja – baixo custo de
produção”. TAYLOR, op. cit. p. 24-25.
24
“entre os vários métodos e instrumentos utilizados em cada operação, há sempre método mais rápido e instrumento melhor que
os demais, que podem ser encontrados bem como aperfeiçoados na análise científica de todos aqueles em uso, juntamente com
acurado e minucioso estudo do tempo”. Ibid. p. 33.
25
“um tipo de homem é necessário para planejar e outro diferente para executar o trabalho. [...] em quase todas as artes
mecânicas, a ciência que rege as operações do trabalho é tão vasta e complexa que o melhor trabalhador adaptado a sua função é
incapaz de entendê-la, quer por falta de estudo, quer por insuficiente capacidade mental”. Ibid. p. 43.
26
“À gerência é atribuída a função de reunir todos os conhecimentos tradicionais que no passado possuíram os trabalhadores e
então classificá-los, tabulá-los, reduzi-los a normas, leis ou fórmulas, grandemente úteis aos operários para execução do seu
27
trabalho parcelado sobre o trabalhador
27
, animalização e adestramento
28
, anulação e robotização
dos trabalhadores responsáveis pela execução de tarefas parceladas
29
, incentivo à competitividade
e remuneração variável
30
, crítica à prática fordista de administração por iniciativa e incentivo dos
trabalhadores
31
, destaque para a hierarquia gerencial na elaboração e organização das tarefas e
para os níveis de supervisão
32
.
Pela comparação entre as técnicas de Ford e Taylor, as tipicidades do método de
Taylor - como separação entre execução e planejamento, fragmentação e tempo controlado do
trabalho - se mantêm na produção em massa fordista, dando continuidade ao modelo de
acumulação capitalista concentrado na exploração do trabalho e combinando os dois tipos de
organização. Paralelamente, o gerenciamento da produção fordista parece mais desenvolvido se
considerar o valor dado à dimensão subjetiva do trabalhador, ainda que sob o ritmo de controle da
trabalho diário. [...] todo trabalho feito por operário no sistema antigo, como resultado de sua experiência pessoal, deve ser
necessariamente aplicado pela direção no novo sistema, de acordo com as leis da ciência”. Ibid. p. 40-41.
27
“A tarefa é sempre regulada, de sorte que o homem, adaptado a ela, seja capaz de trabalhar durante muitos anos, feliz e
próspero, sem sentir os prejuízos da fadiga [...] à primeira vista parece que o sistema tende a convertê-lo em mero autômato, em
verdadeiro boneco de madeira [...] o treinamento do cirurgião tem sido quase idêntico ao tipo de instrução e exercício que é
ministrado ao operário sob a administração científica, e permite realizar trabalhos elementares de mecânica em ambiente mais
agradável, de interesse mais variado e recebendo salários mais elevados”. Ibid. p. 42; 92.
28
“Este trabalho é tão grosseiro e rudimentar por natureza que acredito ser possível treinar um gorila inteligente e torná-lo mais
eficiente que um homem no carregamento de barras de ferro. [...] Um dos primeiros requisitos para um indivíduo que queira
carregar lingotes de ferro como ocupação regular é ser tão estúpido e fleumático que mais se assemelhe em sua constituição
mental a um boi. [...] Os andaimes eram ajustados para todos os operários por um trabalhador especialmente adestrado”. Ibid. p.
43; 53; 63.
29
“Se você é um operário classificado deve fazer exatamente o que este homem lhe mandar, de manhã à noite. Quando ele disser
para levantar a barra e andar, você se levanta e anda, e quando ele mandar sentar, você senta e descansa. Você procederá assim
durante o dia todo. E, mais ainda, sem reclamações. Um operário classificado faz justamente o que se lhe manda e não reclama”.
Ibid. p. 46.
30
“Instituiu-se preciso registro diário da qualidade e quantidade do trabalho produzido. [...] este registro permitiu ao chefe incitar
a ambição de todas as inspetoras, aumentou o ordenado daquelas que realizavam grande quantidade de trabalho de boa qualidade,
enquanto, ao mesmo tempo, abaixava o salário daquelas que trabalhavam sem interesse ou despedia outras que se revelavam
incorrigivelmente lentas ou desleixadas”. Ibid. p. 71.
31
“Sob o sistema antigo de administração, o bom êxito depende quase inteiramente de obter a iniciativa do operário e raramente
esta iniciativa é alcançada. Na administração científica, a iniciativa do trabalhador é obtida com absoluta uniformidade [...] A
aceleração do trabalho só poderá ser obtida por meio da padronização obrigatória dos métodos, adoção obrigatória dos melhores
instrumentos e condições de trabalho e cooperação obrigatórias”. Ibid. p. 40; 66.
32
“[...] os gerentes assumem novos encargos e responsabilidades, jamais imaginadas no passado. [...] muitos operários,
abandonados a si mesmos, dispensam pouca atenção às instruções escritas. Assim, torna-se necessário designar instrutores,
chamados chefes funcionais, para observar se os trabalhadores entendem e aplicam as instruções”. Ibid. p. 40; 90.
28
linha de montagem, e à redução dos níveis hierárquicos, sugerindo uma descontinuidade que ao
mesmo tempo mantém os fundamentos do método de Taylor
33
.
A universalização das tendências tayloristas se evidenciou quando a Organização
Científica do Trabalho (OCT) extrapolou o portão da fábrica e se acomodou sobre o trabalho não-
industrial, quando passou da fábrica para o escritório, cronometrando e sistematizando as funções
dos trabalhadores de escritório e dos white collars
34
. Os próprios engenheiros e técnicos
responsáveis pela OCT também acabaram por se converter em fantoches da superespecialização,
indicando que a administração científica do trabalho exerce um controle que é social, e não
meramente produtivo.
O limite orgânico do “trabalho em migalhas”
Os ganhos de produtividade obtidos pela redução do tempo morto eliminado com a
administração científica das tarefas, ao lado da produção em série, acabaram por esbarrar no
limite orgânico do modelo de fragmentação do trabalho. O ritmo extenuante do trabalho
repetitivo e cronometrado provocou diversas formas de resistência dos trabalhadores, dos quais o
turnover, absenteísmo, sabotagem, boicote e outras manifestações psíquicas de defesa são
exemplos.
33
Gramsci, em 1934 e no texto “Americanismo e Fordismo” já apontava esta relação de continuidade e descontinuidade das
técnicas fordistas-tayloristas de organização do trabalho e sua superação por um tipo “superior” de trabalhador que se conformaria
com o desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista”. “Taylor exprime com cinismo brutal o objetivo da sociedade
americana: desenvolver ao máximo, no trabalhador, as atitudes maquinais e automáticas, romper o velho nexo psicofísico do
trabalho profissional qualificado, que exigia uma determinada participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do
trabalhador, e reduzir as operações produtivas apenas ao aspecto físico maquinal. Mas, na realidade, não se trata de novidades
originais, trata-se somente da fase mais recente de um longo processo que começou com o próprio nascimento do industrialismo,
fase que é apenas mais intensa do que as precedentes e manifesta-se sob formas mais brutais, mas que também será superada com
a criação de um novo nexo psicofísico de um tipo diferente dos precedentes e, indubitavelmente, superior”. GRAMSCI, A.
Americanismo e Fordismo. In: Cadernos do cárcere. Vol 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 397.
34
É interessante observar a definição e distinção entre os trabalhadores white collars e os “trabalhadores de escritório” que
Braverman ressalta em seu trabalho. Para ele os primeiros são os “antigos” trabalhadores de escritórios membros da autêntica
classe média e que integravam as famílias capitalistas nas funções administrativas de confiança. “Sua função era confidencial, o
empregador discutia os negócios com ele e confiava em seu julgamento; ele podia, e freqüentemente acontecia, vir a ser um sócio
ou casar-se com a filha do empregador”. Já os segundos, na era moderna do capital monopolista, não possuem nenhuma regalia
por trabalharem fora da esfera produtiva, somente trabalham sob uma estrutura de trabalho análoga à da produção com papéis e
telefones, e “[...] inclui aqueles funcionários em escritórios privados ou públicos, na indústria, comércio, bancos, seguros, etc”.
Op. cit. p. 250; 251.
29
Por volta dos anos 50, estudos como os de Friedmann já apontavam na direção de um
processo de reestruturação produtiva. Em ensaio publicado pela primeira vez em 1955
35
, o autor
reuniu diversas observações empíricas em indústrias e fábricas de diversos setores na Europa e
EUA, que indicavam o esgotamento orgânico do modelo de acumulação de capital pautado na
exploração das formas parceladas, especializadas e automatizadas do trabalho. A partir de tais
observações, Friedmann contribuiu pioneiramente com análises sociológicas importantes que
anunciaram a adoção de alternativas, como rodízio e ampliação do conteúdo das tarefas.
Tais apreciações sugerem um processo, onde os limites das técnicas fordistas e
tayloristas acabaram por reestruturar a organização do trabalho, o que contraria algumas
abordagens, que adotam como marco da reestruturação produtiva a sistematização das práticas
toyotistas de organização do trabalho a partir da década de 1970. Na verdade, foi no fim dos anos
1970 que o capital se reestruturou produtiva e politicamente nos principais pólos capitalistas,
declarando sua crise estrutural por meio do retrocesso das reformas sociais do Estado do Bem-
Estar, do estímulo da acumulação predominantemente financeira e da difusão das técnicas
japonesas da empresa Toyota. No entanto, a crise do modelo já estava em processo.
As eras Reagan e Thatcher foram os símbolos da vitória direitista, reprimindo e
debilitando o movimento operário a partir da flexibilização e potencialização das relações
precarizadas de trabalho, da privatização dos setores públicos, dos cortes nos gastos sociais, que
se tornaram os pilares do neoliberalismo. Porém, a crise do modelo já estava posta e as
alternativas ao esgotamento físico do trabalhador, do “gorila amestrado”, também estavam em
curso desde os anos 1950.
Em seu estudo “O trabalho em migalhas”, Friedmann chama atenção para a
fragmentação da dimensão subjetiva dos trabalhadores na rotina de trabalho e de como já se
esboçava um caminho alternativo à divisão do trabalho taylorista-fordista
36
, através do
35
FRIEDMANN, G. O trabalho em migalhas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.
36
“o melhor rendimento pode ser obtido transferindo-os de uma tarefa parcelada para outra ou praticando sistematicamente o
rodízio das tarefas, já significa reagir contra uma excessiva divisão do trabalho. Já significa mesmo voltar atrás dando início, para
além desses meios, a uma recomposição das tarefas. [...] os efeitos da fragmentação das tarefas, em particular o conjunto de
atitudes designadas sob o nome de tédio, podem ser atenuados quando se substitui a uniformidade por uma certa variedade”.
“Esses novos fatos se inserem num conjunto de inquietações suscitadas pelos efeitos julgados nocivos da produção em série e da
fragmentação das tarefas. [...] atraíram cada vez mais a atenção para o comportamento dos trabalhadores ocupados neste gênero
de tarefas, para as formas, graus, exigências de sua “satisfação” no trabalho, para os múltiplos elementos do delicado problema da
monotonia. [...] Investigações metódicas foram efetuadas, transformações introduzidas nas oficinas para suavizar os perigos
30
desenvolvimento de técnicas de suavização da monotonia causada pelas tarefas parceladas e
repetitivas, automatizadas ou não. A ampliação do conteúdo, alternância e rodízio das tarefas,
juntamente com a formação de equipes dotadas de uma relativa liberdade de organização do
trabalho, promoveram aumento no grau de satisfação dos trabalhadores com a atividade, bem
como a manutenção ou aumento da produtividade pela “captura” da subjetividade do trabalhador
a partir de seu envolvimento com a tarefa
37
.
Vale ressaltar que, mesmo nas tarefas de trabalho especializado e repetitivo o
trabalhador não deixa de “pensar”, não subsume completamente sua inteligência à atividade
mecânica. Até porque, é necessário que alguém coloque o componente na esteira mecânica, que
alguém faça o turn on and turn off da máquina, que alguém digite os dados na máquina
calculadora, no computador, sem contar que todo o progresso tecnológico de automatização não
foi “obra divina”, e sim fruto do acúmulo social de conhecimento humano.
Além disso, existem formas subjetivas que a força de trabalho desenvolve para “não
prestar atenção ao trabalho”, “trabalhar dormindo”, “trabalhar pensando em outra coisa”, “ganhar
tempo”, macetes, truques, o “jeitinho de matar trabalho”, ou seja, ainda assim é necessário o
componente psíquico, seja para levar o trabalhador dentro de sua mente para longe daquele
trabalho monótono e sem significado e assim suportá-lo, seja para que ele fixe o mínimo de
atenção no ritmo produtivo da sua atividade “sem matar muitas peças” e se desvincule da sua
vontade, ou para driblar o chefe – que, na maioria das vezes, não conhece o “saber fazer e seus
macetes” – e poder dispor de alguns momentos de descanso e paz.
38
físicos e mentais da fragmentação das tarefas, meios tais como pausas, educação física, organização de grupos competitivos,
difusão de “música funcional”, e até mesmo a distribuição de “receptores individuais” que permitem aos operários ouvir
conferências, reportagens, e mobilizam seu espírito, enquanto continuam atuando neles os automatismos psicomotores”.
Ibid. p.
61; 53.
37
Como pode ser observado num dos exemplos citados por Friedmann, da fala do presidente de um Centro de Estudos Práticos
das Técnicas de Produção: “Os métodos de nosso Centro, na medida em que tendem a diminuir o ciclo de trabalho, a reagrupar
certas fabricações, confiando à mesma pessoa tarefas múltiplas dentro de uma mesma jornada de trabalho, a organizar o trabalho
em equipe, são de molde a despertar o interesse do operário, a diminuir sua fadiga, enfim, a associá-lo à obra, aumentando suas
responsabilidades e sua compreensão do papel que desempenha no conjunto do qual faz parte.”.
Ibid p.57.
38
Simone Weil já em 1935-36, em seu diário de fábrica, chamava atenção para a “tentação mais forte que esta vida inclui: a de
não pensar mais, o único meio de não sofrer com ela. [...] Aqui somos como cavalos que se ferem a si próprios quando puxam os
freios – o jeito é curvar-se. Chega-se até a perder consciência dessa situação, a gente a suporta, é tudo”. De fato, até para “não
pensar” nas péssimas condições de trabalho e na sua organização tirânica, o trabalhador usa de subterfúgios subjetivos para
“ignorar” a revolta e continuar trabalhando “[...] quando é preciso ganhar a vida”. p. 79; 80; 75. Ver mais, inclusive sobre a
relação entre atenção e vontade, em WEIL, S. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Seleção e Apresentação de
Ecléa Bosi. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
31
Estas manifestações subjetivas do trabalhador, ainda que fragmentado pela atividade
repetitiva, compõe-se no que Dejours chama de “sistema defensivo”
39
. Exemplifica como um
grupo de operários de linha de produção estabelece entre si um sistema de solidariedade que,
através de táticas espontâneas conseguem ganhar alguns minutos do ritmo imposto pela
organização do trabalho taylorizado. Estes minutos “roubados” pela aceleração do ritmo por uma
parte dos operários são aproveitados por eles próprios, de três em três, ao bel prazer, enquanto os
outros garantem o ritmo da produção
40
.
Este truque contempla alguns aspectos do ponto de vista psíquico. Diz respeito à
imaginação dos trabalhadores que criam esta “brecha”, capaz de alimentar modestamente a
dimensão intelectual que lhes foi tolhida num sistema radicalmente ritmado e controlado. É como
se pudessem responder à estrutura rígida que ocasiona os sofrimentos vividos diariamente pela
atividade do trabalho, através da capacidade que lhes foi retirada, a de criar, de pensar, livres do
controle, compensando a carga psíquica sufocante da tarefa
41
.
Estas reflexões permitem pressupor que a apropriação da subjetividade do trabalho
está inserida num processo que se articula desde o modelo taylorista-fordista, que a realização do
trabalho repetitivo e controlado pelo ritmo da esteira de montagem não anulou tal dimensão. Pelo
contrário, mesmo que o trabalho seja alienado e manipulado pelo capital, o trabalhador é, e
continuará sendo sempre, o sujeito do processo de trabalho. Um sujeito que produz a valorização
do capital ao mesmo tempo em que é desvalorizado pelo mesmo processo
42
.
Dessa forma, as características de gerenciamento da produção que foram iniciadas
com Ford e Taylor, e que serão sofisticadas no modelo toyotista de gerenciamento do trabalho,
não palpitaram na década de 1970, já estavam em processo e somente foram estimuladas e
39
Op.cit. p. 41.
40
Como numa das cenas do filme italiano A classe operária vai ao paraíso (La Classe Operaia Va In Paradiso), de 1971 e direção
de Elio Petri, que conta o drama do operário metalúrgico Lulu Massa, dividido entre os protestos do movimento operário e os
sonhos de consumo da classe média.
41
A carga psíquica do trabalho “resulta da confrontação do desejo do trabalhador à injunção do empregador, contida na
organização do trabalho, e aumenta quando a liberdade de organização do trabalho diminui”. Consultar DEJOURS, C.
Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo:
Atlas, 1994. p. 28.
42
Como já apontava Lukács, “a técnica foi sempre e apenas um meio no desenvolvimento das forças produtivas, que as forças
produtivas em última análise são sempre os homens e as suas capacidades [...]”. p. 57. KOFLER, L.; ABENDROTH, W.; HOLZ,
H.H. (1969) Conversando com Lukács. Trad. Giseh Vianna Konder. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
32
promovidas oportuna e sistematicamente no ápice da crise do capital, ampliadas “para fora” da
esfera econômica, abrangendo a totalidade das relações sociais também no plano político,
ideológico e cultural.
CAP II – Crise aguda do capital e a apropriação sistemática da
subjetividade
A explosão do consumo em massa também anunciava sua estagnação na medida em
que os bens duráveis consumidos no período imediato de reconstrução do capital no pós-guerra
não sofriam obsolescência a cada ano, o que sinalizou uma crise de superprodução e a
necessidade de novos mercados consumidores. A internacionalização do comércio intensificou a
concorrência capitalista pelos novos mercados e acirrou os conflitos entre capital-trabalho, uma
vez que os ganhos de produtividade se direcionaram para a redução dos salários e modernização
da maquinaria, promovendo demissões, estagnação de crescimento, greves e negociações cada
vez mais duras entre patronato e classe trabalhadora.
Na medida em que a produção capitalista se internacionalizava, também as
contradições. A concorrência pelos mercados internacionais na tentativa de manter os ganhos de
produtividade se chocavam com as barreiras protecionistas criadas pelo próprio período glorioso,
daí a necessidade de demolir as fronteiras para o comércio. Neste retorno ao liberalismo de
mercado – neoliberalismo - a redefinição do Welfare State foi inevitável
43
.
No fim da década de 1960 as “greves selvagens” se generalizaram, das quais o “Maio
de 1968” francês seja talvez o mais emblemático. A explosão demográfica do pós-guerra - “baby
boom” - havia formado uma geração de jovens com acesso à educação e, conseqüentemente, com
limites mais estreitos do que a geração de seus pais para suportar a oferta capitalista do operário
43
Antunes aponta que: “Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema
ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do
Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan
foi expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a
dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores.”. ANTUNES, R. Os sentidos do
trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002b. p.31.
33
robotizado como perspectiva de futuro. Esta geração de estudantes se uniu à contestação operária
e colocou a nu não só os limites orgânicos da exploração do trabalho, como também o
questionamento de qual o sentido do trabalho e do mundo que se transformava.
A repressão violenta das greves operárias e manifestações estudantis se deu em toda
parte, culminando na instauração de ditaduras comprometidas com a reestruturação do modelo
capitalista de produção. Entre 1973-74 se tornou evidente que o modelo de acumulação em vigor
já não sustentava mais o “pacto” firmado durante as décadas anteriores e as contradições internas
ao conflito capital-trabalho já atingiam patamares cada vez mais internacionalizados. Como
manifestação desta crise do capital também ocorreu o primeiro choque do petróleo, quando o
preço do barril passou de US$ 3,29 em 1973 para US$ 11,58 em 1974
44
, e a desestabilização de
diversas economias “nacionais”, conformando novas relações de subordinação entre os países e
um novo modelo de sustentação na divisão social do trabalho.
A descoberta do chip também iniciou um novo ciclo para as novas tecnologias,
abrangendo o setor produtivo em vários segmentos, e não exclusivamente o militar. Ao mesmo
tempo em que a tecnologia robótica reduzia os custos do capital variável e substituía a rebeldia
do trabalhador assumindo o lugar humano da produção, gestava sua própria crise na medida em
que o aumento do desemprego diminuía proporcionalmente o consumo. Os investimentos cada
vez mais pesados em tecnologia para redução de capital variável promoviam altos índices de
produtividade e demissões em massa freqüentes. Contudo, os ganhos de produtividade não
aumentaram pela não realização do consumo, e conseqüentemente, os investimentos que
retornariam e ativariam a esfera produtiva também não.
A reestruturação produtiva cindiu a classe trabalhadora entre os empregados e
desempregados, juntamente com os sindicatos de classe, que passaram a atuar nas duas frentes.
Houve um grande movimento de desafecção sindical, já que para alguns trabalhadores o
“responsável” pelo desemprego era a má negociação sindical, o que paulatinamente foi corroendo
o movimento sindical combativo e transformando-o em sindicato de corporação, e não mais de
classe
45
.
44
HERMANN, J. Reformas, Endividamento Externo e o “milagre” Econômico (1964-1973). In: GIAMBIAGI, F. [et al.] (org).
Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005a. p. 96.
45
Tal processo de desafecção sindical não deve ser generalizado.As realidades particulares à regiões e países por todo o globo
modelam um movimento sindical que pode, em certa medida, contrariar a tendência à dessindicalização. Para mais detalhes sobre
34
Como o operário tradicional, da clássica composição máquina-ferramenta, foi somado
ao operário supervisor, formas adequadas de contratar esta força de trabalho passiva foram
necessárias. Os contratos de trabalho fixo e com benefícios garantidos do período glorioso foram
mesclados com regimes de contratos flexíveis, capazes de acompanhar os picos da produção
capitalista, que também já não mantinha mais um ritmo estável, foram adotados, abrindo o
caminho para a flexibilização e para o aprofundamento da precarização do trabalho inerente ao
modo de produção capitalista
46
.
Este período de reestruturação produtiva do capitalismo promoveu mais uma alteração
nas formas das relações de trabalho
47
. O operário se complexizou em operário-supervisor da
máquina, o que reduziu significativamente o poder operário por um lado, ao mesmo tempo em
que o capital passou a depender cada vez mais da dimensão subjetiva do trabalhador. A empresa
japonesa Toyota sistematizou o conjunto administrativo-operacional-produtivo deste momento da
relação capital-trabalho, sobretudo porque a ideologia gerencial que deu o suporte “teórico” para
a universalização das práticas já estava pronta.
as características do movimento sindical em suas tendências gerais e particulares, ver. Cap III de ANTUNES, R. Adeus ao
trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez Editora, 2002a., e BOITO
JR, A. O futuro do sindicalismo. In: O sindicalismo na política brasileira. Campinas: IFCH, Unicamp, 2005. p. 293-309.
46
Vale ressaltar que a precarização do trabalho não é algo novo, pelo contrário, é algo inerente ao trabalho no modo de produção
capitalista. Basta lembrar as longas e extenuantes jornadas de trabalho no início das fábricas no século XIX, ou dos 9.700 golpes
repetidos de facão dos trabalhadores rurais na região canavieira do interior de São Paulo para produzirem cerca de oito toneladas
de cana. Para conhecer em que termos a intensificação da precarização do trabalho canavieiro vem sendo tratada consultar
TOLEDO, M. Procurador negocia fim dos gastos na cana. Folha de São Paulo, 2005. Apud SILVA, F. L. G. (2006) Gestão da
subjetividade e novas formas de trabalho: velhos dilemas e novos desafios. In: III Conferencia Internacional La obra de Carlos
Marx y los desafios Del Siglo XXI. Disponível em http://www.nodo50.org/cubasigloXXI/congreso06/conf3_gomes.pdf.
47
Sobre este período de crise declarada do capital, Harvey desenvolve o conceito de “acumulação capitalista flexível” para
apontar as transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas no período dos anos 1970 e 1980, e que, supostamente, teriam
inaugurado um novo patamar de acumulação para o capital. Diz ele que: “Essas experiências podem representar os primeiros
ímpetos da passagem para um regime de acumulação inteiramente novo, associado com um sistema de regulamentação política e
social bem distinta. A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo.
Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo”. p. 140.
Na verdade, as mudanças que ocorreram neste período de crise aguda já estavam em gestação nos planos econômico, político e
social com o desenvolvimento de alternativas para sofisticar a organização do trabalho taylorista-fordista concomitante aos
incrementos na esfera financeira, na retirada dos embargos protecionistas para ampliar a concorrência pelos mercados e,
conseqüentemente, na transformação dos padrões de consumo, o que não significa dizer que se inaugurou um regime de
acumulação inteiramente novo. A acumulação continuou capitalista em sua essência, é reprodução simples e ampliada do capital e
combinação de mais-valia absoluta e relativa, e que as modificações introduzidas não alteraram. Talvez seja mais adequado falar
em combinação da essência da acumulação capitalista com parâmetros mais flexíveis econômica, política e socialmente,
necessários para que o capital continue respondendo à sua própria crise, crise esta inerente ao seu próprio metabolismo. Ver
HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2005. e Parte I de MESZÁROS, I. Para além do capital. São
Paulo: Boitempo Editorial, Campinas: Editora da Unicamp, 2002.
35
A ideologia e o poder gerenciais
A necessidade de comprometimento do trabalhador com a “missão” da empresa se
tornou peça chave para a recomposição da acumulação capitalista, e os trabalhadores começaram
a ser remunerados variavelmente por cumprimento de metas ou a receberem bonificações pelo
“zelo” da maquinaria robotizada. Acirrou-se o movimento de desafecção sindical e de
fragmentação da solidariedade de classe, concomitante a competitividade e rivalização dos
trabalhadores na busca por “reconhecimento e valorização”.
No desenvolvimento desta fase do gerenciamento da força de trabalho, formas de
controle e apropriação da subjetividade foram examinadas e pesquisadas por diversos campos
científicos, como a psicologia, sociologia, administração de empresas, bem como formas de
resistência a tais inovações gerenciais foram desenvolvidas pelos trabalhadores, como estratégias
de defesa psíquicas
48
, os já conhecidos turnover, absenteísmo, boicotes e sabotagem, juntamente
às “greves selvagens”.
Conforme Gramsci, “a racionalização determinou a necessidade de elaborar um novo
tipo humano, conforme ao novo tipo de trabalho e de produção”
49
, de modo que a teoria
gerencial transcendeu o espaço fabril e abarcou a totalidade das relações sociais. O surgimento da
teoria gerencial se deu neste escopo, de educação da classe operária para além da fábrica para e
pelo capital, tendo por objetivo transformar a mente do trabalhador a fim de que ele se
“identifique com a empresa”
50
.
48
As estratégias de defesa psíquicas são formuladas de acordo com a compensação das cargas psíquicas de trabalho, pois, na
medida em que tais cargas se acumulam são geradoras de uma tensão mental ou nervosa que provocam conflitos de ordem
psíquica e física. O ser humano possui três vias de descarga de sua energia pulsional, que se constituem na via psíquica, via
motora e a via visceral. A primeira corresponde à criação de representações mentais e possibilitam descargas de tensão através da
produção de “fantasmas”; a via motora está relacionada ao emprego da musculatura que favorece a compensação da tensão
nervosa através de exercícios, agressividade, etc; e a via visceral, que é utilizada pelos indivíduos que não conseguem descarregar
sua energia pulsional pela vias psicomotoras, atuam no processo de somatização. Dessa forma, existem cargas psíquicas positivas
e negativas de trabalho, sendo positivas quando possibilitam ao trabalhador vias de descarga adaptadas às necessidades (quando o
trabalho é livremente escolhido ou organizado), e negativas quando não oferecem vias de descarga adequadas às situações de
conflito (quando a organização ou o trabalho são impostos de forma rígida). DEJOURS, 1994, op. cit.
49
GRAMSCI, Op. cit. p. 382.
50
Este estudo toma a subjetividade em sentido distinto de personalidade ou interioridade, ou melhor, no sentido das percepções e
reações dos trabalhadores sobre as formas de gestão a que estão sujeitos. Cf. Perbart: “A subjetividade não é algo abstrato, trata-se
da vida, mais precisamente, das formas de vida, das maneiras de sentir, de amar, de perceber, de imaginar, de sonhar, de fazer,
mas também de habitar, de vestir-se, de embelezar-se, de fruir, etc. A subjetividade não é ponto de partida, mas é resultante de
múltiplos processos e agenciamentos coletivos”.
PERBART, P. P. A vertigem por um fio: políticas de subjetividade contemporânea.
São Paulo: FAPESP, 2000. p. 37.
36
Na mesma trilha de Ford e Taylor, também os discursos gerenciais tentam mascarar e
subverter a luta de classes a uma “ficção” da esquerda marxista. Incorporando os conhecimentos
da administração científica às correntes comportamentais da psicosociologia, apropriaram-se da
subjetividade da força de trabalho como forma de internalizar na “alma” do trabalhador a suposta
relação de cooperação e interesses comuns entre “patrão e empregado”. Mais do que uma teoria
gerencial, pode-se falar em uma ideologia gerencial como Tragtenberg desenvolve em seu livro
Burocracia e Ideologia
51
.
Dentro desta ideologia gerencial, temos a Escola das Relações Humanas (ERH) e a
Escola Behaviorista
52
, cujo foco é o “lado humano” da empresa, ou melhor, o ajustamento do
trabalhador ao processo produtivo partindo de uma combinação da OCT com estudos
psicossociais. Na verdade, diante dos insistentes problemas ocasionados pela resistência da força
51
“A Teoria da Administração, até hoje, reproduz as condições de opressão do homem pelo homem; seu discurso muda em função
das determinações sociais. Apresenta seus enunciados parciais (restritos a um momento dado do processo capitalista de produção)
tornando absolutas as formas hierárquicas de burocracia da empresa capitalista [...] dissimula a historicidade de suas categorias
[...] constitui-se na mais sofisticada representação ideológica produzida pela pequena burguesia intelectual: a ideologia do
fim das ideologias por quem não possui ideologia alguma [...] cultiva a neutralidade científica como o ethos ideológico da
Ciência, num universo administrado burocraticamente pelos financiamentos das grandes foundations com o white-collar às suas
ordens”. (grifos nossos). TRAGTENBERG, M. Burocracia e Ideologia. São Paulo: Ática, 1980. p. 216; 219.
52
O estudo não se deteve nas raízes históricas da chamada Escola de Relações Humanas, tampouco no aprofundamento de suas
idéias, deteve-se em apontamentos relevantes que tornaram a administração dos “recursos” humanos fundamental para o controle
e ocultamento do conflito inerente à relação capital trabalho. Contudo, vale comentar brevemente alguns nomes importantes na
periodização histórica da Escola.
As teses iniciais da ERH tiveram divulgação a partir dos anos 1930, quando o foco dos administradores era o aumento da
produtividade e redução de custos a qualquer preço, daí representarem uma nova perspectiva não só do ponto de vista econômico,
como do ideológico, na medida em que resgataram o que Ford e Taylor já pensavam ter justificado, a negação do antagonismo
entre capital e trabalho. Segundo Motta, a precursora autêntica da ERH foi Mary Parker Follet, seguida do psicólogo industrial
George Elton Mayo, que em crítica à Escola do Movimento de Administração Científica ou Escola Clássica, desenvolveu
pesquisas (sendo a mais famosa a da indústria Western Eletric) que apelavam para os grupos informais e suas inter-relações, ao
invés do foco na organização formal da administração científica, bem como para os incentivos psicossociais no lugar dos
econômicos.
Há ainda outros teóricos que são classificados na corrente comportamental, ou, entre os autores behavioristas, como Chester
Barnard, Harold J. Leavit, Douglas McGregor, Irving Knickerbocker e Alex Bavelas. A Escola Behaviorista (EB) também nasce
da oposição à Escola Clássica, e embora partilhasse de quase todos os pressupostos da ERH, rompeu com a idéia de que a
satisfação do trabalhador por si só era geradora de maior produtividade. Tal Escola buscou um novo padrão de teoria e pesquisa,
desenvolvendo uma postura analítica e experimental fora das idéias preconcebidas da ERH. Nesta nova postura, destacam-se os
primeiros estudos de clima organizacional. O maior expoente da EB foi Herbert Simon, que cuidou de trabalhar os processos de
tomada de decisão ou liderança. Outros expoentes também se destacaram dentro da perspectiva behaviorista da administração,
como Elliot Jaques, Chris Argyris, Rensis Likert e Douglas McGregor, sendo este último autor da chamada Teoria Y. Tal
formulação de McGregor se deu no intuito de contrapor o enfoque dado pela Escola Clássica (Teoria X) e trazer à tona a
responsabilidade da organização em criar as condições necessárias para que o trabalhador aflore suas melhores capacidades e
construa um clima de motivação mútuo. Segundo Motta, a teoria de McGregor assemelha-se muito com a administração por
objetivos de Peter Drucker, conhecido autor da administração “moderna”. Para saber mais ver MOTTA, F.C.P. Teoria geral da
administração: uma introdução. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
37
de trabalho às condições e organização perversas de trabalho, uma gama de “cientistas” se
debruçou sobre o “lado humano” para sistematizar técnicas de suavização e ocultamento da
natureza real do trabalho alienado e de “captura da alma” do trabalhador, que na nova
terminologia passa a ser um “colaborador” (e do ponto de vista do capital de fato o é).
Existe uma interpretação equivocada de que a ERH tenha rompido ou superado os
métodos e princípios tayloristas, e que já havia sido apontada em outro trabalho pioneiro, de
Harry Braverman
53
. Esta falsa noção contribuiu para que, no desenvolvimento da “teoria”
gerencial até os dias atuais, as vertentes híbridas ou compostas pela OCT e técnicas toyotistas de
gerenciamento de trabalho se apresentem como novas ou revolucionárias por enfatizarem o “lado
humano” da empresa e supostamente terem abandonado o “lado selvagem” do antagonismo
inerente à relação “patrão e empregado”, e daí terem libertado o trabalhador, das quais podemos
apontar a gestão do empowerment como a versão mais atual.
Outro ponto fundamental que Braverman ressalta é o de que a administração moderna,
típica do capital monopolista, separou o vínculo direto entre o capital e seu proprietário
individual, e as tarefas de controle e da administração do capital foram transferidos para um
corpo técnico gerencial. Nesta nova composição em que a gerência do capital assume papel
importante, o autor ressalta que enquanto processo de trabalho, mesmo a parte “administrativa” é
absorvida por “processo de trabalho rigorosamente análogo ao processo da produção, embora ele
não produza artigo algum que não seja a operação e coordenação da empresa”
54
. Daí as formas
de organização do trabalho ultrapassarem as fronteiras da fábrica e da administração científica.
Dessa forma também vem à tona a questão do poder gerencial, procedente de novos
grupos ligados ao setor de serviços - como diretores, gerentes, administradores, especuladores,
“celebridades das altas rodas
55
” – com funções instáveis e posições de alta rotatividade, mas não
53
“É impossível superestimar a importância do movimento da gerência científica no modelamento da empresa moderna, e, de
fato, de todas as instituições da sociedade capitalista que executam processos de trabalho. A noção popular de que o taylorismo
foi “superado” por escolas posteriores de psicologia industrial ou “relações humanas”, que ele “fracassou” [...] ou que está “fora
de moda”, porque certas categorias tayloristas, como chefia funcional ou seus esquemas de prêmio incentivo, foram descartadas
por métodos mais requintados: tudo isso representa lamentável má interpretação da verdadeira dinâmica do desenvolvimento da
gerência”. BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. A degradação do trabalho no século XX. Trad. Nathanael C.
Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.p. 83.
54
Idem., p. 228.
55
Em estudo sobre a sociedade norte-americana, Wright Mills desenvolve um interessante conceito, o de celebridades do poder.
Em meio ao que ele caracteriza como elite do poder, existiriam as celebridades profissionais “[...] vivendo de serem exibidas
constantemente [...] Se tais celebridades não estão à testa de qualquer hierarquia dominante, freqüentemente têm, por outro lado, o
38
menos responsáveis pela fatia do poder da classe dominante. Para João Bernardo, trata-se do que
ele denomina dos “gestores do capitalismo”, que além de gerir o processo produtivo, é a partir do
ambiente de trabalho empresarial que a imposição de comportamentos disciplinares escamoteia
os objetivos econômicos. Os corpos biológicos são disciplinados e articulados para absorver e
disseminar os comportamentos sociais requeridos para a manutenção da dominação.
Este controle invisível seria o Estado Amplo, que é sentido em todos os lugares,
entretanto não é visível materialmente. Os gestores seriam mais que meros superiores
hierárquicos, seriam, sobretudo, os controladores efetivos do tempo dos trabalhadores, do tempo
da produção, independentemente de serem proprietários dos meios de produção (capitalistas
tradicionais), e por isso, fundamentais na estrutura de dominação capitalista
56
.
Paralelamente, para Mills o poder se dá em três níveis, sendo o político (Estado), o
corporativo (grandes Companhias) e o militar. Nestas três esferas estão os grupos que tomariam
as decisões sobre os rumos do mundo, juntamente à partilha do poder sobre ele. O autor analisa
diferentes enfoques da natureza desta elite do poder
57
, através da historicidade das contradições e
jogos de interesses que permeiam a sociedade norte-americana, uma vez que as frações de classe
a que pertencem se aliam ou não de acordo com as prerrogativas do momento em questão.
Em relação ao poder corporativo, a empresa moderna seria importante mecanismo do
poder, pois os diretores e principais executivos administram uma das principais fontes de riqueza
do capital produtivo, tendo poder sobre o volume e fluxo dos bens de consumo. Entretanto, Mills
não classifica a participação desta fração da elite do poder numa nova classe. Frisa que ela só
poder de distrair a atenção do público ou proporcionar sensações às massas, ou, mais diretamente, de ser ouvidas pelos que
ocupam posições de poder direto”. MILLS, C. W. A elite do poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975. p. 12.
56
“A confusão entre concentração do capital e centralização política é um dos aspectos da confusão entre relações sociais de
produção e sistemas jurídicos de propriedade [...] reduz os capitalistas à burguesia, a única proprietária formal dos meios de
produção. A classe dos gestores, que se apropria coletivamente do capital mediante o controle exercido sobre certas instituições é
assim apagada e confundida com os trabalhadores, na abstração do Povo [...] são conjuntos de administradores quem efetivamente
detém cada empresa, através do controle exercido sobre toda a sua atividade. Assim, no capitalismo de tipo ocidental a
concentração econômica, em que se fundamentou a hegemonia alcançada pela classe dos gestores, em vez de levar à concentração
das formas tradicionais de propriedade, pelo contrário, acarretou a sua fragmentação e dispersão”. p. 398-399. BERNARDO, J.
Depois do marxismo, o dilúvio? In: Revista Educação e Sociedade, nº 43, dezembro/1992.
57
O trabalho utilizou a definição de elite do poder de Mills como mais um apontamento para caracterizar o grupo dos “gestores
do capital”. “A elite do poder é composta de homens cuja posição lhes permite transcender o ambiente comum dos homens
comuns, e tomar decisões de grandes conseqüências. [...] comandam as principais hierarquias e organizações da sociedade
moderna. Comandam as grandes companhias. Governam a máquina do Estado e reivindicam suas prerrogativas. Dirigem a
organização militar. Ocupam os postos de comando estratégico da estrutura social, no qual se centralizam atualmente os meios
efetivos do poder e da riqueza e celebridade que usufruem”. Op.cit. p. 12.
39
pode ser entendida se considerada na totalidade da economia política, ou melhor, em suas inter-
relações com as formas de propriedade e com o Estado, pois destas relações seriam determinadas
as posições de poder e as oportunidades de auferir riquezas e altos rendimentos
58
.
Este novo grupo social dos administradores do capitalismo diluiu o poder pessoal no
poder funcional. O poder pessoal do chefe ou do “dono” se transferiu para a função que
determinado gestor ocupa no processo, passando a ser funcional. Antes, o poder pessoal do chefe
era conquistado pelo seu “saber”, o seu “conhecer” do negócio, e a superioridade de “ser chefe”
se demonstrava daí. O poder era pessoal, expunha o chefe para o bem e para o mal na medida em
que estava pessoalmente em questão, podendo ser contestado e questionado, enfim, o poder era
aceito ou repudiado diretamente na figura pessoal do chefe.
Ainda que em determinadas unidades empresariais esta hierarquia pessoal ainda
exista, hoje a tendência é a do processo gerido impessoalmente através do poder funcional, onde
cada cargo está prescrito por regras institucionais que regem o processo de trabalho. O controle e
a dominação anteriores, que justamente por serem diretos podiam ser também diretamente
questionados, hoje é uma questão de “atribuição da função”, previamente determinada pela
posição que o sujeito ocupa no organograma da empresa
59
. Nesta conformação se torna possível a
patética distinção entre pessoal e profissional.
Supondo que as informações e os processos se encadeiam a partir do simples
funcionário, que responde a um superior imediato, que por sua vez é subordinado
hierarquicamente a outro, e assim sucessivamente até o topo do organograma, quando se chega a
um diretor-geral ou num presidente da organização, este também não representa o poder pessoal
58
“As empresas são os centros organizados do sistema de propriedade privada: os principais executivos são os organizadores
desse sistema. Como homens econômicos, são ao mesmo tempo criaturas e criadores da revolução administrativa que, em resumo,
transformou a propriedade de uma ferramenta de operário num instrumento complexo pelo qual o trabalho deste é controlado,
obtendo-se lucro dele. [...] Tais organizações formam uma unidade entre a elite administrativa e outros membros dos ricos
associados. Transformam os limitados poderes econômicos em poderes de toda a indústria e toda a classe, e os utilizam,
primeiramente, no setor econômico, e segundo, no setor político”. Ibid. p. 145; 148.
59
Gorz também trabalhou oportunamente esta faceta das relações de poder e da burocracia empresarial como ideologia de
dominação. “A dominação nunca será exercida por pessoas nem dependerá de sua autoridade pessoal. Será exercida pela via
institucional, segundo um procedimento definido de antemão, e aqueles que têm por função perpetuá-la serão, eles próprios,
executores dominados e não chefes [...] não são mais os homens que possuem o poder, são as funções de poder que possuem
os homens [...] Engrenagem de um mecanismo montado, o burocrata é o instrumento de um poder sem sujeito: no aparelho de
Estado, como na grande empresa, o poder é o organograma, que foi inventado por homens para garantir com uma quase-
automaticidade a submissão hierárquica de outros homens”.(grifos nossos) p. 72-73. GORZ, A. Adeus ao proletariado. Para além
do socialismo. Trad. Ângela Ramalho Vianna e Sérgio Góes de Paula. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.
40
de fato, é mais uma alegoria simbólica que vende sua imagem para negociatas e não se
responsabiliza pelo processo de trabalho em si.
Esta transformação nas relações de poder no trabalho possibilitou uma mobilidade de
tal segmento gerencial, mas que de nenhuma forma significou uma mobilidade de
ascensão/descensão entre as classes para a criação de uma terceira classe, “classe dos gestores”
como desenvolve João Bernardo. Contrariando a idéia de uma “revolução dos gerentes” que, num
paralelo com João Bernardo, poderia levar a crer numa “classe de gestores” ou na supremacia do
“poder corporativo”, Mills não defende a formação de um grupo independente das frações
hegemônicas dos proprietários da classe burguesa, mas sim uma reorganização administrativa das
classes proprietárias, formando uma camada “mais ou menos unificada dos ricos associados”
60
.
Braverman converge sua análise para a idéia de uma nova caracterização das classes
capitalista e assalariada, em que para participar do processo capitalista como “capitalista”, ou
seja, proprietário do capital, é necessário possuir riqueza suficiente para tal. Enquanto que, para
participar como administrador do processo não necessariamente, daí a composição da classe
assalariada com a dominante, na medida em que para os altos postos de controle e comando da
administração a seleção se dará “entre iguais”
61
.
Na verdade, pode-se falar em um segmento da classe assalariada que detém maior
parcela do poder por estar diretamente vinculado à estrutura de dominação do topo para baixo, e
não o inverso. E também por tal segmento já ter sido “capturado” em sua subjetividade num nível
que é difícil voltar atrás, já adquiriram os valores da classe burguesa e têm muito a perder, o que
significa dizer que já foram cooptados ideologicamente pela “doutrina” administrativa e
sofreram a “corrosão do caráter
62
, cuja tendência é continuar a tautologia do processo
63
.
60
MILLS, op.cit. p. 179.
61
“O controle operacional recai cada vez mais sobre um funcionalismo gerencial para cada empresa. Uma vez que tanto o capital
como o gerenciamento profissional – em seus níveis mais altos são retirados, em geral, da mesma classe, pode dizer que os dois
lados do capitalista, proprietário e administrador, antigamente unidos numa mesma pessoa, agora tornam-se aspectos da classe”.
Op. cit., p. 221.
62
SENNET, R. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2000.
63
Mills também discorre sobre a natureza do que ele chama de principais executivos (lembrando que seu objeto de análise é a
sociedade americana). Afirma que estes não são oriundos dos estratos mais baixos, não “vieram de baixo”, e acabam por
reproduzir uma tautologia do poder. “Os executivos típicos, hoje como no passado, nasceram com grande vantagem: seus pais
tinham pelo menos níveis de ocupação e renda de classe média superior; são protestantes, brancos, e americanos natos. Esses
fatores de origem levaram diretamente á sua segunda grande vantagem: são bem educados, no sentido de terem boa instrução [...]
os de origem mais alta tiveram as melhores oportunidades de educação formal. [...] Entre os principais executivos de hoje há certa
preocupação sobre a elite executiva de amanhã”. MILLS, op.cit. p. 157-158; 173.
41
Outro ponto forte de pressão utilizado pela teoria gerencial é a desmoralização
sindical. Além do movimento de desafecção sindical e do sindicalismo propositivo estarem num
momento que atravessa a desarticulação do movimento operário, outro mecanismo regulador é
quando a empresa oferece uma negociação salarial mais vantajosa do que a proposta pelo
sindicato, como pode ser observado no exemplo do shunto, na indústria japonesa
64
.
Não que esta técnica seja uma constante, aliás, hoje o capital está tão ancorado nas
técnicas do engajamento da identidade do trabalhador à empresarial, na tirania do mercado e no
desemprego inerente ao capitalismo que esta manobra deve ser a última das manobras no caso de
uma resistência da força de trabalho organizada pelo sindicato combativo. O que interessa frisar é
a articulação do capital para suplantar qualquer tipo de obstáculo à ideologia da dominação
gerencial, assim, a estratégia de interromper o desenvolvimento da ação sindical é, sem dúvida,
fundamental.
Como já foi mencionado por Tragtenberg, a Teoria Geral da Administração e as
práticas gerenciais cumprem um papel ideológico, que se estende para além do espaço de
trabalho, convertendo-se num processo de educação capitalista que serve ao ocultamento da luta
de classes e à manutenção do processo de exploração da força de trabalho
65
.
A organização toyotista do trabalho para além do just- in- time
A falência do “pacto conciliatório” com o fim do Estado do Bem-Estar não significou
a extinção da organização fordista-taylorista do trabalho, já que seus aspectos sobrevivem hoje na
configuração da estrutura capitalista de produção. A própria informática permite que haja uma
aplicação crescente do “gerenciamento científico” na medida em que possibilita sua
64
Conforme verificado por Coriat: “Shunto significa um acordo ou o entendimento estabelecido nos momentos de negociação
salarial para a “fixação das taxas de aumento anual de salários”. O objetivo dos empregadores era, neste caso, desmoralizar os
sindicatos num momento em que seu prestígio já estava atingido. Maneira também de mostrar aos assalariados que há mais a se
esperar da boa vontade dos patrões que da ação reivindicativa organizada pelos sindicatos”. p. 169. Apud SILVA, F. L. G. A
fábrica como agência educativa. Araraquara: laboratório Editorial/FCL/UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2004.
65
Segundo Meszáros: “Como necessidade igualmente inevitável sob o sistema do capital, não basta que se imponha a divisão
social hierárquica do trabalho, como relacionamento determinado de poder, sobre os aspectos funcionais/técnicos do processo de
trabalho. É também forçoso que ela seja apresentada como justificativa ideológica absolutamente inquestionável e pilar de reforço
da ordem estabelecida. Para esta finalidade, as duas categorias claramente diferentes da “divisão do trabalho” devem ser fundidas,
de modo que possam caracterizar a condição, historicamente contingente e imposta pela força, de hierarquia e subordinação como
inalterável ditame da “própria natureza”, pelo qual a desigualdade estruturalmente reforçada seja conciliada com a mitologia de
“igualdade e liberdade” [...]”. 2002, Op. cit. p. 99.
42
amplificação. O que significa dizer que, a essência da organização taylorista-fordista do trabalho
não está no trabalho repetitivo e na especialização das tarefas, mas no controle patronal sobre o
processo de trabalho
66
.
A crise do petróleo de 1973 atingiu o mundo inteiro, e no Japão não foi diferente. As
taxas de crescimento da economia japonesa haviam decrescido a nível zero e muitas empresas
passaram por sérios problemas. Contudo, na empresa Toyota Motor Company o impacto foi
diferente, graças ao modelo produtivo idealizado por Taiichi Ohno que já estava em
desenvolvimento desde o pós II Guerra.
O Sistema Toyota de Produção, ou toyotismo, foi concebido para eliminar
absolutamente o desperdício e superar o modelo de produção em massa americano. As bases
desse sistema se ancoraram em 02 pilares, sendo o just-in-time (JIT) e a autonomação com um
toque humano
67
. Na verdade, o just-in-time e a autonomação significaram uma inovação na
lógica produtiva do modelo fordista-taylorista, na medida em que inverteu o fluxo da linha de
montagem, otimizando tempo e estoque, e a simples automação de máquinas foi superada pela
parada automática em caso de erro.
O modo tradicional de fornecer materiais a partir do processo inicial para o processo
final da produção foi transferido no sentido inverso, sendo interrompido em situações de
irregularidades, eliminando o desperdício da produção em massa convencional e potencializando
a força de trabalho na supervisão de várias máquinas ao mesmo tempo. Tais fundamentos
desenvolveram a idéia do trabalho em equipe, dos círculos de controle da qualidade (CCQs), da
66
Katz chama atenção para o controle do processo de trabalho pela forma de organização taylorista quando afirma que: “O
taylorismo é uma característica de toda produção capitalista contemporânea, independente das opções de organização adotadas no
processo de trabalho. As peculiaridades do toyotismo não inauguram uma época pós-taylorista porque preservam ou reforçam o
controle patronal. Toyotismo e taylorismo não representam dois modelos opcionais de automação flexível [...] O toyotismo é uma
tentativa de paliar a improdutividade crescente do gerenciamento científico diante da mudança tecnológica acelerada, da saturação
de mercados e da maior rotação do capital [...] O toyotismo mistura com o taylorismo trabalhos de diferentes graus de
qualificação, adaptados a uma fase mais complexa da produção. Não responde a peculiaridades culturais asiáticas, mas a traços
universais da economia capitalista [...] Esta mundialização repete, em espaços notavelmente mais curtos, a mesma expansão
internacional que o taylorismo teve no passado”. KATZ, C. Evolução e crise do processo de trabalho. In: Novas Tecnologias.
Crítica da atual reestruturação produtiva. São Paulo: Xamã, 1995. p. 35-36.
67
Segundo Ohno: Just-in-time significa que, em um processo de fluxo, as partes corretas necessárias à montagem alcançam a
linha de montagem no momento em que são necessários e somente na quantidade necessária. [...] Autonomação significa a
transferência de inteligência humana para uma máquina. [...] A autonomação impede a fabricação de produtos defeituosos,
elimina a superprodução, e pára automaticamente no caso de anormalidades na linha, permitindo que a situação seja investigada”.
OHNO, T. O Sistema Toyota de Produção: além da produção em larga escala. Trad. Cristina Schumacher. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997. p. 26; 129.
43
multifuncionalidade, da flexibilidade e do estímulo à iniciativa do trabalhador, e que já estavam
presentes no modelo fordista, ainda que de forma embrionária e não sistematizada, e já vinha
sendo alvo das técnicas gerenciais comportamentais.
Ohno se utilizou de analogias com os esportes competitivos coletivos e com o corpo
humano para unificar os pilares de seu sistema e cristalizar o envolvimento individualizado do
trabalhador e o compromisso do trabalho em equipe. A apropriação do saber tácito do trabalhador
foi sistematizada
68
. A gerência “desceu para o chão de fábrica” para padronizar as operações em
conjunto com os trabalhadores, desenvolvendo o princípio da gestão participativa, também já
presente no modelo taylorista-fordista
69
.
O princípio de combinar trabalho em equipe e habilidade individual proporcionou o
desenvolvimento das aptidões individuais até a mais plena capacidade, e para isso foi necessário
o foco na iniciativa e comprometimento dos trabalhadores, juntamente com o envolvimento da
gerência na operacionalização das tarefas
70
. A nova lógica impôs aos operários um sistema de
gestão total que incorporava ao trabalho repetitivo o trabalho multifuncional, intensificando a
atividade do trabalho e penetrando na “alma” do trabalhador.
O dispositivo de regulação desta gestão total se deu pela padronização das tarefas, que
foram otimizadas através do método de kanban
71
. Este viabilizou a sincronização do just-in-time
e autonomização das operações, conferindo maior flexibilidade às operações, já que o sistema
como um todo responderia às mudanças na produção imediatamente, evitando o desperdício do
período de adequação a uma nova situação de mercado exigida.
Conseqüentemente, a flexibilidade também foi transferida para a força de trabalho, já
que a operacionalização do kanban deve contar com a pré-disposição multifuncional do operário
68
O “saber tácito” seria o conhecimento individual que permite ao trabalhador realizar sua atividade fora do prescrito. Seriam os
macetes, truques e procedimentos que cada trabalhador desenvolve para poupar ou ganhar tempo e esforço, os “segredos do
ofício”.
69
Ohno acreditava que “um procedimento de trabalho adequado não pode ser escrito numa escrivaninha. Ele deve ser testado e
revisado muitas vezes na planta de produção. [...] tem que ser um procedimento que qualquer um possa compreender de
imediato”. Op.cit. p.40.
70
“A tarefa do supervisor de área, chefe de seção ou supervisor de equipe é treinar trabalhadores. [...] o treinador deve realmente
pegar as mãos dos operários e ensiná-los. Isso gera confiança no supervisor”. Ibid. p. 42.
71
“Um kanban (“ etiqueta”) é um instrumento para o manuseio e garantia da produção just-in-time. Basicamente um kanban é
uma forma simples e direta de comunicação localizada sempre no ponto que se faz necessária. [...] um kanban é um pequeno
pedaço de papel inserido em um envelope retangular de vinil. Neste pedaço de papel está escrito quanto de cada parte tem de ser
retirada ou quantas peças têm de ser montadas”. Ibid. p. 131.
44
para ser corretamente ajustado e seguido a tempo de evitar o desperdício. Ohno se preocupou
com o que ele chamou de “sistema nervoso autonômico na organização empresarial”. A partir
da comparação entre empresa e corpo humano, o autor sistematizou uma espécie de “reflexo
nervoso industrial”, que manteria a empresa em condições de operar o just-in-time e a
autonomização, de forma que os contratempos não fossem capazes de abalar o sistema como um
todo.
Na verdade, o reflexo autonômico era a iniciativa do trabalhador para responder às
situações divergentes do padrão kanban, ou para adequar rapidamente sua tarefa a um kanban
diferente
72
. Entretanto, tal autonomia humana deveria ser “capturada” e controlada sempre no
limite de sua possibilidade de transferência para as máquinas. “A mente industrial extrai
conhecimento do pessoal da fabricação, dá o conhecimento às máquinas que funcionam como
extensões das mãos e pés dos operários, e desenvolve o plano de produção para toda a fábrica”
73
.
Junto à gestão participativa se pode conceber também a idéia dos CCQs, cuja função
era combinar o sistema JIT ao método kanban e por meio da apropriação do saber tácito da força
de trabalho. Os círculos tinham por objetivo discutir as causas dos problemas enfrentados no
espaço produtivo, bem como as alternativas para solucioná-los em grupo, garantindo assim a
qualidade máxima de processos e produtos. Gerentes e operários deveriam formar uma equipe a
fim de aplicar o princípio do “perguntar porquê cinco vezes” de Ohno, o que resultou no
desvendamento e apropriação de dimensões do saber tácito como também na inevitável
motivação e competição individual, ainda que relativa e particular, para a participação e adesão
ao Círculo.
Vale ressaltar que ativar a motivação e a competição entre os trabalhadores como
ferramenta para aumento de produtividade e controle do processo de trabalho conduz a um
aprofundamento do individualismo através de sua apologia pelas técnicas gerenciais, o que por si
só conduz a uma pulverização do coletivo de trabalho e da solidariedade de classe,
72
“Em nossa planta de produção, um nervo autonômico significa fazer julgamentos autonomamente no nível o mais baixo
possível”. Ibid. p. 63.
73
Ibid. p. 65.
45
desembocando na potencialização do processo de reificação ou no fetichismo da
individualidade
74
.
Os CCQs se associaram à ênfase na multifuncionalidade do trabalhador. Como parte
do processo de conscientização dos trabalhadores de que as causas dos problemas deveriam ser
detectadas e resolvidas na origem, a ativa participação destes requereu uma internalização dos
princípios e das atribuições das funções pelos operários. Para isso, o rodízio das tarefas foi
utilizado como técnica bem como a “supervisão de todos por todos”
75
.
É importante destacar que mesmo com as novas técnicas de gestão sistematizadas na
Toyota, os trabalhos parcelados e repetitivos continuaram coexistindo com os de caráter
multifuncional e pluriespecializado. A novidade se deu em aplicar a todos os tipos as formas de
controle do processo de trabalho, o que ratifica a suposição inicial de que existe uma
continuidade nos três métodos – fordista, taylorista e toyotista – de produção, continuidade com
sofisticação, e não superação, daí estas formas serem sociais, e não restritas ao espaço de
trabalho.
O gerenciamento da força de trabalho pelo método japonês ultrapassou a fronteira
oriental e se universalizou pelo ocidente
76
, unindo-se às teorias e técnicas gerenciais
desenvolvidas pelas Escolas Comportamentais, que até o momento de crise declarada do capital
74
Nota-se que as formas de organização do trabalho toyotistas dão ênfase à dimensão individual do trabalho, acirrando os
elementos de rivalidade e competição, bem como de motivação e autonomia individuais, para conduzir a uma idéia de auto-
realização, quando na verdade o que ocorre é o processo inverso, de desrealização e de desestruturação das formas organizativas
coletivas. A esta potencialização da alienação, típica do modo de sociabilidade capitalista, Lukács chamou reificação, onde a
partir do fetiche da mercadoria, típico do capitalismo moderno, o sujeito social adquire comportamentos também fetichizados e
que intervém contraditoriamente em sua auto-realização e, conseqüentemente, em seu coletivo de classe. Uma complementação
interessante, seria a tese do fetichismo da individualidade, desenvolvida pelo pedagogo Newton Duarte. Em seu estudo, Duarte
chama atenção para os muitos fetichismos produzidos pela sociedade capitalista, como os fetichismos das competências, da
linguagem, da psicanálise, da infância, e dentre eles, o fetichismo da individualidade, cuja expressão mais radical seria as teses
pós-modernas da subjetividade, que, ao contrário do que afirmam seus teóricos, não conduziriam a uma individualidade livre e
universal, mas sim ao acirramento do processo de alienação. Vejam-se capítulo “A reificação e a consciência do proletariado” em
LUKÁCS, G. História e consciência de classe. Estudos de dialética marxista. Porto: Editora Escorpião, 1974., e os artigos “O
bezerro de ouro, o fetichismo da mercadoria e o fetichismo da individualidade” e “A rendição pós-moderna à individualidade
alienada e a perspectiva marxista da individualidade livre e universal” em DUARTE, N. (org). Crítica ao fetichismo da
individualidade. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.
75
Como no estudo de Foucault em seu estudo Microfísica do poder. FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro:
Graal, 2002.
76
De acordo com Alves: “Não reduzimos o conceito de toyotismo à “japonização” [...] as novas práticas gerenciais e
empregatícias, tais como just-in-time/ kanban, controle de qualidade total e engajamento estimulado, levado a efeito pelas
corporações japonesas, assumiram nova significação para o capital, não mais se vinculando às suas particularidades concretas
originais”. ALVES, G. O novo (e precário) mundo do trabalho. Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2000. p. 32.
46
ainda não haviam sido generalizadas. O toyotismo conseguiu viabilizar operacionalmente a
adesão plena dos trabalhadores ao processo produtivo na medida em que criou um operário pró-
ativo e capaz de tomar decisões para a melhoria do processo
77
.
Comparado à rigidez da organização do trabalho taylorista-fordista, o toyotismo pode
parecer um modelo de produção e gerenciamento da força de trabalho melhor, e de fato o é. Mas
não para os trabalhadores, e sim para o capital, pois além das técnicas já experimentadas e
desenvolvidas pelos modelos de Ford e Taylor, o Sistema Toyota de Produção aprimorou a
intensificação do trabalho e ampliou as dimensões da exploração da força de trabalho quando
sistematizou as técnicas de apropriação da subjetividade
78
.
Não só os rodízios e ampliações do conteúdo das tarefas, verificados por Friedmann
já em 1950, foram sofisticados na multifuncionalidade e pluriespecialização, mas, sobretudo, a
dimensão subjetiva dos trabalhadores se tornou essencial para manter o fluxo de produção em
níveis mínimos para a acumulação capitalista. Foi o acabamento da ideologia gerencial.
A apropriação da subjetividade pela gestão dos “recursos” humanos
Neste processo de “captura do corpo e da alma” do trabalhador a fim de que ele
continue mantendo o processo de acumulação capitalista, a desenvoltura da teoria gerencial e do
poder dos gestores é para ganhar a força de trabalho e trazê-la para a ideologia da dominação sob
a falsa consciência de que “empresa e funcionário” têm os mesmos objetivos, e que, por isso,
devem atuar em conjunto e não em oposição. Uma das peças chave na viabilização, disseminação
77
É claro que este “novo adestramento” não aconteceu sem a resistência da classe operária japonesa. É sabido que a capitulação
dos sindicatos bem como o estímulo da aposentadoria vitalícia foram peças-chave na contenção das greves operárias no Japão,
quando um grande número de trabalhadores foi demitido pelo enxugamento da mão-de-obra ocasionado pela adoção do sistema
JIT com o kanban. Segundo Antunes: “Em 1950, houve um expressivo movimento grevista contra um processo de demissões em
massa na Toyota (entre 1600 a 2 mil trabalhadores). A longa greve dos metalúrgicos foi derrotada pela Toyota. [...] Após a
repressão que se abateu sobre os principais líderes sindicais, as empresas aproveitaram a desestruturação do sindicalismo
combativo e criaram o que se constituiu no traço distintivo do sindicalismo japonês da era toyotista: o sindicalismo de empresa, o
sindicato-casa, atado ao ideário e ao universo patronal. [...] 1954 esse mesmo sindicato foi dissolvido e substituído por um novo
sindicato inserido no “espírito Toyota”, na “Família Toyota”. [...] Combinando repressão com cooptação, o sindicalismo de
empresa teve, como contrapartida à sua subordinação patronal, a obtenção do emprego vitalício para uma parcela dos
trabalhadores das grandes empresas (cerca de 30% da população trabalhadora) e também ganhos salariais decorrentes da
produtividade”. ANTUNES, 2002a, op. cit. p. 32-33.
78
Conforme Alves, o toyotismo significa “[...] um estágio superior de racionalização do trabalho, que não rompe, a rigor, com a
lógica do taylorismo-fordismo [...] Entretanto, no campo da gestão da força de trabalho, o toyotismo realiza um salto qualitativo
na captura da subjetividade operária pela lógica do capital, o que o distingue, pelo menos no plano da consciência de classe, do
taylorismo-fordismo”. Op. cit. p. 31.
47
e dissimulação da ideologia gerencial e que operacionaliza as diversas facetas do processo de
imiscuir a mente do trabalhador é o Departamento de Recursos Humanos (DRH).
É importante salientar que as fronteiras da ideologia gerencial não se limitam apenas
ao trabalho especializado ou industrial, abarcam o trabalho alienado como um todo
79
, e quando
encontram alguma dificuldade de impor, ainda que mascaradamente, seus princípios de subversão
da subjetividade do trabalhador a favor do capital, ampliam as formas de trabalho nos rumos da
flexibilização do trabalho
80
.
A flexibilização e intensificação da precariedade inerente às atividades do trabalho são
ingredientes essenciais na eficácia das técnicas gerenciais de apropriação da subjetividade. Como
o trabalhador coletivo não cai automática e pacificamente em todas as arapucas da ideologia
gerencial, um dos componentes que articulam as manobras para o ajustamento da força de
trabalho, senão o fundamental, é o cenário de desemprego, também inerente à estrutura do modo
de produção capitalista
81
.
79
Utiliza-se o conceito de trabalho alienado no sentido desenvolvido por Marx em seus Manuscritos econômico-filosóficos, que é
a da representação deformada do real em sua tipicidade capitalista. Apesar das transformações na organização do trabalho,
sistematizadas e universalizadas pelas técnicas de gerenciamento japonesas, o caráter do trabalho sob a forma da sociabilidade
capitalista ainda continua alienado, imposto “de fora”, onde o controle da produção ainda é heterodeterminado e alheio aos
trabalhadores. Quanto mais o trabalho se desenvolve sob a lógica do capitalismo mais o homem se aliena, e mais se perde na
subjetividade, que agora é “capturada” pelo processo de acumulação capitalista, ainda que não integralmente. Entretanto, quanto
mais o trabalho media a objetivação do mundo mais o homem se realiza, e quanto mais o homem se objetiva na sociabilidade
capitalista mais se desominiza. Cf. Meszáros sobre a teoria da alienação desenvolvida por Marx: “Ele reconhece que “a vida
humana necessitou da propriedade privada para a sua efetivação” porque “só mediante a indústria desenvolvida, ou seja, pela
mediação da propriedade privada, vem a ser a essência ontológica da paixão humana [...] Alienação, reificação, e seus reflexos
alienados são portanto formas de expressão sócio-historicamente necessárias de uma relação ontológica fundamental. Este é o
“aspecto positivo” da auto-alienação do trabalho. Marx enfatiza também o aspecto negativo [...] na contradição social entre
propriedade privada e trabalho: uma contradição que, contudo, não pode ser percebida do ponto de vista da propriedade
privada, nem tampouco por aquele decorrente de uma identificação espontânea com o trabalho em sua parcialidade, mas apenas
pelo ponto de vista criticamente adotado do trabalho em sua universalidade autotranscendente”. MÉSZÁROS, I. A teoria da
alienação em Marx. Trad. Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 107.
80
Silva apresenta esta manobra com o exemplo dos greenfields da indústria automobilística: “Para conquistar a lealdade, o zelo e
a dedicação dos operários, a indústria automobilística desenvolve planos estratégicos contra quaisquer ameaças de resistência e,
quando esgota as possibilidades de gerar na indústria uma conjuntura social interna favorável à produtividade, parte em busca
dessas condições, chegando até a transferir suas operações para locais de “fraca organização operária”, regiões onde o domínio do
capital sobre a subjetividade operária é exercido mais facilmente, espaços sociais que, recentemente, ganharam a denominação de
greenfields”. SILVA, 2004, op. cit. p. 72.
81
“Atualmente, a destruição de postos de trabalho – provocada pelo acirramento da competição e pelo processo de reestruturação
industrial – e a flexibilização dos contratos são importantes aliados dos gestores de recursos humanos. Portanto, as práticas
gerenciais disciplinadoras que buscam a adesão operária ao processo de produção devem ser compreendidas no interior das
constantes mudanças sociais, políticas e econômicas”. Ibid, p. 97.
48
A remuneração diferenciada e os benefícios oferecidos por grandes companhias
conceituadas no mundo empresarial como instituições sólidas, conferem uma relativa estabilidade
aos trabalhadores, que quando “olham para fora” e enxergam o caos do mercado do trabalho
acabam se submetendo aos ditames empresariais, ou ainda, sentem-se privilegiados e gratos à
companhia. Uma situação de flexibilização que contribui para a adaptação da conduta do
trabalhador às forças coercitivas gerenciais seria o caso dos cortes para enxugar custos,
geralmente implementados quando há uma inovação tecnológica que poupe trabalho vivo,
quando há terceirização de setores para potencializar lucros ou para aguardar a empresa recuperar
seu market share.
Nestas ocasiões, a pródiga gestão dos “recursos” humanos contrata uma empresa de
recolocação, que será responsável por “recolocar os funcionários excedentes” no mercado, ou
condiciona o contrato das empresas subcontratadas para a terceirização à readmissão dos
trabalhadores demitidos. Assim é que o DRH constrói o discurso cínico das “estratégias para
melhorias” de maneira “politicamente correta”.
Acontece que em qualquer caso, seja pela absorção da mão-de-obra dispensada pela
empresa subcontratada ou pela recolocação no mercado, esta parcela de trabalhadores não contará
mais com os estímulos de remuneração ou benefícios que asseguravam sua permanência na
grande empresa. Serão subcontratados por subempresas que exploram a força de trabalho sem
anteparos. “O despotismo do mercado prevalece em uma sociedade cujos salários reagem à
conjuntura econômica; “o instituto da flexploração”, a gestão racional da insegurança
(BORDIEU, 1998), garante o máximo de eficiência para o capital
82
”.
Freqüentemente o DRH também utiliza técnicas gerenciais que envolvem a
subjetividade do trabalhador através dos sentimentos em relação ao processo de trabalho.
Dejours fornece alguns exemplos que mensuram em que medida os trabalhadores são explorados
pelo sofrimento, criando mecanismos de defesa como a ansiedade, mas que também são
canalizados para o aumento da produtividade
83
. Tal estado está diretamente ligado aos ritmos e
82
Ibid, p. 168.
83
Existem diferentes fontes de ansiedade, mas apontaremos apenas três, esquematizadas por Dejours: “A ansiedade relativa à
degradação do funcionamento mental e do equilíbrio psicoafetivo [...] desestruturação das relações psicoafetivas espontâneas com
os colegas de trabalho, de seu envenenamento pela discriminação e suspeita. [...] A ansiedade relativa à degradação do organismo,
resultante do risco que paira sobre a saúde física [...] ela é a seqüela psíquica do risco que a nocividade das condições de trabalho
impõe ao corpo. [...] A ansiedade gerada pela disciplina da fome, pois apesar do sofrimento mental que não pode mais
49
tipo de trabalho, e também conduz o trabalhador a um esgotamento progressivo de seu aparelho
psíquico.
A partir disto é possível apreender os reais conteúdos embutidos em determinadas
posturas gerenciais, como a criação de favoritismos e rivalidades que, de alguma maneira, ativam
o nível de ansiedade num ponto saudável para a realização do trabalho. Além da ansiedade
inerente à realização da tarefa em si, soma-se outra carga de ansiedade, a “cara feia do chefe”.
Esta tendência é mais visível nos “trabalhos de escritório”, uma vez que sua natureza exige
diferentes técnicas de manipulação e controle. Outro ponto fundamental é que nestes serviços a
avaliação do chefe pode determinar o sucesso ou fracasso de uma carreira profissional, pois ele
simboliza a promoção, o aumento de salário, o “empurrãozinho”, os privilégios, etc.
Volta e meia há casos em que o chefe chama o trabalhador para um “bate-papo”, no
qual propõe que este “se abra, coloque suas dificuldades no trabalho, conflitos familiares, crises
financeiras”, quando de fato está transferindo a temática do profissional para o pessoal, a fim de
manipular psicologicamente o trabalhador, pois não só as informações são aparentemente obtidas
de forma voluntária, como também são usadas para pressionar, chantagear, ativar conflitos entre
os colegas de trabalho, e também para motivar na direção dos objetivos da organização. Neste
momento o que vale é o poder pessoal em contraposição ao poder funcional.
Como neste tipo de trabalho fica mais difícil controlar o tempo, o supervisor ou chefe
tem que encontrar outras formas de manter o controle “naturalmente”. Criar e manter rivalidade e
discriminação entre os trabalhadores é saudável na medida em que o controle será exercido por
todos e não só na figura do chefe. Esta atmosfera contribui para aumentar ainda mais o
sofrimento causado pela ansiedade, uma vez que este “envenenamento” das relações entre os
trabalhadores desloca o eixo do conflito entre “patrão/empregado” para entre colegas,
mascarando mais uma vez o antagonismo entre capital e trabalho, o que por sua vez abala os
sentimentos de solidariedade de classe.
Os conflitos de natureza vertical se escondem atrás dos conflitos horizontais, sem que
os próprios trabalhadores se dêem conta do que efetivamente está acontecendo. A ansiedade é
uma arma poderosa no sentido de manipular as relações de trabalho, principalmente nos trabalhos
passar ignorado, os trabalhadores continuam em seus postos de trabalho expondo seu equilíbrio e seu funcionamento à
ameaça contida no trabalho, para poder enfrentar uma exigência ainda mais imperiosa: sobreviver. (grifos nossos)
DEJOURS, 1992, op.cit. p. 77- 78.
50
difíceis de serem controlados pelo cronômetro, já que possibilita o uso de técnicas infames, como
incitar que os trabalhadores falem mal uns dos outros, espionem, delatem, sabotem, etc. Tudo
reflete num clima de tensão, rivalidade e perversidade que só é “saudável” para o aumento da
produtividade, pois à falta de motivação pelo trabalho se junta a ansiedade resultante do desgaste
das relações humanas, dificultando o processo de solidariedade de classe, e, conseqüentemente,
uma tomada de consciência a partir da dismistificação do discurso organizacional.
Tudo é invertido pela ideologia gerencial para que o quadro de referência da força de
trabalho seja o da empresa, e não o dela própria. A psicologia comportamental deu o suporte para
a ERH fornecer este novo referencial para os trabalhadores, onde o sujeito deve se adequar ao
meio, e não o meio é que deve ser transformado, principalmente quando o meio de que se trata é
o meio da exploração capitalista da força de trabalho.
Um novo quadro de referenciais, de valores para a “resolução” dos conflitos, que são
da natureza antagônica entre capital e trabalho, é desenvolvido para que se oculte sua verdadeira
origem e, conseqüentemente, suas formas de combate e resistência. Numa situação de conflito no
espaço de trabalho em que o trabalhador venha a se queixar de uma condição desfavorável a ele,
por exemplo, certamente o “gestor de área ou do RH” irá conduzi-lo por um discurso que o afaste
de seus próprios valores, que identificaram a situação negativa, e o aproxime de uma situação
positiva para empresa, ou seja, a de conformação e submissão
84
.
Torna-se evidente que, por meio da manipulação subjetiva dos trabalhadores, ainda é
transferida a eles a responsabilidade da adaptação, que significa a “resolução” do conflito, ou
seja, a empresa se exclui de qualquer conexão com a situação desfavorável ao trabalhador, se
coloca como “vítima” das circunstâncias, transfere este quadro de referência a ele e ainda o induz
a “tomar parte” do processo assumindo o ajuste que só pode ser realizado por ele no espaço de
trabalho. É a dissimulação da natureza real da exploração da força de trabalho pelo capital por
84
Friedmann mostra como a tradição da ERH de Mayo explica a adaptação do sujeito ao meio numa das fábricas da Western
Electric: “‘ não é só uma maneira de escutar, mas também de falar...’ Note-se que uma maneira de falar em termos de valores
múltiplos. Os empregados da Companhia vos falarão em termos de alguns, poucos, numerosos, valores. Vocês respondem-lhes
em termos de ‘multivalores’. Tal era o truque de Mayo. Este colocava os problemas deles num outro quadro de referência. ‘Não
mudem os fatos que vos são expostos, mas falem de maneira a que eles fiquem colocados nesse novo quadro de referência [...]
trata-se de passar das preocupações referentes ao trabalho deste operário ou daquela empregada a preocupações que não se
referem ao trabalho, mas sim à personalidade do trabalhador. O operário, em lugar de se sentir incompreendido e lesado,
descobre-se vítima de circunstâncias de que a Companhia não é responsável. [...] o operário consegue assim ajustar-se de
maneira real e satisfatória. (grifos nossos) Apud SILVA, op. cit., p. 78.
51
meio dos próprios trabalhadores, que são envolvidos pela ideologia gerencial e ainda mantém a
estrutura de poder a que estão submetidos
85
.
O discurso organizacional propagado pelo RH dispõe de motivadores da adesão dos
trabalhadores à ideologia gerencial que se articulam por meio da manipulação das necessidades
de auto-realização, auto-expressão e auto-estima, e que foram apontados e desenvolvidos por um
dos ideólogos da gerência participativa, C. Argyris. Segundo este autor, as necessidades sociais e
psicológicas devem ser direcionadas aos interesses corporativos, e, para isso, é preciso que a
própria criatividade e inteligência da força de trabalho sejam reconhecidas e estimuladas pelo
departamento de “recursos” humanos no sentido de promover sentido à atividade de trabalho
86
.
Além do incentivo material típico da gestão fordista, o incentivo psicossocial também
é necessário, ou como Silva, “os alicientes mistos, materiais e simbólicos”, para que os
ajustamentos sejam realizados com sucesso, uma vez que conferem sentimento de
responsabilidade, autoconfiança, auto-respeito, autovalorização ao trabalhador, que auto-
motivado, produz mais e melhor, ou simplesmente se conforma aquela determinada situação e
não oferece resistências. Nada diferente do que os inúmeros manuais de auto-ajuda empresariais,
verdadeiras bíblias corporativas, disseminam entre “a elite dos gestores de RH”, e estes por sua
vez, cascateiam ao demais como símbolos da mais pura “intelectualidade empresarial”
87
.
Na verdade, todas estas artimanhas da ideologia gerencial visam o mesmo objetivo,
subverter a mente da força de trabalho a fim de que ela sirva pacificamente aos interesses do
capital. Fazer com que o trabalhador se sinta acolhido em sua subjetividade, por meio das
técnicas de valorização, não só supre a necessidade psíquica de realização como contribui para
seu afastamento de qualquer organização coletiva de reivindicação combativa. Tanto as
85
“o capital, imiscuindo-se na mente humana e apropriando-se dos sentimentos e das reações dos operários, pretende produzir o
perfeito ajuste dos trabalhadores ao processo de produção. A burocracia moderna preenche, simultaneamente, a função econômica
de produção de mais-valia e a função política de dominação dos trabalhadores; a doutrina de relações humanas, ao negar os
conflitos de classe, busca a preservação da hierarquia de poder”. SILVA, op. cit., p. 78.
86
Ibid.
87
É interessante o trabalho de um grupo multidisciplinar francês sobre o estudo comparado de dois tipos de organizações, uma de
“tipo moderno” e outra do “tipo hipermoderno”. Neste último, os pesquisadores fazem uma bela analogia da empresa com uma
igreja, a fim de demonstrar o domínio ideológico que permeia as práticas de poder na gestão do RH. Através das falas dos
funcionários entrevistados, eles estabeleceram a conexão de que uma nova religião seria elaborada pela empresa, e como toda
religião, a “igreja-empresa” também promoveria “dogmas de fé”, o “credo”, “os mandamentos”, os “párocos”, o “purgatório”,
para enfim, por meio da “evangelização” de todos os “fiéis”, chegar ao objetivo final de “deificação” da organização. Para saber
mais consultar segunda parte do estudo de PAGÈS, M. (et al.) O poder das organizações. Trad. Maria Cecília Pereira Tavares.
São Paulo: Atlas, 1987.
52
necessidades materiais como as subjetivas são gerenciadas para garantir a produtividade e o
controle da força de trabalho.
Todo o departamento de “recursos” humanos se estrutura a fim de transformar a
percepção e confluir as iniciativas dos trabalhadores para os objetivos corporativos através da
identificação desses com o quadro de referência da empresa. Tudo é pensado e calculado para
criar um “clima organizacional” favorável à apropriação da dimensão subjetiva. “Não estamos
diante de idéias que são formuladas abstratamente, seu conteúdo é definido pelas relações sociais
de produção, relações que são desenvolvidas sob o domínio do capital
88
”.
O discurso do Empowerment
É neste cenário que nasce o discurso do empowerment
89
, que tem por objetivo dar
uma nova roupagem à velha ideologia gerencial. De fato, o discurso representa nada mais do que
a continuidade do desenvolvimento da manipulação dos trabalhadores pela gestão do trabalho.
Com termos novos, geralmente in english, supõe transmitir ou criar uma nova administração dos
“recursos” humanos, mas que na verdade não passa de uma nova cara para o modelo híbrido de
organização do trabalho taylorista-fordista-toyotista.
Na “evolução” da teoria americana de administração de empresas, o discurso do
empowerment, ou a gestão pelo empowerment, nasceu para driblar os contratempos e
contradições causados pelos métodos de gestão taylorista-fordistas. Associado às práticas de
gerenciamento da qualidade e dos recursos humanos, o empowerment aparece como uma
novidade cuja função seria resolver os problemas da administração clássica
90
.
88
SILVA, 2004. Op.cit. p. 84.
89
O termo empowerment significa na língua inglesa, “the process of giving somebody the power of act”. Não há tradução exata
em português, mas a partir de sua definição no campo da administração de empresas podemos defini-lo como “empoderar”.
Oxford Advanced Learner’s Dictionary. (1995) Oxford University Press.
90
Há diversos nomes na administração americana que se ocupam da nova roupagem da ideologia gerencial, convertida no recente
discurso do empowerment. Não é objetivo deste estudo aprofundar o histórico deste tipo de gestão, até porque não há nada que o
caracterize como nova forma de gestão ou ruptura com as práticas compostas pela organização fordista-taylorista-toyotista de
organização do trabalho e com os pressupostos da Escolas Comportamentais ou Behavioristas. Contudo, vale apresentar algumas
concepções sobre a gestão do empowerment para ratificar esta posição, bem como citar os autores que pesquisam o tema. A
concepção de N. Slack, coloca que empowerment significa dar aos trabalhadores o poder para fazer mudanças no conteúdo do
trabalho na forma como ele é desempenhado; a de N. A. Randolph, aponta que a gestão pelo empowerment é o reconhecimento e
liberação dentro da organização do poder que as pessoas já possuem na riqueza de seus conhecimentos úteis e na motivação
interna; R.C. Herrenkohl indica que o empowerment é um conjunto de procedimentos que buscam a interação e o envolvimento
das pessoas com o trabalho e que as impulsionam a tomar iniciativas e a interferir com ações no processo produtivo; para I.
53
Pelas definições e apontamentos verificados no estudo de Rodrigues e Santos, a
gestão do empowerment é uma forma de gestão “revolucionária”, que supostamente libertaria o
trabalhador do peso da rígida organização fordista e taylorista através da aplicação correta dos
princípios da ERH e do sistema de produção da Toyota. Também enfatizam que a má gestão do
empowerment é que resulta na não solução dos problemas de ordem organizacional
91
. O
imbróglio estaria no DRH, que ao mesmo tempo em que constrói o discurso pelas diversas
ferramentas, não retira os entraves “burocráticos” à sua efetivação.
Os autores não conseguem perceber é que, primeiro, a gestão do empowerment não
traz nada de essencialmente novo. A suposta revolução ocorrida pela descentralização do poder
de decisão e a livre iniciativa dos trabalhadores já havia sido sistematizada pela organização
toyotista do trabalho, e inclusive já estava em desenvolvimento desde o método de organização
do trabalho proposto por Ford. Segundo, que o suposto obstáculo, a burocratização do DRH, é
uma característica inerente ao modelo como um todo, que é contraditório em sua natureza
capitalista. Nunca o capital irá conseguir suplantar completamente o trabalhador porque este é o
sujeito do trabalho, e, portanto, suas técnicas de controle objetivas e subjetivas sempre se darão
no plano da oposição e da contradição, o que elimina a aplicação coerente de qualquer “nova”
prática de gestão do trabalho.
Embora a gestão do empowerment não traga a rigor nada de novo e revolucionário
para a organização do trabalho, e que tampouco se efetive plena e coerentemente na prática, vale
destacar algumas das ferramentas “modernas” que o DRH utiliza para organizar seu modelo de
Cunningham empowerment significa conseguir o comprometimento dos empregados em contribuir para as decisões estratégicas
com o objetivo de melhorar o desempenho da organização. Apud RODRIGUES, C.H.R.; SANTOS, F.C.A Empowerment: ciclo
de implementação, dimensões e tipologia. Revista Gestão e Produção, v.8, n.3, dez. 2001. p. 237-249. Consultar também, dos
mesmos autores, Empowerment: estudo de casos em empresas manufatureiras. Revista Gestão e Produção, v. 11, n. 2, mai-ago.
2004. p. 263-274.
91
Segundo Ford e Fottler, há dois parâmetros que podem se combinar ou não em diferentes tipos de empowerment, o da
autoridade para tomada de decisão sobre o contexto de trabalho e autoridade para tomada de decisão sobre o conteúdo do
trabalho. O primeiro tipo seria o de “nenhum empowerment”, refletindo a organização rígida da organização taylorista. Quando ao
trabalhador é dada autonomia para mudar o conteúdo do trabalho e não o contexto, tem-se o “estabelecimento de atividades”. O
terceiro tipo representa a área de grupos autônomos de atividades, que geralmente são envolvidos para a solução de problemas,
caracterizando o “empowerment participativo”. O tipo incomum seria o “definindo a missão”, representando situações onde é
dada aos trabalhadores o poder de decidir se determinada tarefa deve ser terceirizada ou não. O último seria o
“autogerenciamento”, quando os trabalhadores de alta confiança recebem autoridade total para tomar decisões sobre o contexto e
conteúdo do trabalho. Ver FORD, K.C.; FOTTLER, M.D. Empowerment: a matter of degree. IEEE Engineering management
review. v. 24, n. 3, Fall, 1996. p. 19-24.
54
gestão de pessoas, como os processos de recrutamento e seleção, treinamento, gestão de
desempenho, plano de carreira, trabalho em equipe e comunicação interna.
A idéia de um modelo de gestão de pessoas aparece como fonte estruturante dos
demais processos ou áreas de RH na medida em que deve fornecer as condições de uma gestão
condizente com os referenciais daquela organização e que permita a compreensão e
aproveitamento de situações subjacentes. Na verdade, o modelo deve oferecer o suporte estrutural
para que as demais práticas de gestão pelo empowerment aconteçam no enfoque requerido pelos
valores particulares à empresa.
Um dos modelos de gestão de pessoas difundido no Brasil entre as organizações
“modernas” é o desenvolvido por Dutra, reconhecida figura no cenário da administração de
empresas brasileira. No modelo proposto, o autor estabelece o que chama de “idéias-força”, que
seriam os valores subjacentes aos conceitos e práticas na gestão de pessoas. Em síntese, as
“idéias-força” trabalham desenvolvimento mútuo (a gestão de pessoas deve estimular e criar as
condições necessárias para que empresas e pessoas possam desenvolver-se mutuamente),
satisfação mútua (alinhar a um só tempo os objetivos estratégicos e negociais da organização e o
projeto profissional e de vida das pessoas) e consistência no tempo (oferecer parâmetros estáveis
no tempo para que seja possível à empresa e às pessoas ter referenciais para se posicionarem de
forma relativa em diferentes contextos)
92
.
Segundo o autor, também existem algumas condições que assegurariam a efetividade
do modelo de gestão de pessoas, como transparência (a clareza das regras do jogo), simplicidade
(modelos simples na formulação dos critérios e nas formas de aplicação) e flexibilidade (o jogo
de cintura necessário para ajustar-se aos diferentes contextos e pressões). Percebe-se que, além de
muita semelhança com os princípios da gestão japonesa, tanto as “idéias-força” quanto as pré-
92
Para a construção do modelo, Dutra sugere que é necessário, antes de tudo, criar as bases de um novo modelo dentro da
organização. É importante notar que o primeiro conceito ao qual o autor se refere com relação a tais bases é o de entrega, no
mesmo sentido do incentivo à iniciativa individual sugerido nos tempos de Ford. “[...] tenho dois funcionários em minha equipe,
os dois têm as mesmas funções e tarefas e são remunerados e avaliados por esses parâmetros: só que um deles, quando
demandado para resolver um problema, traz a solução com muita eficiência e eficácia [...] O outro não deixa o problema
acontecer, e essa pessoa é muito mais valiosa, só que na maioria das vezes não é reconhecida pela chefia ou pela empresa. [...] A
entrega da pessoa pode ser compreendida como o saber agir responsável e reconhecido, que agrega valor para a organização”. p.
54. Nesta mesma lógica o autor também desenvolve o que denomina de “padrões de complexidade”, que seria o elemento de
diferenciação para mensurar e avaliar o nível de entrega do trabalhador. Ver DUTRA, J. Gestão de Pessoas. Modelo, processos,
tendências e perspectivas. São Paulo, Atlas, 2002.
55
condições do modelo de gestão proposto, baseiam-se em critérios que trazem o ocultamento da
oposição entre capital e trabalho, tal qual já se encontravam nos modelos de Ford e Taylor, e a
formação de um clima organizacional adequado às técnicas de manipulação da subjetividade
como idéia central.
Uma vez adotado o modelo de gestão de pessoas é necessário recrutar e selecionar os
quadros que serão responsáveis pela “consistência no tempo” dos “novos” referenciais do
empowerment. Os critérios dependem do nível da posição a ser recrutada, se de alto nível
gerencial os padrões não serão claros e objetivos (aptidões práticas) e o julgamento desses
padrões serão aplicados por gestores que já ocupam altas posições na hierarquia do poder
gerencial
93
. Em outras palavras, para posições consideradas estratégicas para a propagação da
ideologia gerencial, é fundamental a seleção de autênticos representantes da média e alta
burguesia, cuja cooptação ideológica a priori será desnecessária.
Se o nível da posição for inferior ou médio na organização, os critérios tendem a ser
mais objetivos e geralmente se referem à execução de processos funcionais, o que possibilita a
criação de regras e normas para a atribuição das funções e promoções. Nestes níveis, as atitudes
de “entrega” são freqüentemente recompensadas, sem, no entanto, converterem-se em garantia de
carreira. Contudo, se um destes níveis chega a concorrer uma posição de nível superior,
fatalmente será avaliado em função de suas “competências subjetivas”, o que significa dizer, pelo
seu grau de sensibilidade aos valores organizacionais. Seu caráter deve ser considerado em
termos de adequação e fidelização à ideologia gerencial, e inclusive a aparência ou imagem do
candidato será analisada em pé de igualdade com a sua capacidade técnica.
Vale notar que o que conta para um processo de recrutamento e seleção de uma
organização “moderna” é escolher determinado “tipo social” para determinado nível de função no
organograma, “a pessoa certa para o lugar certo”. Se pensarmos num trabalhador de origem
93
Mills, op.cit., desenvolve uma lógica bem semelhante quando caracteriza os principais executivos norte-americanos. Moscovici
também chama atenção para o “jogo do poder”, onde este é sinônimo de sucesso. A disputa pelo poder corrompe e desumaniza na
busca por posições que denotem prestígio e status. “A disputa pelo poder torna-se aí mais exacerbada e refinada, guerra e arte em
combinação extraordinária...Nesse nível, a luta assume características sutis; não pode ser aberta e declarada, é preciso mascará-la
através de manobras ardilosas que pareçam expressar grande preocupação e devotamento aos objetivos organizacionais. [...] os
movimentos devem aparentar inocência, objetividade e interesse pelo bem comum. [...] O discurso proferido formalmente enfatiza
a cooperação, trabalho em equipe, o esforço conjunto. [...] As ações dos altos executivos, entretanto, contradizem esse discurso,
desvendando as incontáveis modalidades de competição, mais clara ou mais velada, visando o sucesso individual que significa
maior poder na organização”. p.13-14. MOSCOVICI, F. Renascença organizacional. Rio de Janeiro: Editora S.A, 1993.
56
assalariada humilde que consegue ser selecionado num dos programas de trainee, por exemplo,
tudo irá depender de como ele se ajustará à internalização dos valores organizacionais que serão
transmitidos pelas inúmeras práticas de RH. Se for cooptado ideologicamente, certamente terá
grandes chances de trilhar carreira na organização, do contrário, seu ajuste será delimitado pelos
limites subjetivos que o mesmo já trouxer consigo
94
.
As ferramentas de avaliação de desempenho mensuram se os objetivos daquele
período foram cumpridos pelo trabalhador. Se sim, é como se ele subisse um degrau na escalada
de sua carreira, que está atrelada a um plano determinado de cargo e salário. Ou seja, o plano de
carreira define as atribuições e valores dos cargos e respectivos salários, e para se promover neste
plano é necessário que o trabalhador tenha sempre uma avaliação de desempenho positiva,
porque dela depende a sua carreira.
É interessante notar a ênfase dada nos cursos de “gestão de desempenho” para criar a
idéia do “vencedor” a partir da responsabilidade do trabalhador sobre tal processo. A empresa se
omite desta relação, transferindo ao funcionário a responsabilidade por gerir sua própria carreira,
o que significa dizer que, se o mesmo não alcançar uma mobilidade satisfatória pelo plano de
cargos e salários foi porque ele, o trabalhador, não foi capaz de cumprir os objetivos de sua atual
função e/ ou não ampliou suas “competências” para atingir as atribuições necessárias do próximo
degrau
95
.
94
“dá-se um processo de seleção quanto às qualidades como agressividade e desumanidade, eficiência organizacional e ímpeto,
introvisão técnica e sobretudo talento para o mercadejamento. Assim, embora a camada gerencial continue a ser retirada dentre os
dotados de capital, famílias, relações, e outros vínculos na rede da classe como um todo, ela não está vedada a alguns que podem
ascender de outras classes sociais, não mediante riqueza, mas mediante cooptação de seu talento por parte da organização
capitalista a que servem”. O termo mercadejamento seria algo como ‘prospecção de clientes”, ou seja, trazer novos clientes para
determinada empresa, quer sejam da concorrência ou não. BRAVERMAN, op. cit., p. 221.
95
Dutra também trabalha o tema da gestão da carreira, e no mesmo sentido de seu modelo de gestão de pessoas, dirige a idéia
central para a idéia do compromisso mútuo. O trabalhador deve buscar a permanente qualificação e aperfeiçoamento a fim de que
sempre esteja capacitado para acompanhar as tendências do “mercado”, cada vez mais volátil. O autor associa a “superação deste
desafio” à formulação de referenciais estáveis pela organização que possam estruturar um sistema de administração de carreira
com diretrizes claras. Os princípios do sistema devem representar o compromisso entre empresa e funcionário, onde esta se
propõe a concretizar as diretrizes oferecendo um plano de carreira (cargos e salários) objetivo e de acordo com os padrões de
complexidade das funções, e o trabalhador se compromete com a “entrega” e aperfeiçoamento de “competências”. “A carreira
profissional deve ser pensada como uma estrada em permanente construção. Pessoas e empresas a constroem juntas”. p. 43.
DUTRA, J. Gestão do desenvolvimento e da carreira por competência. In:__. Gestão por competências. São Paulo: Editora
Gente, 2001. Menos teórico mas, talvez, mais ilustrativo, seria o programa de televisão “O Aprendiz”, exibido na rede Record,
onde o personagem de Roberto Justus incentiva a concorrência e desempenho dos participando pelo mote do “vencedor”.
57
Como já foi apontado, o modelo é em si contraditório porque reflete a oposição da
totalidade da luta de classes, porém, quando não encontra ressonância na prática o argumento é o
da falta de qualificação do trabalhador, e não do modelo corporativo, incapaz de manter um plano
de cargos e salários concreto num modo de produção capitalista estruturalmente desigual. Vale
notar que a própria palavra competência vem carregada da ideologia gerencial. Este processo
motiva a iniciativa do trabalhador para “qualificar-se” no sentido das “competências” funcionais
requeridas, tanto do ponto de vista objetivo quanto subjetivo. A empresa não só se exime dos
custos dessa qualificação (já que muitas vezes o próprio trabalhador se qualifica por fora, com
recursos próprios), como também da responsabilidade de garantir a “carreira”
96
.
Na operacionalização da gestão do empowerment, as equipes de trabalho ou teams
work, também atuam no sentido de promover a suposta harmonia administrativa no espaço de
trabalho através da gestão participativa. As equipes geralmente reúnem os trabalhadores sob o
comando de um “líder” para pensar um determinado problema e as alternativas de sua solução.
Nos processos que são observados, os trabalhadores exercitam sua criatividade e inteligência no
sentido dos CCQs japoneses.
A capacidade de liderança também aparece como diferencial para a afirmação da
idéia do compromisso mútuo. Os “líderes” nem sempre estão nas posições de alto comando, e é
neste ponto que se pode perceber a manipulação dos trabalhadores pelos próprios trabalhadores,
afinal, é na base que a disseminação da ideologia gerencial precisa se efetivar e onde os chefes
imediatos devem resolver os conflitos de ordem pessoal e funcional. Geralmente, os funcionários
que têm maior capacidade de “entrega” se destacam como “líderes naturais”, não ocupando
96
Para “coroar” o modelo de gestão de pessoas, Dutra define a gestão por competências, que além de criar níveis de
complexidade das funções e atribuições que permitam mensurar a “capacidade de entrega” do trabalhador, também engloba,
novamente, o desenvolvimento mútuo de organização e funcionário. Partindo do pressuposto de que a empresa e trabalhadores
trocam competências continuamente, o autor sugere que: “A empresa transfere seu patrimônio para as pessoas, enriquecendo-as e
preparando-as para enfrentar novas situações profissionais e pessoais, dentro ou fora da organização. As pessoas, ao desenvolver
sua capacidade individual, transferem para a organização seu aprendizado, dando-lhes condições para enfrentar novos desafios.
[...] Há uma relação íntima entre as competências organizacionais e as individuais”. p. 27. Vale notar a conexão imediata
estabelecida entre o conceito de competência atrelado ao de “entrega” - que seria a vontade do trabalhador – a gestão por
competências e a gestão de desenvolvimento da carreira, em outras palavras: o que o autor sugere é uma avaliação dos níveis de
iniciativa e um sistema de administração de carreira que remunere segundo maior ou menor capacidade de “entrega”. É o
refinamento da apropriação da subjetividade! Ver DUTRA, J. Gestão de pessoas com base em competências. In:__. Gestão por
competências. São Paulo: Editora Gente, 2001.
58
necessariamente funções de comando. Porém, na maioria das vezes gozam de pequenos
privilégios.
Numa situação hipotética de conflitos de ordem pessoal entre os membros da equipe,
os mesmos são administrados pela “diplomacia corporativa” do líder, ou, melhor dizendo, pelo
cinismo gerencial, numa espécie de socialização artificial. A impressão de que “todos
administram a empresa” gera o sentimento de compromisso, não só entre a empresa e o
trabalhador, como entre os membros da equipe. Vale ressaltar que, no caso de as alternativas
propostas na discussão dos processos, brainstorming, se derem no quadro de referência dos
trabalhadores, e não da empresa, o “líder” deve atuar no sentido do “vocês escolhem mas eu
decido” e impor sua autoridade gerencial, manipulando as posturas através do reconhecimento da
inteligência dos trabalhadores.
Nesta lógica, a ideologia gerencial promove a impressão do compromisso mútuo e
anula a relação de dominação representada pela figura do chefe, supervisor ou superior imediato.
A figura do superior imediato se dilui na equipe, aparecendo como simples liderança que
organiza as opiniões e resolução de conflitos. De fato, a figura do “líder” serve para assegurar
que o quadro de referência da empresa seja transmitido e mantido, e mais ainda, que o “capital
humano” se converta em capital estrutural da empresa por meio da apropriação dos saberes
tácitos da força de trabalho
97
.
Os treinamentos ministrados pela própria empresa aos funcionários, os jornais e
murais internos, bem como os eventos corporativos promovidos no melhor estilo “pão e circo”,
servem para cristalizar a imagem da empresa como uma grande família, onde todos convivem em
harmonia. Já os benefícios materiais, como plano de saúde, auxílio alimentação, previdência
privada, convênios com outros serviços, etc, convém para atrair e reter os “talentos” na empresa,
97
Segundo Band, outro teórico da administração “moderna”, os líderes devem preencher algumas prerrogativas básicas para
exercer a função de “líderes do futuro”, e cabe aos já líderes perceberem os talentos natos ou criarem-nos observando tais
premissas. O autor elenca cinco princípios de liderança para orientar os “caçadores de líderes”: o do “líder como profeta”
sistematizaria a capacidade de previsão e intuição, o de “líder como navegador” a habilidade de estabelecer objetivos e metas
reais, o de “líder propulsor do empowerment” a de estimular a “tensão criativa” e a iniciativa, o do “líder coerente” a habilidade
de demonstrar valores pessoais condizentes com os organizacionais, e por fim o do “líder como crítico de si mesmo” que seria a
capacidade de aceitar imperfeições e fazer autocrítica. “Esses conjuntos de habilidades permitem que o líder aja como verdadeiro
agente de mudança. O processo decisório do dia-a-dia deve ser guiado pelos valores e crenças organizacionais, e deve-se conceder
tempo significativo à comunicação desses valores aos funcionários”. p. 304. BAND, A.W. Competências críticas. Dez novas
idéias para revolucionar a empresa. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
59
uma vez que, ao sentirem a tirania do mercado de trabalho os trabalhadores são seduzidos por
uma relativa estabilidade de recursos.
Pode-se afirmar que a gestão do DRH tem como objetivo a operacionalização da
ideologia gerencial. Sua função é construir e reforçar a imagem da “empresa-mãe”, da “grande-
família”, não deixando que o trabalhador perceba e se conscientize da contraditoriedade das
políticas e discursos organizacionais, e, principalmente, que subentendam as contradições de
classe. Entretanto, também a dimensão subjetiva da força de trabalho é um terreno contraditório,
que pode ser ameaçado e ameaçar as técnicas gerenciais de apropriação da subjetividade.
As práticas do RH são construídas a fim de viabilizar o controle da autonomia, a
dissimulação e controle das regras, a despersonalização e personalização das relações de poder,
enfim, operacionalizar as práticas de poder. Contudo, ao não manter uma uniformidade, a gestão
do RH desnuda a contraditoriedade do sistema gerencial, que por sua vez reflete a incongruência
do modo de produção capitalista. E é exatamente nesta contradição que residem as brechas de
atuação para a resistência da força de trabalho.
Assim, faz-se relevante a seguinte questão: se pensarmos em trabalhadores
“cooptados ideologicamente”, toda a apropriação da dimensão subjetiva pela ideologia gerencial
faz sentido. Mas o que pensar sobre os trabalhadores alienados somente “economicamente”? Por
qual razão se “deixam capturar”, uma vez que conhecem os mecanismos gerenciais e sua relação
com a totalidade do modo de sociabilidade capitalista? Talvez a resposta indique o caminho da
realidade imediata e objetiva da sobrevivência e ou a falta de uma alternativa coletiva consistente
e organizada para e pela classe trabalhadora.
60
PARTE II – O BRASIL E A FANTÁSTICA FÁBRICA DE
DINHEIRO
CAP I – O Brasil na mundialização financeira
A mundialização das políticas neoliberais, difundida a partir dos países centrais na
década de 1980, se apresentou como o pilar de sustentação econômica e política ancorada na
ficção do dinheiro que gera dinheiro, resultando numa acumulação capitalista predominantemente
financeira. A inter-relação entre a esfera produtiva e financeira deve ser apreendida num contexto
de totalidade das relações sociais de produção, de determinação e sobredeterminação, a fim de
que suas particularidades sejam identificadas sem a distorção das categorias universais
98
.
A migração do capital da esfera produtiva para a esfera financeira vem sendo cada vez
mais empregada como fonte de acumulação porque as taxas da especulação financeira se
tornaram mais atrativas do que as taxas da esfera produtiva
99
. Entretanto, só é possível “investir” a
partir do excedente de capital real, da mais-valia expropriada do trabalhador no ato da produção,
o que confirma a incontrolabilidade e anarquia da expansão capitalista que não é capaz de regular
seus próprios mecanismos de acumulação, produzindo daí a impressão de autovalorização do
capital dinheiro
100
.
Em outras palavras, a ilusão de dinheiro que gera dinheiro. Mesmo que a valorização
do capital tenha origem direta na esfera da produção, no processo do capital produtor de juros
98
Utiliz-se a relação de “momento predominante no âmbito de interações complexas” como desenvolvido por Lukács, ou seja, a
prioridade da categoria universal da produção material em interação com momentos predominantes particulares de consumo,
distribuição e circulação . Consultar Cap. 2 de LUKÁCS, G. Ontologia do ser social. Os princípios ontológicos fundamentais de
Marx. Trad. Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979.
99
“Por acumulação financeira, entende-se a centralização em instituições especializadas de lucros industriais não reinvestidos e de
rendas não consumidas, que têm por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em ativos financeiros – divisas, obrigações e
ações – mantendo-os fora da produção de bens e serviços”. CHESNAIS, F. O capital produtor de juros: acumulação,
internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In: _. A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 37
100
Cf. observa Chesnais:“O capital produtor de juros (também designado “capital financeiro” ou simplesmente “finança”) busca
“fazer dinheiro” sem sair da esfera financeira, sob a forma de juros de empréstimos, de dividendos e outros pagamentos recebidos
a título de posse de ações e, enfim, de lucros nascidos de especulação bem sucedida. Ele tem como terreno de ação os mercados
financeiros integrados entre si no plano doméstico e interconectados internacionalmente. Suas operações repousam também sobre
as cadeias complexas de créditos e de dívidas, especialmente entre bancos”. Ibid., p. 35.
61
esta valorização aparece como se fosse produzida pelo capital-dinheiro, independentemente do
processo produtivo, ou seja, sem a mediação do trabalho e fetichizando as relações sociais de
produção
101
.
O conceito de capital financeiro elaborado por Hilferding em 1910 consiste numa
massa de capital que é fruto da fusão ou integração entre o capital bancário e o capital industrial,
com a predominância do bancário, já que este é o produto maior da fase monopolista ou
imperialista do capitalismo no fim do século XIX
102
. Filgueiras propõe uma teorização mais
ampla e considera a fração de capital que se reproduz fundamentalmente na esfera financeira e no
âmbito da pseudoacumulação, e que, portanto, pode assumir diversas formas institucionais e atuar
em outras atividades econômicas, como as da agricultura, indústria, comércio e serviços
103
.
Dessa forma, o processo de reprodução do capitalismo contemporâneo, sob a
predominância do capital financeiro e em detrimento do capital produtivo (que marcado pela
superfluidade e pelo desperdício reduz a vida útil das mercadorias gerando a produção de “mais
do mesmo” e fabricando necessidades artificiais), caracteriza-se pela mundialização financeira
104
,
que consiste num regime de acumulação capitalista mundial, onde seu desenvolvimento é
delineado por um crescimento veloz da esfera financeira e pelo papel destacado das maiores
instituições financeiras transnacionais
105
.
101
Marx apontava: “o capital em sua marcha completa é unidade de processo de produção e de circulação, proporcionando por
isso determinada mais-valia em período dado. Na forma do capital produtor de juros, esse resultado aparece diretamente, sem a
intervenção dos processos de produção e de circulação. O capital aparece como fonte misteriosa, autogeradora de juro,
aumentando a si mesmo. [...] A relação social reduz-se à relação de uma coisa, o dinheiro, consigo mesma”. MARX, K. O Capital.
Crítica da economia política. Livro III, Vol. 5. São Paulo: Difel, 1985. p. 451-452.
102
HILFERDING, R. O capital financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
103
FILGUEIRAS, L. O neoliberalismo no Brasil: estrutura, dinâmica e ajuste do modelo econômico. In: BASUALDO, E.M.;
ARCEO, E. (orgs) Neoliberalismo y sectores dominantes. Tendencias globales y experiências nacionales. Buenos Aires:
CLACSO Libros, 2006. p. 184.
104
O conceito mundialização financeira, nos termos de Chesnais, “designa as estreitas interligações entre os sistemas monetários
e os mercados financeiros nacionais, resultantes da liberalização e desregulamentação adotadas pelos Estados Unidos e pelo Reino
Unido, entre 1979 e 1987”. Os movimentos de liberalização e desregulamentação nos sistemas financeiros nacionais “[...] os
integraram, de forma “imperfeita” ou “incompleta”, dentro de um todo com três peculiaridades. Em primeiro lugar, é fortemente
hierarquizado [...] em segundo lugar, esse todo “mundializado” é marcado por uma carência de instâncias de supervisão e controle
[...] por fim, a unidade dos mercados financeiros é assegurada pelos operadores financeiros”. _. A mundialização financeira:
gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1999. p. 12.
105
Lenin já havia chamado atenção para a natureza expansionista do capital financeiro, típica da fase monopolista: “o
desenvolvimento do capitalismo chegou a um ponto tal que, ainda que a produção mercantil continua “reinando” como antes, e
seja considerada a base de toda a economia, na realidde encontra-se já minada e os lucros principais vão parar aos “gênios” das
maquinações financeiras. Estas maquinações e estas trapaças têm a sua base na socialização da produção, mas o imenso progresso
62
A análise de Arrighi indica uma alternância de fases no processo de acumulação e
expansão do capital, que ora privilegia a expansão material voltada para o comércio e para a
produção, e ora privilegia a “expansão financeira, no curso da qual uma massa crescente de
capital é revertida para sua forma monetária e ruma para empréstimos e especulação
106
”, e esta
externalização do capital financeiro se traduz claramente no poder de controle dos grupos
financeiros privados sobre a economia mundial através das grandes instituições financeiras
107
.
A mundialização financeira adquire um caráter excludente e polarizado nacional e
internacionalmente. Primeiro pela extrema desigualdade e concentração de renda internas, e
segundo, pela hierarquização externa entre os países centrais e os países subordinados, que são
“selecionados” por suas vantagens estratégicas naturais e mão-de-obra barata para abastecer os
primeiros. Lenin esclarece esta “seleção natural” quando afirma que “os países que exportam
capitais podem quase sempre obter certas “vantagens”, cujo caráter lança luz sobre as
particularidades da época do capital financeiro e do monopólio”.
108
Tal dinâmica do capital financeiro impõe novos padrões de competitividade e
modernização tecno-científica aos países subordinados, que obviamente não são capazes de
acompanhá-los. Esta inserção subordinada se constitui num círculo vicioso onde as economias
nacionais não possuem soberania política e econômica para confrontar os mecanismos de
dominação do capital mundializado, expressos nos programas de macroestabilização e ajuste
estrutural “sugeridos” por organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial, abortando qualquer projeto de desenvolvimento autônomo
109
.
da humanidade, que chegou a essa socialização, beneficia... os especuladores”. LENIN, V. I. O imperialismo. Fase superior do
capitalismo. São Paulo: Centauro, 2002. p. 21.
106
ARRIGHI, G. O Longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo:
Editora da UNESP, 1996. p. 30.
107
Cf. Lenin: “a concentração do capital e o aumento do movimento dos bancos modificam radicalmente a importância destes
últimos. Os capitalistas dispersos acabam por constituir um capitalista coletivo. Ao movimentar contas correntes de vários
capitalistas, o banco realiza, aparentemente, uma operação puramente técnica, unicamente auxiliar. Mas quando esta operação
cresce até atingir proporções gigantescas, resulta que um punhado de monopolistas subordina as operações comerciais e
industriais de toda a sociedde capitalista, colocando-se em condições [...] primeiro de conhecer com exatidão a situação dos
diferentes capitalistas, depois de controlá-los”. (grifos do autor) Op. cit., p. 27.
108
LENIN, op. cit., p. 49.
109
Ainda segundo Lenin: “O capital financeiro é uma força tão considerável, pode dizer-se tão decisiva, em todas as relações
econômicas e internacionais que é capaz de subordinar, e subordina realmente, mesmo os Estados que gozam da independência
política mais completa [...] Mas, compreende-se, a subordinação mais lucrativa e “cômoda” para o capital financeiro é uma
63
Tal dinâmica de acumulação tem se intensificado desde os anos 1980, quando se
articulou um projeto de fortalecimento do capital privado, industrial e financeiro como tentativa
de sanar as dificuldades de valorização originadas na esfera produtiva, do qual as políticas de
liberalização e desregulamentação das economias foram os meios. A expansão da mundialização
financeira trouxe consigo a estagnação do crescimento, já que a esfera produtiva deixou de ser o
foco da valorização do capital. Mesmo nos países centrais as taxas de crescimento econômico
vêm diminuindo ou permanecendo baixas, juntamente com as de investimento direto na
produção
110
.
As políticas de desregulamentação e liberalização financeiras que se generalizaram a
partir dos anos 1980 nos países capitalistas centrais viabilizaram em definitivo o que Plihon
chamou de “mega-mercado único de dinheiro”, que significa uma dupla unidade de lugar e
tempo, uma vez que a tecnologia de comunicação garantiu às praças financeiras mundiais a
interconexão full time, abolindo progressiva, e mais intensamente durante os anos 1990, os
mecanismos de controle dos fluxos de capitais no circuito internacional da financeirização.
subordinação tal que traz consigo a perda da independência política dos países e dos povos submetidos”. Ibid, p. 62. Também
Fiori esclarece esta relação a partir da realidade brasileira: “A inviabilidade deste projeto de nossas elites internacionalizantes (que
chamamos de ‘dominium’) é que coloca o Brasil frente a um impasse extremamente grave. Suas contradições e inconsistências
internas não nos dão a menor esperança de alcançar taxas de crescimento econômico socialmente inclusivas, que poderia devolver
aos nossos governantes a capacidade de governar e, talvez, a legitimidade que perderam frente aos seus cidadãos”. FIORI, J. L. O
cosmopolitismo de cócoras. Revista Educação e Sociedade, ano XXII, nº 77, dez/2001. p. 23.
Tecnicamente, o fenômeno de subordinação dos países “emergentes” aos países capitalistas “centrais” compreende o que se
chama de vulnerabilidade externa, que segundo analistas como Gonçalves (1996), caracteriza-se como “um elemento estrutural
da evolução de economias em desenvolvimento, que têm experimentado distintos padrões de inserção internacional [...]
manifesta-se em distintas esferas das relações econômicas internacionais: comercial, tecnológica, financeira e produtiva-real. [...]
como um elemento histórico-estrutural dos países em desenvolvimento, seja como fator determinante dos períodos de crise, seja
pelo papel-chave das mudanças do padrão de inserção internacional no processo de superação da crise econômica”.
GONÇALVES, R. Globalização financeira, liberalização cambial e vulnerabilidade externa da economia brasileira. In:
BAUMANN, R. (org) O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1996. p. 136-37.
110
Plihon demonstra que a taxa de crescimento médio anual do PIB dos países do chamado G7 era de 3,6% na década de 1970,
2,8% na de 1980 e 2% até a primeira metade nos anos 1990. Paralelamente, há o crescimento do desemprego nestes mesmos
países, sendo as taxas de 3,7% na década de 1970, 8,8% nos anos 1980 e 9,5% de 1990-95. Em contrapartida, o autor demonstra
o crescimento vertiginoso das finanças internacionais em relação à “esfera real” a partir do volume das transações transnacionais
(entre residentes e não-residentes) com títulos, representado pelo PIB. Na década de 1980 a média das transações financeiras dos
países centrais era de 10% do PIB, enquanto em 1992 equivalia a mais de 100%. PLIHON, D. “Desequilíbrios mundiais e
instabilidade financeira: a responsabilidade das políticas liberais. Um ponto de vista keynesiano”. In: CHESNAIS, F. A
mundialização financeira: gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1999. p. 100; 102; 112.
64
A mundialização financeira fez emergir grandes investidores institucionais e
organizações não-bancárias, já que os efeitos das políticas de desregulamentação econômica
foram desestabilizadores para os sistemas financeiros e bancários nacionais, o que ocasionou uma
mudança na função dos bancos, que passaram a atuar no mercado de capitais com atividades
especulativas ao mesmo tempo em que diversificaram seus serviços e produtos. Estes grupos são
os que atuam organicamente na esfera financeira, ditando sua lógica através do controle e
propriedade de instituições financeiras.
Por meio de suas formas institucionais, os detentores das grandes instituições
financeiras subordinam os grupos financeiros menores, os grupos econômicos não
necessariamente financeiros (mas que aplicam seus excedentes na valorização financeira), e o
Estado (que sucumbe suas políticas econômicas e sociais à vontade do “mercado financeiro”).
Pode-se afirmar que todos os grupos econômicos e as frações de capital façam parte da
mundialização financeira, ou de outra forma, estão financeirizados economicamente.
A intensificação da concorrência nos mercados nacionais e internacionais foi
fundamental para a reestruturação dos sistemas bancários nacionais e para a transformação da
função de intermediadores financeiros dos bancos, pois a liberalização financeira permitiu a
entrada de instituições não bancárias e bancos estrangeiros nos mercados, delineando um novo
contexto competitivo, a partir do qual houve aumento expressivo do número de fusões,
incorporações, privatizações e liquidações de instituições bancárias, em um movimento de
concentração e centralização do capital nas mãos das grandes instituições financeiras.
No Brasil não atuam grupos organicamente vinculados à lógica da financeirização,
apenas os grupos associados de forma subordinada ao capital financeiro, que se beneficiam da
especulação e financiamento da dívida pública, internacionalizando-se e fundindo-se com capital
estrangeiro quando necessário, a fim de atuar em outras esferas tanto do mercado interno quanto
do mercado externo. Há de se destacar que a burguesia brasileira já nasce historicamente
subordinada, daí seu caráter parasitário e golpista - ou não-nacional - e o projeto de associação
com o capital mundializado, que termina por se constituir em servidão econômica e política.
65
O caráter da reestruturação capitalista brasileira
As bases que reestruturaram o sistema financeiro nacional e delinearam a inseão
subordinada do Brasil na mundialização do capital durante a década de 1990 são partes de um
projeto articulado entre expansão e internacionalização da economia que atravessou os anos
1960, 1970 e 1980, mas que tem sua particularidade histórica na forma de objetivação do
capitalismo no Brasil
111
.
Vale resgatar que, na modernização do parque produtivo após a chamada Era Vargas,
o país atravessou profundas transformações de cunho econômico, político e social. Contudo, tais
mudanças não acarretaram uma independência com relação aos ditames dos países capitalistas
centrais, ao contrário, houve um “redimensionamento de sua estrutura sócio-produtiva, que
reintegrou o país no conjunto de uma economia mundial reordenada no pós-guerra, e reinseriu a
sociedade brasileira nos quadros da economia mundial, nos moldes de sua subordinação
estrutural
112
”.
Através de sucessivas políticas monetárias e planos de estabilização desde o golpe
militar de 1964, um modelo de sistema financeiro oligopolizado, privatizado e internacionalizado
vem sendo paulatinamente instaurado e reforçado no país segundo o “credo” neoliberal. O
resultado das bases propostas desde a reforma bancária de 1964 refletiu na década de 1990 a
111
Fernandes chama atenção para as particularidades históricas que fizeram com que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil
se desse na indirect rule, apontando que desde sua gênese o capitalismo brasileiro nasce de forma dependente e subordinada, o
que conjugado com uma burguesia oportunista tal como é a brasileira, fez com que “[...] a dependência e subdesenvolvimento não
fossem somente “impostos de fora para dentro”. Ambos fazem parte de uma estratégia, repetida sob várias circunstâncias no
decorrer da evolução externa e interna do capitalismo, pela qual os estamentos e as classes dominantes dimensionaram o
desenvolvimento capitalista que pretendiam, construindo por suas mãos o capitalismo dependente como realidade econômica e
humana”. FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil. Ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 262.
Também segundo Mazzeo, a acumulação capitalista no Brasil se deu por uma via não-clássica de objetivação do capitalismo, ou
seja, distante da acumulação capitalista gestada no período feudal europeu, e por meio de uma composição da chamada via
prussiana (conforme Lenin) com o capitalismo de extração colonial brasileiro, e daí o autor integrar a objetivação do capitalismo
no Brasil numa via prussiano-colonial. Esta particularidade histórica interviu singularmente no perfil da burguesia brasileira, que
mesmo com o impulso modernizador do fim do século XIX e início do século XX, não assumiu as rédeas do processo, ou de
forma diferente, assumiu uma posição subordinada aos países capitalistas centrais a fim de manter os privilégios da era colonial,
e que permeia toda sua atuação no desenvolvimento do capitalismo contemporâneo. Para aprofundar tais destacamentos consultar
Cap I da Segunda Parte de MAZZEO, A.C. Sinfonia Inacabada. A política dos comunistas no Brasil. Marília: Unesp-Marília
Publicações; São Paulo: Boitempo Editorial, 1999.
112
Ibid., p. 107.
66
reiteração desse projeto de hegemonia do capital privado transnacional, ao invés de uma simples
ruptura potencializada pelas inovações tecno-cienficas.
É claro que tais inovações foram fundamentais e ainda influenciam nuclearmente as
transformações das estratégias de mercado e de reorganização do mundo do trabalho. Entretanto,
é necessário entendê-las numa perspectiva dialética, como ferramentas de um projeto global de
expansão do grande capital privado transnacional e afirmar que esta análise não partilha da idéia
de que as transformações na tecnologia informacional e microeletrônica são responsáveis
unilaterais pelos atuais padrões de organização do trabalho.
O movimento de aceleração das transformações no sistema financeiro nacional foi
intensificado a partir da década de 1990, desde a implantação do Plano Real em 1993. As
políticas de liberalização, desregulamentação e privatização foram os pilares da reestruturação
produtiva brasileira e de sua inserção subordinada à dinâmica mundializada do capitalismo.
Servindo aos interesses privados, esta internacionalização da economia nacional trouxe consigo
transformações destrutivas para o mundo do trabalho, refletindo violentamente no aumento do
desemprego e na concentração da renda, e em relação aos trabalhadores bancários, na baixa dos
salários e postos de trabalho
113
.
O caráter subordinado da inserção internacional do Brasil e a fixação pela
estabilização monetária a despeito de qualquer desequilíbrio social demonstram o
aprofundamento das relações de subordinanção aos países capitalistas centrais, principalmente a
partir do Plano Real, ao invés de um projeto associado para o desenvolvimento dos países
“emergentes”, como a mídia mundial e os governos “democráticos”, comprometidos com o
capital privado transnacional, costumam noticiar os programas de ajuste macroeconômicos
impostos por organismos internacionais como FMI e seguidos à risca pelos governos nacionais
114
.
113
No final da década de 1980 o número de bancários chegava a 800 mil, e no final da década de 1990 a menos da metade,
segundo pesquisa do DIEESE. Setor financeiro: conjuntura, resultados, remuneração e emprego. Linha Bancários. São Paulo,
2001.
114
Fiori desvenda esta grande ficção em torno dos objetivos dos planos de estabilização e de seu real papel na insaciável bolha
financeira: “É como se estivéssemos com a economia mundial real aprisionada por uma suposta convicção ideológica nas
políticas deflacionárias. Mas, na verdade, as políticas deflacionárias é que são prisioneiras do processo que elas geraram, que é
essa imensa bolha que não pode ser furada. Daí ser necessário o emprego de todo o cinismo. [...] São coagidos em nome da
salvação da economia e da humanidade a não dizerem nada sobre o perigo que está colocado à frente. Tudo pode mexer com as
expectativas dos mercados financeiros e qualquer movimento no mercado pode liquidar com uma economia nacional. [...] não há
67
Na verdade o que ocorre é um plano único de ajustamento das economias ditas
“emergentes” para a manutenção da financeirização, que segundo Fiori, consiste numa estratégia
seqüencial em três fases, sendo estabilização macroeconômica com prioridade para o superávit
fiscal primário; as “reformas estruturais” propostas pelo Banco Mundial como liberação
financeira e comercial, desregulamentação dos mercados, e privatização das empresas estatais; e
a retomada dos investimentos e crescimento econômico
115
.
Tal estratégia de adaptação dos países subordinados foi debatida no Consenso de
Washington e no Seminário “The Political Economy of Policy Reform”, através das dificuldades
levantadas pelos membros dos países presentes para sua efetiva aplicação. Fiori sintetiza o núcleo
do debate como “táticas ou artifícios políticos capazes de fazer os eleitores aceitarem os desastres
sociais provocados em todo lugar pelo programa neoliberal como sendo transitórios ou
necessários em nome de um bem maior e de longo prazo
116
”.
A fidelidade da política brasileira aos acordos com o FMI desde então se traduziu no
embargo de qualquer discussão nas esferas de poder – econômico político e intelectual – que
questione a subserviência a tais acordos ou o lugar que ocupa a soberania nacional, e ainda que
timidamente, proponha alternativas para o desenvolvimento autônomo. Fiori chama esta
fidelidade às políticas de “desenvolvimento” norte-americanas irônica e oportunamente de
“cosmopolitismo de cócoras”
117
.
nenhum espaço para a crítica pois a imprensa inteira se alinha. Quando alguma crítica ou notícia não sai na imprensa não é porque
tenha havido uma ordem superior de um censor militar [...] para não atrapalhar o mercado financeiro e as expectativas
internacionais dos investidores há uma reação simultânea e quase espontânea concatenada pela determinação do interesse coletivo
na manutenção de toda essa ficção. FIORI, J. L. Os moedeiros falsos. Petrópolis: Editora Vozes,1998. p. 132-136
115
Ibid., p. 12.
116
O Washington Consensus – termo criado nos EUA em 1989 por John Williamson – sintetiza um conjunto abrangente de
princípios, metas e regras a serem aplicados aos diversos países e regiões do mundo capitalista, para que se ajustem econômica e
politicamente ao novo capitalismo global, reordenado pelos princípios do neoliberalismo americano. Em janeiro de 1993,
reuniram-se centenas de especialistas do mundo inteiro no seminário promovido pelo Institute for Internacional Economics, tendo
à frente Fred Bergsten, para analisar o documento de John Williamson escrito em Search of a Manual for Technopols. O
documento em si continha o plano de ajuste das economias subordinadas e a definição dos technopols, economistas capazes de
somar ao perfeito manejo do seu mainstream a capacidade política de implementar nos seus países a mesma agenda política do
Consenso de Washington. FIORI, 1998, op. cit., p. 13.
117
“esta tutela não foi uma mera imposição externa e, aceitá-la foi uma opção interna de nossas elites econômicas e políticas
comandadas, hoje, por uma aliança bem sucedida entre o que se poderia chamar de “cosmopolitismo de cócoras” de uma parte da
intelectualidade paulista e carioca atrelada às “altas finanças internacionais”, e o “localismo” dos donos do “sertão” e da
“malandragem” urbana brasileira. Aliança de poder que está levando até às suas últimas conseqüências um projeto de inserção
internacional e de transnacionalização radical de nossos centros de decisão e das estruturas econômicas brasileiras, com base num
68
Como parte destas políticas de adaptação da realidade nacional à reestruturação do
capitalismo contemporâneo, deste processo de submissão política, econômica e ideológica do
Brasil à mundialização do capital, intensificaram-se a desregulamentação financeira e
liberalização cambial, ao lado da privatização de setores chave da economia e do desmonte da
estrutura produtiva. Com relação à liberalização cambial, vale ressaltar que sua relação com o
excesso de liquidez internacional e a diferença entre as taxas de juro interno e externo (margem
de arbitragem) contribuem para a inserção internacional e subordinada brasileira
118
.
As privatizações de empresas estatais fortaleceram simultaneamente o capital privado
nacional e internacional que, em meio ao acirramento da concorrência internacional e da suposta
estabilidade monetária, permeia todos os setores da economia e, fundamentalmente, o setor
bancário. Houve uma redução dos bancos de capital estatal a partir de privatizações ou
liquidações de instituições, e um aumento dos bancos nacionais e estrangeiros privados, que
desenvolveram novas estratégias de rentabilidade e intensificação do trabalho por meio de
investimentos pesados em tecnologia.
As conseqüências desta internacionalização e liberalização no sistema financeiro do
Brasil foram e continuam sendo desastrosas, principalmente no que diz respeito à organização do
trabalho bancário, na medida em que reduz os postos de trabalho, intensifica a produtividade dos
postos que ainda restam e acirra a totalidade das contradições.
Militar-bonapartismo e reforma bancária
A reorganização do sistema financeiro nacional alicerçou suas bases nas políticas
econômica e monetária implementadas desde o golpe militar de 1964. Não se pode negar que
houve uma modernização do sistema positiva, com a viabilização de diversas transações
diagnóstico que consideram realista, das tendências do capitalismo contemporâneo. [...] Realismo subalterno e economicismo
vulgar.” Idem, 2001, p. 12.
118
Gonçalves explica: “No caso de países que apresentam uma vulnerabilidade externa significativa (também nas esferas
produtiva-real, tecnológica e comercial) a liberalização cambial deve ser vista com extrema preocupação. [...] a liberalização
cambial e, principalmente, a abertura da conta de capital implicam uma redução do grau de autonomia das políticas
macroeconômicas nacionais. [...] O processo de liberalização cambial, acompanhado por significativa margem de arbitragem e no
contexto de excesso de liquidez internacional, teve como resultado um deslocamento da oferta no mercado cambial brasileiro. [...]
o investidor estrangeiro ganhava no Brasil em 6 semanas e meia o que ganharia em aplicação no mercado financeiro internacional
durante todo um ano!”. GONÇALVES, 1996, op. cit., p. 145-46.
69
bancárias no que diz respeito à agilidade, entretanto, tal modernização foi pautada na
centralização do poder no Estado de viés militar-bonapartista
119
.
Durante a crise do período pré-1964, o Plano de Metas do governo Kubitschek,
sucintamente, foi responsável por acelerar a acumulação capitalista industrial via endividamento
externo, emissão de moeda e aumento da exploração da força de trabalho. O sistema financeiro
brasileiro era precário em questões de intermediação financeira de longo prazo, daí a emissão de
moeda como fonte de financiamento, e que posteriormente será identificada como a causa maior
inflacionária e direcionará a reforma financeira para a constituição de um segmento privado de
intermediação financeira de longo prazo.
O período também foi marcado por uma relação assimétrica entre aumento de
produtividade e nível salarial real, que mesmo com reajustes nominais, chegou abaixo do nível de
reprodução da força de trabalho
120
. Tal desequilíbrio gerou um aumento da concentração de renda
e o posterior descolamento da produção do Departamento II para o Departamento III da
economia
121
, que num contexto inflacionário se traduziu na crise do padrão de acumulação
capitalista
122
.
119
O conceito de bonapartismo foi usado por Karl Marx em “O dezoito Brumário de Luís Bonaparte” e significa uma forma de
governo ditatorial burguês, onde a figura de uma pessoa ou instituição centraliza os poderes políticos supostamente em nome de
um povo ou nação. Um governo militar-bonapartista, segundo Mazzeo, seria “a forma de um bonapartismo assentado não em
uma pessoa, mas em uma instituição, as Forças Armadas”. MAZZEO, A.C. Burguesia e capitalismo no Brasil. São Paulo: Editora
Ática, 1988. p. 63-64. Ademais deste militar -bonapartismo, pode-se ressaltar o caráter colonial desta forma de poder, uma vez
que “se acentua o caráter do caminho colonial da sociabilidade capitalista brasileira e de sua burguesia, que, por sua raiz colonial
e fragilidade histórica, utilizará a estrutura do aparelho de Estado para expansão e desenvolvimento de forças produtivas”. Idem.,
1999, op. cit., p. 114. Fernandes também caracteriza a burguesia brasileira quando afirma que “ao contrário de outras burguesias,
que forjaram instituições próprias de poder especificamente social e só usaram o Estado para arranjos mais complicados e
específicos, a nossa burguesia converge para o Estado e faz sua unificação no plano político”. FERNANDES, F. A revolução
burguesa no Brasil. Ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 240.
120
Oliveira explica esta relação: “A aceleração mencionada afetará profundamente a relação salário real-custo de reprodução da
força de trabalho urbana. [...] a relação começa a desequilibrar-se no sentido de um salário real que não chegava a cobrir o custo
de reprodução da força de trabalho [...] que passa a ter componentes cada vez mais urbanos: o custo de reprodução da força de
trabalho também se mercantiliza e industrializa. [...] a própria elevação dos preços dos produtos industriais elevava o custo dos
componentes industrializados que faziam parte da cesta básica de consumo das classes trabalhadoras urbanas [...] aumentava o
custo de reprodução da força de trabalho urbana e ao mesmo tempo erodia os salários reais. Tem-se aí um aumento da taxa de
exploração do trabalho, sem necessidade de que esse aumento fosse ostensivamente dirigido no sentido de rebaixamento dos
salários nominais”. OLIVEIRA, F. Crítica à razão dualista. O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003. p. 86.
121
De acordo com Oliveira, a divisão da economia em três departamentos está pautada nos esquemas da reprodução ampliada de
Marx, e corresponde à seguinte: “Departamento I, produtor de bens de capital ou, em sentido lato, de bens de produção, pois
inclui os chamados bens intermediários, que são também capital constante; Departamento II, produtor de bens de consumo para os
trabalhadores, que estamos chamando de bens de consumo não duráveis; e Departamento III, produtor de bens de consumo para
70
Houve uma crise de realização para setores industriais do DII que dependiam do
consumo da classe trabalhadora e uma expansão do DIII, dependente da classe que concentrava a
renda, além do surgimento da elite da classe média, que com o redirecionamento da economia e a
necessidade de outras funções na nova estrutura produtiva emerge no conjunto de técnicos,
analistas, executivos, etc, ocupou os ramos de alta produtividade do setor terciário
123
. A nova
conformação da relação capital-trabalho, com o aumento da taxa de exploração da força de
trabalho, concentração de renda e contenção dos gastos públicos, teve seu pontapé institucional a
partir daí.
Tais transformações no âmbito das relações sociais de produção foram o fermento da
luta política que desembocou no golpe de 1964. O Plano de Ação Econômica do Governo
(PAEG) entre 1964-66, e a Reforma Bancária de 31/12/1964 (Lei nº 4595), foram os primeiros
passos na sistematização e institucionalização do ajuste das frações de classe dominantes entre a
burguesia industrial e financeira e sua associação ao capital estrangeiro, impondo um conjunto de
mudanças que garantiram a modernização das bases de acumulação capitalista, distintas das do
período desenvolvimentista dos anos 1950, seguidos pela Reforma do Mercado de Capitais de
14/07/1965 (Lei nº 4728), que criou mecanismos de controle e fiscalização das instituições
financeiras.
Elaborado pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica composto pela
dupla Campos e Bulhões, o PAEG foi lançado em novembro de 1964, com os seguintes
os capitalistas, que estamos chamando de bens de consumo duráveis”. OLIVEIRA, C. A economia da dependência imperfeita.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1989. p. 77.
122
“Esta recomposição da economia brasileira, que a reintegrava na nova divisão internacional do trabalho, longe de aprofundar o
programa econômico desenhado por Vargas [...], acentua e reafirma o caminho colonial da estrutura econômica do país ao
priorizar os Departamentos de bens de consumo, o DII e principalmente o DIII, em detrimento do DI. [...] o que nos autoriza a
dizer que o Brasil transita de um projeto em que havia elementos de capitalismo nacional para uma perspectiva muito mais
adequada às condições histórico-genéticas da burguesia brasileira – de capitalismo de associação subordinada com as burguesias
monopolistas internacionais”. (grifos do autor). MAZZEO, 1999, op. cit., p. 115-116.
123
Cf. Oliveira: “A crise que se gesta a partir do período Kubitschek, que se acelera nos anos 1961-1963 e que culmina em 1964,
não é totalmente uma crise clássica de realização [...] Para alguns ramos industriais dependentes da demanda das classes de renda
mais baixa, há uma crise de realização, motivada pela deterioração dos salários reais das classes trabalhadoras urbanas: é o caso
dos ramos têxteis, de vestuário, de calçados, de alimentação [...] o fraco crescimento de tais ramos deriva do caráter
concentracionista do processo da expansão capitalista no Brasil e não do “caráter” dos ramos referidos. Já o consumo dos bens
produzidos principalmente pelos novos ramos industriais, bens duráveis de consumo (automóveis, eletrodomésticos em geral), era
assegurado pelo mesmo caráter concentracionista, que se gesta a partir da redefinição das relações trabalho-capital.”. 2003, op.cit.,
p. 87.
71
objetivos, resumidos segundo Lara Resende: acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico;
conter o processo inflacionário; atenuar os desníveis econômicos setoriais e regionais e as tensões
sociais; assegurar, pela política de investimentos, oportunidades de emprego produtivo; corrigir a
tendência a déficits descontrolados do balanço de pagamentos. Para cumprir os objetivos do
plano, também foram sistematizadas as direções das políticas financeira, internacional e de
produtividade social
124
.
A política financeira compreendeu: política de redução do déficit de caixa
governamental no intuito de aumentar a capacidade de poupança nacional através do
disciplinamento do consumo; política tributária destinada a fortalecer a arrecadação e a combater
a inflação; política bancária visando o fortalecimento do sistema creditício, ajustando-o às
necessidades de combate à inflação e estímulo ao desenvolvimento; política de investimentos
públicos para a criação de economias externas necessárias ao desenvolvimento das inversões
privadas, a fim de atenuar os desequilíbrios regionais e setoriais
125
.
A grande preocupação era com a conquista da confiança necessária à retomada dos
investimentos públicos e privados, que objetivamente significava o combate à inflação. De
acordo com as análises equivocadas monetaristas, a inflação brasileira era resultado do excesso
de moeda em circulação - inflação de demanda - e das más políticas governamentais, incapazes
de conter os déficits do setor público, o consumo – decorrente do desequilíbrio entre os salários,
que seriam superiores aos ganhos de produtividade – e a expansão do crédito às empresas. Na
lógica monetarista de conter o excesso de moeda que ocasionava a inflação, o PAEG se sustentou
no arrocho salarial, na restrição ao crédito, no corte dos gastos públicos e aumento da
arrecadação, em outras palavras, em reforma financeira e tributária com custos repassados à
classe trabalhadora de menor renda.
Em relação à política salarial, foi desenvolvida uma fórmula que levava em sua
composição a previsão do PAEG para os índices inflacionários dos anos seguintes e a média dos
salários no último reajuste, o que resultou num ajuste muito inferior ao pico dos salários reais do
período utilizado para a média, e a previsão da inflação utilizada pelo governo foi menor do que a
124
LARA REZENDE, A. Estabilização e reforma: 1964-1967. In: PAIVA ABREU, M. (org) A ordem do progresso: cem anos
de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992.
125
Ibid., p. 213.
72
real. A partir da substituição das negociações sindicais pela fórmula oficial de reajuste, e como a
ação dos sindicatos se encontrava extremamente limitada pela repressão às greves e qualquer
manifestação de oposição ao governo, a política salarial reduziu o salário mínimo real sem
dificuldade, que sofreu uma queda em 1965, quando a fórmula foi introduzida, e continuou
caindo consecutivamente durante os anos seguintes
126
.
O custo desta política salarial foi dramático na deterioração da distribuição da renda
entre 1960 e 1970. De acordo com Lara Resende, reduziu-se a participação dos 50% mais pobres
na renda total de 17,7% para 14,9% na década observada. Para o autor, “o que distingue o PAEG
das outras tentativas anteriores é o contexto político radicalmente diferente, que permitiu a
intervenção autoritária e direta sobre a determinação dos salários
127
”.
Na verdade, como a inflação brasileira não era de demanda e sim de desequilíbrio
entre os ganhos de produtividade e a distribuição destes ganhos, houve o aumento da
concentração da renda e os desequilíbrios sociais, daí o período de recessão e a adoção de uma
política seletiva de combate à inflação. Particularmente a partir de 1966, o arrocho salarial
somado às medidas de contenção ao crédito estagnou a economia, e os índices de liquidez real -
que indicam o volume de expansão e circulação monetárias - começou a ser negativo.
Os índices de recessão na esfera industrial somente se fizeram sentir depois de alguns
meses, caracterizando um quadro global recessivo a partir de 1967. Lara Resende destaca que
“o
índice para os empréstimos dos bancos comerciais ao setor privado atingiu -3%, -9% e -4%
durante 1966 [...] o que indica que a ação do Banco do Brasil, expandindo os seus empréstimos
mais do que os bancos comerciais, evitou que a política monetária restritiva atingisse o crédito ao
setor privado em toda sua extensão”, o que explica em parte o bom desempenho industrial
durante o ano de 1966
128
.
O contexto de recessão trouxe mudanças para a política monetária, que adotou
medidas que estimulassem a demanda e a expansão do sistema de produção. Foi realizada uma
reforma fiscal aparentemente progressiva, com aumento dos gastos governamentais nas áreas
126
OLIVEIRA aponta esta armadilha numérica a partir de um levantamento realizado nos Estados da Guanabara e São Paulo
sobre o salário mínimo real. 2003, op. cit., p. 79.
127
Ibid., p. 230.
128
Ibid., p. 222.
73
“selecionadas” para estimular o crédito. No entanto, os custos da seletividade, mais uma vez,
foram repassados à classe trabalhadora, já que as alterações no custo de reprodução da força de
trabalho, que supostamente seria o responsável pela inflação, não foram repassadas para a esfera
produtiva
129
.
A reforma do sistema bancário nacional acontece para viabilizar esta fluidez do
excedente econômico, que foi intermediado pelo sistema financeiro, para a retomada da expansão
da produção. O objetivo da reforma era dotar o sistema de mecanismos de financiamento de
longo prazo para a retomada da expansão industrial com controle inflacionário, ao contrário do
desenvolvimento do Plano de Metas, pautado na emissão de moeda e endividamento direto
externo.
Contudo, o excedente de capital não retornou na forma de investimentos para a
expansão da esfera produtiva. Diante do contexto de alta concentração da renda gerada pela
inflação de desequilíbrio entre os ganhos de produtividade e distribuição, o capital se dirigiu em
grande parte ao mercado financeiro na forma de aplicações em papéis, ou para abastecimento da
fantástica fábrica de dinheiro, uma vez que as altas taxas de lucro financeiro eram mais atrativas
do que as da produção.
Eis o impasse que acompanha as economias subordinadas ao capital privado e
internacional: para viabilizar a expansão do sistema produtivo era necessário aproximar as taxas
de lucro financeiro às da produção, no entanto, uma vez que as taxas financeiras não são mais tão
atraentes tem-se a fuga de capitais para outras praças financeiras de melhor rentabilidade. Para
evitar a concorrência entre a esfera financeira e a produtiva é necessária intervenção
governamental para garantir a constância de capital estrangeiro na economia interna. Como o
Brasil se inseriu de forma subordinada na economia mundial, depende da injeção destes fluxos de
capitais, ao mesmo tempo em que o excedente de capital ou poupança gerado nacionalmente não
129
Como observa Oliveira: “A política seletiva implantada distingue, antes, seletividade de classes sociais e privilegia as
necessidades da produção. Assim, abandonou-se a perspectiva de contenção de crédito, a de contenção dos gastos
governamentais, e a perspectiva global de contenção da demanda; a política implantada, seletiva neste sentido, passou a ser
contrária à anterior. [...] Os instrumentos dessa política foram uma reforma fiscal aparentemente progressiva mas de fundo
realmente regressiva [...] e uma estruturação do mercado de capitais que permitisse o “deslocamento” do capital financeiro e que
desse fluidez à circulação do excedente econômico contido no nível das famílias e das empresas.” 2003, op. cit., p. 94.
74
retorna proporcionalmente à produção, inflando a bolha das aplicações financeiras e aumentando
o desequilíbrio produtivo, sem ocorrer ruptura com o ciclo vicioso.
Foi durante o PAEG que a reformulação institucional do sistema financeiro começou
efetivamente. Até a criação do Banco Central (BACEN) com a Lei 4.595, as tarefas do BACEN
eram distribuídas entre a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que era um órgão
normativo das políticas monetária e cambial sem autoridade executiva, e o Banco do Brasil (BB),
que acumulava às funções de banco comercial e de fomento as de banqueiro do Tesouro e de
banqueiro do sistema bancário. Entretanto, mesmo após a transferência das atividades para o
BACEN, o BB continuou a ter acesso automático e discricionário aos fundos do Banco Central
através da Conta Movimento.
Também foi criado o Sistema Financeiro da Habitação através da Lei 4.380, com o
Banco Nacional da Habitação, que atuava em parceria com os também novos programas de
Seguridade Social, PIS e PASEP, todos importantes instrumentos de captação de poupança
forçada. Institucionalizaram-se os órgãos de representatividade dos banqueiros, que até 1966
ainda não contavam com uma organização nacional que expressasse formalmente seus interesses,
somente sindicatos e associações regionais que atuavam em nome de um Banco ou Estado. Foi
organizada em 1966 a Federação Nacional de Bancos (FENABAN) e em 1967 a Federação
Brasileira de Associações de Bancos (FEBRABAN)
130
.
A reforma bancária contou com o apoio dos banqueiros, ainda que com ressalvas, ao
pacote do governo de Castello Branco. Líderes banqueiros participaram da elaboração da
proposta da reforma assegurando algumas das reivindicações, como a transformação da Sumoc
em Banco Central e a participação dos representantes dos banqueiros no Conselho Monetário
Nacional (CMN). As ressalvas giravam em torno das questões que a lei da reforma não
contemplava diretamente, como a formação dos conglomerados financeiros, por exemplo, mas
que na essência não alteravam o espírito privatista, garantindo a manutenção da estrutura legal
dos bancos privados e a ação complementar dos bancos estatais.
Segundo Minella, medidas como a criação de mecanismos de controle e fiscalização
da moeda e do crédito, institucionalização da correção monetária em remuneração de aplicações
130
MINELLA, A. Banqueiros: organização e poder político no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/ ANPOCS, 1988.
75
em 1968, a Resolução nº 63 do Banco Central (BACEN) que permitia aos bancos a tomada de
empréstimos internacionais para o repasse interno, incentivos fiscais para fusões e incorporações
de bancos; restrição à abertura de novas agências bancárias, dentre outras, não só viabilizaram a
internacionalização do sistema financeiro nacional como também incentivaram a concentração e
centralização bancárias, através da expansão dos grandes bancos pela aquisição dos de menor
porte
131
.
Vale destacar que, no que se refere à Resolução nº 63 do BACEN, a política de
créditos em moeda estrangeira não contemplava as pequenas e médias empresas nacionais,
somente as empresas estrangeiras e as grandes empresas estatais. A supressão dos pequenos e
médios bancos pelos grandes caracterizou a expansão do capitalismo monopolista e a transição
para o capitalismo transnacional, formando os conglomerados financeiros atuantes em diversos
segmentos do setor, o que conferiu poder especulativo e autonomia a tais grupos
132
.
Os movimentos de concentração e especialização que permitiram a formação da
estrutura oligopolizada do sistema bancário que marcou os anos 1990 desencadeou
transformações na composição dos ativos financeiros, uma vez que a participação dos ativos
monetários, como papel-moeda e depósitos à vista, diminuiu entre 1964-70, ao passo que títulos
de instituições não bancárias cresciam
133
. Também aumentaram as instituições financeiras
especializadas na captação de recursos, tais como bancos de investimento, seguradoras,
financeiras, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e empréstimos, etc,
juntamente com instituições que operavam na bolsa de valores, conforme tabela a seguir.
131
Ibid.
132
Cf. já assinalava Lenin: “Sublinhávamos a indicação relativa aos bancos “ligados” porque se refere a uma das características
mais importantes da concentração capitalista moderna. Os grandes estabelecimentos, particularmente os bancos, não só absorvem
diretamente os pequenos como os “incorporam”, subordinam, incluem-nos no “seu” grupo, no seu “consórcio” – segundo o termo
técnico – por meio da “participação” no seu capital, da compra ou da troca de ações, do sistema de créditos, etc, etc”. LENIN,
op.cit., p. 24.
133
TAVARES, M. C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Ensaios sobre Economia Brasileira. Rio de
Janeiro: Zahar, 1975.
76
O SFB após as reformas de 1964-1967
Tipo de Instituição Área de Atuação
Conselho Monetário Nacional
(CMN)
Criado em 1964, em substituição à Superintendência da Moeda e
do Crédito (Sumoc), com função normativa e reguladora do
sistema financeiro.
Banco Central do Brasil
(BACEN)
Criado em 1964, como executor das políticas monetária e
financeira do governo.
Banco do Brasil (BB)
Banco comercial e agente financeiro do governo,
especialmente em linhas de crédito de médio e longo prazos,
para exportações e agricultura.
Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico
(BNDE)
Criado em 1952 para atuar no financiamento seletivo de longo
prazo para a indústria e infra-estrutura.
Bancos de Desenvolvimento
(BD) regionais e estaduais
Atuação semelhante a do BNDE, mas em âmbito regional/
estadual.
Bancos Comerciais Créditos de curto e médio prazos (capital de giro).
Bancos de Investimento
Regulamentados em 1966, para atuarem no segmento de crédito
de longo prazo e no mercado primário de ações.
Sociedades de crédito,
financiamento e investimento
Instituições não-bancárias, conhecidas como “Financeiras”,
voltadas ao financiamento direto ao consumidor.
Sistema Financeiro da Habitação
(SFH)
Criado em 1964, tendo o Banco Nacional da Habitação (BNH)
como instituição central, e composto ainda pela Caixa Econômica
Federal (CEF), caixas econômicas estaduais, sociedades de
crédito imobiliário e associações de poupança e empréstimo
(APE).
Corretoras e Distribuidoras de
Valores
Mercados primário e secundário de ações.
Fonte: HERMANN, 2005ª, op. cit., p. 77.
Tradicionalmente os bancos operavam nos termos da especialização das atividades,
dividido internamente entre as operacionais e as comerciais, juntamente com uma “cesta de
produtos” limitada, fazendo com que o atendimento fosse segmentado por mercados, ou seja, os
bancos atuavam complementando as atividades entre si através de bancos comerciais, de
depósitos, de investimentos, etc. Com as bases para a modernização, a porteira para a
internacionalização foi aberta e com isso tais características se alteraram paulatinamente, na
medida em que os bancos passaram a operar em termos de bancos múltipos e por meio da rede de
agências.
O capital externo aumentava sua participação em diversos segmentos do mercado
financeiro nacional, controlando grande número de empresas não bancárias e formando os
conglomerados financeiros. Minella aponta que esta primeira internacionalização do sistema
77
financeiro nacional, a partir do segmento não bancário, foi promovida também devido às
restrições aos bancos estrangeiros de atuarem livremente no segmento bancário-financeiro,
previstas no princípio da reciprocidade, Lei 4.131 de 1962, que se manteve na reforma
134
.
A associação da burguesia financeira nacional ao grande capital transnacional pode
ser observada quando do apoio de parcela significativa desta fração de classe às pressões
internacionais para a desregulamentação e liberalização financeiras brasileira. Desde a década de
1970 os principais membros dos órgãos de representação dos banqueiros, como Associação de
Bancos do Estado de São Paulo (ASSOBESP) e FEBRABAN, reivindicavam as reformas de
inserção que já vigoravam no panorama internacional.
Minella demonstra ainda a participação do capital financeiro nacional no exterior,
destacando o crescimento e diversificação do comércio exterior, aumento dos empréstimos
externos das empresas, concorrência entre bancos nacionais e estrangeiros sediados no país, e as
oportunidades especulativas nos chamados paraísos fiscais. Em 1980 já havia uma rede
internacional de bancos brasileiros, com aproximadamente 167 dependências
135
.
“Milagre” econômico, crise e endividamento
O período de 1968-73, conhecido como “milagre econômico”, proporcionou altas
taxas de crescimento econômico para o país e uma relativa estabilização da inflação
136
, na mesma
medida em que ironicamente aumentavam os montantes de endividamento externo, o que, por sua
vez, fortalecia o capital privado nacional e multinacional na acumulação oligopolista e
aprofundava a relação de subordinação econômica, política e ideológica do Brasil. Também é
134
“Segundo essa lei, seriam aplicados aos bancos estrangeiros os mesmos impedimentos ou restrições equivalentes às que a
legislação vigente nas praças em que tivessem sede suas matrizes impusessem aos bancos brasileiros que nelas desejassem
estabelecer-se. [...] os bancos estrangeiros, cujas matrizes se localizam em praças onde a legislação impõe restrições ao
funcionamento dos bancos brasileiros, não poderão participar em mais de 30% no capital social, com direito a voto, dos bancos
nacionais”. Apesar do princípio da reciprocidade, o que prevaleceu na prática foi uma análise particular do CMN de cada caso, no
sentido de limitar a participação dos bancos estrangeiros no sistema dos bancos comerciais e garantir uma margem flexível de
manobra entre a expansão bancária no exterior e as pressões do capital internacional para uma maior participação no sistema
nacional. MINELLA, op. cit., p. 235.
135
Ibid.
136
Segundo Hermann, o PIB cresceu a uma taxa média de 11% ao ano e as taxas de investimento, que eram de 15% do PIB entre
1964-67, atingiram 19% em 1968 e mais de 20% no fim do período. 2005a, op. cit. p. 75.
78
fundamental chamar a atenção para a necessidade de o governo militar se legitimar pelo menos
economicamente no poder, já que o período Castello Branco foi marcado por estagnação e
recessão.
Durante a gestão de Costa e Silva, Antonio Delfim Netto assumiu o Ministério da
Fazenda, mantendo em sentido macro as políticas de combate à inflação, fiscal e salarial do
PAEG. Em sentido micro, promoveu alterações na ênfase de tais políticas para viabilizar a
retomada do crescimento sem efeitos negativos sobre o controle da inflação. Os gastos públicos
continuaram a ser reduzidos e as correções salariais ainda seguiam a fórmula do plano anterior,
acompanhando as taxas estimadas de inflação ao invés das reais.
Como mecanismo de contenção da inflação foi instituído o controle de preços por
meio de órgão especialmente criado para este fim, a Comissão Nacional de Estabilização de
Preços (CONEP), substituída posteriormente pela Comissão Interministerial de Preços (CIP). A
CONEP controlava os preços públicos como tarifas, câmbio e juros do crédito público e privados,
que compreendiam basicamente os insumos industriais. Os juros cobrados pelos bancos
comerciais eram controlados pelo BACEN.
Como representação dos ajustes do PAEG, foi lançado em 1968 o Plano Estratégico
de Desenvolvimento (PED), que conforme Hermann, previa (1) estabilização gradual dos preços;
(2) o fortalecimento da empresa privada; (3) a consolidação da infra-estrutura, a cargo do
governo; e (4) a ampliação do mercado interno. Particularmente, o ajuste realizado com relação
às metas de inflação estimulou as políticas de crescimento e o equilíbrio da balança de
pagamentos foi ancorado no regime de câmbio flexível, com minidesvalorizações cambiais
137
.
Não obstante, as taxas de crescimento foram estimuladas pela esterelização de capital
a partir das importações de bens de capital – obsolescência dos bens
138
- e do subsídio às
exportações, cuja política de câmbio flexível funcionou como disfarce para ocultar a diferença
137
Ibid., p. 84.
138
Cf. Oliveira: “O incentivo à obsolescência do capital, que implica produzir novos bens ou novos modelos de bens, é também,
uma forma disfarçada de esterilizar o capital, aumentando, de um lado, a demanda de novos bens de produção e, de outro,
“enxugando” o excesso de poder de compra nas mãos dos consumidores das classes de rendas altas [...] a evolução do prosaico
Volkswagen para os Galaxies e Dodges, e a introdução da televisão em cores, por exemplo, cumprem esse papel”. 2003, op. cit.,
p. 104.
79
entre o aumento dos preços internos em relação aos externos e garantir as taxas de lucro num
contexto de competitividade entre a esfera produtiva e a financeira.
O PED foi um plano mais “desenvolvimentista” se comparado ao PAEG, pois os
ajustes fiscais e monetários para incentivar a expansão industrial e o crescimento recuperaram os
investimentos privados. No entanto, para garantir as taxas de lucro foi necessário ativar o sistema
financeiro e recorrer ao crédito externo, acirrando a competição entre a esfera produtiva e a
financeira pela poupança interna. O “milagre” do crescimento com controle da inflação foi o
aprofundamento da contínua inserção subordinada do Brasil na reestruturação capitalista
139
.
Após o afastamento de Costa e Silva, o governo Médici seguiu a mesma linha de
política econômica, a diferença marcante foi no plano político, quando se acirraram as
manifestações de contestação à legitimidade do regime militar, e o governo instituiu o terrorismo
político como forma de repressão através da promulgação do Ato Institucional nº 5. Mais um
período negro na história da luta de classes foi marcado no Brasil por prisões, torturas,
desaparecimentos, assassinatos e deportações em nome da “segurança nacional”, o que era
oportunamente ofuscado pelo “milagre econômico”.
O fim do “milagre econômico brasileiro” começou pelo estrangulamento de sua
política econômica alicerçada na subordinação externa, tanto na esfera produtiva quanto na
financeira, e o governo Geisel aprofundou os níveis de endividamento a partir dos ajustes do II
PND, em meados de 1974
140
. No plano internacional ocorreu o primeiro choque dos preços do
petróleo em fins de 1973, o que dificultou ainda mais a manutenção do ritmo de crescimento.
As contradições do “milagre” se tornavam cada vez mais evidentes, econômica e
politicamente. A radicalização da repressão durante o governo Médici já preocupava as elites e
139
De acordo com Fernandes, mesmo demonstrando certo nível de crescimento, este se dá de maneira subordinada, integrando
mais um nível do desenvolvimento do capitalismo dependente, e não uma guinada para o desenvolvimento autônomo:
“desenvolvimento capitalista dependente e, qualquer que seja o padrão para o qual ele tenda, incapaz de saturar todas as funções
econômicas, socioculturais e políticas que ele deveria preencher no estágio correspondente do capitalismo. É claro que o
crescimento capitalista se dá, acelerando a acumulação de capital ou a modernização institucional, mas mantendo, sempre, a
expropriação capitalista externa e o subdesenvolvimento relativo, como condições e feitos inelutáveis”. Op. cit. p. 290-291.
140
Hermann destaca os principais problemas do período de 1974 -79, como “a correção monetária, com seus efeitos perversos
sobre a dinâmica dos preços; e o aumento da dependência externa do país, em dois setores: industrial (bens de capital, petróleo e
seus derivados) e financeiro”. _. Auge e declínio do modelo de crescimento com endividamento: o II PND e a crise da dívida
externa (1974-1984). In: GIAMBIAGI, F. [et al.] (org). Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005b. p. 90.
80
começava a abalar a “credibilidade” do regime militar. A ascensão de Geisel à presidência
sinalizou um momento de “transição” para a abertura política, não que a intenção fosse afastar os
militares do poder, pelo contrário. A idéia era fortalecer uma aliança com a burguesia “nacional”
e viabilizar uma base partidária que institucionalizasse o poder burguês “democraticamente”.
A burguesia brasileira havia “consentido” a instauração da repressão militar a fim de
resguardar a sua dominação de classe em meio aos conflitos que se apresentaram nos anos 1960,
colocando-os como “fora da lei”, e daí a restituição da ordem via repressão militar
141
.
Restabelecida a “ordem democrática”, não havia mais a necessidade do controle militar, daí o
encaminhamento para a ”democracia burguesa” em lugar da “ditadura militar”. Na verdade são
duas faces da mesma moeda, já que os dois momentos expressam a legitimação do poder burguês
sobre a classe trabalhadora.
Durante o período de crescimento o Brasil ampliou seu consumo de petróleo, da
ordem de 21 milhões de m³ em 1967 a 46 milhões em 1973, segundo Hermann. As importações
de bens de capital para satisfazer as necessidades do DII também aumentaram, elevando-se de
59% do consumo interno para 81% no mesmo período. Dessa forma, torna-se clara a ressonância
interna dos abalos internacionais provocados pela elevação do preço médio do barril, que passou
de US$ 2,48 em 1972 para US$ 3,29 em 1973 e US$ 11,58 em 1974
142
.
A dependência brasileira aos insumos e petróleo internacionais na fase do milagre se
converteu num quadro de vulnerabilidade e acirramento da subordinação do país aos humores do
mercado externo. Concomitante, o aumento da dívida externa aprofundava este quadro. Os
efeitos do primeiro choque do petróleo nos países industrializados foram o aumento dos juros já
em 1974 e a contração da economia, o que significou, para países subordinados como o Brasil,
uma deterioração nos termos de troca com a inviabilidade da importação e déficit na balança de
141
Cf. Fernandes: “ao “defender a estabilidade da ordem”, portanto, as classes e os estratos de classe burgueses aproveitaram
aqueles conflitos para legitimar a transformação da dominação burguesa em uma ditadura de classe preventiva e para privilegiar o
seu poder real, nascido dessa mesma dominação de classe, como se ele fosse uma encarnação da ordem “legitimamente
estabelecida”. Op. cit. p. 369.
142
Ibid., p. 95-96.
81
pagamentos. A balança comercial brasileira saltou de um relativo equilíbrio em 1973 para um
déficit de US$ 4,7 bilhões em 1974
143
.
Em substituição às importações de DI, era preciso modernizar o parque industrial e
gerar internamente os recursos necessários para a manutenção do crescimento. Paradoxalmente, a
mesma crise do petróleo que delineou novas relações para o comércio exterior também aliviou as
dificuldades dos países subordinados como o Brasil, uma vez que o excesso de liquidez dos
chamados “petrodólares” buscou valorização financeira nos países centrais, que passaram então a
financiar os déficits comerciais dos países altamente endividados.
Um segundo choque do petróleo em 1979 interrompeu esta operação de “salvação”
das economias subordinadas quando o preço do barril de petróleo aumentou de US$ 13,60 em
1978 para US$ 35,69 em 1980. As taxas de juros dos países centrais acompanharam a curva de
ascensão como tentativa de evitar os efeitos inflacionários da crise, desenhando um quadro de
recessão na maioria deles até 1982
144
. No Brasil a situação se tornou ainda mais problemática para
a deterioração dos termos de troca do que no primeiro choque, já que o montante da dívida se
expandia ao lado do déficit comercial, e as alternativas de refinanciamento se tornavam
extremamente restritas devido à alta dos juros, principalmente dos americanos.
O período ficou conhecido como “crise da dívida latino-americana”, já que os países
subordinados estavam altamente endividados e as possibilidades de saldo da dívida atreladas ao
fluxo de capital externo. O primeiro país a declarar a moratória da dívida externa foi o México,
em 1982. No Brasil foram realizados sucessivos ajustes econômicos para evitar a moratória,
materializados desde o II PND do período Geisel até fins do governo Figueiredo em 1984.
Basicamente, realizaram-se políticas de investimento, público e privados, nos setores chave da
economia como infra-estrutura, bens de produção e energia, para a modernização do parque
industrial
145
.
As fontes de financiamento para a revitalização da capacidade produtiva interna do
Brasil vieram de recursos públicos e privados, como recursos da União com impostos e
143
Ibid., p. 97.
144
Ibid.
145
De acordo com o II PND era preciso “cobrir a área de fronteira entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento”. Apud
CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p.30.
82
empréstimos via empresas estatais, e BNDE, que financiou os investimentos privados internos
através de linhas creditícias com juros subsidiados. Também foi realizada uma política de
combate à inflação recessiva, a despeito de se pretender não-recessiva, com controles fiscal e
monetário, câmbio flexível e ajustes de preços
146
.
De maneira geral os objetivos do II PND foram atingidos. A inflação continuou na
casa dos dois dígitos, mas não galopou. Os ajustes econômicos garantiram as fontes necessárias
para a revitalização do parque industrial e o endividamento externo não culminou na moratória.
Vale destacar o repasse dos custos desta operação aos trabalhadores, mais uma vez, que tinham
seus salários corroídos pela inflação e pela política salarial de contenção. Entretanto, os efeitos
macroeconômicos fizeram-se sentir durante a década de 1980, conhecida como “a década
perdida” por iniciar um período de sucessivos acordos com o FMI na tentativa de paliar a dívida
externa dos países latino-americanos.
De acordo com Hermann, o período que compreende o governo Figueiredo pode ser
dividido em três fases com relação ao PIB, sendo de 1979-80 de elevadas taxas de crescimento;
de 1981-83 de recessão e 1984 de recuperação, puxada pelas exportações. As diferenças entre
essas fases refletiriam as mudanças ocorridas no cenário internacional
147
. O cenário de recessão da
segunda fase, aliado aos efeitos estruturais do II PND e ao impasse da dívida externa, inaugurou a
série dos acordos brasileiros com o FMI, principalmente depois da repercussão da crise
mexicana. As reservas internacionais do país haviam diminuído consideravelmente, chegando a
US$ 4,0 bilhões em 1982 (equivalentes a 2,5 meses de importação) e teriam sido ainda menores
se o país não tivesse, ao fim desse ano, recorrido a um empréstimo do FMI, que injetou US$ 4,2
bilhões na conta de capital
148
.
A “década perdida” também foi marcada pela lucratividade bancária atrelada aos altos
índices inflacionários, chamados de floats
149
inflacionários, exceto durante o breve período de
146
Durante o biênio 1979-80, a onda recessiva foi relativamente interrompida pelo aumento do PIB no período, que de acordo
com Hermann cresceu à taxa média de 8%, motivado pela finalização dos investimentos de modernização do parque industrial do
II PND. 2005b, op. cit., p.109.
147
Ibid., p. 107.
148
Ibid., p. 110.
149
Floating é a receita obtida pelo banco a partir da aplicação dos capitais que ficavam parados nas contas dos clientes sem
remuneração.
83
pseudoestabilidade inflacionária do Plano Cruzado. O contexto econômico nacional era de
instabilidade monetária e as atividades bancárias se concentraram na valorização do capital-
dinheiro na esfera financeira
150
. Tal movimento especulativo acirrou ainda mais o distanciamento
da função original dos bancos, de intermediadores entre a esfera produtiva e a de circulação,
gerando um ciclo de acumulação improdutiva direcionado para a fantástica fábrica de dinheiro.
A “democracia burguesa” e os planos de estabilização monetária
Após 20 anos de regime militar-bonapartista, o país vivia um momento de “transição
democrática burguesa”. O movimento por eleições “Diretas Já” ganhava as ruas e simbolizava o
fim do cerceamento às liberdades civil e política, o fim da inflação, a retomada do crescimento,
mais empregos e reformas sociais. No plano formal a classe burguesa se uniu num consenso que
se apropriava das reivindicações da classe trabalhadora para finalizar a etapa da “repressão em
nome da ordem burguesa”.
Ao se apropriar das forças armadas e instituir um Estado autocrático que assegurasse
sua posição de classe dominante, a burguesia teve que abrir mão de uma fatia de poder político, e
que foi substituído por outros mecanismos imediatos de poder. Foi o que Fernandes chamou de
“a regeneração burguesa da própria ordem social”
151
. Com a contenção dos conflitos, a classe
burguesa rateou os “ganhos com o restabelecimento da ordem” entre as frações burguesas e da
classe média, encaminhando o cenário político para o que ela denominou de “redemocratização”,
mas que na verdade não passou de uma nova configuração do poder entre as frações de classe
dominante somada a grupos “privilegiados” da classe média.
A transição política para a “democracia burguesa” foi mediada por uma articulação
através de eleições indiretas no Colégio Eleitoral. Tancredo Neves elegeu-se Presidente da
República via eleição indireta em 15 de janeiro de 1985, sendo o primeiro presidente civil desde
as eleições de 1960. O então presidente eleito nem chegou a tomar a posse, falecendo em 21 de
abril, formalmente por infecção generalizada. A coalizão partidária Aliança Democrática, que
havia eleito Tancredo no Colégio Eleitoral era bastante plural, reunindo políticos de esquerda e
150
TAVARES, 1975, op. cit.
151
FERNANDES, op. cit. p. 414.
84
centro, e seu sucessor, José Sarney, não contava a legitimidade das urnas. A saída foi aproveitar o
momento de grande expectativa e confiança populares na “redemocratização” tentando a
legitimidade econômica
152
.
O Plano Cruzado, implementado em fevereiro de 1986, motivou o “sacrifício da
nação” e a aposta nacional no sucesso do Plano, que atenuou até 1987 o float inflacionário da
lucratividade das atividades bancárias. A Operação Cruzado adotou a proposta de Lara Rezende e
Arida no que diz respeito à eliminação dos ativos inflacionários, que segundo os autores era de
caráter inercial. No entanto, não adotou um aspecto vital da “Proposta Larida”, o de que “o
congelamento de preços é explicitamente condenado porque inevitavelmente congelaria preços
relativos em desequilíbrio”
153
.
As orientações da Operação tiveram por objetivo interromper a subida dos preços a
partir do congelamento, buscando “zerar a memória do sistema” em todos os contratos (de
trabalho, financeiros, comerciais, etc), que supostamente reproduziam uma inflação anterior. Esta
era reconhecida pelos autores da Proposta como de desequilíbrio entre ganhos de produtividade e
distribuição já superados, o que viabilizaria um ajuste gradual dos preços mediante a emissão de
uma moeda. A diferença da Proposta e da Operação propriamente dita se fixou no ajuste de
preços, que não foi gradual e a partir de uma média relativa, mas sim automaticamente congelado
e convertido em cruzados, a partir de “uma média cujos elementos não são de conhecimento
público
154
”. A partir disso uma série de medidas econômicas foi imposta no que ficou conhecido
como Choque Heterodoxo do governo Sarney.
O Choque compunha um pacote, cujas medidas foram apoiadas em quatro pilares,
sendo: reforma monetária e congelamento (Cruzado como novo padrão monetário à paridade de
Cr$ 1.000 para Cz$ 1); desindexação da economia (as ORTN – Obrigações Reajustáveis do
Tesouro Nacional - foram extintas e substituídas pelas OTN – Obrigações do Tesouro Nacional –
152
Mazzeo chamou este projeto de articulação de transição pactuada, que seria a “recomposição de um novo bloco de poder que
iria propiciar a transição pactuada e “pelo alto”, por meio da Aliança Democrática – constituída pelo PMDB e pelo recém
formado Partido da Frente Liberal – que se constituiu no operador político da articulação da legalidade burguesa ou da nova
autocracia burguesa institucionalizada”. 1999, op. cit., p. 174.
153
SINGER, P. O dia da lagarta. Democratização e conflito distributivo no Brasil do cruzado. São Paulo: Editora Brasiliense,
1987. p. 65.
154
Ibid., p. 66.
85
que estavam congeladas para o prazo de 1 ano); índice de preços e cadernetas de poupança (IPC –
Índice de Preços ao Consumidor – com objetivo de eliminar a contaminação do índice pela
inflação anterior e evitar o fenômeno da ilusão monetária, juntamente com os rendimentos
trimestrais das cadernetas, ao invés de mensais); e política salarial (os salários deveriam ser
calculados pela média dos últimos 6 meses através de uma tabela que trazia valores corrigidos a
preços de fevereiro, e daí congelados)
155
.
O fim, antecipadamente festejado, da inflação escondeu o caráter concreto do Choque
adotado pelo governo Sarney na Operação Cruzado. A conjuntura internacional favorável à
balança comercial brasileira por conta da queda do preço do petróleo e da desvalorização do dólar
em relação às moedas européias e ao iene, possibilitou a recuperação das contas externas, quando
as reservas internacionais do país chegaram a US$ 11,6 bilhões em 1985. O IPC, que em
fevereiro era de 15% ao mês, caiu para quase zero nos meses posteriores e, ao invés de recessão,
desemprego e arrocho salarial, houve crescimento dos postos de trabalho em 20% no primeiro
quadrimestre da Operação, ao passo que o medo de interrupção da produção diante da explosão
do consumo e frente às ameaças de greve fez com que frações do patronato negociassem
aumentos e abonos salariais
156
.
O sucesso fenomenal do Plano Cruzado desembocou em desequilíbrio já na metade
daquele mesmo ano. A receita fiscal havia sido drasticamente reduzida com o congelamento de
tarifas públicas, juntamente com o aumento das despesas com a folha de pagamento do setor
público. As taxas de juros reais se tornaram negativas e houve um conseqüente processo de
valorização dos ativos financeiros que foi responsável pela subida das bolsas de valores, ativos
reais e juros no mercado paralelo de dólar
157
.
A demanda superaquecida pela oferta de moeda em circulação também fez surgir os
sinais de esgotamento do Plano, quando muitos produtos que haviam sido congelados
arbitrariamente em desequilíbrio começaram a sumir das prateleiras, inclusive produtos
155
Enumerados conforme BARROS de CASTRO, L. Esperança, frustração e aprendizado: a história da Nova República (1985-
1989) In: GIAMBIAGI, F. [et al.] (org). Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005a. p.
124-126.
156
Ibid.
157
Ibid.
86
componentes da cesta básica. Filas gigantescas para concorrer aos produtos em desabastecimento
e agiotagem começaram a macular o suposto sucesso do Plano
158
.
A equipe chefiada por Dílson Funaro, depois de complicado debate em torno da
inviabilidade política do descongelamento pelo cuidado em não frustrar a massa de “fiscais do
Sarney” às vésperas de eleições diretas, optou por um novo pacote para desaquecer o consumo, o
Cruzadinho, que foi tão ineficaz quanto o irmão mais velho. O descontentamento era geral, já que
o desabastecimento provocou constrangimentos de toda ordem, sem contar que os programas de
investimento anunciados pelo governo não saíam do papel. Para atenuar o desabastecimento
recorreu-se às importações, que gerou outro conjunto de constrangimentos, desde fila nos portos
até a defasagem nas receitas de exportação, e que resultou em uma desvalorização do cruzado em
1,8% seguida de minidesvalorizações
159
.
Diante do clima de descontentamento geral foi anunciado o Plano Cruzado II, com o
objetivo de aumentar a receita fiscal e servir de pontapé para a necessidade evidente de
descongelamento de preços. Em conseqüência, o retorno da velha inflação de distribuição a partir
da disparada do gatilho salarial, e mais uma vez os custos de mais um plano econômico
fracassado foi repassado para a classe trabalhadora. Ao Cruzadinho, seguiram-se mais dois
planos de estabilização, o Plano Bresser em junho de 1987, e o Plano Verão em janeiro de 1989.
Ambos com relativo êxito inicial na redução da inflação, porém tão fracassados no manejo e nas
apostas da estabilidade monetária quanto os anteriores.
Acompanhando o retorno da inflação, a lucratividade bancária também continuou a se
apoiar na valorização dos ativos financeiros a partir do float inflacionário. Vale destacar que
durante o breve período de pseudoestabilidade monetária do Plano Cruzado, mesmo com
aumento do nível de empregos, o setor bancário sofreu perdas significativas, com a redução de
158
Singer, contemporaneamente ao lançamento e aos primeiro efeitos do plano, descreve com perspicácia a natureza e limites da
Operação: “A reforma monetária foi desencadeada sob a forma de “choque”, que concentrou enorme soma de poder nas mãos do
Executivo federal. Esta concentração foi consagrada politicamente pela imensa ressonância popular do pacote, que intimidou as
oposições e isolou as vozes críticas. Mas, se o método do choque teve este êxito inegável, ele não está se mostrando adequado
para construir uma nova normalidade econômica, qual seja, uma economia capaz de se desenvolver com pouca inflação. A
ditadura sobre os preços e sobre os rendimentos não está conseguindo operar a redistribuição intersetorial de lucros que se faz
necessária. E o mercado só pode fazê-la mediante recessão ou inflação residual excessiva”. Op.cit., p. 75.
159
BARROS de CASTRO, 2005a, op. cit., p. 128.
87
mais de 100.000 postos em diversos pontos do país
160
. Concomitante às tentativas frustradas de
combate à inflação ocorria o desmonte da esfera produtiva sob o domínio da valorização do
capital financeiro, e o poder de controle dos representantes dos grandes conglomerados foi
ganhando mais espaço
161
.
Seguindo a perspectiva neoliberal de organismos internacionais como Banco Mundial
e FMI, os representantes dos banqueiros acusavam o governo brasileiro de proteger as
instituições financeiras estatais e exigiam a desregulamentação do sistema financeiro nacional a
partir da livre concorrência, já que o apoio financeiro de tais instituições internacionais se
condicionava à efetivação das reformas liberalizantes, que eliminariam os entraves ao livre fluxo
de capitais externos e à especulação.
Tais reformas foram levadas a cabo efetivamente durante a década de 1990, quando a
pressão dos grandes grupos financeiros resultou na implantação das políticas de liberalização
monetária e abertura comercial desenvolvidas pelo Consenso de Washington, que se objetivaram
na desregulamentação trabalhista, privatizações, aumento da concentração de renda, dos níveis de
pobreza e da intensificação do trabalho precarizado. O tão celebrado Plano Real do governo de
Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi o marco de uma adesão competente à internacionalização
dos programas de Washington.
CAP II – Subordinação e reestruturação bancária
O cenário internacional conformava a expansão da mundialização do capital, e já
durante o governo de Fernando Collor, 1990-92, houve um movimento de abertura comercial e
financeira visando a associação subordinada da política monetária nacional ao capital
transnacional, do qual os acordos financeiros internacionais com o FMI, Banco Mundial e Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) foram representações. Porém, esta mundialização do
160
Ibid., p. 126.
161
De acordo com Jinkings, os defensores da desregulamentação do sistema financeiro nacional participaram dos debates pré
Constituição de 1988, criticando os direitos trabalhistas contemplados na nova base jurídico-institucional “considerados onerosos,
assim como o direito de greve, tido como um retrocesso”. JINKINGS, N. Trabalho e resistência na “Fonte Misteriosa”: os
bancários no mundo da eletrônica e do dinheiro. Campinas: Editora da Unicamp, 2002. p. 56.
88
capital não se expandiu de modo universal a todos os países devido a sua natureza excludente
162
.
Os fluxos financeiros internacionais se concentraram nos países centrais e Leste Asiático durante
os anos 1980, e a “escolha” de países como o Brasil para adentrar a mundialização se deu
efetivamente durante a década de 1990.
Os Planos Collor e a liberalização financeira
O início dos anos 1990 foi marcado por hiperinflação, que havia ultrapassado 80% ao
mês
163
, e a eleição de Fernando Collor de Mello, num vôo do mais autêntico “marketing eleitoral”,
que por meio de um discurso liberal radical de combate à inflação e abertura econômica,
aglutinou em sua sustentação política o empresariado e associações sindicais, convertendo-se no
“pai dos descamisados”. A grave crise econômica de hiperinflação pela qual passava o país
garantiu o apoio das elites até o fracasso de seus planos econômicos, Plano Collor I e II, e o
período de escândalos que culminou no processo de impeachment em 1992.
O governo Collor se pautou na legitimidade das urnas para demonstrar seu avesso a
qualquer diálogo com os setores organizados da sociedade e conduziu de maneira autoritária seu
plano de combate à inflação, o Plano Collor I. De maneira geral, foi um plano que rompeu com o
modelo de substituição de importações da década de 1980, reduziu significativamente a
participação do Estado na economia, com abertura comercial e financeira, ao lado de um
processo de privatização.
Logo no início do governo foi lançada uma nova Política Industrial e de Comércio
Exterior (PICE) que abrigava as políticas de abertura econômica e de privatização. No período de
1990-94 foram privatizadas, de acordo com Barros de Castro, 33 empresas federais, sendo nos
162
Cf. Chesnais: “Não é todo o planeta que interessa ao capital, mas somente partes dele [...] Ligar o termo “mundialização” ao
conceito de capital significa dar-se conta de que, graças ao seu fortalecimento e às políticas de liberalização que ganhou de
presente em 1979-81 e cuja imposição foi depois continuamente ampliada, o capital recuperou a possibilidade de voltar a
escolher, em total liberdade, quais os países e camadas sociais que têm interesse para ele”. _. A mundialização do capital. São
Paulo: Xamã, 1996. p. 18.
163
BARROS de CASTRO, L. Privatização, abertura e desindexação: a primeira metade dos anos 90 (1990-1994) In:
GIAMBIAGI, F. [et al.] (org). Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro: Elsevier. p. 141.
89
setores de siderurgia, petroquímica e fertilizantes, alcançando um total de US$ 8,6 bilhões, com
transferência de US$ 3,3 bilhões em dívidas para o setor privado
164
.
O ponto destacado do Plano Collor I foi o bloqueio dos cruzados, que supostamente
seriam utilizados como recursos para a privatização. Todas as aplicações financeiras maiores que
NCr$ 50.000 – US$ 1.200 no câmbio da época – foram bloqueadas por 18 meses. Os recursos
seriam liberados em 12 parcelas a partir de setembro de 1991 a uma correção monetária de 6% ao
ano, e durante os primeiros 180 dias da medida foi permitida a transferência de valores para
quitação de contratos firmados até então
165
. O bloqueio causou instabilidade e severas críticas ao
governo.
Os níveis de inflação que batiam a casa dos 80% ao mês chegaram próximos de 10%
nos meses seguintes ao Plano. Contudo, retomaram a aceleração durante o curso do ano, o que
motivou o lançamento do Plano Collor II, que pretendia manter os níveis em torno de 20% ao
mês. A forma adotada foi a racionalização dos gastos nas administrações públicas e aceleração do
processo de modernização do parque industrial, além da desindexação da economia. Foram
extintos o Bônus do Tesouro Nacional (BTN), que servia como indexador dos impostos, e todos
os fundos de investimento em curto prazo, juntamente com a criação do Fundo de Aplicações
Financeiras (FAF), que teria como índice de correção uma média das taxas do mercado
interbancário, a Taxa Referencial (TR)
166
.
Tal como os fracassados planos anteriores, o Collor II também conseguiu segurar o
aumento dos níveis inflacionários somente no início. Na verdade, Filgueiras chama atenção para
a mudança progressiva do caráter do governo de Collor, simbolizado na apresentação do “Projeto
de Reconstrução Nacional”, quando o espaço para o debate com as camadas organizadas da
população seria supostamente retomado. No entanto, era tarde demais para resistir aos escândalos
políticos que assolaram o fim de seu governo e desembocaram no seu impeachment
167
.
As medidas do governo Collor viabilizaram a liberalização cambial e redução das
restrições ao capital internacional no mercado brasileiro, com o acesso aos recursos externos de
164
Ibid., p. 146.
165
Ibid.
166
Ibid., p. 149.
167
FILGUEIRAS, L. História do Plano Real. São Paulo: Boitempo, 2000.
90
financiamento para as empresas sediadas no Brasil, bem como a diminuição das tarifas sobre
empréstimos em moeda estrangeira. A partir de 1991 houve um surto de investidores
internacionais no mercado de capitais brasileiro, que também foi impulsionado pelos avanços nas
telecomunicações, informática e demais serviços e produtos do mercado financeiro.
Em conseqüência da alta lucratividade acumulada pelos picos de inflação, foram
realizados grandes investimentos em equipamentos e programas de informática e
telecomunicações no setor no início da década de 1990. Segundo a FEBRABAN, foram
investidos US$ 3,8 bilhões em 1993 e mais de US$ 4,1 bilhões em 1994, contra US$ 1 bilhão em
1995 e US$ 1,5 bilhões em 1996, quando o sistema já passava pela reestruturação decorrente do
ajuste econômico promovido com o Plano Real
168
.
A liberalização cambial possibilitou a criação de várias transações financeiras a partir
de um sistema de câmbio dual, autorizando qualquer banco comercial a operar com taxas
flutuantes, inicialmente para transações relativas a viagens internacionais. Em abril de 1991, por
exemplo, foi permitido o uso de cartão de crédito internacional com a Circular nº 1936 do
BACEN, seguidas pela Circular nº 2051 de outubro deste ano, que ampliou as alternativas de
gasto em cartão de crédito internacional, e Circular nº 2326, de maio de 1993, que liberou o
limite para a compra de dólares para turismo entre os países membros do MERCOSUL. A
disponibilidade de divisas ampliou o chamado mecanismo da CC5, que permitiu que não-
residentes (instituição financeira, pessoa jurídica ou física) operassem na compra e venda de
divisas no país. A liberalização também diversificou os Fundos de Investimento no Exterior
169
.
As intervenções liberalizantes do BACEN a partir de 1991 objetivaram garantir a
abertura ao investimento externo, demonstrando eficácia através de uma (des) regulamentação
supervisionada no intuito de acumular reservas e renegociar a dívida externa brasileira. Mesmo
168
Vejam-se FEBRABAN. Balanço social dos bancos. 1994. São Paulo, 1995, _. Balanço social dos bancos. 1995. São Paulo,
1996 e _. Balanço social dos bancos. 1996. São Paulo, 1997.
169
De acordo com Gonçalves, englobando viagens a negócios, despesas com educação e saúde, uso de cartão de crédito
internacional e transferências unilaterais. Neste segmento passaram a ser realizadas operações que eram anteriormente proibidas.
A regulamentação da CC5 deu maior liberdade ao movimento de capitais pela Resolução nº 1946, de julho de 1992, e pela
Circular nº 2242, de outubro deste ano. “A CC5 permite, através de uma conta específica dos bancos, chamada de Depósitos de
Domiciliados no Exterior, que não-residentes abram contas (em moeda nacional) em bancos no país e tenham livre movimentação
dessas contas. Assim, a movimentação da conta corrente pode ser feita para a compra de dólares no segmento de câmbio flutuante
com o propósito de remessa para o exterior”. GONÇALVES, 1996, op. cit., p. 138-139.
91
diante da onda recessiva internacional, o Brasil atuou como receptor de fluxos de capitais,
resultado da diferença entre as taxas de juro doméstica e internacional, e a liberalização
significou maior mobilidade de capitais. Tal conjunto de mudanças tinha como objetivo adaptar o
Brasil à dinâmica financeira internacional, dominada pela valorização do capital-dinheiro.
O fim do governo Collor com a ascensão de Itamar Franco à presidência parecia
ameaçar os projetos neoliberais de abertura comercial e financeira. Seguiram-se sucessivas trocas
de ministros da fazenda até a ocupação do cargo por Fernando Henrique Cardoso, que chefiou a
equipe responsável pelo Plano Real de maio de 1993 a março de 1994. O conseqüente
lançamento da campanha presidencial de FHC acalmou os ânimos da elite conservadora e da
burguesia empresarial, o que ficou claro na aliança político-eleitoral do PSDB com o PFL
170
.
O Plano Real
Este foi o pontapé na viabilização dos programas de “estabilização monetária”
orientado pelo Consenso de Washington, com a desregulamentação do sistema financeiro
nacional, que foi levado a cabo com FHC e o Plano Real, paulatinamente desde 1993,
desarticulando a esfera produtiva do país com os ajustes liberalizantes, privatizações e definitiva
abertura comercial.
A implantação do Plano ocorreu em três etapas: ajuste fiscal, criação de um padrão
monetário estável de intermediação para uma nova unidade contábil, a Unidade Real de Valor
(URV), e finalmente a sistematização das regras para a emissão da nova unidade contábil, o Real.
O Plano foi anunciado em dezembro de 1993, e a instituição da nova moeda em julho de 1994. O
ajuste fiscal, do anúncio do Plano até fevereiro de 1994, era tido como condição fundamental
para as etapas seguintes de estabilização.
O desequilíbrio das contas públicas e seu constante financiamento eram detectados
como a causa principal da inflação e, portanto, novas cobranças de tributos e novas relações entre
170
O sucesso do Plano associado a imagem do então ministro da fazenda foi fundamental para dar base popular à candidatura de
FHC, já que “a inflação em Real estava próxima a zero, a atividade econômica em crescimento, o poder aquisitivo dos salários
mantidos desde a introdução da URV e os segmentos de baixa renda livres do imposto inflacionário e comprando à prestação”.
FILGUEIRAS, 2000, op.cit. p. 91.
92
o orçamento da União com os Estados e Municípios foram instituídas no governo Itamar, com o
Programa de Ação Imediata (PAI), lançado em maio de 1993 pelo ministro FHC. O PAI também
estabeleceu a assinatura de um novo acordo com o FMI para a renegociação da dívida externa e
demais bancos credores.
Além das bases do PAI para o ajuste fiscal, foram tomadas outras medidas nesta
primeira etapa que tinham a finalidade de aumentar as receitas por meio do aumento das alíquotas
dos impostos federais em 5% e corte de 40% nas despesas correntes através da diminuição das
transferências constitucionais da União para os Estados e Municípios. Também foi criado o
Fundo Social de Emergência (FSE), supostamente para atenuar os efeitos do ajuste com os custos
dos programas sociais. Contudo, a destinação posterior de seus recursos para outras finalidades
caracterizou o fundo como mais um dispositivo na captação de receitas para a União e o custo da
estabilização repassado à classe trabalhadora de menor renda
171
.
Após o dispositivo da chamada “âncora fiscal”, constatou-se que o suposto novo
regime fiscal se constituiu de fato num discurso de reversão da inflação e de busca de
credibilidade para a nova moeda que viria a ser criada, uma vez que as demais tentativas
posteriores de realização do ajuste fiscal fracassaram em virtude das elevadas taxas de juros
determinadas pela política monetária. Porém, ao contrário do que se previa, a falta de eficácia do
ajuste fiscal não implicou no retorno da inflação. Até a desvalorização da moeda em 1999 os
níveis foram continuamente reduzidos
172
.
Partindo-se do diagnóstico do caráter fiscalista da inflação, a segunda etapa se iniciou
em março de 1994 e buscou a eliminação do componente inercial da inflação, daí a criação da
URV como unidade de intermediação entre a antiga e a nova moeda ser utilizada para “zerar a
memória do sistema” ao invés do congelamento de preços. A segunda etapa funcionou como uma
“ancora cambial”, onde a URV foi um superindexador pautado em três outros índices – o IGP-M
da FGV, o IPCA do IBGE e o IPC da FIPE/USP.
Filgueiras comenta que a criação da URV, amarrada ao dólar, suavizou a transição
para a nova moeda, já que enquanto unidade contábil o Real já existia, possibilitando “a
171
Ibid., p.102.
172
Ibid.
93
passagem, paulatina, de todos os preços e salários de Cruzeiro Real para URV, de modo
espontâneo e/ou induzido através da fixação mediata dos preços, tarifas e contratos públicos em
URV”. A URV valia então CR$ 2.750,00, cuja conversão foi realizada na proporção de 1URV
para R$ 1,00 na terceira etapa, juntamente com a fixação de uma taxa de câmbio, pelo BACEN,
de US$ 1 para R$ 1,00, já que não houve uma conversão direta do Real para o dólar
173
.
A transição da segunda para terceira etapa do Plano pode ser sintetizada na abertura
da economia com a retirada do Imposto de Importações, desregulamentação e liberalização
financeiras, apoiadas em atraentes taxas de juros superiores as do mercado internacional, para a
entrada de capitais estrangeiros em nome da “livre iniciativa”. Na realidade, a lógica do Plano se
pautou nestes fluxos de capitais para a manutenção da estabilidade monetária e financiamento da
dívida, cuja vulnerabilidade se tornou evidente com as crises do México entre 1994-95, a dos
países asiáticos em 1997, e a da Rússia em 1998, mesmo com a utilização de freqüentes
aumentos nas taxas de juros para atenuar os efeitos de contágio das crises e acalmar os ânimos do
mercado financeiro.
O período de 1994-98 foi marcado por reformas econômicas, administrativas e
privatizações. Em relação às de ordem econômica, foram aprovadas as medidas de abertura
econômica, com a quebra do monopólio estatal nos setores de petróleo, telecomunicações e
energia, todas em nome da livre concorrência e igualdade de condições entre as empresas
nacionais e estrangeiras. No que diz respeito às de ordem administrativa, a separação entre as
funções ditas de Estado e as restantes, inaugurando um período de terceirização nas diversas
áreas sociais, que passaram da responsabilidade estatal para a privada. Com relação às
privatizações, o Programa Nacional de Desestatização (PND) do governo Collor já as havia
iniciado cabendo ao governo FHC expandi-las para os setores produtivos, incluindo-se aí a
privatização da Companhia Vale do Rio Doce.
173
Ibid., p. 105
94
Crise e reestruturação bancária
As medidas de ajuste monetário do Plano Real desencadearam uma dinâmica de
reorganização do setor financeiro brasileiro, já que o controle da inflação e a entrada dos grupos
financeiros internacionais mudaram as estratégias de rentabilidade das instituições bancárias. No
período de hiperinflação os lucros bancários estavam ancorados na valorização dos ativos
financeiros, o que prejudicou relativamente a receita dos bancos nos primórdios do Plano Real. O
processo de ajuste não foi imediato e aconteceu durante os primeiros 15 meses do Plano nos
maiores bancos, já que após vários fracassos de planos de estabilização da inflação muitos bancos
adiaram as mudanças de suas estruturas apostando no fracasso de mais um.
A perda da receita inflacionária prejudicou relativamente a rentabilidade dos bancos
porque a redução dos lucros inflacionários não impactou em uma queda abrupta da rentabilidade
do setor, que foi compensada pela intensificação do trabalho, aumento da produtividade e
substituição da receita inflacionária pela receita de serviços e tarifas bancárias
174
. Em 1994 a
rentabilidade dos nove maiores bancos privados nacionais alcançou 12,7%, contra os 13,2% de
1993, segundo dados do DIEESE
175
. Nos anos seguintes, como pode ser observado na tabela
abaixo, os índices de rentabilidade dos bancos brasileiros se mantiveram numa média de 13% até
1998, elevando-se para 23% em 1999 em virtude dos ganhos com a desvalorização cambial do
período.
Rentabilidade média (lucro líquido/pat. líquido) dos bancos brasileiros em %
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
32,9 9,1 9,5 14,9 16,8 12,9 13,0 12,2 13,1 23,0
Fonte: Andima/IBGE: Sistema Financeiro – Uma análise a partir das Contas Nacionais 1990-1999. (Apud
CORAZZA, op. cit., p. 5.)
De qualquer forma, houve perda da receita inflacionária, que entre 1990 e 1993 estava
em torno de 4% do PIB e passou para 2% em 1994 e 0,1% em 1995, bem como o total das
receitas inflacionárias sobre a produção imputada, que de acordo com a tabela a seguir, era de
174
Segundo Corazza, a receita de serviços e tarifas praticamente duplicou a de ganhos inflacionários nos anos seguintes ao Plano,
passando de 8% em 1990 para 10,5% em 1993 e para 21,5% em 1995. CORAZZA, G. (2000) Crise e reestruturação bancária no
Brasil. Disponível em www.ufrgs.br/ppge/pcientifica/2000.pdf . Acesso em 15/08/2006. p. 5.
175
DIEESE. Estudos setoriais, nº6. São Paulo, set, 1995.
95
87,3% em 1993 e passou para 1,6% em 1995
176
. A título de comparação com o período
inflacionário, o setor financeiro brasileiro chegou a representar 14% do PIB no auge dos anos
1980
177
.
Receita Inflacionária como % do PIB e do valor da produção imputada
1990 1991 1992 1993 1994 1995
Receita Inflacionária/PIB 4,0 3,8 4,0 4,3 2,0 0,1
Receita Inflacionária/Valor Produção
Imputada
70,0 81,2 86,8 87,3 49,5 1,6
Fonte: Andima/IBGE: Sistema Financeiro – Uma análise a partir das Contas Nacionais 1990-1995. (Apud CORAZZA,
op. cit., p. 4.)
Devido à modificação do mecanismo de rentabilidade dos bancos, o Banco Central
encampou a reestruturação do sistema financeiro do Brasil classificando-a em três momentos,
segundo Segnini. O primeiro referente às medidas relativas ao número de empresas, englobando
falências, fusões, incorporações e privatizações, e nesta modalidade considerou os ajustes de dois
tipos, os não-voluntários (referindo-se aos 40 bancos que sofreram intervenção do BACEN,
incluindo os bancos Econômico, Bamerindus e Nacional) e voluntários (ocorridos,
principalmente, no segmento de bancos médios e a partir de iniciativas de fusões, aquisições e
incorporações dos próprios bancos)
178
.
Como muitas carteiras de crédito foram atingidas e altos índices de inadimplência
foram verificados como manifestação das crises financeira e bancária, juntamente com a gestão
fraudulenta de instituições, o poder de fiscalização do Banco Central foi questionado. As crises
dos três grandes bancos privados do país, Econômico, Bamerindus e Nacional, anunciadas entre
agosto e novembro de 1995, também compuseram o cenário de descrédito e tensão entre as
frações de classe burguesas.
Diante da ameaça de uma crise sistêmica e dos rumores da “crise de confiança” no
sistema financeiro, o BACEN tomou algumas medidas, como a liquidação de 34 instituições
176
CORAZZA, op. cit., p. 4.
177
LARANJEIRA, S. M. G. Reestruturação do setor bancário: a realidade dos anos 90. Revista Educação e sociedade, ano
XVIII, nº 61, dezembro/ 1997. p. 112.
178
SEGNINI, L. Reestruturação nos Bancos no Brasil: desemprego, subcontratação e intensificação do trabalho. Revista
Educação e sociedade, ano XX, nº 67, agosto/1999. p. 186.
96
bancárias e a implantação de programas de saneamento do sistema financeiro e bancário, como o
Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional
(PROER) em novembro de 1995, a partir da Resolução nº 2.208 do Conselho Monetário
Nacional e da Medida Provisória nº 1.1179
179
. Coube ao Banco Central absorver as dívidas dos
bancos liquidados, sobretudo do Econômico, Bamerindus e Nacional. Na seqüência, começaram
os processos de intervenção nos bancos estatais, destinados a “preparar o terreno” para a
privatização.
Num segundo momento, o BACEN apontou os ajustes relativos à ampliação das
carteiras de clientes, incentivando as estratégias de composição de produtos e tarifas, com o
objetivo de aumentar a receita de serviços bancários. Finalmente, em 1996, foram ressaltados
alguns ajustes burocráticos no aparato de regulação que aumentava o poder de intervenção do
Banco Central na administração dos bancos, como o sistema de garantia de créditos, quando para
a abertura de um banco passava a ser exigido 32% dos ativos, e para os já existentes 8%
180
.
Em meio aos ajustes “voluntários”, vale destacar as observações de Minella sobre a
articulação entre os interesses da burguesia financeira e a política monetária nacional, evidente
nas medidas de preservação da lucratividade do setor, como mecanismos de socorro ao sistema e
de subsídios para fusão e incorporação de bancos; desregulamentação do sistema financeiro;
manutenção de altas taxas de juros; liberação de tarifas bancárias; redução da carga tributária
sobre os bancos; fundos de investimento com alta rentabilidade, dentre outras
181
. Tais medidas
garantiram a rentabilidade do setor no novo cenário de estabilização monetária e as instituições
financeiras expandiram suas fontes de rentabilidade, ancoradas agora nas altas taxas de juros e na
criação das tarifas bancárias para a prestação dos serviços.
Mais uma evidência da articulação dos interesses do capital financeiro foram as
políticas estatais desencadeadas a partir da crise do México em fins de 1994-95. A instabilidade
179
O PROER, segundo Jinkings, “criava linhas de crédito, benefícios fiscais, além de subsídios e incentivos, disponibilizando
recursos para a fusão ou incorporação de instituições financeiras insolventes, beneficiando grandes instituições financeiras
privadas”. Op. cit. p. 72. Minella também ressalta que até 1997 o PROER custou mais de 20 milhões de reais aos cofres públicos,
o equivalente ao orçamento para a saúde e quase o dobro do destinado à educação naquele ano. MINELLA, A. Banqueiros:
organização e poder político no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo/ ANPOCS, 1998.
180
SEGNINI, op. cit. p. 187.
181
MINELLA, 1998, op. cit.
97
provocada pela crise reduziu os fluxos de capital externo para a América Latina, e para “salvar” o
Plano Real, que estava alicerçado exatamente nestes fluxos, lançou-se um plano de contenção
monetária que foi implantado a partir da absorção de capital estrangeiro na sobrevalorização
cambial, que Singer chamou de “política monetária de anticrescimento”, com restrição ao
crédito e elevação da taxa de juros, queda da atividade produtiva e emprego, e a evidência da
vulnerabilidade da economia brasileira ao movimento de capitais
182
.
O resultado da crise financeira e bancária foi uma drástica redução do número de
instituições, concentração e internacionalização do setor. Houve redução dos bancos públicos
estaduais e o aumento dos bancos privados nacionais no período de 1994-1998, juntamente ao
aumento dos bancos estrangeiros, além de oscilação na participação sobre o patrimônio geral do
sistema, conforme dados das tabelas a seguir.
Número de bancos brasileiros por categorias selecionadas
Tipos de instituição Dez/88 Jun/94 Dez/98
Total Bancos Públicos: 43 40 30
Bancos Federais 6 6 6
Bancos Estaduais 37 34 24
Bancos Privados Nacionais 44 147 106
Total Bancos Estrangeiros: 40 69 75
Filiais bancos estrangeiros 18 19 16
Bancos com controle estrangeiro 7 19 36
Bancos com participação estrangeira 5 31 23
Bancos de Investimentos 49 17 22
Total do Sistema Bancário Nacional 166 273 233
Fonte: Banco Central – COSIF – DEORF/COPEC em www.bcb.gov.br. (Apud CORAZZA, op. cit., p.9.)
Os bancos privados nacionais e a Caixa Econômica Federal (CEF) conseguiram
manter uma estabilidade no período de 1993-1999, enquanto que os demais bancos públicos
tiveram queda, com destaque para o Banco do Brasil, que em 1993 detinha 24,93% do patrimônio
e em 1999 apenas 10,13%. Já os bancos com controle estrangeiro aumentaram sua participação
de 7,28% em 1993 para 25,91% no fim do período.
182
SINGER, P. A raiz do desastre social: a política econômica de FHC. In: LESBAUPIN, I (org) O desmonte da nação: balanço
do governo FHC. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 34.
98
Participação em % das instituições financeiras no patrimônio do sistema
Instituição 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Jun/1999
Bancos com
controle
estrangeiro
7,28 9,57 13,08 10,29 14,29 21,86 25,91
Bancos privados
nacionais
48,23 55,63 49,21 55,32 51,82 49,75 45,71
Bancos públicos 15,02 11,06 12,41 12,40 11,49 11,35 11,26
CEF 4,04 5,27 12,04 8,85 9,09 5,42 5,30
BB 24,93 17,76 11,82 11,87 11,76 10,03 10,13
Cooperativas de
crédito
0,50 0,71 1,44 1,27 1,55 1,59 1,69
Fonte: Banco Central – COSIF – DEORF/COPEC em www.bcb.gov.br. (Apud CORAZZA, op. cit., p.9.)
Em 1996 o Brasil possuía o maior e mais complexo sistema financeiro da América
Latina, compondo-se de 234 bancos, 16.484 agências e perto de 9.229 postos de atendimento
alternativos. Com relação à força de trabalho, o número de funcionários totalizava 497.109
funcionários em dezembro de 1996 dos 821.424 em 1989. Só entre o período de julho a
dezembro de 1996 foram reduzidos 147.833 postos no setor
183
. O aumento do “parque bancário”
foi possível graças à reestruturação organizacional do sistema bancário, que a partir dos aportes
investidos em informatização possibilitou a redução da força de trabalho e o foco na parte
comercial com a venda dos novos produtos e serviços bancários.
O segundo governo FHC e a subordinação plena
No segundo governo FHC, de 1998-2002, foram negociados novamente acordos com
o FMI devido ao esgotamento dos dispositivos de financiamento da dívida brasileira, que
pautados no fluxo de capital externo deram claros sinais de desgaste durante as crises mexicana,
asiática e russa, com a fuga de capitais temerosos de uma desvalorização cambial, que se tornou
183
FEBRABAN, 1997, op. cit.
99
inevitável em janeiro de 1999. A desvalorização ocorreu com uma variação de R$ 1,20 para R$
2,00 em menos de 45 dias
184
.
O resgate da “estabilidade” ao mesmo tempo em que manteve os níveis de inflação
sob controle, desencadeou um ciclo de acumulação pautado nas altas taxas de juros, que
favoreceu o enriquecimento privado em detrimento de um desequilíbrio progressivo das contas
públicas. Para solucionar os déficits se recorreu mais uma vez ao endividamento e ao
investimento externo, já que o contexto internacional mantinha o excesso de liquidez. No entanto,
os limites se manifestaram no efeito bola de neve, uma vez que o excesso de liquidez não garante
a solvência diante de um modelo de crescimento com capacidade produtiva e de exportação
estagnado.
De acordo com Filgueiras, o nível de atividade da economia brasileira pode ser
classificado em quatro fases de 1994-99: expansiva, no período de julho de 1994 a março de
1995; recessivo-estagnacionista, de abril de 1995 a março de 1996; retomada do crescimento,
entre abril de 1996 e junho de 1997; e novamente a recessivo-estagnacionista, de julho de 1997
até junho de 1999
185
. Até o fim do governo FHC se pode afirmar que o país caminhou para um
aprofundamento de sua inserção subordinada na mundialização financeira, sem contar que
politicamente também se tornou evidente o comprometimento do governo com a burguesia
“nacional” e internacional.
O Plano Real foi acompanhado de um processo de internacionalização das instituições
financeiras, em que os conglomerados transnacionais aumentaram significativamente sua
participação no mercado financeiro brasileiro
186
. Em 1992 os bancos com controle estrangeiro
184
O Fundo liberou, conforme Giambiagi, US$ 42 bilhões, mediante um acordo que nuclearmente contemplava um rigoroso
ajuste fiscal que viabilizasse um superávit primário de 2,6% do PIB em 1999, 2,8% em 2000 e 3% em 2001. GIAMBIAGI, F.
(2005) Estabilização, reformas e desequilíbrios macroeconômicos. In: GIAMBIAGI, F. [et al.] (org). Economia Brasileira
Contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 177. Obviamente, a liberação dos recursos do Fundo consistiu
mais numa medida de prevenção à crise brasileira que se anunciava no bojo da tendência, cada vez mais evidente, de uma crise
financeira mundial, do que numa parceria para o desenvolvimento como querem crer, ou fazer crer, os representantes da
“democracia” neoliberal.
185
FILGUEIRAS, 2000, op.cit., p.118.
186
Cf. Jinkings “as instituições financeiras externas puderam escolher entre a participação no capital social de bancos privados
nacionais, a aquisição do controle acionário de instituições por meio de processos de privatização ou liquidação, ou ainda, a
instalação (ou expansão) de sucursais e subsidiárias no mercado local”. Op.cit., p.64.
100
detinham 6,9% do total de ativos do sistema financeiro nacional
187
, e em 2000 27,4%, ao passo
que os bancos estaduais detinham 52,7% em 1992 e 36,5% em 2000, segundo pesquisa do
DIEESE
188
. Houve a concentração e centralização de capital no setor, já que o número de
instituições bancárias, segundo dados da FEBRABAN, passou de 245 em 1994 para 194 em
1999, na mesma medida em que o número de agências diminuiu de 18.199 para 16.158 no
mesmo período. Ainda segundo a pesquisa, dos 194 bancos em 1999, 15 eram estrangeiros, 52
eram privados nacionais com controle estrangeiro e 12 nacionais com participação estrangeira
189
.
A liberalização financeira, na ótica de organismos como a Organização Mundial do
Comércio (OMC), no discurso dos representantes do governo bem como da intelectualidade
comprometida com os gestores do capital financeiro, deveria ser incentivada para permitir
benefícios promovidos com a intensificação da concorrência, que melhoraria a qualidade dos
serviços, baixaria seus custos e ampliaria a oferta de créditos à população. No entanto, tais
benefícios dependem de condições e fatores que nunca são mencionados e tampouco garantidos
pelos porta-vozes da internacionalização.
Mettenheim, contrariamente ao que esta pesquisa propõe através de análise de dados,
afirma que os maiores bancos de crédito do país são federais, BB, CEF e BNDES, os
commanding heights, sendo assim, o processo de liberalização e privatização do setor não
desembocou em concentração e internacionalização bancárias, mas simplesmente em uma nova
divisão do trabalho financeiro que ainda está em adaptação desde a década de 1990
190
.
Na verdade, o acesso ao crédito para as pequenas e médias empresas continua sendo
dificultado pela burocratização das análises de crédito e os interesses dos grupos estrangeiros
187
Segundo Corazza, “considera-se banco estrangeiro uma filial de banco sediado no exterior. Um banco com controle estrangeiro
é aquele em que mais de 50% de seu capital votante é de propriedade de estrangeiros. Já o banco com participação estrangeira é
aquele em que de 10 a 40% de seu capital votante pertence a estrangeiros”. Op. cit., p. 15.
188
DIEESE, 2001, op. cit.
189
FEBRABAN. Balanço social dos bancos 1999. São Paulo, 2000.
190
Comparando o sistema financeiro brasileiro com o de outro países europeus, o autor parece acreditar no papel de “inclusão
social” dos conglomerados e na parceria do Estado com o capital financeiro, e escreve: “A importância desses bancos contraria a
idéia de que há uma mudança global em andamento para substituir a alocação governamental de recursos em favor dos mercados.
Em vez de refletir um consenso sobre a necessidade de liberalizar e privatizar, a experiência brasileira envolve uma nova divisão
de trabalho financeiro [...] porém, longe de confirmar a superioridade dos bancos estrangeiros (ou temores semelhantes de
dominação imperialista). A dramática distribuição da renda brasileira sugere a importância de os bancos federais serem agentes da
inclusão social e da socialização política”. METTENHEIM, K. Von Commanding heights: para uma sociologia política dos
bancos federais brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 20, nº 58, junho/ 2005. p. 48-49.
101
raramente coincidem com as necessidades do país, como por exemplo, de geração de empregos e
distribuição de renda. Não houve redução de custos dos serviços e tarifas, pelo contrário, a
concorrência promoveu uma padronização dos serviços e das cobranças. O boom da oferta de
crédito popular parece atuar com o objetivo de incluir também as classes subalternas na
manutenção da “bolha” financeira brasileira e na cobrança de tarifas e serviços.
Vale ressaltar que o fato de os maiores bancos de crédito serem federais não significa
que o setor está comprometido com os interesses nacionais, mas sim que os seus limites estão
cada vez mais estreitos. Nesta ótica, a questão da privatização das instituições financeiras
públicas tem muito mais relação com conflitos políticos que envolvem o BB, CEF ou BNDES do
que somente afirmar que por manter três grandes instituições governamentais o sistema não
evidencia concentração e internacionalização.
O maior exemplo deste processo foi a entrada do grupo espanhol Santander, que em
janeiro de 2000 comprou a ex-instituição bancária federal Meridional, que havia sido privatizada
em 1997 e comprada pelo banco Bozano, juntamente com o maior banco estadual do país em
leilão de privatização realizado em novembro, o Banco do Estado de São Paulo (Banespa).
Curiosa é a conclusão de Mettenheim a respeito, já que o próprio autor acusa a redução da
participação do setor público na concessão de crédito na mesma medida em que nos mostra o
crescimento da concessão pelos bancos privados e estrangeiros, conforme tabela abaixo. A oferta
pública diminuiu de 59% em 1994 para 28% em 2002, enquanto a concessão de crédito pelo setor
privado aumentou de 40% para 70%, acrescendo a parcela dos bancos estrangeiros de 5,2% para
30,6% no período.
Crédito Bancário: Público, doméstico-privado e estrangeiro
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Público 59,3 62,3 58,4 52,6 53,7 48,0 39,6 25,2 28,1
Privado 35,5 32,0 32,9 35,6 31,3 32,0 34,9 42,8 41,3
Estrangeiro 5,2 5,7 8,7 11,8 15,0 20,0 25,5 32,0 30,6
Fonte: Banco Central – 2003 (Apud, METTENHEIM, op. cit. p. 60)
Também os bancos privados nacionais, desfrutando de programas como o PROER,
expandiram seu patrimônio adquirindo diversas instituições bancárias, como os 3 maiores grupos
102
privados nacionais, Bradesco, Itaú e Unibanco. Tais políticas também incluíram programas de
privatizações das instituições estatais, ou federalização para futura privatização. O Programa de
Fortalecimento das Instituições Financeiras Públicas Federais (PROFIF), de junho de 2001, deu
continuidade a este processo de reestruturação financeira
191
.
Em relação aos bancos estatais, são bastante elucidativas as duas tabelas seguintes,
que mostra o impacto da reestruturação sobre as instituições financeiras nacionais e a amplitude
do intenso processo de privatização que o setor sofreu no período de 1997-2000.
Processo de Privatização das Instituições Financeiras Públicas
Mês Ano Instituição Privatizada Instituição Compradora
Junho 1997 Banerj Itaú
Agosto 1997 Credireal BCN
Dezembro 1997 Meridional (federal) Bozano, Simonsen
Setembro 1998 Bemge Itaú
Novembro 1998 Bandepe ABN AMRO
Junho 1999 Baneb Bradesco
Outubro 2000 Banestado Itaú
Novembro 2000 Banespa Santander
Fonte: DIEESE – Linha Bancários (Apud JINKINGS, p. 77)
A crise e a reestruturação bancárias originadas pelo Plano Real conformaram um
sistema bancário concentrado e internacionalizado, e que não conta com a melhoria dos serviços
e redução de custos na mesma proporção. Pelo contrário, o que se percebe é um sistema privado
pautado em padrões de lucros fáceis e que repassa os custos para o trabalhador bancário e para o
cliente-usuário, que também “trabalha de graça” para a instituição financeira quando realiza os
auto-atendimentos.
191
De acordo com Jinkings: “Esvaziando o papel dos bancos federais como instrumentos da política econômica e social do país,
impondo-lhes as mesmas regras de funcionamento dos demais bancos comerciais, direcionando suas estratégias de rentabilidade
aos patamares e à lógica empresarial e de mercado, as medidas implementadas pelo PROFIF tornam cada vez mais dominantes o
capital privado e sua racionalidade no sistema financeiro nacional”. Op. cit., p. 75.
103
Situação dos Bancos Estatais
INSTITUIÇÕES ESTADUAIS
Saneamento com manutenção de controle pelo Estado Banrisul (RS), Nossa Caixa (SP), Banestes (ES), Banese
(SE), Banpará (PA), BRB (DF), Paraiban (PB)
Privatização Privatizadas Banerj (RJ), Credireal e Bemge (MG), Bandepe (PE),
Baneb (BA), Banestado (PR), Banespa (SP)
Federalizadas para futura
privatização
BEG (GO), BEC (CE), BEP (PI), BEA (AM), Besc
(SC), BEM (MA)
Transformação em agência de fomento Banacre (AC), Desenbanco (BA), Bandes (ES), BDMG
(MG), BDRN (RN) Rondopuop (RO), Baner (RR),
Badesc (SC), Caixa Econômica (RS)
Liquidação extrajudicial Produban (AL), Banap (AP), Bemat (MT), Minas Gerais
(MG), parte do Banerj (RJ), Badern (RN), Beron (RO)
INSTITUIÇÕES FEDERAIS
Privatizadas Meridional
Em processo de reestruturação Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da
Amazônia (Basa), Banco do Nordeste Brasileiro (BNB)
Fonte: DIEESE – Linha bancários/ Elaboração Nise Jinkings (apud JINKINGS, 2002, op. cit., p. 76)
É importante salientar o papel fundamental que os bancos nacionais ocupavam no
financiamento da esfera produtiva para vislumbrar os efeitos destrutivos para qualquer
possibilidade de desenvolvimento autônomo e aumento do número de empregos. Desta forma, se
torna evidente a disposição do governo brasileiro em servir aos interesses especulativos do capital
privado sob a égide da financeirização e com a participação de nossa burguesia parasitária ao
lado de nossos intelectuais pela guarda do “credo” neoliberal
192
.
192
Fiori estabelece esta relação com maestria: “As políticas do Tesouro Americano/Fundo Monetário Internacional não poderiam
avançar se não tivessem encontrado esta receptividade nacional. E o cosmopolitismo liberal de nossos intelectuais não teria
viabilidade se não tivesse sido apoiado decididamente por nossas burguesias locais, interessadas apenas na valorização
patrimonial e dolarização da sua riqueza. O que estes intelectuais nunca perceberam é que seu cosmopolitismo, quando praticado
num país periférico como o Brasil, com uma distribuição prévia extremamente perversa da riqueza e da renda, é um
cosmopolitismo de cócoras e só poderia ter como resultado a desintegração definitiva de qualquer idéia de nação [...]”. 2001, op.
cit., p. 26-27.
104
PARTE III – O DISCURSO GERENCIAL NO BANCO DO
BRASIL
CAP I – O trabalho bancário e o Banco do Brasil
Durante a reestruturação bancária uma série de ajustes organizacionais foi necessária
para acompanhar os programas de estabilização, principalmente durante a década de 1990, e
redirecionar os mecanismos de rentabilidade dos bancos. Os ajustes estratégicos visaram
diminuição de custos, o aumento da produtividade e o adestramento do bancário e do cliente ao
novo perfil comercial dos bancos, caracterizado pela concentração do capital privado, pela
informatização dos serviços, “qualificação” da força de trabalho
193
e segmentação do atendimento
ao cliente.
Mudanças organizacionais promoveram a racionalização do processo de trabalho
bancário com a adoção das técnicas de gerenciamento “modernas”, formando um modelo híbrido
de práticas tayloristas-fordistas-toyotistas de organização do trabalho. O controle do processo de
trabalho se fez cada vez mais necessário e assumiu formas de manipulação imperceptíveis
imediatamente, das quais o discurso do empowerment é a mais atual.
A concepção dos novos produtos bancários, a automatização e informatização dos
serviços, os programas de qualificação e a segmentação do atendimento se tornaram as chaves do
193
É preciso salientar a diferença entre conhecimento e qualificação utilitária para o desenvolvimento capitalista. A idéia do
conhecimento enquanto forma de mediação entre o cotidiano imediato e as contradições inerentes à processualidade da vida, de
compreensão da história como uma totalidade de atividades humanas, vem sendo substituída pela idéia da qualificação técnica
utilitária. Os órgãos e instituições capitalistas do “saber” determinam a exigência de “conhecimentos” técnicos configurados sob a
égide da imediaticidade, onde improviso toma a aparência de criatividade e o “assumir riscos” de iniciativa, deturpando o
conhecimento mediatizado. Há uma desvalorização da teoria e do conhecimento racional no sentido clássico e a exaltação da
criatividade e do esvaziamento do conteúdo essencial. O que comumente se caracteriza como “qualificação” também se converte
em uma desqualificação, uma vez que o limite é a superficialidade e a estupidez funcional da educação especializada e
fragmentada, dos quais os tão celebrados MBAs e demais cursos de aperfeiçoamento profissional podem ser citados como
exemplos atuais. No caso dos bancários, a questão será melhor problematizada no decorrer desta parte.
105
que Rodrigues chamou de “ajustes para dentro e ajustes para fora”
194
. Os ajustes para dentro
compreenderam todos os processos de redução de custos operacionais com a implantação de
programas de informática e automatização, e os ajustes para fora foram novas estratégias de
mercado, o desenvolvimento dos novos produtos e serviços bancários, e a mudança do perfil do
cliente.
A tecnologia microeletrônica possibilitou o desenvolvimento da automatização, e o
atendimento tradicional das agências foi adaptado às novas necessidades e focos de rentabilidade.
A lógica da competitividade entre as instituões, viabilizada pela desregulamentação e
liberalização financeiras, mudou o foco das atividades bancárias do administrativo para o
comercial, também chamado de “foco negocial” nos cursos e demais materiais institucionais
consultados.
A organização do trabalho bancário
A primeira reorganização do trabalho bancário atravessou as décadas de 1960 e 1970,
em meio ao processo de reestruturação financeira do país. O controle administrativo foi
centralizado nas matrizes enquanto os demais serviços foram descentralizados para as agências.
Daí a padronização e homogeneização dos procedimentos pelos inúmeros manuais de instrução e
normas internas, com a criação de setores especializados em organização e métodos, inclusive
pelo Banco Central, que em 1967 desenvolveu uma série de normatizações para as atividades
bancárias que refletiram nas condições e organização do trabalho
195
.
A automatização bancária foi promovida com foco na eficiência e rapidez, ao lado do
aumento de mercado e captação de recursos, agilidade no fluxo de informações para a
administração e da redução de custos. No final dos anos 1960 foram criados os Centros de
Processamento de Dados (CPDs), que reorganizou o chamado setor de “retaguarda”. Estes
centros foram responsáveis por desafogar um grande volume de papéis gerados nas operações
194
RODRIGUES, A. O emprego bancário no Brasil e a dinâmica setorial (1990 a 1997). Dissertação (Mestrado), PUC. São
Paulo, 1999.
195
JINKINGS, N. O mister de fazer dinheiro: automatização e subjetividade no trabalho bancário. São Paulo: Boitempo, 1995.
106
realizadas nas agências e reduzir custos operacionais, agilizando os serviços de lançamento de
contas correntes, registros contábeis e outras operações de apoio às agências
196
.
No início dos anos 1980, foi vez da automação do setor de “vanguarda”. O mercado
dos bancos se tornava cada vez mais competitivo e o diferencial era a velocidade das
informações, racionalizando o processo de trabalho no bojo do que se caracterizou como mais um
momento do desenvolvimento tecno-científico
197
. A agilidade no processamento das informações
foi o pilar de sustentação deste momento.
Houve a implantação do sistema on-line, que ligava os terminais locados nas agências
com os CPDs, constituindo a rede on line do banco e informatizando todos os setores. A área de
marketing e campanhas publicitárias, juntamente com a modernização do layout das agências já
começava a cumprir papel estratégico no tratamento da imagem dos bancos como instituições
modernas e eficientes
198
.
A última etapa do processo de automação foi no início dos anos 1990, com o
surgimento dos caixas automáticos, do telemarketing e do home banking. O layout das agências
se transformou num modelo de espaços físicos sinalizados e ambientados para os determinados
segmentos de atendimento ao cliente
199
. A área de auto-atendimento passa a se constituir de um
front lobby, ou seja, separada da agência e planejada especificamente a fim de inibir a entrada de
clientes que não façam parte do segmento alvo e, principalmente, de usuários. No período de
1994-1996 houve um crescimento de mais de 100% na disponibilidade de equipamentos de auto-
atendimento nas agências e também fora delas. Em 1994 havia 25.395 equipamentos no interior
196
Segundo Jinkings , este foi o primeiro passo para a “[...] fragmentação e esvaziamento no conteúdo do trabalho daquele
bancário tradicional, conhecedor de contabilidade e detentor de uma visão mais global do processo de trabalho”. Ibid., p 48.
197
Existe a polêmica se as novas tecnologias, de base microeletrônica, constituem uma 3ª revolução industrial, sendo a 1ª
realizada pela máquina a vapor e a 2ª pela descoberta da eletricidade e do petróleo. Na realidade, cada uma destas descobertas se
constituem em momentos de transformação, representam fases de desenvolvimento da base produtiva da sociabilidade capitalista,
e a mera compartimentalização ou estabelecimento de marcos etapistas contribui para equívocos de análises mecanicistas que
retiram o caráter de permanente revolução produtiva do capital. Conforme já apontava Marx em 1848: “A burguesia não pode
existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, e por conseguinte todas
as relações sociais [...] As relações rígidas e enferrujadas, com suas representações e concepções tradicionais, são dissolvidas, e as
mais recentes tornam-se antiquadas antes que se consolidem”. 1998, Op. cit., p. 11.
198
Filgueiras, L. Reestruturação produtiva e emprego bancário. In: GOMES, A. (org) O Trabalho no século XXI:
considerações para o futuro do trabalho. São Paulo: Anita Garibaldi, 2001.
199
Esta parte abordará como a segmentação do atendimento no Banco do Brasil, por hora vale mencionar que as áreas são
sinalizadas, porém os critérios de segmentação são intencionalmente ocultados, ainda que o cliente mais atento identifique-os sem
muito esforço.
107
das agências e 6.069 nos espaços alternativos às agências, ao passo que em 1996 os números
eram de 57.879 e 10.158, respectivamente
200
.
As mudanças realizadas para as áreas de auto-atendimento também foram
reproduzidas no setor de atendimento telefônico e no meio eletrônico paulatinamente. A
realização de transações por conexão eletrônica direta, home e office banking, o telemarketing e
as atividades de apoio e suporte à instalação dos programas eletrônicos - help desk- cresceram na
segunda metade dos anos 1990, e em 1996 o atendimento viabilizado pela introdução das
transações via microcomputador já atendia a 1,4 milhões de clientes em todo o Brasil
201
.
A tecnologia utilizada com o fim de reduzir custos a partir do auto-atendimento do
cliente não só reduziu postos de trabalho e ampliou os espaços dedicados às atividades
comerciais, como também transformou o perfil do cliente. Na medida em que foram
relativamente forçados a se auto-atenderem, os clientes contribuem também para o aumento dos
lucros e para a acumulação dos bancos, já que passaram a “trabalhar de graça” para a instituição
bancária.
Tais transformações no layout e auto-atendimento possibilitaram o atendimento
segmentado dos clientes no interior das agências. Se o cliente consegue ultrapassar os
funcionários que ficam interpelando-os nas salas de auto-atendimentos para “liberarem” ou não
sua entrada (a triagem), dentro da agência também será direcionado para o “setor responsável” de
acordo com o segmento do qual faça parte. O critério de segmentação vai além do de mercado
(poupança, investimento, depósito, crédito, etc), englobando a renda da clientela.
Como parte dos “ajustes para fora”, este tratamento diferenciado do cliente segundo o
perfil de renda e potencial de consumo para os serviços e produtos bancários permitiu que o
atendimento pessoal se tornasse direcionado para os clientes que de fato possuíssem potencial de
consumo e investimento no banco, o que veio ao encontro da estratégia de desafogar o espaço
dentro das agências para este fim. Aos clientes de baixo potencial eram reservadas as salas de
auto-atendimento, viabilizando o espaço e tempo dos funcionários se direcionassem para as
200
FEBRABAN, 1995 e 1997, op. cit.
201
FEBRABAN, 1997, op. cit.
108
carteiras específicas de seu segmento, para o aumento das “vendas casadas
202
” e controle dos
negócios.
Integrando a segmentação do atendimento também estão o que Grisci e Bessi
chamaram de “gestão da intimidade e do anonimato”
203
. A primeira está relacionada à clientela
de maior poder de consumo, com quem o banco desenvolve os maiores volumes de negócios,
cujo atendimento dispensado deve ser personalizado. Para tal, conhecer o maior número de
informações referentes aos hábitos e intimidades do cliente e ultrapassar a relação profissional,
ou seja, tornar-se “amigo” do cliente, possibilita a venda de produtos específicos e aumenta a
capacidade das “vendas casadas”.
A gestão do anonimato é o gerenciamento dos clientes com médio e baixo poder de
consumo, ou seja, aqueles que utilizam alguns serviços de crédito ou investimento regularmente,
porém em baixo volume financeiro, cujo atendimento dispensado pode ser virtual. Os recursos de
tecnologia permitem que este segmento seja monitorado em número ilimitado sem necessitar do
acesso direto e pessoal no espaço das agências. “Para haver a personalização no atendimento de
alguns, faz-se necessária a despersonalização de outros”
204
.
Vale ressaltar que esta reestruturação do espaço e atendimento nas agências fez
emergir a figura do “bancário-temporário”, funcionário contratado via uma agência de empregos
e locado, geralmente, nas funções de apoio aos clientes nas salas de auto-atendimento ou
arquivos, e que recebem salários menores, sem benefício algum, e são dispensados ao término do
contrato. Nesta mesma lógica, são recrutados estagiários e menores aprendizes por convênio
entre os bancos e centros como o CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola), o que evidencia
a intensificação da precariedade do trabalho e a exploração dos jovens trabalhadores.
A concorrência entre as instituições bancárias se acirrou, e praticamente todas
oferecem os mesmos serviços e cobram valores semelhantes pela sua realização. As atividades e
202
“Venda casada” é quando o cliente procura o banco com um fim específico, quando ele depende do banco, como aumentar o
valor do limite do cheque especial ou requerer crédito. A jogada consiste em “casar” o produto que o cliente necessita com o que
a carteira precisa vender para cumprir a meta daquele período. Por exemplo, o cliente procura crédito para adquirir um carro e é
“sugestionado” a comprar um seguro de automóvel.
203
GRISCI, C.L.I.; BESSI, V.G. Modos de trabalhar e de ser na reestruturação bancária. Revista Sociologia. Porto Alegre. Ano
6, nº 12, jul/dez 2004. p. 185.
204
Ibid.
109
produtos bancários se diversificaram concomitante à mudança de perfil das agências que, além de
segmentar o atendimento ao público passaram a atuar como postos de vendas dos grupos
financeiros. Os produtos bancários são oferecidos no intuito de criar e fortalecer os vínculos de
dependência entre o cliente e o banco, para garantir a fidelização do cliente
205
. O cliente assumiu
papel de destaque, desencadeando todo o processo de trabalho nas agências, na medida em que
atua ao mesmo tempo como fonte de recursos - depósitos à vista e a prazo, poupança, seguros,
letras, taxas, impostos, etc - e como tomador - empréstimos, crédito imobiliário, capital de giro,
tarifas bancárias e compra de produtos
206
.
Este conjunto de ajustes permitiu às instituições enxugar os custos com força de
trabalho e otimizar processos – lean production - reduzindo níveis hierárquicos, implantando
programas de qualidade total, de qualificação, flexibilizando as relações de trabalho e lançando
mão dos trabalhadores terceirizados, além da desvalorização de antigas funções de “retaguarda”
(digitadores, conferentes, etc,), que então foram eliminadas ou passaram a ser realizadas pelo
bancário-vendedor.
A ênfase na multifuncionalidade foi concomitante à implantação dos sistemas
microeletrônicos, o que possibilitou acesso aos mesmos dados por mais de um funcionário
simultaneamente, ao mesmo tempo em que eliminou a redundância que o trabalho seqüencial
gerava em alguns casos
207
. Entretanto, talvez seja mais apropriado caracterizar este aspecto sob a
natureza do trabalho pluriespecializado, ao invés de multifuncional.
205
O termo fidelização é comumente utilizado nos bastidores do ambiente de trabalho bancário, e compõe tema de estratégia
organizacional nos manuais institucionais, uma vez que significa manter o cliente comprometido, ou melhor, “preso” ao banco.
No caso do BB, já no treinamento inicial de posse do novo funcionário, com duração de cinco dias corridos, o material se
constitui de uma apostila intitulada “Excelência Profissional”, onde está contido um capítulo que associa a fidelização do sob três
ângulos, sendo “no âmbito dos valores da organização, a ética no relacionamento com a clientela, no âmbito das políticas de
atendimento a segmentação, e como ferramenta gerencial, ouvir o cliente e valorizar suas reclamações”. BANCO DO BRASIL.
Curso Excelência Profissional. Caderno de aprendizagem “O caminho para encantar o cliente”. Gráfica Banco do Brasil. s/d.
206
ZAMBERLAN, F.; SALERNO, M. Racionalização e Automatização: A organização do Trabalho nos Bancos. In: FLEURY,
A. e VARGAS, N. (org.) Organização do Trabalho. São Paulo: Atlas, 1983.
207
A título de ilustração, vale citar o procedimento de pagamento de cheque ao portador, que significa o saque direto da conta do
cliente para pagamento à pessoa indicada no nominativo. Nas agências do Banco Itaú, por exemplo, o portador pode se dirigir a
qualquer agência da rede para sacar a quantia, uma vez que o sistema on line integra não só a verificação de saldo suficiente para
o pagamento, mas também uma réplica do que é chamado de “cartão de autógrafo” do cliente. O funcionário confere a assinatura
de um cliente de outra agência via sistema on line, identifica o portador e paga ou não o valor do cheque mediante a existência de
saldo. No BB o sistema on line não é tão sofisticado, e o pagamento de um cheque ao portador só pode ser realizado na agência do
cliente titular da conta para que o funcionário confira a assinatura diretamente no cartão de assinatura. Antes da etapa de
110
A administração científica do trabalho no setor bancário adquiriu um sentido
específico em termos de qualificação. Houve uma valorização dos trabalhadores do setor
comercial, que adquiriram status de “qualificados” e cujo desempenho das funções, teoricamente,
necessita de iniciativa e conhecimento do processo todo, enquanto os responsáveis pelos setores
administrativos foram estigmatizados com a “semi-qualificação”, desempenhando as tarefas
especializadas e operacionais.
O estudo indicou algo mais parecido com as observações de Friedmann que
diferenciam trabalho pluriespecializado e trabalho polivalente. Segundo o autor, a
pluriespecialização seria típica do trabalhador semi-especializado, que em virtude da
fragmentação e da variabilidade do mercado converteu-se no utility man, ou seja, o trabalhador
que desenvolve qualificações particulares a fim de substituir outros postos quando houver
necessidade, sem, contudo, gerar um trabalhador polivalente no sentido de uma função que
sintetize todas as qualificações necessárias para o exercício do conjunto do processo
208
.
O resultado desta modernização foi intensificação do trabalho e a alta produtividade
com ênfase no atendimento ao cliente, com maiores áreas físicas reservadas para o atendimento e
criação de postos de trabalho vinculados ao mercado financeiro, com funcionários especializados
no controle e coordenação das atividades de vendas (gerente de negócios, de operações, de
produtos, etc), acirrando a rivalidade já existente entre os trabalhadores “qualificados” e os
“semi-qualificados”, já que os antigos postos das áreas consideradas de “apoio” foram
reorganizados, porém não eliminados totalmente.
As conseqüências de todos estes ajustes organizacionais foram ilustradas pela
observação de um estudo local que enfatizou, primeiramente, a reestruturação organizacional do
Banco em sua totalidade, passando pelos aspectos particulares de tal reestruturação na
organização do trabalho na Instituição, e em seguida, como ela afetou os trabalhadores da agência
automatização do sistema on line dos bancos, um pagamento deste tipo era realizado em três etapas: primeiro o portador era
identificado no atendimento ao cliente, na seqüência o funcionário que o identificou ia verificar nas cadernetas de caixa se havia
saldo suficiente para o pagamento e a respectiva assinatura do cliente, mediante a existência de saldo encaminhava o portador ao
caixa, que no ato do pagamento conferia novamente o saldo existente, a assinatura e depois ainda anotava manualmente quanto
havia sido retirado num esquema de “mais e menos”.
208
Veja-se Cap I, Alternância das tarefas em FRIEDMANN, op. cit. O sentido específico da qualificação no trabalho bancário no
BB será explorado ainda nesta terceira parte do estudo.
111
pesquisada. Para isto, é oportuna uma breve recuperação do contexto histórico no qual emerge o
Banco do Brasil SA.
História do Banco do Brasil SA
Em 1808, quando o Brasil passou a ser a sede da Coroa Portuguesa, foi criado o
Banco do Brasil a partir de um capital de 1.200 ações de um conto de réis cada uma, visando à
subscrição por grandes negociantes e famílias abastadas. Em 1809 D. João buscou apoio junto
aos governadores das Capitanias e em 11 de dezembro do mesmo ano o Banco do Brasil foi
instalado num prédio da antiga Rua Direita, em São Paulo, e iniciou suas atividades. Apesar dos
esforços para atrair acionistas para o BB, somente em 1817 é que se encerrou a oferta pública de
ações do Banco e se completou o capital de 1.200 contos de réis
209
.
O início das atividades do BB teve estreita vinculação com o nascimento do mercado
de ações brasileiro, já que o Banco financiou integralmente a construção da sede da primeira
Bolsa do Rio de Janeiro em 1819. Contudo, os gastos da Corte e seu retorno a Portugal, em 1828,
levando consigo todos os recursos do Banco, ocasionou a primeira crise da Instituição, que
culminou no seu fechamento por “descalabro administrativo e desmandos financeiros durante o
1º Reinado”
210
.
Com o sancionamento de uma Lei de coibição da desordem financeira, no período da
Regência em 1833, foi possível uma nova oferta pública de ações para restabelecer o Banco. No
entanto, ocorreu a falta de concorrência à subscrição de parte do capital estipulado para o novo
estabelecimento emissor. Dessa forma, as atividades foram transferidas para o Banco Comercial
do Rio de Janeiro, fundado em 1838 por François Ignace Ratton
211
.
Em agosto de 1851, Irineu Evangelista de Souza, que viria a se tornar o Barão e
Visconde de Mauá, criou uma nova instituição no Rio de Janeiro denominada Banco do Brasil.
Também houve o lançamento público de ações, desta vez com um capital de 10.000 contos de
réis, valor considerado elevado para a época. Em 1853 ocorreu a fusão do Banco do Brasil de
209
BANCO DO BRASIL (b). Retrato da Empresa. História do BB. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/ri/ret/HistoriaBB.jsp. Acesso em 30/07/2006.
210
Ibid.
211
Ibid.
112
Mauá com o Banco Comercial do Rio de Janeiro por meio de uma determinação legislativa
liderada pelo Visconde de Itaboraí, que é considerado o fundador do BB de hoje
212
.
O novo Banco iniciou suas atividades como banco privado, sem a intervenção do
governo na condução das operações comerciais. A fusão propiciou um aumento de capital de
30.000 contos de réis e também foi responsável pela conversão dos bancos emissores das
províncias em caixas filiais do novo BB. Aproximadamente 53% das ações foram atribuídas aos
acionistas dos bancos que se fundiram e 47% distribuídas ao público na capital e províncias
213
.
Em 1854 a Diretoria do Banco decidiu que para a nomeação dos novos empregados,
“se abrissem concursos para se escolherem os mais idôneos e preencherem-se assim as vagas dos
lugares de escriturários”
214
. Vale destacar desde já a associação dos conceitos e objetivos do
Banco aos símbolos nacionais e valores tradicional e supostamente corretos (ou conservadores)
que caracterizam a formação da sociedade brasileira. Desde aquela época, ser um funcionário do
Banco do Brasil se tornou sinônimo de status e aceitação social, daí o mito de que uma carreira
bem sucedida era apenas uma questão de tempo.
Após um breve período de pluralidade de fontes emissores de moeda, em 1863 o BB
se transformou no único órgão emissor do território nacional, entretanto, sem solucionar o
problema estrutural de insuficiência de reserva disponível para a emissão do volume necessário,
que se tornava cada vez maior para o desenvolvimento econômico da época e pagamento da
dívida externa. Em setembro de 1864 o Governo Imperial decretou a suspensão por 60 dias de
todos os vencimentos, prorrogando-os por igual período
215
.
A partir de 1888 o BB passou a se destacar como instituição de fomento econômico,
principalmente na agricultura, já que as primeiras linhas de crédito foram utilizadas no
recrutamento de imigrantes europeus para as lavouras de café. Por ocasião da Proclamação da
República em 1889, foi autorizado por decreto o funcionamento de uma nova instituição
financeira emissora, o Banco Nacional do Brasil.
Entre 1890 e 1891 foram autorizados por decretos mais dois bancos emissores, o
Banco dos Estados Unidos do Brasil e a fusão deste com o Banco Nacional do Brasil, formando o
212
Ibid.
213
Ibid.
214
Ibid.
215
Ibid.
113
Banco da República dos Estados Unidos do Brasil. Em 1892 foi decretada mais uma fusão, a do
Banco do Brasil com o Banco da República dos Estados Unidos do Brasil, criando o Banco da
República do Brasil
216
.
A terceira e atual fase jurídica do BB se iniciou em 1905, quando um acordo entre os
acionistas privados e o governo permitiu que este passasse a deter 50% do capital da instituição
financeira e a deter também o controle administrativo da instituição. A palavra república
permaneceu no nome do Banco até 1906, quando retornou ao nome original de Banco do Brasil.
Desde então, as ações ordinárias do Banco são transacionadas publicamente nas bolsas de
valores, e cotadas na Bolsa de Valores de São Paulo desde 1921
217
.
Já na década de 1940, o BB inaugurou sua primeira agência no exterior, em Assunção,
Paraguai. Em 1945, quando acompanhou a Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra
Mundial, fundou escritórios em Roma, Nápoles e Pistóia, com o objetivo de pagar a tropa e
transferir os valores para o Brasil, além de atender a embaixada e os consulados brasileiros. A
partir de 1967, o BB passou a atuar com maior impulso no plano internacional, quando agências e
escritórios foram abertos na América Latina e Nova York. Em 1971 o Banco somava 975
agências em território nacional e 14 no exterior
218
.
Foi a partir de 1986 que aconteceram as principais mudanças na história do Banco,
quando o governo extinguiu a chamada Conta Movimento, mantida pelo Banco Central e que
possibilitava ao BB suprimento automático de recursos para as operações financeiras. Em
contrapartida, o BB foi autorizado a atuar em todos os segmentos de mercado. Neste mesmo ano,
o Banco constituiu a BB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários SA, inaugurando o
Conglomerado Banco do Brasil
219
.
Em 1987 passaram a integrar o Conglomerado mais quatro subsidiárias, sendo a BB
Financeira SA, BB Administradora de Cartões de Crédito SA, BB Corretora de Seguros e
Administradora de Bens SA e BB Leasing SA. O primeiro cartão de múltiplo uso do mercado,
216
Ibid.
217
Ibid.
218
Ibid.
219
Ibid.
114
Ourocard, destacou-se dentre os novos produtos e serviços disponibilizados para a clientela em
1988, quando também passou a fazer parte do Conglomerado o BB Banco de Investimento SA
220
.
Com a implantação do Plano Real em 1994 o BB foi responsável pela substituição da
antiga moeda pela nova, e em 1995 a Instituição foi reestruturada para se adaptar “à nova
conjuntura advinda do Plano Real e a conseqüente queda da inflação que afetou todo o sistema
bancário. Para adequar o quadro de pessoal, foi lançado o Programa de Desligamento Voluntário
– PDV. Dentro do PDV, 13.388 funcionários foram desligados no ano”
221
. É importante notar
que esta é a única referência que o material institucional disponibilizado pelo BB publicamente
faz ao ajuste organizacional mencionado, e que foi muito mais complexo e significativo para os
funcionários e para a Instituição do ponto de vista do clima de tensão e intensificação do trabalho
pré e pós demissões.
O Banco fechou 1996 com prejuízo de R$ 7,6 bilhões. Adotou mais medidas
“rigorosas para conter despesas e ampliar receitas”, voltando a apresentar lucro em 1997 de R$
573,8 milhões. “O Banco demonstrou sua capacidade de adaptação às exigências do mercado,
oferecendo novas opções de crédito a grupos segmentados de clientes e produtos modelados de
acordo com a nova realidade econômica”
222
. Começa aqui a etapa de segmentação do atendimento
aos clientes, que também é mais complexa que uma mera racionalização “científica” do trabalho.
Em 1999 o BB se destacou como o primeiro banco brasileiro a oferecer acesso
gratuito à Internet, expandindo os acessos a partir de 2000 com o lançamento do Portal Banco do
Brasil, abrigando sites de investimentos, agronegócios, negócios internacionais, relações com
investidores, notícias, etc, e “consolidando-se como a instituição financeira brasileira com maior
presença na rede mundial”
223
. O Banco Popular do Brasil foi criado em 2003, juntamente com a
BB Administradora de Consórcios SA. Em 2004 o Banco atingiu a marca de 20 milhões de
clientes pessoa física e contabilizou um lucro líquido de R$ 3,024 bilhões, contra R$ 2,4 bilhões
em 2003
224
.
220
Ibid.
221
Ibid.
222
Ibid.
223
Ibid.
224
Ibid.
115
As orientações dos negócios de todas as subsidiárias são fixadas, conforme o Estatuto
do Banco do Brasil S.A., pelo Conselho de Administração, ao qual cabe, entre outras
deliberações, aprovar as políticas, as estratégias corporativas, o plano geral de negócios, o plano
diretor e o orçamento global do Banco; definir as atribuições da Unidade de Auditoria Interna e
regulamentar o seu funcionamento; fixar o número e eleger os membros da Diretoria Executiva;
disciplinar a concessão de licença anual remunerada aos membros da Diretoria Executiva;
acompanhar e fiscalizar a gestão dos membros da Diretoria Executiva; decidir sobre a
participação dos funcionários nos lucros ou resultados do Banco
225
.
Conglomerado
Fonte: Banco do Brasil. Estrutura BB. Conglomerado. Disponível em www.bb.com.br
225
BANCO DO BRASIL (l) Estatuto do Banco do Brasil S.A. Disponível em
http://www.bb.com.br/appbb/portal/ri/ret/EstatutoBB2004.jsp. Acesso em 16/08/2006. p. 1.
116
Composição acionária e estrutura organizacional
“Ser a solução em serviços e intermediação financeira,
atender às expectativas de clientes e acionistas,
fortalecer o compromisso entre os funcionários e a
Empresa e contribuir para o desenvolvimento do País”.
Missão do Banco do Brasil SA
Enquanto sociedade anônima aberta de economia mista, o BB é organizado sob a
forma de banco múltiplo, que segundo seu Estatuto tem por objetivo “a prática de todas as
operações bancárias ativas, passivas e acessórias, a prestação de serviços bancários, de
intermediação e suprimento financeiro sob suas múltiplas formas e o exercício de quaisquer
atividades facultadas às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional”
226
. Possui um
capital formado exclusivamente de ações ordinárias, compreendendo até a data observada um
capital social de R$ 9.864.153.395,17 dividido em 810.617.485 ações ordinárias representadas na
forma escritural e sem valor nominal. [...] O Banco poderá aumentar o seu capital social até o
limite de R$ 30.000.000.000,00, mediante a emissão de ações ordinárias”
227
.
Composição acionária BB (posição em 31.12.2005)
Faixa de ações
possuídas
Nº Acionistas % Acionistas Qtde. Ações % Qtde.
1 a 10 ações 178.841 67,1 639.837 0,1
11 a 50 ações 58.631 22,0 1.325.639 0,2
51 a 100 ações 11.226 4,2 804.567 0,1
101 a 1000 ações 14.792 5,5 4.284.714 0,5
Acima de 1000 ações 3.180 1,2 803.562.728 99,1
Total 266.670 100,0 810.617.485 100,0
Fonte: Banco do Brasil – www.bb.com.br/ Elaborada por Erika Batista
226
Ibid., p. 2.
227
Capital social de nove bilhões, oitocentos e sessenta e quatro milhões, cento e cinqüenta e três mil, trezentos e noventa e cinco
reais e dezessete centavos, podendo chegar a trinta bilhões de reais. Ibid., p. 4.
117
Acionistas %
Tesouro Nacional 72,1
Previ 13,9
BNDESpar 5,7
Free Float 6,9
Pessoas Físicas 2,6
Pessoas Jurídicas 0,9
Capital Estrangeiro 3,4
Subtotal 98,6
Ações em Tesouraria 1,4
Total 100
Fonte: Banco do Brasil – www.bb.com.br/ Elaborada por Erika Batista
Como o Tesouro Nacional detém mais de 70% das ações do BB, o Banco atua na
condição de principal agente financeiro da União, estabelecendo relações singulares com o
governo. Quando da CPI dos Correios, no início de 2006, o BB foi acusado de manter, através da
Visanet, um esquema de desvio de recursos para o chamado Valerioduto. Após a conclusão do
relatório da CPI e das auditorias internas não foram apuradas “oficialmente” irregularidades e o
Banco “superou” a crise política, atingindo lucro record de quase R$ 3,9 bilhões no fim do 1º
semestre deste mesmo ano.
O BB alcançou um lucro líquido semestral 96,4% maior ao exercício de 2005, quando
atingiu a cifra anual de R$ 4,154 bilhões. Dos R$ 3,888 bilhões dos seis primeiros meses de
2006, R$ 1,6 bilhão foi distribuído aos acionistas, cabendo ao Tesouro Nacional a maior parte
dos recursos – R$ 1,1 bilhão. Também completou o primeiro semestre com 23,7 milhões de
clientes, dos quais 22,2 milhões são correntistas pessoas físicas, mais 6 milhões de poupadores
nas cadernetas de poupança e 2,5 milhões de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS)
228
.
O lucro líquido semestral referente aos cinco maiores bancos brasileiros – BB,
Bradesco, Itaú, Unibanco e Santander – cresceu 132,5% desde o início do governo do Partido dos
Trabalhadores (PT) até junho de 2006. O Bradesco anunciou um lucro de R$ 3,132 bilhões,
228
FOLHA DE SÃO PAULO (2006 a). Lucro dos grandes bancos aumentou 132,5% sob Lula. Disponível em
www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u110187.shtml. Acesso em 15/08/2006.
118
expansão de 19,5% sobre o mesmo período de 2005, o Itaú um lucro de R$ 2,958 bilhões,
também crescimento de 19,5% em relação a 2005, o Unibanco lucro de R$ 1,068 bilhão, 25,1%
maior que em 2005, e o Santander fechou o semestre com um lucro de R$ 473 milhões, queda de
53%
229
.
No balanço divulgado ao fim do primeiro semestre de 2006, os ativos do BB
chegaram a R$ 273,8 bilhões, ao lado dos depósitos, que alcançaram R$ 139,9 bilhões. O
patrimônio líquido cresceu 24,6% em relação a junho de 2005, somando R$ 19,178 bilhões em
30 de junho de 2006
230
. A partir dos balanços divulgados pela Instituição, torna-se evidente que o
BB está em linha com os maiores bancos privados do país, contabilizando lucros cada vez mais
significativos e integrando o movimento de financeirização da economia brasileira no processo
de mundialização do capital.
O BB conta com 12.382 pontos de atendimento distribuídos por todo o Brasil, dos
quais 3.155 são agências e 9.227 são postos de atendimento para serviços diversificados. Do total
de agências, 95% possuem salas de auto-atendimento com funcionamento além do expediente
bancário, compreendendo a maior rede de auto-atendimento da América Latina, com mais de
40.000 terminais distribuídos entre cidades do Brasil e exterior (Miami, Nova Iorque e Lisboa)
231
.
No exterior, a rede de atendimento BB compreende 16 Agências, 07 subagências, 09 Unidades de
Negócios e Escritórios e 05 Subsidiárias, distribuídos por 21 países.
229
Idem. (2006 b) Banco do Brasil quase dobra lucro e supera Bradesco e Itaú. Disponível em www1.
folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u110153.shtml. Acesso em 14/08/2006.
230
Idem. (2006a).
231
BANCO DO BRASIL (e) Estrutura BB. Agências BB. Disponível em: http://www.bb.com.br/appbb/portal/red/Agencias1.jsp.
Acesso em 16/08/2006. e _.(f) Estrutura BB. Terminais de AutoAtendimento BB. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/fs/atd2/Terminais.jsp. Acesso em 16/08/2006.
119
Estrutura Organizacional do Banco Comercial
120
Em relação à segmentação do atendimento ao cliente, o Banco também conta com
pontos específicos de atendimento para determinados nichos de negócios, como os Escritórios
Private, que “foram desenhados com estruturas modernas e refinadas, dotadas de ambientes que
propiciam condições ideais para possibilitar um atendimento individualizado e com toda a
discrição que os clientes private valorizam”. No Brasil há 04 Escritórios Private, localizados
todos nas regiões Sudeste e Sul, sendo 01 em São Paulo, 01 no Rio de Janeiro, 01 em Belo
Horizonte e 01 em Porto Alegre
232
. Na mesma perspectiva de atendimento segmentado, há
também os Espaços Estilo, “onde você é atendido em ambientes diferenciados desenvolvidos
para oferecer conforto, segurança e privacidade”. Existem 05 agências Estilo e 50 Espaços Estilo
no Estado de São Paulo
233
.
Vale ressaltar que no material institucional de acesso público consultado não há
referência sobre o que o Banco entende por “cliente private” ou qual o estilo do suposto “cliente
estilo”, e tampouco menção ao critério de segmentação adotado. No entanto, é possível
identificar, ainda que a partir da generalidade das definições, que o mesmo se fundamenta
conforme a renda dos clientes, tema que será tratado de forma mais apurada adiante.
Somente o Estado de São Paulo possui 697 pontos de atendimento, sendo 09 pontos
distribuídos pelo município de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo e
locus da pesquisa empírica, compreendendo as agências Avenida Kennedy, Avenida Taboão,
Bairro Assunção, Empresarial ABC Sul, Largo da Matriz, Paulicéia, Planalto, Rudge Ramos e
agência central São Bernardo do Campo, onde funciona também a Superintendência Regional do
ABC
234
.
232
BANCO DO BRASIL (g) Estrutura BB. Escritórios Private. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/voce/prt2/EscritoriosPrivate.jsp. Acesso em 16/08/2006.
233
BANCO DO BRASIL (h) Estrutura BB. Agencias e Espaços Estilo. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/voce/est/srv/ConhecaAgenEspacosEstilo.jsp. Acesso em 16/08/2006.
234
Idem, BANCO DO BRASIL (e).
121
CAP II - A gestão dos “recursos” humanos no Banco do Brasil
“No relacionamento com seus funcionários e
colaboradores, o Banco visa contribuir para catalisar
os potenciais intelectual, profissional, cultural, ético e
espiritual desse público para que, em sua plenitude,
sejam reaplicados na sociedade”
.
Quem faz o BB
O BB se constitui como um dos principais empregadores do País, com 86.291
funcionários, 10.600 estagiários, 5.488 contratados temporários, além de 4.745 adolescentes
trabalhadores ao fim do primeiro semestre de 2005
235
. A agência observada foi uma agência
classificada em nível 03 e com perfil de negócios para pessoa jurídica
236
. Na ocasião das
entrevistas estavam lotados 18 funcionários concursados, 02 menores aprendizes e 01 estagiário,
dos quais foram entrevistados 16 concursados e mais 03 ex-funcionários desta mesma agência.
Na estrutura organizacional do BB, o DRH está subordinado à vice-presidência de
Gestão de Pessoas e Responsabilidade Sócio-ambiental, que por sua vez se divide entre as
diretorias de Relações com Funcionários e Responsabilidade Sócio-ambiental (na qual se localiza
a Ouvidoria Interna
237
) e Gestão de Pessoas (onde ocorre a padronização do modelo gerencial e se
situa o RH do Banco), ambas funcionando na sede do BB em Brasília/DF. Cada Estado possui
sua Unidade de Gestão de Pessoas (GEPES), e de onde são divulgadas as políticas e demais
ferramentas de RH, bem como os treinamentos, cursos de aperfeiçoamento, vagas disponíveis em
outras unidades, concursos internos, e demais programas destinados aos funcionários do BB.
235
BANCO DO BRASIL. (a) Retrato da Empresa. Quem faz o BB. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/ri/ret/QuemFazBB.jsp. Acesso em 30/07/2006.
236
No BB há uma classificação das agências conforme a rentabilidade que vai de 01 (mais rentável) até 04 (menos rentável). O
valor dos salários para cargos comissionados em nível gerencial estão diretamente atrelados ao nível da agência. Por exemplo, o
salário de um gerente de atendimento numa agência nível 03 gira em torno de R$ 3.900,00 bruto, enquanto o de um gerente de
atendimento numa agência nível 01 fica em torno de R$ 5.500,00 bruto. Para os cargos não gerenciais o salário é o mesmo
independentemente do nível da agência. Informação verbal obtida em caráter informal com funcionário do BB. (dez/2006)
237
A Ouvidoria Interna surgiu em 2003 e funcionava dentro do canal de atendimento às sugestões, reclamações e denúncias do
RH. Em 2005 foi reinaugurada, desta vez responsável exclusivamente pelas reclamações e denúncias dos funcionários e
subordinada à vice-presidência de Gestão de Pessoas e Responsabilidade Sócio-ambiental. Contudo, um dos entrevistados do
Grupo 02, informa sobre a Ouvidoria: “Tem a Ouvidoria Interna para você denunciar os abusos. Mas ela vai direto em você
porque se você denuncia o seu superior eles vão tentar resolver o caso falando para o seu gerente o que você falou dele e tentar
um acordo assim. Daí quem é que vai ter coragem? Aí não funciona. Não é anônimo. Então não tem como você contar com ela.”
Já a Ouvidoria BB, que é a ouvidoria externa, acolhe as denúncias, sugestões, reclamações e elogios dos clientes, e se subordina à
Diretoria de Marketing e Comunicação. BANCO DO BRASIL. De ouvidos bem abertos. Revista BB.com.você. Ano 5, nº 32,
Mai/ Jun, 2005.
122
Vale destacar que as Unidades de GEPES somente divulgam as políticas e programas
que são concebidos pela Diretoria em Brasília, ou seja, cabe às unidades apenas operacionalizar o
modelo de gestão adotado, o que já identifica a velha separação entre concepção e execução do
trabalho típica da organização taylorista-fordista.
No material institucional referente aos “recursos” humanos do BB, é possível
constatar a preocupação do Banco em evidenciar o “cuidado” da Organização para com os
funcionários e os benefícios oferecidos a estes, bem como o fortalecimento dos laços
estabelecidos com os valores de “civilidade, honestidade e responsabilidade” para com a
sociedade, cooptando até a “alma” do trabalhador BB, que além de sua função específica também
deve assumir a de bem-feitor e exemplo para a sociedade, como pode ser observado na
mensagem inicial deste tópico que abre a seção intitulada “Quem faz o BB” no material acessado.
Esta associação permite duas observações de antemão: primeira, ademais de todo o
foco na reconfiguração do Banco para desvinculá-lo de sua imagem de patriarca da Nação e de
seus funcionários (como será apontado adiante) e viabilizar sua reestruturação, o BB continua
conectando sua imagem à dos funcionários como “benfeitores da Nação”, e mais recentemente, à
dos clientes (“BB todo seu
238
”); e, segunda, que esta é uma característica que evidencia a
contradição com o modelo de gestão, já que objetivamente o que ocorre é um descompromisso do
Banco, tanto com o funcionário (que agora é o “responsável” pelo seu emprego), como com o
cliente (que também é “responsável” pelo seu atendimento).
O “pacote” de benefícios e o fetiche da qualificação
Um dos maiores mecanismos da Instituição utilizados para a “retenção de talentos” e
como atrativo na convocação de novos funcionários é o pacote de benefícios, que engloba Plano
Médico, Previdência Privada, Auxílio Alimentação, Auxílio Creche e Babá, Participação nos
Lucros e Rendimentos (PLR), dentre outros. Tanto os funcionários do Grupo 01 quanto do Grupo
02 salientam o pacote de benefícios do BB como elemento “compensador” de outras políticas
insatisfatórias da Instituição, como pode ser observado pelo comentário de um entrevistado que
trabalho no Banco desde 1979, e de outro que atua desde o concurso de 2002, respectivamente:
238
Campanha publicitária 2007.
123
O BB tem coisas ruins de ascensão, mas por outro lado Ele garante os benefícios
de plano médico, do auxílio refeição, que são excelentes para a minha família. A
minha casa eu também comprei pela Previ, com empréstimo para associado.
Sem contar que eu ainda estou com a aposentadoria garantida, só não saio do
Banco porque estou esperando o Plano de Cargos e Salários, e se eu sair agora
eu perco. Já está há um tempão no papel, mas Eles disseram que no ano que vem
sai.
É difícil eu falar “que legal, eu adoro trabalhar no Banco”, aliás, eu não sei se
você vai ouvir de alguém aqui “nossa, eu nasci para trabalhar no Banco do
Brasil, desde que eu nasci eu sonhei em ser bancário”. Não. É um serviço
rotineiro, um serviço chato... mas também eu acho que todo serviço é assim,
mesmo aquele que você mais ama, tem uma hora que você não agüenta mais
fazer. [...] Aí o Banco oferece mais garantias, porque querendo ou não você tem
certos benefícios que te garantem uma certa qualidade de vida.
O Plano de Saúde Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI)
tem uma das maiores redes de profissionais credenciados e no primeiro semestre de 2005 recebeu
de contribuição patronal R$ 63,6 milhões
239
, sem contar as contribuições dos funcionários, que
não é mencionada no documento acessado, mas que consiste de 3% do salário de cada
trabalhador concursado
240
. A CASSI atravessa uma crise financeira e administrativa desde 2006,
que segundo boletim informativo não tem avançado na solução dos problemas
241
.
O Auxílio Alimentação também compõe a cesta de benefícios do BB, atingindo a
média de R$ 570,00 por mês e entregue aos funcionários na forma de cartão magnético VisaVale,
que pode ser dividido entre Vale Alimentação e Vale Refeição e é aceito em vasta rede de
estabelecimentos credenciados. No mesmo semestre de 2005 a Organização destinou R$ 263,3
milhões para este benefício.
Há ainda a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI),
maior fundo de pensão da América Latina, onde o Banco contribuiu com R$ 240,1 milhões no
primeiro semestre de 2005, e que até o fim do semestre contava com 134.254 associados, sendo
239
BANCO DO BRASIL. (a) Retrato da Empresa. Quem faz o BB. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/ri/ret/QuemFazBB.jsp. Acesso em 30/07/2006.
240
Informação verbal obtida em caráter informal com funcionário da agência pesquisada em dezembro de 2006.
241
Segundo o boletim eletrônico, os principais pontos do impasse entre as propostas da Contraf-CUT, dos eleitos da CASSI e do
BB para a resolução da crise da CASSI são: aporte financeiro, co-participação em exames, contribuições sobre abono e 13º
salário, funcionários pós-98, dependentes indiretos e disposição das eleições. O ESPELHO FAX. CASSI: Entenda o porquê do
impasse nas negociações. Informativo da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil, nº 269/ set/ 06.
124
78.658 ativos e 55.596 aposentados
242
. O funcionário pode optar com uma porcentagem salarial
de contribuição que deve ser de no mínimo 9% e o Banco participa com o mesmo valor
243
. Ao
contrário da CASSI, a PREVI atingiu superávit de R$ 9,1 bilhões em 2005, que permitiu um
acúmulo de R$ 18,9 bilhões, marca histórica para a entidade, uma vez que até 2002 acumulava
um déficit de R$ 3 bilhões
244
.
Comprometido com a “capacitação e qualificação” do seu quadro de funcionários, o
BB investiu R$ 13,4 milhões entre 1.250 bolsas de graduação, 218 de pós-graduação e 206 bolsas
de língua estrangeira no primeiro semestre de 2005. Ao fim do período 38.599 funcionários
possuíam curso de nível superior e 9.603 de especialização, mestrado ou doutorado, ou seja,
quase a metade do corpo dos funcionários possuía, até o período, nível superior de
escolaridade
245
. Também foram concedidas mais de 4.000 bolsas de estudo para cursos de pós-
graduação a distância pela Universidade Corporativa Banco do Brasil (Unibb) até o fim de
2005
246
.
Também há o aperfeiçoamento técnico, com metas de horas/curso por funcionário
“com impacto direto na pontuação que define a participação nos lucros da Empresa”. Em 2005 o
BB havia estipulado a meta individual de 30 horas mínimas de treinamento técnico, e ao fim do
primeiro semestre 60,1% dos funcionários a haviam cumprido
247
. Apesar de alguns estudos sobre
o trabalho bancário abordarem a questão da qualificação em termos de crescimento dos
investimentos e do número de cursos e treinamentos oferecidos e realizados pelas instituições
bancárias e pelos sindicatos da categoria
248
, o tema deve ser observado mais de perto no BB, já
que outras variáveis foram reveladas.
242
BANCO DO BRASIL. (a) Retrato da Empresa. Quem faz o BB. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/ri/ret/QuemFazBB.jsp. Acesso em 30/07/2006.
243
Informação verbal obtida em caráter informal com funcionário da agência pesquisada em dezembro de 2006.
244
A discussão que se desenrola desde março de 2006, quando foi anunciado o superávit histórico, é a respeito de como o
montante será utilizado para a melhoria dos benefícios dos associados da Previ. Ainda não houve acordo entre os conselheiros da
entidade, BB e Comissão de Empresa dos funcionários do BB. O ESPELHO FAX. PREVI: superávit deve melhorar benefícios.
Informativo da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil, nº 260/ mar/ 06 e _. CASSI e PREVI: avanços só com
pressão. n º 276/ nov/ 06.
245
BANCO DO BRASIL. (a) Retrato da Empresa. Quem faz o BB. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/ri/ret/QuemFazBB.jsp. Acesso em 30/07/2006.
246
BANCO DO BRASIL. Caminhos para crescer. Revista BB.com.você. Ano 5, nº 36, Jan/Fev 2006. p. 28.
247
Ibid.
248
Estudos como o de LARANJEIRAS, op. cit., indicam o aumento do número de programas de qualificação e do investimento
em aperfeiçoamento, que revelam um crescimento do nível de escolaridade da categoria, apontando na direção de uma maior
125
A constatação de que a categoria sempre se distinguiu de outras por ser altamente
escolarizada, tendo no mínimo completado o ensino médio, e, na conjuntura atual ter aumentado
o número de bancários com ensino superior completo, possibilitou interpretações relativas quanto
à elevação da qualificação dos trabalhadores bancários. O aumento do nível de escolaridade da
categoria não deve ser analisado isolada e quantitativamente, e sim considerado num plano mais
amplo de reestruturação dos bancos no bojo da internacionalização financeira. Como pôde ser
observado em alguns depoimentos, a análise da prática efetiva de trabalho não confirma que a
elevação da escolaridade foi fruto de uma exigência do conteúdo do trabalho bancário.
Há ainda muitas funções, inclusive gerenciais, que contam com os aspectos
repetitivos e automáticos típicos da gestão taylorista-fordista, sem contar o processo de
desemprego inerente à acumulação do capital, que faz com que cada vez mais os bancários
escolarizados permaneçam empregados, enquanto outros, com menor escolaridade, são excluídos
do mercado de trabalho bancário. A necessidade do “diploma” é relativa, visto que adquire muito
mais um caráter elitizador do posto de trabalho ocupado do que mediador do conhecimento para a
realização da atividade. Esta dimensão é melhor ilustrada pelo comentário de um funcionário em
cargo gerencial do Grupo 02:
Eu me sinto prejudicado nisso, porque eu realmente não tenho vontade de fazer
faculdade, e se eu fizesse, provavelmente, não seria na área do Banco, seria para
sair do Banco. Fazer uma faculdade só para ter um diploma? Peraí, para quê? O
meu trabalho não está bom do jeito que está? Eu não consigo realizar a minha
função sem o diploma? Só que para o Banco é interessante que você faça
faculdade e tenha um diploma, nem que seja para colocar na gaveta, porque se
você não fizer uma faculdade você não cresce dentro do Banco. Agora vou eu
prestar vestibular para fazer uma faculdade de qualquer coisa na área do Banco
só para manter o meu cargo porque o Banco acha importante, não porque eu
acho importante! Aliás, eu acho que fazer faculdade vai até me prejudicar com
o meu serviço porque eu vou estar mais cansado, com menos vontade, menos
tempo, porque eu terei que me dedicar a outra coisa fora do Banco. Eu entendo
que seja uma forma de selecionar as pessoas, mas quando você já está no
desempenho da função, isso é que deveria ser levado em conta.
qualificação do trabalhador bancário, o que supostamente, ampliaria o grau de autonomia dos bancários para sua emancipação.
Dados da FEBRABAN também indicam elevação quanto ao percentual de bancários com curso superior ou pós-graduação
(mestrado e doutorado) no período de 1994 a 1996. Em 1994 o percentual era de 28,6% e em 1996 de 34,5%. Contudo, a
particularidade do estudo indicou um aspecto que questiona esta qualificação em termos qualitativos e do conteúdo do trabalho,
aproximando-se dos estudos de Segnini, onde tal aumento do nível de escolaridade da categoria reflete um “fetiche da
qualificação mais elevada dos bancários”. Veja-se SEGNINI, op. cit., p. 196.
126
Este aspecto também pode ser verificado no fato de que 06, dos 12 funcionários da
agência com curso superior completo ou em fase de conclusão, são graduados em Direito e
Administração de Empresas e desenvolvem atividades gerenciais de teor comercial, o que tem
muito mais a ver com a capacidade de se adaptar à intensificação do ritmo de trabalho e às
demandas dos negócios do Banco, do que com um conteúdo de trabalho polivalente que necessite
dos conhecimentos adquiridos pela formação superior que possuem. Um dos gerentes do setor
comercial, sobre o conteúdo de sua tarefa coloca:
As minhas atribuições como gerente de contas giram em torno do atendimento
ao cliente, gerenciando suas necessidades, oferecendo os produtos adequados a
cada tipo de cliente. A minha função é analisar a rentabilidade da minha carteira
de clientes, e se ela não estiver no padrão exigido pelo Banco, desenvolver
estratégias para atingir as metas de rentabilidade.
Ou seja, o fato de o gerente contar com uma formação superior na área de Direito não
incide diretamente sobre o desempenho da tarefa que realiza, e mais, o conteúdo autônomo e
supostamente qualificado propagado pela ideologia gerencial do empowerment se limita neste
caso à especialidade de “desenvolver estratégias para atingir as metas de rentabilidade”, o que
significa uma atividade pluriespecializada ao invés de uma multifuncionalidade que supere a
especialização de tarefas através da elevação da qualificação.
Dessa forma, a afirmação de Laranjeiras de que “a exigência de curso superior para os
trabalhadores bancários é cada vez mais requerida para o desempenho do conteúdo do
trabalho
249
” é relativa e talvez se verifique apenas em altos postos de direção ou em cargos de teor
estritamente técnico, pois o que se evidenciou na realidade da agência observada está muito mais
atrelado ao que Segnini chamou de “nova qualificação na ótica dos bancos”.
A autora desenvolve a idéia de que a qualificação do bancário na ótica dos bancos está
expressa na capacidade de adequação do trabalhador à competitividade, tanto entre colegas na
busca por um diferencial de desempenho, quanto para as atividades comerciais de venda de
produtos e serviços bancários. A “nova qualificação” seria “a disposição para ser competitivo, ser
“amável”, “equilibrado”, ser capaz de “se adaptar às novas situações”, ter “comportamento social
249
LARANJEIRAS, op. cit., p. 123.
127
adequado” [...] um conjunto de processos sociais, econômicos e culturais que é mobilizado na
construção da socialização “para mercado””
250
.
Segnini também ressalta que os procedimentos para execução do trabalho bancário
tendem a ser cada vez mais simplificados e seguros com a adoção de sistemas de tecnologia de
informação, o que possibilita maior controle na operacionalização de lançamentos contábeis, por
exemplo. Esta dimensão se torna clara a partir da fala de um funcionário que ocupa a função de
caixa e faz parte do Grupo 02:
Ficar no caixa é ruim porque se você tiver diferença é você quem assume o
prejuízo, o Banco não quer nem saber, mas se sobre o dinheiro é dele. Ás vezes
acaba acontecendo, quando a gente está muito nervoso com a fila em dias de
pico. Mas se você trabalhar direitinho e prestar atenção no dinheiro que recebe e
dá de troco, o sistema faz tudo sozinho, até as contas. Você só tem que decorar o
número das transações e apertar o botão.
A execução de trabalhos rotineiros e automáticos não é privilégio do posto de caixa.
Outro funcionário, em cargo gerencial dito “administrativo”, desempenha inúmeras tarefas na sua
função que englobam: a supervisão dos caixas e numerário
251
, tesouraria, manutenção dos
terminais de auto-atendimento, lançamentos contábeis da agência, dispositivos de segurança,
contratação de funcionários temporários, supervisão do contrato e serviço das empresas
terceirizadas (segurança e limpeza), bem como toda a parte estrutural do funcionamento da
agência (pagamento de contas de água e luz, compra de mantimentos, produtos higiênicos, de
limpeza, etc), e também não vê conteúdo criativo nas tarefas que realiza, e tampouco
reconhecimento e valorização.
Quando eu entrei fui direto para o auto-atendimento, e por mais que o gerente
fale que é o cartão de visita da agência você não precisa pensar, você não tem
que reagir. Eu sentia falta de pensar, de fazer coisas com criatividade e achava
que isso iria mudar, por mais que hoje eu ache que em nenhum lugar do Banco
isso seja possível porque é tudo meio robotizado. [...] As minhas tarefas hoje
como gerente seriam perfeitamente realizadas por qualquer chimpanzé bem
treinado para operar o SISBB.
É possível identificar dois aspectos a partir deste exemplo. Primeiro, que o
funcionário identifica sua função como de baixo teor intelectual, o que a aproxima da velha
especialização taylorista-fordista e “semi-qualificada”, por um lado, mas que também não é a
250
SEGNINI, op. cit., p. 198.
251
O controle de numerário diz respeito a todo o volume de dinheiro em espécie que entra e sai da agência.
128
mesma deste tipo de gestão do trabalho, uma vez que a função definida engloba várias tarefas ao
mesmo tempo, sem, no entanto, atribuir maior qualificação enquanto polivalência. Seria mais o
que Friedmann denominou de trabalhador pluriespecializado.
Segundo, o bancário do setor comercial que é tido como “qualificado” também não
realiza uma função superior qualitativamente e que depende dos conhecimentos adquiridos pela
sua formação, somente atua do lado mais valorizado pelo Banco, que é o lado do mercado, e
também se assemelha ao trabalhador “semi-qualificado” na medida em que realiza tarefas
pluriespecializadas, mas que também não sintetizam o conjunto do processo.
Assim, supõe-se que há uma maior valorização do bancário pluriespecializado que
atua na área comercial, e que aparece com status de maior qualificação, mas não que este não
execute também tarefas operacionais e repetitivas tal qual o bancário pluriespecializado da área
administrativa. Há muito mais uma espécie de “fetiche da qualificação do bancário” do que uma
superioridade intelectual que permita chamar o bancário vendedor de “qualificado” e o bancário
administrativo de “semi-qualificado”.
Sobre a valorização do setor comercial em detrimento do administrativo, é
interessante notar como os depoimentos a seguir confirmam a direção de que o trabalho
administrativo não permite o desenvolvimento de uma carreira de sucesso, que está
intrinsecamente associada ao trabalho na plataforma de atendimento, com foco em negócios:
Quando eu estava no caixa eu recebia uma comissão que realmente fazia
diferença na condução da minha vida. Mas depois de 1 ano e pouco eu percebi
que eu estava amarrado aquilo ali e que aquela função não era valorizada. Muita
gente me dizia “sai do caixa se você quiser crescer porque aí não tem retorno”.
Mas para sair do caixa para o atendimento visando crescimento na carreira era
abrir mão da comissão. Eu tive sorte que quando estava neste pé teve uma
oportunidade de supervisor de atendimento. Neste ponto o Banco ainda não
conseguiu resolver o problema, de passar o funcionário do caixa para um nível
seguinte de carreira. É o próprio funcionário que tem que abdicar da comissão,
que tem que renunciar aí para poder tentar alguma coisa maior no atendimento,
pensando no encarreiramento. O Banco realmente não tem um fluxo de carreira
para quem está neste nível de caixa. (gerente “comercial” Grupo 02)
No suporte mesmo, na visão do Banco o suporte é a escória do Banco. É onde
você joga tudo aquilo que não te interessa mais, de processos e de pessoas. A
elite do Banco é o atendimento, é o setor que dá lucro. O suporte é o setor que
não dá lucro, que dá trabalho. Toda a parte administrativa, parte contábil, toda a
infra-estrutura para a agência funcionar. Mas nunca é valorizado. A maioria dos
gerentes acha que a agência funcionaria do mesmo jeito sem o suporte, mas não
é bem assim. Se eu parar de trabalhar não tem máquina com dinheiro, não tem
129
caixa funcionando, não tem papel higiênico no banheiro, não tem água, não tem
luz, não tem cafezinho para servir para o cliente. [...] É também o RH da
agência, vale transporte, faltas, folgas, demissão. [...] Existe uma coisa muito
clara que você pode ver pelo salário, “qual é o salário de um gerente de contas e
de um gerente de expediente?” É como se o gerente de expediente fosse menos
importante, e pelo lado da rentabilidade é, mas então a gente não deveria se
dedicar tanto para segurar a estrutura, né?! Acredita-se que o gerente de
expediente é só um caixa que fica duas horas a mais. E ainda assim, não se
enxerga a importância do caixa na agência, porque se o cara pára aqui para vir
abrir uma conta e vê filas enormes, bagunça, caixa mal-educado ele jamais vai
fazer negócio com esse Banco. Agora, se a fila estiver controlada, funcionário
atendendo decentemente ele vai pensar “puxa, esse banco é legal, vou abrir a
minha conta aqui”, mas isso não é levado em consideração pela maioria dos
gerentes. (gerente “administrativo” Grupo 02)
O trecho do depoimento em que o funcionário levanta a questão da remuneração de
um cargo gerencial no atendimento e no suporte da agência também afirma a valorização das
funções comerciais. O salário de um gerente de contas da agência referente está em torno de R$
3.000,00 líquido, enquanto o do gerente de expediente gira em torno de R$ 1.800,00, ou seja,
quase a metade. Outro elemento a se destacar é a gama de funções agregadas ao gerente de
suporte da agência, conforme elencado, e que este responde diretamente por 10 funcionários dos
22 da agência, o que caracteriza, além da desvalorização da função, uma situação de
intensificação do trabalho no cargo administrativo.
Outro entrevistado comentou que atua no setor comercial, realizando operações de
apoio e venda de produtos no ambiente reservado ao auto-atendimento da agência. Apesar de sua
função se referir diretamente também ao atendimento comercial, ele é “enquadrado” pelos demais
funcionários da agência como administrativo, tanto que se subordina ao gerente responsável pela
manutenção dos terminais da Sala de Auto-Atendimento (SAA) e pelo quadro de caixas. Seu
depoimento revela que, tanto quanto o gerente acima citado, o sentimento de desvalorização e
falta de reconhecimento pela função que desempenha é uma constante:
Eu não acho que o meu trabalho é reconhecido não. Não mesmo. Tem que
explicar as coisas para o cliente que tem dificuldade, ensinar a fazer a operação
do empréstimo certo, tem que ver a máquina quando ela trava e não solta o
comprovante, e isso tudo é atendimento ao público e interfere na nota de
atendimento da agência. Mas ninguém valoriza o trabalho não.
Outro ponto que aborda o tema da qualificação é o dos cursos e treinamentos
presenciais disponibilizados pela Instituição e divulgados pela Unidade da GEPES responsável,
que não são estimulados na prática para a participação de “todos” os funcionários, evidenciando
130
uma contradição no discurso do RH e com a tese da maior qualificação do trabalho bancário,
como pode ser observado na fala dos entrevistados do Grupo 02 e Grupo 01, respectivamente:
Havia muitos cursos oferecidos de graça pela GEPES, mas era muito difícil
conseguir se aperfeiçoar porque você não era liberado para ir até lá fazer, por
causa do tempo que ia passar fora da agência. Só os gerentes iam.
Eu peguei uma época no Banco que eu fazia curso direto. Foi quando eu fui
comissionado gerex. Todo mês eu estava fazendo um curso. [...] O Banco
mandava os gerentes fazer cursos de MBA. Então o Banco hoje, eu acho que ele
investe muito, mas é só para determinados níveis na hierarquia do Banco. Para o
outro pessoal que ficava sem acesso aos cursos o Banco criou os cursos on line.
[...] Apesar de os cursos do Banco serem bons, eu acho que eles são muito
melhores para o Banco do que para o próprio funcionário, porque fica muito
voltado para o Banco. Se o funcionário for para outro lugar dificilmente ele vai
aproveitar os cursos que ele fez dentro do Banco.
A partir de 2004 o Banco passou a vincular uma parcela da Participação nos Lucros e
Rendimentos (PLR) à realização de cursos de aperfeiçoamento disponibilizados via intranet e
realizados on the job. A prática do e-learning foi anunciada como sinônimo de gestão moderna
pelos comunicados da GEPES. Desde então, passou a existir as campanhas dos cursos que
“seriam cobrados” pela Superintendência Regional naquele mês, daí uma escalação interna na
agência para que todos cumprissem a meta do “curso do mês”, como nos conta outro entrevistado
do Grupo 02. O depoimento revela a contraditoriedade do discurso gerencial na medida em que
ressalta a qualificação imposta como meta, ou seja, enquanto estatística de qualificação, e não
como uma preocupação qualitativa com a capacitação e aperfeiçoamento do funcionário:
Quando começou a cobrança pelos cursos houve toda uma mobilização dos
gerentes com os seus funcinoários para que todos fizessem o curso do mês e
ninguém fosse acusado depois de ter derrubado a nota da agência. Como eu fazia
parte da equipe dos caixas, era difícil fazer o curso com tranqüilidade porque ou
a gente tinha que fazer na bateria
252
e deixar o colega atendendo sozinho, ou
tinha que fazer lá dentro bem rápido, e muitas vezes eu nem lia direito o que
tava pedindo, ia dando enter até acabar o curso.
No escopo da “nova qualificação na ótica dos bancos” o BB possuiu durante muito
tempo uma ferramenta de gerenciamento de RH chamada Talentos e Oportunidades (TAO), que
quantificava a “capacitação e qualificação” do funcionário de acordo com uma tabela de pontos.
Os dados do sistema TAO eram preenchidos pelo próprio funcionário e não diziam respeito
252
O local onde estão organizados os guichês de caixa é denominado de “bateria” na “linguagem” bancária.
131
somente aos cursos e treinamentos oferecidos pelo Banco. Abarcavam desde cursos de idiomas,
superiores e pós-graduação, até treinamentos e demais cursos de qualquer duração e em qualquer
área.
Apesar de obter uma pontuação, se os cursos se encontrassem nas áreas de finança ou
negócios a pontuação era maior, ao passo que se os registros estivessem em áreas diferentes ou
diametralmente opostas a estes campos a pontuação era menor, chegando a ser ínfima em alguns
casos (em proporção decimal até). Também pontuavam as substituições que o funcionário viesse
a realizar, se estas fossem de cargos mais elevados do que o seu. A responsabilidade pela
impostação dos dados era do funcionário, sendo que os cursos realizados dentro do BB e as
substituições eram impostados no TAO pelo próprio RH.
As ferramentas do discurso gerencial e a cooptação ideológica
O objetivo da ferramenta TAO era proporcionar transparência e balizar os processos
seletivos internos. Porém, para funções não comissionadas ou de alçada direta do gestor da
agência (geralmente caixas, assistentes de negócios e algumas posições gerenciais), o gerente da
unidade poderia optar ou não pelo critério de seleção TAO, e, mesmo que utilizasse a ferramenta,
eram possíveis alguns “ajustes” para manipular a classificação, uma vez que todos os dados
impostados pelo funcionário no sistema só têm validade se confirmados pelo gestor. Logo, se o
candidato à vaga fosse de preferência do gestor e não estivesse bem classificado pelo TAO em
relação aos demais concorrentes, haveria ainda a possibilidade de adicionar informações no
sistema a fim de elevar a pontuação.
Como mais uma evidência da contradição entre o discurso de RH e a prática efetiva, a
ferramenta que teoricamente foi criada para garantir transparência aos concursos internos, podia
na prática ser utilizada de outra forma, mas nem por isso menos justa, como pode ser observada
na fala de um entrevistado do Grupo 02 que “passou pela brecha do sistema”:
Apesar de eu não ter entrado no Banco com expectativa de carreira, porque a
gente já sabe que depende muito de indicação, eu fui convidado para trabalhar
com um gerente que trabalhava comigo em outra agência e eu aceitei assumir
uma posição de gerente na agência que ele tinha sido transferido. Eu impostei a
concorrência pensando “ah, vamos ver no que é que dá”. Foi muito difícil a
concorrência porque eu não tinha faculdade e só tinha 2 anos de Banco, mas ele
conseguiu mexer lá no sistema e eu fui nomeado nesta agência.
132
Outro funcionário, do Grupo 01, associou a idéia de carreira no Banco à valorização
das atividades comerciais, que os funcionários que obtém resultados de vendas para o BB
possuem melhores oportunidades, ao mesmo tempo em que são “sugados” pela Instituição:
Em termos de carreira, se você vende você sobe, se você não vende, ou se você
não tem um padrinho, você meio que fica estagnado. Acho que o Banco suga
muito isso do funcionário. É um mecanismo que acaba te tirando as energias.
Demais funcionários quando abordavam a questão do reconhecimento do trabalho
desempenhado para ascensão profissional demonstraram opiniões divergentes e ás vezes
contraditórias, tanto entre os entrevistados do Grupo 01 quanto do Grupo 02:
Eu gosto do que eu faço. Gosto do meu trabalho. É o que eu faço a vida inteira.
Eu passei no Banco algumas fases de falta de reconhecimento. Acho que o
Banco não reconhecia bem o trabalho. Principalmente de 1996 para cá está
sendo uma fase difícil, porque o Banco não reconhece muito bem o trabalho.
Sempre teve aquele negócio de panelinha, né. Quem adula é que consegue os
melhores cargos. Acho que de uns dois anos para cá é que tem melhorado um
pouquinho. (caixa Grupo 01)
O Banco, como qualquer outra empresa, é representado por pessoas, então são as
pessoas que valorizam ou não. Já passei por pessoas que reconheceram meu
esforço e já passei por pessoas que só fizeram me “esforçar” (risos). [...] Eu já
passei fases horríveis de reconhecimento no Banco, de ficar deprimido mesmo.
Mas acho que são fases. Hoje eu estou numa fase plena de reconhecimento,
minha auto-estima está lá em cima, estou muito satisfeito. (caixa Grupo 01)
Eu considero que eu subi relativamente rápido no Banco porque eu tenho pouco
tempo de Banco e trabalho com gente que tem mais tempo e trabalha em cargos
inferiores ao meu. [...] Por um lado o Banco não é tão justo com aqueles que, de
repente, tem um conhecimento maior, não tem essa sorte, trabalha bem mas não
tem sorte... não sei se é sorte....mas acho que tem um pouco a ver com isso sim.
[...] Mas por outro lado eu acho que o Banco dá oportunidade para nós
crescermos. (assistente de negócios Grupo 02)
Uma das vantagens do Banco é que ele é uma Instituição sólida e por isso pode
oferecer possibilidade de crescimento independente da área onde você esteja.
Existe tanto a questão da oportunidade quanto a de conhecer a pessoa certa para
que você tenha essa oportunidade. Mas como Instituição a empresa Banco do
Brasil é ótima para se trabalhar. (gerente do Grupo 02)
Em 2006 o BB lançou um programa a fim de prestigiar o “desenvolvimento pelo
mérito” de até 26.000 funcionários, o Programa de Ascensão Profissional. O objetivo seria
estimular o funcionário a “construir seu próprio caminho de crescimento profissional na
Empresa”, e a forma de ascensão estaria baseada na meritocracia. A primeira fase do Programa
foi constituída de uma prova que se realizou em 250 cidades do país, e o conteúdo para a
133
Certificação abordava os sete temas a seguir: gestão de pessoas, gestão de marketing, gestão
financeira, teoria geral da administração, responsabilidade socioambiental, comércio exterior e
gestão do crédito
253
.
O funcionário deveria obter uma pontuação mínima em cada um dos temas para que
recebesse a certificação respectiva, e que seria incluída no sistema TAO. Entretanto, os
conhecimentos auto-declarados pelo funcionário no TAO não mais seriam pontuados depois do
Programa, servindo somente como quadro de informações adicionais. Na seqüência, houve a
segunda etapa do Programa, a da Qualificação, que seria a fase da entrevista
254
.
Concomitantemente, o Programa também selecionou os ingressantes no novo programa de pós-
graduação à distância do Banco, ministrado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Estado de
São Paulo.
Na verdade, novamente as oportunidades serviram mais para a criação de uma elite
gerencial do que para ampliar o leque de oportunidades para todos. A fala de um funcionário de
nível gerencial do Grupo 02 traduz o espírito de desenvolvimento profissional proposto pelo BB,
bem como o status proporcionado aos que conseguiram a bolsa para realização de um curso
ministrado pela FGV, sugerindo que isso em si já era sinônimo da legitimidade da qualificação
disponibilizada pelo Banco:
O curso é on line, temos alguns encontros presenciais, o material é bem extenso
e é ministrado por uma das melhores instituições do Brasil que é a FGV. A
primeira turma foi muito seletiva e eu não obtive a pontuação mínima para
sequer fazer a prova de seleção. Já esta segunda turma não, o corte aconteceu na
prova. Mesmo assim, quase todo mundo que se inscreveu conseguiu, porque
houve lugares que o número de vagas foi maior do que o de inscritos, e aí o
Banco realojou todo mundo para que todo mundo pudesse estudar. São
benefícios interessantes que o Banco propiciou para a gente com estudo. No fim
das contas a gente vai pagar perto de R$ 2.000,00 ao todo para o curso de dois
anos. Se eu fosse fazer este curso particular eu gastaria em torno de R$
18.000,00. [...] A prova é a Fundação que aplica para que você tenha noção do
curso de pós-graduação, e a matéria que caiu é exatamente o que nós estamos
tendo agora. Então foi uma prova complicada por causa disso, caiu marketing,
gestão empresarial, responsabilidade sócio-ambiental, gestão de pessoas, coisas
que a gente nunca tinha visto. Por isso eu tive que me preparar, pegar material e
estudar. Esta oportunidade que o Banco estaria me dando eu não podia perder. E
o único compromisso com o investimento que o Banco está fazendo na gente é
253
BANCO DO BRASIL. Caminhos para crescer. Revista BB.com.você. Ano 5, nº 36, Jan/Fev 2006. p. 29.
254
Ibid.
134
se comprometer a ficar dois anos no Banco depois que concluir a pós-graduação.
Se eu sair antes eu tenho que pagar o que ele me pagou, o que é justo.
No bojo do que foi abordado no capítulo I sobre as ferramentas de RH para a gestão
do empowerment, percebe-se que o BB vem atualizando suas ferramentas de gestão de pessoas.
No caso deste programa, é visível a manipulação do Banco para impor ao funcionário um
determinado tipo de “qualificação”, visto que os temas propostos para a obtenção da Certificação
(pré-requisito para a fase seguinte) não foram aleatoriamente selecionados, pelo contrário,
contemplam os aspectos “modernos” e necessários ao aparelho ideológico gerencial, e os
conhecimentos anteriormente impostados pelo funcionário na ferramenta TAO passaram a ser
reconhecidos como “informações adicionais”, não mais se relevando para qualquer pontuação,
conforme depoimento de outro funcionário em cargo gerencial do Grupo 02:
Embora o banco tenha ferramentas que sirvam para a ascensão ser transparente e
privilegiar realmente quem merece, não dá para você pontuar por um serviço
bem realizado, por um trabalho bem feito. Até tem a GDP que é onde o seu
serviço vai ser “pontuado” pelo seu superior, e se você teve um desempenho
acima dos outros, teoricamente, é lá que o gerente vai colocar. Mas esta
pontuação da GDP no caso de uma concorrência é tão mínima que se depender
desta pontuação você está fora. Você pode se matar de trabalhar que você jamais
vai conseguir passar na frente de um outro que tenha um diploma só com a
pontuação da GDP.
Esta técnica de gestão traz outro aspecto, também abordado na parte I, que é o da
gestão da carreira pelo próprio funcionário. Na própria divulgação do programa já se torna
evidente a intenção, pois “construir seu próprio caminho de crescimento profissional na
Empresa” significa transmitir ao trabalhador a responsabilidade pela sua “qualificação na ótica
do Banco”, como também pelo sucesso ou fracasso da carreira, já que o Banco teria criado as
condições de “reconhecer” as “competências” e valorizá-las através do programa.
Na realidade, o Programa de Ascensão Profissional foi conseqüência de outra
ferramenta de gestão de pessoas que compõe a ideologia gerencial do empowerment, a gestão por
competências. Abordou-se mais esta técnica gerencial segundo um dos modelos mais difundidos
no Brasil, o de Joel Dutra, em que a competência vai além das habilidades e se constitui
principalmente na “vontade e iniciativa” do trabalhador.
O BB também “aprendeu com o professor Dutra”, inclusive cita passagens de um de
seus infinitos ensaios sobre o tema, o “Competências: conceitos e instrumentos para a gestão de
pessoas na empresa moderna”, em seu Curso para Gestão de Desempenho por Competências,
135
desenvolvido pela Unibb e dividido em 05 módulos. O treinamento foi disponibilizado aos
funcionários no primeiro semestre de 2005 com o intuito de modificar o antigo sistema de
avaliação de desempenho, caracterizado pela Gestão de Desempenho Profissional (GDP)
255
.
A GDP antiga focava o cumprimento de metas e comportamento do funcionário, e que
era avaliada a partir de 13 fatores englobados em 05 itens. O superior imediato atribuía a
pontuação de 1 a 6 para cada fator e em cada item, sendo 1 = Nunca e 6 = Sempre, e era
obrigatória a concordância ou discordância da avaliação pelo funcionário. Caso houvesse
discordância, ambos deveriam negociar o acordo, pois a discordância de uma única GDP na
agência era suficiente para influenciar o placar de GDP geral e “travar” o fechamento do sistema
pelo gestor da agência, que seria questionado pela Superintendência correspondente.
A nova ferramenta de avaliação atribuiu o seguinte conceito à competência:
“competências representam combinações sinérgicas de conhecimentos, habilidades e atitudes,
expressadas no desempenho profissional, dentro de determinado contexto ou estratégia
organizacional”
256
. Partindo disso, implantou um sistema de avaliação comumente chamado de
360º, onde o funcionário se auto-avalia, é avaliado por pares e ainda em nível de ascendência e
descendência se também for responsável por outros avaliados. A concordância ou não com a
avaliação deixou de ser obrigatória uma vez que o funcionário se auto-avalia ou não
voluntariamente.
Ao invés de 13 fatores em cada item, a avaliação foi distribuída por competências
específicas de acordo com o setor de atuação do funcionário (comercial ou administrativo) e
ainda em 5 itens, com pontuação de 1 a 5. O novo sistema serviu de base para o Programa de
Ascensão Profissional lançado pelo Banco na medida em que, através do discurso gerencial da
autonomia do trabalhador, transferiu a ele a responsabilidade pelo Plano de Competências e
Carreira (PCS), cujo único compromisso do BB seria disponibilizar as “oportunidades” de
ascensão.
Tomando-se a construção da idéia do “vencedor”, mais do que nunca se torna
evidente qual o compromisso do Banco com relação ao desenvolvimento profissional de seus
255
BANCO DO BRASIL. Gestão de Desempenho por Competências: integrando desenvolvimento profissional, desempenho e
participação. Revista Profissionalização. Edição Especial. Fev/ 2005 e UNIVERSIDADE COPORATIVA BANCO DO BRASIL.
Curso Gestão de Desempenho por Competências: 2005.
256
Ibid.
136
funcionários: selecionar os mais aptos a ocuparem funções estratégicas não só em cada setor,
comercial e administrativo, mas, principalmente, na difusão da ideologia gerencial. Outro
depoimento de funcionário do Grupo 02 nos dá a dimensão das práticas de cooptação, desta vez
na aparência de uma Equipe de Auto Desenvolvimento (EAD):
Teve uma época que o gerente colocou a EAD para funcionar. Ela era formada
por alguns funcionários da agência que eram votados pelos outros para
representar todo mundo na gerência para ajudar a resolver os problemas de um
com o outro. Não durou muito tempo e eu nem lembro se teve muita gente que
chegou em mim para falar alguma coisa. No começo eu até achei que era uma
boa, porque se o cara não tinha coragem de falar para o chefe dele direto que
estava incomodado com alguma coisa, podia falar para a gente que nós íamos
tentar resolver. Mas depois eu percebi que eles tinham medo. Claro, né. Daí o
negócio não funcionou muito bem para isso não e a gente ficou só divulgando
uns cursos e umas ações do Banco.
Ou seja, travestida na forma de um grupo de funcionários de confiança, eleitos
diretamente pelos outros funcionários, a EAD serviria na verdade como mais uma ferramenta de
manipulação dos conflitos a favor da ideologia gerencial, já que além de envolver o funcionário
para que ele se “abrisse” e “falasse mal do colega pelas costas”, também tiraria o foco da
natureza vertical do conflito, que é na verdade o conflito inerente ao antagonismo entre as
classes. Seria mais uma forma de forçar a harmonia organizacional entre gerentes e subordinados,
e mesmo entre os pares, numa espécie de socialização artificial que só conviria à gerência, que
além de difundir sua ideologia e cooptar os mais ingênuos também disporia de informações de
cunho pessoal obtidas aparentemente de forma voluntária dos funcionários.
O BB também integra seus “valores e compromissos éticos” com os funcionários e
com a sociedade, como pode ser observado no Código de Ética, onde os valores “prioritários e
comuns a todos os relacionamentos são justa, responsabilidade, confiança, civilidade e
respeito”. Todas as ações de relacionamento do Banco com os funcionários, clientes, acionistas,
comunidade, governo, parceiros, fornecedores, concorrentes, mídia e associações e entidades de
classe estão supostamente pautadas no Código, que se encontra no Anexo 2 deste trabalho na
íntegra
257
.
257
BANCO DO BRASIL (j) Governança Corporativa. Código de Ética. Disponível em:
http://www.bb.com.br/appbb/portal/ri/gov/CodEtica.jsp. Acesso em 16/08/2006.
137
O que nos interessa frisar neste momento é a relação com os “recursos” humanos. A
pauta das entrevistas realizadas apresentava um tópico quanto ao Código, que primeiro
perguntava se os funcionários o conheciam, e em seguida abordava uma parte específica do
mesmo e pedia ao entrevistado que a comentasse. O trecho do Código era o seguinte: “O BB
compartilha as aspirações de desenvolvimento profissional, reconhecimento do desempenho e
zelo pela qualidade de vida dos funcionários”.
Do total dos 19 entrevistados, alguns não conheciam o Código, e dos que conheciam
alguns disseram não lembrar. Com relação ao trecho mencionado, os comentários foram
contraditórios, e também se dividiram em responsabilizar o BB, a si próprios ou a chefia pela
negativa do trecho. Também houve depoimentos que confirmaram a efetivação dos aspectos
mencionados na prática, coincidentemente de funcionários em cargos gerenciais. São ilustrativos
os comentários seguintes, tanto de funcionários do Grupo 01 quanto do Grupo 02:
Fica muito a desejar... muito a desejar. Na prática é bem diferente. Na prática a
pessoa sofre ameaça, pressão, cobrança... O Banco, como ele é uma instituição
muito grande, o gerente de agência acaba se tornando o dono do Banco
naquela agência, então é ele quem dá as cartas de reconhecimento, de
desenvolvimento do funcionário, enquanto que as autoridades do Banco não
estão nem sabendo. [...] Então ele passa como dono, principalmente se ele está
acompanhado com mais dois ou três, daí ele forma um grupinho, fica fortalecido
e fica difícil você dar de frente com ele. (escriturário Grupo 02)
O Banco devia investir mais na qualidade de vida do funcionário fora do Banco.
Hoje a gente vê empresas que possuem salas de relaxamento, de ginástica, tudo
dentro da própria empresa, e a cada duas horas de trabalho o cara vai lá e
descansa. Então isso é dar qualidade de vida para o funcionário. Porque o
funcionário fazer oito horas de trabalho ininterruptas, sem tomar um café, sem
respirar só pensando no trabalho, na metade do dia ele está completamente
estressado, e não vai render o mesmo que um outro que fez um alongamento,
que sentou por dez minutos para descansar. [...] O Banco me deu muita coisa,
mas eu posso dizer que eu dei muito mais de mim para Ele. Eu defendo o Banco
e vou defender sempre, mas ainda tem certas coisas que o Banco é burro de não
estar fazendo. (gerente Grupo 01)
Zelo pela qualidade de vida do funcionário... acho que isso nunca houve no
Banco. Se tiver pode ser que comece agora, com esse programa da qualidade de
vida. Porque na prática eu vejo que o Banco não prima por este lado do
funcionário. Se primasse ele investiria pelo menos nas instalações do Banco, né.
Porque a gente corre muito risco no Banco, risco pessoal e risco de saúde
também. As instalações são muito precárias, tem muito ruído, você não tem
tempo de relaxar. Apesar de o Banco ter no LIC que quem trabalhava em serviço
de digitação tem que descansar 10 minutos a cada 1 hora, isso não acontece,
acho que em nenhuma agência. A não ser que você tome esta decisão você
138
mesmo. O que é difícil, né. Você parar 10 minutos enquanto o outro está
trabalhando, o volume de trabalho é muito grande. Sem contar o gerente ficar
olhando você parado ali, né. (risos) Eu pelo menos olho o lado do colega, se eu
fosse pelo lado do Banco eu parava mesmo e fazia, porque é lei. (caixa Grupo
01)
Acho que o Banco se preocupa mais com os setores produtivos do Banco, mais
rentáveis, e isso se encaixaria mais num setor pouco rentável do Banco. Mas eu
acho que o Banco tenta sim promover estas partes, mas também eu acho que vai
mais do próprio bancário se preocupar com isso. O Banco não te dá uma meta de
qualidade de vida como te dá uma meta de um produto, então é uma coisa que
Ele te dá se você quiser e cobrar. O Banco talvez não vá tão a fundo quanto
deveria. (assistente de negócios Grupo 02)
De uma maneira geral sim, o Banco estimula sim. E neste sentido o ponto
eletrônico foi uma postura. Ao contrário do que todo mundo fala, de que o
Banco fez isso para evitar processo trabalhista, e é lógico que tem esse lado,
acredito mais que o Banco pensou nos funcionários do Banco. É inevitável que
um gerente de banco seja estressado, viva sob pressão, mas eu acho que existe
sim a preocupação do Banco em criar condições para amenizar isso para o bem
do funcionário.
(gerente Grupo 02)
A reestruturação organizacional de 1995
A Instituição formalizou publicamente sua reestruturação organizacional em março de
1996, denominada como Hora da Verdade
258
, e a partir de então vem acompanhando as
tendências mundializadas da gestão do trabalho e da lógica competitiva do mercado, que indicam
foco nas atividades negociais, redução das funções administrativas, aumento do “parque de auto-
atendimento” bem como dos investimentos com informatização, e desenvolvimento de produtos e
serviços bancários
259
.
258
DIEESE. Linha Bancários. Banco do Brasil: plano de reestruturação e posição no mercado”. Estudos Setoriais, nº 8, 1997.
259
Em junho de 2007 o BB promoveu novos ajustes de caráter organizacional que consistiram, basicamente, em nova redução de
funções administrativas e proporcional aumento de cargos comissionados nas áreas comerciais. Na verdade, o Banco já havia
tentado estes ajustes em março de 2006, entretanto, a “implantação das medidas para melhorar o índice de eficiência operacional
foi repudiada pelo funcionalismo, sindicatos e comissão de empresa. A redução das despesas “administrativas” seria na ordem de
10%, sendo metade em corte de pessoal em órgãos “administrativos” da Direção Geral (Gerel, Nucac, Gecex) e na rede de
agências. O ESPELHO FAX. Mais uma vítima do pacote do BB. Informativo da Comissão de Empresa dos Funcionários do
Banco do Brasil, nº 296/ jun/ 07 e __. BB não cumpre acordo, mas quer cortar despesa de pessoal. Informativo da Comissão de
Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil, nº 262/ abr/ 06. Vale ressaltar que, como mencionado, os lucros do BB se superam
a cada semestre, sugerindo que a reestruturação seria de caráter expansivo do viés competitivo do Banco, e não em virtude de
prejuízos. Em virtude do recorte do objeto, não foi possível a abordagem desta nova reestruturação, mas seria relevante a
comparação com a reestruturação anterior a fim de verificar se as tendências pesquisadas até aqui se confirmam ou se os novos
ajustes apontam para outra direção.
139
Contudo, estudos sobre a “cultura organizacional” do BB foram encomendados pelo
Banco ao antropólogo Everardo Rocha em 1993, como parte de um curso para cargos de alto
nível gerencial, o Programa de Treinamento de Altos Executivos do BB, também conhecido
como BB/MBA, que tinha como objetivo “construir um programa de ponta em gestão
empresarial que possibilitasse o contato com todo o instrumental de gestão dito “moderno”
disponível no mercado”
260
. O estudo de Rocha trazia o título “Clientes e brasileirosnotas para
um estudo da cultura do Banco do Brasil” e compreendeu uma disciplina chamada “cultura
organizacional”, ministrada no referido treinamento.
Basicamente, a pesquisa de Rocha se constitui de um levantamento local, realizado no
Rio de Janeiro em 1994, em que o autor chama a atenção para o que ele denomina de “eixo das
ambigüidades”, que seriam os valores paradoxais sobre o significado do Banco, verificados nas
13 entrevistas concedidas. O “eixo das ambigüidades” se referia ao dilema presente no
“imaginário” dos funcionários a respeito da imagem do BB, que oscilava entre instituição que
deveria ser “lucrativa e enxuta”, na linha de um “negócio voltado para o mercado”, e instituição
que deveria servir como “alavancagem de progresso no limite de uma missão civilizatória.
Por ora, basta ressaltar a existência de tal estudo e salientar que o mesmo foi
coincidentemente divulgado no Treinamento em março de 1995, 3 meses antes de o BB anunciar
seu prejuízo semestral deste ano e o conseqüente Programa de Ajustes. Em 1995 a diretoria do
Banco lançou o Programa de Ajustes, que, dentre outros aspectos, adaptou a estrutura da
organização à nova tendência econômica mundial de acumulação financeira. No Brasil, o Plano
Real havia abalado a rentabilidade das instituições bancárias provenientes dos ganhos com
inflação, o que gerou ao BB prejuízo de R$ 2,4 milhões no primeiro semestre de 1995, atingindo
R$ 4,2 milhões no balanço anual
261
.
Fizeram parte do Programa estratégias de modernização organizacional, de
desenvolvimento tecnológico, ajustes na rede de agências, venda de imóveis, redução do quadro
de funcionários, revisão da política de concessão de benefícios, recuperação de créditos vencidos
260
Carta de apresentação do módulo “cultura organizacional” do Treinamento, escrita por Pedro Paulo Carbone, coordenador do
Programa de Treinamento. Na verdade, a pesquisa foi encomendada em 1993 e realizada por Rocha em 1994, sendo publicada em
apostila institucional somente em março de1995 por ocasião do Treinamento.
261
RODRIGUES, L. C. Metáforas do Brasil. Demissões voluntárias, crise e rupturas no Banco do Brasil. São Paulo:
Fapesp/Anablume, 2004.
140
e regularização das pendências com o Tesouro Nacional
262
. A rede de atendimento do Banco foi
reduzida em 9,4%, de dezembro de 1994 a dezembro de 1996, ao passo que a média de
funcionários por unidade de atendimento caiu de 38,5% para 28,9%
263
.
A tônica deste estudo se concentrou no aspecto da redução do quadro de funcionários
a partir do Programa de Adequação de Quadro de Pessoal (PAQ) e Programa de Desligamento
Voluntário (PDV), que compreendeu demissões voluntárias, compulsórias e induzidas. O PDV
ocorreu em julho de 1995 e foi concluído com sucesso, já que se previa uma adesão de 15.000
funcionários (dos 107.000 que havia naquele momento), dos quais participaram cerca de 13.500.
Além deste corte voluntário, houve uma redução de 30% do corpo de funcionários enquadrados
na categoria de “excedentes”
264
. O PAQ possibilitou que os funcionários “excedentes” fossem
transferidos de acordo com as necessidades do Banco durante todo o período de reestruturação de
1995-96.
O PDV foi anunciado para a sociedade como uma estratégia moderna, pois permitia
que o funcionário se manifestasse voluntariamente, valorizando o respeito e a autonomia pelos
mesmos. Entretanto, o que ocorreu na prática foi bem diferente do discurso, apesar dos números
do PDV evidenciarem o sucesso da estratégia gerencial. Concomitante ao PDV, outras estratégias
demonstram a natureza da reestruturação organizacional do BB. De fato o que ocorreu foi um
plano maior de readequação do Banco às novas conformações do cenário econômico e financeiro
nacional, bem como às determinações e tendências da acumulação financeira.
Devido ao prejuízo daquele ano houve fechamento de várias agências de varejo,
principalmente em cidades interioranas das regiões Norte e Nordeste, o que causou tensão social
e política com representantes locais, que se sentiram excluídos da “rota do desenvolvimento”
representada pela presença do BB nestas regiões. Há de se destacar a associação da imagem do
BB aos símbolos nacionais e a tradição do Banco de maior financiador de investimentos agrícolas
por todo o país até então.
Os funcionários considerados supérfluos, ou os “excedentes”, como os das agências
fechadas e os que não aderiram ao PDV, foram realocados compulsoriamente por todo o país
262
Ibid.
263
DIEESE, 1997, op. cit.
264
RODRIGUES, 2004, op. cit.
141
segundo as “necessidades do Banco”, e os que por motivos de ordem pessoal (filhos em idade
escolar, companheiros, aumento do custo de vida em cidades maiores, etc) não concordaram com
a transferência compulsória sofreram pressão psicológica e foram compelidos a pedir demissão
(abrindo mão dos direitos trabalhistas). Os que agüentaram a tensão foram literalmente “jogados
como pingue-pongue” por diversos pontos e postos de trabalho.
A categoria de excedentes foi formada a partir dos funcionários que sobraram do
PDV, pois a idéia era a de diminuir o custo com os funcionários mais antigos reduzindo estes
quadros, que eram contratados em regime estatutário e com estabilidade, e contratando novos
funcionários para ocupar as funções deixadas em aberto via novos concursos públicos, desta vez
em regime de CLT e sem estabilidade, o que garantiria à organização se adaptar à lógica da
competitividade e implantar as medidas de racionalização e intensificação do trabalho
“modernas”.
A idéia consistia em “limpar a área” composta pelos funcionários antigos, que
trabalhavam com direitos adquiridos que abrangiam desde o salário diferenciado até um regime
interno de contratação que os protegia do desemprego, e, na seqüência, formar uma nova força de
trabalho, mais barata à Instituição, e, principalmente, com outra “cultura organizacional
265
”,
recrutada fora do “eixo de ambigüidades” e do escopo de uma imagem patriarcal que compunha
a tradição do BB. Afinal, os “altos executivos” já estavam preparados para colocar em ação o
“instrumental de gestão moderno” difundido no Treinamento de meses atrás. Em outras palavras,
preparados para doutrinas a nova força de trabalho na ideologia gerencial.
Rodrigues ressalta que também foram oportunamente enquadrados na categoria dos
“excedentes” todos os funcionários atuantes politicamente, doentes, ou que não eram muito fiéis
para trabalharem horas extras não remuneradas. Entrevistados do Grupo 01, que viveram o drama
265
No mencionado estudo de Rocha, cultura organizacional é definida como “o universo simbólico existente dentro da empresa,
que explica determinadas atitudes, fatos, impasses, fracassos e sucessos pelos quais passa a empresa. É contínua, porém
lentamente, formulada e reformulada pela história, pelas diversas dinâmicas de poder, por influências externas, por ações
individuais ou de grupos constituintes. Pela força da cultura, muitas vezes, os esforços, políticas e processos de motivação,
produtividade, qualidade e competitividade parecem inviáveis ou encontram dificuldades por esbarrarem em obstáculos
simbólicos e valorativos. [...] entender os valores culturais da organização é possuir uma ferramenta preciosa, um poderoso
e consistente diferencial, para os mais diferentes níveis de atuação e processos de trabalho do gestor moderno”. (grifos
nossos) Op. cit., p. 52-53. Convém destacar que o autor em nenhum momento do estudo se refere à associação entre dinâmica do
modo de produção capitalista, formas de gestão do trabalho e manipulação de dimensões subjetivas, atribuindo todas as reflexões
ao “campo do simbólico” e independente das relações de trabalho objetivas. Ironicamente, porém, não deixa de atentar aos “altos
executivos” o potencial da ferramenta “cultura organizacional” nos processos de trabalho.
142
do “quadro dos excedentes”, revelam o clima de tensão vivido nas agências onde trabalhavam na
região Nordeste.
Já no plano Collor houve um redimensionamento de cargos. Eu já estava na
capital e trabalhava no CESEC. Nesta primeira vez eu não fui realocado. [...] A
gente já sabia em off que se Fernando Henrique ganhasse nós estávamos no
plano de readequação de quadros. Mas eu creio que mesmo se fosse Lula que
entrasse a gente estaria “na roça” do mesmo jeito, porque o plano já estava feito.
[...] Com o plano de 1995 eles cortaram muita gente, mas eu escapei. Era assim,
ou você pedia a demissão ou ia transferido para onde tivesse vaga. Dois colegas
pediram demissão no dia seguinte. [...] Se você não pedisse a demissão
voluntária ou não aceitasse a transferência sofria a pressão. Minha colega, por
exemplo, no dia seguinte passou o cartão para entrar e ele não funcionou. Era
pressão. Porque o gerente queria cumprir a parte dele. Ele recebia o relatório
“sua agência está com tantos funcionários excedentes e você vai ter que
resolver”. Aí tinha reunião, aquela pressão, porque quando você recebe a notícia
de que você é um excedente você já se sente um lixo. Eles se reuniam nos
bastidores e chegavam para a gente “vai ser fulano, fulano e fulano”. Aí tinha
aquela história né, aquele pessoal que se afina mais, aquela coisa... [...] Eles
mensuraram nas estatísticas, como é hoje, não olharam o lado humano. Quando
foi no ano seguinte, em 1996, teve outra leva e eu pensei “desta vez eu vou”,
porque a gente olhava assim e sabia que não tinha mais para onde correr. Antes
da comunicação formal era uma agonia, teve até gente que se matou nesta época
e gerente que levou tiro. O marido da funcionária foi lá e deu um tiro no gerente!
[...] Quando chegou a minha vez o gerente veio e deu a notícia e foi como uma
bomba! Eu já era casada, tinha meu filho de 3 anos...e como é que ia ser? Eles
vinham com a lista de benefícios, com o valor da indenização para a demissão
voluntária e com as agências que tinham vaga. No nordeste não tinha, só tinha
para sul, sudeste e centro-oeste. Teve um incentivo, você recebia 2 salários, eles
pagavam a viagem e a mudança.
Foi assim: o Banco montou o plano de demissão voluntária, quem quisesse saía
e quem não quisesse ia para um lugar onde tivesse vaga. Porque em 1996 acabou
sobrando vaga aqui no sul e no nordeste ficou com excedente de pessoal...
sempre sobra para o nordeste, né. (risos) Nos bastidores a gente ficou sabendo
por alto que ia ter o plano de demissão voluntária e que estavam fazendo estudos
para ver onde tinha sobrado gente, e no CESEC que eu trabalhava tinha sobrado.
Aí fizeram reunião porque Eles iam fazer escolha lá entre eles da chefia para ver
quem ia para as vagas no sul. Os critérios não eram claros para essa escolha, de
jeito nenhum. Escolheram aleatoriamente, e já sabiam quais seriam os
escolhidos. Se reuniram lá de portas fechadas e fizeram lá a seleção deles.
Os referidos funcionários, transferidos compulsoriamente da região Nordeste para São
Paulo, nos contam como foi o processo de suas vindas para São Paulo, ressaltando a incerteza, as
dificuldades de deixar a família, a adaptação nos novos postos de trabalho:
A minha vinda foi terrível no sentido de que eu não sabia nada daqui, não
conhecia nada de São Paulo. [...] Eu era casado na época e tinha dois filhos já. E
foi terrível, né. Você ficar entre a cruz e a espada, né. Ou vou embora ou peço
demissão. Na época eu tinha muita firmeza e muita cabeça e pensei “não, não
143
vou pedir demissão de jeito nenhum”. Porque você tinha possibilidade de saber
quanto ganharia se pedisse a demissão, mas no meu caso não valia a pena pedir,
nem pelo dinheiro e nem pelo tempo que faltava para eu aposentar. Muita gente
pediu demissão e depois tava lá, na pindaíba porque gastou o dinheiro todo. [...]
Aí eu fui me embora. E foi difícil porque eu não tinha parente em lugar nenhum
para facilitar a transferência, e só tinha vaga para o Rio de Janeiro, Brasília e
São Paulo. [...] Coincidiu que um primo meu tinha um amigo que estava
morando aqui há uns oito anos e me deixou ficar na casa dele um tempo. Aí eu
pedi transferência para São Paulo e disse “é para lá que eu vou”. A decisão com
a minha família foi muito difícil. Minha filha mais velha tinha 6 anos e a outra
tinha 5, eram muito pequenininhas. Então foi terrível, muito difícil mesmo. O
meu pai já velho e a minha mãe também, quase 70 anos. Foi terrível. Mas como
era eu que ajudava mais a minha família eu não podia pensar em sair do
emprego e ficar sem ajudar eles. Eu disse “vou ter que fazer este sacrifício, vou
ter que deixá-los” porque era para o bem deles e para o meu também. E aí eu
vim sozinho. [...] Eu penso em voltar, mas acho que ainda fico mais um tempo
por aqui.
Quando eu cheguei em casa eu cheguei arrasada. Você tinha 1 semana para
decidir se queria ser demitido ou ficar para escanteio. A única certeza era que
você já não fazia mais parte do quadro da agência. [...] A primeira vista foi um
choque. Mas quando eu entrei no Banco eu sempre quis ir para longe, e aí eu
comecei a ver a oportunidade. Eu pensei “estou com 33 anos de idade, 12 de
banco, meu filho ainda é pequeno e eu ainda posso mandar nele, tem tanta gente
que veio para cá e deu certo”. Falei com meu marido e ele aconselhou a pedir
demissão e a gente abrir um negócio. Aí eu fui conversar com os colegas que
tinham saído antes no ano anterior, e cada caso foi um caso, né (risos). Eu pensei
“o dinheiro não vai durar para sempre e eu tinha 33 anos de idade, e depois?”.
[...] Aí eu comecei a pensar nisso. Na primeira semana foi só choro choro, sem
dormir. Mas eu consegui ver a oportunidade e tomei a decisão, “eu vou, se não
der certo eu peço demissão e volto”. [...] Como eu sempre fui ovelha desgarrada,
nunca tive uma família de verdade, sempre fui jogado, eu disse ao meu marido
“eu vou”. E vim para São Bernardo porque era o lugar que tinha mais vagas. [...]
Mas também teve uma frase que minha mãe me disse que também me fez aceitar
a transferência, ela disse “se você sair do Banco todo mundo vai morrer de
fome”, porque todo mundo dependia de mim.
É possível perceber a dificuldade destas mudanças nos funcionários mais antigos que
agüentaram a pressão do Programa nos relatos sobre a chegada nos novos locais de trabalho
numa cidade desconhecida, longe das famílias e com a responsabilidade de “dar certo”. Vale
salientar que a solidariedade dos colegas que receberam os excedentes nas agências em São
Bernardo foi destacada pelos dois entrevistados como fundamental para a adaptação, e no caso do
segundo trecho abaixo a solidariedade se deu com colega que também tinha vindo na mesma
situação, também era nordestino e já tinha passado pelo drama há 1 ano:
Quando eu cheguei eu já vim direto para o ABC. O primeiro dia foi logo frio.
(risos) E foi assim... me colocou um pouco de medo também, uma cidade
144
grande, que eu nunca tinha visto, e no primeiro dia eu já vim trabalhar sozinho,
né. Eu estava na casa do meu primo em São Paulo e ele me disse como fazia
para chegar em São Bernardo. Aí eu peguei o ônibus e vim. [...] A chegada na
agência foi terrível. Não conhecia ninguém, aí eu fui direto na gerência. Daí ele
me levou para o suporte, me apresentou para o chefe do suporte e aí eu comecei
de novo. Lá na agência todo mundo sabia da história dos excedentes e eu não fui
o primeiro, já tinha chegado gente antes, da Bahia e de outros Estados. [...] Eu
tive sorte que na agência que eu escolhi, o pessoal paulista era muito muito
legal, e eu não sofri nenhum tipo de preconceito por ter vindo dos excedentes do
nordeste. Foram muito receptivos. Eu era melhor tratado do que na minha terra.
O meu marido era autônomo, e ele ficou lá e eu vim sozinha. Passei 4 meses
aqui sozinha ajeitando as coisas para ele vir com o meu filho. Eu não conhecia
ninguém e lá no nordeste tudo era muito diferente, todo mundo se conhece,
quando a gente recebia um colega de fora era diferente, a gente dizia “não,
durma em minha casa, fique aqui”, e quando eu cheguei aqui tomei um choque!
Era cultural, não era culpa deles aqui, mas eu achava que seria diferente, que eu
não estaria desamparada, que teria um colega... sempre tem alguém. No fim eu
tive um colega que me ajudou, que era da Paraíba e tinha vindo no ano anterior.
Eu me informei com ele antes, porque as notícias que a gente tinha daqui era
como se fosse o Rio de Janeiro hoje, que não se podia nem andar na rua, de tanto
assalto e violência. E ele me disse “não, eu estou bem aqui, não é assim, venha”.
[...] Quando eu cheguei aqui, no aeroporto, foi o pior momento da minha vida.
Já que eu entrei no avião para vir eu já entrei chorando, “o que será que vai
acontecer, será que eu estou fazendo certo?”. E quando eu fui para a casa da
moça que o meu colega tinha arranjado eu só chorava, ela ficava até preocupada.
E foram dias e dias assim. Eu só não pedi a demissão por causa deste meu
colega que foi um anjo. Eu não encontrava casa, o aluguel era muito caro, só
achava muquifo, e eu pensava “minha nossa, como é que eu vou trazer o meu
filho para um lugar desses?”. Se não fosse o meu colega me acalmar e me dar
paciência que eu ia conseguir eu teria desistido pelo choque que eu tomei
quando eu cheguei aqui. Ele foi um anjo e era da terrinha, né.
Mesmo tendo sido enquadrado na “categoria dos excedentes”, transferido
compulsoriamente para a o Estado de São Paulo e vivido situações extremamente desgastantes
objetiva e subjetivamente por causa da transferência, o entrevistado demonstrou preocupação em
destacar que o BB não poderia fazer outra coisa senão se reestruturar internamente, afinal as
mudanças no cenário nacional já havia prejudicado o Banco, e para se tornar competitivo era
fundamental uma reorganização naqueles termos.
Porque o Banco era inchado e estava se informatizando. Até quando existia a
conta movimento o Banco era um Banco mais social, mas depois que acabou a
conta movimento o Banco tinha que ser competitivo. Então eu vi que, apesar de
afetar a nossa vida, o Banco tinha que se readequar. Quando a gente recebeu a
notícia foi um choque, né. Porque quando você entra você acha que tem um
emprego para a vida toda e que não vai mais precisar se preocupar nunca. Por
um lado foi até bom porque a gente fica acomodado quando sabe que tem um
emprego para a vida toda.
145
A tendência da horizontalização das relações hierárquicas, típica do gerenciamento
toyotista, pode ser verificada no Programa, já que junto à criação da categoria de excedentes
também foram abolidas várias funções na hierarquia, o que caracterizou situações de conflito e
risco individual, também houve a criação de várias outras funções no plano comercial.
266
.
O período de instabilidade e crise interna no BB pré e pós Programa de Ajustes foi
muito violento, culminando em casos de suicídios que foram notificados junto aos sindicatos e
órgãos representativos da categoria, mas sem cobertura da mídia tradicional, que por motivos
óbvios não deu muita atenção a este lado do programa. Os principais motivos registrados foram
rebaixamento de salário, endividamento e desestruturação familiar promovidos em grande parte
pelas realocações compulsórias e pelo Quadro de Excedentes (que estava subordinado
diretamente à Diretoria Geral do BB)
267
.
Estava claro que era preciso transformar o corpo de funcionários, visto que o BB
sempre se promoveu às suas custas, como pode ser percebido pelas entrelinhas dos slogans “O
maior patrimônio do Banco do Brasil são os seus funcionários”, “O Banco do Brasil é o
conjunto dos seus funcionários”, reforçando a tática da representação onde a empresa é a casa, a
família do funcionário. Com tal imagem patriarcalista ficaria difícil implantar as medidas
necessárias para adaptar o Banco à lógica competitiva do mercado.
A orientação da mudança organizacional pressupunha um desapego a qualquer
imagem patriarcal que o Banco havia construído ao longo de sua história, daí o enxugamento dos
funcionários que formavam esta subjetividade ou esta “cultura organizacional”. Foi como se o
Banco eliminasse todos aqueles funcionários que o compreendiam em sua imagem de bem-feitor
da nação e comprometido com o desenvolvimento do país (como levantado no estudo de Rocha),
e fizesse a opção por aqueles que o enxergavam como banco de mercado.
É evidente a manipulação subjetiva dos funcionários do BB pela ideologia gerencial.
Conforme destaca Rodrigues, primeiro houve o reforço do que a autora denomina de “dimensão
simbólica”, seja no sentido nacionalista ou no patriarcal, construída ao longo dos anos para
envolver o funcionário e contar com sua dedicação e gratidão plenas, depois para induzi-lo a
266
RODRIGUES, L. C. Banco do Brasil: crise de uma empresa estatal no contexto de reformulação do Estado Brasileiro. Tese
(Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais). Universidade Estadual de Campinas: Campinas, 2001.
267
XAVIER, op. cit.
146
aderir ao PDV como respeito à sua dimensão autônoma, e, principalmente, para garantir a
continuidade dos serviços pós-Programa.
No momento em que o “modelo patriarcal” se tornou um obstáculo para a nova lógica
de mercado o Banco dispôs do que foi preciso para readaptá-lo aos novos padrões de gestão do
trabalho “modernos”. Após os ajustes houve um terceiro momento, em que o BB recorreu à
antiga imagem, pautada no nacionalismo e patriarcalismo tradicionais, a fim de tentar manipular
de forma oportunista a subjetividade dos novos funcionários já no recrutamento, na chamada dos
novos concursos.
Para promover ajustes que, na maioria das vezes, visam reduzir os custos da empresa
penalizando a força de trabalho, a cooptação pela ideologia gerencial pode ser observada no
depoimento de um gerente, do Grupo 01, que, quando indagado sobre este período de
reestruturação do Banco, interpretou-o como um período que trouxe mudanças positivas, pois na
essência o Banco teria mantido a ética:
Mesmo com as mudanças sobrou o lado bom do formalismo. Veja, o Banco
vende segurança, conforto, comodidade, solidez... que são coisas intangíveis.
Então é importante que o cliente reconheça isso, “olha, lá no BB trabalham
pessoas éticas”. A própria baixa rotatividade do Banco contribuiu para isso. É
difícil você ouvir “ah, porque lá naquele banco tem sempre alguém sendo
mandado embora”. O cliente percebe isso e entende que o Banco tem valores
éticos muito fortes. Apesar de todas as mudanças, o Banco é uma empresa ética,
e que zela por isso através dos seus processos normativos. [...] O mundo cresce,
o país cresce, o Banco cresce e as pessoas crescem junto com Ele. A gente só
cresce enquanto pessoa quando a gente passa por problemas e vê que eles podem
ser superados. A vida é a arte de administrar problemas.
É claro que nenhuma ideologia gerencial é uniforme e submete um corpo de
funcionários às suas intenções de classe mecânica e pacificamente. Como se apontou durante a
primeira parte deste trabalho, ela se realiza na medida em que consegue oferecer uma
interpretação do real relativamente coerente com as práticas sociais que os sujeitos sociais
concebem em sua visão de mundo, e cooptando mais facilmente uns do que outros, na mesma
medida em que alguns nunca serão cooptados, constituindo dialética e simultaneamente os dois
lados da mesma moeda, ou melhor, os defensores da ideologia gerencial e os resistentes a ela,
conscientes ou não.
147
CAP III – O BB na trilha do empowerment
Numa linha de continuidade com o Programa, os primeiros concursos aconteceram
entre 1998 e 1999, seguidos de mais um em 2002. Só no concurso de 1999 foram registradas
800.000 inscrições
268
. Os entrevistados do Grupo 02 ingressaram no BB a partir destes concursos,
e a expectativa em relação ao Banco não representava inicialmente um sonho de carreira,
diferentemente das expectativas dos funcionários anteriores à reestruturação de 1995, que
identificavam no Banco uma possibilidade de ascensão social e carreira:
Entrei no Banco em 1979, cheio de expectativas, sonhos e realizações. Entrei
na carreira pela área de apoio, serviços auxiliares, onde eu estou até hoje. Por
diversos motivos eu não subi no Banco, fiquei estacionado. Mas um dos
principais motivos foi que eu fiquei marcado pela antiga DIREC na época de
1981-82. Nessa época tinha muita paralisação, greve para valer, e um grupo de
funcionários ficou marcado porque tinha ligação com o sindicato, como eu, que
era delegado sindical na época. Por mais que a gente fizesse os concursos
internos para subir no Banco nunca iria conseguir. Só que eu só vim saber disso
quando eu já estava com quase 15 anos de Banco.
Eu tinha uma tia que era do Banco e sempre tinha aquela coisa, “quando
crescer de ir trabalhar no Banco do Brasil”. Eu fui em várias agências, na
época eu tinha 14 anos, para ver se tinha vaga de menor aprendiz. Deixei o nome
em várias delas. Aí uma vez me ligaram, isso em 1981, e disseram que ia ter o
concurso. Eu fui lá, prestei o concurso e passei em 1º lugar. Com 14 anos eu
comecei a trabalhar no Banco. [...] Você podia trabalhar como menor aprendiz
dos 14 aos 18 anos, se depois não passasse no concurso interno aí “um abraço”.
[...] Eu prestei e fui aprovado, e com 18 anos eu passei a ser um escriturário do
Banco. Aí foi aquela coisa né, você querer mostrar serviço, mostrar que já era
gente.
Um ponto que merece ser salientado nesta lógica é o de como a situação lamentável
da distribuição da renda no Brasil se converte em ferramenta de manipulação para ideologia
gerencial explorar a força de trabalho através da “captura” da subjetividade dos trabalhadores.
Considerando-se a luta pela sobrevivência, os depoimentos de funcionários do Grupo 01
demonstram como o ingresso no BB foi basilar para alcançar condições minimamente dignas de
sobrevivência, o que explica em grande medida a dedicação e gratidão imensurável ao Banco.
268
RODRIGUES, 2004, op. cit.
148
Eu entrei no Banco com 20 anos de idade, e antes disso eu trabalhava no
cartório, onde o salário era pouco e, como o meu pai tinha arranjado o emprego
porque era amigo, eu tinha que agradar o patrão. Sem contar que na minha
família diziam que eu estava doida porque vivia estudando para sair daquela
vida. Imagine, todo mundo analfabeto, mas analfabeto mesmo. [...] Se eu não
passasse no concurso eu acho que iria pirar. Foi incrível quando eu passei.
Parecia um sonho! Quando eu soube eu passei uma noite inteira sem dormir
porque eu não acreditava que tudo aquilo ia acabar. Eu pensava “é muito para
mim”. [...] O Banco veio como salvação... o Banco para mim foi tudo. Ele me
deu tudo... Me deu dignidade, me deu esperança, independência, autonomia...
então o Banco para mim, até hoje... Parece até estranho para quem não sabe da
história, porque eu estou sempre ali, se precisar de qualquer coisa eu faço e
nunca cobrei nada...[...] Na época que eu passei no Banco eu ganhava 1 salário
mínimo no cartório, e passei a ganhar no Banco 20 vezes mais... Foi como se eu
tivesse acertado na loteria, na época para mim foi como acertar na loteria! Eu
dizia “fiquei rico” [...] Era um coisa de necessidade material mesmo, se eu era
pobre a minha família era mais pobre ainda. [...] O Banco foi tudo tudo tudo
na minha vida. Ás vezes o meu marido até fala, mas eu digo a ele “se não fosse
o Banco a gente não teria nada”. O Banco me deu a minha casa, me deu
condições de ajudar a minha família, de criar os meus filhos, me deu respeito.
Por isso que eu digo que o Banco foi tudo para mim, foi decisivo na minha
vida e no que eu sou hoje. Eu digo, “se hoje eu sou gente eu devo isso ao
Banco do Brasil”. Claro! Quando eu lembro do quanto eu era massacrado, da
lavagem cerebral que eu vivia porque eu queria ser gente e ninguém acreditava
em mim... como se eu merecesse aquilo e tivesse que me curvar. O Banco
acreditou e eu estou aqui hoje, gente!
Eu comecei no Banco como menor-estagiário em 1984, quando o Banco
selecionava menores carentes de escolas públicas para um tipo de programa de
estágio, com a diferença de que naquela época você tinha a chance de fazer o
concurso interno e ser nomeado escriturário no Banco, como aconteceu comigo.
[...] Na oportunidade o salário do Banco era bem diferente do que é hoje pra
quem ingressa. Quando eu era menor estagiário eu recebia como se fosse 1
salário mínimo, e quando eu passei no interno, nossa, multiplicou tipo por 10!
Eu fiquei rico! (risos) Quando eu recebi o primeiro salário eu não acreditava!
Eu dizia “ta errado, ta errado, só pode estar errado!” porque era muito dinheiro.
Daí em diante a vida mudou, para melhor, né. Passei a fazer uma poupança e a
ter acesso à coisas que eu não teria, e pude ajudar a minha família.
O depoimento de outro funcionário do Grupo 02
269
permite que se verifique a
tendência inversa, de quando o mesmo não depende do Banco para sobreviver ou dispõe de
outras alternativas:
269
O entrevistado A já tinha uma segunda profissão desde quando ingressou no Banco, o que facilitou a tomada de decisão de sair
do BB, mesmo quando o problema das horas extras foi controlado, já que foi um dos aspectos mais ressaltados como gerador de
insatisfação pelo entrevistado. “Mesmo sem os problemas de hora extra e com um ambiente bom de trabalho eu já estava cansado
e decidido a fazer algo que eu gostasse. Em dezembro de 2003 eu pedi demissão”.
149
Como eu não tinha medo de perder o emprego e não tinha intenção de subir na
carreira eu fazia as coisas do jeito que eu achava certo, sem muito medo das
conseqüências. Eu acabava fazendo coisas que muita gente gostaria de fazer...
Hoje eu penso que se eu precisasse voltar a trabalhar numa empresa, um dos
últimos lugares que eu aceitaria trabalhar seria o BB. Não me fez feliz trabalhar
lá.
Para a maioria dos jovens ingressantes o BB significava um emprego relativamente
estável com o qual poderiam ter condições de estudar, de se manter financeiramente, ou de
simplesmente ousar com as oportunidades de trabalho, já que muitos estavam empregados na
época. Nos casos de funcionários que ingressaram mais velhos ou com responsabilidades
familiares objetivas, os benefícios foram considerados como atrativos para o concurso. As falas
seguintes demonstram o sentimento de expectativa ao concurso:
Quando eu prestei o concurso eu estava trabalhando e prestei mais para ampliar
o leque de opções, que foi o que acabou acontecendo, porque no final eu tive
que escolher entre os dois empregos. Eu trabalhava num lugar muito bom, mas
quando eu fui chamado eu resolvi arriscar para conhecer a parte financeira. Mas
eu não conhecia nada nada de banco. Não sabia nem ver um extrato direito.
Então justamente pelo conhecimento é que optei em arriscar no Banco, para
conhecer como era a Instituição por dentro. Não sei até quando eu fico porque
eu tenho a intenção de prestar outros concursos na área de direito que é a minha
área, mas vamos ver.
Na época que eu prestei eu estava com 20 ou 21 anos de idade e eu fui meio
desinformado, meio maria-vai-com-as-outras pelo pessoal da faculdade que ia
prestar. Eu fazia faculdade de ciências contábeis e fui fazer o concurso com o
quê eu sabia, sem me preparar. [...] A escolha de vir para o Banco foi grande,
porque na época eu já estava trabalhando num escritório de contabilidade e
ganhava o dobro do que eu ganharia aqui no Banco. Mas a falta de perspectiva
no escritório me fez tentar uma coisa diferente, pois no Banco eu sabia que teria
oportunidade de carreira.
Eu achava que eu não tinha passado no Banco. Me surpreendi quando recebi a
ligação do gerente para que eu já tomasse posse no Banco. Eu tinha 18 anos e
trabalhava de office boy. Não pensei duas vezes, para mim foi uma excelente
oportunidade de ganhar um pouco mais. [...] Num primeiro momento você não
pensa muito em carreira porque você não conhece a instituição. Você só pensa
em dar o melhor de si e ser recompensado por isso.
Eu prestei o concurso tinha acabado de sair do colégio, em 2002. Prestei mais
por causa da minha mãe e do meu pai que queriam que eu arrumasse um
emprego. Eu nem acreditava em concurso porque eu achava que era enganação,
que servia só para pegar dinheiro da gente. Aí eu fui chamado 1 ano depois e eu
fui pensando “ah, vamos ver o que acontece, é um “trampo”, é uma grana para
pagar a faculdade, vamos lá”. Quando eu entrei no Banco eu tinha 20 anos e
150
estava no segundo ano de História, e aí eu fui levando, como um “trampo”... e só
estou no Banco até agora pela grana que eu ganho hoje, mas nada de “ai, é o que
eu quero para a minha vida”. Estou levando, e vamos ver o que acontece.
Rupturas e continuidades entre os antigos e os novos funcionários
Ainda que o regime de trabalho não fosse o mesmo dos funcionários antigos, os novos
“técnicos bancários” teriam uma jornada de trabalho de 06 horas (pelo menos no plano formal),
benefícios como assistência médica e vale alimentação que acabavam incrementando, ainda que
de forma indireta, o orçamento familiar, e o salário, que somado ao pacote de contratação era
considerado na média do mercado, além da possibilidade de carreira numa empresa grande tal
qual o BB.
Os estímulos de familiares, bancários ou bancários aposentados, ainda contagiados
pelo “tempo de glória” da categoria, aconselhavam os jovens trabalhadores do Grupo 02 a
ingressarem na carreira:
O Banco foi praticamente meu primeiro emprego. Prestei o concurso
pressionado pela minha mãe, que dizia que a estabilidade profissional era
importante. Na ocasião eu não estava trabalhando e havia largado um curso
universitário com o qual não me identificava. Também tinha os tios bancários
que ficavam falando. Como não era meu objetivo eu prestei sem grandes
expectativas. [...] Quando eu fui chamado entrei não querendo ir, e logo nos
primeiros meses eu já pensei “não vou agüentar ficar neste lugar”.
Eu fui parar no Banco meio contrariado. Tinha outras aspirações profissionais e
prestei o concurso por insistência da minha mãe, que era bancária aposentada.
Depois de dois anos me vi com um diploma debaixo do braço e desempregado,
aí eu acabei indo quando o Banco me chamou. Me lembro que quando fiz a
entrevista com o gerente da agência eu já perguntei como funcionava o processo
de demissão porque eu já entrei querendo sair.
Eu fui para o Banco sem grandes ilusões. Tive duas tias do BB, meu pai foi do
Banespa, minha mãe foi do Banespa, e eu já tinha visto muita coisa que não me
deixou ter grandes expectativas. Eu fui porque eu não tinha escolha, tava
desempregado e precisava de dinheiro. Tanto é que eu não fiz absolutamente
nada para prestar o concurso. Foi a minha tia que fez tudo, até a minha inscrição.
A fala dos familiares permite perceber que mesmo o BB lançando os novos concursos
a fim de contratar esta força de trabalho sem os benefícios da estabilidade e com salários distintos
dos funcionários mais antigos, o que prevalecia era o “ser funcionário do Banco do Brasil”, que
ainda compunha o mito no imaginário social do “entrou no BB está com o futuro garantido”.
Funcionários dos Grupos 01 e 02 nos chamam atenção para a existência do mito do status:
151
Eu ingressei em 1982, com 27 anos de idade. Este ano eu completo 24 anos de
Banco... e eu estou gostando de estar no Banco até hoje. Me sinto um pouco
orgulhoso de ter trabalhado durante estes 24 anos em uma Instituição como o
Banco do Brasil. [...] Eu resolvi prestar o concurso na época porque eu não
estava fazendo nada [...] Tinha terminado o 2° grau já e feito 4 anos de
universidade mas parei. Fazia engenharia elétrica na federal. [...] Estava sem
perspectiva nenhuma de emprego, até trabalhava como apontador numa obra, e
um dia um amigo meu lá na obra me disse “olha, vai ter concurso para o Banco
do Brasil, vamos fazer?” Aí eu disse “vamos”. [...] Quando eu passei eu gostei,
mas para minha mãe foi uma alegria e tanto. [...] Eu era o único dos meus irmãos
todos que tinha chegado à universidade, e como eu tinha parado foi uma notícia
muito boa para ela saber que eu ia entrar no Banco do Brasil, porque naquela
época era status, né.
No começo eu ficava indignado com os clientes que falavam para mim que eu
estava com a vida feita porque trabalhava no Banco. [...] Quando eu falei que ia
pedir demissão então, nossa! Aí eles é que ficavam indignados! Diziam que eu
estava fazendo uma burrada e que eu nunca arrumaria um emprego como o do
Banco do Brasil. Coitados, eles achavam que a gente era como funcionário
público.
Também há aqueles que ingressaram no BB com o objetivo de garantir mínimas
condições de vida à família através de benefícios como assistência médica, auxílio alimentação,
auxílio creche e previdência privada. Geralmente são mais velhos e arrimo de família, ás vezes
são pais e mães, que mesmo não possuindo o sonho de carreira BB, consideram estes aspectos ao
prestar o concurso. Este grupo se revela nas falas seguintes:
Na época que eu prestei o concurso eu estava desempregado e tinha 48 anos de
idade, e para mim era mesmo concurso público... prefeitura, Banco do Brasil,
estas coisas... Fui chamado para trabalhar com seis meses do concurso. E um dos
motivos de eu ter escolhido aqui o Banco não foi pelo salário, mas pelos
benefícios que eu poderia obter com o Banco, no caso a assistência médica, a
aposentadoria pela Previ... Então foi um dos motivos que eu dei prioridade ao
Banco. Tanto que 1 ano e meio depois que eu já estava no Banco a prefeitura de
São Bernardo me chamou e eu fiquei em dúvida. Mas considerando os
benefícios eu escolhi ficar no Banco. Porque depois que você chega numa certa
idade você tem que prever isso, né. O salário em si não é grande coisa, mas os
benefícios são muito bons.
Hoje eu tenho planos de fazer carreira no Banco. Eu estou com 29 anos de idade
e não tenho mais tempo de brincar do que eu vou ser quando eu crescer. Tenho a
minha casa para pagar, minhas contas, minha mãe depende de mim...tem várias
coisas que eu carrego sabe....Não dá mais para eu parar e pensar no que eu
gostaria de ser quando eu crescer, então eu tenho que me voltar para aquele que
está pagando o meu salário. [...] Supondo que eu pudesse brincar, eu jamais faria
alguma coisa para continuar dentro do Banco, seria para sair... Mas eu também
não tenho coragem de “largar o osso”. [...] A grande vantagem é a de saber que
todo mês vai cair aquele dinheirinho na sua conta, que está lá garantido.
152
Foi em 2002 que eu entrei, com 26 anos. Como eu estava sem emprego resolvi
tentar alguma coisa e pensei “vai na sorte”. Na época eu tinha a minha filha
pequena, estava amamentando ainda, não dava para assumir qualquer trabalho.
[...] Eu também tinha prestado na Caixa e já sabia que tinha passado lá antes do
Banco e estava esperando a Caixa me chamar. No fim o Banco do Brasil me
chamou primeiro e foi um susto. E deu tudo certinho, porque até o Banco me
chamar a minha filha já estava mais grandinha, deu tempo de eu matricular ela
na escolinha para já ir acostumando e quando eu fui chamada eu já estava mais
tranqüila com relação a ela. [...] A primeira impressão foi “oba, passei, estou
empregada para o resto da vida, vou ter o meu dinheiro para criar a minha filha”.
[...] Mas com dois anos de Banco eu já pensei duas vezes em largar tudo e tentar
outra coisa porque é muito estressante, principalmente no caixa.
Faz-se oportuno destacar os comentários de um entrevistado do Grupo 02 quando
indagado sobre suas expectativas de carreira depois do ingresso no BB, e que evidencia sua
percepção, ainda que de forma indireta, sobre a condição de submissão ideológica dos candidatos
para funções gerenciais:
No começo eu até recebi a proposta de um cargo de supervisor de atendimento
depois que eu substituí o supervisor uma vez. Mas como eu tinha me sentido mal
de fazer os outros trabalharem horas extras sem receber (e não tinha como
mandar eles embora porque senão eu não teria como terminar o serviço) eu não
aceitei. Para você ser um superior você tem que esquecer dos problemas da
agência, senão você não chega lá. A pessoa, para ela chegar lá, já tem que ter
esquecido a humanidade, os padrões de relacionamento pessoal. Porque você
vai ter que cobrar coisas dos funcionários que você sabe que não é certo fazer.
A questão das horas extras também funcionou como pré-requisito de promoção
durante muito tempo, e somente recentemente passou a ser controlada com a ferramenta do ponto
eletrônico. Dos 19 funcionários entrevistados, somente 03 informaram nunca terem trabalhado
horas extras sem remuneração ou compensação por Banco de Horas (BH). O restante relatou
desde circunstâncias eventuais até situações que chegavam a trabalhar 5 horas extras sem
qualquer tipo de regularização, incluindo funcionários dos Grupos 01 e 02.
Até a convocação dos primeiros concursados de 1998 e 1999, os funcionários antigos
disseram que a hora extra se constituía de prática rotineira, não só no BB como em outros bancos,
e que muitos colegas, após terem aposentado, tiveram que recorrer judicialmente para
receberem as horas trabalhadas. Os depoimentos de funcionários antigos ilustram esta dimensão:
Você conhece a história do “quem cala consente”? Muitos funcionários do BB
não queriam fazer mas faziam porque Eles deixavam a pessoa fazer e ninguém
falava nada. De 1989 a 1997 tinha a “lei seca” que a gente chamava, que era
quando você trabalhava e o cara colocava lá no ponto o que ele bem entendesse
ou o que fosse melhor para o Banco. Se você trabalhava 4 o cara lançava 2
horas, já que antes do ponto eletrônico o controle era manual e á lápis, para Eles
153
mudarem à vontade. Muita gente entrou com recurso depois que aposentou e
ganhou.
Naquela época você só tinha horário de entrada, né. Não tinha hora para sair.
Saía só a hora que o serviço terminasse. Você ficava com medo de sair antes ou
sair no seu horário, medo de retaliação, né. Então você acabava ficando além do
horário e não ganhava nada com isso. Em 1996, quando eu vim para cá o Banco
começou a pagar em algumas agências. Não pagava tudo, mas pagava um
pouquinho. (risos) Em 1998 o sindicato começou a cair em cima e isso mudou
depois do ponto eletrônico. Mesmo assim Eles sempre davam um jeitinho, né...
um jeitinho para não pagar.
Embora os relatos dos funcionários anteriores à reestruturação sejam mais explícitos
quanto ao abuso das horas extras, uma vez que o horário era controlado manualmente pela chefia,
os novos concursados também atravessaram situações desagradáveis em virtude da exploração do
trabalho via extensão da jornada. Um caixa do grupo 02 informou que antes da implantação do
ponto eletrônico, chegou a trabalhar até 5 horas extras por dia, lembrando que sua jornada regular
era de 6 horas. A prática era rotineira e os funcionários não costumavam reivindicar ao gerente
nem ao menos a compensação com BH. O funcionário também relatou que mesmo com palestras
ministradas pela GEPES nas agências, alertando para a não realização das horas extras, a prática
continuava:
Havia palestras na agência dizendo “não é para funcionário fazer hora extra
porque o Banco não pode pagar, e se acontecer o pagamento será com Banco de
Horas”. Eu ficava chocado! Como Eles estão falando isso se está todo mundo
fazendo? Era uma fala que parecia obrigatória, tinham que fazer a reunião e
passar isso para o funcionário, porque daí se ele fizesse a responsabilidade era
dele. A instituição tinha que passar isso, mas quando a reunião acabava ninguém
mais tocava no assunto. “Esquece”.
Houve funcionários que em determinadas ocasiões de necessidades particulares
tentaram negociar as horas extras trabalhadas diretamente com o superior pela via informal,
pedindo um dia de folga. No entanto, a chefia, além de não liberar a folga informando ao
funcionário que “teria que cortar o ponto”, ou seja, registrar a ausência, ainda vinha com o
discurso cínico das palestras realizadas pela GEPES para a não realização da hora extra, como
relata outro funcionário também do Grupo 02:
Um dia eu precisava resolver umas coisas na rua e pedi para o meu gerente
liberar 1 dia para mim. Ele respondeu que não poderia porque senão todo mundo
iria querer também. Daí eu disse que estava trabalhando em torno de 3 horas por
dia além do meu horário, e sabe o que ele respondeu? “Ninguém nunca pediu
para você trabalhar após o seu horário, você está fazendo hora extra porque
quer...” e aí vinha com a estória da reunião...
154
Outro funcionário, também do concurso de 1998, relata que trabalhou no “padrão” da
hora extra quando ingressou no Banco porque havia o receio da retaliação ou da falta de
oportunidade para o funcionário que não cedesse à rotina das horas extras:
Naturalmente a nossa carga horária era de 6 horas mas nós trabalhávamos
enquanto tinha serviço. Não havia nenhum pedido direto, poderia ser entendido
como uma escolha pessoal minha porque se eu quisesse em determinado
momento dizer “já deu minha carga horária e vou embora” eu poderia. Mas o
que acontece é o seguinte: você está numa instituição onde o padrão é fazer,
você vê todos os seus colegas agindo dessa forma, ficando até o serviço acabar
sem receber a hora extra. Não havia remuneração não havia nada naquela época.
O padrão era esse: tinha serviço, tem que trabalhar e não tinha hora extra. É
muito difícil você que está chegando agir de forma diferente, porque você fica
com medo de retaliação, de não ser valorizado, de não ser reconhecido para a
carreira.
Porém, as reações e sentimentos relacionados ao controle e gerenciamento destas
horas extras foram manifestados de formas diferentes, ora com indignação e ora com
naturalidade, como se fizesse parte do desempenho da função, o que se converteu em moeda de
troca de reconhecimento em alguns casos, como apontado em depoimento de funcionário em
cargo gerencial do Grupo 02:
Apesar de a gente ser contratado em jornada de 6 horas, chegávamos a trabalhar
de 8 a 10 horas por dia. Não tinha ponto eletrônico. Não, as horas não eram
contabilizadas (risos). Eu me lembro que o meu gerente tinha um caderninho
que ele anotava as horas de todo mundo para tirar as folgas brancas. Mas eu
acho que eu ainda tenho várias folgas brancas no caderninho dele que eu fiquei
sem tirar, viu. (risos) [...] Ninguém nunca me pediu para trabalhar hora extra, eu
fiz voluntariamente. Para mim era investimento na minha carreira. Na verdade, a
gente não trabalha de graça, e eu trabalhava visando a minha carreira. Isso tanto
deu certo no meu caso que com menos de 1 ano e meio de banco eu não fui
nomeado caixa nem assistente, eu já era gerente. [...] Há uma questão cultural de
que o funcionário que quer subir no Banco nunca é bem visto pela administração
se ele cumprir o horário dele. Eu encaro isso como momentos de investimento
na carreira, pois em determinados momentos você tem que abrir mão das suas
horas livre para trabalhar mais a fim de demonstrar vontade, interesse.
Vale destacar a relação entre a formação dos novos gestores pela ideologia gerencial,
uma vez que os funcionários novos com este perfil acabaram formando o corpo gerencial da
agência, os controladores e disciplinadores da força de trabalho, seja ela com aparência de
desenvolvimento profissional ou de hipocrisia gerencial, que além de abusar do funcionário,
mesmo que de forma velada ou imediata, ainda o responsabilizava por isso, como no primeiro
trecho.
155
Mesmo sabendo da incompatibilidade entre nº de funcionários e o volume de serviço
naquela realidade, a orientação do RH para a não realização das horas extras existia de forma
pública e notória justamente para que, no caso de reivindicação, o discurso fosse invocado como
forma de transmitir ao funcionário a autonomia pela hora trabalhada. Outro funcionário, desta vez
do Grupo 01 denunciou o abuso e o cinismo por parte do BB:
Todo mundo fazia hora extra, era padrão. Se ninguém trabalhasse não dava para
acabar o serviço. Mas quando vinha a cobrança para diminuir ou mandar a gente
embora no horário porque estavam sendo notificadas denúncias no sindicato
Eles diziam que a gente fazia corpo mole só para pôr o Banco no pau depois.
Mesmo com a celebração da hipocrisia a prática continuava. O mesmo funcionário do
Grupo 02 que reivindicou a folga continuou o seu relato:
Aí eu disse “então tá, amanhã eu posso parar de fazer?” Só que ficava um clima
muito chato entre os outros funcionários e eu, porque eu pegava as minhas
coisas e ia embora, deixando muito serviço lá. Mesmo que ninguém dissesse
nada, era como se eu estivesse passando o meu serviço para eles, e aí acabava
virando um problema pessoal porque o colega terminava fazendo a minha parte
também.
Além da manipulação do discurso que responsabilizava o funcionário pela realização
da hora extra, do cinismo em acusar o trabalhador de estar fazendo “corpo mole” ainda havia a
incitação da rivalidade em ocasiões de reivindicação como a mencionada, uma vez que
transformava em problema pessoal um problema que era estrutural e inerente à dinâmica do
Banco, o que por sua vez dificultava a solidariedade de classe e a tomada de uma consciência
coletiva que indicasse uma ação também coletiva de reivindicação. O conflito vertical era
horizontalizado e tomava a forma de um problema pessoal.
Em 2002 o controle de entrada e saída do funcionário passou a ser registrado
eletronicamente. No ato da chegada e saída, o próprio postava seu número de matrícula e senha
de operação no SISBB (Sistema Banco do Brasil) e apenas após seu registro de entrada poderia
operar o sistema livremente. Teoricamente ao fim da jornada de trabalho daquele dia o
funcionário registrava a saída no sistema e o mesmo computava automaticamente as horas
trabalhadas, e havendo até 2 horas extras, legalmente permitidas, já as direcionava na proporção
para pagamento e BH.
Apesar de o SISBB já permitir o registro eletrônico pelo próprio trabalhador, e não
mais o manual pelo gerente, os funcionários eram orientados a não registrarem a saída no dia, já
que no dia seguinte o sistema aceitava o registro posterior e no horário que o funcionário
156
informasse, possibilitando que o mesmo trabalhasse horas além do informado ao SISBB e sem a
devida remuneração.
Em 2003 o sistema criou uma nova “trava”, onde desta vez, mesmo que o funcionário
não registrasse sua saída para poder trabalhar depois do seu horário regular, o SISBB não
permitia o acesso porque a trava se dava de acordo com o número da matrícula do funcionário.
Contudo, o bloqueio englobava somente as funções de escriturário e caixa, trabalhadores de
jornada de 6 horas, não abrangendo os demais cargos comissionados. A “trava” do sistema já
nascia com a sua “brecha”, uma vez que os funcionários davam a saída, ou, no melhor dos casos
impostavam até as 2 horas extras permitidas e autorizadas pelo gerente, e continuavam
trabalhando nas matrículas dos chefes até o volume de serviço ser controlado, como nos conta
outro funcionário do Grupo 02:
Como o ponto não funcionava para todo mundo, quando tinha muito trabalho a
gente acabava assumindo na matrícula do chefe mesmo. Ás vezes até pagavam
as duas horas que o sistema deixava fazer, mas na maioria das vezes você tinha
que pedir, e como ninguém pedia, a gente trabalhava do mesmo jeito até o
serviço acabar.
Somente em 2004 o bloqueio do sistema compreendeu os demais comissionados na
agência, exceto o gerente geral. Contudo, a brecha ainda existia, pois antes de pagar até as 2
horas extras permitidas para o funcionário de 6 horas havia a possibilidade da mesma matrícula
operar em mais de um terminal ao mesmo tempo, ou seja, o escriturário ou caixa poderia
trabalhar o tempo que ainda restasse para completar a jornada de um comissionado de 8 horas,
como informa funcionário do Grupo 02:
Mas Eles rapidinho conseguiram burlar o sistema do ponto eletrônico de novo.
Era pedido para o funcionário registrar a saída somente no dia seguinte e até o
horário sem a hora extra, já que a gente já tinha trabalhado na matrícula do
outro.
O ponto eletrônico deveria servir para ajudar os funcionários a mostrar aos órgãos de
fiscalização do BB que havia trabalho além do horário, porém o que ocorria na prática era a
manipulação do sistema de ponto, tal qual na época dos funcionários mais antigos, quando a
manipulação acontecia manualmente. O que houve foi a sofisticação da exploração, que passou a
ocorrer eletronicamente. Atualmente o sistema não permite que mais de um terminal seja
operado pelo mesmo registro de matrícula simultaneamente, o que, juntamente com os
157
investimentos cada vez mais pesado em tecnologia de informação e automatização, diminuiu
consideravelmente a necessidade de horas extras para finalizar o volume de trabalho diário.
O BB investiu somente em 2005 R$ 1,6 bilhões nas áreas de telecomunicações e
tecnologia de informação, dos quais R$ 250 milhões foram destinados à automação da agências,
com a substituição de micros e a adoção do sistema operacional Linux para os servidores das
agências, no lugar do antigo OS/2
270
. Porém, ainda há situações de necessidade de horas extras
para concluir o fechamento do movimento da agência, como relata dois funcionários do Grupo
02:
Existe muita pressão para que não seja feita a hora extra. Aí colocaram o raio do
ponto eletrônico, você dá entrada e dá saída e o sistema trava quando já deu o
seu horário. Muito legal! Como ferramenta de controle é excelente, desde que
seja aplicada corretamente. Porque não adianta você diminuir o horário de
expediente do funcionário e não diminuir a carga de serviço. O grande problema
do Banco com isso é que não é o mesmo serviço todos os dias, então têm dias
em que você trabalha mais e dias em que trabalha menos. Não dá para você
mandar o seu funcionário ficar em casa hoje porque é dia de vale e amanhã falar
para ele vir trabalhar 18 horas porque é dia de pico. [...] Só que não dá para fazer
isso, então acaba que a hora extra é necessária em dias de pico, não tem como
não ser assim. Só que o Banco não entende isso.
Desde que o gerente novo assumiu ele cortou as horas extras. Só que se eu
trabalhar só no meu horário e for embora, no outro dia eu estou “lascado”,
porque eu é que vou ter que fazer o serviço do mesmo jeito. Daí eu e o outro
caixa revezamos o horário e o ponto para conseguir fechar o movimento do dia e
aliviar a barra do dia seguinte, isso quando o gerente não empresta a chave dele
para a gente poder fechar. Eu não concordo com isso, mas fazer o quê? Tem que
fazer, né.
Outra questão correlata à das horas extras é a do descanso de 10 minutos para função
de digitador a cada 50 minutos de atividade, como no caso dos caixas, e que também é estendida
ao funcionário que realize função em pé, como é o caso dos funcionários que atuam na sala de
auto-atendimento. Considerando-se a Lei da Fadiga da administração científica, é possível
comparar o descanso de 10 minutos do bancário a cada 50 trabalhados com o do carregador de
lingotes de ferro de Taylor, mais uma evidência de que as características da administração
científica do trabalho industrial continuam presentes em meio à gestão “moderna” do trabalho
270
BANCO DO BRASIL. Velocidade da luz. Revista BB.com.você. Ano5, nº 30, Jan/Fev, 2005.
158
também no setor de serviços, justamente porque o cerne da questão não é o método em si, e sim o
controle sobre o processo de trabalho.
Dois funcionários, ambos do Grupo 02, um na função de caixa e outro na de
atendimento ao público na sala de auto-atendimento, respectivamente, permitem perceber o
contraste no cumprimento do descanso:
Eu não consigo fazer o descanso todo dia não. Aliás, eu raramente faço. Só faço
quando não tem ninguém, daí eu até faço alguns alongamentos no punho e no
antebraço. Mas nunca ninguém me impediu de fazer, eu é que nunca pedi
mesmo. Não tenho coragem. Nunca vi ninguém fazendo, e muito menos pedir
ou avisar que vai fazer. Aí vai parecer que eu não quero trabalhar, ou que estou
enrolando para fazer hora extra no fim do dia.
Eu não faço hora extra. Não faço nada que estiver fora das instruções do Banco.
[...] Uma coisa que eu faço certo é o descanso, de 1 em 1 hora. Está lá no LIC e
eu cumpro, porque se eu não cumprir o problema de saúde depois é meu.
Nenhum gerente veio me falar nada quando me vê sentado descansando, mas
também nunca me falaram para cumprir o descanso.
Além da velha separação entre os trabalhadores “estratégicos” e os “operacionais”, ou,
de outra forma, entre os pluriespecializados comerciais e pluriespecializados administrativos,
somou-se uma dicotomia entre os antigos e os novos funcionários no BB em função do “assumir
riscos”. No bojo do que Segnini caracterizou como “nova qualificação dos bancários na ótica dos
Bancos”, o novo funcionário que assume riscos para obter melhores resultados é privilegiado.
uma contradição expressa nos relatos que, ao mesmo tempo em que indica que o Banco estimula
o “assumir riscos” como qualificação do bancário, também não garante mais a segurança do
emprego como garantia antes.
Ou seja, se o funcionário correr riscos e o negócio “cair”, certamente será demitido, o
risco corre por conta dele, funcionário, e não por conta do BB. Do contrário, será aplaudido
porque trouxe resultados para a Instituição.
Hoje é um pouco diferente do que era há alguns anos atrás... Você já não tem
mais a mesma segurança que você tinha, como, por exemplo, se cometesse um
erro... [...] Hoje não é bem assim, você pode cometer um erro e amanhã você
está na rua. Mas se você conseguir seguir as instruções do Banco e não fazer
nada fora das instruções você pode ter uma carreira, mas se você vai conseguir?
Não sei. Porque ao mesmo tempo em que você faz tudo certo, você percebe que
o Banco valoriza aquele que corre risco... por serem mais arrojados, mais
ousados, eles acabam trazendo resultados arriscados para o Banco, mas trazem
resultados maiores.
159
Outro ponto relevante é que, a gestão organizacional do BB, ao mesmo tempo em que
incentiva o “sangue novo” para as atividades comerciais, ainda tem que cumprir com os salários
elevados dos funcionários mais antigos. A diferença de salário e bonificações adquiridas pode
chegar ao dobro em determinados casos. Comparando-se os salários de dois caixas entrevistados,
dos Grupos 01 e 02, respectivamente, um percebe uma média de R$ 2.000,00 por mês, enquanto
outro conta com a média de R$ 1.200,00.
A diferença não se manifesta somente neste nível, visto que muitas das demais
bonificações são computadas de acordo com o Valor de Referência (VR) do cargo que o
funcionário ocupa. Como exemplo podemos citar a PLR, que referente ao primeiro semestre de
2006 foi paga em outubro do mesmo ano da seguinte forma: o benefício previu a distribuição de
95% do salário do escriturário ou caixa, ou do VR dos comissionados, mais a parcela fixa de R$
412,00 e a distribuição linear de 4% do lucro líquido, no valor de R$ 1.814,49 para cada
funcionário. Também entra proporcionalmente na composição o cumprimento do Acordo de
Trabalho
271
(ACT) do período, sendo que as agências que atingiram os 400 pontos do ACT
recebem o valor integral, e aquelas que cumpriram no mínimo 325,5 pontos, o valor
proporcional
272
.
Tomando-se as médias dos dois caixas apontados, teremos a seguinte proporção
aproximada: R$ 4.000,00 para o do Grupo 01 e R$ 3.360,00 para o do Grupo 02, sem contar
demais benefícios que também são contabilizados segundo o VR de cada um, como férias e 13º.
Não é à toa que uma das antigas reivindicações dos funcionários do BB é a implantação do um
271
“O ACT é um instrumento utilizado para avaliar o desempenho da gestão de cada dependência. Embora avalie a “gestão” da
dependência, os resultados do Acordo atingem os funcionários como um todo (pagamento de PLR, classificação de agências,
concorrências, dentre outros)”. BANCO DO BRASIL. Apostila Conhecendo o Acordo de Trabalho. Superintendência Estadual do
Rio Grande do Sul: 2005. De acordo com as necessidades competitivas do Banco e em conformidade com os resultados que vão
sendo apresentados pelas unidades, são formuladas metas de rentabilidade, que englobam, principalmente, a venda dos produtos e
serviços bancários. Entretanto, ao ACT somam-se as campanhas do BB como um todo. Por exemplo, a agência pode já ter
cumprido a meta de seguros residenciais de seu ACT, mas se o Banco não tiver cumprido a meta geral, lançam-se campanhas para
a venda deste produto específico, na maioria das vezes, na forma de disputas entre agências e regiões. No final da campanha, a
equipe que vendeu mais seguros é a “equipe do mês” e recebe um “diplominha” de “melhor agência na venda de X na campanha
Y”, e o gerente da agência se destaca para a Superintendência à qual responde, pois o BB ainda não adotou a remuneração
variável. Algumas vezes há bonificações pela meta adicional cumprida, como entradas para grandes shows, peças de teatro, jogos
esportivos patrocinados pelo BB, mas, via de regra, o “prêmio” só vai para o gerente da unidade, que certamente passa a ser
observado com outros olhos e cotado para funções gerenciais de maior peso. A agência também pode subir de nível se cumprir
determinada proporção do ACT. Em todos os casos quem sai ganhando é o corpo gerencial.
272
O ESPELHO FAX. BB assina a Convenção Coletiva e PLR. Informativo da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco
do Brasil, nº 272/ out/ 06.
160
novo Plano de Cargos e Salários (PCS) que garanta isonomia entre os concursados antes e depois
de 1995. O movimento sindical e o BB já negociam um novo modelo desde 2003, quando foi
criado um Grupo de Trabalho para a elaboração do projeto. Contudo, o GT acabou e até o
momento o PCS ainda não resolvido
273
.
Mais uma vez a contradição da ideologia gerencial se revela, na medida em que o BB,
por mais que tenha seguido a cartilha da reestruturação do trabalho e criado artifícios
organizacionais para se livrar desta parcela onerosa dos funcionários e, principalmente,
reivindicativa de seus direitos, ainda tem que conviver com ela, o que em si já promove outro
conflito, uma vez que os novos funcionários passam a reivindicar os direitos adquiridos pelos
antigos.
De um lado os novos funcionários contemplam o objetivo da “nova qualificação do
bancário na ótica dos bancos”, traduzido no espírito competitivo, e que por sua vez estimula
práticas pró-ativas e criativas para se realizar numa perspectiva de sucesso, mas por outro lado,
trazem à tona a contraditoriedade e fragilidade das estratégias “modernas” de gestão do trabalho,
pois o dilema também gera as condições de uma ação reivindicativa coletiva da categoria
274
.
Uma contradição que faz o caso do BB muito curioso é que o Banco ainda não seguiu
a tendência mundial de combinar benefícios fixos com benefícios variáveis. A remuneração
variável é um potente estimulador para ações de venda, uma vez que está diretamente atrelada à
produtividade e rentabilidade da empresa, e, no Brasil, os impedimentos legais para sua utilização
foram transpostos pela Medida Provisória que regularizou a PLR em dezembro de 1994.
A suposição é a de que o cumprimento das metas no BB se dá pelo “vestir a camisa”
do funcionário, o que pode ocorrer por diferentes razões que estão imbricadas em todo o processo
de “gestão” da subjetividade, concomitante à situação de imprevisibilidade e instabilidade do
mercado de trabalho, dito de outra forma, o medo do desemprego. Pensando no trabalhador que
já foi cooptado pela ideologia gerencial, este “vestirá a camisa” a fim de cumprir e superar as
metas com o objetivo de ser notado e trilhar carreira no Banco. Por outro lado, há aqueles que
273
O ESPELHO FAX. Bancários negociam com BB na quinta e esperam soluções. Informativo da Comissão de Empresa dos
Funcionários do Banco do Brasil, nº 268/ ago/ 06.
274
Diz-se relativamente insolúvel porque uma solução imediata seria a demissão de todo o corpo de funcionários que ainda
integra o grupo pré reestruturação, o que legalmente não é viável, mas justamente por isso, dadas as reformas trabalhistas e
sindicais em andamento, a solução dependerá em grande medida da capacidade de resistência coletiva da categoria como um todo,
até porque o BB já anunciou novos cortes de despesas com pessoal.
161
consideram o lado prático, porém parcial, e “vestem a camisa” porque o BB deve lucrar para que
continue sendo um bom empregador e que possa manter os postos de trabalho.
Diz-se parcial porque estes funcionários que “cumprem o seu papel” nesta perspectiva
de reciprocidade não discernem a dimensão do Banco que os explora, e assim não contribuem
para elevar a capacidade de resistência dos trabalhadores, pelo contrário, constituem-se de uma
massa indiferente às reivindicações e ações coletivas da categoria, quando não manifestam sua
postura reacionária, como ilustrado na entrevista de um funcionário em cargo gerencial do Grupo
02:
Eu não estresso muito com as metas não, para mim é tranqüilo. Acho que faz
parte da minha função no Banco. É claro que tem épocas que a cobrança é
maior, mas eu nunca tive problemas com isso não.
Também há uma tendência maior no Grupo 02 para cooptação ideológica, já que
interpretam as metas para a venda de produtos e serviços como algo natural e que o Banco não
exige, somente sugere, uma vez que não atrela diretamente o salário do funcionário ao
cumprimento das metas. Diretamente, porque indiretamente o resultado da agência está vinculado
a este cumprimento individual das metas, e no caso dos que almejam a ascensão profissional no
Banco a agência é a vitrine ou o cartão de visita num sistema que ainda não conta com a
remuneração variável. Estes elementos podem ser observados no depoimento de mais dois
funcionários em cargo gerencial:
Quando eu era assistente de negócios eu tinha uma função administrativa, uma
função realmente de execução e ao mesmo tempo a questão do vendedor. Mas
nunca o Banco levou isso de forma a sugerir que se você não vendesse seria
penalizado por isso. Você vendia porque o Banco te pedia isso de forma
amistosa ou mesmo de equipe, assim “olha pessoal, nós temos que vender
porque é assim que funciona o mercado e nós não podemos ficar fora do
mercado, então temos que todos juntos vender”.
Pelos contatos com outros funcionários de outras instituições, a gente percebe
que a cobrança aqui no Banco é menor, a pressão é menor. Primeiro pelo fato do
seu salário não estar diretamente vinculado às metas, e segundo porque o seu
emprego também não.
Há ainda aqueles que desempenham as atividades referentes às vendas sem a gana dos
que “querem mostrar serviço”, e diferente dos que simplesmente vendem como mais uma
atribuição dentre tantas. Estes funcionários percebem, em diversos níveis, que a venda faz parte
do negócio do Banco, mas que ela deve ser uma iniciativa do cliente, e daí eles “vestirem a
camisa” no limite da necessidade do cliente, ou, de forma diferente, que o cumprimento das
162
metas é a transferência do administrativo para o comercial, e que envolve outras questões além
dos produtos e serviços vendidos. Conforme os trechos abaixo de funcionários do Grupo 02:
O Banco mudou, ele não quer mais aquele cara que só fica autenticando. Ele
quer aquele cara que venda para dar produto para o Banco, que é da onde Ele vai
tirar o lucro dele... do título de capitalização, da previdência, da aplicação... que
é isso que os bancos estão querendo agora. Então se você ver por esse lado o
caminho que o Banco está levando está certo. Mas aí é que está, eu não
concordo com este caminho. Porque o Banco tira os caixas porque ele só quer
fazer negócio, e estas funções estão sendo transferidas para outros lugares.
Agora você paga conta na lotérica, no supermercado, até em loja você paga,
entende... sendo que, se você for pensar pelo lado do caixa, estas pessoas que
recebem estas contas não têm a mesma situação que você tem no Banco. Se no
Banco do Brasil eu ganho mil reais para ser um caixa, eu ainda tenho mais
trezentos que é para eu cobrir a minha diferença se eu tiver, se eu não tiver é
meu. Se o Banco acabar de vez com os caixas e pôr todo mundo para fazer
negócios, o que vai acontecer? As pessoas que pagavam conta no Banco vão
pagar no supermercado, só que o caixa do supermercado não ganha gratificação
de caixa, deve ganhar duzentos reais por mês, muitas vezes sem carteira assinada
e não está protegido pelo seu sindicato, ou seja, ele não tem a mesma garantia
que você tem no Banco. Então esta coisa das metas é uma questão mais ampla.
Tem a ver com a lógica do capital.
A desvantagem é a pressão de certos gerentes né, que vira até doença, vivem
estressados. São pessoas que buscam promoções a qualquer custo e quando
chegam lá querem vender o seu peixe em cima das costas da gente. É difícil
você achar um gerente tranqüilo. Eles sofrem pressões para vender, né. E aí eles
vêm para cima da gente. Para eles é natural, e para o Banco também, porque fica
promovendo estes gerentes que cumprem as metas. Mas para mim é um caso de
doença mesmo, coisa de neurótico. [...] A cobrança pelo atingimento de metas é
assim. Eu vendo o que eu acho que é melhor para o cliente, o produto que tem a
melhor taxa e que for bom para ele. Não ligo para a cobrança destes gerentes
estressados não, porque para mim isso vira doença. E estas metas praticamente
não têm fim, né. Se você ficar atrás dela não acaba nunca.
Coincidentemente, estes últimos integram um subgrupo que se poderia chamar de
“sindicalizados conscientes”, ou seja, formam a parcela sindicalizada da agência que acompanha
as reivindicações, ainda que muitas vezes de forma passiva
275
, mas que entendem o papel de uma
275
Durante setembro e outubro de 2006, alguns funcionários da agência participaram de forma ativa da greve realizada pela
categoria em campanha unificada com todas as empresas financeiras da FENABAN, enquanto outros aguardavam o resultado das
negociações em casa e alguns trabalhavam internamente. Durante o impasse que durou cerca de 01 mês, o Banco descontou os
dias parados na folha de pagamento de setembro dos funcionários que não aderiram à data de encerramento da greve proposta
pelos BB e CEF, informando ainda que os mesmos não seriam enquadrados no acordo realizado com a FENABAN. Uma
comissão formada pela Contraf-CUT conseguiu negociar o estorno dos descontos, porém a anistia geral seria realizada por meio
de compensação em horas extras. Esta medida gerou um segundo conflito na medida em que foram denunciados abusos do Banco
na compensação das horas paradas. Marcel Barros, coordenador da Comissão de Empresa dos funcionários do BB disse na
163
organização coletiva dos e para os bancários, e mais, percebem, com as devidas proporções, que
o foco comercial do Banco não é só uma tendência de mercado, mas uma tendência da
sociabilidade capitalista, e que a cobrança pelas metas envolve muito mais do que satisfazer uma
necessidade do cliente, como no caso do depoimento do delegado sindical da agência.
Dentre os “indiferentes” e os “cooptados” também há funcionários sindicalizados,
porém numa perspectiva de oportunismo, uma vez que revelaram não se sentirem representados
pelo sindicato, mas não querem deixar de usufruir dos benefícios dos convênios que o mesmo
estabelece com universidades, faculdades, escolas de línguas, e outros serviços, como no
depoimento de funcionário do Grupo 02:
Eu não participo do sindicato, mas sou sindicalizado. Eu não era no começo,
mas como tem vários descontos e na minha faculdade tinha convênio eu me
sindicalizei para poder ter o desconto na mensalidade como bancário
sindicalizado.
Numa perspectiva de conformismo, há os que são sindicalizados porque acreditam
que é uma obrigação do funcionário participar, como se tivessem que ser sindicalizados para
acompanhar, em nome do Banco, as negociações conduzidas pelo sindicato, o que contribui para
converter a ação sindical numa ação conformadora e não combativa, como foi relatado na
entrevista de funcionário em cargo gerencial do Grupo 01:
Eu sou sindicalizado porque acredito que é uma organização que só existe para
ajudar a resolver os conflitos do Banco com os funcionários. O sindicato aqui
tem uma linha mais light, não é como o da baixada. Lá eles ainda arrumam
confusão, fazem a maior baderna no auto-atendimento. Aqui não, é mais
sossegado, e eu acho que tem que ser assim. O mundo não é mais aquele, de
confusão, de bagunça. O bancário não quer isso, ele quer o que é viável, quer
diálogo. Confrontos não são bons para ninguém. Não é bom para o Banco e
muito menos para o bancário. [...] O sindicato tem que aprender a respeitar as
opiniões. Por exemplo, num movimento grevista, existem funcionários
comissionados que não querem fazer greve, e aí é necessário respeitar as
opiniões. O sindicato não deveria impedir que as agências abrissem e ficar
fazendo confusão na frente dos clientes, dificultando o atendimento, porque
quem não tem nada a ver com isso é o cliente. [...] Já fiz muita greve e se eu
achar válido faço de novo, mas é fundamental respeitar as opiniões e não
impedir quem quer trabalhar de exercer a sua função.[...] Há um compromisso,
ocasião: “A compensação deve ocorrer na medida em que houver necessidade do banco e disponibilidade do bancário. Ninguém
deve se prejudicar para pagar as horas da greve. A contraf-CUT e os sindicatos fiscalizarão eventuais abusos por parte do BB, mas
destacamos que se o funcionário não puder fazer hora-extra que não a faça”. O ESPELHO FAX. Compensação: hora-extra deve
ser eventual, diz LIC do BB. Informativo da comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil, nº 273/ nov/ 06.
164
não só com a empresa mas principalmente com o cliente, que não deve ser
prejudicado em nome de uma luta que é dos bancários.
Também houve depoimento de funcionário não sindicalizado e em cargo gerencial
que afirmou categoricamente que o sindicato não tinha validade alguma e manipulava os
bancários do Banco do Brasil para fortalecer a negociação unificada com os bancos privados,
omitindo inclusive o aumento que o Banco já tinha divulgado sobre o pagamento da PLR na
última campanha de 2006, e que por si só já superava o aumento dos bancos privados. No caso
deste gerente, percebe-se que o mesmo identifica a ação sindical num escopo limitado e
restringido ao aumento salarial, e mesmo neste caso, não interpreta uma negociação unificada
como uma ação coletiva positiva, e sim o contrário, preferia quando as negociações eram em
separado e o Banco negociava diretamente com a comissão de empresa dos funcionários do BB:
No caso do Banco do Brasil nós somos manipulados pelo sindicato nesta
negociação unificada para gerar maior força nos outros bancos privados. [...] a
negociação do Banco até uns dois anos era feita numa mesa separada e a minha
impressão era que a gente tinha mais vantagens. Tanto que neste ano o sindicato
queria que a gente fizesse greve pelo mesmo aumento das outras instituições
financeiras, quando na verdade o Banco já tinha disponibilizado a divisão do
PLR, que já era superior ao aumento concedido pelo setor privado. Mas em
nenhum momento o sindicato divulgou isso para os bancários porque iria
fortalecer o movimento. Então eu acho que o sindicato não é correto neste ponto
e para mim ele não tem serventia nenhuma.
Os depoimentos de funcionários do Grupo 02, um na função de caixa e outro
ocupando cargo gerencial, levanta outro aspecto com relação às motivações do “vestir a camisa”
do BB que sugere que os estilos de gerência, ou “liderança” (segundo a terminologia gerencial do
empowerment), também podem influenciar na dedicação para o cumprimento das metas. Quando
abordávamos a questão das metas os funcionários pontuaram, respectivamente:
Tinha um gerente que ficava no pé direto para bater as metas. Fazia competições
entre equipes, incentivava mesmo a gente a vender. Mas ele mesmo parecia que
não fazia nada. (risos) Vivia na frente do computador e no telefone, e quando
vendia alguma coisa vinha dar para a gente colocar no sistema porque ele não
sabia. Com esse aí eu tive um relacionamento bom porque ele me dava liberdade
de falar tudo que eu pensava e eu vendia bem, daí eu ficava no atendimento mais
tranqüilo. Depois veio um outro que trabalhava até no caixa. Parecia um louco.
Ele era muito o Banco, a vida dele era o Banco e ele queria que a de todo mundo
também fosse. Ele ficava até sem comer. E aí eu tive conflito, né. Porque ele não
aceitava as minhas opiniões, e aí eu fui mandado para o PAB e fiquei só com o
165
serviço de caixa e cuidando dos processos do TRT
276
. Eu só estou no Banco por
estar, porque eu não tenho outra coisa para fazer no momento, mas ele não
aceitava isso, de eu fazer as minhas coisas e “acabou”. E aí ele ficava no canto
dele fazendo o serviço dele e eu ficava no PAB, longe dele para não dar atrito, e
fazendo o meu serviço sossegado.
Hoje numa função gerencial fica bem evidente que há uma distribuição
igualitária das metas da agência, o que é diferenciado é a cobrança, a forma de
cobrar, e isso vai muito da administração da agência. E aí é pessoal mesmo, tem
que ser direto, não dá para simplesmente cobrar de forma abstrata. E aí é que
entra o perfil do administrador, porque dependendo da forma como o
administrador irá te cobrar você se sente mais ou menos confortável. E aí eu me
sinto à vontade para falar do administrador anterior, que me deixava sempre com
muita liberdade. Ele não se posicionava com relação às metas, deixava a gente à
vontade para definirmos as nossas metas para alcançar os nossos objetivos. E
isso foi bom porque você pode atingir as metas no seu tempo e da forma como
você achar adequado e justo. E aí você sofre menos pressão e não precisa fazer a
tal da venda casada, da venda empurrada, aquele negócio de pedir e ás vezes
implorar para o cliente ajudar com o produto. Isso é uma coisa extremamente
desagradável, não bate com a minha ideologia. Já tive que fazer isso no caso de
outra administração, e não me senti nem um pouco confortável, mas se é isso
que a empresa quer da gente em determinados momentos é isso que a gente tem
que fazer.
Outro funcionário, desta vez do Grupo 01, quando indagado sobre as principais
dificuldades no exercício de sua função e sobre resolução de conflitos, também alude ao
comportamento dos dois gerentes citados nos trechos acima
277
:
Havia uma época em que o suporte era um caos e todo mundo punha a culpa nos
caixas, principalmente um “pessoalzinho” do atendimento chegado no gerente.
Parecia que a gente não fazia nada. Eu me sentia desrespeitado porque eu
trabalhava sério e qualquer um sabe que não é fácil lidar com cliente no caixa.
Geralmente ele já está nervoso por causa da fila e quando ouve um “não”
desconta na gente, que está na linha de frente. Mas não é todo gerente que
entende isso. Teve um que passou por aqui que nunca tinha aberto um caixa e
para ele era fácil fazer reuniões, falar que a gente matava serviço, não tinha
organização e culpar os caixas pelas reclamações e pela nota baixa de
atendimento. O que acabou de sair não. Ele sentava no caixa e chamava a fila
direto. Não segurava a gente depois do horário para falar besteiras em reuniões,
e também não pressionava a gente para vender os produtos. Mas tinha a atitude
de trabalhar ao invés de só mandar.
276
O Posto de Atendimento Bancário (PAB) ao qual o funcionário se referiu era uma outra unidade da própria agência que
funcionava dentro do Tribunal Regional do Trabalho em São Bernardo do Campo e para atender às necessidades dos funcionários
e processos daquele fórum.
277
Na ocasião das entrevistas, um terceiro gerente havia assumido a agência. Assim, sempre que a pauta abordava assuntos que
envolviam o papel da gerência geral da agência, grande parte dos funcionários se referiram aos outros dois gerentes anteriores.
166
Estes depoimentos possibilitam inúmeras questões presentes nas entrelinhas do
discurso. Contudo, a pesquisa se ocupou de dois aspectos, nos quais se mencionou os gerentes
como “gerente 1” e “gerente 2”, respectivamente. Primeiro, os estilos de gerência apontados são
diametralmente opostos, sugerindo que o gerente 1 possui um perfil mais agressivo e competitivo
para as metas e resolução de conflitos, na mesma medida em que dois entrevistados relatam a
falta de conhecimento do mesmo para operacionalizar os referidos processos levantados.
Entretanto, no primeiro trecho o funcionário comentou que por “vender bem” tinha um bom
relacionamento com o gerente 1, enquanto os outros dois demonstraram diferentes níveis de
insatisfação em relação ao estilo de administração deste gerente.
Já o gerente 2 parece ter um perfil mais operacional, já que foi citado como
conhecedor das tarefas, e talvez por isso os funcionários em questão tenham se referido a ele num
tom mais à vontade e mencionado que se sentiam um pouco mais confortáveis com relação às
metas de venda ou exercício da função, e que foi diferente no primeiro depoimento, uma vez que
o funcionário já relatou a tendência inversa, de entrar em choque com o gerente 2 justamente por
lidar melhor com as tarefas comerciais do que com as operacionais.
O conhecimento operacional aparece nos dois casos como fonte geradora de conflito,
o gerente 1 porque não o possuía e “só sabia mandar”, e o gerente 2 porque parece que “possuía
demais” e por isso cobrava o serviço tão quanto sabia fazer, e deixava a questão do cumprimento
de metas sobre a autonomia do funcionário. Esta relação permite resgatar os dois tipos de
gerência incentivados pelo BB em tempos diferentes. O do bancário conhecedor do processo,
num primeiro momento, característico da fase em que a gestão do Banco privilegiava a
experiência do trabalho como diferencial para as funções gerenciais, e o do bancário
administrador competitivo, típico da “gestão moderna” do trabalho que foca as atividades
comercial como diferencial.
O segundo aspecto relevante é o de que, tanto o gerente 1 como o gerente 2 são
anteriores ao Programa de Ajustes de 1995, logo, estão agrupados junto aos funcionários antigos
do Banco. Entretanto, o gerente 1 participou do BB/MBA em 1995, ao invés de seguir a trajetória
de ir assumindo funções em diferentes áreas da agência para só então chegar ao nível máximo de
167
gerência em agência
278
. Foi selecionado para participar de um treinamento que visava justamente
construir um novo perfil para o administrador, e daí suas práticas gerenciais se pautarem na
incitação da competitividade, da produtividade, da exposição e da responsabilização individual,
da discussão por meio de reuniões coletivas semelhantes aos CCQs da organização toyotista do
trabalho.
Enquanto que o gerente 2 lidou com várias funções operacionais em diversas áreas do
Banco, chegando ao posto de gerente de agência pelo antigo critério da experiência e tempo de
serviço
279
, daí sua postura gerencial enfatizar mais o lado do “saber fazer”, do aspecto prático, da
execução das funções, mais típicos da gestão taylorista-fordista do trabalho, embora não deixasse
de instituir estratégia para o cumprimento das metas estipuladas, mas no caso a estratégia seguia
a direção de deixar os funcionários atuarem da forma como julgassem melhor, sem a cobrança
direta e ininterrupta.
O estabelecimento desta relação nos permite apontar que o modelo de gestão do
trabalho no BB é composto pelos dois tipos de gestão, taylorista-fordista e toyotista, não só pelos
estilos de gerência abordados, mas também pelas práticas das tarefas ressaltadas pelos
funcionários, tanto em nível gerencial como no subordinado. Assim, a despeito de todo o
empenho do Banco em viabilizar as ferramentas de administração de RH a fim de promover a
gestão do empowerment, reduzindo custos e aumentando produtividade, a contradição atravessa
as técnicas de gestão e práticas de trabalho.
Segmentação do atendimento e fragmentação da força de trabalho
Num contexto de alta concentração de renda o direcionamento estratégico é para o
atendimento segmentado nos bancos. No BB e na maioria dos grandes bancos há agências
personalizadas, próprias para o contato com o cliente-investidor, enquanto nas agências de varejo
“comuns” há uma segmentação no atendimento ao público no mesmo espaço. Os critérios para a
divisão dos clientes no BB começaram a ser sistematizados no fim de 2001, divulgados
278
Informação verbal obtida em caráter informal com funcionário da agência (2002).
279
Informação obtida em caráter informal com funcionário da agência. (nov/2004).
168
internamente por meio de cursos e treinamentos em “atendimento ao cliente”. Atualmente a
segmentação já é matéria “obrigatória” para os funcionários desde o ingresso.
No curso inicial de ingresso no Banco o novo funcionário aprende a “atender de forma
segmentada”, e, principalmente, a “entender que os nomes dos segmentos são “fantasia”, não
devendo chegar ao conhecimento dos clientes”. A divisão dos nichos de negócio é feita por
meio de análise cadastral, que classifica o cliente de acordo com a “profissão, classe social,
renda, faturamento, estilo de vida, faixa etária, etc, e assim suas necessidades são
diferenciadas”
280
. Neste primeiro nível de segmentação, o próprio sistema já enquadra o cliente
num perfil segundo estas características, mas que são administradas durante o período de
relacionamento entre ele e o Banco.
Vale notar a preocupação de já durante o treinamento inicial frisar ao funcionário
ingressante que ele não deve revelar os critérios da segmentação ao cliente, uma vez que se o
mesmo for denominado abertamente de “cliente exclusivo” ou “cliente preferencial”, a estratégia
do “diferencial segundo as necessidades” se torna diferencial segundo o potencial de
investimento e rentabilidade, o que constrangeria o discurso do Banco de “relacionamento ético,
principalmente com a clientela
281
”.
“Preocupado com esses princípios e buscando construir uma relação de longo prazo
com seus clientes, e, conseqüentemente angariar maior rentabilidade, o Banco adotou alguns
critérios de atuação”, sendo os seguintes nichos de mercado: pessoa jurídica (PJ), pessoa física
(PF) e setor público, que por sua vez são subdivididos. O mercado PJ entre os segmentos de
micro e pequenas empresas, médias e grandes empresas, e empresas corporate. O segundo
mercado, do setor público, está subdividido entre as esferas de governo federal, estadual e
municipal.
Com relação ao mercado de PF, a segmentação obedece à padrões mais sofisticados,
fundamentando-se em dois critérios, a segmentação comportamental e o modelo de
relacionamento. O primeiro consiste num perfil do cliente traçado via potencial de consumo,
280
Fidelização do cliente. Tópico “Atender de forma segmentada”. Curso Excelência Profissional. Caderno de aprendizagem “O
caminho para encantar o cliente”. p. 35-37.
281
Ibid. Tópico “Ética no relacionamento com os clientes”. p. 33.
169
utilização dos canais de distribuição, dados cadastrais e rentabilidade, e a partir deste perfil o
cliente é classificado num dos sete segmentos comportamentais a seguir: desconhecido,
renovação, estratégico, básico, ascendente, potencial e experiente. Toda esta classificação é
realizada pelo sistema automaticamente a partir da informação dos dados cadastrais e registro das
operações do cliente. Entretanto, o próprio BB já atenta que “a descrição pura não dispensa o
conhecimento individual dos clientes, principalmente os que serão alvo de tratamento
personalizado”.
Mais uma vez a natureza do discurso se revela, não só porque no trato com o cliente o
funcionário deve omitir a intenção da segmentação, mas porque em grande medida, segundo os
depoimentos, os próprios funcionários não se sentem à vontade em “separar” os clientes de
acordo com sua renda quando estes chegam até eles ignorando o segmento a que pertencem.
Vejamos o comentário de um gerente PF do Grupo 02:
O Banco dividiu os clientes para facilitar o atendimento comercial, mas ás vezes
acaba complicando, principalmente quando é um dia cheio. Quando um cliente
PJ aparece na minha mesa fica fácil eu apresentá-lo ao pessoal do atendimento
PJ, mas quando é cliente PF, por exemplo, eu vou falar o quê? Que ele tem que
pegar a fila do outro atendimento porque de acordo com a renda dele eu não
posso atendê-lo? Claro que não. Aí é que entra o bom senso. Você atende e
depois passa a pasta para o gerente do perfil dele.
Neste caso, o entrevistado demonstrou que, mesmo um pouco constrangido pela
estratégia, acredita que ela facilita o atendimento com foco comercial, e que, numa situação fora
do padrão, há um drible na própria estratégia. Porém, não se opõe a ela, uma vez que após o
contato imediato o cliente será repassado ao devido segmento de atendimento. Outro funcionário,
também do Grupo 02, chama atenção para as dificuldades que encontrou quando ingressou no
Banco, logo após a implantação do atendimento por segmentos:
Eu não entendia nada, só que eu não podia atender todo mundo que chegasse.
Mas era esquisito, porque me diziam “chama o fulano, o beltrano” porque eram
clientes deles, sendo que os fulanos e beltranos estavam vendo que o cliente
estava comigo e não faziam nada. Parece que ficavam esperando se eu iria
atender ou não, sabe? Eu achava muito chato porque parecia um empurra-
empurra de cliente, e como eu, além de não saber fazer nada direito porque tinha
acabado de entrar e tinha que perguntar toda hora para alguém o que fazer, não
conhecia a coisa do atendimento segmentado.
De fato, a segmentação do atendimento não aconteceu como algo natural para os
próprios funcionários, que pela antiga prática de atendimento, costumavam dividir somente o
170
mercado, e não toda uma classificação de acordo com uma série de dados cadastrais, e
principalmente, por renda. Um funcionário do Grupo 01 informa como era o foco do atendimento
antes da segmentação:
No meu tempo não tinha isso. O cliente sentava na mesa e pronto. Você atendia
da melhor forma possível, sem se preocupar com o perfil de consumo dele
porque as vendas também não eram tão cobradas como é hoje. É claro que a
gente acaba sabendo mais de uma função e o outro colega de outra, e daí você
acabava passando o cliente para a frente se sabe que o outro colega conhece
mais o assunto. Mas era para atender melhor o cliente, não era para “empurrar”
produtos.
Esta dimensão da segmentação se torna mais clara a partir do outro critério de
segmentação para o mercado PF, o modelo de relacionamento, que, “define como o Banco se
relaciona com o cliente, isto é, como o cliente será atendido pelo Banco ao acionar qualquer
canal, seja ele humano ou automatizado”
282
. Os modelos de relacionamento são: exclusivo,
preferencial e pessoa física, e são definidos como: exclusivo, “reservado a um número limitado
de clientes em função do volume de investimentos e renda e outras características de cunho
estratégico (autoridades ou formadores de opinião
283
) [...] o atendimento dá-se de forma
personalizada e por funcionários qualificados para o atendimento pró-ativo”, e o preferencial
“voltado para uma base significativa de clientes em termos de quantidade de negócios, de grande
importância para os resultados financeiros da Empresa”
284
.
Embora o modelo de relacionamento pessoa física se refira à “maior concentração de
clientes com menos volume de negócios [...] incluem-se todos os clientes com investimentos até
R$ 5 mil, os com renda inferior a R$ 1 mil, beneficiários do INSS e todos os usuários”, o Banco
ressalta que seu market share depende deste segmento, daí sua importância estratégica ainda que
o potencial de consumo desta parcela de clientes seja baixo
285
. Com relação a este segmento, o
depoimento de um gerente do Grupo 02 ilustra o direcionamento do BB no dia-dia para o trato
com este cliente:
282
Ibid.Tópico “Atender de forma segmentada”. p. 36
283
Vale uma associação com o que Mills chama de “celebridades das altas rodas”, mencionado na primeira parte do trabalho.
284
Ibid
285
Ibid.
171
Não tem muito o quê fazer. O Banco realmente não quer na agência o cara que
vem pagar uma conta de luz. Ele quer o cara que vem aplicar seus milhões, vem
pedir empréstimo, vem comprar seguro, previdência... O resto não interessa.
Dentro da agência a segmentação acontece de forma menos sofisticada, e na prática é
denominada entre os funcionários da seguinte forma: de NR1 (nível de relacionamento com os
clientes exclusivos com renda igual ou acima de R$ 4.000,01), NR2 (nível de relacionamento
com os clientes preferenciais com renda de R$ 1.000,01 a R$ 4.000,00) e o NR3 (nível de
relacionamento com os demais clientes com renda inferior a R$ 1.000,00)
286
.
Além do aspecto comercial da segmentação, também foi possível perceber outro
elemento originado pela segmentação e incentivado, ainda que nas entrelinhas do discurso, pelo
BB. Em muitos casos a segmentação extrapola o atendimento ao cliente e atinge também os
funcionários, que “assumem” a identidade dos seus clientes no caso do segmento de modelo
Exclusivo. Como o próprio Banco define, os funcionários deste atendimento são “qualificados”
para oferecer tratamento personalizado e “pró-ativo”. A pró-atividade é o que, muitas vezes,
possibilita o que Grisci e Bessi chamaram de gestão da intimidade. Para o funcionário se tornar
“amigo” do cliente considerado exclusivo, deve haver em alguma medida identificação de
valores, hábitos e crenças, ou melhor, uma identificação ideológica.
Na medida em que determinados funcionários são intencionalmente selecionados
para gerenciar este tipo de público, naturalmente pode ocorrer uma não-identificação com os
funcionários que respondem por outros segmentos, principalmente com os considerados
“administrativos”. Diz-se pode ocorrer porque tudo depende dos limites subjetivos para a
cooptação ideológica do funcionário que é indicado para este atendimento, e do nível de
relacionamento anterior que este já tenha construído com os demais colegas, como observou com
muita perspicácia um funcionário do Grupo 01:
O pessoal novo rapidinho vira gerente. Na minha época dependia muito mais do
tempo de serviço e de você conhecer o serviço. Quando eles vão para o NR1
então! Aí parecem que tem o “rei na barriga”! Não é todo mundo, claro. Tem
uns que já trabalharam aqui com a gente e não se deixam levar pelo deslumbre,
mas outros! Parece até que o dinheiro da conta dos clientes vai parar na conta
deles. Coitados, não sabem da missa a metade.
286
Estes valores de renda para os NRs são de dez/2005, quando foram obtidos em caráter informal através de informação verbal
com funcionário da agência.
172
O depoimento confirma que na constituição do coletivo no processo de trabalho o
conflito de classes está presente também no interior da própria classe. Segundo o trecho, alguns
funcionários parecem assumir o perfil dos clientes que atendem, expressando em suas práticas
cotidianas e no relacionamento interpessoal com os outros funcionários a ideologia da classe
dominante, a consciência subalterna que só visa a ascensão social.
Este processo de “aculturamento” se torna fonte de conflitos, ainda que de forma
velada, e acirra a rivalidade que já é inerente à divisão entre os pluriespecializados comerciais e
os pluriespecializados administrativos, fragmentando a solidariedade de classe e,
conseqüentemente, uma tomada de consciência de classe pela categoria, fundamental à ação
coletiva mediada.
Resgatando a suposição inicial do estudo, ou seja, que há uma contradição entre o
discurso gerencial, traduzido na ideologia do empowerment, e a prática efetiva de trabalho,
parece que as análises e relevâncias estabelecidas com o objeto específico apontam na direção de
uma oposição maior e inerente à totalidade do modo de sociabilidade capitalista, que é a da
inevitável disputa entre as classes, inclusive no interior das próprias classes e em todas as suas
dimensões. Daí os métodos de gestão do trabalho se constituir em formas sociais de controlar o
conflito, e não meramente em técnicas restritas ao ambiente de trabalho.
Os gestores do capital recorrem às inovações tecnológicas, organizacionais e
gerenciais para intensificar o trabalho, aumentar a produtividade e ainda garantir a manutenção
da ideologia da dominação. A articulação entre tais elementos permite que cada vez mais se
aumente o excedente de força de trabalho, o que em si já é um elemento de sujeição da classe
trabalhadora. A difusão de mecanismos de controle que manipulam o conflito capital-trabalho
com o fim de obter a adesão acrítica dos trabalhadores no processo de valorização do capital, dos
quais o discurso do empowerment é o exemplo mais atual, aprofunda a subsunção real do
trabalho ao capital.
O discurso gerencial do empowerment não acarretou mudanças positivas para os
trabalhadores no que diz respeito às soluções das contradições de classe. A “modernização” das
relações e formas de gerenciamento do trabalho pseudo-ocultam o antagonismo de classe inerente
ao modo de produção capitalista através dos discursos motivacionais, das políticas de recompensa
e valorização, da gerência participativa, e de tudo o mais que compõe o espetáculo do “pão e
circo” empresarial. A gestão do empowerment promove competitividade, individualização,
173
inveja, corrosão do caráter, fragmentação da consciência de classe. Este é o ser assim destrutivo
da gestão do trabalho alienado na sociabilidade capitalista. Contudo, também permite que a
dimensão perversa de todo o processo venha à tona, o que é essencial para o desvendar desta
pseudoconcreticidade e para ousar a criação de um vir a ser emancipado e para todos.
174
Considerações Finais
A expansão do capitalismo a partir da permanente revolução de seus meios de
produção carrega consigo um processo também permanente de transformação das formas de
trabalho para torná-las adequadas ao seu desenvolvimento, e, portanto, transforma as relações
sociais. Em cada momento de desenvolvimento das forças produtivas as relações de trabalho
correspondentes criam e recriam o antagonismo entre as classes, com novas formas de opressão e
resistência.
Como observado na parte I, o modelo de organização do trabalho de Ford
caracterizou um destes momentos da luta de classes. Também a “cientifização” do processo de
trabalho com Taylor foi além de uma mera inovação no campo administrativo para a melhoria da
organização do trabalho. Os limites das técnicas fordistas e tayloristas alteraram a organização do
trabalho a partir dos anos 1950, e mais agudamente no fim da década de 1970, quando o capital
se reestruturou produtiva e politicamente nos principais pólos capitalistas, declarando sua crise
estrutural por meio do retrocesso das reformas sociais do Estado do Bem-Estar, do estímulo da
acumulação predominantemente financeira e da difusão das técnicas de gerenciamento da
empresa Toyota.
O importante a frisar é que a apropriação da subjetividade do trabalho está inserida
num processo que se articula desde o modelo taylorista-fordista, e que a realização do trabalho
repetitivo e controlado pelo ritmo da esteira de montagem e pelo cronômetro não anulava esta
dimensão. Pelo contrário, mesmo que o trabalho seja alienado e manipulado pelo capital, o
trabalhador é, e continuará sendo sempre, o sujeito do processo de trabalho. Portanto, as
características de gerenciamento do trabalho que foram iniciadas com Ford e Taylor, foram
sofisticadas no modelo toyotista, uma vez que já estavam em processo e somente foram
estimuladas e promovidas oportuna e sistematicamente no ápice da crise aberta do capital.
Em outras palavras, as formas de gestão típicas do fordismo e taylorismo não
deixaram de existir, foram aperfeiçoadas e combinadas com as do toyotismo, como pôde ser
observado nas práticas do trabalho bancário. O controle destas formas se converteu em um
controle social, não se limitando ao ambiente de realização da atividade e tampouco ao setor
industrial ou de serviços.
175
A necessidade de comprometimento do trabalhador com a “missão” da empresa se
tornou peça chave para a recomposição da acumulação capitalista, daí as formas de controle e
apropriação da subjetividade terem sido examinadas e pesquisadas por diversos campos
científicos, que promoveram o surgimento de uma teoria gerencial no escopo da educação da
classe trabalhadora para e pelo capital. A teoria gerencial objetiva transformar a mente do
trabalhador a fim de que ele se “identifique com a empresa”, e neste prisma, os discursos
gerenciais tentam mascarar o antagonismo entre as classes.
Incorporando os conhecimentos da administração científica às correntes
comportamentais da psicosociologia, a teoria gerencial se apropriou da subjetividade da força de
trabalho como forma de internalizar na “alma” do trabalhador a suposta relação de cooperação e
interesses comuns entre “patrão e empregado”. Mais do que uma teoria gerencial, se pode falar
em uma ideologia gerencial, cuja Escola das Relações Humanas focou o “lado humano” da
empresa, ou melhor, o ajustamento do trabalhador ao processo produtivo partindo de uma
combinação da OCT com estudos psicossociais e formulando técnicas de suavização e
ocultamento da natureza real do trabalho alienado.
O poder gerencial se cristalizou num novo grupo social, o dos administradores do
capitalismo, que diluiu o poder pessoal no poder funcional. O poder pessoal do chefe ou do
“dono” se confunde com a função que o gestor ocupa no processo, passando a ser funcional.
Antes, o poder pessoal do chefe era conquistado pelo seu “saber”, o seu “conhecer” do negócio, e
a superioridade de “ser chefe” se demonstrava pela sua experiência em “saber fazer”. Embora
esta percepção tenha sido identificada por alguns funcionários do BB que trouxeram à tona os
estilos gerenciais distintos de dois gerentes da agência no sentido do “saber fazer”, vale
mencionar que um dos entrevistados associou a figura do administrador como o “dono da
agência” quando abordava a questão do reconhecimento e ascensão profissional, o que sugere
que a tendência do poder funcional é predominante, porém seria prematuro classificá-la num
plano universal.
Alguns depoimentos dos funcionários do BB apontaram a questão do “saber fazer” do
gerente, o poder pessoal da experiência e do tempo de Banco como sinônimo de capacidade
gerencial. Com a reestruturação sobreveio outro estilo de liderança, o funcional, e o controle e a
dominação anteriores, que justamente por serem diretos podiam ser também diretamente
questionados, passaram a uma questão de “atribuição da função”.
176
Ou seja, a figura pessoal do gerente, independente da posição que ocupe, passou a se
esconder atrás do poder funcional, o que facilita muito a aplicação das técnicas gerenciais de
controle, que por outro lado também dependem do poder pessoal na medida em que em alguns
casos é o carisma individual que motiva o funcionário a “vestir a camisa”. Como apreendido num
dos depoimentos, o funcionário disse se sentir à vontade com o gestor funcional, apesar de este
“não saber fazer e cobrar”, porque este “ouvia as suas idéias”, enquanto não sentia o mesmo com
relação ao outro gerente, que “sabia fazer”, mas que no plano pessoal “não ouvia suas idéias”.
Tem-se a impressão de que o gestor é dividido entre o homem e o chefe, o pessoal e
o profissional, permitindo que enquanto homem o “gestor” se aproxime dos subordinados pelo
poder pessoal, e enquanto chefe imponha o poder funcional. Ambos, o poder pessoal e o poder
funcional são manipulados na ideologia gerencial, dificultando a contestação direta porque dilui o
poder gerencial e a figura do opressor acaba por oscilar entre o chefe, as normas, os manuais, o
regulamento, etc. Em outras palavras, a contraditoriedade da ideologia gerencial convém à sua
manutenção neste aspecto.
Outra observação interessante é que nenhum dos entrevistados se dirigiu à figura do
presidente do BB ou a algum tipo de personalização do Banco, além do gerente, que não fosse o
pronome Eles. O poder funcional se tornou um poder sem sujeito, dificultando a possibilidade de
reivindicação e resistência diretas, já que a autonomia fica para as normas e manuais, o que
mantém o aparelho de dominação independentemente de quem exerce a função. Parece uma
espécie de opressão objetiva da força de trabalho pelo poder funcional e manipulação subjetiva
pelo poder pessoal.
A desmoralização sindical também é utilizada como fonte de cooptação para a
ideologia gerencial, como foi percebido nos depoimentos dos funcionários quando abordados
sobre o tema da sindicalização. Dentre os sindicalizados havia os motivados pelo oportunismo
dos convênios oferecidos, os que atuavam como “fiscais do Banco” e os que podem ser
considerados como conscientes do objetivo da ação sindical. Contudo, um depoimento de
funcionário não sindicalizado destacou que na última campanha salarial de 2006, o BB havia
oferecido uma participação nos lucros que em si mesma já superava o aumento negociado pelo
sindicato, o que pode ser comparado à tática do shunto japonês.
Como foi defendida neste trabalho, a essência da organização taylorista-fordista do
trabalho não está no trabalho repetitivo e na especialização das tarefas, mas no controle patronal
177
sobre o processo de trabalho, daí as práticas toyotistas terem aprimorado este controle por meio
das técnicas de trabalho em equipe, dos círculos de controle da qualidade, da
multifuncionalidade, da flexibilidade e do estímulo à iniciativa do trabalhador. Entretanto, é
relevante apontar conforme entrevistas de alguns funcionários, principalmente dos setores ditos
“administrativos”, que o trabalho repetitivo é característico da atividade bancária como um todo,
e que as tarefas rotineiras se conjugam mais com atividades pluriespecializadas, do que
multifuncionais.
Embora os funcionários do setor comercial afirmem ser responsáveis também por
tarefas operacionais e rotineiras, a multifuncionalidade, com o sentido do bancário polivalente
que é ao mesmo tempo conhecedor dos processos comerciais e administrativos como um todo, é
limitada há alguns casos particulares em que o funcionário assumiu ocasionalmente posições nos
dois setores durante sua trajetória profissional, mas não uma característica que se possa conceber
como generalizada.
Outra associação que se pode fazer a fim de ilustrar que no BB a gestão taylorista-
fordista do trabalho se combina numa perspectiva de continuidade com a gestão toyotista é a do
kanban com as metas de venda de produtos. Além do proposto no Acordo de Trabalho, existem
as campanhas particulares, que podem ser comparadas ao kanban japonês, que irá exigir mais ou
menos intensidade e esforço para ser cumprida, e daí a flexibilidade dos ajustes cotidianos para a
“criação” das estratégias para atingir os objetivos. O sistema nervoso autonômico de Ohno
poderia ser a iniciativa do trabalhador para responder às variadas situações de cada kanban.
Seguindo a comparação, as reuniões promovidas para administrar os momentos de
“desordem organizacional”, ou os conflitos entre capital e trabalho, se assemelham aos CCQs,
pois possibilitam a discussão e difusão de estratégias para cumprir o kanban, sem contar que
paulatinamente a apropriação do saber tácito do bancário é transferida para sistemas automáticos,
mas que em última instância ainda devem ser operacionalizados por mãos humanas, sejam as do
funcionário ou as do cliente no auto-atendimento.
Vale ressaltar que o estímulo à competitividade e a individualização também foi
verificado em alguns depoimentos e aludido a determinado administrador da agência (que foi
mencionado como gerente 1 na ocasião), primeiro com relação à formação de competições entre
equipes para cumprir as campanhas de venda, e segundo quando o mesmo responsabilizava os
funcionários ou equipes “participantes” como causadores do fracasso (quase sempre atribuídos ao
178
setor administrativo ou “improdutivo”) ou sucesso da campanha (geralmente atribuído ao setor
comercial ou “produtivo”).
Esta prática gerencial, via de regra, conduz ao aprofundamento do individualismo,
que pulveriza o coletivo de trabalho e a solidariedade de classe, desembocando na
potencialização do processo de reificação. Ao introduzir elementos de rivalidade e competição,
bem como de motivação e autonomia individuais, a ênfase na dimensão individual do trabalho
acarreta uma pseudo auto-realização, quando na verdade o que ocorre é o processo inverso, de
desrealização e de desestruturação das formas organizativas coletivas.
Nesta lógica de individualidade outra questão que também é importante é a da
qualificação do bancário, que segundo algumas leituras teria se elevado de acordo com os níveis
de escolaridade observados em pesquisas estatísticas. Discutiu-se esta temática no BB sob o
aspecto qualitativo, e que parece confirmar a nova qualificação do bancário na ótica dos bancos,
visto que em diversos depoimentos a formação superior do funcionário não comprovou
relevância com o conteúdo da tarefa desempenhada, ao passo que outros depoimentos revelaram
que funcionários “desqualificados”, ou sem formação superior, respondem por inúmeras
atribuições na mesma função.
Os comentários dos funcionários sobre os cursos e treinamentos oferecidos pelo BB
também indicaram certa elitização da qualificação técnica, uma vez que para determinados cursos
somente os níveis gerenciais são dispensados, e quando há uma oferta de vagas em cursos como o
de pós-graduação à distância, mencionado por um dos depoimentos, o que seria supostamente
uma oportunidade para todos, revelou-se na prática uma seleção entre os já “qualificados”. Não
se pode esquecer que no bojo das novas ferramentas gerenciais tais seleções estão imbricadas nos
programas de ascensão profissional, o que termina por reproduzir um ciclo, pois sempre os mais
“qualificados” serão os selecionados para os melhores programas, e, conseqüentemente, serão os
que irão assumir as melhores posições e reproduzir o procedimento entre os seus subordinados
numa tautologia do poder.
Neste processo de “captura do corpo e da alma” do trabalhador a fim de internalizar
na mente do funcionário que “empresa e funcionário” têm os mesmos objetivos, e que, por isso,
devem atuar em conjunto e não em oposição, uma das peças chave na viabilização, disseminação
e dissimulação da ideologia gerencial é o Departamento de Recursos Humanos. O quadro de
referência da empresa, cujos valores convêm ao cumprimento dos seus objetivos organizacionais
179
é transmitido aos funcionários via modelo de gestão de pessoas, onde todas as técnicas e práticas
devem convergir para se imiscuir na mente do trabalhador.
Tornou-se evidente que no BB isso não é diferente. Em muitos comentários sobre as
vantagens de se trabalhar no Banco, os benefícios exteriores oferecidos, como vale- alimentação,
plano médico e previdência privada, foram apontados como potentes alicientes objetivos tanto
por funcionários antigos como pelos novos. Outra tendência verificada, desta vez nos
funcionários antigos, é o sentimento de gratidão ao Banco, já que muitos vieram de famílias
carentes, cujo ingresso no BB representou mudança concreta nas condições de vida, o que explica
em grande medida a sujeição às imposições organizacionais do período de reestruturação do
Banco, e a não reivindicação de certas posturas no cotidiano de trabalho, pois qualquer ação com
este fim soaria como um tipo de “traição” ou ingratidão ao Banco.
Um dos depoimentos reproduziu outra dimensão dos benefícios como meio de reter e
subordinar o funcionário quando fez referência à terceirização de algumas atividades bancárias,
como o pagamento de contas em outros locais de serviços. Além de o Banco reduzir
paulatinamente os postos de trabalho administrativos, transfere uma atividade que é bancária por
natureza para o setor de serviços em geral, fazendo com que outros trabalhadores passem a
responder por esta atividade, contudo, sem dispor dos mesmos benefícios que um caixa do BB
ainda dispõe.
A questão da estabilidade foi apontada pelos funcionários do Grupo 01 e 02, mesmo
o segundo grupo não contando com o mesmo regime estatutário de trabalho dos funcionários
antigos. Os depoimentos demonstram que ambos acreditam que só serão demitidos no caso de
uma má conduta ou total falta de desempenho, o que na verdade é um erro, visto que a própria
história de reestruturação do Banco, que desde 1995 vem reproduzindo a redução de cargos
considerados “improdutivos” ou “excedentes”, indica a possibilidade de demissão a qualquer
momento, principalmente para os “desqualificados”. Em 2006 houve uma tentativa de corte de
pessoal, levada a cabo em junho de 2007.
A tendência da “cara feia do chefe” também se revelou nos depoimentos,
principalmente na temática das horas extras trabalhadas sem remuneração. Em alguns casos os
funcionários as realizaram numa espécie de “comportamento padrão” por medo de retaliação, e
em outros em função de objetivos de carreira. Logo, por mais que o gerente não chegasse a
verbalizar o pedido da hora extra não remunerada, houve funcionário que admitiu realizá-la
180
visando ascensão profissional e interpretando a ação como “investimento na carreira”. Neste
caso, o poder pessoal da figura do chefe é considerado na medida em que ele pode ajudar o
funcionário a se promover, dando o clássico “empurrãozinho” ou definindo diretamente quando a
posição em questão é de sua alçada.
Outro elemento de subversão da subjetividade do trabalhador pelo BB foi o
mencionado na entrevista de um funcionário que relatou ter participado da Equipe de Auto
Desenvolvimento da Agência, cujo objetivo era “mediar” os conflitos interpessoais numa espécie
de “ouvidoria local”. Os conflitos de natureza vertical eram diluídos nos conflitos horizontais,
sem que os próprios trabalhadores se dessem conta do que efetivamente estava acontecendo.
Indiretamente, a EAD funcionou como forma de incitar que os funcionários falassem mal uns dos
outros, espionassem e delatassem uns aos outros, na aparência de estar promovendo o auto-
desenvolvimento, fundamental para um “clima organizacional” agradável na agência. Entretanto,
o próprio entrevistado afirmou que a EAD não exerceu sua “função de cooptação”, o que indica
que os funcionários não são totalmente subsumidos pelas armadilhas gerenciais.
Pode-se deduzir que a ansiedade resultante do desgaste das relações humanas foi
manipulada e utilizada para dificultar o processo de solidariedade de classe, e, conseqüentemente,
uma tomada de consciência de classe a partir da dismistificação do discurso organizacional. Ou
seja, tudo é invertido pela ideologia gerencial para que o quadro de referência do funcionário seja
o do Banco, visando sempre adequar o trabalhador ao meio organizacional sob o discurso do
compromisso mútuo, ocultando a verdadeira origem dos conflitos, e, conseqüentemente, suas
formas de combate e resistência.
No caso da reestruturação do BB, os depoimentos dos funcionários que vieram para a
agência observada em São Bernardo do Campo por meio do PAQ, ou melhor, das transferências
compulsórias, demonstram que a responsabilidade da adaptação ao processo todo, que significa a
“resolução” do conflito, foi transmitida ao funcionário, que devia escolher entre “a cruz e a
espada”. O Banco se excluiu da situação desfavorável ao trabalhador, e ainda por cima conseguiu
sair de “vítima” das circunstâncias, já que, como já foi abordado, o sentimento de gratidão ao BB
nos funcionários antigos de origem pobre é latente.
Todas estas artimanhas da ideologia gerencial têm o mesmo objetivo, subverter a
mente da força de trabalho a fim de que ela sirva pacificamente aos interesses do capital. Fazer
com que o trabalhador se sinta acolhido em sua subjetividade por meio das técnicas de
181
valorização não só supre a necessidade psíquica de realização como contribui para seu
afastamento de qualquer organização coletiva de reivindicação combativa. Toda a política de
gestão de pessoas se estrutura com esta finalidade, de transformar a percepção e confluir as
iniciativas dos funcionários para os objetivos empresariais através da identificação desses com o
quadro de referência do Banco.
É neste cenário que o discurso do empowerment busca dar uma nova roupagem à
velha ideologia gerencial. Supõe transmitir ou criar uma nova administração dos “recursos”
humanos, contudo não transpõe o modelo híbrido de organização do trabalho taylorista-fordista-
toyotista, ou melhor, representa nada mais do que “mais do mesmo”. Seus apologistas enfatizam
que a má gestão do empowerment é que resulta na não solução dos problemas de ordem
organizacional, sendo que o maior responsável seria o DRH, no caso do BB, a Gestão de Pessoas,
que ao mesmo tempo em que constrói o discurso pelas diversas ferramentas, não retira os
obstáculos “burocráticos” à sua efetivação.
Na realidade, a observação das ferramentas gerenciais e práticas de trabalho no BB
confirmou que a suposta revolução decorrida da gestão participativa e do incentivo à
“autonomia” do funcionário é contraditória em si mesma, já que reflete a natureza da
sociabilidade capitalista. Nunca o capital irá conseguir suplantar completamente o trabalhador
porque este é o sujeito por excelência do trabalho, e, portanto, suas técnicas de controle objetivas
e subjetivas sempre se darão no plano da oposição e da contradição, o que elimina a aplicação
coerente de qualquer “nova” prática de gestão do trabalho, e, no melhor dos casos, nunca irá
contar com a adesão plena e uniforme dos funcionários.
Embora a gestão do empowermento tenha trazido nada de absolutamente novo,
algumas de suas ferramentas “modernas” foram analisadas por meio do modelo de gestão de
pessoas utilizado pelo BB como os treinamentos e cursos, a gestão de desempenho por
competências e atrelada à ascensão profissional, e a manipulação da imagem do Banco associada
a “grande família Bando do Brasil”, que agora inclui os clientes como seus “filhos adotivos”. A
idéia é construir e reforçar a imagem do “Banco-pai” a fim de evitar que o funcionário se
conscientize da contraditoriedade das políticas e discursos organizacionais, e, principalmente, que
subentendam as contradições de classe.
Segundo as orientações dos apologistas da gestão do empowerment, o modelo de
gestão de pessoas deve fornecer as condições de uma gestão condizente com os referenciais
182
daquela organização e que permita a compreensão e aproveitamento de situações subjacentes.
Nesta lógica, o Programa de Ajustes do BB cumpriu o papel de remover as situações subjacentes
desfavoráveis e viabilizar condições favoráveis para a implantação das novas regras do jogo.
Por todas as temáticas debatidas até aqui, e, em especial, aquelas abordadas a partir da
análise da reestruturação no BB, a questão inicial da pesquisa, de como o BB viabilizou as
“modernas” técnicas de gerenciamento do trabalho numa atmosfera organizacional supostamente
conflitante formada por dois tipos de funcionários, anteriores ao Programa de Ajustes e os que
ingressaram a partir de 1998, parece indicar que o BB tem obtido êxito em sua implantação,
jogando convenientemente com os potenciais dos funcionários antigos e novos.
Os programas, treinamentos, cursos, e, principalmente, os depoimentos citados,
sugerem o esforço organizacional do Banco para se adequar ao movimento global de redução de
custos via informatização, automação, terceirização e intensificação do trabalho com foco em
venda de produtos e serviços, sem, contudo, dissociar completamente a imagem patriarcal do BB,
embora na prática ela não se verifique mais no patamar anterior à reestruturação. Tal imagem
ainda é manipulada a fim de garantir o compromisso do funcionário com a Instituição e
fundamental para cooptar os “qualificados” para o exercício da ideologia gerencial.
A suposição de que haveria uma contradição entre o discurso gerencial, traduzido na
ideologia do empowerment, e a prática efetiva de trabalho, indicou o caminho para sua validação
na medida em que as fontes revelaram tendências contraditórias e típicas da sociabilidade
capitalista, em que a dimensão subjetiva da força de trabalho é um terreno complexo,
intensamente disputado e que está ameaçado pelo capital. No entanto, qualquer afirmação
definitiva neste sentido seria precoce ou imatura, dadas as circunstâncias do objeto científico
estar em movimento, e, justamente por estar na roda da história é que se torna capaz de ameaçar
as técnicas do capital que visam sua “captura”. Através de uma tomada de consciência de classe
coletivamente que rejeite a autonomia fetichizada sobre o processo de trabalho é possível virar a
roda ao contrário e na direção da práxis transformadora, que reivindique uma autonomia concreta
e contribua de fato para a emancipação humana.
183
APÊNDICE A - Apontamentos sobre as novas tecnologias e crise
atual do modo de produção capitalista
A forma de sociabilidade capitalista carrega consigo uma crise inerente, como afirma
Meszáros, ao seu próprio metabolismo, contraditório em sua natureza. Seja pelas inovações de
base produtiva tecnológica ou pela sua própria lógica incontrolável, o que ocorre são momentos
de crise mais ou menos aguda do capital, em que as pressões sociais realizadas pela luta de
classes se colocam com maior ou menor efetividade e clareza.
Com relação à crise contemporânea do capital, a partir dos anos 1980, profundas
mudanças de ordem produtiva, política e ideológica foram provocadas pelo desenvolvimento
científico e tecnológico ou pelas chamadas novas tecnologias
287
. Observou-se, nas análises das
formas de trabalho promovidas pela organização fordista, taylorista e, principalmente, toyotista,
que, as relações sociais de produção se metamorfoseiam para além do espaço produtivo,
assumindo uma forma social, o que por sua vez traz novas contradições à superfície do processo,
ou contradições qualitativamente diferentes.
A própria composição do capital e classe trabalhadora também se complexiza,
acarretando novas frações de classes, como foi demonstrado ao longo dos capítulos na
formulação e viabilização da ideologia gerencial, que indica novos grupos atuantes dos dois lados
da luta de classes. O desenvolvimento e as transformações ocasionadas pelo avanço tecnológico
cumprem um papel social na medida em que conduzem inovações organizacionais que implicam
diretamente no processo de trabalho e, conseqüentemente, no cenário da luta de classes e nas
formas de sua superação.
A reestruturação produtiva do capital provocou mudanças que atingiram não só o
universo produtivo, mas também o político e ideológico, e neste sentido as conquistas da ciência
e tecnologia foram articuladas como “forças produtivas” direcionadas para organizar e gerir o
processo de trabalho, supondo “libertar” o trabalhador em toda sua dimensão autônoma, quando
287
Cf. Mazzeo: “Essa nova organização societária demonstra aspectos de alto teor complexivo, no que se refere à estrutura do
capitalismo contemporâneo. Se, de um lado, ampliam-se as perspectivas de aumento da produção – com a aplicação de novas
tecnologias no processo produtivo -, de outro, contraditoriamente, esse volume de mercadorias acentua, ainda mais, a tendência da
queda progressiva da taxa de lucro e de estagnação do mercado, ou seja, o sistema, para se reproduzir, busca outras formas de
organização da produção que entram em contradição com a própria lógica interna de seu funcionamento”. Op. cit., 1995, p. 55-56.
184
na verdade, a manipulação da subjetividade da força de trabalho garantiu maior liberdade ao
capital.
As transformações científicas nas áreas da robótica, microeletrônica, informática,
química, biotecnologia e genética, das quais as primeiras, aplicadas principalmente na
telecomunicação e transportes, viabilizaram não só o aumento da produção via introdução de
trabalho morto e redução de trabalho vivo, mas também a mobilidade do capital e
financeirização da esfera econômica, possibilitando uma deslocalização territorial muito mais
eficiente e menos onerosa para os centros de controle, uma vez que o capital pode se locomover
com facilidade para onde houver conjunturas mais interessantes do ponto de vista dos custos de
produção e agilidade de comunicação.
Essa incontrolabilidade da expansão capitalista gerou – e ainda gera - surtos de
emprego em uma localidade e de desemprego em outra, o que ativa o inevitável desequilíbrio da
gangorra do desenvolvimento e subdesenvolvimento capitalistas, diminui o exército industrial de
reserva e aumenta o crescimento do lúmpen proletariado, e nesta perspectiva, a questão do
“desemprego tecnológico” supostamente promovido pela difusão da automação se confundiu
com o desemprego inerente ao modo de produção capitalista.
De fato, deve-se creditar uma parcela do desemprego às novas tecnologias, mas não
somente, até porque tais inovações também criaram novos postos de trabalho em setores
diretamente vinculados à produção das novas tecnologias, e também em setores indiretos. Novas
funções no interior da complexa base produtiva contemporânea surgiram e uma gama de técnicos
e trabalhadores qualificados foi necessária para a objetivação e controle do processo de trabalho.
Sem contar os setores periféricos, como setor de vendas dos novos equipamentos, de manutenção
dos novos equipamentos, etc.
A conclusão a que se quer chegar é que os efeitos das novas tecnologias de automação
sobre o desemprego talvez sejam diferentes do que os imaginados por autores que, valendo-se
desta suposição, atestaram o fim da sociedade do trabalho e o aparecimento da sociedade do
tempo livre em seus mais variados sentidos
288
. A automação de diversos setores da produção
288
Uma gama de autores tratou a questão do desenvolvimento técnico-científico sob diversas perspectivas e conduzindo à mais
diversas ainda superações da atual sociedade capitalista. Não nos deteremos nas particularidades de cada estudo, somente em
apontá-los. Schaff se preocupou com os desdobramentos ocasionados pela “revolução informática” e com o suposto tempo
liberado por tal revolução, e que por sua vez poderia conduzir a uma sociedade emancipada. Gorz também abordou o tema da
185
levou estes autores a crer que a substituição total do homem pelo robô seria apenas uma questão
de tempo. Sendo assim, haveria uma crise de desemprego que ocasionaria sérios problemas
sociais dentro do sistema capitalista e daí sua superação. Se a produção da vida material seria
realizada por máquinas automatizadas, o homem poderia ter seu tempo, agora livre, para
desenvolver outras atividades, mais produtivas no campo da autonomia e emancipação
289
.
A idéia de que a reestruturação produtiva inaugurou uma nova fase do capitalismo,
supõe que uma nova base, a de bens e serviços, substituiu a base produtiva industrial, na medida
em que, com a expansão do capitalismo pelo globo se expandiu também a esfera de circulação, e,
conseqüentemente, o setor de bens e serviços com a tecnologia informacional teria dado origem a
uma sociedade pós-industrial
290
.
A expansão do setor de serviços e sua informatização parecem não ter substituído a
base produtiva capitalista, já que na própria expansão dos serviços se tem uma organização
industrializada (basta comer uma “McComida” em qualquer “McEstabelecimento” e observar a
cadeia “produtiva”), além da esfera de atuação do setor ser a de circulação, e que, portanto,
automação, que seria geradora de tempo livre e, supostamente desembocaria no fim da classe trabalhadora e em sua emancipação
do trabalho alienado. No mesmo sentido se dirigiu o estudo de De Masi, em que a suposta sociedade do tempo livre resultaria no
emprego do que chamou de “ócio criativo”, e daí a superação da sociedade escravizada pelo trabalho alienado. Para aprofundar
tais estudos vejam-se SCHAFF, A. A sociedade informática. As conseqüências sociais da Segunda Revolução Industrial. Trad.
Carlos Eduardo Jordão Machado e Luiz Arturo Obojes. São Paulo: Editora Unesp, 1990. GORZ, 1982, op. cit. e DE MASI, D. O
ócio criativo. Entrevista a Maria Serena Palieri. São Paulo: Editora Sextante, 2001.
289
Lukács apontava este aspecto da redução do tempo de trabalho e sua conversão em “tempo livre”, sugerindo um novo
referencial a ser investigado, entretanto, também já se referia aos problemas do suposto tempo liberado do trabalho e sua relação
com a necessidade de uma transformação no modo de sociabilidade capitalista, e não com sua inevitabilidade. “As lutas anteriores
pelo tempo livre conseguiram obter tão somente um horário que só de modo precário permitia uma vida efetivamente humana
para o trabalhador. Trata-se, hoje, de muito mais. Da redução do horário de trabalho deriva um espaço no qual o tempo livre pode
ser transformado em otium. O capitalismo moderno, entretanto, faz tudo para impedi-lo. Não em bases ideológicas, mas
simplesmente porque o comércio manipulado da indústria dos bens de consumo está ligado, necessariamente, a uma ideologia
conformista do desfrute. Daqui nascem problemas completamente novos, que surgem da estrutura econômica mundial não apenas
em sentido imediato. Pelo contrário, são eles uma indicação da necessidade da passagem ao socialismo e representam algo novo
no desenvolvimento histórico”. p. 81. Ver mais em KOFLER, L.; ABENDROTH, W.; HOLZ, H.H. Conversando com Lukács.
Trad. Giseh Vianna Konder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
290
Outra tese seria a desenvolvida por Bell, a da sociedade pós-industrial. O autor sugere uma superação do capitalismo industrial
clássico via expansão do setor de serviços, o que acarretaria uma substituição da base produtiva industrial por uma nova base na
esfera da circulação, com novas formas de trabalho não-industriais. Lojkine também analisa as transformações ocorridas no modo
de produção capitalista ocasionada pela tecnologia da informação e refletida na esfera produtiva e de serviços, o que teria
conduzido á uma “revolução informacional” que superaria a distinção entre os trabalhadores produtivos e os improdutivos.
Consultar BELL, D. O advento da sociedade pós-industrial. Uma tentativa de previsão social. São Paulo: Editora cultrix, 1977 e
LOJKINE, J. A revolução informacional. São Paulo: Cortez Editora, 2002.
186
depende da produtiva para integrar o ciclo da reprodução do capital
291
. Talvez se possa falar em
uma transferência da estrutura industrial para o setor de serviços ou de uma composição, mas
não em substituição da base industrial pela de bens e serviços.
As inovações tecnológicas criam e recriam novos horizontes na organização da
produção material da sociedade, criando, conseqüentemente, novas formas de relação com o
trabalho e com o tempo. Entretanto, até agora não se pode falar em desaparecimento da classe
assalariada, pois o sistema está organizado em bases materiais híbridas, complexas e diferentes
das anteriores, onde o proletariado não se encaixa mais no perfil do operário clássico, mas que
também não desapareceu, talvez só tenha tomado novas formas na luta de classes.
As novas tecnologias ainda não viabilizaram o fim da sociedade do trabalho e
tampouco a superação da sociedade capitalista por outra forma objetiva de sociabilidade
emancipada, pelo contrário, assiste-se cotidianamente a potencialização do trabalho alienado na
totalidade do modo de sociabilidade capitalista
292
. Talvez o proletariado seja uma classe em
constante transformação e expansão, não só porque a base produtiva industrial ainda existe como
também porque a migração do proletariado para outros setores, como o de serviços, acompanha o
processo de intensificação da precariedade do trabalho.
291
Segundo Marx: “A própria circulação é somente um momento determinado da troca, ou ainda, é a troca considerada em sua
totalidade. [...] A troca aparece como independente junto à produção e indiferente em relação a ela, na última etapa, quando o
produto é trocado, de imediato, para o consumo. Mas, primeiro, não existe troca sem divisão de trabalho, quer natural, quer como
resultado histórico; segundo, a troca privada supõe a produção privada; terceiro, a intensidade da troca, do mesmo modo que sua
extensão e tipo, são determinadas pelo desenvolvimento e articulação da produção. [...] A troca aparece, assim, em todos os seus
momentos diretamente compreendida na produção ou por ela determinada”. MARX, K. Para a crítica da economia política. In: Os
Pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. p. 38.
292
Outra discussão que surgiu no campo das novas tecnologias e que deve ser aprofundada é a proposta por Lazzarato, Negri,
Hardt e Gorz, onde a evolução do setor de bens e serviços teria tomado impulso com a tecnologia de comunicação e constituído
um novo tipo de subjetividade capaz de superar as contradições do modo de sociabilidade capitalista antes de suplantar
completamente sua base produtiva. As crises atuais do modo de produção seriam reflexos de um período de transição para o modo
de produção comunista, que em si, já existiria subjetivamente como “estilo de vida” na medida em que trabalho produtivo e
improdutivo teriam se convertido em uma forma genérica chamada pelos autores de “trabalho imaterial”. A discussão é complexa
e não há espaço para debatê-la no escopo deste trabalho, mas vale ressaltar que sua crítica foi realizada por Lessa, que afirma que
os “delírios” do trabalho imaterial seriam a deturpação de categorias objetivas como trabalho, trabalho abstrato, produtivo e
improdutivo, que identificariam capital e sociedade, transferindo o plano da superação para o político-subjetivo, o que justificaria
a crise atual do capital, a inevitabilidade de uma ordem social comunista já em curso e a não necessidade de uma ruptura material
com a lógica capitalista, portanto, a não necessidade de uma revolução. Para aprofundar o debate vejam-se LAZZARATO, M.;
NEGRI, A. Trabalho imaterial. Formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, HARDT, M.; NEGRI,
A. Império. Rio de Janeiro/ São Paulo: Editora Record, 2001, GORZ, A. O Imaterial. Conhecimento, valor e capital. São Paulo:
Annablume, 2005 e LESSA, S. Para além de Marx? Crítica da teoria do trabalho imaterial. São Paulo: Xamã, 2005.
187
A partir destes breves apontamentos, afirma-se que a revolução proporcionada pelas
novas tecnologias transformou a organização do trabalho e sua forma de objetivação e,
concomitantemente, novas práticas de controle e resistência se complexizaram no plano subjetivo
do trabalho pela própria natureza das relações que se conformaram com a reestruturação
produtiva desde a década de 1950. É a organização da base material refletida socialmente.
188
APÊNDICE B - Apontamentos sobre a natureza do trabalho
bancário
Para verificar se o discurso proferido pela ideologia gerencial em sua tendência
“moderna” se efetiva na prática, a pesquisa observou um núcleo específico de serviço, o
segmento bancário. Este segmento pode ser considerado em um todo composto pelos
“trabalhadores de escritório” na moderna estrutura empresarial inaugurada com o capital
monopolista
293
, e fora da produção direta de valor e de seu excedente, porém não exterior a sua
lógica.
A lógica capitalista visa maximizar lucro e ampliar capital sempre, todavia, isso não
ocorre de forma imediata à produção de valor, é preciso que o valor se concretize para que seja
devidamente apropriado na forma de capital e acumulado, e isso se dá quando o valor da
mercadoria é transformado em capital dinheiro. Para que esta concretização aconteça é necessário
que uma parte do trabalho socialmente necessário se dedique a este fim, o de contabilizar o valor
de troca das mercadorias em dinheiro.
Os bancos atuam neste momento, de concretização do valor de troca da mercadoria
em valor dinheiro, e conseqüentemente, na viabilização da apropriação do valor excedente,
gerado pela mais-valia no ato da produção, pelo capitalista na forma de capital dinheiro, e ainda,
na ampliação da riqueza “virtual” a partir da acumulação financeira. Se pensarmos em quê
consiste o objeto do trabalhador bancário e o que significa, percebe-se que tal atividade manipula
a forma mais fetichizada da mercadoria, o dinheiro, que além de circular os valores de troca,
viabiliza a ampliação e apropriação privada da riqueza social pelo capital
294
.
293
Veja-se com maior profundidade em BRAVERMAN, op. cit. IV parte.
294
Braverman discutiu o caráter das empresas bancárias e seu respectivo papel na estrutura do capitalismo moderno e com relação
à acumulação financeira em 1974: “O fato de que as empresas bancárias nada produzem, mas apenas se beneficiam da massa de
capital sob a forma de dinheiro à sua disposição mediante atividades outrora conhecidas pelo nome de “usura”, não mais as sujeita
a descrédito na sociedade capitalista monopolista como antigamente na sociedade feudal e nos inícios do capitalismo. De fato, as
instituições financeiras ganharam um lugar proeminente na divisão social do trabalho. Isto porque dominaram a arte de expandir o
capital sem a necessidade de passá-lo através de qualquer processo produtivo”. Op. cit. p. 256. A critério de curiosidade, as
palavras “banco” e “banqueiros” tiveram origem no século XVIII, quando da revitalização do comércio e dos burgos estimulada
pela volta dos cruzados. Como os comerciantes que viajavam sofriam demasiados saques e a igreja católica condenava o acúmulo
de riqueza (por outros que não fossem ela mesma) como forma de combate à usura, os judeus se dispunham a “guardar” as
189
Partindo da distinção que Braverman estabelece como fruto da natureza do
capitalismo monopolista em que a figura do capitalista foi dividida entre o proprietário da riqueza
e o administrador, a figura do banqueiro seria a do administrador do capital dinheiro. As funções
de concretização e apropriação se tornaram também processos de trabalho, e por conseguinte, são
controladas pelo capital da mesma forma como os processos de trabalho na esfera produtiva, ou
seja, por métodos de organização que controlam a força de trabalho.
A atividade bancária é parte da esfera da circulação, e de acordo com a distinção de
trabalho produtivo e improdutivo de Marx
295
, o trabalho bancário deve ser analisado como
atividade improdutiva, uma vez que não gera valor diretamente, não cria riqueza concreta, e sim
viabiliza a concretização do valor produzido na esfera produtiva, atuando na pseudovalorização
da acumulação financeira por meio da contabilização e manipulação da mercadoria dinheiro, o
que também indica uma contradição da natureza capitalista que depende deste tipo de trabalho
que não produz mais-valia direta para realizá-la
296
.
Mesmo não produzindo diretamente o valor excedente, o trabalho improdutivo realiza
a mais-valia, na medida em que articula sua circulação e posterior acumulação. De outra forma,
um trabalho improdutivo como o bancário viabiliza a apropriação da riqueza pela classe
capitalista sem produzir nada material, sem acrescentar mais-valia produtiva à mercadoria
dinheiro. Contudo, o trabalho improdutivo é trabalho assalariado, considerado como trabalho
abstrato e, portanto, trabalho alienado na sociedade capitalista, o que o faz também produtor de
riqueza para a classe capitalista na medida em que o trabalhador não só recebe um salário menor
riquezas dos viajantes que saíam em busca de ampliar as atividades de comércio. Estes homens ficavam sentados nos “bancos”
das praças aguardando os comerciantes para realizarem as trocas, e daí as conotações das palavras “banco” e “banqueiros”.
MOTA, M. B. e BRAICK, P. R. História das cavernas ao Terceiro Milênio. São Paulo: Moderna, 1998.
295
A distinção entre trabalho produtivo e improdutivo não foi completamente esgotada por Marx, sendo que suas anotações sobre
tais conceitos vieram a ser publicadas somente após de O Capital, como um capítulo inédito. Contudo, na essência da distinção
abordada por Marx (os economistas clássico também já distinguiam entre tais formas de trabalho) podemos caracterizar o trabalho
bancário como trabalho improdutivo. Braverman se ocupou de analisar os temas relevantes a tal distinção em seu trabalho, que
também é utilizada neste estudo no que diz respeito ao trabalho bancário. Vejam-se “Trabalho produtivo e trabalho improdutivo”
em MARX, K. Capítulo VI. Inédito de O Capital. São Paulo: Moraes, 1985. p. 108-120 e BRAVERMAN, op. cit., V Parte.
296
“Extensões posteriores dos constituintes não-produtivos, que geram antivalor no processo de trabalho capitalista, partilham as
mesmas premissas e são construídas sobre os mesmíssimos fundamentos materiais. Elas pertencem àqueles “falos custos e
despesas inúteis de produção” que são, apesar de tudo, absolutamente vitais para a sobrevivência do sistema: uma determinação
contraditória da qual ele não pode se livrar”. MÉSZÁROS, op. cit., p. 618.
190
do que o necessário para sua reprodução como também direciona a renda que recebe para o
consumo.
Além da distinção com relação ao posicionamento dentro do capitalismo enquanto
sistema, ou melhor, dentro ou fora da esfera produtiva, a questão do trabalho produtivo e
improdutivo assume uma forma social, e é este caráter histórico que delimita a natureza do
trabalho. Ou seja, um mesmo trabalho concreto pode ser produtivo ou improdutivo dependendo
da forma social que lhe é atribuída
297
. Entretanto, pela própria forma de ser do capital, este não
distingue entre a forma produtiva ou improdutiva do trabalho para impor a “produtividade” para
ambos e viabilizar sua riqueza pela exploração do trabalho assalariado.
Nem por isso, em relação ao trabalho bancário, se deve analisar a atividade bancária
sob o prisma conceitual do trabalho produtivo, não porque esta não tenha “utilidade”, mas sim
porque o momento determinante é em última instância a criação de valor, e, portanto, de primazia
da esfera de produção. Pode-se pensar talvez em uma tendência inversa, de um aumento do
trabalho improdutivo na medida em que o excedente de capital aumenta e é necessário cada vez
mais trabalho com a função de manipular e realizar este capital em sua forma dinheiro
298
.
Já mencionamos sobre a pseudoautovalorização do capital dinheiro na esfera
financeira no parte II deste trabalho, porém, vale destacar que a partir desta identificação entre
trabalho produtivo e improdutivo como exploração do trabalho na sociedade capitalista enquanto
substância da atividade é possível ao capital se ampliar sem necessariamente produzir riqueza
social. Partindo-se do pressuposto de que Trabalho é atividade de intercâmbio do homem com a
natureza onde ele a transforma e é transformado, o capital financeiro, que tem origem na esfera
do trabalho produtivo abstrato, concretiza-se na esfera da circulação e através do trabalho
297
Por exemplo, o trabalho de costurar ternos de um alfaiate. Como trabalho improdutivo o alfaiate venderia o terno que costurou
em troca de renda. Sob a lógica capitalista o alfaiate seria contratado por uma loja e costuraria o terno para agregar valor à
mercadoria e promover o lucro para a loja a partir da mais-valia expropriada do seu trabalho. No modo de produção capitalista a
tendência seria de cada vez mais termos menos trabalho improdutivo e o aumento do trabalho produtivo no sentido de “dinheiro
trocado por trabalho com o objetivo de apropriar-se daquele valor que ele cria no que é pago e acima do que é pago, o valor
excedente”. BRAVERMAN, op. cit., p. 349.
298
“O trabalho pode pois ser improdutivo simplesmente devido a que ocorre fora do modo capitalista de produção, ou devido a
que, enquanto ocorrendo no seio dele, é utilizado pelo capitalista, em seu impulso para acumulação, para funções improdutivas
mais que produtivas. E fica agora claro que enquanto o trabalho improdutivo declinou fora do alcance do capital, aumentou dentro
do seu âmbito. [...] E quanto maior a massa de capital, maior a massa das atividades improdutivas que servem apenas ao desvio
desse excedente e à sua distribuição entre vários capitais”. Idem., p. 351.
191
improdutivo, e consegue se pseudovalorizar na esfera financeira justamente porque não houve
transformação da natureza, é o fetiche do fetiche da mercadoria!
De toda forma, o que importa ressaltar aqui é que o mesmo mecanismo utilizado para
a compra e venda da mercadoria força de trabalho e a respectiva lógica de seu controle e
exploração pelo capitalista na esfera produtiva é aplicado na totalidade do modo de produção é
uma forma social, e, portanto, engloba trabalhos improdutivos como a atividade bancária. As
mesmas diretrizes organizacionais do espaço industrial são transferidas para gerir e controlar os
trabalhadores do setor de serviços ou os trabalhadores de escritório, bem como as formas de
combate e resistência por parte destes trabalhadores.
Vale desvendar de antemão o mito de que o trabalhador de escritório seria um
privilegiado se comparado ao operário que lida diretamente com a produção das mercadorias
porque o primeiro trabalha com “papéis” e supostamente seria mais “qualificado”, receberia
salários maiores e estaria livre da “disciplina da fábrica”. Pelo contrário, o trabalhador de
escritório, neste caso o bancário, é hoje um “peão de luxo”, ou seja, apesar de operacionalizar
papéis e computadores, sofre o mesmo processo de (des) qualificação utilitária para operar os
sistemas de trabalho como o operário e recebe salários tão ou mais defasados, realizando suas
atividades em péssimas condições de trabalho.
Os trabalhadores bancários que vendem produtos, gerenciam carteiras de crédito,
realizam lançamentos contábeis, registram pagamentos, operam máquinas de auto-atendimento,
recebem depósitos bancários, prospeccionam clientes e controlam a organização do trabalho em
sua totalidade não acrescentam valor algum às mercadorias simbolizadas no dinheiro e nos papéis
que manipulam. Entretanto, suas atividades não devem ser tomadas pelas suas formas de
realização, e sim pelo teor abstrato do trabalho e pela contribuição na concretização do valor no
mercado, sofrendo, portanto, todas as mazelas do trabalho alienado.
Em meio a este universo de degradação do sentido ontológico do trabalho, os
trabalhadores que “personificam” o capital-dinheiro, ou, os gestores do capital financeiro, são
atingidos pela razão organizacional do chamado empowerment, promovendo um discurso de
maior liberdade e condenando as arcaicas práticas hierárquicas e burocratizadas da administração
clássica, em nome de uma administração moderna e supostamente harmoniosa que libertaria o
trabalhador da rigidez típica do taylorismo-fordismo.
192
Anexo 1 – Perfil dos Entrevistados na Agência X em São Bernardo
do Campo/SP.
GRUPO 01: funcionários anteriores aos concursos de 1998, 1999 e 2002.
Entrevistado B
Idade de ingresso: 14 anos
Tempo de banco: 22 anos (aposentou-se em
2003)
Função: gerente
Sindicalizado: SIM
Entrevistado D
Idade de ingresso: 27 anos
Tempo de banco: 24 anos
Função: caixa
Sindicalizado: SIM
Entrevistado E
Idade de ingresso: 21 anos
Tempo de banco: 23 anos
Função: caixa
Sindicalizado: SIM
Entrevistado O
Idade de ingresso: 14 anos
Tempo de banco: 22 anos
Função: gerente de agência
Sindicalizado: SIM
GRUPO 02: funcionários dos concursos de 1998, 1999 e 2002.
Entrevistado A
Idade de ingresso: 21 anos
Tempo de banco: 5 anos e meio (1998 a
2003)
Função: caixa e escrituraria
Sindicalizado: NÃO
Entrevistado C
Idade de ingresso: 23 anos
Tempo de banco: 3 anos e meio (2002 a
2005)
Função: caixa
Sindicalizado: SIM
Entrevistado F
Idade de ingresso: 26 anos
Tempo de banco: 2 anos
Função: caixa
Sindicalizado: SIM
Entrevistado G (delegado sindical)
Idade de ingresso: 20 anos
Tempo de banco: 3 anos
Função: caixa
Sindicalizado: SIM
193
Entrevistado H
Idade de ingresso: 25 anos
Tempo de banco: 3 anos
Função: assistente de negócios
Sindicalizado: SIM
Entrevistado I
Idade de ingresso: 22 anos
Tempo de banco: 3 anos e meio
Função: assistente de negócios
Sindicalizado: SIM
Entrevistado J
Idade de ingresso: 21 anos
Tempo de banco: 3 anos e meio
Função: assistente de negócios
Sindicalizado: SIM
Entrevistado K
Idade de ingresso: 22 anos
Tempo de banco: 8 anos e meio
Função: gerente de contas
Sindicalizado: NÃO
Entrevistado L
Idade de ingresso: 24 anos
Tempo de banco: 4 anos
Função: gerente de expediente
Sindicalizado: SIM
Entrevistado M
Idade de ingresso: 19 anos
Tempo de banco: 7 anos
Função: gerente de contas
Sindicalizado: SIM
Entrevistado N
Idade de ingresso: 18 anos
Tempo de banco: 8 anos
Função: gerente de contas
Sindicalizado: NÃO
Entrevistado P
Idade de ingresso: 48 anos
Tempo de banco: 8 anos
Função: escriturário
Sindicalizado: SIM
Entrevistado Q
Idade de ingresso: 23 anos
Tempo de banco: 27 anos
Função: escriturário
Sindicalizado: NÃO
Entrevistado R
Idade de ingresso: 32 anos
Tempo de banco: 4 anos
Função: escriturário
Sindicalizado: SIM
Entrevistado S
Idade de ingresso: 2006
Tempo de banco: 1 ano
Função: escriturário
Sindicalizado: NÃO
194
Anexo 2 – Código de Ética do Banco do Brasil S.A.
1. Funcionários
1.1 O Banco do Brasil e seus funcionários reconhecem e aceitam a diversidade das pessoas
que integram a Organização. Pautam suas relações pela confiança, lealdade e justiça.
1.2 Valorizam o processo de comunicação interna de maneira a disseminar as informações
relevantes ligadas aos negócios e às decisões corporativas. Preservam o sigilo e a segurança
das informações.
1.3 Compartilham aspirações de desenvolvimento profissional, reconhecimento do
desempenho e zelo pela qualidade de vida dos funcionários.
1.4 Os funcionários preservam o patrimônio, a imagem e os interesses da Organização.
2. Clientes
2.1 O Banco do Brasil e seus funcionários comercializam os produtos e serviços da
Organização com honestidade e transparência.
2.2 Relacionam-se com clientes idôneos, oferecem-lhes tratamento digno e cortês e
respeitam seus direitos de consumidor.
2.3 Prestam orientações e informações claras, confiáveis e tempestivas, para permitir aos
clientes a melhor decisão nos negócios. Preservam o sigilo das informações.
2.4 São receptivos às opiniões da clientela e as consideram para a melhoria do atendimento,
dos produtos e dos serviços.
3. Acionistas
3.1 O Banco do Brasil é transparente em suas políticas e diretrizes, na distribuição de
dividendos e nos demonstrativos da situação econômico-financeira. É ágil e fidedigno no
fornecimento de informações aos acionistas.
3.2 É proativo na disposição de informações ao Mercado, de maneira a minimizar rumores
e especulações.
3.3 Administra seus negócios com independência e boa técnica bancária, com vistas a
fortalecer sua situação financeira e zelar por sua imagem e pelo patrimônio dos acionistas.
195
4. Comunidade
4.1 O Banco do Brasil e seus funcionários defendem os direitos humanos, os princípios de
justiça social e o ecossistema.
4.2 Respeitam os valores culturais e reconhecem a importância das comunidades para o
sucesso da Empresa, bem como a necessidade de retribuir à sociedade parcela do valor
agregado aos negócios. Apóiam ações desenvolvimentistas e participam de
empreendimentos direcionados à melhoria das condições sociais da população.
5. Governo
5.1 O Banco do Brasil, na condição de principal agente financeiro da União, atua como
efetivo parceiro do Governo na implementação de políticas, projetos e programas
socioeconômicos voltados para o desenvolvimento do País.
5.2 Articula os interesses e as necessidades da Administração Pública com os vários
segmentos econômicos da sociedade.
5.3 Antecipa-se e oferece, com inovação e qualidade, produtos, serviços e informações para
o atendimento das necessidades dos integrantes da cadeia produtiva do Mercado Governo.
5.4 É fidedigno e tempestivo nas informações e obedece aos princípios de legalidade,
impessoalidade, publicidade e eficiência, próprios da Administração Pública.
6. Parceiros
6.1 O Banco do Brasil e as empresas associadas à sua marca compartilham os valores de
integridade, idoneidade, respeito às comunidades nas quais se inserem e aos direitos do
consumidor.
6.2 Zelam mutuamente pelas suas imagens, pelos interesses comuns e compromissos
acordados.
196
7. Fornecedores
7.1 O Banco do Brasil e seus funcionários se relacionam com prestadores de serviços e
fornecedores idôneos. Adotam processos de contratação imparciais e transparentes, zelando
pela qualidade e viabilidade econômica dos serviços contratados e dos produtos adquiridos.
7.2 Os profissionais contratados pautam seus comportamentos pelos princípios deste
Código de Ética.
8. Concorrentes
8.1 O Banco do Brasil e seus funcionários mantêm civilidade no relacionamento com a
concorrência.
8.2 Obtêm informações de maneira lícita e transparente e preservam o sigilo daquelas
fornecidas pelos concorrentes.
8.3 Quando solicitados, dispõem informações fidedignas, por meio de fontes autorizadas.
9. Mídia
9.1 O Banco do Brasil mantém atitude independente e respeitosa no relacionamento com a
mídia.
9.2 Presta informações claras e tempestivas de caráter societário e de fatos relevantes aos
clientes, à comunidade de investidores, à imprensa e ao público em geral, por meio de
fontes autorizadas.
9.3 O Banco do Brasil legitima os funcionários que o representam nas relações com a
mídia.
10. Associações e Entidades de Classe
10.1 O Banco do Brasil reconhece a legitimidade das Associações e Entidades de Classe e
prioriza a via negocial na resolução de conflitos de interesses.
10.2 Apóia iniciativas que resultem em benefícios e melhoria da qualidade de vida dos
funcionários e seus familiares.
197
Referências Bibliográficas
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