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Presidente da República:
Fernando Henrique Cardoso
Ministro de Estado da Educação e do Desporto:
Paulo Renato Souza
Secretário Executivo:
Luciano Oliva Patrício
Secretária de Educação Fundamental:
Iara Glória Areias Prado
Diretora do Departamento de Política da Educação Fundamental:
Virgínia Zélia de Azevedo Rebeis Farha
Coordenadora Geral de Apoio às Escolas Indígenas:
Ivete Maria Barbosa Madeira Campos
Equipe Técnica:
Deuscreide Gonçalves Pereira, Deusalina Gomes Eirão, Andréa Patrícia Barbosa de
Carvalho, Cristiane de Souza Geraldo.
Comitê de Educação Escolar Indígena:
Iara Glória Areias Prado-Presidente, Susana Martelleti Grillo Guimarães, Meiriel de
Abreu Sousa, Luís Donisete Benzi Grupioni, Sílvio Coelho dos Santos, Aldir Santos de
Paula, Rosely Maria de Souza Lacerda, Jadir Neves da Silva, Darlene Yaminalo Taukane,
Alice Oliveira Machado, Valmir Jesi Cipriano, Algemiro da Silva, Nietta Lindemberg
Monte, Bruna Franchetto, Terezinha de Jesus Machado Maher, Nilmar Gavino Ruiz,
Marivânia Leonor Furtado Ferreira, Júlio Wiggers, Álvaro Barros da Silveira, Gersen
José dos Santos Luciano e Walderclace Batista dos Santos.
Publicação financiada pelo MEC - Ministério da Educação e do Desporto, dentro do
Programa de Promoção e divulgação de Materiais Didático-pedagógicos sobre as
Sociedades Indígenas, recomendada pelo Comitê de Educação Escolar Indígena.
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o
tempo
passa
e
a
história
fica
o
TEMPO
PASSA
E
A
HISTÓRIA
FICA
Textos e Ilustrações
Professores Xacriabá
SEE-MG/MEC
1997
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS
SECRETÁRIO: JOÃO BATISTA DOS MARES GUIA
PROGRAMA DE IMPLANTAÇÃO DAS ESCOLAS INDÍGENAS DE MG
COORDENADORA: MÁRCIA MARIA SPYER RESENDE
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Maria Inês de Almeida
PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA:
Maurício Gontijo
Vitor Ribeiro
José Israel Abrantes
CONSULTORIA ANTROPOLÓGICA
Ana Flávia Moreira Santos
CAPA: Marcelo Pereira de Souza
TEXTOS E ILUSTRAÇÕES: Professores indígenas Xacriabá, em formação no
Programa de Implantação das Escolas Indígenas de Minas Gerais
BELO HORIZONTE, 1997 - 1
§
EDIÇÃO
ÍNDICE
Prefácio
Parte I: 0 tempo passa e a história fica 9
Poesia 1 1
Prosa: A peleja Xacriabá 31
Parte Il: Nossas históriaso um paraíso 49
As três irmãs 51
Tibicuera 53
Iaiá Cabocla 54
A onça cabocla 55
0 galo e a raposa 56
Antigamente, quando Jesus andava pelo mundo 57
0 almoço 58
A galinha risonha 59
Histórias do bobo 60
Dois bodes brigavam 61
Ae d'água, Uiara 62
Os dois compadres 63
0 tatu e a raposa 64
0 neguinho do pastoreio e o fazendeiro cruel 65
0 tatu 66
Jeca Tatu 68
A onça e o coelho 69
0 coelho e a rapos 73
Redemoinho 75
História de como começou o mundo 76
A aranha 78
Parte III: Histórias dos antepassados 81
Vocabulário
95
Prefácio
Durante dois anos, os professores Xacriabá em formação,
no Programa de Implantação das Escolas Indígenas de
Minas Gerais, realizaram uma pesquisa, nas suas aldeias,
sobre as tradições de seu povo. Esse trabalho resultou na
escrita de três tipos de texto:
Narrativas, em verso, de acontecimentos e fatos impor-
tantes na vida da comunidade Xacriabá: a luta pela posse
da terra, a morte do líder Rosalino, a formação dos pro-
fessores.
Narrativas, em prosa, do massacre ocorrido em 1987,
na aldeia Sapé, no município deo João das Missões,
quando Rosalino Gomes de Oliveira, pai do professor José
Nunes de Oliveira, foi assassinado.
Coletâneas de contos tradicionais, que pertencem ao
extenso universo ficcional do sertão mineiro, transmitidos,
oralmente, de geração a geração.
Os textos foram escritos num esforço conjunto dos profes-
sores, que ouviram, gravaram e traduziram, na forma
escrita, histórias e casos dos seus pais, avós, tios, enfim,
daqueles que detêm os saberes tradicionais na aldeia.
Pela escrita, eles pretendem constituir, esteticamente,
novas imagens de sua comunidade. Escrever, para eles, é
antes o ato político de dar um sentido para sua existência,
junto à sociedade brasileira.
Se os Xacriabá perderam, à força, sua língua, agora eles se
' apoderam da língua portuguesa, dando-lhe uma entonação
cabocla.
Como pesquisadores e professores das escolas Xacriabá,
estes novos autores apontam para uma outra cena
literária: a produção comunitária do livro, livre do princí-
pio da autoria, enraizada na oralidade. A grafia como um
gesto de reafirmação da força política de quem, na con-
quista do próprio território, transforma as penas em poesia:
Para isso eu dou terras,
p'ros índios morar
Daqui para Missões
cabeceira de Alagoinhas
Beira do Peruaçu até as Montanhas
p'ra índioo abusar de fazendeiro nenhum
eu dou terra com fartura p'ro índio morar.
A missão para a morada
0 brejo para o trabalho
Os campos gerais para as meladas e caçadas
B as margens dos rios para as pescadas.
Dei, registrei, selei
Pago os impostos
Por cento e sessenta réis
Assim é que traduziram, em versos, um documento. Um dia,
no Curso de Formação, no Parque Rio Doce, estávamos lendo
O que é literatura, de Marisa Lajolo (Coleção Primeiros
Passos, Editora Brasiliense). Creuza Nunes Lopes, professo-
ra Xacriabá, foi encarregada de transmitir oralmente aos
colegas os resultados da sua leitura, suas reflexões sobre o
tema tratado no livro. O que ela fez? Foi lá na frente da
turma e declamou versos que eram, literalmente, o texto
ensaístico de Marisa Lajolo. A turma aplaudiu. Nós, profes-
soras da UFMG, entendemos finalmente que a leitura é tam-
m a tradução do texto em uma cadência, um ritmo queo
é outro senão o da tradição poética à qual pertencemos.
Assim, a História, a Geografia, a Literatura, a Filosofia, as
Ciências Naturais, a Matemática,o entrando pelos ouvidos
e saindo em ritmo Xacriabá, em forma de livros para serem
lidos em voz alta, decorados, recontados, em volta de uma
fogueira, nas noites bonitas do cerrado, ou, quem sabe,
numa boa sala de aula.
Maria Inês de Almeida
Profa, de Literatura Brasileira na UFMG
1- MARIZ, Alceu Cotia (et alli). 1982. Relatório de viagem à área Indígena xacriabá FUNAI. P.16
aro leitor, foi pensando em
você e em nosso povo, que escrevemos o livro O
tempo passa e a história fica.s queremos,
através dele, lhe contar um pouco de nossa
história. Este livro é muito importante porque
fala dos acontecimentos e das histórias reais.
José Nunes de Oliveira
Texto e ilustração: José Nunes Oliveira
Domingos N. Oliveira
POESIA
Aproveitando do belo dia que está hoje, eu
gostaria de lhes contar uma história.
Conheci uma vez uma árvore de tamanho
meio exagerado, a qual abrigava muitos pás-
saros. Mas um certo dia apareceram umas pra-
gas para destruir a árvore. Os pássaros se reuni-
ram e disseram:
o podemos deixar que as pragas
destruam a nossa árvore. Onde vamos encontrar
outro abrigo, o fruto para comermos?
Então um grande pássaro que havia entre
eles disse:
Vocês tomem conta da árvore e eu vou
procurar ajuda. Procurou, procurou até que
encontrou um borrifador que acabou de vez com
as pragas, dando de volta a vida da árvore.
Que nome poderemos dar aos personagens
da história?
À grande árvore, eu daria o nome de
Reserva indígena do Xacriabá. Aos pássaros, eu
daria o nome de índios Xacriabá. Às pragas, eu
daria o nome de posseiros, invasores de terra.
Ao grande pássaro, eu daria o nome de Manuel
Gomes de Oliveira (Rodrigo).
Ao borrifador, eu daria o nome de Fundação
Nacional do índio, FUNAI.
Mas, agora, vamos contar essa história dife-
rente, vamos contar ela mais ou menos em versos
rimados.
Meu caro leitor amigo
leia bem sem soletrar
coloque ao na cabeça
pra melhor mentalizar
o triste padecimento
dos índios Xacriabá.
Muito tempo esses índios
sofrem de decepção
grileiro tomando terra
formando perseguição
pra acabar com os índios
e tomar conta do chão.
Mas como a terra é sagrada
tinha uma doação
marcando todo limite
que pertencia à nação
e por capricho da sorte
se encontra em boa mão.
As boas mãos que eu falo
do cacique Rodrigão
que lutou todo esse tempo
tendo até perseguição
muitos lhe deram fazendas
pra deixar o seu irmão.
Mas eleo aceitava
a oferta que lhe fazia
e continuou lutando
pra ver o que acontecia
no peito uma esperança
de bom resultado um dia.
Foi quando teve notícia
de um tal SPI
procurou denunciar
todas invasões daqui
da área Xacriabá
perto de Itacarambi.
O órgão lhe deu uma carta
dizendo este cidadão
pode rodar pelo Brasil
sem nenhuma interdição
essa carta foi tomada
por um forte capitão.
Quando todos os fazendeiros
começaram a descobrir
Rodrigo pra viajar
tinha às vezes de fugir
sem dizer pra onde iria
pra ninguém lhe perseguir.
Eles diziam um pro outro
ouça o que vamos fazer
Rodrigo sem essa carta
nada poderá fazer
então mandamos prendê-lo
para nada resolver.
Rodrigo dizia eu sei
que eleso me pegar
maso ligo para isso
e nem paro de lutar
enquanto livre estiver
pretendo continuar.
0 leitor pode bem ver
que tamanha paciência
dispensar uma fazenda
pra viver na sofrença
o poucos homens quem
essa tal de consciência.
Mas que luta desastrosa
desse pobre cidadão
andou até mal vestido
e às vezes de pé no chão
só pra tomar nossas terras
da unha do tubarão.
Um tal Bida a chamado
foi o primeiro posseiro
que entrou dentro da área
com o bolso cheio de dinheiro
fazendo muita desordem
provocando o desespero.
Quando ele aqui chegou
com sua grande agonia
queria toda a terra
que por aqui existia
porém os Xacriabá
contra ele resistia.
Por ser bem conhecido
como rico cidadão
adquiria o direito
de trazer para o sertão
a polícia destemida
pra fazer judiação.
A casa desse bandido
era como um quartel
foram detidos Rodrigo
Laurindo, Emílio e Miguel
a polícia por dinheiro
desapoiou verdadeiro
Tinha também uns valentes
da família dos Amaro
que entrando aqui na terra
alguns índios eles mataram
Argílio e seus companheiros
no outro dia chegaram.
E dividido em dois grupos
a derrota foi fazendo
matadores intemerosos
a polícia foi prendendo
quemo conhecia cadeia
agora está conhecendo.
Vou falar bem direitinho
pra melhor lhe explicar
o nome dos pistoleiros
também preciso falar
só pra vocês conhecerem
os que gostam de matar.
Perto do Barreiro Preto
lá morava o Alfredão
Vicente, Antônio e Martinho
e um tal Mané Paixão
quatro desses homens
filhos do dezasta Chicão.
Germano de Canabrava
Roberto Trinta e Arlindo
Agenor também se envolve
na morte do Rosalino
quatro foram pra cadeia
cumprir seu cruel destino.
Depois de todo o conflito
que o tiroteio parou
morto bem perto da estrada
se encontrava o Agenor
a força das leis divinas
sua sentença assinou.
Com a morte do Rosalino
s ficamo' em desespero
o presidente da Funai
veio nos visitar ligeiro
tomou logo providência
pra idenizar os posseiros.
Pomares, cercas e casas
que dos posseiros ficaram
a Funaio quer pra ela
e para o cacique falou
que distribuísse tudo
prós índios trabalhadores.
A Funai por sua vez
fez papel de escoteiro
pra fazer a indenização
gastou um rio de dinheiro
mas trouxe a tranqüilidade
indenizando os posseiros.
0 Incra e a Ruralminas
também me deixaram contente
pois na hora do sufoco
eles estavam com a gente
fazendo muito esforço
trabalhando alegremente.
Nosso amigo Lúcio Flávio
trabalhou com atenção
fez o máximo possível
na sua administração
entrando de corpo e alma
dentro da nossa questão.
Temos um chefe de posto
que a Funai nos mandou
é um homem de honestidade
que trabalha com amor
nunca fez nada de errado
desde quando aqui chegou.
Seu nome é Antônio
o sobrenomeo sei
eu acho que esqueci
ou nunca lhe perguntei
eu vou perguntar a ele
e lhe falo de outra vez.
A Funai também nos dá
uma bela enfermaria
a enfermeira é Eunice
remédio tem todo dia
em caso de internação
dá para o doente uma guia.
Esta história é real
abaixo deixo assinado
porém só peço desculpas
Se tiver versos errados
poiso meus primeirosversos
que aqui estão mencionados.
Poesia de João Batista de Abreu
Escrita por José Nunes Oliveira.
Há vários anos atras
Já existiam fazendeiros
Expulsavam os índios da terra
E se faziam posseiros
Pois índioo tinha valor
Porqueo tinha dinheiro.
A nação Xacriabá
Era sempre ameaçada
Sendo obrigada a deixar
A sua própria morada
Que os fazendeiros obrigavam
Sair sem direito e nada.
O cacique Rodrigão
Foi o primeiro a lutar
Para defender a terra
Dos índios Xacriabá
Pois o índio tem que ter
O seu lugar pra morar.
Depois do Rodrigão
Veio também Rosalino
Que com muita garra e força
Lutou contra os assassinos
Pois um dia queria ver
Todo o seu povo sorrindo.
Rosalino como cacique
Recebeu autoridade
Uniu com todos os índios
Da sua comunidade
Para retomar a terra
Que é nossa felicidade.
Sou filho de Rosalino
E testifico a você
Que o meu pai nos dizia
Que um dia iria morrer
Mas ia deixar livre a terra
Para o seu povo viver.
No ano de 86
Nao suportávamos mais
Pois éramos agredidos
Até por policiais
Porémo desanimamos
Aí que lutamos mais.
Foi quando os fazendeiros
Tomaram uma decisão
Se matarmos Rosalino
Tomaremos conta do chão
Mas houve completo engano
A terra ficou em nossas mãos.
0 meu nome é Domingos
Filho de Rosalino
Quando aconteceu a tragédia
Eu era ainda menino
Presenciei a morte do meu pai
Cometida pelos assassinos.
Os assassinos que eu falo
o um bando de pistoleiros
Eram 16 pessoas
Do primeiro ao derradeiro
Muitoso foi por querer
Mas por força do dinheiro.
Irei relatar pra você
Tudo que aconteceu
Pois eu sou um daqueles
Que lá sobreviveu
o porque eles quiseram
Mas foi por força de Deus.
No ano 87
Dia 12 de fevereiro
Ali chegou Seu Amaro
Junto com seus pistoleiros
Quebrando todas as portas
E fazendo um tiroteio.
É muito triste esta história
Maso consigo esquecer
Sabe o que é você deitar
Depoiso amanhecer
Com o seu querido papai
Que tanto amou a você.
Já era umas 2 horas
Ao romper da madrugada
Chegaram aquele povo
Sem ter pena de nada
Fez um grande tiroteio
Até minhae foi baleada.
Ae que eu falo é Anísia
Esposa de Rosalino
Que quando saiu foi detida
Pelos malditos assassinos
Que enquanto ela chorava
Eles estavam sorrindo.
0 meu pai desesperado
Ma porta ele apontou
Foi quando foi baleado
Euo sei quem o matou
Só sei que naquele momento
0 meu coração cortou.
Com a morte do meu pai
Eu fiquei desesperado
Maso podia correr
Porque eu estava cercado
Por aqueles pistoleiros
Que estavam todos armados.
Mas nosso Deus éo justo
E sempre nos amou
No meio do tiroteio
Acertaram o Agenor
Era um dos pistoleiros
Que morto ali mesmo ficou.
Naquele mesmo momento
0 pistoleiro parou
Pra ver o que aconteceu
Com seu amigo Agenor
Foi quando saí correndo
E fui avisar meu avô.
Quando eles perceberam
Que alguém tinha fugido
Me deram vários tiros
Que balas zuaram no ouvido
Porémo me acertaram
Pois Deus estava comigo.
Esta história aqui ficou
Mais ou menos na metade
Mas tudo que está escrito
É tudo realidade
Mataram meu pai
Sem haver necessidade.
A história é muito grande
Dá pra você perceber
Porém o tempoo deu
Pra mim pensar e escrever
Mas no próximo livro
Contarei tudo a você.
Apesar do que aconteceu
o perdi minha esperança
Agora já estou casado
Tenho esposa e duas crianças
Pra quando eu também morrer
Eles ficar na lembrança.
Aos professores indígenas
Aqui de Minas Gerais
o firme para o futuro
Eo olhem para trás
Tentem restaurar paras
As tradições de nossos pais.
Agradeço a meu irmão José
Por ter me ajudado
Colocando a minha história
No seu livro publicado
E a todos os leitores
Deixo meu muito obrigado.
Domingos Nunes de Oliveira
C.I. de Rosalino Gomes de Oliveira
João, Gilmar e José Nunes, da família de Rosalino Gomes de Oliveira.
Alfabetizar em face do destino
Nosso curso vai passando
Por uma grande reforma
0 tempo dos analfabetos
Está saindo fora de forma
Com os costumes antigos
hoje ninguém se conforma.
É tanto ques professores
escrevemos em cima da linha
num parque reservado
perto de uma cidade vizinha.
Quemo conhece diz logo
ser conto da carochinha
Pois Deus, deu-se diversos casos
Que como recordações
ainda hoje revivemos
pelas florestas dos sertões
com uma lembrança eterna
plantada nos corações.
Portanto eu vou contar
uma história das boas
do tempo dos analfabetos
nos sertões de Alagoas.
Uma época que no passado
comoveu várias pessoas
Assim até que chegou
aquela sublime hora
de nascer o nosso curso
lindo como a Deusa Flora.
1 -Timóteo
Vimos as luzes do nosso mundo
já ao romper da aurora
ao saberem nossos pais
dizem com alegria:
Euo posso lhe formar
mas desejo felicidade
até o final do dia.
A gente lá no curso
o perdia uma lição
queridos dos professores
e dos irmãos no sertão
s rezamos todos os dias
pra conseguir a formação
a gente aos seis meses
em nossa área aprendia
com Zé Luís e Ana Flávia
do A E H já sabia
Até dos primeiros livros
Muitas coisas resolvia
Mas a secretaria resolveu
o nosso estudo aumentar
voltamos ao Rio Doce
para a gente estudar
em um colégio interno
daí até se formar
E quando passavam as férias
a gente contente vinha
Estagiar com os alunos
Que na nossa área tinha
E explicar as matérias
Das que mais nos convinham
Porém nossos pais sabendo
Cada vez mais amavam
Quanto mais nos explicavam
Mais a paixão aumentava
E indiferentes
Deles nada suspeitavam.
Ao sair da nossa área
Pelo cacique foi avisado
Que iam para um colégio
Onde ficavam internados
Só vinham em casa com ums
Até que fossem formados.
Logo se arrumaram
Enfrentando certo risco
Se despediram dos pais
Seguiram pelo aprisco
Numa cidade que dava
No rio deo Francisco
Da cidade até o rio
Era uma légua boa distante
Aonde ficava uma balsa passante
A balsa estava um pouco à toa
s embarcamos nela,
Dizendo: Deus nos perdoa...
Abrindo os panos desceram
Levados pelos "Terrar"
Passando de meia-noite
Começamos a cochilar
Porque o "Nordeste" veio
Ajudá-los a viajar
Alguém queo acredite
Leia o livro e se conforme
Muitos casoso passados
Enquanto a justiça dorme
Alfabetizando os analfabetos
Dos fracos para os valentes
A diferença é enorme.
João Pereira Santos
S_Manoel
Prosa
A peleja
Xacriabá
Das palavras mais bonitas
o Rosalino falou:
"Eu prefiro ser adubo mas
sair daquio vou".
Ele morreu pra ser adubo
pra justiça da fulô.
Território Indigena Xakriabá
Os Xacriabá vivem em uma reserva demar-
cada pela Funai, 46 mil hectares de terras, às
margens do rio Itacarambi, no município deo
João das Missões, no norte de Minas. Vivem da
agricultura de subsistência e da criação de gado.
A reserva é constituída de cerca de quase 30
aldeias afastadas entre si e dirigidas por um
cacique-chefe. Cada aldeia tem seu representante,
eleito pelos próprios índios, e as sucessõeso
hereditárias. As mulheres cuidam dos trabalhos
domésticos e ajudam os homens a trabalharem na
terra e a cuidarem dos poucos animais.
Os Xacriabá vivem cercados por fazendas e
pelos projetos da Sudene.
A Companhia de Desenvolvimento do Vale do
o Francisco, CODEVASF, construiu uma barragem
no rio Itacarambi para uma hidrelétrica, que
alagou uma área de 70 hectares da reserva.
Castigados pelas inconstâncias do clima, os
Xacriabá, como todos os habitantes da região,
índios ou não, permanecem na terra durante o
inverno, quando plantam e colhem com relativa
fartura. Mas, no verão, muitoso obrigados a
sair, em busca de trabalho nas fazendas do sul do
Estado deo Paulo.
Dentro da reserva, existe um posto da Funai,
instalado na década de 70, para coordenar as
aldeias. Ele serve como ponto de referência para
os índios. 0 chefe do posto, cacique e lideranças
trabalham juntos, trocando informações.
"CERTIDÃO VERDUM ADVERBUM
FRANCISCO NUNES PACHECO ESCRIVÃO DE PAZ E OFICIAL DO
REGISTRO CIVIL?VITALÍCIO, do distrito e municipio do
Itucarambi ,Estado de Minas Gerais, Republica Federa-
tiva do Brasil,na forma de lei etc.
CERTIFICA a solicitação de Interessado,que revendo em seu cartório
os livros de notas desse, em um desses de numero dez (10) as fls-
88 cvº encontrou a seguinte publica forma,do teor seguinte: Publi--
ca Forma de uma doação do teor seguinte: n 11 R.160 Pagou cento e
secenta reis 0 P 25 do Setembro de 1056 Silva Reis Januário Car-
doso de Almeida Brandão deministrador dos índios da Missão do Snr S.
João do Riaxo do Itacaruabi Ordena o Cap, Mandante Domingos Dias
junte todos os indios tantos maxos como fêmeas Q" andarem por fo-
ra pa ad-missão com zello o cuidado. os que forem rebeldes fará pren-
cher com cautela parahirem para ad-missão Copio e Chrstão e zello,
'andando -lhe ensinar a Doutrina pellos os q- mais soberem os dou-
trinatos que vivão bem e se casem os Mancebadoso sendo emped imen-
to ou avendo empedimento fazendo se caze com outro qo tenha em-
pedimento fazendo os trabalhare p- terem qi comer e nao furtarem e
o q_ for rebelde a esta dutrina que expendo neste papel os prende-
rá castigará como merecer sua culpa e quando cascar algum ensolente
ou levantado fará prendellos o trezellos a m presca para lhe dar
o castigo conforme merecer porque feito tenho ordem de q_ pode para
castigar e prendellos e tirar o abuso de serem bravios e espero do
Cap assim o faca como asim determino e do contrario por ele e
pelos 'mais e isço dei terra com cobra parao andarem para as fa-
zenda alheia do Riaxo do Itacaramby acima ate as cabiceiras e ver-
tentes e vertentes e descanco extremando na Cerra Geral para a par-
te do precuaçu extremando na Boa Vista onde desagua para lá e para_
cá e por isso deilhe Terra com Ordi da nossa Magestade ja assimo
Podem andarem pelas fasendas alheias incomodando os fazendeiros
missoes para morada o brejo para trabalharem Fora os gerais para a
suas cassada e meladas.Arraial dos Morinhos 10 de Fevereiro de 728
digo de 1728. ADiministrador Januário Cardoso de Almeida Brandão (002
o sinal publico).Era o que continha na doação que me foi apresen-
tada, qual para aqui trasladei fielmente como nella se continha e
declarava ,do que dou, isto feito, perante duas testimunhas o que
fielmente foi lida e confirmada a realidade do que tudo,continha a
mesma, Assignando as testimunhas e o apresentante, o presente termo
de transperição de publica forma, isto, perante mim escrivão , que o
Dscrevi e assigno e dou fé",em testimunho: (sinal publios)de verdade)
raso que uso em publico.Resalvo entre linha,que diz que expendo -
neste papel os prenderá, que dou. Eu Francisco Nunes Pacheco,es-
crivão do Paz e oficial do registro Civil Vitalício o escrevi dou
fé ,e assigno (a) Francisco Nunes Pacheco. Sobre selos "aa" Itacaram-
by, 28 de fevereiro de 1931 Apresentante: Salomé de Paula Santiago .
testemunhas .Adolpho José de Oliveira e_João Rocha Era o que continha
no
livro
e fls que
para aqui trusladei
presente certidão de Publica
forma verbum- Adverbum e na escrita original transcrita que conse-
tei em datilografia o presente translado e dou fé em testimunho
de verdade. Sem selos para efeito social Nacional
Itacarambi, 5 de junho de 1969
Rosalino, como vice cacique, foi o
primeiro a morrer.
O crime contra os Xacriabá aconteceu no
dia 12 de fevereiro de 1987, na aldeia Sapé,
reserva indígena, hoje município deo João
das Missões, no norte de Minas.
Um grupo de grileiros, liderados por
Francisco de Assis Amaro, invadiu a aldeia, se
identificando como homens da polícia federal.
Dividiram-se em dois grupos, arrombaram a
casa do vice-cacique Rosalino Gomes de Oliveira,
por volta das 2 horas da madrugada, iniciaram
o tiroteio. As balas atingiram Rosalino mortal-
mente. Sua esposa Anísia Nunes, grávida de dois
meses e ferida com um tiro no braço, abraçou a
filha Rosalina, de dois anos de idade, e saiu
para fora do barraco. Picou sentada no terreiro,
por ordem dos pistoleiros. Queriam ver agora se
Rosalino, líder dos Xacriabá, estava mesmo
morto. Os pistoleiros já saíam, mas ninguém
tinha coragem de voltar para casa.
Com dois revólveres apontados para a
cabeça, José Nunes de Oliveira, de 10 anos,
filho de Rosalino, foi obrigado a arrastar o
corpo ensangüentado do pai, do quarto onde foi
fuzilado à queima roupa, até a porta do barra-
co. Franzino, o pequeno Joséo agüentava o
peso de Rosalino e chorava. Os pistoleiros
ameaçavam de novo: Vamos arrebentar seus
miolos se não arrastar seu pai para fora da
casa.
Anísia, a mulher de Rosalino, suplicava ao
filho para que chegasse ao final. Com as duas
mãos, José segurou firme o braço de Rosalino e
puxou o pai. Alguns minutos depois, Rosalino
estava ao lado de Santana, morto também. Os
pistoleiros gritaram de alegria e deixaram a
aldeia. Antes, ameaçaram voltar.
O tiroteio despertou a atenção do índio
Manuel Fiúza da Silva, que correu até a casa do
cacique para verificar o que estava acontecendo,
mas foi atingido pelos tiros e morreu a caminho
do hospital.
Durante todo o período, os grileiros
usaram pseudônimos. Entretanto, os nomes
reais só foram pronunciados diante da consta-
tação de que Agenor Nunes Macedo, um dos
grileiros, também havia sido morto no tiroteio,
pelos próprio companheiros dele. Os tiros
vinham de diversos pontos diferentes, o que
dificultava a identificação dos agressores.
As investigações da chacina seguiram-se a
passos lentos. Desde o início, Francisco de Assis
amaro foi apontado como líder e principal
responsável pelo ato criminoso. No entanto, sua
prisão só aconteceu oito dias após a chacina e
cinco depois de expedido o mandato de prisão.
Transferido para a Superintendência da
Polícia Federal, em Belo Horizonte, ele foi
assistido imediatamente por advogados.
Os pedidos de "habeas corpus" foram
negados no Supremo Tribunal Federal e o
ministro Francisco de Assis Toledo
enquadrou o grileiro por crime de genocídio,
numa decisão inédita na justiça brasileira,
baseada numa lei de 1952. Os assassinos dos
Xacriabá ainda foram enquadrados em
outros artigos do código penal, por homicídio
qualificado, formação de bandos ou
quadrilhas e invasão de domicílio durante
descanso noturno.
36
Três índios morrem em invasão da aldeia.
"O grileiro Amaro comanda o massacre."
Quando um índio Xacriabá sorrir para você, está
na hora de começar a chorar. A frase é uma
forma encontrada pelos fazendeiros da região de
Manga, Itacarambi, Januária e Montalvânia,
para disseminar entre a população preconceitos
contra os 6 mil Xacriabá que habitam a reserva
de 46 mil hectares demarcada alguns anos atrás
pela FUNAI, a 800 km de Belo Horizonte. E o pre-
conceito vai mais além:o rotulados facilmente,
na região, de impostores, aproveitadores, comu-
nistas, e até de dar abrigo a bandidos condena-
dos, parao falar na tradicional alcunha de
preguiçosos.
É com esse arcabouço ideológico que os
fazendeiros consideram legítimo tomar as terras
dos índios.o preconceitos alimentados pelo
homem branco, desde que este chegou à América.
Trata-se de uma das milhares de justificativas
éticas para dizimar totalmente uma cultura que
os brancos provavelmente nunca estiveram à
altura de compreender. 0 ódio atravessou os
séculos, aliado à cobiça e ao exarcebado instinto
de posse. Possivelmente, além dos revólveres e
fuzis, foram as principais armas que levaram o
grileiro Francisco de Assis Amaro e os pistoleiros
Claudomiro Vidoca, Roberto Freire Alkimin,
Sebastião Vidoca, Germano Gonçalves e Venâncio
mais uma dezena de comparsas, a invadir a
reserva, e a promover o fuzilamento sumário
que fez três mortes. Mataram a tiros o cacique
Rosalino Gomes de Oliveira, e os índios Manuel e
José Santana.
De qualquer forma, a situação do índio
brasileiro, principalmente das tribos mineiras,
vai continuar difícil. Ele permanece com as
feições heróicas e bonitas, mas apenas nas
histórias nobres dos livros de José de Alencar,
aliás, consideradas como obras obrigatórias nas
escolas, e até mesmo nas poucas salas de aula
implantadas nas aldeias. E os Xacriabá, em
Minas Gerais,o um doloroso exemplo, com
suas histórias de lutas contra as opressões dos
fazendeiros. Tantas batalhas consumiram suas
forças, suas terras e, pior, sua própria história.
Segundo relato do cacique Rodrigo, apenas
em 1979, nosso povo teve devolvido seu ver-
dadeiro nome Xacriabá. Foi quando conseguimos,
com ajuda de indigenistas, identificar traços
de parentescos com os Xavantes da
Amazônia.
O sepultamento dos três mortos Xacriabá.
Entoando cânticos, alimentados pelo sin-
cretismo religioso, onde misturaram-se os
dogmas católicos e a cultura Xacriabá, os
índios enterraram, no dia 13 de fevereiro de
1987 pela manhã, as três vítimas. Num ambi-
ente solene e triste, havia entre os índios um
sentimento de revolta. O massacre transtornou
centenas de índios, que compareceram para
prestar a última homenagem a Rosalino, José
e Manuel.
0 cacique Xacriabá Rodrigo mantinha-se
silencioso. Ele ponderava, junto aos demais
índios da tribo, a necessidade de permanecer-
mos calmos frente à tragédia: nenhuma medi-
da radical vai nos ajudar agora, salientava o
cacique. Porém, nem assim conseguia reduzir
o grau de inconformismo e revolta. Rodrigo
chegou a admitir, para um agente federal, que
a situação era incontrolável, podendo surgir a
qualquer momento novo conflito.
Segundo a tradição Xacriabá, Rosalino,
José e Manuel foram sepultados próximos de
suas casas. Um Xacriabá assassinadoo
pode ser enterrado muito longe de sua casa.
Em Itacarambi, o pistoleiro Agenor Nunes
Macedo, um dos quinze que participaram da
chacina do Sapé, foi sepultado no cemitério
local.
Chocado com o triplo homicídio, o bispo de
Januária, Dom Anselmo Miller, defendeu o di-
reito dos índios em relação à terra, considerando
a chacina como "um ato de vandalismo e vin-
gança".
O "bispo alertou as autoridades para a
questão da reserva Xacriabá, ressaltando que o
problema somente teria uma solução definitiva, a
partir do momento em que os posseiros fossem
assentados em Mocambinho, local próximo do
Projeto Jaíba, no norte de Minas.
Avalizando a posição do bispo, o secretário
do Trabalho e Ação Social, Mário Ribeiro, em
visita a Montes Claros, comentou que o descaso
do INCRA, aoo promover o imediato assenta-
mento dos posseiros, era uma das causas desse
conflito.
A Peleja Xacriabá
No início do século XX, entre 1906 e 1910,
as nossas terras já estavam sendo invadidas
pelos brancos (fazendeiros). A reserva aindao
era demarcada e eles tinham proteção das autori-
dades. Os brancoso respeitavam os direitos e
enganavam os índios, compravam suas terras e
pagavam com objetos de pequeno valor. Os índios,
muito simples, vendiam suas terras, sem pensar
que mais tarde isso viria a prejudicá-los.
Em 1918 e 1920, muitas pessoas de fora já
estavam infiltrando em nosso meio, querendo
roubar nossa identidade indígena, forçando os
índios a abandonar sua língua e seus costumes e
falar o português, que é linguagem do branco.
Em 1960, o cacique Manuel Gomes de
Oliveira iniciou seu trabalho em defesa de nossos
direitos, foi a Brasilia e a vários outros lugares,
para procurar uma solução de amenizar aqueles
problemas, que estavam acontecendo na reserva
Xacriabá.
Em 1969, a Ruralminas passou a cobrar dos
índios uma taxa de ocupação. Disseram que aque-
les queo pagassem seriam expulsos de suas
terras. Muitos índios tiveram que vender até
alguma vaca, para dar subsistência a suas
famílias, para pagar essa taxa de ocupação. Caso
contrário, tinham que abandonar suas terras.
Em 1974, a FUMAI instalou um posto na área
para dar assistência aos Xacriabá.
Em 1979, a área foi demarcada, e, em
1987, homologada e oficializada, reduzindo
drasticamente a área a que tinham direito os
índios, com 46 mil hectares, o que corresponde
a um terço das terras ocupadas anteriormente.
Segundo o Conselho Indigenista Missionário-
GIMI, os Xacriabá da região do norte de Minas
possuiam um documento da coroa portuguesa,
que lhes cedia uma área calculada aproximada-
mente em 130 mil hectares de terra. Este docu-
mento foi entregue à FUNAI, que demarcou a
área em 1979 (pouco mais de 46 mil hectares),
e só em 87 foi homologado pelo Conselho de
Segurança Nacional. Nesse período, havia 89
famílias de posseiros vivendo dentro da reser-
va Xacriabá. Após a chacina dos três índios,
essas famílias foram retiradas da reserva e
levadas para trabalharem no Projeto Jaíba.
Desde que o imperador Dom Pedro I
transformou a área em região de proteção e
usufruto dos índios Xacriabá, há mais de um
século, cultuar costumes indígenas passou a
resultar em prisão ou até morte. A terra de
abrigo dos indígenas era bem maior que a
demarcada pela FUNAI. OS Xacriabá dominavam,
há séculos, terrenos muito mais amplos, e con-
templavam facilmente grandes porções do rio
o Francisco. Épocas de abundância para a
tribo. 0 homem branco era hostil, mas ainda
distante.
Com o povoamento do norte mineiro, vieram
as estradas, os posseiros e os grileiros. O medo
das tocaias e das emboscadas levaram os
Xacriabá, antes unidos/a dispersão, num proces-
so contínuo. Como raça vencida, buscaram
absorver traços dos brancos como forma de
sobrevivência. Um meio de evitar a luta secular
contra um inimigo cada vez mais numeroso,
adversário vingativo e cruel. O homem branco: o
animal mais feroz que a tribo conheceu. O bicho
mais apavorante que assustou todo o povo
Xacriabá.
Amaro foi preso.
Aos 48 anos de idade, acusado, julgado e
absolvido por dois assassinatos em Itacarambi,
indiciado por dano contra a união, invasão de
terras, receptação de gado roubado, formação de
quadrilha e emboscada, e apontado como o man-
dante da chacina no dia 12 de fevereiro de 1987,
o cearence Francisco de Assis Amaro, no dia 20
de fevereiro de 1987, pisou pela primeira vez
em uma delegacia.
Preso no centro de Montalvânia, norte de
Minas, depois de uma engenhosa operação mon-
tada pelo delegado federal Agílio Monteiro Pilho,
Amaro foi levado direto para o aeroporto da
fazenda Cauê, a poucos quilômetros da cidade.
Ele foi levado de avião para Belo horizonte,
onde foi preso no Departamento de Polícia
Federal. Nunca pisei em uma delegacia, gabou-se
ele ao delegado Monteiro, durante a viagem.
Poucas horas depois, estava na cela do subsolo
do prédio do DPF, no bairro Luxemburgo.
Apontado como um dos maiores grileiros
de terra indígena Xacriabá, o fazendeiro
Francisco Amaro chegou à região em 1962,
vindo da cidade cearense de Jardim. Em poucos
anos, já era um homem rico, aumentando seu
patrimônio de terras às custas da manutenção de
pequenos posseiros dentro da reserva indígena.
Decisão
Em decisão inédita, o Tribunal Federal de
Recursos-TFR, no entanto,o só manteve a com-
petência da justiça federal, já que os índioso
protegidos pela união e estão em terras federais,
como o ministro Francisco de Assis Toledo
enquadrou os acusados pela prática de crime de
genocídio, aplicando pela primeira vez a lei
federal nº 2889/56, que ratifica um tratado
internacional assinado pelo Brasil e onde é pre-
visto o crime de genocídio. A pena aplicável neste
caso é de 16 a 40 anos de reclusão.
Genocídio
Desde 1980, foram assassinados
vários índios, por disputa de terras dentro da
reserva, sem que nenhuma providência fosse
tomada pelas autoridades policiais. Os pis-
toleiros e mandantes circulavam pela cidade
impunemente, incentivando a extinção dos
Xacriabá.
A ação dos grileiros era capitaneada pelo
prefeito de Itacarambi, José Ferreira de Paula, e
os empresários Manuel Caribe Filho, Aécio
Pereira Costa, Paulo Roque e outros, que tinham
interesse nas terras indígenas.
A história nossa é bastante comprida, daria
para fazer muitos livros, se fosse contada desde
o começo. Muitas coisas aconteceram. Desde
1979, sempre muitas agonias: perseguição, per-
turbação, grilação de terras e extermínio.
47
APW - Seção Provincial, LIVROS PAROQUIAIS - CODIO" 107
FL. 22 - Registro do terras do propriedade de VICENTE FERREIRA DE
SOUZA
- "... o possuidor do uma sorte do terra na Fazenda '
do Itacarambi em comum com outros possuidores, ouja Fazen-
da extrema da Barra do Itacarambi rio acima ao Riacho se
da MISSÃO DOS INDIOS , e do outro lado Riacho seco acima
ate extrema dos Alkmin, neste municípios e freguesía de /
Nossa Senhora do Amparo..."- datada da 28 de dezembro de
1856.
Fl 65v° Aos dezenove dias do men do abril de mil oitocentos e cin-
quenta e seis nesta Vila Januaria compareceu Eugênio Co-
mos de Oliveira pedindo quo registrasse o seu exemplar o
qual o faço pela forma e maneira seguinte - Eugênio Cosmes
de Oliveira por si e por TODOS OS INDIOS QUE MORAM NOO
JOÃO DA MISSÃO declara que possuem desde o Riacho do Ita-
carambi acima até a cabeceira vertentes o descanso, (sic),
extremando na Serra geral, e para parte do Peruguaçu extre_
mando na Boa Vista, onde desagua para, como os ditos In-
dios_por ordem do Sua Majestade Januário Cardoso de ALMEIDA
Brandão, e ditas é neste município e freguesia. Vila Ja
nuária dezessete de abril de mil oitocentos o cinqüenta o
e seis. Eugênio Gomes do Oliveira- Nada mais ouve o decla-
rante declarar eu Timóteo Francisco da Costa escrevendo '
do Páraco o esorevi."
Pesquisa do Silvio Gabriel Diniz
CONTADAS POR: ESCRITAS POR:
Antônio Ferreira do Nascimento
Calmecita Nunes da Mota
Dominga Xacriabá
João da Cota
José Carlos
Maria das Mercês Caetano
Maria Pereira da Conceição
Maria Pinheiro das Neves
Roberto Gomes
Selestina Cardoso dos Santos
Alice Almeida Mota
Alvina Pereira de Souza
Alvina Rodrigues
Anide de Araújo Souza
Antônio Guimarães
Cilene A. dos Santos
Creuza Nunes Lopes
Eunice Canabrava Lopes
Giovana Paula
Jeuzani Pinheiro dos Santos
João Pereira dos Santos
José Alves de Barros
José dos Reis Lopes da Silva
José Nunes de Oliveira
Marcelo P. de Souza
Maria Aparecida Nunes Barbosa
Maria Francisca Caetano
Maria de Lourdes C. Oliveira
Rosa Ferreira Gama
Rosenir Gonçalves Neves
PARTE II
Nossas
históriaso
um paraíso
eitor, tenho certeza que, ao ler
este livro, você vai gostar muito. Ele mostra
traços das histórias e culturas do nosso povo, que
trazemos guardados em nossas mentes, como uma
forma cultural.
Estaremos usando este livro na
alfabetização de nossas crianças indígenas, que
terão uma escola diferenciada, intercultural e
bilíngüe.
Mas ele poderá ser usado peloso
índios também, para que possam conhecer um
pouco da nossa história e cultura.
As três irmãs
Um pai que tinha três filhas. Duas casaram
e umao casou. Duas eram bonitas e uma era
feia. Um dia ela deitou na cama. Quando foi bem
tarde, o pai dela ouviu:
Rum, oi, oi.
0 pai dela perguntou:
0 que foi Silivana?
Nada não, meu pai.
No outro dia, ela já inventou uma música:
Duas se casaram, eu, por ser a mais "boni-
ta e a mais formosa, que fiquei sem casar.
De manhã cedo, o pai dela mandou os
negros chamarem todos os homens e rapazes,
para Silivana escolher qual o que servia pra ela
se casar. Ela olhou todos os homens e rapazes,
o achou nenhum que engraçasse ela, e começou
a cantar:
No meio de tantos homens,o achei
nenhum que me engraçasse, só achei Condão da
Lapa, que tem mulher e filho.
0 pai dela mandou:
Vai, negro, fala com Condão da Lapa que
mate D. Condência, pra ele casar com Silivana.
Silivana subiu logo no palácio, batendo o
sino, dando sinal que D. Condência tinha morri-
do. Quando o negro chegou, D. Condência
começou a cantar:
o me mate, nem de facaria nem de
tiraria, me mate de toalha que é uma morte de
fidarguia.
Ele apertou duas vezes. Quando ele soltou
um pouquinho, ela cantou:
Oh, meu Deus, o que seria que o sino
bateria, quem será que morreria, pra ser minha
companhia?
Quando ele ia apertar de novo, o negro veio
correndo e falou:
Condão da Lapa,o mata dona
Condência, não, que Silivana caiu do palácio e
morreu. Os passarinhos já passaram cantando,
istum tum tum tum tum. Quebra bunda, relógio.
Tibicuera
Nasceu numa taba da tribo Xacriabá, sei
que foi numa meia noite clara, fazia luar. Ae
viu que o menino era magro e feio. Ficou triste,
maso disse nada. Meu pai resmungou:
Pilho fracoo presta para a guerra.
Pegou o menino e saiu caminhando para a
beira do córrego. Ia cantando uma canção triste,
que me dava vontade até de morrer. De vez em
quando gemia. Os caminhos estavam molhados e
escorregamos nas águas da chuva. Um bicho
começou a gemer no meio do mato escuro. Uma
sombra rodopiou rápido entre as árvores. 0 cór-
rego estava barulhento, porque tinha chovido
bastante naqueles dias.
0 pai parou e olhou primeiro para o filho,
depois para as ondas.o teve coragem. Voltou
para a taba chorando. Ae nos recebeu em
silêncio.
Passadas algumas luas, numa tarde, o
menino ia caminhando na cintura de sua mãe, e
o pajé da tribo fez eles pararem em frente da sua
oca. Olhou para o menino, viu que ele era magro
e feio.
Examinou-o da cabeça aos pés, sorriu e
disse:
Tibicuera!
0 nome pegou bem. Tibicuera, na língua dos
Xacriabá, quer dizer cemitério. 0 nome assenta-
va bem porque ele era magro e chorão.
Iaiá Iaiá Cabocla
Tinha um homem na aldeia Prata, ele falava
queo tinha medo da Iaiá Iaiá Cabocla. Ele tinha
criação de gado e falava que, se ela matasse gado
dele, ele cortava ela no facão. Justamente, bem na
frente da casa dele, tinha um cercado de pasto.
Um dia, ela matou um garrote dele que tinha
a idade de dois anos. Então ele, pra se ver livre,
foi preciso ir até a casa do Estevão Gomes, que
naquele tempo era, dos índios, e que tinham um
relacionamento mais íntimo com a Iaiá Iaiá
Cabocla, e só ele controlava ela.
Depois que aconteceu isso este homem
nunca mais falou mal dela, porque podia ser
punido.
A onça cabocla
Aqui na nossa aldeia tem uma cabocla índia.
Ela é uma onça, mas ela é uma índia encantada.
Ela conversava com os índios mais velhos que já
morreram. Conversava com Estevão Gomes. Ele
já faleceu, mas meus tios ainda viram ele. Ele é
irmão do avô da minha mãe, um homem que
chamava Adrião. Estevão Gomes, quando via
gente de fora na aldeia, o cabelo dele arrepiava.
Meus tios conheceram a onça. De vez em quando
ela assoviava. Os índios mais velhos entendiam,
sabiam que ela estava querendo fumar. Eles iam
colocar fumo para ela, maso viam e nem con-
versavam com ela. Era só o Estevão Gomes.
Abaixo de Deus, ela é a defesa da nossa aldeia.
Estevão Gomes era homem apurado e adi-
vinhão. Ele pediu um filho da cunhada, mas ela
o ia dar. Ele só fez dar uma risada eo falou
nada. Depois o menino faleceu. Estevão Gomes
falou pra ela:
Oh, minha comadre, eu bem que pedi o
menino, vocêo quis dar. Eu sabia que eleo
ia viver, porque eu tinha visto ele chorar na sua
barriga. Eu sabia e vocêo sabia.
Estevão Gomes era índio e adivinhão, con-
versava com a cabocla índia, que é a defesa da
nossa aldeia.
so vemos
ela, mas direto
ela vive no
meio de nós.
O galo e a raposa
Era uma vez um galo velho mateiro.
Percebendo a aproximação de duas raposas,
empoleirou-se nas árvores, e a raposa desaponta-
da murmurou consigo:
Deixa estar seu malandro, que já te
curam!
E em voz alta:
Amigo, venho contar uma grande novi-
dade. Acabou-se a guerra entre os animais, lobo
e cordeiro, gavião e pinto, onça e viado, raposa e
galinha, todos os bichos andam agora de mãos e
beijos como namorados. Desça desse poleiro e
venha receber o meu abraço de paz e amor!
Muito bem! Exclamou o galo.o ima-
gina como tal notícia me alegra! Que beleza vai
ficar o mundo, tempo de guerra e traições! Vou já
descer para abraçar a amiga raposa, mas
como lá vem vindo três cachorros, acho bom
esperá-los para que eles também tomem parte da
confraternização.
Ao ouvir falar em cachorros, dona Raposa
o quis saber de história e tratou de por-se à
fresca, dizendo:
Felizmente, amigo Co có có có tenho
pressa eo posso esperar pelos amigos cães.
Fica pra outra vez a festa, sim? Até logo.
A esperteza contra esperteza e meia. O galo
foi mais esperto do que a raposa, pois ele, sabendo
que ela tem medo de cachorro, falou que vinham
três cachorros, aí elao esperou.
Antigamente, quando Jesus andava no mundo
Ele andava, mas um dos apóstolos dele era
o Pedro. Ele passou por uma casa, tinha uma
mulher xingando, mas o coração dela estava con-
trito a Deus, aí ele abençoou a mulher. Eles
pegaram a caminhar. Lá na frente, encontraram
uma outra mulher rezando no cemitério, e o
coração dela estava mal. Jesus excomungou ela,
maso Pedro falou:
Ora, Jesus, aquela mulher estava xingan-
do, o senhoro excomungou!
, Jesus respondeu ao Pedro:
Não, Pedro, aquela estava xingando mas
o coração estava em Deus, e esta está rezando,
mas o coração dela está mal,o está contrito a
Deus.
Continuaram a caminhar, depois encon-
traram uma festa de casamento, eo Pedro,
muito do teimoso, falou com Jesus que eles
podiam ficar na festa, e Jesus falou:
Não, Pedro, essa festao
vai dar em nada que presta.
Pedro:
Não, Jesus, vamos ficar.
Jesus:
Moço,o adianta.
o Pedro teimou, eles ficaram.
Deitaram perto do terreiro,o
Pedro estava na frente de Jesus. O
povo deu de brigar, teve um dos
brigadores que mandou um pau emo Pedro.
,o Pedro:
Vamos, Jesus, aqui teve foi bom.
E Jesus:
Eu falei pra você.
O almoço
Um dia um menino me contou que conhecia
um senhor, que todo dia que ele ia para a roça,
mandava a mulher mandar a onça comer ele.
Como é isso mesmo, menino?
É. Toda vez que ele vai pra roça, ele fala:
"Mulher, um dia você manda aonço pra me
comer". A mulher fica perguntando: "Pra man-
dar a onça te comer?", "Não, é pra mandar aonço
pra me comer".
A galinha risonha
Conta um senhor que lá na travessa do rio
Barra do Sumaré, quando ele atravessava o rio à
noite, avistou uma galinha d'água sorrindo.
Disparadamente, galinha d'água é um pássaro
conhecido na região. Ele disse que ela sorria
tanto, que eleo entendia nada, pois nunca
tinha visto galinha sorrir. Que susto ele passou!
História do bobo
Era uma vez, um besta que o pai dele man-
dou andar para conhecer e saber conversar. Aí ele
chegou num lugar onde tinham uns caras matando
um porco, e ele falou:
o mata o bichinho não, coração mal.
E os caras responderam:
Esse homem é besta. É pra falar: mata que
como.
Ele falou:
Agora já sei.
Aí o bobo andou e chegou numa cidade onde
tinham uns caras brigando. Ele chegou e falou:
Mata que eu como.
Aí os caras falaram:
Esse homem é bobo. É de falar: Deus que
desaparta.
Aí ele disse:
—Já sei; Deus que desaparta.
Ele encontrou uns noivos casando e falou:
Deus que desaparta.
E o povo falou:
Esse homem é bobo. É de falar: Parabéns.
E lá na frente ele encontrou uns homens conver-
sando:
Justamente, perfeitamente, é lógico.
E o bobo falou:
Agora já sei.
, ele encontrou uns matando os outros, e a
polícia chegou e falou:
Foi você quem matou este homem?
O bobo falou:
Justamente.
E você tem este coração mal?
E ele:
Perfeitamente.
A polícia falou:
Você vai para a cadeia.
E ele falou:
É lógico.
Dois Bodes Brigavam
Era uma vez, dois bodes que brigavam, e o
leão queria resolver o problema deles, e então
chegou e perguntou:
Por que vocês dois estão brigando?
E eles responderam:
É porques estamos tentando dividir um
pedaço de terra.
E mandaram o leão ficar no meio deles dois
para ele mostrar o lugar onde eles queriam
dividir. Empinaram os dois e bateram os chifres
no leão, que saiu todo machucado e saiu andando.
Quando chegou na frente, encontrou uma
porca parida com os leitõezinhos. A porca, com
medo do leão comer ela e os leitõezinhos, mandou
eles pedirem a benção ao leão, chamar ele de
padrinho, e o leão prosseguiu a viagem.
Quando ele chegou mais na frente, encontrou
uma égua e foi cumprimentá-la, mas quando ele
deu ao à égua, ela bateu oss nele. Ele saiu
e falou que nunca mais ia resolver problemas de
bode, ser padrinho de leitão e nem cumprimentar
égua.
Ae d'água, Uíara
Sabemos das ações de Uíara por meio
de muitas lendas: conheça uma delas. Dizia-se
que numa paragem longínqua do Brasil, havia
uma serra diferente das outras. Dizia-se que essa
tal serra era toda
verde, por ser de
esmeralda toda ela.
Os rios próximos,
lagos, areias, os pás-
saros, as nuvens,
até o próprio luar,
tinham tons esverdea-
dos por causa dos
reflexos verdes
da serra.
Esta serra
maravilhosa ficava
às margens da lagoa
de Vaparuçu, longe,
muito longe.
As pedras verdes
eram os cabelos de
Uíara, ae d'água.
Uma linda sereia de cabelos verdes e olhos
azuis profundos. Possuía um palácio encanta-
do e atraía, com seus lindos olhos e com sua
linda beleza, todos os que a viam. Ela arrastava-
os para as profundezas do mar.so
queríamos que a Uíara, chamada dee d'ágüa,
acordasse.
História dos dois compadres
Uma certa vez, dois compadres, tinha um
deles queo gostava de dar almoço, se
estivesse na hora de almoçar.o dava comida
para ninguém. Aí o compadre, um dia, resolveu
sair por aí bestando com uma espingarda.
Quem sabe se euo mato uma caça.
E, nesse tempo, a caça era muito difícil, e
o compadre era bem pobrezinho,o tinha nada.
0 outro era ricão, tinha gado, coisas de comer.
Foi andando, andando, até queo estava agüen-
tando mais de fome, e nada de caça. Aí ele falou:
Meu compadreo gosta de dar almoço
pra ninguém, mas vou jogar uma nele que ele vai
me dar comida.
Foi para, caminhou, caminhou até chegar
na casa do compadre, e o ricão aindao tinha
almoçado.
Ô, compadre, tá bom? Tudo bem? O com-
padre me arrume um copo d'água, por favor, que
já estou pra morrer de fome e sede.
O ricão trouxe a água para ele, ele bebeu e
ficou esperando o compadre chamar para
almoçar, e quando ele viu que o compadreo ia
chamar, ele falou:
Será, compadre, que a gente, estando com
fome e bebendo água e saindo logo, tem algum
perigo?
0 compadre falou:
Não, se sair logo,o tem nenhum perigo.
O tatu e a raposa
A raposa encontrou com o tatu e o cumpri-
mentou, dizendo:
Bom dia, amigo Tatu.
E o tatu respondeu assim:
Eu me chamo é Cajueiro-peba, espada de
meia-légua, tuo faz de besta, égua.
Um belo dia o tatu simplesmente encontrou
com ela e disse:
Bom dia, amiga Raposa.
E ela, já nervosa, por causa da decepção que
já tinha levado, respondeu assim :
Eu me chamo Rainha-das-coisas. Me
respeita, corno.
O neguinho do pastoreio e o fazendeiro cruel
Era uma vez, um neguinho que era escravo
de um fazendeiro cruel. 0 neguinho era afilhado
de Nossa Senhora. Certo dia, em que o neguinho
pastoreava no campo, trinta cavalos se assus-
taram e fugiram para longe. Já era tardezinha,
quase noite, e o neguinho tentava juntar os ca-
valos com medo do fazendeiro ficar bravo.
Sempre que o neguinhoo dava conta do
serviço, o fazendeiro dava-lhe uma surra e o
deixava de castigo sem comer. Já era noite, o
neguinho acendeu uma vela e foi procurar os
cavalos, pedindo sempre ajuda à sua madrinha,
Nossa Senhora. Logo em seguida, ele conseguiu
reuni-los.
Numa outra vez em que o neguinho estava
juntando os cavalos, o filho do fazendeiro espan-
tou-os de propósito. Como era de costume, espan-
tava os cavalos para que o neguinho tornasse a
juntá-los.
O fazendeiro, que era muito cruel, bateu no
neguinho até matá-lo, depois jogou num
formigueiro para que seu corpo fosse devorado
pelas formigas.
Depois de algum tempo, o
neguinho foi visto vivo e feliz num
cavalo em pêlo e sem rédeas.
0 fazendeiro viu o neguinho
montado, achou aquilo esquisito,
pois tinha jogado o corpo no
formigueiro para que fosse devorado
pelas formigas.
Mas o neguinho foi muito feliz,
pois sua madrinha lhe protegia.
O tatu
A Iaiá Cabocla, ela se transforma em
vários animais, onça, sapo, tatu etc.
Um dia, o fazendeiro estava querendo
invadir nossas terras e falou que tinha que tomar
nossas terras, e saiu. Quando ele chegou em
Missões, no meio da estrada, de longe, ele enxer-
gou um tatu.
Ele falou:
Eu vou matar aquele tatu.
Ele foi para pegar nele, mas quando ele
abaixou para pegar, só achou o lugar. Desse dia
em diante, ele começou uma febre com frio, e
ficou de cama. Eo demorou, ele morreu.
Ele ficou com medo. Antigamente, os índios
eram perseguidos pelos brancos.
Jeca Tatu
O Jeca era um homem muito pobrezinho, e
só dava para beber pinga. Oss dele eram muito
grandes. Quando foi um dia, ele levantou cedinho
e foi catar coco; depois voltou e foi tomar pinga.
Quando foi um dia, ia passando um vizinho
do Jeca e ele estava deitado. 0 vizinho falou:
Jeca, como vocêo faz igual o vizinho
italiano? Compra veneno pra matar formigas nos
sítios e planta muita lavoura.
0 Jeca respondeu:
Quá,o paga a pena! Só paga beber
pinga.
Depois de um dia, o Jeca teve uma idéia,
resolveu caçar remédio para deixar a pinga.
Arranjou os remédios e foi tomar. Tomou,
tomou até deixar de tomar pinga. Depois disso,
ele colocou uma grande roça.
Um certo dia, o Jeca estava trabalhando na
roça, e por aí mesmo o italiano ia passando, e
falou:
Pra que tanta roça, Jeca?
O Jeca Tatu respondeu:
Eu quero ganhar os meus tempos perdi-
dos.
0 Jeca falou que depois que ele deixou de
beber melhorou de situação, tinha bastante cri-
ação, fez uma casa boa, comprou um carro, anda-
va no carro com a esposa e os filhos.
O Jeca Tatu agradeceu muito a Deus de ele
ter bebido o remédio e ter melhorado. Agora o
Jeca Tatu está gordo, bom de situação, chega a
estar matando onça de morro.
A onça e o coelho
A onça ia para a festa e chamou o amigo
Coelho para ir com ela. 0 amigo Coelho disse que
estava com o dente doendo eo ia. Mas a amiga
onça implicou:
Vamos, amigo, vamos...
0 amigo Coelho decidiu:
Então vamos, mas assim, se deixar eu ir
montado em você. Aí a amiga Onça falou:
Então eu levo. Pode arriar.
Depois o amigo Coelho arriou ela. Depois de
arriada, o amigo Coelho pegou a espora e colocou no
. Aí a amiga perguntou:
Pra que as esporas, amigo Coelho?
É pra tinir, parao cochilar.
Depois o amigo Coelho pegou o chicote, colocou
no braço. A amiga quis desconfiar e perguntou:
Prá que esse chicote, amigo Coelho?
Pra espantar os mosquitos em meus olhos.
0 amigo Coelho montou e saiu deva-
garinho.
A amiga Onça começou a andar ligeiro, e
o amigo Coelho falou:
Amiga Onça,o anda ligeiro,
senão meu dente dói, anda devagarinho...
Quando chegou pertinho da festa, o
amigo Coelho riscou a espora nela, até
chegar na festa.
Depois chegou. 0 amigo Coelho pulou no
chão duma vez, e a onça ficou lá amarrada no pau.
O amigo Coelho foi participar da festa, com outros
amigos.
Quando chegou a hora de voltar, o amigo
Coelho deu um jeito, tornou a montar. Chegou as
esporas, chegou as esporas. Chegou no lugar onde
ele pegou ela.
Ele pulou no chão e largou ela. Depois ela foi
perseguir ele, e falou:
En, amigo Coelho, eu te pego, nem que seja
na bebida.
Deste dia, o amigo Coelho ficou esperto. Foi no
mato, tirou uma abelha, tirou o mel, e lambuzou o
corpo, enrolou nas folhas e desceu pra bebida.
Chegando, a onça já estava esperando,
mas, como o coelho estava cheio de folhas, a onça
o o reconheceu e perguntou:
Amigo Folhaço, vocêo viu o amigo
Coelho por?
E ele:
Não, faz tempo que o vi.
E bebeu, bebeu, mas assim, um de, outro de
, bebendo juntos. Depois, o folhaço saiu e, quando
estava lá longe, gritou para a onça:
Amiga Onça, o coelho sou eu!
E ela:
Ah, meu bichinho, eu te pego,o tem pra
onde você ir.
Quando foi um dia, ele tornou a enganá-la, e
encontraram-se na bebida. Ela distraiu e ele
entrou no buraco. A onça deixou o amigo Sapo
vigiando, enquanto ia em casa pegar uma
cavadeira.
Você vai vigiando ele. Se deixá-lo sair,
eu te mato!
Mas o coelho teve uma idéia pra enganar o
sapo. Ele representava para o sapo, sempre
mastigando. 0 sapo, que era ambicioso, pergun-
tou:
0 que você está comendo, amigo Coelho?
E ele:
Estou comendo farinha. Vou jogar um
pouquinho pra você: abra bem as mãos, os olhos
e os braços para aparar, porque euo posso
sair.
E encheu as mãos de terra, jogando nos
olhos do sapo. Enquanto o sapo tirava a terra dos
olhos, ele saiu fora e fugiu. Quando a onça chegou,
perguntou:
E, amigo Sapo, o amigo Coelho está?
Está sim, pois euo vi ele sair!
A onça, para ver se estava mesmo, cavou o
buraco, cavou, cavou e, já desconfiada, falou:
Amigo Sapo, vocêo vai sair daqui até eu
terminar.
Quando deu no fim do buraco, e ela,o
vendo o coelho que havia fugido, pegou a perna do
sapo e falou:
Pois, agora, quem vai pagar é você, que o
deixou fugir. Vou jogá-lo no fogo!
E o sapo, apavorado, gritava:
o me jogue no fogo, amiga Onça, me
jogue na água. A onça, perdendo a paciência,o
sabia se o jogava no fogo ou na água.
Finalmente, ela resolveu e o jogou na água.
Depois, já dentro da água, ele gritou:
Ô, bicho besta, era isso mesmo que eu que-
ria, pois eu sou mesmo da água.
A onça, que ainda estava perto, segurou-lhe a
perna, mas o sapo tornou a fintá-la, dizendo:
Você segurou foi um pedaço de pau.
E ela, desapontada, falou:
Um ou outro vai ter que me pagar!
Quando foi um dia, encontraram-se a onça e o
coelho. E, para se ver livre dela, ele disse:
Amiga Onça, eu vou fazer um pre-
sente para você, mas você pretende saber agora?
O que é? Perguntou.
É um boi, para você comer eo me
perseguir mais.
Hojeo posso, mas amanhã eu levo. Mas
se você ouvir gritar, sou eu quem vou tocando o
boi.
Cheio de travessura, o coelho subiu em cima
da serra, caçou a maior pedra e falou para a onça:
Pica de braços abertos, olhos fechados e
boca aberta.
E assim mesmo ela ficou.
Lá vai o boi, amiga Onça.
E jogou a pedrona na onça e a matou.
O coelho e a raposa
Era uma vez um homem que gostava de plan-
tar roça. E até chegar o tempo, ele plantou uma
roça que deu muito boa e o amigo Coelho descobriu
de quem era. E todos os dias, ele vinha comer na
roça. Quando foi um dia, o coelho foi para a roça e
na estrada encontrou a amiga Raposa e chamou-a
para ir com ele. Ela foi, mas o amigo Coelho falou:
Amiga Raposa,o vai comer muito,
porque senão vocêo cabe na porteira.
Muito bem! Chegando, eles foram comendo,
comendo, e a raposa, que era ambiciosa, comeu
muito. Eo coube na porteira. 0 amigo Coelho
falou:
Amiga Raposa, vamos embora? Porque se
a gente ficar mais tempo, o homem pegarás
aqui, e, se ele nos pegar aqui, ele vai nos matar.
Depois os dois sairam, num gesto muito
ligeiro. Mas quando passou na porteira, o coelho
passou e a raposao passou.
Mas porque a amiga Raposao passou?
Porque a barriga estava cheia. O coelho falou:
Amiga Raposa, deita no chão e faz que está
morta. Aí o homem pega você e joga fora e você sai
correndo pras irmos embora. E eu vou esconder
aqui na mata.
Pouco tempo depois, lá vem o homem olhar a
roça, chamou os cachorros e lá se foi. Quando
chegou, viu a raposa caída na porteira, e falou:
Sua bichinha, é você quem está comendo
aqui? E por issoo morreu, fingindo de morta.
O homem falou:
Vou tirar daqui de dentro da minha roça.
E jogou fora! Ela caiu do outro lado da roça.
Quando o homem foi embora, a raposa levan-
tou e saiu correndo e chamou o amigo Coelho.
Quando chegaram bem longe, a raposa chamou o
amigo e falou:
Vamos tratar de ser compadres?
E abraçou ele, dizendo:
Amigo Coelho, obrigado pelo que você me
fez, me livrou da morte.
E até hoje eleso compadres.
Redemoinho
No tempo dos antigos, aconteciam muitos
redemoinhos fortes. Que carregavam até roupa
das pessoas. Aí disse que, uma vez, tinha uma
mulher que se chamava Maracajó, e ela erae
solteira. Tinha uma criancinha de um ano eo
gostava do filho.
Aí veio um vento, com um redemoinhoo
forte, que o povo correu pra dentro das casas e
o redemoinho passou no terreiro da casa da
Maracajó. Aí ela jogou a criança pela janela da
casa e falou:
Redemoinho, Saci-pererê! Leva, que esse
aí é para você.
Aí uma vizinha, que era madrinha da cri-
ança, viu aquela coisao branquinha, no meio
daquele redemoinho, chamou o marido e falou:
Olha, que coisinhao alvinha!
E perguntou para ele:
Será que é o Saci?
Aí o marido respondeu:
Que Saci, que nada. Deus nunca deixa a
gente ver aquele sacerdoteo feio, de uma
perna, gorro vermelho na cabeça e cachimbo
na boca, que eu tenho até medo de lembrar. E ele
o é branco, ele é preto.
Aí a mulher ficou triste e falou:
Aquele vai ser o meu afilhado. Minha
comadre falou que ela ia dar ele para o sacer-
dote.
Aí ela gritou, com uma toalha na mão:
Saci-pererê, você é um sacerdote. Some
daqui, para mais nunca. E deixe o meu afilhado
cair aqui. Cai, cai, cai! Aqui, anjinho, porque
você é abençoado.
Quando a criança caiu, já era um beija-flor.
7S
História de quando começou o mundo
Quando começou o mundo, tinha uma mulher
sozinha, que morava no deserto, sem vizinho e sem
ninguém, nem parentes. E onde ela morava, tinha
bicho-homem.
Quando entrava a noite, ela ficava gritando
alguém para dormir com ela, porque ela estava com
muito medo de ficar ali sozinha.
Um dia, ela gritou, e o bicho-homem respondeu
assim:
Vai eu!
Ela tornou a gritar:
Quem quer dormir mais eu?
Ele respondeu de novo:
Vai eu!
E assim continuavam todos os dias, até que um
dia o bicho acertou com a casinha dela.
Ele chegou e bateu na porta. Ela tinha uma
cachorrinha muito valente que começou a latir, mas ele
continuou batendo na porta.
A mulher abriu a porta. Quando ela olhou, quase
desmaiou de medo dele. Ele tinha os dentes muito
grandes. Ela perguntou:
Para que esse dentãoo grande?
Ele respondeu:
Pra te morder.
Ela perguntou:
Pra que essa unhona?
Ele falou:
É pra te unhar.
E ela foi ficando com muito medo dele. Aí per-
guntou:
Pra que essa bocona?
Ele falou:
É para te comer.
E pulou nela. Ela saiu correndo e entrou numa
bruaca. Ele engoliu a bruaca com a mulher dentro.
No outro dia, ele fez cocô. A mulher ainda esta-
va viva e saiu correndo e foi embora.
76
A aranha
Se os índios não usassem colares, pinturas,
cocares, ficavam todos como brancos.
Mas não é bem assim, o que vale mesmo é a
história.
Se não tivesse história, não existia índio.
Então, se existe a história, é porque nós somos
índios. Nós não falamos a nossa língua, mas esta-
mos correndo atrás disso.
Na nossa área Xacriabá, tem muita gente
mais velha. Sabem falar a língua. Então, com isso,
nós poderemos recuperar a nossa língua.
PARTE III
Histórias
dos
antepassados
inhae me contou uma
história muito antiga que, de primeiro, os povos
velhos gostavam de comer várias raízes e folhas
de árvores. Por exemplo, folha de cariru, raiz de
umbu etc.
Os povos velhos antigos eram muito
sabidos. Na época deleso existia milho, só
mandioca. Eles cortavam uma casca de árvore
áspera para ralar a mandioca. Esta árvores
conhecemos até hoje, que é o angico.
Naquela época,o existiam as sementes
que tem agora. Só existiam o milho maroto, o
preto e o branco. Agora é a semente do feijão da
ronca, feijão vagem roxa e o carioca preto.
Existiam também o feijão catador e o de
corda. O catador era o feijão roxo e o feijão de
corda era o feijão pau, sobe-pau, barrigudo e
paquim-pimenta. E o feijão mangalô, preto e
branco.
Agora é a semente de arroz. Era o arroz
amarelo guapo e chemanguim. Essas sementes
eram muito boas, porque se plantava no seco e
no brejo. Todas saíam. Agora é queo sai mais,
porque as chuvas encurtaram.
ntigamente, os índios só viviam de
artesanato.o existia isqueiro. Quando eles
queriam acender fogo, pegavam uma pedra, ajun-
tavam um matinho de bucha de peneira, colo-
cavam em cima de uma pedra grande e batiam
uma pedra na outra com força e o fogo acendia.
Depois eles colocavam lenha. Ali assavam tatu,
mandioca, batata etc.
Para fazer farinha de mandioca, eles
tiravam casca de angico para ralar e lasca de
aroeira para raspar. Tiravam cordas de imbiruçu
para fazer tipitir para espremer a massa e para
torrar a farinha. Tinham um tacho de barro e o
beiju assavam em cima de uma pedra. Colocavam
fogo em cima da pedra. Quando estava bem
quente, eles tiravam o fogo e a cinza e colo-
cavam a massa e faziam o beiju.
Assim que viviam os índios antigamente, na
história que minha avó conta.
tinha a semente de batata roxa
e a rainha. Semente de mandioca castelão, que
era pra fazer farinha e tapioca pra fazer o beiju
e o biscoito. E a mandioca mansa e a manteiga.
Estas mandiocas servem para comer cozida e
cortada com feijão.
As sementes de bananas eram só de
bananas roxas:o Tome e naniquinhas. As
sementes de abóbora eram só a jacaré e a japone-
sa.
Tinha as sementes de melancia comum, que
era a melancia preta e a branca. E a semente do
quiabo era só o chifre-de-veado. E o algodão era
só a semente de algodão crioulo e o algodão
maranhão.
Os índios antigos falavam assim:
Vamos plantar mais algodão crioulo, que
é mais inteiro que o maranhão e mais quebrado,
limpão.
eu pai contava que, antigamente,
as pessoaso gostavam muito de trabalhar no
roçado. Ele contava que meu avô, que era pai
dele,o gostava de trabalhar, ele gostava era de
caçar animais no mato para o sustento da
família. Caçava todos os dias.
Mas, nessa época, existiam muitos animais,
o tinha quase desmatamento e queimadas.
Então, agora, se a genteo trabalhar no roça-
do,o tem jeito mais de sustentar a família,o
tem quase animais de caça na área indígena.
Quando eu era pequeno, meu pai saía comi-
go e com meus irmãos e atravessava um morro
alto que, do outro lado, se chamava Custódio.
Então, nessa época, que meu pai me levava
para a caça de animais, só existiam tamanduás,
ques chamamos de bandeira, e o michita, a
cutia, o veado, a paca etc.
ontam meus avós que antigamente
os índios viviam todos pelados. Só usavam suas
próprias roupas de dança.
Quando chegava o final de semana, eles
preparavam seus próprios remédios para levar
ao terreiro.
Picavam sábado e domingo cumprindo
ordem. 0 remédio necessário que eles usam é a
"bucha ou raspa de jurema, que é uma árvore
muito sagrada, usada em caçadas de animais
para ter mais sorte.
Contam meus avós que a dança Toré é um
segredo muito escondido.
Quando estiver dançando, ficam todos silen-
ciosos, chegam até a ter o poder de conversar
com nosso pai Tupã.
té 1950, mais ou menos, o casa-
mento era diferente de agora. Os rapazes só
viam a moça quando começavam a namorar.,
agora, pronto:o a viam mais nunca. No dia em
que o rapaz ia na casa da moça, os paiso deix-
avam eles se encontrarem.
As moças, quando viam os rapazes chegan-
do, corriam, escondiam dentro dos quartos. Com
vergonha, aquelas queo corriam ficavam
espiando nos buracos das paredes, nas frinchas
das janelas.
O rapaz, de vez em quando, freqüentava a
casa da moça, mas só queo adiantava nada,
porque nem a cara dela ele via.
E tinham as mostras de casamento. Se
tivesse uma moça bem bonita, aquela era a
mostra das outras. No dia em que o rapaz pedia
o casamento, o pai da moça apresentava esta
moça bem bonita, aí o rapaz ficava doidão:
Se for aquela ali, eu estou bonito.
Ele ficava todo fofo. Quando dava no dia do casa-
mento, o pai levava uma das mais feias. 0 rapaz
ficava todo triste, mas... fazer o quê ?
eu pai contou que o pai dele tra-
balhava em uma fazenda, eo ganhava nada,
somente a comida. Enquanto ia cuidar do gado da
fazenda, seu pai falava:
—Vão, meus filhos, trabalhar também,
porque cada um de vocês vai arrumar o que
comer.
Então meu pai era criança e ia.
Quando chegava, eles colocavam meu pai
para ajudar na fabricação de açúcar, para gan-
har a comida. E as irmãs iam cuidar das cri-
anças e ajudar no serviço da casa. No dia em que
eles saíram de, tiveram que sair escondido
porque senão o fazendeiro ia persegui-los.
Quando meu pai chegou, casou com minha mãe,
que morava em Xacriabá.
meu pai contava que, no tempo dele
pequeno, as coisas eram diferentes. A roupa de
vestir era feita assim: fiava o algodão na roda e
tecia o pano, depois tintava de tinta de pau
chamado muçambé. Fazia uma camisa bem com-
prida, e vestia sem a calça.
O transporte era com carro de boi ou cava-
lo. Vendiam algumas coisas, trocando a troco de
outras para o seu alimento. Gastavam dois ou
três dias para chegar na cidade.
os antepassados da minhae e
do meu pai, a vida era muito difícil e diferente.
Meus pais falavam que escola, principal-
mente, quaseo existia. As crianças cresciam
e iam trabalhar na roça junto com o pai.
Eu e meus irmãos, para começarmos a
aprender, quando éramos pequenos, meu pai
colocou um professor dentro de casa para nos
ensinar, porque a escolao tinha prédio
próprio. Hoje, escola, tem em quase todas as
aldeias, com prédio próprio.
eu pai contava que, no tempo de
criança, eles brincavam, cantavam na beira de
um fogo que era feito à noite.
A casa era grande,o tinha luz, usavam o
óleo da mamona com a xícara feita de barro e um
puxador feito de algodão. Colocavam um pouco de
óleo de mamona, o puxador e acendiam. A luz
era muito boa.
E o pai dele ensinou a conhecer muitos tipos
de raízes e a fazer benzimentos.
Meu pai sabe fazer isso até hoje.
eu pai contou para mim que exis-
tiam muitos e muitos animais, na época em que
ele era pequeno. Que existia paca, tatu, anta-
mateira, moco, onça, veado, cacheiro, caititu,
tatu-canastra, cutia, tiú.
Ele conta que o tatu-canastra pesava mais
de 40 quilos, os menores pesavam uns 25 quilos
e no casco deles cabia uma quarta de milho.
Esses eram os grandes. Nos pequenos, cabiam de
meia quarta a 15 pratos.
ntes,s vivíamos uma vida bem
mais fácil e melhor, porque chovia mais, a nossa
terra era mais rica em matéria orgânica,o
havia muita erosão. As coisas eram bem mais
fáceis e a gente vivia uma vida bem mais tran-
qüila, quase tudo era produzido pelas roças que
a gente plantava.
s plantávamos o milho, feijão, arroz,
algodão, mamona, cana-de-açucar etc, e tudo
dava com a maior facilidade.
A gente só ia nas cidades vender algumas
coisas para comprar outros produtos igual a
café, sal querozene etc. 0 restante todo a gente
plantava aqui mesmo na roçada.
Então, antes era bem melhor, a gente
dependia pouco do comércio das fábricas. Hoje,
tudo ficou mais difícil: nossas terras ficaram
mais pobres, estão ocorrendo muitas erosões,
chove pouco,s trabalhamos muito para colher
pouco.
A dificuldade é demais, cada dia que passa
as coisas mais difíceis ficam, quaseo colhe-
mos nada porque as plantações morrem com o
sol. 0 restante que fica os insetos destróem.
Vocabulário Xacriabá
Aiató dadamá olho
Amiotsché-banana
Angrata-avó e avô
Bacotong /Bicong-filha
Balozinha-menina/mulher
D'agrí-mulher
Estragó-sol
D'ateà-perna
D'atohá-boca
corne kané-arco
Cudaió-criou-tamanduá bandeira
Cudaió-porco do mato
Ukú-onça
Inscgiutú-tio
Lavazar/manãmam -fumo
Nhionosso-cacau
Ingrá-filho
Etiké-flecha
D'agrang-cabeça
D'ahaschi-cabelo
Goabsang-cão
Grí-casa
Oaitomorim-estrela
Oá-lua
Oté-árvore
Kupaschú-farinha
Kuú-água
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