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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA
CONTEMPORÂNEA DO BRASIL
CURSO DE MESTRADO EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS
A EXPERIÊNCIA COM ESPORTE E EDUCAÇÃO DO
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE: DE PROJETO A TECNOLOGIA SOCIAL
Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil – CPDOC para a obtenção do grau de Mestre em
Bens Culturais e Projetos Sociais
Susana Moreira dos Santos
Setembro de 2008
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A EXPERIÊNCIA COM ESPORTE E EDUCAÇÃO DO
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE: DE PROJETO A TECNOLOGIA SOCIAL
Susana Moreira dos Santos
Dissertação de mestrado apresentada ao Mestrado
Profissionalizante em História Política, Bens
Culturais e Projetos Sociais do Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil
da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Barbosa Sarmento
Rio de Janeiro
Setembro de 2008
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Ficha Catalográfica
SANTOS, Susana Moreira.
A experiência com esporte e educação do Instituto Bola Pra Frente: de projeto a tecnologia
social. Rio de Janeiro: FGV / CPDOC/ Programa de Pós-Graduação em História, Política e
Bens Culturais, 2008, 170 folhas.
Dissertação (Mestrado Profissionalizante em História Política, Bens Culturais e Projetos
Sociais) – Fundação Getulio Vargas - Rio de Janeiro. Pós-Graduação em História Política,
Bens Culturais e Projetos Sociais – CPDOC, 2008.
1. Tecnologia Social 2. Esporte Educacional 3. Educação 4. Futebol
5. Gestão Social 6. Terceiro Setor CDD 927
4
A EXPERIÊNCIA COM ESPORTE E EDUCAÇÃO DO
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE: DE PROJETO A TECNOLOGIA SOCIAL
Susana Moreira dos Santos
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em História,
Política e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas - Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de mestre.
Aprovada por:
_________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Barbosa Sarmento (orientador)
_________________________________________
Prof. Dr. Mário Grynszpan
_________________________________________
Profª. Drª. Maria Cecilia Prates Rodrigues
5
Rio de Janeiro
Setembro de 2008
AGRADECIMENTOS
Uma das grandes lições do esporte é que ninguém vence sozinho. Mesmo nas
modalidades individuais, é preciso um treinador para nos orientar, uma equipe técnica
para nos auxiliar e a torcida para nos motivar. Para concluir este trabalho eu contei com
uma equipe maravilhosa, sem a qual eu não teria chegado a este momento de vitória.
Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, que é a minha fortaleza, a minha luz e o meu Pai
amado.
Agradeço, de forma muito especial, ao meu orientador Carlos Eduardo Sarmento. Sem a
sua motivação, sabedoria e paciência eu, certamente, não teria conseguido. Sua
gentileza foi fundamental para eu superar as dificuldades de conciliar o mestrado com
as minhas funções profissionais.
Um agradecimento especial ao professor Mário Grynzpan e à Maria Cecilia Prates, que
participaram da minha banca de qualificação. Seus comentários e críticas contribuíram
para que eu pudesse, na hora certa, rever alguns caminhos. Agradeço também ao
professor Fernando Tenório e a todos os professores do mestrado.
Ao meu presidente, amigo e “irmão mais velho” Jorginho eu agradeço por me inspirar
todos os dias e por me apoiar em todos os momentos. Obrigada pela confiança de me
colocar à frente do maior projeto da sua vida. Mais que uma oportunidade profissional,
o Bola é uma oportunidade de vida. É maravilhoso fazer parte de um sonho tão bem
sonhado!
Agradeço ao Bebeto, meu querido vice-presidente, e a toda a equipe do Bola Pra
Frente. MUITO obrigada por manterem “o ritmo do jogo” enquanto eu me desdobrava
entre o mestrado e as atividades do Instituto. Agradeço a todos e ouso um
6
agradecimento mais direto a alguns, temerosa por cometer alguma injustiça, mas sem
poder deixar de fazê-lo. Às queridas “meninas do Núcleo”, Dani e Patrícia; à minha
querida gerente e amiga Renata; à minha querida secretária Priscilla; à Anita Julia,
amiga, mulher de Deus e “braço direito”; à Priscen, amiga queridíssima; à Amandita,
um dos orgulhos do Bola; ao Edu, amigo tão especial e exemplo de dinamizador; e ao
querido Junior “Prosinha”.
Agradeço à amiga Andréa Maurício, sócia-fundadora do Instituto, “responsável” pela
mudança de rumo na minha carreira, e também ao Carlos Henrique Moreira e ao Jorge
Cunha, por terem acreditado e investido na minha ida para o Instituto. Obrigada ao
Carlinhos (o Carily), ao Léo e a todos que entrevistei para este trabalho.
Agradeço a todos os parceiros do Bola, pois vocês são fundamentais para a nossa
história. Agradeço, mais uma vez me arriscando a ser injusta, àqueles que contribuíram
mais diretamente com este trabalho. Ao amigo, mestre e consultor Sergio Tavares, que
ampliou os meus horizontes; à amiga querida Carla Tavares, tão presente mesmo
estando em Petrópolis; ao querido e gentil Mauricio Murad, um forte exemplo de que
erudição e simplicidade podem caminhar juntas; ao amigo Eduardo Pedreira, o Badu,
um cristão muito especial; à Luciana, Clóvis, Álvaro, Candy, Ju, Tarso e todos da
Agência3, e ao “Bola Man”, Líbero, profissionais competentes e pessoas especiais, que,
com sua arte e amor, são uma fonte de inspiração; aos gentis amigos e parceiros Álvaro,
da TOTVS; Fabi, da Martinelli; Michael, da Jotun; e Hans, Carlota e Luiz, da Norskan,
que nos motivam com tanta dedicação e amor ao Bola.
À minha família um agradecimento mais que especial. Obrigada à minha mãe e ao meu
pai, que sempre me motivaram a estudar, e aos meus irmãos e amigos Alessandro,
Claudia e Junior. À Lu e Patti, que fazem parte da minha família.
Aos meus príncipes, Gabriel e Enrique, eu agradeço de todo o meu coração. Obrigada
por me apoiarem, por colaborarem de diversas formas e pela paciência infinita.
Agradeço ainda, com todo carinho, àqueles que são a razão de ser do Instituto Bola Pra
Frente: as crianças, adolescentes e seus familiares do Complexo do Muquiço. Conviver
com vocês é uma dádiva e uma grande escola. Obrigada por me ensinarem tantas coisas.
7
RESUMO
Tecnologia social é um conceito recente, mas sua fundamentação teórica foi inspirada
nas idéias do líder indiano Mahatma Gandhi, que popularizou a fiação manual da
charkha, uma roca de fiar giratória, como uma solução para diminuir a miséria. O
objetivo de uma tecnologia social é produzir um novo patamar de desenvolvimento, que
permita o acesso e a produção do conhecimento por toda a população, unindo os saberes
acadêmico e popular na busca de soluções sociais inovadoras.
O esporte é considerado o maior fenômeno social e cultural da sociedade
contemporânea, conectando-se a questões como tempo livre e lazer, mercantilização,
espetacularização e inclusão social. Partindo da Grécia Antiga até chegar à sua
institucionalização, na Inglaterra do século XIX, o esporte sempre esteve ligado ao
contexto educacional. Atualmente, a legislação brasileira reconhece três dimensões do
esporte: esporte de rendimento, esporte de participação e esporte educacional.
O foco deste estudo é a experiência do Instituto Bola Pra Frente, trabalho social dos
tetracampeões mundiais de futebol Jorginho e Bebeto, com esses dois temas: esporte
educacional e tecnologia social. Buscamos contribuir para um melhor entendimento
desses conceitos e avaliar sua contribuição para a promoção social. Este estudo levanta
o histórico e aprofunda os conceitos atuais de tecnologia social: o que caracteriza e
quais as implicações de uma tecnologia social, além de experiências de implementação.
Como referencial de esporte educacional, esta pesquisa faz um breve histórico do
esporte e do futebol, analisando a sua relação com a sociedade, a educação e o terceiro
setor.
Como referencial prático, este estudo levanta a história do Instituto Bola Pra Frente,
aprofundando sua evolução desde 2000, quando foi fundado, no Complexo do Muquiço,
no Rio de Janeiro, até os dias atuais, enfatizando quais são os seus conceitos
norteadores, sistematizando as informações acerca de sua organização metodológica,
metodologia pedagógica e avaliação de impacto social, além da aplicação dos quesitos
básicos de uma tecnologia social ao caso do Instituto.
8
ABSTRACT
Social technology is a new concept, but its theoretical foundation is inspired by the
ideas of the Indian leader Mahatma Gandhi, who popularized the spinning hand-
Charkhi, a turntable spinning rock, as a solution to reduce poverty. The objective of
social technology is producing a new level of development, enabling access and
production of knowledge throughout the population, uniting academic and popular
knowledge in the search for innovative social solutions.
Sport is considered the greatest social and cultural phenomenon of contemporary
society, connecting to issues such as leisure and recreation, merchandising,
spectacularization and social inclusion. Starting from ancient Greece until its
institutionalization in England in the nineteenth century, sport has always been
connected to the educational context. Currently, Brazilian law recognizes three
dimensions of sport: sport of income, sport participation and educational sport.
The focus of this study is the experience of Bola Pra Frente Institute, the social
organization founded by the world cup champion soccer players Jorginho and Bebeto,
with these two central issues: educational sport and social technology. We seek to
contribute to a better understanding of these concepts and evaluating their contribution
to social promotion. This study overview the history and deepens the current concepts
of social technology, including its characterization and the implications of a social
technology, as well as experiences of implementation.
As a theoretical reference of educational sports, this research makes a brief history of
sport and soccer, considering its relationship with society, education, and the third
sector.
As a practical reference, this study raises the history of Bola Pra Frente Institute,
emphasizing its trajectory since 2000, when it was founded in the Complexo do
Muquiço in Rio de Janeiro, until the present day, marking its guiding concepts,
systemathising the information about its methodological organization, teaching
methodology and evaluation of social impact as well as the application of the basic
questions of social technology in the case of the Institute.
9
SUMÁRIO
Introdução ------------------------------------------------------------------------------------- 11
Capítulo 1: O que é tecnologia social?
1.1 Considerações iniciais -------------------------------------------------------------------- 16
1.2 Histórico ----------------------------------------------------------------------------------- 20
1.3 Conceitos de tecnologia social ------------------------------------------------------------ 23
1.3.1 O que caracteriza uma tecnologia social ---------------------------------------- 24
1.3.2 Implicações do conceito de tecnologia social --------------------------------- 27
1.4 Experiência de implementação de tecnologia social
de outras instituições no Brasil -------------------------------------------------------- 32
Capítulo 2 Conceito de esporte educacional ------------------------------------------- 40
2.1 Breve histórico do esporte ---------------------------------------------------------------- 40
2.2 Breve histórico do futebol ----------------------------------------------------------------- 44
2.3 Esporte e sociedade ------------------------------------------------------------------------- 48
2.4 Futebol e sociedade brasileira ------------------------------------------------------------- 52
2.5 Esporte e educação -------------------------------------------------------------------------- 55
2.6 Esporte e terceiro setor --------------------------------------------------------------------- 61
Capítulo 3 História do Instituto Bola Pra Frente -------------------------------------- 65
3.1 Trajetória do Jorginho ---------------------------------------------------------------------- 66
3.2 Breve histórico do Instituto Bola Pra Frente -------------------------------------------- 69
3.3 Organização atual do Instituto------------------------------------------------------------- 74
Capítulo 4 A formatação da tecnologia social do Instituto Bola Pra Frente ----- 81
4.1 Definição do problema -------------------------------------------------------------------- 82
4.2 Conceitos norteadores --------------------------------------------------------------------- 87
4.3 A experiência do Instituto Bola Pra Frente: breve histórico
da evolução do trabalho-------------------------------------------------------------------- 93
4.4 Organização metodológica --------------------------------------------------------------- 101
10
4.5 Metodologia pedagógica ------------------------------------------------------------------ 119
4.6 Resultados e impacto social -------------------------------------------------------------- 135
4.7 Aplicação dos quesitos de uma tecnologia social no
caso do Instituto Bola Pra Frente --------------------------------------------------------- 140
Considerações Finais ------------------------------------------------------------------------- 147
Referências Bibliográficas ------------------------------------------------------------------ 154
Anexo I
Questionário de amostra domiciliar do Censo Muquiço 2008
11
Introdução
O conceito de desenvolvimento sustentável está cada vez mais presente na vida
contemporânea. Apesar da imediata associação com a proteção ao meio ambiente, o
desenvolvimento sustentável é um conceito que abrange, principalmente, o
desenvolvimento social.
O documento “Nosso Futuro Comum”, mais conhecido como Relatório
Brundtland, publicado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, das Organizações das Nações Unidas (ONU), definiu
desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades
1
.
Para tanto, o Relatório Brundtland enfatiza três dimensões fundamentais (proteção
ambiental, crescimento econômico e equidade social) e recomenda medidas como:
atendimento das necessidades básicas da população (educação, alimentação, saúde,
lazer etc.), controle da urbanização desordenada, diminuição do consumo de energia e
desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes energéticas renováveis.
É neste contexto que une desenvolvimento sócio-econômico e ambiental que
surgem as tecnologias sociais. Trata-se de um conceito recente, mas que tem sua
fundamentação inspirada no líder indiano Mahatma Gandhi. Tecnologias sociais são
iniciativas inovadoras, que aliam saber popular com conhecimento científico e técnico,
e que tem como pressuposto a organização social e a participação da comunidade. O
objetivo de uma tecnologia social é proporcionar processos de desenvolvimento e
transformação social, em larga escala ou em escala local. Seu diferencial é a capacidade
de transformar uma idéia eficiente em processo sistematizado, possibilitando a
apropriação dessas iniciativas inovadoras por uma determinada comunidade
(VIVARTA e CANELA, 2006). Com isso, os recursos são melhor direcionados,
evitando-se o desperdício de “reinventar a roda”, e o impacto social desejado fica mais
próximo.
1
http://www.economiabr.net/economia/3_desenvolvimento_sustentavel_conceito.html, acessado em
20/05/08.
12
A tecnologia social é objeto deste estudo. Ou melhor especificando: o objeto
deste estudo é a sistematização da tecnologia social aplicada ao esporte educacional, a
partir da experiência do Instituto Bola Pra Frente.
Esporte educacional é uma das dimensões do esporte, reconhecida a partir da
Carta Internacional da Educação Física e do Esporte, publicada pela United Nations
Educational, Scientific and Cultural Organization (Unesco), em 1978. Segundo Tubino
(2007), o esporte passa a ser reconhecido como um direito social, ampliando seu
alcance e abandonando a perspectiva vigente do esporte de rendimento. Assim, o direito
de todos ao esporte engloba o esporte-educação, o esporte-participação e o esporte-
rendimento. A legislação brasileira atual - Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 -
também reconhece, em seu artigo 3º, essas três dimensões do esporte.
Considerado um fenômeno social, cultural e econômico, de abrangência
universal, o esporte tornou-se objeto de estudo das ciências sociais, agregando, mais
recentemente, o viés da educação. O debate da relação entre esporte e educação insere-
se, em especial, na discussão do papel da Educação Física:
As relações entre Educação Física e sociedade passaram a ser
discutidas sob a influência das teorias críticas da educação:
questionou-se seu papel e sua dimensão política. Ocorreu então
uma mudança de enfoque, tanto no que dizia respeito à natureza
da área quanto no que se referia aos seus objetivos, conteúdos e
pressupostos pedagógicos de ensino e aprendizagem. No primeiro
aspecto, se ampliou a visão de uma área biológica, reavaliaram-se
e enfatizaram-se as dimensões psicológicas, sociais, cognitivas e
afetivas, concebendo o aluno como ser humano integral. No
segundo, se abarcaram objetivos educacionais mais amplos (não
apenas voltados para a formação de um físico que pudesse
sustentar a atividade intelectual), conteúdos diversificados (não
só exercícios e esportes) e pressupostos pedagógicos mais
humanos (e não apenas adestramento). (Parâmetros Curriculares
Nacionais, 1997:21)
A história mostra que a educação sempre esteve muito próxima ao esporte, seja
nos gimnasios da Grécia Antiga ou nos pátios das public schools da Inglaterra, onde o
esporte foi institucionalizado, no século XIX. No caso do Instituto Bola Pra Frente,
organização da sociedade civil, idealizada pelo tetracampeão mundial de futebol
Jorginho, e presidida por ele e pelo também tetracampeão Bebeto, o futebol é o esporte-
chave. Esporte mais admirado que todos os outros juntos, capaz de seduzir pessoas de
todas as faixas etárias, de diferentes classes sociais, etnias e gênero, o futebol consegue
13
proezas como fazer da Fédération Internationale de Football Association (Fifa), órgão
máximo deste esporte, ter mais países membros do que a Organização das Nações
Unidas (ONU) e o Comitê Olímpico Internacional (COI), que agrega todos os esportes.
Segundo Mauricio Murad:
Como paixão popular e esporte-rei, o futebol encena um ritual
coletivo de intensa densidade dramática e cultural, pleno de conexões
múltiplas e reveladoras com as realidades circundantes. (...) a síntese
dos arquétipos de nosso inconsciente coletivo, de nosso habitus
(Bourdieu, 1989:59), de nossas identidades culturais. Como rito, o
futebol compreende cenários, personagens, enredos, símbolos e
significados que, em conjunto, formam uma metalinguagem, isto é,
uma realidade que não fala só de si, que vai além. É o caso do futebol
brasileiro, que ajuda na compreensão de muitas características sociais
e culturais de nossa formação (MURAD, 2007:20).
Será que o futebol também pode alcançar proezas no desenvolvimento e na
promoção social? Murad acredita que sim, uma vez que este esporte “pode ser, e tem
sido muitas vezes um processo lúdico que ajuda a reeducar, uma vez que sua lógica está
fundamentada, em tese, na igualdade de oportunidade, no respeito às diferenças e na
assimilação de regras e normas de convivência com o outro” (MURAD, 2007:12).
Analisando a história do Instituto Bola Pra Frente, percebe-se que ele não apenas
acredita no potencial educativo do futebol, como também criou e consolidou uma
metodologia pedagógica que utiliza este esporte como uma linguagem lúdica, voltada
para a construção de valores, com vistas à promoção social. Esta metodologia, nascida
da interação de uma equipe interdisciplinar com os moradores do Complexo do
Muquiço, na zona norte do Rio de Janeiro, onde o Instituto está localizado e atende
crianças e adolescentes de seis a 17 anos, vem sendo sistematizada desde 2006. Esta
sistematização do conhecimento do Instituto tem como objetivo transformar os seus
projetos sociais em tecnologia social, permitindo a sua reaplicação em outras
comunidades.
Como diretora do Instituto Bola Pra Frente, desde agosto de 2002, e tendo
acompanhado sua trajetória desde a fundação em 29 de junho de 2000, como prestadora
de serviço na área de comunicação social, pretendo, com este estudo, aprofundar os
conceitos de tecnologia social e esporte educacional, identificar o processo de gênese do
Instituto e de sua metodologia, e reunir, de forma sistematizada, as informações que
compõem a organização metodológica e a metodologia pedagógica do Instituto.
14
A idéia de sistematizar as ações do Bola Pra Frente surgiu a partir da demanda
de outras Organizações Não-Governamentais e universidades que visitam o Instituto e
da percepção da carência de informações sobre gestão do terceiro setor, tecnologia
social e esporte educacional. Em pesquisa com dirigentes de ONGs do Rio de Janeiro,
Tenório (2005:13) verificou que:
• nem sempre as ONGs têm uma idéia clara de sua missão, de forma a delimitar
suas ações, fixar objetivos e metas e avaliar seus resultados;
• os membros das ONGs possuem alto grau de compartilhamento das
atividades a serem desenvolvidas, porém nenhuma sistematização dos dados para efeito
de avaliação do desempenho gerencial;
• sua organização prima pela informalidade, praticamente sem normas e
procedimentos escritos, o que as torna ágeis, mas dificulta sua gestão, porque as funções
e as responsabilidades de seu pessoal não são claramente definidas.
Falconer compartilha dessa visão. Segundo ele,
Há um virtual consenso entre estudiosos e pessoas envolvidas
no cotidiano de organizações sem fins lucrativos de que, no
Brasil, a deficiência no gerenciamento destas organizações é
um dos maiores problemas do setor, e que o aperfeiçoamento
da gestão – através da aprendizagem e da aplicação de
técnicas oriundas do campo de Administração – é um
caminho necessário para o atingir de melhores
resultados. (FALCONER, 1999:110)
Contudo, há um outro virtual consenso de que a lógica do mercado sufoque as
particularidades das organizações do terceiro setor e seu papel cada vez mais destacado
na sociedade. Surge então uma demanda pelo desenvolvimento de sistemas de gestão
próprios. HUDSON (apud HECKERT e SILVA)
2
defende que o terceiro setor necessita
de teorias próprias e adaptadas às suas necessidades: “a administração não pode ser
importada sem alterações e imposta às organizações orientadas por valores. Diferenças
importantes e sutis, enraizadas nas diferentes naturezas que permeiam essas
organizações, precisam ser compreendidas”.
Discorrendo sobre este assunto, o jornalista Ricardo Voltolini acredita que:
2
http://integracao.fgvsp.br/administrando.htm, acessado em 29/04/2008.
15
O grande desafio que se coloca àqueles que atuam na área social é
criar um campo de conhecimento novo e multidisciplinar para gestão
das organizações de Terceiro Setor. Um campo que, embora não seja
o da administração de empresas, pode sim tomar emprestados alguns
de seus fundamentos como ponto de partida, visando a organizar um
novo referencial teórico, não simplesmente baseado em adaptações
conceituais, mas na construção de novas premissas. (VOLTOLINI)
3
Acredito que o presente estudo contribuirá para o amadurecimento deste tema,
podendo enriquecê-lo à luz da experiência concreta do Instituto Bola Pra Frente. O seu
conteúdo foi assim organizado:
Capítulo 1: O que é tecnologia social?;
Capítulo 2: Conceito de esporte educacional;
Capítulo 3: A história do Instituto Bola Pra Frente;
Capítulo 4: A formatação da tecnologia social do Instituto Bola Pra Frente; e
Considerações Finais.
3
http://www.oficioplus.com.br/xartigo.php?id_pagina=4, acessado em 20/08/07.
16
Capítulo 1: O que é tecnologia social?
“O acúmulo de técnicas não eliminou a fome nem a
ignorância. Em muitos países, o final do século apresenta um
quadro social mais trágico que de cem anos antes.”
Cristovam Buarque
“Não basta ensinar ao homem uma especialidade porque ele se
tornará assim, uma máquina utilizável, mas não uma
personalidade. É necessário que adquira um sentimento, um
senso prático daquilo que vale a pena ser empreendido,
daquilo que é belo, do que é moralmente correto. A não ser
assim, ele se assemelhará, com seus conhecimentos
profissionais, mais a um cão ensinado do que a uma criatura
harmoniosamente desenvolvida.”
Albert Einstein
1.1 Considerações iniciais
A capacidade de gerar tecnologia é considerada um importante fator de
desenvolvimento econômico de qualquer país. Além da sofisticação técnica e do
potencial mercadológico, as inovações tecnológicas da atualidade estão sendo, cada vez
mais, avaliadas pelo seu impacto socioambiental. No artigo “A Era da Eco-Economia”,
Eduardo Athaíde, diretor da Wordwatch Institute (WWI), escreve:
O Produto Interno Bruto (PIB) global que em 1960 era de 6 trilhões
de dólares, pulou para 60 trilhões de dólares em 2006, dez vezes mais
em 4 décadas. “Há algo de inacreditável sobre um mundo que gasta
bilhões de dólares anuais para subsidiar sua própria destruição”,
afirmaram os cientistas autores do estudo intitulado “Subsidiando o
Desenvolvimento Insustentável” promovido pelo Earth Council, que
tabulou cerca de 700 bilhões de dólares anuais de subsídios
governamentais ambientalmente destrutivos. A economia está
destruindo lentamente nossos sistemas de apoio, consumindo a
poupança de capital natural
4
.
4
http://www.insightnet.com.br/brasilsempre/numero25/mat02.htm, acessado em 20/06/08.
17
Segundo Hélio Mattar, do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, no ano
2000 foram gastos mais US$ 20 trilhões em compras de produtos e serviços – quatro
vezes mais que em 1960. Ele destaca as conseqüências desastrosas que isso acarreta:
O impacto de tamanho consumo provoca uma utilização de recursos
naturais 20% acima do que a Terra é capaz de renovar, uma situação
que ameaça a sustentabilidade do planeta e da humanidade (...) se a
população de todos os países passasse a consumir como os norte-
americanos fazem hoje, seriam necessários mais três planetas iguais
ao nosso para garantir produtos e serviços básicos como água,
energia e alimentos para cada habitante. (MATTAR apud VIVARTA
e CANELA, 2006:23)
É neste contexto que emerge o conceito de tecnologia social. O sociólogo Silvio
Caccia Bava, diretor do Instituto Pólis, explica:
O período da história em que vivemos é comandado pelo capital
financeiro e pelas grandes corporações transnacionais. (...) As
técnicas e metodologias utilizadas por esse modelo de
desenvolvimento submetem as sociedades – e seus cidadãos e
cidadãs – a uma combinação perversa da aceleração do processo de
acumulação de capital com o aumento do desemprego, da pobreza, da
desigualdade, da exclusão social, com a exploração e a degradação
sem limites dos recursos ambientais. Mesmo sendo um poder
hegemônico, isto é, que penetra os campos da economia, da vida em
sociedade, da política e da cultura, e impõe seus valores sobre o
conjunto das sociedades, esse poder dos “agentes do mercado” não é
absoluto. Ele também engendra seu contrário: as práticas de
resistência, os movimentos sociais e políticos que, tendo por
referência uma outra “vontade de evolução dos homens”, buscam
reverter o quadro, pôr a economia a serviço da sociedade e construir
alternativas de desenvolvimento e de organização social fundadas na
solidariedade, na inclusão social, na busca da eqüidade, no respeito
aos direitos humanos, na preservação ecológica, na justiça social.
(BAVA, 2004:103)
Jailson de Souza e Silva considera que “não se trata apenas de usar a tecnologia
para fins sociais, até porque todo conhecimento científico deveria basear-se nesse
pressuposto ético fundamental”. Para ele,
O maior avanço da Tecnologia Social é a possibilidade de a
metodologia científica – definição do problema, formulação de
hipóteses, produção de conceitos norteadores e da própria
experiência, além de avaliação e possibilidade de reaplicação – ser
18
elaborada por todas as pessoas, de forma sistemática e ordenada. A
comunidade elabora e desenvolve no cotidiano soluções para seus
problemas fundamentais, com base no conhecimento popular.
(SILVA, 2006:30)
Segundo Renato Dagnino, a tecnologia social é uma resposta à tecnologia
convencional:
(...) por que é necessário conceber tecnologia social (TS)? Essa
pergunta pode ser preliminarmente respondida pela menção a duas
razões. Primeiro, porque se considera que a tecnologia convencional
(TC), a tecnologia que hoje existe, que a empresa privada utiliza, não
é adequada para a IS [Inclusão Social]. Ou seja, existem aspectos na
TC, crescentemente eficiente para os propósitos de maximização do
lucro privado para os quais é desenvolvida nas empresas, que limitam
sua eficácia para a IS. Segundo, porque se percebe que as instituições
públicas envolvidas com a geração de conhecimento científico e
tecnológico (universidades, centros de pesquisa etc.) não parecem
estar ainda plenamente capacitadas para desenvolver uma tecnologia
capaz de viabilizar a IS e tornar auto-sustentáveis os
empreendimentos autogestionários que ela deverá alavancar. Isso
torna necessário um processo de sensibilização dessas organizações e
de outras, situadas em diferentes partes do aparelho de Estado e da
sociedade em geral, a respeito do tema. (DAGNINO, 2004:187)
No Brasil, recentemente, alguns atores da sociedade, especialmente do terceiro
setor, vêm se organizando para conferir à ciência e à tecnologia um importante vetor de
inclusão social. Este esforço ainda encontra-se em um estágio inicial de articulação, mas
já contabiliza a criação, em 2003, da Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão
Social – SECIS, no âmbito do Ministério de Ciência e Tecnologia. A SECIS tem por
finalidade “propor políticas, programas, projetos e ações que viabilizem o
desenvolvimento econômico, social e regional, e à difusão de conhecimentos e
tecnologias apropriadas em comunidades carentes no meio rural e urbano”
5
.
A tecnologia social surge a partir do diálogo entre entidades da sociedade civil
organizada, universidades e governo, e está baseada na convicção de que "a Ciência e a
Tecnologia devem ser conhecidas e amplamente requeridas pela sociedade brasileira, a
fim de se produzir um novo patamar de desenvolvimento, visando a inclusão de todos
os brasileiros no acesso e na produção do conhecimento” (PASSONI, 2004:18). Para
João Furtado
6
, presidente do Instituto de Tecnologia Social, “as demandas são infinitas
5
http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/1367.html, acessado em 06/03/08.
6
Trecho extraído dos anais do seminário “O papel e inserção do 3º setor no processo de construção e
desenvolvimento da CT&I”, realizado em Brasília, nos dias 14 e 15 de abril de 2002.
19
e o povo tem pressa. A tecnologia e a tecnologia social são o motor que permite atender
a essas demandas numa velocidade mais consistente com aquilo que queremos para o
Brasil”.
As entidades da sociedade civil organizada têm um papel central na produção e
na aplicação das tecnologias sociais, que são criadas, não em laboratórios, mas na
interação com comunidades em vulnerabilidade social. No entanto, questiona-se se estas
entidades estão realmente preparadas para contribuir de forma efetiva no atendimento a
estas “demandas infinitas”. A tecnologia social insere-se então no debate sobre os
problemas de gestão do terceiro setor.
A dificuldade de concentrar interesses, a disputa por financiamento, a pouca
tradição associativa e o amadorismo na gestão fazem com que se reinvente a roda o
tempo todo, dispersando recursos e comprometendo o impacto social desejado. Segundo
Ayres
7
, “as organizações, sejam empresariais ou não, estão constantemente em busca de
estruturas capazes de enfrentarem ambientes de maior complexidade”. Com o terceiro
setor, lembra Falconer, não é diferente:
As organizações do Terceiro Setor não poderão mais atuar de forma
isolada se pretenderem abordar de forma séria os complexos
problemas sociais para os quais são geralmente criadas. O passado
onde cada organização era auto-suficiente e soberana em uma
determinada jurisdição não retrata a realidade do presente nem o que
se espera do futuro. (FALCONER, 1999:135)
A questão que se coloca para as organizações da sociedade civil é: como
fortalecer sua capacidade institucional e contribuir mais significativamente para a
solução de problemas maiores, promovendo uma verdadeira “revolução associativa”
(SALOMON apud FALCONER, 1999:8)? A grande motivação da tecnologia social é
multiplicar o impacto de soluções eficazes, compartilhando conhecimento e ampliando
os resultados, de forma a exceder os limites de uma comunidade e, com o apoio de
governos, se transformar em políticas públicas. Ou seja, promover a inclusão social em
grande escala.
7
Bruno Ricardo Costa Ayres, no artigo “Redes Organizacionais no Terceiro Setor - um olhar sobre suas
articulações”, publicado no site http://www.rits.org.br/acervo-d/bruno.doc, acessado em 02/07/08.
20
Matéria da Gazeta Mercantil
8
mostra que, cada vez mais, as empresas
socialmente responsáveis se associam a organizações do terceiro setor e substituem
projetos comunitários por investimentos nas tecnologias sociais. Nesta mesma matéria,
o jornalista, professor e diretor da revista IdéiaSocial, Ricardo Voltolini, assim sintetiza
essa tendência: “uma boa prática atinge poucos; uma Tecnologia Social melhora a vida
de muitos.”
1.2 Histórico
O que hoje é chamado de tecnologia social teve sua origem na Índia. Com a
Revolução Industrial, as tecelagens britânicas passaram a exportar tecidos para a Índia,
que eram feitos principalmente com algodão da própria Índia. Como as tecelagens
indianas utilizavam um processo artesanal de produção, a maior parte delas foi à
falência, provocando uma grande miséria e grave crise de fome no país.
No final do século XIX, durante o domínio colonial do Império Britânico, um
grupo de reformadores hindus pregava a reabilitação e o desenvolvimento de
tecnologias tradicionais nas aldeias como forma de resistência. Reformadores como o
Marajá de Baroda, Rabindranath Tagore e, posteriormente, Mahatma Gandhi acabaram
por organizar o pensamento e as práticas da tecnologia apropriada, definida por
Dagnino (apud BRANDÃO, 2001:37) como “o conjunto de técnicas de produção que
utiliza de maneira ótima os recursos disponíveis de certa sociedade maximizando,
assim, seu bem-estar”. Segundo Amílcar Herrera, um dos poucos pesquisadores latino-
americanos que se dedicaram ao estudo da tecnologia apropriada, o conceito de
desenvolvimento de Gandhi
incluía uma política científica e tecnológica explícita, que era
essencial para sua implementação. A insistência de Gandhi na
proteção dos artesanatos das aldeias não significava uma conservação
estática das tecnologias tradicionais. Ao contrário, implicava o
melhoramento das técnicas locais, a adaptação da tecnologia
moderna ao meio ambiente e às condições da Índia, e o fomento da
pesquisa científica e tecnológica, para identificar e resolver os
problemas importantes imediatos. Seu objetivo final era a
transformação da sociedade hindu, através de um processo de
crescimento orgânico, feito a partir de dentro, e não através de uma
8
Matéria intitulada “Uma maneira de fazer diferença em grande escala” e publicada na Gazeta Mercantil,
no dia 16/01/07, página 12.
21
imposição externa. Na doutrina social de Gandhi o conceito de
tecnologia apropriada está claramente definido, apesar de ele nunca
ter usado esse termo. (HERRERA apud BRANDÃO, 2001: 31)
A partir de 1914, Ghandi organizou um movimento pacífico de resistência à
dominação da Grã-Bretanha. Este movimento cresceu e se organizou politicamente,
dando origem ao swaraj (autodeterminação ou autodomínio), que resultou em um
completo boicote aos produtos ingleses e na renovação da indústria nativa hindu. A
frase “Produção pelas massas, não produção em massa” expressa de forma significativa
os objetivos de Ghandi.
No período de 1924 a 1927, ele dedicou-se a construir programas sociais que
popularizassem a fiação manual pela charkha, uma roca de fiar giratória, reconhecida
como o primeiro equipamento tecnologicamente apropriado. Ghandi visitou vilas de
todo o país apresentando a charkha, que chegou a ser incorporada à bandeira do Partido
Nacional do Congresso da Índia, como uma solução para diminuir a miséria e erradicar
a injustiça social.
A revolução não-violenta de Ghandi teve uma influência decisiva no movimento
da tecnologia apropriada, que passou a ser aplicada na República Popular da China e
em outros países. No Ocidente, as idéias de Ghandi foram retomadas e reconstruídas
pelo economista alemão Ernst Friedrich Schumacher, que criou o Grupo de
Desenvolvimento da Tecnologia Apropriada e publicou, em 1973, o livro “Small is
beautiful: economics as if people mattered”
9
. O economista cunhou a expressão
tecnologia intermediária, sobre cuja gênese ele discorre a seguir:
Quando me perguntei quais seriam as tecnologias apropriadas para a
Índia ou para as áreas rurais latinoamericanas, ou mesmo para as
favelas, cheguei a uma resposta simples e provisória. Essa tecnologia
seria, sem dúvida, muito mais inteligente, mais eficiente, e mesmo
científica que a tecnologia de baixo nível empregada naqueles locais,
e que perpetuam a pobreza. Mas deveria ser muito mais simples,
muito mais barata, muito mais fácil de se manter que a tecnologia
sofisticada moderna do Ocidente. Noutras palavras, seria uma
tecnologia intermediária. Então perguntei porque não se usa essa
tecnologia intermediária? Porque não se usam sapatos que sejam
confortáveis? Entendi então que essa tecnologia não era encontrável.
Entendi que em termos de tecnologias disponíveis, ou existiam as de
9
Em português, o livro de Schumacher foi intitulado “O negócio é ser pequeno. Um estudo de economia
que leva em conta as pessoas, publicado pela editora Zahar, em 1979.
22
baixo teor, ou as de alto teor, o meio termo havia desaparecido. (apud
BRANDÃO, 2001: 32)
Ao longo do tempo, o termo tecnologia apropriada foi incorporando diferentes
concepções e dando origem a novas nomenclaturas, como tecnologia intermediária,
tecnologia alternativa, tecnologia socialmente apropriada, tecnologia humana,
tecnologia limpa, dentre outras. Em 1999, o pesquisador e professor titular do
Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade de Campinas
(Unicamp), Renato Dagnino, utilizou o termo tecnologia para inclusão social em seus
textos e, a partir de 2000, outros pesquisadores abreviaram a expressão, surgindo o
termo tecnologia social.
Em 2001, foi fundado, em São Paulo, o Instituto de Tecnologia Social (ITS) com
a missão de “promover a geração, o desenvolvimento e o aproveitamento de tecnologias
voltadas para o interesse social e reunir as condições de mobilização do conhecimento, a
fim de que se atendam as demandas da população”
10
. Também em 2001, a Fundação
Banco do Brasil criou o programa Banco de Tecnologias Sociais e passou a promover o
Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, que acontece a cada dois anos
e já recebeu mais de duas mil inscrições em suas quatro edições (2001, 2003, 2005 e
2007). Em 2005, surgiu a Rede de Tecnologia Social (RTS), uma iniciativa do
Ministério da Ciência e Tecnologia, Petrobras, Fundação Banco do Brasil, Financiadora
de Projetos (Finep) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae), dentre outras instituições. A RTS “reúne, organiza, articula e integra um
conjunto de instituições com o propósito de contribuir para a promoção do
desenvolvimento sustentável mediante a difusão e a reaplicação em escala de
Tecnologias Sociais”
11
.
Em junho de 2007, foi criada na Câmara dos Deputados, por iniciativa da
Comissão de Ciência e Tecnologia, uma subcomissão de tecnologia social com o
objetivo de elaborar um marco regulatório para o tema.
10
http://www.itsbrasil.org.br/modules.php?name=Conteudo&file=index&pa=showpage&pid=6, acessado
em 21/01/08.
11
http://www.rts.org.br/a-rts/proposito, acessado em 21/01/08.
23
1.3 Conceitos de tecnologia social:
Em 2001 teve início um processo de formulação do conceito de tecnologia social
por várias organizações não-governamentais. Dentre os diversos conceitos já
propagados sobre a tecnologia social, destacam-se os do Instituto de Tecnologia Social
(ITS), da Rede de Tecnologia Social (RTS), da Fundação Banco do Brasil, do Instituto
Ayrton Senna e da Fundação Projeto Pescar
12
.
Para o ITS, tecnologia social é “um conjunto de técnicas e metodologias
transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e
apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das
condições de vida”.
Segundo a RTS, a tecnologia social “compreende produtos, técnicas ou
metodologias, reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que devem
representar efetivas soluções de transformação social”.
A Fundação Banco do Brasil caracteriza tecnologia social como “todo produto,
método, processo ou técnica criado para solucionar algum tipo de problema social e que
seja simples, de baixo custo, fácil aplicabilidade e impacto comprovado”.
Já o Instituto Ayrton Senna define como tecnologia social “um conjunto de
princípios, conceitos, métodos e práticas pedagógicas e gerenciais com resultados
avaliados e prontos para serem aplicados em larga escala em diferentes contextos,
considerando toda a diversidade brasileira”.
A Fundação Projeto Pescar identifica tecnologia social como “o produto de uma
ação social que demonstra sucesso pelos resultados e que padroniza os seus processos e
controles a ponto de poder ser reaplicada em diferentes comunidades”.
Os conceitos acima enunciados são complementares. Neste trabalho, para efeito
de avaliação do Instituto Bola Pra Frente, optou-se por priorizar o conceito do ITS, por
12
Os conceitos aqui mencionados foram retirados dos sites das instituições, no caso do ITS
(http://www.itsbrasil.org.br/modules.php?name=Conteudo&file=index&pa=showpage&pid=31) e RTS
(http://www.rts.org.br/tecnologia-social), acessados em 21/01/08. Já os conceitos da Fundação Banco do
Brasil, Instituto Ayrton Senna e Fundação Projeto Pescar foram retirados de matéria publicada no site do
Gife (http://www.gife.org.br/redegifeonline_noticias.php?codigo=6526&tamanhodetela=4&tipo=ie),
intitulada “Organizações buscam consenso sobre o termo tecnologia social e sua difusão”, acessado em
15/12/2007.
24
tratar-se da instituição especializada no tema com mais tempo de funcionamento e por
estar melhor estruturada, tendo produzido o mais vasto material sobre tecnologia social.
1.3.1 O que caracteriza uma tecnologia social
Com o objetivo de identificar, conhecer, sistematizar e disseminar práticas de
tecnologia social, o ITS publicou o Caderno de Debate “Tecnologia Social no Brasil –
direito à ciência e ciência para a cidadania” (2004) e uma série intitulada
“Conhecimento e Cidadania”
13
, a partir de uma metodologia que combina pesquisa,
análise de experiências e promoção de encontros para o aprofundamento e a
sistematização de conhecimentos sobre o tema. Este material fornece relevantes
informações para o entendimento mais profundo do que caracteriza uma tecnologia
social. Outro material igualmente significativo para o entendimento das características
de uma tecnologia social é a publicação da RTS “Registro do 1º Fórum Nacional da
RTS” (2006). A partir destas publicações é possível identificar os princípios e os
valores, os parâmetros e as implicações da tecnologia social.
Os princípios e os valores da tecnologia social
Os conceitos de tecnologia social criados tanto pelo ITS quanto pela RTS
representam um recorte de um amplo debate em torno do tema; debate este que passa,
indispensavelmente, pela questão dos princípios e valores. Se a tecnologia social
representa um novo modo de pensar e agir, que faz frente à tecnologia convencional e
busca, não apenas minimizar os efeitos negativos, mas criar impactos positivos, é
preciso enfatizar que princípios e valores a norteiam:
Compreenda-se que, ao fazer aderir a palavra “social” à “tecnologia”,
pretende-se trazer a dimensão socioambiental, a construção do
processo democrático e o objetivo de solucionar as principais
necessidades da população para o centro do processo de
desenvolvimento tecnológico. Assim, a TS busca recompor o código
de valores que orienta a pesquisa e o desenvolvimento de inovação,
13
A série Conhecimento e Cidadania é uma publicação do ITS, composta de quatro cadernos: Tecnologia
Social, publicado em fevereiro de 2007, Tecnologia Social e Desenvolvimento Local Participativo,
Tecnologia Social e Educação, e Tecnologia Social e Agricultura Familiar, publicados em outubro do
mesmo ano.
25
agindo em função dos interesses da sociedade num sentido amplo e
inclusivo. (ITS, 2007:25)
A visão da RTS, registrada na publicação dos resultados das discussões travadas
no 1º Fórum Nacional da RTS, ocorrido na Bahia, em 2006, corrobora a necessidade de
diferenciar os valores pertinentes à tecnologia social:
O primeiro passo para entender a TS é abandonar a visão
instrumental e neutra da tecnologia. Não existe tecnologia neutra; a
tecnologia é construída incorporando valores e interesses. Cada
tecnologia é definida localmente e de acordo com o contexto
particular da tecnologia com a sociedade. Assim, todo projeto
tecnológico é eminentemente político (...). O segundo passo é
entender que se essa tecnologia é socialmente construída, a
Tecnologia Convencional não é a única possível de existir. (RTS,
2006:19)
A tecnologia social, para a RTS, é “resultado de um processo que se caracteriza
pela introdução de valores – como construção compartilhada do conhecimento,
distribuição de renda e sustentabilidade” (RTS, 2006:20). Um dos princípios fundadores
da tecnologia social é que a inclusão social se dá pelo conhecimento. Ou seja, todo
indivíduo é capaz de gerar conhecimento e também de aprender a partir da interação
com outros atores sociais. Em especial, o diálogo entre os saberes acadêmico e popular
é fundamental para desenvolvimento da tecnologia social e, portanto, para o
enfrentamento do deficit social.
Para os preceitos da tecnologia social, aprendizagem e participação são
processos que caminham juntos: “aprender implica participação e envolvimento; e
participar implica aprender” (ITS, 2004:26).
Dentro do modelo participativo, indispensável para a construção de tecnologias
sociais, é preciso haver respeito às identidades locais. A transformação social só é
possível a partir das especificidades da realidade existente. Este princípio não exclui,
entretanto, a necessidade de organização e sistematização do conhecimento, que permite
a multiplicação das soluções sociais. “A transformação social implica compreender a
realidade de maneira sistêmica: diversos elementos se combinam a partir de múltiplas
relações para construir a realidade” (ITS, 2004:26).
26
Na medida em que as instituições da sociedade civil organizada precisam ser
orientadas por valores, o ITS evidenciou dez valores intrínsecos a uma tecnologia
social, discriminados abaixo:
1. Inclusão cidadã;
2. Participação;
3. Relevância social;
4. Eficácia e eficiência;
5. Acessibilidade;
6. Sustentabilidade econômica e ambiental;
7. Organização e sistematização;
8. Dimensão pedagógica;
9. Promoção do bem-estar; e
10. Inovação.
Os parâmetros da tecnologia social
Os parâmetros permitem estabelecer critérios para a análise das ações sociais e
atribuir-lhes o caráter de tecnologia social. Segundo o estudo feito pelo ITS, os
parâmetros que regem uma tecnologia social podem ser definidos de acordo com os
seguintes critérios:
- quanto a sua razão de ser: a tecnologia social visa à solução de demandas
sociais concretas, vividas e identificadas pela população;
- em relação aos processos de tomada de decisão: formas democráticas de
tomada de decisão, a partir de estratégias especialmente dirigidas à mobilização e à
participação da população;
- quanto ao papel da população: há participação, apropriação e aprendizagem por
parte da população e de outros atores envolvidos;
- em relação à sistemática: há planejamento e aplicação de conhecimento de
forma organizada;
27
- em relação à construção de conhecimentos: há produção de novos
conhecimentos a partir da prática;
- quanto à sustentabilidade: busca a sustentabilidade econômica, social e
ambiental; e
- em relação à ampliação de escala: gera aprendizagens que servem de referência
para novas experiências e também gera, permanentemente, as condições favoráveis que
tornaram possível a elaboração das soluções, de forma a aperfeiçoá-las e multiplicá-las.
Na prática, um dos desafios da tecnologia social é conciliar as idéias, que
parecem contrárias, de sistematização do conhecimento para reaplicação e adaptação à
realidade local. Como atender a estes dois parâmetros conjuntamente?
Há um plano conceitual, em que a idéia de Tecnologia Social
expressa uma concepção de intervenção social que é inclusiva em
todos os seus momentos, e há um plano material, no qual a
Tecnologia Social é desenvolvida e difundida de acordo com as
possibilidades e limitações de cada comunidade ou local. No plano
conceitual, a Tecnologia Social propõe uma forma participativa de
construir o conhecimento, de fazer ciência e tecnologia. Propõe uma
alternativa de intervenção na sociedade, que indique o
desenvolvimento no sentido amplo dessa palavra, de realização das
possibilidades do ser humano. No plano material, as experiências
estão aplicando a idéia de TS na construção de soluções para
questões sociais variadas. É a experiência levada a cabo no plano
material que demonstra a viabilidade e a eficácia da TS como
conceito e cria a base de uma nova intervenção social. Finalmente, é
na interação constante e indispensável entre os planos material e
conceitual que a TS se desenvolve. (RTS, 2007:14)
É justamente esta constante interação que gera um processo pedagógico, no qual
todos os envolvidos aprendem e geram conhecimento.
1.3.2 Implicações do conceito de tecnologia social
Os conceitos funcionam como instrumentos analíticos, realçando aspectos da
realidade em detrimento de outros, e permitindo entender a realidade a partir de uma
determinada ótica. O conceito de tecnologia social, como tratado pelo ITS, destaca
alguns aspectos da realidade e traz implicações que precisam ser sublinhadas. Estas
implicações, sistematizadas pelo ITS, são detalhadas a seguir.
28
Tecnologia social implica compromisso com a transformação social
Desenvolver tecnologia social é desenvolver soluções que visem à inclusão
social. Para tanto, é necessário, logo nos estágios iniciais de construção de uma
tecnologia social, promover a conscientização e a mobilização dos atores sociais. Nesse
sentido, segundo o ITS, o objetivo
é despertar a democracia ativa e canalizar energias no sentido da
busca de soluções e da garantia de direitos. Inicia-se assim um
processo pedagógico, criando condições para que os grupos
envolvidos se apropriem dos seus direitos e partam ativamente em
busca de satisfação a suas necessidades. (ITS, 2007:30)
Tecnologia social implica a criação de um espaço de descoberta de demandas e
necessidades sociais
Uma tecnologia social deve ser concebida a partir das necessidades reais da
população. Estas necessidades precisam ser explicitadas da melhor forma, o que só é
possível se todas as partes interessadas forem ouvidas durante o processo. É preciso
criar mecanismos ou instâncias que promovam o diálogo e permitam que as “diferentes
vozes sociais possam ser ouvidas nos processos decisórios” (ITS, 2007:31).
Tecnologia social implica relevância e eficácia social
Para que uma tecnologia seja considerada social, ela deve ser capaz de resolver
os problemas ou necessidades sociais para os quais foi desenvolvida, promovendo
melhorias nas condições de vida do público beneficiário. Esta melhoria, no entanto, não
pode ser assistencialista, mas sim visar ao protagonismo e ao fortalecimento da
autonomia.
A TS está estreitamente ancorada no direito ao acesso e à produção
de conhecimento, à educação e à autodeterminação. Por sua
finalidade, vincula-se também aos direitos à vida, à alimentação e à
saúde. É assim que se tem, no horizonte do pensamento e das ações
com TS, a realização do ser humano como um todo, aumentando sua
auto-estima e sua felicidade. Tendo isto em vista, compreende-se por
que as necessidades e demandas sociais devem ser fontes prioritárias
de questões para as investigações científicas. Uma vez que a
produção de conhecimento e de inovações esteja comprometida com
a transformação da sociedade no sentido da promoção da justiça
social, aumentam-se as chances de se obter um desenvolvimento
sustentável. (ITS, 2007:32)
29
Tecnologia Social implica sustentabilidade socioambiental e econômica
A sociedade necessita do meio ambiente para o seu desenvolvimento e deve
utilizá-lo de maneira não-predatória. A preservação ambiental é uma das preocupações
centrais da tecnologia social. Nessa perspectiva, o ITS considera que o planeta Terra
deve deixar
(...) de ser visto como um simples fornecedor de insumos para ser
considerado como a nossa morada, com a qual devemos estar
integrados. Daí a importância de se buscarem fontes de matéria-
prima e de energia renováveis, de se estabelecerem novos padrões de
consumo e de se ter um cuidado especial com os resíduos desde a
produção até o consumo ou utilização das tecnologias. Para se
garantir que isso aconteça, inclusive com monitoramento, as
avaliações de riscos e impactos ambientais, sociais, econômicos e
culturais passam a ser elementos necessários integrados na produção
e aplicação de tecnologias e dos conhecimentos científicos. E assim,
trabalhar para que as chamadas “externalidades” sejam cada vez mais
“internalizadas”. (ITS, 2007:32)
Já a sustentabilidade econômica implica na busca pelos recursos necessários
para a manutenção, crescimento e reaplicação da tecnologia social. Para alcançar seus
objetivos, a tecnologia social precisa “produzir suas condições de sustentabilidade, o
que pode ser conseguido, por exemplo, por sua inserção no mercado. Tecnologias de
interesse público podem ainda ser integradas em políticas públicas, obtendo, assim,
financiamento estatal” (ITS, 2007).
Tecnologia Social implica inovação
As “Disposições preliminares” da Lei Federal 10.973/04 define a inovação
como: “introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social
que resulte em novos produtos, processos ou serviços”. A inovação é essencial para as
tecnologias sociais, não devendo ser entendida como tecnologia de “ponta” ou apenas
como um “avanço das fronteiras do conhecimento”, mas como uma solução
transformadora que ofereça resultados concretos ao público beneficiário.
Tecnologia social implica organização e sistematização
A ação organizada e consciente é um dos pressupostos das tecnologias sociais. É
necessário sistematizar os saberes dos atores sociais para que sejam incorporados ao
processo de desenvolvimento e aplicação de tecnologias sociais.
30
A sistematização de toda a experiência vivenciada permite criar protocolos de
monitoramento e avaliação das ações e também servem como importante referência
para novas experiências. “Ao descrever os métodos, técnicas, produtos e processos de
uma TS, tornamos esta tecnologia acessível a um maior número de pessoas,
aumentando sua capacidade de solucionar problemas sociais” (ITS, 2007:35).
Tecnologia social implica acessibilidade e apropriação das tecnologias
A acessibilidade deve ser uma das implicações da tecnologia social, tanto no
sentido de ser acessível para pessoas de fora do processo quanto para aqueles que estão
participando. Para tanto, é preciso considerar também os custos envolvidos, pois custos
altos podem inviabilizar o acesso à tecnologia social. Além de baixos custos, é preciso
também incentivar a apropriação do conhecimento pelo público beneficiado.
Tecnologia social implica um processo pedagógico para todos os envolvidos
Por processo pedagógico não deve ser entendido não apenas a oportunidade de
treinamento e capacitação, mas também uma participação legítima, na qual as
informações são compartilhadas, permitindo, por meio da interação entre os atores, que
novos conhecimentos surjam.
Uma vez que essa dimensão pedagógica seja tomada como um
elemento chave do processo e se cuide para que ela seja efetiva, gera-
se permanentemente as condições favoráveis que tornaram possível a
elaboração das soluções, de forma a aperfeiçoá-las e multiplicá-las. O
objetivo final é que as populações conquistem autonomia, o que só se
consegue num processo pedagógico e de redução das desigualdades
sociais que representam verdadeiras barreiras ao desenvolvimento
socioambiental e econômico. Trata-se de distribuir melhor o acesso
ao capital intelectual. A falta de acesso à educação formal é uma das
graves exclusões que se busca combater, dando àquele que não pôde
freqüentar cursos qualificados e participar de pesquisas elaboradas a
oportunidade de se aproximar desta realidade, qualificando-se
também. Há assim transferência de tecnologias para os membros das
comunidades envolvidas. (ITS, 2007:37)
Tecnologia social implica o diálogo entre diferentes saberes
Uma visão multidisciplinar é essencial para o enfrentamento dos problemas
sociais tão profundos que fazem parte da nossa realidade. A união de pontos de vista
diferentes pode gerar uma visão mais completa dos problemas existentes e das soluções
31
que precisam ser viabilizadas. Uma importante característica de uma tecnologia social é
a integração do saber acadêmico com o saber popular.
(...) um morador de uma favela, por exemplo, tem um conhecimento
de sua realidade que não pode ser substituído por nenhum estudo
acadêmico ou visão de fora. Mas também quer dizer que um
engenheiro pode ajudá-lo na reestruturação sanitária do bairro. E
também que um ambientalista provavelmente estará melhor
preparado que o engenheiro para avaliar o impacto ambiental dessas
transformações. Ou ainda que um administrador pode vislumbrar e
estruturar mais claramente as oportunidades de negócios que surjam
ali. Ao contemplar os diferentes pontos de vista, pode-se chegar a
projetos melhor embasados para a redução das incertezas e riscos
inerentes a qualquer projeto – por um planejamento mais completo e
integrado. Potencializam-se os recursos investidos, seja por uma
gestão melhor dos riscos e oportunidades, seja porque todos se
engajam no processo, se apropriam dele e se sentem contemplados.
(ITS, 2007:38)
Tecnologia social implica difusão e ação educativa
A difusão do conhecimento, a partir de campanhas educativas, é primordial para
a consolidação da tecnologia social. Com isso, é possível alcançar um ambiente
propício para a divulgação de soluções sociais e um maior envolvimento de todos.
Tecnologia social implica processos participativos de planejamento,
acompanhamento e avaliação
A participação do público beneficiário em todo o processo de planejamento,
monitoramento e avaliação é de extrema importância para os resultados de uma
tecnologia social. Assim, todos se vêem como responsáveis pelas ações, percebendo-se
contemplados e implicados com todas as etapas do processo.
Tecnologia social implica a construção cidadã do processo democrático
Para o ITS, autonomia é o contrário de desigualdade. O objetivo maior de
qualquer tecnologia social deve ser a busca da autonomia do sujeito, com a adoção de
formas democráticas de decisão e de estratégias que promovam a mobilização e o
crescimento de todos os envolvidos.
32
1.4 Experiência de implementação de tecnologia social de outras instituições no
Brasil
Analisando-se a tecnologia social, a partir dos marcos conceituais construídos
pelo ITS e pela RTS, podemos ficar muito otimistas com relação ao futuro. A matriz
ideológica da tecnologia social é, sem dúvida, extremante rica, mas trata-se ainda de um
movimento recente, pelo menos com estas características apresentadas pelas duas
instituições.
Na prática, os desafios ainda são imensos. O conhecimento sobre o tema ainda é
muito restrito a alguns setores do governo, das organizações sociais e das universidades.
A tecnologia social é vista com reserva por muitos, que criticam principalmente a idéia
de reaplicação de soluções – e talvez de problemas – em ampla escala.
Apesar disso, crescem as iniciativas de fomento à tecnologia social, como é o
caso do prêmio da Fundação Banco do Brasil, mencionado acima. Também já existem
casos de sucesso bastante expressivos que apontam um futuro promissor para a
tecnologia social, como o soro caseiro e a multimistura, disseminados pela Pastoral da
Criança; a coleta seletiva de resíduos sólidos, adotada pela Rede Nacional de
Reciclagem; o Mova Brasil, tecnologia de alfabetização do Instituto Paulo Freire; o
Banco Palmas, que oferece crédito à população de baixa renda, inspirado no Grameen
Bank do bangalês Muhammad Yunus, dentre outros.
Destacamos a seguir três experiências bem-sucedidas de implementação de
tecnologia social: as cisternas pré-moldadas, o Acelera Brasil e o Programa Formare.
a) As cisternas pré-moldadas
Foi em uma pequena cidade do interior da Bahia que surgiu a idéia que se tornou
uma tecnologia social e que está sendo adotada como política pública pelo Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Um pedreiro sergipano, conhecido apenas
como Nel, utilizou a experiência na construção de piscinas, adquirida quando trabalhava
em São Paulo, para construir um tipo diferenciado de cisterna - de forma cilíndrica, feita
com chapas pré-moldadas. Seu objetivo era criar reservatórios capazes de acumular
água da chuva, atendendo a uma necessidade de abastecimento do sertão.
Isso aconteceu há mais de 30 anos em Pintadas-BA, cidade com 10.500
habitantes, na região do Semi-árido nordestino. A iniciativa, patrocinada pelo Centro
33
Comunitário e Social de Pintadas, mostrou-se uma solução eficaz e barata para o
armazenamento de água da chuva
14
.
O problema
Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgados no site BBC
Brasil.Com
15
, mostram que a falta de acesso à água limpa atinge 2,6 bilhões de pessoas
em todo o mundo. Estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
dão conta de que cerca de 20% dos brasileiros não têm acesso à água potável e 40% da
água encanada disponível no país não é confiável para o consumo humano
16
.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) mostram que três milhões
de moradores do Semi-árido brasileiro não têm acesso à água potável (VIVARTA e
CANELA, 2006:74). Segundo pesquisadores da Embrapa, a escassez de água potável
aumenta a incidência de doenças nas regiões áridas e semi-áridas, à medida que as
famílias acabam utilizando fontes de água “(...) não habituais, geralmente partilhadas
com animais, agravando a situação devido à péssima qualidade da água, que contribui
para uma maior incidência de doenças no meio rural.”
17
O pesquisador da Embrapa, Everaldo Rocha Porto, afirma que "apesar das
adversidades, o semi-árido brasileiro é um dos mais úmidos do planeta”
18
. Enquanto
em outros países, a precipitação anual das zonas áridas oscila entre 80 e 250 milímetros,
no Semi-árido brasileiro a média é de 750 mm. Segundo o pesquisador, as águas de
chuva formam um grande potencial hídrico para o Semi-árido. "O que falta à região é
uma proposta estruturadora, que saiba aproveitar os recursos naturais em favor da
população", diz Porto, informando ainda que as perdas das águas das chuvas somam,
por ano, 36 bilhões de m³, o que poderia ser evitado com técnicas de coleta da água de
chuva, como é o caso das cisternas pré-moldadas
19
.
14
http://www.cpatsa.embrapa.br/catalogo/doc/posters/12_2_Edny_Marcos_Mendes.doc., acessado em
06/03/08.
15
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/03/070322_diadaagua_ir.shtml, acessado em
06/03/08.
16
www.embrapa.br/imprensa/noticias/2003/julho/bn.2004-11-25.2563490863, acessado em 10/07/08.
17
www.cpatsa.embrapa.br/catalogo/doc/agriculture/8_4_Everaldo_Rocha_Porto.doc, acessado em
06/03/08.
18
http://www.semarh.rn.gov.br/detalhe.asp?IdPublicacao=1468, acessado em 10/07/08.
19
www.cpatsa.embrapa.br/noticias/noticia52.htm, acessado em 06/03/08.
34
A solução
A partir da idéia das cisternas pré-moldadas, nascida da sabedoria popular no
interior da Bahia, foi desencadeada uma intensa mobilização por inúmeras
Organizações Não-Governamentais. Atualmente, a Articulação no Semi-Árido (ASA),
criada em 1999, é o maior articulador desta tecnologia, envolvendo mais 700 entidades
na divulgação e capacitação de famílias, como a Cáritas Brasileira e o Movimento de
Organização Comunitária (MOC).
Desde julho de 2003, a ASA promove o Programa de Formação e Mobilização
Social para a Convivência com o Semi-Árido: um Milhão de Cisternas Rurais. O
programa tem uma unidade gestora central e unidades gestoras microrregionais, que
englobam cerca de 20 municípios.
Além do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a Federação
Brasileira de Bancos (Febraban) também investe na construção das cisternas pré-
moldadas. Entre 2003 e 2005, a Febraban investiu 27 milhões de reais na construção de
cisternas e no aparelhamento da ASA, beneficiando mais de 100 mil pessoas
(VIVARTA e CANELA, 2006:136).
Perfil da tecnologia social das cisternas pré-moldadas
Cada cisterna armazena até 16 mil litros de água, provendo abastecimento de
água limpa e de fácil tratamento durante aproximadamente oito meses. O custo de uma
cisterna pode variar de R$ 460,50 (quatrocentos e sessenta reais e cinqüenta centavos) a
R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais). Os critérios da ASA para construção das
cisternas levam em conta a vulnerabilidade dos beneficiários, priorizando mulheres
chefes de família, presença de crianças até seis anos, crianças e adolescentes na escola,
idosos e portadores de deficiência.
As unidades gestoras microrregionais formam comissões municipais que
apresentam as cisternas para os líderes comunitários e depois promovem a capacitação
para a construção das cisternas. Além de atender à necessidade de abastecimento de
água limpa, esta tecnologia tem como objetivo a autonomia e o empoderamento da
população.
Segundo a pesquisadora Sonia Kruppa (apud VIVARTA e CANELA, 2006:82),
as cisternas poderiam ser construídas pelo poder público e prover o abastecimento de
água, mas o que faz delas uma tecnologia social é que “o conhecimento que está sendo
35
aplicado deve servir para a transformação social dos grupos oprimidos”. O sociólogo
Caio Magri (apud VIVARTA e CANELA, 2006:82) ilustra como isso está acontecendo
com as cisternas pré-moldadas, a partir do depoimento de um morador do Semi-árido da
Bahia: “Ao ser perguntado sobre o significado das cisternas, ele respondeu: “Agora, sou
livre”. E completou: “Antes, não tinha liberdade de escolher em quem votar. Só podia
votar no dono do carro-pipa, que me trazia água todo dia. Agora, tenho água que vem
do céu, que é minha e que ajudei a conseguir”.
Resultados alcançados
Um dos principais resultados das cisternas pré-moldadas é a transformação
social das famílias do Semi-árido. A partir desta tecnologia social, tem havido uma
mobilização que envolve o poder público, as ONGs e a população do Semi-árido, que
tem sido beneficiada não apenas pelo abastecimento da água, mas na conquista da
autonomia, no empoderamento e na melhoria das condições de saúde.
O Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-
Árido: um Milhão de Cisternas Rurais, da ASA, está presente em 11 estados (os nove
estados da Região Nordeste, além de Minas Gerais e Espírito Santo). A ASA já havia
construído, até novembro de 2007, 221.514 cisternas, além de ter atendido 1.031
municípios, mobilizado 228.541 famílias e capacitado 5.674 pedreiros
executores
20
.
b) Acelera Brasil, do Instituto Ayrton Senna
Fundado em 1994, o Instituto Ayrton Senna (IAS) tem como missão “contribuir
para a criação de condições e oportunidades para que todas as crianças e todos os
adolescentes brasileiros possam desenvolver plenamente o seu potencial como pessoas,
cidadãos e futuros profissionais”
21
. Um dos programas desenvolvidos pelo IAS é o
Acelera Brasil, que tem como objetivo diminuir a defasagem escolar. O programa
tornou-se uma tecnologia social, sendo reaplicado em mais de 300 municípios
brasileiros, sendo adotado, atualmente, como política pública em seis estados: Goiás,
Pernambuco, Tocantins, Paraíba, Sergipe e Mato Grosso.
20
http://www.asabrasil.org.br, acessado em 06/03/08.
21
http://senna.globo.com, acessado em 21/01/08.
36
O problema
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP)
22
, a taxa de distorção série-idade, no último ano do ensino fundamental,
era de 48,6% em 2000 e desceu para 40,6% em 2003. Apesar dos números em queda, a
defasagem escolar atinge atualmente 12 milhões de crianças e adolescentes, segundo o
IAS. Margareth Goldenberg, diretora-executiva do IAS, em artigo publicado na revista
Parcerias Estratégicas, assim analisa a questão:
A distorção (...) tem causas sociais e caráter estrutural e sistêmico, o
que engloba, mas ultrapassa a questão educacional. Por isso, a sua
solução exige uma resposta também estrutural e sistêmica, que
engloba, mas ultrapassa as propostas simplesmente pedagógicas.
Experiências recentes têm reafirmado a idéia de que, para promover
mudanças qualitativas no sistema de ensino brasileiro, os programas
educacionais devem ser planejados como uma verdadeira estratégia
política de intervenção social, para que alcancem um impacto
profundo e permanente. (GOLDENBERG, 2005:281)
Citando dados do Fundef-Brasil de 2004, Goldenberg afirma que a distorção
escolar “encarece e emperra a educação pública e o desenvolvimento do país, resultando
em perdas de grande impacto social e econômico”, e provocando um desperdício de
cerca de R$ 6,3 bilhões por ano no país (GOLDENBERG, 2005:281).
A solução
A metodologia do programa Acelera Brasil foi criada pelo educador João Batista
Oliveira e implementada pelo IAS a partir de 1997. O IAS identifica, em parceria com a
Secretaria de Educação do município onde o programa é desenvolvido, os alunos em
situação de defasagem escolar de 1ª à 4ª série do ensino fundamental, com faixa etária
de nove a 14 anos, que apresentem distorção escolar de, pelo menos, dois anos. Após
um diagnóstico de cada aluno, o IAS elabora um plano para regularizar o fluxo escolar
no prazo máximo de quatro anos.
Perfil da tecnologia social Acelera Brasil
O programa Acelera Brasil atua em três eixos complementares: o pedagógico, o
gerencial e o político.
22
http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/outras/news04_51.htm , acessado em 10/07/08.
37
Dentro da sua ação pedagógica, o programa tem como objetivo a formação do
professor, oferecendo capacitação constante e todo o material necessário para a
implementação do Acelera: manual do professor, mapas, dicionários, livros de
literatura, além de sete volumes próprios para alunos defasados.
Na ação gerencial, o IAS oferece financiamento adequado, estrutura gerencial
local, manual de operacionalização, sistema automatizado de acompanhamento com
software próprio, sistemática de acompanhamento, planejamento e controle do processo.
Além de toda a assistência gerencial, o Acelera Brasil prevê ainda a avaliação externa
anual, realizada pela Fundação Carlos Chagas (FCC), o acompanhamento dos alunos
egressos e a sustentabilidade do próprio programa
23
.
Como o Acelera foi construído para ser implementado em qualquer parte do
Brasil, é necessária também uma ação no eixo político. Assim, a estratégia de
implementação do programa inclui o compromisso político das autoridades com a
regularização do fluxo escolar.
Resultados alcançados
Em mais de dez anos de existência, o Acelera Brasil já atendeu 298.216
crianças, em 319 municípios. A média de aprovação dos alunos beneficiados pelo
programa é de 93% nos estados que adotaram a tecnologia social como política pública,
enquanto a média nacional é de 78,70%.
24
As cidades que implementaram o Acelera tiveram uma média de distorção
escolar 23,4% menores que a média das cidades brasileiras, no mesmo período. Estes
resultados representam uma economia de 60% dos gastos municipais com a distorção
escolar (GOLDENBERG, 2005:284).
c) Programa Formare
25
:
O programa Formare é uma iniciativa da Siderúrgica Iochpe, que, desde 1988,
mantém duas escolas técnicas nas cidades de Canoas, no Rio Grande do Sul, e São
Bernardo do Campo, em São Paulo, oferecendo capacitação profissional para jovens de
23
JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA, em artigo publicado em Cadernos de Pesquisa, nº 116, PP
177-215, julho/ 2002.
24
http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna/br/default.asp, acessado em 10/07/08.
25
As informações sobre o Programa Formare foram retiradas do site http://www.formare.org.br, acessado
em 21/01/08, e de entrevista feita, no âmbito desta pesquisa, com Beth Callia, coordenadora do programa
Formare, em abril de 2007.
38
baixa renda, de 15 a 17 anos. O programa começou a despertar o interesse de outras
empresas e, em 1994, foi criada a Fundação Iochpe, que sistematizou a sua metodologia
de trabalho com o apoio da Cherto Consultores, nos moldes de uma franquia comercial.
Atualmente, o programa acontece no interior das mais de 40 empresas parceiras da
Fundação.
O problema
O desemprego entre jovens de 15 a 24 anos é maior do que em outras faixas
etárias. Estudo do economista Marcio Pochmann, da Unicamp, a partir da análise de
dados do IBGE, mostra que, de 1995 a 2005, de cada 100 jovens que ingressaram no
mundo do trabalho, 55 ficaram desempregados
26
.
A taxa de desocupação dos jovens é quase duas vezes maior do que a da
população em geral, segundo o estudo "Juventude: Diversidades e desafios no mercado
de trabalho metropolitano", do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), divulgado na Folha Online
27
. De acordo com este estudo,
dos 3,5 milhões de desempregados em 2004 nas cidades de Belo Horizonte, Porto
Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e Distrito Federal, 1,6 milhão são de jovens, o que
representa 46,4% do total.
A solução
O foco do Programa Formare é oferecer cursos de formação inicial para o
mundo do trabalho, nas sedes das empresas parceiras, possibilitando a obtenção do
primeiro emprego para jovens de 15 a 17 anos. As empresas disponibilizam espaço
físico (sala de 60m²), equipamentos e funcionários para atuarem como educadores
voluntários.
Os jovens atendidos são de famílias com renda per capita de meio salário
mínimo e moram em comunidades vizinhas às empresas.
Perfil da tecnologia social do Programa Formare
Os jovens atendidos pelo Formare devem apresentar as seguintes características:
potencial de desenvolvimento, estar cursando o ensino médio na escola pública formal,
não ter acesso a cursos profissionalizantes e não ser filho de funcionário da empresa
26
Dados retirados da matéria “Desemprego entre jovens brasileiros dobrou entre 1995 e 2005, mostra
estudo”, publicada no site da Agência Brasil: http://www.agenciabrasil.gov.br, acessado em 15/01/08.
27
Matéria “Desemprego entre jovens é quase duas vezes maior, diz pesquisa Dieese”, publicada no site
http://www1.folha.uol.com.br, acessado em 15/01/08.
39
onde tem lugar o curso de formação. As aulas são ministradas por educadores-
voluntários, funcionários das empresas, que passam por uma capacitação inicial de 16
horas.
As empresas que adotam o Programa devem oferecer aos alunos: bolsa auxílio
mensal de R$ 400,00 (quatrocentos reais), alimentação, transporte, assistência médica e
psicológica, seguro de vida, uniforme e material escolar. Para utilizar a metodologia do
Formare e receber consultoria, capacitação e material do programa, cada empresa paga,
anualmente, cerca de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) para a Fundação Iochpe.
Cada empresa deve formar, pelo menos, 20 alunos por ano, em cursos que têm
duração mínima de 800 horas-aula, com 25 horas de aula por semana, incluindo práticas
profissionais. O Formare já formatou mais de 47 cursos diferentes assistente de gestão
de sistemas, assistente de operações logísticas e serviço, assistente de produção
farmacoquímica e cosmética, entre outros –, que são certificados pela Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). O programa também oferece às empresas
parceiras acesso a uma extranet e vídeos próprios para sensibilização e capacitação.
Resultados alcançados
Presente em dez estados brasileiros, além de manter uma escola na Argentina, o
Formare já beneficiou mais de 5.000 jovens. Uma avaliação externa realizada pelo
Instituto Fonte, em 2002, revela que 85% dos jovens egressos estão empregados e 77%
aumentaram suas responsabilidades profissionais. A renda desses jovens profissionais
dobrou nos dois primeiros anos de inserção no mundo do trabalho.
40
Capítulo 2: conceito de esporte educacional
“O desporto arma-se de tanta expressão, que seu espírito deixa
de ser inerente ao desportista para transcender à sociedade.”
Lyra Filho
Quando estudamos o esporte é comum nos depararmos com expressões como
“maior fenômeno social da atualidade” ou “indústria que mais cresce no mundo”.
Lucena (apud BRACHT, 2000/1:14) se pergunta: “como lidar com um fenômeno tão
poderoso como o esporte sem sucumbir a ele?”.
Ao longo da sua história, o esporte tem servido a vários propósitos, a ponto de,
atualmente, ser necessário identificar de que tipo de esporte estamos falando. No
Dicionário Enciclopédico Tubino do Esporte (2007) é possível encontrar uma infinidade
de termos para definir os vários esportes: esporte-espetáculo, esporte social, esportes
adaptados, esportes radicais, dentre muitos outros.
Pela legislação vigente no Brasil, são reconhecidas três dimensões do esporte:
esporte de rendimento, esporte de participação e esporte educacional. A visão
educacional, objeto deste estudo, vem acompanhando o esporte notadamente desde a
Antiguidade, quando, em especial na Grécia, buscava-se uma educação integral;
passando pelo pedagogo inglês Thomas Arnold e pelas idéias do olimpismo; até
chegarmos aos dias atuais, quando o esporte impôs-se como força catalisadora para a
promoção social.
2.1 Breve histórico do esporte
A gênese do esporte moderno deu-se na Inglaterra do século XIX. Já a origem da
prática esportiva em si não é identificada de forma precisa. A Universidade do Esporte
(UE) assinala a crença de que, após a alimentação, “a mais antiga forma de atividade
humana é a que hoje se conhece por esporte”
28
. No Egito, ainda segundo a UE, as
práticas esportivas remontam a 2.700 a.C., com objetivos militares ou caráter religioso.
O pioneirismo na sistematização destas práticas é dos persas e sobretudo dos gregos.
28
http://www.ueonline.com.br/universidadedoesporte/index.htm, acessado em 20/06/08.
41
Na Grécia Antiga, “a prática atlética se inseria num extenso e complexo sistema
de educação (paidéia) que, na maioria absoluta das poléis, visava à preparação militar”
(CODEÇO, 2007:80). Na cidade-estado de Atenas, os esportes passaram gradualmente
à esfera cívica e heróica (BARROS apud CODEÇO, 2007:80), sendo o ensino esportivo
inserido no sistema de instrução cidadã, que contemplava um determinado perfil de
jovem – homem, filho de atenienses, livre, participante da política pública e da vida
militar (THEML apud CODEÇO, 2007:80).
Além do aspecto físico, o sistema de instrução grego também incluía estudos
teóricos, como letras e matemática, e práticas políticas, como participação nas
assembléias e debates na praça pública. O modelo almejado de cidadania incluía valores
como coragem, força e agilidade.
Os ginásios eram os espaços públicos onde aconteciam a prática esportiva e
também as atividades culturais, como a filosofia. Segundo Codeço, estava presente na
Grécia “a idéia de doutrinar o indivíduo numa vida saudável. Os gregos valorizavam
tudo que pudesse ser benéfico à euxia, a saúde, e os esportes, desde que bem
administrados, eram uma fonte inesgotável de bons frutos para o corpo e para a mente”
(2007:82).
A competição também figurava entre os objetivos do sistema de ensino
ateniense. Os jogos, entre jovens da mesma cidade ou de outras póleis, aconteciam em
momentos festivos, sendo os Jogos Olímpicos os principais e mais antigos do circuito
pan-helênico, tendo acontecido, comprovadamente, desde 777 a.C. (FERREIRA,
2007:104) até 393 d.C. Discorrendo sobre o caráter competitivo dos jogos, Ferreira
afirma:
A importância outorgada às vitórias olímpicas servia muitas vezes
como discurso de superioridade perante as pólis rivais, já que o atleta
competia em nome de sua pólis, e representava toda a sua
comunidade. Na presença de todo o mundo grego, a vitória olímpica
permitia ao vencedor e à sua pólis um local de destaque perante as
demais. (FERREIRA, 2007:106)
O enaltecimento da vitória acabou por gerar uma “profissionalização” das
práticas esportivas, levando as cidades-estado a oferecerem prêmios aos vencedores.
Com o destaque dado à competição, em detrimento da formação pedagógica, perdia-se a
conexão com a vida e a dimensão da existência, conforme assinalou Platão na República
(apud FERREIRA, 2007:106).
42
Na Idade Média, a prática esportiva entrou em uma fase de estagnação, com o
fim do paganismo e o crescimento do cristianismo, só sendo retomada nos séculos XVI
e XVII durante o Renascimento, com o advento do humanismo, segundo a Universidade
do Esporte. Na Inglaterra, no apogeu da Revolução Industrial, no final do século XIX, o
esporte moderno encontrou as condições ideais para a sua institucionalização.
Segundo Betti (apud SCAGLIA, 2003:24), com a popularização dos jogos na
Inglaterra, os pedagogos ingleses perceberam que o esporte poderia ser utilizado nas
escolas, com o objetivo de disciplinar e diminuir o tempo livre dos filhos da burguesia.
As tradicionais Escolas Públicas (...), as Universidades e a classe
média emergente da Revolução Industrial tiveram participação
fundamental nesse processo. Os estudantes das Public Schools
promoviam os jogos – futebol, caça e tiro – desafiando às vezes a
proibição das autoridades educacionais que os consideravam
perigosos e violentos. (...) A Inglaterra foi também pioneira em
aceitar e utilizar o esporte como meio de educação. O exemplo da
Escola de Rugby, onde seu diretor Thomas Arnold (1795-1842)
suprimiu a ilegalidade de alguns jogos esportivos (...). A ´capacidade
de governar outros e controlar a si próprio, a atitude de combinar
liberdade com ordem´ (Comissão Real das Escolas Públicas, citado
por McIntosh, 1973, p.119) era o modelo aceito da Educação Física
nas Escolas Públicas. (BETTI apud SCAGLIA, 2003:25)
A utilização do esporte nas escolas, pelas elites inglesas, gerou a necessidade de
universalizar as regras dos jogos, em especial do futebol. Em 1846, as dez primeiras
regras foram impressas em folhetos e, em 26 de outubro de 1863, na Taberna dos
Maçons Livres, na Great Queen Street, em Londres, aconteceu a famosa reunião que
consolidou as regras do futebol (SCAGLIA, 2003:25), possibilitando o crescimento do
football association.
O esporte experimentou diversas fases após a sua utilização pedagógica, iniciada
por Thomas Arnold, e o processo de consolidação das regras vivenciado na Inglaterra.
Segundo a Universidade do Esporte, no final do século XIX havia três linhas
doutrinárias das atividades físicas:
a ginástica nacionalista (alemã), que valoriza aspectos ligados ao
patriotismo e à ordem; a ginástica médica (sueca), voltada para fins
terapêuticos e preventivos; e o movimento do esporte (inglês), que
introduz a concepção moderna de esporte e impulsiona a restauração
do movimento olímpico, com o barão Pierre de Coubertin. Esta
43
última linha prevalece e leva à realização da primeira Olimpíada da
Era Moderna em 1896, em Atenas
29
.
A primeira metade do século XX marca um período conturbado também para o
esporte, por conta das guerras mundiais que provocaram o cancelamento dos Jogos
Olímpicos de 1940 e 1944. De 1950 a 1990, o esporte:
é sacudido por uma nova realidade. A concepção do "Ideário
Olímpico" e sua máxima de "o importante é competir" saem de cena.
A Guerra Fria estimula o uso ideológico do esporte, colocando em
segundo plano o fair play. A simples prática esportiva deixa de ser
relevante, pois o que importa é o rendimento, o resultado. Inicia-se
um rápido processo de profissionalização dos atletas, alçados à
condição de estrelas da mídia e heróis nacionais. A corrida em busca
de recordes e títulos faz com que organismos internacionais lancem
manifestos denunciando a exacerbação da competição e alertando os
governos para as novas responsabilidades do Estado no que se refere
às atividades físicas. Os textos destacam a necessidade de garantir à
população em geral - e não apenas aos atletas - condições que levem
à democratização do esporte. (UNIVERSIDADE DO ESPORTE)
30
Manoel Tubino (2007:3) afirma que o início do esporte contemporâneo teve
lugar por volta de 1980. Enquanto o esporte moderno era entendido na perspectiva do
rendimento, sendo marcado por dois períodos distintos – o ideário olímpico, que
marcou a criação do Comitê Olímpico Internacional (COI), em 1892, e o ideário
político-ideológico, iniciado por Adolf Hitler nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936
–, o esporte contemporâneo parte do pressuposto de que o esporte é um direito de todos.
O esporte passa, então, a ser dividido em três dimensões: esporte-educação, esporte-
lazer e esporte-rendimento (TUBINO, 2007:37).
Influenciado pelo Movimento Esporte para Todos, surgido na Noruega, na
década de 60, com o nome de Trim, que defende o amplo acesso às atividades físicas, o
esporte contemporâneo tem como marco a Carta Internacional da Educação Física e do
Esporte, redigida pela Unesco, em 1978 (TUBINO:2007:51), seguida depois por outros
documentos, dentre os quais a Carta do Espírito Esportivo (1991), a Carta dos Direitos
da Criança no Esporte (1995), a Agenda21 do Movimento Olímpico (1999), o
Manifesto Mundial da Educação Física FIEP (2000).
29
http://www.ueonline.com.br/universidadedoesporte/index.htm, acessado em 20/06/08.
30
http://www.ueonline.com.br/universidadedoesporte/index.htm, acessado em 20/06/08.
44
Segundo a Universidade do Esporte, a última década do século XX foi marcada
por aceleradas mudanças na prática esportiva, consolidando-se a idéia do esporte como
direito de todos. Foi nesse momento que
[g]rupos até então pouco atendidos na questão da atividade física
ganham mais atenção. Dois exemplos de tal transformação são a
terceira idade e a pessoa portadora de deficiência. Amplia-se o
próprio conceito de esporte, desmembrado em esporte-participação
(lazer) e esporte de rendimento (competição). O papel do Estado
também se altera. Ele deixa de apenas tutelar as atividades esportivas.
Passa a investir em recursos humanos e científicos. Além disso, no
campo do alto rendimento, dá atenção especial às questões éticas,
como o combate ao doping
31
.
No mundo contemporâneo, o esporte conecta-se a questões como
mercantilização, espetacularização, tempo livre e lazer, qualidade de vida e inclusão
social. A partir da década de 60, o esporte associa-se à comunicação de massa e passa a
cumprir importantes funções políticas e econômicas, “alterando, progressiva e
rapidamente, a maneira como praticamos e percebemos o esporte” (BETTI, 2003:31). O
esporte-espetáculo, que visa especialmente ao alto-rendimento, se tornou uma função da
mídia, segundo Tubino, que ressalta também o esporte social como “uma das
responsabilidades mais marcantes do Estado” (TUBINO, 2007:37). De acordo com a
definição deste autor, o esporte contemporâneo é um
[f]enômeno sociocultural cuja prática é considerada direito de todos e
que tem no jogo o seu vínculo cultural e na competição seu elemento
essencial, o qual deve contribuir para a formação e aproximação dos
seres humanos ao reforçar o desenvolvimento de valores como a
moral, a ética, a solidariedade, a fraternidade, e a cooperação, o que
pode torná-lo um dos meios mais eficazes para a convivência
humana. (TUBINO, 2007:37)
2.2 Breve histórico do futebol:
Segundo Aquino (2002:11), “são tantas as pessoas – mulheres, homens, crianças
das mais variadas idades – amantes do futebol que seu número ultrapassa a soma total
dos envolvidos com as demais competições existentes no mundo”.
31
http://www.ueonline.com.br/universidadedoesporte/index.htm, acessado em 20/06/08.
45
Esporte de popularidade planetária, com 240 milhões de praticantes (MURAD,
2007:49), o futebol movimentou 255 bilhões de dólares em 1999, superando até mesmo
a General Motors, maior indústria do planeta, que movimentou 170 bilhões de dólares
no mesmo ano. Essa informação, fornecida pelo brasileiro João Havelange, ex-
presidente da Fifa, revela os extraordinários números do futebol no conjunto da
economia mundial. Essas cifras chegaram a 300 bilhões de dólares em 2006, segundo
dados da revista alemã Der Spiegel (MURAD, 2007:14).
O sociólogo Mauricio Murad conta que, após 1989, com a queda do Muro de
Berlim, na Alemanha, e a posterior desagregação do Leste Europeu, os países que
faziam parte da Federação Iugoslava pediram ingresso primeiramente na Fifa e depois
nas Organizações das Nações Unidas (ONU)
32
. Há mais países filiados à Fifa do que à
ONU: são 208 contra 200 da ONU e 192 do COI. A Copa do Mundo o maior evento
televisivo já registrado, tendo reunido 44 bilhões de espectadores em 2002, na Copa da
Coréia/Japão, e 50 bilhões em 2006, na da Alemanha (MURAD, 2007:15).
Norbert Elias assinala que “nenhuma [forma de desporto] foi adotada e
absorvida pelos outros países com tanta intensidade e, em muitos casos, com tanta
rapidez, como se deles fizessem parte, como o futebol. Nem gozaram de tanta
popularidade” (1992:187). Elias cita o autor alemão Agnes Bain Stiven, que, em 1936,
escreveu:
Como bem sabemos, a Inglaterra foi o berço e a “mãe” devota do
desporto... Parece que os termos que se referem a este campo se
tornaram propriedade comum de todas as nações, da mesma maneira
que os termos técnicos italianos no campo da música. É raro,
provavelmente, que uma peça de cultura tenha migrado com tão
poucas mudanças de um país para outro. (apud ELIAS, 1992:188)
Scaglia, por sua vez, assinala que o futebol é uma construção histórica. Segundo
ele,
[O futebol] não foi criado de repente, por alguma entidade que reuniu
pessoas e combinou estrutura e regras. Ele é dinâmico e continua
sendo construído nos jogos/brincadeiras. Ou melhor, o futebol, hoje
emancipado como esporte, não foi inventado ao acaso, da vontade de
alguns jovens ingleses chutarem uma bola de couro inflada com ar,
mas surgiu por influência e evolução de inúmeros jogos/brincadeiras
de bola com os pés construídos em meio à cultura lúdica. (...) Ao
mesmo tempo em que o futebol se originou de um processo de
ressignificação cultural de jogos populares com a bola (...) depois que
32
Entrevista concedida ao Núcleo de Pesquisa em Inovação do Instituto Bola Pra Frente, 2007, mimeo.
46
ascendeu à categoria de esporte, passou a ser constantemente re-
significado em outros jogos. (SCAGLIA, 2003:9)
Não há como precisar a origem do futebol. O jogo de bola era praticado em
diversos lugares, com características diferentes. De acordo com Tubino (2007:74), os
registros mais remotos vêm da China, onde, entre 3000 a.C. a 2500 a.C., durante o
Império Huang-Ti, havia um jogo com bola que terminava com a morte dos derrotados.
Segundo Aquino, na dinastia Han (202 a.C. – 226 d.C.), os chineses jogavam o tsutchu,
que significa “golpe na bola com os pés” e, em uma de suas modalidades, “opunha duas
equipes empenhadas em arremessar a bola em algo parecido com gols colocados em
cada canto do campo” (AQUINO, 2002:11). No Japão, havia um jogo semelhante: o
kemari, praticado pela nobreza da Corte Imperial.
Outro precursor do futebol, o epyskiros, jogo grego do século I a.C., era
praticado por equipes de nove jogadores em um campo retangular, com objetivos
militares. Inspirados neste jogo, os romanos criaram o harpastum ou soule, disputado
com as mãos e os pés em um campo retangular, dividido por uma linha, e que utilizava
uma bola de couro semelhante à atual (TUBINO, 2007; AQUINO, 2002).
Na América, o jogo de bola era conhecido pelas populações indígenas pré-
colombianas, entre as quais os mais e os astecas. Para essas civilizações, os jogos eram
práticas ritualísticas, sendo os perdedores decapitados. Na Europa medieval, mais
precisamente na Itália, surgiu o calcio, jogado por 27 jogadores em cada time e que
tinha na violência uma das suas principais características, “havendo braços, pernas e
dentes quebrados” (AQUINO, 2002:13).
Na Inglaterra, a violência fez com que o Rei Eduardo III proibisse a prática do
soule no início do século XIV. Segundo Tubino (2007:75), “o Futebol, pela violência da
sua prática, reconhecida pela intelectualidade da época, passou por vários momentos
históricos de proibição. Entretanto, mesmo suspenso, era praticado até com jogos entre
cidades inglesas”. Apenas no século XVIII o jogo de bola começaria a passar por
mudanças, com a consolidação do governo parlamentar e a Revolução Industrial,
representando a vitória do capitalismo (AQUINO, 2002:17). A partir de 1820, com a
codificação dos jogos existentes organizada por Thomas Arnold, o futebol foi
dissociado do rugby e, em 1857, surgiu o primeiro clube de futebol, o Sheffield Club.
Em 1863, é criada a Football Association, que estabeleceu as regras do futebol em 1866
(TUBINO, 2007; AQUINO, 2002).
47
Em 1871 foi disputada pela primeira vez a Copa da Inglaterra e, em 1872,
aconteceu a primeira partida internacional, entre a Inglaterra e a Escócia. O futebol
começava então a ser disseminado para outros países, chegando à França neste mesmo
ano, à Suíça em 1879, à Bélgica em 1880, à Alemanha, Dinamarca e Holanda em 1894,
à Itália em 1893, e ao Brasil em 1894 (TUBINO, 2007:75). Em 1900, o futebol é
incluído nos Jogos Olímpicos; em 1904 foi criada a Fédération Internationale de
Football Association (Fifa) e, em 1930, por iniciativa de Jules Rimet, presidente da Fifa,
foi realizada a primeira Copa do Mundo, no Uruguai.
No Brasil, o futebol moderno foi introduzido por Charles Miller, filho de
ingleses que foi estudar na Inglaterra aos nove anos de idade e voltou para São Paulo
com “duas bolas de couro, camisas, chuteiras e calções” (AQUINO, 2002:25). Antes de
Miller, no entanto, o futebol já era mencionado de forma esporádica.
Uma das primeiras referências ao futebol no Brasil data de 1746, quando a
Câmara Municipal de São Paulo proibiu o jogo com bola porque causava desordem.
Consta que, em 1864, tripulantes de navios ingleses jogavam bola nas praias e capinzais
brasileiros. Por volta de 1875, funcionários de empresas britânicas jogavam futebol no
Payssandu Cricket Club, no Rio de Janeiro; em 1882, na cidade de Jundiaí, em São
Paulo, havia torneios dos funcionários da São Paulo Railway. Em 1892, o Colégio
Pedro II, no Rio de Janeiro, já mencionava o futebol no seu regulamento. O futebol foi
ganhando adeptos por todo o Brasil, multiplicando-se clubes, federações, ligas e
campeonatos, e experimentando mudanças. Segundo Scaglia
(...) quem pensa que o futebol moderno sobrevive até hoje está muito
enganado. O futebol moderno, principalmente durante o longo
período de sua estada em território nacional, sofreu um processo de
transformação. Nossas crianças, inconformadas com a
obrigatoriedade de se jogar sempre da mesma maneira,
metamorfosearam o futebol moderno, reinventaram um novo futebol
a partir de uma infinidade de jogos que utilizavam para brincar nos
campinhos e terrenos baldios. (...) Resultado disso, o Brasil
reinventou o futebol, deixou para trás o moderno, para rebatizá-lo de
futebol Arte. (SCAGLIA, 2003:35)
Uma das mudanças mais recentemente experimentadas pelo futebol foi a adesão
das mulheres. No Brasil, o futebol feminino, segundo Darido (2006), foi
institucionalizado na década de 80, depois de um longo período de proibição pelo
Conselho Nacional de Desporto (CND), durante a ditadura militar. A primeira liga de
48
futebol feminino foi fundada no Rio de Janeiro, em 1981. O time carioca Radar
conquistou títulos importantes, como a Women's Cup of Spain e, em 1987, a
Confederação Brasileira de Futebol (CBF) já tinha cadastrado dois mil clubes e 40 mil
jogadoras.
2.3 Esporte e sociedade
Atualmente, o esporte pode ser definido por expressões como “fenômeno social
planetário”, “indústria”, “produto espetacular”. Segundo o economista americano Paul
Zane Pilzer, autor do livro The next trillion, a indústria do wellness (esporte, exercícios
físicos etc.) é a terceira maior dos Estados Unidos, atrás apenas da indústria
automobilística e de informática, mas cresce de forma tão acelerada que será, até 2010,
o próximo trilhão da economia americana
33
. Betti assinala a onipresença do esporte:
O esporte está em toda parte. Nos desenhos animados, nos programas
de entrevista e de auditório, nos quadros humorísticos, nos seriados,
nas novelas e nos filmes. Nos telejornais, não há necessariamente um
bloco de notícias dedicadas ao esporte, e elas aparecem em meio ao
noticiário político, econômico, policial. (...) O esporte pode aparecer
como pano de fundo ou como tema principal; como simulação de
prática ou como falação. (BETTI, 2003:71)
Esta superexposição do esporte teve seu input a partir da década de 60, com a
crescente transmissão de eventos esportivos ao vivo, tornando proeminente “uma nova
figura na história do esporte: o telespectador” (BETTI, 2003:31). Segundo McIntosh
(apud BETTI, 2003:31), “desde os tempos da Roma Antiga, quando mais da metade da
população podia abrigar-se simultaneamente nos estádios e anfiteatros, uma audiência
de tal magnitude só foi novamente possível na história da humanidade com o advento
da televisão.”
No seu clássico A busca da excitação, Norbert Elias aborda a importância do
esporte para o processo civilizatório.
Em sociedades como as nossas, que exigem uma disciplina
emocional global e circunspeção, a série de sentimentos agradáveis
fortes manifestamente expressos é severamente vedada. Para muitas
33
http://www.nexttrillion.com, acessado em 17/06/2007.
49
pessoas não é apenas na sua vida profissional, mas também nas suas
vidas privadas, que um dia é igual ao outro. Para muitas delas nunca
acontece nada de interessante, nada de novo. A sua tensão, o seu
tônus, a sua vitalidade, ou o que quer que se lhe possa chamar, é,
antes do mais, baixo. De uma maneira simples ou complexa (...) as
atividades de lazer proporcionam (...) a erupção de sentimentos
agradáveis fortes que, com freqüência, estão ausentes nas suas rotinas
habituais da vida. A sua função não é simplesmente, como muitas
vezes se pensa, uma libertação das tensões, mas a renovação dessa
medida de tensão, que é um ingrediente essencial da saúde mental.
(ELIAS, 1992:137)
Para Elias (1992:224), “sob a forma de desporto, as competições integraram um
conjunto de regras que asseguravam o equilíbrio entre a possível obtenção de uma
elevada tensão na luta e uma razoável proteção contra os ferimentos físicos. A
desportivização, em resumo, possui o caráter de um impulso civilizador”. Por meio do
lazer, em especial do tipo mimético ou jogo – que inclui as atividades de tempo livre,
sentidas como muito agradáveis, das quais é possível participar como ator ou espectador
–, “a nossa sociedade satisfaz a necessidade de experimentar em público a explosão de
fortes emoções – um tipo de excitação que não perturba nem coloca em risco a relativa
ordem da vida social, como sucede com as excitações do tipo sério” (ELIAS,
1992:112).
Elias é cauteloso ao abordar a tendência de se explicar a esportivização como
resultado da Revolução Industrial:
Sem dúvida que a industrialização e a urbanização desempenharam
um papel no desenvolvimento e na difusão das formas de ocupação
de tempo livre com as características de “desportos”, mas também é
possível que, tanto a industrialização quanto a desportivização,
tenham sido sintomáticas de uma transformação mais profunda das
sociedades européias, que exigia dos seus membros individuais uma
maior regularidade e diferenciação de comportamento. (ELIAS,
1992:137)
Para Huizinga (apud SCAGLIA, 2003:51), o jogo é um fenômeno cultural
carregado de valores éticos, que passa de geração em geração. A cultura, segundo
Huizinga nasce “no” jogo e “como” jogo. Para ele, o jogo é:
... uma atividade que se processo dentro de certos limites temporais e
espaciais, segundo uma determinada ordem e um dado número de
regras livremente aceitas, e fora da esfera da necessidade ou da
50
utilidade material. O ambiente em que ele se desenrola é de
arrebatamento e entusiasmo, e torna-se sagrado ou festivo de acordo
com as circunstâncias. A ação é acompanhada por um sentimento de
exultação e tensão, e seguida por um estado de alegria e distensão.
(HUIZINGA apud SCAGLIA, 2003:49)
Aos se tornarem esportes e passarem por uma sistematização, os jogos teriam
perdido parte de suas características lúdicas. Segundo Huizinga, o esporte torna-se cada
vez mais sério em nossa sociedade, pois os atletas profissionais não têm a
espontaneidade necessária ao jogo, enquanto os amadores têm uma espécie de complexo
de inferioridade (HUIZINGA apud BETTI, 2003:87).
Já as teorias marxistas vêem o esporte como uma reprodução da força de
trabalho. Jean-Marie Brohm (apud BETTI, 2003:94) concluiu que o esporte atua em
três níveis diferentes: reproduzir a estrutura da sociedade capitalista industrial
(competição, hierarquia, mediação da produção, divisão do trabalho e rendimento);
propor um modo alienante de vida, que utiliza o atleta como um objeto e implica no
controle e domesticação das pulsões; e propagar uma ideologia política, que tem como
missão dar uma resposta aos problemas sociais a partir da “mistificação da civilização
do lazer e do bem-estar”, servindo como fator de coexistência pacífica entre os países.
Para Brohm (apud VAZ)
34
, o esporte é
... é uma cristalização ideológica da competição permanente, que é
representada como “preparação para as asperezas da vida”. (...) uma
ideologia baseada no mito do progresso infinito e linear, como se
expressa na curva dos recordes. (...) Finalmente, o esporte é a
ideologia do corpo-máquina – o corpo torna-se um robô, alienado
pelo trabalho capitalista. O esporte baseia-se na fantasia do ser “fit”,
do corpo produtivo.
Gerhard Vinnai (apud BETTI, 2003:94) entende que o esporte é uma forma de
controle do tempo livre e serve para “exercitar e consolidar o princípio imperante da
realidade, e desta maneira mantém submetidas as vítimas do aparato industrial
alienado”. Trabalho e lazer encontram-se “entrelaçados” pelo capitalismo; há um
processo de “coisificação do homem” e sua conversão em uma “máquina”. Brohm
chega a prever que: “o robô do esporte está a ponto de nascer”, no que é contrariado
enfaticamente por Betti: “robôs nunca substituirão os homens no esporte espetáculo,
34
http://www.lazer.eefd.ufrj.br/espsoc/html/es102.html, acessado em 17/08/08.
51
porque os espectadores buscam comover-se com o drama humano: o esforço, a alegria e
o choro dos vencedores e perdedores” (BETTI, 2003:99).
Bero Rigauer também estabelece uma relação estreita entre o esporte e a lógica
de produção capitalista:
O esporte não é um sistema à parte, mas de diversas formas
interligado com o desenvolvimento social, cuja origem está na
sociedade burguesa e capitalista. Embora constitua um espaço
específico de ação social, o esporte permanece em interdependência
com a totalidade do processo social, que o impregna com suas
marcas fundamentais: disciplina, autoridade, competição,
rendimento, racionalidade instrumental, organização administrativa,
burocratização, apenas para citar alguns elementos. Na sociedade
industrial, formas específicas de trabalho e produção tornaram-se tão
dominantes como modelo, que até o chamado tempo livre
influenciaram normativamente (...). O rendimento do atleta
transforma-se em mercadoria e é trocado comercialmente pelo
equivalente universal. (RIGAUER apud VAZ)
35
Esse enfoque é bastante polêmico. Para Hans Lenk (apud VAZ)
36
, por exemplo,
tais críticas não são plausíveis uma vez que
[o] rendimento esportivo não pode ser compreendido como trabalho
compulsório, nem como uma forma desumana de rotina e nem
mesmo como trabalho ‘alienado’ no sentido que Marx atribui ao
termo. (...) não é obtido por meio de pressão rigorosa, nem é vivido
como tal, mas corresponde em alto grau aos interesses e capacidades
dos atletas. O esportista não se relaciona de forma "alienada" com
seu desempenho. Este, por sua vez, não é vivido como carga ou
obrigação, mas como livre escolha. Sob plena disposição pessoal o
rendimento procurado é valorizado positivamente, tanto do ponto de
vista emocional quanto afetivo, demarcando-se como um verdadeiro
“gozo”.
Uma outra vertente de análise sobre o esporte, destacada por Betti, são as teorias
culturalistas, segundo as quais o esporte constitui “um componente central da cultura
popular” (HARGREAVES apud BETTI, 2003:116). O esporte não é o reflexo da
cultura dominante, mas sim uma área na qual os valores, ideologias e significados são
contestados. O significado do esporte depende do seu contexto histórico; não é uma
entidade homogênea. Nesse sentido, de acordo com Hargreaves,
35
http://www.lazer.eefd.ufrj.br/espsoc/html/es102.html, acessado em 17/08/08
36
http://www.lazer.eefd.ufrj.br/espsoc/html/es102.html, acessado em 17/08/08
52
[o] esporte não poderia ser analisado como um todo indiferenciado
por causa da multiplicidade de formas e significados que assume na
sociedade moderna, compreendendo atividades que vão desde o
esporte competitivo internacional até o tênis no parque local. O
esporte pode ser uma experiência alienante e brutalizante para o
atleta profissional, mas em outras formas pode ser dinâmico, sensual
e belo. (HARGREAVES apud BETTI, 2003:116)
Para Dunning, se o esporte tivesse atrofiado o seu lado lúdico, como acreditava
Huizinga, ou tivesse se tornado tão alienante e repressivo como o trabalho, como
supõem as teorias marxistas, jamais conseguiria manter a sua popularidade
(DUNNING, 1992:309). Ele acredita que, na análise de Huizinga, está implícito que a
democratização do esporte é o motivo da sua decadência, sugerindo assim “que a
criatividade e os elevados padrões morais são restritos às elites”. A mesma crítica se
aplica a Rigauer, pois, segundo Dunning, ele apenas “traça um quadro sem expressão,
afirmando que os desportos, em todos os países industriais, desenvolveram
características semelhantes ao trabalho e, por isso, servem na mesma medida aos
interesses dos dirigentes” (DUNNING, 1992:309). Para Santim,
o esporte pode ser usado, pelo menos o foi ao longo da história, para
as mais diferentes finalidades. Apesar desta preocupação habitual de
se pensar o esporte vinculado a funções, ainda que diversificadas,
pode-se sustentar a idéia de que o esporte, na sua forma original, não
teria surgido à sombra da razão instrumental (...) O esporte faria parte
daquelas realidades cuja natureza está na ordem dos fenômenos que
possuem um fim em si mesmo, como uma obra de arte. (SANTIM
apud MELO, 2006:17)
2.4 Futebol e sociedade brasileira
Inúmeras são as pesquisas e ensaios que correlacionam futebol e identidade
brasileira. Inserindo essa relação num quadro maior, Murad afirma:
[E]stamos em um mundo onde as chamadas identidades (...)
atravessam um processo de desagregração, de implosão. Tendo em
vista essa fragmentação é que diversos pesquisadores e ensaístas
apontam os grandes rituais coletivos como produtores de um fascínio
agregador incomparável. (MURAD, 2007:13)
53
No caso do Brasil, o futebol exerceria esse “fascínio agregador”:
O futebol, num século onde o mundo moderno fragmenta as
identidades, desterritorializa as pessoas, desgeografiza (Mário de
Andrade) as pessoas, é justo neste terreno que surge o futebol que
tem um ethos de unidade dentro da heterogeneidade e assim este
desporto ganha essa dimensão. Num mundo assim fragmentado, as
pessoas podem ter uma identidade única, pelo menos durante 90
minutos. As pessoas têm certeza que estão incluídas, vêem seu
pertencimento concretizado. E isso é tão importante atualmente,
porque as pessoas estão fragmentadas. O paradoxo do sistema
mundial contemporâneo não é mais ser ou não ser, e sim ser E não
ser. (RIBEIRO apud MURAD, 2007:13)
Para Marques, o fim do período colonial não representou o fim das influências
estrangeiras no Brasil, que continuou dependente dos mercados externos. “Considerada
uma nação “periférica” no que diz respeito a desenvolvimento social e econômico, o
Brasil, entretanto, parece reafirmar sua auto-estima por meio do futebol, esporte em que
mantém supremacia mundial” (MARQUES, 2006:15). Prosseguindo nessa linha,
Borges ressalta que
o futebol revelou-se não só um fenômeno de ilimitado alcance social,
mas também se tornou uma das nossas riquezas como nação, assim
como uma de nossas principais caixas de ressonância social. Ele é, no
dizer de Armando Nogueira, algo próximo à paixão: “O futebol é
assim: desperta na pessoa um sentimento virtuoso que transcende a
amizade, que vai além do amor e culmina no santo desvario da
paixão. Tem de tudo um pouco, porém, é mais que tudo. Torcer para
uma camisa é plena entrega. É mais que ser mãe, porque não
desdobra fibra por fibra o coração. Destroça-o de uma vez no
desespero de uma derrota. Em compensação, remoça-o no delírio de
uma vitória.” (BORGES)
37
Fernandes (apud MURAD, 2007:21) explica que “os povos elaboram sua
identidade através de suas paixões ou de seus recolhimentos. (...) No Brasil, nada
conduz à loucura como o futebol. (...) Trata-se de um mundo no qual o profano, a magia
e a religião se confundem”. Também para Soares e Bartholo (2007:364), apesar de ser
um negócio com altos investimentos, o esporte, de forma geral, ainda guarda
características e relações com o sagrado.
37
http://www.moderna.com.br/moderna/didaticos/ef2/historia/historiacavernas/textos/arquivos/rev_futebo
l.pdf, acessado em 17/08/08.
54
DaMatta (2006:111) acredita que “foi o futebol que juntou hino e povo, que
consorciou camisa e bandeira, que popularizou a idéia da pátria e da nação como algo
ao alcance do homem comum e não apenas do “doutor” e do mandão”. Uma das
explicações para a identificação entre Brasil e futebol seria a excelência da seleção
brasileira, que “nos representa e nos engloba na sua glória e na sua inigualável
excelência” (DAMATTA, 2006:92). E também em sua derrota. “Enquanto os outros
esportes só produzem uma identificação coletiva na vitória, o futebol o faz na vitória e
na derrota” (GUEDES, 1998). Prossegue esta autora:
As seleções nacionais [transformam-se] nos próprios países que
representam, enquanto os jogadores representam, por extensão, toda
a nacionalidade. Assim, a freqüente utilização das categorias Brasil e
brasileiros envolve, pelo menos, dois deslocamentos que tornam o
significante futebol pleno de significados. Num deles, a seleção
brasileira de futebol transforma-se no Brasil. Claro está que o
epônimo refere-se simultaneamente ao país e ao time de futebol que
o representa. Temos, assim, referentes diversos para o mesmo
significante lingüístico, o que propicia um processo de reificação, tão
naturalizado que é difícil que o percebamos. Por essa via, é também a
abstração Brasil que vence, é derrotada, está confiante, está tranqüila
etc. Transmuda-se, portanto, num sujeito. (GUEDES: 1998, 49)
Segundo DaMatta (2006:122), “para muitos, falar do Brasil como um todo
equivale a produzir um discurso contra o Brasil”, mas com o futebol:
o Brasil teve uma grata e apaziguante experiência com a vitória, com
a excelência, com a competência (...) o futebol que engendra essa
cidadania positiva e prazerosa, profundamente sociocultural, que
transforma o Brasil dos problemas, das vergonhas e das derrotas, no
país encantado das lutas, das competências e das vitórias.
(DAMATTA, 2006:124)
Murad ressalta os benefícios que o futebol promove em diferentes perspectivas:
Por um ângulo sociológico, o futebol possibilita o necessário
exercício entre o indivíduo e seus contextos, suas mediações e
intercâmbios. Por um ângulo psicológico, também possibilita o
mesmo e necessário exercício entre o racional e o emocional, bem
como de suas mediações e intercâmbios. E, igualmente, por ângulo
ontológico, o futebol permite, ainda, a mesma necessária
experimentação entre o real e o simbólico. (MURAD, 2007:12)
55
Segundo Helal (apud MOLETTA JR et al.
38
), “o futebol no Brasil pode ser visto
como um poderoso instrumento de integração social. Através do futebol, a sociedade
brasileira experimenta um sentido singular de totalidade e unidade, revestindo-se de
uma universalidade capaz de mobilizar e gerar paixões em milhões de pessoas”. Da
Matta atribui ao futebol um outro mérito:
O futebol é importante não porque ele faça esquecer as mazelas e as
mistificações rotineiras, mas porque a experiência com a vitória e a
excelência, com o esforço e o sacrifício coletivos, com o entregar-se
de corpo e alma a uma camisa-causa, permite voltar ao trabalho com
novas disposições. Se sou vitorioso na bola, por que não ser
igualmente excelente no estudo, na arte e na minha atividade
profissional? (DAMATTA, 2006:126)
2.5 Esporte e educação:
Apesar da dominação do esporte de rendimento na nossa sociedade, a história do
esporte é marcada pelo contexto educacional. Enquanto na Grécia Antiga, o esporte era
praticado no gimnasio, um dos edifícios mais importantes da cidade, e ensinado dentro
dos preceitos da educação integral, a “paidéia” (RUBIO, 2002:133)
39
. O esporte
moderno nasceu dentro das public schools inglesas, a partir de 1820 com o pedagogo
Thomas Arnold, que utilizou “jogos aristocráticos e burgueses como elemento
pedagógico que foram sendo codificados e organizados pelos próprios estudantes”
(RUBIO, 2002:136)
40
. Aos poucos, o trabalho iniciado por Arnold, reitor da Rugby
School, levou o esporte à institucionalização e posterior proliferação pela Europa
(TUBINO, 2007:2).
Para Scaglia,
pode-se transcender e pensar uma escolinha de esportes envolta por
uma concepção de educação permanente, que através da aplicação de
conhecimentos de pedagogia de esportes, terá a finalidade de
possibilitar um desenvolvimento ao aluno, onde o esporte não se
restringe a um ´fazer´ mecânico, visando um rendimento exterior ao
indivíduo, mas torna-se um compreender, um incorporar, um
aprender atitudes, habilidades e conhecimentos, que o levem a
38
http://www.pg.cefetpr.br/ppgep/Ebook/cd_Simposio/artigos/comunicacao_oral/art5.pdf, acessado em
17/08/08.
39
Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, pp 130-143, jul./dez. 2002.
40
Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, pp 130-143, jul./dez. 2002.
56
dominar os valores e padrões da cultura esportiva, como nos adverte
Betti. Pois, devemos entender o aluno como um ser total, humano;
um ser sujeito, nunca objeto, que é carente na sua busca pelo superar-
se, como nos explica Manuel Sérgio. (SCAGLIA, 1996:37)
Para Kunz, é necessário:
um esporte que não necessariamente precisa ser tematizado na forma
tradicional, com vistas ao rendimento, mas com vistas ao
desenvolvimento do aluno em relação a determinadas competências
imprescindíveis na formação de sujeitos livres e emancipados.
Refiro-me às competências da autonomia, da interação social e da
competência objetiva. (KUNZ, 2006:29)
Há, atualmente, duas grandes matrizes sobre a definição da educação física: uma
que a entende como uma ciência e outra que a vê como uma prática pedagógica.
Aqueles filiados à primeira matriz acreditam que a educação física “possui o seu
próprio objeto de estudo (motricidade humana, ação motora, movimento humano etc.) e
se caracteriza por ser uma área de conhecimento interdisciplinar”, sendo o ramo
pedagógico uma subárea desta ciência (BETTI, 2003:16). Já os adeptos da matriz
pedagógica entendem a educação física “como ‘educação’, como uma prática
pedagógica balizada, em primeira instância, pela pedagogia” (BETTI, 2003:16).
Para Betti (2003:16), a educação física é “um conceito contemporâneo, que
surge no século XVIII pela voz de filósofos preocupados com a educação, e que até hoje
não desenvolveu todas as suas potencialidades culturais”. Segundo ele, a educação
física deve ser repensada e transformada em uma prática pedagógica, que assuma “a
responsabilidade de formar o cidadão capaz de posicionar-se criticamente diante das
novas formas de cultura corporal”.
A educação é vista por Betti como um permanente processo de valoração,
devendo a educação física ser um campo dinâmico de pesquisa e reflexão, cuja tarefa é
“preparar o aluno para ser um praticante lúdico e ativo, que incorpore o esporte, o jogo,
a dança e as ginásticas em sua vida, para tirar o melhor proveito possível” (BETTI,
2003:18).
“O esporte ensinado nas escolas”, assinala Kunz (2006:125), “enquanto cópia
irrefletida do esporte de competição ou de rendimento, só pode fomentar vivências de
sucesso para a minoria e o fracasso ou a vivência de insucesso para a maioria”. Para
57
ele, a solução é um processo educacional crítico-emancipatório que inclui, além do
saber-fazer, o saber pensar e o saber-sentir.
Uma concepção de ensino que se orienta nos pressupostos
apresentados da pedagogia crítico-emancipatório e que se explicita na
prática pela didática comunicativa privilegia, pelos planos do agir
para o trabalho, para a interação e para a linguagem, estes três
atributos máximos da capacidade heurística humana: saber-fazer,
saber-pensar e saber-sentir. (KUNZ, 2006:75)
O pedagogo francês Georges Belbenoit alinhavou, em 1976, algumas idéias
sobre esporte, educação e escola, descritas por Betti (2003:25):
O esporte é a forma mais rica e adaptada ao nosso tempo de um tipo
de “experiência de base”, carnalmente vivida, que permite construir,
pela prática e pela reflexão, uma ética de saúde global. (...) O esporte
é uma atividade de cultura, na medida em que a noção formal entre
corpo e espírito é substituída pela de convergência de todas as
tentativas educativas (...) é cultura porque há cultura onde se
encontra, ao mesmo tempo, possibilidade de desenvolvimento
pessoal e participação numa prática social significativa. (...) é um
instrumento de cultura e libertação do homem moderno na medida
em que desempenha a função biológica (filogenética) de preservação
da saúde (no sentido lato do termo) e a função sociocultural de
comunicação, participação e expressão. O esporte é o fenômeno
sociocultural mais importante de nossa época e é tão urgente
aprender a posicionar-se diante dele quanto em relação aos meios de
comunicação de massa. Introduzir o esporte na escola é (...) fazer
viver a escola com o seu tempo. (BELBENOIT apud BETTI,
2003:25)
Belbenoit adverte, no entanto, que a prática do esporte na escola não pode ter
como missão a formação de atletas e nem de espectadores passivos. O esporte não pode
usurpar o lugar do pensamento e, cabe à escola, “inclusive no domínio do esporte”, “pôr
o homem em condições de enfrentar a vida em toda a sua complexidade”. Para ele,
“integrar o “esporte para toda vida” à educação permanente é afirmar que esta não deve
apenas permitir ao homem continuar na corrida da evolução tecnológica, mas
salvaguardar para ele, ao longo da sua existência, e sob todas as formas, biológica,
estética, social, pessoal, a qualidade de vida” (BELBENOIT apud BETTI, 2003: 28).
Foi neste contexto que surgiu a pedagogia do esporte. Segundo Tubino
(2007:510), a pedagogia do esporte foi fundada em 1923 pela Fédération Internationale
58
d´Education Physique (Fiep), mas só muitos anos depois, em 1984, quando a Fiep se
juntou a outros organismos internacionais, ela passou a ser difundida no âmbito
internacional. A pedagogia do esporte abrange as interseções entre educação e esporte,
em todas as suas manifestações e perspectivas (educação, lazer e rendimento) e tem
como objetivo “informar e propiciar práticas educativas no domínio do movimento e do
Esporte” (TUBINO, 2007:554).
Em entrevista à Universidade do Futebol, José Alcides Scaglia utiliza o exemplo
do futebol para explicar a concepção da pedagogia do esporte:
Os estudos de ponta, hoje, sobre pedagogia do esporte (...) afirmam
que a discussão sobre o ensino dos esportes deve se voltar para o
desenvolvimento de competências (inteligência para o jogo) e não
mais para o movimento técnico estereotipado, ou seja, os processos
metodológicos devem partir sempre do gesto eficaz para o gesto
eficiente (...). É necessário pensar que os pré-requisitos para a
iniciação é querer jogar (e não adquirir determinado padrão de
movimento técnico). Assim sendo, joga-se com as habilidades que
possuem no momento, e depois estas habilidades se desenvolvem à
medida em que os problemas vão aumentando de complexidade.
Ninguém aprende se não tiver necessidade, já dizia Piaget, e todos os
demais teóricos da psicologia da aprendizagem, por isso uma
metodologia eficaz e eficiente é aquela que sempre traz problemas
novos, quebrando o status quo, levando os alunos a construir as
soluções. (...) Ensinar movimentos padronizados e de forma (método)
mecanicista é o mesmo que dar o peixe, que pode até saciar a fome
momentânea, mas não desenvolve a capacidade de raciocinar e
descobrir as respostas (pescar) em um jogo que é por natureza
imprevisível, ou seja, que não requer padrão estereotipado de
movimentos (fundamentos).
41
O professor Kunz reforça a necessidade do jogo para a criança:
A criança, pelo seu brinquedo e pelo jogo, quer interagir com o
mundo, o mundo real, dos objetos, e com os outros. O brincar torna-
se para a criança a sua forma de expressão. No seu brincar, a criança
constrói simbolicamente sua realidade e recria o existente. Porém,
este brincar criativo, simbólico e imaginário enquanto poder infantil
de conhecer o mundo e se apropriar originalmente do real está
ameaçado de desaparecimento, alerta Oliveira (1991). O responsável
por esse desaparecimento é, justamente, a indústria cultural do
brinquedo infantil e a influência da televisão. Estes, como lembra-nos
o mesmo autor, dirigem a lógica produtiva, dos objetos prontos, em
41
http://www.cidadedofutebol.com.br/Cidade/Site/Artigo/Materia.aspx?IdArtigo=2443, acessado em
21/10/07.
59
substituição ao imaginário criador da criança pelo brinquedo.
(KUNZ, 2006:95)
Segundo ele, o desenvolvimento da identidade exige uma conduta explorativa. O
esporte, contanto que imbuído de uma “intencionalidade pedagógica”, pode contribuir
para a emancipação dos educandos. Esta emancipação, descrita por Kunz, como o
“processo de libertar o jovem das condições que limitam o uso da razão crítica e com
isso todo o seu agir, cultural e esportivo, que se desenvolve pela educação” (2006:33),
pode libertar o aluno do que ele chama de “estado inicial”:
O estado inicial é essa falsa consciência de que o modelo do esporte
de alto rendimento é o modelo adequado para a prática de esportes
para todo mundo. A sujeição às suas exigências e pelas pré-condições
físicas e técnicas, cada vez menos adequados para sua prática, torna-
se uma “coerção auto-imposta” e pelas limitadas possibilidades
alternativas e criativas propicia uma “existência sem liberdade” no
mundo esportivo. (KUNZ, 2006:34)
Segundo Kunz (2006:36), “para uma instituição repressiva como o esporte, a
libertação de uma coerção auto-imposta implica, para uma pedagogia crítico-
emancipatória, uma nova forma de coerção, desta vez imposta pelos próprios
professores”.
Apesar do esporte poder ser educativo em todas as suas dimensões, pela
legislação vigente (Lei nº 9.615/1998, artigo 3º), ele é reconhecido nas seguintes
manifestações:
I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em
formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a
hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de
alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação
para o exercício da cidadania e a prática do lazer;
II - desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as
modalidades desportivas praticadas com a finalidade de
contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida
social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio
ambiente;
III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta
Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a
finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do
País e estas com as de outras nações.
Segundo Tubino (2007:41), o esporte educacional é “um direito de todos os
jovens, na infância e na adolescência” e tem como objetivo “alcançar o
60
desenvolvimento integral do indivíduo e sua formação para a cidadania e a prática de
lazer ativo”. A Carta dos Direitos da Criança no Esporte, aprovada no 10º Congresso
Internacional do Panathlon, em 1995, explicita os direitos da criança no esporte
(TUBINO, 2007:626):
1. Direito de praticar esporte
2. Direito de se divertir e jogar
3. Direito de se beneficiar de um ambiente sadio
4. Direito de ser tratado com dignidade
5. Direito de ser circundado e treinado por pessoas competentes
6. Direito de seguir treinamentos adequados aos seus ritmos
7. Direito de medir-se com jovens que tenham as mesmas
probabilidades de sucesso
8. Direito de participar de competições adequadas a sua idade
9. Direito de praticar o seu esporte com absoluta segurança
10. Direito de ter os tempos certos para repousar
11. Direito de não ser um campeão
O esporte educacional é referenciado por princípios socioeducativos, como
inclusão, participação, cooperação, co-educação e co-responsabilidade, assim definidos
por Tubino:
- Princípios da inclusão e participação: nenhum educando pode ficar à margem
das práticas esportivas; todos devem ser incluídos nas aprendizagens que o esporte pode
propiciar e, para tanto, pode-se alterar as regras para permitir o cumprimento deste
princípio.
- Princípio da cooperação: o esporte deve contribuir para “o espírito comunitário
entre os praticantes” e, portanto, vivências cooperativas devem ser incentivadas.
- Princípio da co-educação: as práticas esportivas devem acontecer “numa
comunhão de alegria e emoção”, combatendo o preconceito e democratizando o acesso
ao esporte a todos os gêneros, raças, situação social.
- Princípio da co-responsabilidade: faz com que os jovens se responsabilizem
por suas decisões, como adaptação das regras, medidas organizativas etc.
Um conceito de esporte educacional, desenvolvido pela professora Vera Lúcia
Menezes da Costa, avaliado e aprovado pelo Conselho Nacional de Desportos, afirma
que:
O desporto educacional como, responsabilidade pública assegurada
pelo estado, dentro ou fora da escola, tem como finalidade
democratizar e gerar cultura através de modalidades motrizes de
expressão de personalidade do indivíduo em ação, desenvolvendo
61
este indivíduo numa estrutura de relações sociais recíprocas e com a
natureza, a sua formação corporal e as próprias potencialidades,
preparando-o para o lazer e o exercício crítico da cidadania, evitando
a seletividade, a segregação social e a hipercompetitividade, com
vistas a uma sociedade livremente organizada, cooperativa e
solidária. (apud MELO, 2006:33)
2.6 Esporte e terceiro setor
A chamada Constituição Cidadã, de 1988, garante, em seu artigo 217, a prática
esportiva como um direito social, cabendo ao Estado investir prioritariamente no
desporto educacional e incentivar o lazer, como forma de promoção social. Na década
de 90, as iniciativas ligadas ao esporte para a promoção social, seja por parte dos
governos ou da sociedade civil organizada experimentaram uma importante difusão.
Segundo Murad, “o hemisfério sociológico da atividade esportiva vai muito além de
campos, quadras, pistas, piscinas, ringues, circuitos e alcança uma qualidade pedagógica
ímpar para a cidadania como um todo e, especificamente para a infância e adolescência”
(MURAD, 2007:15).
O ideal do esporte como força catalisadora para a justiça social começou a
ganhar vulto no Rio de Janeiro, em 1987, com a Vila Olímpica da escola de samba da
Mangueira, fundada pelo professor de Educação Física Francisco de Carvalho, o
Chiquinho. A Vila Olímpica da Mangueira foi considerado pela ONU como o projeto
social mais importante do mundo e serviu como referência para o Ministério do Esporte
implementar, a partir de 1995, projetos sócio-esportivos em mais de 60 mil localidades
diferentes (MURAD, 2007:40).
A Vila Olímpica da Mangueira alcançou grande projeção, sendo visitado pelo
então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, em 1997, juntamente com Pelé,
então Ministro Extraordinário dos Esportes. A visita do astro norte-americano de
basquete, Shaquille O'Neal, também ilustra o reconhecimento internacional do projeto.
Em 2001, o prefeito César Maia iniciou um programa de construção de Vilas
Olímpicas em áreas de vulnerabilidade social no Rio de Janeiro, com identidade ligada
ao lazer e à prática desportiva, nos moldes da Vila Olímpica da Mangueira. Atualmente,
existem nove vilas olímpicas em funcionamento na cidade, que atendem a mais de 75
62
mil pessoas e oferecem mais de 20 modalidades esportivas gratuitamente, para todas as
idades, além de aulas de informática, oficinas de vídeo e biblioteca
42
.
Codeço (2007:84) explica que, no mundo contemporâneo, o esporte também está
intimamente relacionado à questão da cidadania, sendo visto
(...) como um caminho para tirar da marginalização crianças e
adolescentes, lotando o tempo que usariam para o crime. Pertinente
ao papel da instrução física e (diretamente) do esporte, é a
canalização de tensões e a manutenção da ordem social vigente. O
estudo da instrução física nos permite observar todo um conjunto de
atitudes e valores que regem as sociedades.
Trata-se, claramente, de uma visão simplista pressupor que crianças e adolescentes
de baixa renda vão se tornar criminosos e, portanto, precisam ser “resgatados”. Assim como
também é equivocada uma associação automática do que é feito nos projetos sócio-
esportivos ao esporte de rendimento:
As entidades financiadoras e orientadoras de programas sócio-
esportivos para as camadas mais vulneráveis da população brasileira,
parecem ainda não vislumbrar as possibilidades do esporte como um
caminho tanto para a realização das expectativas dos sujeitos quanto
para sua frustração. Acreditamos que o entusiasmo generoso dos
promotores leva a enfatizar apenas as realizações, jamais o lado
escuro das frustrações. Assim como o fracasso escolar leva ao
abandono da escola, o fracasso esportivo --a não obtenção do
desempenho esperado ou desejado e custos psicológicos ou
fisiológicos altos-- pode levar ao abandono da prática. Observemos
que a prática escolar da promoção automática procurou lidar com a
cadeia “fracasso-abandono”, entretanto, a “promoção automática” no
esporte parece impossível ou baixamente eficaz. (VIANNA e
LOVISOLO)
43
Os autores supracitados enfatizam uma visão ligada ao esporte de rendimento,
voltado para a ascensão e não para a promoção social. É relevante a observação sobre as
contradições do esporte, podendo gerar frustração em lugar de inclusão; cabendo ressaltar
que o esporte voltado para a promoção social não pode ter como meta a promoção no
esporte. Uma rápida pesquisa nos sites de algumas instituições dirigidas por atletas mostra
que, institucionalmente, prevalece uma outra visão.
42
http://www.rio2016.org.br/pt/Noticias/Noticia.aspx?idConteudo=515, acessado em 30/05/08.
43
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos_teses/EDUCACA
O_FISICA/artigos/BoletimEF.org_Esporte-educacional-a-adesao-dos-sujeitos-das-camadas-
populares.pdf, acessado em 12/08/08.
63
Para o Instituto Compartilhar, que tem à frente o treinador de voleibol
Bernardinho, o esporte “apresenta exemplos positivos para a sociedade, e é cada dia
mais percebido como uma ferramenta importante no processo educacional e de inclusão
social pela sua capacidade de motivar e inspirar positivamente”
44
. A Fundação Cafu
afirma que “a força do esporte é usada a favor de ações de inclusão”
45
.
O Instituto Esporte e Educação, da ex-jogadora de vôlei Ana Moser, acredita que
“as modalidades esportivas podem ser exploradas como instrumentos que reforçam os
valores de educação e cidadania”
46
.
No Instituto Ayrton Senna “trabalha-se com o
Esporte como o motivador da ação educativa. Isso ocorre graças ao potencial que as
atividades esportivas, os jogos e as brincadeiras têm de educar promovendo, ao mesmo
tempo, prazer e alegria”
47
.
Para o Instituto Jackie Silva, da ex-jogadora de vôlei Jacqueline, “esporte é uma
forma saudável e divertida de se levar cidadania e oportunidades a estes meninos e
meninas. Não só a criança da favela, mas a do asfalto também precisa disso”
48
. A
filosofia do Instituto Reação, do judoca Flavio Canto, “está baseada na força do esporte
como elemento fundamental para o desenvolvimento humano, despertando as
potencialidades de crianças e adolescentes nas dimensões cognitiva, produtiva, social e
pessoal”
49
.
O objetivo do Instituto Guga Kuerten “é usar a prática esportiva como forma de
desenvolvimento, educação e inclusão de crianças e adolescentes de camadas menos
favorecidas à sociedade”
50
. Para o Instituto Fernanda Keller “um jovem que pratica
esporte encontrará mais facilidade para conseguir emprego, pois terá mais disciplina,
capacidade de liderança, respeito às regras e noção de trabalho em equipe”
51
.
No Instituto Passe de Mágica, da ex-jogadora de basquete Magic Paula, o
objetivo “é usar o esporte como uma ferramenta para despertar o interesse para valores
ligados ao desenvolvimento pessoal de cada uma das crianças atendidas”
52
. A Fundação
Gol de Letra, dos ex-jogadores Raí e Leonardo, através do projeto Jogo Aberto, utiliza
44
http://www.compartilhar.org.br/inst_quem.html acessado em 09/09/2008.
45
http://www.fundacaocafu.org.br/historico.asp acessado em 09/09/08.
46
http://www.esporteeducacao.org.br/historia/missao.htm, acessado em 09/08/08.
47
http://www.educacaopeloesporte.org.br/ias2/programa_oq.asp, acessado em 09/08/08.
48
http://www.jackiesilva.com.br/, acessado em 09/09/08.
49
http://www.institutoreacao.org.br/, acessado em 09/08/08.
50
http://www.igk.org.br/, acessado em 09/08/08.
51
http://www.fernandakeller.com.br/home.html, acessado em 09/08/08.
52
http://www.passedemagica.org.br/quem_somos.asp, acessado em 09/08/08.
64
as modalidades esportivas “como meio de trabalhar os princípios básicos de educação e
cidadania com os jovens”
53
.
Certamente, os atletas de alto rendimento sabem, por experiência própria, que o
caminho do esporte de rendimento é cheio de percalços e pouquíssimos conseguem ser
bem-sucedidos. Esta consciência, no entanto, não é passaporte para o desenvolvimento
de programas sociais eficazes. Como bem expressou Murad (2007:12) ainda é
necessário transformar “essa força latente em realidade manifesta”.
Neste sentido, percebe-se a necessidade de se criar um novo campo de
conhecimento a partir do compartilhamento das informações, da avaliação de
resultados, da gestão social e de uma organização metodológica. A história do Instituto
Bola Pra Frente ajuda a entender as dificuldades inerentes a esta nova realidade do
esporte com “intencionalidade pedagógica”, na expressão de Kunz (2007). E também
ajuda a vislumbrar a importância da adoção da tecnologia social.
53
http://www.goldeletra.org.br/secao.52.aspx?materia=522&sm=sm51, acessado em 17/08/08.
65
Capítulo 3 História do Instituto Bola Pra Frente
Há um menino, há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
Há um passado no meu presente
Um sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão
E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade, alegria e amor
Milton Nascimento e Fernando Brant
54
Aos 11 anos de idade, Jorge de Amorim Campos, o Jorginho, teve um sonho.
Sonhou que ele próprio havia construído a “disneylândia” no campo onde jogava bola,
em frente à sua casa, no Conjunto Presidente Vargas, em Guadalupe – zona norte do
Rio de Janeiro. Pulou da cama, eufórico, e correu até a janela. Decepcionado, constatou
que tudo continuava do mesmo jeito. Aquele sonho, no entanto, o marcou
profundamente. Ele já havia decidido que seria jogador de futebol e que compraria uma
casa para a mãe; depois do sonho, tomou mais uma decisão: iria construir uma
“disneylândia” no campo onde aprendera a jogar bola e, desta forma, ajudaria a sua
comunidade. Exatamente neste campo, foi construído, 25 anos depois, o Instituto Bola
Pra Frente, inaugurado no dia 29 de junho de 2000
55
.
Situado em uma área de 11.570m², o Instituto Bola Pra Frente tem como público
beneficiário crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, na faixa
etária de 6 a 17 anos, além de seus familiares. O Instituto atende exclusivamente
moradores do Complexo do Muquiço
56
, que engloba as comunidades do Triângulo,
54
Música “Bola de Meia, Bola de Gude”.
55
Entrevista concedida no âmbito desta pesquisa.
56
O termo Complexo do Muquiço foi adotado pelo Instituto Bola Pra Frente em 2008, a partir de um
Censo Demográfico, realizado pelo próprio Instituto, em parceria com o SESC-Rio e a empresa
norueguesa Kongsberg Maritime, e coordenado tecnicamente pelo Instituto Muda Mundo. Rosane
Cristina Feu, mestre em Geografia e geógrafa participante do Censo, explica: “O Complexo do Muquiço,
recorte espacial enfocado neste diagnóstico social, está localizado em área limítrofe dos bairros Deodoro,
Guadalupe e Marechal Hermes na cidade do Rio de Janeiro. O Complexo é constituído internamente por
seis comunidades de organizações espaciais e construções históricas diferenciadas. Tais diferenciações
constituem importante tema de análise para a compreensão da estrutura espacial do Complexo que, apesar
66
Conjunto Presidente Vargas, Coréia, Ferroviária, Muquiço e Vila Eugênia. Atualmente,
Jorginho é o presidente do Instituto, e José Roberto Gama de Oliveira, o ex-jogador
Bebeto, tetracampeão mundial de futebol, é o vice-presidente, tendo se associado ao
Instituto em 2002.
Para o desenvolvimento deste capítulo, nossa opção metodológica procurou
nortear o relato acerca da implementação do Instituto Bola Pra Frente a partir do
depoimento oral concedido por seu idealizador e fundador. Não assumimos assim, de
forma acrítica, a versão apresentada por Jorginho como sendo o registro definitivo dos
fatos. Apenas procuramos enfatizar, a partir da perspectiva de um ator-chave na
condução do processo analisado, o sentido por ele estabelecido para esta instituição.
3.1 Trajetória do Jorginho
Jorginho nasceu no bairro de Cascadura, no Rio de Janeiro, no dia 17 de agosto
de 1964. Oriundo de uma família muito pobre, morava em um barraco de madeira.
Caçula de sete irmãos, Jorginho decidiu ser jogador de futebol em 1970, ouvindo a
transmissão da Copa do Mundo, no México, onde o Brasil ganhou o tricampeonato
57
:
Só tinha uma televisão em todo o bairro de Cascadura. No local onde
a gente morava não dava para assistir a Copa, só ouvir. Aquilo me
marcou muito porque todo mundo parava, ninguém estava vendo
nada, mas todo mundo ficava olhando para o alto, para o pôster da
seleção, onde tinha um alto falante. Quando o Brasil foi campeão, foi
aquela festa. Eu tinha seis anos de idade e me lembro que eu falei “eu
quero ser um jogador de futebol”. Desde então eu nunca mais pensei
em outra coisa senão em ser jogador de futebol.
Aos oito anos, mudou-se com a família para o Conjunto Presidente Vargas, em
Guadalupe, onde teve a oportunidade de aprender a jogar futebol:
Eu fiquei extasiado quando cheguei lá [em Guadalupe], levando a
mudança. Eu dei de cara com duas quadras de futebol e um campo
de aparentemente caótica, possui uma ordem própria. (...) A delimitação atual do Complexo, e de suas
comunidades componentes, baseou-se no reconhecimento da própria população acerca de seu espaço. Os
questionários do censo, dirigidos aos moradores, interrogavam não apenas o endereço completo como
também a “comunidade” em que o domicílio está localizado”. (Fonte: INSTITUTO BOLA PRA
FRENTE, Censo Muquiço 2008, pp 21 e 22, mimeo)
57
Entrevista concedida no âmbito desta pesquisa. Todas as informações fornecidas por Jorginho foram
retiradas dessa entrevista.
67
grandão. Eu falei “cara, tô no paraíso”; todo mundo jogando futebol.
(...) Eu era assim meio envergonhado, mas devagarzinho fui
mantendo contato com o pessoal e pegando amizade. Aí comecei a
jogar futebol todo dia, na chamada “pelada das quatro horas”.
Aos dez anos, Jorginho perdeu o pai, que havia se internado em um hospício
para conseguir se aposentar. A circunstância da morte não foi esclarecida. Sem o pai, a
família passou por grandes dificuldades financeiras. Jorginho relembra que “para comer
alguma coisa” tinha que ir para a casa das irmãs que já eram casadas. A dificuldade
financeira foi agravada pelos vícios dos dois irmãos, um era alcoólatra e o outro
consumia drogas. Segundo Jorginho, ele mesmo não foi pelo mesmo caminho dos
irmãos por conta do futebol, que exigia uma boa condição física. A desagregação
familiar obrigou a mãe a trabalhar como faxineira. Pelo relato do Jorginho, a tensa
situação familiar só começou a melhorar após a conversão do irmão Jaime à fé
evangélica. Mais tarde, já como jogador profissional, atuando no Flamengo, Jorginho
também se converteria ao Evangelho
58
.
A trajetória de Jorginho no futebol começou com o incentivo e a amizade de
Antônio Carlos da Silva Adão, o Catanha, dono do time Atília Futebol Clube. Ele
morreu atropelado, aos 33 anos, quando trazia, pela avenida Brasil, as balizas para
montar as novas traves do campo. Com estas balizas, Jorginho fez uma escultura em
homenagem ao amigo e colocou na entrada do Instituto. Catanha foi “como um pai” e
um exemplo para Jorginho:
Ele me ensinava as coisas. Ele tinha um amor muito grande pela
comunidade e fazia de tudo para poder ajudar. Se tinha alguma
pessoa com dificuldade - doente, precisando de remédio ou pagar o
aluguel - ele dava um jeito de ajudar aquela pessoa; arrumava um
sustento para ela ou uma cesta básica. Com ele, eu aprendi a servir os
outros e o amor à comunidade. Eu o ajudava a cuidar do campo onde
hoje é o Bola Pra Frente. Quantas noites a gente passou ali,
capinando, tirando as moitas, tapando os buracos!
Dos 11 aos 14 anos, Jorginho disputou diversos campeonatos que aconteciam na
região. Além do Atília, jogou nos times Flamante, Vasfogo, Fluminensinho e
Canarinho. Aos 13 anos, ele teve a oportunidade de fazer um teste no America Football
58
Jaime de Amorim Campos, irmão de Jorginho, tornou-se pastor da Igreja Internacional da Graça, e
Jorginho freqüenta a Igreja Congregacional da Barra da Tijuca e é presidente dos Atletas de Cristo,
associação interdenominacional que congrega atletas evangélicos.
68
Club. Apesar de “franzino”, queria ser zagueiro, mas foi convencido pelo seu primeiro
técnico, “seu” Djalma, a ser lateral. Embora tenha sido destaque no juvenil do America,
ele quase foi dispensado quando chegou ao time de juniores, mas Edu Coimbra, irmão
de Zico, resolveu apostar no seu talento.
Em 1983, Jorginho foi para a seleção brasileira de juniores, conquistando o
campeonato Sul-Americano e Mundial de Sub-20. Acabou chamando a atenção do
Flamengo, onde jogou de 1984 a 1989. Nesses anos, foi campeão carioca em 1986 e
campeão brasileiro do polêmico Campeonato de 1987
59
. Ainda em 1987 foi convocado
pela primeira vez para a seleção brasileira principal e, em 1988, ganhou a medalha de
prata nos Jogos Olímpicos de Seul.
Em 1989, Jorginho transferiu-se para a Alemanha, onde jogou pelos times Bayer
Leverkusen, até 1992, e pelo Bayern de Munique até 1994, tendo sido campeão alemão
dessa temporada. Em 1995, foi contratado pelo time japonês Kashima Antlers.
Campeão da Copa do Imperador e bicampeão do campeonato nacional, foi eleito o
melhor jogador da temporada de 1996. Pela seleção brasileira, jogou as Copas do
Mundo de 1990 e 1994, disputadas respectivamente na Itália e nos Estados Unidos,
conquistando, neste último país, o título de tetracampeão mundial. Em 1991, ganhou o
Prêmio Fairplay, da Fifa, distinção feita ao jogador mais leal do ano
60
.
Em 1999, voltou ao Brasil, tendo jogado pelo São Paulo, Vasco da Gama - onde
foi campeão brasileiro e da Copa Mercosul em 2000 - e Fluminense, onde encerrou sua
carreira de jogador, em 2002. Em 2005, Jorginho começou uma nova etapa no futebol,
agora como treinador. O início da nova carreira também foi no America. Em sua
primeira experiência como técnico, Jorginho conseguiu levar o time até a final da Taça
Guanabara, tendo sido vice-campeão e conquistado o terceiro lugar no campeonato
carioca. Foi eleito o melhor técnico do ano pela Federação de Futebol do Estado do Rio
de Janeiro (Ferj). Em 2006, convidado por Dunga, assumiu o cargo de auxiliar-técnico
da seleção brasileira, onde conquistou o título de Campeão da Copa América de 2007 e
a medalha de bronze dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.
59
O Flamengo se considera campeão brasileiro de 1987, tendo vencido o Módulo Verde do campeonato,
conhecido como Copa União. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no entanto, deu o título para
o Sport, de Recife, vencedor do Módulo Amarelo, conhecido como Copa Brasil. O Clube dos 13 deu a
vitória ao Flamengo, que se recusou a disputar o título com o Sport
(http://www.gazetaesportiva.net/historia/futebol/campeonato_brasileiro/historico3.php, acessado em
10/08/08), alegando que a CBF havia mudado as regras durante o campeonato.
60
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/quemsomos_atletas.asp, acessado em 15/01/08.
69
3.2 Breve histórico do Instituto Bola Pra Frente:
O sucesso como jogador de futebol só fortaleceu em Jorginho a vontade de
“fazer algo” por sua comunidade. Quando visitava Guadalupe para a “pelada de final de
ano”, reencontrando os amigos de infância e buscando informações sobre o que estava
acontecendo no local. A experiência no exterior o ajudou a consolidar o sonho de um
trabalho social: “a Alemanha me motivou muito a isso [construir o Instituto Bola Pra
Frente], porque eu via muita gente investindo em trabalho social e participei de alguns
eventos para captar recursos para projetos sociais”.
Na volta para o Brasil, em 1999, Jorginho – que, em 1991, assumira a vice-
presidência do Centro de Cooperação para o Desenvolvimento da Infância e
Adolescência (CCDIA), Organização Não-Governamental situada em Niterói –
dedicou-se à construção do Instituto Bola Pra Frente, cujo nome inicial era Centro
Esportivo e Educacional Jorginho. Ele recorda como foi esse início de trabalho:
Eu não queria abrir um trabalho social e ficar acompanhando de
longe. Quando eu decidi que voltaria para o Brasil, em 98, eu pedi
para o meu procurador, o José Luiz, que depois se tornou diretor do
Instituto, descobrir de quem era aquele terreno onde eu jogava bola.
Ele descobriu que era da Caixa Econômica. O terreno foi a leilão e eu
consegui comprar e dar início à construção em 99.
Todo o dinheiro utilizado na construção do Instituto era do próprio Jorginho, que
separou o valor de quatro anos de contrato de patrocínio com a empresa de material
esportivo Nike para a realização do seu sonho de infância. No total, foi feito um
investimento de um milhão de dólares. Com o projeto arquitetônico pronto, Jorginho
convocou uma reunião com líderes da região para apresentar o projeto. Participaram
cerca de 20 pessoas, segundo Jorginho: “eu expliquei o que a gente estava querendo e
procurei escutar deles quais eram as dificuldades que estavam acontecendo ali. A maior
preocupação do pessoal era ter liberdade de jogar futebol ali dentro”.
A construção do Instituto começou no dia 15 de maio de 1999 e foi “cheia de
percalços”, como relata Carlos Alberto André de Oliveira, o Carlinhos
61
. Amigo de
infância de Jorginho, ele trabalhou no Instituto desde as obras de construção até 2004.
61
Entrevista concedida no âmbito desta pesquisa. Todas as informações fornecidas por Carlinhos foram
retiradas dessa entrevista.
70
Um fato pitoresco e emblemático destes percalços aconteceu já no primeiro dia da obra:
um buraco aberto pela construtora serviu de abrigo para os trabalhadores protegerem-se
do tiroteio entre a polícia e traficantes da área.
Carlinhos relembra que percorreu todos os apartamentos do Conjunto Presidente
Vargas, informando sobre a construção e os objetivos do Instituto, e colhendo opiniões
dos moradores.
Eu fiz esta pesquisa, dos blocos 18 a 26, batendo em cada porta com
um livro, tipo um livro ata. Eu perguntava para cada pessoa: “você se
lembra do Jorginho, que jogou na seleção? Ele quer fazer um
trabalho social aqui, o que você acha?”. A maioria ficou a favor, mas
ouvi muita coisa que me deixou revoltado. Teve gente que disse:
“Ele tá cheio de dinheiro, o que ele quer? Mais dinheiro?”. Teve um
que falou que a gente deveria era construir uma boa escola e, um
outro, disse pra gente construir um bom supermercado. Tinha quem
falasse que ia fazer barulho e até que nada podia ser construído ali
não, pois era um lugar público. Teve gente que bateu a porta na
minha cara, outros me chamaram para tomar café e outros queriam
saber mais. Muitos falavam assim: “nunca ninguém fez nada pra
gente, por quê que esse Jorginho quer fazer alguma coisa? Eu ligava
para o Jorge [Jorginho] e ele falava que eu precisava ter paciência,
pois as pessoas foram muito enganadas. Depois eu fui percebendo
que aquelas que reclamavam, na verdade, nem sabiam quem ele era;
que ele tinha morado na comunidade, que varria o bloco e cuidava do
campo. O Jorge é muito determinado. Aos poucos, aqueles que eram
contra foram vendo o trabalho e mudando de idéia; o Jorge até deu
emprego para alguns deles.
Jorginho complementa as informações sobre esse período inicial:
Na época, nosso objetivo era fazer um trabalho social durante o dia e
alugar à noite e nos finais de semana por um preço bem em conta.
(...) Era assim que eu pensava em sustentar o projeto. Nunca pensei
em buscar empresas ou depender de alguém para poder desenvolver
esse trabalho. No início até deu certo [a locação dos campos como
geração de renda], mas depois começamos a ter alguns problemas por
conta de bebidas. Alguns ficavam bêbados e chegamos à conclusão
que não dava para continuar assim. Como é que a gente ia trabalhar
uma criança aqui de manhã e o pai dela chegava bêbado em casa e
podia até bater nela?
Surgiu então a necessidade de buscar parcerias para a sustentabilidade do
Instituto. Em dezembro de 2000, seis meses após a sua inauguração, o Instituto
71
organizou o Meeting de Responsabilidade Social
62
. A partir deste evento, o Instituto
conseguiu, em 2001, o patrocínio da operadora de celular ATL, que em 2003 passaria a
se chamar Claro. Esse contato foi determinante para a mudança nos rumos do Bola Pra
Frente, lembra Jorginho:
Com a ATL, nós começamos a ter contato com pessoas que estão
acostumadas com organograma e com profissionais capacitados. O
Carlos Henrique Moreira, presidente da empresa, o Jorge Cunha e a
Andréa Maurício, da área de Responsabilidade Social, estavam
preocupados não apenas em dar recursos financeiros para o Instituto;
se dispuseram também a nos ajudar na parte técnica, contratando
consultorias especializadas. Percebi então que a equipe do Instituto,
na época, não tinha o perfil adequado para trabalhar no terceiro setor.
Todos tinham um bom coração, eram meus amigos e queriam ajudar,
mas não eram capazes de realizar aquela obra, não foram preparados
para isso. Até começamos a investir em alguns, mas não deu certo.
Foi quando decidi trocar os profissionais, começando pelo diretor.
Acabamos contratando, em 2002, a Susana, diretora da QualiArte,
que fazia toda a nossa comunicação e captação de recursos.
Avaliando o material institucional deste início do Bola Pra Frente e pelo relatos
do Jorginho, percebe-se que não havia planejamento das ações, projeto pedagógico ou
fundamentação teórica para as atividades. O objetivo era ocupar o tempo ocioso das
crianças e adolescentes, oferecendo atividades esportivas, como futebol, futsal, caratê e
vôlei. Além de Jorginho, o Instituto contava com os atletas Manoel Tobias, do futsal, e
Maria Cecília, a Ciça, bicampeã mundial de caratê
63
. Jorginho faz o seguinte relato
desses tempos pioneiros:
O início foi muito conturbado. Era tudo muito novo. Atendíamos
1.300 crianças e adolescentes, mas sem planejamento, sem um
porquê das crianças estarem fazendo isso ou aquilo, apenas as nossas
idéias: colocar uma professora para dar aula, oferecer aula de inglês,
esportes; era só ocupar o tempo ocioso delas.
62
Este evento foi idealizado pela QualiArte Comunicação e Marketing, que fez a assessoria de imprensa
do evento de inauguração do Instituto. O Meeting de Responsabilidade Social reúne, na sede do Instituto,
empresas de grande e médio portes de diversos segmentos do Rio de Janeiro e de outros estados do Brasil
para debater questões como cidadania empresarial, marketing ligado a causas, esporte social e
educacional. O evento está em sua sétima edição e já contou com representantes de instituições como
Comitê Olímpico Brasileiro (COB), ONU, UNICEF, UNESCO, Instituto Ethos, GIFE, CONFEF,
FIRJAN, Instituto Ayrton Senna, Fundação Getulio Vargas (FGV), UERJ, dentre outras, além dos
jornalistas Pedro Bial, Fátima Bernardes, Paulo Henrique Amorim e Amélia Gonzalez.
63
Manoel Tobias e Ciça não estão mais no Instituto.
72
O ano de 2002 foi, para Jorginho, um verdadeiro “divisor de águas”. Após o
investimento feito por Jorginho na estrutura física, o Instituto, com o apoio da ATL,
começou a investir em profissionais mais qualificados, contratando assistente social,
pedagogos, psicóloga e socióloga. Os profissionais do Instituto, lembra ele, começaram
então a “buscar o conhecimento, entender as necessidades da comunidade, fazer o
marco zero, entender o que fazer com a criança e como ela deveria sair do Instituto, ou
seja, um jovem com trabalho”.
Segundo Andréa Maurício, que trabalhava na área de Relações com Associados
da ATL, a opção da empresa em investir no Instituto Bola Pra Frente se deu após uma
pesquisa interna com os funcionários. Eles queriam que o foco do investimento social
fosse em um projeto sócio-esportivo e educacional para crianças. A importância do
Instituto para a empresa é assim destacada por Andréa Maurício
64
:
O presidente da ATL, Carlos Henrique Moreira, acreditava muito em
educação pelo esporte, até por causa da sua experiência na Xerox,
patrocinador da Vila Olímpica da Mangueira. Quando assinamos o
contrato com o Instituto Bola Pra Frente, eu me lembro que ele me
perguntou: “você acha que o seu trabalho já acabou? Ele está só
começando”. Ele me deu a tarefa de passar a tecnologia de gestão
para o Bola. A idéia não era transformar o Instituto em uma empresa,
mas adaptar a gestão ao terceiro setor.
Andréa relembra que começou um trabalho de coaching com a equipe do
Instituto. Este trabalho consistia, inicialmente, em visitas periódicas e solicitação de
relatórios. “Chegou um momento”, conta Andréa, “que percebemos que não havia
gestão”.
Havia muito amor e boa vontade por parte dos amigos e familiares do
Jorginho, mas não havia profissionalismo. Nós vimos nos olhos do
Jorginho que o projeto era verdadeiro, mas percebemos que não
bastava ter uma pessoa tão idônea à frente do projeto. Era preciso
gestão. Foi aí que surgiu o nome da Susana para ser diretora. Ela
conheceu o Instituto no nascedouro, fazendo assessoria de
comunicação e captação de recursos. Era também uma parceira do
Jorginho e tinha a formação técnica necessária à gestão do Bola.
Começou então a haver uma nova visão no Instituto: deixou de ser o
projeto de uma pessoa e assumiu um novo papel, de realmente
64
Entrevista concedida no âmbito desta pesquisa. Todas as informações fornecidas por Andréa foram
retiradas dessa entrevista.
73
entender e atender uma comunidade. O Instituto foi encontrando o
caminho e, à medida que respondia em termos de gestão, a parceria ia
sendo ampliada.
Andréa ressalta que neste período, no final de 2002, começou o amadurecimento
do programa Esporte em Ação Social. O patrocínio da ATL possibilitou a contratação
de uma nova equipe e de consultores nas áreas de educação e psicologia. A empresa
também cedeu profissionais para palestras no Instituto e contribuiu para implementação
de um CAMP (Círculo de Amigos do Menino Patrulheiro)
65
, para a formação de jovens
para o mundo do trabalho. Muitos dos jovens formados no CAMP foram trabalhar na
ATL, como patrulheiros. Outra iniciativa, apontada por Andréa, foi o Futebol Solidário,
um evento que reunia os funcionários da ATL na sede do Instituto para um campeonato
de futebol e uma gincana solidária. Para se inscrever, os times precisavam doar produtos
como cadernos e resma de papel; o time que arrecadasse mais alimentos também
ganhava uma taça.
Na avaliação de Andréa, “o diferencial do Instituto é perseverar no que se
propôs a fazer, na crença do esporte como inclusão social. Muitas ONGs mudam o
perfil para receber verbas. O Bola não; ele investiu em dominar aquilo que se propôs a
fazer”. Jorginho faz a seguinte avaliação desse momento de transformação do Instituto:
O Instituto mudou muito porque a gente tinha aquela idéia de futebol
de alto rendimento e queria preparar o jovem para levá-lo para um
clube, mas, na realidade, a maioria ficava excluída, o contrário do
que a gente sonhava, que era uma inclusão social. Percebemos então
que o esporte pode ser educativo, pode motivar e trazer uma série de
conceitos importantes. (...) Criamos uma metodologia que usa o
futebol como linguagem dentro da sala de aula. (...) Hoje eu acho que
[o Instituto] foi além das minhas expectativas, o que a gente está
conquistando... poder fazer realmente que, dentro de um espaço, as
pessoas consigam ver como é o mundo. Eu acompanhei algumas
aulas do projeto Campeão de Cidadania e os jovens estão falando
65
O CAMP é um projeto que teve início no interior de São Paulo e foi adotado pelo Instituto Xerox: “O
Círculo de Amigos do Menino Patrulheiro é um programa ligado à Fundação Estadual do Bem Estar do
Menor, que visa a preparação de adolescentes, entre 14 e 18 anos, de Comunidades de baixa renda, para
estágios em empresas, facilitando assim seu acesso ao mercado de trabalho. Após 3 meses de treinamento
adequado, eles são encaminhados para diversas empresas. Nos escritórios da Xerox no Rio de Janeiro
trabalham cerca de 80 meninos e meninas da Mangueira. Muitos deles já se tornaram empregados da
Xerox e de outras empresas” (http://www.xerox.com/br/instituto.htm, acessado em 10/08/08). O Instituto
Bola Pra Frente utilizou a metodologia do CAMP em 2002 e 2003. A partir de 2004, o Instituto passou a
utilizar sua própria metodologia, por meio do projeto Campeão de Cidadania, ampliando o curso de
formação dos adolescentes para seis meses e depois para um ano. (Fonte: Balanços Sociais do Instituto
Bola Pra Frente, de 2003 a 2007, mimeo).
74
sobre coisas que estão acontecendo, sobre o mundo, os problemas
econômicos (...). Eu não imaginava que coisas assim estariam
acontecendo.
Para ele, a sistematização e a reaplicação da metodologia do Instituto como uma
tecnologia social eram de importância fundamental para o êxito do Bola Pra Frente:
Qualquer liderança que sonha para si somente está fadada a acabar
rápido; mas quando ela começa a incluir os outros nos seus sonhos,
com certeza ela vai longe. Eu me preocupo em desenvolver um
trabalho como esse, que tem dado certo, em outras instituições.
Imagine, na Copa do Mundo de 2014, no Brasil, ter uma tecnologia
nessa área do futebol, e envolver mais e mais crianças, que podem
discutir a cultura de outros países e jogadores? (...) Eu conheço bem
os problemas dessas crianças porque vivi esses problemas na minha
carne; a liderança do Instituto sabe muito bem o que se passa ali.
Acho que o nosso diferencial é que criamos uma metodologia muito
clara e bem planejada, que ensina e motiva de forma lúdica e simples,
que prende a atenção da criança e realmente facilita a aprendizagem.
Então, por que não compartilhar o que já aprendemos?
3.3 Organização atual do Instituto:
Atualmente, o Instituto Bola Pra Frente atende, por meio do programa Esporte
em Ação Social, 938 educandos
66
, divididos em três projetos: Craque de Bola e de
Escola, que oferece atividades esportivas e pedagógicas para 200 crianças de seis a nove
anos; o ARTilheiro, com atividades esportivas, artísticas e culturais para 549 crianças e
adolescentes de dez a 14 anos; e o Campeão de Cidadania, com atividades esportivas e
qualificação profissional para 189 adolescentes de 15 a 17 anos. As atividades
esportivas são futebol, futsal, vôlei e handebol. O Instituto conta ainda com três outros
projetos: Saúde em Campo, que oferece atividades voltadas para a qualidade de vida
para os educandos e seus familiares; Craque dos Craques, com foco nos familiares dos
educandos; e Toque de Mestre, com foco nas escolas da região
67
.
No seu organograma, o Instituto possui, além da Diretoria, Conselho Consultivo
e Conselho Fiscal, três gerências complementares: gerência de Projetos Socias, gerência
de Operações e gerência de Desenvolvimento Institucional. A gerência de Projetos
Sociais abrange as coordenações dos projetos, o Núcleo de Pesquisa em Inovação Social
66
Fonte: Centro de Atendimento Comunitário do Instituto Bola Pra Frente, 2008.
67
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/programas.asp, acessado em 11/01/2008.
75
e o Centro de Atendimento Comunitário. A gerência de Operações conta com três
coordenações: administrativa, financeira e administração de pessoal, e a de
Desenvolvimento Institucional é formada pelas coordenações de comunicação e de
eventos, além do Núcleo de Produção Cultural. São 49 funcionários, sendo dois ex-
educandos do Instituto, e cinco ex-educandos estagiários (os “juniores”)
68
.
O atendimento do Instituto Bola Pra Frente abrange as comunidades do
Triângulo, Conjunto Presidente Vargas, Coréia, Ferroviária, Muquiço e Vila Eugênia
que formam o Complexo do Muquiço, localizada entre os bairros de Guadalupe,
Deodoro e Marechal Hermes (Figuras 1 e 2). A geógrafa Rosane Feu, que participou do
Censo Muquiço 2008, explica que:
O mosaico de comunidades que compõem o Complexo do Muquiço
decorre de áreas construídas a partir de interesses político-sociais
distintos e bem demarcados. (...) três comunidades são frutos de
intervenções governamentais, uma do planejamento logístico de uma
estatal, enquanto apenas duas correspondem a um crescimento
espontâneo, sobretudo, gerado pelo deficit habitacional verificado nas
grandes cidades brasileiras e do fluxo crescente de migrantes a partir
da década de 1950, em busca de melhores condições de vida, nem
sempre encontradas. As duas comunidades em questão dizem
respeito ao Triângulo e ao Muquiço, que correspondem a áreas
típicas de crescimento orgânico a partir da “posse” por parte da
população de baixa renda que, tendo seu direito a uma moradia
adequada constrangidos por sua faixa de renda, habitam áreas non
aedificandi – as áreas de risco como encostas, sujeitas a
deslizamentos; as áreas ribeirinhas, sujeitas a inundações recorrentes
(situação em que se enquadra a comunidade do Muquiço); e as áreas
no entorno imediato de rodovias e ferrovias, restritas à ocupação por
questões de segurança (situação da comunidade do Triângulo). (FEU,
2008:23)
O termo Muquiço, segundo o cientista social Pedro Pio, que também participou
do Censo Muquiço 2008, tem várias conotações: “a mais ouvida foi a respeito de um
homem muito sujo e alcoólatra que morava na comunidade, talvez o morador mais
antigo. Outros, como o barbeiro Robson, se arrisca a dizer que tal nome vem de muque,
uma vez que todos da localidade precisaram ter “muito muque para sobreviver”, daí a
origem de Muquiço” (PIO, 2008:37). Em pesquisa feita pela internet, Pio levantou
68
Fonte: Coordenação de Administração de Pessoal do Instituto Bola Pra Frente, 2008.
76
vários significados para o termo Muquiço, como lugar sórdido, muquifo, cabana,
choupana, casebre e “o piolho”
69
.
Figura 1: Comunidades do Complexo do Muquiço.
69
Escreveu Pio, no Censo Muquiço 2008, p. 37, mimeo: “O auxílio à internet também foi útil a esse
trabalho para buscarmos o significado dessas palavras: Muquiço/Moquiço. Ao buscarmos as respectivas
definições, achou-se no mini-dicionário de tupi-guarani (Fonte:
http://povodearuanda.wordpress.com/2006/12/02/mini-dicionario-de-tupi-guarani-letra-m/. Acessado em
22/04/2008.) a seguinte resposta: “Muquiço: de o piolho”. Já no dicionário do portal hostdime (Fonte:
http://www.hostdime.com.br/dicionario/moquico.html. Acessado em 22/03/2008.), veio como
“moquiçosm Reg (Nordeste) Cabana, choupana, casebre”. As mesmas definições seguem para os sítios
Geocities (Fonte: http://www.geocities.com/Paris/Maison/3665/dicionarioalagoano.htm. Acessado em
22/04/2008) e Aoli (Fonte: http://www.aoli.com.br/dicionarios.aspx?palavra=M%C3%B3. Acessado em
22/04/2008, como “lugar sórdido, muquifo”.
77
Figura 2: Principais Logradouros e Equipamentos Sociais no Complexo do Muquiço
O Complexo do Muquiço, segundo dados do censo demográfico realizado pelo
Instituto Bola Pra Frente
70
, tem cerca de 6.000 moradores, dos quais foram recenseados
5.088, sendo 46,88% de homens e 53,13% de mulheres. Com relação à renda mensal,
30,13% dos moradores ganha até R$ 175,00; 20,77% entre R$ 175,00 e R$ 350,00;
32,97% entre R$ 350,00 e R$ 750,00; e apenas 16,12% ganha mais do que R$ 750,00.
Com relação ao trabalho, apenas 20,53% possui emprego com carteira assinada;
15,73% é aposentado; 10% trabalha por conta própria; 0,44% é empregador; 0,37% é
militar ou servidor público e 24,96% está desempregado – os demais são
cooperativados, estagiários, aprendizes ou trabalham sem carteira assinada. Quanto ao
70
O Censo Muquiço 2008 visitou cerca de 1.600 domicílios, tendo validado 1.358 questionários
(domicílios), recenseando, no total, 5.088 moradores. Os questionários continham 112 perguntas, voltadas
para atualização de informações sobre o IDH, renda per capita, características gerais dos moradores,
ramo de trabalho, quantidade de moradores por gênero e por faixa etária, preferências esportivas,
manifestações culturais mais presentes, opiniões sobre os equipamentos e serviços públicos disponíveis,
dentre outros.
78
nível de escolaridade dos jovens de 15 a 24 anos, 41,91% parou de estudar e 57,29%
ainda estuda. O analfabetismo atinge 26,28% dos jovens de 15 a 24 anos e 35,26% dos
moradores de 25 a 59 anos.
A mulher é chefe de família em 71% dos domicílios do Complexo do Muquiço.
Em 50% das casas há apenas um cômodo e 19% tem até dois cômodos. Apenas 5% dos
domicílios são contribuintes do IPTU. Dos 1.205 moradores que responderam sobre a
violência na comunidade em 2007, apenas 19,83% dos entrevistados não relataram ter
sofrido algum tipo de violência, dentro do Complexo; 12,03% sofreu violência por arma
de fogo, 19,50% foi vítima de espancamento, 24,48% foi ferido por faca e 24,15% por
outros objetos. Cerca de 60% dos moradores disseram que gostariam de mudar-se da
região.
Com relação às manifestações culturais, esporte de preferência e atividades
desejadas no tempo livro, o Censo Muquiço 2008 mostrou que o baile funk, o futebol e
o turismo são as alternativas com mais prestígio junto aos moradores do Complexo,
conforme detalhados nas tabelas a seguir:
Manifestações culturais em destaque (em duas opções de resposta)
79
Esportes de preferência (em três opções de resposta)
Atividades desejadas para o tempo livre (em quatro opções de resposta)
80
Tecnologia social e esporte educacional:
Na interação entre os moradores do Complexo do Muquiço e a equipe técnica do
Instituto Bola Pra Frente, foi sendo construída, inicialmente de forma espontânea, uma
tecnologia social com a temática do esporte educacional. Estes saberes vêm sendo
sistematizados pela equipe do Instituto desde o final de 2006, com vistas à reaplicação
em outras localidades. Esta aprendizagem, sistematizada pelo Bola Pra Frente, é o
objeto central deste estudo, como veremos no próximo capítulo.
81
Capítulo 4 A formatação da tecnologia social do Instituto Bola Pra Frente
“Democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida.
Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um”.
Fernando Sabino
Ao longo dos seus oito anos, o Instituto Bola Pra Frente criou e consolidou uma
metodologia de intervenção social, que utiliza o esporte educacional para possibilitar a
promoção de crianças e adolescentes de seis a 17 anos, em situação de vulnerabilidade.
O foco do Instituto é o cenário negativo em que estão inseridos os jovens de baixa
renda, na faixa etária de 15 a 24 anos, e que, segundo diversos estudos
71
, representam a
grande questão social do Brasil de hoje.
Para o enfrentamento deste cenário, o Instituto elaborou o programa Esporte em
Ação Social, que começa sua atuação com crianças de seis anos de idade
72
, buscando
promover, durante o tempo de permanência nos projetos, o protagonismo social do
público beneficiário, potencializando suas oportunidades de inserção profissional. O
Instituto atua nas demandas específicas de cada faixa etária e tem como missão “educar
crianças, adolescentes, jovens e suas respectivas famílias para o protagonismo,
utilizando o esporte como principal ferramenta impulsionadora da construção de valores
em prol da promoção social”
73
.
O Censo Muquiço 2008 mostra que a metodologia do Bola Pra Frente impactou
o nível de escolaridade dos jovens de 15 a 24 anos. Enquanto 41,91% dos jovens que
nunca passaram pelo Instituto evadiram da escola, apenas 0,5% dos que passaram pelo
Instituto abandonaram os estudos.
Com vistas à reaplicação de sua metodologia em outros contextos, o Instituto
começou, em 2006, a sistematizar o seu conhecimento, com o objetivo de consolidar
uma tecnologia social a partir da utilização do esporte educacional.
71
Estes estudos são apresentados a seguir, na “Definição do problema”.
72
As crianças e adolescentes podem ser matriculadas no Instituto dos 6 aos 17 anos, mas
preferencialmente até os 14 anos para que possam freqüentar pelo menos por dois anos as atividades do
Instituto. O ciclo de atividade dos projetos é anual, portanto, os educandos que são matriculados aos 17
anos ficam, pelo menos, um ano no Instituto.
73
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/quemsomos_missao.asp, acessado em 15/01/08.
82
A partir de análise documental, entrevistas e observação participante buscamos
identificar os principais aspectos da experiência do Instituto, no que concerne à
construção e sistematização da sua metodologia, avaliando, por fim, a aplicabilidade do
conceito de tecnologia social.
Para avaliar se a metodologia do Instituto Bola Pra Frente atende aos quesitos de
uma tecnologia social, decidiu-se, primeiramente, sistematizar a metodologia do
Instituto a partir dos seguintes tópicos: definição do problema sobre o qual o Instituto
atua; conceitos norteadores das suas ações; e descrição da experiência do Instituto,
abrangendo breve histórico da sua evolução metodológica, organização metodológica,
metodologia pedagógica e avaliação dos resultados e impacto social. Em um segundo
momento, optou-se por submeter a metodologia do Instituto às implicações de uma
tecnologia social, elencadas pelo Instituto de Tecnologia Social (ITS).
4.1 Definição do problema
"A felicidade dos povos e a tranqüilidade dos Estados
dependem da boa educação da juventude."
Emilio Castelar
Especialistas da UNESCO, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e
do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea) concordam que a juventude representa hoje a
principal questão social do Brasil. Organismos internacionais, como a Organização
Ibero Americana da Juventude e a Organização Internacional da Juventude (apud
CASTRO e ABRAMOVAY, 2003:17) consideram como juventude a faixa etária de 15
a 24 anos. Texto do Ipea (2008:7) tece as seguintes considerações a esse respeito:
A juventude se inscreveu como questão social no mundo
contemporâneo a partir de duas abordagens principais. De um lado,
pela via dos “problemas” comumente associados aos jovens (como a
delinqüência, o comportamento de risco e a drogadição, entre
outros), que demandariam medidas de enfrentamento por parte da
sociedade. (...) De outro lado, a juventude também foi
tradicionalmente tematizada como fase transitória para a vida adulta,
o que exigiria esforço coletivo – principalmente da família e da
escola – no sentido de “preparar o jovem” para ser um adulto
socialmente ajustado e produtivo.
83
De acordo com dados do IBGE
74
, em 2007, a população de 15 a 24 era de
34.710.000 milhões. Considerando a faixa de idade de 15 e 29 anos, os jovens
somavam, em 2006, 51,1 milhões, ou 27,4% da população total (Ipea, 2008:10). A
UNESCO ressalta que “observa-se um ritmo elevado de crescimento da população entre
15 e 24 anos no panorama demográfico brasileiro, chamando-se a atenção para o fato de
que estaríamos vivendo um pico abrupto no número de adolescentes, cuja idade média
gira em torno de 17 anos”. Este “pico abrupto” ou “onda jovem” na expressão do Ipea,
que torna o jovem um ator estratégico do desenvolvimento, está envolto por um cenário
dramático:
...é preocupante a falta de investimento na juventude evidenciada por
fenômenos como as altas taxas de evasão escolar, as escassas
oportunidades no mundo do trabalho, os índices alarmantes de
vitimização letal juvenil ou a dinâmica de reprodução de
desigualdades centenárias entre as novas gerações, sugerindo que o
país não está tirando o melhor proveito do bônus demográfico que a
sua “onda jovem” possibilita. Frente às várias questões que se
apresentam para a sociedade brasileira, aquelas que afetam a
juventude talvez se configurem como especialmente dramáticas.
Afinal, embora vivam sob a promessa de auto-realização futura pela
participação na vida adulta, os jovens herdam da sociedade um
conjunto de instituições e processos que delimitam seu espaço social
e suas trajetórias. (Ipea 2008:28)
Dados do Ipea mostram ainda que a defasagem escolar é um dos sérios
problemas que afligem os jovens. “A freqüência ao ensino médio na idade adequada
ainda não abrange metade dos jovens brasileiros de 15 a 17 anos e cerca de 34% ainda
estão retidos no ensino fundamental” (Ipea, 2008:14). De acordo com esta mesma
pesquisa, quando se trata do ensino superior, os dados são ainda piores: somente 12,7%
dos jovens de 18 a 24 anos estão na universidade; e o pior: 17% na faixa de 15 a 17
anos e 66% na faixa de 18 a 24 anos estão fora da escola.
Com relação ao mundo do trabalho, os dados tamm são preocupantes. As
taxas de desemprego entre os jovens são, segundo o Ipea (2008:17), “substancialmente
maiores que as dos trabalhadores adultos”, observando-se índices de 22,6% entre os
jovens de 15 a 17 anos, 16,7% entre 18 e 24 anos, contra 5% entre os adultos de 30 a 59
anos, por exemplo. O percentual de jovens entre 15 e 24 anos que não trabalham nem
74
http://www.sidra.ibge.gov.br/ , acessado em 20/06/08.
84
estudam é de 20,8% para o sexo masculino e de 44% para o sexo feminino. E a
tendência é que a taxa de desemprego juvenil cresça ainda mais.
Outro cenário alarmante é a vitimização dos jovens pela violência. Segundo o
Ipea, “as vítimas, em geral, são jovens do sexo masculino, pobres e não-brancos, com
poucos anos de escolaridade, que vivem nas áreas mais carentes das grandes cidades
brasileiras”. Citando dados do Sistema Único de Saúde (SUS), o Ipea informa que as
mortes por homicídios são responsáveis por 37,8% de todas as mortes na faixa etária de
15 a 29 anos.
Violência esta que geralmente é causada também pelos jovens. De acordo com o
Ministério da Justiça (apud Ipea, 2008:20),
As pessoas com idade entre 18 e 24 anos foram as mais
freqüentemente identificadas como infratores por homicídio doloso
(17,56 ocorrências por 100 mil habitantes), lesões corporais dolosas
(387,74), tentativas de homicídio (22,32), extorsão mediante
seqüestro (0,34), roubo a transeunte (218,23), roubo de veículo
(20,24), estupro (14,57) e posse e uso de drogas (41,96).
Quanto à renda, pelos dados apurados pelo Ipea, 31,3% dos jovens podem ser
considerados pobres, pois vivem em famílias com renda domiciliar per capita de até 1/2
salário mínimo e, além disso, 33,6% dos jovens urbanos vivem em moradias
fisicamente inadequadas. Na faixa etária de 15 a 29 anos, dois milhões moram em
favelas. Segundo Castro e Abramovay (2003:26), 34 milhões dos jovens vivem em
famílias em situação de pobreza extrema.
O estudo “Crianças no narcotráfico: um diagnóstico rápido”, coordenado por
Jaílson de Souza e Silva e André Urani, publicado pela OIT e pelo Ministério do
Trabalho e Emprego, mostra que:
As principais características das crianças envolvidas no narcotráfico
são as seguintes: pertencem às famílias mais pobres das favelas; sua
escolaridade está abaixo da média brasileira – hoje em torno de 6,4
anos; a grande maioria das crianças envolvidas é negra ou parda.
(SILVA e URANI, 2002:19)
Uma vez que a criminalidade está associada à baixa escolaridade, pode-se
concluir que a solução deste problema passa, necessariamente, pelo fortalecimento da
escola. No entanto, sabe-se que a universalização do ensino fundamental não significou
85
a melhoria da qualidade de ensino, o que acaba desmotivando os jovens. O estudo
supracitado mostra que os jovens entrevistados não gostam da escola.
Os principais pontos negativos da escola são informados como sendo
a disciplina em excesso, ter que estudar e ficar parado por longos
períodos de tempo e, de certa forma, a atitude dos diretores. A
dificuldade no aprendizado e a falta de importância do que está sendo
ensinado são dois outros pontos negativos mencionados pelos
entrevistados. Fica claro que as normas de comportamento da escola
não estão de acordo com os interesses das crianças. O narcotráfico
exige ação, vigor e sintonia o tempo todo. A escola exige um tipo
diferente de concentração para a realização de tarefas de forma
ordenada e sistemática. Exige o uso de habilidades cognitivas que
não são tradicionalmente exigidas. O principal ponto positivo
mencionado pelos entrevistados sobre a escola é o fato de que ali eles
adquirem conhecimento. Em contrapartida, entretanto, as disposições
exigidas pelo narcotráfico tornam difícil o desenvolvimento
sistemático do aprendizado. (...) Um aspecto peculiar da relação das
crianças com a escola é sua percepção das atividades dos professores.
O trabalho que os professores realizam é o segundo ponto positivo
mencionado pelas crianças, mais do que sua relação com outras
crianças. Não gostar dos professores, entretanto, foi a principal razão
apresentada para abandonar a escola. A questão de gostar dos
professores ou não depende claramente de indivíduos diferentes e
revela o papel importante que estes profissionais desempenham,
especialmente para crianças que estão sob risco social. (SILVA e
URANI, 2002:50)
De acordo com a UNESCO, existe uma biblioteca e menos de quatro museus por
100 mil jovens no Rio de Janeiro. As pesquisas da UNESCO também destacam que “a
pobreza de alternativas para ocupação do tempo livre entre os jovens, em particular, os
pobres, que vivem em zonas chamadas ideologicamente de “periféricas” – 88% ocupa
seu tempo livre principalmente vendo televisão” (CASTRO e ABRAMOVAY,
2003:34).
Do exposto, podemos concluir que o Brasil passa por um pico de crescimento da
sua população jovem, sem, no entanto, estar preparado para o desenvolvimento de um
“processo multidimensional de transformações estruturais” (Ipea, 2008:28), necessário
para a inserção social, educacional, econômica, cultural e política deste jovem. A
Unesco define este desenvolvimento nos seguintes termos:
Além de se falar de cidadania política, cidadania social e cidadania
civil, há que ter claro o direito a uma cidadania cultural, ao acesso ao
acervo de bem culturais. A cultura, a arte, o belo, a aprendizagem de
86
bom nível que ensine a pensar, ou que ensine a questionar, que
contribua para a criação de uma massa crítica — essa seria uma
cultura que pode vir a ser antídoto à violência. (...) A carência de
lazer, trabalho e escola é explorada pelo tráfico que, em muitos
lugares, torna-se referência para os jovens, ocupando um espaço
deixado em aberto pelo poder público e pela comunidade. (CASTRO
e ABRAMOVAY, 2003:32)
Para os autores do estudo “Crianças no narcotráfico: um diagnóstico rápido”,
uma das soluções para mudar o cenário do jovem no Brasil seria a “realização de ação
integrada em espaços populares, provisão de produtos educacionais, culturais e de lazer,
urbanização e geração de renda e emprego” (SILVA e URANI, 2002:76).
A questão que se faz presente é saber se o esporte pode vir a ser utilizado para
transformar este cenário no qual os jovens, em especial aqueles em vulnerabilidade
social, estão inseridos. Há quem responda, rapidamente, que sim. Outros, com a mesma
rapidez, respondem que não.
É senso comum atribuir ao esporte valores como disciplina, cooperação, trabalho
em equipe, solidariedade, auto-estima, respeito a regras e vida saudável. Por outro lado,
temas como violência das torcidas e violência no decorrer das competições, doping,
corrupção de dirigentes, empresários e juízes, e mau exemplo de atletas também estão
ligados ao esporte. Para o sociólogo Mauricio Murad, o esporte e, em especial, o
futebol,
tem sentido educativo e de sociabilidade, mas (...) também é
mercantilista na dominação do mercado, usado pela política dos
poderosos, corrompido por dirigentes e que serve de bom e mau
exemplo. Celebrado por artistas conhecidos e por anônimos, desejado
por quase todos, com traços de violência e generosidade, excludente
e igualitário, que denuncia realidades ou as dissimula, que
conscientiza ou aliena. Democrático em suas raízes e história,
autoritário em sua história e nas relações de trabalho, que
experimenta e acumula. Prazer e sacrifício, amores e ódios;
comemorado, brincado, reproduzido, reinventado, globalizado,
localizado, usado, empresariado, rentabilizado, investigado,
contraditório... humano. Um amplo, necessário e irrenunciável
campo de estudo, de alta magnitude e crescente reputação.
(MURAD, 2007:19)
Pode-se então conceber o esporte como um instrumento, passível de ser utilizado
para diversos fins: ócio e negócio, inclusão e exclusão, alienação e emancipação. O
esporte pode promover a educação no seu sentido amplo, que é a mudança de
87
comportamento, mas, como nos lembra Belbenoit (apud BETTI, 2003:26), o esporte
não é educativo à priori; é necessário fazer dele “ao mesmo tempo objeto e um meio de
educação”.
Sendo o esporte “um direito de todos os jovens, na sua infância e adolescência”
(TUBINO, 2007:41), é necessário englobá-lo àquilo que Edgar Morin chama de
“ensinar a condição humana”. No texto “Os Sete Saberes Necessários à Educação do
Futuro”, Morin (apud NOLETO, 2004:23) defende que a educação do futuro exige que
se ensine a condição humana, assim definida por ele:
o ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural,
social e histórico. Esta unidade complexa é tratada pela educação de
forma desintegrada por intermédio das disciplinas. A educação deve
fazer com que cada um tome conhecimento de sua identidade comum
a todos os outros humanos. Assim, a condição humana deveria ser o
objeto essencial de todo o ensino. É preciso reunir os conhecimentos
dispersos nas ciências da natureza, nas ciências humanas, na
literatura e na filosofia para se obter uma visão integrada da condição
humana. (MORIN apud NOLETO, 2004:23)
A crença que move o trabalho do Instituto Bola Pra Frente é que o esporte, na
sua dimensão educacional, pode contribuir de forma significativa para a transformação
social de jovens em situação de vulnerabilidade. Esta transformação é o que o Instituto
denomina de “placar social justo”.
4.2 Conceitos Norteadores
Na área esportiva, o Instituto Bola Pra Frente trabalha com dois conceitos: o
esporte educacional, conforme definição do Ministério do Esporte, de acordo com a Lei
nº 9.615/98, e o conceito de futebol, criado pela própria equipe interdisciplinar do
Instituto.
O esporte educacional tem como finalidade alcançar o desenvolvimento integral
do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer,
evitando-se a seletividade e a hipercompetitividade de seus praticantes.
88
A definição de futebol criada pelo Instituto, concebe-o como uma “linguagem
lúdica universal que traduz as contradições humanas, possibilitando a construção de
valores em uma perspectiva de promoção social”
75
.
Na área pedagógica, o Instituto Bola Pra Frente adota os conceitos de educação
moral de Johann Heinrich Pestalozzi, a didática pedagógica de Paulo Freire e a
avaliação processual de Jussara Hoffmann.
A educação moral, proposta por Pestalozzi e adotada pelo Instituto Bola Pra
Frente, parte do pressuposto de que cada criança encerra uma potencialidade de
desenvolvimento, que precisa ser estimulada pelo educador, tendo como base o modelo
familiar. O teórico utilizava a linguagem na formação do educando, buscando extrair,
através do diálogo, as manifestações de um raciocínio moral, “fazendo com que
conceitos de bem, bondade, fraternidade, justiça brotassem de maneira clara e aplicável”
(INCONTRI, 1996:14).
Minha convicção e meu objetivo eram um só.
Na verdade, eu pretendia provar, com minha experiência, que as
vantagens da educação familiar devem ser reproduzidas pela
educação pública e que a segunda só tem valor para a humanidade se
imitar a primeira. Aos meus olhos, ensino escolar que não abranja
todo o Espírito, como exige a educação do homem, e que não seja
construído sobre a totalidade viva das relações familiares conduz
apenas a um método artificial de encolhimento de nossa espécie.
(...). O homem quer o Bem com tanto gosto, a criança tem tanto
prazer em abrir os ouvidos para o Bem! Mas ela não o quer por ti,
professor, ela não o quer por ti, educador, ela o quer por si mesma.
(...). Ela quer tudo o que a torna amável, tudo o que lhe traz
reconhecimento, tudo o que excita nela grandes expectativas, tudo o
que nela gera energia, que a faça dizer: "Eu sei fazer". Mas toda essa
vontade não é produzida por palavras, e sim pelos cuidados que
cercam a criança e pelos sentimentos e forças gerados por esses
cuidados. As palavras não produzem a coisa em si, mas apenas o seu
significado, a sua consciência. (PESTALOZZI apud INCONTRI,
1996:144)
Do educador Paulo Freire, o Instituto Bola Pra Frente retira os conceitos de
liberdade-libertação, consciência crítica-consciência ingênua e trabalhador social. Para
Freire, “a educação libertadora é um processo pelo qual o educador convida os
educandos a reconhecer e desvelar a realidade criticamente” (apud STRECK et al.,
2008:248). Existe uma relação direta entre educação e liberdade. A liberdade é o ponto
75
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/quemsomos_perfil.asp, acessado em 21/07/08.
89
central do pensamento freireano e só é possível conquistá-la quando se luta pela
libertação de si, do outro e do mundo. Freire descreve a libertação como “a ação e a
reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (apud STRECK et al.,
2008:247). Na sua opinião,
(...) a liberdade é uma qualidade natural do ser humano. Até diria,
com mais radicalidade, que a liberdade faz parte da natureza da vida,
seja ela animal, seja ela vegetal. A árvore que cresce que se inclina
procurando o sol, tem um movimento de liberdade, mas uma
liberdade que está condicionada à sua espécie, a um impulso vital
apenas. Difere-se um pouco da liberdade do animal. Hoje, nós nos
perguntamos sobre a tarefa de libertação enquanto restauração da
liberdade, ou enquanto invenção de uma liberdade ainda não
permitida. Então acho que essa vem sendo uma tarefa
permanentemente histórica. Não diria que é a maior tarefa, ou a
única, mas é a tarefa central a que outras se juntarão. Acho
fundamental que, compreendendo a história como possibilidade, o
educador descubra a educação também como possibilidade, na
medida em que a educação é profundamente histórica. Quando a
gente compreende a educação como possibilidade, a gente descobre
que a educação tem limites. É exatamente porque é limitável, ou
limitada, ideológica, econômica, social, política e culturalmente, que
ela tem eficácia. (FREIRE, 1997:90)
A libertação implica uma consciência crítica. Os conceitos de consciência crítica
e consciência ingênua também são norteadores da didática pedagógica do Instituto Bola
Pra Frente. Para cumprir a sua missão de educar para o protagonismo social, o Instituto
busca a construção da autonomia dos educandos, o que passa, necessariamente pela
superação da consciência ingênua e pelo desenvolvimento de uma consciência crítica.
Freire denomina de consciência ingênua aquela que encara os problemas de
forma simplista, que tende à massificação, enxerga a realidade como algo estático, é
passional, frágil, superficial, subestima o homem simples, não procura, mas impõe a
verdade (FREIRE, 2008:40). Já a consciência crítica tem um anseio de profundidade, é
inquieta, é indagadora, autêntica, nutre-se do diálogo, é aberta a revisões, entende que a
realidade é mutável e evita preconceitos (FREIRE, 2008:41). Nessa perspectiva, para
ele,
[u]ma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é
propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns
com os outros e todos com o professor ou professora ensaiam a
experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e
90
histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador,
realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.
(FREIRE, 2007: 41)
Outro conceito de Freire adotado pelo Instituto é o de trabalhador social. O
homem é uma “presença criadora”, capaz de transformar a realidade. Para Freire, ele
deve se posicionar frente à humanização ou à permanência. Ao optar pela humanização,
ele posiciona-se contra o fatalismo e abre espaço para a esperança transformadora. O
papel do trabalhador social é refletir e atuar em prol da consciência crítica, por meio da
dialogicidade e da ampliação dos seus conhecimentos.
A mudança não é trabalho exclusivo de alguns homens, mas dos
homens que a escolhem. O trabalhador social tem que lembrar a estes
homens que são tão sujeitos como ele no processo de transformação.
E se nas circunstâncias – determinadas (...), em que a estrutura social
vem dificultando a transformação dos homens em sujeitos, seu papel
não é o de reforçar o estado de objeto em que se encontram, achando
que podem assim ser sujeitos, mas problematizar-lhes este estado.
(FREIRE, 2008: 52)
Quando se trata de avaliação educacional, o Instituto Bola Pra Frente utiliza os
conceitos da educadora Jussara Hoffmann. A avaliação, para Hoffmann, faz parte do
processo educacional, não é um “momento isolado e terminal”, mas sim “a reflexão
transformada em ação”. Ela propõe uma avaliação mediadora, que desafie o educando a
refletir, conduzindo-o a novas descobertas.
A expressão MEDIADORA, que utilizo desde 1991, tem por objetivo
salientar a importância do papel do professor no sentido de observar
o aluno PARA MEDIAR, ou seja, para refletir sobre as melhores
estratégias pedagógicas possíveis no sentido de promover sua
aprendizagem. Avaliar não é observar se o aluno aprende. Esta
resposta já se tem: todos aprendem sempre, senão não estariam
sequer vivos, pois enquanto se respira, se aprende, se descobrem
novas coisas sobre o mundo em que vivemos. Entretanto, ninguém
aprende apenas sozinho, aprende muito melhor com o outro, em
interação com seus pares e com desafios intelectuais significativos. O
melhor ambiente de aprendizagem é rico em oportunidades de
convivência, de diálogo, de desafios, de recursos de todas as ordens.
Para cada aluno, entretanto, não podem ser oferecidos os mesmos
desafios, em tempos programados ou do mesmo jeito. E aí entra o
professor, o avaliador. Olhando cada um, investigando e refletindo
sobre o seu jeito de aprender, conversando, convivendo, organizando
o cenário dessa interação, fazendo a pergunta mais desafiadora
91
possível, escutando o silêncio, se for o caso. O professor
MEDIADOR é o avaliador essencial. Cuidar para que o aluno
aprenda mais e melhor, todos os dias. Isso é avaliar.
(HOFFMANN
76
)
Hoffmann acredita que a prática educativa não deve conter um viés
classificatório, mas sim retomar um sentido ético, de juízo consciente de valor, de
respeito às diferenças, de compromisso com a aprendizagem para todos e para a
formação da cidadania. Para ela,
[a]valiar para promover significa compreender a finalidade dessa
prática a serviço da aprendizagem, da melhoria da ação pedagógica,
visando à promoção moral intelectual dos alunos. O professor
assume o papel de investigador, de esclarecedor, de organizador das
experiências significativas da aprendizagem. Seu compromisso é o de
agir refletidamente, criando e recriando alternativas pedagógicas
adequadas a partir da melhor observação e conhecimento de cada um
dos alunos, sem perder a observação do conjunto, promovendo
sempre ações interativas. (HOFFMANN, 2005:18)
Além dos educadores mencionados, o Instituto Bola Pra Frente também
fundamenta sua metodologia pedagógica nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), criados pela Lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, e nos quatro pilares da educação estabelecidos pela UNESCO, em 1999, a
partir do relatório coordenado por Jacques Delors: “aprender a conhecer”, “aprender a
fazer”, “aprender a viver” e “aprender a ser”.
Aprender a conhecer. Ao contrário de outrora, não importa tanto
hoje a quantidade de saberes codificados, mas o desenvolvimento do
desejo e das capacidades de aprender a aprender. Compreender o
mundo que rodeia o aluno, tornar-se, para toda a vida, "amigo da
ciência", dispor de uma cultura geral vasta e, ao mesmo tempo, da
capacidade de trabalhar em profundidade determinado número de
assuntos, exercitar a atenção, a memória e o pensamento são algumas
das características desse aprender que faz parte da agenda de
prioridades de qualquer atividade econômica. Este é um processo que
não se acaba e se liga cada vez mais à experiência do trabalho, à
proporção que este se torna menos rotineiro.
Aprender a fazer. Conhecer e fazer, diz-nos o Relatório, são, em
larga medida, indissociáveis. O segundo é conseqüência do primeiro.
Em economias crescentemente tecnificadas, em que ocorre a
"desmaterialização" do trabalho e cresce a importância dos serviços
76
http://www.jussarahoffmann.com.br/site/artigo.asp?id=3&pagina=1, acessado em 15/08/08.
92
entre as atividades assalariadas e em que o trabalho na economia
informal é constante, deixa-se a noção relativamente simples de
qualificação profissional. Passa-se para outra noção, mais ampla e
sofisticada de competências, capaz de tornar as pessoas aptas a
enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Isso ocorre
nas diversas experiências sociais e de trabalho que se apresentam ao
longo de toda a vida.
Aprender a viver juntos, desenvolvendo a compreensão do outro e
a percepção das interdependências, no sentido de realizar projetos
comuns e preparar-se para gerir conflitos. Em contraposição à
competitividade cega, a qualquer custo, do mundo de hoje, cabe à
escola transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie
humana e, ao mesmo tempo, tomar consciência das semelhanças e da
interdependência entre todos os seres humanos. Para isso, não basta
colocar em contato grupos e pessoas diferentes, o que pode até
agravar um clima de concorrência, em especial se alguns entram com
estatuto inferior. É preciso, para isso, promover a descoberta do
outro, descobrindo-se a si mesmo, para sentir-se na pele do outro e
compreender as suas reações. E, além disso, tender para objetivos
comuns, trabalhando em conjunto sobre projetos motivadores e fora
do habitual, cuja tônica seja a cooperação. (DELORS et al. apud
UNESCO)
77
Com relação à gestão, o Instituto Bola Pra Frente tem como inspiração as teorias
de Fernando Tenório e Leandro Lamas Valarelli. O conceito de gestão social de Tenório
e sua metodologia de planejamento estratégico/participativo são utilizados pelo Instituto
na organização dos seus programas e projetos. Para Tenório,
O conceito de gestão social não está atrelado às especificidades de
políticas públicas direcionadas a questões de carência social ou de
gestão de organizações do denominado terceiro setor mas, também, a
identificá-lo como uma possibilidade de gestão democrática, onde o
imperativo categórico não é apenas o eleitor e/ou contribuinte, mas
sim o cidadão deliberativo; não é só a economia de mercado, mas
também a economia social; não é o cálculo utilitário, mas o consenso
solidário; não é o assalariado como mercadoria, mas o trabalhador
como sujeito; não é somente a produção como valor de troca, mas
igualmente como valor de uso; não é tão-somente a responsabilidade
técnica mas, além disso, a responsabilidade social; não é a res
privada, mas sim a res publica; não é o monólogo mas ao contrário, o
diálogo. (TENÓRIO, 2006:114)
O planejamento estratégico/participativo, que segundo Tenório (2005:28),
“deveria ser realizado de tempos em tempos, de modo a prevenir crises e a discutir
77
http://www.unesco.org.br/noticias/opiniao/index/index_2003/pilares_educacao/mostra_documento,
acessado em 20/01/08.
93
novas perspectivas para a organização”, é um dos conceitos que embasam a gestão do
Instituto, juntamente com as outras funções gerencias elencadas por ele além de
planejamento, a saber: organização, direção e controle.
Quando se trata da construção de indicadores sociais, o Instituto tem como
referência os estudos do pesquisador Leandro Lamas Valarelli. Para ele, “cada
organização ou projeto requer um sistema de indicadores próprio” (2001:39). Estes
indicadores devem retratar a realidade e, portanto, podem até ser semelhantes a de
outros projetos, mas são específicos. Valarelli propõe a construção destes indicadores de
forma deliberativa, na qual todas as partes interessadas participam, fazendo uma
pergunta-chave que dá origem a um indicador.
Um sistema de indicadores é sempre resultado do processo de
diálogo e negociação entre os diferentes sujeitos envolvidos em torno
das prioridades de monitoramento e avaliação. Cada organização tem
uma leitura dos problemas sociais, de suas causas e possíveis
soluções; possui valores próprios e atribui para si uma missão ou
papel na resolução destes problemas. (VALARELLI, 2001:39)
4.3 Experiência do Instituto Bola Pra Frente: breve histórico da evolução do
trabalho
Inicialmente, o esporte, para o Instituto Bola Pra Frente, tinha como objetivo
ocupar o tempo ocioso das crianças e adolescentes atendidos. Eram 1.300 beneficiários,
vindos do bairro de Guadalupe e adjacências, que praticavam futebol, caratê, futsal e
vôlei. Em 2001, com a entrada de um patrocinador, foi possível oferecer também aulas
de reforço escolar e, depois, aulas de informática e atividades artísticas.
A análise dos arquivos do Instituto mostra que a maior parte das atividades era
voltada para competições. As atividades listadas em relatório de 5 de setembro de 2002
foram: 1º JOGO DA COPA LIGHT DE FUTEBOL – MIRIM, 2º JOGO DA COPA
LIGHT DE FUTEBOL – MIRIM, COPA LIGHT – JOGO INSTITUTO BPF X CEI DE
QUINTINO, COPA LIGHT – JOGO INSTITUTO BOLA PRA FRENTE X GALINHO
FC, JOGO CONTRA ESCOLINHA DO RONALD - Categoria Pré-Mirim, TORNEIO
94
SOCIETY, INTERCÂMBIO ENTRE ESCOLINHAS: IBPF e ESCOLINHA
PENIEL
78
.
Na área de gestão, um relatório, datado de 22 de setembro de 2002
79
, elencava os
problemas encontrados após levantamento feito em cada área do Instituto:
- o papel da coordenação não está bem definido;
- não há uma documentação que normatize o setor;
- não há metodologia de avaliação dos resultados alcançados.
- não há um intercâmbio de informações com as coordenações.
Exemplo: os professores têm um diário de freqüência, mas estes
números não são consultados nem geram relatório de evasão dos
alunos;
- não há uma entrevista sócio-econômica com os alunos. Na prática,
há um número x de vagas e os alunos vão entrando conforme a
ordem de chegada e não de necessidade. Caso não haja vagas, os
alunos são dispensados sem preencherem nenhuma ficha;
- falta instituir departamentos importantes como Recursos Humanos,
Estoque, Departamento Financeiro e Serviços Gerais. Não há
necessidade de contratação de pessoal, mas da definição de
processos, que ficariam a cargo do coordenador administrativo.
(INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, 2002b)
No final de 2002, teve início um processo de reestruturação do Instituto, com o
objetivo de implementar um novo modelo de gestão, aplicável tanto à área técnica
quanto à área administrativa. Em 2003, com a contratação de profissionais das áreas de
pedagogia, educação física, serviço social, sociologia, psicologia e comunicação,
começou a ser efetivamente implementado desenvolvimento de uma metodologia de
intervenção social, com foco na educação, que aproveitasse a “força catalisadora do
esporte, em especial do futebol”
80
.
O “Projeto Educacional IBPF-2003” trazia as bases da metodologia pedagógica
do Instituto:
O esporte é a porta de entrada para o Instituto Bola Pra Frente.
Sabemos, no entanto, que o esporte em si, apesar de seu importante
papel social, não configura-se em uma ferramenta eficaz de ascensão
social
81
. A educação, por sua vez, é o grande alicerce sobre o qual
surgirá uma sociedade mais igualitária. E é nela que o IBPF, com a
parceria da ATL, mais investiu neste ano de 2002. Para o próximo
78
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Relatório do Patrocínio ATL, 5 de setembro de 2002a, mimeo.
79
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Relatório de gestão, 22 de setembro de 2002b, mimeo.
80
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Projeto Educacional IBPF-2003, 2003, página 6, mimeo.
81
O termo ascensão social era utilizado na época; atualmente, o termo utilizado é promoção social.
95
ano, nosso sonho é consolidar este processo através de um importante
projeto pedagógico. Afinal, o cenário da educação hoje no Brasil é
bastante preocupante (INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, 2003:3)
Mais adiante, no mesmo documento, é delimitada a estratégia de atuação do
projeto Craque de Bola e de Escola, que estava sendo criado:
O processo de aprendizagem se faz a partir de dados significativos.
Sendo assim, buscamos uma metodologia que esteja totalmente
voltada para a realidade dos nossos alunos. Sabemos que a grande
paixão das crianças do IBPF [Instituto Bola Pra Frente] é o futebol.
Desta forma, elaboramos todo um trabalho voltado para esta
temática, a fim de despertar o lúdico e o desejo de aprender.
(INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, 2003:10)
O documento deixa claro quais eram os objetivos do novo projeto pedagógico:
Criar um modelo pedagógico que privilegie a realidade das crianças
atendidas; Utilizar a força catalisadora do esporte como ferramenta
de alfabetização; Promover a interação das escolas da região;
Envolver e incentivar a participação dos pais e responsáveis;
Contribuir com a qualificação dos professores das escolas, bem como
o crescimento contínuo do nosso staff pedagógico; Capacitar e gerar
renda para os pais e responsáveis, a partir do compromisso
pedagógico; Criar uma clínica modelo de psicopedagogia.
(INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, 2003:6)
O desafio proposto era levar o futebol para a sala de aula, agregando toda a
paixão das crianças e adolescentes a outras atividades necessárias ao seu
desenvolvimento integral. Percebia-se, então, que o esporte poderia gerar grandes
frustrações. Segundo Jorginho
82
, a idéia inicial era preparar os jovens para ingressar em
um clube, mas a maioria ficava excluída. Era comum pais telefonarem para o Instituto
perguntando quando o filho seria encaminhado para um clube e era possível até mesmo
ver pais e responsáveis na arquibancada xingando o filho que havia “perdido uma bola”.
Foi então que teve início o debate sobre o papel do esporte no Bola Pra Frente:
ascensão ou promoção social? Começou-se a perceber que o esporte era um instrumento
e que era necessário definir como o Instituto iria utilizá-lo para a promoção social
daquele público beneficiário.
82
Entrevista concedida no âmbito desta pesquisa.
96
As atividades artísticas e culturais aconteceram a partir de outubro de 2002, com
uma programação semanal chamada “Sexta Cultural”. As atrações do primeiro evento,
descritas no convite, foram: solo de jazz, pantomima, grupos de dança, exposição de
caricaturas, teatro, rodas de leitura, dentre outras.
Na área de qualificação profissional, as atividades do Instituto começaram com a
implementação do CAMP-Guadalupe, a partir de uma parceria feita com o CAMP-
Mangueira. O Círculo de Amigos do Menino Patrulheiro (CAMP) iniciou suas
atividades no Instituto em agosto de 2002, oferecendo, para 40 jovens, aulas de reforço
de português, reforço de matemática, relações humanas, informática, técnicas
comerciais, dentre outras.
Em 2003, foi criado o programa Esporte em Ação Social, que contemplava
atividades esportivas, educativas, artísticas e culturais e de qualificação profissional.
Material institucional do Bola Pra Frente, de 2004, apresentava o programa:
O programa ESPORTE EM AÇÃO SOCIAL é a porta de entrada do
Bola Pra Frente. A partir dele, as crianças e os adolescentes são
direcionados às diversas atividades oferecidas pelo Instituto, de
acordo com a faixa etária. Cada aluno opta por uma modalidade
esportiva e outra pedagógica, cultural ou profissionalizante, obtendo,
desta forma, os instrumentos e conteúdos necessários ao seu
desenvolvimento e formação integrais. (INSTITUTO BOLA PRA
FRENTE, 2004)
Em 2004, o programa Esporte em Ação Social já oferecia um conjunto de
projetos fundamentados e consolidados de acordo com o público beneficiário. Os
projetos em funcionamento eram: Craque de Bola e de Escola, ARTilheiro, Campeão de
Cidadania, Craque dos Craques e Show de Bola e Cidadania. O objetivo deste último
era dar continuidade aos times formados anteriormente no Instituto, evitando a evasão
dos educandos, mas mostrou-se incompatível com a nova filosofia de trabalho e foi
extinto em 2005. O Bola Pra Frente conta, desde 2007, com mais um projeto: o Saúde
em Campo.
Estrutura atual do programa Esporte em Ação Social
O programa Esporte em Ação Social abrange um conjunto de projetos que
perseguem o mesmo objetivo: proporcionar, através do esporte educacional, o
desenvolvimento integral do público beneficiário, fomentando a mudança de
97
comportamento e o protagonismo social
83
. A definição de protagonismo social, adotada
pelo Instituto Bola Pra Frente, conforme descrito no seu programa, é a seguinte:
Protagonista é aquele que se coloca como principal sujeito de uma
ação, aquele que se coloca em movimento. O protagonismo social é a
ação de um grupo, classe ou segmento da sociedade que se coloca
como principal sujeito na dinâmica social; é a forma de se colocar e
se afirmar como produtores da história e do devir social. O
protagonismo social significa que as pessoas tomam para si próprias
o controle de suas vidas e que constroem estratégias de ação coletiva
para se colocarem como sujeitos políticos efetivos, buscando superar
os limites da democracia representativa e, principalmente, colocando-
se como portadores de novos direitos políticos, culturais e
econômicos. O protagonismo social implica o interesse em superar
determinada condição social.
84
Três projetos compõem o programa são: Craque de Bola e de Escola,
ARTilheiro e Campeão de Cidadania. Para fazer parte destes projetos, a criança e o
adolescente têm que freqüentar regularmente uma escola pública e morar em uma das
seis comunidades atendidas pelo Instituto. O programa conta ainda com três projetos
complementares: o Craque dos Craques, voltado para a família; o Toque de Mestre, para
a escola; e o Saúde em Campo, com ênfase na qualidade de vida.
O projeto Craque de Bola e de Escola
85
trabalha com a equação “esporte +
educação” e tem como lema a frase “aprendendo a vencer nos campos da vida”. O
público beneficiário deste projeto são as crianças de seis a nove anos. O Craque de Bola
e de Escola tem como objetivos despertar o interesse em aprender e apoiar a
alfabetização, evitando a evasão escolar. Cada criança é impulsionada a se tornar um
“craque” também na escola, sendo motivada a dar continuidade aos estudos e buscar o
seu desenvolvimento integral.
De forma lúdica, por meio da linguagem do futebol, as crianças têm aulas de
português, matemática, história, geografia, filosofia, educação física, educação artística,
educação ambiental, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), saúde e atualidade,
além de sala de leitura, xadrez e apoio psicopedagógico no Espaço do Craque -
consultório especializado no atendimento a crianças com mais dificuldades no processo
83
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/quemsomos_perfil.asp, acessado em 15/01/08.
84
Esta definição de protagonismo social do Instituto Bola Pra Frente é uma versão resumida da definição
feita por Glauco Bruce Rodrigues, do Núcleo de Pesquisas sobre Desenvolvimento Sócio-Espacial, da
UFRJ.
85
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/programas_craquedebola.asp, acessado em 15/01/08.
98
de aprendizagem. Por meio do projeto Toque de Mestre, é feito um acompanhamento
sistemático do desempenho escolar de cada criança atendida. O projeto não oferece
reforço escolar, mas atividades pedagógicas que agregam competências a cada criança,
prevenindo o analfabetismo funcional. Os educandos do Craque de Bola e de Escola
freqüentam o Instituto três ou mais vezes por semana, dependendo da necessidade de
atendimento psicopedagógico e de atividades semanais extras, sempre no contra turno
escolar.
O projeto ARTilheiro
86
trabalha com a equação “esporte + arte e cultura” e tem
como lema a frase “marcando gols com muito talento”. O público beneficiário deste
projeto são crianças e adolescentes de dez a 14 anos. O ARTilheiro tem como objetivos
estimular a criatividade e a liberdade de expressão, incentivar as manifestações artísticas
e o acesso a bens culturais, bem como promover a valorização da própria cultura.
Considerando que esta é uma das faixas etárias com maior vulnerabilidade, com o início
da adolescência, o Instituto Bola Pra Frente utiliza as diversas formas de expressão,
proporcionadas pelo teatro, dança, música, vídeo e artesanato, para ampliar a visão de
mundo dos educandos, valorizando o auto-conhecimento e contribuindo para a
construção da identidade
87
, dos valores morais e éticos e do pensamento crítico.
As atividades do ARTilheiro buscam desenvolver a autonomia e a auto-estima,
fomentando a criação artística, a produção cultural e a exposição dos trabalhos dos
educandos. Com isso, o projeto potencializa o interesse em aprender e agrega
competências para o processo de aprendizagem, contribuindo para o desempenho
escolar e desenvolvendo aptidões que serão importantes quando ingressarem no mundo
do trabalho. O ARTilheiro também oferece aulas de educação física, educação artística,
educação ambiental, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), saúde e atualidade,
comuns a todos os projetos. Os educandos deste projeto freqüentam o Instituto três ou
mais vezes por semana, dependendo das atividades semanais extras, sempre no contra
turno escolar.
86
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/programas_artilheiro.asp, acessado em 15/01/08.
87
No artigo “A construção da identidade em adolescentes: um estudo exploratório”, publicado na revista
Estudos de Psicologia, da PUC-Campinas, jan./abr. 2003, vol. 8, nº. 1, pp 107-115, SCHOEN-
FERREIRA et al., afirma: “A construção da identidade pessoal é considerada a tarefa mais importante da
adolescência, o passo crucial da transformação do adolescente em adulto produtivo e maduro. (...)
Construir uma identidade, para Erikson (1972), implica em definir quem a pessoa é, quais são seus
valores e quais as direções que deseja seguir pela vida. O autor entende que identidade é uma concepção
de si mesmo, composta de valores, crenças e metas com os quais o indivíduo está solidamente
comprometido”.
99
O projeto Campeão de Cidadania
88
trabalha com a equação “esporte +
qualificação profissional” e tem como lema a frase “conquistando medalhas para o
futuro”. O público beneficiário deste projeto são adolescentes de 15 a 17 anos. O
Campeão de Cidadania tem como objetivos identificar e investir em competências,
promover a qualificação profissional, incentivar o empreendedorismo e facilitar a
inserção no mundo do trabalho. O projeto possui duas vertentes, de acordo com a
escolaridade do educando: mundo corporativo (para aqueles que não têm distorção
aluno/série) e técnico (para aqueles com distorção aluno/série).
A metodologia do Campeão de Cidadania busca a aproximação entre teoria e
prática por meio de uma visão psicopedagógica que estimule o desafio e a participação
no processo de apropriação do conhecimento. Os adolescentes têm aulas de português,
matemática, inglês, orientação para o trabalho, qualidade em atendimento, legislação
trabalhista, gestão organizacional, informática, além de atividades como palestras, jogos
empresariais, visitas às empresas, elaboração do currículo e as atividades comuns a
todos os projetos - educação física, educação artística, educação ambiental, Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e atualidade. Por meio da Lei do Aprendiz (Lei nº
10.097/00) e de convênio com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (estágio social, conforme a Lei nº 6.494/77), o Instituto Bola Pra Frente
encaminha os adolescentes para empresas conveniadas, ampliando suas oportunidades
no mundo do trabalho. Os educandos deste projeto freqüentam o Instituto de segunda à
sexta, sempre no contra turno escolar.
O programa Esporte em Ação Social tem “a educação como caminho e o
trabalho como destino”
89
. Para ampliar a atuação do seu programa e alcançar os
objetivos planejados, o Instituto idealizou os projetos Craque dos Craques e Toque de
Mestre, voltados para a família e a escola dos educandos.
Os padrões do ambiente familiar são refletidos em todos os núcleos sociais da
criança e do adolescente. A família é o primeiro espaço de socialização e de
pertencimento. Se ela não cumpre bem o seu papel, aparecem sintomas e ameaças ao
bom desenvolvimento do sujeito. O objetivo do projeto Craque dos Craques
90
é
envolver a família no processo sócio-educacional do público beneficiário do programa
Esporte em Ação Social.
88
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/programas_cidadania.asp, acessado em 15/01/08.
89
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
90
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/programas_craquedoscraques.asp, acessado em 15/01/08.
100
O projeto tem como equação “Bola Pra Frente + Família” e como lema a frase
“convocando reforços muito especiais”. O alvo do projeto são os pais e responsáveis
dos educandos do Instituto e as atividades são voltadas para a geração de renda,
qualidade de vida e palestras/oficinas, nas quais são discutidas questões sociais como
alcoolismo, desemprego, violência doméstica, dentre outras.
Outro parceiro fundamental para o trabalho do Instituto é a escola. Ela tem um
papel central na formação das crianças e adolescentes e é um local privilegiado de
interação e crescimento. Para promover um diálogo constante com a escola, o Instituto
Bola Pra Frente criou o projeto Toque de Mestre
91
, que tem como equação “Bola Pra
Frente + Escola” e como lema a frase “reafirmando o espírito de equipe”. O alvo deste
projeto são professores e diretores da rede pública de ensino.
Entre as atividades do Toque de Mestre incluem-se visitas periódicas às escolas
dos educandos do Instituto para avaliação da sua situação escolar e indicação de alunos
com dificuldade na aprendizagem. Além de promover a interação entre o Instituto e as
escolas da região, o Toque de Mestre também oferece oportunidade de aprimoramento
contínuo aos docentes, realiza eventos para a troca de experiência e premia iniciativas
bem-sucedidas em sala de aula.
Um terceiro projeto, o Saúde em Campo
92
, complementa o programa Esporte em
Ação Social. Este projeto surgiu da necessidade de uma ação preventiva na área de
saúde, uma vez que a região onde encontra-se o Instituto oferece raras oportunidade de
atendimento hospitalar – uma realidade que atinge grande parcela da população de baixa
renda no Brasil. A deficiência crônica na rede pública hospitalar submete a população a
sofrimentos inaceitáveis. A epidemia de dengue, ocorrida no Rio de Janeiro no ano de
2008, ilustra bem as mazelas da saúde pública
93
.
Partindo desta dificuldade de acesso ao tratamento na área de saúde e da
importância da prevenção, o Instituto idealizou o projeto Saúde em Campo com o
objetivo de aproveitar as potencialidades do esporte e promover a conscientização dos
educandos e de seus familiares da importância da adoção de comportamentos e hábitos
saudáveis. A partir do modelo de atenção biopsicossocial em saúde, que proporciona
uma visão integral do ser e compreende as dimensões física, psicológica e social, o
91
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/programas_toquedemestre.asp, acessado em 15/01/08.
92
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/programas_saudeemcampo.asp, acessado em 15/01/08.
93
Divulgando dados da Secretaria Estadual de Saúde, o JB ONLINE informa que “até o dia 20 de agosto,
o Estado do Rio de Janeiro notificou 230.860 ocorrências da doença, com 162 mortes confirmadas e 142
sob investigação” (http://jbonline.terra.com.br/extra/2008/08/20/e200830902.html, acessado em
23/08/08).
101
Saúde em Campo tem como lema a frase “valorizando a saúde para vencer em todos os
campos”.
O projeto trabalha em parceria com uma universidade âncora e desenvolve
atividades como orientação sobre noções básicas de saúde e higiene, prevenção ao uso
de drogas, das DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e gravidez precoce,
atendimento odontológico, combate ao sedentarismo e à obesidade, melhoria
psicomotora, educação nutricional, descoberta dos valores do esporte e do civismo,
bem-estar na convivência familiar e social, dentre outras ações de promoção da saúde e
da qualidade de vida.
A captação dos educandos para os projetos é feita de três formas: por meio do
dinamizador comunitário, funcionário do Instituto que mora em uma das comunidades
atendidas e “representa a comunidade no Instituto e o Instituto na comunidade”
94
; por
meio da parceria com as escolas da região; e, mais recentemente, a partir dos dados
contido no relatório do Censo Muquiço 2008. A criança, acompanhada do pai ou
responsável, ou o adolescente que procura o Bola Pra Frente, é encaminhado para o
Núcleo de Atendimento Comunitário, onde é cadastrado e, caso esteja dentro do perfil
atendido pelo Instituto, é matriculado de acordo com a disponibilidade de vagas.
4.4 Organização metodológica
95
O Instituto Bola Pra Frente acredita que a transformação da sociedade passa,
inevitavelmente, pelo protagonismo social. E este protagonismo não acontece depois
que o programa está pronto, bastando convidar o público beneficiário para a sala de aula
e começar a falar sobre a importância de ser protagonista da sua própria história. O
empoderamento, na expressão de Paulo Freire, acontece à medida em que todos os
atores participam de forma ativa.
A partir de 2003, com a formação de um corpo técnico, as atividades do Instituto
começam a ganhar o embasamento científico necessário, culminando com a formação
do Núcleo de Pesquisa em Inovação Social, que aconteceu em 2006, embora ainda não
tivesse este nome na época.
Em 2003, a metodologia para entendimento da realidade era a aplicação de
questionários sócio-econômicos, educativos e culturais, com mais de 50 perguntas
94
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
95
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
102
orientadoras dirigidas às crianças e adolescentes, bem como seus familiares. A partir
destes questionários eram levantadas as principais demandas sociais e os projetos eram
elaborados para atender às demandas detectadas.
No final de 2005, o Bola Pra Frente começou a delinear um novo formato de
intervenção social. Tendo como base as teorias de Eduardo Marino, foi constituída uma
Comissão Permanente de Avaliação para elaboração de um marco zero. Segundo
Marino (2003:24), marco zero “é a análise situacional da realidade pelos diferentes
atores envolvidos”.
Este modelo inicial foi ampliado, agregando os conceitos de gestão social e
planejamento estratégico/participativo de Tenório, e o modelo de construção de
indicadores de Valarelli, além das contribuições e adaptações da equipe do Instituto
Bola Pra Frente, por conta da especificidade do trabalho com esporte educacional.
O programa Esporte em Ação Social tem como objetivo geral “proporcionar, por
meio do esporte educacional, o desenvolvimento integral do público beneficiário,
fomentando a mudança de comportamento e o protagonismo social”
96
. Seus objetivos
específicos são:
- impactar favoravelmente o desenvolvimento sócio-educacional do público
beneficiário.
- desenvolver a melhoria da qualidade de vida do público beneficiário através de
atividades preventivas que priorizem o bem-estar biopsicossocial.
- criar estratégias que favoreçam a construção de valores a partir da
conscientização ético-moral do público beneficiário.
- oferecer atividades sócio-educativas que promovam o acesso a bens culturais,
manifestações artísticas, esportivas e de lazer e a geração de emprego e renda aos
educandos e seus familiares.
- assegurar a legitimação da aprendizagem dos conteúdos pedagógicos
desenvolvidos nos projetos.
- potencializar o desenvolvimento das ações através de um ambiente favorável
ao compartilhamento de experiências entre os diversos atores.
- qualificar o público beneficiário com vistas à inserção profissional.
96
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/quemsomos_perfil.asp, acessado em 15/01/08.
103
Embora esses objetivos possam se encaixar na realidade de muitas comunidades,
eles foram feitos sob medida para o trabalho desenvolvido no Instituto Bola Pra Frente,
no Complexo do Muquiço, elaborados não em uma sala, mas a partir de perguntas-
chave feitas por educandos, líderes comunitários, funcionários e parceiros do Instituto,
poder público e rede de serviços locais. São objetivos legitimados e democráticos,
construídos a partir de uma organização metodológica com passos bem definidos,
conforme descrito a seguir.
Para alcançar resultados e impacto na área social é preciso unir os sentimentos
humanitários a procedimentos técnicos de atuação. Como o “campo de estudos do
terceiro setor é uma das áreas mais novas e verdadeiramente multidisciplinares das
Ciências Sociais” (FALCONER, 1999:1), o grande desafio que se impõe na busca das
melhores práticas, em especial no enfoque organizacional, é construir um campo novo
de conhecimento, o que acaba passando pela importação de conhecimentos do segundo
setor. Neste aspecto, destaca-se o trabalho de Tenório, que faz a distinção entre gestão
estratégica e gestão social
97
, enfatizando o modelo deliberativo da segunda, e de
Valarelli, que oferece uma significativa contribuição na construção participativa de
indicadores.
A construção do marco conceitual
O primeiro passo do Instituto Bola Pra Frente para atualizar os seus programas
sociais, como foi feito com o Esporte em Ação Social, ou aplicar a sua metodologia em
outros locais é identificar a sua “razão de ser”. Perguntas como “quem somos?”, “o que
fazemos?” e “por que fazemos?” servem para orientar este processo.
97
Para Tenório, gestão estratégica é: “Um tipo de ação social utilitarista, fundada no cálculo de meios e
fins e implementada através da interação de duas ou mais pessoas, na qual uma delas tem autoridade
formal sobre a(s) outra(s). Por extensão, este tipo de ação gerencial é aquele no qual o sistema-empresa
determina as suas condições de funcionamento e o Estado se impõe sobre a sociedade. É uma combinação
de competência técnica com atribuição hierárquica, o que produz a substância do comportamento
tecnocrático. Por comportamento tecnocrático entendemos toda a ação social implementada sob a
hegemonia do poder técnico ou tecnoburocrático, que se manifesta tanto no setor público quanto no
privado, fenômeno comum às sociedades contemporâneas. (TENÓRIO apud ANDRADE 2006:69) Com
relação à gestão social, Tenório afirma: No contexto da gestão social orientada pela racionalidade
comunicativa, os atores, ao fazerem suas propostas, não podem impor suas pretensões de validade sem
que haja um acordo alcançado comunicativamente e no qual todos os participantes exponham suas
argumentações. Existe argumento quando os requisitos de validade se tornam explícitos em termos de até
que ponto podem ser oferecidas boas razões para eles, em lugar da coação ou da força. Estes argumentos
são expostos através da razão, do conhecimento, portanto, discursivamente. Quem fala expõe suas idéias
de maneira racional e quem ouve reage tomando posições motivadas também pela razão. (TENÓRIO,
apud ANDRADE 2006:70)
104
No caso do Instituto foram identificadas duas “razões de ser”, em consonância
com a visão do seu fundador Jorginho: o futebol e o cristianismo. Era preciso então
definir futebol e cristianismo para o Bola Pra Frente. O futebol, por exemplo, não era o
de alto rendimento que marcou a trajetória do Jorginho e que pode abarcar várias
percepções: um desporto coletivo, um jogo, um momento de lazer, a oportunidade de
ficar famoso, talento, sorte, paixão nacional; e o cristianismo não tinha a ver com pregar
uma religião ou defender determinada denominação ou igreja. O importante era extrair
destes temas as motivações para a criação do Instituto e transformá-las em conceitos
norteadores das atividades, ou seja, a sua matriz ideológica
98
.
A criação destes conceitos foi feita a partir do Comitê Permanente de Avaliação
(CPA), que conta com associados (funcionários) do Instituto, incluindo o dinamizador
comunitário, que representa o Complexo do Muquiço. Após a leitura da bibliografia
relativa a este tema, foram escolhidos dois pesquisadores em cada área. Para falar sobre
futebol, o grupo contou com a participação do sociólogo e professor da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Mauricio Murad; e para falar sobre cristianismo foi
convidado o teólogo e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Eduardo Rosa
Pedreira.
Foi feita, então, uma dinâmica para a construção do marco conceitual, que
compreendeu o seguinte processo: escolha de um facilitador para orientar a dinâmica e
registrar as idéias em um quadro branco; registro das idéias, quando todos do grupo
expressam o que pensam sobre o tema; levantamento das idéias em comum, que são
agrupadas; eleição das cinco palavras finais que vão compor o texto; e, por fim, a
redação do texto final.
No caso do futebol, por exemplo, o CPA elegeu as palavras abaixo, que vieram
do grupo de palavras listadas na frente:
1. Lúdico _brincadeira, jogo, competição, esporte, lazer, prazer,
emoção, liberdade.
2. Linguagem ___símbolo, cultura, competência individual, arte.
3. Promoção social __ oportunidade, social, inclusão, coletivo, ligar
pessoas.
4. Valores __ raízes, história, política, regras, adaptação, vitória,
importante, organização social.
5. Contradição humana__ inclusão/exclusão, exclusão, vida.
98
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
105
Por fim, veio a definição do que é futebol para o Instituto Bola Pra Frente:
linguagem lúdica universal, que traduz as contradições humanas, possibilitando a
construção de valores em uma perspectiva de promoção social. A matriz ideológica é
composta ainda do que é cristianismo para o Instituto Bola Pra Frente: aquele cuja
conduta propaga valores de fé e amor a Deus, a si e ao próximo
99
. A partir da matriz
ideológica elabora-se o marco conceitual, que é um texto com a síntese dos princípios
que norteiam a instituição.
O planejamento estratégico/participativo
A partir da construção da matriz ideológica e do marco conceitual foi feito o
planejamento estratégico ou participativo, isto é, o “planejamento voltado para a visão
ampla, global, e de longo alcance da organização, baseada na análise do contexto” e que
deve ser feito de tempos em tempos (TENÓRIO, 2005:28).
Para Tenório, o planejamento estratégico é “um processo de aprendizado e
integração que visa a fazer com que os membros da organização compartilhem idéias a
respeito de seus rumos (TENÓRIO, 2005:29). Por isso, o planejamento, assim como
todas as ações de uma ONG, deve ser inclusivo e dialógico. O processo de
planejamento, segundo Tenório, contempla as seguintes etapas: definição da missão,
análise do contexto externo, análise do contexto interno, definição de objetivos,
definição de estratégias e redação ou elaboração do plano.
Não faz parte do objeto deste estudo, aprofundar cada etapa do planejamento
estratégico
100
; cabe ressaltar a experiência do Instituto Bola Pra Frente e salientar a
importância da construção do marco conceitual, antes de dar início ao planejamento. A
experiência do Instituto na definição da sua missão pode ilustrar a utilização em
conjunto destas duas ferramentas.
Segundo Tenório (2005:30), “missão é a finalidade, a razão de ser, a mais
elevada aspiração que legitima e justifica social e economicamente a existência de uma
organização e para a qual devem se orientar todos os esforços.” No caso do Instituto
Bola Pra Frente, após a definição da matriz ideológica e do marco conceitual, foi feita a
releitura da missão.
99
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
100
O modelo de planejamento estratégico/participativo, proposto por Tenório, está descrito em Gestão de
ONGS. Principais funções gerenciais. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getulio Vargas, 2005.
106
Inicialmente, a missão do Instituto era assim definida: “tirar a criança da rua e a
rua da criança”. Esta missão, apesar de não remeter apenas ao combate à ociosidade,
não conseguia expressar com clareza o que seria “tirar a rua da criança”. Após o marco
conceitual, ficou bem fácil escrever a missão do Instituto, uma vez que, tanto a
definição de futebol quanto de cristianismo, traz a palavra “valores”. Assim a missão foi
reescrita, para: “educar crianças, adolescentes, jovens e suas respectivas famílias para o
protagonismo, utilizando o esporte como principal ferramenta impulsionadora da
construção de valores em prol da promoção social”.
Análise do contexto externo
Segundo Tenório (2005:32), contexto externo “são instituições e aspectos da
sociedade que afetam nossa organização”. É necessário identificar quem ou que
influencia a organização e que tipo de influência é essa. A análise do contexto externo
pode ser classificada em diversos contextos: tecnológico, político, econômico,
jurídico/legal, sociocultural, demográfico, ecológico (TENÓRIO, 2005:34).
No caso do Bola Pra Frente, com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre
as comunidades atendidas e devido à falta de informações atualizadas sobre a região por
parte do poder público, optou-se por realizar um censo demográfico. Ao final, além de
um levantamento completo dos contextos demográfico e sociocultural da região, o
censo, tal como foi feito, permitiu ainda avaliar o impacto social do Bola Pra Frente.
Realizado entre janeiro e março de 2008, o Censo Muquiço foi inspirado pelos
padrões do censo demográfico realizado pelo SESC-Rio em convênio com o
Observatório de Favelas no Morro do Estado, em Niterói. O Censo Muquiço 2008
contou com a participação de recenseadores das próprias comunidades atendidas pelo
Instituto Bola Pra Frente. Foram sete moradores, um para cada comunidade; ao final,
percebeu-se que uma das comunidades não se identificava como Complexo do
Muquiço, o que permitiu uma melhor delimitação do trabalho do Instituto.
Além dos sete recenseadores, integraram a equipe do censo contou mais sete
profissionais: o dinamizador comunitário, uma geógrafa, um cientista social, um
estatístico, um digitador, um coordenador e um supervisor de campo
101
.
A ação teve início com a capacitação dos recenseadores. Foi feito um
treinamento com os associados do Instituto para que pudessem aplicar o questionário de
101
Instituto Bola Pra Frente, Censo Demográfico do Complexo do Muquiço, 2008, pág 17, mimeo.
107
maneira rápida, objetiva e clara. Os recenseadores receberam orientações quanto à
abordagem aos moradores e às estratégias para conseguir o máximo aproveitamento do
trabalho a ser realizado. Uma estratégia adotada foi presentear os moradores que
respondessem o censo no tempo determinado com canetas, blocos e chaveiros,
otimizando o tempo de trabalho e angariando a simpatia de todos. Os recenseadores
trabalharam com crachá e uniforme específico do censo, com a logomarca do Instituto
Bola Pra Frente, o que contribuiu para facilitar o acesso aos domicílios
102
. Antes do
trabalho de campo também foi feita a divulgação do censo 2008, com a distribuição de
3.000 panfletos.
O questionário continha 112 perguntas, voltadas para avaliação do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), renda per capta, ramo de trabalho predominante,
quantidade de moradores por faixa etária, quantidade de moradores por gênero,
escolarização dos moradores, características gerais dos moradores (raça, religião,
naturalidade etc), preferências esportivas, moradores contribuintes do INSS, domicílios
contribuintes do IPTU, tipo de arruamento, amostra sócio-cultural, avaliação de serviços
públicos e avaliação de impacto do Instituto Bola Pra Frente.
Após a aplicação dos questionários, os recenseadores foram instruídos a realizar
a crítica do formulário, destacando as opções escolhidas com uma caneta vermelha na
lateral do formulário, agilizando assim o trabalho do digitador na informatização dos
dados. Simultaneamente, a equipe técnica (estatístico, geógrafa, cientista social,
coordenador, supervisor e digitador) se reunia para avaliar o andamento do trabalho,
analisar os questionários, identificar fatores relevantes e organizar o material de
pesquisa. A avaliação de impacto do Bola Pra Frente foi realizada no fim do
questionário, com nove perguntas dedicadas aos egressos (ex-educandos) do Instituto.
Coube ao dinamizador comunitário a tarefa de coordenar a aplicação dos
questionários, facilitando o acesso aos moradores e informando sobre a situação das
comunidades, uma vez que o censo aconteceu em um momento de muitos conflitos e
102
Alguns moradores estranharam a presença dos recenseadores, pensando tratar-se de uma ação de
milícias ou de políticos. O uniforme ajudou a “abrir as portas”, segunda a recenseadora Elinete Pereira de
Avelar. Na comunidade da Coréia, por exemplo, alguns moradores até jogavam a chave da portaria para
ela entrar. No geral, a aceitação foi excelente. Os recenseadores foram recebidos com cordialidade e
convidados para um cafezinho. Houve, no entanto, casos em que questionaram se o Jorginho estava se
candidatando a algum cargo político e aqueles que reclamaram do trabalho desenvolvido no Instituto. Em
Guadalupe e na Washington Vila não houve uma identificação com o termo Muquiço: “não aceitaram o
trabalho e nos ofenderam, a ponto de chamarem a polícia, pois lá não é Muquiço”, contou a recenseadora
Luciene de Souza.
108
tiroteios em função das intervenções feitas na área pela Polícia Militar. O coordenador
também teve uma atuação fundamental para o bom andamento do trabalho do cientista
social e da geógrafa.
O cientista social teve como responsabilidade identificar os movimentos
culturais das comunidades, utilizando-se do método de história oral. A geógrafa foi
responsável pela identificação da organização geográfica, política e econômica da
região, reconhecendo ruas limítrofes, área de expansão, nomes das localidades, dentre
outras, e produzindo mapas a partir destas análises.
No total, foram feitas 1.358 entrevistas. Após a digitação e o tratamento
estatístico dos dados, a conclusão do trabalho se deu com a produção de artigos que
contemplaram as análises geográfica, social e estatística, além das experiências de
campo dos recenseadores e do dinamizador comunitário. Deste modo, a compreensão
do público beneficiário foi rigorosamente detalhada e serviu como subsídio no processo
de atualização do programa Esporte em Ação Social e de qualquer outra ação do
Instituto.
Plano setorial e planejamento tático e operacional
Para clarear melhor o processo de desenvolvimento das ações do Instituto Bola
Pra Frente, pode-se afirmar que elas seguem as seguintes etapas:
Análise de contextos
Planejamento tático e operacional
Política Global
Matriz Ideológica
Plano Global
Marco conceitual
Plano Setorial
Objetivos e Estratégias
Programa
Projetos
109
Uma vez definidos a política e o plano global e realizada a análise dos contextos
pertinentes, é necessário elaborar o Plano Setorial, composto pelos objetivos e
estratégias a serem utilizados pela instituição. Entende-se por objetivos “propósitos
específicos, alvos a serem atingidos ao longo de determinado período de tempo, que, em
conjunto, resultarão no cumprimento da missão da organização” (TENÓRIO, 2005:36).
Entende-se por estratégias “caminhos escolhidos que indicam como a organização
pretende concretizar seus objetivos e, conseqüentemente, sua missão” (TENÓRIO,
2005:36). Já os níveis tático e operacional de planejamento estabelecem objetivos mais
detalhados: o tático especifica os objetivos e as estratégias para cada atividade da
instituição no médio prazo e o operacional os objetivos e as estratégias para cada área
da instituição no curto prazo
103
(TENÓRIO, 2005:41).
Construção de indicadores
Na elaboração do seu plano setorial e no planejamento tático e operacional, o
Instituto Bola Pra Frente inspira-se nas teorias de Leando Lamas Valarelli. Diante do
desafio de construir um modelo de avaliação democrático, Valarelli fez uma reflexão
sobre a construção de indicadores
104
, enfatizando, inicialmente, a dificuldade dos
movimentos sociais com aquilo que consideram “mera imposição de inspiração
neoliberal por parte dos agentes da cooperação” (VALARELLI, 2001:11).
Segundo Valarelli, as exigências e o controle sobre a perfomance das
organizações e a busca por “informações sintéticas, densas, rápida e facilmente
assimiláveis e capazes de produzir conceitos” fazem parte da sociedade em que
vivemos. Como as instituições sociais podem lidar com este fato? Para promover uma
reflexão sobre esta questão, Valarelli reporta-se às palavras de Amartya Sen, prêmio
Nobel de Economia de 1998:
O IDH (...) baseado, como está, em três componentes distintos:
indicadores de longevidade, educação e rendimento per capita, não
se centra exclusivamente na riqueza econômica (...) devo admitir que
103
Tenório (2005:41) sugere que o planejamento estratégico seja feito para durar de cinco a dez anos
(longo prazo), já o planejamento no nível tático deve ser pensado para dois ou três anos (médio prazo) e o
nível operacional para seis meses a um ano (curto prazo).
104
A construção de indicadores proposta por Valarelli é baseada em modelos como o “Marco Lógico”,
geralmente tomado como método ZOPP (Planejamento de Projetos Orientados para Objetivos), mas não
são a mesma coisa; “Marcos do Desenvolvimento de Base da IAF – Fundação Interamericana” e “PIM”
(Project Impact Monitoring) ou Monitoramento Participativo do Impacto.
110
inicialmente não vi muito mérito no IDH em si mesmo, o qual, por
acaso, tive o privilégio de ajudar a projetar. Primeiramente, exprimi a
Mahbub ul Haq, o criador do Relatório de Desenvolvimento
Humano, grande ceticismo sobre a tentativa de se concentrar num
índice imperfeito deste tipo, tentando captar num simples número
uma realidade complexa sobre o desenvolvimento humano e a
privação. (...) Mahbub persuadiu-se a si mesmo que o domínio do
PIB (um índice utilizado em excesso e vendido acima do seu valor,
que ele queria suplantar) não seria quebrado por um conjunto
qualquer de quadros. (...) Precisamos de uma medida, reclamou
Mahbub, do mesmo nível de vulgaridade do PIB - apenas um
número, mas uma medida que não seja cega aos aspectos sociais da
vida humana como é o PIB. (...) Mahbub conseguiu-o rigorosamente,
tenho de admitir, e fico satisfeito que não tivéssemos conseguido
desviá-lo da procura de uma medida imperfeita. (...) O índice
imperfeito falou alto e claro e recebeu uma atenção inteligente e,
através desse veículo, a realidade complexa contida no Relatório
encontrou também uma audiência interessada. (SEN apud
VALARELLI, 2001:13)
Valarelli enxerga os indicadores como ferramentas de avaliação, monitoramento
e gestão a serviço de práticas e programas sociais, que podem ser construídos por atores
da sociedade civil. Ou seja, mais do que permitir a aferição dos resultados, a construção
dos indicadores pode ser um importante exercício democrático.
Para Valarelli (2001:40), um bom sistema de indicadores, além de constituir um
instrumento de aprendizagem e desenvolvimento institucional, apresenta, entre outras,
as seguintes características: coerência “com a visão e com a concepção que as
organizações e atores envolvidos e interessados têm sobre os objetivos centrais”, é
resultado de “negociação transparente e não impositiva dos diferentes interesses e
expectativas”, prioriza as particularidades do contexto, é desenvolvido “a partir de um
bom conhecimento da realidade na qual se vai intervir”, possui indicadores “bem
definidos, precisos e representativos dos aspectos centrais da estratégia do projeto, sem
ter pretensão de dar conta da totalidade”, é orientado para o aprendizado e estimula
novas reflexões, é “simples, capaz de ser compreendido por todos, e não apenas por
especialistas, sem ser simplista”, especifica meios de verificação, utiliza “fontes de
informações confiáveis”, é “compartilhado com os grupos e setores da população junto
aos quais a organização intervém, promovendo a sua participação e a construção de
parâmetros e indicadores próprios para monitorar e avaliar situações de seu interesse”.
A partir das teorias e reflexões de Valarelli o Instituto Bola Pra Frente
fundamentou a construção de objetivos e estratégias que serão aplicadas no
111
planejamento tático e operacional. A escolha do programa que será implementado
depende de variáveis que podem e devem ser consideradas como fatores fundamentais
para o desenvolvimento de projetos e atividades. Estas variáveis só serão legítimas se
surgirem da identificação das demandas sociais de todas as partes interessadas.
Todo o processo começa com as perguntas-chave. Elas cumprem o papel de
apontar as necessidades de atores sociais influentes, que podem interferir no processo de
perseguição dos objetivos, no processo de estabelecimento do projeto social e com
capacidade para legitimar a sua atuação. É elaborada uma listagem daqueles que estão
comprometidos com as ações futuras do programa, como educandos, pais e
responsáveis, líderes comunitários, associados (funcionários) do Instituto, parceiros e
patrocinadores, escola, órgãos do poder público (posto de saúde, serviço social etc),
dentre outros
105
.
Devem constar dessa listagem aqueles que, na avaliação do Instituto, estão mais
comprometidos com o sucesso do programa. Por exemplo, os pais e responsáveis dos
educandos têm interesse que o programa atinja os resultados esperados. A seleção do
pai ou da mãe que vai formular a pergunta-chave deve considerar, por exemplo, o nível
de participação nas atividades do Instituto, dando prioridade àqueles que estão mais
presentes. Dentre os parceiros, por exemplo, aqueles que mais investem tanto verba
quanto tempo nas atividades do Instituto estão mais aptos para fazerem a pergunta-
chave.
Os escolhidos são contatados e recebem explicação sobre o método de
construção de indicadores. É solicitado então ao participante que faça uma pergunta ao
programa. A abordagem se dá da seguinte maneira: “que pergunta você gostaria que
fosse respondida ao fim das ações do nosso programa social?”
O critério de escolha da pergunta-chave precisa ser rigoroso, pois estas
perguntas irão conduzir o processo de elaboração de todas as ações da instituição.
Várias perguntas são coletadas e depois organizadas pelo Núcleo de Pesquisa em
Inovação Social do Instituto. Algumas são bem semelhantes e outras até coincidentes;
há uma ou outra que foge à missão da instituição, mas a maior parte das perguntas são
aproveitadas. No caso do Instituto, as perguntas que deram origem aos objetivos
específicos surgiram das perguntas-chave abaixo:
105
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
112
- Como saber se os alunos aprenderam os conteúdos pedagógicos ministrados?
Educando do projeto Campeão de Cidadania.
- Que impacto de promoção social o Bola Pra Frente provocou na vida das famílias do
Muquiço? Profissional do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).
- Como construiu valores para a vida dos educandos? Associado - profissional de
educação física.
- Como o Bola Pra Frente preparou os jovens para o mercado de trabalho? Líder
Comunitário e Parceiro do Instituto.
- Como identificar o alcance dos objetivos? Associado - profissional de educação.
- Como garantiu a melhora na qualidade de vida dos educandos? Associado -
profissional de serviço social.
- O que o Bola Pra Frente fez para as crianças não caírem na marginalidade? Batalhão
da Polícia Militar.
Cada pergunta, após tratada tecnicamente, transformou-se em um indicador, ou
seja, em um mecanismo de mensuração dos resultados que o programa alcançou. Ao
fim da implementação do programa essas perguntas precisam ser respondidas. Para
exemplificar o processo de transformação de cada pergunta-chave em um indicador,
utilizaremos o exemplo da pergunta coincidente, feita tanto pelo líder comunitário
quanto pelo parceiro do Instituto.
A pergunta-chave a ser respondida pelo programa é como o Bola Pra Frente
preparou os jovens para o mercado de trabalho? Desta pergunta, surgiu o objetivo
específico: qualificar o público beneficiário com vistas à inserção profissional. Para
tanto, é preciso percorrer as etapas do quadro abaixo
106
:
106
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
Objeto
Pergunta
Chave
Variáveis Indicador
Tipo de
Fonte
Unidade
de Medida
Unidade
de Análise
Freqüência Instrumento
113
Objeto
O objeto é a ferramenta que irá permear e proporcionar as construções seguintes;
é o tema gerador de tudo que irá acontecer. No caso do Instituto Bola Pra Frente, o tema
gerador é o esporte educacional. Cabe ressaltar que, para além da visão e da carreira
esportiva do fundador Jorginho, o esporte, em especial, o futebol é um fator de destaque
nas relações sociais do Complexo do Muquiço. O Censo Muquiço 2008 mostrou que o
futebol é um elemento agregador na região, tendo grande representatividade junto às
lideranças locais – tanto dos líderes do “bemquanto daqueles ligados à criminalidade.
O cientista social Pedro Pio, por meio da história oral, levantou os relatos abaixo (Censo
Muquiço 2008):
Além dessa rede de sociabilidade, as lideranças comunitárias (...)
também advêm da paixão por esse esporte. É o que nos revela em
uma das declarações de seu Neném [líder comunitário]: “Eu só sei
viver do futebol. Eu tenho cinco filhos homens e todos eles são do
futebol”. (...) entre os anos de 1982 e 1983, Berreco larga o seu
emprego, entrando para o mundo da ilegalidade, ao passo que
conseguia prestígio, poder, dinheiro e mulheres. (...) Inclusive, além
de patrocinador e dono do Coreal, Berreco também cumpria o papel
de jogador, assim como o Catanha, dono do time Atília. A prova da
força do futebol no Complexo do Muquiço pode ser revelada com a
quantidade de times que existiam na época. Além dos dois
mencionados, havia também o Cruzeirinho, o Rola Bola, o Colorido,
o Nós Somos Assim e o Veterano. Vale ressaltar que a única
semelhança de Catanha com Berreco é a paixão pelo futebol. Catanha
foi um dos grandes reveladores de verdadeiros jogadores de futebol,
como o Donato
107
e o Jorginho. (PIO, 2008:42)
Essa rede de sociabilidade promovido pelo futebol, da qual Jorginho também faz
parte, amplia as possibilidades de utilização do esporte como ferramenta de promoção
social. A escolha do objeto requer um estudo profundo e sistemático das possibilidades,
para que o objeto escolhido tenha a abrangência necessária para não limitar as ações.
Uma vez definido o objeto, são elencadas as perguntas-chave que são
pertinentes, como é o caso da pergunta feita tanto pelo líder comunitário quanto por um
parceiro do Instituto:
107
Ex-jogador da seleção espanhola de futebol.
114
Variáveis
Após a definição da pergunta-chave é o momento de avaliar quais as
necessidades existentes para responder a essa pergunta com ações. A definição das
variáveis precisa contemplar todos os aspectos necessários no alcance desta
necessidade, neste caso:
Indicador
Listadas as necessidades para transformar a pergunta em uma ação, define-se o
indicador, que, enquanto termômetro da ação e precisa ser o mais tangível possível para
que o acompanhamento seja efetivo. No caso em questão:
Tipo de Fonte
Traçado o indicador, é preciso decidir como as informações serão coletadas,
através de quem, o tipo de fonte que teremos para formalizar a informação,
possibilitando a avaliação da eficiência das ações. A fonte é a pessoa que irá extrair
Objeto Pergunta-Chave
Esporte
Educacional
Como o Bola Pra Frente preparou os jovens para o mercado de
trabalho?
Variáveis
- Profissional qualificado
- Parcerias para encaminhamento dos jovens
- Recurso material
- Estrutura Física
- Capacitação permanente dos profissionais
- Condição escolar (idade compatível à série)
- Fundamentação filosófica
Indicador
N° de jovens inseridos profissionalmente
115
essas informações da unidade de análise, neste caso, o técnico - um agente responsável
pela obtenção das informações:
Unidade de Medida
Que tratamento dar às informações fornecidas pelo técnico? Esta unidade
especifica a medida que será utilizada; as categorias, escalas e parâmetros que conferem
concretude e operacionalidade ao indicador (VALARELLI, 2001:31). Que escala será
utilizada para classificar o número de encaminhamentos, no caso do Instituto? É
possível classificar em até cinco níveis, de 0 a 5, por exemplo; ou por conceitos como
“Muito bom”, “Bom”, “Razoável” e “Ruim”; é possível também utilizar uma
terminologia própria, como no caso do Instituto: “Bola na rede”, “Bola na área”, “Bola
na trave” e “Bola fora”. Cabe à equipe técnica definir o quantitativo necessário para
cada um destes conceitos. Se o projeto conseguir encaminhar acima de 70% dos jovens,
por exemplo, pode ser aplicado o conceito “Muito bom” ou “Bola na rede”; de 50 a
70%, por exemplo, “Bom” ou “Bola na área” e assim por diante.
Unidade de Análise
Trata-se da definição da unidade sobre a qual serão construídas e comparadas as
medidas: indivíduos, organizações, comunidades etc. (VALARELLI, 2001:31). No
exemplo do Instituto, a unidade de análise são os educandos. É sobre o número de
encaminhamentos de educandos que será avaliado o desempenho do indicador.
Tipo de Fonte
Técnico
Unidade de Medida
- Bola na rede
- Bola na área
- Bola na trave
- Bola fora
116
Freqüência
Trata-se da definição da periodicidade necessária para levantar as informações e
registrar as mudanças esperadas. No caso do Instituto, a freqüência de avaliação do
indicador em questão é anual.
Instrumento
Por fim, é necessário definir o instrumento que permitirá a avaliação do
indicador: questionário, formulário, observação, dentre outros. No caso deste indicador,
o Instituto optou em utilizar como instrumento um relatório de inserção no mundo do
trabalho.
Temos então a seguinte tabela final, que reúne todos os indicadores acima
elencados
108
:
108
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
Unidade de Análise
Educandos
Freqüência
Anual
Instrumento
Relatório de inserção no mundo do trabalho
117
Assim termina o processo de construção dos indicadores e a equipe técnica passa
à definição dos objetivos geral e específicos do programa em questão. Feito isso, inicia-
se o processo de escolha dos projetos capazes de responder às demandas sociais
levantadas.
Segundo Ávila (2001:41), o programa é “um conjunto de projetos que buscam o
mesmo objetivo”, e para a ONU (apud Ávila, 2001:41), um projeto é “um
empreendimento planejado que consiste num conjunto de atividades inter-relacionadas e
coordenadas para alcançar objetivos específicos dentro dos limites de um orçamento e
de um período de tempo dados”.
O Instituto Bola Pra Frente possui, na sua estrutura organizacional, uma
Comissão Permanente de Avaliação (CPA) que é responsável pela tarefa de avaliar os
projetos candidatos aos seus programas. A CPA é composta por representantes das
diversas áreas do Instituto (Diretoria, Gerência de Projetos Sociais, Núcleo de Pesquisa
em Inovação Social, Operações e Desenvolvimento Institucional), incluindo o
dinamizador comunitário, que representa as comunidades atendidas.
A matriz de responsabilidade da CPA é assim definida: representar os interesses
de todas as áreas do Instituto Bola Pra Frente junto aos programas sociais em reuniões
mensais; harmonizar interesses para promover a revisão dos programas; avaliar e
aprovar ou deferir projetos externos e/ou internos candidatos aos programas sociais; e
debater alternativas para a sustentabilidade dos programas e projetos do Instituto. O
processo de aprovação de projetos, a ser conduzido pela CPA, deve considerar sua
118
consonância em relação aos objetivos, metodologia e avaliação estabelecida pelo
programa, de modo que o conjunto de projetos do programa seja capaz de cumprir seu
objetivo geral
109
. O tratamento dos projetos é realizado segundo as diretrizes a seguir:
1. O projeto candidato deverá passar pela Comissão Permanente de Avaliação, que
identificará se os seus objetivos, metodologia, avaliação e indicadores estão em
consonância com o programa. Caso esteja fora dos padrões e normas estabelecidas,
o projeto candidato é indeferido. Caso esteja de acordo com os padrões e normas
estabelecidas, o projeto candidato é aprovado.
2. O projeto aprovado passa à Gerência de Projetos Sociais para operacionalização. O
tempo previsto de operacionalização do projeto é de um ano.
3. Ao final desse ano, o projeto deverá ser avaliado pelo Núcleo de Pesquisa em
Inovação Social, que emitirá um parecer técnico das ações do projeto.
4. A Comissão Permanente de Avaliação julgará o parecer técnico para a manutenção
ou não do projeto dentro do programa.
O processo de aprovação e manutenção dos projetos sociais segue então o fluxo
representado abaixo:
Modelo de avaliação
Além do modelo de avaliação processual e de resultados construído a partir das
perguntas-chave, o Instituto Bola Pra Frente, a partir do seu Núcleo de Pesquisa em
Inovação Social, avalia um grupo de indicadores que contemplam dados como evasão,
109
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
Operacionalização
do Projeto na
Gerência de Projetos
Sociais
Avaliação do Projeto
pelo Núcleo de
Pesquisa em
Inovação Social
Aprovação/
Manutenção do
Projeto pela
Comissão
Permanente de
Avaliação
119
nível de presença, passando por aspectos pedagógicos, até aplicação de conceitos e
modelo de gestão. Estes indicadores geram o Balanço Social, agregando ainda o modelo
de balanço do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE)
110
. No
momento, o Núcleo de Pesquisa em Inovação Social está consolidando um modelo de
avaliação aplicável ao conceito de esporte educacional, utilizando estudo de grupo de
controle
111
.
Para avaliar o impacto social, o objetivo do Instituto é realizar o censo
demográfico a cada quatro anos.
4.5 Metodologia pedagógica
A partir do levantamento das demandas sociais e da construção dos indicadores
necessários ao atendimento destas demandas, é preciso analisar ainda o modelo de
desenvolvimento das ações dos programas e projetos. Além do modelo de gestão que
abrange as diferentes áreas do Instituto, englobando aspectos como recursos humanos,
orçamento, cronograma, organograma, processos, dentre outros
112
, o Instituto Bola Pra
Frente desenvolveu e consolidou uma metodologia própria, utilizada nas atividades
pedagógicas com os educandos.
A metodologia pedagógica proposta pelo Instituto Bola Pra Frente é voltada para
a realidade dos educandos, valorizando o seu contexto social e capacitando-os para o
protagonismo. Neste aspecto, o esporte, em especial o futebol, tem um papel
fundamental, à medida que rapidamente promove a identificação e a aceitação das
crianças e adolescentes. A partir dos conceitos de esporte educacional e inspirada
principalmente na filosofia educacional de Paulo Freire, a metodologia do Instituto
utiliza a linguagem do futebol para tornar o processo de aprendizagem mais prazeroso e
mais eficaz
113
.
110
Lançado em 1997, o Balanço Social do IBASE é basicamente quantitativo, de simples preenchimento
e considerado referência para produção de qualquer balanço social (http://www.balancosocial.org.br,
acessado em 12/12/07.
111
Entrevista com grupo formado por pessoas com o mesmo perfil do público beneficiário, para efeito de
comparação dos resultados obtidos na intervenção social.
112
Além do modelo de gestão social proposto por Tenório, o Instituto utiliza também, na área de recursos
humanos, o modelo de Gestão pelas Competências, desenvolvido na dissertação de mestrado Gestão
pelas Competências em ONGs como uma Alternativa de Gestão Social: Pesquisa-ação no Instituto Bola
Pra Frente, de Silvana Rodrigues de Andrade, Fundação Getulio Vargas, 2006.
113
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Apostila da metodologia pedagógica, 2008, mimeo. Fora
indicação específica, todas as informações deste item foram retiradas desta fonte.
120
A metodologia tem como estratégia utilizar a linguagem do esporte e a imagem
de atletas de renome para inspirar e motivar o público beneficiário, bem como trabalhar
os conceitos de craque, artilheiro e campeão vinculados ao desenvolvimento da
cidadania. O universo esportivo faz parte de todo o processo de aprendizagem,
começando pelo local das aulas, nomeado de “concentração”, que é onde os craques se
preparam para o jogo. Além das salas, as aulas também acontecem nos campos e nas
quadras.
O material didático é composto por “campos pedagógicos” e quadro com
“esquema do jogo”, além de apostila e vídeo-aula. É necessário ainda um quadro
branco, onde acontecem os “treinos do dia”.
O quadro “esquema do jogo” é comum a todos os projetos do Instituto: Craque
de Bola e de Escola, ARTilheiro e Campeão de Cidadania. Já os campos pedagógicos
são específicos para cada projeto e respeitam a fase de desenvolvimento própria de cada
faixa etária
114
.
As atividades do Instituto começam logo após o início do ano letivo das escolas,
com uma programação chamada “Semana de boas-vindas”, que visa à adaptação dos
educandos. No primeiro dia, as crianças são recebidas pelos associados do Instituto,
com palmas, cartazes e muitos balões. Os educandos conhecem os espaços, os
profissionais que compõem a equipe, o projeto em que vão estar inseridos e a
metodologia pedagógica do Instituto. Eles são apresentados tamm ao tema anual, que
é trabalhado em todas as atividades e que inspira-se em grandes eventos esportivos,
sempre enfatizando a inclusão social. Em 2007, por exemplo, inspirado nos Jogos
Panamericanos, o tema foi assim definido: “Todos juntos no primeiro lugar do pódio”.
A partir do tema anual, são trabalhados os direitos e deveres, a cidadania, a importância
da cooperação.
Ao término da semana de boas-vindas, começa então a aplicação da metodologia
de aula, de acordo com o planejamento pedagógico. O primeiro passo é o
preenchimento da carteira de “sócio-titular”, que torna o educando parte do time,
estimulando o senso de pertencimento e de responsabilidade com o Instituto. Um outro
conceito aplicado é o de capitão do time, com a diferença de que não existe um capitão
fixo e todos têm a oportunidade de vivenciarem esta experiência, fortalecendo a auto-
estima e, mais uma vez, o senso de responsabilidade dos educandos.
114
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Apostila da metodologia pedagógica, 2008, mimeo.
121
A cada dia é escolhido um capitão, de acordo com os critérios do educador, seja
por mérito do educando, por ordem alfabética ou indicação do capitão anterior. O papel
do capitão é ser um facilitador das ações diárias junto ao educador e aos demais
educandos. Os educandos menores, do Craque de Bola e de Escola, utilizam uma
braçadeira de capitão. A expressão time é sempre muito utilizada, evocando valores
como união, pertença, respeito às diferenças, amizade, busca de objetivos, dentre outros.
As aulas são divididas em quatro momentos: “aquecimento”, “esquema do jogo”,
“jogo” e “mesa redonda”.
O “aquecimento” é o primeiro passo a ser dado pelo educador. É o momento de
estimular o educando a falar sobre a sua vida e sobre suas experiências na família e na
escola, dando ao educador a oportunidade de conhecer melhor as crianças e
adolescentes e de levantar possíveis conflitos na comunidade. Este momento inicial tem
muita relevância para o trabalhador social, pois, muitas vezes, o educando pode ter
problema para se concentrar nas atividades em virtude da violência na sua comunidade
ou mesmo dentro da sua própria família.
Com o “aquecimento” feito, é hora do “esquema do jogo” (figura 1), um quadro
que auxilia o educador em três tarefas distintas: regras do jogo, escalação e placar.
Regras do jogo
As regras do jogo, que são as regras de convivência com o grupo, são
construídas durante a semana de boas-vindas pelos próprios educandos, estimulando-os
ao protagonismo, à autonomia e ao pensamento crítico. O formato da construção das
regras e a periodicidade de atualização são definidos pelo educador. Geralmente, o
processo começa com um bate-papo, no qual os educandos são estimulados a dizer o
que é e o que não é adequado fazer durante as atividades, exercitando a compreensão de
seus direitos e deveres. Terminado este processo, o educador escreve o que foi decidido
pela turma sobre o que não pode ser feito, como no exemplo abaixo:
NÃO OBEDECER O EDUCADOR.
FALAR PALAVRÃO.
BATER NO COLEGA.
SAIR DA SALA SEM AUTORIZAÇÃO.
122
O educador solicita então à turma que classifique cada atitude como “cartão
vermelho” (uma falta grave) e cartão amarelo (uma falta moderada). O cartão amarelo,
assim como no futebol, funciona como uma advertência; já o cartão vermelho não
significa expulsão e sim o cumprimento de uma sanção, que é escolhida pelos próprios
educandos, explicitando as conseqüências de suas ações. Uma das sanções comum,
eleita pelas crianças, é ficar uma aula sem jogar futebol. O educador intervem para que
as sanções tenham caráter educativo e ressalta que o cartão é dirigido para atitudes
inadequadas e nunca para o educando.
Escalação
Diariamente, após o “aquecimento”, o educador faz a escalação, que funciona
como uma “chamada” (lista de presença). O educando anexa o seu nome no quadro do
“esquema do jogo”, conforme vai sendo escalado pelo educador, que verifica se o time
está completo, detectando faltas e preenchendo o seu diário de classe.
Placar
O “placar” funciona como uma auto-avaliação, feita na periodicidade definida
por cada educador, com intervalo mínimo de uma semana. Esta auto-avaliação não
pode ser confundida com uma auto-sentença, sendo o educando obrigado a se avaliar.
Com base na avaliação mediadora de Jussara Hoffmann, a auto-avaliação para o
Instituto Bola Pra Frente não é uma ação burocrática, mas funciona como um processo
contínuo, que faz o educando refletir sobre as suas aprendizagens e condutas cotidianas.
A postura do educador é fundamental para o sucesso deste processo. Cabe a ela
desenvolver um diálogo com o educando, elaborando perguntas que estimulem a auto-
avaliação e gerem uma reação natural e espontânea. De acordo com Hoffmann
(2005:55), o papel do educador na avaliação mediadora é: “prestar-lhes atenção,
garantir-lhes condições de auto-reflexão e descobertas, conversar com eles passo a
passo, evitando o perigo das posturas defensivas e explicativas, são alguns caminhos
possíveis para promover o seu aprender a aprender.” Dentro do universo esportivo do
Instituto, após o diálogo entre educando e educador, a auto-avaliação é representada por
bolas de futebol. São três os conceitos adotados: três bolas significam que o educando
“bateu um bolão”; duas bolas significambola cheia” e, uma bola, “precisa treinar
mais”.
123
O “esquema do jogo” cumpre objetivos importantes na metodologia do Instituto,
trabalhando aspectos como autonomia, empoderamento e disciplina. Para Paulo Freire,
é indispensável a “constituição democrática da disciplina, mediada pelo diálogo”
(STRECK et al., 2008:141). Segundo o educador,
estudar é que-fazer exigente em cujo processo se dá uma sucessão de
dor, de prazer, de sensação de vitórias, de derrotas, de dúvidas e de
alegria. Mas estudar, por isso mesmo, implica a formação de uma
disciplina rigorosa que forjamos em nós mesmos, em nosso corpo
consciente. (FREIRE apud STRECK et al., 2008:141).
Figura 1: Quadro esquema do jogo
O jogo
Uma vez definido o “esquema do jogo”, é hora de “entrar em campo” para
realizar as atividades pedagógicas, específicas de cada projeto. Estas atividades são
feitas a partir dos campos pedagógicos.
Os campos pedagógicos
Um campo de futebol é o lugar onde acontecem os lances, as jogadas ensaiadas,
as faltas e os gols. É o espaço onde os jogadores treinam, formam uma equipe, erram e
buscam o acerto; onde são orientados e criam novas jogadas, se descobrem e se
124
desenvolvem. Os campos pedagógicos do Instituto Bola Pra Frente também representam
este espaço de descoberta do conhecimento e de crescimento pessoal.
Cada projeto tem o seu campo pedagógico específico, de acordo com a faixa
etária e estratégia educacional utilizada. Todos os campos são compostos de ícones
básicos e mais atividades personalizadas, de acordo com o foco do projeto. O campo do
Craque de Bola e de Escola, além dos ícones básicos, tem o alfabetário e a calculadora,
uma vez que este projeto concentra-se no apoio à alfabetização das crianças de seis a
nove anos. O campo do ARTilheiro tem ícones específicos, ligados à arte e cultura e, no
centro, a imagem de uma identidade com um espelho, enfatizando o trabalho de
construção da identidade das crianças e adolescentes de dez a 14 anos. O campo do
Campeão de Cidadania também tem ícones específicos, ligados ao mundo do trabalho e,
no centro, a imagem de uma carteira de trabalho com um espelho, simbolizando a busca
de novas perspectivas para os adolescentes de 15 a 17 anos.
Os ícones básicos
Os ícones dos campos pedagógicos foram criados com base nos temas
transversais sugeridos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), e têm o objetivo
de abordar estes temas de forma diversificada e criativa, aumentando a motivação e a
concentração dos educandos.
Os ícones básicos foram elaborados para auxiliar no processo crítico-criativo,
possibilitando aos educandos o contato com diversos assuntos e abordagens relevantes.
Eles são contextualizados e funcionam como uma corrente, na qual um tema
complementa o outro. Os ícones básicos ficam sempre localizados à direita de cada
campo, para que o educando possa reconhecê-los, através de todos os projetos do
programa Esporte em Ação Social. A cada semana é trabalhado um ícone, sempre na
seqüência específica; são eles: Atualidade, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
Educação Ambiental, Educação Artística e Saúde em Campo. Cabe frisar que este
último ícone é trabalhado diretamente nas aulas de esporte. A atividade começa com o
tema proposto pelo educador, trabalhado inicialmente com uma imagem, colada no
espaço à frente de cada ícone.
125
Este é o primeiro ícone presente na coluna dos ícones básicos, que desencadeia
todo o processo de aprendizagem. O globo terrestre simboliza a rotatividade dos
acontecimentos e remete aos fatos que estão em destaque. O educador escolhe um
desses acontecimentos, recortando imagens em jornais ou revistas, e propõe para os
educandos uma reflexão a partir do assunto escolhido.
Criado pela Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e
Adolescente (ECA) tem por finalidade a proteção e a garantia da integridade da criança
e do adolescente contra violência, maus tratos, abuso sexual, vexatório e constrangedor
entre outros; visando, por fim, assegurar a efetivação dos direitos referentes à vida:
saúde, alimentação, lazer, esporte, educação, cultura, convivência familiar e
comunitária. Para simbolizar este ícone foi utilizado o próprio estatuto, chamado por
sua sigla ECA. Este ícone foi criado com o objetivo de conscientizar os educandos de
seus direitos perante a sociedade e fazer com que eles, tendo o educador como
mediador, tirem o ECA do papel e o levem para o seu dia-a-dia.
Este ícone abre espaço para a sensibilização e a conscientização sobre a
importância do meio ambiente para o futuro do educando, da comunidade, do Estado,
do País e do planeta. Ele foi elaborado não apenas para gerar conhecimento, mas,
principalmente, para gerar mudança de hábitos.
A partir deste ícone é possível explorar de forma lúdica todos os ícones
aplicados anteriormente, exercendo a criatividade e estimulando novas formas de
expressão. Este ícone permite ao educando concretizar, por meio da arte, tudo o que foi
abordado durante o mês, além da oportunidade de aprender novas técnicas artísticas.
Estatuto da Criança e do Adolescente
Educação Ambiental
Atualidade
Educação Artística
126
A proposta deste ícone é proporcionar aos educandos conhecimento na área da
saúde, em busca da prevenção, tendo como parceiro o esporte. O objetivo é levar a
saúde para o campo ou quadra, e não apenas na sala de aula, para dinamizar as palestras
que serão ministradas por um profissional das áreas biomédica e de educação física.
Campo pedagógico do projeto Craque de Bola e de Escola
Além dos ícones básicos, o campo pedagógico do Craque de Bola e de Escola
(figura 2) é composto de um alfabetário, que auxilia no processo de alfabetização do
educando, e de uma calculadora, que estimula as atividades matemáticas. Partindo do
pensamento freireano de que “a alfabetização é um ato de conhecimento, de criação e
não de memorização mecânica.” (STRECK et al., 2008:33), o Instituto Bola Pra Frente
idealizou o alfabetário do esporte, que permite às crianças aprenderem a partir de dados
significativos. Este alfabetário é utilizado para registrar uma palavra através de sua
imagem, que é correlacionada à sua letra inicial, contribuindo assim para que os
educandos associem as figuras aplicadas no campo pedagógico às suas respectivas letras
e sons. Através deste processo, o educando constrói, de forma cognitiva, a ordem
alfabética.
As figuras utilizadas são imagens de atletas, times, objetos e modalidades
esportivas, que sejam facilmente reconhecidos pelas crianças. Este recurso incentiva
uma aprendizagem ativa, tanto visual quanto auditiva, proporcionando a abertura do
campo perceptual, ampliando o repertório do educando e construindo conceitos com
base no esporte.
A calculadora do campo pedagógico contém os números de 0 a 9 e também os
sinais de adição, subtração, multiplicação e divisão. Ela possibilita a simulação das
quatro operações básicas da matemática, de forma lúdica e dinâmica. O universo
esportivo permeia todo o processo de aprendizagem, fornecendo ao educador os
recursos necessários para esta atividade, como placar dos jogos, tabelas do
campeonatos, quadro de medalhas e número das camisas dos jogadores.
Saúde em Campo
127
Figura 2: Campo pedagógico do projeto Craque de Bola e de Escola.
Campo pedagógico do projeto ARTilheiro
Além dos ícones básicos, o campo pedagógico do ARTilheiro (figura 3) é
composto pela imagem de uma carteira de identidade, com espelho no espaço para foto,
e ícones específicos ligados à arte e à cultura. Os ícones específicos ficam à esquerda do
campo, não apenas para que haja um equilíbrio estético, mas principalmente para que os
educandos, ao mudarem de projeto, possam identificá-los, percebendo a diferença entre
os objetivos trabalhados.
Os ícones específicos são aplicados ao longo do mês e não é necessária que a
seqüência estabelecida nos ícones básicos. A cada ícone apresentado deverá ser afixada
uma figura ou foto referente ao assunto abordado. O campo pedagógico do ARTilheiro
possui cinco ícones específicos: Personalidade, História da Arte, Profissões, Meu
Mundo Cultural e Empreendedorismo.
Este ícone permite que o educador apresente ao educando uma personalidade do
mundo artístico. De acordo com a atividade artística escolhida pela turma (teatro,
artesanato, música, dança e audiovisual), o educador pesquisa a trajetória do artista,
buscando não apenas agregar conhecimento, mas também inspirar os educandos com
exemplos de vida.
Personalidade
128
A partir deste ícone, o educador poderá explorar a história da arte, abordando os
movimentos artísticos e enriquecendo o conhecimento cultural dos educandos. Este
ícone permite ainda desdobramentos práticos como produção de textos e trabalhos
artísticos.
O objetivo deste ícone é ampliar as perspectivas profissionais dos educandos,
começando a despertar o seu interesse pelo mundo trabalho, que será mais aprofundado
posteriormente, no projeto Campeão de Cidadania. Outro objetivo deste ícone é ampliar
o conhecimento sobre as diversas opções de trabalho dentro do mundo artístico, uma
vez que profissões mais conhecidas têm muita concorrência, despertando também
talentos para atividades de nível técnico, que oferecerem mais oportunidades futuras.
É comum as crianças e adolescentes de baixa renda enxergarem a arte e a cultura
como realidades distantes, não valorizando a sua comunidade e a sua própria cultura. A
partir deste ícone, os educandos são convidados a descobrir uma nova realidade cultural,
valorizando a sua comunidade e explorando as diversas possibilidades de expressão.
Este ícone permite vários desdobramentos práticos, como visitas a espaços culturais,
pesquisa de movimentos populares e utilização da história oral.
Ser empreendedor é executar algo novo, é descobrir possibilidades e “fazer
acontecer”. Este ícone tem como objetivo despertar o empreeendorismo dos educandos,
estimulando-os ao protagonismo.
História da Arte
Profissões
Meu mundo cultural
Empreendedorismo
129
Figura 3: Campo pedagógico do projeto ARTilheiro
Campo pedagógico do projeto Campeão de Cidadania
Além dos ícones básicos, o campo pedagógico do Campeão de Cidadania (figura
4) é composto pela imagem de uma carteira de trabalho, com espelho no espaço para
foto, e ícones específicos ligados ao mundo do trabalho. Para atingir os objetivos deste
projeto, o campo pedagógico do Campeão de Cidadania possui cinco ícones específicos:
Personalidade, Mundo Corporativo, Profissões, Jogos Empresariais e
Empreendedorismo.
Assim como no projeto ARTilheiro, este ícone permite que o educador apresente
ao educando uma personalidade, neste caso, ligada ao mundo do trabalho. O educador
pesquisa a trajetória do empresário ou empreendedor, buscando não apenas agregar
conhecimento, mas também inspirar os educandos com exemplos de vida.
Personalidade
130
Este ícone permite que o educador desenvolva no educando uma visão
direcionada ao mundo do trabalho, incentivando o desenvolvimento das competências
necessárias para ser bem-sucedido, como trabalho em equipe, iniciativa, boa
comunicação, dentre outras.
O objetivo deste ícone é ampliar as perspectivas profissionais dos educandos,
incentivando-os a planejarem seu futuro profissional e colocando-os em contato com
profissionais de diversas áreas, seja por meio de palestras ou visitas a empresas.
Este ícone específico tem como objetivo levar o educando a vivenciar, o mais
próximo possível, o mundo corporativo, simulando situações que acontecem no dia-a-
dia de uma empresa. A partir de situações propostas pelo educador, os adolescentes
podem testar suas reações, treinando assim sua capacidade de decisão, liderança e,
principalmente, a atitude ética.
Ser empreendedor é executar algo novo, é descobrir possibilidades e “fazer
acontecer”. Este ícone tem como objetivo despertar o empreeendorismo dos educandos,
estimulando-os ao protagonismo. No caso do Campeão de Cidadania, os adolescentes
são estimulados a criar projetos e pensar em como buscar financiadores, além de
atividades como elaboração de currículo, pesquisa de sites de emprego, dentre outras.
Mundo Corporativo
Profissões
Jogos Empresariais
Empreendedorismo
131
Figura 4: Campo pedagógico do projeto Campeão de Cidadania
Mesa redonda
Após a aplicação dos campos pedagógicos, as aulas são concluídas com a “Mesa
Redonda”. Nesta atividade, os educandos fazem um círculo e debatem sobre o “Jogo”.
A “Mesa Redonda” foi elaborada visando à socialização e a auto-avaliação (“placar”),
por isso a importância de sentarem em círculo para haver uma visão geral do grupo,
onde possam se relacionar.
Educação física
No Instituto Bola Pra Frente, as aulas de esporte são ministradas por professores
de educação física, dentro dos preceitos do esporte educacional e da pedagogia do
esporte.
O objetivo da educação física deve ser levar a criança a aprender a
ser cidadã de um novo mundo, em que o coletivo não seja
sobrepujado pelo individual; em que a ganância não supere a
solidariedade; em que a compaixão não seja esmagada pela
crueldade; em que a corrupção não seja referência de vida; em que a
liberdade seja um bem superior; em que a consciência crítica seja
patrimônio de toda pessoa. (...) A formação do cidadão de um novo
mundo só pode ser conseguida com a educação para a atitude
132
autônoma; afinal, quando estivermos maduros, seremos o somatório
das atitudes tomadas ao longo de nossas vidas. (FREIRE e
SCAGLIA, 2003:32)
Os educandos são inscritos em quatro modalidades principais – futebol, futsal,
voleibol e handebol, mas, em especial, as crianças do Craque de Bola e de Escola, de
seis a nove anos, são estimuladas a experimentar vários outros esportes, de forma
lúdica, como atletismo e basquete
115
. A concepção de cultura corporal fundamenta as
atividades esportivas do Bola Pra Frente, com base nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs).
A fragilidade de recursos biológicos fez com que os seres humanos
buscassem suprir as insuficiências com criações que tornassem os
movimentos mais eficazes, seja por razões “militares”, relativas ao
domínio e uso de espaço, seja por razões econômicas, que dizem
respeito às tecnologias de caça, pesca e agricultura, seja por razões
religiosas, que tangem aos rituais e festas ou por razões apenas
lúdicas. Derivaram daí inúmeros conhecimentos e representações que
se transformaram ao longo do tempo, tendo ressignificadas as suas
intencionalidades e formas de expressão, e constituem o que se pode
chamar de cultura corporal. Dentre as produções dessa cultura
corporal, algumas foram incorporadas pela Educação Física em seus
conteúdos: o jogo, o esporte, a dança, a ginástica e a luta. Estes têm
em comum a representação corporal, com características lúdicas, de
diversas culturas humanas; todos eles ressignificam a cultura
corporal humana e o fazem utilizando uma atitude lúdica. Trata-se,
então, de localizar em cada uma dessas manifestações (jogo, esporte,
dança, ginástica e luta) seus benefícios fisiológicos e psicológicos e
suas possibilidades de utilização como instrumentos de comunicação,
expressão, lazer e cultura, e formular a partir daí as propostas para a
Educação Física escolar. (PARAMETROS CURRICULARES
NACIONAIS, 1997:23)
Marcel Mauss (apud DAOLIO, 2005:44) afirma que “no fundo, corpo, alma,
sociedade, tudo se mistura”. Desenvolvendo essa idéia, Daolio faz a seguinte assertiva:
No corpo estão inscritos todas as regras, todas as normas e todos os
valores de uma sociedade específica, por ser o meio de contato
primário do indivíduo com o ambiente que o cerca. Mesmo antes de a
criança andar ou falar, ela já traz no corpo alguns comportamentos
115
O Instituto Bola Pra Frente não tem estrutura física para o atletismo e o basquete; no caso deste último
esporte, existe um projeto de reformulação da quadra esportiva para adequação à prática do basquete, uma
vez que o Censo Demográfico do Complexo do Muquiço 2008 mostrou que este é o quarto esporte na
preferência do público beneficiário, atrás de futebol, natação e vôlei.
133
sociais, como o sorrir para determinadas brincadeiras, a forma de
dormir, a necessidade de um certo tempo de sono, a postura no colo.
Para reforçar esse ponto de vista, Kofes (1985) afirma que o corpo é
expressão da cultura, portanto cada cultura vai se expressar por meio
de diferentes corpos, porque se expressa diferentemente como
cultura. (DAOLIO, 2005:39)
Por meio do corpo, assinala Daolio, o homem “vai assimilando e se apropriando
dos valores, normas e costumes sociais, num processo de inCORPOração”. Segundo
ele, o homem adquire um “conteúdo cultural que se instala no seu corpo”, como é o
caso dos meninos brasileiros e o futebol - diz-se que já “nascem sabendo jogar futebol”,
diferentemente das meninas brasileiras; no caso dos meninos, o primeiro brinquedo que
ganham é uma bola de futebol (DAOLIO, 2005:40). Para Freire (apud CUSTÓDIO
116
),
"sem viver concretamente, corporalmente, as relações espaciais e temporais de que a
cultura infantil é repleta, fica difícil falar em educação concreta, em conhecimento
significativo, em formação para a autonomia, em democracia e assim por diante."
De acordo com a metodologia pedagógica, as aulas de esporte do Instituto Bola
Pra Frente também são divididas em “aquecimento”, “esquema do jogo”, “jogo” e
“mesa redonda”. O “aquecimento”, que é o momento de conversar com o educando e
saber como ele está naquele dia, é um dos momentos mais importantes da aula de
esporte, pois, dependendo do conteúdo deste diálogo, o professor desenvolverá as
atividades mais adequadas
117
.
Um exemplo disso foi dado pelo educador Leonardo Ribeiro dos Santos, do
projeto Craque de Bola e de Escola
118
. No “aquecimento”, uma educanda, que havia
faltado às últimas aulas, mostrou-se muito triste porque a avó estava internada e a mãe
não estava podendo nem levá-la ao Instituto. Percebendo a necessidade da educanda de
se sentir acolhida, o professor propôs a brincadeira do “coelhinho na toca”, na qual ele
divide as crianças em trios e duas se juntam para montar a toca, enquanto a terceira será
o coelho; o professor apita e as crianças têm que correr e encontrar uma toca para se
alojarem. E assim, de forma lúdica, a educanda foi “se soltando” e, no final da aula,
estava sorrindo.
Depois do “aquecimento”, vem o momento do “esquema do jogo”, quando o
professor faz a chamada (a “escalação”), escolhe o “capitão do dia” e explica as
116
http://www.efdeportes.com/efd66/corporal.htm, acessado em 11/06/08.
117
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Apostila da metodologia pedagógica, 2008, mimeo.
118
Entrevista concedida no âmbito desta pesquisa.
134
atividades propostas, agregando informações sobre saúde, história e regras do esporte,
conhecimentos gerais (com temáticas do tipo “sabe o que os seus pais brincavam
quando tinham a sua idade?”), dentre outras.
No “jogo”, os educandos participam de jogos educativos, pré-esportivos e
prática dirigida. Por meio destas atividades, o professor trabalha questões como
lateralidade, coordenação viso-motor, percepção espacial, equilíbrio dinâmico,
equilíbrio estático e recuperado, velocidade de reação, coordenação espaço temporal,
raciocínio lógico-matemático e imagem corporal. Vejamos um exemplo de atividade
voltada para o raciocínio lógico-matemático: o professor divide os educandos em dois
grupos, entregando a cada um números seqüenciais; eles ficam no fundo da quadra ou
do campo e a bola de futebol fica no meio. O professor anuncia uma sentença
matemática, tipo 2 x 2. Os educandos de cada grupo que tiverem com o número da
resposta deverão correr até a bola e fazerem uma seqüência de passes um para o outro,
correspondente ao número.
O objetivo do “jogo” não é o desempenho atlético, mas sim o desenvolvimento
de competências e habilidades, de acordo com a faixa etária do educando. Ressalte-se,
no entanto, que a prática dirigida, na qual o educando pratica esportes e participa de
jogos em equipe, é considerada pelo Bola Pra Frente um momento de muita relevância,
em especial para o educandos do projeto ARTilheiro, de dez a 14 anos. Estudos
desenvolvidos pelo Instituto mostram que a desvalorização desta atividade pode levar à
evasão, em especial daqueles que sonham em ser atletas profissionais. A filosofia do
Instituto é respeitar este sonho e dar a cada educando a oportunidade de uma prática
dirigida com qualidade também para o desenvolvimento da parte técnica, sempre
agregando atividades lúdicas e voltadas para a cooperação e sociabilidade
119
. Como bem
expressou Bracht:
Existe uma forma de prática esportiva onde o rendimento e a
competição tenham um outro papel, um outro sentido, diverso
daquele que possuem no âmbito do esporte de rendimento ou alta
competição? Entendemos que sim. Portanto, o esporte tratado e
privilegiado na escola pode ser aquele que atribui um significado
menos central ao rendimento máximo e à competição, e procura
permitir aos educandos vivenciar também formas de prática esportiva
que privilegiem antes o rendimento possível e a cooperação.
(BRACHT, 2000)
120
119
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
120
http://www.seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/viewFile/2504/1148, acessado em 21/01/08.
135
Após a prática dirigida, vem o momento de “volta à calma”, que compreende
brincadeiras como passar o anel, brinquedo cantado, contação de histórias, dentre
outras. Para finalizar a aula, que dura uma hora e dez minutos, é feita a “mesa redonda”,
atividade voltada para avaliação da aula e da participação de cada educando.
É importante ressaltar o cuidado com duas questões fundamentais para a prática
esportiva adequada: a nutrição e o material esportivo. No caso do Instituto Bola Pra
Frente, todos os educandos recebem lanche, uniforme e tênis ou chuteira
121
. O Instituto
mantém uma profissional de enfermagem, e, por meio do projeto Saúde em Campo, faz
um acompanhamento dos hábitos alimentares dos educandos e avaliação física, além de
proporcionar educação nutricional tanto para os educandos quanto para as famílias.
4.6 Resultados e impacto social
"Nem sempre podemos construir o futuro para nossa juventude,
mas podemos construir nossa juventude para o futuro."
Franklin Roosevelt
O foco da metodologia do Instituto Bola Pra Frente é promover o protagonismo
social, melhorando o processo de aprendizagem, garantindo a permanência na escola e
aumentando as perspectivas profissionais do público beneficiário. A experiência do
Instituto indica que o esporte educacional pode contribuir de forma efetiva para a
transformação social. O Censo Muquiço 2008, realizado nas seis comunidades
atendidas pelo Instituto Bola Pra Frente, registra um significativo impacto social das
ações do Instituto ao longo dos seus oito anos:
Impacto na adesão escolar
- Jovens de 15 a 24 anos das comunidades atendidas, que nunca freqüentaram o
Instituto Bola Pra Frente = 57,29% estão estudando.
- Egressos do Instituto Bola Pra Frente = 93,5% estão estudando; e 5,8%
completaram o ensino médio.
121
Em parceria com a empresa Nestlé, o Instituto oferece o lanche e, em parceria com a Nike, mantém
uma “biblioteca de calçados”. Os educandos recebem uniforme completo, mas não levam os tênis e
chuteiras para casa, que ficam aos cuidados do Instituto para a manutenção adequada (lavagem e
consertos necessários)
136
Impacto na evasão escolar
- Jovens de 15 a 24 anos das comunidades atendidas = 41,91% pararam de
estudar.
- Egressos do Instituto Bola Pra Frente = 0,5% parou de estudar.
A partir da utilização do esporte educacional, o Instituto Bola Pra Frente está
conseguindo “virar o placar” da evasão escolar dos jovens acima dos 15 anos. Pesquisa
interna do Instituto, com pais e educandos, dá conta que 90% estão aprendendo melhor;
94% têm maior interesse em aprender; 70% aumentaram a média escolar; 94%
aumentaram a freqüência escolar; 78% diminuíram o tempo ocioso na rua; 94%
melhoraram quanto ao comportamento geral
122
.
Com relação à evasão, o número de educandos que saem do Instituto vem caindo
progressivamente, conforme gráfico abaixo, tendo se estabilizado no patamar de 5%, em
média. A taxa de evasão foi de 19% em 2003; 13% em 2004; 5% em 2005 e 2% em
2006
123
.
Figura 5: taxa de evasão de 2003 a 2006.
Em entrevista feita no âmbito desta pesquisa, a diretora-adjunta de uma das 15
escolas da região discorre sobre a sua percepção com relação ao trabalho do Instituto
Bola Pra Frente:
122
Fonte: Centro de Atendimento Comunitário, 2007.
123
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE. Balanços Sociais, de 2003 a 2007, mimeo.
135
85
34
22
0
20
40
60
80
100
120
140
2003 2004 2005 2006
137
Muitos alunos da nossa escola freqüentam o Instituto. O maravilhoso
disso tudo é que tenho percebido uma grande melhora com relação ao
rendimento escolar dos alunos da oitava série. Eles fazem parte do
projeto Campeão de Cidadania. Temos aqui um aluno, o Daivison,
que não gostava de estudar, mas depois que entrou para o projeto viu
a possibilidade de arrumar o primeiro emprego e começou a procurar
professores para tirar dúvidas e participar de processos seletivos. É
fato, houve realmente uma mudança. Os alunos passaram a ter
consciência dos seus direitos e deveres depois que entraram no Bola
Pra Frente, e isso é ótimo! (Janaína Borges Ramos Rodrigues de
Souza, 38 anos, diretora adjunta da Escola Municipal Professor
Carneiro Felipe).
Alguns depoimentos de pais e educandos, colhidos no âmbito desta pesquisa,
também demonstram esta percepção:
Conheci o Instituto Bola Pra Frente através de vizinhos, em 2004.
Minha filha Jennifer entrou primeiro. Hoje ela está no projeto
ARTilheiro. Caio e Caíque também ficaram doidos para participar e
entraram em 2005. Em 2006, comecei a fazer parte do projeto Craque
dos Craques. No projeto eu fui tudo: mãe, conselheira, professora de
artesanato... Aprendi a bordar chinelos, fazer caixinhas e biscuit.
Achei o projeto maravilhoso porque passei a me ocupar mais, pude
melhorar a minha renda, encontrando no Instituto uma verdadeira
família, com direito a palestras, passeios ao Jardim Botânico, cinema,
entre outros. No Bola Pra Frente sei que posso conversar com todos
de igual para igual e que posso contar com o Instituto em todos os
momentos. Em 2006, perdi meu filho de 19 anos, assassinado. Nunca
esquecerei do apoio que o Instituto me deu neste momento tão difícil.
Acho a iniciativa do Bola Pra Frente maravilhosa, porque quantas
crianças estariam na rua de manhã ou à tarde se não tivessem o
Instituto? Quantas mães não estariam ociosas? É de tirar mesmo o
chapéu! (Andréia Vicente do Nascimento, 37 anos, mãe de
educandos).
Entrei no Instituto em 2000, aos 13 anos, na primeira turma. Eu
sonhava em ser um jogador aclamado por todas as torcidas. Aos 15
anos, no entanto, me inscrevi na primeira turma do projeto Campeão
de Cidadania. Este curso me ajudou muito, pois recebi muitas
orientações para que tivesse um ótimo desempenho na carreira
profissional. Todo esse aprendizado me ajudou imensamente; aprendi
a lidar com a minha timidez, além de ganhar conhecimento e
experiência. Em 2004, me tornei estagiário do Instituto, passando
pelas áreas institucional, diretoria e financeiro. Neste mesmo tempo,
realizei um dos seus maiores sonhos: ingressei numa universidade,
cursando Gestão de Redes de Computadores. Hoje estou empregado.
Descobri que posso ser o que quiser, basta me esforçar. Quero ter
casa própria, crescer ainda mais profissionalmente, fora os outros
sonhos. O Bola Pra Frente me ajudou muito, me ajudou a agarrar as
138
oportunidades que apareceram na minha vida (Jefferson Paulo Reis
da Silva, 21 anos).
O futebol era a minha paixão desde menina, mas, no início da
carreira, pensei em parar de jogar bola por causa das dificuldades
financeiras na família. A ida para o Instituto abriu muitas portas para
mim - o ingresso na universidade foi uma delas. Em 2003, fiz um
teste para o time feminino da Universidade Castelo Branco e
consegui uma bolsa de 50%. Durante esse tempo, ainda fui auxiliar
voluntária dos professores do Instituto. E ainda fui mais longe: São
Paulo foi a primeira parada, em 2003, quando ganhei uma bolsa de
100% em uma universidade. Joguei no Palmeiras e na UniSantanna.
Em 2004, fui convocada para a seleção brasileira principal. Em 2005,
fui jogar no time feminino do Atlético Jaenense, na Espanha. Foi
maravilhoso! Uma experiência e tanto, pois não falava nada de
espanhol. Assinei contrato de seis meses que foi renovado por mais
um ano. Fui artilheira do campeonato e fiz muitas amizades. Hoje eu
jogo no Clube Ferroviário de Araraquara, em São Paulo. Penso em
voltar para a Europa, mas quero priorizar os meus estudos. Quando
cheguei ao Bola Pra Frente, achei tudo diferente e muito legal. Hoje,
sei que é um lugar escolhido por Deus. Lá, conheci pessoas
maravilhosas, cada uma com sua importância e missão com as
crianças. É um trabalho que mudou a minha vida e a vida de muitos
(Gisele Victer, 23 anos).
Conheci o Bola Pra Frente com apenas 10 anos, assim que o Instituto
inaugurou, em 2000. No início sonhava em ser jogador de futebol, e
achava que o Instituto iria me ajudar a realizar este sonho. Hoje vejo
que consegui muito mais com o Bola Pra Frente. Aos 15 anos, entrei
para o projeto Campeão de Cidadania e ampliei meus horizontes. Em
2007, voltei ao Bola Pra Frente para fazer um curso de especialização
no sistema Protheus, ERP da TOTVS. Em 2008, tive uma ótima
notícia: consegui um emprego de auxiliar administrativo no escritório
Martinelli Advocacia Empresarial, parceiro do Instituto. Quero fazer
duas faculdades, de Administração e Contabilidade. Quero estudar
muito para poder crescer. Eu sinceramente não sei o que estaria
fazendo agora se não tivesse entrado no Instituto (Leonardo Loureiro
Correa, 18 anos).
Entrei para o Bola Pra Frente em 2005, no projeto Campeão de
Cidadania. Tinha como objetivo ampliar meus conhecimentos e
entrar para o mercado de trabalho. Meus objetivos foram alcançados,
porém não sabia das grandes transformações que o Bola Pra Frente
iria proporcionar na minha vida. Fui chamada para estagiar no
Instituto e acabei chamando a atenção da TOTVS, empresa parceira
do Instituto. Eles perceberam em mim o potencial e o perfil
necessário para trabalhar como aprendiz. Também comecei a cursar
faculdade de Tecnologia da Informação. Meu relacionamento com a
família melhorou e me tornei outra pessoa! Agradeço a Deus por ter
139
me dado a sabedoria de fazer a escolha certa, indo para o Bola Pra
Frente (Juliana Sales, 19 anos).
As histórias de Jefferson, Leonardo, Gisele e Juliana ajudam a entender que a
motivação que recebem no Instituto acaba impactando no nível de escolaridade,
conforme comprova o Censo Muquiço 2008. Alguns especialistas, que tiveram contato
direto com o trabalho desenvolvido no Instituto, percebem um diferencial de inovação e
uma sólida fundamentação teórica. Sergio Tavares, mestre em Educação Física e
consultor do SESC-Rio e do Instituto Muda Mundo, que gerenciou o projeto do Censo
Demográfico, assim avalia a ação do Bola Pra Frente:
Minha percepção do Instituto Bola Pra Frente é que é um espaço de
desenvolvimento de tecnologia social aplicada aos princípios do
esporte educacional em sua essência. Claramente, vem difundindo o
esporte enquanto linguagem e fenômeno cultural, para além de
objetivos relacionados às dimensões de performance do ser humano,
interpretando-o segundo a sua complexidade no cenário ainda muito
carente de avaliações sólidas e resultados interpretados de forma
fidedigna e responsável.
O sociólogo e coordenador do Núcleo de Sociologia do Futebol da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mauricio Murad, que colaborou com o Instituto
Bola Pra Frente no processo de definição do que é futebol para a instituição, deu o
seguinte depoimento:
O Instituto Bola Pra Frente é um marco nessas iniciativas de juntar
esporte e educação. Ele junta, com rara felicidade, esporte, artes e
educação numa perspectiva de inclusão social. O Bola Pra Frente
costurou muito bem a sua fundamentação teórica, as suas metas, os
seus objetivos éticos. E acima de tudo, conseguiu, através de um
corpo de pessoas muito conscientes e muito bem fundamentadas, que
sabem o que querem, construir um projeto muito rico socialmente,
pedagogicamente e muito bem estruturado no campo da
fundamentação teórica e da organização metodológica.
Os dados do censo demográfico e da avaliação interna do Instituto, ilustrados
pelos depoimentos do público beneficiário, mostram que a metodologia do Bola Pra
Frente promove impacto social no nível de escolaridade do seu público beneficiário.
Com relação ao encaminhamento para o mundo do trabalho, ou seja, transformar as
perspectivas profissionais em emprego formal, ainda é um desafio que o Instituto
140
precisa vencer. A melhoria na escolaridade aumenta a empregabilidade, mas é
necessário ainda investir, por exemplo, em cursos profissionalizantes para vencer a
barreira do desemprego.
O Censo Muquiço 2008 mostra que dos egressos do Instituto acima de 18 anos
46,4% estão empregado. Não há como comparar estes dados com os outros jovens do
Complexo, pois o Censo não apurou a situação de emprego por faixa etária, mas apenas
do chefe do domicílio. Este número está no mesmo patamar do estudo do economista
Marcio Pochmann, da Unicamp, já citado neste trabalho, mas que não tem como foco
apenas jovens de baixa renda.
Segundo dados do Centro de Atendimento Comunitário do Instituto, dentre as
turmas formadas no projeto de Campeão de Cidadania, aproximadamente 20% dos
jovens são encaminhados para empresas conveniadas logo após o término do curso, que
tem duração de um ano, enquanto 14% têm o mesmo destino até um ano depois de
formados. No total, o Instituto consegue encaminhar, em média, 34% dos educandos
formados. Os indicadores de empregabilidade talvez até estejam acima da média das
comunidades atendidas, mas são insuficientes se comparados aos objetivos do Instituto,
que é inserir profissionalmente 75% dos educandos.
Em 2008, os números de encaminhamento já mostram uma tendência de
crescimento por conta da aplicação da Lei da Aprendizagem (Lei nº 10.097/00), que
exige que o mínimo de 5% e o máximo de 15% do quadro de funcionários das empresas
sejam de aprendizes. Com o aumento da fiscalização com relação ao cumprimento da
Lei, mais empresas estão abrindo oportunidades de emprego para os jovens.
Além de divulgar mais a Lei da Aprendizagem junto às empresas, o Instituto
Bola Pra Frente tem como objetivo incrementar o projeto Campeão de Cidadania,
oferecendo novos cursos de grande potencial de empregabilidade, como telemarketing,
aquaviários, dentre outros, em parcerias com empresas da área.
4.7 Aplicação dos quesitos de uma tecnologia social no caso do Instituto Bola Pra
Frente
Com relação à reaplicação da metodologia de trabalho do Instituto Bola Pra
Frente, é necessário verificar se ela atende aos quesitos de uma tecnologia social.
Segundo o ITS (2007), uma tecnologia social implica nos quesitos abaixo:
- compromisso com a transformação social;
141
- a criação de um espaço de descoberta de demandas e necessidades sociais;
- relevância e eficácia social;
- sustentabilidade socioambiental e econômica;
- inovação;
- organização e sistematização;
- acessibilidade e apropriação das tecnologias;
- um processo pedagógico para todos os envolvidos;
- o diálogo entre diferentes saberes;
- difusão e ação educativa;
- processos participativos de planejamento, acompanhamento e avaliação; e
- a construção cidadã do processo democrático.
Para avaliar se o Bola Pra Frente atende a estes quesitos, este estudo optou por
analisar o conjunto de práticas do Instituto, associando-os às implicações definidas pelo
ITS.
Núcleo de Pesquisa em Inovação Social
O Núcleo de Pesquisa em Inovação Social do Instituto Bola Pra Frente tem
como objetivo “desenvolver, aprimorar e implementar soluções inovadoras na utilização
do esporte educacional como instrumento de transformação social”
124
. Ele tem
orientação interdisciplinar e fundamenta as suas pesquisas na interlocução com o
público beneficiário do Instituto, na investigação científica e sistemática dos fenômenos
sociais das comunidades atendidas e no monitoramento e avaliação dos programas
sociais em execução.
Cabe ao Núcleo de Pesquisa em Inovação Social “procurar, experimentar,
descobrir e consolidar novos processos de atuação, tendo como base o método
deliberativo e dialógico, que estimula e valoriza a participação cívica e democrática de
todas as partes interessadas”
125
. Na prática, o Núcleo é um “tradutor de demandas” e sua
equipe é composta de especialista em educação física, especialista em pedagogia social,
especialista em serviço social, dinamizador comunitário e outros pesquisadores que são
contratados de acordo com a demanda, como cientista social, geógrafo e estatístico, por
exemplo.
124
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
125
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
142
O Núcleo teve início em 2006, com o nome de Tecnologia Social e, mais tarde,
foi trocado para Inovação Social. Geralmente, a palavra inovação é associada à
tecnologia de ponta, mas trata-se de novas soluções que podem contemplar todas as
áreas, inclusive a área social. Segundo ABREU e ANDRÉ (2006:124), inovação social
é “uma resposta nova e socialmente reconhecida que visa e gera mudança social,
ligando simultaneamente três atributos: (i) satisfação de necessidades humanas não
satisfeitas por via do mercado; (ii) promoção da inclusão social; e (iii) capacitação de
agentes ou actores sujeitos, potencial ou efectivamente, a processos de
exclusão/marginalização social, desencadeando, por essa via, uma mudança, mais ou
menos intensa, das relações de poder”.
A matriz de responsabilidade do Núcleo de Pesquisa em Inovação Social é assim
definida: realizar periodicamente o diagnóstico social da área de atuação do Instituto
Bola Pra Frente; pesquisar, descobrir e criar novas soluções de transformação social;
elaborar, avaliar e revisar os programas sociais de acordo com os protocolos
democráticos adotados pelo Instituto; monitorar e avaliar os resultados dos programas e
projetos sociais; avaliar o impacto social dos programas sociais; desenvolver,
acompanhar, avaliar e revisar a metodologia pedagógica; produzir artigos e publicações
sobre os estudos realizados; elaborar materiais e palestras para capacitação e
consultoria; elaborar anualmente o Balanço Social; e elaborar e inscrever os projetos
sociais para editais e títulos de isenção fiscal.
A partir da atuação do Núcleo de Pesquisa em Inovação Social, o Instituto
atende a vários quesitos de uma tecnologia social, como compromisso com a
transformação social, a criação de um espaço de descoberta de demandas e necessidades
sociais, inovação, organização e sistematização, o diálogo entre diferentes saberes,
difusão e ação educativa, processos participativos de planejamento, acompanhamento e
avaliação, acessibilidade e apropriação das tecnologias, processo pedagógico para todos
os envolvidos e a construção cidadã do processo democrático.
Dinamização comunitária
O Instituto Bola Pra Frente possui um trabalho de dinamização comunitária, que
permite o diálogo constante com as comunidades atendidas. A figura do dinamizador
comunitário tem um papel fundamental no Instituto. Trata-se de um morador da região,
contratado pelo Instituto e que tem características importantes como liderança,
143
iniciativa, boa articulação, postura exemplar, respeito e carinho dos moradores,
disposição para aprender e amor à sua comunidade
126
.
A dinamização comunitária tem como objetivo promover o diálogo sistemático
entre o Instituto e os moradores, as lideranças locais e toda a rede social das
comunidades atendidas. O dinamizador é um representante das comunidades no
Instituto e do Instituto nas comunidades. São funções do dinamizador: dialogar com os
moradores, identificando suas necessidades e dúvidas com relação à atuação do
Instituto; apoiar a captação e inscrição de crianças e adolescentes; identificar situações
que necessitem da intervenção do Instituto; visitar escolas, líderes comunitários, órgãos
do governo e outros agentes que atuem na região; apoiar a criação de estratégias de
comunicação e execução das atividades do Instituto; apoiar o público beneficiário em
necessidades especiais; representar o Instituto em eventos; e atuar efetivamente nas
ações do Núcleo de Pesquisa em Inovação Social e na Comissão Permanente de
Avaliação.
A partir da atuação do dinamizador comunitário, o Instituto atende a vários
quesitos de uma tecnologia social, como compromisso com a transformação social, o
diálogo entre diferentes saberes, difusão e ação educativa, processos participativos de
planejamento, acompanhamento e avaliação, processo pedagógico para todos os
envolvidos e a construção cidadã do processo democrático.
Comissão Permanente de Avaliação (CPA)
A Comissão Permanente de Avaliação (CPA) é um órgão que faz parte da
estrutura organizacional do Instituto Bola Pra Frente e reúne representantes de todas as
áreas internas, promovendo assim uma gestão dialógica e ampliando a comunicação e o
comprometimento de todos. Segundo TENÓRIO (2005:92), “apesar de bem-sucedidas
quanto à motivação de seu quadro técnico e gerencial, as ONGs se deparam
freqüentemente com a dificuldade de motivar seu pessoal administrativo. Esses
profissionais, por não se identificarem tão fortemente com a missão organizacional,
tendem a demandar remunerações e benefícios mais satisfatórios, o que quase sempre é
difícil de atender, dadas as limitações de recursos com que as ONGs convivem”.
A CPA contribui para minimizar esta dificuldade à medida que engloba à visão
técnica a visão administrativa e de desenvolvimento institucional, potencializando a
126
INSTITUTO BOLA PRA FRENTE, Programa Esporte em Ação Social, 2008, mimeo.
144
captação de recursos. Com isso, além dos ganhos técnicos e operacionais, CPA
contribui para a integração da equipe e para a sustentabilidade das ações do Instituto. A
CPA conta ainda com a participação do dinamizador comunitário, que representa as
comunidades atendidas e participa ativamente do processo de aprovação e avaliação dos
projetos sociais.
São funções da CPA: representar os interesses de todas as áreas do Instituto Bola
Pra Frente junto aos programas sociais em reuniões mensais; harmonizar interesses para
promover a revisão dos programas; avaliar e aprovar ou deferir projetos externos e/ou
internos candidatos aos programas sociais; e debater alternativas para a sustentabilidade
dos programas e projetos do Instituto.
A partir da atuação da CPA, o Instituto atende a vários quesitos de uma
tecnologia social, como compromisso com a transformação social, o diálogo entre
diferentes saberes, difusão e ação educativa, processos participativos de planejamento,
acompanhamento e avaliação, processo pedagógico para todos os envolvidos, a
construção cidadã do processo democrático, sustentabilidade socioambiental e
econômica, relevância e eficácia social.
Modelo de gestão e modelo pedagógico do Instituto Bola Pra Frente
O modelo de gestão do Instituto Bola Pra Frente contempla a participação
democrática em todas as suas etapas, destacando-se o modelo de construção dos seus
indicadores, que dá voz a todas as partes interessadas e permite que o Instituto oriente
todos os seus esforços no atendimento a estas demandas. Da mesma forma, o seu
modelo pedagógico tem como prioridade o desenvolvimento integral e o protagonismo
dos educandos.
Todo o conhecimento do Instituto foi sistematizado e desdobra-se em materiais
pedagógicos como apostilas, vídeo-aula, campos pedagógicos e campo do esquema do
jogo, com vistas à sua reaplicação. A produção deste material pedagógico tem como
diretriz a preservação ambiental, com o uso de material reciclado.
A partir do seu modelo de gestão e metodologia pedagógica, o Instituto atende a
vários quesitos de uma tecnologia social, como compromisso com a transformação
social, o diálogo entre diferentes saberes, difusão e ação educativa, processos
participativos de planejamento, acompanhamento e avaliação, processo pedagógico para
todos os envolvidos e a construção cidadã do processo democrático, sustentabilidade
socioambiental e econômica, relevância e eficácia social.
145
Censo demográfico
A realização do Censo Muquiço 2008 é uma iniciativa pouco comum no terceiro
setor, sendo geralmente feito pelo poder público. O formato utilizado pelo Instituto é
participativo, à medida que incluiu os moradores em todo o processo: planejamento,
execução e avaliação. Cada participante foi incentivado a escrever suas percepções e
aprendizagens sobre a sua comunidade. O relato de Eduardo Francisco da Silva,
coordenador de campo do Censo e dinamizador comunitário do Instituto, ilustra bem a
relevância deste trabalho:
A nossa comunidade é muito carente. (...) Eu fico muito feliz porque
essa oportunidade desse Censo, como aconteceu com o Marco
Zero
127
, era a hora que a pessoa tem o retorno com a comunidade.
Como é que está o meu trabalho? Como a comunidade me enxerga?
O que estou fazendo para a comunidade? Quem é essa comunidade
que eu estou para atender? Quem são essas crianças? Quem são essas
famílias? Quem são esses moradores que estão aqui em volta? Então
essa troca você só consegue ter essas informações quando você
rompe os muros. (...) Sou um cara que quero mais, não estou
acomodado com a situação com a qual nós estamos hoje. É muito
triste você entrar em uma comunidade e você olha em volta e não vê
a presença do poder público. Seja ele municipal, seja ele federal, seja
ele estadual. Não tem curso de capacitação, não tem curso técnico,
não tem uma bandeira do Estado, não tem uma bandeira do
município aqui. E aqui se faz presente o Estado do Rio de Janeiro.
(...) a gente vê o Estado só quando a Polícia entra. Com a força. Mas
também não adianta ficar chorando pelo leite derramado porque a
gente tem que cair dentro da realidade
128
.
O censo demográfico possibilitou a criação de um espaço de descoberta de
demandas e necessidades sociais e atendeu a vários outros quesitos de uma tecnologia
social, como compromisso com a transformação social, o diálogo entre diferentes
saberes, processos participativos de planejamento, acompanhamento e avaliação,
processo pedagógico para todos os envolvidos, a construção cidadã do processo
democrático, relevância e eficácia social.
127
O marco zero (análise situacional da realidade pelos diversos atores envolvidos no início de um
projeto) foi feito em 2006 e também contou com a participação do Eduardo Silva.
128
Instituto Bola Pra Frente, Censo Demográfico do Complexo do Muquiço, 2008, pp. 9 e 10, mimeo.
146
Impacto social do Instituto Bola Pra Frente
A partir da realização do Censo Demográfico, o Instituto pôde constatar um
relevante impacto no nível de escolaridade do seu público beneficiário. Este impacto se
reverte em promoção social e economia para o Estado, abrangendo aspectos como
evasão escolar, índice de criminalidade, desemprego, dentre outros. O Instituto não tem
nenhum estudo que estime a ordem de grandeza econômica deste impacto. Entretanto,
estudos da UNESCO no Brasil indicam que “para cada real que se investe em
prevenção, poupa-se cerca de R$ 7,00 em punição e repressão” (WAISSELFISZ apud
CASTRO e ABRAMOVAY, 2003:32).
Pode-se afirmar, portanto, que o impacto aferido pelo Instituto atende aos
quesitos de relevância e eficácia social e sustentabilidade socioambiental e econômica,
necessários a uma tecnologia social.
147
Considerações Finais
“Os empreendedores sociais não se contentam apenas em dar
o peixe ou a ensinar a pescar. Eles não descansarão enquanto
não revolucionarem a indústria da pesca.”
ONG Ashoka
A tecnologia social apresenta-se como uma solução que aponta para o equilíbrio,
tão necessário ao atual cenário tanto do terceiro setor quanto das políticas públicas. São
dois extremos que precisam ser combatidos. De um lado, multiplicam-se as
Organizações Não-Governamentais e cada uma percorre o seu próprio caminho de
conquistas e insucessos, desperdiçando recursos e retardando os resultados. De outro
lado, temos os programas nacionais, formatados em especial pelo governo federal,
míopes às diferenças de cada localidade, cuja solução vem pronta e, muitas vezes,
remete ao assistencialismo.
Os diferenciais marcantes da tecnologia social são a flexibilidade e a
participação pedagógica de todos os envolvidos. A flexibilidade acontece a partir de um
olhar macro: cada iniciativa social intervém na sua área específica de atuação, mas
pensando além dela; trabalhando de forma sistematizada para deixar um legado às
futuras gerações; compartilhando seu conhecimento com outros trabalhadores sociais. A
participação de todos, em uma dimensão pedagógica, possibilita que a solução seja
adequada a cada realidade, gerando emancipação e empoderamento – entendendo
empoderamento no sentido de “ativar a potencialidade criativa de alguém”, conforme
pregava Paulo Freire.
A tecnologia social não está isenta de erros; a diferença é que os erros são
compartilhados, evitando o “retrabalho”. Da mesma forma, as conquistas também são
partilhadas – assim todos crescem. Apesar do termo tecnologia social ser recente, as
bases que compõem a sua fundamentação teórica remontam, conforme já foi visto, a
quase um século, a partir do movimento de não-violência de Gandhi.
A institucionalização da tecnologia social vem sendo feita por diversos atores,
em especial de universidades, governo federal e sociedade civil organizada, destacando-
se o Instituto de Tecnologia Social (ITS), a Rede de Tecnologia Social (RTS) e a
Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social – SECIS, do Ministério de
148
Ciência e Tecnologia. Um marco relevante foi a criação do Prêmio Fundação Banco do
Brasil de Tecnologia Social, que vem contribuindo para fomentar novas tecnologias,
mediante o financiamento de ações inovadoras na área social.
A tecnologia social põe em foco a necessidade de pesquisa e de avaliação,
elementos essenciais para uma intervenção social. Debate-se muito, seja em eventos, em
comunidades virtuais e em publicações específicas do terceiro setor, a urgência do
investimento em pesquisa e em avaliação. A tecnologia social contribui em muito para
estas duas questões à medida que pressupõe fundamentação e sistematização dos
conhecimentos com vistas à reaplicação. Esta fundamentação passa, necessariamente,
pela pesquisa e pela interação com o público beneficiário. Quanto à avaliação, ela é
necessária para a comprovação dos resultados da tecnologia social, condição essencial
para sua reaplicação.
Muitos trabalhos sociais, como é o caso do Instituto Bola Pra Frente, abriram
suas portas a partir da boa vontade e da generosidade de alguém. Como criticar estas
iniciativas em um cenário social tão perturbador como o nosso? No entanto, apesar de
nascerem sob a égide das boas intenções e nem sempre das boas práticas, as
organizações sociais não podem se manter alheias à necessidade de planejamento, de
fundamentação técnica e avaliação dos resultados ao longo de sua existência. A
jornalista Fátima Bernardes, em sua participação no Meeting de Responsabilidade
Social do Instituto Bola Pra Frente, em 2005, disse uma frase muito ilustrativa a esse
respeito: “temos que ser mais responsáveis ao ajudar”
129
.
A tecnologia social já apresenta exemplos muito bem-sucedidos como é o caso
das cisternas pré-moldadas, do soro caseiro, dentre outros. Vale ressaltar que os
exemplos mais consistentes de sucesso vêm de produtos e não de serviços, apesar destes
produtos estarem associados à participação dos atores locais, como é o caso das
benzendeiras no Ceará, que, depois de terem sido cadastradas e treinadas para aplicar o
soro caseiro, se tornaram agentes de saúde. O desafio agora é alcançar sucesso nas
tecnologias voltadas para os serviços sociais, em especial ligadas à educação, uma vez
que se exige uma estrutura mais robusta e uma capacitação bem mais profunda.
Neste sentido, iniciativas como a do Instituto Bola Pra Frente são pioneiras, em
especial por colocar em cena a dimensão do esporte educacional. Como nos lembra
129
http://www.bolaprafrente.org.br/pages/noticias_023.asp, acessado em 28/01/08.
149
Murad (2007), o esporte, em especial o futebol, é uma força latente para a educação,
mas esta força precisa ser transformada em uma realidade manifesta.
Analisando a história do esporte, é perceptível a inclinação para torná-lo “um
objeto e um meio de educação”, nas palavras de Belbenoit (apud BETTI, 2003:26). No
entanto, mesmo que as inclinações iniciais sejam para o contexto educacional, como
ocorreu na Grécia Antiga ou na Inglaterra à época de Thomas Arnold, em algum
momento, surgiram os atalhos que conduzem o esporte ao alto rendimento, à
mercantilização e a espetacularização.
Estudos mostram que a simples prática do esporte pode melhorar o processo de
aprendizagem. É o que relata Murad (2007) com o exemplo da experiência feita em
2002 pelo Massachusetts Instituto of Technology (MIT) e pela Hebrew University, de
Jerusalém, que comparou alunos de informática e de esporte e obteve como resultado
dados mais favoráveis aos alunos de esporte.
O educador Jean Piaget afirmava que os alunos dos ciclos básicos deveriam ser
estimulados a praticar jogos para desenvolverem estruturas cognitivas, sensório-motoras
e afetivas, em lugar de decorar conceitos e tabuadas. Para Piaget, o esporte ajuda a
construir pessoas melhores (LIMA apud MURAD, 2007:91).
Concordamos com Kunz (2006) que o esporte deve sempre conceber a
educação, mesmo quando se trata do esporte de rendimento, por exemplo. Entendemos,
no entanto, que é válido utilizar as três dimensões do esporte, conforme definição do
Ministério do Esporte e da Lei nº 9.615/98. À medida que o esporte encontra-se
carregado de diversos significados, cabe ressaltar qual é a ênfase dada, sendo, portanto,
benéfico adotar a expressão esporte educacional em trabalhos sociais como os do
Instituto Bola Pra Frente.
Na década de 90, no Brasil, embora as iniciativas que utilizavam o esporte para a
promoção social tenham começado a ganhar espaço, pode-se afirmar que ainda não há
um campo de conhecimento bem estruturado sobre a utilização do esporte como
ferramenta de inclusão de crianças e jovens em vulnerabilidade social.
Que inclusão seria essa? Estamos falando sobre o lazer, um direito
constitucional? Ou seria a possibilidade de oportunizar a esses jovens brilharem nos
campos, nas quadras e nos tatames; quem sabe, representando a cidade, o estado ou até
o país em competições internacionais? Ou ainda, utilizar a força do esporte para algo
mais profundo, voltado para a emancipação, empoderamento e protagonismo do público
beneficiário e, com isso, contribuir, de forma efetiva, para uma sociedade melhor?
150
Como diretora do Instituto Bola Pra Frente já tive a oportunidade de presenciar
duas situações, no mínimo, incômodas. A primeira aconteceu quando um representante
de um atleta nos procurou para conhecer o trabalho do Instituto, pois queria fazer um
“projeto social”. Depois de conhecer o trabalho do Bola Pra Frente mostrou-se
insatisfeito e comentou: “não é bem isso que a gente quer fazer; vocês aqui nem fazem
peneira
130
para os garotos entrarem”. Um outro exemplo aconteceu em uma reunião
com dois outros projetos sociais e um parceiro que estava financiando ações de
intercâmbio. No momento das apresentações, uma representante deste parceiro salientou
que o que mais gostava em um dos projetos financiados é que ele não exigia que a
criança fosse para a escola e arrematou: “já que elas não querem ir para a escola, pelo
menos são acolhidas por este projeto”. Ele não se deu conta que uma organização da
sociedade civil não pode nunca pretender substituir instituições como a família, o
Estado ou a escola, mas sim trabalhar em parceria com elas para reverter o atual quadro
social.
A história do Instituto Bola Pra Frente é bem ilustrativa para o entendimento da
realidade dos projetos sócio-esportivos. O atleta utiliza o seu prestígio ou, no caso do
Jorginho, também os seus próprios recursos, para implementar um trabalho social. O
primeiro impulso é contar com aqueles que estão por perto: amigos, familiares e
empresários.
Tudo parece muito simples, pois trata-se de ocupar o tempo ocioso das crianças
e adolescentes, oferecendo-lhes uma atividade saudável. Em especial, o esporte é
perfeito para isso: as crianças adoram praticá-lo e ele é rico em ensinamentos (regras,
disciplina, determinação, liderança etc.).
Os problemas começam quando chega a “hora da verdade”, ou seja, quando o
jovem percebe que o único caminho disponível - ou aceitável para ele - não será
possível, seja pela falta de aptidões técnicas ou porque o projeto social não consegue
encaminhá-lo para um clube. O caminho, que deveria conduzir à promoção social, pode
acabar em frustração, gerando a evasão, como verificaram Vianna e Lovisolo (2005).
Deve ser ressaltado, porém, que parar de freqüentar um trabalho social não é algo
automaticamente negativo, como muitos acreditam. Às vezes, o adolescente sai por uma
mudança de postura, que resultou na conquista do primeiro emprego; pode sair porque a
130
Peneira é uma seleção que os clubes de futebol fazem para descobrir novos talentos nas categorias de
base.
151
família se mudou da localidade; ou porque ele resolveu fazer um curso que não
encontrava ali.
No entanto, quando o adolescente evade por conta da frustração, porque tem
como modelo de sucesso, no caso do futebol, jogar em determinado clube ou ir para a
Europa, as conseqüências podem ser muito ruins. Frustração gera revolta, desânimo, e
em nada contribui para reverter o cenário “especialmente dramático” dos jovens, para
usar uma expressão do Ipea (2008). Desperdiça-se assim uma oportunidade desse
jovem, que foi inspirado pelo esporte, agregar importantes competências para a sua
vida.
A avaliação do impacto social do Instituto Bola Pra Frente no Complexo do
Muquiço mostra “uma realidade manifesta”: os jovens que chegaram ao Instituto,
atraídos pelo esporte e inspirados pelos exemplos do Jorginho e do Bebeto, saíram de lá,
não atletas melhores, mas estudantes muito mais aplicados. Apenas 0,5% dos egressos
abandonou a escola contra 41,91% dos jovens com o mesmo perfil, mas que nunca
freqüentaram o Bola Pra Frente.
Este estudo procurou mostrar o caminho percorrido pelo Instituto Bola Pra
Frente para chegar a este resultado significativo, utilizando, para isso, o esporte que,
curiosamente, foi sistematizado no século XIX não para privilegiar jovens de baixa
renda, como os do Complexo do Muquiço, mas para atender a uma burguesia
emergente. Este resultado alcançado pelo Instituto, certamente, não é suficiente para dar
conta da soma de problemas sociais que afligem o Muquiço, e nem pode haver tal
pretensão de um único ator social, mas comprova a potencialidade do esporte para
melhorar o “placar social”, como quer o Bola Pra Frente.
Analisando a metodologia do Bola Pra Frente, a partir das implicações propostas
pelo Instituto de Tecnologia Social (ITS), este estudo constatou que o Instituto possui
um conjunto de práticas que atendem a estes quesitos. Utilizando a temática do futebol,
a metodologia mostra-se bastante flexível, permitindo uma construção pedagógica
específica para cada localidade. A partir do ícone Saúde em Campo, por exemplo, pode-
se abordar o problema da dengue no Rio de Janeiro ou da febre amarela em Goiás,
sempre de forma lúdica e com vistas à emancipação dos educandos.
A metodologia do Instituto, baseada como está, no futebol, tem a seu favor a
popularidade e as mediações que este esporte produz. Com a escolha do Brasil para sede
da Copa do Mundo de 2014, como lembra Jorginho, a metodologia do Instituto coloca-
se em um contexto privilegiado.
152
Um ponto que merece especial atenção é a capacitação das instituições que irão
utilizar a metodologia. Como o seu conteúdo adequa-se à realidade do público
beneficiário, corre-se o risco deste conteúdo, se mal operado, reforçar valores comuns à
espetacularização do esporte, contrários à proposta voltada para emancipação e
protagonismo do Bola Pra Frente.
Uma proposta para reduzir este risco é criar critérios sólidos para a seleção das
instituições que quiserem se associar ao nome do Instituto Bola Pra Frente, como a
exigência de uma equipe interdisciplinar mínima, formada por profissionais das áreas de
pedagogia, educação física e serviço social. Ressalte-se que o Instituto está produzindo
um site específico para compartilhar sua tecnologia e prover capacitação contínua para
as instituições parceiras. A partir deste site, as instituições poderão ter acesso, por
exemplo, aos campos pedagógicos, que poderão ser construídos de forma artesanal,
diminuindo os custos.
A sistematização do conhecimento adquirido ao longo dos seus oito anos
constitui um passo importante para gerar mais eficácia, eficiência e efetividade para o
próprio Instituto. Ele é a primeira instituição a ganhar com esta iniciativa, pois teve a
oportunidade de rever suas ações, seus fundamentos teóricos e sua estrutura interna.
Neste sentido, podemos entender melhor a frase do Jorginho: “a liderança que sonha
para si somente está fadada a acabar rápido; mas quando ela começa a incluir os outros
nos seus sonhos, com certeza ela vai longe”. Vale lembrar aqui o que foi dito na
introdução deste trabalho: a idéia de sistematizar as ações do Instituto, com vistas à
reaplicação, surgiu a partir da solicitação de visitantes oriundos até mesmo de outras
partes do mundo, como é o caso da Alemanha, onde Jorginho jogou. O Instituto sai
fortalecido e melhor fundamentado desta empreitada que tomou para si.
Cabe ressaltar ainda que a grande prova vem a seguir, com a implementação da
metodologia em outras localidades, o que já acontece, de forma ainda embrionária, no
estado de Goiás. Não se sabe o que poderá advir daí, que novas dificuldades
atravessarão o caminho do Instituto, mas, certamente, o sucesso só virá se o Bola Pra
Frente não se colocar como uma unidade central que produz para os outros, mas sim
como um ator estratégico que tanto impacta quanto é impactado por aqueles que
utilizarem a sua (e na verdade, não mais apenas sua) tecnologia.
Para finalizar, recorremos ao filósofo e teólogo Soren Kierkergaard para melhor
ilustrar este momento do Instituto: “a vida só pode ser compreendida olhando-se para
trás; mas só pode ser vivida olhando-se para frente”. Após fazer o exercício de olhar
153
para trás, compreender a sua história e sistematizar os conhecimentos adquiridos até
aqui, o Instituto tem agora o desafio de olhar para a frente, discernir os melhores
caminhos e manter-se firme no cumprimento da sua missão.
154
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160
ANEXO I:
Amostra Domiciliar
I – Coletivo Domiciliar:
(___________________________________________________________________________)
(Bloco/Rua/Avenida/Estrada/Travessa)
Data: ( / / 2008)
Entrevistador: ________________________________________________________________
Entrevistado:
______________________________________________________________________
1. Idade do entrevistado (anos completos em 2008): ( ) anos
2. Relação com o responsável pelo domicílio (grau de parentesco):
1.( ) Responsável pelo domicílio 2.( ) Cônjuge ou companheiro(a)
3.( ) Filho(a) ou enteado(a) 4.( ) Pai, mãe ou sogro(a)
5.( ) Neto(a) ou bisneto(a) 6.( ) Irmão ou irmã
7.( ) Genro ou nora 8.( ) Outro parente
9.( ) Divide Moradia 10. ( ) Agregado(a)
11.( ) Empregado(a)
3. Nome da comunidade : (Nome adotado pelo grupo para o local - regionalização)
____________________________________________________________________________
4. Logradouro (endereço completo)
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
5. Responsável pelo domicílio:
____________________________________________________________________________
Situação da Entrevista: 1. ( ) Realizada 2. ( ) Fechada 3. ( ) Recusada
4. ( ) Vazia 5. ( ) Outra: ____________________
N° de visitas (pôr a data)
1 2 3 4
5
161
II – Dados gerais
6. Sexo do responsável pelo domicílio: 1.( ) Feminino 2.( ) Masculino
7. Idade do responsável pelo domicílio (anos completos em 2008): ( ) anos
8. Qual a situação atual de trabalho do responsável pelo domicílio? (na atividade principal)
1.( ) Trabalhador doméstico com carteira assinada 7.( ) Conta própria
2.( ) Trabalhador doméstico sem carteira assinada 8.( ) Aprendiz ou estagiário remunerado
3.( ) Empregado com CT assinada 9.( ) Militar/Serviço público
4.( ) Empregado sem CT assinada 10.( ) Aposentado/ sem trabalhar
5.( ) Empregador 11.( ) Desempregado sem trabalhar
6.( ) Cooperativado 12.( ) Outra / qual?
_______________________
9. Qual o ramo de trabalho do responsável pelo domicílio? (na atividade principal)
1.( ) Agrícola 2.( ) Indústria 3.( ) Construção civil 7.( ) Órgão Público
4.( ) Comércio 5.( ) Serviços 6.( ) Militar 8.( ) Nenhum
10. Qual o cargo do responsável pelo domicílio? ( ___________________________________)
11. Qual o rendimento nominal mensal do responsável pelo domicílio?
1.( ) até 175 reais 2.( ) de 175 até 350 reais 3.( ) de 375 até 700 reais
4.( ) de 700 até 1050 reais 5.( ) de 1050 até 1750 reais 6.( ) de 1750 até 2450 reais
7.( ) de 2450 até 3500 8.( ) mais de 3500 reais
12. Quantidade de crianças de 0 a 6 anos que moram neste domicílio: ( )
(anos completos em 2008./ caso a resposta seja zero, siga para questão 15)
13. Quantas destas crianças de 0 a 6 anos possuem carteira de vacinação: ( )
14. Quantas destas crianças de 0 a 6 anos estão na creche ou na escola? ( )
15. Quantidade de crianças de 7 a 14 anos que moram neste domicílio: ( )
(anos completos em 2008./ caso a resposta seja zero, siga para questão 18)
16. Quantas destas crianças de 7 a 14 anos estão freqüentando a escola? ( )
17. Quantas destas crianças de 7 a 14 anos trabalham? ( )
18. Quantidade de jovens de 15 a 24 anos que moram neste domicílio: ( )
(anos completos em 2008./ caso a resposta seja zero, siga para questão 17)
19. Qual a situação escolar destes moradores de 15 a 24 anos? (colocar o n° de indivíduos)
1.( ) Nunca freqüentaram a escola (questão 22) 2.( ) Pararam de estudar (questão 20)
3.( ) Ainda estudam (questão 21)
20. Escolarização dos jovens de 15 a 24 anos que pararam de estudar? (colocar n° de
indivíduos
1.( ) Não concluiu o primeiro ciclo do ensino fundamental (1ª a 4ª série)
2.( ) Concluiu o primeiro ciclo do ensino fundamental (1ª a 4ª série)
3.( ) Não concluiu o segundo ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª série)
4.( ) Concluiu o segundo ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª série)
5.( ) Não Concluiu o ensino médio (antigo 2º grau)
6.( ) Concluiu o ensino médio (antigo 2° grau)
162
7.( ) Não concluiu a graduação
8.( ) Concluiu a graduação
21. Dos jovens de 15 a 24 anos que estudam, qual curso freqüentam? (colocar o nº de
indivíduo)
1. ( ) Alfabetização de jovens e adultos
2. ( ) Primeiro ciclo do ensino fundamental (1ª a 4ª série)
3. ( ) Segundo ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª série)
4. ( ) Ensino fundamental supletivo
5. ( ) Ensino médio regular
6. ( ) Ensino médio supletivo
7. ( ) Ensino médio profissionalizante
8. ( ) Pré-vestibular
9. ( ) Graduação na área de humanas
10. ( ) Graduação na área de exatas
11. ( ) Graduação na área de saúde
12. ( ) Especialização
13. ( ) Mestrado ou Doutorado
14. ( ) Outro / Qual? __________________________________
22. Quantidade de moradores de 15 a 24 anos que não sabem escrever? ( )
23. Quantidade de moradores com 25 anos ou mais que não sabem escrever? ( )
24. Quantidade de moradores que tiveram filhos quando eram menores de 18 anos; ou estão
prestes a ter: ( )
25. Quantidade de moradores com 60 anos ou mais que não sabem escrever? ( )
26. Há algum morador com necessidade especial que limite de forma permanente suas
atividades?
1.( ) Não 2.( ) Sim. Quantos ( ) Qual? ( ) Física ( ) Mental ( ) auditiva ( ) visual
27. Todos os moradores possuem registro civil? 1.( ) Sim ( ) Não. Quantos? ( )
(certidão de nascimento ou casamento ou carteira de identidade)
28. Quantidade de moradores de 25 a 59 anos residentes neste domicílio: ( )
29. Quantidade de moradores neste domicílio, por sexo: 1.( ) masculino 2.( ) feminino
III – Características gerais dos moradores
30. Relação de moradores
N° Nome Naturalidade Religião Cor
Raça
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
IV – Educação dos moradores
163
31. Faz ou concluiu nos últimos 6 anos algum curso profissionalizante? (colocar número de
moradores)
1.( ) Não 2.( ) Sim. Qual área? ___________________________________________
32. Deseja fazer algum curso profissionalizante? (colocar número de moradores)
1.( ) Não 2.( ) Sim. Qual área? ____________________________________________
V – Rendimento dos Moradores
33. Contribui para o INSS? 1.( ) Não 2.( ) Sim (colocar número de moradores)
VI – Saúde dos moradores
34. Deixou de praticar alguma atividade habitual por falta de saúde? (colocar número de
moradores)
1.( ) Não 2.( ) Sim
35. Qual foi o principal motivo que o impediu de realizar a(s) atividade(s)?
____________________________________________________________________________
36. Possui algum problema crônico? (colocar número de moradores)
1.( ) Sim 2.( ) Não
37. Recebe algum acompanhamento médico? (colocar número de moradores)
1. ( ) Sim 2.( ) Não
38. Tipo de Instituição em que faz acompanhamento médico?
1.( ) Privado 2.( ) Público
39. Localidade da Instituição? (_________________________________________________)
40. Tem plano de saúde? (colocar número de moradores)
1.( ) Sim 2.( ) Não
VII – Características gerais dos domicílios
41. Espécie de domicílio:
1.( ) Particular permanente 2.( ) Particular improvisado 3.( ) Coletivo
42. Tipo de domicílio: 1.( ) casa 2.( ) apartamento 3.( ) cômodo
43. Uso do domicílio:
1.( ) apenas residencial 2.( ) uso misto com empresa
3.( ) uso misto com instituição cultural / desportiva 4.( ) uso misto com instituição religiosa
5.( ) uso misto de outro tipo. Qual? _____________________
44. Quantos andares possui o prédio do domicílio:
1.( ) um 2.( ) dois 3.( ) três 4.( ) quatro 5.( ) cinco ou mais
164
45. Quantos cômodos existem no domicilio:
1.( ) um 2.( ) dois 3.( ) três 4.( ) quatro 5.( ) cinco ou mais
46. Quantos cômodos servem de dormitório para os moradores do domicílio:
1.( ) um 2.( ) dois 3.( ) três 4.( ) quatro 5.( ) cinco ou mais
47. Situação do domicílio:
1.( ) próprio quitado 2.( ) próprio, ainda pagando
3.( ) alugado 4.( ) cedido por empregador
5.( ) cedido de outra forma 6.( ) ocupação
7.( ) Outra condição. Qual? _______________________
48. Possui carnê de IPTU: 1.( ) Sim 2.( ) Não 3.( ) não sabe
49. Possui documentação do imóvel:
1.( ) sim, escritura definitiva 2.( ) sim, declaração de órgão público
3.( ) sim, documento da associação 4.( ) sim, documento de cartório
5.( ) não sabe 6.( ) outro _________________________________
50. Como adquiriu o imóvel:
1.( ) finanças próprias 2.( ) financiamento público 3.( ) financiamento privado
4.( ) doação municipal 5.( ) doação estadual 6.( ) doação federal
7.( ) doação particular 8.( ) ocupação 9.( ) outro
10.( ) não sabe
51. Material predominante na construção das paredes externas:
1.( ) tijolo sem revestimento 2.( ) tijolo com embolso 3.( ) tijolo revestido
4.( ) madeira aparelhada 5.( ) madeira aproveitada 6.( ) estuque/taipa
7.( ) outro
52. Material predominante na cobertura do prédio do domicílio:
1.( ) telha de amianto 2.( ) telha de cerâmica 3.( ) laje
4.( ) outro. Qual? ________________
53. Iluminação do domicílio:
1.( ) elétrica com medidor 2.( ) elétrica sem medidor 3.( ) Outra ________________
54. Abastecimento de água no domicílio:
1.( ) rede geral 2.( ) poço na propriedade (terreno) 3.( ) poço fora da propriedade
4.( ) bica pública 5.( ) carro-pipa 6.( ) outra. Qual __________________
55. A água utilizada no domicílio chega canalizada?
1.( ) em pelo menos um cômodo 2.( ) apenas na propriedade (terreno) 3.( ) não
canalizada
56. Qual a freqüência da entrada de água no domicílio?
1.( ) diariamente 2.( ) uma vez por semana 3.( ) duas vezes por semana
4.( ) três vezes por semana 5.( ) de quatro a seis vezes por semana
6.( ) não sabe informar 7.( ) não canalizada
165
57. A água utilizada no domicílio para beber é:
1.( ) filtrada 2.( ) fervida 3.( ) filtrada e fervida
4.( ) mineral 5.( ) da bica (rede geral) 6.( ) nascente
7.( ) Outro. Qual? __________________
58. Quantos banheiros existem na casa: (colocar quantidade)
1.( ) com chuveiro e sanitário 2.( ) só com sanitário
3.( ) só com chuveiro 4.( ) nenhum
59. Esse banheiro é de uso:
1.( ) apenas do domicílio 2.( ) comum a mais de um domicílio
3.( ) não tem banheiro
60. Qual o destino do lixo domiciliar?
1.( ) coletado por serviço de limpeza regularmente
2.( ) coletado por serviço de limpeza irregularmente
3.( ) coletado em caçamba do serviço de limpeza
4.( ) jogado em terreno baldio ou no logradouro
5.( ) queimado
6.( ) enterrado
7.( ) jogado em rio, lago ou mar
8.( ) jogado em encostas
61. O arruamento onde se localiza o domicílio é:
1.( ) asfalto 2.( ) cimentado 3.( ) de paralelepípedos
4.( ) pé-de-moleque 5.( ) de terra / barro 6.( ) ponte de palafitas
62. Qual o principal combustível utilizado para cozinhar?
1.( ) gás de botijão 2.( ) gás canalizado 3.( ) energia elétrica 4.( ) lenha / carvão
5.( ) nenhum 6.( ) outro.Qual? ______________________
63. Assinale os bens existentes no domicílio (colocar a quantidade):
1.( ) telefone fixo 2.( ) celular cartão 3.( ) celular assinatura 4.( ) fax
5.( ) vídeo-cassete 6.( ) DVD 7.( ) aparelho de som/ rádio
8.( ) computador 9.( ) modem (Internet) 10.( ) televisão
11.( ) TV por assinatura 12.( ) fogão 13.( ) geladeira 14.( ) antena parabólica
64. Tempo de residência no domicílio: (morador mais antigo) __________ anos
VIII – Amostra Sócio-Cultural / Avaliação de Serviços
65. Qual o principal motivo que o faz morar no Complexo do Muquiço?
1.( ) proximidade com o local de trabalho 2.( ) proximidade com a família / parentes
3.( ) relação com amigos 4.( ) custo da moradia
5.( ) proximidade com comércios e serviços 6.( ) outro.qual? ____________________
66. Quais os principais motivos que o faria sair do complexo do Muquiço?
1.( ) distância do local de trabalho 2.( ) distância da residência de amigos e parentes?
3.( ) falta de opções educacionais/ culturais 4.( ) falta de serviços públicos básicos
5.( ) falta de segurança 6.( ) enchentes
166
7.( ) desmoronamento/ deslizamentos 8.( ) Outro motivo ___________________
67. Você considera o Complexo do Muquiço?
1.( ) bairro 2.( ) favela 3.( ) comunidade 4.( ) outro _______________________
68. Relacione os instrumentos financeiros que possui:
1.( ) conta bancária 2.( ) caderneta de poupança
3.( ) cartão de crédito 4.( ) “caderno” em algum comércio da comunidade
5.( ) troca cheques em algum comercio da comunidade
6.( ) outras aplicações financeiras
69. Indique quatro atividades que você mais realiza no tempo livre:
1. ( ) ir à praia 2. ( ) praticar esportes 3. ( ) ver TV 4. ( ) ver vídeo/ DVD
5. ( ) ouvir/ tocar música 6. ( ) ler/ escrever 7. ( ) ir a shows 8. ( ) ir a bailes
9. ( ) Ir ao IBPF 10.( ) ir ao shopping 11.( ) viajar 12.( ) ir ao circo
13.( ) ir ao cinema 14.( ) ir ao teatro 15.( ) ir a festas
16.( ) ir a espaços religiosos 17.( ) ir a bares/ restaurante
70. Indique quatro atividades que você mais gostaria de realizar no tempo livre:
1. ( ) ir à praia 2. ( ) praticar esportes 3. ( ) ver TV 4. ( ) ver vídeo/ DVD
5. ( ) ouvir/ tocar música 6. ( ) ler/ escrever 7. ( ) ir a shows 8. ( ) ir a bailes
9. ( ) Ir ao IBPF 10.( ) ir ao shopping 11.( ) viajar 12.( ) ir ao circo
13.( ) ir ao cinema 14.( ) ir ao teatro 15.( ) ir a festas
16.( ) ir a espaços religiosos 17.( ) ir a bares/ restaurante
71. Relacione duas atividades que mais faz no Complexo do Muquiço:
1.( ) esportes 2.( ) reuniões em casa de parentes 3.( ) reunião na casa de amigos
4.( ) bailes 5.( ) barzinho 6.( ) reunião em espaços religiosos
7.( ) nenhuma 8.( ) outra.Qual? ______________________________
72. Relacione as duas manifestações culturais que mais se manifestam?
1.( ) samba 2.( ) pagode 3.( ) forró 4.( ) baile funk
5.( ) hip hop 6.( ) festas folclóricas 7.( ) festas religiosas 8.( ) outros_________
73. Cite os três esportes de sua preferência:
1.( ) natação 2.( ) futebol 3.( ) voleibol 4.( ) handebol
5.( ) boxe 6.( ) capoeira 7.( ) artes marciais 8.( ) basquete
9.( ) atletismo 10.( ) ciclismo 11.( ) skate 12.( ) outro.qual? _____
74. Algum morador deste domicílio já foi vítima de alguma forma de violência física dentro do
Complexo do Muquiço no ano de 2007? (colocar n° de moradores) ( ) em casa
1.( ) sim, por arma de fogo 2.( ) sim, por faca 3.( ) sim, por espancamento
4.( ) sim, por outro objeto 5.( ) Não
75. Houve falecimento? 1.( ) sim 2.( ) não
76. Quem foi o agressor?
1.( ) parente/amigo 2.( ) vizinho(a) 3.( ) desconhecido
4.( ) forças policiais 5.( ) outros _____________
167
77. Algum morador deste domicílio já foi vítima de alguma forma de violência física fora do
Complexo do Muquiço no ano de 2007? (colocar n° de moradores)
1.( ) sim, por arma de fogo 2.( ) sim, por faca 3.( ) sim, por espancamento
4.( ) sim, por outro objeto 5.( ) Não
78. Houve falecimento? 1.( ) sim 2.( ) não
79.Quem foi o agressor?
1.( ) parente/amigo 2.( ) desconhecido 3.( ) forças policiais 4.( ) outros_____________
80. Relacione as atividades que são realizadas fora do Complexo do Muquiço:
1.( ) trabalho 2.( ) estudo 3.( ) saúde 4.( ) consumo
5.( ) lazer 6.( ) nenhuma
81. Tem vontade de mudar-se do Complexo do Muquiço? 1.( ) sim 2.( ) não
82. Quais os principais veículos que utiliza para manter-se informado dos acontecimentos da
cidade/ país/ mundo?
1.( ) jornal 2.( ) TV 3.( ) rádio 4.( ) rádio comunitária
5.( ) internet 6.( ) revistas/periódicos 7.( ) outro.qual? _______________________
83. Quantidade de livros que lê por ano, sem contar os escolares?
1.( ) nenhum 2.( ) de 1 a 3 3.( ) de 4 a 7 4.( ) de 8 a 10
5.( ) mais de 10
84. Quais os dois tipos de programas de TV preferidos?
1.( ) esportivo 2.( ) jornalístico 3.( ) novela 4.( ) filmes 5.( ) seriados
6.( ) humorístico 7.( ) infantil 8.( ) educativo 9.( ) musical
10.( ) auditório 11.( ) documentário 12.( ) outro.qual?_______________________
85. Participa de quais dessas instituições?
1.( ) associação de moradores 2.( ) sindicato/ associação de classe 3.( ) igrejas
4.( ) ONGs 5.( ) partido político 6.( ) grêmio estudantil
7.( ) clube 8.( ) escola de samba
9.( ) nenhuma 10.( ) grupo de mulheres, homens, idosos
86. Quando precisa de alguma ajuda material recorre a:
1.( ) associação 2.( ) instituição religiosa 3.( ) ONGs 4.( ) políticos
5.( ) órgãos púbicos 6.( ) parentes 7.( ) vizinho/amigos 8.( ) nenhum
9.( ) outros. Qual? ____________________
87. Indique os quatro serviços ou equipamentos em que considera o Complexo do Muquiço
mais bem atendido:
1.( ) iluminação púbica 13.( ) arruamento
2.( ) saúde (postos) 14.( ) praças e quadras de esporte
3.( ) policiamento 15.( ) parques e arborização em geral
4.( ) escola de ensino fundamental (1º grau) 16.( ) lazer
5.( ) ensino médio (2°grau) 17.( ) comércio
6.( ) creches 18.( ) correio
7.( ) associação de moradores 19.( ) entregas domiciliares
168
8.( ) água 20.( ) transporte
9.( ) esgoto 21.( ) telefonia pública
10.( ) coleta de lixo 22.( ) telefonia residencial
11.( ) limpeza de vias públicas 23.( ) título de propriedade
12.( ) calçamentos
88. Para a melhoria da qualidade de vida na comunidade, é necessário mais investimento em:
(cite quatro)
1.( ) iluminação púbica 13.( ) arruamento
2.( ) saúde (postos) 14.( ) praças e quadras de esporte
3.( ) policiamento 15.( ) parques e arborização em geral
4.( ) escola de ensino fundamental (1º grau) 16.( ) lazer
5.( ) ensino médio (2°grau) 17.( ) comércio
6.( ) creches 18.( ) correio
7.( ) associação de moradores 19.( ) entregas domiciliares
8.( ) água 20.( ) transporte
9.( ) esgoto 21.( ) telefonia pública
10.( ) coleta de lixo 22.( ) telefonia residencial
11.( ) limpeza de vias públicas 23.( ) título de propriedade
12.( ) calçamentos 24.( ) agência de banco
89. Quanto à qualidade da associação de moradores:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado
3.( ) ruim, precisa ser melhorado 4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
90. Quanto à coleta de lixo domiciliar, o serviço prestado ao Complexo do Muquiço é:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado
3.( ) ruim, precisa ser melhorado 4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
91. Quanto à saúde pública, o serviço prestado ao Complexo do Muquiço é:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado
3.( ) ruim, precisa ser melhorado 4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
92. Quanto à Iluminação pública, o serviço prestado ao Complexo do Muquiço é:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado
3.( ) ruim, precisa ser melhorado 4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
93. Quanto ao fornecimento de energia elétrica, o serviço prestado ao Complexo do Muquiço é:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado
3.( ) ruim, precisa ser melhorado 4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
94. Quanto às creches públicas, o serviço prestado ao Complexo do Muquiço é:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado
3.( ) ruim, precisa ser melhorado 4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
95. Quanto às escolas de ensino fundamental, o serviço prestado ao Complexo do Muquiço é:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado
3.( ) ruim, precisa ser melhorado 4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
169
96. Quanto às escolas de ensino médio, o serviço prestado ao Complexo do Muquiço é:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado
3.( ) ruim, precisa ser melhorado 4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
97. Quanto ao serviço da polícia, o serviço prestado ao Complexo do Muquiço é:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado
3.( ) ruim, precisa ser melhorado 4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
98. Quanto ao fornecimento de água, o serviço prestado ao Complexo do Muquiço é:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado 3.( ) ruim, precisa ser melhorado
4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
99. Quanto ao sistema de esgotos, o serviço prestado ao Complexo do Muquiço é:
1.( ) adequado 2.( ) bom, mas precisa ser ampliado 3.( ) ruim, precisa ser melhorado
4.( ) inexistente 5.( ) não sabe / desconhece
100. Conhece os trabalhos do Instituto Bola Pra Frente? 1.( ) sim 2.( ) não
101. Alguém do domicílio freqüentou algum projeto do Instituto Bola Pra Frente no ano de
2007?
1.( ) sim 2.( ) não
102. Qual projeto?
1.( ) Craque de Bola e de Escola 2.( ) ARTilheiro 3.( ) Campeão de Cidadania
4.( ) Craque dos Craques 5.( ) não sabe
103. Alguém do domicílio freqüentou algum projeto do Instituto Bola Pra Frente antes de 2007?
1.( ) sim 2.( ) não
104. Qual a idade do ex-participante: ( ) anos
105. Por quanto tempo participou do projeto? ( ) anos
106. Motivo do afastamento?
1.( ) desinteresse 2.( ) trabalho 3.( ) distância
4.( ) risco de violência no trajeto 5.( ) idade 6.( ) saúde
7.( ) outros ____________________________
107. Qual a situação educacional do ex-participante menor de 17 anos?
1.( ) 1° ciclo do ensino fundamental (1ª a 4ª série)
( ) completo ( ) incompleto ( ) cursando ( ) abandonou na ____ série
2.( ) 2° ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª série)
( ) completo ( ) incompleto ( ) cursando ( ) abandonou na ____ série
3.( ) Ensino médio (2° grau)
( ) completo ( ) incompleto ( ) cursando ( ) abandonou na ____ série
4.( ) Graduação. Curso ( ________________________)
( ) completo ( ) incompleto ( ) cursando ( ) abandonou no ____ período
170
108. Qual a situação profissional do ex-participante maior de 18 anos?
1.( ) empregado 2.( ) desempregado
109. Ramo da atividade que trabalha:
1.( ) Agrícola 2.( ) Indústria 3.( ) Construção civil 7.( ) Órgão Público
4.( ) Comércio 5.( ) Serviços 6.( ) Militar 8.( ) Nenhum
110. Função: _____________________________________________
111. Situação empregatícia:
1.( ) Trabalhador doméstico com carteira assinada 7.( ) Conta própria
2.( ) Trabalhador doméstico sem carteira assinada 8.( ) Aprendiz ou estagiário remunerado
3.( ) Empregado com CT assinada 9.( ) Militar/Serviço público
4.( ) Empregado sem CT assinada 10.( ) Aposentado/ sem trabalhar
5.( ) Empregador 11.( ) Desempregado sem trabalhar
6.( ) Cooperativado 12.( ) Outra / qual?
____________________
112. Rendimento mensal: ___________________________________
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