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1.3. Dialogue de l´ombre double, de Pierre Boulez
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Dentre as peças aqui abordadas, esta peça, composta em 1985, em homenagem aos
sessenta anos de Luciano Berio, apresenta uma particularidade. Sua instrumentação prevê,
além de um instrumento monódico solo, um outro previamente gravado. O discurso da peça
se faz, então, através de um diálogo entre um clarinete “em cena” e outro pré-gravado e,
portanto, invisível, aludindo diretamente ao título
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.
Formalmente, o compositor divide a peça em treze seções: uma sigla inicial, seis
estrofes ligadas umas às outras por cinco transições, e uma sigla final. Tanto as siglas inicial
e final como as transições ficam a cargo do clarinete pré-gravado, enquanto que as estrofes
são tocadas pelo clarinete “em cena”. Tem-se, assim, uma constante alternância entre duas
fontes sonoras: uma visível e fixa no palco, e outra de timbre semelhante, mas que não pode
ser identificada visualmente e que se move ao redor do público, por meio de procedimentos
de espacialização.
Assim como em In Freundschaft e Sequenza IXa, observa-se em Dialogue de l´ombre
double uma constante recorrência a figurações melódicas que sugerem uma pluralidade de
vozes
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. Nesta peça, porém, a variedade de procedimentos de simulação de polifonia é ainda
maior em relação às outras, como veremos ao longo deste trabalho
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.
Harmonicamente, a peça apresenta um material muito denso, de modo que parece
irrelevante tentar determinar campos harmônicos claros, como em Sequenza IXa. O discurso
parece se concentrar mais no desenvolvimento de certos contornos melódicos e na polarização
de certas alturas do que propriamente na expressão de um determinado conteúdo harmônico,
uma vez que todas as seções da peça parecem se desenvolver dentro do total cromático.
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As considerações a seguir são baseadas em análises feitas por Sérgio Kafejian, como monografia de
finalização do curso de composição na Faculdade Santa Marcelina, sob orientação do professor e compositor
Sílvio Ferraz. O texto, no qual o autor tece uma análise comparativa entre Dialogue de l´ombre double e
Superscriptio, de Brian Ferneyhough, não foi, portanto, publicado.
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“Diálogo da sombra dupla”.
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Não por acaso, nesta obra Boulez faz sutis referências a Freundschaft e Sequenza IXa. Neste trabalho, estas
referências serão abordadas no capítulo 3, quando forem relevantes para a análise das estruturas melódicas.
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Ver item 3.7.