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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Juliana Andrade Alvarez
A expectativa do professor de educação de
jovens e adultos: implicações
na auto-estima dos alunos
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
São Paulo
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Juliana Andrade Alvarez
A expectativa do professor de educação de
jovens e adultos: implicações
na auto-estima dos alunos
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Educação:
História, Política, Sociedade, sob
orientação do professor doutor José
Leon Crochìk.
São Paulo
2008
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Banca Examinadora:
___________________________________________
_____________________________________________
_____________________________________________
RESUMO
Nesta pesquisa tem-se como objetivo principal identificar se há preconceito do
professor em relação aos alunos das classes de Educação de Jovens e Adultos e se
a expectativa do professor afeta a auto-estima dos mesmos. A pesquisa concentrou-
se no CEJA (Centro Educacional de Jovens e Adultos) do município de Bauru – SP
e utilizou as colaborações teóricas da Teoria Crítica da Sociedade, principalmente os
autores T. W. Adorno e M. Horkheimer.
Foram aplicadas escalas do tipo Likert a 23 professores para aferir se os
mesmos apresentavam pensamento preconceituoso em relação aos alunos das
classes de EJA, qual a importância atribuída ao trabalho realizado e qual à
expectativa de êxito escolar que tinham de seus alunos. Desses 23 professores,
selecionamos três que apresentaram, nas escalas, a maior pontuação, a menor
pontuação e a pontuação mediana. A partir disso, aplicamos escalas do tipo Likert
aos alunos desses três professores selecionados, somando-se 47 alunos. Em
relação aos alunos, as escalas colheram informações a respeito da importância
atribuída à escola e ao estudo, à relação que mantêm com os professores e sobre a
auto-estima.
Obteve-se como resultado que os professores mantêm uma alta expectativa
em relação aos alunos, atribuem grande importância ao trabalho realizado nas
classes de EJA e não apresentam pensamento preconceituoso. Os alunos atribuem
muita importância ao estudo e à escola e tem uma boa relação com os professores,
o que se reflete numa auto-estima elevada no ambiente escolar.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; Teoria Crítica; Auto-estima;
Preconceito; Relações escolares.
ABSTRACT
The purpose of this study is to identify if there is teacher prejudice with regard
to students of the classes of Young and Adult Education and if the teacher
expectancy affects their self-esteem. This study was focused in the CEJA - Centro
Educacional de Jovens e Adultos (Young and Adult Educational Center) in the city of
Bauru in the state of São Paulo, and it has applied the theoretical collaborations of
the Critical Theory of Society, and especially the authors T. W. Adorno and M.
Horkheimer.
We applied Likert Scales to 23 teachers to check if they showed any kind of
prejudiced thinking with regard to students of EJA classes, which was the importance
given to the accomplished work, and which was the expectancy of the school
success they had about their students. We selected three teachers from these 23,
who showed in the scales the biggest, the smallest and the average punctuation.
After that, we applied Likert Scale to students of these three selected teachers,
totalizing 47 students. Relating to the students, the scales collected information about
the importance given to the school and the study, the relationship kept with the
teachers, and about their self-esteem.
We concluded that the teachers keep a high expectancy with regard to
students. They attribute a great importance to the accomplished work in the EJA
classes and do not show prejudiced thinking. The students give a lot of importance to
the study and they have a good relationship with teachers, reflecting in a high self-
esteem in the school environment.
Keywords: Young and Adult Education; Critical Theory; Self-steem; Prejudice; School
relationships.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao Deja, uma das pessoas mais importantes da minha vida, que,
infelizmente, partiu antes desta conquista; meu tio, pai, irmão, amigo, companheiro...
obrigada por me ensinar esta canção:
Blowin' In The Wind
How many roads must a man walk down
Before they call him a man?
How many seas must a white dove sail
Before she can sleep in the sand?
How many times must the cannonballs fly
Before they're forever banned?
The answer, my friend, is blowing in the wind
The answer is blowing in the wind.
How many years must a mountain exist
Before it is washed to the sea?
How many years can some people exist
Before they're allowed to be free?
How many times can a man turn his head
and pretend that he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowing in the wind
The answer is blowing in the wind.
How many times must a man look up
Before he can see the sky?
How many years must one man have
Before he can hear people cry?
How many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowing in the wind
The answer is blowing in the wind.
(Robert Zimmerman)
O Soprar do vento
Quantas estradas um homem deve prosseguir
Para que eles o chamem de homem?
Quantos mares uma pomba branca deve
sobrevoar
Antes que ela possa dormir na areia?
Quantas vezes as balas de canhão devem voar
Até que sejam banidas para sempre?
A resposta, meu amigo, está no soprar do vento.
A resposta está no soprar do vento.
Por quantos anos uma montanha deve existir
Antes que ela seja levada pelo mar?
Por quantos anos algumas pessoas podem existir
Até que permitam que elas sejam livres?
Quantas vezes um homem pode virar a cabeça
dele
E fingir que não consegue ver?
A resposta, meu amigo, está no soprar do vento.
A resposta está no soprar do vento.
Quantas vezes um homem deve levantar os olhos
Até poder ver o céu?
Quantos ouvidos um homem deve ter
Até que ele possa ouvir as pessoas chorarem?
Quantas mortes precisarão ocorrer até que ele
saiba
Que muitas pessoas já morreram?
A resposta, meu amigo, está no soprar do vento.
A resposta está no soprar do vento
.
AGRADECIMENTOS
A vida me solicitou exaustivamente nestes anos de mestrado e,
em vários momentos, pensei que não chegaria até aqui.
Agradeço a Deus por me dar a força da superação.
A Amadeo, que possui os olhos mais profundos, por ser o motivo de tudo.
Aos meus pais, Beth e Lalau, pelo apoio e amor incondicional em todas as ocasiões.
Não existem palavras que expressem minha gratidão.
Ao meu caro orientador Leon, por seu carinho, paciência e
precisão com que me orientou.
Aos amigos e irmãos, meu carinho especial:
Thalita Alvarez, Duca Alvarez, Gisele Parreira, Bianca Zucchi,
Adriana Nogueira, Justina, Profª. Fátima Sandrin, Carla Castilho
e todos aqueles que me acompanharam nesta trajetória.
Aos professores doutores Odair Sass e José Fernando Lomônaco
pela participação e importantes apontamentos na qualificação.
À Elisabete Adania pela solicitude e simpatia.
Em especial, aos professores do Programa de EHPS, pelos valiosos ensinamentos. E aos
professores Vera Casério, Henrique Salgado, Mario Balistrieri, Valéria Maria Sant’Anna.
Aos professores, alunos e coordenadores do CEJA.
À CAPES, pela bolsa de estudos concedida.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................11
1 TEORIA CRÍTICA E EDUCAÇÃO ........................................................................16
1.1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ..................................................................................16
1.2 A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO ..................................................................................18
1.3 ANALFABETISMO E EDUCAÇÃO DE ADULTOS ..........................................................19
2 PRECONCEITO E AUTO-ESTIMA .......................................................................23
3 OBJETIVOS E HIPÓTESES .................................................................................34
4. MÉTODO ..............................................................................................................35
4.1 SUJEITOS............................................................................................................35
4.2 INSTRUMENTOS ...................................................................................................38
4.3 P-TESTE .........................................................................................................39
4.3.1 Análise dos resultados do pré-teste com os alunos..............................................42
4.3.2 Resultados dos pré-testes das escalas aplicadas aos alunos..............................43
4.3.3 Análise dos resultados do pré-teste das escalas aplicadas a
professores do CEJA............................................................................................46
4.4 ANÁLISE E MODIFICAÇÕES PARA O TESTE...............................................................48
4.5
PROCEDIMENTOS ................................................................................................51
4.5.1 Apresentação dos resultados ....................................................................52
DISCUSSÃO.............................................................................................................55
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................57
REFERÊNCIAS.........................................................................................................60
ANEXO .....................................................................................................................63
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Pontuação para as afirmativas das escalas .........................................38
QUADRO 2 – Sujeitos, escalas e pontuações ............................................................39
QUADRO 3 – Questões (e objetivo de cada questão) aplicadas
aos alunos (pré-teste) ........................................................................................40
QUADRO 4 – Questões (e objetivo de cada questão) aplicadas
aos professores (pré-teste) ................................................................................41
QUADRO 5 – Questões (e objetivos) aplicadas aos alunos na coleta final
dos dados ...........................................................................................................49
QUADRO 6 – Questões (e objetivos) aplicadas aos professores na coleta final dos
dados..................................................................................................................50
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Freqüência dos alunos por classe e por gênero ....................................37
TABELA 2 – Média e desvio padrão da variável idade ..............................................37
TABELA 3 – Proporção das alternativas de resposta escolhida pelos sujeitos à Escala
E1 .......................................................................................................................43
TABELA 4 - Proporção das respostas dadas pelos alunos às questões da
Escala E2 ...........................................................................................................44
TABELA 5 - Proporção das respostas dadas pelos alunos às questões da
Escala E3 ...........................................................................................................45
TABELA 6 Medianas dos escores das respostas dos sujeitos às Escalas ..............45
TABELA 7 Correlação entre as Escalas ..................................................................46
TABELA 8 Proporção das respostas dos professores às alternativas da Escala que
versa sobre os alunos ........................................................................................47
TABELA 9 Proporção das respostas dos professores à Escala sobre a importância
do trabalho .........................................................................................................48
TABELA 10 Mediana de pontuação nas Escalas ....................................................52
TABELA 11 Resultado da correlação de Spearman.................................................53
INTRODUÇÃO
A educação no Brasil é um direito de todos os cidadãos garantido pela
Constituição Federal e cabe ao Estado oferecê-la a toda população. Sabemos que
hoje existem milhões de brasileiros alienados desse direito, afastados do saber da
leitura e da escrita – saberes que são imprescindíveis para o pleno exercício da
cidadania numa sociedade gráfica e tecnológica, permeada pelas diretrizes do
mercado de trabalho que exigem trabalhadores letrados, qualificados e inseridos no
universo das novas tecnologias.
A educação de jovens e adultos não escolarizados abrange tanto a questão
escolar – que repousa sobre a construção do conhecimento, a resolução de
problemas e a auto-aprendizagem –, como também a questão popular – ligada às
lutas por melhores condições de emprego, moradia, transporte etc. Nesse sentido, a
Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem a concepção de educação ao longo da
vida, de autonomia para a auto-aprendizagem e para a compreensão das
transformações que ocorrem no mundo do trabalho, da economia, da cultura, da
sociedade de forma geral. Garantir não somente a alfabetização e o acesso aos
fundamentos da leitura e da escrita, mas toda a formação do Ensino Fundamental é
tarefa dos programas de EJA em todo o país. Algumas questões que não permitem
o êxito desses programas em atender a essa população serão abordadas ao longo
deste trabalho.
Se a educação, numa sociedade como a nossa, é de importância fundamental
para o acesso à informação, para a inserção no mercado de trabalho, para a
construção de cidadãos livres e atuantes, em relação aos não alfabetizados e não
escolarizados, a educação tem papel ainda mais crucial, uma vez que é via para a
reflexão das condições que levam à marginalização social, bem como meio para a
construção do processo de recuperação das trajetórias pessoais. Além disso, uma
sociedade na qual os climas intelectual, cultural e social baseiam-se no
esclarecimento geral dos indivíduos, permite a reflexão acerca dos mecanismos
sociais de opressão, e a não-participação em movimentos extremistas que geram a
barbárie social (Adorno, 2003, p 123).
12
O presente trabalho pretende colher informações que respondam de que
forma a expectativa dos professores em relação aos alunos, a visão que têm dessa
modalidade de ensino e o preconceito existente nas práticas escolares podem influir
na auto-estima dos alunos de EJA da cidade de Bauru – SP.
O CEJA (Centro educacional de jovens e adultos) do município abriga alunos
que, em geral, abandonaram a escola por motivos que vão desde a dificuldade de
acesso à escola, inserção no mercado de trabalho precocemente, repetência e
fracasso escolar, até a desvalorização cultural da escola por parte de seus
familiares. Incluem-se, entre esses alunos, aqueles que também nunca passaram
pela escola anteriormente pelos mesmos motivos. Retornam à escola ou a ela
recorrem, no CEJA, para aprender a ler a Bíblia; ter acesso à merenda e uniforme
escolares (agasalhos); receber o Bolsa-Família (programa de auxílio do Governo
Federal); propaganda dos que lá estão ou estiveram e que acreditam que “melhora”
a vida; famílias que enviam os idosos tidos como ociosos; jovens infratores em
programas de reabilitação sob tutela do Estado e capacitação profissional.
O cenário do CEJA, em um aspecto, é convergente com o da educação de
jovens e adultos no Brasil que, nos dias atuais, se compõe de alunos que nunca
tiveram experiência escolar e de alunos que passaram pela escola, mas não
lograram êxito, abandonando-a antes de concluir os estudos.
A heterogeneidade dos alunos se apresenta como mais um obstáculo aos
professores que devem atender a grupos culturais distintos. De um lado, alunos
mais velhos que, em geral, nunca passaram pela escola e que enxergam na
escolarização a possibilidade de integração sociocultural, ascensão econômica e
profissional e melhora da auto-estima. E, de outro lado, alunos jovens, inseridos
numa cultura urbana e em contato com a sociedade letrada, com experiências
escolares fracassadas que carregam o estigma de “problemáticos” e esperam da
escola cursos de aceleração e recuperação. Além disso, esses jovens apreenderam
da experiência escolar frustrada uma representação violenta, na medida em que tal
passagem foi marcada pela violência mascarada na forma de “ofensas verbais,
discriminações, segregações, humilhações e desvalorização com palavras e atitudes
de desmerecimento” (Marriel, 2006, p. 37), ou pela frustração de não terem
13
encontrado no ambiente escolar nem acolhimento às suas necessidades intelectuais
nem a possibilidade de socialização.
O ambiente escolar é um espaço de ampliação do círculo das relações sociais
e afetivas, de troca de referências, espaço de formação, educação, e saber. Os
jovens e adultos que voltam aos bancos escolares são indivíduos inseridos no
mundo do trabalho – geralmente ocupando funções não qualificadas – e que
apresentam especificidades sócio-culturais. O que os aproxima (jovens de adultos)
são as motivações que os levam novamente em busca da escolarização tardia,
quais sejam a melhora das condições de trabalho (novas oportunidades e
qualificação), conquistas em relação à auto-imagem e à sociabilidade, além da
busca pelo exercício, ainda que tardio, da cidadania.
Não é pertinente que a escola os trate como público homogêneo e que as
políticas públicas sejam distanciadas de sua realidade. Sendo pessoas jovens e
adultas, acumulam experiências de vida e conhecimentos empíricos que se chocam
com os conhecimentos hierarquizados, lineares, cumulativos e desprovidos de
significados propostos pelos currículos dessa modalidade de ensino. Não levar em
conta as especificidades desse grupo é produzir mais uma vez o seu fracasso, não
permitindo que exerçam permanentemente a construção e reconstrução dos
conhecimentos que adquirem na escola e fora dela. O conhecimento é um processo
vivo, dinâmico, de caráter intelectual e cultural; não cabe, portanto, desconsiderar a
realidade sócio-cultural e a heterogeneidade dos estudantes da EJA sob pena de,
mais uma vez, recair sobre seus ombros a “culpa” por mais uma oportunidade
“perdida”, mais um “fracasso” e novamente a impossibilidade de realização da
cidadania e de elevação da auto-estima.
Se anteriormente tais alunos possuíam apenas a possibilidade de obter êxito
no processo ensino-aprendizagem recorrendo à “retaguarda cultural fora da escola
[...] e resolver dificuldades de aprendizagem por conta própria [...] selecionar e
afastar alunos que dependem unicamente da escola para aprender” (Sampaio, 1998,
p. 229) tornou-se situação corriqueira no nosso sistema de ensino. Segundo Santos
(2003, p. 112), o fracasso escolar possui dois sentidos: o da produção teórica que o
coloca como um processo silencioso de exclusão tanto do sistema de ensino quanto
da estrutura social, realizado desde o ingresso dos alunos na escola; e a perspectiva
14
do sujeito evadido da escola, que acredita que o fracasso seja resultado de suas
opções (pelo trabalho, em geral), suas limitações pessoais e familiares, aquiescendo
que esse seja um caminho natural no qual realizam exatamente aquilo que deles se
esperava. É, ainda, um caminho até mesmo desejado, pois libera-os para seguir os
caminhos profissionais. Paradoxalmente, são esses mesmos caminhos profissionais
alguns dos motivadores que os conduzem novamente à escola.
Sampaio (1998, p. 233), ao refletir sobre o fracasso escolar na cidade de São
Paulo, afirma que o mecanismo de seleção do ensino público configurou uma nova
função para a escola a partir da década de 1970: “acolher e acalmar a demanda,
disciplinando o atendimento e afastando, mediante procedimentos seletivos, a
maioria despreparada, que não acompanha o desenvolvimento do processo de
ensino”.
Dessa forma, observa-se uma:
(...) nova modalidade de exclusão educacional que acompanhou a
ampliação do ensino público e acabou produzindo um elevado
contingente de jovens e adultos que, apesar de terem passado pelo
sistema de ensino, nele realizaram aprendizagens insuficientes para
utilizar com autonomia os conhecimentos adquiridos em seu dia-a-dia.
(Haddad & Di Pierro, 2000, p. 126).
Ao se visualizarem na posição social do não-saber e enfrentando os
constrangimentos sociais decorrentes dessa posição, a autopercepção desses
indivíduos pode ser negativa. Para esses alunos, que buscam na escolarização
possibilidades de inclusão social, econômica e cultural, tanto a escola como a figura do
professor são relevantes e responsáveis pela formação e/ou manutenção da auto-
estima ou, em caso contrário, “se essas relações forem constituídas por atitudes
violentas, parece haver maior probabilidade de serem associadas a um sentimento
negativo de si: a baixa auto-estima” (Marriel, 2006, p. 39).
A auto-estima refere-se à “percepção que o indivíduo tem do seu próprio valor
e a avaliação que faz de si mesmo em termos de competência...” (Marriel, 2006, p.
39). Não somente os alunos da EJA, como também os professores parecem ter de si
um julgamento de pouco valor. Tal julgamento confirma-se no plano social, com a
desvalorização tanto política como social e cultural da Educação de Jovens e
Adultos. Não basta, portanto, oferecer a possibilidade de escolarização se não
15
houver políticas positivas e que atendam às necessidades dessa demanda, caso
contrário, novamente esses indivíduos terão confirmadas suas autopercepções
negativas.
Quer pelo reforço dos procedimentos de seleção e avaliação, pelo
atendimento de massa, pela produção do fracasso escolar ou sucesso insatisfatório
(Sampaio, 1998, p.235) conformar-se com qualquer mínima política e atendimento
parece confirmar não apenas o descaso com essa parcela da população, mas pior
que isso, confirmar o “despreparo e a inferioridade” com que a sociedade trata tal
segmento.
O presente trabalho se vale das contribuições da Teoria Crítica da Sociedade,
especialmente dos autores Adorno e Horkheimer, para analisar como a realidade da
EJA está em conformidade com os ditames da sociedade de classes que requer
indivíduos adaptados e “calados” para justificar a desigualdade e dar continuidade à
dominação e à exclusão.
No capítulo 1 do presente trabalho apresentam-se os pressupostos da Teoria
Crítica da Sociedade que norteiam a pesquisa, bem como a concepção de educação
na visão, principalmente de T. W. Adorno. Em seguida abordam-se as questões do
analfabetismo e da realidade da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, com um
breve relato das principais dificuldades enfrentadas pelo EJA ao longo da história.
No capítulo 2 os dois principais temas do trabalho estão explicitados: a
concepção de preconceito que segue os pressupostos da Teoria Crítica e a questão
da auto-estima, algumas de suas diversas definições, bem como sua importância no
desenvolvimento pessoal dos indivíduos.
Posteriormente, apresentam-se os objetivos e hipóteses do trabalho; o
método de pesquisa e o pré-teste realizado antes da coleta final dos resultados –
como forma de aperfeiçoar o instrumento de pesquisa.
Por fim, são apresentados os resultados encontrados, a análise e discussão
desses resultados e as considerações finais.
16
1 – TEORIA CRÍTICA E EDUCAÇÃO
1.1 - Pressupostos teóricos
A Teoria Crítica da Sociedade inicia-se em 1923, em Frankfurt, com a
criação do Instituto para a Pesquisa Social, tendo como principais autores Max
Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Walter Benjamin, entre outros.
Descontentes com os rumos que a sociedade contemporânea havia tomado e
com o engajamento revolucionário herdeiro do marxismo, esses autores
buscavam a autonomia e a independência do pensamento. Suas principais
críticas recaem sobre a racionalidade cartesiana da filosofia positivista: a
complexidade da realidade social é submetida ao pensamento racional e
dominada pelo método científico (Matos, 2005, p. 20).
A racionalidade científica traz embutida a idéia de progresso e de
emancipação humana pelo uso da razão, também o domínio da natureza como
desenvolvimento técnico-científico. Essa mesma razão, capaz de subordinar a
natureza aos interesses da produção humana volta-se para a dominação da
natureza interior do homem. No pensamento cartesiano, o indivíduo é um sujeito do
conhecimento, destituído de paixões, sentimentos, história, memória, psicologia.
Aqui as paixões e as ilusões dos sentidos são perturbadoras da razão. Portanto, a
mesma razão que serve para dominar a natureza exterior está a cargo da
subordinação da natureza interior do homem – a subjetividade – ou seja, a renúncia
de si mesmo, cuja finalidade é a instauração de uma racionalidade controladora
(Matos, 2005, pp.36/37). “A racionalidade que separa sujeito de objeto, corpo e
alma, eu e mundo, natureza e cultura, acaba por transformar as paixões, as
emoções, os sentidos, a imaginação e a memória em inimigos do pensamento”
(Matos, 2005, p. 42). Ao estabelecer a razão controladora, a Teoria Tradicional
impõe o ascetismo do indivíduo em prol do desenvolvimento e do progresso social.
Essa idéia de renúncia será resgatada posteriormente pelo indivíduo que, frente às
determinações econômicas e sociais, voltará sua repressão na forma de agressão e
adesão a movimentos extremistas e violentos.
17
A mesma racionalidade que instaura a dominação da natureza exterior e
interior estabelece também a indiferença, anula a memória e o passado, o individual
e o singular. Coloca o homem nos mesmos domínios que fora colocada a natureza:
passível de ser enquadrado numa racionalidade técnica, destituído de
singularidades, convertido em números estatísticos, reificado. O princípio de uma
igualdade abstrata entre os homens concerne com o ideal de uma sociedade
unidimensional, sem oposição ou contradição. O sujeito histórico, transformador da
sociedade, é transmutado num indivíduo com valor de troca no mercado, adaptado à
sociedade totalitária à qual não se opõe.
É contra a alienação e a reificação do indivíduo, a violência que se repete na
história, a heteronomia e a adaptação total dos homens à sociedade unidimensional
e a possibilidade de barbarização incluídos em tal realidade, que os autores da
Teoria Crítica voltam seus esforços. A sociedade tal qual se estabeleceu só poderia
nos conduzir aos horrores do fascismo alemão. Contra a emergência de novas
barbáries tais como Aschwitz, Adorno dedicou alguns estudos tais como Educação e
Emancipação, Educação após Aschwitz e Educação, Pra quê?, referendando
esforços de que a educação sirva como resistência e esclarecimento dos indivíduos,
evitando os fins de horror que a época contemporânea traz em seu cerne.
Com base nessas contribuições o presente estudo se concentra na atual
Educação de Jovens e Adultos, com enfoque nos seus limites e potencial
transformador da realidade de milhares de jovens e adultos alheios a potencialidade
de conscientização que a educação esclarecedora e emancipadora pode lhes
proporcionar.
18
1. 2 – A questão da educação
De acordo com Adorno (2003, p. 141), a educação tem a concepção da
produção de uma consciência verdadeira, qual seja aquela capaz de tomar decisões
conscientes independentemente dos ideais exteriores bombardeados nos indivíduos
tanto pela indústria cultural quanto por outras instituições socializadoras como a
família, a igreja e a própria escola. A educação para a formação de uma consciência
verdadeira baseia-se na capacidade de fazer experiência dos indivíduos.
Como um conceito chave no pensamento do autor, a capacidade de pensar é
a mesma capacidade de fazer experiência. Entretanto, num mundo reificado, em que
as experiências já são de antemão “vividas” pela “realidade virtual” da indústria
cultural, em que os conceitos não necessitam ser elaborados pelo pensamento,
posto que são entregues prontos, a capacidade do pensamento autônomo e
emancipado está encarcerada numa educação que visa a heteronomia, ou seja, que
forma indivíduos enquadrados e adaptados às necessidades sociais.
A escola, calcada nos preceitos da utilidade e da eficiência, justapõe-se à
sociedade total administrada em que todas as coisas, todos os corações e mentes
são manipulados, classificados e conduzidos na direção da reprodução das
condições sociais que vigoram. Ao adotar o discurso do respeito às diferenças sócio-
cognitivas dos alunos, por exemplo, a escola justifica a dominação e cumpre o papel
de seletora social, ao “negligenciar a necessidade de escolares carentes
aprenderem a ‘norma culta’ é o mesmo que lhes dar o veredicto da marginalização
sem esperanças” (Batista, 2000, p.188) por mais que seus familiares ainda tenham
expectativa de que a educação formal oferecida nas escolas possa lhes assegurar a
subida de um degrau social, quando, no entanto, o que se têm são políticas
assistencialistas e conhecimentos superficiais e instrumentais. A partir do momento
em que não oferece possibilidades de reflexão acerca das contradições sociais, seja
pela seleção dos conteúdos, pela segregação das turmas, hierarquização e etc a
escola oculta a desigualdade social e, dessa forma, constitui-se como
antidemocrática, e não realiza sua função de formação cultural. A educação, tal
como descrita, garante pseudoformação dos indivíduos que, por sua vez, afiança a
adaptação à realidade social da sociedade total administrada.
19
1.3 - Analfabetismo e Educação de Adultos
A educação de adultos no Brasil caminha paralelamente à busca pela
implantação e difusão da educação elementar, à história dos modelos econômicos e
políticos e às relações de poder dentro da sociedade; segundo Paiva (1973, p. 46),
exercida por meio de práticas formais e informais, apresenta a finalidade prioritária
de atender aos interesses dos grupos que a promovem. Ainda segundo a autora, os
ideais liberais de educação para todos foram introduzidos no Brasil em fins do
século XIX paralelo aos primeiros surtos industriais, e difundiu a idéia de que, por
meio da educação, independentemente da origem social venceriam os mais
capazes.
Durante o período colonial, voltada aos indígenas e, posteriormente, aos
escravos, a educação era realizada pelos missionários da Igreja Católica com a
finalidade de catequizar e transmitir normas de comportamento. Apesar de não
haver necessidade de mão-de-obra instruída nesse período, pretendia-se que os
colonos seguissem as ordens da corte e a religião católica, e que os índios falassem
a língua dos colonizadores, ou seja, a educação fazia parte de um processo de
aculturação, cristianização e dominação dos nativos.
Durante o Império quase nada se realizou para a educação de adultos, uma
vez que estava voltada às elites econômicas, ficando excluídas as minorias sociais:
mulheres, negros, índios, analfabetos. Na Primeira República, apesar das diversas
reformas educacionais realizadas, “a educação de jovens e adultos praticamente
não se distinguia como fonte de um pensamento pedagógico ou de políticas
educacionais públicas” (Haddad & Di Pierro, 2000, p. 110).
Após o Censo de 1940, que identifica 55% da população analfabeta no país,
iniciou-se um debate a fim de solucionar a questão por meio da ampliação do ensino
elementar ou a adoção de métodos e programas específicos. Com a criação da
UNESCO em 1945 e a crescente influência dos organismos internacionais na
definição de políticas para os países pobres, enfatizou-se a necessidade de criação
de programas destinados ao atendimento desse segmento, como forma de garantir
o desenvolvimento econômico e a democratização. Até esse momento, o problema
20
do analfabetismo estava associado às questões políticas, de ampliação de bases
eleitorais.
A problemática da educação de adultos até o início do século XX esteve
atrelada à da educação popular de forma geral. Ao final da segunda Guerra Mundial,
a urbanização e o desenvolvimento industrial, além da preocupação com o
fortalecimento dos princípios democráticos e a educação da massa (a fim de
legitimar os governos) fez com que a questão educacional passasse a ser uma
preocupação das autoridades.
Com a declaração da UNESCO, que destacou a importância da educação
para o desenvolvimento de nações atrasadas, diversas políticas e campanhas foram
realizadas no intuito de promover a educação da massa, qualificar a força de
trabalho para os programas de desenvolvimento nacional e acomodar as tensões
sociais que surgiram. A educação de adultos passou a se constituir definitivamente
como um campo específico em fins da década de 1940, com preocupações de
caráter técnico-pedagógico que levaram à reflexão dos aspectos sociais e
econômicos do analfabetismo e sua conseqüente necessidade de solução
Segundo Paiva (1973, p. 204 - 205), no período que antecedeu a ditadura
militar, instaurada em 1964, a EJA foi identificada de grande importância para a
sustentação de diferentes grupos políticos e mantida na condição de educação
política. A partir do referencial da Antropologia, Paulo Freire desenvolveu seu
método e colocou o adulto analfabeto, antes considerado imaturo e incapaz, na
condição de cidadão, produtivo e responsável por uma parcela significativa na
produção da riqueza do país, valorizando inclusive as expressões artísticas da
cultura popular, ou seja, a cultura do analfabeto. Entretanto, é somente com a
Constituição de 1988 que a educação de jovens e adultos se consagrou como direito
universal, público e gratuito.
Diante da herança de um histórico de interesses políticos, campanhas
emergenciais, iniciativas que acabaram tendo duração curta, mão-de-obra voluntária
e despreparada e financiamento por meio da filantropia da sociedade civil e da
necessidade atual de atender os jovens que tiveram uma escolarização frustrada, a
EJA passou a apresentar uma configuração peculiar. Até os anos 80, constituía-se
21
principalmente de adultos e idosos provenientes do campo e que nunca haviam
passado pela escola. Atualmente abriga jovens de origem urbana e que tiveram uma
escolarização mal sucedida (Haddad & Di Pierro, 2000, p.127), fruto da ampliação
do sistema de ensino.
Se durante a década de 1970 foi realizada uma extensão do ensino básico a
amplas camadas populacionais, o mesmo não se pode dizer da qualidade dessa
educação. O número de matrículas aumentou e praticamente todas as crianças
foram incluídas na escola. Só que, com a precária qualidade da educação oferecida,
realiza-se uma exclusão às avessas; crianças e adolescentes passam pelas escolas,
realizam aprendizagens insignificantes, submetem-se a constantes processos de
repetência e fracasso escolar e, por fim, evadem-se da escola. Assim, um novo
contingente de analfabetos e analfabetos funcionais se forma na sociedade
brasileira; e um novo problema emerge: uma aprendizagem insuficiente para atuar
num universo gráfico e tecnológico, para resolver problemas de ordens doméstica,
cotidiana, econômica e política.
O analfabetismo funcional apresenta algumas questões: o termo foi utilizado
na década de 30, nos Estados Unidos, e referia-se à capacidade de leitura e escrita
de enunciados simples em atividades cotidianas ou do trabalho. (Ribeiro, 1997, p.
147). O termo passou por algumas reformulações em suas concepções, desde um
significado entre alfabetizado e analfabeto até o uso limitado e restrito das
habilidades de leitura, escrita e cálculo necessárias nas sociedades urbano-
industriais em contrapartida às habilidades escolares. Atualmente os estudos sobre
analfabetismo funcional recaem sobre a aplicação significativa desses
conhecimentos em contextos sociais determinados. A UNESCO, no fim da década
de 90, qualificou o termo funcional como a capacidade do indivíduo de “inserir-se
adequadamente em seu meio, sendo capaz de desempenhar tarefas em que a
leitura, a escrita e o cálculo são demandadas para o seu próprio desenvolvimento e
para o desenvolvimento de sua comunidade”. (Ribeiro, 1997, p. 147). O uso dessa
concepção coaduna-se à finalidade da educação na sociedade moderna, que é tão
somente meio para adaptação às necessidades econômicas e políticas,
desvinculando-se da idéia de que, independentemente do conhecimento ser tido
como básico (no caso das habilidades essenciais de leitura, escrita e cálculo), ele
22
deve ser estendido a todos, em princípio, como forma de garantir o desenvolvimento
social e cultural de um país.
Nas sociedades modernas, a alfabetização é de valor inegável para a
adequação às exigências de trabalho – por mais que alguns postos de trabalho não
exijam tal qualificação e justamente ser essa a lógica e a intenção do sistema
econômico e político. Porém, a escolarização é fundamental para a atuação nas
dimensões culturais e políticas, além de meio para a educação permanente. Os
sistemas econômicos globalizados e competitivos das sociedades democráticas
abrangem a concepção de educação continuada como inserção nos universos do
trabalho e de desenvolvimento dos países. Assim, a educação formal é só uma parte
no processo de educação permanente do indivíduo, sendo o trabalho, o meio
urbano, as associações civis, os meios de comunicação e demais instituições
representantes das diversas dimensões da vida social de onde se apropriam
conhecimentos (Di Pierro, 2000, p. 128).
Entretanto, a educação, de acordo com o aporte teórico direcionado nesta
pesquisa, deve ter como finalidade primeira a formação de sujeitos esclarecidos e
emancipados, abarcando, nesse sentido, a intencionalidade da educação no aspecto
revolucionário e de resistência. De acordo com Adorno (2003, p. 143), a idéia de
emancipação deve ser abordada pela educação numa relação dialética, ou seja,
deve ser incorporada ao pensamento e à prática, tendo como objetivos a orientação
dos homens no mundo e a intencionalidade de desbarbarização da sociedade. Uma
democracia efetiva só seria possível na sociedade de sujeitos emancipados, sendo
emancipação entendida como a capacidade de tomar decisões conscientes e
independe.
O Brasil possui uma dívida social com uma parcela significativa de sua
população que, pelas imposições político-econômicas, fica à mercê da esmola e da
boa vontade da iniciativa privada e do voluntariado, sem dispor de políticas públicas
eficientes cuja finalidade prioritária seja promover a escolarização e a educação
permanente e mesmo resgatar a cidadania de jovens e adultos excluídos da escola
e marginalizados pela sociedade.
23
2 – PRECONCEITO E AUTO-ESTIMA
A atual sociedade, que costuma-se chamar de neoliberal, caracteriza-se por
alguns elementos novos que tendem a garantir a hegemonia burguesa e as relações
comerciais depois da crise das décadas de 60 e 70, quando o modelo “fordista”
chegou ao esgotamento (Gentili, 1995, p. 230). A necessidade de se estabelecer um
novo modelo de dominação se deu nos planos jurídico, econômico, político e
cultural. Se por um lado, o neoliberalismo se apresenta como uma alternativa a um
modelo de organização social e econômica falido, em nenhum momento o cerne
dessa sociedade é questionado. Em outros termos, não se discute a natureza do
modo de produção capitalista (divisão entre trabalho manual e intelectual, monopólio
do conhecimento, divisão social em classes, exclusão, marginalização etc), apenas
veste-o de nova roupagem, utilizando-se de estratégias culturais que modificam o
sentido da realidade.
Assim, essa tendência embute novas qualificações e exigências aos
trabalhadores e às empresas e impõe uma nova natureza na forma de organização
do trabalho: a racionalização do tempo e da produção, a rotina, os processos rígidos
e a padronização. A lógica das empresas passa a ser a da maximização da
produção a fim de reduzir custos e a especialização do trabalhador. Assim,
consolida-se a tendência de dividir a sociedade em duas partes antagônicas (entre
“ganhadores” e “perdedores”, “capazes” e “incapazes”, “bem-sucedidos” e
“fracassados” etc). A sociedade pautada na meritocracia supõe possibilidades iguais
de êxito e mobilidade social “em função de certos atributos que o indivíduo joga e
conquista ‘livremente’ no mercado”. (Gentili, 1995, p.234). O indivíduo deixa de ser
“cidadão” e passa a ser um “consumidor”, apostando inclusive no seu valor de troca
no mercado, de acordo com a sua maior ou menor eficiência. Em relação ao Estado,
a política neoliberal defende o fim do “Estado de Bem-Estar social”, focalizado em
direitos sociais, tendo o Estado como distribuidor de recursos e promotor de políticas
sociais nas áreas de educação, saúde, assistência social, seguridade, saneamento,
transporte etc. Agora o Estado deve ser nimo, ou seja, deve promover políticas
assistencialistas focalizadas. O cerne passa a ser a “caridade” – como forma de
amenizar as tensões sociais – e não a distribuição de renda ou políticas de
24
igualdade social. O Estado passa, então, a ser instrumento do mercado e deve
garantir o estabelecimento desse novo modo de acumulação.
Em tal perspectiva social, o analfabetismo tem implicações profundas na vida
de jovens e adultos analfabetos ou semi-alfabetizados, já que a qualificação e a
eficiência são os pressupostos máximos do mercado de trabalho e implicam
determinantemente na vida profissional, social e cultural desses indivíduos.
Esta sociedade se baseia na ideologia da racionalidade tecnológica:
O que rege essa ideologia é a lógica formal ou lógica da identidade,
que abstrai de diversos particulares os seus elementos comuns em
busca da classificação, ordenação, quantificação etc. A ausência da
percepção das contradições e a tendência a sistematizar os fatos são
características dessa ideologia. A realidade tal como pode ser
captada é tida como o referente último, sem se perguntar pela sua
gênese e potencialidades de transformação; ela é naturalizada e
eternizada; disso resulta um hiper-realismo que se alia com a busca
pragmática dos resultados, e a percepção imediata passa a se
destacar da realidade como sua verdade. (Crochìk, 2001, p. 91).
Adorno (2003, p. 132) afirma que “um mundo em que a técnica ocupa uma
posição tão decisiva como acontece atualmente, gera pessoas tecnológicas,
afinadas com a técnica” e que nisso há algo de “exagerado, irracional, patogênico”.
Não é difícil imaginar que nessa sociedade as pessoas e as relações humanas
postas no âmbito da “coisificação” distanciam-se do aspecto humano e os indivíduos
adquirem o valor semelhante ao das trocas comerciais, ou seja, não importa mais o
ser humano e a sua singularidade, posto que essa “singularidade” pode
perfeitamente ser substituída: “Cada um é tão-somente aquilo mediante o que pode
substituir todos os outros: ele é fungível, um mero exemplar”. (Horkheimer e Adorno,
1985, p. 136).
Aprofundando a relação entre a tecnologia e as personalidades
preconceituosas e vinculadas à autoridade, Adorno (2003, p. 133) afirma que tais
pessoas são incapazes de amar outras pessoas e por isso dirigem seu amor à
tecnologia. “O perturbador [...] é que essa tendência encontra-se vinculada ao
conjunto da civilização. Combatê-lo significa o mesmo que ser contra o espírito do
mundo...”. A ausência de identificação com o outro, enquanto seu semelhante, a
25
possibilidade de esquecer e o fetiche à técnica, ou seja, o amor dirigido aos meios
técnicos e aos objetos, além da incapacidade de amar o outro, caracterizam o
homem moderno.
O preconceito ocorre nas esferas individual e social e a relação entre a
personalidade (atitudes, desejos, opiniões) e as aspirações socioeconômicas (que
imprimem renúncia, sacrifícios e privações) representa um mecanismo de regressão,
já que a condição social produz indivíduos dissociados de si mesmo e também do
outro. O pensamento preconceituoso ocorre fundamentalmente nas relações sociais,
de acordo com Horkheimer & Adorno (1969, p.179), e configura-se como uma idéia
distorcida e estereotipada do outro, em que tal idéia representa alguma
característica não aceita em si mesmo. O preconceito, portanto, segundo Martins
(1998, p.9), está tanto no âmbito da subjetividade como no das relações sociais.
Em uma sociedade que se baseia em competição, em adoração cega aos
meios técnicos e em ameaça e dominação, pensar o preconceito parece-nos
urgente e relevante, uma vez que as características dessa sociedade levam os
indivíduos à não-percepção das contradições e opressões sociais. E favorece
também o pensamento preconceituoso, já que este pensamento se baseia em
esquemas estereotipados, tipificados, classificatórios e permite que os indivíduos
atribuam a si características positivas e aos diferentes de si, características
negativas, às quais o indivíduo dirige seu preconceito, sua recusa e seu ódio.
A pessoa preconceituosa não julga as características diversas que constituem
o objeto de preconceito, o que passa a designar esse objeto é “o termo que designa
o preconceito” (Crochìk, 1995, p. 23). Ou seja, na relação entre sujeito e predicado,
o predicado passa a representar o sujeito, tendo inclusive suas características
exacerbadas (estereotipia). O mundo é dividido entre “bom” e “mau”, sendo que
“bom” representa tudo aquilo que faz parte do mundo do indivíduo e “mau” o que
não faz parte de seu mundo. Os estereótipos são produtos culturais definidos pelas
“suas diversas agências: família, escola, meios de comunicação de massa etc.”
(Crochìk, 1995, p. 23) e que são utilizados para designar a pessoa na qual se tem
preconceito. Portanto, o preconceito não é algo inato, mas transmitido pela cultura e
fomentado na subjetividade dos indivíduos de visão unilateral, dogmática, não-
reflexível. O que leva os indivíduos a ter comportamentos preconceituosos ou não é
26
a capacidade de refletir e experenciar sobre as relações sociais que estabelece com
outros indivíduos e que são fomentadas pelas instâncias sociais presentes no
processo de socialização (Crochìk, 1995, p 23).
A estereotipia ou tipificação dos indivíduos – necessária tanto à dominação
ideológica quanto ao enquadramento em mercados de consumo – favorece o
pensamento preconceituoso, tanto por não permitir que algo diverso exista e se
manifeste, quanto por permitir que tal diverso seja alvo de escárnio e de preconceito.
É como se aquilo que é diferente, diverso, não enquadrado em tipificação alguma,
não pudesse existir, representando uma ameaça. Da mesma forma que o novo e o
desconhecido configuram-se como ameaça e devem ser destruídos.
O indivíduo preconceituoso tende a aderir cegamente à autoridade e a adorar
a força. Dessa forma, fazer parte de um grupo satisfaz tanto a necessidade de
subordinar-se a uma autoridade quanto à necessidade de dar vazão aos impulsos
inconscientes de destruição, caracterizando tais indivíduos como sadomasoquistas.
Horkheimer e Adorno (1969, p.175) utilizam a metáfora do ciclista para ilustrar como
as pessoas preconceituosas “pisam” (sadismo) nos que estão abaixo de si mesmas
(alvo frágil e minoritário) e “curvam-se” (masoquismo) aos que estão acima,
representantes da figura de autoridade. “Quem é severo consigo mesmo adquire o
direito de ser severo também com os outros, vingando-se da dor cujas
manifestações precisou ocultar e reprimir (Adorno, 2003, p. 128).
A pessoa preconceituosa volta-se contra um alvo que, além de representar
uma minoria e ser mais fraco, é aquele que não faz parte do grupo ao qual o
preconceituoso pertence. Portanto, além de o indivíduo preconceituoso não se dar
conta de que volta seu ódio inconsciente ao outro, é incapaz também de reconhecer-
se no outro: “... nessa relação de uma autoconsciência com outra, o indivíduo só
surge como nova autoconsciência (...) só se manifesta na medida em que ‘o eu
somos nós e nós o eu’”. (Horkheimer & Adorno, 1969, p. 52). Se pensarmos que na
atual sociedade hierarquizada, cingida entre “vencedores” e “perdedores”, em que a
dominação é necessária à manutenção social, a formação do pensamento
preconceituoso tem campo fértil, uma vez que a necessidade de dominação é
inerente a essa sociedade e se constitui também como necessidade de
sobrevivência dos indivíduos, incapazes de se auto determinarem frente às forças
27
dessa sociedade. Ou seja, a ideologia do sacrifício individual em prol da sociedade
como um todo, além de ser uma idéia fascista, é a que fará com que o indivíduo se
volte contra um grupo como forma de dar vazão aos seus impulsos destrutivos e a
opressão que sofre no meio social, já que tal indivíduo não pertence ao “seu” grupo
e, portanto, não se sacrifica pelo bem comum.
Para Adorno (2003, p. 155), a civilização atual encontra-se em um estado
adiantado de desenvolvimento tecnológico, mas as pessoas que compõem tal
civilização encontram-se atrasadas, ligadas a uma agressividade e ódio primitivos, e
a uma impulsividade destrutiva que a caracteriza. Citando Freud, Adorno (2003, p.
119 - 120) explica que tudo que é anti-civilizatório é originado e fortalecido pela
civilização. A sociedade leva os indivíduos a regressões psíquicas necessárias à
manutenção social. Assim como também, por meio da cultura, experimentamos
frustrações que posteriormente se traduzem em agressão.
Martins (1998, p. 21) nos diz que, ao analisarmos as determinações sociais e
a justificativa de relações desiguais em termos de classificações de cor, raça,
religião, sexo etc, podemos ligar o preconceito e a ideologia que justifica a
desigualdade. Ou seja, o preconceito geralmente é dirigido às minorias, justamente
as minorias que representam aquilo que os indivíduos têm aversão, que não aceitam
ou não admitem para si: deficientes, negros, pobres, analfabetos, mulheres etc; e
significa a negação de aspectos humanos no outro.
Então, se considerarmos que na nossa sociedade a frieza e a própria relação
que os indivíduos têm com a tecnologia levam as pessoas a um distanciamento e
isolamento do outro, da relação com o outro, do não-reconhecimento do outro como
seu semelhante, além da falta de esclarecimento, então teremos de reconhecer que
a educação é fundamental para a formação de uma consciência mais esclarecida,
ou pelo menos, menos brutalizada.
A educação, para os alunos da Educação de Jovens e Adultos, é meio
fundamental para a obtenção do sucesso social e importante ferramenta para a
formação ao longo da vida. É essa mesma educação, tida como a propulsora de
desenvolvimento econômico e humano, que, em suas práticas no interior da escola,
28
revela sua face violenta na medida em que traduz e representa o preconceito da
sociedade em relação a determinados segmentos sociais e educacionais.
Nas relações escolares o professor representa um papel peculiar. Da mesma
forma que estabelece uma relação direta com os alunos, ele é também:
o representante da sociedade, aquele que encarna todas as
contradições sociais e que estando diante dos alunos torna-se o alvo
que recebe desse todas as frustrações devido à impossibilidade
desse se realizar enquanto indivíduo (Nascimento, 2004, p. 25).
Os alunos que buscam a escolarização depois de adultos depositam na
escola grandes expectativa e esperança. É o momento de vislumbrar a possibilidade
de um futuro melhor, pessoal e profissionalmente. É nesse aspecto que a escola
deve garantir “a chance de mudar a visão sobre si próprio” (Giglio, 2004, p. 89), caso
o aluno não tenha mudado essa auto-imagem nos outros ambientes de sua
convivência.
Relacionada tanto à literatura de auto-ajuda quanto a produções científicas, a
auto-estima é um tema abrangente e que comporta diversas definições. Segundo
Cabral (2006, p. 18), é a partir da década de 80 que a auto-estima passa a ser
estudada no âmbito das relações escolares e na influência que tem no desempenho
escolar dos alunos. A auto-estima refere-se basicamente a uma percepção e um
juízo que o indivíduo tem do seu próprio valor, que “formam a essência de sua
personalidade e determinam o uso que fará de suas aptidões e habilidades” (Briggs,
1986, p. 5). A incidência de uma auto-estima baixa, média ou alta geralmente está
ligada às experiências da infância e das relações que estabelece com as pessoas
que desempenham um papel significativo na vida da criança, sendo que o ambiente
escolar é rico para a formação de uma auto-estima elevada ou o seu contrário.
A auto-estima está ligada a dois fatores básicos, segundo Branden (1993, p.
9), o valor pessoal, ou seja, aquilo que o indivíduo percebe como sendo de valor em
si, e a competência pessoal, aquilo que considera ser capaz de fazer e realizar. “A
importância da auto-estima saudável está no fato de que ela é fundamento de nossa
capacidade de reagir positivamente às oportunidades da vida – no trabalho, no
amor, no lazer”. O mesmo autor associa o autoconceito – uma visão profunda de
nós mesmos, à auto-estima. Portanto, as características físicas e psicológicas, a
29
maneira como a pessoa percebe seus pontos positivos e negativos formam os
aspectos do autoconceito. E a auto-estima “é o componente avaliador do
autoconceito” (Branden, 1993, p.15).
Para Briggs (1986, p.42), se tanto aquilo que o indivíduo pensa de si mesmo
(autoconceito) como a maneira como atribui valor a esse julgamento (auto-estima)
influem na infância de maneira incisiva – por meio das relações estabelecidas e pelo
ambiente escolar – tais percepções podem ser alteradas ao longo da vida e
modificadas, positiva ou negativamente, de acordo com as relações interpessoais
que estabelece em determinados meios sociais e ao clima, estimulante ou
degradante, desses meios. Além de não se constituir em um conceito fixo,
determinado, podendo ser modificada diante das experiências da vida de cada
sujeito, a auto-estima é também variável. Dito de outra forma, é possível que o
indivíduo sinta-se capaz e realizado no ambiente profissional, mas sinta-se um
fracasso nas relações sociais e afetivas. O que determina, nesses casos, uma
variação é que “qualquer situação de vida que leve um indivíduo a se sentir mais
valorizado como pessoa – que confirme o fato de ser uma pessoa única – alimenta a
auto-estima”. (Briggs, 1986, p.44).
Entretanto melhorar o que se pensa de si mesmo exige coragem já que é
mais confortável viver com aquilo que se conhece, por pior que possa ser (no caso,
uma baixa auto-estima). Os indivíduos têm a necessidade da coerência interior que
os “leva a proteger e preservar a auto-imagem formada anteriormente” (Briggs,
1996, p. 41). Todavia por mais que todo processo de mudança tenha um
componente de temor e imobilismo, aventurar-se no desconhecido, abrir mão
daquilo que lhe é seguro, por si só, garante uma melhora na auto-estima. Conforme
afirma Cabral (2006, p. 42) “sabemos que a auto-estima e as expectativas dos
professores determinam em alto grau as conquistas de seus alunos, viabilizando
assim os processos de crescimento”.
Os alunos da EJA, ao enfrentarem o preconceito e o estigma de se exporem
publicamente como analfabetos (e na visão da sociedade da utilidade como
“incapazes”), e as dificuldades inerentes ao processo ensino-aprendizagem, podem
melhorar tanto sua auto-estima quanto sua auto-imagem. Porém, se o ambiente
escolar estiver contaminado de julgamentos de pouco valor, de atitudes
30
preconceituosas e de violência, o movimento de deslocar-se ao desconhecido
realizado por esses indivíduos, pode ser ainda mais incidente em confirmar suas
supostas imperícias, em aprofundar a fissura que os coloca no lugar do julgamento
de pouco valor, ou seja, de legitimar as percepções negativas de si mesmos.
Portanto, a escola e as relações sociais que ocorrem em seu interior, marcam
profundamente os indivíduos, já que “a personalidade evolui com impulsos do
ambiente social e não pode isolar-se jamais da totalidade social na qual se
desenvolve”
1
(Horkheirmer & Adorno, 1969, p.31).
Nessa medida, o professor, por meio de suas atitudes, deve permitir que a
afetividade – enquanto força impulsionadora ou inibidora da aprendizagem – garanta
que o desempenho dos alunos seja satisfatório, ou seja, promova a superação de
suas imperícias e de sua auto-imagem de aluno problema que apresenta
dificuldades de cognição. De fato, os alunos das classes de EJA, que já passaram
pela escola, trazem as impressões das experiências escolares anteriores, muitas
vezes marcadas pelo autoritarismo, pelo medo e até por agressões físicas, assim
como também carregam o estigma social de analfabetos, pessoas “incapazes”,
“ignorantes”.
Giglio (1998, p.52), estudando o medo na escola de Ensino Supletivo,
constata a existência do medo imaginário por parte dos alunos, muitas vezes fruto
das experiências escolares da infância. Além disso, uma situação nova, como a
experimentada na escola seria a responsável pela “antecipação da realidade através
da imaginação”. Essa situação gera expectativa e uma “desestabilização do sujeito
de maneira abrupta, pois o aprendizado escolar abarca uma reavaliação de seus
princípios de vida...” (Giglio, 2004, p.71). Para o professor é difícil perceber o
“quanto emocionalmente abalados esses alunos estão ao executarem algo com o
qual não estão familiarizados.” (Giglio, 2004, p. 64) e o quanto participar de um
grupo socialmente valorizado (classe) é significativo para esses alunos.
É de fato muito freqüente a postura autoritária do professor, que segundo
Giglio (1998, p.50), revelaria o quanto esses professores são na verdade
“prisioneiros de seus próprios temores”. Ao esconderem suas falhas e inseguranças
1
Texto original: “la personalidad evoluciona a impulsos del ambiente social y no puede aislarse jamás de la totalidad social
dentro de la que se desenvolve”
31
na postura autoritária, criam um ambiente de pouca produtividade, já que, como dito
anteriormente, a afetividade é impulsionadora ou inibidora da aprendizagem.
O professor, dotado de autoridade por ser aquele que sabe mais, tem sua
imagem transfigurada na do carrasco. “Ainda que em termos bastante brandos,
repete-se na imagem do professor algo da imagem tão afetivamente carregada do
carrasco” (Adorno, 2003, p.107). Mesmo após a proibição de castigos físicos, a
imagem do professor continua associada a castigos e violência, principalmente
numa “sociedade que permanece baseada na força física” (Adorno, 2003, p.106). A
sociedade, que não “reconhece a necessidade da força física para uma formação
social baseada na dominação”, delega tanto a violência, “quanto o desprezo pelo
professor que se encarrega de executar o que é necessário para tudo funcionar...”
(Adorno, 2003, p.107), ou seja, se encarrega da adaptação dos indivíduos à
sociedade de classes, desigualdade e exclusão. Tal condição se faz presente e é
sentida pelos professores que “(...) se sentiram incomodados com a contraditória
posição de ser um arremedo de senhor que é habilitado para punir, mas que, se de
fato o faz, pode ser recriminado pela mesma sociedade que o capacitou para tal”
(Zuin, 2003, p. 419).
Faz-se necessário mencionar, porém, que as punições hoje presentes nas
escolas e recorrentes aos professores não são físicas, mas substituídas pela
violência psicológica, seja na forma de insultos e ameaças verbais ou apelidos
degradantes. Zuin (2003, p. 419) observa a substituição dos castigos físicos, antes
presentes nas escolas, pela violência e punição psicológica. Dessa forma, os alunos
se adaptam ao clima de ameaça e medo vivido dentro das salas de aula não mais
por temor ao castigo físico, mas pelo temor à exposição e degradação pública.
Dessa maneira é
(...) o medo de ser insultado e humilhado diante de todos os colegas,
que fazem com que o aluno se concentre no conteúdo transmitido a
fim de que não cometa erros que o transformem num alvo do escárnio
sarcástico do professor (...) expressada frequentemente na vontade
de poder do professor que, ao agir sarcasticamente, colabora para a
destruição do processo formativo do aluno. (Zuin, 2003, p. 420).
Para Adorno (2003, p. 97) os motivos da aversão à profissão docente
concentram-se tanto em motivos racionais, ligados às condições objetivas da
32
profissão – como a antipatia com o que está regulamentado, a expressão de poder
psicologicamente violenta e a imagem de profissão de fome, quanto a motivos
inconscientes, herdados socialmente e que trazem implicações enraizadas
profundamente. É nos motivos inconscientes que Adorno se detém de forma
enfática, demonstrando a força que os tabus, em relação à profissão do magistério,
determinam a aversão.
Os tabus são representações coletivas sedimentadas que “perderam sua base
real, conservando-se, porém com muita tenacidade como preconceitos psicológicos e
sociais, que por sua vez retroagem sobre a realidade convertendo-se em forças reais”
(Adorno, 2003, p.98). Um dos tabus observados pelo autor refere-se à desvalorização
social da profissão docente. Seja pelos adjetivos utilizados historicamente para designar
a função, pela falta de seriedade ou por se configurar como uma profissão socialmente
desprestigiada. Assim, observa que embora o professor seja um acadêmico, não é tido
como socialmente capaz e que existe um ódio silencioso ao professor do ensino
fundamental, não correspondente ao professor universitário. Tal aversão ao magistério
e a força dos tabus no inconsciente dos indivíduos, que os autoriza a mover o
preconceito sofrido para um alvo mais fraco, uma minoria, por exemplo, (metáfora do
ciclista de Adorno citada anteriormente).
Para os alunos que ingressam ou retornam tardiamente à escola, serem
recebidos com uma postura arrogante e um ambiente pautado no medo, na
insegurança e no preconceito, significa mais uma vez garantir seu calvário e seu
fracasso no processo de aquisição de conhecimentos e nas implicações psicológicas
e sociais que tal processo representa. O estigma de fracassados e a auto-estima
fragilizada não favorecem uma relação positiva com a escola, já que os indivíduos
assumem uma posição de inferioridade. Uma re-significação da escola para os
jovens e adultos é urgente para garantir tanto o êxito do processo de escolarização
quanto à revalorização de si mesmos, de sua cultura e identidade.
Investir na relação professor-aluno pode ser um dos caminhos para a
superação do preconceito, porém, constatar que o professor, desvalorizado e
também discriminado socialmente, não tem condição de interiorizar nem confiança,
nem estima pelo trabalho que realiza e, vivencia uma situação mais perversa já que,
conforme afirma Adorno (2003, p. 137), “as pessoas que executam as tarefas agem
33
em contradição com seus próprios interesses imediatos, são assassinas de si
mesmas na medida em que assassinam os outros”. E que
o processo de adaptação ser tão desmesuradamente forçado por
todo o contexto em que os homens vivem, eles precisam impor a
adaptação a si mesmos de um modo dolorido, exagerando o realismo
em relação a si mesmo, e, nos termos de Freud, identificando-se ao
agressor. (Adorno, 2003, p. 145).
Supor que o professor tenha atitudes preconceituosas em relação aos alunos da
EJA é o mesmo que afirmar o preconceito social em relação ao analfabeto. Para a
sociedade das “competências” e das “habilidades”, nada mais repugnante que um
indivíduo despossuidor dos rudimentos da leitura e da escrita, um indivíduo incapaz de
“competir”, ter “êxito” e “superar limites”, sem condições de sacrificar-se em prol da
sociedade inteira. A cultura dominante nos currículos escolares de EJA promove a
manutenção da estrutura social de privilégios e segregação, ignorando a diversidade
cultural dos alunos, não os valorizando como indivíduos que agem no mundo.
Pode ser que mesmo em tais condições – de baixa auto-estima, preconceito e
desvalorização – tanto professores quanto alunos possam juntar forças e promover
mudanças nessa realidade, porém isso não se dará enquanto os educadores não
estiverem esclarecidos das forças que moldam suas condutas e das forças que
limitam as condições objetivas do trabalho educacional. O professor tem um papel
político, cultural e afetivo, suas ações incidem de forma drástica na percepção
desses alunos e é um dos fatores mais importantes pela permanência e êxito dos
alunos no processo escolar.
Além de promover uma melhora na auto-estima dos alunos, a expectativa
positiva e a afetividade do professor podem ser os fatores-chave no processo de
ruptura da violência psicológica, do medo, da degradação dos espíritos e da
perpetuação dos preconceitos. Tal ruptura pode significar no final do processo que a
educação sirva para aquilo que Adorno considerava seu objetivo maior: o
esclarecimento geral dos indivíduos, a emancipação e a desbarbarização da
sociedade.
34
3 - OBJETIVOS E HIPÓTESES
O tema deste trabalho é a Educação de Jovens e Adultos, na qual se
pretende investigar a expectativa do professor, o preconceito e a auto-estima dos
alunos, decorrendo, por conseguinte, as seguintes questões norteadoras:
¾ Em que medida a expectativa do professor em relação aos alunos afeta a auto-
estima dos mesmos? O preconceito, se existente nas relações escolares, afeta a
auto-estima dos alunos?
Para tanto, temos como objetivos gerais:
Aferir qual é a expectativa dos professores em relação aos alunos;
Aferir qual é a importância dada pelos professores ao trabalho realizado com EJA;
Identificar se o professor tem pensamento preconceituoso em relação aos alunos;
Identificar como é a auto-estima dos alunos;
Verificar a relação entre a expectativa do professor e a auto-estima dos alunos no
ambiente escolar.
Temos como hipóteses:
O professor de EJA tem expectativa de que os alunos terão poucos êxitos
significativos no processo de aprendizagem;
O professor considera importante o trabalho realizado com os alunos de EJA;
Há preconceito dos professores em relação aos alunos;
Os alunos valorizam muito a escola e apresentam uma auto-estima elevada no
ambiente escolar;
A expectativa do professor em relação aos alunos incide na auto-estima dos
mesmos.
35
4 - MÉTODO
4.1 Sujeitos
Para a realização desta pesquisa escolhemos o CEJA (Centro Educacional de
Jovens e Adultos) do município de Bauru – SP.
O CEJA possui aproximadamente 1.300 alunos divididos em 69 turmas. Os
números referentes aos alunos são variáveis ao longo do semestre, uma vez que
muitos abandonam as classes por conta da realização de trabalhos informais,
principalmente relacionados ao plantio e corte de cana-de-açúcar na região. Esses
alunos, depois desse período de trabalho retornam às classes.
O CEJA possui classes de Ensino Fundamental I (1ª a 4ª séries) apenas; (os
outros níveis de ensino são de competência de outro departamento da Secretaria
Municipal de Ensino do município) e oferece as seguintes disciplinas curriculares
semestralmente: matemática, língua portuguesa, geografia, história, ciências e artes;
como atividade extra classe oferece laboratório de informática. As classes são
mistas e os alunos de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental I são atendidos por um
único professor.
As aulas se concentram no período noturno, mas também existem algumas
turmas que são atendidas nos períodos diurno e vespertino. As classes são
instaladas em empresas, centros comunitários, igrejas e escolas de educação
infantil e ensino fundamental do município, sendo que algumas unidades novas
foram entregues pela administração municipal no ano de 2007, com ambiente
preparado especificamente para atender adultos.
Atualmente o CEJA conta com 60 professores que assumem as turmas e
responsabilizam-se pelo ensino de todos os componentes curriculares. Os números
relativos aos professores também são flutuantes, já que muitos se encontram
afastados por motivos médicos ou de licença-prêmio. Conforme informado pelo
CEJA, no momento da coleta de dados desta pesquisa, aproximadamente 50
professores atuavam nas classes. Além do trabalho em classe, os professores
36
encarregam-se de fazer a matrícula dos alunos, de porta em porta, buscando, assim,
conhecer a realidade sócio-cultural dos alunos, já que o CEJA adota os
pressupostos de Paulo Freire no que se refere à valorização do sujeito, de sua
cultura e de seu entorno social para a apropriação dos conhecimentos
sistematizados.
Os professores também recebem treinamento e/ ou cursos de
aperfeiçoamento oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação e, além disso,
encontram-se semanalmente na sede do CEJA, para reuniões pedagógicas e
orientações dadas pela diretora-coordenadora.
Segundo dados de censo realizado pela instituição em 2006, a maior parte
dos alunos é originária de outros Estados: Norte e Nordeste, principalmente. Não se
constituem como mão-de-obra qualificada por não possuírem instrução (educação
formal), realizando trabalhos informais.
A maioria dos alunos freqüenta a Igreja, como única atividade fora do trabalho
e da escola e como forma de integração e adaptação à cultura local. Também não
têm acesso a atividades culturais e de lazer. Utilizam os meios de comunicação
televisão e rádio, (já que a ausência de acesso a livros, revistas e jornais é comum)
e possuem telefone celular. A maior parte dos alunos é do sexo feminino.
Para a realização deste trabalho primeiramente fez-se um pré-teste, para
adequação do instrumento de pesquisa, com quatro professores e 60 alunos
escolhidos aleatoriamente. Os resultados do pré-teste serão apresentados no final
deste capítulo.
Após a realização do pré-teste, adequou-se o instrumento de pesquisa, tanto
para os professores quanto para os alunos e passou-se para a coleta final dos
dados. Nessa etapa, foi aplicado o instrumento de pesquisa a 23 (vinte e três)
professores e fez-se a somatória da pontuação de cada professor. A partir da
pontuação obtida pelos professores, foram selecionados aqueles que obtiveram
maior pontuação, menor pontuação e pontuação mediana, nas escalas aplicadas.
Desses três professores selecionados (maior, menor e pontuação mediana),
aplicou-se o instrumento em suas salas de aula, que contou com 17 alunos na
37
classe 1 (professor com maior pontuação); 16 alunos na classe 2 (professor de
pontuação mediana) e 14 alunos na classe 3 (professor de menor pontuação). A
pequena variação no número de alunos deve-se à inconstância na freqüência às
aulas por parte dos alunos, pelos motivos já citados anteriormente.
Em relação aos dados dos alunos, primeiramente isolou-se os dados
referentes ao gênero e à idade. Aplicou-se os testes estatísticos Qui Quadrado na
variável gênero, e Análise de Variância na variável idade para saber se havia
diferença significativa entre as classes, quanto a essas variáveis.
Na tabela abaixo apresenta-se a distribuição da variável gênero por classe:
T
ABELA 1 - Freqüência dos alunos por classe e por gênero
Pelo resultado obtido no qui quadrado (X2= 0,053; 2 g. lib.; e p> 0,05), não há
diferença significativa entre as classes em relação ao fator gênero.
Para saber se havia diferença estatisticamente significante entre as classes,
quanto a variável idade, fez-se o teste estatístico Anova (análise de variância) e
constatou-se que não existe diferença significativa (F= 0,24; 2 e 46 g.lib.; e p>0,05).
A tabela a seguir aponta a média e o desvio padrão entre as três classes
comparadas, em relação à idade:
TABELA 2 - Média e desvio padrão da variável idade
CLASSE 1 CLASSE 2 CLASSE 3
Média 42,9 39,8 38,6
Desvio Padrão 14,0 23,8 15,1
A média de idade na classe 1 é de 42,9 anos, com desvio padrão 14; na
classe 2 é de 39,8 anos, com desvio padrão 23,8; na classe 3 é de 38,6 e desvio
padrão de 15,1.
Após essas análises, verificou-se que não há diferença significativa entre as
classes, quanto as variáveis gênero e idade dos alunos.
SEXO CLASSE 1 CLASSE 2 CLASSE 3
F 13 12 11
M 4 4 3
38
4.2 Instrumentos
Valeu-se como instrumento de pesquisa: escalas de medição de atitudes para
professores e alunos. Foram utilizadas escalas do tipo Likert, criadas por Rensis
Likert, em 1932, com a finalidade de medir atitudes sociais. A escala do tipo Likert é
um conjunto de enunciados em que o entrevistado responde se concorda ou
discorda e em que medida concorda ou discorda com determinados enunciados.
Atribuem-se pontos positivos ou negativos de acordo com a concordância ou
discordância das atitudes favoráveis ou desfavoráveis.
As escalas que medem atitudes indicam que o sujeito responde
conscientemente acerca da representação simbólica de um objeto. As atitudes se
relacionam com o comportamento do sujeito em relação ao objeto, à situação ou
símbolo apresentado.
Tanto as escalas dos alunos quanto as dos professores contêm afirmativas
positivas e negativas e quatro opções de escolha para cada uma dessas afirmativas.
A pontuação de acordo com as respostas será atribuída da seguinte maneira:
QUADRO 1 – Pontuação para as afirmativas das escalas
OPÇÃO PONTUAÇÃO PARA AS
AFIRMATIVAS
POSITIVAS
PONTUAÇÃO PARA AS
AFIRMATIVAS
NEGATIVAS
(a) Concordo totalmente
(b) Concordo em parte
(c) Discordo em parte
(d) Discordo totalmente
4
3
2
1
1
2
3
4
No quadro 1 temos a pontuação nas escalas. Dessa forma, sempre que a
pontuação for baixa, indica uma situação ou opinião negativa e pontuação alta indica
opinião ou situação positiva.
No quadro 2 apresentamos as questões avaliadas em cada escala, tanto de
alunos quanto de professores, bem como a pontuação total mínima e máxima
possível de ser obtida.
39
Q
UADRO 2 - Sujeitos, escalas e pontuações
SUJEITOS ESCALAS
PONTUAÇÃO
MÍNIMA
PONTUAÇÃO
MÁXIMA
Alunos Relação com professor;
Auto-estima.
22 88
Professores Importância do trabalho;
Expectativa em relação aos
alunos;
Pensamento preconceituoso.
25 100
Neste quadro tem-se as seguintes escalas para alunos: relação com o
professor e auto-estima, com pontuação mínima possível de ser obtida de 22 pontos
e máxima de 88 pontos. Para os professores temos: importância do trabalho,
expectativa em relação aos alunos e pensamento preconceituoso, com pontuação
mínima de ser obtida de 25 pontos e máxima de 100 pontos.
4.3 – Pré-Teste
Apresenta-se a seguir o pré-teste realizado com quatro professores e 60
alunos, escolhidos aleatoriamente, que serviu de norteador para o aprimoramento do
instrumento de pesquisa (escalas) que, posteriormente foi aplicado aos alunos e aos
professores.
A seguir, no quadro 3, está o conjunto de questões aplicado aos alunos e
seus objetivos no pré-teste.
40
Q
UADRO 3 - Questões (e objetivo de cada questão) aplicadas aos alunos (pré-teste)
CONJUNTO DE QUESTÕES OBJETIVO
A) Auto-estima/ auto-imagem
1 – Na escola sinto que sou valorizado.
2 – Sou capaz de estudar novamente.
3 – Na escola, apesar das dificuldades, consigo
vencer e ter sucesso.
4 – Como não sou mais criança, tenho dificuldades em
acompanhar os estudos.
5 – Sou uma pessoa com dificuldades e não sei se
consigo concluir os estudos.
B) Relação com o professor
1 – O (A) professor (a) percebe que sou uma pessoa
com qualidades.
2 – O (A) professor (a) é uma figura importante para a
minha aprendizagem.
3 – O (A) professor (a) me ajuda a superar os
obstáculos.
4 – O (A) professor (a) me olha como se percebesse
que não entendo a matéria direito.
5 – O (A) professor (a) percebe as minhas limitações e
não me dá a atenção necessária.
C) Importância da escola e do estudo
1 – A escola é importante para melhorar minha auto-
estima.
2 – A escola me faz perceber que posso conquistar
muitas coisas.
3 – O estudo faz eu me sentir capaz e realizado (a).
4 – Estar na escola me deixa angustiado e nervoso
(a).
5 – Pensar nos estudos e na escola me deixa triste e
frustrado (a).
A) Aferir sobre o auto
conceito dos alunos,
especificamente no
ambiente escolar.
B) Aferir sobre a relação
estabelecida com o
professor em sala de
aula e o quanto se
sentem valorizados
pelos professores.
C) Aferir sobre a
importância atribuída
ao estudo e à escola.
O próximo quadro apresenta o conjunto de questões aplicado aos
professores, no pré-teste, e seus respectivos objetivos.
41
Q
UADRO 4 - Questões (e objetivo de cada questão) aplicadas aos professores (pré-teste)
CONJUNTO DE QUESTÕES/ PROFESSORES OBJETIVO
A) A respeito dos alunos
1 – Os alunos da EJA são batalhadores e vencedores.
2 – Os alunos da EJA, apesar das dificuldades, são
capazes.
3 – Os alunos da EJA sairão realizados da escola.
4 – Os alunos da EJA apresentam muitas dificuldades e,
por isso, é difícil trabalhar com eles.
5 – Não sei se os alunos da EJA conseguirão ter êxito
escolar.
B) Importância do trabalho
1 – Meu trabalho com alunos de EJA é um dos mais
importantes trabalhos escolares.
2 – A EJA é um segmento educacional que dá muita
satisfação em trabalhar.
3 – Como professor (a) de jovens e adultos sinto-me
feliz e realizado (a).
4 – Não gosto de trabalhar com EJA. Faço-o por falta de
opção.
5 – A classe de EJA não dá orgulho de trabalhar e sinto-
me frustrado (a) por estar dando aula aqui.
A) Aferir sobre a
imagem que os
professores têm
dos alunos.
B) Aferir sobre o valor
atribuído ao trabalho
realizado com alunos
de EJA.
Do conjunto das afirmativas apresentadas nas escalas, tanto de
professores, quanto de alunos, as afirmativas 1, 2 e 3 eram positivas, portanto
quanto maior a pontuação obtida pelo sujeito nesses itens, maior a auto-estima,
por exemplo, no caso da escala 1 de alunos de auto-estima/ auto-imagem (E1).
As alternativas 4 e 5 são negativas e, assim, quanto maior a pontuação nessas
alternativas, menor a auto-estima.
42
4.3.1 ANÁLISE DOS RESULTADOS DO PRÉ-TESTE COM ALUNOS
As escalas aplicadas aos alunos foram constituídas das seguintes afirmações:
E1 – escala auto-estima/ auto-imagem
Afirmativas:
1 – Na escola sinto que sou valorizado.
2 – Sou capaz de estudar novamente.
3 – Na escola, apesar das dificuldades, consigo vencer e ter sucesso.
4 – Como não sou mais criança, tenho dificuldades em acompanhar os estudos.
5 – Sou uma pessoa com dificuldades e não sei se consigo concluir os estudos.
E2 – escala da relação com o professor
Afirmativas:
1 – O (A) professor (a) percebe que sou uma pessoa com qualidades.
2 – O (A) professor (a) é uma figura importante para a minha
aprendizagem.
3 – O (A) professor (a) me ajuda a superar os obstáculos.
4 – O (A) professor (a) me olha como se percebesse que não entendo a matéria direito.
5 – O (A) professor (a) percebe as minhas limitações e não me dá a atenção necessária.
E3 – Escala de importância da escola/ estudo.
Afirmativas:
1 – A escola é importante para melhorar minha auto-estima.
2 – A escola me faz perceber que posso conquistar muitas coisas.
3 – O estudo faz eu me sentir capaz e realizado (a).
4 – Estar na escola me deixa angustiado e nervoso (a).
5 – Pensar nos estudos e na escola me deixa triste e frustrado (a).
43
4.3.2 - RESULTADOS DO PRÉ-TESTE DAS ESCALAS APLICADAS AOS ALUNOS
A) - Escala 1: Auto-estima e auto-imagem
Na tabela 3, encontram-se as proporções das alternativas de resposta
escolhidas pelos sujeitos à Escala E1.
TABELA 3 - Proporção das alternativas de resposta escolhida pelos sujeitos à Escala E1
ALTERNATIVAS
A B C D
1 0,87 0,10 0,00 0,02
2 0,93 0,02 0,02 0,02
3 0,87 0,09 0,04 0,00
4 0,47 0,28 0,08 0,15
Questões
5 0,15 0,26 0,22 0,36
Pelos dados obtidos pode-se afirmar que os alunos se sentem valorizados na
escola e com a possibilidade de estar novamente freqüentando a sala de aula, já
que as afirmativas 1, 2 e 3 a respeito da auto-estima/auto-imagem, refletem maior
ocorrência de afirmações positivas (concordo totalmente e concordo em parte).
Também pode-se concluir que, apesar das dificuldades, os alunos se sentem
capazes de estudar novamente.
Na afirmativa que corresponde especificamente à auto-estima “sou uma
pessoa com dificuldades e não sei se consigo concluir os estudos”, nota-se que a
maior incidência são as alternativas que contradizem o exposto na afirmação
(discordo totalmente e discordo em parte), revelando que, pelos dados coletados
neste pré-teste, os alunos tendem a se considerar valorizados na escola e com a
perspectiva de estudo.
44
B) - Relação com o professor
A tabela 4 traz a proporção das respostas dadas pelos alunos às questões da
escala E2.
TABELA 4 – proporção das respostas dadas pelos alunos às questões da Escala E2
ALTERNATIVAS
A B C D
1 0,93 0,21 0,04 0,00
2 0,98 0,00 0,02 0,00
3 0,89 0,09 0,02 0,00
4 0,44 0,30 0,04 0,22
Itens
5 0,11 0,02 0,17 0,70
Os alunos se sentem valorizados pelos professores e os mesmos
contribuem pela superação das dificuldades e dos obstáculos, segundo suas
percepções. Porém, 0,74 dos alunos afirmou que concorda totalmente, ou em
parte, com a afirmativa “o professor me olha como se percebesse que não
entendo a matéria direito”, o que denota uma tendência a ser analisada: se, por
um lado, o professor os ajuda a superar as dificuldades, por outro, o mesmo
professor percebe as dificuldades desses alunos. Ao concordar com essa
afirmativa, os alunos assumem-se com dificuldades de aprendizagem e
demonstram que o professor as nota. Apesar da afirmativa seguinte “o professor
percebe as minhas limitações e não me dá a atenção necessária” contradizer
esse dado (0,87 discorda totalmente ou em parte dessa afirmativa).
45
C) - Importância do estudo e da escola
Na tabela 5, encontra-se as proporções das respostas dadas pelos alunos às
questões da escala E3.
TABELA 5 - Proporção das respostas dadas pelos alunos às questões da escala E3
ALTERNATIVAS
A B C D
1 0,94 0,02 0,02 0,02
2 0,98 0,00 0,02 0,00
3 0,87 0,09 0,02 0,02
4 0,15 0,07 0,17 0,61
Questões
5 0,02 0,02 0,07 0,89
Apesar de uma leve tendência (0,22) em concordar totalmente e em parte
com a afirmativa “estar na escola me deixa angustiado e nervoso” – que pode refletir
a ansiedade e a apreensão relativa ao processo de aprendizagem – os alunos vêem
a escola como importante tanto para a sua auto-estima quanto para sua realização.
A seguir, na tabela 6, as medianas obtidas a partir do escore de pontuação de
cada sujeito nas escalas E1, E2 e E3.
TABELA 6 - Medianas dos escores das respostas dos sujeitos às Escalas
ESCALA MEDIANA DOS SUJEITOS (ALUNOS)
E1
E2
E3
16
17
20
As medianas de E1 e de E2 apresentam pontuação 16 e 17, respectivamente,
indicando que os alunos mantêm uma boa relação com o professor e que a auto-
estima está elevada. A mediana da escala E3 (importância do estudo e da escola)
representa a pontuação máxima (20) possível de ser obtida, revelando que estar na
escola e em contato com o conhecimento é algo representativo e valorizado pelos
alunos.
A partir do escore obtido de cada sujeito foram calculadas correlações entre
as variáveis: E1, E2 e E3, que são apresentadas na tabela 7.
46
T
ABELA 7 - Correlação entre as escalas
E1 E2 E3
E1
E2
E3
-
0,93
0,84
0,93
-
0,84
0,84
0,86
-
Por meio da análise das correlações entre as escalas podemos afirmar que
existe uma forte correlação linear positiva entre a auto-estima, a relação com o
professor e a importância atribuída à escola. Portanto, as correlações altas entre E1
e as outras duas escalas mostram que as variáveis estão correlacionadas e são
significantes.
4.3.3 - ANÁLISE DOS RESULTADOS DO PRÉ-TESTE DAS ESCALAS APLICADAS A PROFESSORES
DO
CEJA
A) - A respeito dos alunos
Afirmativas:
1 – Os alunos de EJA são batalhadores e vencedores.
2 – Os alunos de EJA, apesar das dificuldades, são capazes.
3 – Os alunos de EJA sairão realizados da escola.
4 – Os alunos de EJA apresentam muitas dificuldades e, por isso, é difícil trabalhar com
eles.
5 – Não sei se os alunos de EJA conseguirão ter êxito escolar.
47
Encontram-se na tabela 8, as respostas dos professores às alternativas da
Escala acerca dos alunos.
TABELA 8 - Proporção das respostas dos professores às alternativas da
Escala que versa sobre os alunos
ALTERNATIVAS
A B C D
1 0,25 0,75 0,00 0,00
2 0,25 0,75 0,00 0,00
3 0,25 0,75 0,00 0,00
4 0,00 0,75 0,00 0,25
Questões
5 0,00 0,00 0,75 0,25
Os professores tendem a perceber as dificuldades dos alunos e a vontade em
superar os obstáculos. Na afirmativa “os alunos da EJA apresentam muitas
dificuldades e, por isso, é difícil trabalhar com eles”, 0,75 concordaram em parte,
demonstrando que, para esses professores, o ensino para os jovens e adultos não é
uma tarefa fácil e que percebem seus alunos com dificuldades.
B) – Quanto à importância do trabalho
Afirmativas:
1 – Meu trabalho com alunos de EJA é um dos mais importantes trabalhos escolares.
2 – A EJA é um segmento educacional que dá muita satisfação em trabalhar.
3 – Como professor (a) de jovens e adultos sinto-me feliz e realizado (a).
4 – Não gosto de trabalhar com EJA. Faço-o por falta de opção.
5 – A classe de EJA não dá orgulho de trabalhar e sinto-me frustrado (a) por estar dando
aula aqui.
48
Na tabela 9 estão as proporções das respostas dos professores à escala que trata
da importância do professor.
T
ABELA 9- Proporção das respostas dos professores à escala sobre a importância do trabalho
ALTERNATIVAS
A B C D
1 0,50 0,50 0,00 0,00
2 0,50 0,50 0,00 0,00
3 0,50 0,50 0,00 0,00
4 0,00 0,25 0,00 0,75
Questões
5 0,00 0,00 0,25 0,75
Concordam em parte, 0,25 dos professores com a afirmativa de que
trabalham com EJA por falta de opção. Porém, a tendência geral é de os
professores valorizarem o trabalho que realizam e seus alunos.
Os resultados do pré-teste com os professores demonstram que, apesar das
dificuldades enfrentadas pelos alunos e percebidas pelos professores, os mesmos
acreditam que desempenham um trabalho de importante valor.
4.4 Análise e modificações para o teste
Após a realização do pré-teste acrescentou-se mais afirmativas nas escalas
dos alunos, mantendo as questões norteadoras originais: auto-estima e importância
do estudo e relação com o professor, totalizando 22 afirmativas. Nas escalas dos
professores, além da importância do trabalho, do que pensam a respeito dos alunos,
foi acrescentada uma nova questão: pensamento preconceituoso. Além disso, mais
afirmativas foram acrescentadas a todas essas questões, totalizando 25 afirmativas.
As afirmativas, tanto para professores como para alunos, foram apresentadas
de forma mesclada e sem identificação à qual questão cada afirmativa se referia.
No quadro 5 apresentamos o conjunto de objetivos e as questões aplicadas
aos alunos na coleta final dos dados, elaborado a partir do pré-teste acima
apresentado.
49
Q
UADRO 5 - Questões (e objetivos) aplicadas aos alunos na coleta final
CONJUNTO DE QUESTÕES OBJETIVO
A) Auto-estima/ auto-imagem
1. Na escola sinto que sou valorizado.
2. Como não sou mais criança, tenho dificuldades em
acompanhar os estudos.
3. Sou uma pessoa com dificuldades e não sei se
consigo concluir os estudos.
4. Sou capaz de estudar novamente.
5. A escola é importante para melhorar minha auto-
estima.
6. Na escola, apesar das dificuldades, consigo vencer
e ter sucesso.
7. Estar na escola me deixa angustiado e nervoso (a).
8. Pensar nos estudos e na escola me deixa triste e
frustrado (a).
9. A escola me faz perceber que posso conquistar
muitas coisas.
10. O estudo faz eu me sentir capaz e realizado (a).
B) Relação com o professor
11. Percebo que o (a) professor (a) se irrita quando não
entendo direito o que ele (a) diz.
12. O (A) professor (a) dá mais atenção aos alunos que
aprendem mais rápido do que eu.
13. O (A) professor (a) percebe que sou uma pessoa
com qualidades.
14. O (A) professor (a) me ajuda a superar os
obstáculos.
15. O (A) professor (a) me olha como se percebesse
que não entendo a matéria direito.
16. Percebo que o (a) professor (a) não se sente feliz
em estar na sala de aula.
17. O professor (a) me considera incapaz de vencer nos
estudos e na vida.
18. O (A) professor (a) acha que sou limitado e que não
vou aprender.
19. O (A) professor (a) me olha como se achasse que
eu não vou conseguir aprender.
20. O (A) professor (a) percebe as minhas limitações e
não me dá a atenção necessária.
21. O (A) professor (a) é uma figura importante para a
minha aprendizagem.
22.O (A) professor (a) me faz perceber que tem coisas
com as quais não vou conseguir lidar, por mais que
tente.
A) Aferir sobre o
autoconceito dos
alunos,
especificamente no
ambiente escolar.
B) Aferir sobre a relação
estabelecida com o
professor em sala de
aula e o quanto se
sentem valorizados
pelos professores.
50
No quadro 6 temos o conjunto de questões e objetivos aplicados aos
professores na coleta final dos dados.
QUADRO 6 - Questões (e objetivos) das escalas aplicadas aos professores na coleta final dos dados
CONJUNTO DE QUESTÕES OBJETIVO
A) Importância do trabalho
1. Meu trabalho com alunos de EJA é um dos mais
importantes trabalhos escolares.
2. Não gosto de trabalhar com EJA. Faço-o por falta de
opção.
3. Como professor (a) de jovens e adultos sinto-me feliz
e realizado (a).
4. A classe de EJA não dá orgulho de trabalhar e sinto-
me frustrado (a) por estar dando aula aqui.
5. A EJA é um segmento educacional que dá muita
satisfação em trabalhar.
B) Expectativa em relação ao alunos/ O que pensam a
respeito dos alunos
6. Não sei o que esses alunos fazem aqui, já que não
conseguirão aprender nada ou quase nada.
7. Os alunos de EJA não desenvolveram a inteligência
totalmente.
8. Os alunos da EJA apresentam muitas dificuldades e,
por isso, é difícil trabalhar com eles.
9. Os alunos da EJA, apesar das dificuldades, são
capazes.
10. Não creio que o conhecimento seja útil para os
alunos que voltam tardiamente para a escola.
11. Os alunos da EJA são batalhadores e vencedores.
12. Para os alunos de EJA, as aulas servem mais para
ocupar o dia do que para aprender.
13. Os alunos da EJA sairão realizados da escola.
14. Não sei se os alunos da EJA conseguirão ter êxito
escolar.
C) Pensamento preconceituoso
15. Os analfabetos têm dificuldades em conseguir
empregos, por isso, é importante que as ONGs e
outras organizações sociais os auxiliem.
16. Os alunos de EJA possuem conhecimentos precários
e, por isso, têm dificuldades de arrumar empregos
bem remunerados.
17. Dificilmente um analfabeto pode contribuir
efetivamente para a sociedade.
18. Em geral, por mais que se esforce, um analfabeto
não consegue realizar as atividades do cotidiano tão
bem quanto uma pessoa letrada.
A) Aferir sobre a
importância atribuída
ao trabalho realizado
B) Aferir sobre a
imagem que os
professores têm dos
alunos e o que
esperam de seu
desempenho escolar
C) Identificar se existe
pensamento
preconceituoso por
parte dos professores
em relação aos alunos
de EJA
51
19. O pior que pode acontecer a uma pessoa é ser
analfabeta.
20. A ausência da escola ou o fracasso escolar do
analfabeto é culpa dele mesmo e/ ou de suas
famílias.
21. Seria importante que as pessoas analfabetas
recebessem uma educação especializada que as
possibilitasse trabalhar em atividades que não exijam
grande esforço mental.
22. Os analfabetos tendem a não conseguir se fazerem
entender.
23. Por não saberem ler, os analfabetos são menos
preocupados e cuidadosos no trabalho.
24. Por mais que tente um analfabeto não consegue ser
plenamente feliz por causa da sua ignorância.
25. Os analfabetos tendem a desenvolver atividades
manuais e corporais como forma de compensar a
deficiência intelectual.
4.5 Procedimentos
Após a realização do pré-teste e com o instrumento aprimorado, seguimos
com a coleta final dos dados, onde foram aplicadas as escalas a 23 professores
(amostra de 46%), de um total aproximado de 50 professores. Como já afirmado, o
número de professores é flutuante assim como o dos alunos. No momento da coleta
de dados o total aproximado era de 50 professores, conforme informado pela
coordenação do CEJA, que não soube, entretanto, explicitar o número exato desses
professores.
Dos 23 professores, selecionamos três em cujas classes aplicamos as
escalas aos alunos. Esses três professores foram selecionados tendo como critério
a pontuação total obtida nas três escalas, dessa forma, selecionamos o sujeito de
maior pontuação (90 pontos), o sujeito que teve a pontuação mediana (84 pontos) e
o sujeito de menor pontuação (74 pontos). A pontuação geral possível de ser obtida
nas escalas variou de 25 a 100 pontos.
No anexo estão os resultados obtidos (pontuação total) nas escalas aplicadas
aos 23 professores do CEJA.
52
Com as classes selecionadas a partir dos resultados dos professores,
aplicamos as escalas aos alunos. A classe 1 (C1) refere-se à classe cujo professor
teve a maior pontuação (90 pontos) e contou com 17 alunos. A classe 2 (C2) refere-
se ao professor de pontuação mediana (84 pontos) e contou com 16 alunos. E a
classe 3 (C3) refere-se ao professor que obteve a menor pontuação (74 pontos), que
contou com 14 alunos. Temos, portanto, como número total de sujeitos pesquisados
na coleta final dos dados: 23 professores e 47 alunos.
4.5.1 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
A)- ESCALAS DOS PROFESSORES
Em relação aos 23 professores, isolamos os dados das três escalas:
importância do trabalho, expectativa em relação aos alunos e pensamento
preconceituoso. A mediana de pontuação obtida entre os professores nas três
escalas aplicadas está na tabela 10 a seguir:
TABELA 10 – Mediana de pontuação nas Escalas
ESCALA MEDIANA VARIAÇÃO NA
PONTUAÇÃO
Expectativa em
relação aos alunos
31 9 a 36
Importância do
trabalho
19 5 a 20
Pensamento
preconceituoso
33 11 a 44
Total 84 25 a 100
Nesta tabela a mediana da pontuação na escala da importância do trabalho
foi de 19 pontos; na expectativa em relação aos alunos de 31 e na de pensamento
preconceituoso de 33 pontos. A mediana total entre as três escalas é de 84.
Depois aplicou-se o teste de Spearman para saber se existe correlação entre
as três questões.
53
Na tabela abaixo encontram-se as correlações obtidas.
T
ABELA 11 - Resultado da correlação de Spearman
QUESTÃO RESULTADO
Importância do trabalho X Expectativa
Importância do trabalho X Preconceito
Expectativa X Preconceito
0,028
- 0,083
0,077
A tabela 11 indica a não existência de uma correlação significante entre as
três variáveis, em nível de significância de 0,01.
Pelos dados coletados com os professores, pode-se afirmar que apresentam
alta expectativa em relação aos seus alunos, sendo que a mediana da pontuação
obtida entre os 23 professores pesquisados foi de 31 pontos numa variação possível
de 9 a 36 pontos. Na escala referente à importância do trabalho realizado, a
mediana foi de 19 pontos numa variação de 5 a 20 pontos. E na escala de
pensamento preconceituoso obteve-se a mediana de 33 pontos, numa variação de
pontuação de 11 a 44 pontos. A escala que mediu o pensamento preconceituoso
apresentou afirmativas positivas e negativas, e a atribuição da pontuação se deu de
forma que quanto maior a pontuação obtida pelo sujeito, menor o pensamento
preconceituoso.
B)
- COMPARAÇÃO ENTRE CLASSES
Separou-se as escalas e a pontuação obtida pelos alunos nas duas escalas
aplicadas: auto-estima e relação com o professor, das três classes. A partir disso,
aplicou-se o teste estatístico de Kruskal-Wallis entre as classes em cada uma das
duas questões analisadas.
Em relação à questão da Auto-estima, na prova de Kruskal-Wallis, observou-
se que existe uma diferença significativa entre as classes. Nesse caso, a classe 1
(C1), apresenta resultados superiores às classes 2 (C2) e 3 (C3) (H = 10,38; 2 g. lib.,
p < 0,01).
Em relação à prova de Kruskal-Wallis na questão da Relação com o
professor, o resultado obtido (H = 18,50, 2 g. lib. e p< 0,01), entre as classes
54
aponta novamente para uma diferença entre as classes, sendo que a classe 1 (C1)
apresenta resultados superiores às classes 2 (C2) e 3 (C3).
Para submeter a diferença entre as classes a mais uma prova estatística e
confirmar a diferença entre elas, fez-se a prova U de Mann Whitney e comparou-se
a classe 1 com as classes 2 e 3; e a classe 2 com a classe 3, tanto para a variável
auto-estima quanto para a variável relação com o professor.
Obteve-se, na comparação entre a classe 1 e as classe 2 e 3, na variável
auto-estima ( Z = 3,077 e p <0,01) e na variável relação com o professor ( Z = 4,284
e p< 0,01), uma diferença estatisticamente significativa.
Já na comparação da classe 2 com a classe 3, não foi constatada diferença
estatisticamente significativa nem na variável auto-estima( Z = 0,7898 e p > 0,01)
nem na variável relação com professor ( Z = 0,7898 e p > 0,01).
Tais resultados das provas de Kruskal-Wallis e U de Mann Whitney nos dados
dos alunos demonstram haver diferença significativa entre a classe 1 e as classes 2
e 3, apontando que a classe em que o professor apresentou maior pontuação nas
questões analisadas (importância do trabalho, expectativa em relação aos alunos e
pensamento preconceituoso), os alunos têm maior pontuação na escala de auto-
estima e de relacionamento com o professor que os alunos das demais classes. Isso
significa que quanto maior a importância atribuída ao trabalho realizado pelo
professor, maior é a auto-estima dos alunos. Assim como também quanto menor é o
pensamento preconceituoso apresentado pelo professor, maior é a auto-estima dos
alunos.
55
5. DISCUSSÃO
Um dos objetivos deste trabalho era aferir sobre a expectativa dos
professores em relação aos alunos, tendo como hipótese que os professores tinham
uma baixa expectativa de êxito escolar de seus alunos. Porém, essa hipótese não se
confirmou, já que os professores pesquisados acreditam nos alunos e esperam o
êxito escolar dos mesmos.
Em relação ao objetivo de identificar a importância do trabalho realizado
foram apresentadas 5 afirmativas, com pontuação variável de 5 a 20 pontos. Nessa
questão a mediana da pontuação foi de 19 pontos. O que confirma a segunda
hipótese de que os professores tendem a valorizar o trabalho nas classes de EJA.
Tais dados demonstram que os professores acreditam que fazem um trabalho
de importância e sentem-se realizados, assim como também mantêm uma alta
expectativa em relação ao êxito escolar de seus alunos. Esses dados são
significativos se considerar-se que, de forma geral, a realidade tanto do CEJA
quanto da Educação de Jovens e Adultos no Brasil é delicada, principalmente para o
professor que se depara com alunos tão diversos, conforme dito anteriormente, qual
seja, idosos analfabetos que nunca estiveram nos bancos escolares e adolescentes
cujo processo de escolarização foi frustrado e que possuem uma auto-imagem
negativa em relação às capacidades escolares.
Para os adultos que nunca estiveram na escola, superar a resistência que o
medo de uma situação nova traz e superar a condição de analfabeto é um grande
desafio, comparado ao dos jovens que já estiveram na escola e que possuem uma
percepção frustrante do ambiente escolar. Os professores enfrentam, além da
dificuldade em relação à diversidade dos alunos, a dificuldade em termos de espaço
físico, o material didático, a falta de qualificação profissional etc. Portanto, constatar
que a credibilidade desses professores no trabalho que realizam e no potencial
escolar de seus alunos é um alento que se reflete na auto-estima elevada dos
alunos das 3 classes analisadas.
56
Outro dos objetivos deste trabalho era identificar como é a auto-estima dos
alunos e tinha-se como hipótese que, no ambiente escolar, a auto-estima dos
mesmos era elevada. Segundo os dados coletados, confirmou-se essa hipótese de
que os alunos apresentam auto-estima elevada no ambiente escolar, já que foram
apresentadas 10 afirmativas relativas à auto-estima e a pontuação possível de ser
obtida era de 10 a 40 pontos, obtendo-se uma mediana entre 34 e 36 pontos nas
três classes de alunos.
Quanto a estabelecer uma possível relação entre aquilo que os professores
têm de expectativa em relação aos seus alunos e a auto-estima dos mesmos,
acredita-se ter-se obtido um dado positivo, já que, nas três classes pesquisadas os
alunos apresentaram auto-estima elevada. Sendo que na classe onde o professor
obteve a maior pontuação e, portanto, resposta mais positiva aos quesitos
indagados, os alunos apresentaram maior pontuação no quesito da auto-estima. O
ambiente escolar para esses alunos reflete a possibilidade de socialização e de
elevação da auto-estima, na medida em que se sentem capazes de vencer a
condição de analfabeto e em que são acolhidos por um professor que acredita tanto
no valor de seu trabalho quanto em seus alunos. E ai reside um dos fatores mais
importante encontrado nesta pesquisa: o ambiente escolar reflete a possibilidade de
superar a marginalização do não-saber e a conseqüente baixa auto-estima que tal
condição implica, sendo que o papel exercido pelo professor enquanto agente de
recepção de alunos marginalizados, o esforço e a crença na realização de um
trabalho importante, aliado à afetividade intrínseca ao fazer docente, melhora a auto-
estima dos alunos do CEJA.
Por fim, relativo ao pensamento preconceituoso por parte dos professores em
relação aos alunos e à condição de analfabeto, acreditava-se que haveria uma
indicação de pensamento preconceituoso bem acentuada, o que não se confirmou.
De 11 afirmativas apresentadas aos professores e uma variação na pontuação
possível de ser obtida entre 11 e 44 pontos, obtive-se uma mediana de 33 pontos
entre os 23 professores. Mesmo que o valor dessa mediana não seja tão
acentuadamente positivo - como o obtido nas questões importância do trabalho e
expectativa em relação aos alunos, não se constatou a presença de pensamento
preconceituoso por parte dos professores.
57
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seja por nunca terem estado nos bancos escolares ou por carregarem
experiências frustrantes da época em que estiveram, para os alunos da EJA, o
impulso de estudar é um grande desafio. A sociedade na qual estamos inseridos
está permeada pelo conhecimento e pela educação continuada, o aperfeiçoamento
e aprimoramento daqueles conhecimentos obtidos na escola.
Para quem não possui o conhecimento formal, a educação básica ou só
possui os rudimentos da escrita e da leitura, fazer parte dessa sociedade pode ser
uma experiência dolorosa, da qual podemos apenas vislumbrar o significado. Não é
difícil constatar que tais pessoas possam ter uma auto-estima fragilizada, uma vez
que o conhecimento, além de poder proporcionar uma posição profissional melhor,
acima disso, permite o esclarecimento de diversas questões cotidianas nas quais os
indivíduos são chamados a participar.
Por mais que viver com uma auto-estima baixa, em determinado aspecto de
sua vida particular, possa ser uma situação na qual o sujeito habitua, estamos
sempre sendo impulsionados e exigidos na direção do aperfeiçoamento. Por
exigências do mercado de trabalho, pelo apoio familiar, pelo constrangimento social
que a condição de analfabeto ou pouco escolarizado implica, a pessoa que se dirige
à escola fora da época regular precisa de coragem para enfrentar o novo ambiente e
os novos desafios. Entretanto, se esse novo ambiente estiver carregado de estigmas
e preconceitos, o movimento em direção ao aperfeiçoamento, tanto das capacidades
cognitivas quanto das emocionais, pode ser ainda mais frustrante e, pode, pior,
confirmar a enganosa incapacidade do indivíduo. Em outras palavras, estar na
escola tardiamente pode ser a determinação da baixa auto-estima, se o ambiente for
hostil. Quando nos referimos à ambiente hostil, estamos dizendo desde os
funcionários da escola, os professores, os demais alunos, quanto à sociedade de
forma geral. Porém, os resultados encontrados nesta pesquisa indicam não ser
hostil o ambiente em que os alunos do CEJA estão inseridos.
O paradoxo é que a mesma sociedade que valoriza sobremaneira o
conhecimento, também desvaloriza a profissão docente, especialmente os
58
professores da educação básica, se comparados aos professores universitários.
Dessa forma, a revalorização da escola é tanto um processo interno do indivíduo
que a busca fora da época regular, quanto da sociedade que deveria valorizar desde
a profissão docente até a iniciativa dos que lutam pelo conhecimento, como forma
de fomentar uma sociedade onde seus membros possam exercer a cidadania de
forma consciente e democrática.
Ao concordarmos com Adorno que o professor deve fazer da afetividade uma
força de impulsão na relação de aprendizagem com seus alunos, devemos
considerar também um dos resultados dessa pesquisa e que contradisse uma de
nossas hipóteses: a questão do preconceito. Ao iniciar esta pesquisa, nosso único e
primordial objetivo era detectar o pensamento preconceituoso do professor em
relação aos alunos de EJA e aos analfabetos de forma geral. Porém após os dados
colhidos, após freqüentar as escolas, conversar com professores e alunos,
permaneceram algumas perguntas contundentes: não estaríamos nós mesmas
sendo preconceituosas em relação aos professores de EJA? Não se estaria
confirmando um tabu em relação à desvalorização social do professor alfabetizador
de adultos? De qualquer forma, parece-nos que tanto o professor quanto os alunos
encontram um momento de comunhão na sala de aula: os professores que
encontramos valorizam o trabalho que realizam, acreditam na capacidade de seus
alunos e não possuem preconceito, o que se reflete numa auto-estima elevada dos
alunos no ambiente escolar.
Os resultados obtidos podem ser considerados positivos. Se os alunos vão
obter o êxito escolar, a ascensão social ou profissional que esperam encontrar na
escola, isso é tema para outra pesquisa. O fato é que os professores consideram
essa possibilidade e, acima disso tudo, consideram suas capacidades de tentar e
arriscar-se no universo escolar, e isso garante, ao menos, a elevação da auto-estima
dos indivíduos. Entrementes não devemos esquecer que a escola é uma instituição
designada a promover a adaptação dos indivíduos à sociedade total administrada e
enquanto tal possui seus mecanismos disfarçados de exclusão no aligeiramento de
conteúdos, na superficialidade dos conhecimentos que fornece, nas políticas
assistencialistas, na desvalorização cultural da profissão docente bem como da
Educação de Jovens e Adultos.
59
Como dito anteriormente, acreditamos, de acordo com Adorno, que o clima
cultural de uma sociedade pode significar o esclarecimento dos indivíduos acerca da
realidade social e a superação de suas contradições. Mas se, por um lado, a
educação tem sido instrumento de dominação das consciências, acomodação de
tensões sociais e adaptação, por outro, não podemos esquecer que o trabalho
educativo é realizado pelo humano e, enquanto tal, portador de sonhos e
esperanças. Afinal, quem se dedicaria a trabalhar em locais sujos, distantes, feios e
ter seu trabalho como de pouco prestígio social, não fosse a incrível capacidade de
crer na possibilidade de mudança?
60
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1986.
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Dissertação de mestrado. UFPB, 2006.
CROCHÍK, José Leon. Preconceito, Indivíduo e Cultura. São Paulo: ROBE editorial
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_________. Teoria Crítica da Sociedade e Estudos sobre o preconceito. Revista
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GENTILLI, Pablo. Pedagogia da exclusão: o neoliberalismo e a crise da escola
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GIGLIO, Ângela Márcia Zago. Os alunos do ensino supletivo hoje: em cena, os
sentimentos vividos em sala de aula. Tese de Doutorado. PUC-SP, 2004.
DI PIERRO, Maria Clara de. Descentralização, focalização e parceria: uma análise
das tendências nas políticas públicas de educação de jovens e adultos. Educ.
Pesq. vol.27, no.2, 2001
_________ & HADDAD, Sergio. Escolarização de jovens e adultos. Revista
Brasileira de Educação. n. 14, 2000, pp. 108-130.
HORKHEIMER, M. & ADORNO, T. La Sociedad: Lecciones de Sociologia. Buenos
Aires, Editorial Potreo, 1969.
61
_________. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed, 1985.
MATOS, Olgária C. F. A escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo. São
Paulo: Moderna, 2005.
MARRIEL, Lucimar Câmara et al. Violência escolar e auto-estima de adolescentes.
Cad. Pesq., São Paulo, v. 36, n. 127, 2006.
MARTINS. Mônica Mastrantonio. Reflexões sobre preconceito – em busca de
relações mais humanas. Revista InterAÇÂO. Curitiba. Jan/dez. v.2, 1998.
NASCIMENTO, Rômulo Pereira. Educação e Preconceito – Um estudo sobre as
pesquisas contra o preconceito étnico. Tese de doutorado. Educação: História,
Política e Sociedade. PUC – SP, 2004.
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação Popular e educação de adultos: contribuições à
história da educação brasileira. São Paulo: Loyola, 1973.
RIBEIRO, Vera Masagão. Alfabetismo Funcional: referências conceituais e
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ZUIN, Antonio A. S. Sobre a atualidade dos tabus com relação aos professores.
Educação & Sociedade. Campinas. ago. v. 24. n. 83, 2003.
62
ANEXO
63
PONTUAÇÃO SUJEITOS
ORDEM DE SUJEITO ORDEM DE PONTUAÇÃO
Sujeito pontuação Sujeito Pontuação
1 84 5 74
2 79 18 74
3 85 2 79
4 90 7 80
5 74 9 80
6 81 10 80
7 80 11 80
8 86 12 80
9 80 6 81
10 80 13 82
11 80 16 83
12 80 1 84
13 82 14 84
14 84 23 84
15 86 3 85
16 83 19 85
17 89 20 85
18 74 8 86
19 85 15 86
20 85 21 87
21 87 17 89
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