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enfiado este rosário de abstrações ininteligíveis ao espírito
despreparado da criança, segue-se-lhe imediatamente a tarefa de
decorar o número total de quilômetros e habitantes em cada
continente, a lista das religiões e raças humanas, com a sua
distribuição pelas várias partes e Estados, que se pressupõem assim
conhecidas antes de aprendidas, as fases da civilização e as formas de
governo, rematando tudo pelo questionário do costume. Então, em vez
de principiar pelo município, pela Província ou pelo País, o curso
consagra as suas primeiras lições à Europa, à Ásia, à África, à
América (onde o discípulo repete simplesmente o nome da pátria,
confundida, sem uma palavra de distinção, entre os demais Estados) e
à Oceania, para, depois, recomeçando, estudar a geografia particular
de todos os países das cinco partes do mundo, e só no fim receber
notícias do seu (BARBOSA apud PROENÇA, s/d, pp. 29-30).
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Vê-se a acusação da maneira de ensinar partindo do distante, da forma da Terra,
passando a seguir pelos distantes países europeus, para somente por último ensinar sobre a
terra brasileira, ou seja, sobre o conteúdo próximo do aluno. Tudo isso tornaria o ensino
geográfico algo enfadonho, memorativo e nada racional. Enfatizava-se a necessidade de o
ensino ter apelo intuitivo e ser executado através de exercícios cartográficos, mais práticos e
de resultado mais útil para a vida do aluno e para a Nação.
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Segundo Rui Barbosa enfatizava, todo ensino de geografia na escola elementar seria calcado na memória, na
enumeração de nomes e conceitos geográficos. O redator concluía que, sendo executado dessa forma rotineira, o
ensino de geografia seria “inútil e embrutecedor. Nulo como meio de cultura, incapaz mesmo de atuar
duradouramente na memória, não faz senão oprimir, cansar e estupidificar a infância, em vez de esclarecê-la e
educá-la” (BARBOSA apud PROENÇA, s/d, p. 30). Proença afirmava que, quando Barbosa elaborara esta
crítica, já se iniciava no Brasil o uso dos exercícios de cartografia como suporte para o ensino geográfico,
novidade que teria sido trazida por um colégio americano. Este exemplo dera a Rui Barbosa uma esperança de
modificação do ensino nas escolas elementares públicas. O que se reclamava como reforma consistia em duas
mudanças: a “adoção dos processos intuitivos – o ensino pelo aspecto, como iniciação – e a aplicação
intensificada da cartografia” (PROENÇA, s/d, p. 31). Proença afirmava que, em seus dias, “pode dizer-se que
todas as nossas escolas fazem da cartografia a base do aprendizado da geografia. Quanto à intuição no ensino ou,
por outra, o ensino pelo aspecto, o que se tem feito por enquanto não passa de ensaio” (PROENÇA, s/d, p. 31). A
segunda mudança desejada ainda não teria sido implantada, segundo Barbosa, somente a primeira, que era o
emprego da cartografia como auxiliar do ensino, irradiado por influência da escola americana. Mesmo assim,
Proença a via com ressalvas, pelo fato de os professores terem levado tal atividade ao extremo, transformando
algo que deveria ser um meio, um auxiliar do ensino de geografia, em fim em si mesmo, obrigando as crianças a
fazer desenhos com perfeição, e não um exercício pelo qual aprenderia noções de orientação e localização.
Quanto à não implantação efetiva do ensino baseado na intuição, afirmava que, por “defeito dos nossos
programas e dos nossos horários, seja por falta de orientação por parte dos professores, seja ainda por deficiência
de material didático, a geografia continua a ser obra da imaginação e cresce fechada entre as quatro paredes da
sala de aula” (PROENÇA, s/d, p. 31). Para ele, a cartografia nunca deveria ser exercitada em separado da
observação, sob pena de se transformar em simples jogo de símbolos. Assim, tudo o que “a criança vai esboçar já
deve ter sido observado ou imaginado, e ainda neste caso a imaginação deveria estar preparada pela observação”
(PROENÇA, s/d, p. 31). Segundo Proença, desde Pestalozzi não se inovara em nada o ensino de geografia. Rui
Barbosa, em 1882, já preconizava a implantação da novidade de Pestalozzi na disciplina, mas até a sua
atualidade (final da década de 1920) considerava ainda não efetivada tal inovação no ensino brasileiro: “Mas, ou
porque se não compreendera a finalidade deste ensino, ou porque exija ele preparação pedagógica especial, ou,
ainda, porque falte ao professor liberdade para aplicação de processos intuitivos, a verdade é que a geografia
local não tem saído dos programas, ou, então, tem-se manifestado com fisionomia tão desnaturada que ninguém
acreditará tratar-se de um estudo das coisas mediante exercícios da inteligência” (PROENÇA, s/d, p. 50).