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FÁTIMA APARECIDA DOS SANTOS
A ESCOLA NOVA E AS PRESCRIÇÕES DESTINADAS
AO ENSINO DA DISCIPLINA DE GEOGRAFIA DA
ESCOLA PRIMÁRIA EM SÃO PAULO NO INÍCIO DO
SÉCULO XX
Pontifícia Universidade Católica
São Paulo – 2005
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ii
FÁTIMA APARECIDA DOS SANTOS
A ESCOLA NOVA E AS PRESCRIÇÕES DESTINADAS
AO ENSINO DA DISCIPLINA DE GEOGRAFIA DA
ESCOLA PRIMÁRIA EM SÃO PAULO NO INÍCIO DO
SÉCULO XX
Dissertação apresentada como
exigência parcial para a obtenção
do título de MESTRE em
Educação: História, Política,
Sociedade, sob orientação da Profa.
Dra. Maria Rita de Almeida Toledo.
Pontifícia Universidade Católica
São Paulo – 2005
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iii
Banca Avaliadora:
____________________________________________
Profª. Drª. Maria Rita de Almeida Toledo (orientadora)
____________________________________________
Prof. Dr. Kazumi Munakata
____________________________________________
Profª. Drª. Rosa Fátima de Souza
iv
AGRADECIMENTOS
À Capes, pela bolsa que tornou possível a execução desse trabalho.
À Maria Rita de Almeida Toledo (Maíta), pela orientação dedicada, segura,
competente, e por confiar e acreditar em mim. Minha orientadora não me deixou em um
momento sem amparo, estava sempre disponível, lendo com enorme afinco tudo o que
escrevia. Admiro muito a sua paciência e seu respeito, mesmo diante das minhas
incompreensões. Foi um privilégio maravilhoso ter convivido com uma pessoa tão especial e
ser sua aluna e orientanda.
A todos os professores do EHPS, com os quais aprendi muitíssimo e que tanto
contribuíram para o meu aprimoramento intelectual.
Ao Prof. Kazumi, pela leitura minuciosa do meu projeto tenaz, respeitosa e
compromissada. Suas observações foram valiosíssimas na Banca de Qualificação.
À professora Rosa Fátima, cujos apontamentos na Qualificação contribuíram muito.
Aos meus colegas do curso, em especial: Marcos, Kátya, Paulo, Suenilde, Rita, Cátia,
Ana, Fábio, Irene, Almunita, Ângela, Anita, Antonia, Silvia e Orlando.
À Rogéria, pelo trabalho enorme ao fotografar a revista lá em Minas para mim.
À Ivanildes, do CPP, pela ajuda carinhosa na pesquisa.
Aos funcionários da Biblioteca da PUC/SP e da Biblioteca de Educação da USP, pelo
empenho e solicitude em auxiliar em todos os tantos momentos em que necessitei.
À Bá (Vânia), por sempre me “puxar a orelha”, dizendo que já tinha passado a hora de
eu entrar no mestrado, sugerindo que eu trabalhasse menos e fosse estudar, e também pela
revisão criteriosa e dedicada que fez de meu texto.
À Ângela, ao Zilmar e ao Carlão, pelas dicas valiosas e detalhes vindos de quem
acabava de terminar o mestrado.
Ao Rago, meu professor da graduação, que tanto acreditou em mim e me incentivou
muito a chegar ao mestrado.
À Isabel e ao Cláudio, que torceram para que eu vencesse mais esta etapa na vida.
A minha mãe, Maria Ondina, e ao meu pai, José Luiz, que sempre confiaram no meu
potencial, me incentivaram e deram todas as condições, dentro do possível, para que eu nunca
parasse de estudar, mesmo que isso significasse ficar longe deles em muitos momentos.
À minha irmã, pelas dicas pelo uso do computador.
Ao RONE, meu amor, que está presente ao meu lado me apoiando e, com toda a sua
calma, me tranqüilizando nesse momento final, que é tão estressante.
v
RESUMO
Este trabalho analisa as prescrições feitas no começo do século XX, em São Paulo,
para o ensino da disciplina de geografia para o curso primário. Tomou-se como objeto de
análise principal os livros escritos na época, dirigidos aos professores primários, que
normatizavam a prática docente no tocante ao ensino de geografia. Os títulos selecionados
foram: Metodologia do ensino geográfico, de Delgado de Carvalho, Como se ensina
geografia, de Antônio Firmino de Proença, e Didática, de João Toledo, autores que
afirmavam estar assentados no ideário da Escola Nova e que publicaram as obras aqui
analisadas entre 1925 e 1930. Também se buscaram nas revistas especializadas em educação,
mais intensamente em Educação, textos sobre o ensino de geografia para o primário e sobre
os livros analisados.
A geografia foi inaugurada como disciplina de formação patriótica nos primeiros
tempos da instauração da República. As discussões sobre nacionalismo e patriotismo se
intensificaram nas décadas de 1910 e 1920, quando novos valores foram aclopados ao
nacionalismo-patriotismo, valores vistos pelos intelectuais e políticos da época como os
sentimentos que conduziriam o País ao progresso. A educação era considerada o meio de
igualar o Brasil às nações tidas como as mais civilizadas da época. Mais especificamente, a
disciplina em pauta passou cada vez mais a ser considerada uma matéria privilegiada para
transmitir ao futuro cidadão os valores patrióticos e o amor à nação e, assim, regenerar o país.
Foi nessa época que os princípios da Escola Nova foram inseridos no Brasil. Os
autores estudados se autoproclamavam representantes dessa nova forma de conceber a
educação. A Escola Nova defendia o aprendizado através de ações práticas do próprio
educando. Este novo ideário pressupunha que o aluno não aprenderia somente lendo,
repetindo, observando, vendo, mas principalmente agindo.
A perspectiva da história cultural é a utilizada como guia para análise dos modelos
pedagógicos impostos para os professores primários trabalharem a geografia. Buscam-se em
Chartier os conceitos de estratégias discursivas que são produzidas nos impressos. Para este
autor, a prática escolar é regulada por modelos criados pelas prescrições. O impresso é tido
aqui como objeto de investigação para compreender a estratégia de determinação de
metodologias e saberes impostos à prática do professor primário.
vi
ABSTRACT
This study investigates the precepts in the beginning of the 20
th
century, in São Paulo,
for the teaching of an elementary course in Geography. The main books written at that time
were taken as object of analysis. Those books were addressed to elementary school educators,
responsible for the rules followed by Geography practitioners teaching at elementary school.
The works selected were: Methodology of Geographic Teaching, by Delgado de Carvalho,
How to teach Geography, by Antônio Firmino de Proença and Didactics, by João Toledo,
authors who had stated to have based their ideas on the principles of New School (Escola
Nova) and who had published these works between 1925 and 1930. We have also investigated
the journals specialized in Education, particularly in Educação, texts about the teaching of
Geography in elementary school as well as texts about the books we analyse here.
During the early years of Republic, Geography was established as a branch of
instruction responsible for patriotic upbringing. The debates about nationalism and patriotism
increased during the 1910 and 1920´s decades when new values were attached to the
nationalism-patriotism, values considered by intellectuals and politicians at that time, as the
ones which would lead the country to the progress. Education was considered a way to equal
Brazil to the civilized nations. Thus, Geography increasingly became a privileged branch of
instruction which should communicate to the future citizen, the patriotic values and the
devotion to nation and thus, to regenerate the country.
The principles of New School were introduced in Brazil by that time. The authors
investigated here, called themselves representatives of this new way to conceive education.
The New School supported the apprenticeship through student´s practical actions. This new
idea was based on the fact that the student would learn mainly by acting and not only reading,
watching, seeing.
The perspective of cultural history is used as a guidance to the analysis of pedagogic
models imposed to elementary school´s teachers in what concerns to Geography. We turn to
Chartier searching for concepts of discursive strategies which are found in the printed papers.
To Chartier, the school practice is ruled by models created by precepts. The printed paper is
taken here as an object of investigation to understand the strategy of determinating
methodologies and knowledge imposed to the practice of the elementary school teacher.
vii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................8
I – O ENSINO DE GEOGRAFIA NOS LIVROS ..................................................................24
1.1 Apresentação das obras de Delgado de Carvalho, Firmino Proença e João Toledo ......24
1.2 Finalidade .......................................................................................................................34
1.2.1 Finalidade do ensino primário e da geografia para o primário................................34
1.3 Articulação da geografia com outras disciplinas do primário........................................54
1.4 Descrição dos conteúdos ................................................................................................55
1.5 Programas, definições, raízes da geografia ....................................................................66
1.6 Referências teóricas na abordagem da geografia ...........................................................73
II – PRESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS NA DISCIPLINA DE GEOGRAFIA.........................79
2.1 Relação professor-aluno (metodologia) .........................................................................79
2.2 Da prática dos exercícios................................................................................................97
2.3 O suporte material do ensino-aprendizado...................................................................105
III – A DISCUSSÃO SOBRE ENSINO DE GEOGRAFIA NOS PERIÓDICOS
ESPECIALIZADOS: A REVISTA EDUCAÇÃO..................................................................111
3.1 A divulgação dos livros de Delgado de Carvalho, Firmino Proença e João Toledo na
Revista Educação...............................................................................................................111
3.2 A Circulação de Proença, Delgado de Carvalho e João Toledo e de seus títulos nas
páginas da Educação..........................................................................................................117
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................135
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................140
ANEXOS................................................................................................................................151
8
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa aborda a formação do professorado primário para o programa de
geografia na década de 1920 e início da seguinte. Investigam-se as prescrições sobre como e o
quê o professor da escola primária deveria ensinar na disciplina na escola primária.
O período foi marcado pelo problema da nacionalidade. De fato, uma das maiores
preocupações era como se deveria formar o futuro cidadão brasileiro para que ele fosse capaz
de amar o Brasil antes de qualquer nação (principalmente a de origem da sua família, quando
filho de imigrante). O impresso, nesse sentido, foi concebido como uma estratégia dos
intelectuais para prescrever ações e conteúdos e, assim, conformar o trabalho do professor
primário sob a perspectiva de um projeto político-cultural.
Marta Carvalho esclarece que os reformadores da educação dos anos 20 do século
passado, em São Paulo, acreditavam que a escola tivesse grande poder transformador e
civilizador. A partir daquela década iniciou-se o processo de reavaliação da República e
passava-se a acreditar na “reforma da sociedade pela reforma do homem”, proporcionada pela
educação escolar. Dessa forma, se “sedimenta, entre os intelectuais que se aplicavam a pensar
o Brasil e a avaliar a República instituída, a crença de que na educação residia a solução dos
problemas que identificavam” (CARVALHO, 2002, p. 212). Os grandes problemas sociais
são apontados pela autora:
Perpassava fortemente o imaginário desses entusiastas da educação o
tema da amorfia. Referido ao país, marcava-o como nacionalidade em
ser a demandar o trabalho conformador e homogeneizador da
educação. Referido às populações brasileiras, proliferava em signos da
doença, do vício, da falta de vitalidade, da degradação e da
degenerescência. O trabalho é, nessas figurações, elemento ausente da
vida nacional. (CARVALHO, 2002, p. 213).
A escola primária era considerada o caminho para regenerar a nação brasileira. Dentro
dela, a geografia era tida como a disciplina que maior possibilidade teria de mostrar as
grandezas naturais e os progressos produtivos e econômicos do país e, com isso, despertar
no futuro cidadão os sentimentos de pertencimento à pátria, nacionalismo, patriotismo,
civismo. Acreditavam que se a população tivesse tais sentimentos seria capaz de fazer do
Brasil um país mais produtivo, rico, saudável, instruído, enfim, melhor.
Esta pesquisa analisa os discursos e as prescrições sobre o ensino de geografia. Ao
estudar os livros e as revistas educacionais que abordam o ensino da disciplina, podem-se
visualizar as indicações de conteúdo e metodologia para o primário, pois “os materiais
impressos deixam ler as marcas de usos prescritos e de destinatários visados. Fornecem
9
indícios sobre as práticas escolares que se formalizam nos seus usos” (CARVALHO;
TOLEDO, 2002).
Tem-se como pressuposto analítico conceitos que abarcam as estratégias discursivas
que se produzem nos impressos. Assim, consideram-se as prescrições enquanto produzidas
para criar modelos que regulem a prática escolar.
Os dispositivos de difusão de padrões pedagógicos postos em circulação na década de
20 e voltados a reorientar o ensino dos conteúdos escolares de geografia são analisados a
partir da perspectiva histórico-cultural do período. Para isso, é tomada como ponto de partida
a análise do dispositivo do impresso inserido na realidade cultural, política e econômico-
social da educação do período.
Entende-se o impresso como suporte material de modelos impostos ao professor
primário (CARVALHO; TOLEDO, 2002). Busca-se desvendar a determinação das estratégias
textuais e editoriais de difusão e imposição dos saberes pedagógicos inseridos nos livros,
coleções, revistas, manuais, jornais e boletins que tiveram o professor como destinatário.
Além disso, identifica-se também o impresso como objeto de investigação para compreensão
da estratégia de imposição de metodologias e de saberes geográficos destinados ao alunado
primário. Toma-se de Chartier a idéia de que “não existe texto fora do suporte que o a ler,
que não compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas
através das quais ele chega a seu leitor” (CHARTIER apud CARVALHO; TOLEDO, 2002).
A representação de educação nas décadas de 1910 e 1920
Refletindo sobre o contexto educacional de forma ampla, Nagle (2001) afirma que os
ideais republicanos – tão fortemente disseminados no final do Império e início da República
sofreram um arrefecimento no transcorrer das três primeiras décadas do novo regime. Tais
ideais liberais, imaginados no fim do Império, foram sendo tolhidos para se adequar às
condições objetivas da sociedade brasileira. Viu-se que a República foi incapaz de organizar
uma “verdadeira cidadania”, de republicanizar o país. “Daí o desânimo mais que o
desânimo, as desilusões e as frustrações que dominaram a mentalidade dos homens
públicos, dos pensadores, dos intelectuais e dos educadores que viveram durante a Primeira
República até cerca de 1920” (NAGLE, 2001, p. 135). Em meados da primeira década do
século XX, essas mesmas frustrações foram alimentando o pensamento e as ações no sentido
de fazer efervescer e fomentar as discussões e as análises sobre os grandes problemas
nacionais; dentre estes, o educacional acabou sendo retomado, na concepção de muitos, como
10
a solução para a questão da nacionalidade, fazendo aparecer o que Nagle denominou
entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico resultado das transformações sociais
ocorridas até então
1
.
A partir de meados dos anos 1910 , os intelectuais e políticos foram redirecionando a
problemática para a questão da educação. Esta passou a ser vista como a única saída para o
atraso do Brasil e o início de sua caminhada rumo ao progresso. na década seguinte houve
uma intensa retomada dos ideais republicanos e a crença em que a instrução formaria, cívica e
moralmente, o cidadão, o qual colocaria o Brasil à altura das civilizações mais prósperas da
época (NAGLE, 2001, p. 134).
Acreditava-se que através da reforma do homem haveria a possibilidade de
transformar a sociedade. Com isso, foi atribuído à educação o papel decisivo de propulsora da
história, pelo que passou a vigorar a preocupação de “modificar os padrões de ensino e cultura
das instituições escolares, nas diferentes modalidades e nos diferentes níveis” (NAGLE, 2001,
p. 134). É nessa perspectiva que se deu o revigoramento dos ideais republicanos: a educação
atrelava-se à democratização da sociedade, com a difusão do ensino e a formação cívica e
moral do cidadão. Segundo se pensava, a educação faria que esse cidadão contribuísse para
que o Brasil alcançasse o mesmo grau de progresso das nações vistas como as mais
civilizadas na época.
A retomada dos princípios do liberalismo na terceira década do novo regime
republicano se deu num contexto em que se buscou “interromper o processo que cimentava a
união entre as camadas superiores e dirigentes a célebre ‘política dos governadores’ –,
tentativa que foi o grande trunfo de que se valeu a Aliança Liberal, na estimulação da
atividade revolucionária de 1930” (NAGLE, 2001, p. 131). A retomada dos ideais liberais não
pode ser vista descontextualizada das mudanças econômicas e sociais: a passagem do sistema
agrário-comercial para o urbano-industrial. Com esta transformação, novas necessidades
sociais surgiram em especial a da escolarização dos brasileiros, que os republicanos, no
início da República, tanto proclamaram, mas que, no transcorrer do processo, não se
conseguiu alcançar.
1
Entusiasmo pela educação seria “a crença de que, pela multiplicação das instituições escolares, da
disseminação da educação escolar, será possível incorporar grandes camadas da população na senda do
progresso nacional, e colocar o Brasil no caminho das grandes nações do mundo”; otimismo pedagógico era, por
sua vez, “a crença de que determinadas formulações doutrinárias sobre a escolarização indicam o caminho para a
verdadeira formação do novo homem brasileiro (escolanovismo)” (NAGLE, 2001, p. 134).
11
A reforma da nacionalidade pela educação
Ao pensar o problema da nacionalidade brasileira, as pessoas comprometidas e
engajadas no movimento educacional, contraditoriamente, viam a educação como a causa e a
solução para os transtornos da realidade nacional. O atraso brasileiro era atribuído ao fato de
existir grande parcela da população sem escolarização. Assim,
a política republicana é acusada de ter relegado ao abandono “milhões
de analfabetos de letras e ofícios”, toda uma massa popular, núcleo da
nacionalidade. Essa legião de excluídos da ordem republicana aparece,
então, como freio do Progresso, a impor sua presença incômoda no
cotidiano das cidades
(CARVALHO, 1989, p. 7).
Reforçando tal interpretação, creditava-se à falta de preparo para o exercício de
atividades no meio urbano o fato de haver grande quantidade de pessoas sem trabalho nas
cidades. Segundo Marta de Carvalho,
As imagens de populações doentes, indolentes e improdutivas,
vagando vegetativamente pelo país, somam-se às de uma população
urbana resistente ao que era entendido como trabalho adequado,
remunerador e salutar. Imigrantes a fermentar de anarquia o caráter
nacional e populações pobres perdidas na vadiagem impunham sua
presença incômoda nas cidades e comprometiam o que se propunham
como “organização do trabalho nacional” (CARVALHO, 1989, p. 10).
Ao mesmo tempo, a solução para os entraves ao progresso era buscada na educação.
Desta forma, “o papel da educação foi hiperdimensionado: tratava-se de dar forma ao país
amorfo, de transformar os habitantes em povo, de vitalizar o organismo nacional, constituir a
nação” (CARVALHO, 1989, p. 9). Assim, via-se como necessário regenerar as pessoas,
“tornando-as saudáveis, disciplinadas e produtivas, eis o que se esperava da educação, erigida
nesse imaginário em causa cívica de redenção nacional. Regenerar o brasileiro era vida
republicana a ser resgatada pelas novas gerações” (CARVALHO, 1989, p. 10). Neste
contexto, as teses racistas foram substituídas pela crença na transformação cultural dos
brasileiros. Nas novas análises da realidade nacional, foi imperando a idéia de que o problema
da vadiagem do liberto e da indisciplina do imigrante deviam-se à falta de educação de tais
camadas da população. Desta forma, ressaltava-se
a idéia de que a educação era fator mesológico determinante no
aperfeiçoamento dos povos, sobrepujando os fatores raciais. As
imagens do negro e do mestiço como “vadio” continuam a inquietar
esse imaginário, mas deixam de ser o signo de uma incapacidade
inamovível para o trabalho livre. O liberto e seus descendentes
permanecem estigmatizados como criaturas primitivas, e por isso
propensas à vadiagem. Mas esta passa a ser também o resultado da
incúria política de abolicionistas e republicanos que o os teriam
12
adestrado para as imposições da liberdade (CARVALHO, 1989, p.
11).
Acreditava-se que existiam dívidas republicanas: uma com relação à falta de instrução
do trabalhador do campo, provocando uma discrepância social entre a população urbana e a
rural; a segunda, a não organização do trabalho nacional.
Outra preocupação que imperava na análise sobre a população brasileira era acerca do
migrante oriundo do campo, que abandonara o seu trabalho e sua terra e que passava a habitar
os centros urbanos, levando mais problemas sociais para a cidade. Para tentar conter também
esse fluxo migratório e vitalizar a produção rural, defendia-se a idéia de que “organizar o
trabalho nacional era, sobretudo com o concurso de uma escola que disseminasse ‘não o
perigoso conhecimento exclusivo das letras, mas a consciência do dever domiciliário’ fixar
o homem no campo” (CARVALHO, 1989 p. 13). Com a instrução da população rural se
pagaria uma dívida republicana e “o que não foi feito oportunamente sê-lo-á agora e o
trabalhador rural, livre, criará o cidadão útil, votado à propriedade do seu recanto”
(MAGALHÃES apud CARVALHO, 1989, p. 13).
Para Marta de Carvalho,
É nesse quadro que a educação ganha estatuto de peça fundamental de
uma política de valorização do homem como fator de produção e de
integração nacional. A superação do isolamento das diversas regiões
brasileiras pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e
transporte; sua integração num circuito que garantisse a circulação dos
bens materiais e culturais constituindo um grande mercado nacional; a
modernização da agricultura; o desenvolvimento industrial com ênfase
na indústria de base; a dinamização do homem como fator de
produção por políticas sanitárias e educacionais integram-se num
projeto de maximização dos recursos nacionais subordinados à
concepção de defesa nacional (CARVALHO, 1989, pp. 17-8).
Entendendo o esforço educacional como a única alternativa para o Brasil não cair
numa catástrofe social, como meio de regenerar a massa popular, tanto representantes da
velha economia agrária quanto do industrialismo se coadunavam na perspectiva de urgência
de uma empreitada que instruísse a população. Somente assim o entrave para a resolução do
problema do nacionalismo brasileiro seria transposto.
Acreditavam que o programa de geografia nas escolas normal e primária poderia fazer
cumprir o que tanto esperavam: a transmissão dos valores patrióticos e nacionalistas para
formar o povo brasileiro. Para Delgado de Carvalho (1925), o programa de geografia seria um
dos esteios da idéia de nação, pois explicaria a constituição dessa própria nacionalidade, da
Pátria, na vida presente do ser humano. A geografia, para ele, teria a obrigação de fazer do
estudante um verdadeiro patriota, um nacionalista com amor ao seu país. Gonçalves (1928),
13
por sua vez, complementava que o ensino geográfico deveria desenvolver pensadores que
buscassem as causas e as finalidades geográficas. Este estudo analisaria a vida vegetal e
animal em dependência com os fenômenos da superfície terrestre, relacionando-os à vida
moral.
Os impressos e a formação do professorado
Nesse contexto é que se diversificaram, avolumaram e especializaram as publicações
sobre educação, surgindo coleções específicas e ampliando-se o quadro teórico de discussão e
análise sobre a teoria da educação e a prática docente. São exemplos desse movimento a
Biblioteca de Educação, organizada por Manoel Bergström Lourenço Filho, em 1927, na
Melhoramentos de São Paulo; e a Coleção Pedagógica, dirigida por Paulo Maranhão, em
1929, no Rio de Janeiro. Também se inseriram nesse processo de difusão da Escola Nova
publicando textos que abarcavam as “ciências-fontes” da escolarização, como psicologia,
biologia e sociologia. Lourenço Filho, calcado no intuito de transformação da mentalidade do
professor, justificou a necessidade da publicação da coleção que dirigia como imprescindível
para
Formar essa nova mentalidade, liberta e esclarecida, como esclarecer
mais e mais a opinião pública acerca das novas idéias da educação é
tarefa instante, que se impõe a todos os que crêem no Brasil... Faltam-
nos, desgraçadamente, núcleos superiores de elaboração de um
pensamento nacional que busquem, fora, o método de trabalho e o
incentivo das novas idéias, não dúvida, mas procurem decifrar
aqui, dentro de nós mesmos, as nossas próprias incógnitas. (...) Até
lograrmos esses aparelhos de cultura, esses focos de consciente
brasilidade, será preciso insistir, por todos os meios, pela propaganda
honesta, pela evidência do incentivo que nos dão outros povos, em
que há novas formas de civilização e de cultura (LOURENÇO FILHO
apud CARVALHO, 2003).
Para Marta de Carvalho (2001), a partir de meados da década de 20, houve completa
mudança na visão pedagógica, cujo resultado foi o investimento em coleções de livros para
professores. Buscou-se, então, uma “pedagogia científica”; procuraram-se orientações na
ciência para dar suporte teórico, e não mais somente metodológico, ao professor. Passou-se a
exigir que o profissional tivesse conhecimento da realidade (para compreender a finalidade da
educação) e dos fundamentos das ciências que davam base à atividade, para que pudesse
pautar sua prática. Assim, “formar o professor é transformar a sua mentalidade”, era levá-lo à
14
compreensão das novas finalidades sociais da escola, através da leitura de livros
(CARVALHO, 2001, p. 165).
Marta de Carvalho, na análise que leva a cabo sobre a Biblioteca de Educação como
um desses empreendimentos editoriais de sucesso, aponta que Lourenço Filho organizou sua
coleção fazendo publicar obras de autores nacionais e estrangeiros que tratavam das bases
científicas da educação, perpassando as diversas áreas do conhecimento que a subsidiavam.
Assim, “os volumes da coleção se dispõem como peças de um conjunto harmônico destinado
a constituir a cultura pedagógica do professorado” (CARVALHO, 2001, pp. 164-5).
Efetivamente, para Lourenço Filho, a educação deveria passar por transformações, o
que se daria com a mudança de mentalidade do professor. Haveria “uma mudança a fazer-
se no espírito do professorado quanto à filosofia do ensino” (LOURENÇO FILHO apud
CARVALHO, 2001, p. 161), pelo que ele temia fazer transformações radicais nas escolas
públicas, implantando as idéias pedagógicas da Escola Nova sem antes incutir tais ideais nos
profissionais envolvidos. Haveria que transformar a forma de o professor conceber a atividade
do aluno e direcionar favoravelmente as práticas pedagógicas. Nesta direção, Lourenço Filho
pensou a Biblioteca de Educação contendo textos para dar base científica ao ensino, no intuito
de elevar o homem, e também contendo ensinamentos práticos, o modus operandi. Com a
coleção, buscou a formação de uma nova cultura pedagógica, transformando a mentalidade e
a prática do professor através da leitura dessas obras. Segundo Carvalho, deve-se visualizar
esse fato “como estratégia articulada ao programa de reforma da sociedade pela reforma da
escola” (CARVALHO, 2003, s/p).
A pedagogia da Escola Nova, diferentemente do método intuitivo, não ofertava
roteiros nem modelos de lição para serem seguidos. Essa nova pedagogia se pautava na oferta
de fundamentos que subsidiassem a prática do professor. Assim, as coleções pedagógicas
passaram a substituir os manuais, com a intenção de construir uma nova cultura pedagógica.
Para isso, era necessário direcionar o hábito de leitura do professor, com proposta de roteiros
de leitura, modos de ler e de utilizar o que foi lido. Dessa forma, as coleções publicadas para
os professores foram implantadas para “constituir e organizar o campo dos saberes
representados como necessários ao exercício da docência” (CARVALHO, 2001, p. 155). A
pedagogia da Escola Nova reivindicou para si a apropriação da denominação novo e moderno,
fazendo que todos os saberes concorrentes fossem vistos como “pedagogia tradicional”,
discurso que foi se tornando hegemônico no país.
Nos anos 1920, foi desenvolvido um movimento que circundava a questão da leitura e
da produção de livros, para formação do professor e para uso com o aluno primário, como
15
instauradores de uma nova cultura pedagógica. Os ideais da Escola Nova começam a ser
desenvolvidos no Brasil. Os auto-intitulados escolanovistas, ao mesmo tempo em que
iniciavam a inserção do novo pensamento sobre a educação e a infância, precisavam também
se opor a tudo o que já existia, reputando-o tradicional. Nesse espaço de disputa, o impresso
foi entendido como dispositivo para a hegemonização de determinadas
práticas no aparelho escolar e exclusão de outras e, com elas, se
efetivavam projetos políticos específicos que se encontravam em
disputa. Para os partícipes da contenda, interessava não exercer os
cargos decisórios sobre a política educacional do país, mas também
ganhar o professorado dentro da escola. Daí a importância vital do
controle sobre a escola de preparação de novos professores
(TOLEDO, 2003).
Nesse contexto é que a geografia foi alçada à disciplina de formação da nacionalidade,
pois se necessitava conformar o futuro cidadão segundo os novos princípios republicanos, o
que ainda não se tinha conseguido alcançar, mesmo após algumas décadas da instauração da
República. Assim, a geografia passou a ser vista como uma das principais disciplinas, como a
que melhor contribuiria para disseminar os valores patrióticos e nacionalistas. Donde a
eleição, neste trabalho, do exame dos discursos prescritivos sobre esta disciplina.
O processo da pesquisa
A fim de levar a cabo a pesquisa proposta, foram levantadas nas bibliotecas da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Universidade de São Paulo
(USP) teses e dissertações sobre o tema, mas pouco foi encontrado no tocante ao ensino de
geografia na década de 20. Dentre os trabalhos localizados, ressaltam-se Vlach (1988) e Silva
(1996). No primeiro caso referência ao ensino de geografia na escola primária, porém seus
objetos reais de interesse e discussão (como o de Silva) são a escola secundária e a geografia
como ciência. Vlach destaca a importância de Delgado de Carvalho na crítica ao ensino de
geografia “tradicional” e a inserção da discussão, no Brasil, sobre a “geografia moderna”, a
partir da segunda década do século XX.
Também para Jorge Silva (1996) a obra de Delgado de Carvalho foi a mais expressiva
no período estudado, sendo a condutora das reflexões acerca do pensamento geográfico no
Brasil. Para o autor, um estudo sobre Delgado de Carvalho é fundamental, pois o Brasil é
marcado por “reflexões originais do pensamento geográfico [que] difundiram procedimentos
que marcaram as gerações futuras (...) [possibilitando] a ampliação do campo de atuação da
geografia” (SILVA, 1996, p. 81). Para ele, após a Primeira Guerra Mundial, disseminou-se na
16
sociedade brasileira a idéia de que se necessitava de um ensino que permitisse “colaborar na
reestruturação do projeto político de condução do país ao progresso” (SILVA, 1996, p. 83) – e
Delgado de Carvalho entrou em sintonia com tal necessidade.
Verifica-se, assim, que a história do ensino de geografia no país é relativamente nova e
incompleta. As poucas pesquisas existentes tratam do ensino secundário ou da história da
ciência geográfica. Dessa forma, como demonstrou o levantamento feito, a academia ainda
carece de uma pesquisa que aborde o ensino geográfico primário brasileiro e o
desenvolvimento do pensamento nacionalista através desta disciplina.
Após essa etapa inicial de pesquisa, procedeu-se a investigações na PUC-SP, na USP,
no Centro do Professorado Paulista (CPP) e no Arquivo do Estado de São Paulo (AESP)
sobre as revistas especializadas em educação da época estudada. Foram analisadas, de São
Paulo: Revista de Ensino, Revista da Sociedade de Educação, Revista Escolar, Educação,
Revista de Educação, Revista Escola Nova; de fora da cidade de São Paulo: Revista Escola
Primária, do Distrito Federal; Revista de Educação, de Piracicaba; e Revista da Escola
Normal de São Carlos, localizada nesta cidade paulista.
Além destas, foram analisadas outras revistas o especializadas em educação, mas
que continham discurso sobre o ensino, como: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo, Revista do Brasil e Revista Nacional, as três editadas em São Paulo. Também se
pesquisou, nos mesmos arquivos mencionados, o programa de ensino da escola primária e da
escola complementar e normal. A maioria dos programas encontrados era de São Paulo,
embora também se tenham localizado programas do Ceará (de 1923) e de Minas Gerais (de
1927). O de Pernambuco, apesar de estar no índice catalográfico da FE da USP, não foi
encontrado na biblioteca.
Nem todos esses impressos são mobilizados diretamente neste trabalho. Depois do
levantamento, optou-se por explorar a revista Educação, por ser um periódico específico da
educação, oficial (era organizado pela Instrução Pública do Estado de o Paulo) e iniciado
no final da década de 1920. A análise dos programas de ensino ficou circunscrita ao Estado de
São Paulo no período supramencionado, uma vez que o exame de todo o material levantado
ampliaria em demasiado o escopo do trabalho, não cabendo numa dissertação de mestrado.
As indagações centrais que guiaram esta pesquisa foram as que buscam desvendar
quais eram as prescrições dos autores para o ensino de geografia da escola primária.
Investigaram-se quais eram os conteúdos e metodologias preceituadas para o professorado
primário trabalhar com as crianças, assim como as funções atribuídas à disciplina na
conjuntura nacionalista dos anos 20 e 30.
17
A década de 20 foi escolhida para estudo por ser a de inserção dos ideais
escolanovistas no Brasil, momento em que ocorreram mudanças na forma de conceber a
educação e de tratá-la, bem como na orientação metodológica; passou-se a acreditar que a
criança aprenderia praticando etc.
Procurou-se também para análise livros que tratassem do ensino de geografia da escola
primária escritos nas primeiras décadas do culo passado. Os livros da época que abordam a
geografia enquanto ciência ou o ensino de geografia para o secundário foram descartados,
visto não ser este o objeto desta pesquisa. Os livros que tratam do assunto, estudados nos dois
primeiros capítulos, são: Metodologia do ensino geográfico, de Delgado de Carvalho; Como
se ensina geografia, de Antônio Firmino de Proença; e Didática, de João Augusto de Toledo.
Foram escritos entre 1925 e 1930 por autores que diziam estavar buscando inspiração nos
princípios da Escola Nova, concepção de ensino que ainda estava sendo inserida no Brasil na
época.
À luz desses materiais, as questões que guiaram essa pesquisa foram:
O que ordenavam nos livros e artigos destinados à formação do professor da escola
primária para o ensino de geografia? Quais eram as prescrições defendidas pelos autores para
o ensino de geografia da escola primária? Baseados em quais fundamentações esses autores
recomendavam metodologias e conteúdos para os professores primários trabalharem com as
crianças? Do que realmente tratava o ensino de geografia intitulada pelos escolanovistas como
tradicional? E o ensino de geografia da Escola Nova? Quais eram as posições defendidas no
debate sobre o ensino de geografia e como elas se organizavam? Quais saberes o professor
primário deveria ensinar aos alunos na disciplina? Neste mister, quais saberes os professores
precisavam ter? Como o professor deveria ensinar? Qual era a metodologia indicada para este
ensino? Que lugar a geografia ocupava no programa da escola primária e da Escola Normal?
Esse trabalho está na fronteira entre a história das disciplinas escolares e a história que
analisa a formação do professor, que pressupõe a análise do discurso pedagógico direcionado
ao professor por meio dos impressos em geral e livros. O que, por sua vez, implica enfocar a
“modelização das práticas escolares pelo filtro da normatização pedagógica dos usos do
impresso de destinação pedagógica” (CARVALHO; TOLEDO, 2002).
Chervel (1990) estuda a história das disciplinas escolares na França. Esse autor afirma
que tal história seria dependente da história cultural e da história da pedagogia, não se
podendo desconsiderar nenhuma das duas.
É de uma ou de outra que a história das disciplinas escolares é
tributária. De um lado, à história das ciências, dos saberes, da língua,
18
da arte, ela pede emprestada toda a parte relevante do seu ensino. À
história da pedagogia, ela solicita tudo o que é parte integrante dos
processos de aquisição, fazendo constantemente a separação entre as
intenções anunciadas ou as grandes idéias pedagógicas e as práticas
reais. Diante dessas duas correntes bem instaladas, ela se encarrega de
estabelecer que a escola não se define por uma função de transmissão
dos saberes, ou de iniciação às ciências de referência. O que,
apresentado nesses termos abruptos, parece levar a um paradoxo.
(CHERVEL, 1990, p. 181).
Chervel afirma que sua forma de estudar a escola se diferencia da tradicional, uma vez
que analisa a instituição internamente e daí descobre os princípios, não podendo fazê-lo
somente através de uma investigação do contexto externo à escola. “Longe de ligar a história
da escola ou do sistema escolar às categorias externas, ela se dedica a encontrar na própria
escola o princípio de uma investigação e de uma descrição histórica específica” (CHERVEL,
1990, p. 184).
Para o autor, essa nova forma de analisar a escola se devia ao fato de que, se a função
da escola é educar, então o cerne do estudo da história do ensino deve ser a função
educacional e docente:
Se o papel da escola é o de ensinar e, de um modo geral, o de
“educar”, como não ver que a história da função educacional e
docente deve constituir o pivô ou o núcleo da história do ensino?
Desde que se compreenda em toda a sua amplitude a noção de
disciplina, desde que se reconheça que uma disciplina escolar
comporta não somente as práticas docentes da aula, mas também as
grandes finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno de
aculturação de massa que ela determina, então a história das
disciplinas escolares pode desempenhar um papel importante não
somente na história da educação mas na história cultural. Se se pode
atribuir um papel “estruturante” à função educativa da escola na
história do ensino, é devido a uma propriedade das disciplinas
escolares. (CHERVEL, 1990, p. 184)
Para Chervel, as disciplinas são criações espontâneas e originais do sistema escolar.
Isso o leva a afirmar que o estudo das disciplinas escolares “leva a pôr em evidência o caráter
eminentemente criativo do sistema escolar, e portanto a classificar no estatuto dos acessórios
a imagem de uma escola encerrada na passividade, de uma escola receptáculo dos
subprodutos culturais da sociedade” (CHERVEL, 1990, p. 184).
Para o autor, a ausência de estudo sobre a disciplina escolar fez que não se percebesse
o duplo papel que a escola desempenha na sociedade. Efetivamente, salienta, a escola forma a
cultura geral da sociedade, além de atuar diretamente na formação do próprio indivíduo.
E porque o sistema escolar é detentor de um poder criativo
insuficientemente valorizado até aqui é que ele desempenha na
sociedade um papel o qual não se percebeu que era duplo: de fato, ele
19
forma não somente os indivíduos, mas também uma cultura que vem
por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global.
(CHERVEL, 1990, p. 184).
Chervel assevera que o estudo das finalidades da escola depende, em parte, da história
das disciplinas escolares. Assim, algumas das empreitadas desta seriam identificar, classificar
e organizar tais finalidades. O autor complementa:
Pode-se globalmente supor que a sociedade, a família, a religião
experimentam, em determinada época da história, a necessidade de
delegar certas tarefas educacionais a uma instituição especializada,
que a escola e o colégio devem sua origem a essa demanda, que as
grandes finalidades educacionais que emanam da sociedade global não
deixaram de evoluir com as épocas e os séculos, e que os
comanditários sociais da escola conduzem permanentemente os
principais objetivos da instrução e da educação aos quais ela se
encontra submetida. (CHERVEL, 1990, p. 187).
Chervel assegura que, diferentemente do que é comum afirmar, a escola tem duas
funções: instruir as crianças e criar disciplinas escolares (e não somente a primeira função).
A função real da escola na sociedade é então dupla. A instrução das
crianças, que foi sempre considerada como seu objetivo único, não é
mais do que um dos aspectos de sua atividade. O outro é a criação das
disciplinas escolares, vasto conjunto cultural amplamente original que
ela secretou ao longo de decênios ou séculos e que funciona como
uma mediação posta a serviço da juventude escolar em sua lenta
progressão em direção à cultura da sociedade global. No seu esforço
secular de aculturação das jovens gerações, a sociedade entrega-lhes
uma linguagem de acesso cuja funcionalidade é, em seu princípio,
puramente transitória. Mas essa linguagem adquire imediatamente sua
autonomia, tornando-se um objeto cultural em si e, apesar de um certo
descrédito que se deve ao fato de sua origem escolar, ela consegue
contudo se infiltrar sub-repticiamente na cultura da sociedade global.
(CHERVEL, 1990, p. 200)
Para o historiador não cair em incompreensões, segundo Chervel, deve estudar
primeiramente os conteúdos explícitos do ensino disciplinar, encontrados em documentos
elaborados para cursos, manuais ou periódicos pedagógicos. Deve ter claro que os
documentos se transformam com o passar do tempo, que novos documentos são produzidos,
novas formas de produzir a documentação são inventadas e novas exigências são
apresentadas.
A sociedade impõe à escola as finalidades que espera do ensino, de maneira que o
estabelecimento se na necessidade de buscar no agrupamento social apoio para criar as
suas disciplinas. Ou seja, a escola se obrigada a reivindicar da sociedade a criação de
políticas educacionais e programas de ensino que a auxiliem. Assim, a instituição escolar é
construída e transformada historicamente graças, também, às disciplinas escolares.
20
As disciplinas escolares intervêm igualmente na história cultural da
sociedade. Seu aspecto funcional é o de preparar a aculturação dos
alunos em conformidade com certas finalidades: é isso que explica sua
gênese e constitui sua razão social. Mas se se as consideram em si
mesmas, tornam-se entidades culturais como outras, que transpõem os
muros da escola, penetram na sociedade, e se inscrevem então na
dinâmica de uma outra natureza. (CHERVEL, 1990, p. 220).
Para Chervel as disciplinas escolares são criações da relação educacional entre
gerações. É o código que permite a perpetuação da cultura, da forma de sociedade que existe.
É às circunstâncias de sua gênese e à sua organização interna que as
disciplinas escolares devem o papel, subestimado, mas considerável,
que elas desempenham na história do ensino e na história da cultura.
Fruto de um diálogo secular entre os mestres e os alunos, elas
constituem por assim dizer o código que duas gerações, lentamente,
minuciosamente, elaboraram em conjunto para permitir a uma delas
transmitir à outra uma cultura determinada. A importância dessa
criação cultural é proporcional à aposta feita: não se trata nada menos
do que da perenização da sociedade. As disciplinas são o preço que a
sociedade deve pagar à sua cultura para poder transmiti-la no contexto
da escola ou do colégio. (CHERVEL, 1990, p. 222)
Goodson (1990), compartilhando da mesma posição de Chervel sobre a origem e
desenvolvimento das disciplinas escolares, elabora sua análise tendo como referência o
sistema educacional britânico. Para ele, as análises das matérias escolares das escolas
elementares e secundárias são originárias, principalmente, das perspectivas sociológica ou
filosófica. Goodson, apoiado em Musgrove, entende que, do ponto de vista sociológico, as
pesquisas deveriam “examinar as matérias tanto dentro da escola quanto na nação em geral,
como sistemas sociais sustentados por redes de comunicação, por recursos materiais e por
ideologias. Dentro de uma escola e dentro de uma sociedade mais ampla” (MUSGROVE
apud GOODSON, 1990, p. 230). Para Goodson, as explicações sociológicas permanecem na
macrossociologia, carecendo de uma evidência mais empírica.
a perspectiva filosófica é vista como uma “visão oficial” que tem a preocupação
maior de justificar o currículo em vez de analisá-lo. Segundo a explicação filosófica, as
disciplinas escolares teriam nascido da disciplina acadêmica, ou seja, a comunidade
acadêmica teria criado e sistematizado a vulgarização da sua ciência. Mas Goodson condena
tal explicação, afirmando que os contextos escolar e universitário são muito diferentes. Para
entender o vínculo que ambas têm entre si seria “necessário examinar as histórias sociais das
matérias escolares e analisar as estratégias empregadas na sua construção e promoção”
(GOODSON, 1990, p. 234). Afirma que as matérias escolares são, normalmente, dissociadas
da disciplina acadêmica ou não têm uma disciplina-base. Também argumenta que muitas
matérias escolares são cronologicamente anteriores à disciplina acadêmica considerada sua
21
matriz é o caso da geografia, que teve primeiramente seu desenvolvimento na Inglaterra nas
escolas elementares e secundárias, para depois, por causa da pressão exercida pela sociedade
(que via a necessidade de uma formação geográfica específica dos professores), nascer no
ensino superior como disciplina acadêmica.
No Brasil, coisa idêntica ocorreu com esta matéria, pois o curso superior de geografia
foi formado na década de 1930, enquanto a matéria escolar existia desde 1887
2
. Há,
portanto, uma inversão da compreensão da realidade quando se afirma que as matérias
escolares são oriundas das disciplinas acadêmicas. Isso, segundo Goodson, ocorre para
justificar e explicar o vínculo de dependência que ambos os saberes têm entre si na atualidade,
após um período de desenvolvimento. Para o autor, foi a comunidade escolar que
progressivamente se apoderou das áreas do campo acadêmico.
A respeito da França, Munakata (2003) esclarece que somente a partir do final do
século XIX os saberes escolares distinguiram-se mais claramente. Até então, os
conhecimentos estavam muito amalgamados entre si. Não se conseguiam apontar claramente
os limites dos saberes, como foi feito a partir do século XX. “Na escola, durante muito tempo,
os saberes também não se distinguiam a não ser por uma vaga distribuição de conteúdos pelos
graus e pela bibliografia adotada” (MUNAKATA, 2003, p. 75).
A legitimação do ensino científico se deu com o reconhecimento de que “as ciências
teriam o mesmo valor formativo que as humanidades. Em outras palavras, não devendo ter
‘finalidades puramente utilitárias’” (MUNAKATA, 2003, p. 91). Após a Primeira Guerra
Mundial as humanidades clássicas foram divididas em diferentes disciplinas literárias,
conferindo um novo conceito ao termo disciplina escolar. Assim, as disciplinas escolares
puderam tornar-se o que são na atualidade: “um discurso separado, especializado, com seu
próprio campo intelectual de textos, práticas, regras de admissão, modos de exame e princípio
de distribuição de sucesso e privilégios” (BERNSTEIN apud MUNAKATA, 2003, p. 91).
Para Munakata, as transformações ocorridas no interior da escola, que dividiram os
conhecimentos em disciplinas, “certamente relacionavam-se com as transformações
econômicas, sociais, políticas, institucionais, culturais etc. – geralmente resumidas como
‘desenvolvimento do capitalismo’” (MUNAKATA, 2003, p. 91).
Enquanto a escrita era suporte da oralidade, a retórica (arte de bem falar) era o modelo
que a escola deveria seguir para ensinar bem. Diante da dissociação entre escrita e narrativa,
2
A matéria de geografia geral e geografia física, segundo Souza (1996, p. 154), foi incluída por Rangel Pestana
no programa do ensino público das escolas de primeiras letras na última reforma da instrução pública, no período
monárquico (mais especificamente em 1887), na Província de São Paulo.
22
entretanto, os saberes se descompatimentaram. Munakata cita as pesquisas de vários
historiadores das disciplinas escolares que afirmam que estas não são transposição didática,
tal como afirma Chervallard.
Estes trabalhos de Goodson, Chervel, Hery, Cuesta Fernández e Poucet – que estudam
diferentes disciplinas reafirmam que as disciplinas escolares são produções da escola, e não
vulgarização de saberes elaborados na universidade.
A lógica do texto
Este texto foi dividido em três capítulos. No Capítulo I é apresentada uma análise do
discurso que trata do ensino de geografia na escola primária, da geografia enquanto ciência e
das perspectivas pedagógicas. No Capítulo II são analisadas as prescrições para o ensino da
disciplina no curso primário. Para esses dois primeiros capítulos, foram estudados dois livros
que tratam especificamente do ensino de geografia e um que aborda a didática do ensino
primário das diversas disciplinas, mas que valora muito o conteúdo de geografia.
O livro de Delgado de Carvalho Metodologia do ensino geográfico é um dos mais
expressivos na área da educação sobre o ensino da disciplina. Este autor não tinha como
preocupação central o ensino primário, e sim o secundário, mas para tratá-lo discutiu o ensino
de geografia da escola primária e da escola normal, fornecendo, assim, valiosas contribuições
aos que se preocupam com estes níveis de educação. o livro de Firmino Proença Como se
ensina geografia é, como revela o título, específico sobre a disciplina e voltado para o curso
primário. Muitos autores que se referiram ao seu livro nos artigos das revistas educacionais.
Sua obra é vista como referência escolanovista no que respeita ao ensino geográfico.
O terceiro livro analisado é Didática, de João Toledo, que abordava as técnicas
pedagógicas do ensino primário das diversas disciplinas, mas valorizava muito o conteúdo de
geografia. Seu texto teve um grande espaço destinado à discussão do ensino geográfico; ao
tratar outras disciplinas ou as lições de coisas, também acrescentava sempre um exemplo do
ensino de geografia. Toledo foi um colaborador muito presente das revistas, nas quais sempre
havia um artigo seu. Além disso, ocupou altos cargos do ensino público paulista.
No Capítulo III foram analisados vários artigos que discutiam o ensino de geografia
nas revistas especializadas em educação. As críticas ao ensino geográfico visualizadas dão
pistas para imaginar como era a prática em sala de aula. Explora-se, ainda, o modo como os
livros dos autores estudados nos dois primeiros capítulos circularam nas páginas das revistas.
23
Os programas de ensino de geografia para o primário, a escola complementar e a
escola normal e o conteúdo para o exame de admissão ao curso ginasial estão nos Anexos.
Estes programas foram encontrados nos decretos, pareceres, instruções e anuários de ensino.
Também se teve acesso à instrução do programa de 1913, aos programas para o primário de
São Paulo de 1905, 1918, 1921, 1922 e 1925, além dos programas da escola complementar;
ao de 1922 do Distrito Federal, ao de 1923 do Ceará e ao de 1927 de Minas Gerais. Este
material é valioso, por mostrar qual era a determinação que o poder oficial impunha ao curso
primário, complementar e normal com relação ao conteúdo, sua seqüência e a metodologia de
ensino. Tais documentos oficiais fornecem uma visão da preocupação do poder público com
relação à transmissão dos valores patrióticos e nacionalistas no processo educativo.
Tais materiais se transformaram em anexo porque não se conseguiu aqui explorá-los o
suficiente para poder elaborar uma análise ao nível do que o corpo do texto exige. Tem-se,
contudo, a certeza de que essa primeira exploração irá contribuir para os estudos das pessoas
que abordam a questão do currículo, motivo pelo qual se preferiu deixá-los à disposição como
Anexo da dissertação.
24
I – O ENSINO DE GEOGRAFIA NOS LIVROS
1.1 Apresentação das obras de Delgado de Carvalho, Firmino Proença e João Toledo
Os livros aqui analisados foram escolhidos porque, após um levantamento
bibliográfico, constatou-se que eles eram os únicos escritos entre os anos 1920 e início dos
anos 30 que tratavam da metodologia do ensino de geografia para o nível primário.
Durante a cada de 20, dentro do debate geral sobre a educação e a inserção dos
ideários da Escola Nova, houve uma grande discussão sobre a metodologia de ensino, o
conteúdo e a finalidade da geografia nas escolas primária e secundária brasileiras. As posições
em torno do direcionamento desta disciplina do ensino primário podem ser visualizadas nos
livros de Carlos Miguel Delgado de Carvalho, Antonio Firmino de Proença, João Augusto de
Toledo e também de vários outros autores, em artigos publicados nas revistas Escolar,
Educação e Escola Nova, oriundas de São Paulo.
Qual o objetivo desses autores ao escrever tais obras e discutir o ensino de geografia?
A preocupação central de Delgado de Carvalho
3
relacionava-se ao destino da
disciplina no ensino secundário. Para que este tivesse o direcionamento que desejava,
3
Carlos Miguel Delgado de Carvalho era filho de diplomata brasileiro, por isso nasceu na França em 4 de
novembro de 1884. Sua família era descendente dos viscondes de Tourinho e de Itaboraí, o que levou seu pai a
ser secretário da Legação do Império. Iniciou seu estudo em Londres, retornou à França em 1901 e bacharelou-se
em letras em 1905 em Lion. Imediatamente ingressou na Universidade de Lausanne, no curso de direito. Ao
mesmo tempo, estudou história da civilização. Em 1907 entrou na Escola de Ciências Diplomáticas de Paris. A
seguir, cursou a Escola de Economia e Política de Londres. Aos 23 anos conheceu o Brasil, onde colaborou em
dois jornais cariocas e aprofundou seus conhecimentos de geografia, através do método de observação e análise.
Fez várias viagens entre Brasil e Europa. Em 1908 publicou seu primeiro livro de geografia sobre o Brasil, em
francês, em Paris. Em 1910 editou seu segundo livro, nas mesmas condições do primeiro. Em 1913 publicou o
livro que se tornaria o marco na história da geografia escolar brasileira: Geografia do Brasil. Em seguida, voltou
à Europa, permanecendo por seis anos. Na Inglaterra, fez parte do Serviço Meteorológico Britânico e da
Sociedade Real de Literatura. Também realizou séries de palestras e cursos sobre geografia do Brasil em várias
instituições do Reino Unido. Diferentemente de outros autores brasileiros, ele teve contato também com
estudiosos de geografia da Inglaterra e dos Estados Unidos, não se restringindo aos franceses e alemães. Em
1920 retornou ao Brasil, ocupando o cargo de professor de inglês do Colégio D. Pedro II, e posteriormente
também o de geografia e (em 1927) de sociologia. Em 1921 tornou-se chefe dos serviços de pluviometria da
Inspetoria de Obras contra as Secas. No mesmo ano inaugurou o curso de geografia econômica e de geografia do
Brasil nas Escolas de Intendência e do Estado-Maior do Exército. Também em 1921 o elegeram sócio do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em 1922, elaborou um trabalho de análise do ensino de geografia no
Brasil para a Liga Pedagógica do Ensino Secundário, o que se transformou, em 1925, no livro Metodologia do
ensino geográfico. No ano de 1924, participou da fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), sendo
um dos membros da primeira Presidência da Associação. Assumiu a direção do Externato Pedro II em 1930; no
ano seguinte, tornou-se membro do Conselho Nacional de Educação e passou a lecionar no Instituto de
Educação. A partir de 1932, foi diretor do Instituto de Pesquisas Educacionais e um dos signatários do Manifesto
dos pioneiros da Escola Nova. Em 1942 tornou-se catedrático na Faculdade Nacional de Filosofia. Faleceu em
1980 (Boletim geográfico, 1944, pp. 57-64; FERRAZ, 1994, pp. 65-72).
25
elaborou em seu livro Metodologia do ensino geográfico orientações metodológicas e
curriculares para o ensino primário e para a escola normal. A intenção do autor era contribuir
para a promoção de uma educação primária que tivesse, segundo seu padrão, qualidade
desejada, para que os alunos chegassem ao secundário com conhecimentos que pressupunha
necessários.
26
O livro Metodologia do ensino geográfico foi publicado em 1925, pela Vozes de
Petrópolis, localizada nesta cidade do Rio de Janeiro. Com 223 páginas, incluía propaganda
de futura publicação de um periódico intitulado Revista de Geografia Didática, dirigida por
Delgado de Carvalho e Raja Gabaglia. O texto do livro não possui notas de rodapé, está
dividido em três partes e estas subdivididas em capítulos. No início de cada um destes um
pequeno índice com os títulos das subdivisões intracapitulares e no último a apresentação
de vários exemplos de diferentes mapas, diagramas, cartogramas e estereogramas. Ao final do
livro, há a bibliografia usada pelo autor, sendo ela integralmente estrangeira.
Pelos dispositivos de leitura utilizados no livro, percebe-se que foi concebido para um
uso do tipo “manual”: a organização do texto em capítulos com temários ou índices em
separado permitiam ao leitor prescindir da totalidade da leitura, atentando diretamente para o
que lhe interessava; poderia se servir, ainda, dos exemplos alocados no final de cada capítulo
para organizar as aulas ou as práticas de sala de aula; e, por fim, tinha a possibilidade de fazer
a leitura de toda a obra. Esses dispositivos possibilitavam, portanto, que o livro fosse usado na
prática cotidiana do professor, auxiliando a organização das lições ou das aulas.
Delgado de Carvalho, como professor de geografia do secundário do Colégio Pedro II
do Rio de Janeiro, estava preocupado com os alunos que continuariam seus estudos no
secundário portanto, não concebia o final do ensino primário como o término dos estudos
para esses alunos
4
. Em outras palavras, para ele, o primário seria uma preparação para
alcançar o secundário. Por isso o seu livro tinha como destinatário o professor da escola
normal, pois apresentava conteúdo e metodologia para o ensino de geografia ao aluno da
escola normal, futuro professor que, segundo ele, deveria aprender conteúdos do secundário e
também do primário para ensinar na escola primária.
Dos 15 capítulos do livro, 13 referem-se ao secundário, um trata especificamente da
escola normal e outro do ensino primário. A primeira parte da obra, com seis capítulos, foi
dedicada aos programas de ensino. Os dois primeiros capítulos discutiam o então “atual”
ensino de geografia. Os dois próximos faziam a crítica ao antigo e traziam o novo programa
de geografia no Colégio Pedro II. Os demais eram: um sobre a elaboração que Delgado de
Carvalho fez acerca do programa novo para o curso normal do Distrito Federal; e o último,
uma interpretação do novo programa do primeiro ano do curso primário também do Distrito
Federal.
4
O Colégio Pedro II era uma escola de referência para o País. As provas oficiais de equiparação para obter o
certificado de estudos do secundário eram baseadas no programa deste Colégio.
27
A segunda parte da obra de Delgado de Carvalho abordava a nova orientação de
geografia, ou seja, a denominada orientação moderna para o ensino de geografia do
secundário. Esta se referia ao emprego da geografia regional e do fator humano no ensino de
disciplina.
A última parte do texto (que se estende por mais da metade do livro) trata dos
processos didáticos de ensino de geografia para o secundário. São explicações sobre formas e
instrumentos para o professor do ensino secundário e normal trabalhar a disciplina. Discutia-
se como deve ser um bom compêndio e de qual forma melhor empregá-lo e, em seguida,
tratava-se do uso da dissertação como meio de fazer o aluno pensar melhor no que estudava.
Os demais capítulos eram sobre: protótipos, documentação fotográfica, testes de geografia e
aplicação dos processos gráficos.
Perceba-se que, como um dos autores da proposta do novo programa, Delgado de
Carvalho trabalhava na defesa deste e, ao mesmo tempo, apresentava a efetividade do
programa nas páginas de seu livro. A possibilidade do uso do texto como manual reforça a
estratégia de oferecer ao professor os meios para que este pudesse pôr em prática o novo
programa proposto. Também neste sentido o livro era veículo de difusão e propaganda do
programa de formação em Geografia produzido pelo autor em análise.
Outra obra editada na época que trata do ensino de geografia na escola primária foi
Como se ensina geografia, de Firmino Proença
5
, volume VII da coleção Biblioteca de
Educação, organizada por Lourenço Filho, da Companhia Melhoramentos de São Paulo. Não
consta na obra a data de sua publicação; entretanto, pelas informações contidas em texto na
revista Educação, presume-se que seja de 1928 (MENNUCCI, 1928, pp. 58-61). O texto, de
107 páginas, foi dividido em nove capítulos e introduzido por um prefácio de duas páginas
escrito por Lourenço Filho. Na edição a que tive acesso não há notas de rodapé.
Segundo Carvalho e Toledo (2004),
a Biblioteca de Educação é dispositivo de promoção de um programa
de reforma da escola. O crivo que a conforma, conferindo-lhe o perfil
de estratégia que visa à transformação da mentalidade do
professorado, não é apenas constituído pelas concepções pedagógicas
de Lourenço Filho, mas também pela avaliação que, enquanto editor,
5
Antônio Firmino de Proença nasceu em 26 de junho de 1880, em Sorocaba. Diplomou-se pela Escola Normal
da Praça em 1904. Desde então, foi professor da Escola Normal de Piracicaba e, depois, da de São Carlos. Em
1928 transferiu-se para a Capital para exercer o cargo de inspetor-geral do ensino. Dirigiu o Instituto
Pedagógico, a escola secundária do Instituto de Educação e a Escola Normal Modelo, criada com a reforma de
1938. Fundou, dirigiu e foi professor do Ginásio Caetano de Campos. Além disso, foi diretor da Escola Normal
de Pirassununga e do Ginásio de Campinas. Foi colaborador das principais revistas pedagógicas brasileiras,
especialmente a Educação e a Revista do Professor. Era membro do Centro Sorocabano de Letras. Faleceu em 4
de abril de 1946 (MELO, 1954, p. 500).
28
ele faz das disposições, expectativas e competências do destinatário da
coleção. O que significa dizer que esse crivo foi também constituído
pela avaliação que o organizador da Coleção faz acerca da
aplicabilidade dos princípios e preceitos da nova pedagogia às escolas
brasileiras. Essa avaliação baliza as estratégias adotadas para
promover a pretendida mudança de mentalidade do professorado,
constituindo e organizando o campo dos saberes representados como
necessários ao exercício da docência segundo critérios de adequação a
um público leitor visado: os professores e professoras das escolas
brasileiras. É assim que, na Coleção, monta-se uma rede de impressos
como Biblioteca para Professores, no intuito de subsidiar a prática
docente com um repertório de saberes autorizados, propostos como os
seus fundamentos ou instrumentos. Saberes selecionados e
hierarquizados pela avaliação que Lourenço Filho faz das disposições,
expectativas e competências de seu público leitor e pelos requisitos
que identifica necessários à mudança de mentalidade que pretende
promover, peça central de um programa de reforma da sociedade pela
reforma da escola.
O livro de Proença deve ser entendido no conjunto da Biblioteca daí a importância
de destacar o modo como Lourenço Filho apresentava o autor e seu texto no prefácio
6
, além
das razões pelas quais este faria parte da coleção.
Em seu prefácio, Lourenço Filho afirma que a coleção se divide em dois grupos e que
o livro de Proença faz parte das obras que tratariam da aplicação prática da matéria, a
“metodologia didática”, e que teria um “valor prático imediato” para o professor, que o
outro grupo de livros daria “as bases científicas da educação”
7
. Segundo Lourenço Filho, o
livro não indicaria receitas de processos de ensino “com caráter de normas imperativas, tão ao
sabor das nossas preocupações mecanicistas”, mas procuraria “elevar o espírito do professor,
pela visão total da matéria a ensinar, de sua finalidade prática e formativa, da ação dos
exercícios que permite sobre a mentalidade em organização dos discípulos” (LOURENÇO
FILHO in PROENÇA, s/d, p. 5). Lourenço Filho afirmava, também, que o livro estava
inserido nas idéias de reforma do ensino de geografia “pregadas e realizadas no Brasil, no
curso secundário, por Delgado de Carvalho, e anunciadas para o curso primário em rios
trabalhos do professor Renato Jardim, na Sociedade de Educação, de São Paulo, e no I
Congresso Nacional de Educação” (LOURENÇO FILHO in PROENÇA, s/d, p. 6).
Segundo esclarecia o próprio Lourenço Filho, a opção de inserir a geografia na
coleção não era aleatória, que atribuía ao ensino da disciplina um papel fundamental no
processo de educação que, a partir de Proença, colocava-a sob a égide de um novo método em
6
Carvalho e Toledo destacam que os prefácios na Biblioteca de Educação eram utilizados como protocolos de
leitura “para organizar a compreensão do texto publicado no volume prefaciado, validando a autoridade da
autoria, e explicitando as razões pelas quais o livro entra na Coleção” (CARVALHO; TOLEDO, 2004).
7
Estes seriam os livros que tratariam dos fundamentos da educação, as denominadas “ciências pedagógicas”,
como a sociologia e a psicologia.
29
São Paulo. “Na tendência globalizadora do ensino, hoje vencedora no curso primário, pelos
seus fundamentos psicológicos, e de que o sistema Decroly nos tão feliz organização
prática, ocupa o ensino da geografia um papel de primeiro plano.” (LOURENÇO FILHO in
PROENÇA, s/d, p. 5) Criticava a antiga geografia ensinada nas escolas, por tratar somente de
nomenclaturas “ou da reprodução cartográfica mecânica”, enquanto que, em contraposição, na
obra de Proença haveria “conhecimentos geográficos, estudos de fatos geográficos”
(LOURENÇO FILHO in PROENÇA, s/d, p. 5). Argumentava que o ensino da geografia,
como Decroly expôs, deveria partir da localidade da criança, do lugar que ela conhecia, para
depois atingir os aspectos abstratos da geografia. Proença, segundo Lourenço Filho, não
limitava o ensino geográfico somente ao espaço da localidade do aluno: para o autor, o ensino
geográfico deveria ir além, expandir tal fronteira na medida em que fosse necessária.
Afirmava o prefaciador que Proença não buscava inspiração somente nas idéias de Decroly e
nem tratava unicamente do ensino primário: o livro seria de grande valor também para o
secundário, porque unia a experiência prática de Proença como professor ao aporte teórico de
autores europeus e americanos em que procurou referências.
O livro de Proença foi muito comentado em sua época pelos professores e
especialistas em revistas e outros estudos que tratassem do ensino de geografia. Muitos
elogios à sua obra, Como se ensina geografia, podem ser constatados em revistas como
Educação, Escola Nova e Revista de Educação. Podem-se encontrar também reiterados
elogios nas obras de João Toledo, que discutiu o ensino das disciplinas do curso primário e
que, ao analisar o ensino de geografia, recorreu à obra de Proença.
Devido à grande circulação que o texto de Proença teve na época, sua análise é
indispensável. Nota-se que, após sua publicação, recorrer a Como se ensina geografia se
tornou obrigatório ao abordar o assunto no meio educacional.
Proença, diferentemente de Delgado de Carvalho, via a escola primária como terminal,
ou seja, no seu entender, o final do ensino primário seria o fim da escolarização da maioria da
população. Por isso sua obra tinha como destinatário o professor primário e as teorias, os
planos de lições e os exemplos eram destinados diretamente àqueles que os aplicariam no
ensino na escola primária.
30
Mais um autor que muito se preocupou com o ensino geográfico primário foi João
Toledo
8
. Embora não tenha escrito nenhum livro dedicado exclusivamente ao ensino de
8
João Augusto de Toledo nasceu em Tietê, em 12 de março de 1879. Formou-se professor na Escola
Complementar de Itapetininga em 1900. Em 1901 foi nomeado adjunto do grupo escolar de Serra Negra, e
alguns meses depois elevado ao cargo de diretor. De 1908 a 1913 pertenceu à Diretoria do grupo de Rio Claro,
vindo a ocupar depois o cargo de lente de psicologia experimental, pedagogia e educação cívica da escola
normal de São Carlos. Removeu-se para Campinas em 1921 para reger a cadeira de prática pedagógica da escola
normal. Foi nomeado inspetor-geral de ensino em 1925. Cinco anos depois, tornou-se assistente técnico do
ensino normal em São Paulo. O governo confiou-lhe em 1932 a Direção-Geral do Ensino no Estado. Depois
exerceu a função de assistente da nona cadeira da Escola Normal da Praça e representou São Paulo em vários
31
geografia, como fizeram Delgado de Carvalho e Antonio Firmino Proença, em suas obras
patenteia-se uma atenção muito especial a esta matéria, claramente perceptível não somente
no grande espaço que ocupa no livro, mas também no fato de que, quando discutia o ensino de
outras matérias, as lições de coisas ou o ensino de forma geral, sempre inseria um exemplo
sobre o ensino de geografia.
O primeiro texto do autor de que aqui se trata, o livro Didática (nas escolas primárias)
foi publicado em 1930 pela Livraria Liberdade, São Paulo. A obra, de 323 páginas, é dividida
em 13 capítulos, cada um dos quais subdividido em vários tópicos. Não nota de rodapé e
nem bibliografia. Por outro lado, sobejam planos de lição ao longo do texto e ao final consta
uma nota em que os nomes dos planos de lição presentes no livro e sua respectiva página.
Finalizando, afirma-se que a conclusão da obra se deu em 10 de janeiro de 1930 e que dele
foram tirados 50 exemplares em papel chinês.
O livro Escola Brasileira (desenvolvimento do programa de pedagogia em vigor nas
escolas normais), também de João Toledo, foi publicado em 1932, também pela Livraria
Liberdade, de São Paulo
9
. São 21 capítulos dispostos em 338 páginas, fechados com um
índice alfabético que funciona como um índice remissivo. Não há nota de rodapé.
Os dispositivos de auxílio à leitura presentes nos textos são estratégias usadas pelo
editor para fazer que o leitor tome determinados caminhos na leitura. A nota no final do
primeiro livro de Toledo, com o índice dos planos de lições, possibilitava ao leitor fazer deste
impresso um livro de consulta. Pode-se afirmar que “o editor constrói dispositivos de auxílio à
leitura, para que o leitor possa se identificar com o leque de escolhas contidas na coleção”
(TOLEDO, 2001, p. 150). Tais dispositivos ajudam o professor a manusear o livro como um
catálogo das lições ou como um manual; desta forma, são postos para convencer o leitor e
preparar a leitura do texto.
congressos pedagógicos. Depois de aposentado dirigiu o Instituto Ana Rosa. Foi membro do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, historiador, ensaísta, pedagogo, sociólogo, psicólogo. Faleceu em 21 de dezembro de
1941, na Capital paulista (MELO, 1954, p. 637).
9
Esta é a terceira edição revista e ampliada pelo autor; consta no livro a informação de que a primeira edição foi
de 1925, e a segunda, de 1929.
32
Maria Rita Toledo acrescenta que os índices contidos nos livros possibilitam ao leitor
retornar facilmente à leitura e consultar rapidamente a matéria desejada, de maneira que lhe
seja facultado “retomar a leitura do texto, possa rapidamente localizar os assuntos, conceitos
ou problemáticas de seu interesse, utilizando-se dos livros como manuais de consulta”
(TOLEDO, 2001, p. 161). Além de oferecer oportunidade ao leitor de traçar seu próprio
itinerário de leitura, os índices também “se organizam como verdadeiros roteiros de leitura, à
medida que estabelecem de antemão aquilo que deve ser lido e reconhecido no texto”
(TOLEDO, 2001, p. 161).
33
A autora esclarece que analisar os elementos do aparelho crítico do impresso e a sua
materialidade é conhecer as escolhas que os editores fizeram ao transformar os textos dos
autores em impresso. Como auxílio a estes esclarecimentos ela cita Olivero:
Depois do dispositivo material formato, título, frontispício,
diagramação –, as intervenções editoriais diversas que acompanham
um certo número de textos desenham o ar social de uma coleção.
Essas intervenções de formas múltiplas prefácio do tradutor, notas,
advertências, notícias,
introdução
e estudos têm cada um sua
função própria. Fazer corresponder a escolha de textos a um público
específico necessita, com efeito, de estratégias próprias a cada coleção
ou série (OLIVERO apud TOLEDO, 2001, p. 149).
A autora ainda chama a atenção para o fato de que o leitor, ao possuir o impresso,
além de ter nas mãos o conteúdo (a informação), também participa da renovação cultural, pois
leitor e editor constituem os agentes ativos de modernização da cultura
brasileira: editor é ator porque publica e faz circular as atualidades, a
modernidade e exclui do programa editorial tudo o que pode significar
um retrocesso; o leitor, porque escolhe e compra, e passa a dispor
das bases desta renovação cultural (TOLEDO, 2001, p. 151).
Voltando à análise das obras mencionadas,
João Toledo, como Proença, também via na
escola primária a etapa final da escolarização para a maioria da população. Suas obras,
Didática e Escola brasileira, eram dedicadas ao professor da escola primária e para uso na
escola normal. Sempre era o ensino primário e o seu professor o seu alvo de preocupação.
Esses autores tinham preocupações diferentes quanto ao ensino e atribuíam papéis
diversos ao leitor. A obra de Delgado de Carvalho era destinada ao professor da escola
normal, mas sua preocupação era com a “boa” formação do aluno primário, para que esse
chegasse ao secundário nutrido de conteúdos suficientes para acompanhar bem este nível.
Desta forma, era a garantia de um ensino “de qualidade” no secundário que o autor almejava.
os olhares de Proença e da Didática de Toledo voltavam-se ao professor primário, falando-
lhe diretamente, fosse ele aluno da escola normal, professor formado ou, ainda, o professor
leigo em exercício no primário. O livro Escola brasileira, apesar de visar ao curso normal,
apresentava preocupações diferentes das de Delgado de Carvalho: enquanto Toledo pensava
na formação da maioria da população brasileira, restrita ao ensino primário, o primeiro se
preocupava com a parcela que ingressaria no secundário. Para Toledo, a formação dada na
escola normal deveria fornecer ao aluno-mestre ferramentas que lhe assegurassem ministrar
34
um ensino primário que desenvolvesse o sentimento de patriotismo, nacionalismo e moral
necessários para amparar a única formação escolar do cidadão. Assim, o papel atribuído ao
destinatário era diverso.
Diante destas percepções, qual seria a finalidade do ensino primário? Como se
posicionavam os autores estudados diante dos diferentes papéis da escola primária? Como
pensavam a denominada escola tradicional e os princípios da Escola Nova? Como seria, no
seu entender, a representação de aluno-cidadão e de escola primária? Com visões diferentes
quanto à finalidade do ensino primário, que escopo esses autores veriam no ensino de
geografia?
1.2 Finalidade
1.2.1 Finalidade do ensino primário e da geografia para o primário
Delgado de Carvalho, como foi dito, via no curso primário o momento de
preparação do aluno para ingressar no nível seguinte, alvo de sua maior preocupação. Daí que
sua inquietação com o primário estivesse relacionada à melhor forma de ensinar ao aluno para
que este chegasse ao secundário com todos os conhecimentos que julgava essenciais. Tanto é
assim que, dos 15 capítulos do livro, somente um discute o ensino de geografia no primário e
outro na escola normal: os demais ventilavam o ensino de geografia no secundário e a ciência
geográfica ou relacionam-se aos próprios conteúdos do secundário. Em síntese, sua intenção
não era discutir diretamente o ensino primário, de forma que ele tratava deste nível apenas
para melhorar o secundário.
Apesar de tanto se preocupar com a geografia enquanto ciência; de seus livros, em sua
maioria, tratarem dos conteúdos geográficos; de sempre estar envolvido em instituições
relativas à geografia, Delgado de Carvalho não deixou de debater a educação como um todo.
Assim, em 1924 ajudou Carneiro Leão a reestruturar o programa de geografia do Brasil para a
escola normal do Distrito Federal e foi membro fundador da Associação Brasileira de
Educação (ABE), participando da primeira Presidência da Associação
11
, e em 1932 foi um
dos signatários do Manifesto dos pioneiros da escola nova.
11
Sobre a participação de Delgado de Carvalho na ABE, ver CARVALHO (1998, Anexo 2). Quando da
fundação da Associação (1924), ele esteve na Presidência e de 1925 até 1932, participou do Conselho Diretor . A
partir do ano seguinte seu nome deixaria de constar da lista dos membros do Conselho Diretor. Talvez porque à
época a ABE passou a ser uma associação de amplitude nacional, deixando de se circunscrever apenas no Rio de
Janeiro.
35
O autor em relevo acreditava que no primário também estaria a formação do
pensamento e da inteligência do maior patrimônio da nação: o futuro cidadão, munido de um
patriotismo esclarecido e forte. Sendo a geografia uma das disciplinas que desenvolveriam
melhor o nacionalismo, o autor se preocupava, em seu livro, em dar amplo suporte à formação
do maior responsável pelo ensino primário, o professor. Assim, poderia executar o que seria,
para ele, uma das finalidades do ensino primário: “amoldar uma geração”, nacionalizando-a e
unificando-a e, dessa forma, atender aos interesses do país. Tratava-se de nacionalizar o filho
do imigrante e tornar todos os habitantes do Brasil em verdadeiros patriotas, em pessoas
possuidoras do maior sentimento pela pátria brasileira, fossem moradores do sertão, do litoral
ou da cidade.
Para Delgado de Carvalho os professores primários teriam a grande missão de ensinar,
principalmente através da geografia e da história, os valores da nação brasileira, fazendo que
as crianças se tornassem verdadeiros nacionalistas e patriotas, valores que a escola normal
deveria transmitir ao futuro professor. Em sua concepção, a escola primária daria o alicerce
dos valores morais, patrióticos e nacionalistas ao futuro ingressante da escola secundária.
Por outro lado, continua o autor, o ensino de geografia deveria ser útil ao aluno e este
deveria ser capaz de perceber tal utilidade na vida prática imediata. Para isso, o ensino na
escola primária partiria de situações reais a fim de estabelecer conceitualmente o estudo
geográfico. A criança, assim, teria a capacidade de “explicar verbalmente ao amigo onde se
acha esta casa. Esboçaram-se gestos indicadores, convém levá-lo a explicar estes gestos,
graficamente se for preciso. Talvez resulte disto a criação espontânea, na invenção de um
esboço gráfico, de um primeiro mapa” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 52). Por vê-lo
como o formador do futuro aluno do secundário, Delgado de Carvalho se preocupava
demasiadamente com o conteúdo do nível primário e especialmente com o da escola normal,
que formava o futuro mestre.
A interferência do meio na vida do ser humano deveria ser mostrada ao aluno,
segundo o estudioso em relevo. Da mesma forma, o modo como o homem reage ao meio e se
adapta a ele segundo suas necessidades e o que as condições locais oferecem, sempre tendo
como parâmetro o ser humano:
o mestre deve procurar demonstrar ao aluno, no ensino de geografia,
de que modo o meio age sobre o homem e de que modo o homem
reage ou se adapta. Os fatos devem ser invocados em si, primeiro,
sistematizados para a compreensão e generalização do fenômeno que
representam e, em seguida, em relação ao mundo orgânico, ao homem
que é a medida de tudo, como diziam os gregos (DELGADO DE
CARVALHO, 1925, p. 69).
36
Era como o estudo da terra, como hábitat do homem, que a geografia deveria ser
concebida, e não como algo que demandava apenas a pura imaginação, segundo o educador.
O autor criticava a forma como se estudava geografia no Brasil e nos países vizinhos, por ser
considerada nesses lugares uma disciplina cujo fundamento era o recurso à memória.
Aprender geografia seria o mesmo que decorar listas de nomes, sem jamais associá-las a uma
explicação da realidade, tornando-o um estudo de fantasia, não conexo com o real. “Aqui,
quem não sabe nomenclatura não sabe geografia, e deste modo a poesia e a geografia são
produtos diretos da imaginação” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 4).
Delgado de Carvalho, muito conhecedor das propostas de ensino de geografia de
diversos países, afirmava que, em manuais britânicos e americanos, a geografia pátria era
aplicada juntamente com a geografia geral. Ele também acreditava que a disciplina tenderia
gradualmente para os aspectos humanos. “O humanismo, no sentido de estudos clássicos e
modernos de tudo quanto pode interessar o homem como intelectual e pensador, não deve
excluir o conhecimento científico de seu ‘habitat’, das ações e reações deste ‘habitat’ sobre as
condições de vida” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 4). A geografia, que envolve a
geologia e a fisiografia, estaria cada vez mais inserindo o ser humano nos assuntos e
mostrando as intervenções que a natureza faz na vida do homem. Os estudos de Ratzel
12
e
Vidal de la Blache
13
indicavam que a geografia deveria estudar não somente a paisagem da
Terra, mas sim esta em relação às interferências do ser humano e as condições de vida do
homem em relação às condições da localidade
14
. As correlações e explicações atinentes à
atividade humana fariam da geografia uma ciência que, ao ser estudada na escola, seria muito
diferente da velha forma de ensinar através das intermináveis listas de nomes de acidentes
geográficos e localidades sem a mínima conexão com a realidade.
12
Friedrich Ratzel, prussiano, nasceu em 1844. Era etnólogo e geógrafo, tendo se dedicado às ciências naturais
doutorou-se em zoologia e elaborou sua teoria no final do século XIX. Foi o criador da antropogeografia.
Faleceu em 1904.
13
Paul Vidal de La Blache era francês. Nascido em 1845, estudou história e geografia, tendo realizado inúmeras
viagens de estudos. Faleceu em 1918.
14
Moraes explica que, para Ratzel, a geografia deveria estudar a influência das condições naturais sobre a
humanidade. Segundo o prussiano, o meio natural moldaria os homens através de duas maneiras: “primeiro na
fisiologia (somatismo) e na psicologia (caráter) dos indivíduos e, através destes, na sociedade. Em segundo
lugar, a natureza influenciaria a própria constituição social, pela riqueza que propicia, através dos recursos do
meio em que está localizada a sociedade” (MORAES, 1997, p. 55). Vidal de la Blache fez uma revisão da obra
de Ratzel, o qual criticava por considerá-lo determinista. Para o autor francês, o ser humano efetivamente
sofreria influência do meio em que vive, mas também teria a capacidade e a possibilidade de transformá-lo. La
Blache acreditava que “as necessidades humanas são condicionadas pela natureza, e que o homem busca as
soluções para satisfazê-las nos materiais e nas condições oferecidos pelo meio. Nesse processo, de trocas mútuas
com a natureza, o homem transforma a matéria natural, cria formas sobre a superfície terrestre” (MORAES,
1997, p. 68).
37
Para Delgado de Carvalho o estudo da geografia teria a finalidade de fazer a criança
compreender a forma de vida dos diferentes povos dos diversos locais da Terra. Isto não
através de listas, mas do entendimento da relação de causalidade e finalidade entre as obras
naturais e a ação do ser humano, um interferindo no desenvolvimento do outro:
Cada meio social, as terras polares, os estepes, as savanas, os desertos,
a montanha, a selva, as campinas, passarão a constituir quadros
vibrantes na imaginação dos alunos, porque preparados pela geografia
sistemática a conhecer as diferenciações causadas pela desigual
distribuição dos climas, do relevo, da hidrografia, dos mares; ele
poderá reconstituir a causalidade e a finalidade desses elementos nos
quadros diversos que descreve a geografia regional. Fazendo assim
girar em torno do homem o eixo de todo interesse geográfico, teremos
facilitado o trabalho mental do menino, teremos criado associações
que nunca mais se apagarão (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p.
71).
15
Proença via a necessidade de distinguir os fins últimos do conhecimento geográfico
da intencionalidade do ensino da disciplina. Esta última teria uma importância maior, e
interessaria mais ao professor, pois dela dependeria o método de ensino, enquanto a ciência
diria mais propriamente sobre a seleção dos assuntos ou organização de programas, o que não
seria incumbência dos professores. Mesmo assim, Proença tratava do assunto devido ao fato
de vários programas se apresentarem de forma muito geral e sintética, deixando o professor
desorientado e necessitado de recorrer ao primeiro texto que lhe aparecesse ou ensinar o que
achava que devia. Alertava para o desconhecimento da finalidade do ensino de geografia por
parte da maioria dos professores, que o transformava em puro verbalismo. Para ele, o saber
deveria ter uma finalidade imediata: necessidade de saber para poder fazer exame, para ter
conhecimento da cultura, enfim, para alguma utilidade prática. Entretanto, nos programas não
haveria demonstração de preocupação com relação ao atendimento destes objetivos. Em
conseqüência, o processo de ensino também estaria indefinido e, assim, conduzir-se-ia à
verborragia. “E como vulgarmente o saber se resume em palavras, o processo se reduz ao
verbalismo. O ensino da geografia, apesar de todos os protestos dos pedagogistas, continua a
ser de palavras.” (PROENÇA, s/d, p. 17)
15
Para La Blache, o objeto de estudo da geografia seria a relação homem-natureza, ressaltando-se, dessa forma,
a possibilidade de o ser humano agir sobre a natureza. Por isso, Lucien Febvre denominou a teoria vidalina de
possibilismo. La Blache entendia a relação entre o ser humano e a natureza como: “o homem como hóspede
antigo de vários pontos da superfície terrestre, que em cada lugar se adaptou ao meio que o envolvia, criando, no
relacionamento constante e cumulativo com a natureza, um acervo decnicas, hábitos, usos e costumes, que lhe
permitiram utilizar os recursos naturais disponíveis. A este conjunto de técnicas e costumes, construído e
passado socialmente, Vidal denominou gênero de vida’, o qual exprimiria uma relação entre a população e os
recursos, uma situação de equilíbrio, construída historicamente pelas sociedades. A diversidade dos meios
explicaria a diversidade dos gêneros de vida” (MORAES, 1997, p. 69).
38
Após discutir a importância do conhecimento geográfico como cultura geral, Proença
lançava seu esforço à análise do valor do ensino da disciplina. Iniciava afirmando que toda
matéria tinha o dever de enriquecer a linguagem do aluno, todas tinham um vocabulário
próprio, e que nisso a geografia não se diferenciava. Seu ensino teria, então, três finalidades: o
enriquecimento do vocabulário, o cultivo do sentimento do patriotismo e o desenvolvimento
intelectual da criança. Por considerá-la uma ciência, o estudo geográfico seria de suma
importância por ter ele cunho de verdade científica desde o ensino primário até o superior:
Temos dito que a geografia é uma ciência, e é como ciência que ela
deve ser ensinada nas escolas, desde o curso primário até o curso
superior. Com isto queremos apenas dizer que os conhecimentos
fornecidos às crianças devem ter desde cedo o cunho de verdades
científicas. O ensino inteiro deve ser um constante apelo ao juízo e à
razão, em vez de um mero exercício da memória e da imaginação,
como é mais próprio das artes. (PROENÇA, s/d, pp. 20-1)
Proença afirmava que o ser humano, devido à sua superioridade, pôde superar a
dependência ao solo e se adaptar a qualquer localidade. “Com a sua inteligência pode adaptar-
se a todos os meios, vencer todos os obstáculos e criar para si todas as facilidades,
aproveitando-se dos elementos naturais. É o que se deve procurar mostrar no ensino da
geografia humana.” (PROENÇA, s/d, p. 75)
O desenvolvimento do sentimento patriótico, segundo o estudioso, teria no curso
primário de geografia o seu local de maior fertilidade. Os ensinamentos geográficos, quando
bem trabalhados pelo mestre, dariam aos alunos uma visão clara do que seriam as riquezas
naturais, sociais e econômicas da localidade, do Estado, do País e, também, do mundo. Assim,
daria à criança condições de cultivar melhor o amor ao Brasil, mesmo vivendo em meio a uma
comunidade formada por imigrantes, portanto, recebendo a influência e aprendendo, através
dos pais, a amar outra pátria, a de origem deles. Mas o autor alertava para o fato de que o
desenvolvimento do sentimento de patriotismo não era incutido pelos conhecimentos
geográficos, simplesmente, mas a forma de ensiná-los daria o tom. Por isso, o professor,
através do ensino de geografia, teria a grande responsabilidade de fazer que as crianças
adquirissem sentimento favorável ou não à pátria em que viviam.
A geografia, na sua fase elementar, bem entendido, é um dos meios de
que a escola dispõe para a cultura do sentimento de patriotismo. A
virtude, porém, não é da geografia – é do ensino da geografia. E tanto
é isto verdade que os mesmos assuntos se prestam indiferentemente
para a cultura do patriotismo e do impatriotismo. Tudo depende do
professor e do livro. (PROENÇA, s/d, pp. 21-2)
Por isso, para o autor em análise, somente quem pertencesse à nação teria carinho
suficiente para transmitir tal sentimento pela terra: “Só o brasileiro, portanto, é capaz de
39
ensinar a geografia do Brasil aos brasileiros, assim como só o estrangeiro é capaz de ensinar a
geografia de sua pátria, na sua pátria, aos seus compatriotas” (PROENÇA, s/d, p. 22). O
ensino de geografia teria a finalidade de desenvolver o sentimento patriótico e nacionalista;
por isso, deveria ser levado a sério e ser bem executado, visando à formação de pessoas com
amor à pátria. Enfatizava:
A geografia da pátria cada um estuda mais com o coração do que com
o espírito. E é assim que ela deve ser ensinada às crianças. Não
comentemos fatos, não façamos comparações. Limitemo-nos a
mostrar o que a nossa pátria é. Se fizermos ensino inspirado por um
patriotismo são, a inflexão da nossa voz bastará para despertar o bom
sentimento em nossos alunos.
Todas as nações cuidam seriamente do ensino da geografia nacional.
O fim imediato é sempre o mesmo – a cultura do sentimento de
patriotismo. Cada uma, porém, visa um objetivo remoto, segundo o
qual se faz a orientação do ensino. Esta é porque tem as suas fronteiras
ameaçadas, aquela é porque pensa numa reivindicação, aquela outra é
porque sente necessidade de extensão do seu território. (PROENÇA,
s/d, p. 22)
Proença ressalvava que a existência abundante de material pedagógico seria
importante, mas o preparo e, fundamentalmente, o empenho do professor em fazer
transparecer seu amor ao país seriam vitais para o ensino geográfico no curso primário:
quaisquer que sejam os meios materiais de que dispuser a escola, o
ensino falhará se o professor não o fizer com alma. Na mais humilde
escola do sertão poderá o professor fazer a imagem do Brasil nascer e
viver no espírito dos seus alunos, porque ele dispõe do instrumento
mais adequado a esse fim, que é a palavra servida pelo sentimento de
amor à Pátria. (PROENÇA, s/d, p. 100)
O Brasil, como outras nações, também teria a necessidade de zelar pelo bom ensino da
geografia que tratava de si. A vasta extensão territorial, a diversidade de povos, a grande
quantidade de comunidades com populações imigrantes e a falta de comunicação entre as
populações das várias partes do Brasil dificultavam a existência de um pensamento coeso, um
único sentimento nacional, o desenvolvimento de um sentimento nacionalista que objetivasse
o mesmo rumo.
Nós também temos o nosso ponto de vista. País enorme como é o
Brasil e sem facilidade de comunicações, as suas populações se
desconhecem. O Norte não sabe o que é o Sul e o Sul ignora o que é o
centro. Além disso é grande, e por toda parte, o número de brasileiros
novos, que não podem deixar de sofrer a influência dos pais para a
continuação da própria nacionalidade. A nossa obra, portanto, é de
unificação do sentimento nacional pelo conhecimento de todo o
território e de todo o povo brasileiro pelos brasileiros. (PROENÇA,
s/d, p. 22)
40
O autor sublinhava que, enquanto as demais ciências se preocupariam com fatos
universais, gerais, a geografia seria a ciência que mais possuiria caráter uno seria, portanto,
a que mais se identificaria com o nacionalismo. Dessa forma, “a geografia, pelo menos em
sua fase elementar estudo de coisas e fatos –, toca nos domínios do sentimento humano,
assumindo, por isso mesmo, feição nacionalista. Aliás, este caráter não é privilégio exclusivo
da geografia. A história e as ciências naturais estão no mesmo caso, porém o caráter é mais
acentuado na geografia” (PROENÇA, s/d, p. 21).
O conhecimento do mundo, para Proença, seria movido pela curiosidade e pela sede
do saber. Somente conhecendo o mundo e a terra que lhe pertence o homem pode transformar
a curiosidade em sentimento de patriotismo, ganhando recursos para distinguir os valores da
sua nação daqueles dos demais países.
É simplesmente o desejo de especular e de saber que leva o homem a
percorrer mentalmente o mundo. Quando, porém, as suas vistas se
voltam para o cantinho que tem um nome que é seu e onde tudo lhe
pertence, o interesse especulativo cede lugar ao sentimento de
patriotismo. Então a terra não é mais igual às outras terras e os
homens não se confundem com os seus semelhantes das outras terras.
Ninguém dirá que a sua pátria seja melhor ou pior do que as outras
pátrias, porém todo o mundo diz que a sua pátria é diferente das outras
pátrias. (PROENÇA, s/d, p. 21)
No entender do educador, a terceira finalidade do ensino de geografia, o
desenvolvimento mental do aluno, seria privilegiada com vistas a exercitar poderes mentais
como percepção, intuição, memória, imaginação, juízo e raciocínio no espírito infantil.
Proença criticava a maneira como se ensinava geografia em sua época, dizendo que recorria
somente à memória, mas que o exercício geográfico deveria ser mais completo que decorar
palavras e símbolos.
Para o autor, os conhecimentos geográficos eram indispensáveis para quaisquer
profissões, especialmente as liberais (médico, engenheiro, advogado), mas também de
banqueiros, industriais, comerciantes e agricultores exigia-se o conhecimento da geografia,
dado que “em todas essas profissões está hoje o indivíduo em contato constante com o resto
do país e com o estrangeiro, de cujo movimento precisa estar sempre a par, pela necessidade
do intercâmbio” (PROENÇA, s/d, p. 19).
Quanto a esta última questão, é necessário lembrar que, àquela época, a urbanização e a
industrialização (especialmente de São Paulo) estavam se desenvolvendo cada vez mais, com
a conseqüente necessidade de escoamento da produção agrícola e da circulação de pessoas
para os centros urbanos. Havia grande desenvolvimento da infra-estrutura ligada ao comércio,
banco, meios de transportes (ferrovia) e de comunicações (telégrafo, jornal e rádio).
41
Abreviavam-se, assim, as distâncias e as notícias, fazendo que as pessoas conhecessem novos
mundos, novas culturas e tivessem necessidade de fazer isso cada vez mais
16
.
Proença também escreveu sobre as inovações nas comunicações depois do advento do
telégrafo, através do qual notícias de todas as partes do mundo seriam transmitidas com
grande velocidade. Por este motivo, acontecimentos de lugares longínquos passaram a ser do
interesse de todos e as pessoas passaram a necessitar cada vez mais de conhecimentos sobre
terras distantes. Assim, “como é hoje próprio das pessoas educadas, é necessário que tenha
conhecimentos suficientes relativamente ao aspecto físico dos vários países e ao processo dos
povos que os habitam” (PROENÇA, s/d, pp. 17-18).
Além desse fator, para o autor, haveria outro, especial, que fazia que os brasileiros
necessitassem conhecer mais sobre o restante do mundo. “País de imigração, o Brasil recebe
gente de todas as raças e de todas as nacionalidades, e com essa gente m para costumes,
cultos, línguas e formas políticas diferentes, opondo-se umas às outras e todas com vontade de
sobrepor-se ao que é nosso” (PROENÇA, s/d, p. 18). Para ele, seria vital para a nacionalidade
o conhecimento da cultura estrangeira, pois cada cultura sempre buscaria atender às
necessidades da sua própria nação de origem, ou seja, em nações que não as de sua origem
estas culturas podem não atender às necessidades do povo, causando conflitos entre os
nacionais e os estrangeiros. A falta de conhecimento sobre os costumes estrangeiros “faz que
estabeleçamos confrontos prejudiciais à nossa nacionalidade e até adotemos formas de
civilização contrárias aos nossos interesses e à nossa índole. Em vez de assimilarmos o
estrangeiro, corremos o risco de ser por ele assimilados” (PROENÇA, s/d, p. 18).
Que a população tivesse mínimos conhecimentos cartográficos era uma preocupação de
Proença, que chamava a atenção para a necessidade de as pessoas saberem ler e entender
mapas. Advertia: o conhecimento cartográfico a que se referia não seria o saber construir as
cartas geográficas, mas saber utilizar, entender as informações apresentadas através da
cartografia. “Toda gente deveria estar em condições de ler e interpretar essas pequenas cartas,
que se fazem para uso do povo” (PROENÇA, s/d, p. 19).
Proença afirmava que todo conhecimento geográfico se classificaria em noções
individuais e noções gerais. As noções individuais seriam as que se refeririam às coisas
únicas, normalmente caracterizadas por substantivo próprio. A principal característica desta
16
O historiador Eric Hobsbawm, no início do primeiro capítulo do seu A era das revoluções, faz uma grande
análise a respeito das grandes transformações causadas pelo desenvolvimento dos meios de transporte e de
comunicação. Para o autor, tais desenvolvimentos fizeram que o mundo aparecesse para as pessoas como
aparentemente maior e, ao mesmo tempo, menor: maior pelo conhecimento que se tem, a partir do século XX, de
todos os lugares da Terra; menor pelo encurtamento das distâncias, tanto para locomoção quanto para
comunicação (HOBSBAWM, 2001).
42
noção seria o fato de ela ser concreta. “As coisas, os fatos ou relações existem ou existiram
em algum lugar no espaço” (PROENÇA, s/d, p. 24). Segundo o autor, o ensino primário se
ocuparia quase exclusivamente das noções individuais. Por isso, chegava à assertiva: “como
para adquiri-las dois processos – observar e imaginar, conclui-se que o ensino bem feito
há de exercitar por força a percepção, a intuição, a memória, o juízo e a imaginação”
(PROENÇA, s/d, p. 24).
Quanto às noções gerais, o educador afirmava que eram mais conceituais e “se
exprimem por definições, e as leis e princípios gerais da ciência” (PROENÇA, s/d, p. 24), não
devendo, dada esta característica, ser estudadas no início da escolarização. Com isso, criticava
muitos professores e compêndios que colocavam no início do estudo as noções gerais de
geografia e que estariam deixando de aproveitar a “melhor oportunidade de que o professor
pode dispor para exercitar o raciocínio dos seus alunos” (PROENÇA, s/d, pp. 24-5).
Sobre essa mesma questão da finalidade da geografia (ciência e disciplina), também se
encontra suporte em João Toledo. Ele afirmava que a escola deveria preparar o aluno para a
vida real, e “nunca para uma existência problemática, em um mundo imaginário” (TOLEDO,
1930, p. 20). Como cada região do País tem profissões ou ocupações diferentes, o conteúdo
do ensino primário deveria ser elaborado de acordo com a localidade em que a escola
estivesse situada. Assim, a criança aprenderia com o “contato com as coisas materiais de
interesse vital, sobe ele, pouco a pouco, até as conseqüências do trabalho, de onde provém o
conforto do indivíduo e da família e o progresso do agrupamento e da coletividade”
(TOLEDO, 1930, p. 21). Isso daria ao aluno subsídio para a vida adulta.
Para Toledo, a transformação da criança seria o objetivo da atividade educativa. “Não
um padrão de cultura a ser atingido, há uma alma e um corpo que, no curso de seu
desenvolvimento e de treino físico, modificações que os façam mais resistentes, mais belos,
mais úteis, mais felizes do que o seriam se abandonados a si próprios” (TOLEDO, 1930, pp.
11-2). Desta forma, afirmava, a transição da escola tradicional para a educativa estaria
sendo realizada desde 1891, com a Reforma Caetano de Campos, em São Paulo, que definia
da seguinte forma
17
:
17
Escola tradicional é a denominação cunhada pelos auto-intitulados renovadores da educação a toda forma de
ensino a que uma nova reforma se contrapunha. No caso, para João Toledo, Sud Mennucci, João Rodrigues,
Teodoro de Morais e outros, a escola que se originou no final do século XIX, em São Paulo, com a Reforma
Caetano de Campos, seria uma escola renovada que acabou com a escola tradicional, a escola das primeiras
letras do Império. Para os defensores da escola paulista, esta, ao longo das primeiras décadas do século XX,
conhecera progressos, estaria se aperfeiçoando cada vez mais. para os auto-intitulados escolanovistas, tudo o
que não estivesse sob os princípios da Escola Nova, tudo que vinha antes dela era considerado produto da escola
tradicional, inclusive, e principalmente, a escola paulista republicana. João Toledo estaria em meio a essa
disputa, ora comungando da posição de um lado, ora do outro. Toledo defendia a Escola Nova, porém sem
43
Em S. Paulo, desde 1891, com a Reforma Caetano de Campos,
iniciou-se a transição, que é forçosamente lenta, sentindo, desde então,
o mestre que seu problema é como educar e não como ensinar; que é a
criança, e não o conteúdo do currículo, que centraliza as preocupações
da escola; que o conteúdo do currículo escolar é instrumento para
promover a formação física, intelectual e moral do educando; que a
atividade do próprio aluno, e não a do mestre, é que faz eficiente o
treino educativo. Os conceitos reformadores revolucionaram a
didática, que esboçou as novas diretrizes. Mas, como todas as
transformações sociais, nossa passagem do que fazíamos para o que
devemos fazer reclama tempo, e, além de tempo, reclama preparação
do professorado e da mentalidade dos pais, adaptação de nossas
instalações escolares e remodelação do material de ensino (TOLEDO,
1930, p. 13).
Mais uma vez, reafirmava o objetivo da didática que propunha: não era um ensino que
redundasse simplesmente em mais um conhecimento, mas cujo fim último seria que o aluno
pudesse viver melhor no mundo. Em outros termos: “Não é o conhecimento da matéria em si
– saber para ficar sabendo o que mais interessa; mas as mudanças que o processo corporal e
mental do aprendizado determina no educando, isto é, sua melhor adaptação à vida e o
alargamento de suas aptidões” (TOLEDO, 1930, p. 26). Na mesma direção, esclarecia que
certas disciplinas como “a leitura, a escrita, o cálculo, o desenho e os trabalhos manuais são
instrumentos de aprendizagem e de expressão, que veiculam a aquisição de noções novas e
comunicam a outrem as nossas impressões e os nossos pensamentos” (TOLEDO, 1930, p.
25).
Os professores precisariam tomar consciência dos verdadeiros fundamentos da
educação, segundo João Toledo. Para isso, a propaganda da Escola Nova teria um papel
especial: “indicar as necessidades materiais e sociais do meio em que vivem as crianças, bem
como as possibilidades que elas têm de, educando-se, melhorarem-se a si mesmas e de
melhorar as condições do meio em que vivem” (TOLEDO, 1930, p. 14). Assim, os
professores estariam mais aptos a “usar as disciplinas do programa como instrumentos para
tornar seus alunos sadios de corpo e de alma, empenhados no aperfeiçoamento da sociedade
em que se acham integralizados” (TOLEDO, 1930, p. 15).
Para efetivar a transição que João Toledo proclamava, a educação teria de superar
mais dois empecilhos: a mentalidade tradicional dos pais, que não compreendiam os projetos
da Escola Nova, e a falta de estrutura das escolas:
desmerecer o ensino paulista anterior à inserção do escolanovismo. Sobre isso, um longo debate entre Sud
Mennucci e Renato Jardim, travado pelas páginas do jornal O Estado de S. Paulo entre novembro de 1929 e
agosto de 1930. Este debate foi transcrito na revista Educação. Sobre a disputa entre os defensores da escola
paulista e os escolanovistas, ver Nery (1999). Catani (1997b) também discute o assunto, ao analisar as obras que
exaltam o ensino paulista.
44
Temos casas bonitas, algumas de proporções majestosas, fartamente
iluminadas e arejadas. Mas a matrícula numerosa encheu-lhes todas as
salas de crianças e, às vezes, até parte dos corredores. Não ficou
espaço amplo disponível para o treino manual que a Escola Nova
reclama, nem área apropriada a jogos desportivos, nem campo para
estudo da natureza. As acomodações não bastam. Os pequeninos,
assentados em suas carteiras, com os movimentos mais ou menos
tolhidos, ali mesmo, na mesma sala, recebem todas as lições, com
exceção das de ginástica (TOLEDO, 1930, p. 16).
Para o autor em relevo, até poucos anos antes a preocupação maior da didática era
como ensinar, passando a ser, na época da publicação do livro, como educar, embora o
“intuito que os formulou foi o mesmo a preparação para a vida. Mas as atitudes do homem
em face de outros homens, sofreram modificações impostas por exigências materiais e sociais,
criadas pela cultura crescente e por embates de interesse contrários” (TOLEDO, 1930, p. 9).
No entender do educador, as transformações ocorridas na sociedade fizeram que a escola
também se modificasse: “enfrentando outra finalidade e sentindo a insuficiência de seus
instrumentos de ação, a velha escola tradicional, que ensinava, iniciou sua transição para a
Escola Nova, que educa” (TOLEDO, 1930, p. 9).
João Toledo resumia da seguinte forma as providências que seriam necessárias para
completar a transição da escola tradicional para a escola nova:
a primeira providência que se impõe, para a passagem desejada, é
melhorar a preparação técnica do professorado nacional. Como
medidas auxiliares, a revisão do currículo, simplificando-o
fundamente, para conter apenas as noções mais úteis ao indivíduo e
aos outros, no meio em que a escola funciona; a globalização das
matérias, que não são propriamente veículos de aprendizado e de
comunicação, em torno de núcleos de interesses vitais da criança e,
depois, do adulto; a acomodação dos programas às necessidades e
conveniências mais prementes da zona à qual se destinam; e,
finalmente, o abandono completo dos velhos processos de ensino,
meio em desuso, para calcar a educação, antes de tudo, na atividade
do próprio educando; como medidas auxiliares, estas e outras são
facilmente realizáveis. Mas a melhoria dos prédios, a limitação de
matrículas, o fornecimento abundante de material didático mais
conveniente e a ampliação do estágio escolar dependem dos recursos
econômicos do país e não podem ser feitos de um dia para outro.
Enquanto for alta a porcentagem de analfabetos, cumpre-nos reunir
em torno de um professor o maior número possível de crianças e
promover, com todo o empenho e a todo custo, a remodelação didática
das escolas existentes, abreviando o período de transição em que nos
achamos do velho problema, como ensinar para o novo, que se impõe,
como educar (TOLEDO, 1930, p. 30).
O autor afirmava que nos programas dos grupos escolares somente era ensinado o
estritamente necessário, devido ao pouco tempo do curso primário, então de quatro anos.
45
A geografia seria, para Toledo, a disciplina que ensinaria às crianças tudo sobre as
relações do homem com a Terra. A geografia é a disciplina de mais larga compreensão, pois
o aspecto educativo que a domina incorpora, no seu conceito próprio, tudo quanto se refere às
relações do homem com a terra e pode ser ensinado às crianças de modo simples e por elas
facilmente assimilado” (TOLEDO, 1930, p. 197).
Quanto à história e à geografia, afirmava que “nenhuma outra disciplina tem tanto
poder modelador de almas como estas duas: seu conteúdo emotivo, iluminado à luz da
verdade, atua diretamente sobre os meninos e adolescentes e esboça neles as linhas varonis de
futuros cidadãos” (TOLEDO, 1930, p. 26). Para o autor, o valor de tais disciplinas estava no
fato de mostrarem os grandes feitos dos antepassados e as grandes transformações do
território, contribuindo para a formação cívica e moral do povo, pelo que serviriam de “lastro
a todos os sentimentos que nos prendem à pátria, e aos que a sua lembrança nos acorda”
(TOLEDO, 1930, p. 27).
Com o ensino de geografia no primário, a escola abreviaria o aprendizado da criança
sobre o mundo em que vive, em especial o aprendizado sobre a adaptabilidade do ser humano
sobre a Terra.
Durante o curso primário todo, percorrendo a série de lições que o
programa encadeia, vai a criança aos poucos percebendo que a cada
variação de clima ou de zona terrestre corresponde um tipo humano,
em cor, aspecto, resistência e costumes, diverso de outro tipo de clima
ou zona diferentes. (...) Percebem depois como as produções naturais
de uma região impõem, aos seus habitantes, gênero de trabalho a elas
adequados: nos campos o pastoreio; nas zonas ricas de ouro, ferro,
hulha, petróleo a mineração; à beira d’água a pescaria; nas terras
férteis a agricultura. E assim compreendem porque, no Acre, extrai-
se a borracha; em Pernambuco, plantam-se cana e algodão; no Paraná
colhe-se a erva-mate; e no Rio Grande, criam-se bois. É a natureza
que facilita ao homem uma atividade proveitosa: ele envereda por
onde enveredaram seus pais, e onde é menor o seu esforço e são mais
lucrativos os benefícios a auferir (TOLEDO, 1930, pp. 198-9).
Para João Toledo, a geografia no curso primário mostra porque o homem transformou
a natureza e como, usufruindo desta, poupou seu esforço. Para o autor, a natureza impera na
formação do ser vivo da Terra, seja ele planta ou animal, incluindo o homem. O estudo de
geografia teria o dever de preparar a criança para viver melhor, entendendo o meio,
adaptando-o e modificando-o quando necessário:
Os aspectos da Terra campos verdes, aqui, em planura sem fim,
salpicados por manchas movediças de rebanhos; montanhas ásperas
além, cujos cabeços toucam-se de nuvens, e em cujos pés rolam
ribeiros claros, regando roças plantadas de cereais; praias de areias
brancas, depois, e águas mansas em que canoas de pescadores
46
deslizam macias estes aspetos vários, com quadros naturais, vistos
da infância à adolescência, criam aspectos d’alma na gente que os
movimenta, e entumecem a veia do idealismo que alegra a vida e
suaviza a conquista do pão. Neles estão fontes propulsoras de
tendências morais que se desenvolverão ao seu calor, dando à alma de
cada povo uma das faces da sua feição. (TOLEDO, 1930, pp. 199-
200)
Assim, o estudioso estaria fazendo uma associação entre a força da natureza e a força
moral. A beleza e grandiosidade do Brasil, segundo seu pensamento, quando devidamente
mostradas aos cidadãos, desenvolveriam nestes uma elevação da alma, conduzindo ao
aperfeiçoamento moral.
Mas não é só: a riqueza no látex das árvores, na abundância dos
frutos, nas folhas aromáticas; outra em filões metálicos, aflorando à
superfície da terra; outra, no seio das ondas, de escamas reluzentes,
enlaçadas nas redes ou presa nos anzóis; outra ainda emersa do solo,
no sulco dos arados, sob a rega do suor; ou então a angústia da
soalheira estacando a fonte do trabalho; os caminhos íngremes e
pedregosos dificultando o transporte das colheitas; as endemias
reinantes estiolando o ânimo de lavradores e vaqueiros são também
aspectos vários da luta entre o indivíduo e a terra, travada na meninice
e que, na quadra da juventude, tem criado mentalidade própria a
cada grupo, de acordo com o lugar em que ele vive. (TOLEDO, 1930,
p. 200)
No entender do autor, haveria uma relação entre o meio e a formação da mentalidade.
A grande diversidade geográfica brasileira produziria, assim, pessoas com padrões,
pensamentos e hábitos diferentes uns dos outros.
As influências naturais do meio físico têm, por este modo, um império
quase despótico sobre o homem. Desde a estrutura do esqueleto,
dependente de mais ou menos calcário nas águas e nos alimentos, a
o esforço maior ou menor para vencer os acidentes dos caminhos e,
entre esses extremos, a gama toda de relações inevitáveis, são fatores
determinantes do corpo, da mente e das ocupações de cada um e, por
isso, da formação das sociedades. Tais influências devem ser
reveladas ao estudante, para que, prevenido, procure ele adaptar-se
às que lhe forem favoráveis e prepare-se para contrabalançar, e, se
possível, vencer as que forem nefastas às suas atividades úteis e ao
seu progresso (TOLEDO, 1930, p. 200, grifos meus).
Em síntese, para Toledo a natureza determinaria a formação do ser humano, mas, com
a aquisição do saber, dar-se-ia ao homem a capacidade de poder transformar a sua vida e se
desatar da determinação geográfica natural. Pensando assim, para ele, somente através do
conhecimento da realidade seria possível controlar as ações indesejáveis da natureza ou se
proteger delas. “Avança lentamente, mas, neste andar, sai das choças e vai aos palácios,
substitui o braço pela máquina, abandona a guerra e prospera na paz. Através dos séculos,
47
vem assim preparando seu reinado sobre o seu próprio destino” (TOLEDO, 1930, p. 201). As
idéias viáveis de enfrentamento da realidade somente se dariam com o conhecimento desta
mesma realidade. A geografia, nesse sentido, também seria uma ciência que daria o suporte à
criança para o conhecimento do mundo.
Ora, a geografia, calcada nestes moldes, espelha, na mente de cada
um, a imagem da região natural em que vive e mostra as modificações
de que esta necessita. Sente o estudante as contingências que o
prendem a essa zona terrestre, e as possibilidades que tem de melhorá-
la; as relações de interdependência aclaram-se e precisam-se; a
consciência ilumina-se com o desejo de fazer alguma coisa útil a
todos. Seu estudo objetiva-se, e torna-se atraente e agradável; palpa-se
o proveito que dele decorre; sua finalidade próxima define-se
(TOLEDO, 1930, pp. 201-2).
O especialista alertava que o determinismo geográfico não deveria ser entendido de
forma extremada, pois eram as espécies inferiores que sofriam tal subordinação, sem
possibilidade de se desvencilhar. Com o ser humano seria diferente: “sua cultura crescente,
fecundando-lhe a capacidade inventiva, indica-lhe processos de ação e cria-lhe instrumentos
novos para atuar sobre o meio e modificar, em seu favor, asperezas do clima, pobreza do solo
e cem outras coisas adversas ao curso fácil e proveitoso de sua existência” (TOLEDO, 1930,
p. 201).
As atribuições que o autor relacionava ao ensino de geografia devem ser entendidas
pelo duplo processo de mudança que ocorreu nos anos 1920: por um lado, o impacto das
novas teorias em educação; por outro, o forte movimento nacionalista que tomou a escola
como lócus privilegiado para o desenvolvimento do “amor à pátria”.
Jorge Nagle (2001) estudou o período aqui analisado. Para o autor, somente a partir da
década de 20 apareceram os ideários da Escola Nova no Brasil, e apenas com eles houve
várias mudanças significativas no ensino. Deu-se, segundo Nagle, uma alteração na
compreensão do processo de aprendizagem e do entendimento das características da
mentalidade infantil, provocando mudanças do conteúdo da escolarização. O autor faz essa
afirmação analisando as instruções para execução dos programas de ensino primário. Para ele:
O exame dos programas das escolas primárias vai mostrar essa
alteração fundamental nos “processos” de ensinar-aprender. Por
exemplo, é freqüente encontrar normas técnico-pedagógicas como as
seguintes: (...) Um dos meios mais práticos para o ensino da geografia
é levar a criança a observar os centros de atividade humana, os vários
cenários da natureza e tornar evidente a seu espírito o poder dos
verdadeiros conhecimentos (NAGLE, 2001, p. 315).
Segundo o autor, algumas atividades foram introduzidas nesse momento nos
documentos oficiais, como o programa da escola primária, expressando parte de uma “nova
48
concepção de escola primária e de uma nova concepção de infância”, fazendo que as
excursões escolares fossem “introduzidas sob a forma de recursos para compensar algumas
deficiências dessa ambiência” (NAGLE, 2001, p. 314). Essas novas atividades, atesta,
mostrariam que as disciplinas estariam ganhando novos significados.
As primeiras manifestações nacionalistas, para Nagle, surgiram na área da educação,
de cunho sistemático e influenciador, com conteúdo moral e cívico acentuadamente patriótico.
Ao mostrar a imagem do País para os alunos, o emprego do sentimento foi acentuado. Para o
autor em tela, “a doutrinação iniciada no campo da educação escolar repercutiu, na época,
muito mais do que quaisquer outras, além do que teve maior continuidade” (NAGLE, 2001, p.
65). A situação das colônias imigrantes no Sul do País, a eclosão da Primeira Guerra Mundial
e os acontecimentos grevistas urbanos nos grandes centros fizeram que fossem colocadas as
questões dos sentimentos nacionalistas como foco emergencial para a intelectualidade
brasileira.
Nesse contexto é que surgiram a Liga de Defesa Nacional no Rio de Janeiro (1916) e a
Liga Nacionalista em São Paulo (1917). Ambas nasceram como estratégias de ação no intuito
de promover o nacionalismo no País. O primeiro movimento tinha como princípio básico o
serviço militar, baluarte da proteção com relação ao estrangeiro, e a instrução para combater o
perigo interno. Seu objetivo, escrito em seu Estatuto, pode ser assim sintetizado:
manter a idéia de coesão e integridade nacional; defender o trabalho
nacional; difundir a instrução militar nas diversas instituições;
desenvolver o civismo, o culto do heroísmo, fundar associação de
escoteiros, linhas de tiro e batalhões patrióticos; avivar o estudo da
história do Brasil e das tradições brasileiras; promover o ensino da
língua pátria nas escolas estrangeiras existentes no país; propagar a
educação popular e profissional; difundir nas escolas o amor à justiça
e o culto do patriotismo; combater o analfabetismo (NAGLE, 2001, p.
66).
Faziam parte do ideário dos intelectuais da Liga a existência de uma elite intelectual
que conduziria a mentalidade brasileira e práticas que colocariam o Brasil rumo a um estágio
superior. Por sua vez, se alfabetizada a população poderia contribuir mais adequadamente
para a melhoria do País, poderia bem compreender a condução da elite, participar das eleições
e do combate às fraudes eleitorais.
A Liga de Defesa Nacional teve larga influência e inspirou a criação da Liga
Nacionalista. Esta dava continuidade aos objetivos da primeira, acrescentando alguns pontos.
No seu Estatuto propunha-se, além do combate à fraude nas eleições:
Lutar pela federação e unidade nacional, pela defesa nacional, pela
efetividade do voto, pelo desenvolvimento da educação cívica, da
49
educação primária, secundária e profissional. Mantêm-se o amor à
pátria e às tradições nacionais, a obrigatoriedade do ensino da língua,
da história e da geografia pátrias em escolas estrangeiras existentes no
país, a educação física, o escotismo, as linhas de tiro e o preparo
militar (NAGLE, 2001, pp. 68-9).
O escolanovismo começou a ganhar espaço nos debates educacionais, e o ensino
intuitivo, a sofrer críticas cada vez mais pesadas. Analisando a literatura educacional da
década de 20, Nagle (2001) consegue trazer maior clareza a este assunto. Assim, salienta, a
literatura preparou a discussão e transmitiu as concepções do modelo escolanovista. Teve uma
grande preocupação com o “concreto”, predominando o esforço em conhecer o Brasil e
reforçando-se a idéia de que a educação se daria por um processo autônomo de natureza
psicológica. No mesmo processo, a psicologia começou a ganhar prestígio e divulgação.
É esta parte da literatura educacional que se torna mais especializada e
proporciona maior prestígio aos educadores. Falar em nova concepção
da infância, em etapas do desenvolvimento do educando, em centros
de interesses ou em projetos enfim, falar com as palavras e nos
temas da “nova pedagogia” era uma das principais condições para
que uma pessoa se transformasse em educador de méritos, num
momento em que o termo educador significava, antes de tudo, o novo
teorizador da escolarização. (NAGLE, 2001, p. 338)
Carvalho (2002, pp. 392-3) mostra que Lourenço Filho era também reformador
institucional do aparelho escolar, junto com Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Neste
mister, fizeram múltiplos usos dos impressos pedagógicos, conseguindo consolidar suas
posições na política educacional do País. Salienta que, no Brasil, as concepções da Escola
Nova foram disseminadas após a Primeira Guerra Mundial. Fernando de Azevedo e Lourenço
Filho, especialmente através do Instituto Franco-Brasileiro, mantiveram contatos com
membros importantes da Ligue Internationale pour l’Éducation Nouvelle, que disseminaram
mundialmente, no período, a idéia de que a reforma da sociedade se daria pela reforma do
homem. Gradativamente foi sendo difundida uma nova concepção de escola e da natureza
infantil.
No bojo de tais mudanças, o governo brasileiro promoveu, para alguns educadores,
muitas viagens de estudos ao exterior, especialmente Europa e Estados Unidos, como parte de
um projeto de reforma escolar. Tais profissionais assimilaram, por esses contatos, a crença de
que a sociedade nova e moderna seria alcançada com uma nova educação, baseada na ciência.
Era uma aposta na transformação social proporcionada pela escola de massas. Fernando de
Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, entre outros educadores, foram “Assíduos
viajantes e ávidos leitores, esses mediadores do moderno muito freqüentemente se
50
legitimaram reivindicando a sua condição de conhecedores do que se passava no outro
hemisfério” (CARVALHO, 2002, p. 376).
Anísio Teixeira, ao retornar dos Estados Unidos, em 1927, imbuído das novas idéias
pedagógicas, publicou um livro contendo suas observações sobre a escola americana. No
texto o autor teve como objetivo reproduzir “em um breve resumo, tão fiel quanto possível, as
idéias com que Dewey fixa o atual sentido de educação” (TEIXEIRA apud CARVALHO,
2002, p. 376). Anísio Teixeira também passou a criticar as concepções pedagógicas
predominantes no Brasil, especialmente a teoria das faculdades mentais.
Como mencionado, foi no interior de um projeto de disseminação e consolidação
das idéias escolanovistas que Lourenço Filho publicou e organizou, em 1927, a coleção
Biblioteca Pedagógica, destinada à formação do professor. Ali “publicou traduções de títulos
estrangeiros e originais de autores brasileiros, explicitando uma corrente de idéias então
ascendentes, conhecida como Escola Nova” (MONARCHA, 1997, p. 27). Os assuntos
abordados nos livros da coleção compartilhavam de um mesmo intuito:
conciliar positivamente a sociedade por meio da educação das massas
e renovar os métodos de ensino na escola primária e secundária. Em
outras palavras, a coleção promove[u] uma aproximação da educação
com a “cultura alta”, em tom de campanha cívico-patriótica,
problematizando a “árvore do conhecimento”, concernente à educação
produzida pelas ortodoxias tradicionais (MONARCHA, 1997, pp. 32-
3).
O que estava em jogo era a obtenção da hegemonia do escolanovismo. Por isso,
Lourenço Filho buscou “pôr em cena seletivamente, em linguagem acessível e de modo
sistematizado, os novos sistemas de educação renovada, exibindo-lhes os fundamentos e
fixando lhes o sentido, de modo a demarcar a sua diferença relativamente à pedagogia
tradicional” (CARVALHO, 2002, p. 395). Apresentou autores como Montessori, Decroly e
Dewey, na intenção de fundar uma nova pedagogia com bases científicas.
Pensando na inserção dos propósitos da Escola Nova no ensino público, Lourenço
Filho afirmava que a formação do professor não poderia mais ocorrer simplesmente pela
cópia de modelos de práticas de ensino. Para desenvolver o “verdadeiro ensino ativo”, ele
“deveria ‘renovar a sua filosofia do conhecimento’, teria que ‘estudar a nova psicologia, saber
porque se faz e como se faz” (CARVALHO, 2002, p. 403).
Quanto ao objetivo maior do ensino de geografia ditado pelos autores (o
desenvolvimento do sentimento de patriotismo), Tânia Regina de Luca, ao estudar a Revista
do Brasil, disserta sobre a crença dos estudiosos das duas primeiras décadas do século XX de
que a geografia seria a disciplina que melhor inculcaria os sentimentos de pertencimento à
51
nação brasileira. Para a autora, conhecer, explorar, administrar e defender o território
brasileiro passaram a ser consideradas necessidades depois que a beleza natural e as
potencialidades da terra foram exaltadas. Para isso, propagavam-se discursos que exaltavam o
Brasil pelo que ele poderia a vir a ser se a elite pensante diagnosticasse e propusesse soluções
para seus males específicos. Todos os intelectuais brasileiros preocupados com a questão
nacional concordavam que o Brasil tinha um patrimônio geográfico superior ao restante do
mundo. Por isso, o assunto espaço, no discurso sobre a nação brasileira, tinha uma posição de
destaque:
A vastidão do território, um épico sempre em cartaz, alicerçou o
ufanismo em seus diferentes matizes, num espectro que vai da
aparente singeleza descompromissada de um Afonso Celso à doutrina
de segurança nacional da Escola Superior de Guerra. No início do
século XX, período em que a voracidade das potências imperialistas
parecia não ter limites, as dimensões do país insuflavam o orgulho
nacional (LUCA, 1999, p. 86).
Com a Primeira Guerra Mundial, disseminou-se o temor de uma investida externa,
que o Brasil possuía uma vasta terra fértil: “O contexto da guerra acabou atuando como
catalisador de um renovado nacionalismo, manifesto na disposição de encarar decididamente
os problemas do país e propor soluções compatíveis com as nossas especificidades” (LUCA,
1999, p. 110). Essa situação fez que se desenvolvesse a idéia de que havia a necessidade de os
brasileiros conhecerem o Brasil, mas se acreditava que tal conhecimento não poderia se dar de
qualquer forma. Criticava-se o ufanismo, que se satisfazia com a exaltação das qualidades da
terra e do povo: era necessário mais que isso, era preciso construir a leitura de um passado
que fosse digno de ser lembrado, fazendo que a história entrasse em consonância com a
beleza apresentada pela geografia.
Muitas críticas foram feitas à falta de organização, disciplina e tenacidade vigente no
País, bem como se apontaram os problemas decorrentes das vastas áreas do território
desabitado ou com pouca população e com a agravante de ser a maioria dos brasileiros
analfabeta e desprovida de civismo.
Assim, era atribuída às disciplinas história e geografia a missão de ensinar o
patriotismo aos cidadãos, com destaque para a geografia, que forneceria uma visão grandiosa,
em contraposição à história sem cor ou brilho. Luca afirma que esta temática foi muito
discutida na Revista do Brasil:
Analisando a documentação, percebe-se que o deslumbramento ante
as potencialidades da terra, apesar de não estar totalmente ausente das
páginas do periódico, foi cedendo lugar a uma discussão a respeito da
necessidade dos brasileiros apossarem-se efetivamente desse bem.
52
Especialmente a partir de 1914, o contexto da guerra parecia
demandar uma ação decidida para concretizar as nossas sempre
decantadas, porém nunca materializadas, riquezas. A geografia, que
não aceitava mais ser reduzida à condição de simples nominata,
ansiava por figurar ao lado dos saberes positivos e ofertava à nação
projetos para o presente e o futuro (LUCA, 1999, p. 86).
Apesar das disciplinas geografia e história serem consideradas fundamentais para a
formação da consciência nacional o que levava muitos autores a clamar sobre seu papel
central na escola normal e primária –, elas estavam imbuídas de diferenças enormes quanto à
forma de interferência nos valores patrióticos. Enquanto a geografia tratava de assuntos que
incontestavelmente engrandeciam o país, a história “era reticente e insistia nas mazelas e
desacertos, deixando poucas possibilidades para a celebração do passado capaz de despertar
comunhão imediata com as nossas tradições” (LUCA, 1999, p. 90).
Dessa forma, para Luca a geografia teve a missão de reconciliar a história e a nação:
O discurso sobre o território forneceu a moldura capaz de reenquadrar
o passado, extirpando-lhe tensões e ambigüidades que
obstacularizaram a utilização na construção da identidade. Num
caminho até certo ponto peculiar, a produção do espaço nacional
ocupou o centro da cena, subordinando a história, que passou a ser
encarada como narrativa dos grandes feitos que asseguraram, apesar
de todas as adversidades, a posse da terra. Diante da crescente
importância assumida pela configuração do território, não surpreende
que o trabalho mais festejado no Primeiro Congresso de História
Nacional, realizado no Rio de Janeiro em 1914, tenha sido a Expansão
Geográfica do Brasil até fins do século XVII, do historiador Basílio de
Magalhães, obra laureada em 1917 com a Medalha de Ouro Dom
Pedro II do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (LUCA, 1999,
p. 97).
Luca mostra que a Revista do Brasil exaltava São Paulo por ser de onde os
bandeirantes saíram para expandir o território brasileiro. Por isso, afirmava-se ser o Estado o
berço do Brasil – desde o Rio Grande do Sul até as terras agrestes do Nordeste. Proclamava-se
nos textos a necessidade de exaltar os heróis bandeirantes. O renovado interesse pelo
bandeirismo na Revista do Brasil aconteceu anteriormente à publicação de obras que foram
consideradas marcos historiográficos sobre os bandeirantes, de autoria de Alfredo Ellis,
Taunay e Alcântara Machado. Pautava-as a busca pela verdade histórica e, consoante tal
objetivo, foram publicadas fontes primárias produzidas na época das bandeiras e pesquisas se
multiplicaram para difundir uma imagem mitificada dos bandeirantes. Luca afirma que as
pesquisas históricas eram pautadas pela cientificidade garantida pela documentação. “Fontes
fidedignas, cuidadosamente reunidas e imparcialmente transcritas, naturalmente
possibilitariam o acesso à verdade. Nesse universo, carecia de sentido inquirir sobre o
53
relativismo dos testemunhos históricos ou a respeito dos conceitos e modelos teóricos que
guiavam o olhar do pesquisador” (LUCA, 1999, p. 100).
O que mais se afirmava era a necessidade de conhecimento sobre a terra brasileira.
Mas não poderia ser qualquer conhecimento: teria de ser um saber apto a instrumentalizar a
ação, “ou seja, conhecer o espaço nacional, mapear suas riquezas, tendo em vista sua
exploração e utilização de acordo com os interesses da nação” (LUCA, 1999, p. 116).
Roquete Pinto criticava, em 1912, a atitude meramente contemplativa no conhecimento
sobre o território brasileiro. Sobre isso, Luca afirma que:
geografia, nesse contexto, era mais do que a simples enumeração e
descrição da superfície terrestre e de seus habitantes, ela era tomada
na nova acepção que, no decorrer do século XIX, Ritter, Humboldt e
Ratzel lhe deram: um saber unitário e sistematizado que
problematizava a interação homem-natureza (...). Tal saber sempre
interessou particularmente ao Estado pois, a um tempo, ele oferece
um guia eficiente e seguro para nortear as políticas blicas e, graças
à sua aura de cientificidade, os argumentos necessários para a
legitimação destas (...). Em sintonia com as novas concepções, Victor
Vianna alertava: ‘O brasileiro precisa saber Geografia para poder agir.
Somos um povo novo, com grandes zonas ainda não povoadas, com
imensas regiões inaproveitadas (...) [precisamos] desenvolver,
completar, criar, por assim dizer, a Geografia. Só os inquéritos diretos
de diversas regiões do país fornecerão os elementos para a
coordenação necessária: inquéritos sobre a parte física e sobre a parte
dinâmica; inquéritos com alto critério técnico e com preocupações
sociológicas...” [A Geografia] é, dessa forma, um instrumento de ação
e de riqueza, não é mera nominata. (LUCA, 1999, p. 117).
Luca assevera que o autor preconizava uma transformação no ensino de geografia “a
fim de que ela fosse tanto um elemento de aproximação intelectual quanto um veículo de
vocações” (LUCA, 1999, p. 117). Para Vianna, “o rapaz que souber geografia, geografia à
moderna e não nominata de rios e cidades, ficará aparelhado para melhor escolher a atividade
a desenvolver no campo agrícola e industrial... O ensino da geografia, desde a escola primária,
é hoje o preparo elementar para as altas posições do comércio, da lavoura e da política”
(VIANNA apud LUCA, 1999, p. 117). Além de Vianna, Roquete Pinto também criticava a
geografia ensinada nas escolas, por não dar valor devido ao fator humano.
Sobre o discurso geográfico Luca assegura que:
Parece claro que, no início do século XX, o discurso geográfico, cuja
matriz inicial assentou-se na extensão territorial, adquiriu densidade e
importância. Se, por um lado, as dimensões continentais de um país
malconhecido, pouco explorado e que guardava nas suas entranhas
todas as riquezas que a imaginação desejasse forneciam elementos
para uma descrição ufanista e cheia de confiança no futuro; por outro,
era preciso caracterizar essa posse como fruto de um esforço coletivo
e não simples acaso ou fatalidade. A história foi então chamada a
54
testemunhar a favor da nação. Consagrou-se uma leitura do passado
feita segundo as coordenadas traçadas pela geografia que, assim,
ultrapassava a contemplação e impunha seu viés à memória. Mais
ainda, graças à nova roupagem que lhe deram Ritter, Humboldt e
Ratzel, ela também pôde apresentar um conjunto de princípios e
propostas para a ação; um instrumental aceito como eficaz para
concretizar as potencialidades da terra. (LUCA, 1999, pp. 123-4)
Nesse contexto de necessidade de fazer que o brasileiro tivesse uma consciência de
patriotismo e nacionalismo, Delgado de Carvalho, Proença e João Toledo escreveram, na
década de 20, sobre a urgente necessidade de a geografia desenvolver corretamente tais
sentimentos naqueles que fariam o futuro do país.
Para esses autores, a geografia teria como prioridade a grande missão de despertar
sentimentos patrióticos, nacionalistas e morais. Delgado de Carvalho se preocupava em
preparar para o ingresso no secundário; os outros dois autores viam como finalidade do ensino
de geografia o preparo para a vida e, assim, o ajudar a “melhorar” a nação. Tendo isso em
vista, qual seria a articulação da disciplina com as demais matérias do ensino primário para os
autores estudados?
1.3 Articulação da geografia com outras disciplinas do primário
Para Proença, antes de discutir o ensino de geografia, haveria a necessidade de o
professor saber do que trata a matéria e quais seriam as relações que estabelece com as outras
disciplinas; caso contrário, poderia executar um trabalho dispersivo, superficial e sem
entrelaçamento com as outras áreas do conhecimento.
Proença ainda acrescentava mais uma razão favorável ao conhecimento de geografia:
esta seria um “auxílio indispensável ao entendimento da história. Todo acontecimento tem
uma localização certa no espaço e é resultante, muitas vezes, de um conjunto de fatores de
ordem puramente fisiográfica” (PROENÇA, s/d, p. 18). A geografia, desta forma, deveria
sempre caminhar junto com a história, iluminar e justificar os acontecimentos que esta
disciplina expõe.
João Toledo afirmava que a história e a geografia mereciam atenção e horários
especiais e programas pormenorizados, pois eram estas as disciplinas que teriam a
responsabilidade da formação cívica e moral do povo. “Nenhuma outra disciplina tem tanto
poder modelador de almas como estas duas: seu conteúdo emotivo, iluminado à luz da
verdade, atua diretamente sobre meninos e adolescentes e esboça neles as linhas varonis de
futuros cidadãos” (TOLEDO, 1930, p. 26). Seria através dessas disciplinas que os sentimentos
que prendem à pátria seriam disseminados. O ensino de história e de geografia trataria de
55
conhecimentos individuais, por isso, para o autor, deveria ter como princípio visar à intuição e
raramente ao raciocínio. Nem a indução nem a dedução caberiam nessas matérias, pois os
fatos seriam geralmente particulares e o ensino sempre seria feito em forma de narração e
descrição. A isso Toledo acrescentava: “Deve, porém, através da primeira, fazer ressaltar,
embora esboçada, a lei de causalidade no domínio social, visto como, no domínio físico, ela
se evidencia logo; e, através da segunda, além da lei de adaptação do homem ao meio, deve o
menino sentir a possibilidade de adaptação parcial ou total do meio às necessidades do
homem” (TOLEDO, 1930, pp. 55-6).
Toledo também afirmava que os conhecimentos utilitários deveriam ser dados nas
aulas de lições comuns e nas de geografia . Tais conhecimentos seriam adquiridos não
somente na sala de aula, mas nos outros lugares da escola, nas excursões ou visualizados na
casa dos alunos.
Delgado de Carvalho afirmava que a história e a geografia eram disciplinas que por
definição eram meios de disseminar a nacionalização. Assim, o professor, além de ser
pedagogo, deveria ser também apóstolo que divulgava os valores patrióticos.
Quais seriam os conteúdos que Delgado de Carvalho, Proença e João Toledo
propunham para o ensino de geografia no primário?
1.4 Descrição dos conteúdos
Delgado de Carvalho criticava o ensino da geografia no primário, que se iniciava com
o estudo do globo terrestre, fazendo, segundo o autor, que a criança esforçasse em demasia a
inteligência e, em muitos casos, que explicações ou representações não ficassem bem
compreendidas, devido ao alto grau de abstração, pois estavam longe da realidade conhecida
do aluno e se restringiam ao campo teórico, não observacional. Assim, a sala de aula, a escola,
o caminho da escola, os arredores da casa do aluno, os meios de transporte e outros
comporiam os objetos da observação que poderiam fazer do ensino da geografia no primário
um ensino prático. Destes temas próximos à realidade da criança se estenderia para outros,
alargando os horizontes dos alunos. “Quanto aos cômodos da casa são, nos círculos
concêntricos, poderíamos dizer excêntricos, do estudo, os futuros quarteirões da cidade, os
futuros municípios, Estados, países, continentes. É a progressão natural baseada sobre a
extensão das necessidades, o alargamento dos horizontes” (DELGADO DE CARVALHO,
1925, p. 52).
56
Para o especialista, a geografia deveria recorrer menos à memorização de
nomenclaturas e aproximar-se mais da realidade do aluno, para que este pudesse ver sua
utilidade prática. O estudo geográfico deveria ser centrado no Brasil e no homem e suas
atividades sociais. Para o autor, “Em todo e qualquer assunto de geografia, o meio em que
vive o aluno deve ser escolhido como assunto principal de estudo e as noções sobre outras
regiões devem ser acrescentadas como informações suplementares e comparativas”
(DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 6).
Proença, por sua vez, elaborou uma sugestão de programa de ensino de geografia
local. O autor indicava que, como cada localidade tem uma fisionomia particular, para cada
lugar deveria haver um programa. Por isso, ele ordenou um programa em linhas gerais,
devendo o professor colocar os detalhes, ou seja, tomando por base o que era apresentado no
programa geral esboçado por ele, elaborar o programa da sua escola, adaptado à sua realidade.
Proença dividia seu esboço de programa em seis assuntos. Iniciava com o conteúdo
que dizia respeito às medidas, seguindo-se: orientação, cartografia, a localidade como um
todo, a divisão do tempo e a geografia física da localidade. No seu entender, o sistema de
medidas era muito utilizado na geografia, mas sua noção seria muito abstrata, e por isso as
noções de distância e de tamanho que se usam no estudo dessa disciplina eram de difícil
entendimento. Por isso, deveria o professor fazer que a criança fosse se familiarizando com a
noção de centímetro, metro, quilômetro, que soubesse quanto mede seu palmo, seu passo.
Sobre o assunto “orientação”, Proença asseverava que, ao discutir a capacidade de
indicar direções e posições relativas, poder-se-iam usar recomendações semelhantes às
indicadas na avaliação de tamanhos relativos. A capacidade de indicar direções e posições
adquire-se na infância e geralmente pouco se acrescenta a tal conhecimento no decorrer da
vida. Por isso, afirmava Proença, é mais aceita uma explicação verbal dos moradores de uma
localidade do que o auxílio de um mapa, quando alguém necessita se localizar em um lugar
desconhecido. Este recurso seria muito vago e variável, portanto, não seguro. A solução para
o problema, para o autor, seria simples e posta havia muito tempo. “Entretanto (coisa
notável!), não se encontra talvez um por mil entre os habitantes de uma cidade que faça uso da
nova linguagem. Falar em Norte, Sul, nascente e poente é considerado pedantismo. Todavia é
uma linguagem insubstituível nas relações sociais.” (PROENÇA, s/d, p. 56)
A iniciação na cartografia era outro ponto essencial do programa de Proença, o qual só
poderia ser introduzido após os alunos estarem bem exercitados em orientação.
Primeiramente, seria feita a planta da sala de aula e, depois, do edifício da escola, todas elas
contendo os símbolos das indicações de localização. O próximo passo seria a elaboração das
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plantas do pátio da escola, do colégio e da cidade. A localidade como um todo seria o quarto
assunto a ser ensinado, segundo o programa sugerido pelo autor em pauta. Para esta matéria,
seria essencial a observação direta da localidade onde se situasse a escola.
O quinto assunto do programa elaborado por Proença era a divisão do tempo. Ele
recomendava que fosse um ensino básico, sem muitos aprofundamentos, com a reprodução da
história da evolução da ciência, ou seja, a princípio, não se deveria fazer referência à forma,
situação e movimento da Terra.
No domínio da geografia a questão do tempo deve reduzir-se a
mostrar às crianças que o dia é determinado pela marcha do Sol. O
mais pertence ao terreno da história e da cronologia. Todavia faremos
algumas considerações relativamente à semana, quando tratarmos da
geografia matemática. (PROENÇA, s/d, p. 62)
A geografia física da localidade era o sexto assunto do programa. Haveria a
necessidade de chamar a atenção das crianças para as irregularidades do solo terrestre, bem
como seria importante o estudo do rio e das formas do relevo, sempre se empregando a
terminologia própria. Desta forma, as crianças aprenderiam os conceitos gerais e as
respectivas nomenclaturas sobre o assunto e, com isso, poderiam ver a diversidade da
qualidade da terra.
Outros assuntos que Proença afirmava serem importantes para acrescentar ao seu
esboço de programa eram: temperatura, estudo geográfico dos animais e plantas da localidade
e a geografia humana trajetória histórica do homem no planeta, comércio, superioridade do
ser humano em se libertar da dependência ao solo e adaptar-se a qualquer localidade. A
alimentação também seria um assunto muito importante, como também o estudo sobre o
dinheiro e a geografia matemática, estudando o céu do planeta.
Pensando nos diversos níveis de educação, o educador imaginou como seria o ensino de
geografia desde o primário até a formação superior. Para propiciar maior clareza das fases do
estudo geográfico exposto pelo autor para um estudo completo de geografia, não se limitando
somente ao primário, reproduz-se aqui o esquema do curso geral de geografia apresentado no
seu texto:
- O estudo descritivo da localidade, como base para o estudo
descritivo do mundo;
- O estudo descritivo do mundo, como base para a constituição da
geografia;
- A constituição da geografia mediante os elementos adquiridos na
descrição do mundo e os fornecidos pelas ciências correlativas;
- O estudo do mundo e da localidade à luz dos princípios da ciência
geográfica.
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A primeira fase corresponde à geografia local; à segunda, a geografia
regional ou descritiva; à terceira, à geografia-ciência. A última fase é
a das aplicações.
Esta seria teoricamente a ordem de desenvolvimento do curso integral,
de modo que cada uma das fases corresponderia a um dos graus do
ensino: primário, secundário e superior. (PROENÇA, s/d, p. 38)
No tocante ao programa, de sua parte, João Toledo analisava a globalidade dos
conteúdos a serem ministrados, afirmando que os conhecimentos deveriam ser globalizados
em torno de núcleos de interesses. “Nesses centros de interesses, as noções globalizam-se por
associações diversas, que devem, entanto, ocorrer com o máximo de espontaneidade para que
o núcleo, que os corporiza, não se fragmente, nem perca sua formação homogênea”
(TOLEDO, 1930, p. 25). Estes centros “esboçam a vida completa do homem, no lugar que
habita, encarado como indivíduo ou como célula da coletividade” (TOLEDO, 1930, p. 25).
Centro de interesses como forma de organização dos conteúdos e, ao mesmo tempo, a
apresentação de um esboço de programa para o grupo escolar, e principalmente a forte
presença ao longo do texto de planos de lições, mostrando minuciosamente como o professor
deveria ensinar, são pontos que atestam que João Toledo estava numa fase de transição teórica
entre a orientação das lições de coisas e a absorção das idéias da Escola Nova.
Para superar a dificuldade com a grande diversidade regional brasileira, Toledo
aconselhava que fosse elaborado o “programa-base por uma das escolas da região, ou zona da
região, sumariando tudo quanto fosse útil e conveniente ensinar ali, e submetê-lo à discussão
de todas as escolas interessadas para acréscimos e cortes que fossem julgados indispensáveis
em uma ou outra, de acordo com situação especialíssima em que se achasse” (TOLEDO,
1930, p. 23). Aos que acreditavam que programas de ensino descentralizados abalariam a
unidade nacional, por causa da diversidade de ensino, respondia que esta descentralização
deveria ser promovida sem exageros. Assim, se daria “sem abalo algum nos laços do
nacionalismo, aumentará a eficiência educativa das escolas, afeiçoando a mentalidade das
novas gerações às melhores possibilidades do meio” (TOLEDO, 1930, p. 23). O autor
elencava alguns conhecimentos com quais a escola contribuiria para a unidade do país:
domínio mais seguro da língua falada e escrita; pela familiaridade com
o nosso passado, como obra de nossos heróis; pelo conhecimento da
geografia pátria, em suas belezas, em seus recursos econômicos, em
suas promessas de prosperidade; pela idéia de que, unidos, seremos
grandes e fortes, e assim poderemos ser úteis e felizes; e,
sobretudo, pelo ambiente de brasilidade que revestir a sala de aula e o
ânimo do mestre. O que varia é o estudo de coisas e fatos puramente
locais, e entre esses os cuidados higiênicos, de feição profilática; as
ocupações ordinárias, por que e como são praticadas, qual o seu valor;
os meios de comunicação com os centros vizinhos; as maiores
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necessidades da população e os modos mais acertados de realizá-las.
Isto não pode afrouxar os sentimentos de patriotismo (TOLEDO,
1930, p. 23).
João Toledo também sugeria um programa de ensino de geografia para o primário,
sem ter o intuito de organizar a seriação completa, mas apresentando apenas “uma tentativa de
seriação”. O autor em avaliação afirmava que sua proposta deveria ser entendida como um
corpo único, mas, ao mesmo tempo, a unidade deveria ser, ainda, “dividida e subdividida por
amor do método”. Esse programa teria a “vantagem de mostrar a possibilidade do ensino
quantitativo, de feição progressiva” (TOLEDO, 1930, p. 211). Antes de apresentá-lo, Toledo
alertava: a organização se realizou de acordo com a facilidade de observação direta e
seguindo a ordem de complexidade crescente. Afirmava que o programa cobriria “os quatro
anos dos grupos escolares; e, no curso complementar, aos que chegam, oferecerá base
segura para fácil prosseguimento” (TOLEDO, 1930, p. 211).
Para fins de clareza, reproduz-se aqui o programa:
Este é o quadro (os números representam os parágrafos e as letras os
itens): 1º) O homem (para verificar a marcha da civilização e
principalmente as condições da higiene): - a) habitação, b) vestuário,
c) alimentação. 2º) Animais que cercam o homem: - a) os domésticos,
b) os selvagens, c) insetos úteis (abelhas, bicho-da-seda), d) animais
nocivos (formiga, mosquito etc.). 3º) Acidentes da Terra: - a) rio,
lago, ilha, litoral etc. b) planície e vales, c) montanha, planalto
(geleira, vulcão), d) efeitos da erosão. 4º) Superfície da Terra, sua
vestimenta: - a) terra arável, as rochas, os desertos, b) campos, várzeas
(saneamento), charnecas, caatinga, pampas, estepes, c) matas e
florestas virgens. 5º) O céu: - a) horizonte, nascer e pôr do sol, dia e
noite, medida do tempo (o relógio), pontos cardeais, b) a Lua e suas
fases, c) Via Láctea, estrelas, planetas, satélites, cometas. )
Atmosfera: - a) as estações, temperatura (termômetro), b) chuvas
(barômetro), evaporação, nuvens, neblina, geada, arco-íris, c) os
ventos (efeitos sobre o clima e sobre a erosão). 7) Interior da Terra: -
a) carvão, ferro, petróleo (em suas relações com a indústria), b) outros
minerais (valor e utilidade de alguns), c) lençóis d’água (poços, fontes
diversas). 8º) O mundo: - a) forma, círculos do globo (latitude,
longitude), b) movimentos (dia, mês, ano, estações) e eclipses, c)
continentes, zonas terrestres (temperatura de acordo com a latitude e
altitude), d) oceanos (marés, correntes, fauna e flora marinhas). 9º) Os
povos: - a) países, b) raças, c) governos. 10º) Trabalho humano: - a)
caça e pesca, b) pastoreio, c) agricultura (adubação, máquinas
agrícolas), d) indústria extrativa e manufatureira, e) comércio
(estradas de ferro e de rodagem, navegação, meios de transporte). 11º)
Fraternização humana: - a) migrações, colonização, b) comunicações
(correio, telégrafo, telefone, rádio), c) ciências, letras, artes
(TOLEDO, 1930, pp. 211-2).
Nessa perspectiva, o especialista sugeria uma ordem da temática a ser trabalhada em
geografia no curso primário; o professor poderia efetivar “leves alterações do plano [que] em
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nada a prejudicam, se o mestre souber, preenchendo lacunas, manter o encadeamento das
lições” (TOLEDO, 1930, p. 214). Apesar de afirmar que se baseava em Proença ao pensar o
ensino geográfico, Toledo divergia deste autor quanto à seqüência do conteúdo. Para Toledo,
o ensino seria sempre crescente e do próximo ao distante, seqüência pela qual depois da
localidade viria o município, enquanto para Proença após a localidade viria o estudo geral do
planeta. Desta forma, o desdobramento da matéria, para Toledo, ficaria assim:
1º) o lugar da escola; 2º) o município em que vive o aluno; 3º) o
Estado ao qual esse município pertence (descrição geral); 4º) o globo
terrestre, continentes e oceanos, círculos da esfera; 5º) continente
americano do Sul (descrição sumaríssima); 6º) o Brasil como parte
integrante desse continente (contornos e relevos); 7º) zonas naturais
do Brasil; 8º) o Estado com pormenores, quando for estudada a zona a
que ele pertence; 9º) síntese das zonas naturais e visão de conjunto do
Brasil; 10º) América do Sul; 11º) América do Norte; 12º) Europa e
Ásia; 13º) África; 14º) Oceania (TOLEDO, 1930, p. 214).
Assim, a seriação apresentada por Toledo, segundo sua explicação, teria quatro
condições: iniciar-se-ia por conteúdos que pudessem ser facilmente observados pelos alunos
para, progressivamente, ir passando para outros, mais difíceis ou até não passíveis de
observação direta; assim, do grau de complexidade menor, crescentemente, partir-se-ia para
lições mais difíceis; haveria “freqüência, em decréscimo provável, das relações do aluno com
a gente, as coisas e a terra de outros lugares”; e, por último, haveria “diminuição do interesse
educativo da criança, bem como do interesse econômico e social do país, com respeito ao
objeto do estudo” (TOLEDO, 1930, p. 214).
João Toledo esclarecia minuciosamente alguns dos pontos do programa destinados aos
quatro anos do grupo escolar. Para discorrer sobre o lugar da escola, recorria a A. Firmino
Proença, que o conceituava como “o círculo que [a criança] a tem por centro e que termina na
linha do horizonte”. Toledo afirmava que não eram novas as observações de Proença e
reiterava que, quando ia à escola (aos sete ou oito anos de idade), a criança realmente
conhecia muito sobre o mundo que a cercava, mas carecia de explicações dos fenômenos que
influenciavam a vida do ser humano:
muito ela já viu, tudo talvez, do que de novo lhe vai ser mostrado, mas
viu desordenadamente, nesse meio caos que é a percepção infantil.
Agora vai ver com método, ligando a cada coisa seu nome exato;
coordenando os fatos entre si, para pesquisa das leis que os regem;
relacionando leis e fatos geográficos com a vida humana, para
compreender a interdependência em que se acham, e para concluir,
afinal, sobre as possibilidades e conveniências de adaptação própria às
condições do meio e da adaptação deste às condições gerais da
existência (TOLEDO, 1930, p. 215).
61
Para Toledo, no primeiro ano as noções preliminares sobre alimentação e vestimenta
seriam ideais. Por isso, apresentava um plano de ensino para cada um destes assuntos e
também sobre habitação e orientação. Após estes quatro planos de lições, sugeria a entrada de
um dos processos auxiliares do ensino, que é a cartografia. Para ele, a orientação pelos pontos
cardeais e a cartografia “são dois objetos de grande interesse escolar e de grande utilidade
prática” (TOLEDO, 1930, p. 227).
Ao discutir a função dos programas de ensino, o autor ponderava que eram “meros
orientadores da prossecução didática, devem ter ampla flexibilidade que lhes permita
acomodarem-se a múltiplas condições que os subordinam” (TOLEDO, 1930, p. 17). Desta
forma, jamais seriam orientações rijas e imutáveis.
Toledo elencava quatro execuções que atrapalhavam o andamento da aprendizagem
escolar. Primeiramente, a classe numerosa impossibilitaria o atendimento de todas as crianças
pelo professor. A entrada das crianças muito jovens na escola acabaria fazendo que
aprendessem mais devagar, por levarem menor bagagem cultural do que os demais,
ingressantes na idade apropriada. “Quanto melhor essa base, mais rápida e mais fácil a
educação; quanto mais deficiente, tanto mais ronceira e difícil ela se faz” (TOLEDO, 1930, p.
17). Por último, o acesso aos materiais e campos de observação facilitaria e abreviaria o
aprendizado.
Quanto às condições do mestre, o educador assegurava ser essencial que tivesse
facilidade de despertar interesse dos alunos pelo conteúdo a ser ensinado; e que ele próprio
tivesse interesse no ensino, o que o levaria a “dedicar-se com mais alma ao trabalho; e esse
entusiasmo, comunicado às crianças, suaviza o estudo, torna-o mais agradável, mais atraente
e, por isso, melhor e mais facilmente assimilável” (TOLEDO, 1930, p. 18). O profissional
também deveria ter uma cultura geral que lhe possibilitasse maior desenvoltura para
exemplificar e esclarecer o que explicasse. Deveria, ademais, ser capaz de criar um ambiente
de concórdia e de trabalho na escola, fator que teria “maior influência que a assimilação de
múltiplas noções de ciência; e, como a alma do programa é sua ação educativa, segue-se que
esse ambiente é fator máximo da sua integral execução” (TOLEDO, 1930, p. 18).
Para João Toledo, o professor deveria escolher o conteúdo a ser ensinado tendo por
base a utilidade para a vida do aluno e da comunidade em que ele está inserido. Assim, “o
conteúdo substancial do currículo não pode fugir ao critério da maior utilidade e da maior
conveniência atual e futura, no meio físico e social em que a escola funciona” (TOLEDO,
1930, pp. 19-20).
62
A mudança no programa escolar seria, para o autor, o cerne da transição da escola
tradicional para a Escola Nova:
A remodelação dos programas primários, quanto ao fundo e quanto à
forma, tornando-os mais harmônicos em suas partes, mais de acordo
com as regiões e com as populações cujas necessidades procuram
servir, mais simples e sobretudo mais educativos, a fim de que sejam
aprendidos pelos alunos e o somente ensinados pelos mestres, é,
para nós, uma questão vital, é passo decisivo na transição que
operamos da escola tradicional para a Escola Nova. Assim
compreendidos, eles permitirão um aprendizado eficiente, capaz de
determinar mudanças no educando e de acordar nele aptidões latentes;
mas será um aprendizado lento, de poucas noções, assimiladas pelo
esforço direto das crianças, vivendo em um ambiente natural, em
contato com as coisas e com a sociedade. Este pouco amplia a vida e
prepara, no adolescente já, uma receptividade esclarecida e pronta, um
ânimo resoluto e equilibrado, uma atividade serena e produtora
(TOLEDO, 1930, p. 20).
Com o exposto, pode-se verificar que o centro de interesses seria, para Proença, o eixo
pedagógico, ou a concepção pedagógica que sentido à organização dos programas,
enquanto para João Toledo seria a passagem do analítico para o sintético. Essa constatação é
importante devido à nova configuração do discurso pedagógico, que definia a prática do
professor e também a gica de organização do programa, a qual vem a transformar-se em
conteúdo.
Neste sentido, que deslocamentos são operados na nova seleção de conteúdos
geográficos?
Delgado de Carvalho, criticando a denominada geografia antiga e, ao mesmo tempo,
afirmando e pontuando as qualidades positivas da moderna, explicitava a diferenciação entre
elas:
a geografia antiga estudava “o universo e seus habitantes”, enquanto
que a geografia moderna estuda “o universo em relação aos seus
habitantes”. A geografia deixou de ser um estudo estranho ao homem.
O canal do Panamá é assunto de geografia porque se relaciona ao
homem como morador do globo, enquanto que os canais de Marte
ficam no domínio exclusivo da astronomia... ou pelo menos dos
geógrafos marcianos (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 65).
18
18
Moraes afirma que La Blache, mais do que Ratzel, hostilizou o pensamento abstrato e o raciocínio
especulativo, dando preferência ao método empírico-indutivo, segundo o qual as conclusões somente poderiam
ser alcançadas com a observação direta através dos sentidos. Moraes cita o encaminhamento da análise
geográfica dado por La Blache: “observação de campo, indução a partir da paisagem, particularização da área
enfocada (em seus traços históricos e naturais), comparação das áreas estudadas e do material levantado, e
classificação das áreas e dos gêneros de vida, em ‘séries de tipos genéricos’” (MORAES, 1997, p. 72). La Blache
desenvolveu amplo estudo geográfico na França. Através da revista que criou, das cátedras e institutos, formou
uma plêiade de discípulos diretos, como: Brunhes, Demangeon, C. Vallaux, H. Baulig, R. Blanchard e J. Sion. A
partir de seu pensamento, seus seguidores formularam teorias que são vistas como fundamentais na geografia.
Ele e seus discípulos desenvolveram o estudo sobre regiões, de que se formou a geografia regional, cujo objetivo
63
Dessa forma, a geografia teria como base principal a relação com o ser humano, não
fazendo sentido estudar a geografia física por si só, ao passo que seria útil descobrir a
influência do homem sobre a Terra e também a da geografia sobre o ser humano.
A geografia física não necessita o emprego de palavras difíceis. Não
fenômeno que não possa ser explicado de um modo simples,
elementar. Faltando os termos, pode-se sempre recorrer ao gráfico, ao
desenho esquemático e principalmente à fotografia. Não nada de
mais útil e de mais eloqüente do que o estudo de uma paisagem
característica. Com alguns tipos de paisagens bem escolhidos, o aluno
ao qual são explicados os menores detalhes de cada uma delas está em
condições de generalizar e de concluir. (DELGADO DE
CARVALHO, 1925, p. 20)
Ainda no tocante à seleção da matéria, também Proença assegurava que tudo o que
fosse ensinado deveria ser relacionado à humanidade. Dever-se-ia procurar entender o valor
do saber geográfico a ser transmitido. A qualidade do ensino e o interesse do aluno deveriam
ser as bases para a seleção dos assuntos que comporiam o programa. Ele afirmava que “antes
de tudo devemos observar que a geografia é um estudo de fatos e não de coisas. Se as coisas
se tornam objetos de consideração é unicamente por causa dos fatos que a elas se ligam”
(PROENÇA, s/d, pp. 38-9). Para o autor, o valor do conhecimento de um rio, cabo, cidade
estaria na relação que tivessem com o elemento humano, e não em si mesmos. Assim, “um
rio, uma montanha ou um lugar devem, antes de tudo, ser estudados porque afetam as
condições da vida humana. As indústrias, o comércio e os meios de comunicação serão assim
postos em evidência nas suas relações de dependência com o meio físico” (PROENÇA, s/d, p.
39).
Para este autor, a geografia física estaria a serviço da humana e seu estudo seria
importante porque daria suporte explicativo às relações da vida dos seres humanos. Assim, o
fundamental do estudo geográfico estaria em conhecer as relações políticas, culturais,
econômicas do desenvolvimento dos povos:
Nesse estudo a geografia que mais nos interessa é a humana. Da
geografia física bastar-nos-á conhecer aquilo que serve de explicação
a fatos da vida humana: alguma coisa da fisiografia, muito do clima e
das produções naturais. O elemento humano, sim, deve ser
preponderante: a forma de governo, os costumes do povo, as suas
indústrias, o seu comércio e todos os fatores do progresso das nações.
(PROENÇA, s/d, p. 102)
seria estudar profundamente cada região. A delimitação da região para estudo seria incumbência do geógrafo,
além de descrever e explicar. Do aprofundamento do estudo da geografia regional, segundo Moraes,
desenvolveram-se a geografia agrária, urbana, das indústrias, da população, do comércio e a econômica.
64
Comparando o valor do ensino de geografia no primário à forma como realmente se
ensinava a disciplina, Proença fazia duras críticas a esta última. Segundo ele, por esta via não
se conseguiriam atingir os objetivos reais da disciplina, não se poderia desenvolver o
sentimento patriótico nas crianças. Para o autor, a descrição física do Brasil era necessária,
mas teria de ser feita em conjunto com explicações que mostrassem a ação do homem como
causadora das mudanças, o brasileiro atuando no sentido de melhor adaptar-se à terra, de
transformar o local em que vivia em lugar que lhe oferecesse condições de desfrutar a
natureza mais fácil e proveitosamente, não somente para si, mas também contribuindo para a
grandeza da pátria.
Conseguir-se-á este objetivo com o ensino atual da geografia?
Absolutamente, não. De que vale às crianças decorar nomes de
montanhas e de rios, de ilhas e de cabos, de cidades e de produções
naturais, se o elemento humano, que é justamente o principal, não
aparece senão numericamente?
Descreva-se fisicamente o país, porque é uma coisa necessária, mas
descreva-se o meio físico por causa do homem que aí está lutando pela
sua adaptação à terra e trabalhando consciente ou inconscientemente
pela grandeza de sua pátria. (PROENÇA, s/d, pp. 22-3)
Ao dizer como deveria ser um bom ensino geográfico no curso primário, o autor ainda
atestava que:
Aliada à história, mesmo porque são inseparáveis nos estudos
regionais, a geografia deve mostrar aos brasileiros que o Brasil é o que
é atualmente como resultado de evolução natural. De outro modo o
ensino corre risco de cair no terreno das comparações, agora o em
moda, e com isto se criará um pessimismo deletério em vez de um
patriotismo esclarecido e são. (PROENÇA, s/d, p. 23)
Esta última afirmação é importante e cabe vê-la mais de perto. Analisando a discussão
sobre a geografia na Revista do Brasil, Luca (1999) afirma que a repressão a tudo que põe em
risco a unidade nacional é justificada por uma concepção restrita do nacional, limitado à posse
de terras. Esta concepção também aparta, convenientemente, a problemática da obtenção dos
direitos de cidadania da questão nacional.
A geografia tratava de forma distinta o conhecimento do nacional e do regional.
Estudar o País fornecia uma visão unitária e homogênea, mas no trato das regiões as
diferenças e contradições eram ensejadas. Na Revista do Brasil, a segunda visão estava
presente por se tratar de um periódico sob os interesses paulistas, cujo modelo era a figura do
bandeirante. Sobre esse assunto Luca conclui que:
Das páginas da Revista do Brasil sobressai um discurso, alicerçado na
história e na geografia, que atribuía a São Paulo o mérito da conquista
e manutenção do território. As explicações e justificativas então
65
produzidas constituíam-se em ingredientes privilegiados para análise
das estratégias de dominação e consagração arquitetadas pelas
camadas dominantes locais, que terminaram por ofuscar os demais
componentes da federação. Essa postura, chave explanatória do
período, instaurou uma forte identificação entre a história de São
Paulo e a história nacional, sobreposição que continua vigente na
prática historiográfica hodierna (...). Porta-voz da paulistanidade, a
Revista do Brasil constitui-se fonte privilegiada para acompanhar os
passos dessa construção, que também permeava as discussões a
respeito da qualidade étnica dos habitantes (LUCA, 1999, p. 126).
Para os três autores em análise, o conteúdo para o ensino primário deveria sempre
começar pelo mais próximo, visível e conhecido do aluno; assim, a localidade da escola seria
o primeiro ponto a ser explorado no ensino de geografia. Após isso, divergência entre
Proença e os outros autores: para ele, após o estudo da localidade viria o estudo do planeta,
por ver na divisão do espaço em municípios uma abstração muito grande. A ordem do
conteúdo seria, no seu entender: localidade, Terra de forma geral, Brasil, São Paulo, o
município da escola, América do Sul, América do Norte, Europa e Ásia. para Delgado de
Carvalho e João Toledo, a ordem dos estudos seria sempre crescente e se distanciando cada
vez mais do círculo visual do aluno. Depois da localidade da escola, deveriam ser estudados o
município, o Estado, o Brasil, o continente sul-americano, a América do Norte, a Europa e a
Ásia. Todos eles se reportavam às novas concepções do ensino geográfico e enfatizavam que
não deveria o professor basear seu ensino somente na aparência da superfície da Terra: o
elemento humano, as transformações que executou e pode ainda fazer eram tidas como
fundamentais para o ensino geográfico.
Analisando o conteúdo de geografia que era proposto pelos intelectuais que escreviam
na Revista do Brasil, Luca afirma que o fator espacial sempre foi marcante nas representações
da nação, pois foi ele que “deu origem a um sentimento de agregação e pertencimento,
permeado por uma ponta de orgulho, aos filhos de uma terra grandiosa e farta. Da identidade
via espaço pode-se extrair conseqüências políticas de longo alcance e que certamente estão
longe de ser inocentes” (LUCA, 1999, p. 124). Seria a identidade que forneceria
um projeto para as elites, um horizonte referencial de todo o povo e
também uma justificativa da unidade nacional (tornada projeto), que
em si mesma legitima o Estado. E, ainda, coloca o “povo” no seu
devido lugar, qual seja, de subalterno: tudo isso envolto numa
linguagem altamente cientificista, que apenas constata pela
observação empírica os fatos presentes na superfície da Terra
(MORAES apud LUCA, 1999, p. 124).
Sendo esses os conteúdos propostos pelos autores para o ensino primário, qual seria,
então, o programa que eles indicavam para a escola normal? Para o professor primário poder
66
transmitir tais conteúdos para seus alunos, o que ele, enquanto aluno-mestre, deveria aprender
sobre geografia na escola normal?
1.5 Programas, definições, raízes da geografia
De acordo com Delgado de Carvalho, o programa da escola normal fora modificado
sensivelmente em 1924. A seu ver, o programa anterior não era mau, mas lacunar no que dizia
respeito ao Brasil. O autor esclarecia que o Dr. Carneiro Leão pedira ajuda a algumas pessoas
para reelaborar o programa do Distrito Federal, cabendo-lhe o conteúdo de geografia do
Brasil e a Ignácio Azevedo do Amaral o de geografia geral. Afirmava que o trabalho de
ambos fora integralmente adotado. Delgado de Carvalho dedicou um capítulo do seu livro à
discussão do programa geográfico para a escola normal.
O autor em tela estava preocupado com o conteúdo que o aluno do primário deveria
aprender para chegar ao secundário fortalecido, com bagagem suficiente para acompanhar
satisfatoriamente este vel. Ao tratar do ensino de geografia na escola normal, descrevia os
conteúdos que deveriam ser ensinados aos alunos-mestres. O primário, segundo Delgado de
Carvalho, somente sofreria modificações quando também houvesse transformações no ensino
da escola normal em cujo programa deveria, assim, constar o ensino de geografia em três
anos, sendo que o primeiro deveria ser “uma vista geral” do mesmo programa do ensino
secundário, mas de forma mais concisa. Para ele, a “bagagem geográfica que trazem os alunos
de primeiro ano é excessivamente deficiente”, de forma “que a revisão ficará, a maior parte do
tempo, prejudicada na sua essência pela necessidade de uma primeira visão(DELGADO DE
CARVALHO, 1925, p. 38).
No segundo ano do programa de geografia na escola normal se deveria “indicar aos
alunos de que modo a geografia primária deve ser ensinada; os processo, os métodos devem
ser analisados com seus exemplos concretos: seus artifícios de explicação e suas bases
psicológicas” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 37). Segundo o autor, a execução de
uma inovação metodológica e do programa seria muito frutífera no curso normal e a escola
normal seria “o meio pelo qual uma administração pode facilmente amoldar uma geração,
orientar um ensino, unificá-lo, nacionalizá-lo, segundo as necessidades e os interesses do
país” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 40). Mais adiante, elogiando as modificações
executadas por Carneiro Leão, afirmava que a escola normal se constituíra num lugar
privilegiado, base da disseminação dos ideais nacionalistas:
67
No ensino da geografia, é decisiva a ação da administração, pois
representa esta disciplina um dos esteios da nacionalidade. Foi o que
muito bem compreendeu o Dr. Carneiro Leão ao organizar os cursos
de Férias de 1923-24. Esboçou, apenas como ensaio, um plano que
terá desenvolvimentos e conseqüências incalculáveis. Dentro de futuro
próximo, perceberá a administração que tem aí um instrumento de alta
precisão e valor para a formação de novas gerações, para a unificação,
para a standardização, como se diz hoje, no ensino. (DELGADO DE
CARVALHO, 1925, pp. 40-1)
A escola normal teria, no seu entender, uma missão importante para a Nação, pois
seriam formados os professores que educariam o povo brasileiro e inculcariam nele os valores
nacionalistas e patrióticos:
É indispensável que as jovens professoras, que vão ter amanhã entre
suas mãos a formação de toda uma geração de brasileiros e brasileiras,
que vão representar o papel mais nobre que pode caber à mulher, o de
educadora de nossa raça, que vão receber do Estado o que este Estado
tem de mais precioso: o pensamento e a inteligência de seu futuro, é
indispensável que a escola normal ministre a suprema ciência: o
patriotismo esclarecido e forte, haurido em fontes fidedignas.
É na geografia humana, baseada sobre sólidos conhecimentos de
fisiografia, e na geografia causal, segundo uma expressão moderna,
que serão descobertos os porquês de nossa nacionalidade.
Para este fim deve ser armado o professor de todos os processos
modernos de explanação e demonstração, desde o gráfico, o diagrama,
o cartograma, o esboço, o corte, a estatística, até a simbolização
concreta, artificial, no tabuleiro de areia e no tio etc. Ele deve saber
como se prende a atenção dos meninos, como se fala à sua
imaginação, em linguagem geográfica. A história e a geografia são
disciplinas de nacionalização por excelência e exigem do mestre, ao
lado das qualidades de pedagogo, as de apóstolo. (DELGADO DE
CARVALHO, 1925, pp. 41-2)
No terceiro ano do curso normal, o conhecimento científico sobre a matéria deveria ser
finalmente ensinado. Isso “para a cultura própria do futuro mestre, a fim de prepará-lo a
seguir inteligentemente, com bases adequadas, o progresso da ciência geográfica”
(DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 37). Seria um aperfeiçoamento individual da
normalista. “É um ano de cultura geográfica que ela requer, porque, sabendo mais, ela poderá
ensinar menos, isto é, o estrito necessário, pois será capaz de distinguir facilmente o que é
dispensável, inútil ou prejudicial” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 43). Esse ensino
geral da ciência deveria ser recapitulado todos os anos através de revistas geográficas, se as
houvesse. Segundo o autor, esta seria a missão dos geógrafos profissionais: vulgarizar o
conhecimento da ciência.
No entender de Delgado de Carvalho, a escola normal não ensinava, até a reforma, mais
do que o que ele indicava para o primeiro ano, ou seja, a recapitulação do ensino geográfico
aprendido no primário e um panorama conciso do programa do ensino secundário.
68
Sinteticamente, cabe aludir as principais motivações de cada autor analisado. Delgado
de Carvalho estava interessado em mudar a prática do professor do primário para, assim,
atingir o ensino secundário. Seu livro foi escrito para o professor da escola normal e para o do
secundário. O autor se preocupava com o conteúdo que o aluno-mestre teria para formar bem
o futuro ingressante do secundário. De sua parte, João Toledo, apesar de escrever tendo em
vista também o professor da escola normal, objetivava transformar a escola primária. Toledo
almejava que, através da escola normal, o aluno-mestre tivesse capacidade de formar o futuro
cidadão que a escola primária desenvolveria. Já Proença escrevia diretamente para o professor
do primário, fosse ele estudante ou já formado.
Suas obras eram resultado de diferentes estratégias de convencimento para mudar a
prática do professor do primário, tivessem elas a finalidade de formar o futuro ingressante do
grau imediatamente superior da escola ou o futuro cidadão que contribuiria para melhorar a
nação brasileira.
Neste sentido, cabe a indagação: o que seria a geografia como uma ciência de
formação?
Delgado de Carvalho priorizava em sua obra o aspecto científico da geografia e a crítica
ao ensino da área no secundário. Embora sua obra também fosse composta de explicações
sobre os termos e as conclusões a que estudiosos da geografia do mundo todo chegaram, em
sua maior parte discutia mesmo a situação do ensino geográfico no secundário e sua proposta
de mudança, especialmente para o Colégio Pedro II.
O autor acreditava que a geografia estaria paulatinamente se tornando uma ciência
humana, pois as investigações geográficas estariam cada vez mais dizendo respeito ao
homem. Considerava esta mudança positiva, pois o conhecimento sobre o ser humano não
deveria descartar o conhecimento sobre hábitat deste. Sendo o meio e as condições em que
vive o homem influenciadores das ações das pessoas, seria essencial para o ser humano, como
pensador, dominar o saber sobre a ciência da geografia.
O educador definia a geografia como o estudo da terra como morada do ser humano, o
conhecimento científico do hábitat do homem com as ações e reações desse hábitat sobre as
possibilidades de existência. Ele lamentava o fato de este conhecimento não ser realizado
dessa forma. Para ele, no Brasil e em outros países da América “a geografia é o estudo de uma
das modalidades da imaginação humana, isto é, da sua faculdade de atribuir nomes, de
crismar áreas geográficas” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, pp. 3-4). Em vez de
conhecer as relações e causas entre localidade e condição de vida em cada lugar estudado,
faziam-se listas de nomes.
69
O autor em análise discutia os critérios a que a fisiografia e a geologia deveriam
obedecer, reafirmando que as investigações da geografia tinham a tendência de tornar-se cada
vez mais humanas. Com a fisiografia e a geologia “há poucos assuntos que se prestem mais às
medições dos homens do que estes vestígios mudos de tempos imemoriais. A geologia revela
todo um passado de movimentos ingentes, executados em períodos que se contam por milhões
de anos”. Acrescentava que a fisiografia era “assunto cujo estudo contribui à formação geral
do indivíduo” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 5).
O estudioso afirmava que a ciência geográfica deveria subsidiar os programas de ensino
e que os resultados de pesquisas recentes não deveriam ser difundidos somente no ensino
superior, mas também para o professor secundário donde mostrar alguns dos principais
estudos na área. O autor tecia elogios às pesquisas feitas pelo cientista americano John C.
Branner sobre a geologia brasileira. Afirmava que Ratzel reformara a antropogeografia, tivera
muita influência na França e nos Estados Unidos e que depois dele havia ensaios de
antropogeografia em todas as principais línguas; os mais notáveis dos recentes seriam os de
Jean Brunhes, Camille Vallaux e de Vidal de la Blache. No Brasil, apesar de não haver ainda
pesquisas sistematizadas, contava-se com a contribuição de outros ramos do conhecimento
para compreender a antropogeografia brasileira: os estudos históricos, literários e sociológicos
de Silvio Romero, Euclides da Cunha, João Ribeiro, Arrojado Lisboa e Oliveira Viana, entre
outros. Quanto à geografia política, ela era muito tratada nos compêndios secundários, porém,
“nada foi feito no sentido de tornar científicos estes conhecimentos” (DELGADO DE
CARVALHO, 1925, p. 12).
No que diz respeito aos nomes dos que teriam contribuído para com os estudos
geográficos no Brasil, pode-se recorrer a Fernando de Azevedo (1963), que também cita
alguns autores: os trabalhos da comissão do general Rondon e do major Gomes Carneiro,
Lacerda e Almeida, Alexandre Rodrigues Ferreira, general Couto de Magalhães (que fizeram
as obras após realizarem expedições explorando, cada um, uma parte do território brasileiro).
A obra de Rondon seria, segundo Azevedo, das mais fecundas do ponto de vista geográfico.
Também tecia grandes elogios a Euclides da Cunha, afirmando que a obra euclidiana seria um
verdadeiro estudo científico de geografia.
Depois de Os Sertões“o mais notável trabalho de geografia humana
que um pedaço de terra mereceu de um escritor” e de outros
ensaios como Terra sem história, em que Euclides da Cunha, geógrafo
a par das teorias mais modernas, põe todo o vigor de seu estilo a
serviço de sua cultura científica e de seu poder de observação, aparece
em 1916, com o mesmo espírito novo e construída sobre uma base
70
de pesquisas originais, a Rondônia de Roquete Pinto (AZEVEDO,
1963, p. 411).
Para Fernando de Azevedo, Roquete Pinto também fizera teoria geográfica, como
Raimundo Lopes, Alberto José Sampaio, Melo Leitão, Luis Flores de Morais Rego, Djalma
Guimarães e Luciano Jacques de Morais. Azevedo afirmava que Delgado de Carvalho e F.
Raja Gabaglia foram “pioneiros da geografia moderna no Brasil se batem pela renovação
dos métodos do ensino geográfico” (AZEVEDO, 1963, p. 412).
Retomando a exposição sobre Delgado de Carvalho, este afirmava que a ciência
geográfica, em âmbito mundial, possuía uma terminologia falha e incompleta, pois eram
“poucas as palavras para descrever terras, ilhas e passos: o recurso está nos adjetivos e o
abuso do adjetivo é sempre um grande mal, especialmente em matéria científica”
(DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 67). Além disso, ao denominar os fatos se iam
atribuindo palavras do vocabulário local ao fenômeno, prejudicando a clareza das explicações.
Uma das causas deste problema seria, segundo o autor, o reduzido número de geógrafos de
profissão existentes no mundo: haveria os mais variados profissionais atuando na área
(botânicos, historiadores, geólogos), mas não geógrafos. Outro problema apontado pelo autor
era que a geografia seria influenciada por várias ciências, pois ela se formaria por
conhecimentos advindos de vários ramos dos saberes, algo próprio de uma ciência nova:
A complexidade da geografia moderna resulta pois de ser ela o ponto
de interferência de diferentes ciências, como poderia ser visto num
gráfico que representaria as ciências sociais, naturais, físicas e
matemáticas, cruzando-se, ficando o campo comum num círculo
central, representando a geografia. (DELGADO DE CARVALHO,
1925, pp. 65-6)
Proença, ao apresentar a concepção vulgar da geografia, discordava do emprego, na
educação, do significado da palavra como descrição da Terra. Para o autor, a geografia não se
reduziria a “enumerar localizadamente as coisas da superfície e esboçar quadros mais ou
menos artísticos” (PROENÇA, s/d, p. 7). Prosseguia asseverando que, devido à extensão e ao
limite da ciência, nenhuma definição conseguiria fixar-lhe a matéria peculiar. Devido a isso,
preferia analisar o campo de estudos geográficos e deixar ao mestre que definisse geografia.
Proença analisava a dependência da existência do ser humano com relação à forma do
relevo terrestre. Atribuía aos grandes acidentes geográficos a existência de partes sólidas não
inundadas pela água na Terra, bem como relacionava os terrenos grandemente acidentados
que havia nesses lugares ao fator da sedimentação, que possibilitaria a existência de plantas
vitais ao homem. A mesma dependência se daria com relação à atmosfera, que fornece o ar, a
chuva e os ventos. Em tudo haveria movimento e o grande motor do movimento no interior do
71
globo e na superfície, no ar, nas águas, nas plantas, nos animais e nos homens seria a energia
vinda do Sol.
A adaptação humana não se realizaria, contudo, de forma passiva: a inteligência do ser
humano o levou a transformar a natureza a seu favor. Explorou o subsolo, a atmosfera e o seio
do oceano, e em toda parte encontra matéria para as suas indústrias; aproveita as águas
correntes e as correntes de ar como forças para movimentar suas máquinas; abre estradas no
mar e na atmosfera para comunicar-se com os seus semelhantes. Segundo Proença, nisso
estaria a essencialidade humana, o abandono do simplesmente animal e o chegar a ser algo
além desta limitação. Desta forma, o ser humano “age e reage conscientemente sobre o meio,
então ele é verdadeiramente o homem” (PROENÇA, s/d, p. 12). Assim, o autor chegava à
definição do que seria o estudo da geografia enquanto ciência:
A geografia estuda a Terra, porque a Terra é a morada do homem.
Não lhe interessam, portanto, senão aqueles fatos que têm relação
direta ou indireta com a vida humana. Em resumo, a geografia tem por
objeto o estudo do globo terrestre em suas relações com a vida em
geral e especialmente em suas relações com a vida humana.
(PROENÇA, s/d, p. 12)
Proença afirmava que a geografia seria, na verdade, uma ciência única e que somente
por uma questão de método ela se dividiria em geografia matemática, física, biológica e
humana. A geografia matemática subsidiaria as regras para elaboração das cartas geográficas,
que estudaria o planeta. “Estuda-lhe a forma e os movimentos e as conseqüências que
advêm dessa forma e desses movimentos para as variações físicas nas diversas regiões”
(PROENÇA, s/d, p. 12). A geografia física se ocuparia o relevo terrestre “e a ação recíproca
dos fenômenos que se dão na litosfera, na hidrosfera e na atmosfera em conseqüência das
relações da Terra com o Sol” (PROENÇA, s/d, p. 12). A distribuição da vida animal e vegetal
pela Terra e o motivo da diversidade, explicado pelas influências do meio físico, seria o
campo da geografia biológica. Por último, a geografia humana estudaria “o homem na Terra,
procurando explicar a distribuição das várias raças na superfície do globo e mostrar como o
homem tira partido de todos os elementos da natureza, criando indústrias, comércio, meios de
comunicação, enfim, todas as formas pelas quais a civilização se manifesta” (PROENÇA, s/d,
p. 13). Proença ainda lembrava a subdivisão em geografia geral, regional ou particular e local,
se “ocupando a primeira dos fatos comuns a toda a Terra, e não passando as duas últimas de
aplicações das leis gerais a uma determinada região ou localidade” (PROENÇA, s/d, p. 13).
Para ele, a geografia manteria relações estreitas com outras ciências, em especial
geologia, astronomia, biologia e antropologia, compartilhando com elas o estudo de muitos
72
assuntos. A diferenciação estaria em que cumpriria à geografia estudar os fenômenos naturais
tendo como princípio a relação com a vida no presente. Segundo o autor, a geografia não seria
um ramo de conhecimentos empíricos, mas uma ciência, e como tal procuraria explicações
racionais, valendo-se das diversas outras ciências como auxílio para a compreensão dos fatos
geográficos.
Ele apresentava três definições de geografia:
A primeira conclusão a que o professor deve ter chegado é esta: a
geografia é uma ciência natural e, portanto, pode ser adquirida por
observação direta ou indireta, pondo-se constantemente em atividade a
imaginação, o juízo e o raciocínio. A segunda conclusão: a geografia é
uma ciência muito complexa; para que os seus fatos sejam
perfeitamente apreendidos e explicados, necessidade de uma
preparação prévia nas matérias que lhe servem de base. Uma terceira
conclusão: o ensino da matéria requer espírito observador e indagador
como em qualquer outra das ciências naturais. (PROENÇA, s/d, p. 15)
Para Toledo, a geografia estudaria a relação do homem com a Terra e, da mesma
forma, a influência que a Terra exerce sobre o ser humano. O estudo geográfico faz que se
compreenda a dependência que existe entre o homem e o meio em que vive, que as
ocupações, as formas de viver e os aspectos físicos dependam do tipo de localidade em que
está inserido. Para o autor:
As influências naturais do meio físico têm, por este modo, um império
quase despótico sobre o homem. Desde a estrutura do esqueleto,
dependente de mais ou menos calcário nas águas e nos alimentos, a
o esforço maior ou menor, para vencer os acidentes dos caminhos e,
entre esses extremos, a gama toda de relações inevitáveis, são fatores
determinantes do corpo, da mente e das ocupações de cada um e, por
isso, da formação das sociedades (TOLEDO, 1930, p. 200).
João Toledo ponderava sua afirmação dizendo que o homem, através de sua
inteligência, consegue vencer grande parte dos obstáculos, transformando a paisagem
terrestre, por exemplo. Por isso o estudo geográfico se faz importante: conhecendo melhor o
planeta há como melhor intervir nele.
Viu-se, pois, que Toledo e Proença apostavam na ampliação do ensino primário como
instrumento de transformação da sociedade brasileira. Para eles, se a maioria da população
fosse detentora dos conhecimentos instrumentais, científicos e morais que o primário deveria
proporcionar, os cidadãos seriam capazes de fazer do Brasil um país melhor.
Vêem a finalidade do ensino primário, portanto, de forma diferente da de Delgado de
Carvalho: enquanto para este seria um momento de adquirir conhecimentos para o aluno
poder desenvolver-se melhor no secundário, para os outros dois autores seria o grau único,
total, que a maioria da população teria. Portanto, este ensino é que deveria desenvolver na
73
população os sentimentos de patriotismo e nacionalismo, dar a formação moral cuja posse
pelo povo regeneraria e desenvolveria a nação brasileira, pondo-a a par das nações mais
desenvolvidas.
Para Firmino Proença e João Toledo, a escola primária, como única escola para o
povo, deveria dar formação (cívica e moral) ao cidadão. Os valores patrióticos, o sentimento
de nacionalismo, a higiene, os bons costumes seriam aprendidos na escola primária. Como
único grau de instrução, era a escola primária que teria de preparar o povo para melhor viver
na sociedade. Por isso, viam a necessidade da universalização deste nível de ensino. Desta
forma, como decorrência de suas diferentes perspectivas: Delgado de Carvalho estava muito
mais preocupado com o conteúdo geográfico propriamente dito, tanto é que a maior parte do
seu livro é composta de temas de geografia para o professor da escola normal ensinar ao
normalista. Trata-se de conteúdos não do primário, mas do secundário. Ao passo que João
Toledo e Proença preocupavam-se mais com os conteúdos cívicos, como meio de inculcar os
valores patrióticos e nacionalistas nos alunos do primário, e com a metodologia empregada
pelo professor. Assim, os conteúdos nacionalistas e a metodologia utilizada seriam os motes
para alcançar o patriotismo. Seus textos dizem clara e minuciosamente como o professor
deveria ensinar no primário. Mesmo no livro A escola brasileira (para uso na escola normal)
era a metodologia a grande preocupação do autor. As obras, principalmente de Toledo, são
cheias de planos de lições que orientam passo a passo a ação do educador.
Tendo compreendido suas opiniões e objetivos, resta saber suas bases teóricas. Assim,
quais eram os autores de referência para os escritores estudados? Baseados em quais correntes
fizeram as afirmações sobre geografia como disciplina de formação?
1.6 Referências teóricas na abordagem da geografia
Delgado de Carvalho recorreu a autores estrangeiros que escreveram especificamente
sobre a ciência geográfica. Os autores mais citados em sua obra foram o americano Branner e
o alemão Ratzel (que escreveu sobre a antropogeografia e que teve larga influência na França
e nos Estados Unidos depois da Primeira Guerra). O autor em exame sempre se reportava à
geografia estrangeira para exemplificar seus intentos, especialmente aos professores W. M.
Davis, da Universidade de Berlim, e Karl Ritter. Também dedicava muitos parágrafos à
explicação do estudo das regiões naturais do francês Vidal de la Blache, o qual, segundo
74
Delgado de Carvalho, renovou o método de ensino na Escola de Geografia na França
19
. Ainda
sobre a França, também se dedicou a explicar sobre Jean Brunhes, Camille Vallaux e Reclus.
Sobre Brunhes, afirmava que este estudava a geografia humana enfatizando, sobretudo os
aspectos econômicos. Elisée Reclus seria o geógrafo dedicado à geografia universal que,
segundo Delgado de Carvalho, muito contribuiu para poder dividir logicamente em regiões o
Brasil.
Davis, segundo o estudioso, afirmava que o princípio das relações causais, ou seja, o
estudo dos fatos e fenômenos unidos às relações de causalidade e finalidade, e não somente à
localização dos fatos ou fenômenos geográficos, é o que caracterizaria genuinamente o
argumento geográfico moderno. Para Davis essa forma nova de analisar a geografia somente
foi conseguida através do desenvolvimento de outras ciências, em especial das biológicas e da
geologia (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 64).
Vidal de la Blache teria, no final do século XIX, visto a necessidade de estudar
geografia dividindo-a em regiões naturais. Somente assim se poderia realmente conseguir
realizar um verdadeiro estudo geográfico, fosse físico ou humano. As idéias de La Blache
“determinam em França uma renovação dos métodos de ensino da geografia. De seu lado, a
escola dos geógrafos franceses recebeu, ao mesmo tempo, a influência da ‘escola
morfológica’ alemã, guiada por A. Penck, e da ‘escola morfogenética’ americana, guiada por
Davis” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 79). Às idéias de La Blache, Gallois
acrescentou que as unidades regionais são parecidas não somente fisicamente, mas política e
economicamente também.
Delgado de Carvalho afirmava que três trabalhos contribuíram para elucidar o estudo
geográfico que tomava com base as regiões naturais; um deles seria o curso de Davis, na
Universidade de Berlim, entre 1908 e 1909, que desenvolveu a teoria dos ciclos usando o
método descritivo e explicativo. O outro foi o de Siegfried Passarge, em 1912, em Hamburgo,
que, utilizando-se de entrevistas de Martonne, aprofundou o estudo das paisagens em que
desenvolveu a classificação morfológica em tipos, classes, ordens e famílias. O último
trabalho que Delgado de Carvalho citava era o que Giuseppe Ricchieri, que publicou seu
trabalho em 1920, em Bolonha, para quem os elementos constitutivos da terminologia
científica da região natural ainda seriam falhos e que propunha a divisão do estudo regional,
19
Quanto ao método de pesquisa, Moraes afirma que La Blache e Ratzel têm formulações próximas. A diferença
estava em que La Blache “era mais relativista, negando a idéia de causalidade e determinação de Ratzel; assim,
seu enfoque era menos generalizador. De resto, o fundamento positivista aproxima as concepções dos dois
autores, e, vinculado a este, a aceitação de uma metodologia de pesquisa oriunda das ciências naturais”
(MORAES, 1997, p. 71).
75
para melhor compreendê-la, em: regiões elementares, regiões geográficas complexas e regiões
integrais.
Tendo como base os autores que estudou, Delgado de Carvalho chegou em 1924 a uma
definição do termo:
A “região natural” é uma subdivisão mais ou menos precisa e
permanente que a observação e a investigação permitem criar numa
área geográfica estudada, no intuito de salientar a importância
respectiva das diferentes influências fisiográficas, respeitando o mais
possível o jogo natural das forças em presença e colocando a síntese
assim esboçada sob o ponto de vista especial do fator humano nela
representado (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 82).
O educador atentava para o perigo de usar somente a divisão administrativa para estudar
geografia. Ele recorria a Karl Ritter para afirmar que a “‘natureza não é um mecanismo
morto’, a natureza pelo contrário é vida, é o movimento; é pois necessário não mutilá-lo, não
separar seus elementos essenciais (...). Para explicar uma região, é preciso reunir todos os
traços fisionômicos que servem a caracterizá-la” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 84).
Para o Brasil, Delgado de Carvalho aceitava a divisão elaborada por M. Said-Ali, que se
baseara em Elisée Reclus. Para o autor em relevo, essa forma de dividir o território brasileiro
contribuía para aproximar os alunos dos estudos geográficos, pois naturalizava novamente a
fisionomia da geografia pátria.
O ensino da geografia pátria é entretanto um dever de inteligência e de
patriotismo. Aos nossos jovens patrícios não devemos apresentar a
geografia do Brasil como uma disciplina austera e ingrata ao estudo.
Por meios de bons mapas, de gráficos, de perfis, de diagramas, de
fotografias, se for possível, é preciso torná-la fácil e cativante. É pelo
conhecimento do país, pela consciência de suas forças vivas que
podemos chegar a apreciá-lo no seu justo valor. O histórico dos
acontecimentos econômicos e sociais nos permite compreender sua
formação e explicá-la. Em semelhantes estudos será colhido um
patriotismo verdadeiro, esclarecido e inteligente, sem frases
retumbantes, não um patriotismo incondicional e cego, mas sim
justificado e nobre. Afastando assim a idéia dos Estados, teoricamente
iguais e equivalentes, tais como estão na Constituição, passaremos a
salientar os fatores de diferenciação, de diversificação, que fazem se
completar entre si as zonas nacionais (DELGADO DE CARVALHO,
1925, pp. 87-8).
Delgado de Carvalho tecia muitos elogios a Fernando Raja Gabaglia, professor de
geografia no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, como ele próprio. Igualava seu colega de
trabalho a estudiosos estrangeiros ao afirmar que este tomara para si a nova orientação dos
estudos de geografia secundária no Brasil. Ainda sobre os brasileiros, Delgado de Carvalho
afirmava que havia somente “iniciadores em geografia social” que estudaram isoladamente e
76
fizeram observações ocasionais sobre outras áreas do conhecimento, e não obra dos
fenômenos antropogeográficos, mas que muito contribuíram para a elaboração de um “esboço
de geografia”. Mencionava nominalmente os autores: Euclides da Cunha, Silvio Romero,
Oliveira Vianna, Roquette Pinto, Brenno Ferraz, Artur Guimarães e Alberto Rangel.
Diferentemente de Delgado de Carvalho, Proença não escreveu sobre os autores da
ciência geográfica que eventualmente o influenciaram. Proença creditava a Pestalozzi “a
primeira tentativa para estabelecer a geografia sobre bases de intuição. Antes dele, o estudo se
limitava a definições memorizadas e exercícios nos globos e nas cartas” (PROENÇA, s/d, p.
48). Depois que Pestalozzi, discípulo de Rousseau, inaugurou a geografia local, o mundo da
criança passou a ser o ponto de partida do estudo da área:
É na natureza que a criança deve aprender geografia. A casa paterna,
as terras circunvizinhas, os cursos de água da região, a marcha do Sol
no céu, a orientação, eis os primeiros centros de interesse para a
criança. Depois viria o traçado da carta do terreno que se estudou.
(PROENÇA, s/d, pp. 48-9)
Pestalozzi, segundo Proença, iniciava o estudo geográfico, no instituto de Yverdon,
através da observação feita em excursões; em seguida, na sala de aula, fazia-se montagem em
argila do estudo topográfico da paisagem observada. Ao mesmo tempo, “aos fatos da
geografia física e à intuição da respectiva nomenclatura se entremeavam noções de geografia
política” (PROENÇA, s/d, p. 49). Por último, era ensinada a geografia matemática, ou
melhor, a orientação através dos pontos cardeais, do Sol, das estrelas e outros.
Para Proença, a atitude de Pestalozzi fora revolucionária:
Aparentemente pueril, o ensino de Pestalozzi fez uma revolução não
só no ensino, mas também na ciência geográfica. O próprio Karl
Ritter, fundador da geografia moderna e que foi grande admirador de
Pestalozzi, deve ao instituto de Yverdon as bases da sua obra
imperecível. (PROENÇA, s/d, p. 50)
Proença explicava como se ensinava geografia, em sua época, no Brasil. Afirmava ele
que durante muito tempo (“pelo menos até 30 anos atrás”, ou seja, até fins do século XIX) o
ensino geográfico brasileiro era idêntico ao francês. A “nossa organização escolar, quer no
que diz respeito aos programas, quer aos processos de ensino, nos vinha direta ou
indiretamente da França, a terra clássica da escolástica e de cuja influência muito tarde se
livrou” (PROENÇA, s/d, p. 28). O ensino francês, segundo o educador, com a influência da
escolástica, preocupava-se com a nomenclatura e a informação, deixando de escutar filósofos
como Rabelais, Montaigne e Rousseau e continuando sua rotina. a Suíça, diferentemente,
“deu logo no início da escola popular uma orientação diferente ao ensino da geografia”
77
(PROENÇA, s/d, p. 28). Para o autor em avaliação, a reorientação fora praticada e
aperfeiçoada graças a Pestalozzi e a padre Girard, que estabeleceram neste país “o ensino da
geografia sobre bases de intuição e fazem da cartografia um auxiliar indispensável ao
aprendizado da matéria, coisas que eram verdadeira novidade para a época” (PROENÇA, s/d,
p. 28). Após a Suíça, a nova orientação do ensino de geografia passou para a Alemanha,
Bélgica e Estados Unidos, enquanto, segundo a ênfase de Proença, na França e no Brasil
seguia-se na velha trilha.
João Toledo, diferentemente dos demais autores, não fazia muitas referências.
Somente em Didática, ao tratar do ensino de geografia, citava Proença. Seu texto continha
muitos planos de lições, ensinamentos de como ensinar as várias disciplinas, e discutia as
finalidades dessas matérias e do ensino primário em geral.
Mais uma vez -se claramente a diferença entre Delgado de Carvalho e Proença e
Toledo. Apesar de o primeiro não ser geógrafo por formação, sua profissão (professor de
geografia do Colégio Pedro II) o fez pensar mais na ciência geográfica. Seus autores de
referência, seu discurso e sua preocupação com o conteúdo apontavam para uma apreensão da
questão do ensino da geografia como ciência. Os conteúdos de geografia e os novos estudos
científicos da geografia eram suas maiores preocupações. Já Proença e Toledo tinham o
método e a escola primária como centro de sua atenção.
Nota-se que para Delgado de Carvalho o ensino de geografia para a escola primária e
secundária seria dependente do desenvolvimento científico da geografia. Proença buscava
na ação de Pestalozzi a inspiração de uma nova forma de ensinar geografia para o primário.
Chegava a afirmar que o educador fora o inspirador dos fundamentos da ciência geográfica de
Ritter.
Isso remete à análise que Chervel faz da história da disciplina gramática escolar,
concluindo que a matéria não seria, de forma alguma, uma vulgarização científica. A análise
do autor conclui que: primeiro, a gramática não é expressão da ciência tida como ciência-
referência, e sim “foi historicamente criada pela própria escola, na escola e para a escola”;
segundo, “o conhecimento da gramática escolar não faz parte – com exceção de alguns
conceitos gerais como o nome, o adjetivo e o epíteto da cultura do homem cultivado”
(CHERVEL, 1990, p. 181); por último, a elaboração dos conceitos gramaticais sempre seria
coincidente com o tempo do seu ensino. Assim, para Chervel a pedagogia faria parte da
transformação do ensino em aprendizagem, não sendo somente um otimizador do processo.
Seguindo as pistas de Chervel, é possível, pelo levantamento aqui realizado, concluir
que a pedagogia tem forte participação no modo peculiar com que se procurou deslocar e
78
reorganizar os programas da disciplina nas décadas de 1920 e 30. A lógica da pedagogia, pelo
menos no que diz respeito às posições de Proença e Toledo, foram o fio condutor do
credenciamento da disciplina no currículo, assim como dela se extraíram os critérios de
ordenação e seleção dos saberes que deveriam ser transmitidos nos programas de geografia.
Sabendo como pensavam com relação ao conteúdo da disciplina para o primário e para
a escola normal, deve-se questionar agora: como o aluno do primário deveria praticar os
exercícios de geografia? Como seria a metodologia de ensino da disciplina para esses autores,
que viam de forma diversa a finalidade do ensino primário? É do que trata o próximo capítulo.
79
II – PRESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS NA DISCIPLINA DE GEOGRAFIA
2.1 Relação professor-aluno (metodologia)
Este tópico pretende responder, com base nos autores estudados, à indagação: como o
professor deveria ensinar geografia aos alunos do ensino primário?
A maioria dos exemplos dados pelos autores sobre a metodologia do ensino geográfico
faz imaginar uma escola ou situada no meio rural ou próxima a ele. Sempre havia
recomendações de explorar a geografia do local, mostrando montes, vales, rios e afins para os
alunos. Isso impõe relembrar a realidade brasileira da década de 1920, em que a maioria da
população vivia na zona rural; além disso, devido ao fato de os centros urbanos terem espaço
menor do que se conhece na atualidade, o rural era muito próximo à vida da maioria dos
brasileiros, mesmo os da cidade.
Outra observação que pode ser feita era o uso enorme do recurso da imaginação. Nas
obras analisadas, sempre havia a inserção de prescrições de atividades para o professor fazer
com o aluno, levando-o a imaginar que em dada direção ficam determinados elementos
geográficos e como eram lugares distantes, bem como a atuação do ser humano no espaço
territorial, na economia, na política e na sociedade.
Para Delgado de Carvalho, como mencionado, o conteúdo de geografia para o
primário deveria se iniciar pelo meio em que vivia o aluno. Assim, começaria pela sala de
aula e da escola, para depois estudar o pátio do recreio ou o jardim. Referindo Levasseur,
Delgado de Carvalho dizia que a partir das poças d’água do pátio se poderia fazer alusão a
lagos, rios, nascentes, ao ciclo da água, da mesma forma que as aparências da crosta terrestre
poderiam ser vistas no pátio em dia de chuva. Levasseur dizia que “Todas as noções simples
de bacia, vertente, crista etc. devem ser ensinadas não por abstrações, mas por coisas vistas
que, mais tarde, voltarão ao espírito quando delas se falar” (LEVASSEUR apud DELGADO
DE CARVALHO, 1925, p. 60). Para o autor em tela, após a observação e estudo da crosta
terrestre (feita através da analogia com o solo do pátio) se poderia ensinar às crianças no
tabuleiro de areia os fenômenos geográficos elementares. Assim, elas estariam em condições
de aperfeiçoar tal estudo no segundo ano primário.
Delgado de Carvalho via no exercício de observação direta do meio uma forma
excelente de ensinar geografia, pois a observação seria uma faculdade a ser desenvolvida
diariamente. Para isso, o papel do professor seria fundamental: “Compete, pois, à professora
80
preparar o ambiente da pequena descoberta, orientá-la discretamente e, em seguida, provocá-
la peremptoriamente quando julgar terminado o ‘processo’ intelectual e faltar a conclusão”
(DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 53). A observação do chão do pátio de recreio, que
representaria os acidentes geográficos, e da natureza próxima à escola seriam fundamentais
para o início de qualquer assunto. O conhecimento deveria ser reforçado com a construção
simulada dos acidentes geográficos em tabuleiros de areia, em molduras de argila;
posteriormente, na atividade de localizar e completar mapas e, finalmente, na construção de
mapas. Assim, Delgado de Carvalho sustentava que o ensino geográfico deveria se dar de
forma simplificada, sem obrigar os alunos a decorar infinitas listas com nomenclaturas de
acidentes geográficos.
O estudioso analisou o programa do primeiro ano primário, mencionando e
recomendando o método de ensino por meio de círculos concêntricos, que consistia em
ensinar ao aluno partindo do grau de complexidade menor até o mais alto, iniciando por
assuntos mais próximos à realidade da criança e alargando o horizonte de aprendizado até o
globo terrestre e o universo. Segundo o autor, esse método se preza por “só definir os objetos
quando são conhecidos os elementos que os compõem” (DELGADO DE CARVALHO,
1925, p. 51).
Dessa forma, o ensino partiria de palestras com os alunos sobre os lugares que
conhecessem para, depois, definir geograficamente o assunto em questão. A observação direta
dos fenômenos geográficos localizar, observar, medir e representar um local era
considerada de suma importância por Delgado de Carvalho. O ponto principal deste método,
novo para a época, seria, segundo ele, o estudo geográfico tendo como eixo central o fator
humano e as atividades do homem. Tendo esta posição, elogiava o programa da Diretoria-
Geral da Instrução Pública do então Distrito Federal que, a seu ver, tornava “o homem o
ponto de principal interesse em todo e qualquer estudo geográfico. A finalidade deste ensino é
o estabelecimento elementar, mais claro e permanente, das relações entre a Terra e o homem”
(DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 48).
O autor afirmava que não havia um único jeito certo de ensinar melhor e, assim, ter a
atenção e interessar os alunos, mas que o amor à pátria seria o fator principal que
impulsionaria o mestre a ensinar bem. Em outros termos, segundo acreditava, somente o
patriotismo e amor ao Brasil por parte do professor poderiam enriquecer o ensino de
geografia:
em geografia como em outras disciplinas, dar aula é fácil, mas ensinar
bem e ensinar interessando é difícil; requer esforço e experiência do
81
mestre. Para facilitar este ensino há programas e interpretações de
programas, mas não há fórmulas, não há regras fixas, porque são
demasiadamente variáveis os elementos subjetivos do problema: é no
amor da Pátria, representada pelas gerações que se levantam diante de
nós, que devemos procurar as energias e a dedicação necessárias
(DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 72).
Para Proença e João Toledo, também seria fundamental a observação dos acidentes
geográficos do redor da escola e em forma de excursão, quando o estabelecimento fosse
localizado no meio urbano. Também a visualização em tabuleiro de areia e chão de terra do
pátio, representando os acidentes geográficos, seriam recursos, para eles, imprescindíveis .
Proença chamava a atenção para a necessidade de, antes de iniciar qualquer estudo,
preparar a mente do aluno para receber o conhecimento. “É necessário que o indivíduo tenha
visto por si e examinado por si, para poder ter elementos para comparação e construção das
imagens das coisas distantes” (PROENÇA, s/d, p. 37). Da necessidade do “estudo através
da observação dos fatos da localidade do aluno. Assim o aprendizado da geografia descritiva
do mundo tem de ser precedido, pois, de um estudo das coisas e fatos da própria localidade. É
o que se chama geografia local” (PROENÇA, s/d, p. 37).
Proença afirmava que se deveriam agrupar os assuntos que tivessem relações entre si e
estudá-los em conjunto. De tal modo, “o nosso método será, portanto, a concentração.
Escolhem-se umas tantas unidades de estudo ou tipos geográficos para centro de convergência
de todos os conhecimentos que com ele se relacionam” (PROENÇA, s/d, p. 97). Enfatizava
que a forma de ensino que recomendava deveria ilustrar “quando possível cada tópico com
vistas de lugares e de cenas, tanto da natureza como da vida social e de família, tudo
devidamente localizado nos mapas e fixado por meio de exercícios cartográficos”
(PROENÇA, s/d, p. 102).
Para o autor, a observação direta do aluno sobre a natureza seria fundamental para a
realização da geografia local:
Uma das condições de sucesso no estudo da geografia local é a
possibilidade de lições ao ar livre, no pátio da escola, nos arredores da
cidade e mesmo em pontos distantes da escola, porque as coisas e os
fatos devem ser observados in loco. Não quer isso dizer que o estudo
todo exija desenvolvimento fora da escola. lições formais e
trabalhos de aplicação para serem realizados na sala de aula. Em
certos casos, contudo, torna-se indispensável a excursão. (PROENÇA,
s/d, p. 51)
No seu entender, um constante ir à natureza, voltar à sala de aula para estudar, retornar
à natureza e observá-la novamente, e assim sucessivamente, seria necessário. Neste sentido,
após o estudo no globo geográfico, voltariam o professor e a classe a observar diretamente a
82
natureza. Nessa lição ao ar livre, o mestre deveria fazer as crianças imaginarem o que existiria
além do horizonte. Assim, recomendava: “Estenda o professor o braço para dizer-lhes: deste
lado é tal continente, deste outro fica o oceano tal e assim por diante” (PROENÇA, s/d, p.
87). Em seguida, voltariam ao estudo no globo geográfico, para o mestre mostrar a divisão
das águas e das terras. Nesse processo, seria fundamental o professor apresentar os nomes
próprios das partes do mundo e dos acidentes geográficos. Depois disso, retornariam à
observação da natureza, onde o professor deveria fazer os alunos “voltarem as suas vistas em
todas as direções, procurando localizar as coisas nomeadas, ao Norte, ao Sul, a Este, a Oeste”
(PROENÇA, s/d, p. 87). Encerraria este curso geral sobre o mundo com o mapa-múndi,
estudado da mesma forma que o globo geográfico.
Ainda na discussão acerca de como se deveria ensinar geografia, Proença esclarecia,
primeiramente, que este assunto se divide em dois aspectos. Um diria respeito à organização
do curso e do programa, e o outro, à maneira de preparar os conteúdos a serem aprendidos
pelos alunos. Para ele, não somente o de geografia, mas o ensino de todas as ciências deveria
sempre ter como pressuposto a consideração da fase que o precedeu. Não poderia jamais um
ensino começar sem ter por base uma seqüência lógica dos fatos. Proença via como absurdo
ensinar as leis gerais antes de o aluno aprender as particularidades que constituem o geral,
pois “Ensinam-se generalizações antes que a criança tenha adquirido conhecimento dos fatos
particulares que as condicionam; tenta-se fazer a criança imaginar antes que tenha adquirido
material para a imaginação” (PROENÇA, s/d, p. 34). Para ele, haveria uma ordem que deveria
ser seguida religiosamente pelo ensino de qualquer ciência:
O aprendizado de qualquer ciência tem de fazer-se com obediência às
leis da evolução mental. O concreto de vir antes do abstrato, o
particular antes do geral, o próximo antes do remoto, o fácil antes do
difícil, o todo antes das partes. Aplicados à geografia, quer isto dizer
que a observação das coisas e a consideração dos fatos hão de
preceder à formulação das definições, leis e princípios. (PROENÇA,
s/d, p. 35)
Proença alertava para o fato de que tal maneira inovadora de ensinar geografia seria
mais viável nas escolas rurais do que nas dos centros urbanos, por ser vital a realização de
observações diretas das crianças sobre a natureza. Isso, entretanto, poderia ser sanado com
programação de observação do meio rural: “quatro ou seis excursões realizadas no correr do
ano, com plano perfeitamente assentado, serão suficientes para estudar os arredores da
cidade” (PROENÇA, s/d, p. 51). Fora isso, outras excursões deveriam ser feitas, dentro do
meio urbano, a fábricas, mercados, exposições. O educador ainda salientava que seria vão
fazer excursões sem ter antes um plano de estudos com objetivos claros. Além disso, seria
83
necessário organizar pequenos grupos, para não haver dispersão dos alunos e para que o
professor pudesse explicar a todos e ter deles atenção necessária.
Analisando o ensino da geografia local, Proença lhe fazia duras críticas. Asseverava
ser exagero, erro e inutilidade principiar o estudo geográfico pela análise da sala de aula, ou
da carteira do aluno, de forma exaustiva e sem relação com a realidade. Os professores,
segundo ele, transformaram a aula de geografia em aula de linguagem, própria de jardim de
infância, ao passar muito tempo, semanas, ensinando termos como: sobre, sob, embaixo e
outros para localizar objetos ou pessoas. Para o autor, procedendo assim os mestres não
estariam ensinando geografia e todo esse ensino se daria somente dentro da classe e usando
termos abstratos e simbologia para os quais a criança não estaria ainda preparada e que em
nada ajudariam o estudo posterior. Ao avaliar o ensino geográfico local da forma como estaria
sendo trabalhado pelos professores, Proença o tachava de não satisfatório, porque não
despertaria interesse na criança e também porque, “em vez de ser um estudo de coisas e de
fatos da realidade, transforma-se num jogo de linguagem e de símbolos, não preparando o
aluno para a geografia regional, cujo estudo será feito sem base” (PROENÇA, s/d, p. 48).
Assim, para Proença, deveria o ensino geográfico se iniciar pela sala de aula, mas sem muita
demora, devendo-se passar logo para o estudo dos acidentes geográficos situados ao redor da
escola e que seriam de fácil visualização pelo grupo.
Proença afirmava que a ciência geográfica levou milhares de anos se desenvolvendo
para chegar à maturidade, no século XIX. Nessa longa trajetória, desde a Antigüidade, o que
valeu aos sábios foi a observação. As outras ciências ainda não estavam bem desenvolvidas,
poucos dos instrumentos existentes na atualidade existiam naquele tempo, de forma que a
observação direta (ou indireta, através de relatos de viagens) era a base do conhecimento
geográfico. Ora, assegurava, tal qual foi o desenvolvimento da ciência, o ensino da geografia
também deveria ser iniciado pela observação, seja ela direta, na localidade, seja
indiretamente, sobre os lugares longínquos.
Os sábios que fizeram a ciência não viram por si, não observaram com
os seus próprios olhos. Apenas acreditaram no testemunho dos que
foram ver e observar. Nós também temos de acreditar no testemunho
alheio. As terras, os povos, os animais, as plantas, os fenômenos de
longe, nós temos que conhecê-los através dos livros, das revistas e das
narrações de viagens dos que foram ver e observar por nós. O nosso
primeiro estudo de geografia será para conhecer as coisas e os fatos de
todo o mundo. É o que se chama a geografia descritiva ou regional.
(PROENÇA, s/d, p. 36)
Quanto ao estudo da geografia como ciência, com suas generalizações e leis, somente
deveria ser feito após o estudante conhecer sua localidade e o mundo inteiro. “Antes não,
84
porque o refazer a ciência exige não o conhecimento dos fatos necessários às
generalizações, como também a posse das ciências correlativas da geografia” (PROENÇA,
s/d, p. 37). Após o aprendizado das leis geográficas, ainda restaria a aplicação do
conhecimento, mas isso não diria mais respeito ao ensino primário.
O autor afirmava que é pelos sentidos que se aprende geografia e, por conseqüência,
“o único meio de conhecê-la é a observação” direta ou indireta. Porém, nem tudo para ver,
de maneira que as formas grandes ou distantes se conheceriam pelo exercício da imaginação.
Assim, para ele
O método das lições de geografia elementar é o intuitivo, quer se trate
da geografia local, quer da regional. A diferença está apenas nisto: na
geografia local a intuição é direta; na geografia regional a intuição é
indireta. Num caso vê-se, examina-se, experimenta-se; em outro,
imagina-se (PROENÇA, s/d, p. 45).
Prosseguia, acrescentando:
Tratando-se de geografia local, o todo inicial é geralmente
conhecido. Resta apenas o trabalho de análise, de que resultará a nova
síntese, mais clara, mais definida do que era na fase inicial da lição.
No caso de geografia regional é necessário criar no espírito do aluno a
síntese inicial, e isto se consegue lançando mão das cartas geográficas,
de estampas, de aparelhos, enfim, de todos os meios de intuição
indireta. (PROENÇA, s/d, p. 45)
Para Proença, estava estabelecido que o estudo geográfico teria de partir da
localidade, onde haveria “coisas a descrever e fatos a observar” (PROENÇA, s/d, p. 40). No
que diz respeito às coisas, acreditava que a ordem de estudo deveria ser analítico-sintética: “Ir
do todo às partes e depois reconstruir mentalmente o todo, relacionando entre si as diversas
partes, eis o processo natural do aprendizado e, conseqüentemente, do ensino.” (PROENÇA,
s/d, p. 40) Dentro das unidades dos conteúdos, com respeito às coisas, haveria a subdivisão
em outras unidades. Para ordenar o conteúdo:
Então a escolha será determinada por estes princípios: o conhecido
antes do desconhecido, o próximo antes do remoto. Ora, o todo natural
e conhecido é a própria localidade. Haverá outras unidades, o rio, o
vale, a montanha, uma chácara, porém todas estas unidades se
consideram como partes componentes da maior a localidade. Será,
então, pela localidade, considerada no seu conjunto, como um todo
vago e indefinido, que começaremos o estudo da geografia
(PROENÇA, s/d, pp. 40-1).
Dentro desse “todo vago e indefinido”, haveria que escolher as unidades menores e
ordená-las. os fenômenos deveriam ser considerados unidades de estudo, de acordo com o
autor. Dessa forma, as estações, a chuva, o vento deveriam ser estudados tendo em conta os
efeitos que causam sobre as coisas.
85
Após o estudo da localidade, Proença afirmava, não havia consenso quanto à ordem do
prosseguimento. “Para uns o município, o Estado, o País e o continente estabelecem a série
natural da transição da localidade ao mundo inteiro. Para outros a ordem inversa é a
verdadeira: da localidade ao mundo e do mundo ao continente, ao País, ao Estado e ao
município.” (PROENÇA, s/d, p. 41)
Ele tomava partido nessa divergência argumentando que, pensando ensinar do
próximo ao distante, após a localidade viria o município, mas a criação deste, tal qual a do
Estado e do País, não era natural, e sim uma convenção humana, portanto de difícil
compreensão para o aluno. Segundo Proença, “para a criança o município é alguma coisa que
está tão distante dela como a China ou o planeta Netuno” (PROENÇA, s/d, p. 42). Pensando
dessa forma, afirmava:
A nossa opinião é que, depois do estudo da localidade, deve dar-se à
criança uma idéia do mundo como um todo. Então ela poderá
compreender a divisão da superfície da Terra e, sucessivamente,
formará idéia clara do País e do Estado, que será realmente a primeira
unidade de estudo após a localidade, com a condição, porém, de ter
sido previamente localizado no País, o País no continente e o
continente no mundo. (PROENÇA, s/d, p. 42)
Proença definia geografia local como “o estudo da localidade sob o ponto de vista
geográfico. Pela denominação localidade deve entender-se o círculo que tem por centro a
escola e termina na linha do horizonte” (PROENÇA, s/d, p. 46).
Após explanar sobre a localidade, sugeria passar à totalidade do mundo, que faria
“entrar em função o poder imaginativo das crianças” (PROENÇA, s/d, p. 83). Este estudo se
faria sobre o conhecimento do espaço que está além do horizonte. Logicamente, ressalvava, o
aluno não ignora a existência do mundo além do horizonte, pois seria impossível um
isolamento completo em seus dias, com a existência dos meios de transporte, que facilitavam
as viagens, e dos meios de comunicação, que promoviam a rápida transmissão de
informações. Mas “o conhecimento das crianças é vago e indefinido. Tudo se localiza num
espaço subjetivo, com formas que se concretizam para daí a pouco de esvaírem” (PROENÇA,
s/d, p. 84).
O conhecimento sobre o mundo não seria um prolongamento daquele da localidade.
Construir a imagem redonda e isolada da Terra seria o primeiro passo do ensino sobre o
mundo. Assim, o autor dizia o seguinte:
Levemos um dia a classe a um lugar elevado donde se descortine o
horizonte, e palestremos com os alunos. Olhando-se de todos os lados
parece que o céu se encontra com a Terra, mas ali está um caminho
que se prolonga além, de outro lado está a estrada de ferro, que
86
continua depois que não a vemos mais. Tudo isto nos leva a ver a
Terra descendo em todos os sentidos. Façam-se as crianças
imaginarem uma caminhada sem fim em qualquer sentido, sempre
olhando para o horizonte. Encontrarão campos, montanhas, cidades,
rios, o mar. E o céu estará sempre no alto! Conte-se que viajantes já
percorreram a Terra e voltaram ao ponto de partida. Aparecerão,
naturalmente, as objeções. E a gente de cabeça para baixo? E as águas
que não caem? São objeções próprias das crianças, pois até aos
letrados de outros tempos causava pavor a aceitação de idéias tão
extravagantes, como essa dos antípodas. Faça-se, porém, as crianças
compreenderem que baixo e cima são termos relativos, e assim
desaparecerão as descrenças e as crenças errôneas a respeito. Depois o
movimento do Sol em torno da Terra ajudará a formar-se a convicção
de que o nosso globo está solto no espaço como a Lua e o Sol
(PROENÇA, s/d, p. 85).
Somente após o ensino baseado na observação direta da paisagem, sobre a forma do
planeta e do relevo geral da Terra, poderia o professor apresentar o globo geográfico às
crianças. “Toda vez que se fizer qualquer referência à forma ou ao relevo da Terra, voltem-se
os olhos para o espaço, façam-se as crianças pensarem na realidade antes de observarem o
globo.” (PROENÇA, s/d, p. 86) Para ele, após este estudo sobre a forma da Terra e seu relevo,
teria chegado o momento de tratar da distribuição das águas e das terras no planeta. “Então
será necessário acentuar bem as conseqüências do relevo terrestre para essa distribuição”
(PROENÇA, s/d, p. 86). Para o estudo deste assunto seria interessante, segundo o autor, o
professor se valer da modelagem.
Que as crianças façam uma esfera de barro e dêem-lhe depois
enrugamento à superfície, deprimindo-a aqui e levantando-a ali. Será
uma idéia do esqueleto da Terra. Faça-se depois as crianças
imaginarem as grandes depressões cheias de água, que se encurva
acompanhando a forma geral da Terra. Então teremos os oceanos e do
meio das águas surgirão pontas de terra, que serão ilhas, e tudo quanto
ficar a descoberto será a terra firme, ou continentes.
Adquirida esta idéia fundamental, passam as crianças a examinar o
globo geográfico (PROENÇA, s/d, p. 86).
Para o especialista, após o estudo geral sobre o planeta, seria a vez do continente
americano, para o que seria “conveniente uma ligeira notícia histórica sobre a maneira pela
qual se povoou a América. Faltando explicações sobre o assunto será difícil às crianças
compreenderem a divisão política do continente, pois não constituem os países unidades
naturais” (PROENÇA, s/d, p. 87). Essa explicação histórica seria muito sucinta e sempre
tendo à vista o globo e o mapa-múndi. Depois de estudada a divisão política da América e
localizado o Brasil no mundo, passar-se-ia ao estudo descritivo do país. Proença ressaltava
que, “atendendo-se, contudo, à finalidade do estudo do país nas classes primárias, julgamos
87
suficiente uma idéia geral da situação do seu território, tal como deixamos esboçado”
(PROENÇA, s/d, p. 88).
Em se tratando do estudo sobre o restante do mundo, após o do Brasil, Proença
asseverava que, primeiramente, interessaria conhecer o continente sul-americano, que
física, política, econômica e historicamente os demais países da América do Sul mantêm
relações, possuem semelhanças e compartilham muitas coisas com o Brasil. Para todos os
habitantes do País seria de interesse conhecer os demais países sul-americanos, mas para os
que habitam próximo às fronteiras o interesse seria maior, devido a seu maior relacionamento;
por este mesmo motivo deveria o professor tomar mais cuidado com relação ao patriotismo.
“Nos Estados onde é maior a aproximação, maior deve ser o cuidado para o conhecimento do
país vizinho, ao mesmo tempo em que mais intensificada deve ser a cultura do sentimento
nacional.” (PROENÇA, s/d, p. 101). Depois dos países da América do Sul, viria o estudo
sobre os da América do Norte, da Europa e da Ásia que mantinham relações com o Brasil,
seguindo as mesmas recomendações.
Proença também apresentou sua contribuição em forma de um programa sobre
geografia local, o qual incluía seis assuntos, sendo o primeiro as medidas. Segundo o autor, o
exercício começaria na sala de aula, com as medidas menores, e o estudo das maiores
implicaria ir para o pátio da escola ou no campo.
A prática deve começar na sala de aula, pelo uso do metro na medida
das coisas aí existentes. Depois que os alunos estiverem bastante
exercitados virá o trabalho de verificação. Então podemos apresentar-
lhes coisas quaisquer para que calculem o comprimento, a largura e a
altura. De um a cinco centímetros e, depois, de dez em dez
centímetros, devem eles ficar aptos para a pronta e segura avaliação.
Um bom processo será a adoção de uma série de varetas de 10, 20, 30
e 40 etc. centímetros até um metro, para que se fixem os
comprimentos relativos.
A segunda fase do aprendizado se desenvolverá fora da sala de aula,
no pátio de recreio da escola, ou melhor, no campo. O primeiro
trabalho será cada aluno avaliar o tamanho do seu próprio passo. Para
isso dará ele dez passos, por exemplo. Medida agora esta distância em
metros e dividido o resultado pelo número de passos, terá ele o
tamanho do seu passo médio. O processo poderá ser repetido e, caso
os resultados se apresentem diferentes, tirar-se-á a média das médias,
o que não deixa de ser um exercício útil de aritmética.
Tendo avaliado o seu próprio passo, cada aluno adotará esta unidade
para medir distâncias quaisquer, até 100 e mais metros. Com isto não
lhe será difícil conceber o quilômetro, e é o quanto basta, porque é a
unidade itinerária geralmente adotada. O mais serão aplicações para
prática até formação do hábito.
Semelhantemente procederemos com relação às medidas superficiais,
até que o aluno chegue a fazer idéia do quilômetro quadrado.
88
Das medidas inglesas devem merecer atenção especial o e a jarda,
porque aparecem freqüentemente nas cartas e compêndios
estrangeiros e, até mesmo, nos nacionais.
Ainda convirá estender as idéias dos alunos até a concepção da légua
marítima, da milha, do etc. E será boa oportunidade para
explicações históricas e lingüísticas. (PROENÇA, s/d, pp. 54-5)
Proença esclarecia que tais conhecimentos deveriam ser desenvolvidos ao longo dos
vários anos escolares. Ao professor caberia selecionar as matérias “de acordo com a doutrina
dos círculos concêntricos, a qual forçosamente tem de ser aplicada à geografia” (PROENÇA,
s/d, p. 55). Salientava que isto seria válido também para os demais conteúdos geográficos.
O segundo assunto era orientação. As aulas sobre as posições relativas, segundo o
autor em exame, deveriam ser iniciadas na sala de aula. A finalidade dessas primeiras aulas
era “verificar se os alunos sabem indicar claramente a posição das coisas em relação a eles
próprios: à direita, à esquerda, adiante, atrás” (PROENÇA, s/d, p. 56). Depois de averiguado
o conhecimento sobre o assunto, caberia ao professor fazer os alunos se conscientizarem da
“necessidade de pontos fixos para a determinação das posições relativas, pois aquilo que está
à nossa direita também pode estar à nossa esquerda, adiante ou atrás de nós, conforme a nossa
própria posição” (PROENÇA, s/d, p. 56). O professor precisaria, em seguida, mostrar aos
alunos que no céu pontos fixos que contribuem para a orientação em toda a parte da Terra,
o que tem de ser feito necessariamente ao ar livre, com a utilização de denominações próprias
dos pontos cardeais, fixando a idéia e a linguagem característica.
Primeiramente aplicar-se-á atenção às questões de direção e sentido.
Traçar retas de Norte para Sul e vice-versa, caminhar de Este para
Oeste e vice-versa, dizer a orientação de uma rua, de um caminho, de
uma parede etc., eis os primeiros exercícios. Virá depois a
determinação da posição de uma coisa em relação a outra: a árvore
está ao Sul da escola, a escola está ao Norte da igreja etc.
A seguir se estudarão os meios de reconhecer os pontos cardeais, num
lugar desconhecido, à noite ou quando falte o Sol. Conhecer o
Cruzeiro do Sul, praticar o uso da bússola, observar o
desenvolvimento dos musgos e lichens na casca das árvores, conhecer
os diferentes aspectos da Lua conforme a sua posição, eis as questões
que se prendem diretamente ao problema da orientação. (PROENÇA,
s/d, p. 57)
Proença acrescentava que outro bom exercício de orientação poderia ser executado
com o auxílio de estampas ou quadros de paisagem. Após este aprendizado, estaria o aluno
pronto para aprender os pontos colaterais, os símbolos e desenhar, como aplicação da
geometria, a rosa-dos-ventos.
O terceiro assunto do programa elaborado por Proença era o primeiro mapa, acerca do
qual dava as seguintes instruções.
89
Numa folha de papel grande, estendida sobre o assoalho, traçará o
professor o retângulo da sala, indicando a posição de cada parede pelo
símbolo correspondente: N, S, E, O e W. Feito isto, indicará a posição
dos objetos (mesa, armário, carteira etc.) por meio de sinais
convencionados com a classe. Pronto o mapa será ele pendurado à
parede, de modo que o Norte fique para cima. Depois disto cada aluno
fará o seu mapa em ponto pequeno. (PROENÇA, s/d, p. 58)
O quarto assunto que propunha era o estudo da localidade como um todo. Para isso,
considerava necessária a observação direta da paisagem: “O professor levará a classe a um
ponto elevado, previamente escolhido por ele, donde se descortine todo ou quase todo o
horizonte.” (PROENÇA, s/d, p. 59) Assim, deste local, os alunos observariam todo o
horizonte e o professor deveria chamar a atenção das crianças para:
a) o horizonte visual;
b) a serra que corre além;
c) as irregularidades do terreno, colinas e vales; planícies e ladeiras etc.;
d) o rio que corre no fundo do vale;
e) a mata;
f) as plantações;
g) a linha divisória das águas;
h) as estradas e os caminhos;
i) as estradas de ferro e a linha telegráfica;
j) a cidade com seu contorno;
k) o mar, as linhas, as enseadas, os canais etc
.
O professor, alertava Proença, deveria despertar nas crianças a idéia de que além do
horizonte o mundo ainda continua. Além disso, outra atitude essencial seria mostrar “a relação
de dependência entre as coisas observadas: o rio faz uma curva por causa do terreno; a estrada
de ferro acompanha o vale do rio; as plantações estão de preferência nas baixadas etc.”
(PROENÇA, s/d, p. 60).
Quanto à modelagem em tabuleiro de areia úmida ou em argila, Proença a indicava
como um ótimo auxiliar do ensino de geografia, como também era a cartografia, mas
chamava a atenção para o fato de estes auxiliares serem somente meios, e não fins da
educação. Desta forma, não se poderia gastar muito tempo na execução e nem exigir dos
alunos a perfeição, pois isto seria “desvirtuar a finalidade do processo”.
Tratando da divisão do tempo, Proença apontava que haveria que deixar as crianças se
levarem pela aparência de que o Sol gira em torno da Terra, iniciando o aprendizado sobre a
divisão do dia e suas denominações. Para isso, seria “indispensável que as crianças observem
a marcha do Sol no céu, desde o prenúncio do seu nascimento até a culminação, e desta até o
desaparecimento do crepúsculo” (PROENÇA, s/d, p. 61). Parte da observação as crianças
fariam por conta própria, e no horário de seus estudos com o acompanhamento do mestre, que
90
poderia construir um relógio de Sol ou quadrante solar. Também se faria necessário o
professor mostrar a utilidade do relógio normal.
Para estudar a geografia física da localidade, Proença afirmava que o estudo poderia
principiar pela noção de rio, existente em qualquer localidade. Sublinhava que aquilo do
conceito de rio que não pudesse ser observado diretamente pelos alunos o professor poderia
mostrar de forma indireta (como através de estampas). Após isso, passaria a estudar as várias
formas do relevo, sempre acompanhado da terminologia própria. As excursões serviriam para
as crianças terem idéia do relevo do terreno. No tocante a outras formas de relevo não
presentes na localidade, o professor deveria trazer estampas para os alunos conhecerem. “Nas
suas excursões as crianças terão visto terras onde a vegetação se desenvolve e terão visto
outras onde as plantas crescem fanadas; terão visto mesmo porções quase estéreis do terreno.
O professor deverá chamar-lhes atenção para as diferentes qualidades da Terra, dando a cada
uma o seu nome próprio.” (PROENÇA, s/d, p. 64)
Haveria que iniciar o estudo sobre a flora conhecendo as várias formas de vegetação
(árvores, arbustos, ervas, gramas e musgos), os tipos de vegetação (floresta, caatinga, campo)
e os tipos característicos de vegetais (fetos, lichens, musgos, lianas, cogumelos, plantas
epífitas, parasitas). O estudo deveria ser realizado no local da vegetação e, na impossibilidade
de visualização de alguma delas, através de estampas trazidas pelo mestre.
Em seguida, segundo Proença, seria o “momento de se iniciar a observação dos
caracteres das plantas relativamente ao meio em que vivem” (PROENÇA, s/d, p. 66), um
estudo que relacionasse as plantas com as características do meio em que se encontram.
Assim se estabeleceria a influência da umidade da floresta fechada, da chuva em grande ou
em escassa quantidade, do Sol, do descampado, do tipo de solo e outras questões. Para ele, o
“essencial é que as crianças venham a compreender que a vida vegetal está sob a dependência
da água, do calor e da luz, e que, portanto, as plantas têm organização de acordo com o meio
em que se desenvolvem” (PROENÇA, s/d, p. 67). Ainda ressalvava que haveria de fazer
distinção entre a vegetação nativa e as que foram transportadas e adaptadas de regiões
estrangeiras.
Para isso, propunha que se iniciasse o ensino de geografia humana com a discussão da
alimentação, introduzida pela água como um fator determinante, já que todo animal ou planta
depende deste líquido para sobreviver. O homem também depende dela diretamente ou pela
necessidade de ter os animais e as plantas, mas esta dependência não seria somente biológica,
mas também social e econômica. “Quase todas as povoações foram fundadas nas
proximidades de um curso de água. Por quê? De que modo poderia uma população suprir-se
91
de água para si e para as plantas e os seus animais, se não houvesse água corrente nas
proximidades, nem fonte natural?” (PROENÇA, s/d, p. 76).
Discutindo a geografia matemática, composta pelo conhecimento do céu, a ser
ensinado desde o início do curso primário, assegurava o autor:
Basta que as crianças conheçam algumas constelações: o Cruzeiro do
Sul, Orion, o Touro, os Gêmeos. Mas para isto será indispensável um
pouco de observação à noite. Estarão os professores dispostos a esse
pequeno sacrifício? É provável que nem todos o estejam, porém todos
devem convencer-se de que a observação do movimento geral do céu
é condição essencial de sucesso nas futuras concepções. (PROENÇA,
s/d, p. 81)
Em seguida, dever-se-ia abordar o Sol, com conhecimento sobre as estações do ano.
Após, o “movimento e as fases da Lua são também assuntos a considerar” (PROENÇA, s/d, p.
81). Terminava alertando o professor para “não esquecer-se de que não se trata de astronomia,
mas tão-somente de fatos celestes, muito elementares, que tenham relação direta com a vida
ou sirvam de preparação para subseqüentes estudos” (PROENÇA, s/d, p. 82).
Após estas orientações sobre cartografia, o autor esboçou um plano de aula mostrando
como fazer o primeiro mapa com escala o da sala de aula, que daria suporte para os alunos
compreenderem a escala dos mapas murais.
Exemplificava sua explicação fazendo uma conjectura acerca de um tipo geográfico
escolhido:
Suponhamos que seja escolhido para tipo o porto de Paranaguá. O
conhecimento do porto implica o conhecimento da baía do mesmo
nome, o da cidade de Paranaguá, o da cidade de Antonina, o aspecto
geral da região, o dos meios de comunicação do porto com o interior
do Estado, o das produções da região, o do comércio de importação e
de exportação que se faz pelo porto, o dos costumes do povo. É que,
como se costuma dizer, um conhecimento puxa outro conhecimento e,
portanto, se quiséssemos concentrar no tipo escolhido todos os
conhecimentos que com ele se relacionam iríamos ao Estado inteiro e
até ao País inteiro. Vê-se bem que, embora não se façam explícitas as
relações de efeito e causas, elas são apresentadas implicitamente no
nosso método de ensino. Em Paranaguá existe um porto porque lá
existe uma baía; por causa do porto a cidade se desenvolveu; por
causa do porto se construiu uma estrada de ferro; devido à estrada de
ferro se desenvolveram na região certas indústrias e certos gêneros de
cultura; por causa do desenvolvimento industrial se exportam certos
gêneros; a cultura dependeu do clima e da qualidade das terras.
(PROENÇA, s/d, p. 97)
Proença acrescentava que, ao estudar “o porto de Paranaguá como tipo, os demais
portos serão estudados em comparação com o primeiro. Nem é necessário estudá-los todos.
Bastará estudar aqueles que apresentam caracteres distintivos muito salientes” (PROENÇA,
92
s/d, p. 98). A possibilidade de exercitar a correlação e a dispensa das aborrecedoras revisões
seriam os benefícios dessa forma de ensinar geografia.
O estudo assim feito, além da vantagem da correlação, à qual já nos
referimos, teria ainda a de dispensar as revisões e recapitulações
sempre fastidiosas para alunos e professores. Uma série de tipos
escolhidos de modo que se liguem e se entrelacem no seu
desenvolvimento permitirá revisão constante da matéria, porém de
cada vez sob um aspecto novo e com renovação de interesse. Quanto
ao resultado, é fora de dúvida que o País será descrito e estudado em
todos os sentidos e sob todos os pontos de vista (PROENÇA, s/d, p.
99).
Outro autor, João Toledo, criticando a denominada escola tradicional, afirmava que
nela somente havia assimilação de programas pela transmissão (sempre em linguagem
incompreensível para o aluno) de abundante conteúdo pelo professor. O método, segundo ele,
resumia-se à explicação do professor, que o aluno ouvia, além de ler o compêndio; embora
sem mais nenhum contato com o aprendizado e sem nenhum esforço em fazer aprender,
acreditava-se que ao final do curso estaria o aluno com todo o conteúdo compreendido.
Enfatizava-se a repetição sem reflexão de tudo o que fosse ouvido ou lido, inúmeras vezes;
Neste processo, “o professor esforçar-se-ia por todos, prepararia as noções, que ofereceria em
boa ordem para terem entrada e serem acumuladas nas inteligências receptoras” (TOLEDO,
1930, p. 11). Ele avaliava:
Não respondem pelo desacerto destes conceitos mestres veneráveis do
passado. A dedicação do nosso professorado, que queria ensinar
bastante e depressa; a falta, por ele sentida, de conveniente preparação
técnica; a ausência de finalidade educativa segura e bem definida
precipitaram as escolas de crianças em uma rotina lastimável, de onde,
com grande esforço, vai agora saindo. Ninguém erra voluntariamente,
é a regra; nosso erro é fruto da ignorância do que os grandes
educadores de tempos idos já ensinaram. Resta que acompanhemos os
novos de maior valor na restauração de princípios antigos deixados no
esquecimento, e pratiquemos, com interesse e boa vontade, o que os
seus estudos acurados e sua prática inteligente nos indiquem como
verdades (TOLEDO, 1930, p. 11).
Toledo contrapunha à escola tradicional a educativa, a que levaria o aluno a aprender
com o próprio esforço, em que o professor fosse apenas um orientador na busca do
conhecimento. Para o autor, o educando tinha de exercitar seu próprio aprendizado:
Da mesma forma que se exercita fisicamente para melhorar as
condições do corpo, ele pensa e esforça-se pensando, para chegar a
conclusões exatas e seguras e aplicá-las com acerto às exigências da
vida no lugar. Guiado pelo mestre, examina suas próprias atitudes em
face dos outros e das coisas, e procura, confrontando-as com modelos
que conheça, ajeitá-las melhor às legítimas conveniências do meio.
Não recebe, passivamente, conhecimentos comunicados por outrem;
93
mediante sugestões, elabora-os ele mesmo, observando, comparando,
concluindo (TOLEDO, 1930, p. 12).
Explicava que, para poder completar a transição, os professores teriam de se
qualificar, e para isso teriam de receber amparo:
E esse amparo aos que se acham em exercício pode ser dado pelas
publicações oficiais (instruções, revistas, livros), pelos cursos de
férias, pela orientação dos inspetores do ensino, pelas associações
pedagógicas (...) e, aos que agora se preparam, pelas cadeiras de
pedagogia e de didática das escolas normais (TOLEDO, 1930, p. 14).
João Toledo lembrava que o ensino deveria ser coletivo desde o início até a parte em
que as crianças começassem a copiar as cartas. Nesse momento, porém, passaria a ser
individualizado, e por isso o professor deveria ir até todos os alunos e conferir a realização do
exercício, além de fazer questionamentos a cada uma das crianças sobre o conhecimento que
estaria sendo adquirido. Quando os alunos começavam a copiar a carta geográfica, acreditava,
é indispensável percorrer ele todas as carteiras. Com o lápis, indicando
pontos do trabalho de cada um, pergunta nomes, pede esclarecimentos
e indica erros que devam ser corrigidos. Não corrige ele mesmo,
limita-se a chamar a atenção para o erro. Em tudo isto, seu empenho
deve ser grande, pois é trabalho indispensável, sem o qual o
aprendizado é ineficaz e fugidio. Completo um mapa, se deixa muito a
desejar, deve a criança inutilizá-lo e fazer novo, com redobrado
esmero. Esta repetição grava melhor e vale dez vezes mais que o
estudo feito em compêndio ou que a decoração de apontamentos
ditados em classe (TOLEDO, 1930, p. 236).
De acordo com o especialista em exame, o estudo de geografia é muito amplo e, por
isso, não deve o professor demorar em cada lição. Deveria ele ser breve mas, ao mesmo
tempo, teria de “ensinar bem” o assunto.
Ora, da amplitude do quadro e da necessidade indeclinável de seu
conhecimento resulta que o estudo não poderá ir além de noções sobre
coisas e fatos, elementares na parte geral, mais pormenorizadas com
respeito ao nosso meio, limitando-se o exame dos mesmos às linhas
mestras que o caracterizam, sem contudo perderem em clareza e
exatidão (TOLEDO, 1930, p. 198).
João Toledo criticava os excessos de zelo que alguns mestres tinham, querendo
ensinar tudo à criança. Muitas das coisas (como a noção de lateralidade) os alunos sabiam
ou aprenderiam com apenas uma explicação ligeira; sendo assim, não haveria necessidade de
enfastiá-los com explicações esmiuçadas e demoradas. As primeiras lições de geografia
poderiam ser ensinadas concretamente, vendo a paisagem local, mas, neste caso, o professor
deveria ter muito claro o objetivo da aula a ser ministrada. Jamais o mestre deveria distrair-se
ou aproveitar o momento de observação para ensinar às crianças outros assuntos que não
aquele definido desde o início. “O primeiro passo poderá ser dado na área de recreio, ou em
94
um vale próximo, ou no alto de uma colina – sempre ao ar livre, vendo o céu, vendo a terra, as
plantas, os animais e o trabalho humano”. Assim, completava, “saem os alunos do âmbito
estreito da sala de aula, em que só um ambiente social se respira, e integralizam-se na
natureza para observá-la, resumida em um recanto” (TOLEDO, 1930, p. 217).
Toledo explicava que, inicialmente, deveriam ser dadas as denominações dos
acidentes geográficos que fossem encontrados no passeio. Deveria o professor seguir com
diálogo vivo e agradável o plano que previamente tivesse traçado:
O professor traçou o seu plano que compreende o nome do ribeiro,
margens, leito, nascente ou cabeceira, foz ou embocadura, épocas de
enchentes e de vazantes, e depois monte, montanha, horizonte,
encosta, bacia. Reunidos os alunos mais ou menos em linha (a ordem
é indispensável para evitar desvio de atenção), começa o diálogo:
”Quem me conta porque se chama Córrego das Saracuras a este
ribeiro?” Uma das crianças dirá ter ouvido do pai que havia ali muitas
saracuras, principalmente no brejo, lá em cima, mas que os caçadores
mataram quase todas, e que foram elas que deram seu nome ao
córrego. (Fuja o professor à tentação de se demorar em comentários
acerca de destruição impiedosa e injustificável das aves; sua lição tem
outro objetivo.) “É isso mesmo: aos rios, aos lagos, às cidades, os
nomes são dados por motivos que a gente pode saber. Este córrego
tomou o nome às belas avezinhas que viviam por aqui” (TOLEDO,
1930, pp. 217-8).
Depois do passeio, a elaboração de desenhos retratando o que foi visto seria
necessária. Toledo alertava para que o mestre o esperasse desenhos perfeitos, mas simples
rabiscos, “um amontoado de borrões e riscos, confusos, ininteligíveis. Não importa, houve um
esforço mental para revê-la na memória; e com a imagem veio a lembrança de fatos
geográficos elementares, que alargam e aclaram as vistas primitivas” (TOLEDO, 1930, p.
219). Para o autor em análise, outros conteúdos que viriam em seguida também deveriam ser
iniciados com as visitas à natureza – acrescentava que seria impossível ter todas as aulas ao ar
livre, mas que quanto mais houvesse, melhor, no que também se afinava com Proença. As
aulas de geografia em sala de aula não deveriam se dar somente através de explicações
verbais: “elas não bastam porque, isoladas de ilustrações, iludem e falseiam a concepção das
coisas. Lembre imagens conhecidas, mostre gravuras sugestivas, desenhe, a traços largos,
acompanhados de explicações, os objetos que não possa mostrar” (TOLEDO, 1930, p. 220).
Toledo apresentava um roteiro ao professor, mostrando a maneira aconselhável de
ensinar geografia para as crianças do curso primário. Assim, o ensino deveria partir do que
fosse conhecido da criança e, depois, ir se ampliando, rumo a conteúdos desconhecidos;
somente assim se poderia empregar melhor o recurso da imaginação. Sem ter o domínio do
conhecido, do que estava próximo, seria mais difícil compreender o que estava mais distante.
95
O lugar em que a criança vive, os animais e as plantas que a cercam,
os fenômenos naturais e sociais que lhe são familiares, fornecem
imagens precisas para construção mental de coisas remotas que não
vê, e noções simples que facilitam a compreensão de fatos mais
complexos e menos comuns. (...) Depois de muitas observações
diretas e cuidadosas, feitas dentro do horizonte que circunda a escola,
a classe pode imaginar, com auxílio de gravuras e mapas, a lombada
extensa dos Andes, o volume e o curso todo do Amazonas, os limites
entre os países, as diferenças de vida dos povos da Terra. Sem essas
observações criadoras de imagens nítidas e verdadeiras, que geram a
concepção de outras terras e de outras águas, a realidade de tudo que
escapa aos olhos do estudante, em virtude da distância no espaço,
pode desfigurar-se e descambar para a fantasia (TOLEDO, 1930, p.
205).
Dessa forma, para João Toledo, o estudo da geografia teria quatro princípios básicos e
obrigatórios: deveria partir do ensino sobre a localidade, da geografia local, indo do
conhecido para o desconhecido, do próximo para o remoto. Haveria, também, que ter claro
que o ensino seria progressivo, ou seja, quantitativo: um conteúdo seria acumulado,
acrescentado a outro, anterior. Idêntica dedicação deveria ocorrer em relação ao ensino tanto
da parte física quanto da econômica, e para isso seria necessário saber equacionar bem o
tempo dedicado a cada um dos ramos da geografia. Além disso tudo, o bom ensino de
geografia provocaria curiosidade na criança, estimularia o aluno a buscar maior conhecimento
sobre o que foi ensinado em classe.
Toledo afirmava que o aprendizado da criança se realizaria com a execução da
atividade pelo próprio educando. Para isso, seria essencial colocar o aluno em contato com a
realidade. A criança sente necessidade de mover-se, de experimentar, de conhecer as coisas. O
que
impõe, como condição primeira, um ambiente apropriado às lições. As
aulas de noções comuns e de geografia, que criam a massa mais
compacta de conhecimentos utilitários, devem ser dadas, mais que
todas as outras, fora da sala, nos arredores da casa e em excursões a
lugares próximos. Este cenário, recortado em uma nesga do mundo,
reúne grande parte do material que objetiva o ensino e sobre o qual a
atividade do aprendiz pode exercer-se diretamente. Coisas comuns no
meio, a vida das plantas e dos animais, aspectos da Terra e do céu,
fenômenos atmosféricos, o trabalho humano, tudo é visto aí, sem
arranjos que desfiguram, na realidade em que existem e se
movimentam. As escolas dos centros populosos, que não têm
facilidades para satisfazer esta condição, lançam mãos dos recursos
possíveis, para reduzir os prejuízos que sofre a qualidade do seu
ensino (TOLEDO, 1930, p. 42).
Dessa forma, para o autor, o ensino de geografia e de noções comuns não deveria
ocorrer no mesmo espaço dos outros ensinos, ou seja, somente na sala de aula. Para ele, o
contato direto com a natureza seria imperioso ao estudo geográfico. Nessa situação, afirmava,
96
as escolas rurais estavam em vantagem com relação às urbanas (mais uma vez, à semelhança
de Proença), cujos professores deveriam
remediar as deficiências de colocação e instalação; sua inteligência
encontrará meios de aproximar os processos de ensino das normas
recomendadas, se atingi-las não for possível. E para isso terá ele de
colecionar objetos e gravuras, construir aparelhos simples de
verificação, preparar latas e caixõezinhos para cultura de plantas e,
sobretudo, adestrar-se em desenho rápido no quadro negro (TOLEDO,
1930, p. 46).
Para obter tal conhecimento, o estudioso em análise afirmava que se deveria ter rigor
quanto ao método de ensino, pois ele seria a medula espinhal da obtenção do conhecimento.
Seria dever do mestre estar ciente do objetivo a ser alcançado através do ensino de geografia.
O autor fazia severas críticas à velha forma de ensinar a disciplina:
Outrora, e não vai muito longe essa época, o estudo da geografia era
feito sem a preocupação dominante que tem em nossos dias:
relacionar fatos e coisas do seu domínio com a vida do homem. Tinha
o menino o seu compêndio, marcava-lhe o professor umas tantas
páginas que eram decoradas em casa, e depois repetidas na escola, em
voz alta. Se não gaguejava e não saltava um nome de lago ou de serra,
se não alterava a altitude de um pico ou a área de um país... a lição
estava boa e o ensino estava feito. Não se cogitava de verificar se o
aluno havia assimilado as frases aprendidas de memória; se dessas
frases ficaram algumas noções na mente da criança; se essas noções
eram suscetíveis de aplicação em casos ocorrentes e de promover a
melhora do educando. Nas escolas melhor orientadas, estendia-se um
mapa na parede, e o aluno, com o compêndio na mão esquerda e uma
varinha na direita, percorria a série de nomes registrados na lição, e,
procurando-os com cuidado, localizava-os na carta mural; depois
deixava o livro e, aos pulinhos da vara, corria o mapa de alto a baixo,
indicando cada acidente localizado e repetindo-lhe o nome: afinal, de
olhos fechados e atenção concentrada na página estudada e na carta
desfiava o seu rosário verbal. Com isto contentava-se ele, e o mestre,
de ordinário, muito mais. Nem de outra coisa se cogitava. Os efeitos
subjetivos do aprendizado só aos poucos se impuseram como
preocupação didática educativa; ia-se muito longe quando se
pensava em suas aplicações utilitárias imediatas (TOLEDO, 1930, pp.
202-3).
Nota-se que Delgado de Carvalho estava mais preocupado com o conteúdo que o aluno
deveria ter adquirido ao final do curso primário para poder ter um arsenal de conhecimentos
que lhe possibilitasse acompanhar bem o estudo secundário. Proença e João Toledo, por
pensarem a escola primária como a única a que a maioria da população teria acesso,
debruçavam-se mais sobre a questão do método utilizado pelo professor para conseguir
transmitir aos alunos os conhecimentos e valores patrióticos e nacionalistas que a nação
desejava que seu povo tivesse. Esses autores exemplificavam mais a forma que julgavam a
melhor para ensinar aos alunos, fornecendo planos de lições para o professor primário utilizar
97
com sua classe. Ao passo que o livro de Delgado de Carvalho era mais dedicado ao conteúdo
de geografia que o aluno-mestre deveria aprender na escola normal.
2.2 Da prática dos exercícios
Diante do exposto, cabem ainda outras perguntas: como seria, segundo os autores em
análise, o aprendizado do aluno? Que instrumentos seriam mobilizados para o ensino?
No tocante ao ensino primário de geografia, Delgado de Carvalho afirmava que a
representação por meio da produção de planta deveria ser aprendida aos poucos e partindo do
que fosse menor e mais próximo dos alunos para os objetos maiores e mais distantes. Para
isso, seria necessária a observação sistemática e orientada pelo professor do local ou objeto a
ser representado. Para o autor, representar “é reproduzir graficamente ou traçar a imagem de
um objeto ou de vários objetos, respeitando as sua distâncias respectivas e proporções, de
modo a tornar reconhecível o desenho a uma pessoa que não tomou parte em sua elaboração”
(DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 56).
O autor recordava que a criança tem facilidade de imaginar, de simbolizar e de
representar, o que deveria ser levado em conta pelo professor no momento do estudo da
representação gráfica. Também afirmava que a representação na horizontal, em papel
quadriculado, era mais compreensível do que a vertical, na lousa, e avaliava que
primeiramente os alunos do primeiro ano primário deveriam se familiarizar com a elaboração
dos traçados das “plantas de uma caixa de fósforos, seguindo apenas a lápis os seus contornos
e retirando em seguida a caixa, de um lápis, de um tinteiro, de um objeto qualquer. Pouco a
pouco, gradualmente, passa-se a representações em proporções, a carteiras de sala de aula, à
mesa, à própria sala e, por fim, ao prédio” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 57).
Para Delgado de Carvalho, o mapa explicaria o texto geográfico. Para o aluno do
ensino secundário dominar e compreender o compêndio geográfico, teria primeiro de saber ler
e interpretar o Atlas. Esse conhecimento sobre a leitura do mapa seria um conteúdo que a
escola primária teria de ter fornecido ao estudante, o que, segundo ele, normalmente não
ocorria.
O especialista explicava que a figura ou o gráfico permitiam compreender a
complexidade dos fatos ou fenômenos. “Um gráfico tem assim por fim apresentar claramente
a intensidade e as variações de um fenômeno, no tempo ou no espaço (DELGADO DE
CARVALHO, 1925, p. 185). Esses processos gráficos seriam de três tipos: diagrama,
98
cartograma e estereograma. O primeiro, segundo o autor, “é a representação gráfica de um
fenômeno por meio de figuras geográficas equivalentes aos algarismos estatísticos que
caracterizam este fenômeno” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 188). Trata-se dos
diversos tipos de gráficos.
As informações estatísticas representadas em mapa geográfico constituem o
cartograma. Delgado de Carvalho afirmava que esse tipo de processo gráfico tornaria a
explicação geográfica mais compreensível. Por isso, “em outros países, como nos Estados
Unidos, na Alemanha, na França e na Inglaterra, a tendência geral é de reduzir o texto e
ampliar os cartogramas” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 201). Esse processo daria a
localização no mapa da intensidade dos fenômenos e era muito usado principalmente pela
geografia econômica. O cartograma, segundo Delgado de Carvalho, requer que o aluno já
possua conhecimento da nomenclatura da geografia elementar, pois em sua maioria são mapas
mudos (sem nome de rios, locais etc.), uma vez que figuram fenômenos sobre o mapa
somente delineado. A preocupação é a localização de fatos como emigração, utilização de
meios de transporte, criação de suínos etc.
Os estereogramas geográficos são representações geométricas sólidas em três
dimensões, e justamente a terceira dimensão ao ensino uma maior clareza. Delgado de
Carvalho esclarecia que havia mais de 20 anos esses estereogramas geográficos penetraram
no ensino da geografia, mas que na época ainda quase não eram usados. Ou melhor, usava-se
muito esse tipo de material, mas não com a finalidade didática, e mais como produções para
fins do estudo geográfico. Ele afirmava que havia o registro da construção desse tipo de
material desde 1766, na Suíça. Nos Estados Unidos e países da Europa, os materiais (feitos
em argila, papelão, madeira ou cera) eram, em sua maioria, modelagens científicas para a
geografia. No Brasil, somente os estabelecimentos científicos se utilizavam desse
instrumento, pois a fabricação em larga escala, como seria o necessário para o uso didático,
ainda era muito cara na época.
Para o autor, a visualização mental dos acidentes geográficos era muito difícil e vê-los
efetivamente era a melhor forma de compreendê-los. Entretanto, como isso, em muitos casos,
seria complicado, a solução seria a visualização das representações sólidas em três dimensões
do assunto estudado. Assim, “Auxiliado por semelhante sólido, o professor verificará
facilmente que os alunos o acompanham sem esforços e não perdem um detalhe porque,
em vez de imaginar, eles vêem a realidade, que podem, além de tudo, alcançar com o tato”
(DELGADO DE CARVALHO, 1925, pp. 211-2).
99
Por sua vez, Proença, ao explicar cartografia, afirmava que a forma em esfera da Terra
dificulta a sua representação em mapa plano, de forma que sempre nos planisférios
deformação de alguma parte do planeta. Explicitava que não aprofundaria a explicação sobre
cartografia, limitando-se a elucidar como seriam construídas as cartas, pois, se mais
detalhadas, “seriam explicações incompreensíveis à generalidade dos professores primários,
pela falta da necessária preparação matemática e astronômica” (PROENÇA, s/d, p. 89).
Proença definia cartografia na linguagem escolar como “o desenho de mapas, seja pela
cópia de modelos, seja de memória, como exercício de mecanização ou trabalho de prova, ou
seja, ainda pela execução de planos levantados à vista” (PROENÇA, s/d, p. 91). Os exercícios
cartográficos, apesar de fundamentais, não deveriam ter importância exagerada, pois não
seriam as finalidades do estudo, e sim somente um meio, um auxiliar do ensino de geografia.
Para ele, o que se conseguisse com os exercícios cartográficos se conseguiria também com a
observação dos mapas murais. Ou melhor, “a pouca coisa se reduz, de fato, o proveito dos
exercícios cartográficos: memorização de formas, de localizações, de grandeza e distâncias
relativas, nada mais. Não se consegue tudo isto como estudo dos mapas?” (PROENÇA, s/d, p.
92).
A execução de exercícios cartográficos ou de modelagem, entretanto, teria também sua
vantagem, segundo Proença. Em tais exercícios, “quando racionalmente praticados, entram
em ação simultaneamente a inteligência, a vista e a mão, enquanto que o estudo dos mapas
exige apenas o concurso da inteligência e da vista” (PROENÇA, s/d, p. 92). O problema,
porém, estaria na incompreensão do uso da cartografia, em transformar o que seria um
simples meio em finalidade educativa. Quanto a isso, afirmava:
Temos visto em exposições escolares trabalhos tão caprichados e
perfeitos que não os diríamos obra manual. Obrigar um aluno a fazer
isto é um crime. São dias e dias perdidos, horas de esforço físico gasto
inutilmente. Qual é o valor prático de um trabalho dessa natureza?
Qual é o valor educativo? Isto é o que se pode chamar – desvio
pedagógico. Outras vezes o trabalho cartográfico absorve toda a
atenção do professor e do aluno. A geografia se reduz ao desenho de
mapas, a realidade é substituída pelo simbolismo. As noções se
aprendem para o mapa, o saber do aluno é julgado pelo mapa. A
cartografia é, então, uma finalidade. (PROENÇA, s/d, p. 92)
Para o estudioso, a cartografia não seria execução de desenho artístico, mas teria
somente a finalidade de “auxiliar a memória na fixação das formas, distâncias e situações.
Basta, portanto, o desenho aproximado” (PROENÇA, s/d, p. 93). Para evitar a perda de tempo
gasto em execução de mapas, recomendava o uso dos “cadernos com os contornos das cartas
debuxados” (PROENÇA, s/d, p. 93). Para ele, os exercícios cartográficos somente seriam
100
válidos se acompanhassem o programa de geografia. Assim, a cartografia deve ser uma
espécie de escrita dos pensamentos geográficos. Desde que a carta traçada seja legível,
satisfaz” (PROENÇA, s/d, p. 93).
Por sua vez, a utilização da carta geográfica, segundo João Toledo, somente deveria
ser feita a partir do segundo ano, “quando os alunos iniciarem o traçado da carta do Estado em
que residem” (TOLEDO, 1930, p. 230). O recurso da carta geográfica seria um grande
auxiliar para as aulas de orientação. Toledo apresentava seis normas didáticas (e a seriação)
que regulariam a utilização da carta geográfica nos quatro anos do curso primário. A primeira
norma dizia que a cartografia seria simplesmente auxiliar do ensino de geografia, não
devendo jamais o professor exigir perfeição na elaboração do mapa. Por outros termos,
desenhar mapas não seria a finalidade do ensino, e sim um meio para “melhor gravar na
memória a forma dos contornos de uma região, de um país ou de um continente; posições
relativas e distâncias aproximadas dos lugares a estudar, meios de comunicação que unem uns
a outros; zonas de produção de diferentes regiões, bem como acidentes geográficos cuja
situação e nome não podem ser ignorados” (TOLEDO, 1930, p. 232). Dessa forma, para
Toledo, o que importaria quanto à elaboração das cartas geográficas seria que o conhecimento
adquirido ficasse no cérebro da criança; as cartas, então, “uma vez concluídas, podem ser
lançadas ao fogo” (TOLEDO, 1930, p. 232).
A segunda norma: tudo o que fosse posto no mapa deveria ter um significado bem
claro e o professor esclareceria tal significação na exposição em aula. Todos os traços do
mapa deveriam representar utilmente um conhecimento, uma significação. “Desenrolar uma
carta mural diante da classe ou esboçar um mapa qualquer no quadro negro e mandar que os
alunos o copiem é fazer desenho e mau, e nunca fazer exercícios cartográficos úteis; é perda
de tempo, é lastimável desvio pedagógico” (TOLEDO, 1930, p. 233). Segundo o autor, assim
se dariam os exercícios cartográficos num bom ensino de geografia: “Nesta atividade a
criança traça uma linha e diz: ‘Este é o rio Tietê, nasce em tal município, banha tal e tal
cidade, e deságua no rio Paraná. Por aqui desceram muitos bandeirantes à procura dos sertões
de Mato Grosso e de outros lugares de nossa terra’” (TOLEDO, 1930, p. 233). Para ele, todo
exercício cartográfico deveria ser aliado à lembrança de algum conhecimento histórico, ou
seja, na imagem mental da criança deveria, simbolizando um fato natural, lembrar um
conhecimento histórico.
Desprezar as minúcias supérfluas e somente ensinar o essencial através da carta era a
terceira norma que Toledo apresentava para a execução dos exercícios cartográficos. Assim
ele ordenava para o ensino geográfico através da cartografia:
101
Aprenda-se pouco, mas aprenda-se bem, para nunca desaprender o
conceito determinante do estudo feito essas noções que
acompanham o indivíduo durante sua vida toda, ampliando,
esclarecendo, ajustando seus juízos sobre a terra e sobre o homem, e
indicando-lhe os caminhos de conformação da vida com as
contingências iniludíveis da natureza e da sociedade. Assim, embora a
carta seja parca em dados, toda ela falará ao menino, acerca da região
estudada, com a linguagem dos seus pontos, de suas linhas, de seus
claros-escuros, sem que um único sinal se conserve mudo como
incógnita, inútil, enfeitado apenas (TOLEDO, 1930, pp. 233-4).
A quarta norma que Toledo expunha dizia da necessidade de precisão dos traçados da
carta geográfica. Dever-se-ia procurar uma proximidade maior com o contorno real do que se
representava, mas ele alertava para não se perder tempo e energia em embelezar a carta: o
essencial não seria fazer uma carta esteticamente perfeita, mas uma o mais próximo possível
da realidade.
Na exposição da quinta norma, Toledo afirmava que os diagramas deveriam ser
dispensados porque falseiam a imagem mental que se procure construir, porque baralham a
relatividade das posições e das distâncias, e obscurecem o valor expressivo do conjunto”
(TOLEDO, 1930, pp. 234-5).
Por último, discorria sobre a atitude do professor para atingir as exigências que
apresentou.
Antes de tudo, deve saber traçar no quadro negro, sem o menor
embaraço e com a maior precisão possível, a carta da região a ensinar,
com todos os acidentes que a classe deva aprender, e somente com
esses. No início da lição, munidos os alunos de lápis e papel de jornal,
acompanham, linha a linha, o desenho que o mestre vai fazendo no
quadro negro. Cada traço reclama explicação completa; só depois
dessa explicação é que vem nova linha. Os rios devem ser sempre
traçados da nascente para a embocadura. Concluída a parte que a aula
comportar, toma o ponteiro e, indicando, um a um, os traços e os
pontos feitos, argúi as crianças acerca da significação e do nome de
cada um, pois que esse esboço deverá ser mudo. Na aula seguinte,
traça novamente e sem explicações a parte estudada na aula
anterior, e recapitula o estudo feito; os alunos, que guardaram o
esboço iniciado, seguem os acréscimos de hoje. E deste modo se
continua até que a carta esteja completa. Agora, podem as crianças
copiá-la em caderno e escrever as denominações recebidas oralmente;
e em quadros, ao lado, registrarão, com a máxima sobriedade,
indicações e dados estatísticos que devam ser memorizados e que se
prestem a estudos comparativos. no 2º semestre do ano poderia
o professor dar uma idéia da escala; antes desse tempo é contra-
indicada (TOLEDO, 1930, pp. 235-6).
Toledo apresentava a série de cartas organizadas com os seguintes assuntos. A
primeira série de cartas geográficas conteria desenhos, ou melhor, esboços dos lugares que os
alunos visitaram nas excursões. A segunda conteria o traçado do caminho da casa da criança
102
até a escola, com a localização de alguns acidentes do terreno. O conhecimento da orientação,
com a indicação dos pontos cardeais, deveria estar no papel da carta. A terceira se referiria ao
município em que a escola estivesse situada. Sem muitos pormenores, esta carta deveria
conter “os municípios limítrofes, os acidentes geográficos principais, as povoações ou bairros,
as fazendas mais importantes e as estradas de ferro e de rodagem” (TOLEDO, 1930, p. 237).
A carta do Estado em que situa a escola formaria a quarta série, contendo a localização dos
Estados limítrofes, das principais cidades, o traçado das principais estradas e dos acidentes
geográficos de maior relevância. A quinta mostraria a América do Sul e as principais
referências naturais e sociais, fazendo relações entre o Brasil e os demais países. A sexta
apresentaria o Brasil inteiro, em linhas gerais, com a divisão das cinco zonas naturais. Já as
séries que iriam da sétima à décima primeira tratariam com maior detalhe cada uma das zonas
naturais brasileiras, com seus aspectos naturais, sociais e econômicos. A décima segunda série
se constituiria do mapa do Estado em que funciona a escola, um mapa “tão completo quanto
possível, com atenção especial para as vias de comunicação, para as produções naturais, para
as da agricultura e da indústria pastoril” (TOLEDO, 1930, p. 239). A América do Sul, com
todos os países, excluindo o Brasil, seria estudada na cima terceira série de cartas
geográficas. O traçado elementaríssimo do mapa-múndi seria a décima quarta série. Por
último, da décima quinta à décima sétima série de cartas, seriam apresentadas a América do
Norte; Europa, Ásia e Oceania e, por último, a África, mostrando os países mais importantes.
Toledo apresentava uma seriação com 17 assuntos, com os respectivos tipos de cartas,
que o professor deveria ensinar ao longo dos quatro anos primários para as crianças. Tais
cartas deveriam acompanhar, esclarecer e fixar o estudo dos assuntos presentes no programa.
O que apresentava, afirmava, eram meras sugestões, e “a iniciativa e o saber do mestre, as
condições especiais da escola e dos alunos determinarão mudanças na ordem do aprendizado,
aumento ou diminuição de cartas ou dos pormenores que possa cada uma comportar”
(TOLEDO, 1930, p. 240). Mas o aluno deveria sair do quarto ano com idéia, embora sumária,
sobre o mundo todo. O especialista afirmava que a seriação de cartas que mostrava poderia
ser empregada para todo o curso primário e que atenderia a alunos de qualquer parcela da
sociedade, mesmo da mais carente: “Parece, entanto, ser ela suficiente para dar uma idéia,
mais ou menos segura, de elementos indispensáveis à educação, embora à educação de filhos
do povo” (TOLEDO, 1930, p. 236).
Nota-se que, para os três autores, as cartas geográficas seriam meios de compreender o
texto de geografia e de aprender a disciplina. Enfatizavam que deveria ensinar o aluno a
produzir e ler o mapa, mas condenavam a ênfase exagerada de muitos professores no recurso,
103
transformando-o em fim. Assim, o mapa que seria auxiliar para entender o conteúdo
geográfico se transformaria em desenho artístico.
Quais seriam os outros auxiliares do ensino geográfico proposto pelos três autores?
Delgado de Carvalho valorizava muito o uso de fotografias, cartões postais, projeções
fixas e fitas cinematográficas como auxiliares do mapa e do texto geográfico. Salientava,
entretanto, que o professor não poderia usar muitas imagens de um mesmo tipo sobre um
mesmo assunto, pois é próprio do aluno o espírito de curiosidade e apresentar uma imagem
sobre cada assunto já satisfaria a criança e não enfraqueceria a noção que deveria ser criada na
mente do estudante. Delgado de Carvalho citava o exemplo do uso de imagens pela professora
Armanda Álvaro Alberto na Escola Regional de Meriti, no Rio de Janeiro
20
. Segundo o autor,
seria um uso bem sucedido de um arquivo geográfico com fotografias, cartões postais e vistas
de vários gêneros, montado na escola para uso no ensino de geografia, em que os alunos
manuseiam o material na aula de geografia.
Para Delgado de Carvalho, o segredo do bom ensino com esses auxiliares seria o de
saber fazer que eles falem o que se quer que o aluno aprenda, que sejam escolhidos exemplos
que realmente representem o que se quer ensinar. Mas o fundamental estaria na boa
explicação do professor para que o aluno realmente compreenda a paisagem estudada.
Delgado de Carvalho explicava que a fotografia escolhida para auxiliar o ensino deveria
reproduzir a realidade do local, e não uma excepcionalidade. Teria de ser acompanhada de
uma ampla explicação. “Se o compêndio omitir o comentário, cabe ao professor fazer a
descrição e talvez mesmo ditá-la” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 142). Também
seria importante que a fotografia utilizada fosse de boa qualidade. O estudioso afirmava que:
De um modo geral, independentemente das ilustrações do compêndio
usado, todo professor de geografia deve procurar construir o seu
arquivo geográfico, acumulando documentos fotográficos, escolhendo
vistas adequadas ao ensino. Encontrará não somente fotografias como
também gravuras aproveitáveis em livros inutilizados e encontrará
grandes recursos em cartões postais. Convirá talvez escolher um
formato de papelão e colar as vistas sobre cartões, todas do mesmo
tamanho. Evitando delegacias fiscais e edifícios sem interesses,
conseguirá formar, em pouco tempo, um arquivo precioso
(DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 142).
20
A Escola Regional do Meriti, fundada em 1921, é tida como uma referência de escola que empregou os
princípios da Escola Nova. Migtot (2002) afirma que existem, em um livro-documentário, depoimentos feitos
pelos “importantes” renovadores: Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Edgar Süssekind de Mendonça,
Delgado de Carvalho e Paschoal Lemme, validando a relevância do trabalho de Armanda Álvaro Alberto. A
educadora foi uma atuante na ABE, defensora das idéias escolanovistas e signatária do Manifesto dos pioneiros
da Escola Nova. Mais explicações, cf. Mignot (2002).
104
As projeções fixas, assegurava, complementariam as ilustrações do livro e do arquivo
fotográfico, tornando-se um instrumento muito proveitoso para o ensino geográfico, embora
apontasse o problema da dificuldade de encontrar o material e o projetor, que não eram
vendidos no Brasil, à época. Delgado de Carvalho também apresentava como dificuldade a
necessidade de tornar este tipo de aula muito interessante, para facilitar o controle disciplinar,
que deveria ser mais rígido que o normal, pois “no escuro, durante dez ou 15 minutos, se
deseja manter uma certa disciplina, é essencial que saiba interessar os seus ouvintes. A
escuridão não é somente propícia aos crimes, mas, numa sala de aula, favorece a
irresponsabilidade individual e protege o anonimato das iniciativas perturbadoras da ordem”
(DELGADO DE CARVALHO, 1925, pp. 143-4).
O cinematógrafo, enfatizava Delgado de Carvalho, era o “grande auxiliar do ensino
tanto da geografia como de todas as ciências naturais”, nele se fixando “incontestavelmente o
futuro pedagógico por excelência” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 145). O problema
estaria no alto custo da instalação do material.
Proença, de sua parte, por achar que o aspecto regional deveria ser intensificado, não
apresentava nenhuma série de tipos para o desenvolvimento do ensino, cabendo ao professor
elaborá-la. Quanto à preparação do ensino, aconselhava:
Preparação para este ensino o professor procurará adquirir nos livros
de viagens, nas revistas ilustradas e nas publicações oficiais. De muito
pouco auxílio lhe serão os compêndios de geografia ou corografia do
Brasil, pelo modo por que comumente tratam a matéria.
Material indispensável, sem falar nos mapas murais, que,
obrigatoriamente, acompanham o desenvolvimento de todas as lições,
são as estampas e cartões-postais ilustrados, para a fixação dos
aspectos. E não será difícil ao professor conseguir uma boa coleção de
gravuras. As próprias crianças se encarregarão, de boa vontade, de
auxiliá-lo nesse particular. Coladas em cartões e classificadas
devidamente, as gravuras serão de uma utilidade extraordinária no
estudo da geografia descritiva. (PROENÇA, s/d, pp. 99-100)
Para ensinar o conteúdo do programa que propunha, ou seja, as lições-tipos, Toledo
afirmava ser necessário o uso de “meios auxiliares do bom ensino da geografia”. Seriam eles:
1º) observação direta contatos de todo dia, excursões, viagens; 2º)
gravuras, postais, lanternas de projeção, cinematógrafo; 3º) esboços
cartográficos, diagramas; 4º) mapas murais e globos; ) compêndios,
narrações de viagens, monografias diversas (TOLEDO, 1930, p. 213).
Estes auxiliares teriam a função de evitar a “memorização puramente verbal” no
aprendizado de geografia e fazer do ensino desta matéria algo mais objetivo.
Complementarmente, a ordem dos estudos deveria ir do mais fácil para o mais difícil, assim,
“as noções novas, que cada passo acrescenta, incorporam-se às velhas sem custo e facilmente,
105
e a base, assim ampliada, aumenta o seu poder aquisitivo numa cadeia contínua de
esclarecimentos sucessivos” (TOLEDO, 1930, pp. 213-4).
2.3 O suporte material do ensino-aprendizado
Respondidas as indagações anteriores, via exposição da forma como os especialistas
estudados discutiram os assuntos propostos, resta discutir o suporte básico dos ensinamentos
de geografia, ou seja, a materialidade dos livros didáticos.
Delgado de Carvalho afirmava que o livro deveria ser a explicação do mapa, e jamais
um local que contivesse infinitas listas para ser meramente decoradas pelos alunos para
posterior recitação. O autor condenava o livro que não servia para explicar o mapa e as formas
geográficas que poderiam ser vistas pelo ser humano. Afirmava que um bom livro seria como
“o manual moderno [que] é feito para coordenar fatos, explicá-los, dizer exatamente o que o
mapa não pode dizer” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 66).
O autor fazia muitas censuras ao ensino de geografia da época, incluindo-se na própria
crítica, que ele também escrevera compêndios didáticos para o ensino secundário e era
professor do Colégio Pedro II, como aludido. Para ele, até então somente se decoravam
nomenclaturas na geografia, não havendo estudos descritivos e analíticos dos assuntos
tratados, quando o estudo geográfico na escola primária deveria ser mais simples e mais
próximo da compreensão do aluno. No seu entender, seria muito mais válido o professor se
utilizar de outros recursos de ensino que não o livro, que este exigiria do aluno muito mais
o poder de elocução e expressão e pouco o de observação, ao passo que as figuras, os objetos
e as coisas fariam que as crianças observassem e entendessem geografia.
É mais fácil ensinar por meio de livros e de palavras, porém, em
geografia é mais proveitoso ensinar por figuras, por objetos, por
coisas. O menino tem faculdades de observação muitíssimo mais
desenvolvidas do que as suas faculdades de elocução e expressão; por
isso convém fornecer-lhe maior material de observação, muito maior
número de realidades do que jamais poderá decorar (DELGADO DE
CARVALHO, 1925, p. 72).
Pensando no ensino para além do primário (incluindo este nível), Delgado de Carvalho
afirmava que o compêndio era o suporte do programa, mas não deveria ser o único
instrumento de ensino. Assim, o texto “é o guia que indica e cobre o programa, isto é, o
caminho a percorrer, segundo se acha traçado na economia geral do ensino e de acordo com o
plano de um autor”, mas, ponderava, “limitar-se a ele seria dispensar a visita a um museu,
106
contentando-se de ler o catálogo crítico dos objetos que se acham expostos. O mapa, a carta
geográfica, o diagrama e o gráfico constituem os elementos indispensáveis, às vezes,
reproduzidos em pequena escala no texto, mas forçosamente dentro de limites, em número
reduzido e sempre insuficiente” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, pp. 109-10).
Para Delgado de Carvalho, o compêndio não deveria esgotar todos os assuntos do
programa de geografia. Ele elogiava os manuais dos Estados Unidos, pois neles haveria cinco
tendências que os levariam a “alcançarem grande perfeição”, quais sejam: “1 organizar
melhor os assuntos 2 torná-los menos enciclopédicos 3 omitir questões incidentais 4 dar
maior desenvolvimento aos pontos de maior importância – 5 organizar melhores questionários
e fontes de estudo” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 112).
Na visão do autor em exame, o compêndio não deveria dizer sobre tudo, mas somente
o indispensável, e requerer mais da inteligência do que da memória do aluno. Ou melhor,
somente o que é entregue à reflexão deveria ser exigido da memória. O autor afirmava que o
aluno teria necessariamente de memorizar algumas coisas, mas somente alguns nomes
próprios e fatos, devendo deixar para o Atlas a maior parte das informações. O compêndio
deveria dizer o que o Atlas não fosse capaz de explicar, mas jamais repeti-lo.
Delgado de Carvalho criticava os professores que exigiam dos alunos que somente
decorassem o livro para recitá-lo ao professor como prova de que estudaram a lição do dia.
Isto “não é suficiente para saber se ele compreendeu ou estudou inteligentemente. É
necessário, além disso, discutir o ponto com ele, fazer perguntas e submeter-lhes problemas e
resolver. Ora, neste último caso, é bom o estudante auxiliar-se de seu livro” (DELGADO DE
CARVALHO, 1925, p. 114). Por outro lado, o autor afirmava que o método moderno tendia a
transformar a aula de geografia em reunião de estudiosos em questões geográficas. O cuidado
que se deveria ter era não esquecer que o texto teria de continuar a ser a base da
argumentação, para não haver prejuízo quanto à interpretação. O especialista tomava
emprestada de Branom a afirmação de que “o textbook toma o lugar de importância de um
instrumento, de uma fonte de informação, uma inspiração, um estímulo, um guia e um
intérprete das leis” (BRANOM apud DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 114).
No seu entender, o compêndio era “inútil nos primeiros anos da escola primária”,
tornando-se “necessário quando a palavra do mestre deu aos alunos os primeiros
conhecimentos práticos de geografia. Na escola secundária, além de necessário, é
indispensável” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, pp. 115-6). Para o autor, seria papel do
professor dar aos alunos a instrumentalização para que eles pudessem, cada vez mais, tornar-
se autônomos para consultar o compêndio sozinhos. Assim, o percurso seria: “da dependência
107
exclusiva do mestre, o aluno, ao progredir nos estudos, passa a depender do compêndio, logo
que dele se sabe utilizar inteligentemente” (DELGADO DE CARVALHO, 1925, p. 116).
O autor acreditava que a realização do que era proposto nos programas dependeria da
adoção de uma nova orientação no ensino geográfico, a qual, por sua vez, dependeria dos
compêndios de geografia. Para isso, o livro não deveria ser volumoso nem enciclopédico e
teria de aguçar a curiosidade do aluno. Para que isso se realizasse,
O compêndio moderno deve ser claro, conciso, sugestivo e fornecer
suficientemente material de estudo para despertar no estudante o
desejo de procurar mais ainda. O compêndio deve ser exato, ao par
dos progressos científicos da geografia, das descobertas, das
inovações e mudanças. Por isso mesmo, deve ser um livro de recente
edição: o nada que envelheça mais rapidamente do que um livro
de geografia, é quase como um anuário (DELGADO DE
CARVALHO, 1925, p. 116).
para Proença os livros seriam sintéticos e não atraentes, pois “a quem conhece a
matéria tais livros servem para reavivar noções já adquiridas ou para fornecer dados ou
informações. Para aprender por eles, não servem” (PROENÇA, s/d, p. 95). Seu defeito maior,
segundo o autor, seria a falta de correlação dos assuntos: haveria sempre uma mesma ordem
na exposição da matéria sobre o País (a mesma forma de exposição ocorreria com relação ao
Estado): “Comumente vem a matéria exposta nesta ordem: situação geográfica, limites,
população, aspecto físico, montanhas, rios, lagos, cabos, ilhas, baías, portos, produções
naturais, divisão administrativa e, às vezes, clima, comércio e indústria” (PROENÇA, s/d, p.
95).
Dos vários assuntos apresentados, o mais importante, para o estudioso, não era
mostrado: “aparecem a natureza e a obra do homem, mas o homem não aparece. A Terra fica
sendo assim como um vasto deserto, onde a humanidade viveu e de onde desapareceu,
deixando apenas os traços de sua passagem nos monumentos de toda espécie” (PROENÇA,
s/d, p. 96). Ou seja, a manifestação da inteligência do homem através do trabalho, o assunto
fundamental, seria ignorada nos livros. “Entretanto, o elemento preponderante deve ser o
homem, mas o homem manifestando a sua inteligência no seu trabalho contínuo e produtivo.
A natureza mesma não tem vida.” (PROENÇA, s/d, p. 96) Proença prosseguia, afirmando
que: “na verdade o que caracteriza a geografia é o dinamismo. Tudo na Terra manifesta força,
movimento, vida. Em tudo se percebe reciprocidade de ação e reação. O rio não cessa de
arrastar a terra, aprofundando, alargando, modificando o seu leito” (PROENÇA, s/d, p. 96).
Mais adiante, explicava mais uma vez a sua posição:
108
A falta de correlação no ensino não permite que se mostre ao
estudante a correlação natural que existe entre os fatos. O Estado de S.
Paulo é um grande produtor de café, dizem os compêndios friamente.
Obra do acaso? Não estará o fato dependente do clima, da natureza do
terreno, das condições topográficas, das facilidades de comunicação e,
ainda, de uma série de fatores de ordem histórica e social? É
necessário estabelecer-se esta correlação ou, então, não se faz
geografia. É verdade que o ensino primário não comporta indagações
completas no que diz respeito a causas e efeitos, todavia é possível
fazer-se a apresentação dos fatos agrupados segundo as relações que
os mesmos mantêm entre si, e isto basta como preparação para futuros
estudos mais completos e profundos. (PROENÇA, s/d, pp. 96-7)
O autor afirmava que nem todos os países ou regiões do mundo interessariam ao
brasileiro, criticando os compêndios que dividiam igualmente os pontos sobre todos os países.
Do ponto de vista prático, segundo ele, somente deveria oferecer maior extensão de estudo o
conhecimento sobre os países que deram ao Brasil imigrantes ou com os quais mantinha
relações comerciais.
Nós somos um país de imigração. Presentemente o que mais nos pode
interessar é o conhecimento da gente que vem para o nosso país, e isto
implica o conhecimento dos seus países de origem. Somos também
um país importador e exportador, e as mútuas relações comerciais
necessariamente nos levam a interessar-nos pelo conhecimento dos
países com que negociamos. (PROENÇA, s/d, p. 102)
Sobre os demais, “há mesmo alguns países que nos são indiferentes. Basta-nos saber
que existem e que estão localizados em tal ponto” (PROENÇA, s/d, p. 101).
Muitos autores, segundo João Toledo, criticavam mais os maus compêndios do que os
maus professores. Para estes críticos, a má formação do mestre poderia ser compensada com o
auxílio de um bom livro. Entretanto, avaliava, contra um mau compêndio somente poderia
lutar um professor bem prevenido, ou seja, bem formado; ademais, ao bom mestre cumpriria
ir além, ampliar o conhecimento contido no livro de estudo. Toledo também afirmava que os
compêndios antigos não explicavam os dados que apresentavam, não relacionavam as ações
dos homens com as transformações ocorridas no mundo:
Os compêndios de outrora eram, sem dúvida, rosários de definições
vagas e listas de palavras. Definiam latitude e enunciavam o nome de
um rio, de um porto, e não explicavam a influência que exercem a
latitude, esse rio e esse porto na vida do homem, visto isoladamente
ou em relação com os outros homens. A matéria estudada era coisa à
parte das outras, sem conexão íntima e necessária com a existência de
um povo, com o seu crescimento, com o seu destino; uma descrição
pura e simples de alguns fatos e de muitas coisas (TOLEDO, 1930, p.
204).
Toledo ponderava que os compêndios modernos poderiam ser mais do que seguidos
pelos mestres: deveriam ser ampliados por eles, pois
109
o compêndio moderno envereda por caminho novo, e o mestre deve
acompanhá-lo. Traça as diretrizes, desdobrando a matéria na ordem
em que o aprendizado se opera; enlaça os diversos assuntos, criando a
unidade do programa a executar-se; indica as aplicações imediatas que
os conhecimentos autorizam; sugere meios de avivar a imaginação e
criar o entusiasmo relativos à terra e à gente. Mas tudo isso em
síntese; ao mestre cumpre ampliar, com seus próprios recursos,
hauridos na experiência pessoal, na leitura de monografias, relatórios,
livros de viagens, o resumo que o compêndio esboça (TOLEDO,
1930, p. 204).
Os três autores faziam fortes críticas aos compêndios que se utilizavam de listas
infinitas para os alunos decorarem sem apresentar explicações inteligentes. Os estudiosos
também concordavam na avaliação de que o livro não deveria ser demasiadamente extenso e
nem gastar a mesma quantidade de espaço para todos os assuntos e localidades da Terra,
devendo dar mais atenção aos assuntos que mais interessavam aos brasileiros.
A questão do uso do compêndio também era citada. Os autores não viam jamais o
livro como o único instrumento de ensino de geografia: o livro deveria guiar o trabalho do
professor e sua explicação com a base teórica, mas o educador também deveria utilizar-se de
fotografias, mapas, excursões e, principalmente, de observação direta da natureza. O
aprendizado, assim, deveria se dar de forma prática, na qual os alunos deveriam interagir com
os materiais que levavam ao conhecimento e com a natureza.
As prescrições dos três autores estudados sobre como e através de quais instrumentos
se deveria ensinar geografia para o primário leva a ver as semelhanças e as diferenças entre
eles.
A utilização do recurso da imaginação está fortemente presente nos textos. Para que o
aluno pudesse ter lembranças de paisagens, os autores sempre invocavam a necessidade das
excursões, de visualização da natureza. Assim, o aprendizado, para eles, deveria se dar
sempre através do concreto, da participação ativa do aluno observando a natureza ou através
da manipulação de materiais auxiliares de ensino. Tratava-se de aprender com o próprio
esforço. Os três autores sempre condenaram o verbalismo e o decorar o conteúdo sem
compreender o significado, sem conseguir vinculá-lo à realidade.
Delgado de Carvalho teve sua formação na Europa, onde fez vários cursos superiores.
Quando veio para o Brasil, conhecedor das teorias recém-desenvolvidas no exterior,
discutiu a educação e os métodos de ensino, mas não tanto quanto Proença e João Toledo: sua
preocupação maior era com a ciência e com o ensino secundário. os outros dois autores
tiveram toda a sua formação voltada à educação. Estudaram em escolas normais importantes
de São Paulo, exerceram a profissão de professores de normalistas e também atuaram em
110
cargos de direção e de poder do ensino paulista, enfim, ocuparam lugares de destaque na
trajetória da vida educacional paulista. A metodologia do ensino e a compreensão de como os
alunos aprendiam eram, para eles, as preocupações maiores.
A discussão sobre a geografia para o primário não se circunscreveu somente aos livros
dos autores aqui analisados. Nos periódicos da época também são encontrados debates sobre a
disciplina, sob os temas: conteúdo, metodologia, instrumentos auxiliares de ensino, teorias
sobre a infância e sobre a ciência geográfica. A análise desse outro tipo de material é
importantíssima, pois amplia o conhecimento sobre a discussão e as prescrições para essa
disciplina do primário.
111
III A DISCUSSÃO SOBRE ENSINO DE GEOGRAFIA NOS
PERIÓDICOS ESPECIALIZADOS: A REVISTA EDUCAÇÃO
3.1 A divulgação dos livros de Delgado de Carvalho, Firmino Proença e João Toledo na
Revista Educação
Outro tipo de impresso destinado ao debate e análise dos assuntos educacionais da
escola primária eram as revistas sobre educação. Nesta direção, a revista Educação foi
selecionada para análise por ser um importante periódico especializado e, ainda, por ser
subordinada ao órgão do governo estadual responsável pela educação era, portanto,
publicação pedagógica oficial. Um segundo motivo foi a grande circulação das idéias dos três
autores aqui analisados. Por fim, outra razão para a escolha da revista é que, analisando os
artigos que tratavam do ensino de geografia, pôde-se notar que houve uma grande discussão
sobre o programa da disciplina. As revistas oficiais eram lugares privilegiados de poder, em
que o debate sobre educação estava sendo posto. Era estratégia dos responsáveis pelas revistas
apresentar as discussões sobre conteúdo e método de geografia (da forma que a entendiam).
Estudar os periódicos educacionais oficiais se faz necessário porque eles mostram os
métodos e concepções pedagógicas prescritas na época. Tais publicações tinham como
fundamento principal guiar a prática cotidiana do professor: recomendavam determinadas
práticas, valores e normas de condutas; ofereciam informações sobre o conteúdo e a
metodologia dos programas oficiais, a forma de conduzir a classe, o uso de materiais de
ensino; elogiavam certas correntes pedagógicas e criticavam outras e assim por diante. Por
isso a análise das revistas educacionais constitui-se em fonte privilegiada de estudo para a
história da educação.
Para Catani, a pesquisa sobre os periódicos constitui “um meio próprio para a
investigação de múltiplos aspectos do funcionamento do campo educacional” (CATANI,
1997a, p. 79). Para ela o estudo das revistas educacionais revela dados e oferece pistas para
entender melhor a educação da época, pois os periódicos especializados em educação
“divulgam conhecimentos e propagam as opiniões dos profissionais sobre o trabalho, a
qualidade de ensino e os projetos pedagógicos” (CATANI, 1997a, p. 80).
Catani acrescenta que a análise dos periódicos educacionais é de ótimo proveito para
um estudo sobre a história das práticas e saberes escolares:
112
a análise das revistas de ensino do período imediatamente posterior ao
advento da República e das primeiras décadas deste século [XX] no
Brasil tem permitido conhecer várias dimensões da vida escolar e da
organização do espaço profissional dos educadores. Saberes e práticas
que transitavam entre os professores, traduções de medidas legais e
idealizações sobre a qualidade de ensino constituem grande parte das
produções dessa imprensa periódica educacional (CATANI, 1997b, p.
155).
Caspard e Caspard (1997, p. 33) fazem uma pesquisa grandiosa sobre a imprensa
pedagógica francesa, a partir da qual afirmam que os historiadores da educação pouco
estudam a história da imprensa pedagógica, trabalho que seria importantíssimo porque os
periódicos sempre tiveram um papel fundamental na formação contínua dos professores. Isso
porque parte dos professores primários não foi formada pela escola normal e os que nela
foram formados normalmente não faziam outros cursos de aprimoramento ao longo da
carreira de professor
21
. É nesta perspectiva que se analisa aqui a revista Educação: como
possível veículo de formação do professorado primário tanto dos que não fizeram escola
normal (os professores leigos) quanto dos formados que usavam os impressos especializados
para sua atualização.
A revista Educação, órgão da Diretoria-Geral da Instrução Pública (que tinha como
diretor Amadeu Mendes) e da Sociedade de Educação, começou a ser publicada em outubro
de 1927. O periódico foi publicado de 1927 a 1961, período ao longo do qual foi mudando de
nome algumas vezes: de 1927 até 1930, chamou-se revista Educação; de 1930 a 1931,
Lourenço Filho a denominou Revista Escola Nova; de 1931 até 1932, voltou a se designar
Educação; de 1933 a 1943, foi denominada Revista de Educação e, finalmente, de 1944 até
seu encerramento (em 1961), novamente recebeu a denominação de revista Educação. Em
todas essas cinco fases, a revista pertenceu ao órgão do Estado de São Paulo responsável pela
educação (somente em sua primeira etapa havia parceria com a Sociedade de Educação de
São Paulo).
Na revista Educação os planos de lição eram mais raros do que no periódico que a
precedeu (Revista Escolar), predominando textos que discutiam e analisavam as disciplinas
escolares. Sobre geografia foram encontrados quatro artigos teóricos, dois planos de lição,
dois assuntos para planos de lição, três sobre bibliografia e dois teóricos sobre astronomia.
21
Eles citam um especialista em ensino primário que enfatiza o papel fundamental dos periódicos na formação
contínua do professor: “a tarefa complexa e delicada que deve realizar o professor exige ser sem cessar
renovada, posta em dia, atualizada, através da aquisição de novas informações e da aprendizagem de novos
métodos. Além disso, o professor deve ser ajudado a resolver as incertezas que ocorrem a cada momento da sua
tarefa cotidiana a partir de guias autorizados; para tanto, os jornais pedagógicos desempenham um papel capital”
(FERRÉ apud CASPARD; CASPARD, 1997, pp. 33-4).
113
Na sua primeira fase, a revista possuía uma comissão mista para sua orientação. Dos
cinco membros, três eram da Diretoria-Geral da Instrução Pública de São Paulo
22
e dois da
Sociedade de Educação
23
. Vilela (1997), analisando a Educação, afirma que o teor e o tom de
vários assuntos que apareceram na Revista da Sociedade de Educação voltaram a ser
publicados no periódico em exame.
Vilela aponta os objetivos e finalidade da revista Educação: os objetivos eram
“publicar a orientação oficial do ensino e os debates de maior importância travados na
Sociedade de Educação”. Sua finalidade “era direcionar e auxiliar o professor na tarefa
pedagógica e ser um fórum para os debates travados entre os educadores e demais intelectuais
preocupados com as questões do ensino” (VILELA, 2000, p. 141).
Vilela, em outra obra, assevera que muitos planos de lições, contendo as lições de
coisas, foram publicados na revista para orientar o trabalho do professor primário, sempre sob
o esquema perguntas e respostas prontas para serem imitados na sala de aula, sem
embasamento teórico algum. Entretanto, quando se tratava de artigos que discutissem os
fundamentos e princípios da pedagogia ou das outras ciências, o leitor esperado não era o
professor primário:
Educação, desde sua fase inicial, sempre publicou artigos destinados a
orientar os professores dos três graus de ensino. Seus conteúdos foram
bem diferenciados, conforme o público-alvo que se pretendia atingir.
Os autores das matérias, ao se dirigir aos especialistas e aos
professores do ensino secundário e superior, procuravam fundamentar
nos princípios da pedagogia e suas ciências auxiliares psicologia,
sociologia, medicina etc. as opiniões que exaravam. Não obstante, a
maioria dos articulistas da revista deixava de lado este embasamento
quando se tratava de escrever para o professorado do primário
(VILELA, 2000, p. 188).
No primeiro período da revista foram publicados artigos sobre as três primeiras
Conferências de Educação e das Semanas de Educação promovidas pela ABE, mostrando a
grande importância dada a estes eventos. A primeira Conferência foi realizada em Curitiba,
em 1927, e resultou em 14 trabalhos transcritos na revista. Em Belo Horizonte foi realizada a
segunda, da qual Educação publicou nove trabalhos. Em 1929 foi realizada a terceira
Conferência, em São Paulo, redundando em 35 trabalhos publicados em Educação.
Para Vilela (2000), nas Conferências o diálogo era entre “educadores de escol”, ou
seja, entre a elite pensante e/ou dirigente do sistema educacional. Os argumentos eram
baseados na ciência e na razão. A essas Conferências ela contrapunha as Semanas Brasileiras
22
Dr. Amadeu Mendes, Dr. Roldão de Barros e Prof. João Toledo.
23
Prof. Lourenço Filho e Prof. Pinto e Silva.
114
de Educação, porque intentavam atingir diretamente o professorado do ensino primário e o
público em geral. Nessas Semanas aconteciam exibições públicas, palestras, festas,
competições e prêmios, a fim de inculcar no povo a necessidade de higiene, puericultura,
cuidado com o corpo, civismo e patriotismo. Era uma aproximação entre lar e escola.
Sobre o caráter mais teórico das Conferências, Vilela enfatiza que:
Marta de Carvalho acredita que o “novo” de Fernando de Azevedo e
de outros educadores que apresentaram teses nas Conferências não era
apenas a incorporação ingênua e “fora do lugar” de valores culturais
da Europa e dos Estados Unidos. Este “novo” ou moderno perseguido
pelos educadores da década de 20 e 30 era um conjunto de reflexões
capazes de nos dotar de “modelos” que permitiriam não a
compreensão de nossa realidade, mas a construção de um Brasil
“moderno”. A fala romântica da época da Proclamação da República
foi substituída pelo discurso dos especialistas e cientistas. Com uma
linguagem pedagógica e moral, esse discurso propunha um projeto
civilizatório capaz de romper com nosso atraso e nos colocar na
“modernidade”. Seus discípulos tinham como tema central a tensão
entre “identidade nacional” e “superação do atraso colonial”. Aqueles
intelectuais perceberam as possibilidades disciplinares dos novos
métodos e destes se apropriaram, na medida em que se adequavam à
ordenação da sociedade e à organização da escola sob o modelo da
fábrica, exigência dos “novos tempos”. Para Marta de Carvalho, havia
complementaridade na atuação dos educadores e dos industrialistas
(VILELA, 1997, p. 41).
Não se pode esquecer que “profissionais da educação” nos anos estudados nem sempre
eram professores ou pessoas que se graduaram e trabalhavam diretamente na área da
educação. Quanto a isso, Vilela esclarece:
Os autores das teses apresentadas nas Conferências, os chamados
“profissionais em educação”, eram médicos, advogados, engenheiros
(principalmente da Escola Politécnica), higienistas, todos preocupados
com as exigências de uma nova pedagogia para a sociedade. A grande
maioria deles tinha uma visão do “povo brasileiro” – isto é, das
classes populares como composto por uma massa ignorante, doente
e apática. Sua auto-representação como “elite” pensante outorgava-
lhes o direito de reordenar a sociedade (VILELA, 1997, p. 41).
A segunda fase da revista Educação recebeu de Lourenço Filho o título de Escola
Nova e representava somente a Diretoria-Geral do Ensino, perdurando de outubro de 1930 a
julho de 1931. Foi editada em três volumes, contando ao todo com dez números. Para marcar
a continuidade, havia uma advertência dizendo: “2ª fase da revista Educação”.
Desde o início da publicação Lourenço Filho expôs o projeto da Escola Nova para São
Paulo. Para o responsável pela revista, a educação de São Paulo não deveria se restringir à
alfabetização: deveria também melhorar os costumes. Para isso, o processo didático deveria
ser renovado subitamente. Referindo-se ao novo quadro político do Brasil, da Revolução de
115
30, com Getúlio Vargas, Lourenço Filho propugnava “para um Brasil novo, uma Escola
Nova” (apud VILELA, 2000, p. 19). Para atingir seus objetivos, propunha a união da
assistência técnica da Diretoria de Ensino com a “liberdade do professor”. Assim, a revista
seria responsável por atualizar a cultura pedagógica e a crítica bibliográfica dos professores.
Vilela recorre a Carvalho para esclarecer o binômio liberdade do professor/assistência
técnica, tão proclamado pelos adeptos da Escola Nova. Segundo Carvalho, era
uma das certezas pedagógicas partilhadas pelos reformadores
escolanovistas. A relação reformador/professor deveria espelhar a
relação professor/aluno tal qual propugnavam os preceitos
escolanovistas abraçados, relações nas quais uma esfera de
intervenção do aprendiz – no caso, o professor – era reivindicada
como condição da aprendizagem (apud VILELA, 2000, p. 19).
Essa autonomia didática “era coerente com os princípios da Escola Nova que
nortearam a proposta, substituindo a prescrição de modelos a serem seguidos pelos
professores pela idéia da instrumentalização dos professores mediante os fundamentos”
(SOUZA, 2004, p. 144). Assim, Lourenço Filho defendia a existência de “programa mínimo”
único para todos, mas que fosse adaptado em cada escola pelos professores.
Dessa forma, a seção Informações apresentava a circular de Lourenço Filho (diretor-
geral) esclarecendo os principais pontos do programa da nova administração do ensino:
“ampla autonomia didática, dentro das normas compatíveis com a boa regularidade do serviço
e adoção de técnicas que se baseiam num conhecimento objetivo da criança e compreensão da
finalidade social a que devem tender as escolas” (apud VILELA, 2000, p. 19). Preservando o
lugar de poder da Diretoria da Instrução Pública, o número dois da revista foi inteiramente
dedicado aos programas.
Na terceira fase a revista voltou a ter o primeiro nome: Educação. Editou-se de agosto
de 1931 até dezembro de 1932. Nesse período, pertencia à Diretoria-Geral do Ensino de São
Paulo. Segundo Vilela, houve novamente uma mudança de discurso nessa etapa. Para a
autora, nesse terceiro momento da revista não haveria uma coesão quanto ao projeto
pedagógico proposto. Também teria sido a fase em que maior número de autores escreveu
artigos. Ao mesmo tempo, houve uma diminuição do valor dado à autoria dos textos, não
aparecendo junto à assinatura a caracterização profissional ou acadêmica dos autores.
Em qualquer fase da revista, segundo Vilela, Educação não publicava temas
polêmicos, consensuais. O professor primário deveria ser instruído, aconselhado, mas não
chegava a ser um interlocutor.
O periódico, em todos os anos de sua existência, nunca foi uma
publicação polêmica: seus articulistas emitiam opiniões na maioria das
116
vezes quase consensuais; se houve oportunidade de alguma
controvérsia, certamente a direção do periódico não patrocinou a
continuação dos debates. Uma das poucas polêmicas para a qual a
revista abriu espaço entre Sud Mennucci e Renato Jardim, sobre
métodos de alfabetização e escola ativa – foi transcrita de outros
periódicos para pequenas notas na seção “Através de revistas e
jornais” (VILELA, 2000, p. 113).
Vilela credita o não aparecimento de divergências nas páginas da revista ao fato de os
organizadores de Educação não acreditarem na possibilidade de debate entre eles e o maior
público leitor da revista, ou seja, o professor primário:
Esta ausência de debates, mesmo em se tratando de discutir
“correntes” ou “escolas” de determinadas ciências ou disciplinas,
talvez seja explicável pelo fato de que, em várias ocasiões, os
discursos dos articulistas (quase todos pertencentes às nossas elites
políticas e/ou intelectuais) da revista demonstravam, na prática, que o
público-alvo prioritariamente visado por Educação, o professorado
primário, era um segmento da população que merecia ser guiado e
aconselhado, mas não alçado à categoria de interlocutor (VILELA,
2000, p. 114).
A Educação pode ser vista como um espaço de propaganda de livros da coleção
Biblioteca Pedagógica, organizada por Lourenço Filho, um dos organizadores da revista. Os
livros editados nessa coleção eram constantemente inseridos no periódico. Educação pode ser
considerada a “estratégia de intervenção e imposição do programa de formação do professor
de Lourenço Filho” (TOLEDO, 2005).
Carvalho, analisando a coleção Biblioteca de Educação (em que o livro de Proença
está inserido), afirma que
o trabalho põe em cena as representações do editor quanto às
disposições, expectativas e competências de seu público leitor,
analisando-as como elementos-chaves para a compreensão de uma
estratégia editorial destinada a formar um novo professor para uma
nova escola. Essas representações fornecem índices dos critérios que
operaram a seleção dos títulos, dos autores e dos assuntos que
configuram a Biblioteca de Educação, balizando o itinerário de uma
“mudança a fazer-se no espírito do professorado” através do livro
(CARVALHO, 2003b).
Pretendia-se, assim, transformar a mentalidade e a prática do professor. A coleção não
consistiu no único recurso utilizado para tal propósito: os artigos das revistas Educação,
Escola Nova e de Educação também fizeram parte do arsenal empregado para promover a
mudança idealizada pelos escolanovistas.
117
3.2 A Circulação de Proença, Delgado de Carvalho e João Toledo e de seus
títulos nas páginas da Educação
Delgado de Carvalho, Firmino Proença e João Toledo apareceram muito na revista
Educação. Quanto ao primeiro, sua obra e pensamento foram muito referidos na revista. Não
artigos escritos por ele, mas as referências a sua nova forma de compreender o ensino
geográfico estiveram presentes em muitos textos que tratam da geografia. Por sua vez,
Antônio Firmino de Proença e João Augusto de Toledo foram autores muito presentes nos
artigos de Educação. Na primeira fase da revista (1927-30), Proença produziu 13 artigos, na
maioria planos de lições primárias, modelos de aulas com textos explicativos para o professor
sobre o conteúdo a ser tratado e recomendações didáticas para o professor primário executar
em sala de aula. Os elogios à obra de Proença circulam entre diversos artigos sobre ensino de
geografia, dando ênfase a seu caráter inovador. Proença escreveu sobre diversos assuntos para
a Educação, mas o que predominou foram as ciências naturais. Note-se que não se tratava de
planos de lições ideais, com formato de perguntas e respostas predeterminadas entre professor
e aluno, como era comum nas revistas Ensino e Escolar. João Toledo escreveu menos para a
revista Educação (ao todo, sete artigos), porém estava mais presente no periódico, pois fazia
parte da Comissão de Redação da revista, situando-se, dessa forma, no grupo de comando.
Apresentam-se, a seguir, alguns dos artigos que trataram exclusivamente da obra de
algum desses autores.
Sud Mennucci (1928) ofereceu uma longa apresentação, na seção Através dos livros,
da obra de Firmino Proença, Como se ensina geografia. Mennucci afirmava que Proença
trouxe uma nova forma de ensinar geografia sem, porém, romper totalmente com o “quadro
do regime em vigor” – ou seja, sem mudança radical com o sistema de ensino –, o que o faria
mais bem aceito pelos professores, pais e sociedade em geral. A obra de Proença, segundo
Mennucci, estaria dentro da orientação que traria as “normas que suavizem a aprendizagem de
nossos filhos, em descobrir, pelo estudo, pela reflexão, pela observação, pela argúcia,
caminhos novos que efetivem a transição dos conhecimentos com o mínimo dispêndio de
esforço” (MENNUCCI, 1928, p. 60).
Para Mennucci, a geografia sempre se dirigiu exclusivamente à memória, demandando
dos alunos somente recitarem lições inconscientemente. Mennucci assegurava que a obra de
Proença era contrária a essa forma antiga de ensinar geografia. Para ele, o livro seria um guia
para todos os professores tanto para ensinar aos alunos como também para seu próprio
118
aprendizado sobre geografia (já que todos os professores foram muito mal formados na
disciplina).
Mennucci salientava que Proença reafirmava a crítica que Delgado de Carvalho
fizera aos compêndios de geografia brasileiros. Para os autores, os manuais pouco auxiliariam
no ensino geográfico, pois somente repetiriam o que estava no Atlas e fariam decorar listas e
mais listas de nomes de lugares que não tinham importância alguma para as crianças. Essas
seriam algumas das causas do horror que os alunos teriam da disciplina.
O livro de Proença viria, assim, repor em evidência o caso do ensino de geografia.
Escrito em estilo claro, límpido, conciso, expondo o assunto com uma simplicidade e uma
habilidade dignas de um professor, acompanhado inclusive de planos de lições, reconciliaria
muitos mestres-escolas com a disciplina e granjearia adeptos mesmo naqueles que a
detratassem (MENNUCCI, 1928, p. 61).
Com fortes críticas ao ensino da geografia tradicional, Estrada (1929), em artigo na
revista Educação, apresentou uma resenha com elogios à obra de Proença aqui analisada.
Estrada afirmava que o texto de Proença se voltava contra o trabalho exaustivo de
memorização que tanto se empregava no ensino de geografia até então. O autor retornava a
Rui Barbosa, que Proença citava no livro e que já fizera décadas antes sérias críticas ao ensino
e aos livros de geografia, pelo fato de somente requererem do aluno decorar nomes e
números, além de o estudo começar nos livros pela Europa, passar por todos os continentes do
mundo e somente no final tratar do Brasil. Para Estrada, Proença seguiria uma “orientação
nova que vem sendo dada a esses estudos, desde Vidal de la Blache, Ratzel, J. Brunhes (...) e,
entre nós, Delgado de Carvalho e raros mais” (ESTRADA, 1929, p. 311).
Alduíno Estrada (1929b), em outro número da revista (na seção Bibliografia
Pedagógica), apresentava novamente uma lista de livros cuja leitura reportava recomendável
para os que se interessavam pela educação. O autor afirmava que a sua intenção era “divulgar
os autores e os precursores do movimento escolar brasileiro e os educacionistas estrangeiros
que maior influência tiveram e têm tido na evolução do ensino entre nós” (ESTRADA, 1929b,
p. 333). Dentre os livros da lista estão: Como se ensina geografia, de Firmino de Proença, e
Didática, de João Toledo, a publicar-se no ano seguinte.
O nome deste último autor, por sua vez, aparecia assinando plano de lição sobre a
“geografia renovada”, sobre o Rio Tietê (1930a). Consta em observação que o plano seria
inserido no seu Didática. No início do artigo o autor desenvolvia as recomendações
metodológicas para execução da aula. Afirmava ele que, como todo assunto relacionado à
geografia, o que se referia ao Rio Tietê também deveria ser lecionado com o auxílio de mapa
119
neste caso, um mapa do Brasil. Afirmava ele também que o professor deveria fazer no
quadro negro o esboço do Estado de São Paulo, em giz de cor. Este esboço deveria ser
semelhante ao desenho impresso que o autor inserira na página da revista. Nesse desenho feito
na lousa o professor deveria ir assinalando “tão-somente os pontos aos quais a lição fizer
referências. No correr das explicações, o ponteiro passará de uma a outra das cartas, pois que
o mapa mural completa o desenho” (TOLEDO, 1930a, p. 176). Após tal explicação
metodológica, o educador apresentava um texto explicativo em que havia a descrição do rio,
sua função histórica e sua função econômica e, por último, reproduzia duas lendas sobre o
Tietê.
Nas páginas da revista Educação houve discussões sobre o método e conteúdo para o
ensino de geografia do primário. Nesta direção, Backeuser (1927) afirmava que a ciência
geográfica era, ao mesmo tempo, uma ciência antiga e moderna: antiga porque conhecida
desde os povos antigos, como os egípcios, assírios, babilônios, gregos e romanos, os quais já
haviam feito a descrição da superfície da Terra. Para o autor, a expansão de cada povo no
planeta fez que a geografia se desenvolvesse como ciência. Mas também seria uma ciência
moderna porque teria características muito diferentes das que possuía até meados do século
XIX: no seu entender, a geografia antiga somente descreveria a Terra, enquanto a moderna a
explicaria. “Depois principalmente das seguras diretrizes que lhe deu Davis, procura dar a
‘explicação’ do que se passa sobre a Terra” (BACKEUSER, 1927, p. 301). A partir de então,
o geógrafo não mais estaria preocupado em apenas indicar dados.
Para o autor, o estudo da antiga geografia era facilmente esquecido pelos alunos
24
,
tendo em vista que “o que de cor se aprende, depressa se esvai da memória (...). Decorre disso
o sucesso fugaz das crianças que começam a estudar geografia, ‘que souberam e não sabem
mais’” (BACKEUSER, 1927, p. 301). a geografia moderna, acreditava, seria uma ciência
completamente diferente da antiga, que
raciocina, que “explica”, que induz, que deduz, que “prevê” fatos
físicos e acontecimentos sociais; uma geografia que tem, portanto,
todos os característicos de uma verdadeira ciência; uma geografia de
que podemos determinar as origens no século passado, nas obras de
Humboldt e Karl Ritter, que se consolidam com Peschel e Ratssel; que
se alargou com Davis, com Dubois, com Vidal de la Blache; com
Henderson, com Richtofen, com Supan, com Hethner e de que hoje
são sacerdotes conhecidos os Pencks, os Brunnes, os Hunddington, os
Maull, os Obst, os Vallaus (BACKEUSER, 1927, p. 302).
24
Backeuser, ao fazer sua crítica à geografia antiga, mistura a ciência com a disciplina escolar. Daí poder-se
presumir que, para este autor, a disciplina seja dependente direta da ciência.
120
Criticava tanto os que privilegiavam da geografia somente seus aspectos físicos (como
Richtofen, Suess, Supan e Martonne) quanto os que dela extraíam apenas os caracteres
humanos (como La Blache). Para o autor em exame, a geografia seria exatamente a união dos
aspectos humanos e naturais, ou melhor, “a geografia é a ligação estreita e indissolúvel entre o
solo e o homem” (BACKEUSER, 1927, p. 305). A geografia, para o estudioso, não seria
somente o estudo do cenário da ação da humanidade, porque o cenário sem o homem não tem
sentido e o ser humano interage com e transforma o local em que habita. De forma
semelhante, também não seria somente o estudo do homem, porque este age segundo as
condições naturais da região em que vive. Para ele, a geografia seria o estudo de três fatores
inter-relacionados: o solo, o clima e o homem, sempre os localizando no espaço e no tempo.
Backeuser criticava as definições de geografia de Richtofen
25
, Rathe
26
e de Delgado de
Carvalho
27
, as quais considerava muito vastas, configurando-se inacessíveis para o
conhecimento humano.
Gonçalves (1928), por sua vez, afirmava que a moderna visão de ensino que começara
se desenvolver no Brasil, unida à idéia de Humbold, Ritter e Ratzel
28
, rejuvenescera os
objetivos do ensino de geografia, tornando-os mais racionais e claros. Para o autor, o ensino
da disciplina sofrera mudanças significativas:
não se procura que o aluno leia e guarde de memória o que dizem
os livros de texto, nem tão-somente compreenda o que se acha no
compêndio, ainda que apreciando os fatos interessantes ali narrados.
Mestres acanhados, inimigos do estudo e do trabalho, rotineiros, ainda
se dão ao ensino da geografia descritiva ou dos fatos físicos e
políticos, isoladamente; nunca, porém, os professores cônscios de seu
dever, amigos da juventude. Qual a utilidade apreciável do ensino da
geografia descritiva e dos fatos em si, quando todas as coisas se
mudam? Que se o muda no tempo e no espaço? (GONÇALVES,
1928, p. 235).
A geografia descritiva seria muito relativa, ou seja, o que se afirma em um momento
muda, como tudo, com o passar do tempo veja-se o exemplo do índice de exportação de
produtos, nomes de capitais de países como a Rússia –, enfim, o “aspecto, a nomenclatura e a
política da Terra se mudam no decorrer de alguns anos” (GONÇALVES, 1928, p. 236). Dessa
forma, segundo o autor, seria inútil obrigar os alunos a decorar uma enorme quantidade de
dados, como a geografia descritiva impunha, pois isso tornava o seu estudo um “tirocínio
25
Para quem a “geografia é o estudo da superfície da Terra”
(cf. BACKEUSER, 1927,
p. 310).
26
Define geografia como “a ciência da Terra”
(cf. BACKEUSER, 1927, p.
310).
27
No entender do qual “geografia é a descrição da Terra especialmente em relação ao Homem”
(cf.
BACKEUSER, 1927,
310).
28
“A descrição do cenário não é tudo, porque esse cenário só toma valor e realce quando o homem nele penetra e
começa a desenrolar o drama histórico”
(cf. BACKEUSER, 1927,
306).
121
escolar”, despertando “aversão à geografia que se lhes apresenta como um fantasma
apavorante”. Mas, se bem ensinada, seria “interessante, curioso e racional”, além de ter
grande importância para a formação geral da pessoa humana (GONÇALVES, 1928, p. 237).
Segundo Gonçalves, as idéias de Humboldt foram apropriadas pelos pedagogistas e
transformadas em maneiras interessantes de ensinar a geografia pelos mestres progressistas.
Para o autor, somente compreendendo a verdadeira finalidade da ciência geográfica poderia o
mestre desenvolver maneiras melhores de ensinar.
No entender do autor em análise, despertar profundamente o interesse do aluno do
primário pelos assuntos geográficos seria o papel, a finalidade por excelência do estudo
geográfico. Em suas palavras:
O trabalho do professor de geografia tem de ser dirigido com o fim
único de despertar no aluno interesse pela matéria. A moderna
pedagogia diz ser um dos objetivos da escola estabelecer e
desenvolver interesses profundos e duradouros que possam perdurar
durante a vida adulta. A geografia não é um meio de aprender fatos,
nem é um mero “estímulo do espírito para fins passageiros”. O seu
fim é despertar interesse que acompanhe o aluno a vida toda. Se uma
criança, no fim de sua carreira, é indiferente ou positivamente hostil a
assuntos geográficos, os seus professores fracassaram de maneira
considerável, por melhor que tenha sido o exame dela. Se um
indivíduo, porém, anos depois de concluídos seus estudos colegiais,
ainda manifesta interesse e é sensível aos fatores geográficos na sua
experiência, muito aprendeu e vitoriosos foram seus professores, ainda
que as provas dele tenham sido, talvez, bem fracas. Um aluno assim
muito aproveita nas suas viagens, observando os modos pelo qual o
meio ambiente influi sobre as atividades e modo de vida das pessoas;
enriquece-se na leitura de livros onde descobre os modos pelos quais
as causas geográficas influem sobre o caráter e o destino do homem
(GONÇALVES, 1928, p. 237).
Para o autor, o ensino de geografia deveria apelar à razão, despertar curiosidade e ser
agradável. Raciocinar sobre a geografia e buscar o conhecimento seriam necessários à criança
que, “pela observação e pelo raciocínio, e sob a orientação do mestre, é quem deve descobrir e
conhecer os fatos geográficos” (GONÇALVES, 1928, p. 238). Para ele, o ensino da geografia
deveria desenvolver pensadores que buscassem as causas e finalidades, e não indivíduos que
soubessem de cor dados geográficos. Gonçalves afirmava que A geografia científico-
filosófica, de acordo com o desejo da criança de saber a causa de todas as coisas, investiga os
princípios, as causas e seus efeitos” (GONÇALVES, 1928, p. 238). No seu entender, é em
seqüência de causa e efeito que os fenômenos geográficos estão vinculados, e é desta forma
que devem ser estudados, pois a vida vegetal, animal e humana estão estritamente ligadas aos
e dependentes dos fenômenos atmosféricos e litosféricos (que, por sua vez, são determinados
122
pelo fenômeno solar). Essas relações de causa e efeito deveriam ser referidas à vida moral e às
manifestações essencialmente humanas. Para o autor, “o estudante de geografia estuda os
efeitos na vida humana e no trabalho, causados por seus esforços no sentido de dominar e
modificar o seu meio ambiente. As relações, de causa e efeito, são, pois, centrais no estudo da
geografia e não incidentais” (GONÇALVES, 1928, p. 239). O autor esclarecia a diferença
entre a geografia descritiva e causal, dizendo que:
A geografia descritiva diz que o arroz se cultiva em terraços no Japão,
mas a geografia causal explica que o arroz precisa ser cultivado em
campos capazes de ser inundados e que por esse motivo são nivelados,
sendo o Japão um país montanhoso. A geografia descritiva afirma que
uma grande parte da Mongólia é um deserto desabitado, mas a
geografia causal explicando os efeitos do relevo sobre os ventos e
destes sobre as chuvas diz a causa da situação. É a geografia causal
que nos explica a diferença da fauna e da flora, as causas dos ventos,
das chuvas etc. (GONÇALVES, 1928, p. 239).
Ernestino Lopes da Silva (1928), de sua parte, criticava o ensino de geografia nas
escolas primárias. Assinalava que este estudo seria limitado à enfadonha e monótona
decoração de nomenclaturas e faria que os alunos criassem horror a esta matéria. Para ele, o
estudo de geografia deveria ser mais útil e, para isso, deveria tomar “por base a
predominância da parte físico-política, no seu máximo caráter econômico e comercial, para
auferir os valores justos de cada povo na ânsia de progresso” (SILVA, 1928, p. 75).
Analisando alguns planos de aula propostos por Sampaio (1929), Odette Bittencourt
(1929) e Freitas (1930) destinados ao ensino de geografia no ensino primário e publicados
na revista Educação –, nota-se a presença de detalhes que mostravam passo a passo todas as
tarefas que o professor deveria desempenhar em sala de aula. Minuciosamente, descreviam
como deveriam ser as falas do professor e as respostas que os alunos deveriam dar às
interrogações do mestre, como também as pausas em sua exposição verbal. Em Bittencourt se
constatava, além do detalhamento, a exortação a figuras ilustres da história e ao nacionalismo.
Esta forma de exposição do texto destinado à preparação do professor é semelhante à
encontrada nas revistas de Ensino e Escolar. Em Sampaio (1930), por exemplo, registra-se a
presença de um Assunto para planos de lição, um texto explicativo relacionando o conteúdo
que o professor daria em aula sobre rios e lagos.
na Revista Escola Nova, Ulysses Freire (1930) esclarecia que a Diretoria-Geral da
Instrução Pública, baseando-se no princípio da autonomia didática, mandara os professores
primários elaborarem o programa de ensino primário para o ano de 1931 para suas respectivas
classes. O autor, no intuito de auxiliar os professores do segundo ano primário, elaborou “uma
123
análise profunda ao velho programa e, discriminadas as matérias, uma exposição prática de
como se deve processar o ensino, na base da metodologia indicada” (FREIRE, 1930, p. 267).
Para a geografia do segundo ano primário, Freire afirmava que o professor deveria
sempre que possível realizar a aula ao ar livre. Para ele, o tabuleiro de areia e os trabalhos
plásticos com barro somente seriam usados quando o tempo não permitisse estudar fora da
sala de aula. O emprego de diversos mapas e do recurso da realização de viagens imaginárias
“de uma cidade a outras, fazendo-os viver momentos agradáveis, aliados à verdade dos fatos”
(FREIRE, 1930, p. 272), deveria ocorrer para os alunos compreenderem as cidades do Estado
e as estradas de ferro.
Para Freire, o estudo da geografia física e da extensão do Estado de São Paulo e do
Brasil deveria ser feito “não por definições teóricas mas por fatos ou trabalhos que possam ser
constatados ou feitos sempre com a colaboração da criança para que o estudo não resulte
artificial e supérfluo” (FREIRE, 1930, p. 273).
Na retomada da revista Educação,
Liberato Bittencourt (1933), membro da Sociedade
de Geografia do Rio de Janeiro, afirmava que até 1930 a geografia era ensinada no Brasil se
valendo puramente da memória e da nomenclatura. Era uma ciência de almanaque, na qual
“abusava-se da memória, com esquecimento quase completo do raciocínio”
(BITTENCOURT, 1933, p. 262). Entretanto, a partir daquele ano, mudanças no ensino da
área estariam sendo lentamente realizadas. Assegurava que a geografia era uma ciência vasta
e como tal deveria ser explorada e conhecida, para o que concorria a Sociedade de Geografia
do Rio de Janeiro. No artigo, comentava a publicação de sua própria obra Curso racional de
geografia, disposta em três volumes:
O primeiro, eminentemente propedêutico, tratando do sério problema
geográfico, tal e qual é ele hoje considerado nos grandes centros
cultos, em Alemanha especialmente; o segundo, essencialmente
geográfico, ocupando-se com o estudo descritivo e racional da Terra,
com tudo o que lhe diz respeito; o terceiro e último, genuinamente
particular, cuidando apenas do Brasil. Ao primeiro volume compete a
face filosófica da questão magna; ao segundo, a face científica; ao
terceiro, a face corográfica, a de alcance imediato, a mais útil
porventura no ponto de vista pedagógico, social e prático
(BITTENCOURT, 1933, p. 263).
Outro autor que abordou o ensino da disciplina, Pinto (1934), estabeleceu o campo de
ação da geografia. Afirmou que esta é a ciência que descreve a Terra e, ao fazê-lo, deveria
estudar a vida terrestre, ou seja, a natureza, inclusive com relação ao todo do Universo, o que
abrangeria a astronomia. A geologia também seria abarcada pela geografia, ao estudar a
gênese e a formação do planeta, e o estudo relacionando os seres vivos englobaria a biologia e
124
a antropologia. “Dessas relações, advém a divisão comum da geografia em matemática, física,
biológica e humana” (PINTO, 1934, p. 20). Assim, a geografia teria como objeto um campo
vasto de ação. Ele esclarecia do que trataria cada ramo da geografia:
A geografia matemática estuda a terra como planeta, sua forma,
dimensões e movimentos: fornece, também, os elementos necessários
à construção das cartas geográficas. A geografia física ocupa-se dos
elementos sólido (litosfera), líquido (hidrosfera) e gasoso (atmosfera)
da Terra. A geografia biológica tem por objeto a distribuição das
plantas (geografia botânica ou fitogeográfica) e dos animais (geografia
zoológica ou zoogeografia) na superfície do globo, como fenômenos
geográficos, isto é, procura explicar essa distribuição pela influência
da natureza. Vem, enfim, a geografia humana, ou antropogeografia,
que trata da atividade política e das relações do homem com a Terra
(PINTO, 1934, p. 20).
Pinto também criticava o ensino de geografia, reduzido a decorar nomenclaturas.
Contrapondo-se a essa idéia de memorização de conteúdo, ele indicava, em seu escrito,
caminhos que no seu entender renovariam esta disciplina e definiam como deveria ser a
geografia escolar, cuja maior finalidade seria a patriótica. Resgatava, assim, alguns autores
que considerava avançados, como Delgado de Carvalho, Antonio Firmino Proença e Alípio
França, além de estudiosos estrangeiros (PINTO, 1934, p. 25). Para ele, o estudo de geografia
não se limita a fazer o aluno conhecer os nomes dos rios, a situação
dos lagos ou a população e superfície de determinadas regiões. Assim,
a geografia, além de satisfazer o interesse científico, deve ter um fim
educativo (o preparo do sentimento patriótico) e ser encarada como
um elemento de cultura geral (PINTO, 1934, p. 27).
Dessa forma, ele concordava com a idéia de Alípio França, professor de pedagogia da
escola normal da Bahia e autor de Noções de metodologia e de organização escolar, para
quem a importância do ensino geográfico estava em que “desperta de certo modo o
patriotismo, fazendo conhecer o território trio, seu clima e suas belezas naturais”
(FRANÇA apud PINTO, 1934, p. 27). Pinto também afirmava que o estudo de geografia no
primário deveria principiar do ponto mais próximo ao aluno, o seu local, e que teria de partir
do “concreto para o abstrato”. Voltava-se, neste mister, a França, que assegurava, sobre a
geografia para o ensino primário:
O ponto de partida do ensino da geografia é o estudo da geografia
local. Esta ciência repousa em grande parte sobre a intuição; o método
intuitivo se tem apoderado do ensino da geografia, como de todas as
outras disciplinas. As primeiras lições de geografia são
verdadeiramente lições de coisas: os americanos chamam-nas lições
de lugares. No ensino primário, isto é, no ensino ministrado a crianças
inaptas para abstrações, a vista do objeto é condição primordial e o
elemento principal do conhecimento (FRANÇA apud PINTO, 1934,
p. 28).
125
Assim, para Pinto, estudando a localidade o aluno poderia, posteriormente, conhecer o
mundo inteiro. Segundo ele, a geografia científica deveria aparecer somente nos cursos
superiores, mas o aluno do curso primário poderia estabelecer leis e princípios gerais da
localidade. O autor recomendava o emprego dos métodos pedagógicos, analítico e intuitivo,
nas lições de geografia local e regional.
No artigo também se apresentava o programa de geografia e cosmografia da Diretoria
Técnica de Educação do Estado de Pernambuco, de 1929. O programa seguia as orientações
do professor argentino Victor Mercante. O programa para o primeiro ano partia da planta da
sala de aula e do prédio escolar e passava pela planta do bairro escolar e pelos acidentes
geográficos, chegando ao estudo dos astros. Pinto esclarecia que Proença condenava o estudo
geográfico que partia da sala de aula, chamando isso de excesso de zelo pedagógico que
“acaba por cifrar-se a plantas de aulas, de prédios e de bairros” (PINTO, 1934, p. 30).
Discordando de Proença, atestava que estudos sobre fatos de ordem física, econômica e
político-social poderiam ser feitos através da leitura de plantas geográficas.
Pinto (1934) elencava 11 regras para um processo aconselhável e um processo
defeituoso na prática do ensino de geografia, sempre tomando por base o fato de a criança do
ensino primário ainda não ter capacidade de abstração e, por isso, o manuseio e visualização
de materiais concretos serem necessários. Para isso, aconselhava o uso de fotografias,
ilustrações, projeções, estereogramas, mapas-croquis e excursões. Quanto à leitura de textos,
seria “indispensável quando os alunos têm alguns conhecimentos práticos de geografia”
(PINTO, 1934, p. 38) – o que não era o caso dos alunos nos primeiros anos da escola
primária, segundo ele. Finalmente, em relação à postura do professor, o autor afirmava que
deveria ser “observador, prático e amante de sua terra, com uma bagagem vasta de
conhecimentos a respeito das ciências naturais em geral” (PINTO, 1934, p. 41).
Os posicionamentos dos autores aqui tratados marcam o deslocamento que a própria
pedagogia sofreu entre o início da República e os anos 1930. Nos anos iniciais do regime
republicano, a implantação de um novo tipo de escola (graduada) em São Paulo – e o
desenvolvimento de uma nova explicação psicológica para a infância foi acompanhado pela
eleição de um método de ensino que instituía o modelo como a melhor maneira de formar o
professor primário. A própria preparação do professor primário na escola normal e a
instituição da escola-modelo carregavam em si tal concepção: uma boa formação do novo
mestre representava mostrar-lhe um bom modelo de aula, um exemplo da boa pedagogia
29
.
29
Esta questão é tratada por Souza (1996), cuja consulta recomenda-se aos interessados em mais detalhes.
126
Além disso, concordando com Carvalho (2003), a escola, representando o “signo de
instauração da nova ordem”, tinha a necessidade de ser exposta.
A Revista Escolar fora idealizada nos mesmos moldes da antiga revista A Escola
Pública, com a finalidade de auxiliar nas questões práticas o aperfeiçoamento do ensino
paulista oficial. Este último periódico fora resultado de iniciativa de professores da escola-
modelo, que propunham divulgar o método intuitivo aqui empregado. “Trata-se de realizar
programa proposto por Caetano de Campos, segundo o qual havia ‘muito a fazer na criação de
bons moldes, muito livro a escrever, muita noção a adquirir’” (CARVALHO, 2001, p. 143).
No editorial do primeiro número da segunda fase da revista comentava-se seu programa:
Além de parte pedagógica, puramente de metodologia prática, conterá
a revista gravuras, cantos escolares com a respectiva música, literatura
infantil, curiosidades científicas, noticiário, crítica bibliográfica
encarada apenas pelo valor didático, e finalmente, um Pantheon
Escolar, do qual apenas farão parte os retratos dos vultos mais
eminentes do mundo pedagógico, que se tenham dedicado ao
sacerdócio do ensino (CARVALHO, 2001, p. 143).
A revista trazia modelos de lições para ser empregados na aula e fornecia materiais
mesmos, ou seja, coisas para usar na sala de aula, como: “uma poesia aqui, um canto lá, uma
estorinha ali. Nessa lógica a revista é composta como uma espécie de caixa de utensílios cujos
usos supõem regras que não necessitam explicitação e que, portanto, são dadas como regras
culturalmente compartilhadas” (CARVALHO, 2001, p. 144). Assim, a lógica da revista
estava de acordo com a concepção pedagógica de que a boa arte de ensinar seria a boa cópia
de modelos, a imitação de práticas exemplares.
Em outro texto, Carvalho (2005) fornece mais explicações sobre o impresso,
considerado por ela uma caixa de utensílios.
Para a configuração do impresso segundo o modelo caixa de
utensílios, parecem confluir múltiplas tradições de matriz anglo-
saxônica, nas quais as referências a Froebel, Pestalozzi e, mais
tardiamente, a Spencer, são as mais recorrentes, compondo uma
espécie de jargão pedagógico. Nesse modelo, a pedagogia, entendida
como corpus doutrinário sistematizado, quando requerida, articula-se
como conjunto de preceitos que se pretendem indutivamente
estabelecidos a partir da experiência e do exemplo de mestres exímios
na arte de ensinar. O modelo conhece o seu apogeu a partir de meados
no século XIX, com a extraordinária difusão internacional do
chamado método de ensino intuitivo e com a proliferação inédita de
uma infinidade de materiais escolares, esses produtos industriais que
traziam para a sala de aula o mundo condensado em lições de coisas.
Desse modo, o impresso como caixa de utensílios teve o seu destino
atrelado às vicissitudes da aposta empirista, e, em muitos casos,
evolucionista, na potencialidade educativa dos métodos de ensino
127
intuitivo e na sua proliferante tradução em modelos de lições de
coisas. (CARVALHO, 2005)
Tanuri (1979) aponta para o fato de, na época, existirem poucas escolas de formação
de professores. Assim, talvez esta forma de apresentação do texto na revista fosse uma
maneira de suprir a pouca e nascente formação profissional do professor primário (além da
quantidade expressiva de professores leigos em atividade na escola primária) e o único meio
de ensinar uma nova modalidade de ensino ao professor formado e que se via, de repente,
em meio a uma escola graduada, seguindo os princípios do método intuitivo, portanto,
diferente de tudo o que conhecia antes. na época da revista Educação, ou seja, mais de três
décadas depois da implantação da escola graduada e da inserção do método intuitivo e de todo
o pensamento diferenciado em relação à criança, a formação do professor primário não
necessitava mais ser feita somente daquela forma prescritiva, com demonstração de modelos
para serem vistos e copiados. Com a inserção dos princípios da Escola Nova buscou-se mais
intensamente uma nova pedagogia científica, procuraram-se mais orientações na ciência para
dar suporte teórico inspirado na sociologia, biologia e psicologia.
Nota-se que houve uma diferenciação na forma de as revistas abordarem a questão do
programa e do método do ensino geográfico. Na revista Educação, apesar de o editorial
afirmar que ela era continuidade da Escolar, verifica-se um posicionamento diferente na
discussão quanto ao método recomendado para o ensino da geografia. Nas revistas Ensino e
Escolar havia pouquíssimas discussões teóricas acerca do assunto, pois sua pauta centrava-se
mais nos planos de lição como modelos para serem utilizados pelos professores primários.
na revista Educação o direcionamento era oposto, pois, embora houvesse planos de lição,
achavam-se em número reduzido, concentrando-se maiores esforços na discussão teórico-
científica do ensino geográfico e da nova metodologia causal, em detrimento da descritiva.
Analisando os textos que discutem educação do começo do século XX, percebe-se que
houve uma ampliação na preocupação quanto à finalidade do ensino em geral. A preocupação
que até a década de 1910 dirigia-se somente ao como ensinar, remetendo-se a categorias de
instrumentalização da pessoa para o conhecimento da leitura, escrita, cálculo e ciências
direciona-se também para a educação integral, a formação do ser humano através da
experiência concreta no processo de aprendizado por parte do aluno. Nesta perspectiva, o
conhecimento não tinha valor em si, e sim como um meio de possibilitar a preparação do
indivíduo para a vida. Via-se na educação uma preparação física, moral e intelectual para se
melhorar a si mesmo e o meio em que se vivia, a sociedade em geral. A visão que se tinha era
128
a de que o maior conhecimento traria a possibilidade de viver melhor no mundo, de melhor se
adaptar ao mundo e à localidade, de resolver os problemas colocados pela vida.
A partir da terceira década do século XX, a sociedade passou a incluir outras
finalidades à educação. Passou-se a esperar que o aluno, ao final do curso, saísse possuidor de
maior quantidade de conhecimentos, valores e habilidades em relação ao que se projetava
anteriormente. As disciplinas foram obrigadas a se adequar ao que se desejava na época.
O deparar-se com conflitos que eram atribuídos ao imigrante; com o problema ainda
premente do perigo de divisão do território nacional, devido à sua multiplicidade de culturas,
línguas e isolamento entre comunidades, a grande absorção de traços das diversas culturas que
chegavam com os estrangeiros das mais variadas nacionalidades e a grande extensão
territorial, a questão nacionalista e patriótica passava a ser vista como urgente, demandando
ser tratada na escola. Nesse sentido, geografia e história, enquanto disciplinas escolares,
foram compreendidas como privilegiadas pela capacidade de transmitir os valores capazes de
contribuir para a formação cívica e moral do povo, sentimentos tão preciosos e tão necessários
para o enaltecimento da nação brasileira. Isto se daria pelo poder de mostrarem os grandes
feitos dos antepassados e as grandes transformações do território, contribuindo para a
formação cívica e moral do povo, prendendo o sentimento favorável aos valores da pátria
brasileira.
uma confluência nos dizeres, apontamentos críticos e sugestões dos autores
analisados neste trabalho. Generalizadamente, criticava-se a forma de ensinar geografia,
afirmando-se que se recorria somente à memorização para a aquisição desse conteúdo.
Proença criticava os que faziam do ensino da geografia uma mera descrição lógica em
quadros artísticos, dado que, quando não tornavam a disciplina “uma espécie de literatura,
feita antes para deleitar do que para instruir, e é, então, o que podemos chamar geografia
pinturesca”, transformam-na em puro verbalismo, substituindo as coisas por nomes e nem
chegando ao ponto de descrever a Terra. Proença assegurava que esta geografia ensinada sob
a concepção vulgar não chegava a ser inútil, mas não viria “satisfazer os fins educativos que
são próprios da disciplina” (PROENÇA, s/d, p. 8).
Duras críticas à forma de ensinar geografia são encontradas em escritos desde 1882,
como no Parecer de Rui Barbosa. Proença apresentava uma longa citação da alocução de Rui
Barbosa sobre o ensino de geografia, em que se encontravam críticas acerbas aos manuais
usados no Brasil para o curso elementar. Estes manuais, segundo Barbosa, dariam mais ênfase
aos termos usados na geografia e depois de
129
enfiado este rosário de abstrações ininteligíveis ao espírito
despreparado da criança, segue-se-lhe imediatamente a tarefa de
decorar o número total de quilômetros e habitantes em cada
continente, a lista das religiões e raças humanas, com a sua
distribuição pelas várias partes e Estados, que se pressupõem assim
conhecidas antes de aprendidas, as fases da civilização e as formas de
governo, rematando tudo pelo questionário do costume. Então, em vez
de principiar pelo município, pela Província ou pelo País, o curso
consagra as suas primeiras lições à Europa, à Ásia, à África, à
América (onde o discípulo repete simplesmente o nome da pátria,
confundida, sem uma palavra de distinção, entre os demais Estados) e
à Oceania, para, depois, recomeçando, estudar a geografia particular
de todos os países das cinco partes do mundo, e no fim receber
notícias do seu (BARBOSA apud PROENÇA, s/d, pp. 29-30).
30
Vê-se a acusação da maneira de ensinar partindo do distante, da forma da Terra,
passando a seguir pelos distantes países europeus, para somente por último ensinar sobre a
terra brasileira, ou seja, sobre o conteúdo próximo do aluno. Tudo isso tornaria o ensino
geográfico algo enfadonho, memorativo e nada racional. Enfatizava-se a necessidade de o
ensino ter apelo intuitivo e ser executado através de exercícios cartográficos, mais práticos e
de resultado mais útil para a vida do aluno e para a Nação.
30
Segundo Rui Barbosa enfatizava, todo ensino de geografia na escola elementar seria calcado na memória, na
enumeração de nomes e conceitos geográficos. O redator concluía que, sendo executado dessa forma rotineira, o
ensino de geografia seria “inútil e embrutecedor. Nulo como meio de cultura, incapaz mesmo de atuar
duradouramente na memória, não faz senão oprimir, cansar e estupidificar a infância, em vez de esclarecê-la e
educá-la” (BARBOSA apud PROENÇA, s/d, p. 30). Proença afirmava que, quando Barbosa elaborara esta
crítica, já se iniciava no Brasil o uso dos exercícios de cartografia como suporte para o ensino geográfico,
novidade que teria sido trazida por um colégio americano. Este exemplo dera a Rui Barbosa uma esperança de
modificação do ensino nas escolas elementares públicas. O que se reclamava como reforma consistia em duas
mudanças: a “adoção dos processos intuitivos o ensino pelo aspecto, como iniciação e a aplicação
intensificada da cartografia” (PROENÇA, s/d, p. 31). Proença afirmava que, em seus dias, “pode dizer-se que
todas as nossas escolas fazem da cartografia a base do aprendizado da geografia. Quanto à intuição no ensino ou,
por outra, o ensino pelo aspecto, o que se tem feito por enquanto não passa de ensaio” (PROENÇA, s/d, p. 31). A
segunda mudança desejada ainda não teria sido implantada, segundo Barbosa, somente a primeira, que era o
emprego da cartografia como auxiliar do ensino, irradiado por influência da escola americana. Mesmo assim,
Proença a via com ressalvas, pelo fato de os professores terem levado tal atividade ao extremo, transformando
algo que deveria ser um meio, um auxiliar do ensino de geografia, em fim em si mesmo, obrigando as crianças a
fazer desenhos com perfeição, e não um exercício pelo qual aprenderia noções de orientação e localização.
Quanto à não implantação efetiva do ensino baseado na intuição, afirmava que, por “defeito dos nossos
programas e dos nossos horários, seja por falta de orientação por parte dos professores, seja ainda por deficiência
de material didático, a geografia continua a ser obra da imaginação e cresce fechada entre as quatro paredes da
sala de aula” (PROENÇA, s/d, p. 31). Para ele, a cartografia nunca deveria ser exercitada em separado da
observação, sob pena de se transformar em simples jogo de símbolos. Assim, tudo o que “a criança vai esboçar já
deve ter sido observado ou imaginado, e ainda neste caso a imaginação deveria estar preparada pela observação”
(PROENÇA, s/d, p. 31). Segundo Proença, desde Pestalozzi não se inovara em nada o ensino de geografia. Rui
Barbosa, em 1882, preconizava a implantação da novidade de Pestalozzi na disciplina, mas até a sua
atualidade (final da cada de 1920) considerava ainda não efetivada tal inovação no ensino brasileiro: “Mas, ou
porque se não compreendera a finalidade deste ensino, ou porque exija ele preparação pedagógica especial, ou,
ainda, porque falte ao professor liberdade para aplicação de processos intuitivos, a verdade é que a geografia
local não tem saído dos programas, ou, então, tem-se manifestado com fisionomia tão desnaturada que ninguém
acreditará tratar-se de um estudo das coisas mediante exercícios da inteligência” (PROENÇA, s/d, p. 50).
130
Outro elemento que os autores preconizavam nos textos era que o ensino geográfico
deveria sempre partir do conteúdo conhecido para o desconhecido, do próximo para o remoto,
pois o ensino era visto como cumulativo – seguindo a noção dos círculos concêntricos.
Quanto à ordem dos conteúdos, entretanto, Proença discordava dos outros autores. Enquanto
para Delgado de Carvalho e João Toledo a seqüência sairia da localidade em que se inseria o
aluno para depois ir se ampliando para os arredores, o município, o Estado, o Brasil, o
continente americano e o planeta, para Proença, depois da localidade viria o estudo da Terra.
No seu entender, o conceito de município seria muito abstrato e a forma do planeta, quando
ensinada com materiais apropriados, seria mais compreensível.
Outra questão posta pelos autores dizia respeito à quantidade dos conteúdos que o
professor deveria ensinar aos alunos: deveria prender-se somente ao essencial, sem massacrar
a mente do aluno com muito conteúdo, ou seja, ensinar pouco, mas ensinar bem. Para isso, o
professor deveria ser capaz de selecionar o conteúdo mais importante, o que implicava ser
bom conhecedor da matéria geográfica.
Buscava-se inspiração nos precursores da Escola Nova, como Pestalozzi (com a
geografia local) e Decroly (com os centros de interesses). Pestalozzi, discípulo de Rousseau,
enfatizava a necessidade de o local próximo da criança ser o ponto de partida do ensino, tendo
inaugurado, com atividades didáticas específicas em sua escola, a geografia local. Proença
afirmava que o ensino de geografia local e o ensino intuitivo (apesar de ter sido havia muito
tempo inovado por Pestalozzi e preconizado por Rui Barbosa) não tinham saído dos
programas no final da década de 1920, não teriam ainda sido implantados realmente.
Enfatizavam também a necessidade de o professor se valer dos auxiliares de ensino de
geografia, como o tabuleiro de areia, mapas, estampas, fotografias. O aprendizado da
cartografia não deveria estar voltado a ensinar a fazer mapas, mas ler e entender um mapa
eram vistos como úteis na vida prática. A melhoria do prédio escolar e a disponibilização
maior de recursos pedagógicos e menor número de alunos por turma viabilizariam o ensino.
Sobre isso, Proença e João Toledo afirmavam que o professor deixar transparecer seu amor
pelo Brasil era mais importante do que a utilização dos recursos didáticos. O professor ter
melhor preparação técnica, ou seja, maior conhecimento sobre o conteúdo e ser um grande
conhecedor da cultura geral, para poder transmiti-la ao aluno seria essencial ao ensino, mas o
interesse e o gosto por ensinar e pelo conteúdo por parte do professor é que fariam a
diferença.
Os autores analisados faziam críticas aos compêndios, que somente enumeravam, na
sua forma de entender, as informações, de forma fria, sem o necessário sentimento que
131
deveria despertar nos alunos, ou seja, o amor à pátria. Um dos grandes problemas do ensino
geográfico estaria em que o ensino sempre se baseava no livro didático, direta ou
indiretamente, pois, mesmo que o aluno não tivesse o livro em suas mãos, a lição era tirada
dali pelo professor, e explicada oralmente ou transcrita na lousa. O livro era considerado um
recurso de ensino com o qual se deveria ter um cuidado muito grande – mesmo porque nele se
descrevia a Terra sem mencionar o ser humano, dando a impressão de que o planeta seria
desabitado ou sem estabelecer a importante relação entre mudança no mundo e a ação do ser
humano. Proença afirmava que o elemento fundamental do estudo geográfico deveria ser o ser
humano mostrado como transformador da natureza e da sociedade. Proença afirmava que o
estudo sobre o país era feito pelos livros, de forma direta ou indireta, uma vez que, se os
alunos não os usavam, seus professores tiravam dos livros o ensino a ser transmitido. Proença
fazia duras críticas aos compêndios, dado considerá-los muito frios e que apenas enumeravam
e informavam. Para o autor, o ensino geográfico
tem de ser feito pelo método descritivo, isto é, as coisas, os lugares e
os aspectos hão de ser pintados diante do aluno, para que ele os veja e
os sinta na sua realidade tangível. E não será reproduzindo a
linguagem seca dos livros que o professor conseguirá satisfazer os
objetivos do ensino (PROENÇA, s/d, p. 95).
Além disso, o compêndio deveria enfatizar mais o ensino sobre o Brasil e menos o dos
países que pouco interessavam ao brasileiro.
Mostrar a relação de causa e efeito na ação humana era algo preconizado pelos que
pensavam o ensino geográfico, ou seja, a geografia física deveria estar a serviço da humana,
dando suporte explicativo para as relações da vida dos homens. Assim, o fundamental do
estudo geográfico estaria em conhecer as relações políticas, culturais, econômicas do
desenvolvimento dos povos: união entre geografia física (descrição da paisagem, orientação,
noção sobre a divisão do tempo) e a econômica, sempre mostrando a atividade humana, a
ação humana na transformação da paisagem, das relações. Assim, o ensino geográfico deveria
se valer não somente da geografia descritiva, mas, principalmente, da causal, que explica.
Percebe-se, ao analisar os textos dos que se preocupavam com o ensino paulista, duras
críticas ao ensino geográfico realizado nas escolas públicas primárias do Estado. A maioria
fazia referências à imposição da decoração de listas de acidentes geográficos, dados físicos,
econômicos, sociais e afins das diversas localidades do planeta, que eram a base do ensino.
Porém, analisando os programas, as leis e os demais documentos oficiais (não de São
132
Paulo), vê-se que não era esta a recomendação oficial. Nos programas
31
o que se recomendava
em termos de conteúdo e seqüência deste, utilização dos recursos pedagógicos ou forma de
ensinar era o emprego contínuo da observação concreta, e não somente as abstrações, ou
seja, era exatamente o que os críticos propunham. Com isso, pode-se concluir que a crítica era
dirigida contra a prática do professor, e não contra o programa oficial.
A concepção da Escola Nova não oferecia roteiros de lições a serem seguidos pelos
professores, como a pedagogia a “arte de ensinar” que foi um recurso muito utilizado na
implantação da escola graduada em São Paulo, no início da República. No lugar dos modelos
de lições, eram oferecidos os fundamentos da pedagogia para subsidiar a prática docente.
“Trata-se de fornecer um repertório de informações e de referenciais críticos para o professor,
orientando-lhe a leitura como prática inventiva rebelde à prescrição de modelos”
(CARVALHO, 2001a, p. 154). Para isso, “importa suscitar novos hábitos de leitura no
professorado, propondo-se roteiros de leitura e prescrevendo-se modos de ler e de utilizar o
lido” (CARVALHO, 2001a, p. 155). Com a Escola Nova, deslocou-se a preocupação em
torno do conhecimento (transmissão da cultura) para a experiência da criança. Para haver a
autonomia didática, seria necessário que o professor fosse capaz de elaborar e decidir sobre o
programa de ensino. Para tanto, fornecer-lhe conhecimentos profundos sobre como elaborar
os programas era tido pela Escola Nova como fundamental.
Em nome de uma pedagogia científica, a pedagogia como arte de ensinar foi, segundo
Carvalho, sendo solapada; não obstante, sua vigência foi longa. A Revista Escolar (1925-27)
e os livros de João Toledo (início da década de 1930) são exemplos de uso de modelos de
lições como tipos de materiais produzidos para o professor.
Carvalho sinaliza que os marcos inaugurais da nova forma de pensar a pedagogia são
devidos a Sampaio Dória e podem ser apontados nominalmente: os Princípios de Pedagogia,
publicado em 1914, e sua reforma no ensino primário paulista em 1920. Para Souza (2004),
esta reforma feita por Sampaio Dória e a de 1931, de Lourenço Filho, deram maior autonomia
didática ao professor, um dos princípios da Escola Nova, que defendia a idéia de substituir
prescrições de modelos a serem seguidos pelos professores pela idéia de instrumentalizar os
mestres com fundamentos, de modo que a liberdade docente seria uma liberdade esclarecida
pelo conhecimento. Nesse contexto, o currículo constituiu um novo campo, tornando-se
objeto do saber. Para Lourenço Filho, seria fundamental construir um programa mínimo,
homogeneizar as novas gerações e, ao mesmo tempo, conferir ao professor a possibilidade de
31
Disponíveis nos Anexos.
133
autonomia para elaborar seu programa segundo a realidade em que estava imerso. Para a
Escola Nova, as disciplinas escolares deveriam ser globalizadas, ou seja, os conhecimentos
comuns deveriam estar unidos num único bloco.
Não se pode esquecer que, no início da República, era o método intuitivo o que se
preconizava para o ensino, um método pautado na intuição, nos sentidos. no decorrer da
década de 1920, os novos pensamentos advindos da Escola Nova indicavam uma forma nova
de ensinar: o aluno não deveria mais somente ver e sentir o que lhe ensinavam, mas também
agir, quer dizer, pensava-se que o aluno aprenderia fazendo. Além do domínio da técnica de
ensinar, era cobrado do professor o conhecimento sobre as novas ciências que se infiltravam
na pedagogia, como a psicologia, a sociologia e a biologia. Acreditava-se que se deveria ter a
noção do social para preparar o aluno para a vida prática, mas de forma científica. A Escola
Nova pautava-se, em síntese, na educação integral do aluno, unindo a formação manual com a
intelectual com base na cientificidade e visando à formação de um espírito democrático.
O método de ensino intuitivo tinha o objeto como ponto inicial do conhecimento. Já a
concepção escolanovista substituía o objeto pelo problema; ambos, porém, concebiam a
atividade do aluno como fundamental. Valdemarin (2004) exemplifica a mudança ocorrida
entre as duas concepções: “nas lições de coisas, a atividade do aluno é falar, responder
perguntas, desenhar, pintar, expressar-se oralmente e por escrito, emitindo sua compreensão
da atividade proposta e esperada pelo professor”. na forma preconizada por Dewey, “a
atividade implica atividade corporal, que alimenta a atividade do pensamento e é traduzida
numa solução que deve ser testada na prática” (VALDEMARIN, 2004, p. 194). Para Dewey a
experiência seria o ponto fundamental para o aprendizado. A experiência percebida por ele
como superior seria a que “possibilita estabelecer ligação com situações vividas fora da
escola; trata-se de recriar na escola o despertar do interesse, tendo como modelo as situações
cotidianas que acionam esse mecanismo no dia-a-dia, provocando reflexão”
(VALDEMARIN, 2004, p. 187). Da sociedade é que viria o modelo de aprendizagem a ser
adotado na escola e se geraria o conhecimento.
Para Carvalho (2002), as mudanças entre a concepção do ensino intuitivo e as do
escolanovismo eram tênues, porém bem demarcadas:
Os limites entre as novas propostas pedagógicas que a incensavam e
as já velhas proposições sobre a atividade da criança, centradas no
exercício de suas faculdades e nos métodos de ensino intuitivo, eram
ao mesmo tempo nues e nitidamente demarcados. Tênues porque
percebê-las exigia conhecimento das mais recentes descobertas do
campo da psicologia, assim como uma adequada compreensão das
conseqüências desse conhecimento para a prática pedagógica.
134
Nitidamente demarcadas, pois, para os iniciados nas novas teorias
psicológicas, tratava-se de uma verdadeira revolução no modo de
conceber a atividade da criança e de regrar a prática pedagógica capaz
de fornecê-la (CARVALHO, 2002, p. 387).
Carvalho (2001) importantes pistas sobre as publicações de revistas e manuais
pedagógicos destinados a orientar metodologicamente os professores primários sobre o ensino
intuitivo, no início da Primeira República. O pressuposto era a formação do professor por
meio da imitação de bons modelos apresentados por profissionais conhecedores da “arte de
ensinar”. A partir de meados da década de 1920, buscou-se mais intensamente uma
“pedagogia científica”, orientações da ciência para dar suporte teórico e não mais somente
metodológico ao professor. Passou-se a exigir que este tivesse mais conhecimento da
realidade, para compreender a finalidade da educação. Assim, “formar o professor é
transformar a sua mentalidade” (CARVALHO, 2001, p. 165). Era levar o professor à
compreensão das novas finalidades sociais da escola através da leitura. Para Valdemarin
(2004), com o escolanovismo “não é possível disseminar essa concepção com as mesmas
estratégias utilizadas pelo método de ensino intuitivo, os manuais e modelos de lições”
(VALDEMARIN, 2004, p. 197).
Assim, com a inserção dos princípios da Escola Nova, somente os modelos a ser
imitados não mais bastariam ao professor do primário e outras maneiras de formar tornaram-
se necessárias. Precisava-se, então, para formar um bom professor, oferecer os conhecimentos
sobre as ciências da educação, e principalmente fazer o futuro mestre entender a criança de
forma diferenciada do adulto.
135
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se analisar as prescrições feitas no começo do século XX, em São Paulo, para
o ensino da disciplina de geografia para o curso primário, tomando-se como objeto de análise
principal os livros escritos na época e dirigidos aos professores primários, além de textos
publicados nas revistas especializadas em educação sobre o ensino de geografia para o
primário e sobre os livros analisados.
Pôde-se visualizar na análise dos impressos que houve mudanças no pensamento
educacional brasileiro a partir da década de 1920, levando a transformações na concepção de
prática pedagógica do professor primário. Inseridas no ideário de transformação da escola, as
disciplinas sofreram ressignificação frente à nova concepção de educação que se desenvolveu
no ideário educacional, provocada pelos novos ideais que o escolanovismo introduziu. Dentre
as disciplinas, a geografia, tendo sido inaugurada como disciplina de formação patriótica nos
primeiros tempos da instauração da República, também sofreu mudanças em sua concepção e
no seu currículo.
A partir da década de 1920, outras intencionalidades foram acrescidas à educação.
Houve uma ampliação quanto à finalidade da educação e a preocupação deslocou-se para a
educação integral, a formação do futuro cidadão através da experiência concreta no processo
de aprendizado por parte do educando. Nesta perspectiva, o conhecimento passou a ser visto
como um meio de possibilitar a preparação do indivíduo para a vida. Via-se na educação uma
preparação física, moral e intelectual para se melhorar a si mesmo, a localidade em que se
habita e a sociedade em geral. Pensava-se que a maior quantidade de conhecimentos, valores
e habilidades traria a possibilidade de viver melhor no mundo, de melhor se adaptar a ele e à
região, enfim, de resolver os problemas colocados pela vivência. As disciplinas foram
obrigadas a atender ao que se desejava na época.
Neste mister de propor soluções para os problemas da nação brasileira, as disciplinas
geografia e história foram vistas como as melhores, pois poderiam transmitir os valores que
formassem cívica e moralmente o povo. Nos periódicos da época foram encontrados debates
sobre geografia, tratando de conteúdo, metodologia, instrumentos auxiliares de ensino, teorias
sobre a infância e sobre a ciência geográfica, dando um panorama sobre a visão relativa à
disciplina naqueles tempos.
136
A primeira análise dos programas de geografia remete à tese de Chervel de que as
mudanças sociais impõem à escola conteúdos diferenciados. Estes conteúdos, somados à
dinâmica interna da escola, vão constituindo e transformando a própria escola. Nota-se que
não há diferenciações radicais nem de conteúdo e nem de método nos programas de geografia
analisados, que seguiam os pressupostos do ensino intuitivo, ou seja, partia-se do próximo
para o distante, dos temas mais fáceis para os mais complexos, recomendando-se que o
professor fizesse que os alunos visualizassem as formas geográficas, que tivesse como
exemplo o que se passava no ambiente que o circundava.
O programa de 1925 inseriu a participação ativa do aluno no processo de
aprendizagem, no que se evidenciava um dos ideais da Escola Nova. A diferenciação ocorrida
se deu com relação a acréscimos de conteúdos, que foram sendo introduzidos a cada programa
formulado, mostrando que o ingresso dos ideais escolanovistas na educação e as novas
necessidades que a sociedade impôs à escola a faziam trabalhar com conteúdos novos.
Analisando os livros de Delgado de Carvalho, Firmino Proença e João Toledo, além
de vários artigos da revista Educação, constata-se que esses autores, que se arrogavam porta-
vozes dos ideários escolanovistas, valorizavam muito o conteúdo no processo de ensino. Isso
contraria a tese de que a Escola Nova não se preocupava com conteúdo, mas somente com a
forma de ensinar.
Diante da necessidade de fazer que o brasileiro tivesse uma consciência de patriotismo
e nacionalismo, Delgado de Carvalho, A. F. Proença e João Toledo escreveram, na década de
1920, sobre a urgente necessidade de a geografia desenvolver corretamente tais sentimentos
naqueles que fariam o futuro do país.
Os autores analisados nesta dissertação tinham preocupações diferentes quanto ao
ensino e atribuíam papéis diversos ao leitor. A obra de Delgado de Carvalho, apesar de ser
destinada ao professor da escola normal, intencionava contribuir para a formação do aluno
primário, para que este chegasse ao secundário com conteúdos suficientes para desenvolver-se
de forma satisfatória neste nível. Desta maneira, era a garantia de um bom ensino no
secundário que o autor buscava. Proença e Toledo voltavam-se diretamente ao professor
primário (aluno-mestre, formado ou leigo). João Toledo e Proença viam na escola primária
a etapa final da escolarização da maioria da população. Suas obras eram dedicadas ao
professor da escola primária e para uso na escola normal, porém era sempre o ensino primário
e o professor desse nível o centro da preocupação. Para Toledo, a formação dada na escola
normal deveria fornecer ao aluno-mestre ferramentas que lhe assegurassem ministrar um
ensino primário que desenvolvesse o sentimento de patriotismo, nacionalismo e moral
137
necessários para amparar a única formação escolar do cidadão. A geografia teria, para esses
autores, o objetivo de despertar sentimentos patrióticos, nacionalistas e morais.
Toledo e Proença acreditavam na universalização do ensino primário como meio de
transformação do Brasil. Para eles, se a maioria da população fosse detentora dos
conhecimentos instrumentais, científicos e morais que o primário deveria proporcionar, os
cidadãos seriam capazes de fazer uma sociedade melhor. Portanto, este nível de ensino
desenvolveria na população os sentimentos de patriotismo e nacionalismo, daria a formação
moral cuja posse pelo povo regeneraria e desenvolveria a Nação brasileira, pondo-a a par das
nações mais desenvolvidas. Para eles, portanto, os valores patrióticos, o sentimento de
nacionalismo, a higiene, os bons costumes seriam aprendidos na escola primária, que teria de
preparar o povo para melhor viver na sociedade. Por isso, viam a necessidade da ampliação
deste nível de ensino.
Desta forma, como decorrência de suas diferentes perspectivas: Delgado de Carvalho
estava muito mais preocupado com o conteúdo geográfico propriamente dito, ao passo que
João Toledo e Proença voltavam-se mais aos conteúdos cívicos, como meio de inculcar os
valores patrióticos e nacionalistas nos alunos do primário, e à metodologia empregada pelo
professor. Assim, os conteúdos nacionalistas e a metodologia empregada seriam os motes
para alcançar o patriotismo. Seus textos dizem clara e minuciosamente como o professor
deveria ensinar no primário. Sinteticamente, Delgado de Carvalho se preocupava em formar
para o ingresso no secundário; os outros dois autores viam como finalidade do ensino de
geografia o preparo para a vida e, assim, fazer do Brasil um país melhor.
Pôde-se verificar, ainda, que o centro de interesses seria, para Proença, o eixo
pedagógico, ou a concepção pedagógica que daria sentido à organização dos programas,
enquanto para João Toledo seria a passagem do analítico para o sintético. Neste sentido, as
inspirações foram buscadas nos precursores da Escola Nova, como Pestalozzi e Decroly.
A ordem do conteúdo para o ensino primário, para os três autores em análise, deveria
sempre começar pelo mais próximo, visível e conhecido do aluno; assim, a localidade da
escola seria o primeiro ponto a ser explorado no ensino de geografia. Para além disso,
discordância entre Proença e os demais autores: para este, após o estudo da localidade viria o
estudo do planeta, de forma que a ordem do conteúdo seria a localidade, a Terra, o Brasil, São
Paulo, o município da escola, a América do Sul, a América do Norte, a Europa e a Ásia.
para Delgado de Carvalho e João Toledo, a seqüência dos estudos seria sempre crescente e se
distanciando cada vez mais do círculo visual do aluno. O método que partia do mais distante
(Europa) para o mais próximo (Brasil) tornaria o ensino geográfico algo enfadonho,
138
memorativo e nada racional. Enfatizava-se a necessidade de o ensino ter apelo intuitivo e ser
executado através de exercícios cartográficos, mais práticos e de resultado mais útil para a
vida do aluno e para a Nação.
Os três se reportavam às novas concepções do ensino geográfico e enfatizavam que
não deveria o professor basear seu ensino somente na aparência da superfície da Terra:
reputavam fundamental para o ensino geográfico o estudo das transformações humanas
operadas no planeta.
Apesar de Delgado de Carvalho não ser geógrafo por formação, sua profissão o fez
pensar mais na ciência geográfica. Seus autores de referência, seu discurso e sua preocupação
com o conteúdo apontavam para uma apreensão da questão do ensino da geografia como
ciência. Os conteúdos de geografia e os novos estudos científicos da geografia eram suas
maiores preocupações. Proença e Toledo tinham o método e a escola primária como centro
de sua atenção. Por outro lado, nota-se que, para Delgado de Carvalho, o ensino de geografia
para a escola primária e secundária seria dependente do desenvolvimento científico da área,
enquanto Proença buscava na ão de Pestalozzi a inspiração de uma nova forma de ensinar
geografia para o primário.
Verificaram-se também constantes recomendações de explorar a geografia do local,
mostrando o relevo da região. A maioria dos exemplos dados pelos autores sobre a
metodologia do ensino geográfico remetia a uma escola situada no meio rural ou dele
próxima, o que torna importante relembrar a realidade brasileira da década de 1920: trata-se
de uma época em que o campo era muito próximo à vida da maioria dos brasileiros, pois a
maioria da população vivia na zona rural e os centros urbanos compreendiam espaço menor
do que se conhece na atualidade.
A imaginação era constantemente requisitada nas prescrições contidas nos textos dos
autores analisados. Sempre havia a inserção de atividades em que o professor levasse o aluno
a exercitar a imaginação sobre os elementos geográficos que se situam em determinada
direção e sobre como seriam os lugares distantes, como era a atuação do ser humano no
espaço territorial, na economia, na política e na sociedade. Os autores sempre invocavam a
necessidade do uso de excursões, de visualização da natureza, para que o aluno pudesse ter
lembranças de paisagens. Assim, o aprendizado, para eles, deveria ocorrer sempre através do
concreto, da participação ativa do aluno observando a natureza ou através da manipulação de
materiais auxiliares de ensino. A idéia era obter o aprendizado através da atividade.
139
Para os três autores as cartas geográficas eram meios de compreender o texto de
geografia e de aprender a disciplina. O mapa era visto somente como auxiliar para entender o
conteúdo geográfico e jamais deveria ser exigida do aluno perfeição no desenho.
O aprendizado, segundo os autores estudados, deveria se dar de forma prática. Os
alunos deveriam interagir com a natureza e com os materiais que levassem ao conhecimento.
Os autores acreditavam que o livro não deveria jamais ser o único instrumento de ensino de
geografia, mas apenas guiar o trabalho do professor e sua explicação com a base teórica.
Além do livro, o professor deveria também se valer de outros recursos: fotografias, mapas,
excursões e principalmente de observação direta da natureza.
Fortes críticas eram feitas pelos três autores aos livros que se utilizavam de listas
infinitas para os alunos decorarem sem apresentar explicações inteligentes e sem o necessário
sentimento que deveria despertar nos alunos, ou seja, o amor à pátria (críticas aos livros e à
maneira de ensinar que vinham desde 1882, feitas, por exemplo, por Rui Barbosa). Os
livros deveriam, ainda, segundo eles, dar mais atenção aos assuntos que mais interessavam
aos brasileiros e menos aos que pouco afetavam os habitantes do Brasil.
Quanto à quantidade de assuntos que o professor deveria ensinar aos alunos, os autores
afirmavam que deveriam tratar somente o essencial, sem massacrar a mente do aprendiz com
demasiadas informações, ou seja, dever-se-ia ensinar pouco, mas ensinar bem. Para isso, o
professor deveria ser capaz de selecionar o conteúdo mais importante, o que implicava ser
bom conhecedor da matéria. Ademais disso, Proença e João Toledo afirmavam que era mais
importante o professor deixar transparecer seu amor pelo Brasil do que ter grandes
conhecimentos sobre a utilização dos recursos didáticos. Estes seriam essenciais ao ensino,
mas o interesse e o gosto por ensinar e pelo conteúdo por parte do professor é que eram
essenciais.
Para os autores, a geografia física deveria estar a serviço da humana, dar suporte
explicativo às relações da vida dos seres humanos e mostrar a relação de causa e efeito da
ação destes. Assim, o fundamental do estudo geográfico estaria em conhecer a paisagem
terrestre e também as relações políticas, culturais, econômicas do desenvolvimento dos povos.
Assim, seria a união entre a geografia física e a econômica, sempre mostrando a atividade dos
homens, a ação humana na transformação da paisagem, das relações. Desta forma, o ensino
geográfico deveria se valer principalmente da geografia causal, que seria, segundo eles, a que
explica, e não somente da geografia descritiva.
140
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______ . Anuário do Ensino do Estado de São Paulo. Tip. Siqueira, Salles & C.: 1909-10.
151
ANEXOS
152
Anexo A
O Programa da Escola Primária, Complementar e Normal de São Paulo
A princípio esse texto era para ser o quarto capítulo da dissertação. Porém, não foi
conseguido explorar os programas suficientemente para colocá-lo no corpo do texto. Todavia
a exploração primeira, que foi feita sobre tais documentos, pode contribuir para com as
pesquisas dos que estudam o currículo. Por isso optou-se em não descartar totalmente o texto,
e sim inseri-lo no anexo. Preferiu-se concentrar os esforços nas prescrições dos textos dos
livros analisados no primeiro e segundo capítulos, e nos artigos das revistas que tratam sobre
estes livros e sobre o ensino de geografia.
Souza (2004) esclarece que no Estado de São Paulo, as reformulações nos programas
de ensino, para a escola primária, aconteceram em: 1892, 1905, 1918, 1921/1922, 1925,
1949/1950 e 1968
32
. Para a autora,
Em todas essas reformulações, as alterações incidiram mais sobre a
configuração das matérias (aglutinação de conteúdos e sua
distribuição nas séries) e ampliação das indicações metodológicas do
que sobre a seleção cultural. Isto significa dizer que, a 1968, se
manteve praticamente o mesmo o conjunto de matérias estabelecido
no final do século XIX. A análise desses programas demonstra, por
um lado, uma relativa estabilidade na prescrição dos conteúdos
(determinação sobre o que ensinar) e, por outro lado, uma variedade
maior sobre a metodologia de ensino, as prescrições sobre como
ensinar que afetam diretamente a prática docente mormente
influenciada pelo campo normativo da pedagogia.
Essa estabilidade maior da seleção cultural indica a prevalência, ao
longo do século XX, das amplas finalidades sociopolíticas e culturais
atribuídas ao ensino primário. a variabilidade das prescrições
metodológicas revela a influência das inovações no campo da
pedagogia (SOUZA, 2004, p. 128).
Souza afirma que durante o século XX as disciplinas escolares do primário
transformam-se internamente. Algumas matérias, como a de ciências, foram aglutinadas,
ordenadas e formalizadas. Em outras disciplinas, como a de leitura, escrita, caligrafia,
trabalhos manuais, desenho e música, o programa foi racionalizado com instruções, cada vez
mais minuciosas, a partir de 1920. Souza afirma que,
Nesse processo de escolarização de saberes diversos, destaca-se a
proeminência dada à instrução moral e cívica, indicação invariável nas
prescrições, discursos e representações dos educadores e
administradores do ensino público. Pode-se mesmo afirmar que a
32
Os programas de 1905, 1918 e 1921/1922 estão nos Anexos seguintes.
153
orientação cívico-patriótica e nacionalista esteve no centro da cultura
escolar prescrita para os grupos escolares até a década de 70.
O espírito cívico-patriótico deveria perpassar todas as disciplinas e
estar presente em todas as atividades escolares (SOUZA, 2004, p.
130).
O Decreto 2.944, de 8 de agosto de 1918, traz em anexos os programas de ensino do
curso primário. Nele há um detalhamento sobre o conteúdo prescrito para os quatro anos
primários. Além de detalhamento do conteúdo, espresente uma divisão por tipo de curso e
por ano. Observa-se que existem orientações diferentes para os diversos tipos de escola
primária: grupo escolar (com duração de quatro anos) e as isoladas: rural, dois anos; distrital,
três anos; e urbana, quatro anos. Nota-se que também existia o programa para o curso
complementar, de dois anos, mas em que só havia geografia no primeiro ano.
O grupo escolar representava o que tinha de melhor em questão de ensino, assim o seu
programa também expressava seu diferencial com relação às outras escolas. O curso do grupo
escolar é o mais complexo, com maior quantidade de conteúdo. Ao seu programa era
acrescentado o estudo das viagens que os alunos tenham feito, a produção de cada estado
brasileiro, a elaboração de mapas pelos alunos sobre cada lição estudada. Além a idéia geral
sobre a forma com linhas, círculos e zonas e o movimento da Terra e a noção sobre o sistema
planetário.
Em 1920, Sampaio Dória inicia uma reforma da instrução pública em São Paulo que,
segundo Nagle, foi a inspiradora de um ciclo de reformas educacionais que ocorreram em
vários Estados brasileiros durante a década de 1920.
Em 31 de maio de 1921, concluiu-se a reforma de ensino no Estado de São Paulo e
afirmou-se o programa de ensino para o curso primário. Os tipos de cursos primários foram
igualados, não havendo mais diferenças com relação à duração e nem ao programa. O curso
foi reduzido para dois anos, sendo ele ministrado em escolas isoladas, reunidas ou em grupos
escolares. Foi criado um curso médio de dois anos, a fim de dar continuidade ao curso
primário e que poderia ser ofertado em escolas reunidas ou em grupos escolares. O curso
médio não era obrigatório sendo assim, a obrigatoriedade de estudo passara a ser de dois
anos. Também através dessa legislação aumenta a duração do curso complementar, de dois
para três anos, a ser ministrado em escolas complementares.
Em 6 de janeiro de 1922, a Diretoria-Geral da Instrução Pública do Estado de São
Paulo divulgou o programa do curso médio por ela elaborado.
Analisando o programa de ensino de geografia de 1921 para o curso primário –
apresentado de forma detalhada, com divisões por ano do curso –, nota-se uma aproximação
154
com o programa de ensino instituído em 1918 para a escola rural, a que tinha, no curso
primário, menor duração e conteúdo. Evidencia-se, assim, que se padroniza o ensino primário
tendo como parâmetro o que havia de mais elementar antes da Reforma Sampaio Dória.
Não deixa de ser curioso o fato de ter havido uma reforma do ensino paulista, em
1920, que transformou a educação no Estado, mas que manteve integralmente o programa de
geografia. Com a reforma reduzindo para dois anos todo o curso primário obrigatório
procurou democratizar o ensino, expandindo para um maior número de pessoas a
alfabetização. Porém, as escolas que eram tidas como excelência, como os grupos escolares,
tiveram que ver reduzida a quantidade de tempo e de conteúdo de seu ensino.
O programa para o curso médio do Estado de São Paulo foi lançado em 6 de janeiro de
1922, assinado por Guilherme Kuhhmann, então diretor-geral da Instrução Pública do Estado.
Para a área de geografia, havia duas disciplinas em cada ano do curso: no primeiro, geografia
e geografia física; no segundo, geografia e geografia física e cosmografia.
A década de 1920 foi marcada pela disseminação das idéias da Escola Nova,
representando, segundo Nagle, as idéias do liberalismo em educação. Também foi um período
de intensas discussões sobre educação e de elaboração de muitas reformas educacionais. Na
década anterior, um dos documentos que declara a necessidade de uma reforma na instrução é
o Relatório de Oscar Thompson, apresentado em 1918 ao secretário do Interior, questionando
as atitudes a tomar para educar as crianças para que elas não tornassem “elementos negativos”
para o progresso. Oscar Thompson era o diretor-geral da Instrução Pública desde 1917 e era
um dos defensores da escola renovada. Para ele, o analfabetismo era visto como empecilho
para o progresso; Thompson esclarece que mais da metade das crianças em idade escolar do
Estado de São Paulo não freqüentava a escola naquele ano, afirmando que tal situação não se
diferenciaria muito da dos outros Estados. Para ele seria algo vergonhoso para esse estado,
que São Paulo era o estado mais rico da federação na época.
Segundo Nery, a Reforma Sampaio Dória foi uma resposta ao problema da não-
inserção da maioria da população na escola, com a redução do curso primário para dois anos e
desdobramento da escola isolada em dois turnos de funcionamento, quando necessário. Foi
vista como um avanço pelos escolanovistas, no sentido de representar a possibilidade de
maior disseminação do ensino para a população paulista. Por outro lado, também foi
fortemente criticada pelos que defendiam uma escola com formação maior. Já que a de
Sampaio Dória reduziria pela metade o tempo de ensino primário.
Em 11 de junho de 1925, o Decreto 3.858 do Poder Executivo derrubou a reforma de
1920 e o ensino primário obrigatório voltou a ser de quatro anos. A autoria da reforma de
155
1925 foi creditada a Pedro Voss (diretor-geral da Instrução Pública), que permaneceu no
cargo até agosto de 1927. Houve muitos protestos contra, o que os oposicionistas alegavam
ser uma inconstitucionalidade, dado o decreto ter sido elaborado pelo Executivo, e não pelo
Legislativo, e sem a participação dos educadores.
Com a Reforma de 1925, organizou-se uma repartição, dentro do poder público a
Seção de Expedientes Gerais que tinha, entre outras obrigações, a de preparar material para
publicação na Revista Escolar. As mesmas críticas feitas à Reforma de 1925 se estendiam à
Revista, ambas idealizadas e realizadas pelos mesmos responsáveis.
Em 19 de fevereiro de 1925 foi publicado o programa de ensino da escola primária e
média, assinado por José Manoel Lobo. O programa segue a subdivisão do ensino em
primário e médio, ambos com dois anos de duração, da forma como foi organizado o ensino
em 1920. Para cada ano as indicações da forma como deveria ser ensinada a disciplina,
seguida do programa.
Programa de Ensino para os cursos primário e médio. Diretoria-Geral da Instrução pública.
1925. Oficinas do Diário Oficial. SP.
Programa de ensino do curso primário
1º ano primário
1)Palestra com os alunos sobre a posição relativa dos objetos da
sala de aula. As partes da carteira e sua situação relativamente às
carteiras mais próximas.
2)Observação do local da classe em relação ao prédio escolar.
Situação da escola na rua e da rua no bairro. Nomes das ruas.
Discrição do caminho que cada aluno percorre ao dirigir-se à
escola.
3) Os pontos cardeais não aprendidos de cor, mas procurados
praticamente no pátio e nos passeios, de acordo com a posição do
Sol e a direção da sombra.
4) Exercícios de orientação: aplicação dos pontos cardeais ao
estudo feito sobre objetos, edifícios ruas etc.
5) Medida de tempo: dia, semana, mês e ano. O relógio.
Conhecimentos das horas pela altura do Sol. O quadrante solar.
6) Exercício de observação: as estações e os principais fenômenos
atmosféricos (chuva, nuvem, neblina, geada etc.).
7) Explicação dos principais termos geográficos (montanha, rios,
mares, golfos, ilhas, estreitos etc.), partindo sempre de objetos
vistos pelos alunos e procedendo por analogia.
8) Representação em massa plástica, ou no tabuleiro de areia, ou
no pátio de recreio, dos acidentes geográficos aprendidos.
9) Conversas sobre a localidade. Nome dos acidentes geográficos
que podem ser observados da escola. Os meios de transporte do
lugar. Nomes dos povoados próximos, conhecimento dos alunos.
10) Descrições de viagem e de gravuras que representem aspectos
característicos da vida em mais regiões do Globo. (narrações de
história semelhantes às aventuras de Robinson Crusoé).
2º ano primário
1)Conhecimento mais completo das denominações dadas às
terras e às águas (Estudo feito à vista de acidentes naturais e
com o auxílio do tabuleiro de areia e do mapa panorâmico
denominado “Iniciação Geográfica”).
2)Esboço dos acidentes conhecidos, para que aprendam os
sinais convencionais usados na cartografia.
3)Representação reduzida do quadro negro, da sala de aula e
do prédio escolar. Assinalar nessas cartas os pontos cardeais.
4)Estudo da planta da cidade, em que está situada a escola.
Posição de seus arrabaldes (Esboço aproximado dessa planta,
desenhando apenas o contorno da zona urbana e localizando
os bairros principais e os estabelecimentos mais importantes).
5)Traçado do mapa do Estado de São Paulo, limitando-se ao
desenho de sua configuração perimétrica. Seus limites.
Localização da capital e da cidade em que se acha a escola.
6)Explicação de viagens que os alunos tenham feito,
referindo-se às cidades que conhecem e às vias de
comunicação que há entre elas e que as ligam à Capital.
7)Descrição das belezas naturais do Estado (mostrar aos
alunos as excelentes fotografias contidas na publicações da
Comissão Geológica e Geográfica).
8)Generalidades sobre fenômenos atmosféricos. Sua
influência sobre a lavoura local.
9)Idéia geral da Terra como astro. Sua forma e movimentos.
10)Observações sobre Sol, a Lua e as estrelas.
156
Programa para a escola média
1º ano médio
1)Contorno do município da escola, localizando os bairros os distritos
de paz e as escolas. Populações do município. Acidentes geográficos
locais.
2)Produtos naturais, comércio e industrialização do município e
mercados locais. Suas relações comerciais com o Capital e com os
municípios limítrofes.
3)O Estado de São Paulo: limites aspecto e clima. (Traçado da carta do
Estado, localizando o município escolar).
4)O litoral: portos, ilhas, pontas e faróis. Utilidade e importância dos
portos. Estações balneárias (traçado da linha da Costa).
5)Montanha e rios. Cachoeiras e saltos notáveis. Rios percorridos
pelos bandeirantes.
6)Organização administrativa, superfície, população, produções,
comércio e indústria do Estado Imigração. (Localização no mapa das
zonas das principais produções).
7)Ligeira descrição de algumas cidades importantes, ilustrando essas
lições com postais e estampas de vistas de cidades, monumentos etc.
8)Vias de comunicações: estrada de ferro e de rodagem, navegação
fluvial e marítima.
9)Como revisão, viagens simuladas pelas estradas, rios e portos do
Estado.
10)O Brasil; suas fronteiras, países confinantes. Divisão política:
Estados e as capitais.
Noções sobre o sistema planetário. As fases da Lua. Eclipses.
2º ano médio
1)A Terra: forma e movimentos. As estações. O dia e a noite. O
globo e o mapa-múndi. Linhas, círculos e zonas. Latitudes e
longitude.
2)As grandes divisões: Continentes e Oceanos, situação e
importância relativa dos mesmos. Comunicações marítimas
notáveis viagens aéreas.
3)Contorno da América do Sul. Localização do Brasil e dos
demais países. Suas capitais e duas ou três cidades principais.
Riquezas naturais e indústrias desses países e suas relações com o
Brasil.
4)América do Sul: aspectos geográficos dignos de nota.
5)O Brasil: descrição física (muitos exercícios cartográficos.
Noção elementar de escala).
6)O Brasil: descrição política e condições econômicas. Gráficos
comparativos da superfície e população dos estados, do novo
comércio e do progresso industrial.
7)América do Norte: breve estudo da geografia descritiva.
Situação dos países e suas capitais.
8)Conhecimentos gerais sobre a Europa, Ásia, África e Oceania.
9)Idéia geral do Sistema planetário: planetas, satélites, e cometas.
Alguma constelação.
10)Idéia geral sobre eclipses. Revisão das noções cosmográficas.
Para o ensino de geografia, há na indicação para o primeiro ano várias recomendações:
o início do ensino devem ser conversas sobre a disposição dos objetos na sala de aula e,
depois, da posição da escola e do bairro. Orienta-se o professor acerca do ensino dos pontos
cardeais através da utilização da sombra do Sol ao meio-dia, e se instrui o mestre a, de forma
dialogada, passar à parte descritiva. Para o ensino dos acidentes geográficos, indica-se a
observação da paisagem com os alunos e, para fixar as noções, o uso de “mapas de termos
geográficos e o tabuleiro de areia” ou, na ausência deles, “uma lousa ou um punhado de areia
molhada prestarão o mesmo auxílio” (DIRETORIA GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA,
1925, p. 16). Estimula-se, ainda, o conhecimento das horas através do quadrante solar que,
sendo um
instrumento primitivo e de construção facílima, em que se mede o
tempo pelo movimento da sombra que uma varinha, iluminada pelo
Sol, projeta sobre uma superfície plana, será de utilidade na roça, onde
os relógios são escassos (Regulando-se pelo instrumento rudimentar,
por ele mesmo construído, o aluno não mais chegará tarde à escola).
(DIRETORIA GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA,
1925, p.
16).
157
Logo depois vêm elencados os dez pontos do programa para o primeiro ano primário.
Começa-se com palestras com os alunos sobre o posicionamento dos objetos na sala de aula, a
observação da localização da classe com relação ao restante do prédio escolar, observação da
escola com relação à rua, da rua com relação ao bairro e descrição do caminho percorrido pelo
aluno de sua casa até a escola. Os pontos cardeais deveriam ser aprendidos na observação
prática, e não de forma decorativa. Em seguida, viria o conhecimento da medida de tempo e
os principais termos geográficos, ensinados a partir da visualização da paisagem que cerca a
escola. Os meios de transporte do local e dos povoados próximos deveriam ser abordados
através de conversas. Por último, vêm as “descrições de viagens e de gravuras que
representem aspectos característicos da vida em diferentes regiões do Globo (narrações de
histórias semelhantes às aventuras de Robinson Crusoé)” (DIRETORIA-GERAL DA
INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1925, p. 17).
Para o segundo ano primário, há a indicação de iniciar o estudo do traçado à mão livre,
sem escala, da planta da escola e de seus arredores. Orienta-se o professor a ensinar bem as
orientações cardeais, para as crianças não confundirem Norte com parte superior, Sul com a
inferior e assim por diante. Após o conhecimento da “planta da cidade local e a significação
dos sinais e cores convencionais, utilizados pela cartografia, o docente traçará as estradas de
ferro e também as de rodagem, que ligam essa cidade às outras vizinhas e à Capital”
(DIRETORIA-GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1925, p. 34). Depois deste
aprendizado, o aluno poderia entender e interpretar o mapa do Estado de São Paulo.
Finalizando, as indicações dizem que, após as extensões de terra e de água, o professor
deveria ensinar que a reunião de ambas compõe a Terra, e fazê-lo por meios intuitivos, por
exemplo, com o auxílio de um pião e uma bola, explicará os principais movimentos da Terra,
a sucessão dos dias e das noites etc.” (DIRETORIA-GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA,
1925, p. 34).
O programa para o segundo ano primário também é dividido em dez pontos. Começa
com o aprendizado “mais completo das denominações dadas às terras e às águas”. Isso sempre
com auxílio de objetos como tabuleiro de areia e mapa panorâmico. O aprendizado dos sinais
convencionais da cartografia deveria ser feito através de esboços dos acidentes geográficos.
Representação da sala de aula e do prédio escolar, no quadro negro, seria um meio de ensinar
os pontos cardeais, seguida da planta da cidade (apenas com a zona urbana e a localização dos
bairros principais). O mapa do Estado de São Paulo deveria ser somente contornado e ter
localizadas a capital e a cidade onde fica a escola. Após isso, deveriam ser discutidas “as
viagens que os alunos tenham feito, referindo-se às cidades que conhecem e às vias de
158
comunicação que entre elas e que as ligam à capital (DIRETORIA-GERAL DA
INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1925, p. 35). Em seguida, as belezas naturais do Estado deveriam
ser descritas e se poderia “mostrar aos alunos as excelentes fotografias contidas nas
publicações da Comissão Geológica e Geográfica”. Os fenômenos atmosféricos deveriam ser
ensinados de forma geral, e sua influência sobre a lavoura, revelada. Sobre a forma e os
movimentos do planeta Terra, dar-se-ia apenas uma idéia geral, fazendo observações sobre o
Sol, a Lua e as estrelas.
No programa de ensino elaborado em 1925, foi suprimida a divisão em geografia,
geografia física e cosmografia, passando novamente a tudo denominar geografia. Para o
ensino primário a inserção de alguns conteúdos novos: aprendizagem de forma prática dos
pontos cardeais; aplicação do estudo dos pontos cardeais; exercícios de observação da divisão
das estações e dos fenômenos atmosféricos; narrações de histórias de aventura que contenha
descrições de viagens; estudo dos pontos cardeais através do mapa; descrição das belezas
naturais do estado e a influência dos fenômenos naturais sobre a lavoura local.
Encerrado o ensino primário, viria o médio, igualmente de dois anos. Para o primeiro
ano do ensino médio, no tocante à geografia, indica-se um estudo corográfico minucioso do
município; para “conhecer-lhes bem a forma e a posição relativa, deverá o professor
multiplicar os trabalhos cartográficos e, sendo possível, fazer, na área do recreio ou no
pavilhão, em barro ou areia, o contorno e o relevo de nosso Estado” (DIRETORIA-GERAL
DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1925, p. 53). Cada lição deveria ser finalizada com a
elaboração de um mapa sem detalhes e nem perfeições, um esboço à mão livre – condena-se o
professor que obriga a criança a desenhar perfeitamente o mapa em papel quadriculado
aconselha-se poupar tempo e esforço na elaboração do mapa, tanto da parte da criança quanto
da do professor. Recomenda-se a utilização de relatos de viagens dos alunos para melhor
explicar os conhecimentos geográficos. Os dez pontos do programa de geografia se iniciam
com o estudo do contorno do município e a localização dos bairros, distritos e escolas,
incluindo, ainda, a população e os acidentes geográficos locais. As relações comerciais,
industriais e a produção natural da localidade deveriam ser estudadas em seguida. Após isso,
o alvo do estudo seria o Estado de São Paulo, seus limites, clima e aspectos importantes, além
da localização do município sede da escola no mapa do Estado. Um estudo sobre o litoral, a
utilidade e importância dos portos seria o próximo conteúdo, seguido da discussão sobre os
rios e montanhas percorridos pelos bandeirantes e a “organização administrativa, superfície,
população, produção, comércio e indústria do Estado” (DIRETORIA-GERAL DA
INSTRUÇÃO BLICA, 1925, p. 35), além do fator imigração. A vista das cidades mais
159
importantes do Estado deveria ser ilustrada com estampas e postais e aludidas as vias de
comunicação, tudo revisado com “viagens simuladas pelas estradas, rios e portos do Estado”.
Para finalizar o estudo desse ano, seria importante conhecer a divisão política do Brasil e ter
noções sobre o sistema planetário, as fases da lua e os eclipses.
Para o segundo ano do curso médio, a orientação é iniciar com um breve estudo sobre
a Terra, valendo-se do mapa-múndi e do globo geográfico. No que se refere à América do Sul,
“demoramo-nos na descrição do continente que mais nos importa conhecer e que, pela sua
forma regular e admirável configuração, não representa dificuldade alguma na sua
representação e do qual o nosso país ocupa uma parte considerável” (DIRETORIA-GERAL
DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1925, p. 76). O estudo da Cordilheira e do seu sistema fluvial,
vasta planície e cidades andinas viria em seguida, e depois a geografia geral do Brasil e os
“fatos característicos das grandes partes do mundo”. Enfatiza-se “dar todo o desenvolvimento
possível à parte relativa às viagens imaginárias”. O estudo elementar sobre escala é, pela
primeira vez, recomendado. Finalizando, estabelece-se que todo o ensino deve ser o menos
decorativo possível, e para isso recomenda-se o uso de diversos materiais que agucem a
curiosidade das crianças.
Em todo esse ensino, o professor deverá limitar ao indispensável as
listas de nomes e confiar à memória de seus alunos. Em vez da
enumeração de árida nomenal, fará descrições vivas e animadas do
aspecto físico, das curiosidades naturais, do progresso material, dos
usos e costumes dos povos etc., ilustrando sempre suas lições com
gravuras, quadros, fotografias e, se possível, com projeções luminosas
ou, na sua falta, com vistas observadas pelo estereoscópio. Não
desprezará também exercícios práticos de reconhecida utilidade, como
os gráficos comparativos, que facilitam a memorização de dados
numéricos, referentes à geografia econômica e política.
(DIRETORIA-GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA,
1925, p.
77)
O programa para o último ano do curso médio começa com o estudo da Terra, sua
forma e movimentos, passando pela sua divisão em continentes e oceanos e a importância de
cada um desses elementos, pelo estudo das comunicações marítimas e aéreas e pelo contorno
da América do Sul, com a localização do Brasil, dos principais países, suas capitais e cidades
mais importantes. Incluiria as relações comerciais desses países com o Brasil e as riquezas
naturais e industriais dos demais países, cujos “aspectos geográficos dignos de nota”
encerrariam o estudo da América do Sul. Sobre o Brasil, haveria que fazer uma descrição
física com “muitos exercícios cartográficos. Noções elementares de escala” e, também,
“descrição política e condições econômicas. Gráficos comparativos da superfície e população
dos Estados, do movimento comercial e do progresso industrial”. A América do Norte seria o
160
alvo do conhecimento posterior, com “breve estudo da geografia descritiva” dos seus países e
capitais, seguido genericamente pelos demais continentes. Depois, estudar-se-ia o sistema
planetário e se daria uma idéia geral sobre eclipses, encerrando-se com uma revisão das
noções cosmográficas.
No ensino médio há a inserção de conteúdos como: relação do mercado local com o
mercado da capital; rios percorridos pelos Bandeirantes; localização no mapa das zonas de
principais produções e em comunicações: viagens aéreas.
Em 11 de junho de 1925 houve outra reforma da instrução pública do Estado de São
Paulo. O curso primário voltou a ter quatro anos de duração nos grupos escolares, e três nas
escolas isoladas e nas reunidas. O curso complementar foi reduzido de quatro para três anos
de duração e o normal aumentou um, passando a ter cinco anos de duração.
Essa reforma foi muito criticada pelos auto-intitulados escolanovistas da época.
Segundo Nery (1993), a reforma de 1925 foi realizada a partir do Poder Executivo, que não se
reuniu com os educadores da época, deixando de ouvir os “especialistas em educação”, pelo
que (somando-se a outros motivos) foi denominada autoritária. Mas o programa de ensino
permaneceu exatamente o mesmo, com o mesmo conteúdo, mesmo texto, mesma disposição
dos parágrafos e frases, somente mudando a disposição dos anos dos cursos, que acabaram
formando conjuntamente o primário, com quatro anos de duração. Tinha-se, assim: primeiro,
segundo, terceiro e quatro anos primários, e não mais primeiro e segundo primários e primeiro
e segundo anos médios. Em todos os programas também continuou a cópia do Ato de 19 de
fevereiro de 1925, assinado por José Manoel Lobo: “O Secretário de Estado dos Negócios do
Interior resolve aprovar e mandar observar nos grupos escolares, escolas reunidas e isoladas
do Estado, o programa de ensino que a este acompanha”.
Nos anos seguintes (como se pôde constatar em 1927, 1928, 1930, 1932, 1936, 1941 e
1947), o programa era o mesmo elaborado em fevereiro de 1925. Mesmo havendo, em início
da década de 1930, em 1933, outra reforma do ensino paulista, promovida por Fernando de
Azevedo. Em 30 de abril de 1935, uma resolução, assinada pelo secretário da Educação e
Saúde Pública, Cantídio de Moura Campos, foi acrescida ao Ato de 1925, no início dos
programas de ensino:
O secretário da educação e saúde pública resolve manter nos grupos
escolares o programa aprovado por ato de 19/2/25 do Secretário de
Estado dos Negócios do Interior, e determina que nos grupos escolares
tresdobrados seja observado o programa mínimo que a este
acompanha, do qual se escolherão os pontos de exame de todos os
grupos escolares do Estado (DIRETORIA-GERAL DA INSTRUÇÃO
PÚBLICA, 1936; 1941; 1947).
161
O currículo da escola complementar e normal
Na pesquisa efetuada, foi localizado apenas o currículo da escola complementar e
normal em programas do Estado de São Paulo e do Distrito Federal.
No que toca especificamente à escola para formação de professores em São Paulo, na
escola normal, foram encontradas referências nas legislações de ensino de 1918, 1920 e 1925,
que afirmavam unanimemente que o programa das diversas cadeiras deveria ser organizado
pelos próprios professores da escola normal.
O curso complementar, instituído em 1917
33
, era um ensino posterior ao primário e
dava direito ao seu concluinte de lecionar nas escolas primárias, mas não tinha o mesmo
status e nem concedia todos os direitos dos concluintes do curso normal. O regulamento do
Decreto 2.944, de 1918, esclarece que o curso complementar destinava-se a “completar o
curso primário” e “preparar candidatos à matrícula no primeiro ano das Escolas Normais”
(SÃO PAULO, 1938 – ver o item Legislação da Bibliografia).
Havia uma dualidade na formação do magistério primário paulista, com a existência de
escolas normais e complementares, segundo Tanuri (1979). A escola complementar foi criada,
a princípio, para ser uma escola de nível intermediário entre a primária e a normal, mas, na
prática, tornou-se a única formação da maioria dos professores profissionais da época.
Segundo Tanuri, com um ensino executado em estabelecimentos que poucos recursos
didáticos possuíam e sob a responsabilidade de um professor polivalente para cada ano, o
curso desta escola era quase exclusivamente teórico, ensinando-se pouco mais que a escola
primária. O problema levantado desde os críticos da época era que a escola complementar,
por ser mais econômica para o poder público, era a que mais existia em São Paulo, portanto a
que forneceu a maior quantidade de professores profissionais para a escola pública primária
na época.
Segundo Tanuri, a escola normal era cursada posteriormente à complementar ou se o
aluno egresso da escola primária tivesse uma determinada idade mínima. Na escola normal
cada disciplina era ministrada por diferentes professores. O ensino ali era tido como melhor,
pois era ensinado muito conteúdo propedêutico, havia preparação prática e teórica específica
para a formação profissional do futuro mestre, a duração do curso era maior, havia uma
33
Em 1892 foi criado um curso complementar no intuito de fornecer uma formação a mais ao aluno primário e
também habilitava ao egresso desse curso ser adjunto das escolas preliminares. Porém esse complementar fazia
parte do curso primário. O curso primário era dividido em preliminar e complementar, cada um com dois anos de
duração. o curso complementar criado em 1917 não pertencia ao primário, era posterior a ele. Cf Tanuri
(1979, p. 140) e Catani (2003, pp. 113-8).
162
escola-modelo anexa a ela, além de existirem gabinetes, laboratórios e outros materiais, o que
permitia ao aluno contato com o que de mais moderno existia na época. Assim, os professores
advindos da escola normal gozavam de maior prestígio social: era-lhes dado o direito de
lecionar nas escolas primárias e complementares, tornarem-se diretores escolares ou alçar aos
níveis mais elevados na Instrução Pública. A maioria dos normalistas se tornava professor da
escola complementar ou dos grupos escolares.
No Decreto 2.944, de agosto de 1918, depois do programa do ensino primário, o
último programa que aparece é o da escola complementar. Geografia na escola complementar
deveria ser ministrada somente no primeiro dos dois anos de curso. O programa é dividido em
17 itens. Logo no início do primeiro ano o aluno deveria estudar o contorno do Brasil e de
seus vizinhos, a localização do Distrito Federal e sua importância, a população e a superfície
brasileiras. Em seguida, compararia estes dados aos dos outros países da América, valendo-se
de mapas e problemas sobre densidade populacional. Depois, estudaria as raças que compõem
o Brasil. O próximo ponto a ser estudado seria o contorno do litoral do país e seus elementos
mais importantes, após o que se passaria para o ponto “f”, contorno do país acrescido da
“divisão
administrativa do Brasil, com estudo dos limites naturais de cada Estado; Capitais
dos Estados com localização de algumas cidades importantes para cada um, onde as houver”
(Anexo 4, Decreto 2.944, SÃO PAULO, 1938). Após esse estudo se comparariam as
populações e superfícies dos Estados. Os próximos cinco pontos do programa têm sempre
como referência o ponto “f”, acrescentando-lhe algo. Assim, o ponto “h” acresce o estudo das
bacias fluviais e sistemas de montanhas e suas influências sobre o clima e a produção do
Estado de São Paulo; o próximo ponto adiciona ao estudo a inserção e influência do
estrangeiro no Brasil como um todo e em cada Estado em particular; outro ponto acrescenta a
indústria e a produção de cada Estado, depois vem o estudo dos meios de transportes nos
Estados, o ensino sobre os portos e “o comércio do Brasil: interno e externo; notícia sobre os
principais produtos” (Anexo 3, Decreto 2.944, 1918). Em seguida, o clima brasileiro deveria
ser analisado, depois governo e religião no Brasil, após o que viriam o telégrafo e o Correio
como objetos de estudo. Finalizando, o último estudo do curso seria uma revisão sobre todos
os aspectos.
No decreto de junho de 1925 que reforma a instrução pública, não há o programa da
escola normal (pois este deveria ser elaborado pelo professor da disciplina), mas está a
distribuição das aulas do curso normal. A sua visualização é importante para poder constatar a
163
importância dada à disciplina de geografia. No artigo 51, desse decreto, é apresentada a
distribuição das matérias do programa do curso normal para as secções masculinas, femininas
e mistas.
Matérias do programa do curso normal:
Matéria Quantidade de aulas semanais
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano Total
Português e caligrafia 03 03 06
Português e literatura 02 02 04
Francês 04 03 07
Latim 02 02 02 06
Inglês 02 02 02 06
Geografia da América e especialmente Geografia
do Brasil
03
03
Cosmografia e geografia geral
03
03
História da civilização 04 04
História da América e especialmente do Brasil 03 03
Aritmética e Álgebra 05 05
Álgebra (revisão) 02 02
Geometria plana 03 03
Geometria plana (revisão) e no espaço 02 02
Desenho (secção feminina) 03 02 02 02 02 11
Desenho (secção masculina) 03 02 02 02 02 11
Trabalhos manuais (secção feminina) 02 01 02 01 02 08
Trabalhos manuais (secção masculina) 02 01 02 01 02 08
Música 02 02 01 01 02 08
Ginástica (secção feminina) 02 02 01 02 01 08
Ginástica (secção masculina) 02 02 01 02 01 08
Física 03 03
Física e química 03 03
Química (sendo uma aula prática) 02 02
Anatomia e fisiologia humanas 03 03
Biologia 02 02
Didática 02 04 06
Psicologia 03 03
Pedagogia 03 03
História da língua 02 02
Higiene 02 02
Noções de direito usual 02 02
TOTAL 24 24 24 24 24 120
A disciplina geografia para a escola normal, era dada nos dois primeiros anos do
curso. No primeiro ano era ministrada Geografia da América e especialmente do Brasil, com
três aulas semanais, e no segundo ano, Cosmografia e geografia geral, com também três aulas
semanais. São ao todo seis aulas no curso inteiro. Para a disciplina geografia no curso normal,
não foi dada tanta importância quanto para as de português, desenho, trabalhos manuais,
música e ginástica, mas também não está entre as disciplinas que tiveram menor quantidade
de aulas durante o curso como as que tinham somente duas aulas.
Datados de 14 de agosto de 1928, dois documentos, assinados por Amadeu
Mendes: Bases para organização e execução dos programas de ensino das escolas normais
de três anos e Programas de ensino para as escolas complementares.
164
As Bases eram provisórias e, o programa definitivo. As Bases das escolas normais
deveriam ser elaboradas somente “depois que esta Diretoria Geral tiver recebido as
necessárias sugestões dos senhores catedráticos das respectivas disciplinas e de todos quantos
se interessem pelo assunto” (DIRETORIA-GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1929b, p.
6) Mendes encerra o documento dizendo que, para o próximo ano, deveriam os professores
elaborar seu programa tendo como parâmetro as Bases e também enviar sugestões para
construção de um programa para as escolas normais de três anos do Estado de São Paulo.
que lembrar que existia uma única escola normal que não se incluía em tal documento: a
Escola Normal da Praça da República, a única que possuía quatro anos de curso. Sendo assim,
ela era regida por outro programa de ensino, o elaborado pelos próprios professores.
Bases para organização e execução dos programas de ensino das escolas normais de
três anos:
1º ano
Geografia
O programa será o desenvolvimento das seguintes
questões:
1- O sistema solar, sua constituição e relações dos astros
entre si.
2- A Terra: forma, movimentos, círculos e zonas.
3- Hipótese de Laplace. Origem da litosfera, da
hidrosfera e da atmosfera. Calor interno. Vulcões.
4- O elemento sólido relevo terrestre, nomenclatura;
relevo das Américas, da Europa, da Ásia, da África e da
Austrália; ilhas.
5- O elemento líquido o mar e os oceanos; movimento
do mar o trabalho do mar; os litorais; águas
continentais; bacias hidrográficas; características e
trabalho dos rios.
6- O elemento gasoso propriedade física da atmosfera;
clima e seus fatores; trabalho dos agentes atmosféricos.
7- A vida humana raças, língua e religiões; formas
sociais; influencia do meio sobre o homem; como o
homem se aproveita do meio em que vive.
8- Animais e plantas e influência do meio sobre a vida
animal e vegetal. Distribuição geográfica das plantas e
dos animais.
9- Objeto e divisões da geografia.
10- Estudo descritivo da América do Norte e da América
do Sul, sob os pontos de vista da geografia física e da
geografia humana. Descrição regional dos países das
duas Américas.
11- O mesmo relativamente a Europa e a Ásia.
12- Descrição geral da África e da Oceania.
Nota: Todo o estudo descritivo será acompanhado dos
exercícios cartográficos correspondentes.
2º ano
Geografia do Brasil
1- Descrição física:
situação e limites
relevo
costas
clima
hidrografia
2- Condições econômicas
influências físicas e políticas
aparelho econômico
agricultura e indústria
comércio
3- Descrição política
divisão administrativa
população
imigração
4- Regiões naturais
O Brasil Amazônico
O Nordeste subequatorial
O Vertente oriental dos Planaltos
O Brasil Platino
Nota: Cada tópico desenvolvido será acompanhado do
correspondente exercício cartográfico.
Nos dizeres do documento, o programa deveria ser desenvolvido tendo como base as
12 questões ali enunciadas. Iniciava com o conhecimento do sistema solar, a forma e o
movimento da Terra; a hipótese de Laplace sobre a origem da litosfera, hidrosfera e atmosfera
165
terrestre viria em seguida. Depois, estudar-se-ia o relevo dos continentes, fornecendo sua
nomenclatura, o “elemento líquido” (mares, oceanos, bacias hidrográficas, rios e afins), a
atmosfera, o clima e seus agentes. Após o que se poderia estudar “a vida humana raças,
línguas e religiões; formas sociais; influência do meio sobre o homem; como o homem se
aproveita do meio em que vive” (DIRETORIA-GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA,
1929b, p. 8). Em seguida, o estudo versaria sobre a influência do meio sobre a vida animal e
vegetal e se encerraria o programa com a descrição geográfica física e humana de cada
continente, a começar pela América, passando pela Europa, Ásia, África e, por último, a
Oceania. Ao final, uma nota dizendo que “todo o estudo descritivo será acompanhado dos
exercícios cartográficos correspondentes” (DIRETORIA-GERAL DA INSTRUÇÃO
PÚBLICA, 1929b, p. 8).
Para o segundo ano da escola normal, o currículo constituía-se de geografia do Brasil,
iniciando com a descrição física do país situação e limites, relevo, litoral, clima e
hidrografia –, passando para as condições econômicas (com destaque para as influências física
e política), aparelho econômico, agricultura e indústria e comércio. Viria logo depois o estudo
sobre a descrição política do Brasil, com a divisão administrativa, população e imigração. O
conhecimento sobre as regiões naturais finalizaria o programa, estudando-se a Amazônia, o
Nordeste, os Planaltos e o Brasil Platino. A nota acerca dos exercícios cartográficos em cada
lição também constava neste programa. O terceiro ano da escola normal de três anos não teria
geografia.
Para a escola complementar, a disciplina estava presente no segundo e terceiro anos
(aquele com geografia geral e este com geografia do Brasil). Em linhas gerais, o programa
para a escola complementar é semelhante ao da normal; o que os diferencia é que o da
primeira, por ser um programa mesmo (e não base para um programa), é mais detalhado,
enquanto o segundo é formado por tópicos não tão desdobrados, sugerindo que o professor
devesse completá-lo.
Programas de ensino para as escolas complementares de 1929:
ano
Geografia geral
1 Estudo do globo terrestre e no mapa-múndi
conhecimentos geográficos na antiguidade; roteiro das
grandes viagens que tornaram conhecido o mundo.
2 – Forma da Terra. Situação no espaço. Provas.
3 Linhas e círculos do globo. Periecos, antecos e
antípodas.
4 Com se determinam os pontos na superfície da terra.
Círculos de latitude e de longitude. Como se contam os
graus de longitude e de latitude. Exercícios no globo e
3º ano
Geografia do Brasil
1 – Situação e limites.
2 Relevo geral. Sistemas de montanhas. Os pontos de
maior altitude no Brasil.
3 Bacias fluviais. Linhas divisórias das águas. Estudo
particularizado de cada bacia, sob o ponto de vista
econômico.
4 – Climas, suas causas.
5 – A flora e a fauna do Brasil; sua distribuição de
acordo com os climas. Os produtos de nossa flora.
166
nas cartas.
5 Movimento diurno aparente do sol. Movimentos de
rotação da terra. Provas. Diferença de horas entre os
diversos pontos da terra. Medida da longitude pela
diferença de hora. Fusos horários. Problemas.
6 – Movimento de translação da terra. Estações. Ano
trópico e ano civil. Caracteres das estações na localidade
e nas várias regiões da terra.
7 As zonas terrestres, seus caracteres físicos e
astronômicos. A vida e os costumes dos habitantes nas
diferentes zonas. Exame de estampas que mostrem
aspectos característicos da diferentes zonas.
8 – Exposição elementar da teoria de Laplace. Formação
da litosfera, hidrosfera e atmosfera. A centrosfera. Calor
interno da terra. Vulcões e sua distribuição geográfica,
estudada no mapa-múndi. Fontes termais.
9 Relevo geral do globo. As grandes massas
continentais e as grandes depressões oceânicas. Situação
relativa dos continentes e dos oceanos, estudada no
globo e no mapa-múndi. Proporção das terras e águas na
superfície do globo. Ilhas. Ilhas costeiras e ilhas
oceânicas. Ilhas de coral. As principais ilhas do mundo.
10 Relevo continental. Nomenclatura. Altura absoluta
e altura relativa. Altitude do lugar da escola. Como as
alturas estão indicadas nas cartas. Os pontos de maior
altura na terra e os de maior profundidade no mar,
localizados no mapa-múndi.
11- Águas continentais. Formação dos lagos e dos rios.
Os maiores lagos e os maiores rios do mundo. Ação das
águas correntes sobre o relevo terrestre. Correntes
subterrâneas. Poços artesianos.
12 Recorte dos litorais. Nomenclatura. Principais
cabos, penínsulas, mares, golfos, estreitos e baías do
mundo. Meios de defesa e de previdência nos litorais. O
trabalho do mar. Correntes oceânicas.
13 – Como se modifica o relevo terrestre.
14 – Clima e causas que o determinam.
15 A vida no globo: dependência dos animais
relativamente às plantas e destas relativamente ao relevo
terrestre e ao calor solar. Distribuição geográfica das
plantas e dos animais.
16 A vida humana. As indústrias humanas em suas
relações com as produções naturais. O progresso
humano nas várias regiões da terra.
17 Principais portos de comércio do mundo. A
importação e a exportação dos países que mantêm
relações comerciais com o Brasil. Viagens figuradas
entre os diversos portos do mundo.
18 Divisão política do continente americano e estudo
dos principais países sul-americanos, exceto o Brasil,
sob o ponto de vista político e econômico. Exercícios
cartográficos correspondentes.
19 Estudo da América do Norte sob o ponto de vista
político e econômico. Exercícios cartográficos
correspondentes.
20 Divisão política da Europa. Capitais e cidades
principais. Exercícios cartográficos correspondentes.
21 – Países e regiões da Ásia e da África. A Oceania.
6 – As produções minerais do Brasil. Exploração da
minas.
7 A agricultura. As principais culturas do país,
localizadas na carta. Breve histórico da nossa evolução
agrícola.
8 As indústrias do país em relação com as culturas das
regiões.
9 – A pecuária.
10 O comércio interno. Meios de transporte e de
comunicação no interior do país.
11 O litoral. Baías e portos principais. Ilhas costeiras.
Ilhas oceânicas. Recifes. A indústria da pesca.
12 O comércio externo. Importação e exportação.
Linhas de navegação.
13 A população, seus elementos constituintes.
Imigração.
14 – Divisão administrativa. O governo federal.
15 Os estados, suas capitais e cidades principais. Os
governos estaduais e os governos municipais.
16 – Estudo particularizado do estado de São Paulo.
Exercícios cartográficos acompanhando cada um dos
assuntos desenvolvidos.
No ano de 1929 foram publicadas, pela Diretoria-Geral da Instrução Pública, as
Instruções para cumprimento das disposições regulamentares nas escolas normais livres.
Estas escolas eram instituições de ensino particulares ou municipais à época, unicamente as
mantidas pelo Estado tinham caráter oficial. Em 1927, segundo Tanuri, estas escolas livres
167
foram equiparadas às escolas normais de três anos. Lembre-se que havia uma hierarquização
entre as escolas normais e que a da Praça da República era considerada melhor, pelo que tinha
um status diferenciado mesmo das escolas oficiais. Era ela que formava os quadros da elite
educacional, que tinham privilégios na obtenção de emprego. Legalmente, somente os
egressos das escolas normais oficiais poderiam lecionar nas escolas primárias mantidas pelo
Estado. Os formados nas escolas livres poderiam lecionar somente nas escolas particulares ou
municipais. Com a legislação de 1927 e a equiparação, os formados em escolas normais livres
passaram a ter os mesmos direitos dos que provinham das escolas normais oficiais de três
anos.
No documento, explicita-se que a organização do programa de ensino nas escolas
normais livres deveria ser de responsabilidade do professor e que deveriam ser encaminhados
para a Diretoria-Geral da Instrução Pública para a devida aprovação. Assim, “cada professor
organizará o programa de sua cadeira sobre as bases fornecidas pela Diretoria Geral”
(DIRETORIA-GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1929a, p. 5). Tais bases dizem respeito
ao documento analisado anteriormente. Sobre a metodologia do ensino, a seguinte
resolução:
O ensino deve ser feito, tanto quanto possível pelo aprendizado ativo e
individual do estudante, e, além do fim da aplicação utilitária de cada
cadeira ou aula, deve procurar desenvolver o espírito do aluno, dando-
lhe iniciativa intelectual e faculdade crítica. Não serão permitidas
lições ou apontamentos ditados nem apostilas.
(DIRETORIA-
GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA,
1929a, p. 6)
Também consta desse documento o quadro de distribuição das matérias para as escolas
normais livres:
cadeira 1º ano 2º ano 3º ano Total
01 Português e caligrafia 04 03 02 09
02 Francês 03 03 - 06
03 Geografia geral 03 - - 03
03 Geografia do Brasil - 03 - 03
04 História da civilização - 03 - 03
04 História do Brasil e Educação cívica - - 03 03
05 Aritmética e álgebra 04 - - 04
05 Geometria - 02 - 02
06 Física - 03 - 03
06 Química - - 03 03
07 História natural - - 04 04
07 Higiene - - 02 02
08 Psicologia - 03 - 03
08 Pedagogia - - 04 04
08 Didática - - 06 06
09 Desenho 03 02 - 05
10 Música 02 02 - 04
10 Orfeão 01 01 01 03
11 Ginástica (secção masculina) 02 02 - 04
168
12 Ginástica (secção feminina) 02 02 - 04
13 Trabalhos manuais (secção masculina) 03 - - 03
14 Trabalhos manuais (secção feminina) 03 - - 03
TOTAL 25 27 25 77
Comparado a distribuição da quantidade de aulas para o curso normal e para o normal
livre, para a disciplina de geografia havia ao longo do curso um mesmo total de aulas.
Mantinham-se seis aulas de geografia, mesmo tendo em vista o fato de que para o curso
normal livre havia muito menos aulas no total do curso.
Outro documento encontrado reproduzia os Programas mínimos para as escolas
normais e cursos complementares anexos. O programa é de 14 de julho de 1932, aprovado
por ato da Secretaria da Educação e da Saúde Pública, assinado por João Toledo, diretor-geral
do Ensino. O programa de geografia e cosmografia, que compõem a sétima cadeira, é iniciado
por considerações que dão um parâmetro geral do ensino de geografia desde o primário,
passando pelo complementar, até chegar ao normal. Em seguida, apresenta-se o programa do
curso complementar e o da escola normal. Os programas mínimos desta são parecidos com os
conteúdos das Bases analisadas. Por sua vez, os programas mínimos da escola complementar
se assemelham aos do Programa de ensino para as escolas complementares de 1928
(DIRETORIA-GERAL DO ENSINO, 1932).
Programas mínimos para as escolas normais e cursos complementares anexos de 1932.
Programa de geografia para o curso complementar
1º ano
1 Os astros em geral Ilusão da
abóbada celeste. Conhecimento
intuitivo das principais constelações
do nosso hemisfério, com suas
estrelas mais notáveis.
2 A Terra sua forma e situação
no espaço. A superfície da Terra
elemento sólido e elemento líquido.
Atração da Terra. Posição dos seres
vivos na superfície da Terra.
Verdadeira significação dos termos
baixo e cima. A atmosfera. O
interior da Terra os vulcões e os
terremotos.
3 Relevo geral do globo; as
grandes massas continentais e as
grandes depressões oceânicas; ilhas
costeiras e ilhas oceânicas; as
principais ilhas do mundo.
4 Relevo continental
nomenclatura; altitudes; pontos de
maior altura na Terra e de maior
profundidade no mar.
5 Os oceanos situações
relativamente aos continentes;
movimentos das águas do mar;
salinidades da água; o fundo do mar.
Os mares do mundo.
2º ano
15 A vida na Terra: dependência
dos animais relativamente às plantas
e destas relativamente ao relevo
terrestre e ao calor solar.
16 Condições favoráveis à vida
humana. As raças, as línguas, as
religiões.
17 Ocupações do homem
relacionadas com as produções
naturais do meio em que ele vive; a
agricultura, a indústria, o comércio;
o progresso humano nas rias
regiões da Terra.
18 Principais produções agrícolas
e industriais dos maiores países do
mundo, consideradas indispensáveis
ao homem. Países agrícolas e países
industriais.
19 Principais portos de comércio
do mundo. Trocas de mercadorias
entre o Brasil e os principais países
que, com ele, mantêm relações
comerciais. Viagens figuradas entre
os principais portos do mundo.
20 – Meio de transporte – navegação
marítima e fluvial; estradas de ferro;
estradas de rodagem; transportes nos
países frios e nos desertos;
3º ano
Geografia do Brasil
1 – Brasil. Situação e limites.
2 Relevo geral. Sistema de
montanhas. Os pontos de maior
altitude do Brasil.
3 – Bacias fluviais. Linhas divisórias
das águas. Condições econômicas de
cada bacia e caracteres da sua
população.
4 Climas e suas causas
determinantes.
5 – Fauna e flora do Brasil – sua
distribuição.
6 Produções minerais do Brasil
sua exploração.
7 Agricultura; as principais
culturas do país localizadas na carta.
Breve histórico de nossa evolução
agrícola.
8 A indústria extrativa dos
vegetais: borracha, mate, babaçu,
carnaúba etc. A pecuária zonas de
seu maior desenvolvimento.
9 Comércio interno; meios de
transporte e de comunicação no
interior do país e no litoral.
Diversidade dos meios de transporte,
nas diferentes zonas.
169
6 Recortes do litoral
nomenclatura; principais penínsulas,
cabos, estreitos, golfos e baías do
mundo.
7 Águas correntes; formação dos
lagos e dos rios; os maiores lagos e
os maiores rios do mundo; ação das
águas correntes sobre o relevo
terrestre; correntes subterrâneas;
gêiseres; fontes de águas minerais;
fontes termais; poços artesianos.
8 O Sol, seu movimento aparente
em torno da Terra; nascimento e
ocaso, o dia e a noite; explicação do
movimento diurno do Sol pelo
movimento de rotação da Terra; a
medida do tempo pela marcha do
Sol.
9 – O Sol como fonte de energia.
Efeitos do calor solar sobre a
atmosfera e sobre as águas. Os
ventos e seus efeitos no relevo dos
continentes. Evaporação e formação
das nuvens. As chuvas e seus
efeitos.
10 Estações do ano; caracteres das
estações na localidade e nas várias
regiões da Terra.
11 Climas definição, causas que
os determinam.
12 Fenômenos climáticos as
secas, tentativas para minorar os
seus efeitos; as inundações. As secas
do Nordeste Brasileiro, as
inundações do Nilo.
13 Círculos da esfera terrestre:
latitude e longitude. Zonas
terrestres; a vida e os costumes dos
habitantes nas diferentes zonas,
especialmente com respeito à
nutrição, ao vestuário e à habitação.
14 As cartas geográficas. Escalas.
Orientação.
transporte aéreo.
21 Divisão política do continente
americano e estudo dos principais
países sul-americanos, exceto do
Brasil, sob o ponto de vista político
e econômico.
22 – Estudo da América do Norte
sob o ponto de vista político e
econômico.
23 Divisão política da Europa;
capitais e cidades principais.
10 O litoral; seus vários aspectos.
Baías e portos principais, sua função
econômica. Ilhas costeiras e
oceânicas. A pesca.
11 Comércio externo importação
e exportação; linhas de navegação.
Alfândegas e suas funções.
12 A população seus elementos
constituintes; imigração.
13 Divisão administrativa;
governo federal.
14 Estados – capitais e cidades
principais.
15 Estudo particularizado do
estado de São Paulo.
Programa de geografia para a escola normal
1º ano
1 A esfera celeste; conhecimento, por observação, das
principais constelações do nosso céu, com suas estrelas
mais notáveis; nebulosas.
2 A Terra, sua forma e posição no centro da esfera
celeste. Provas da redondeza da Terra.
3 – Vertical, zênite e nadir; horizonte; círculo meridiano;
meridiana; altura, distância zenital, ascensão reta e
declinação de um astro.
4 – Movimento geral do céu. Eixo e pólos celestes.
Altura do pólo e sua variação com o deslocamento do
observador. Eixo e pólos da Terra.
5 O Sol no seu movimento diurno. Traçado da
meridiana. Os pontos cardeais. Medida do tempo.
Quadrantes solares. Círculos horários e meridianos
terrestres. Diferença de horas nos vários pontos da
Terra. Fusos horários. Noções de gnomônica.
6 – Medida de longitude e de latitude terrestres.
7 Explicação do movimento diurno pelo movimento
de rotação da Terra. Provas deste movimento.
2º ano
1 Vista geral da superfície da Terra: situação dos
oceanos e dos continentes; ilhas, mares, golfos e
estreitos principais do mundo, sua localização e aspectos
físicos característicos. Os desertos e as regiões polares.
2 As partes do mundo, a divisão política de cada uma.
Estudo sucinto de cada país sob os pontos de vista físico,
político e econômico.
3 O Brasil, descrição física geral situação e limites;
relevo; costas; clima; hidrografia.
4 Situação econômica atual do Brasil influência dos
fatores físicos e políticos; aparelho econômico;
agricultura e indústria; comércio.
5 – Descrição política do Brasil – divisão administrativa;
população; imigração.
6 Regiões naturais O Brasil amazônico; o Nordeste
subequatorial; a vertente oriental dos Planaltos; o Brasil
Platino.
170
8 Movimento anual do Sol; eclítica, equador, trópicos
e círculos polares; equinócios e solstícios. Zodíaco.
Estações; caracteres astronômicos da estações.
9 Explicação do movimento anual do Sol e dos
fenômenos dele decorrentes pelo movimento de
translação da Terra.
10 Variação do espetáculo do céu conforme a latitude.
Zonas terrestres. Climas. As estações na zona
intertropical, nas zonas polares e nas zonas
intermediárias. A vida nas diferentes zonas; aplicações
deste estudo ao Brasil.
11 O sistema solar; hipótese de Laplace; astros
exteriores e astros interiores. Planetas e satélites, rápido
estudo. Cometas, estrelas errantes, bólidos e aerólitos.
Atração universal.
12 A Lua – seus movimentos e suas fases. Eclipses do
Sol e da Lua. Explicação das marés.
13 – Representação da superfície da Terra; globos e
cartas geográficas; projeções; escalas.
14 Constituição e configuração geral do globo
terrestre. Representação dos acidentes geográficos nas
cartas. Convenções adotadas. Estudo analítico de cartas
geográficas, especialmente de um planisfério.
15 Elemento lido da Terra. Conhecimento intuitivo
das principais rochas que constituem o globo terrestre.
Exploração do interior da Terra: produtos minerais e seu
aproveitamento nas indústrias humanas. A exploração
do subsolo brasileiro.
16 Elemento líquido oceanos, mares, águas
correntes. O trabalho das águas. Alimentação dos cursos
de água. Função social e econômica dos rios. Aplicação
deste estudo a alguns dos rios do Brasil.
17 Elemento gasoso. Os ventos, suas causas e seus
efeitos na modificação da crosta terrestre. Precipitações
atmosféricas. Distribuição das chuvas. Teoria do clima e
sua aplicação ao território brasileiro.
18 Influência do meio nas formações vegetais; sobre
as espécies zoológicas. Aplicação deste estudo às várias
regiões da Terra.
19 Condições favoráveis à vida humana; população da
Terra, civilização, migrações.
20 As condições do meio e o trabalho humano os
rebanhos, a colheita dos produtos naturais, a agricultura,
a indústria manufatureira, o comércio. Aplicação deste
estudo ao Brasil.
Outro tipo de documento encontrado foi o conteúdo exigido para o Exame de
Admissão ao curso ginasial de 1923. No Regimento e programas do Ginásio da Capital do
Estado de São Paulo consta, referente à geografia, que o aluno tenha conhecimento das
noções gerais da disciplina para poder ingressar no ginásio. Exige-se que conheça as
características mais importantes da América do Sul e, sobre o Brasil, que saiba tanto os
aspectos físicos quanto os econômicos e políticos. No referente à geografia geral, que saiba se
orientar pelos pontos cardeais, a forma e movimentos da Terra, sua atmosfera, hidrografia,
relevo, climas, fauna e flora, bem como “o homem, seu progresso e sua civilização;
agricultura, indústria e comércio” (REGIMENTO E PROGRAMAS, 1923, p. 23) Ao final,
171
afirmam que conhecimento cartográfico, compreensão e utilização dos mapas são os
elementos mais importantes do exame, que deveria ser feito de forma oral.
Anexo B
Educação e Ensino de geografia na Revista de Ensino (1902-1918)
Da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo.
Publicação Bimestral, subsidiada pelo Governo do Estado.
Ano Página Autoria Título Comentário
1902 Ano I
nº03
495-504 Benedicto Galvão Cartografia “Será publicado uma série de cadernos organizados
pelos professores Arnaldo Barreto e Ramon Roca
Dordal, para o ensino de cartografia nas escolas
preliminares do Estado”.
Ago/1902 Ano I
nº03
511-516 Augusto Ribeiro
Carvalho
Fisiografia II O mar:
sua cor, seu aspecto.
Out/1902 Ano I
nº04
722-734 Cartografia “Continuando a publicação iniciada em nosso 3º nº,
inserimos novamente o mapa do Brasil, dando mais os
do ES, BA, SE, AL, PE, Paraíba, RN, CE, PI e GO.”
(só tem este texto e os mapas)
Dez/1902 Nº 05 874 Cartografia “Prosseguindo na publicação encetada em nosso 3º
número, damos hoje um outro dos mapas do Brasil, o
qual pertence aos cadernos de cartografia que devem
aparecer brevemente”.
“Completando o estudo parcial dos Estados, incluímos
no presente número os mapas do MA, Pará, AM, MG e
DF”.
Fev/1903 Nº 06 1077-1085
Cartografia “Terminando a publicação encetada em nosso
número, damos hoje mais um mapa do Brasil dos que
figuram nos Cadernos de Cartografia, agora publicados
pelos nossos colegas Arnaldo de Oliveira Barreto e
Ramon Roca Dordal”.
“Completo os estudos do Brasil pelo conhecimento dos
mapas dos respectivos estados, já apresentados nas
páginas desta Revista, incluímos neste número os da
América do Sul, América do Norte, Europa, Ásia e
África”.
Abr/1903 Ano II
Nº01
15-19 Pedagogia Prática -
Fisiografia
“Trabalho dos rios na sua embocadura; modo de
formação de um delta; aterro do estuário. Rios
trabalhadores”.
(escreve sobre o assunto e as falas dos professores, os
questionamentos).
Jun/1903 Ano II
nº02
133-135 Augusto R. de
Carvalho
Pedagogia Prática
Fisiografia As fontes
(origens dos rios)
Ago/1903 Ano II
nº03
226-228 Augusto R. de
Carvalho
Fisiografia As Fontes
(origens dos rios).
Out/1903 Ano II
nº04
343-346 Augusto R. de
Carvalho
Pedagogia Prática
Fisiografia (as origens
dos rios)
Out/1903 Ano II
nº04
386-389 Dr. Alfredo
Nascimento
(orador oficial)
Diversos Discurso
pronunciado na sessão
solene de 22 de abril de
1900, no Instituto
Histórico e Geográfico
Brasileiro.
Continua.
Out/1903 Ano II
nº04
389-395 J. Benevides Diversos Historia da
Geografia (tradução,
extraída de “La terre
illustrèe” por FF., de J.
Benevides
Dez/1903 Ano II nº05 447 Augusto R. de Carvalho Pedagogia Prática Fisiografia
O mar: seus movimentos II
Não localizei o I.
Dez/1903 Ano II nº05 502-508 Dr. Alfredo Nascimento
(orador oficial)
Diversos Discurso pronunciado
na sessão solene de 22 de abril de
1900, no Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro.
Continuação edição anterior.
172
Fev/1904 Ano II
nº06
597-603 Dr. Alfredo
Nascimento
(orador oficial)
Diversos Discurso
pronunciado na sessão
solene de 22 de abril de
1900, no Instituto
Histórico e Geográfico
Brasileiro.
Continuação das edições anteriores. (3ª vez que
aparece)
Abr/1904 Ano III
nº01
27-30 Augusto R. de
Carvalho
Pedagogia Prática
Fisiografia O mar:
seus movimentos III
Abr/1904 Ano III
nº01
64-68 Oliveira Martins A Geografia no
começo do século XV.
(transcrição)
Abr/1904 Ano III
nº01
Anúncios – Cadernos de
Cartografia
O melhor auxiliar ao perfeito estudo da geografia pelos
professores Ramon Roca e Arnaldo Barreto.
Dá a impressão que são 06 volumes.
Jun/1904 Ano III
nº02
121-124 Pedagogia Prática
Ensaios de Cartografia.
Como fazer mapa.
Faltam as revistas de 1905 a 1907.
32-33 Pedagogia Prática
Cartografia I Noções sobre
Escalas.
35 Luiz Cardoso Pedagogia Prática
Noções sobre Escalas.
Jun/1911 Ano X nº01 65 Em classe e para a classe:
Latitude e longitude
Jun/1911 Ano X nº01 70-72 Em classe e para a classe:
Mapas e escalas
(algumas notas para o
professor)
Jun/1911 Ano X nº01 39-42 João Lourenço
Rodrigues
Comunicação feita ao
Congresso de Geografia
de Curitiba pelo prof.
João L. Rodrigues
Jun/1911 Ano X nº01 95-110 A Mairey
(tradução Ezequiel
de Moraes Leme)
A Ciência geográfica e o
ensino de geografia
Jun/1911 Ano X nº01 175-176 Variedades:
O território do Acre.
Set/13 Ano XII
nº02
42 Literatura Infantil O
Tietê (das “Novas
Leituras”
Mar/17 Ano XV
nº04
20-23 Cymbelino de
Freitas
Pedagogia Pratica
O ensino da Geografia
O autor se limita a fazer “críticas dos processos
atualmente em voga em muitos grupos escolares, no
ensino desta importante disciplina”. (p. 20). Diz que é
muito árido e abstrato o ensino de geografia sem o
traçado de mapas e da exibição de gravuras. Também
critica o ensino que obriga as crianças a copiar o
desenho do mapa. Sai horrível e sem relação com o
verdadeiro. As crianças desenham e isso não é
aprender cartografia.
Esta revista está incompleta. Só tem até a página 32.
Dez/17 e
mar/18
Ano XVII nº 03
e 04
10-25 José Escolar Excursões escolares
ensinado com o auxílio da excursão.
173
Anexo C
Educação e o Ensino de geografia na Revista Escolar (1925-27)
Órgão da Diretoria Geral da Instrução Pública
Redator-diretor: Prof. J. Pinto e Silva.
Funde-se à Revista da Sociedade de Educação e resulta em Educação.
Ano Nº Página Autoria Título
Comentário
Jan/25 Ano I nº01 04-06 Lições Práticas
Geografia
Cidades Principais do Estado de São Paulo.
Tem um pequeno texto explicativo e depois só perguntas
e respostas entre
Fev/25 Ano I nº02 18-22 Lições Práticas
Geografia
Os rios, seus produtos e sua utilidade.
Fev/25 Ano I nº02 37-40 Lições Práticas
Geografia
Ponto C do programa de Ensino para o 2º ano.
Mar/25 Ano I nº03 20-24 Lições Práticas
Geografia
Portos brasileiros
Abr/25 Ano I nº04 12-17 Lições Práticas
Geografia
Portos Brasileiros
Mai/25 Ano I nº05 16-21 Lições Práticas
Geografia
Portos Brasileiros
Jun/25 Ano I nº06 20-24 Lição Prática
Geografia
Rio Amazonas
Portos – navegação
Jul/25 Ano I nº07 15-19 Lições Práticas
Geografia
Estradas de Ferro
Ago/25 Ano I nº08 12-14 Lições Práticas
Cosmografia
O Sol
Ago/25 Ano I nº08 16-19 Lições Práticas
Geografia
Estrada de Ferro II
Set/25 Ano I nº09 08-11 Lições Práticas
Geografia
Estrada de Ferro III
Set/25 Ano I nº09 24-26 Lições Práticas
Cosmografia
A Lua
Set/25 Ano I nº09 40-42 Lições de Coisas
Meios de comunicação por terra, pelo
mar, pelos rios e pelo ar.
Out/25 Ano I nº10 12-16 Lições Práticas
Geografia
Estrada de Ferro IV
Nov/25 Ano I nº11 19-21 Lições Práticas
Geografia
Latitude e Longitude I
Dez/25 Ano I nº12 09-12 Lições Práticas
Geografia
Latitude e Longitude
174
Jan/26 Ano II nº13 13-17 Lições Práticas
Geografia
Cachoeiras e saltos brasileiros
Fev/26 Ano II nº14 14-17 Lições Práticas
Geografia
Viagem fluvial a Mato Grosso
Mar/26 Ano II nº15 16-19 Lições Práticas
Geografia
Estradas de Ferro
Mar/26 Ano II nº15 66-67 Questões Gerais
O estudo da geografia
Palestra sobre ensino. (F. Parker
“Biblioteca Pedagógica”, organizada
pro A Barreto e J. Scott)
Mai/26 Ano II nº17 06-09 Lições Praticas
Geografia
Nossas fronteiras
“Conhecer a Pátria, para melhor servi-
la e amá-la”.
Jun/26 Ano II nº18 13-18 Lições Práticas
Geografia
Linhas da Terra
Hemisférios
Jul/26 Ano II nº19 08-11 Lições Praticas
Geografia
América do Sul: aspectos geográficos
dignos de nota
Ago/26 Ano II nº20 13-16 Lições Práticas
Geografia
Noções de Escala
18-21 Lições Práticas
Geografia
Localização do Brasil e demais países
da América do Sul suas capitães e duas
ou três cidades principais.
Nov/26 Ano II nº23 18-19 Lições Práticas
Geografia
Conhecimentos gerais sobre a Ásia.
Dez/26 Ano II nº24 18-20 Lições Práticas
Geografia
Conhecimentos gerais sobre a Europa,
África, Ásia e Oceania.
Dez/26 Ano II nº24 39-40 Lições de Coisas
Vulcões – Fumeiros, sulfureiras etc.
Jan/27 Ano III nº25 23-26 Lições Práticas
Geografia
Paises, capitães e cidades principais da
América do Norte.
Fev/27 Ano III nº26 35-38 Lições de Coisas
Ação da água dos rios
Mar/27 Ano III nº27 06-10 Victor Vianna Questões Gerais
O Ensino de geografia no Brasil
Excerto duma conferencia realizada
na Sociedade de Geografia do Rio de
Janeiro.
Mar/27 Ano III nº27 14-17 Lições Práticas
Geografia
Bacias
Mai/27 Ano III
nº29
69-81 Prof. João
Lourenço
Rodrigues
Nos Arraiaes do ensino
Iniciação Astronômica.
Curso aberto em Campinas, sob os
auspícios do centro de “Ciências,
Letras e Artes”.
Palestra II
Jul/27 Ano III
nº31
65-71 Prof. João
Lourenço
Nos Arraiaes do ensino
Iniciação Astronômica.
Palestra III
175
Rodrigues
Ago/27 Ano III
nº32
30-31 Resenha Pedagógica
A reforma e a uniformização do ensino
de geografia
Set/27 Ano III
nº33
81-87 Prof. João
Lourenço
Rodrigues
Nos Arraiaes do ensino
Iniciação Astronômica
Palestra IV
Anexo D
A educação e o ensino de geografia na revista Educação (1927-30)
Órgão da Diretoria-Geral da Instrução Pública e da Sociedade de Educação, de São Paulo.
No lugar da Revista Escolar.
Comissão de redação: Dr. Amadeu Mendes; Dr. Roldão de Barros; Prof. João Toledo; Prof. Lourenço Filho;
Prof. Pinto e Silva. (in nº1, vol.I, 27)
Ano Nº Páginas Autoria Título do artigo
Comentários
Out/27 Vol. I, nº 01. 65-76
Prof. João Lourenço Rodrigues
(Ex-diretor Geral da Instrução
Pública)
Iniciação Astronômica
(palestra V. do Curso aberto em Campinas, sob os auspícios do “Centro de
Ciências, Letras e Artes”).
Nov/27 Vol. I, nº 02. Prof. João Lourenço Rodrigues Iniciação Astronômica.
Dez/27 Vol. I, nº 03. 300-313
Everardo Backeuser (Prof. na
Escola Politécnica do Rio de
Janeiro)
A Nova Concepção da Geografia
(Conferencia de abertura do Curso livre de
de Geografia
, do Rio de Janeiro, aos 25 de maio de 1926).
Trata a questão da
ciência antiga e moderna e do homem, como agente geográfico.
Jan/28 Vol. II nº1. 69-75
Ernestino Lopes da Silva,
(Adjunto do Grupo Escolar
“Campos Salles”).
Importância da Geografia
Econômica e Comercial
Ago-set/28
Vol. IV, nº2,
3
235-240
Prof. Arthur de C. Gonçalves
(prof. De geografia na Escola
Normal de Guaratinguetá)
O espírito do ensino de geografia
moderna
Out/28 Vol. V, nº1 58-61
Sub Mennucci Através dos Livros Como se
Ensina Geografia - A. F. Proença.
29 ? 286-297
Profª Odette Bittencourt (Da
Escola Visconde de Ouro Preto
Rio)
Pratica da Escola Activa
(Reproduzido de “A Escola Primaria”, do Rio de Janeiro, nº de setembro de 1928).
Mar/29 Vol. VI, nº3 310-312
Alduino Estrada (Encarregado da
Secção de Publicidade da
Diretoria Geral da Instrução
Pública).
Bibliografia Pedagógica Proença
(Antonio Firmino de)
Jun/29
Vol. VII, nº
3.
333
Biblioteca Pedagógica Firmino
Proença referencia ao livro
“Como se ensina Geografia”
Nov/29 Vol. IX, nº2 222-224 Firmino Proença Uma página Dirigido ao prof. João Toledo –
fala sobre o progresso do país e a educação.
dez/29 Vol. IX, nº3 407 - 414
Prof. A Moraes Sampaio
(Inspetor-fiscal de E. N. Livre do
Colegio “Progresso Araraquara”
Ex- diretor do Colegio “Sampaio”
em Ribeirão Preto).
Plano de lição Geografia
Vulcões
Para o autor o assunto a ser estudado deverá surgir naturalmente.
Deve “partir da realidade imaginada p
caso do vulcão parte-
se de estampas e fotografias para chegar as convenções
cartográficas (símbolo do vulcão).
O texto é composto de supostas interrogações e explicações do professor e
respostas dos alunos.
Fev/30 Vol. X, nº2 211-213 Através revistas e jornais -
Mar/30 Vol. X, nº 3. 289-294
Prof. A Moraes Sampaio
(Inspetor-fiscal de E. N. Livre
anexa ao “Colegio Progresso” de
Araraquara. Profº de Geografia,
por concurso).
Assunto para planos de lição
Geografia – lagos
Texto explicativo, didático sobre o assunto lago. Explica a formação dos acidentes
geográficos que ocasionado pela ação
da água, tanto no rio quanto no mar. Explica
como são formados os diversos tipos de lagos e dá os exemplos do mundo.
Abr/30 Vol. XI, nº1 74-76
Assuntos de Lição - Ensino
Primário – O Luar
Ago/30 Vol. XII, nº2.
176-181 Plano de Lição – O Rio Tie
Ago/30
Vol. XII, nº
2.
204-222
Prof. Claudioner Ribeiro
(Inspetor Escolar no Estado do
Espírito Santo).
Tese Pedagógica – Nova orientação
da geografia moderna na Escola
Ativa Brasileira.
176
Anexo E
A educação e o ensino de geografia na Revista de Educação (1933-43)
Órgão do Departamento de Educação do Estado de São Paulo. (v. I nº 1).
Órgão da Diretoria Geral do Ensino do Estado de São Paulo. (v. III nº 3).
Ano Páginas Autoria Título
Comentários
Dez/33 Vol. IV, nº 262-265 Liberato Bittencourt (da Soc. De
Geografia do Rio de Janeiro)
Através de revistas - Sobre o estudo
racional da geografia
Dez/34 Vol. VIII 20-41 Estevam Pinto Metodologia do ensino Geográfico
Anexo F
Exemplo de um plano de lição
Revista Escolar
Nº 2 fev/25 pp. 37-40
Ponto C do Programa de ensino para o 2º ano
Antes de desenvolver o assunto que constitui objeto de nossa lição, sejam-nos
permitidas algumas considerações gerais sobre ordem, disciplina e ensinamentos ocasionais,
que devem ser observados em toda aula do curso primário e particularmente na que ora vamos
iniciar.
Ao professor, antes de começar sua aula, cumpre exigir silêncio completo, carteiras
cobertas somente com pastas, lápis e canetas nos respectivos lugares; não consentir a saída de
alunos, salvo em caso fortuito, ou urgente, e sobretudo a maior atenção possível.
É necessário assim proceder, porquanto as crianças de hoje têm verdadeira obsessão
pelo desenho, principalmente depois que apareceu a revista cinematográfica – “A Cena
Muda” que fornece à criançada inúmeros modelos. O professor precisa, pois, fiscalizar
muito a disciplina de sua classe. No decorrer da aula não deve perder o ensejo que se lhe
deparar, para estimular seus alunos, quando obtenha deles respostas certas e claras às suas
perguntas; quando demonstrarem ter uma Idea exata e nítida do que estão falando. Não perder
toda a feliz oportunidade que encontrar, para estudar a psicologia das crianças, despertando-
lhes bons sentimentos, corrigindo-lhes os maus hábitos.
Antes de começar a aula, deve ainda o professor munir-se do material de que for
precisando no decorrer da mesma, antes de ensinar às crianças os limites do Estado de São
Paulo, precisará primeiramente fazê-las compreender o que é um estado. Para isso deve ter em
mãos: o globo terrestre, o mapa das Américas, o do Brasil e o do Estado de São Paulo. É
preciso notar bem que nesta aula o professor vai ensinar às crianças somente o que é um
estado, pois deve-se presumir aqui, que ele já tenha ensinado muito bem, a terra, suas
determinações, continentes e países.
Professor Vocês prestem muita atenção. Já aprenderam no primeiro ano, e eu
ensinei aqui, que esta bola representa o ...
Alunos – Mundo.
P. - Ou a...
A. – Terra.
P. _ O mundo é formado de...
A. _ Terra e água.
P. _ Como se chama esses pedaços grandes de terra que vocês estão vendo aqui?
A. _ Continentes.
177
P. _ Muito bem! Agora você, Mário (vejam bem, fala o Mário, ninguém mais fala!)
em que continente nasceu?
A. _ Eu nasci no Continente Novo.
P. _ Muito bem! Adiante João; que nome receberam as terras que formam o Novo
Continente?
A. _ América.
P. _ Bravo! Sente-se. Você, embaixo, deixe o lápis, e preste muita atenção. Você,
Luiz, olhe bem para este mapa das Américas. Elas não estão divididas numa porção de
pedaços de várias cores?
A. _ Estão, sim, senhor.
P. _ Como se chama cada pedacinho?
A. _Chama-se país.
P. _ Bem. Você, Milton, em que país nasceu?
A. _ No Brasil.
P. _ Então, o Brasil é um país da ...
A. _ América do Sul.
P. _ Bravo, muito bem! Agora, a classe preste mais atenção ainda. Olhem bem para
este mapa grande. Ele representa o nosso grande...
A. _ Brasil.
P. _ Justamente. Depressa, Renato, diga-me logo: o Brasil não está dividido numa
porção de pedacinhos de várias cores e de diversos tamanhos?
A. _ Está, sim, senhor.
P. _ E sabe você como se chama cada pedacinho destes?
A. _ Não, senhor.
P. _ Bem, eu vou ensinar. Todos prestem muita atenção. Sente-se Renato. Vocês
viram que cada pedaço grande de terra em que o mundo está dividido chama-se um...
A. _ Continente.
P. _ Já viram que a América e um...
A. _ Continente.
P. _ Viram mais que a América está dividida em diversos pedaços chamados...
A. _ País.
P. _ Viram ainda há pouco que o Brasil está também dividido numa porção de
pedacinhos, não é?
A. _ É, sim, senhor!
P. _ Agora eu vou contar a vocês que cada pedacinho que estão vendo aqui, chama-se
_ Estado. Não esqueçam: _estado. Como se chama?
A. _ Estado.
P. _ Muito bem! Na próxima aula continuaremos.
Anexo G
Programas de Ensino do Curso Primário do Estado de São Paulo
Programa de Ensino de 1905
Decreto nº 1.281, de 24 de abril de 1905
Primeiro ano
Geografia
A carteira, sua parte
superior, inferior, direita,
esquerda, posição das
Segundo ano
Geografia
A cidade e seus
arrebaldes. Posição relativa
dos mesmos. O estado de
Terceiro ano
Geografia e
cosmografia
Forma e movimentos da
Terra.
Quarto ano
Geografia
Forma e movimentos da
Terra. Idéia geral sobre o
nosso sistema planetário.
178
carteiras próximas: frente,
atrás, direita, esquerda.
A sala de aula: os
mesmos exercícios. O
quarteirão em que está
situada a escola; esboço
aproximado do mesmo.
Nomes das ruas. Descrição
do caminho que cada aluno
percorre ao dirigir-se à
escola
Medida do tempo: o
dia, a semana, os meses, o
ano etc.
As estações: termos
geográficos de fácil
explicação. Pontos
cardeais; sua aplicação ao
estudo feito.
São Paulo. Estudo
elementar do mapa.
Explicação de viagens que
os alunos tenham feito.
Medida de tempo. O ano e
as estações. Termos
geográficos, explicados
com auxílio do tabuleiro de
areia.
As estrelas, o sol, a lua.
Idéia geral do Globo: suas
linhas principais; zonas;
pontos cardeais.
Oceanos e continentes.
O estado de São Paulo
estudo elementar completo.
Relação dos rios do
estado de São Paulo e bacia
do Paraná.
O Brasil: estados e
capitais.
Cartografia mapa de
São Paulo.
Generalidades sobre
fenômenos atmosféricos.
Idéia geral do Globo.
Meridianos, paralelos, pólos,
círculos, zonas, continentes e
oceanos. Denominações dadas
às terras e às águas.
Principais países da
América e da Europa, da
África, da Ásia e da Oceania.
O Brasil estudo
elementar completo, com
especialidade do estado de
São Paulo.
Cartografia: mapa de São
Paulo, do Brasil, da América
do Sul. Mapas dos estados do
Brasil.
Programa de Ensino de 1918
Decreto nº 2.944, de 8 de agosto de 1918
Programa de ensino das escolas rurais
Geografia
Primeiro ano
a) Primeiras idéias de orientação; posição dos objetos na sala
de aula; à frente, atrás, à direita, à esquerda, na parte superior,
na parte inferior.
b) Exercícios de orientação relativamente à localidade em que
está a escola. Conhecimento dos pontos cardeais pelo
nascimento do sol.
c) Medida de tempo; a hora, o dia, a semana, o mês, o ano.
d) Denominação dadas às terras e às águas, estudadas do
natural, tanto quanto possível. Reconhecimento das formas e
acidentes geográficos no mapa; sua reprodução no quadro
negro e no papel. Estudos da natureza, em excursões.
Segundo ano
a) Estações do ano. Estação do plantio, do florescimento e da
colheita.
b) Localidade da escola. Estradas de ferro e de rodagem.
c) Traçado do contorno do Estado de São Paulo. Localização
das cidades, rios, estradas de ferro, porto, montanhas etc.
d) Noções elementares sobre o Brasil; Capital superfície,
população, produção, exportação e importação. Breve notícia
sobre os estados.
e) Noções sobre o sol, a lua, as estrelas, os cometas e os
eclipses etc.
Programa de ensino das escolas distritais
Primeiro ano
a) Primeiras idéias de orientação;
posição dos objetos na sala de aula; à
frente, atrás, à direita, à esquerda, na
parte superior, na parte inferior, com
representações gráficas.
b) Descrição do caminho que o aluno
percorre em se dirigindo à escola.
c) Exercícios de orientação
relativamente à localidade em que está a
escola.
d) Conhecimento dos pontos cardeais
pelo nascimento do sol.
e) Medida de tempo: a hora, o dia, a
semana, o mês e o ano.
Segundo ano
a) Estações do ano. Estações do plantio
e da colheita.
b) Localidade da escola, estrada de
ferro e de rodagem.
c) Traçado do contorno do Estado de
São Paulo. Localização parcial das
cidades, rios, estradas de ferro, portos,
montanhas etc. Estudo elementar
completo do Estado de São Paulo.
d) Noções elementares sobre o Brasil.
e) Ligeiras noções sobre o sol, a lua,
estrelas, cometas, eclipses etc.
3º ano
a) O Brasil: os estados e suas capitais.
b) A terra: estudo feito no globo e depois
no planisfério dos continentes e oceanos.
Países e capitais mais importantes das
cinco partes do mundo.
c) Cartografia do Estado de São Paulo e
do Brasil, simultaneamente com as
explicações dadas.
d) Noções sobre o sol, a lua, estradas,
planetas eclipses etc.
179
Programa de ensino das escolas urbanas
1º ano
a) Primeiras idéias de
orientação; posição dos
objetos na sala de aula; à
frente, atrás, à direita, à
esquerda, na parte superior,
na parte inferior.
b) Exercícios de orientação
relativamente à localidade
em que está a escola.
Conhecimento dos pontos
cardeais pelo nascimento do
sol.
c) O quarteirão em que está
situada a escola. Esboço
aproximado do mesmo.
Nomes das ruas. Caminho da
escola.
d) Palestra acerca da cidade
em que está a escola: ruas,
largos e praças principais;
edifícios mais notáveis,
produções, objetos vendidos
e fabricados no lugar;
comércio; vias de
comunicação, localidades
vizinhas.
2º ano
a) Revisão dos estudos de
orientação.
b) A planta da cidade e seus
arrebaldes.
c) O mapa do Estado de São
Paulo feito pela classe,
acompanhando as
explicações do professor.
d) O ano e as estações.
e) Termos geográficos,
aprendidos no mapa ou no
tabuleiro de areia, nas
excursões escolares ou no
pátio do recreio.
3º ano
a) Desenvolvimento dos
estudos feitos no segundo
ano.
b) Mapa do Brasil com
divisões em estados.
c) Capital, população,
produção, exportação e
importação do Estado de São
Paulo e do Brasil.
d) Forma e movimento da
terra. Astros luminosos e
opacos.
4º ano
a) Revisão dos estados feito
no terceiro ano.
b) O Estado de São Paulo: -
sua importância pela
fertilidade do solo, pelos
rios que o regam, pelo
clima, pelas produções e
riquezas, pelas vias de
transportes, pelo comércio e
indústria, pela iniciativa de
seus habitantes.
c) O Brasil: - Estados
elementares completos.
d) Os principais países e
capitais da América,
Europa, Ásia, África e
Oceania.
e) Idéia geral do sistema
planetário.
Programa de ensino dos grupos escolares do Estado de São Paulo.
Primeiro ano
a) Posição relativa dos
objetos da sala de aula. A
carteira e suas posições: -
parte superior, inferior,
direita, esquerda; frente,
atrás etc.
b) A sala de aula e o edifício
da escola exercícios de
localização.
c) Esboço aproximado da
sala de aula; da área do
recreio e do quarteirão em
que está situada a escola.
d) Descrição do caminho
percorrido pelo aluno ao
dirigir-se à escola.
e) Conhecimento prático dos
pontos cardeais, pelo
nascimento do sol e pela
sombra; aplicação dos
mesmos relativamente à
situação de objetos,
edifícios, ruas etc.
f) Ensino objetivo dos
termos geográficos de fácil
explicação.
g) Medida do tempo; - da
semana, mês, ano.
h) Conhecimento das quatro
estações do ano.
i) Primeiras observações
diretas do que a criança vê: -
o sol, a lua, as estrelas. O dia
e a noite.
Segundo ano
a) Termos geográficos
aplicados às terras e às águas,
à vista de acidentes naturais,
quando possível, ou à vista de
gravuras, e também com
auxílio de mapas ou tabuleiro
de areia molhada, ou no pátio
do recreio. Leitura de mapas
geográficos.
b) Mapas parciais da cidade e
localização de
estabelecimentos importantes.
c) Mapa das viagens que os
alunos tenham feito,
referindo-se às cidades que
conhecem e às vias de
comunicação.
d) Mapa da configuração
geral do Estado de S. Paulo e
localização das partes
aprendidas e conhecidas.
e) Medida do tempo: o ano e
as estações: início e duração
das estações.
f) Observações sobre o sol, a
lua e as estrelas.
g) Idéia geral da Terra como
astro e algumas observações
sobre a sua forma e
movimentos.
Terceiro ano
a) Desenvolvimento do estudo
feito no 2º ano.
b) São Paulo: A Capital,
população, cidades principais,
produção, estradas de ferro,
exportação e importação,
comércio e indústria.
c) O Brasil: estados e capitais.
Produção característica de
cada Estado.
d) Construção simultânea de
mapas cartográficos do
Estado de São Paulo e do
Brasil, de acordo com as
lições explicadas.
e) Forma e movimentos da
Terra.
f) Astros luminosos e opacos.
g) Idéia geral do globo.
h) Linhas, círculos, zonas e
estações do ano.
i) Noção geral do nosso
sistema planetário.
Quarto ano
a) Revisão do estudo feito no
3º ano.
b) O Estado de São Paulo:
sua importância pela
fertilidade do solo, pelos rios
que o regam, pelo clima, pela
produção, pela riqueza, pelas
vias de transporte, pelo
comércio e indústria, pela
iniciativa de seus habitantes.
c) O Brasil: estudo elementar
completo.
d) Os principais países da
América, da Europa, da Ásia,
da África e da Oceania.
Os mapas cartográficos serão
levantados simultaneamente
com as explicações dadas.
180
Programa para o Curso Complementar
1º ano
a) Contorno do Brasil, países limítrofes; notícia ligeira sobre a fixação dos nossos limites.
b) O mesmo primeiro ponto, acrescentando: localização do Distrito Federal; notícia sobre a criação do Distrito e papel
que ele representa na Federação; população e superfície do Brasil.
c) População e superfície do Brasil comparadas com as dos outros países da América; mapas; problemas sobre a densidade da
população.
d) Raças que contribuíram para a formação do brasileiro: o elemento nacional e o elemento estrangeiro.
e) O mesmo primeiro ponto a. com estudo das costas, no que nelas se encontra de realmente importante: ilhas, cabos e portos.
f) O mesmo ponto a. acrescido de: divisão administrativa do Brasil, com estudo dos limites naturais de cada Estado; capitais
dos Estados com localização de algumas cidades importantes para cada um, onde as houver.
g) Estudo da população e superfície comparadas dos Estados.
h) O mesmo ponto f. acrescido de: bacias fluviais e sistemas de montanhas. Influencia dos rios e montanhas sobre o clima e
produção dos Estados.
i) O mesmo ponto f. acrescido de: distribuição do elemento estrangeiro pelo Brasil e influência do mesmo sobre o progresso
de cada Estado.
j) O mesmo ponto f. acrescido de: indústria e produções características ou importantes de cada estado.
k) o mesmo ponto f. acrescido de: meios de transporte: terrestres, fluviais e marítimos; meios de transporte para os Estados
interiores.
l) O mesmo ponto f. acrescido de: portos importantes: a própria capital ou o porto principal, quando a capital seja interior.
m) O comércio do Brasil: interno e externo: notícia sobre os principais produtos.
n) Aspecto geral e clima do Brasil.
o) Governo e religião do Brasil.
p) Telégrafo e correio.
q) Dar, como exercício de aproveitamento e revisão dos estudos feitos, cada um dos estados, compreendendo: 1) limites
nacionais; 2) superfície; 3) – população e densidade, influência do elemento estrangeiro no progresso do Estado; 4) – costa,
abrangendo ilhas e portos; 5) – cidades principais com as notícias, que comportarem; 6) – montanhas; 7) – bacias e rios, que a
elas pertencem; 8) – aspecto; 9) – clima; 10) – produções; 11) – vias de comunicação; 12) – indústria e comércio.
Anexo H
Decreto 3.356, de 31 de maio de 1921
Regulamenta a Lei 1.750, de 8 de dezembro de 1920, que reforma a Instrução Pública.
Secretaria de Estado dos Negócios do Interior. São Paulo: Typ. do Diário Oficial, 1921.
Das Escolas Primárias
1º ano
Geografia e História
a) Primeiras idéias de orientação; posição dos objetos na sala de
aula; à frente, atrás, à direita, à esquerda, na parte superior, na
parte inferior.
b) Exercícios de orientação relativamente à localidade em que
está a escola. Conhecimento dos pontos cardeais pelo
nascimento do sol.
c) Medida de tempo; a hora, o dia, a semana, o mês, o ano.
d) Denominação dadas às terras e às águas, estudadas do
natural, tanto quanto possível. Reconhecimento das formas e
acidentes geográficos no mapa; sua reprodução no quadro negro
e no papel. Estudos da natureza, em excursões, visando o
conhecimento da localidade da escola.
a) Palestras com o aluno sobre o lugar onde ele nasceu, onde
nasceram seus irmãos, seus pais e pessoas conhecidas, de modo
a dar-lhes a idéia de Pátria. Nome de nossa Pátria.
b) Palestras sobre as riquezas e belezas naturais e recursos de
nosso país, de modo a despertar na criança sentimento de
entusiasmo pela Pátria.
2º ano
Geografia
a) Estações do ano. Estação do plantio, do florescimento e
da colheita.
b) Localidade da escola. Estradas de ferro e de rodagem.
c) Traçado do contorno do Estado de São Paulo.
Localização das cidades, rios, estradas de ferro, porto,
montanhas etc.
d) Noções elementares sobre o Brasil; Capital superfície,
população, produção, exportação e importação. Breve
notícia sobre os estados.
e) Noções sobre o sol, a lua, as estrelas, os cometas e os
eclipses etc.
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Programas de ensino para 1922 – Curso Médio
Mandados publicar e adotar pela Diretoria-Geral da Instrução Pública do Estado de São
Paulo. São Paulo: Tip. Augusto Siqueira & Comp., 1922.
Curso Médio
1º ano médio
Geografia
1) Contorno do município em que está situada a escola,
localizando os bairros, os distritos de paz e as estradas.
População. Acidentes geográficos locais.
2) Do município: sua história, seus antepassados ilustres e
monumentos blicos notáveis. Produtos naturais, comércio e
indústria. Suas relações comerciais com os municípios
limítrofes e com a Capital.
3) Estado de São Paulo: limites, clima, principais portos, ilhas,
pontas e faróis. Utilidade e importância dos portos.
Estações balneárias (traçado de mapas do Estado; localização
do município da escola).
4) Estado de São Paulo: organização administrativa, população,
superfície, produções naturais, manufaturas, comércio e vias de
comunicação. Imigração. Rios e montanhas. (Localização no
mapa, das zonas das principais produções).
5) Ligeira descrição das cidades mais importantes aludindo a
fatos históricos que a elas se liguem. (Ilustrar esse ensino com
postais e estampas de vistas de cidades, monumentos etc).
6) Revisão: viagens simuladas palas estradas, rios e portos do
Estado.
7) O Brasil: suas fronteiras, países confinantes. Superfície e
população. Divisão política. Capitais e algumas cidades
importantes.
8) O Brasil: principais acidentes do litoral; produções,
comércio, agricultura e indústria; linhas de navegação e
estradas.
9) O Brasil: aspecto geral e clima; principais montanhas, rios e
lagos. As mais notáveis quedas de água.
10) Revisão geral. Reconhecer, em mapas mudos, os acidentes
aprendidos.
Observação importante: Toda lição deve ser acompanhada do
traçado simultâneo do mapa, na parte referente ao assunto da
mesma.
2º ano médio
Geografia
1) Recapitulação desenvolvida da Geografia do Brasil.
Muitos traçados de mapas. Gráficos comparativos da
superfície e população dos Estados.
2) Contorno da América do Sul. Localização do Brasil e
dos outros países. Capitais e duas ou três cidades principais.
Riquezas naturais e industriais desses países e suas relações
comerciais com o Brasil.
3) América do Sul: aspectos geográficos dignos de nota.
4) Idem da América do Norte.
5) Europa. Contorno, países, capitais e principais portos.
Civilização.
6) Contorno da Ásia, África e Oceania. Localizando as
regiões principais e os mais notáveis aspectos geográficos.
Suas relações com o Brasil.
Geografia Física
1) Denominações dadas às partes sólidas. Noticia sucinta da
composição da crosta terrestre.
2) Denominação dada às partes líquidas. O mar: água salgada,
movimentos, fundo do mar. Os grandes mares. Correntes
marítimas. Canais de navegação.
3) Rios, lagos, nascentes, poços, repuxos; águas subterrâneas.
Fontes naturais e intermitentes. Desagregação da superfície da
terra e suas conseqüências. Geleiras.
4) O ar e os ventos. Evaporação. Condensação do vapor d’água.
A chuva. Outros fenômenos atmosféricos.
5) A terra e seus movimentos. Os dias e os anos. As estações.
As estrelas; principalmente constelações visíveis em nosso céu.
6) A lua e seus movimentos. Fases e eclipses.
Geografia Física e Cosmografia
1) O globo terrestre: linhas, círculos e zonas.
2) Latitude e longitude.
3) Dos diferentes modos de representar a Terra. Escalas.
4) Divisão dos continentes: suas denominações, civilização
e importância relativa na vida mundial.
5) Divisão dos oceanos e sua posição geográfica entre os
continentes. Importância relativa dos mesmos.
6) Estudo elementar do sistema solar. As estrelas.
7) Dos cometas, dos meteoritos e das estrelas cadentes.
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