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SILVIA PANDINI
A ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES DO PARANÁ:
“VIVEIRO DE HOMENS APTOS E ÚTEIS” (1910-1928)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação- Linha de Pesquisa:
História e Historiografia da Educação, do Setor
de Educação da Universidade Federal do
Paraná; como requisito parcial à obtenção do
grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Vera R. Beltrão Marques.
CURITIBA
2006
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“Nada novo...
Ressalva.
O conto é uma modalidade literária ingrata e não raro surpreendente.
Quando acreditamos, ufanos, que sua motivação, seu pequeno enredo seja
original de uma cidade, e nossa a primazia de o contar, vemos com surpresa
que outras cidades também reivindicaram o mesmo assunto e que outros
contistas já garimparam na lavra.
Concluímos, portanto, que o enredo seja de toda parte e de todos que
escrevem, ressalvando apenas o estilo de cada um e os recursos próprios
de quem escreve e conta. Por isso nos resguardamos dos juízos
apressados.”
(Cora Coralina,
In
: Estórias da casa velha da ponte, ed. São Paulo:
Global Editora, 1986)
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AGRADECIMENTOS
Todos nós, que atravessamos dias pensando o inexistente, temos “dívidas eternas” e
nutrimos o desejo de agradecer aquelas pessoas afáveis que, hora ou outra, ofertaram-nos
suas idéias, palavras, gestos, tempos em prol de bem nos escutarem e fazerem com que
escutássemos a nós mesmos.
Agradeço:
À Vera Regina Beltrão Marques, presença superlativa, que alimentou meu gosto
pelos compêndios “secretos” que habitam os arquivos. Devo-lhe as orientações primeiras e
tudo o mais: empréstimos incontáveis de livros, chás e palavras de compreensão, rigor
zeloso pelas minhas incursões na escrita acadêmica, leitura de várias versões, singeleza e
carisma nas horas em que eu precisei. Ensinou-me também a possibilidade e beleza de
uma mirada nova quando antigo é o tema.
Aos meus pais, a quem eu amorosamente redescubro a cada dia, que embora
distantes tanto tempo legaram-me o valor de seus ensinamentos, o amor à terra e os
sentimentos de honra e justiça.
Aos meus tão diversificados irmãos:
A Fábio Pandini (in memorian), o primeiro a acreditar na possibilidade de
adentrarmos a Universidade, hipótese tão distante aos filhos de agricultores. Com saudades
imensas.
Á Andréa Mittelmann, pelo apoio indispensável durante a graduação e o mestrado.
A José Pandini e Jucinéia, pelas assistências quando eu era criança (vocês me
presenteavam com cadernos e livros que eu adorava). A Bruna e Giulia, pelas gracinhas e
perspicácia infantil.
À Terezinha Pandini, Pilon, Emanoel e Elias, pelos deliciosos telefonemas e
comidinhas.
A J. Luiz Pandini, Rose, Leonardo e Luiz Henrique, pela candura e afeto constantes.
A Paulo César Pandini, Odila e Marianinha, pela garra e exemplos de coragem quase
inabaláveis.
À Regina Pandini, minha companheira de ap., que tolerou minhas ansiedades
intermitentes e prestou assessorias logísticas. E ao Gil, que chegou quase no final do
percurso, mas foi sempre muito solícito.
A Agnaldo Pandini, pelas parcerias culturais, pelas viagens em busca de nossas
raízes, pelas piadas infames e apelidos engraçadinhos.
À Daniele C. Pandini devo muitos telefonemas, conselhos, parcerias, discordâncias
e troca de favores durante toda a vida. Junto com o Valdyr leu partes deste texto, pelo que
sou grata.
À tia Gema, figura rara, que tomou para si a responsabilidade pela minha formação
escolar quando aportei em Curitiba. À Tia Inês, Tia Lorena e Tia Tere (in memorian), pelo
grande apoio quando meus irmãos e eu éramos crianças.
Aos primos Lisle e Daniel, pelas conversas boas.
Aos professores do Programa de Pós-graduação em Educação que descortinaram
novos horizontes, sugerindo leituras, olhares e questões. Especialmente os professores:
Serlei Maria Fischer Ranzi, Marcus Taborda, Carlos Eduardo Vieira e Liane Bertucci-
Martins, dos quais fui aluna. Liane Bertucci-Martins também leu cuidadosamente as
prévias desse texto durante o Seminário de Dissertação e lhe sou grata pela atenção a mim
dispensada. A professora Gizele de Souza emprestou-me materiais e agradeço-lhe por isso.
4
Às secretárias da Pós-Graduação em Educação: Darci, Francisca e Sônia que
cuidaram dos inúmeros detalhes administrativos.
Às professoras Ana Maria Oliveira Burmester e Fátima Fernandes, do programa de
pós-graduação em História da Universidade Federal do Paraná, cujas disciplinas cursei no
início do mestrado.
Ao Professor Sérgio Adorno, que recomendou bibliografias e possibilidades de
abordagens no tratamento da educação moral dos aprendizes. O parecer que enviou, por
ocasião do Exame de Qualificação, a um tempo tranqüilizou-me e inquietou-me,
fazendo-me embrenhar por leituras até então ignoradas.
Ao Professor Gilson Leandro Queluz, que acolheu com imensa generosidade minhas
dúvidas de pesquisadora iniciante. E, conhecendo como ninguém as fontes com as quais
operei, sugeriu “correções” importantes. Agradeço por ter me recebido em meio a seus
afazeres para discutir o projeto inicial e apontou caminhos para eu chegar às fontes.
Aos colegas do programa de pós-graduação: Renoir, Regina, Érica, Carolina, Magda,
Liliana, Flávia, Lausane, Diogo, Paulo, Maria Helena, pelas conversas e histórias. Agradeço
à Andréa Cordeiro que me emprestou sua dissertação e sugeriu uma dose de calma, quando
tudo parecia “impossível” e à Desirrê que me emprestou livros e xerox durante a seleção
para o mestrado.
À amizade generosa de Geralda e Mariza, garantia de conversas variadas sobre as
agruras e delicias da vida cotidiana.
A Juliana, Marlene, Shana, Natasha, Jordana, Claudia, Eduardo Vicenzi, Lílian, Fred
e Elisa pelo carinho.
À Ana Claudia, por me ensinar a escutar o que eu nem sempre gosto, pela escuta
formidável e presença indelével nesse e em tantos outros oblíquos caminhos do
(in)consciente.
Ao Talvani, por todo carinho, atenção e paciência que teve comigo, tranqüilizando-
me em momentos de angústia aparentemente infindável. Agradeço a companhia
prazerosa, bem humorada e inventiva.
À CAPES, pela concessão da bolsa parcial de mestrado, que permitiu a escrita desta
dissertação. O CNPq concedeu-me bolsas de Iniciação Científica durante a graduação,
subsidiando o levantamento inicial de parte dasfontes com as quais operei aqui.
Aos funcionários da Biblioteca Pública do Paraná, pela conservação e cessão dos
materiais aos atribulados pesquisadores. Aos funcionários da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná (Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, CEFET-PR),
especialmente Scheila Mota, responsável pelo Núcleo de Documentação Histórica que me
atendeu com carisma especial durante muitos dias. Agradeço ainda a responsável pela
Biblioteca do CEFET, Anna Terezinha Caruso e as responsáveis pelo Arquivo: Maria Cleide
de Souza e Gilcéia Maioki.
Aos escritores e artistas, que garimpam em tantas lavras e tornam o nosso garimpar
não menos árduo, mas muito mais belo.
Aos trabalhadores e/ou crianças brasileiras, que lutam a silenciosa guerra diária,
apesar das mazelas sociais e dos disparates políticos que insistem em nos cansar.
5
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ......................................................................................................... p.3.
RESUMO ............................................................................................................................ p.5.
ABSTRACT ........................................................................................................................ p.6.
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... p.8.
CAPÍTULO I: “EM PROL DO PROLETARIADO E DA EDUCAÇÃO GERAL DA
INFÂNCIA”: A ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES DO PARANÁ
1.1 A cidade de Curitiba no início do Novecentos.............................................................p. 26.
1.2 O trabalho e a criação das Escolas de Aprendizes Artífices.......................................p.30.
1.3 A Escola de Aprendizes Artífices do Paraná ............................................................. .p.39.
1.4 A Escola de Aprendizes Artífices do Paraná como réplica do modelo de escola
graduada ................................................................................................................... p. 56.
CAPÍTULO II: O FUTURO PARANÁ; A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E O TRABALHO
CONSTRUINDO A IDENTIDADE PARANAENSE
2.1 Forjando a identidade paranaense .............................................................................. p.69.
2.2 Guiando a juventude na estrada dignificadora do trabalho: o tríplice caráter do trabalho e
o ensino profissional............................................................................................................p.77.
2.3 As Caixas de Mutualidade e a reivindicação do modelo de internato ..........................p.89.
CAPÍTULO III: TEMPOS E RITUAIS DE (CON) FORMAÇÃO; UM CONTRAPONTO
À “INDISCIPLINA DOS COSTUMES”
3.1 O controle sobre os tempos: “combatendo o ócio, a negação da disciplina e a
repugnância dos horários”........... .........................................................................................p.95.
3.2 Os rituais de conformação: “apoio patriótico em bem da educação dos menores” .p.108.
3.3 A EAAPR nas feiras e exposições ............................................................................p.120.
À GUISA DE CONCLUSÃO .............................................................................................p.128.
FONTES E REFERÊNCIAS ............................................................................................ p.132.
CADERNO ICONOGRÁFICO ..........................................................................................p.143.
6
RESUMO
A presente dissertação situa-se na esteira dos Estudos em História da Educação brasileira e
abarca a Escola de Aprendizes Artífices do Paraná, entre 1910-1928, anos nos quais foi
Diretor Paulo Ildefonso d’Assumpção. Tomando como tema central deste estudo a criança
pobre o menor investiguei como a Escola de Aprendizes Artífices do Paraná tratou de
inseri-la nos ideais de regeneração pelo trabalho, tirando-a da menoridade para alçá-la a
futuro trabalhador ordeiro e útil a si e à nação. Servi-me dos Relatórios da Escola
elaborados pelo Diretor, além de Minutas e Pastas de Ofícios. Utilizei também os textos
elaborados por Paulo Ildefonso d’ Assumpção e publicados no jornal paranaense “A
República”, bem como reportagens sobre a Escola de Aprendizes Artífices divulgadas neste
mesmo jornal e no “Diário da Tarde”.
Palavras-chaves: educação de crianças pobres; ensino profissional; Escola de Aprendizes
Artífices do Paraná; História da criança trabalhadora.
7
ABSTRACT
This dissertation follows researches of Brazilian Education History and holds the Craftsman
Learners School of Paraná, between 1910 and 1928, when the institution was directed by
Paulo Ildefonso d’Assumpção. This research has as its central theme the poor children
under aged – and investigates how the Craftsman Learners School of Paraná worked in order
to inserted such element on ideals of regeneration by the work, taking it away from its
minority to forward ordering and useful working, for itself and to nation. It based itself into
School reports, which had been elaborated by the Director, besides memorandum and
portfolios. Texts elaborated by Paulo Ildefonso d’Assumpção and published in the
paranaense newspaper A República had been used to this research, as well as other texts
about Craftsman Learners School of Paraná publicized by the same newspaper and by
Diário da Tarde”.
Key words: poor children education; professional teaching; Craftsman Learners School of
Paraná; History of working children.
8
INTRODUÇÃO
Na Curitiba do início do século XX era questão central nos discursos das elites
dirigentes a necessidade de manutenção da ordem urbana. Empreender nova estruturação
e saneamento da cidade, dar um destino às crianças que transitavam pelas ruas, instaurar
hábitos disciplinares e de trabalho entre a população pobre, eram alguns dos objetivos da
ordem burguesa em construção.
A criação da Escola de Aprendizes Artífices no Paraná, como em outros estados da
República, fez-se no bojo de mudanças na esfera do trabalho e nas conceituações acerca
da infância e menoridade. A presença dos menores aprendizes dentro dos espaços Escola
de Aprendizes Artífices do Paraná (EAAPR)
1
era ordenada a partir dos anseios de se
constituir um cidadão disciplinado e laborioso e evidencia algumas nuances no tratamento
dado aos menores que constituíam o corpo de alunos e as demais categorizações de
menores feitas naquele período.
Nas primeiras décadas do século XX uma gama de significados eram atribuídos ao
termo menor. Pretendo operar com a hipótese de que os menores, alunos da EAAPR,
distinguiam-se das demais categorias de menores mencionadas pela historiografia sobre o
Paraná, pois não poderiam ser nomeados unicamente como menores infratores,
abandonados, vadios, mendigos ou delinqüentes. Eram menores os aprendizes?
Vou inferir que poderiam ser categorizados como trabalhadores, pobres, filhos de
imigrantes e am alguns casos “abandonados moral e materialmente” por serem órfãos ou
“desamparados da fortuna”. Guardadas as diferenças, precisariam ser homogeneizados
com identidade própria: a de aprendizes artífices, futuros trabalhadores laboriosos, capazes
de construir uma identidade paranaense e nacional.
Se a EAAPR voltava-se para formação disciplinar implementando estratégias para
tanto, ela encampava também a formação para o trabalho. Logo, o público que atendia
também era diferenciado. Não eram exclusivamente meninos delinqüentes como aqueles
remetidos ao Patronato Agrícola. Os menores ali atendidos trabalhavam, daí a preocupação
em formá-los para tal. Ademais, desde a emancipação do Paraná em 1853 a educação
configurou-se como elemento fundamental para constituição da sociedade e a EAAPR
também tomava assento nessa tarefa. Com a grande afluência de imigrantes, ocorrida a
1
Para simplificar a escrita e a leitura do texto passarei a utilizar apenas a sigla EAAPR, leia-se “Escola de
Aprendizes Artífices do Paraná”.
9
partir da segunda metade do século XIX e intensificada nas primeiras décadas do XX, o
discurso nacionalista precisava ser disseminado e a EAAPR servia como porta de entrada
para o “gerenciamento e nacionalização dos imigrantes e a preparação do elemento
nacional.
O período enfocado está compreendido entre os anos de 1910 a 1928, época de
atuação ininterrupta de Paulo Ildefonso d’Assumpção
2
como diretor da EAAPR. Além desse
cargo, desenvolveria paralelamente outras atividades: escrever artigos para jornal, atuar
como animador cultural vinculado ao grupo de intelectuais do Paraná, viajar em visita de
inspeção às Escolas de Aprendizes Artífices dos estados do Norte do país; todas em íntima
ligação com a tentativa de disseminar uma identidade de paranaense e de trabalhador
nacional.
Privilegiei as fontes existentes na Biblioteca Central, pertencente ao Centro Federal
de Educação Tecnológica do Paraná (CEFET-PR), que compreende: os Relatórios do
Diretor da Escola, Minutas e Pastas de Ofícios e ainda artigos veiculado pela Imprensa
local à época supra-citada, existentes na própria Biblioteca Central do CEFET- PR e/ou no
interior dos relatórios anuais elaborados por Paulo Ildefonso d’ Assumpção. Quanto ao
recorte e uso das fontes de pesquisa cabe um esclarecimento: as versões originais dos
Relatórios da Escola foram consultadas integralmente e encontram-se no Arquivo Geral do
CEFET-PR, as Minutas e Pastas de Ofícios foram consultadas junto ao Núcleo de
Documentação Histórica do CEFET-PR, de cujo acervo - previamente organizado por outros
pesquisadores- selecionei, dentre os materiais transcritos dos originais, os que julguei mais
adequados a este estudo. Farei uso dos textos elaborados por Paulo Ildefonso d’
Assumpção e publicados no jornal paranaense “A República”, bem como de reportagens
2
Paulo Ildefonso d’Assumpção nasceu em 23/01/1868 e exerceria diferentes cargos e atividades: foi professor
de desenho no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, de escultura na Escola de Artes e Indústrias do
Paraná, fundou o Conservatório de Belas Artes em Curitiba, além de professor de diferentes cadeiras do Ginásio
Paranaense e da Escola Normal. Foi crítico de arte do jornal “A República” e assíduo freqüentador das
programações culturais da cidade. Também ocupou distintos cargos públicos: Comissário de Polícia, Chefe de
Gabinete do Secretário do Interior Luís Xavier e Diretor da Repartição de Estatística e do Arquivo Público. Com
a criação da Escola de Aprendizes Artífices do Paraná, em 1909 é nomeado Diretor da mesma, em cujo cargo
permaneceria até 1928, ano de seu falecimento. As motivações que levaram a tal nomeação são diversas: (...)
possuía bom trânsito político, como membro do Partido Republicano local, e ex-chefe do presidente Vicente
Machado e do Secretário de Interior Luís Xavier. Por outro lado seu irmão Pamphilo d’Assumpção era
presidente da Associação Comercial do Paraná, o que garantia a ele total apoio dos principais setores políticos e
econômicos do estado. A esses fatores somava-se o preparo técnico, pois sua formação escolar proporcionava
elementos fundamentais para a organização de uma escola de artífices. Por fim, para uma instituição que tinha
por fim a disciplinarização das classes proletárias, e especialmente dos seus filhos, Paulo Ildefonso d’ Assumpção
reunia os conhecimentos técnicos de controle social, estatísticos e coercitivos, fundamentais para a classificação
e constituição social dos menores (...)” QUELUZ, 2000,p. 44-5.
10
sobre a Escola de Aprendizes Artífices divulgadas neste mesmo jornal e no “Diário da
Tarde - constantes na Biblioteca Pública do Paraná.
O século XX conheceu diferentes iniciativas de proteger, amparar e educar as
crianças, especialmente as órfãs e as oriundas de famílias trabalhadoras ou pobres que
careciam dos cuidados de instituições assistências e/ou filantrópicas. Boa parte dos
discursos produzidos acerca das crianças no período esteve respaldado em enunciados que
ganharam corpo no Brasil no século XIX, amparados na racionalidade e na ciência da
higiene.
Forjadas no bojo de transformações políticas, sociais e econômicas calcadas na
tônica do trabalho, a idéia de criança, infância e menor também assumiria novos contornos
a partir do veemente discurso médico-higienista acerca dos padrões de higiene,
comportamento das famílias, estrutura dos espaços da escola e do seu mobiliário, bem como
a medicalização do espaço urbano.
A produção historiográfica
3
das últimas décadas aponta elementos e concepções
acerca das conceituações, essenciais para compor um retrato dos significados agregados
aos termos: infância, criança, adolescente e menor, ao longo do Oitocentos e início do
Novecentos, quando esses pareciam não ter ainda contornos definidos.
Componentes indispensáveis à compreensão do sentimento de infância e
adolescência foram apontados no trabalho pioneiro de Philippe Ariés: “História Social da
Criança e da Família”. Operando com fontes iconográficas e literárias, dentre outras, ARIÉS
estabelece as transformações ocorridas na representação e sentimento de infância,
adolescência e juventude na Idade Média, até chegar ao século XX, nomeado por ele como
o século da adolescência; assim como a juventude teria sido a idade privilegiada do século
XVII e a infância, do século XIX (Ariés, s.d., p.48). ARIÉS também procura analisar a
indistinção dos termos usados nas línguas francesa e inglesa do período para criança e
jovem, representativos da indistinção de idade que habitava o cotidiano da família, da
escola e da sociedade.
Apesar do caráter inaugural da obra de Ariés, cujas proposições impulsionaram
inúmeros outros trabalhos no campo da história da infância, há alguns elementos da mesma
que começam a ser revisitados por diversos historiadores “em função do caráter vago de
sua análise, (...) por fazer afirmações categóricas, a respeito de meio continente a partir de
alguns ‘cacos de evidência’” (HEYWOOD, 2004, p.15). Outras vezes, Ariés também é
3
Dentre a vasta produção destaco: ARIÉS (s.d.), COSTA (1979) LOUREGA(1991); TRINDADE (1996),
LONDOÑO (1996), SCHMIDT (1997) KARVAT (1998) BONI (1998), LEITE (1998), MARCÍLIO (1998),
DEL PRIORE (1999), CORRÊA (2001), COLOMBO (2002).
11
criticado por impor uma leitura condizente com os parâmetros de sua época para qualificar a
presença/ausência do sentimento de infância e do entendimento dos períodos etários ao
longo da época medieval, como afirma HEYWOOD (2004).
A autora insiste em deixar transparente que a conceituação de infância/criança é um
constructo social, totalmente imiscuído da dimensão temporal e das variações entre grupos
sociais e étnicos dentro de qualquer sociedade. Portanto, sofrerá variações importantes ao
longo do tempo e de um contexto cultural para outro. Cientes de que a infância é
culturalmente construída, podemos entender as críticas à “ingenuidade no trato das fontes
históricas” e às “evidencias iconográficas” feitas à Ariés
4
.
Ariés fez a famosa afirmação de que, até o século XII, a arte medieval não tentou retratar a
infância, indicando que não havia lugar” para ela em sua civilização. Tudo o que os artistas
produziram foi a figura minúscula ocasional lembrando um homem em escola reduzida: um
“anãozinho horrendo” no caso do menino Jesus. Ningúem questiona a idéia de que as
crianças costumam estar ausentes da arte da Alta Idade Média. No entanto, como afirma
Anthony Burton, a concentração de temas religiosos fez com que muitas outras coisas
também estivessem ausentes, notadamente quase toda a vida secular”, o que impossibilita
que se isole a criança como ausência significativa (HEYWOOD, 2004, p.24).
Jurandir Freire Costa situa o surgimento de um sentimento de infância em meio a
modificações ocorridas no século XIX, momento de constituição do Estado nacional
brasileiro, de instauração do processo de desenvolvimento econômico e urbano, de
transformações nas relações sociais, de trabalho e de estruturação das famílias. Sobre
estas últimas os médicos higienistas inscreveram marcas definitivas
5
.
A tentativa de se constituir uma sociedade higienizada e de validar a higiene
6
como
ciência pautava-se em valores da racionalidade. A religiosidade, que exercera grande
influência sobre o comportamento das famílias e no modo como a sociedade colonial
encarava a presença da criança no espaço familiar e a mortalidade infantil, era agora
questionada/revisitada. Os ditames da higiene passam a subsidiar o trabalho de diferentes
profissionais ligados à saúde, à medicina e à educação pois educadores e pais deveriam
4
Para maiores detalhes sobre as críticas ao trabalho de Ariés, consultar BECHI & JULIA (1996) e
HEYWOOD, 2004.
5
O controle sobre a família, o cultivo do corpo, o enquadramento disciplinar e os regulamentos acerca da
arquitetura dos edifícios onde funcionavam os colégios, fizeram parte de um conjunto de estratégias de
medicalização do espaço urbano e da imposição dos contornos do indivíduo a ser preparado para a sociedade.
Sobre a presença dos médicos higienistas na regulação e transformação da vida na urbes em meados do século
XIX e nas primeiras décadas do século XX, ver os trabalhos de Costa (1979) e Marques (1994).
6
A higiene na sociedade brasileira no século XIX elaborou amplos conhecimentos sobre a população e os
espaços habitados, e ainda sobre o meio ambiente. Para Marques (1994, p.27), A higiene no Brasil, a partir de
inícios do século XIX, inseria-se no governo político dos indivíduos como um novo agente coercitivo, na
medida em que incorporava a cidade e a população à esfera do saber médico”.
12
ter conhecimentos médicos para estarem aptos a cuidar das crianças
7
. A partir das últimas
décadas do século XIX, a ênfase na necessidade de se “regenerar os possíveis criminosos
do amanhã”
8
a partir dos preceitos da moralização abarcou áreas distintas como direito,
medicina; engenharia e arquitetura, chamadas à obra de remodelação dos costumes da
vida urbana.
O futuro e o progresso da sociedade seriam alcançados pela educação moral dentro
das instituições, como as escolas e os espaços de formação com caráter profissionalizante
para os menores e do re-direcionamento das atitudes dos adultos perante as crianças.
Diferentes setores da sociedade embrenharam-se na construção de um ideal de nação que
pressuponha a higienização moral e ideológica da sociedade, a começar pelas mulheres e
crianças. Os moldes desse discurso iniciado no século XIX, prevaleceria também no século
XX: a construção de um Estado forte e coeso, articulado aos anseios republicanos,
dependia da saúde e da educação das novas gerações. Então, como alfabetizá-las e
higienizá-las transformando-as em bons trabalhadores?
Os higienistas do século XIX exerceram papel decisivo na transformação da imagem
da infância, ao combater a mortalidade infantil e influenciar o modo como as mães deveriam
cuidar de seus filhos e não mais deixá-los aos cuidados das amas de leite. A moralização
dos comportamentos também viria pelo combate à atitude promíscua do patriarca da família
junto às suas escravas. Além das críticas voltadas à família, aspiravam estabelecer
parâmetros de comportamento e posturas a fim de disciplinar crianças e adultos. Assim as
escolas ocupavam um papel não só de afastamento da família, mas um local onde a higiene
ditava as regras do corpo sadio e da consciência nacionalista a ser formada a partir da
infância.
9
No que tange à infância pobre, as condutas eram ainda mais enfáticas.
A assistência à infância carente passou por diferentes fases e formatos.
10
Inicialmente, por incorporar forte influência do catolicismo, a assistência à criança era
encarada como forma de os fiéis realizarem boas ações e caridade para salvarem a própria
alma e a alma dos pequenos. Portanto, o ato de expor crianças à Roda não sofria qualquer
controle ou condenação. Essa fase, designada “fase caritativa”, envolvia a assistência à
infância sem-família e não pretendia alterar a ordem social vigente.
7
Ver Jurandir Freire Costa, 1979, especialmente capítulo 5.
8
Sobre a prevenção regenerativa como forma de combater a possível ação dos “criminosos do amanhã”, ver:
SANTOS (1999), CORRÊA (2001).
9
Ver Jurandir Freire Costa, 1979, principalmente capítulo 5.
10
Maiores esclarecimentos acerca das distinções entre as fases de assistência encontram-se Marcílio, M. L.
História Social da Criança Abandonada, São Paulo: Hucitec, 1998.
13
A fase filantrópica, surgida em período coincidente com a formulação da filosofia
iluminista e liberal, ao período de industrialização e urbanização européia e de
desenvolvimento científico e tecnológico, condenava o sistema caritativo-assistencial da
Roda e não tolerava o abandono de bebês. Propagava o cuidado com o corpo e não
somente a preocupação com o espírito e com a salvação da alma. Transcorrida em um
período em que a saúde e a educação das crianças tinham lugar prioritário nas políticas
públicas; esse modelo de assistência pretendia isolar/internar para depois devolver à
sociedade a criança ou o adolescente regenerado, treinado e então útil a si e a nação. “A
proposta era: assistir, para prevenir. Não sendo possível, entrava a correção, que seria
exercida pela repressão rigorosa, auxiliada pela polícia”.(MARCÍLIO, 1998, p. 208)
A assistência e filantropia, fases típicas do atendimento às crianças, estavam em
metamorfose. No século XX cada classe de infância, abandonada, pobre, deficiente, era
objeto de propostas pedagógicas e de instituições educacionais específicas e de algum
modo distintas das destinadas às demais, embora articuladas na constituição de um corpo
comum de idéias pedagógicas a demarcar o campo educacional.” (KULHMANN JR., 2002,
p. 485).
As instituições totais, espaços de reclusão para a infância em situação de risco, não
se destinavam a receber a criança infratora. Eram estabelecimentos para atender àquelas
que ainda poderiam ser impedidas de incorrer na delinqüência e no crime. Surgia a
necessidade de criar espaços distintos para os delinqüentes e para os abandonados:
Sendo as famílias dessas crianças consideradas incapacitadas, despreparadas (ou
inexistentes) para bem criá-las, os estabelecimentos de internamento seriam ideais para tirar
a criança dos perigos da rua, do botequim, da malandragem, da vadiagem, etc. retirada da
família e da sociedade, nas instituições totais a criança encontraria a educação, a
formação, a disciplina e a vigilância que a preparariam para a vida em sociedade, para bem
constituir sua família, dentro do amor e do preparo para o trabalho. Pelo menos essas eram
as expectativas utópicas dos filantropos. Com a maioridade, a criança sairia desse
microcosmo estruturado e profilático e seria devolvida ‘apta’ a viver em sociedade. A
filantropia tinha por escopo preparar o homem higiênico (capaz de viver o bem nas grandes
cidades, em boa forma e com boa saúde), formar o bom trabalhador, estruturar o cidadão
normatizado e disciplinado. Despontava o plano de se fundar estabelecimentos especializados
de reclusão. Não se deveria agrupar, em uma mesma casa, abandonados e delinqüentes, por
exemplo, com risco de contaminação dos primeiros. (MARCÍLIO, 1998, p. 207)
Nas primeiras décadas do Novecentos ainda eram bastante tênues as conceituações
para termos como criança, infância, adolescente, menor e delinqüente. Mas pode-se dizer
que a vinculação entre menor e delinqüente potencial foi comumente feita no Brasil naquele
período. Ao lado desta transição desfilaram muitas outras questões tais como: iniciativas no
14
campo educacional, controle da imigração, mudanças no campo do direito do trabalho,
instauração de métodos da identificação da população civil (CORRÊA, 2001, p.83). E, ainda
os Congressos sobre a Infância; as iniciativas públicas e particulares de institucionalização
da proteção à infância; o Código de Menores de 1927; os movimentos de Higiene e
Eugenia
11
; as tendências trazidas da Alemanha, Itália, Inglaterra e Estados Unidos da
América para que se atuasse no campo da profilaxia social e do combate à degeneração
dos corpos e das raças.
Contrapondo-se à idéia de adolescência, forjada na Europa em fins do XIX e
descritas por Ariés, o historiador Boris Fausto aponta a ausência de tal conceito no Brasil
nesse período, e localiza seu equivalente na figura do “menor”. O Código Criminal do
Império de 1830, já determinava, além da idade, a responsabilidade penal dos indivíduos
perante a lei. Em fins do XIX e início do XX o termo menor deixou de ser associado
somente à idade, para determinar a responsabilidade de um indivíduo perante a lei e
passou a designar principalmente as crianças pobres, abandonadas ou que incorriam em
delitos.
Mas a figura do menor, na aparência próxima ao adolescente, aplica-se em toda extensão
aos meninos pobres. Deixando de lado a menoridade civil, concretizada nas normas legais de
incapacidade, podemos mesmo afirmar que a menoridade na sua dimensão ligada à esfera
do trabalho ou a pedagogia terapêutica é um conceito aplicável à gente pobre.” (FAUSTO,
1984, p.80.)
Investigando o percurso da palavra menor e os significados que lhe foram atribuídos
antes de chegarmos a década de 1920, momento de formulação da “questão do menor” e
do Código de Menores de 1927, Fernando Londoño constatou que em fins do XIX e início do
XX a palavra menor” apareceu freqüentemente no vocabulário e pareceres jurídicos
brasileiros, ultrapassando o meio jurídico e chegando aos jornais e às revistas jurídicas, às
conferências, sempre se referindo à criança material ou moralmente abandonada.
No fim do século XIX, os juristas brasileiros “descobrem o menor nas crianças e
adolescentes pobres das cidades” que, por não estarem sob a autoridade de seus pais e
tutores, são chamados de abandonados. Delineava-se a imagem do menor, principalmente
como criança pobre, totalmente desprovida de proteção moral e material pelos seus pais,
tutores, Estado e sociedade. “(...) O menor não era pois o filho ‘de família sujeito à
11
Além de “qualificar a higiene como impositora de normas para regular a vida social das populações urbanas”,
a eugenia se serviria dos dispositivos utilizados pela higiene como o controle as habitações, ordenação do
meio ambiente para recair principalmente sobre o controle e disciplinamento da espécie humana, através de um
conjunto de proposições. Ver Marques, 1994.
15
autoridade paterna, ou mesmo o órfão devidamente tutelado e sim a criança e o adolescente
abandonado tanto material como moralmente.” (LONDOÑO, 1996, p. 134-5).
Nesse mesmo período, nos países da Europa e nos Estados Unidos, a correção dos
desviantes era atribuída à escola, pela educação moral e religiosa. Gradativamente, a
educação e o disciplinamento do adolescente passava da esfera privada para a pública. A
fim de proteger as crianças e a sociedade, criaram-se leis concedendo aos juízes o poder
de intervir nas famílias, especialmente nos lares pobres ou desfeitos. Na transição do século
XIX para o XX os reformatórios mudam o enfoque de suas atuações e abandonam um
conteúdo de cunho religioso e moral para adotar uma abordagem higiênica e laboral. O
anseio de preservar a ordem social, vinculado ao interesse de modernizar a sociedade dão
margem para que o Brasil paute suas ações frente aos menores, e à conceituação de
menor, nessas idéias em voga na Europa e Estados Unidos. (COLOMBO, 2002, p.57).
Longe de designar apenas uma idade específica ou assinalar limites etários, o
Código de 1890 determinava uma clientela definida para o termo, pois mais do que o
menor existia o filho de família e o órfão” LONDOÑO , 1996, p.131) que ocupavam lugares
distintos.
Críticos ferrenhos dos mecanismos repressores e punitivos adotadas pelo Estado
brasileiro no atendimento a infância abandonada, os juristas foram defensores de um outro
protótipo: viam a prevenção como estratégia mais pertinente ao combate à marginalização
do menor. Apontavam a necessidade de instituições disciplinadoras que pudessem
reintegrar os menores ao convívio social. Nesse projeto de prevenção fazia-se necessário
um plano de assistência à infância e de uma legislação que lhe desse respaldo e garantisse
a atuação do Estado. Assim, em 1921 criou-se o Serviço de Assistência e Proteção à
Infância Abandonada e aos Delinqüentes e
(...) a questão da criança abandonada, vadia e infratora, pelo menos no plano da lei, deixou
de ser uma questão de polícia e passou a ser uma questão de assistência e proteção,
garantida pelo Estado através de instituições e patronatos. A atenção à criança passou a ser
proposta como um serviço especializado, diferenciado, com objetivos específicos. Isso
significava a participação de saberes como os do higienista, que devia cuidar da sua saúde,
nutrição e higiene; os do educador, que devia cuidar de disciplinar, instruir, tornando o menor
apto para se reintegrar à sociedade; e os do jurista, que devia conseguir que a lei garantisse
essa proteção e essa assistência. (LONDOÑO, 1996, p.142).
No Código de Menores de 1927 o termo menor equivaleria a uma situação e
posicionamento irregulares na sociedade. Caracterização negativa que o dissociava do
conceito de infância e classificava-o como “aqueles sujeitos e indivíduos cuja existência fez
16
deles uma espécie de ser humano inferior, uma ameaça à sociedade humana.” O menor
estaria para a infância como uma anomalia (FRONTANA, 1999, p.60.).
A ênfase dada à questão do menor era decorrência da interferência dos médicos,
juristas, psicólogos e educadores sobre as condutas e comportamento das famílias, o que
alteraria a própria forma de conceber e tratar a infância. A intervenção da Medicina e das
Ciências Jurídicas nessa fase de filantropia influenciou mudanças na designação de
infância:
(...) de um lado o termo ‘criança’ foi empregado para o filho das famílias bem postas. ‘Menor’
tornou-se o discriminativo da infância desfavorecida, delinqüente, carente, abandonada. ‘Do
início do século, quando se começou a pensar a infância pobre no Brasil, até hoje, a
terminologia mudou. De ‘santa infância’, ‘expostos’, ‘órfãos’, ‘infância desvalida’, ‘infância
abandonada’, ‘petizes’, ‘peraltas’, ‘menores viciosos’, ‘infância em perigo moral’, ‘pobrezinhos
sacrificados’, ‘vadios’, ‘capoeiras’, passou-se a uma categoria dominante menor. O termo
menor aponta para a despersonalização e remete à esfera do jurídico e, portanto, do
público.’
12
A infância abandonada, que vivia entre a vadiagem e a gatunice, tornou-se para os
juristas, caso de polícia. (MARCÍLIO, 1998, p. 195)
O menor, portanto, não é a criança ou o adolescente devidamente atendidos por pais
ou tutores, mas era a criança e o adolescente desamparados pelos pais e que precisariam
ser amparados pelo Estado, para não incorrerem na criminalidade, na indolência e
ociosidade. Daí a necessidade de serem eficazmente enquadrados, fosse em instituições de
internato ou em escolas profissionalizantes, cujas propostas se revelassem capazes de
moldar-lhes o caráter.
Operando no campo da prevenção, à maneira prescrita pelos juristas, os médicos
higienistas, por sua vez, defendiam a ocupação das crianças e apregoavam a regeneração
pelo trabalho e pela disciplina moral, mas estabeleciam que “a terapia do trabalho” -
“estratégia disciplinar suave e sutil de adestramento dos corpos e do espírito” - o amor ao
trabalho”, devesse ser transmitido em instituições de internamento, patronatos e orfanatos,
no caso dos menores pobres; e no interior das escolas particulares ou na esfera do lar, por
meio de leituras selecionadas e ginástica, para as crianças de famílias abastadas. Nos
orfanatos dever-se-ia assegurar o “aprendizado de uma atividade profissionalizante, muito
mais em função do aspecto moral manter a criança ocupada, ‘incutir hábito de trabalho’,
reprimir a vadiagem do que com intenção econômica de prover braços para o mercado de
trabalho em constituição. Alvo que também era visado”. (RAGO, 1997, p.122).
12
Alvim, M. Rosilene Barbosa & Valladares, Licia do Prado. Infância e sociedade no Brasil: uma análise da
literatura. BIB Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais, 26, 1988, p.3-37 (p.17). Apud
MARCÍLIO, p.195.
17
No interior da própria classe trabalhadora havia divergências quanto à presença dos
menores nos ambientes de trabalho. Se alguns jornais editados pelo movimento operário
13
e
os médicos higienistas não compactuavam com a presença e efeitos nefastos do emprego
de mão-de-obra infantil nas fábricas da maneira preconizada pelos industriais, para os quais
a mesma representavam a certeza de obter lucros fáceis com pouco ônus, muitos
operários enviavam seus filhos ao trabalho, pois os baixos salários dos adultos não supriam
as necessidades mínimas de sobrevivência das famílias.
Desde a década de 1910 os operários empreendiam esforços em prol da melhoria
das condições dos trabalhadores, especialmente no que concernia às mulheres e aos
menores, e reivindicavam a redução das jornadas, melhor remuneração e a proibição da
presença dos menores em ocupações perigosas. A especificação de um lugar, ou a
categorização do “menor”, que ganhava corpo das esferas médica, jurídica e legislativa
verteu-se também para o âmbito do trabalho. Mas seria apenas no final da década de 1920
com o Código de Menores que esta especificação, ao menos no plano da lei, pode ser
melhor percebida.
14
A articulação entre os discursos da higiene, da eugenia, da proteção e educação da
infância, do saneamento, do combate ao analfabetismo, da grande ênfase à educação
cívica e moral ditavam os comportamentos da vida na urbes:
O projeto civilizatório tem na higienização do mundo social uma de suas faces mais
expressivas. Civilizar e higienizar conformam uma gramática fortemente articulada. No
entanto o reordenamento político, econômico e cultural, por exemplo, impôs outros signos que
deveriam contribuir para marcar e identificar o Brasil do início do século XX. Um deles foi a
própria idéia de progresso e outra a de ordem, desdobráveis em vários níveis e esferas. No
registro desses deslocamentos, contudo, é possível detectar permanências, sendo uma delas
a própria vontade de higienizar a sociedade, a escola e a infância. (GONDRA, 2002, p. 315)
As campanhas em prol da construção do ideal de nação e identidade nacional
pautavam-se na educação: instrumento capaz de formar o cidadão republicano e consolidar
13
O movimento operário paulista divulgou amplamente os maus tratos, exploração e regime de escravidão à que
estavam submetidas as crianças empregadas nas fábricas de São Paulo em 1910 e 1920. RAGO (1997) apresenta
a multiplicidade de discursos que se constituíram acerca do trabalho infantil, ora combatendo as mazelas no
caso dos higienistas e dos operários, ora louvando suas benesses – no caso dos industriais burgueses. As tensões
e embates em torno da presença de crianças nas indústrias paulistas e a campanha feita pelos jornais de operários
na divulgação da exploração e perigos a que estavam expostas estão discutidos em BERTUCCI (2002).
14
A participação de mulheres e menores no mercado de trabalho fez com que os mesmos fossem vistos quase
como sinônimos e somente começam a dissociar-se quando ambos passam a assumir contornos sociais mais
definidos. A ampliação das atribuições das mães no cuidado das crianças, propagada pelo discurso higienista, e
a disseminação do conceito de menor sinônimo de delinqüente potencial, vinculada a idéia de predisposição à
criminalidade e à degradação, foram preponderantes neste processo. Confira CORRÊA, 2001.
18
o novo regime. E para além de direito do cidadão” a educação foi entendida como dever”,
o indivíduo deveria credenciar-se para participar do Regime Republicano
15
.
(...) a recém-instaurada República tecia e estruturava os símbolos de um novo país sob a
pecha da “ordem e do progresso’, impulsionada pelo nacionalismo que desde a década de
1880 ecoava em prol da insdustrialização. Ao mesmo tempo, a aura republicana moldava forte
dicotomia entre os mundos do trabalho e da vadiagem, protagonizados respectivamente pelo
imigrante e pelo nacional, principalmente aquele advindo da escravidão. A eugenia era idéia
corrente entre teóricos e autoridades e a “profilaxia social” era praticada cotidianamente. A
busca pelo trabalhador ideal não cessava, hostilizando-se assim, não o negro
representante de um passado a esquecer como, também aqueles imigrantes portadores de
idéias “nocivas” a ordem social. (SANTOS, 2000, p.212-3)
A colaboração entre médicos e pedagogos na educação dos menores acontecia em
diversos contextos: na organização e participação dos Congressos Americanos da Criança,
nas inspeções médico-escolares aos espaços da escola ou ao estado físico dos alunos e
suas tendências intelectuais e morais.
Ocorridos a partir de 1916, os Congressos Americanos da Criança abordavam
concomitantemente três preceitos básicos, os quais podem ser encontrados também nos
textos que tratavam da educação da infância nas primeiras décadas do século XX. São eles:
a infância e a educação responsáveis por construir uma nação moderna, referenciada nos
países europeus e nos Estados Unidos da América e reunindo políticas sanitárias e
educacionais; a Pedagogia nutrindo-se de diferentes ciências e como um conhecimento
especializado, capaz inclusive de orientar as famílias na formação das crianças e, por fim, a
educação como meio ordenador da nação.
16
No ano de 1922, durante a Exposição Internacional comemorativa do Centenário da
Independência ocorrida no Rio de Janeiro, aconteceram também o Congresso Brasileiro de
Proteção à Infância e o Congresso Americano da Criança. Nas propostas apresentadas no
Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, a saúde e a educação se entrelaçaram e
subordinaram-se ao propósito de construir uma nação moderna, civilizada e ordeira.
17
Pretendia-se “tratar de todos os assuntos que direta ou indiretamente se refiram a criança,
tanto do ponto de vista social, médico, pedagógico e higiênico, em geral, como
particularmente em sua relação com a Família, a Sociedade e o Estado. (KUHLMANN JR,
2002)”.
15
Cf. SOUZA, Rosa Fátima de. O Direito à Educação: lutas populares pela escola em Campinas. Campinas:
Editora da Unicamp: Área de Publicações CMU/Unicamp, 1998.
16
Acerca dos Congressos Americanos da Criança, e dos preceitos básicos que abordavam, consultar
KULHMANN JR, 2002.
17
Sobre as propostas apresentadas no Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, ver KULHMANN JR. 2002.
19
Longe de haver homogeneidade nas idéias e debates ocorridos, surgiam embates e
tensões entre os diferentes setores sociais. Aqueles que desejavam princípios
democráticos no enfrentamento das desigualdades sociais teciam críticas às tendências
autoritárias que norteavam as decisões no campo da educação. Mas parecia haver um
pensamento predominante, que se distanciava dos preceitos de uma educação igualitária:
a infância abandonada encontraria nas instituições de educação popular a redenção e a
higienização capazes de combater a transformação dos menores em “futuros criminosos”.
A tônica do trabalho era disseminada como um dos agentes imprescindíveis na
consagração das transformações a serem operadas na infância e na consolidação das
propostas para a infância abandonada e pobre iniciadas na segunda metade do século XIX,
e reforçadas no século XX.
A idéia de educação e infância como responsáveis por construir uma nação
moderna, pautada em referenciais europeus e estadunidenses, envolvendo políticas
sanitárias e educacionais também pode ser encontrada nas teses apresentadas na
I Conferência Nacional de Educação
18
, ocorrida em Curitiba em 1927. O movimento
escolanovista, o chamado entusiasmo pela educação, o otimismo pedagógico e a crença na
missão regeneradora da educação compuseram um conjunto de medidas e ações
propulsoras da ação de vários segmentos de intelectuais na luta pela difusão da escola
pública no Brasil” (SCHMIDT, 1997, p.4.).
A infância era apreendida de forma ambígua: de um lado estava a criança que se
deseja, abstrata e universal” e de outro a “que incomoda, que precisa ser regenerada,
preservada e salva”. Os adeptos das novas idéias intelectuais construiriam, na década de
1920, uma determinada representação de infância, pautada em um ideal de nacionalidade
e de consolidação da racionalidade, decorrentes do movimento de desenvolvimento do
capitalismo industrial que exigia trabalhadores mais qualificados e pressupunha também
uma nova organização do trabalho. (SCHMIDT, 1997, p. 78 e seguintes).
A atuação dos médicos higienistas brasileiros, presentes também no espaço da
escola, estava respaldada nessas propostas debatidas em congressos internacionais e
nacionais de proteção à infância e na experiência de países europeus, cujo pensamento
“atribuía a uma elite de especialistas a responsabilidade de ordenar a sociedade no intuito de
promover e preservar as relações sociais de subalteridade. Essas pessoas teriam a
capacidade de interpretar ‘cientificamente’ a nação, o povo brasileiro, as classes, as raças,
18
Acerca da I Conferencia Nacional de educação, consultar SCHMIDT, 1997.
20
as crianças. Seria possível diagnosticar seus males e prescrever remédios capazes de curá-
los (...) (KULHMANN JR. 2002, p. 473).”
Os médicos higienistas disseminaram a preponderância da educação e da higiene
na regeneração da raça, no aperfeiçoamento do espírito e na conformação do corpo infantil,
elementos esses indispensáveis à constituição de uma nação civilizada. A escola, vista
como instituição científica e racional, seria responsável por concretizar esse ideal. Inicia-se
então a simbiose entre os discursos de médicos e educadores na tarefa de irradiar
educação higiênica e moral para a sociedade. Além dessas, a disciplina para o trabalho se
somaria “como pressuposto indispensável para alcançar a civilização”. A possibilidade de
transformar as crianças em futuros adultos disciplinados, enquadrados e úteis articularia
muitos saberes.
Nas escolas, engendrou-se um processo disciplinar cuja estratégia assentada na educação
moral fazia emergir o mundo do educando para travesti-lo profilaticamente de hábitos
sociais, realizando através da higienização normalizadora o controle dos trabalhadores e de
seus filhos, tornando-os corpos dóceis, moldados para o processo industrial que se
desenvolvia. Sim, porque a escola buscava ordenar espíritos e ‘corpos promíscuos’, advindos
daqueles ‘cortiços infectos’, ‘de vida desregrada’, intentando metodicamente incutir-lhes
disciplina moral e física.” (MARQUES, 1994, p.120)
O grande respaldo recebido pelo trabalho contrapunha-se à idéia de ociosidade e
vadiagem. A presença de menores desocupados perambulando pelas ruas da cidade
participou enormemente da vinculação entre menoridade, vadiagem e delinqüência. Tal
vinculação foi gestada na ambiência da higiene no século XIX e depois enfatizada pelos
pressupostos da eugenia do século XX.
A partir da década de 1990 foram produzidos estudos
19
acerca da temática da
infância e menoridade em Curitiba em fins do século XIX e início do século XX, os quais
fornecem elementos para observarmos o tratamento destinado ao tema que nos
propomos a analisar: a presença dos menores na Escola de Aprendizes Artífices e na
sociedade curitibana nas décadas de 1910 e 1920. Entretanto, apesar da contribuição
desses autores, permanecem a dificuldade de se nomear a criança paranaense e as
nuances caracterizadoras dos termos infância, criança, menor. Para esse último termo as
dificuldades/possibilidades são ainda maiores, pois multiplicam-se os adjetivos:
abandonado, infrator, delinqüente, vicioso. Se, por um lado, as leituras de tais estudos
aproximam-nos das conceituações existentes, restam ainda elementos não explicitados
19
Refiro-me aos trabalhos de LOUREGA (1991); SCHMIDT (1997), TRINDADE (1998), BONI (1998)
KARVAT (1998), QUELUZ (2000), COLOMBO (2002).
21
acerca dos menores nas primeiras décadas republicanas, especialmente no que concerne
aos que freqüentavam a Escola de Aprendizes Artífices do Paraná.
A infância desprotegida e abandonada, vista como problema a ser enfrentado pela
ação policial a fim de que a sociedade não fosse esmagada pelo vício, recebeu a atenção
de BONI (1998)
20
. Servindo-se da imprensa paranaense entre 1890 e 1920, a autora
mostras das constantes notícias sobre a prisão de menores e das reclamações
encaminhadas pela população que solicitava a ação policial contra os meninos.
LOUREGA (1991) pesquisou as notas policiais acerca da delinqüência juvenil,
divulgadas pela imprensa curitibana no início do Novecentos. O tratamento dado pela
imprensa à questão do menor aproximava, de forma nem sempre fácil de se distinguir,
menor e delinqüente. A questão do menor delinqüente é tratada pela autora ao historicizar o
surgimento do Patronato Agrícola em Curitiba, uma franca tentativa de isolar os menores da
esfera urbana e empreender a correção necessária.
A tentativa de imprimir contornos para os termos “menor” e “criança” fez parte do
estudo desenvolvido por TRINDADE (1996), no intento de recompor a trajetória da
metamorfose da criança em menor, em Curitiba nas primeiras décadas do século XX. Para a
autora tais termos “se confundem e se incorporam na comunicação oral e escrita de uso
coloquial, com o mesmo significado”, mas infere que a “legislação possibilita sua melhor
definição e o século XX, no caso brasileiro, acoplado à consolidação republicana encerra
em si a transformação de criança em menor, destacando as pobres” (TRINDADE, 1996,
p.94). Ao investigar o menor e seu abandono, voltou-se especialmente para o menor
transformado em caso de justiça”, “problema social” que ganhava ampla visibilidade e
inseria-se na moderna sociedade disciplinar.
KARVAT (1998) preocupou-se em explicitar as relações entre vadiagem x
criminalidade e a adoção de remédios sociais mais indicados na Curitiba da virada do
século XIX para o XX. Logo a relação entre não-trabalho e vadiagem vinculou-se a
criminalidade e daí, para a aproximação entre menores delinqüentes, vadios e mendigos e
as propostas de seu internamento em regime de reeducação para adquirir hábitos de
trabalho, foi um curto passo. Nas fontes utilizadas pelo autor transparece a indistinção no
uso dos termos menor, criança, delinqüente, vadio e criminoso, esclarecendo como a
criminalidade ou as transgressões dos menores aproximava-os dos adultos indesejados: os
vadios, mendigos e criminosos.
20
BONI, 1998, especialmente a parte intitulada “Menores Abandonados e Menores Delinqüentes”.
22
Tal indefinição na veiculação dos termos menor, infância e criança, apontada por
LOUREGA (1991), TRINDADE (1996) e KARVAT(1998), permitem averiguarmos o
tratamento dado à questão na Curitiba na primeira República. É pertinente inferir que a
impossibilidade de diferenciação e reconstituição dos lugares reservados aos menores seja
fruto da própria indefinição presente nas discussões em voga no período.
Afinal, é somente com o Código de menores de 1927 que teremos uma legislação
específica para o menor e onde uma pluricidade de sentidos lhe serão oficial e legalmente
atribuídos. Entretanto, esses sentidos e definições, dos quais o Código é portador,
delinearam-se gradativamente ao longo das décadas antecedentes nas experiências e
estratégias lançadas em torno da “questão do menor” e geraram a elaboração dos
precedentes do Código de Menores. Dentre eles destacaram-se: o Art. da Lei Federal
4242 de 1921 que autorizou o governo a criar o “Serviço de Assistência e Proteção à
Infância Abandonada e Delinqüente”; o Decreto Federal 16272 de 20 de dezembro de
1923, baixando o regulamento de “Assistência e Proteção aos Menores” e que culminou
com a consolidação do Código de Menores em 1927 (ALMEIDA, 1960). Portanto, neste
momento é
(...) que se configuraria, de maneira mais explicita, o que se passou a designar por ‘menor’.
Sob a categoria ‘menor’ incluíam-se todas as crianças e adolescentes material ou moralmente
abandonados, subdivididos em várias outras categorias: ‘crianças de primeira idade’, ‘infantes
expostos’, ‘menores abandonados’, ‘meninos vadios’, ‘mendigos’, ‘libertinos’ etc. O traço
comum a todas essas definições do Código era que a carência do ‘menor’, fosse fruto do
abandono moral ou material, era conseqüência do comportamento inadequado dos pais ou
responsáveis, classificados como incapazes, negligentes ou indignos. (FRONTANA, 1999,
p.53)
Nos capítulos que se seguirão poderemos acompanhar algumas das vicissitudes da
Escola de Aprendizes Artífices paranaense e da formação destinada aos menores ali
inseridos, partindo da seguinte organização:
No primeiro capítulo discutirei aspectos relativos à cidade de Curitiba à época da
criação da EAAPR, a fim de estabelecer um cenário das principais atividades manufatureiras
e industriais e suas relações com as oficinas implementadas na Escola. Analisarei a
implantação da Escola nesta conjuntura, ressaltando como se uniram os discursos
higienistas e educativos a fim de reconhecerem nos menores, seus alunos, as crianças
paranaenses que conquistariam um “futuro”, pois poderiam ser educadas para participar da
construção de uma identidade paranaense e, especialmente, de criança pobre trabalhadora.
Tratarei da presença dos menores na Escola e o modo como era viabilizada a
instrução primária, segundo os preceitos da escola graduada. Para tanto, será útil
23
confrontar a legislação nacional das Escolas de Aprendizes Artífices com a proposta da
escola paranaense e as descrições existentes acerca do cotidiano escolar. Necessário
contrapor o proposto pela lei e sua recepção no interior da EAAPR, ou as adaptações
impostas a esta em função das novas legislações.
No capítulo II, procurarei demonstrar como a educação para e pelo trabalho eram
centrais ao modelo de formação ofertado na Escola. A construção da identidade
paranaense e os preceitos de educação moral eram perpassados pelos ideais de trabalho.
As possibilidades do trabalho trazer benefícios também aos aspectos sicos, morais e
sociais, compondo um espectro de questões vinculadas à eugenia e higiene e coadunadas
ao ensino profissional também serão objetos desse capítulo.
Curitiba era a capital de um estado bastante novo que estava às voltas com inventar-
se, assim como a República buscava construir-se. Discussões acerca da elaboração de
uma identidade paranaense genuína permeavam os debates dos principais grupos
intelectuais daquele período. Pretendia-se plasmar, pelos ideais de trabalho, a
sistematização de um conjunto de valores que pudessem ser facilmente reconhecidos como
paranaenses. A EAAPR terá papel de relevo na constituição/afirmação dessas
características. Cabe, portanto, a investigação do modo como a EAAPR tomou para si a
tarefa de forjar uma identidade de trabalhador, de elemento nacional que pudesse levar a
cabo as expectativas de um Brasil de futuro grandioso. Afinal, a formação para o trabalho e
a instauração de princípios ordenadores e disciplinares eram vistas como atitudes patrióticas
e indispensáveis à elaboração do progresso nacional.
No terceiro capítulo tratarei das práticas escolares que se constituíam como rituais de
formação e conformação e participavam enormemente da instauração da
memória/identidade nacional. Tais rituais articulavam-se a uma “figura” de brasileiro, carente
de contornos mais nítidos, pois era grande o número de filhos de imigrantes freqüentando
os espaços da EAAPR, e corroboravam a expectativa de melhor concretizar a formação
moral, cívica, física e disciplinar de seus alunos aprendizes. Note-se que a disciplina corporal
e as atividades a ela atreladas cumpriam a dupla tarefa de preparar o corpo tanto para a
ação - o trabalho- quanto para a instauração de hábitos morais e cívicos desejados.
Para discutir tais problemas farei uso do aporte teórico da história cultural. A
historiografia contemporânea, seja a praticada no campo da história ou da história da
educação, vincula-se enormemente aos debates em torno na Nova História Cultural que
desde o último quartel do século XX agregou interpenetrações entre a história e outras
ciências, como a sociologia, a antropologia e os estudos de linguagem. Além disso, enfatiza
24
sobremaneira novos objetos submetidos a vieses de interpretações os mais variados e
instaurou a ampliação da noção de documento histórico.
Observando os limites da abordagem clássica da história cultural
21
, a nova geração
de historiadores da cultura têm feito a tentativa de recuperar a história da cultura das
pessoas comuns. E é precisamente nesse campo que historiadores, sociólogos e
antropólogos aram terreno comum e servem-se do termo cultura para, de forma genérica,
“referir-se às atitudes e valores de uma determinada sociedade e sua expressão e
personificação em “representações coletivas” (como dizia Durkheim) ou “práticas”, termo que
passou a ser associado a teóricos mais recentes, como Pierre Bourdieu e Michel de
Certeau.” (BURKE, 2000, p.241).
Peter Burke adverte-nos para olharmos a corrente da Nova História Cultural
22
- à
maneira do que se deve fazer com todas as outras correntes historiográficas- como fruto de
nossa época, repleta de choques culturais e banhada pelo multiculturalismo.
Desde as três últimas décadas do século XX, os debates sobre qual seria a corrente
que a história deveria adotar, qual se revelaria mais apropriada ou predominaria tem vindo
à tona. BURKE (1992), discutindo os caminhos e descaminhos da “Nova História”, aponta
elementos para pensarmos as mudanças operadas no modo de concebermos a história e o
fazer historiográfico ocorrida a partir das imbricações entre a história e as demais ciências e,
especialmente, a partir da centralidade que as discussões acerca da “cultura” tem ocupado.
que nos resguardarmos, contudo, de explicações demasiados simplistas, pois
termos caros à Nova História são objetos de embates infindáveis. Assim, conceitos como:
21
Peter Burke (2000) discute a unidade e variedades de abordagens da história cultural e esclarece que na história
cultural clássica entendia-se cultura, como a alta cultura, ligada a alguns grupos específicos da sociedade e
enfatizava os clássicos, o cânone, cujos exemplos notáveis foram as obras de Jacob Burckhardt e Johan
Huizinga, em fins do século XIX e início do XX. Àquela história cultural, praticada por estes dois historiadores e
tantos outros, Burke interpela algumas considerações a fim de clarificar os seus limites: a) ignorava a sociedade
e a infra-estrutura econômica, bem como a estrutura política e social; b) dependia do postulado da unidade ou
consenso cultural, desviando a atenção das contradições sociais e culturais, conforme criticavam os marxistas; c)
a suposição generalizada de que o que era recebido da tradição era logo aceito como herança, sem passar por
significativas transformações; d) a equiparação de cultura com alta cultura e e) a ênfase no cânone de grandes
obras na tradição européia.
22
A Nova História Cultural centra sua ênfase nos modos de representação e na construção cultural/discursiva de
identidades, subjetividades, etc. ( conferir, WEINSTEIN, 1995) Para VAINFAS (1997); a história cultural
representa a antiga história das mentalidades, pois embora rejeite o conceito de mentalidades, considerado
impreciso, os historiadores da cultura não recusam a valorização do cotidiano, a aproximação com a
antropologia e com a longa duração; como ocorria na história das mentalidades e tampouco recusam os temas das
mentalidades. O que a “Nova História Cultural” faz é, sem recusar o estudo das manifestações formais da cultura
de determinada sociedade, ou das classes letradas (à maneira da antiga História da Cultura), também interessar-se
pelo informal, pelo popular e por resgatar o papel das classes sociais e dos conflitos sociais. Logo, a nova versão
da História Cultural, caracteriza-se por ser plural e apresentar vários caminhos para a investigação histórica, o
que a faz incorrer em desacertos como acontecia também na história das mentalidades.
25
“cultura”, “cotidiano”, “micro-história”, “história vista de baixo” são impossíveis de apreender
em uma única mirada. Logo, o historiador contemporâneo parece operar na encruzilhada,
carecendo de diferentes aportes teóricos e do respaldo da antropologia, da sociologia e da
filosofia e inevitavelmente, resultando em diferentes formas de se produzir história.
Comparando historiadores e fotógrafos, como aqueles que não apresentam reflexos
da realidade, mas sua representação; Burke afirma: “Neste ponto, a história social e a
cultura parecem estar se dissolvendo uma na outra. Alguns historiadores definem-se como
“novos” historiadores culturais, outros como historiadores “socioculturais”. Seja como for, o
impacto do relativismo cultural sobre o escrito histórico parece inevitável.” (BURKE, 1992,
p.24)
Ciente de que operar na seara da investigação histórica não é tarefa fácil, tampouco
passível de ser trilhada sob um único ponto de vista ou abordagem teórico-metodológica,
utilizarei diferentes autores e aportes para discutir os problemas que me propus investigar.
Dado ainda a impossibilidade de reconstituição/reconstrução do passado, reconheço nessa
escolha uma das tantas miradas possíveis na busca pela “verdade” histórica, que não parece
ser una e sim poliédrica.
As concepções de menoridade e infância, trabalho, formação profissional, construção
de identidade regional, nacional e de trabalhador nas primeiras décadas do século XX, no
Paraná, serão abordadas aqui a partir dos pressupostos da Nova História Cultural e das
produções de historiadores da educação brasileira. Dialogarei também com os estudos de
Norbert Elias, sobre o processo civilizador, a fim de discutir os preceitos de moralidade que
perpassavam a formação e educação dos menores aprendizes.
Outros historiadores, filiados a corrente da história social, como E. Thompson irão
aportar às discussões da instauração de um pretenso controle dos tempos que
perpassavam o universo escolar e dos aprendizes.
A investigação da problemática dos lugares de memória será abordada à luz das
proposições de NORA (1993), POLLAK (1992) e HALBWACHS(1990), pois pareceu-me
pertinente discutir as relações entre memória e identidade social.
Operarei com fontes oficiais, como os relatórios e ofícios relativos à Escola e com
jornais publicados pela imprensa paranaense do período na tentativa de apreender não
os ditames legais e as imposições de padrões culturais de educação, civilidade, moralidade
e disciplina, mas captar a insubordinação dos professores e dos menores e suas famílias a
partir dos indícios deixados, mesmo que tênues.
26
CAPÍTULO I: EM PROL DO PROLETARIADO E DA EDUCAÇÃO
GERAL DA INFÂNCIA”: A ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES DO
PARANÁ
1.1 A cidade de Curitiba no início do Novecentos
A Escola de Aprendizes Artífices do Paraná foi inaugurada em Curitiba em 1910.
Época em que a capital paranaense cuidava da arborização da cidade, organizava os
serviços de irrigação e limpeza públicas e procurava ganhar ares de urbanidade. Os
“múltiplos e freqüentes cafés”, aludia o cronista Nestor Vítor, eram “uma das coisas que
mais concorrem pra dar hoje a Curitiba um aspecto de cidade considerável, de um meio
social já em desenvolvimento (...) (VÍTOR, 1996, p.121).”
23
Tentando resumir a situação em que se encontrava a cidade, Emiliano Perneta
desferia: “os pobres e os sapos vão indo cada vez para mais longe” (VÍTOR, 1996, p.91).
Curitiba perdia seu aspecto campestre e de aldeia, desapareciam os chalets de madeira, as
casinhas encardidas, feitas de telha de tábua e de “aspecto miserando”. Dava a impressão
que não a Rua Quinze, mas a cidade inteira se reconstruía pra melhor, afirmava Nestor
Vítor, em passagem pela cidade. Entretanto, logo somos informados que ainda persistiam
in loco as águas do pernicioso lençol que outrora era visível nas partes mais baixas da
cidade. (...) em vez de haverem dissecado o solo por meio de bem orientada rede de bueiros
e drenos, os poderes municipais limitaram-se a aterrar as praças e ruas de modo a dar
apenas uma agradável ilusão a vista.” (VÍTOR, 1996, p.91)
A estas afirmações de Nestor Vítor, rebateu da seguinte maneira Emiliano Perneta:
Os poderes municipais! (...), mas é justamente o que falta a Curitiba: é a ação benéfica
desses poderes, meu caro. Se fossemos contar com ela, nem água, nem esgoto teríamos.
Esses melhoramentos foram realizados, não muito, mas por iniciativa e responsabilidade
do Governo Estadual. Pode-se dizer que esta cidade ainda patina na lama como uma
paralítica, - quase sem calçamento e tendo apenas para seu serviço de trânsito esses
péssimos bondes ainda puxados a burro, e que aí passam de 30 em 30 minutos nos pontos
mais freqüentados da cidade e nas horas de maior movimento. Acredite, no dia em que
puderem andar os carros e automóveis nas ruas sem grande incômodo para os
passageiros, o movimento de Curitiba intensificar-se-á rapidamente, porque aqui não falta
dinheiro nem disposição para o bem-estar. E quando tivermos a tração elétrica, de modo a
23
“A Terra do futuro Impressões do Paraná”, obra escrita em 1912 por Nestor Vítor, que reproduziu no livro
os diálogos que manteve ao reencontrar seus amigos e conhecidos e teceu um panorama do estado do Paraná e
da capital. Interessam-nos aqui as considerações acerca de Curitiba: os aspectos urbanos, os imigrantes, os
artigos produzidos, as indústrias, as instituições existentes. Nestor Vítor nasceu em Paranaguá e residiu em
Curitiba, mas à época da escrita desse livro residia no Rio de Janeiro e fez passagem por Curitiba.
27
comunicarmo-nos fácil, rápida e amiudadamente com os nossos arredores, a cidade salta,
por assim dizer, de um dia pra outro, no seu engrandecimento. (...) só com a esperança de
termos agora dentro em pouco os bondes elétricos, 10 (sic) os terrenos suburbanos estão
subindo extraordinariamente de preço (...) (VÍTOR, 1996, p.91-2)
Desmontando a impressão inicial, de uma cidade mais leve, moderna e elegante,
que parecia reconstruir-se inteira para melhor, inclusive com a modificação dos hábitos, os
quais ficavam dia a dia mais cosmopolitas (vide as “damas indo sozinhas às compras”, ou “o
modo mais comedido de as pessoas se cumprimentarem!”), o cronista desenha outra
imagem de Curitiba, aquela onde “tudo está por fazer”. Ares urbanos podiam ser
notados, mas Curitiba também era uma cidade
(...) sem calçamento, sem meio de locomoção, com instalação de luz e telefone em feios
postes há largos anos provisórios, absolutamente sem higiene, sem polícia municipal, sem um
plano sequer rudimentar de construção, sem um cadastro predial, sem um alinhamento pré-
estabelecido, sem nivelamento estudado de modo geral, sem arborização nem jardins, sem
passeios convenientes nem plano executado que os exija (VÍTOR, 1996, p.93-4).
As instituições de assistência sustentavam-se aqui por iniciativa particular. Havia
(...) diversos institutos cuja existência supre tanto quanto lhes é possível a deficiência do
aparelho oficial para o socorro dos necessitados. Assim, temos o Hospício de Nossa Senhora
da Luz (que recebe, é certo, um subsidio do Estado), a instituição Protetora da Infância, o
Orfanato do Cajuru, a Assistência aos Necessitados, criada e mantinha pela Federação
Espírita do Paraná. A mesma Federação já vai construir um albergue noturno.” (VÍTOR, 1996,
p.126)
No início do período republicano o número de escolas existentes no Paraná era o
proveniente da Província, ou seja, contava com 199 estabelecimentos de ensino primário,
dos quais 180 eram públicos e 19 particulares. O Estado continuou criando escolas públicas
ou subvencionadas nos centros urbanos e nos novos povoados estabelecidos em regiões
antes não ocupadas(OLIVEIRA, 2001).
Por volta de 1903, começaram a funcionar, em Curitiba, os primeiros meios-grupos escolares,
resultado da reunião de escolas sem qualquer vinculação de ensino entre elas. Nesse ano
também foi iniciada a construção do primeiro grupo escolar completo, que se chamaria Grupo
Escolar Xavier da Silva, onde funcionariam seis escolas. Essa novidade, em termos de
organização escolar tinha por modelo a organização dos grupos escolares de são Paulo e do
Pará que bons resultados apresentavam em relação ao ensino. Em 1912, a Lei n.º 1.236
regularizou o funcionamento dos grupos escolares e autorizou a sua criação em outras
cidades do Estado além da Capital. (OLIVEIRA, 2001, p.150)
28
Embora Nestor Vítor aponte que a difusão da Instrução era vista como indispensável
e recebesse quase 17,5% da receita do Estado; Oliveira (2001) esclarece que “no início
do século XX, os entraves para o desenvolvimento do ensino e para a melhor ordenação do
quadro de escolas oficiais foram ocasionados pela falta de recursos financeiros, embora a
destinação de verbas para a educação fosse significativa em relação à receita do Estado”.
(OLIVEIRA, 2001, p.153)
No ano de 1911 eram atendidos nas escolas públicas curitibanas 2.076 alunos, o que
representava “a quinta parte da população em condições de aprender a ler num centro de
50.000 almas, como deve ser mais ou menos a do quadro urbano, aqui” (VÍTOR, 1996,
p.131). Por outro lado, as escolas particulares atendiam 2.944 alunos, número superior ao
atendido pela escola blica. Portanto, adverte o cronista, poderíamos estimar que se
estava instruindo 50 % das crianças em idade conveniente” para isso. Em Curitiba
também havia: “o Ginásio Paranaense, com uma matrícula de mais de 150 alunos; a Escola
Normal, cinco grupos escolares, dois jardins de infância e 33 escolas públicas primárias.
Além disso, temos a Escola de Belas Artes, subvencionada pelo Estado; a de Aprendizes
Artífices, que é de criação federal, mas estabelecida em prédio do Estado, e um dos
institutos comerciais que este mantém.” (VÍTOR, 1996, p.131. sem grifos no original)
De acordo com os dados oficiais da década de 1910, citados por Nestor Vítor,
existiam no Paraná “314 escolas primárias regidas por professores normalistas e efetivos;
150 professores particulares subvencionados; 200 por professores não subvencionados” (
VÍTOR, 1996, p. 130). Formavam um total de 664 escolas, que atendia no ano de 1911,
23.000 alunos, o que representava “a quinta parte da sua população em idade de aprender
a ler”, que deveria ser cerca de 120.00 crianças.
24
Os grupos escolares, iniciados em 1903,
perfaziam um total de 20 edifícios públicos, mas estavam computados no número de
escolas públicas primárias comuns.
Apesar dos problemas a instrução pública recebera acréscimos ao longo das duas
primeiras décadas republicanas, pois de pouco menos de 200 estabelecimentos em 1889,
contaria com quase 700 em 1911.
24
E prossegue o autor: “não é muito, mas é relativamente lisonjeiro, quando a matrícula total da população
escolar do Brasil não chega a 650.000, havendo nada menos que de 4.000.000 delas em idade de receber ensino,
como diz Victor Vianna. Isso significa que o Brasil apenas fornece escolas para pouco mais da oitava parte
dessas crianças necessitadas de instrução. (...)” (VÍTOR, 1996, p.130-131)
29
A capital paranaense contava então com inúmeras indústrias e fábricas. Algumas
delas derivadas diretamente da “indústria do mate”
25
como a tanoaria e a barricaria. Além
disso, haviam melhorado “consideravelmente as condições da indústria da madeira”,
produto em boa parte destinado à exportação, atividade dificultada principalmente pela falta
de meios prontos e cômodos de transporte”. Derivada da “indústria da madeira”, a cidade
dispunha de “florescente e cada vez mais aperfeiçoada” marcenaria e indústria de móveis.
Havia também a indústria de fósforos e a de fabricação de pianos, esta última possibilitada
por duas vantagens que apresentava a terra paranaense: “excelentes madeiras e boa
fundição” (VÍTOR, 1996, p.111).
A indústria da fundição era apontada por Nestor Vítor como “uma indústria
indispensável como indústria preparatória, que aparelha todas as outras indústrias
fabris” ( VÍTOR, 1996, p.112). As oficinas aqui existentes se achavam “habilitadas a
fabricar todos os artigos de fundição e serralheria em aço e bronze de que se precise para a
montagem de engenhos de mate, serrarias, moinhos, etc” ( VÍTOR, 1996, p.112). Curitiba
também contava com muitos moinhos, especialmente nos arredores da cidade; com
fabricação de cerveja; presunto; palhões (“para invólucro e proteção de garrafas”) e com a
indústria “ainda nascente de águas minerais”. Dispunha de mais de 30 olarias e duas
fábricas de ladrilhos e mosaicos. Dentre os artigos para exportação também estava o couro,
embora “numa importância não muito considerável”. Ainda assim a indústria do couro
mobilizava duas outras: a do curtume, que contava com 10 estabelecimentos na cidade, e a
da selaria, que contava com 15 estabelecimentos na cidade ou nas proximidades. Além do
que já mencionamos, havia em Curitiba
25
OLIVEIRA esclarece que ao longo do século XIX, a indústria ervateira paranaense passou por três fases
distintas: “a primeira fase correspondeu à precariedade e à rusticidade dos pilões de soque manuais com o
emprego de índios e negros como força de trabalho escrava. Seria a economia limitada da congonha [antiga
denominação para erva-mate] elaborada em Curitiba e na Lapa. A segunda fase se iniciaria com a vinda de
conhecedores das técnicas e da comercialização do mate originários dos países da bacia do Prata hispano-
americanos. Essa fase começaria a partir da década de 1820 e significaria uma grande expansão comercial com o
acesso aos mercados platinos e chilenos de longo curso. Acontece também o boom da construção de engenhos em
Paranaguá, Antonina e Morretes até o estabelecimento no planalto. A energia motriz utilizada é a energia
hidráulica, o que induz a uma reformulação do ritmo do processo de trabalho nas operações de beneficiamento
da erva cancheada. (...) A terceira fase é a de maior uso das máquinas a vapor. uma maior racionalização no
processo de beneficiamento, mais integração nas operações, que possuem um nítido caráter fabril e industrial.
A etapa da embalagem sofre modificações com a substituição dos rudes surrões por barris de madeira que eram
também integrados em processos automáticos de acondicionamento e colocação de tampas como o marcador
mecânico. (...) na terceira fase há inclusive a formação de indústrias auxiliares como a madeireira, a metalúrgica
e a litográfica. O número de operários empregados nos engenhos da terceira fase ou nas fábricas de
beneficiamento cresce ao lado da grande ampliação da produtividade e produção”. (OLIVEIRA, 2001, pp.79 e
82) (grifos meus)
30
(...) uma fábrica de tecidos; uma fábrica de chitas; uma fábrica de meias, camisas e gravatas;
uma fábrica de fitas; uma fábrica de cascos de chapéus; quatro fábricas de caixas de
papelão; quatro fábricas de espartilhos; uma fábrica de manequins; uma fábrica de objetos de
alumínio; duas fábricas de quadros; uma fábrica de tinta para escrever; duas casas de
galvanizadores; duas fábricas de chocolate; três fábricas de caramelos; duas fábricas de
sabão e velas; uma fábrica de fumos; sete fábricas de cigarros; uma fábrica de vinho
espumante; uma fábrica de vinagre; uma fábrica de bebidas sem álcool, cinco fábricas de
carros, etc., etc. (VÍTOR, 1996, p.117-118)
Por outro lado, faltavam à cidade: uma fábrica de pão, “pelo sistema moderno”,
lavanderias, leiterias, boas casas de banhos “(as que existem não oferecem condições
desejáveis), garages, autobus e bondes-automóveis, empresa de reclamos, armazéns de
bagagens, “empresas de transportes bem apropriadas para mudanças” ( VÍTOR, 1996,
p.118).
Mas se Curitiba se modernizava como entender o trabalho neste contexto?
1.2 O trabalho e a criação das Escolas de Aprendizes Artífices
Na transição do século XIX para o XX um novo conceito de trabalho estava em
construção na sociedade brasileira e curitibana. Urgia dar ao trabalho lugar e qualidades
que não lhe eram atribuídas quando da existência da escravidão.
A necessidade de positivar o trabalho em si adentrou os espaços escolares e, em
âmbito nacional, tomou assento em currículos e programas de ensino, especialmente na
área de história. O trabalho e os trabalhadores delineavam-se como os grandes produtores
da riqueza nacional, ícones de uma promessa de futuro grandioso. Corolário dessa
assertiva foi a urgência em articular a formação do povo brasileiro em prol de criação de
mão-de-obra para a indústria e a fim de mitigar as disputas e conflitos sociais.
Outra faceta da sociedade do trabalho foi a sua constituição como sociedade
disciplinar, onde a vigilância sobre as camadas inferiores era permanente e a moralização
medida pela dedicação e abnegação ao trabalho.
26
Em contrapartida, a noção de trabalho implicava a elaboração do conceito de
vadiagem; a ociosidade e o não-trabalho foram associados à criminalidade. Aproximavam-
26
Para o caso curitibano confira KARVAT, 1998.
31
se, portanto, menores delinqüentes, vadios e mendigos
27
e propunha-se o internamento em
um regime de reeducação para adquirir o hábito de trabalho, especialmente o agrícola.
28
Os
discursos sobre vadios e mendigos permitem entrever um aspecto da própria construção da
sociedade liberal no Brasil: respeito, ordem, progresso, civilização e o labor eram
noções/normas fundamentais à sociedade( KARVAT, 1998).
Nesta elaboração de um novo entendimento de trabalho os imigrantes tiveram papel
de relevo. Em Curitiba, número representativo deles aportava e a população crescia
consideravelmente entre os anos 1890 e 1920. Em 1890 contabilizava-se 24.553 habitantes
e em 1920 este número saltava para 78.986.
29
A capital recebera sucessivas levas de imigrantes de diferentes etnias. Muitos deles
instalaram-se nos arredores da cidade para trabalharem: ora substituindo o trabalho escravo
e empregando-se, por exemplo, na fértil indústria do mate”
30
, ora fundando suas próprias
colônias, produzindo e comercializando artigos alimentícios na cidade e arredores. Na
lavoura, cada etnia cultivava produtos diferentes, como: frutas, videiras, cevada,
trigo.Ocupavam-se também nas fábricas e as moças empregavam-se em serviços
domésticos em casas de famílias na cidade, conforme afirmava Nestor Vítor em 1912.
A imigração européia no Paraná experimentara fases distintas. A primeira delas
caracterizou-se pela vinda de imigrantes alemães, entre os anos de 1820-1850, que
ocuparam as regiões florestais entre o litoral, povoado por vicentistas e açorianos, e o
planalto, corredor do tropeirismo e da pecuária, bastante ocupado pela atividade pastoril e
pelo caminho das tropas entre o sul e Sorocaba. Um outro modelo era o da implantação de
colônias em regiões desabitadas, como foi o caso da Colônia Teresa, em 1847; a do
Superagüi em 1852, a do Assungüi em 1860 e a da Colônia Cecília em 1889/1890. Uma
27
Um estudo sob vários ângulos da vida dos moleques, mendigos e vadios da cidade de Salvador no século XIX
foi realizado por Walter Fraga Filho no livro “Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia do século XIX”, e fornece
elementos para pensarmos a temática da infância na sociedade brasileira e o tratamento que lhe era destinado
naquele período.
28
Interessante pensar porque o regime de internamento propunha a reeducação pelo trabalho agrícola em um
momento em que a sociedade industrializava-se. Certamente guarda relações com a necessidade de tirá-los de
circulação da esfera urbana. Olavo Bilac, em suas poesias publicadas nesse período também faz a
defesa/representação do trabalho como a faina agrícola dotada de caráter reabilitador. Vejamos o que nos diz
Candido Motta no ano de 1909: “além de ser mais higiênico, porque é ao ar livre, e desenvolver pelo exercício
as forças físicas, é o que mais absorve, sem fustigar, a atenção do menor. Enquanto cultiva a terra, enquanto
contempla a natureza que o cerca e encanta, o seu espírito paira mui longe das idéias do mal, para concentrar-se
naquelas outras, que elevam e nobilitam o homem.” Candido Motta, Os menores delinqüentes e o seu tratamento
no Estado de São Paulo. Diário Oficial, São Paulo, 1909 p. 31 apud. SANTOS, 1999, p.225).
29
Dados retirados de KARVAT, 1998, p. 122 e 160.
30
Os principais produtos de exportação paranaense no início do século XIX eram: 1º, o mate; 2º, a madeira; 3º,
os fósforos. Depois o café, os animais suínos, as bananas, as carnes salgadas, o gado bovino, animais cavalares e
muares, couros, etc. (VÍTOR, 1996, p.100, citando o “último relatório da Secretaria de Finanças”)
32
terceira fase, concretizada como a experiência mais promissora e fecunda, foi representada
pela formação de colônias ao redor de Curitiba, muito próxima à área urbana da cidade.
31
A essas fases podemos associar alguns elementos como: necessidade de ocupação
das vastas áreas ainda desabitadas da Província, levando o próprio governo a disponibilizar
subsídios financeiros como estímulo ao povoamento da região; a substituição do trabalho
escravo nos engenhos do mate; e a teoria de regeneração da população a partir do seu
branqueamento, embora o Paraná já contasse com efetiva quantidade de imigrantes.
32
A corrente imigratória avolumou-se no ano de 1911, quando “(...) entraram neste
Estado 9.788 imigrantes, sendo: polaco-russos, 8.071; polacos-austríacos, 1502; alemães,
88; espanhóis, 18; outras nacionalidades, 40.” (VÍTOR, 196, p.173). Nesse mesmo ano o
Brasil recebera 135.967 imigrante, 47.403 a mais do que em 1910 e 50.556 do que em 1909.
Ao Paraná veio, mais ou menos, a quinta parte dos recém-chegados. (VÍTOR, 1996)
A produção e comercialização do mate representavam “um intercâmbio entre
economias pré-industriais” (OLIVEIRA, 2001, p.89), propulsoras e condutoras da
industrialização paranaense em fins do Oitocentos. As modificações perpetradas pela
indústria do mate no estado e na capital são bastantes e podem ser notadas em diferentes
esferas: foram umas das responsáveis pela emancipação política do Paraná de São Paulo,
estruturaram o sistema de transporte do Paraná como a estrada da Graciosa e depois a
estrada de ferro entre Paranaguá e Curitiba, estimularam o setor metalúrgico e outros ramos
industriais auxiliares, instauraram a modernização dos portos paranaenses e incentivaram a
abertura de consulados estrangeiros no Paraná, atraindo negócios e imigrantes.
Se a economia do mate no Paraná estabeleceu as condições para a vinda de imigrantes
europeus e um regime fundiário centrado na pequena e média propriedade rural e na
pequena produção mercantil, o mate igualmente se beneficia do trabalho imigrante e ajudaria
no estabelecimento e na assimilação destes, ao fornecer mais uma fonte de renda e de
trabalho. (OLIVEIRA, 2001, p.93)
Embora fossem vistos como exóticos, estranhos, disseminadores de idéias
subversivas e responsabilizados pelo aumento da desordem; os imigrantes marcaram a
transição do trabalho escravo
33
para o livre.
31
Confira OLIVEIRA, 2001, p.123 e seguintes.
32
A respeito das fases da imigração e suas “justificativas” confira OLIVEIRA, 2001.
33
Apesar de a sociedade paranaense não ter sido uma economia escravista modelo, conforme Karvat (1998)
chama atenção, o fato de o Brasil ter vivenciado longa experiência de trabalho escravo deixava reflexos também
narelação que a sociedade curitibana estabelecia com o trabalho.
33
As modificações operadas nas relações de trabalho implicam em mudanças nas
representações construídas pelos grupos dominantes sobre o próprio trabalho enquanto
atividade produtiva e sobre o novo elemento que surgia na vida social, o trabalhador livre. Era
necessário nobilitar o trabalho, livrá-lo do preconceito, do estigma de indignidade herdado da
escravidão, reconvertendo-o no seu outro, no seu oposto, no culto ao trabalho, na ilusão da
liberdade. Somente a mítica do trabalho ao conferir-lhe um novo significado de afirmação
social, ao torná-lo portador da nova esperança de igualdade, no instrumento pelo qual se
“igualam” todos os cidadãos - poderá legitimar as novas formas de exploração e
dominação sociais instaladas. (MORAES, 2003, p.161)
Qualificar o trabalho e formar o futuro trabalhador tornavam imprescindível desenhar
espaços em que se pudesse ofertar uma educação profissional compatível com os anseios
de formação de Pátria, pautada na civilização, na ordem e no progresso. Dessa maneira, ao
longo das primeiras décadas do século XX, algumas questões adquirem relevo dentro das
diversas instituições voltadas para a formação profissional, quer fossem fruto de iniciativas
de particulares ou mantidas pelo Estado: a nacionalidade brasileira; a integração do
imigrante; a incorporação do trabalhador nacional; a difusão da instrução popular para
adultos e para menores; a premência do combate ao analfabetismo; o intuito de se
desenvolver nos alunos os sentimentos patrióticos e os programas escolares repletos de
intenções moralizantes, marcados pela constante tentativa de familiarizar e facilitar o
desempenho do trabalhador em sua atividade produtiva.
34
Na esteira dos discursos acerca da necessidade de se direcionar/ocupar as crianças,
especialmente as abandonadas, pobres e/ou filhas de trabalhadores, tomaram corpo as
iniciativas que atrelavam a instrução elementar ao inculcamento do hábito, disciplina e
formação para o trabalho. Embora a presença de crianças em ocupações de adultos e na
condição de aprendizes remonte aos séculos anteriores, o histórico de se enviar crianças
para instituições que as preparariam para uma certa profissão inicia-se no século XIX.
Na transição para o trabalho livre as iniciativas no campo do ensino de ofícios
manufatureiros generalizaram algumas idéias em torno da premência de destinar tal ensino
aos meninos encontrados na pobreza:
(...) a) imprimir neles a motivação para o trabalho; b) evitar o desenvolvimento de idéias
contrárias à ordem política, que estava sendo contestada na Europa; c) propiciar a instalação
de fábricas que se beneficiariam da existência de uma oferta de força de trabalho
qualificada, motivada e ordeira; e d) favorecer os próprios trabalhadores que passariam a
receber salários mais elevados”. (CUNHA, 2000, p.4)
34
Carmen Sylvia Vidigal Moraes, em seu livro A Socialização da Forca de Trabalho: instrução popular e
qualificação profissional no estado de São Paulo (1873-1934)” retrata a trajetória de diferentes instituições
voltadas à formação profissional em São Paulo e aponta a presença dessas questões.
34
Os artigos 399 e 400 do Código Penal da República previam o crime de “vadiagem”,
no qual muitas vezes acondicionava-se a criminalidade infantil. Afinal, os menores,
transitavam entre atividades citas e ilícitas, de acordo com as oportunidades que se
apresentavam: ora empregando-se em pequenos trabalhos, ora entregando-se à “vadiagem
ou aos pequenos furtos (SANTOS, 1999).
Assim como o menor em São Paulo era iniciado precocemente nas atividades produtivas que
o mercado proporcionava, tais como fábricas e oficinas, também o era nas atividades ilegais,
numa clara tentativa de sobrevivência numa cidade que hostilizava as classes populares.
Desta maneira o roubo, o furto, a prostituição e a mendicância tornaram-se instrumentos pelos
quais estes menores proviam a própria sobrevivência e a de suas famílias. (SANTOS, 1999,
p.218)
Diagnosticado o problema que ameaçava a ordem pública ensaiavam-se soluções -
as quais iriam pairar o só sobre a escola como sobre a fábrica. Portanto, a correção para
a vadiagem e criminalidade infantil passava pela pedagogia do trabalho. As reivindicações
de juristas e autoridades em prol da criação de instituições de recolhimento para a
recuperação e correção de crianças e menores aliaram-se à idéia de estabelecer a
ocupação, o trabalho como forma de punição (SANTOS, 2000).
O Código Penal da República, bem similar ao antigo, não considerava criminosos os “menores
de nove anos completos e os “maiores de nove anos e menores de 14, que obrarem sem
discernimento”. A principal mudança residia na forma de punição daqueles que, tendo entre
nove e 14 anos, tivessem agido conscientemente, ou seja, obravam com discernimento”:
deveriam ser recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que ao Juiz
parecer”, não devendo permanecer depois dos 17 anos. A recuperação desses menores,
portanto daria-se não mais pelo simples encerramento numa instituição de correção, mas
sim pela disciplina de uma instituição de caráter industrial, deixando transparecer a
pedagogia do trabalho coato como principal recurso a regeneração daqueles que não se
enquadravam no regime produtivo vigente.” (SANTOS, 1999, p.216)
A nascente república brasileira foi marcada pela transição de um longo histórico de
relações de trabalho escravistas para um período onde urgia preparar a futura mão-de-obra
assalariada que atuaria na produção artesanal e fabril. Para tanto defendiam-se ideais de
escolarização e atividade profissional para a infância pobre como centrais ao futuro da
nação, da nova ordem e do progresso que se delineavam. A formação profissional
destinada aos menores continha em si dois movimentos distintos: o trabalho como punição
(que também envolvia a idéia de formação), reservado aos delinqüentes ou que incorriam
no crime da vadiagem e a formação/preparação para o trabalho, à maneira das Escolas de
Aprendizes Artífices.
35
Os infantes pobres ou órfãos deveriam ser transformados em infância trabalhadora.
Mas como operar essa mudança?
Ao longo do período Imperial o ensino de ofícios foi dotado de caráter compulsório
35
,
pois era premente preparar força de trabalho entre os pobres e amparar órfãos e
desvalidos. As casas de educandos artífices criadas nesse período incorporavam o modelo
de aprendizagem de ofícios em voga nas instituições militares.
Herdeira do ensino de ofícios concebido no período Imperial a República inaugurou
uma nova fase na estrutura da formação de mão-de-obra no Brasil. A idéia de
industrialização como mote para o desenvolvimento do país e alternativa para que
abandonasse o ainda forte modelo agro-exportador herdado do império e pudesse constituir-
se sobre bases econômicas centradas na produção industrial, foi uma das principais
mudanças instauradas com a nova fase política que se iniciava ( SANTOS, 2000).
Os anos anteriores à criação das escolas de aprendizes artífices foram marcados por
algumas iniciativas no campo do ensino profissional como a Proposição da Câmara dos
Deputados que habilitava o poder público a iniciar as escolas profissionais de âmbito
federal. Embora não autorizasse o Presidente da República a instalar escolas, permitia o
entendimento com os governos dos Estados para que fossem instaladas.
36
Houve ainda
manifestações em prol do ensino profissional por parte do Presidente Afonso Pena e a
iniciativa do Engenheiro José Joaquim da Silva Freire que criara, na Estrada de Ferro
Central do Brasil, a Escola Prática de Aprendizes das Oficinas de Engenho de Dentro. Em
1906 fora criado o Ministério dos negócios da Agricultura, Indústria e Comércio o qual
incluía os assuntos relativos ao ensino profissional.
Assim, aparecia, em vários setores da vida nacional, partindo de diferentes direções, uma
aspiração comum, um desejo coletivo, uma vontade generalizada convergindo para um
mesmo ideal de estabelecer, em nosso País, o ensino que permitisse um melhor
desenvolvimento da indústria. (...) Os fatores econômicos também exerciam pressão no
sentido de ser melhorada a mão-de-obra dos estabelecimentos fabris. (FONSECA, 1986,
p.173).
35
Durante o Setecentos uma série de indústrias de vários ramos foram fechadas por sucessivas Ordens Régias. Com a vinda
da Família Real para o Brasil em 1808, retoma-se a abertura de fábricas e inicia-se um novo período no que se refere à
aprendizagem profissional. O fechamento das indústrias aliado ao preconceito contra alguns ofícios resultou em escassez de
mão-de-obra. Operou-se então a aprendizagem compulsória de ofícios. Ensinavam-se ofícios “as crianças e aos jovens, que
na sociedade não tivessem outra opção, como era o caso dos órfãos e desvalidos, que eram encaminhados pelos juízes e pela
Santa Casa de Misericórdia aos arsenais militares e da Marinha (...) (SANTOS, 2000, p.207).”
36
A intromissão do poder federal no ensino elementar dos Estados e o profissional estava situado naquele
grau – era considerado inconstitucional e os legisladores não poderiam indicar outra solução senão aquela do
entendimento com as administrações estaduais” (FONSECA, 1986p.169)
36
Dado o crescente número de trabalhadores empregados nas indústrias e a expansão
e inovações das mesmas, soavam emergenciais as iniciativas governamentais nesse campo.
Afinal,
Por ocasião da Proclamação da República existiam, em todo o País, 636 estabelecimentos
industriais. Daquela data até 1909 fundaram-se 3362 outros. Em vinte anos o crescimento
havia sido extraordinário. A Nação parecia despertar. A quantidade de operários empregados
naquelas indústrias também crescera bastante. Em 1889, eram 24369 homens e, em 1909, já
o número subira a 34.362. Mas a indústria não aumentara apenas em quantidade; suas
necessidades eram, agora muito mais complexas; as tarefas a executar estavam a exigir
homens com conhecimentos especializados, capazes de realizar seus serviços usando
técnicas próprias. O desenvolvimento da indústria indicava a necessidade do ensino
profissional. Urgia, ao Governo, tomar providências. (FONSECA, 1986, p.173-4)
Para assegurar o desenvolvimento da industrialização e, conseqüentemente, o
desenvolvimento econômico, cabiam ações no campo da aprendizagem e formação
profissional. Como parte dos debates, em dezembro de 1906 ocorria no Rio de Janeiro o
Congresso de Instrução e dele resultou um anteprojeto de lei que pretendia atribuir à
União, juntamente com os Estados da Federação, a promoção do ensino prático, industrial,
agrícola e comercial nos estados e na capital da República. Esquecido por três anos, tal
projeto acabou resultando no decreto presidencial de Nilo Peçanha para criação das
Escolas de Aprendizes Artífices em 1909, cujas propostas, embora em menor amplitude,
convergiam em muitos pontos com as proposições de 1906 (CUNHA, 2000) .
O presidente Nilo Peçanha decretou a criação das Escolas de Aprendizes Artífices
(EAA)
37
nas capitais de cada estado. Entretanto o estado do Rio Grande do Sul e o Distrito
Federal, por disporem, respectivamente, do Instituto Técnico Profissional da Escola de
Engenharia de Porto Alegre e do Instituto Profissional Masculino não receberam as EAA.
“(...) dessa maneira, dezenove dos vinte estados ganharam, cada um, uma escola de
aprendizes artífices, qualquer que fosse sua população, sua taxa de urbanização e a
importância da atividade manufatureira na sua economia (CUNHA, 2000, p.67)”.
Diversos elementos revelam a inadequação do sistema de escolas de aprendizes
artífices ao processo de industrialização em cena no país. Embora a localização em razão
da produção despontasse como critério mais pertinente, parece não ter havido clareza na
escolha dos locais para o estabelecimento das EAA. Critérios pouco explícitos, ligados ao
caráter político-representativo em vigor no Senado também participaram dessa escolha.
Assim,
37
Para simplificar a escrita e a leitura do texto adotarei a sigla EAA, para referir-me as Escolas de Aprendizes
Artífices de modo geral.
37
Mais do que supridoras de força de trabalho para a industrialização, as escolas de
aprendizes artífices constituíram um meio de troca política entre as oligarquias que
controlavam o Governo Federal e as oligarquias no poder nos diversos estados. Os gastos
federais na forma de salários e de compras no comércio local representavam importante
aporte econômico, assim como os empregos indicados pelas elites locais instrutores,
secretário e, principalmente, diretor. (CUNHA, 2000, p72.)
A estas afirmações de “inadequação” na instalação das Escolas de Aprendizes
Artífices pode-se confrontar o panorama nacional do período no que se refere à
industrialização. O desenvolvimento econômico e as formas de trabalho eram
absolutamente irregulares no Brasil da época. Com exceção de cidades como São Paulo e
Rio de Janeiro que experimentavam maior urbanização, instalação crescente de indústrias e
suprimento de matéria-prima, aos demais centros urbanos e/ou capitais faltavam indústrias
e abastecimento de produtos. E, “mesmo São Paulo, que era o centro em que se dava a
maior expansão industrial, tinha uma economia industrial que consistia principalmente de
grandes fábricas têxteis e muitas oficinas pequenas”. (WEINSTEIN, 2000, p.34)
A criação das escolas de aprendizes artífices figurou como a mais importante das
iniciativas republicanas no campo da educação profissional. Na implantação das EAA, duas
versões da ideologia burguesa influenciaram o pensamento e a ão de Nilo Peçanha. Uma
das versões foi o industrialismo, que atribuía à indústria a possibilidade de assegurar ao
país: engrandecimento, progresso, independência política, emancipação econômica,
civilização, fomento à produção interna e defesa do trabalho nacional”. Apregoavam
também que o Estado deveria instaurar o ensino obrigatório, pois paralelamente ao esperado
efeito moralizador das classes pobres, o ensino profissional era visto como possuidor de
outras virtudes corretivas. A outra versão foi a maçonaria, que atribuía a educação popular a
possibilidade de subtrair as massas da influência da Igreja Católica. Embora a maçonaria
não dispensasse interesse pelo ensino profissional, Nilo Peçanha, que pertencia à
corporação, atribui-lhe especial destaque(CUNHA, 2000).
Mas, a reboque das tendências industrialistas, as escolas de aprendizes artífices
foram instaladas nas capitais, cidades cujo desenvolvimento industrial nem sempre era o
mais representativo dentro de cada um dos estado. Em função disso as EAA “procuraram
ajustar-se ao mercado ensinando ofícios artesanais, para os quais havia mestres no local e
oportunidades de trabalho para os egressos.” A fim de atenuar o dimensionamento do
sistema e a localização das escolas de aprendizes, inadequados “aos propósitos de
incentivar a industrialização pela formação profissional sistemática da força de trabalho, a
38
escolha dos ofícios a serem ensinados revelou um esforço no ajustamento aos mercados
locais de trabalho, mais artesanais do que propriamente manufatureiros (...) (CUNHA, 2000,
p.71-2)”.
Na década de 1920 o industrial Roberto Simonsen divulgava em São Paulo os
objetivos da administração científica e da organização racional do trabalho: atrelava controle
social dos trabalhadores, ideais do taylorismo e fordismo na busca de métodos para
maximizar o tempo e força de trabalho dos funcionários. Para Simonsen, cujas posições
eram bastante respeitadas e seguidas pelo outros industriais, “a indústria organizada
racionalmente e a administração científica eram um perfeito remédio para os males
econômicos e sociais do Brasil”. (WEINSTEIN, 2000, p.40)
Longe de servir apenas aos interesses restritos de um punhado de proprietários de fábricas, a
indústria, no discurso de Simonsen, era essencial para que a nação prosperasse e se
tornasse realmente independente. Ele começou sua apologia da indústria afirmando que “em
toda parte as indústrias são consideradas padrão de adiantamento de um povo.” Salientando
o papel da indústria em fomentar novas idéias e criar novas elites, ele passou a exaltar o
papel da máquina na sociedade. “A máquina, aumentando sua produtividade, afasta o
operário do trabalho manual e embrutecedor, aguça-lhe a inteligência, permite a elevação do
nível dos salários, a redução das horas de trabalho, favorece as possibilidades de instrução
proletária, melhora enfim a sorte da humanidade. (WEINSTEIN, 2000, p.38)
Entretanto, o perfil industrial brasileiro compunha-se qual colcha de retalhos. Se
“aqui e ali havia indícios do uso de métodos científicos ou pelo menos de mudanças parciais
na organização industrial (...) em contrapartida, havia milhares de oficinas e pequenas
fábricas funcionando como virtuais aglomerados de oficinas.” (WEINSTEIN, 2000, p.45)
Quanto aos propósitos de criação das EAA, o próprio texto do Decreto 7.566/1909,
que as originaria, fornece-nos elementos:
Considerando: que o aumento da população das cidades exige que se facilite às classes
proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência; que
para isso se torna necessário, o habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o
indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho
profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime, que é dos primeiros
deveres do Governo da República formar cidadão úteis à Nação; Decreta, . (DECRETO
7.566/1909 apud FONSECA, 1986, p.177)
Portanto, a iniciativa inaugural do governo federal em matéria de educação
profissional nasce marcada pelo estigma de atender preferencialmente os desfavorecidos
da fortuna”, característica inerente a uma sociedade que se debatia entre preconceitos
39
arraigados contra o trabalho manual e ansiava instaurar em seus cidadãos “hábitos de
trabalho profícuos”, capazes de construir a nação.
À frente da necessidade de implantar o ensino profissional encontramos a
preocupação com a moralização e instauração de hábitos de trabalho junto às classes
proletárias, denotando as transformações sociais que acometiam o espaço urbano
proporcionadas pelo contingente de recém-libertos transitando nas cidades, imigrantes
aportando, migrantes oriundos do campo buscando os pólos industriais.
A remodelação impingida ao entendimento do trabalho e as questões relativas à
implementação das Escolas de Aprendizes Artífices também permeavam o cotidiano da
escola paranaense. Acompanhemos, a seguir, um pouco das vicissitudes da Escola de
Aprendizes Artífices do Paraná.
1.3 A Escola de Aprendizes Artífices do Paraná
O anseio de empreender “reformas morais afim (sic) de elevar o nível da educação
da população curitibana” (MIRANDA ROSA JR, In: “A REPÚBLICA”, 2 de fevereiro de 1907)
estava contemplado quando se discutia a fundação de uma Sociedade que cuidasse “do
embelezamento e desenvolvimento de Curitiba”. Tal projeto incorporava vários temas: a
educação da infância, a remodelação dos costumes dos pobres, campanhas no lar e na
escola incutindo valores que pudessem preparar uma “sadia civilização” e suprimir hábitos
perniciosos:
(...) segundo se projeta, por meio de conferências e outros meios, se iniciará enérgica
campanha contra os costumes condenáveis, existentes principalmente nas classes humildes.
Aconselhar medidas de higiene nos lares e nas ruas; combater hábitos perniciosos à saúde e
à moral; proteger as nossas praças ajardinadas, as arborizações e as obras públicas contra
os constantes vandalismos de que elas são vítimas; etc, (...). Pensamos, porém, que todos
os esforços, para serem coroados de êxito, devem tender ao completo reerguimento da
educação ministrada a infância.
Quem percorre esta capital recebe funda impressão de tristeza ao verificar os estragos que
em toda a parte produzem os garotos que em lugar de freqüentar a escola, perambulam pelas
ruas, ou ao presenciar o espetáculo deprimente de um pobre velho sem forças e sem defesa
ser vaiado e às vezes apedrejado por bandos de crianças vadias que tudo danificam, sem
consciência, quase sempre, do mal que fazem. (MIRANDA ROSA JR, In: “A REPÚBLICA”, 2
de fevereiro de 1907).
38
38
Optei por atualizar a grafia, para o português corrente, de todos as fontes documentais consultadas para essa
dissertação, bem como a grafia dos textos de livros publicados em português de Portugal.
40
A necessidade de cuidar do ensino profissional também se apresentava em
mensagem presidencial publicada no jornal A República” de 1907. Junto com as
preocupações em torno da instrução pública e as discussões acerca das reformas que se
faziam necessárias, afirmava: “devemos cuidar com especial atenção do ensino profissional
e técnico, tão necessário ao progresso da lavoura, do comércio, indústrias e artes.”
(Mensagem Presidencial, In: “A REPÚBLICA”, 2 de fevereiro de 1907).
Essas discussões acerca da necessidade e papel do ensino profissional ganham
corpo nos anos precedentes à implantação da EAAPR e prenunciavam a urgência de
iniciativas em prol desse ramo de ensino. Idéia veiculada especialmente entre a classe
dominante
39
e projeto destinado às classes mais pobres, que já incorporavam o adjetivo de
proletárias.
A partir da criação da EAAPR, um conjunto bastante particular de expressões irá
permear os discursos produzidos sobre a Escola: pelo Diretor, Paulo Ildefonso
d’Assumpção; nos artigos veiculados em órgãos da imprensa ou ainda pelos demais
encarregados, autoridades e visitantes que faziam incursões pelos seus espaços. A EAAPR,
também nomeada seguidamente de “casa de trabalho” (A REPÚBLICA, 01 de dezembro
de 1920), “poderosos asilos de preparo moral” (RELATÓRIOS, 1914, p.3), “escola do
trabalho” (OFÍCIO do Serviço de Inspeção e Defesa Agrícola, João Candido da Silva Muricy,
7 de setembro de 1911), casa de pequenos operários” (RELATÓRIOS, 1911, p.14),
realizava a salutar educação moral dos menores paranaenses.
No intuito de cumprir as determinações constantes no Decreto de criação das EAA e
alcançar os objetivos de ordenamento e trabalho almejados pela sociedade a Escola de
Aprendizes Artífices do Paraná lança mão de todos e estratégias para
(con)formar/moralizar os menores, filhos das classes despossuídas e de estrangeiros. O
propósito das instituições voltadas ao ensino profissional, além de desenvolver a produção,
era moralizar/higienizar/regenerar a população, conforme tem evidenciado a recente
produção historiográfica nacional.
40
No ano inaugural de funcionamento da EAAPR, o Diretor manteve as matrículas
abertas durante praticamente todo o período letivo, pois os benefícios que a instituição
poderia oferecer “não poderiam de pronto ser bem apreciados pela massa ignorante da
39
Estou entendendo classe dominante na acepção dada por OLIVEIRA (2001): “A classe dominante é uma
formação social heterogênea, mas unificada por um eixo principal no controle das riquezas materiais, simbólicas
e na posse de um conjunto de capitais sociais e políticos que permitem a sua reprodução, assim como o exercício
da dominação e do poder político”. (p.266).
40
Refiro-me as obras de MORAES (2003), CUNHA (2000), WEINSTEIN (2000); SANTOS (2000).
41
população”. No primeiro relatório anual
41
acerca das atividades da Escola, Paulo Ildefonso
d’ Assumpção começa a dar pistas dos alunos que procuravam o estabelecimento: durante
1910 a Escola recebera continuamente “os menores aspirantes ao ensino profissional”.
Paulo Ildefonso d’ Assumpção aspirava dar notoriedade à Escola sob sua direção e
mostrar o prestígio que a mesma desfrutava junto à sociedade. Em 1914 afirmava
“avolumar-se o bom conceito” dos que trabalhavam, “correspondendo aos elevados
intuitos do Governo da União ao instituir no país a educação profissional, formando operários
e criando esses poderosos asilos de preparo moral.” (RELATÓRIOS, 1914, p.3)
Ano a ano as matrículas ampliavam-se e em 1912 a Escola já contava com 302
alunos, número que quintuplicara em relação ao primeiro ano de funcionamento, tornando
necessário o aumento do pessoal da escola. O Diretor demonstrava em seus relatórios a
intensa procura por matrículas e a relação que a Escola estabelecia com as classes
populares. Justificava o grande número de matrículas, dizendo que tal volume não o
surpreendia, em função do lugar já destinado à EAAPR, único estabelecimento do gênero
em uma cidade populosa e de franco desenvolvimento” como era Curitiba. A Escola
despertava interesse e a isso se somavam os resultados obtidos nos primeiros anos de
funcionamento. Tais resultados constituíam “um seguro motivo, para que, principalmente as
classes proletárias procurassem nela a educação espiritual e profissional de seus filhos
(RELATÓRIOS, 1912, p.3).
Continuarei afirmando e V. Excia. poderá ter a prova de se dignar examinar o quadro dos
alunos inscritos nesta escola, que esta instituição continua a ser considerada nas camadas
populares como um dos mais úteis e diretos serviços prestados pelo Governo do País em
prol do proletariado e da educação em geral da infância.(...)
Indubitavelmente nas classes proletárias e no seio da população em geral se manifesta uma
completa confiança nos resultados alcançados pelos métodos de educação e ensino aqui
adotados.
Avoluma-se dia a dia o bom conceito a que com perseverança e dedicação nos esforçamos,
os que aqui trabalham, por conquistar, correspondendo aos elevados intuitos do Governo da
União ao instituir no país a educação profissional, formando operários e criando estes
poderosos asilos de preparo moral. (RELATÓRIOS, 1914, p. 2-3).
Ao oferecer formação primária e para o trabalho a EAAPR pretendia claramente
disciplinar dois grupos específicos, que embora pudessem condensar o adjetivo de
41
Nos relatórios anuais, Paulo Ildefonso d’ Assumpção repassava ao Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio informações acerca do andamento das atividades escolares, organizando-as de acordo com os tema:
Instrução Elementar e Desenho, Oficinas, Exames Escolares, Freqüência, Relação de Alunos com dados sobre a
filiação e a nacionalidade dos pais, Pessoal da Escola, Organização de Exposição e Premião de alunos, e outras
informações de acordo com os acontecimentos relevantes de cada ano.
42
“perigosos”, não deixavam de ser extremamente heterogêneos: os imigrantes e os pobres.
Assim, se a presença de aprendizes estrangeiros no interior do espaço da escola compunha
a terça parte dos alunos matriculados, eles eram oriundos de etnias bastante diversas. O
crescimento populacional conquistado por Curitiba, entre os anos 1890, com 24.453
habitantes, e 1910, com 60.800 (QUELUZ, 2000, p.32) gerado pela chegada de imigrantes,
associado ao forte apelo de forjar uma identidade nacional trazido pela instauração da
República, fortalecia o papel reservado à educação na tarefa de unificar o país. Discurso que
seria reforçado, ao longo da década de 1910 com o desenrolar da Guerra Mundial,
quando a integração das diversas etnias em torno da nacionalidade despontava como
indispensável.
Na esteira dessas crenças Paulo Ildefonso d’Assumpção apresentaria em seus
relatórios suas alusões e preocupações frente aos imigrantes. Paralelamente, afirmava que
a escola soubera atrair indistintamente todos os elementos étnicos e desejava ainda
constituí-la em espaço alternativo às escolas étnicas. Era partidário de um ideário de
unidade nacional e considerava “patriótica” a atitude do Governo de suprimir as escolas
mantidas pelos imigrantes. Acusava-as de segregar as futuras gerações em torno de
tradições trazidas de além mar:
(...) neste estado, cuja laboriosa e ativa população se reparte por origens tão diversas,
formada de elementos étnicos tão distintos e que procuram segregar suas gerações
mantendo escolas próprias e se esforçando pela conservação de suas tradições trazidas de
além mar, sem a intromissão, que seria patriótica, por parte do Governo, para atenuar tal
esforço em bem da comunhão nacional, (...) (RELATÓRIOS, 1914, p. 3)
O discurso de Paulo Ildefonso permite entrever uma imagem corriqueira no Brasil do
início do Novecentos: a necessidade de nacionalizar o elemento estrangeiro, transfigurando-
o no modelo idealizado de trabalhador brasileiro. Nessa tarefa as escolas profissionais
podiam desempenhar a imprescindível tarefa de veicular o sentimento de patriotismo
brasileiro.
A nacionalização do trabalho, a depuração do elemento estrangeiro do mercado de trabalho,
não significa apenas mera substituição do estrangeiro pelo nacional, a nacionalização é um
processo de formação do trabalhador cidadão, que no dizer do inspetor do ensino profissional
deve ser aquele: “cônscio de seus deveres e direitos políticos, cumpridores das suas
obrigações sociais e morais.” Na moldagem do cidadão-operário” o Estado passa a ter controle
“civilizado” sobre o trabalhador. Ao trabalhador estrangeiro de tradições distintas vindas de
longe, de cultura singular seguirá o contingente de “cidadãos” forjados no espírito “uno da
brasilidade”. (RIBEIRO, 1986, p. 125)
43
Elementos sobre a EAAPR, bem como sobre a presença de imigrantes em seus
espaços e no Paraná de modo geral, foram apontados pelo cronista Nestor Vítor em 1912:
Achei a Escola de Aprendizes Artífices organizada muito praticamente, como convém. Seu
diretor é um homem ativo e caprichoso: muito tem conseguido no pouco tempo de vida que
conta aquele instituto. É para desejar que ele se desenvolva e que se multipliquem no Estado
escolas profissionais semelhantes, cuja utilidade não precisa demonstração. (...)
Uma das minhas mais gratas impressões nessas rápidas visitas às escolas de Curitiba, foi a
que tive com o aspecto da população infantil: ela é um espelho ridente que reflete as felizes
condições do cruzamento em via de realização entre os diferentes povos cujos representantes
são atraídos para aquele abençoado solo. É um lindo espetáculo sob tal aspecto
principalmente o da loura multidão que representam os pequenos alunos do jardim da
infância onde estive. A gente de cor entra ali apenas numa proporção de 2 a 3 por 100. E é
interessante verificar pelo livro das matrículas, como fiz, naquele estabelecimento e nas
escolas primárias, a origem daquelas crianças referentes a nacionalidades: brasileiros,
italianos, polacos, alemães, austríacos, espanhóis, turcos, belgas, franceses, suecos,
ingleses, é o que se lê, inquirindo da respectiva paternidade. Apenas os alemães, que
dispõem de escolas próprias, subsidiadas pela colônia, não estão ainda representados
proporcionalmente nas escolas brasileiras. Há pelo contrário muito maior número de
brasileiros nas escolas deles, e estas infelizmente mal ensinam o português, quando ensinam.
Até na Escola de Aprendizes Artífices vamos encontrar uma fraca proporção de gente de cor,
- a de 20-25 por 100, quando muito. Ainda no tempo da escravatura, em Curitiba havia menos
sangue africano do que na marinha. Dos 6.533 habitantes que tinha Paranaguá, em 1853,
segundo os dados oficiais, eram mulatos e pardos 1.109, e pretos, 1274; por conseguinte ao
todo, quase 40%. Dos 5.819 habitantes de Curitiba, eram mulatos e pardos 955, eram pretos
762; conseguintemente, ao todo, muito pouco mais de 30%. (VÍTOR, 1996, p.134- 5)
Embora Nestor Vítor aponte como “fraca” a porcentagem de alunos “de cor”
freqüentando a EAAPR, 20 a 25 % não era índice tão pequeno, especialmente se
observarmos que o Estado paranaense distinguia-se dos demais estados brasileiros no que
concerne à presença dos escravos. Como São Paulo, o Paraná inicialmente escravizou os
ameríndios e posteriormente, passou a utilização de escravos africanos. Mas, no século XIX
o Paraná diferencia-se de São Paulo no tratamento dado à questão da escravidão. “Enquanto
em território paulista a utilização do trabalho escravo se acentuaria devido à expansão
cafeeira, na região paranaense ocorreria o inverso. O declínio econômico dos Campos
Gerais e os altos preços alcançados pelos escravos na lavoura cafeeira, provocados pela
proibição do tráfico, estimulariam a transferência de uma grande parcela de escravos para
São Paulo, alterando o panorama demográfico paranaense” (PEREIRA, 1996,p. 57-8).
Analisando o caso paranaense Pereira esclarece que em meados do XIX “seria
difícil aplicar a Curitiba conceitos como ‘sociedade escravista ou escravocrata.”, pois no
planalto curitibano, o porcentual de escravizados era bastante baixo, mesmo se
considerarmos a
44
(...) população estatisticamente não-branca (mulatos, pardos e pretos). Entre esse segmento
da população, a groso modo composto de escravos, libertos e sua descendência, a parcela
efetivamente escravizada continua pequena. Correspondia a 27% em Curitiba, 22% em
Campo Largo, 18 % em São José, 13% no Votuverava e apenas 10% em Araucária. Por si
sós, esses dados indicam a presença de um expressivo contingente de mestiços e negros
livres na região, que, juntamente, com os ‘brancos’ não grandes proprietários, formavam a
esmagadora maioria daqueles que se dedicavam ao extrativismo vegetal, à lavoura de
subsistência, ao pequeno comércio ou, ainda, eram trabalhadores jornaleiros. (PEREIRA,
1996,p. 59).
Mas, se desde o século XIX a porcentagem de escravos era pouco representativa no
Paraná, a presença do contingente de mestiços e negros livres não parece ser pouco
expressiva. No século XX, igual porcentagem de alunos “de cor” freqüentando a Escola era
atribuída à população de alunos filhos de imigrantes, e o percentual de 25% era tido
como significativo. Se ao longo do XIX a população negra paranaense sofrera queda em
relação ao computo geral de habitantes, o contingente expressivo de alunos “de cor”
compondo o quadro de aprendizes pode ser atribuído a população pobre que buscava a
Escola, pois em termos quantitativos os imigrantes europeus superavam o contingente
populacional negro.
Nos Estados do Sul da República, onde o elemento estrangeiro avulta no seio da população,
uma circunstância que não deve ser desprezada é a origem e nacionalidade dos elementos
que entram na composição das classes de aprendizes, e por isso, tenho, ano por ano,
apresentado a estatística respectiva dos alunos matriculados nesta escola. È de notar que
mais de 25% dos menores que freqüentam este estabelecimento são de origem estrangeira.
Raros serão as escolas públicas primárias, neste Estado, que poderão apresentar esse
coeficiente, porque, no geral, as diferentes colônias aqui estabelecidas timbram em manter o
ensino particular com a intenção egoística de transmitir às novas gerações os hábitos,
sentimentos e idiomas inerentes aos seus países de origem. A afluência, pois, desses
elementos na escola de prendizes (sic) artífices é a demonstração de que o ensino aqui
ministrado conseguiu atrair a atenção de todos os núcleos da população, vencendo a
objeção sempre levantada, sobre a eficácia do ensino profissional. (RELATÓRIOS, 1915, p.
18)
A abordagem dada por Paulo Ildefonso d’ Assumpção à questão dos estrangeiros é
coincidente ao discurso proferido em 1917 pelo Secretário de Estado do Interior, Enéas
Marques. Ambos denotavam o “agravamento da questão nacionalista durante o período da
guerra, quando se dá, pela primeira vez, a oposição declarada às escolas estrangeiras.
Nesse contexto, o apego do imigrante às tradições e à cultura da pátria longínqua é
denunciado e combatido como ameaça à unidade nacional” (TRINDADE,1996, p.101)
Embora os aprendizes estrangeiros fossem aceitos de bom grado no interior da
Escola o mesmo não se dava com relação à ocupação do cargo de mestres de oficinas por
estrangeiros. Por determinação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio a
45
nomeação de mestres estrangeiros era vetada.
42
No decorrer da década de 1910 notam-se
repercussões da Primeira Guerra Mundial, na esfera educacional brasileira. No Paraná
foram significativas as manifestações contra os estrangeiros. (OLIVEIRA,1994)
Em 1920, uma legislação especial determinou que as escolas estrangeiras seriam obrigadas a
realizar, bem como ministrar disciplinas relativas às coisas do Brasil, fato aliás, sempre
salientado em regulamentos estaduais anteriores e que fora também, motivo de exigência no
período provincial. (...) na época, salientaram as autoridades o risco de desnacionalização que
as escolas estrangeiras provocaram entre as crianças, embora se atribuísse esse
comportamento à idéia de preservação da cultura dos grupos de diferentes nacionalidade,
que procuraram manter sua identidade cultural. Em muitos casos, a língua nacional foi
inteiramente desconhecida, falando-se a língua do grupo polonês, alemão ou italiano. Era
necessária a conscientização, entre os colonos, de que seus filhos, nascidos no Brasil, eram
brasileiros. Medidas severas foram tomadas, chegando-se a considerar o fechamento das
escolas que não mudassem o procedimento do ensino em língua portuguesa. [ademais] ... as
idéias positivistas, associadas àquelas democráticas e liberais, advogando a formação cívico-
patriótica, por meio da educação, para garantir a consolidação da ordem republicana, foi o
gérmen do sentimento nacionalista que se intensificou na década de 1910, notadamente no
período da Primeira Guerra. (...) (OLIVEIRA, 1994, p.53)
Além da presença de etnias diferenciadas; nos primeiros anos de funcionamento da
Escola o diretor dava mostras da convivência entre as classes, assegurada pela existência
de alunos de diferentes camadas sociais partilhando os espaços da escola. Entretanto a
EAAPR pretendia atender dada parcela da população, ou seja, órfãos, estrangeiros e
desvalidos da sorte, conforme anunciava o próprio Decreto de criação das EAA. Afirmava
Paulo Ildefonso d’Assumpção: (...) temos visto os cursos desta escola freqüentados por
alunos das mais elevadas classes sociais, ao lado de multidões, de meninos pertencentes ao
proletariado estabelecendo-se assim auspiciosa e simpática corrente em prol do ensino
profissional, vencidos como foram velhos preconceitos e prejuízos arraigados pela rotina no
espírito público. (RELATÓRIOS, 1914, p. 112.)
Observando os relatórios do diretor da EAAPR nota-se que a presença de alunos
oriundos de elevada classe social nos espaços da escola vigorou nos anos iniciais e
pode ser atribuída a dois fatores: Paulo Ildefonso d’ Assumpção esteve vinculado ao ensino
de ofícios para as elites quando criara o Conservatório de Belas Artes em 1894; além disso,
fizera carreira em cargos públicos ocupando diversos postos na cidade e servia-se do
prestígio que gozava para formar uma imagem positiva para a escola. Por outro lado, a
42
O Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio enviara telegrama a EAAPR em 18 de janeiro de 1912 e
declarava “não poder ser nomeado estrangeiros mestres de oficinas” Tais restrições provavelmente fossem fruto
da falta de domínio da língua portuguesa pelos estrangeiros. Logo, não poderiam ser entendidos pela maioria dos
alunos que eram brasileiros. A língua portuguesa também era vista como elemento indispensável à construção da
identidade nacional.
46
implantação do modelo de grupo escolar
43
e o status que agregava à Escola de Artífices -
pois os mesmos ainda existiam em pequeno número no Paraná - obscureciam um pouco a
tônica de formação para o trabalho. Entretanto, a presença de extratos da classe média e
alta, só pode ser associada aos primeiros anos, pois, gradativamente, a Escola recebia mais
e mais alunos oriundos do proletariado.
Ao descrever a tarefa operada pela EAAPR junto aos aprendizes, o inspetor João
Candido da Silva Muricy
44
tecia elogios à atuação do Diretor e afirmava: “quem como eu
pode ver o que eram os meninos ao fundar-se a Escola e hoje de novo os observa, não
poderá deixar de admirar o vosso incansável esforço, como se poderia admirar o trabalho do
artista transformando a substância bruta em uma obra belamente esculturada”. (OFÍCIO do
Serviço de Inspeção e Defesa Agrícola, João Candido da Silva Muricy, 13 de setembro de
1911)
No primeiro semestre de funcionamento da EAAPR, Paulo Ildefonso d’Assumpção
recebera reclamações do secretário de obras da prefeitura sobre o comportamento dos
alunos ao horário de término das aulas. O diretor respondeu então, que não fazia parte de
sua ação administrativa “exercer a polícia das ruas, nem a vigilância de 150 menores que
por ela se espalham diariamente em busca de seus domicílios”. Para sanar reclamações
“impróprias” como esta que recebera, solicitara ao “Comissário de Polícia da
Circunscrição (e ele assim tem feito) que exercesse o necessário policiamento quanto às
imediações do estabelecimento à hora da saída dos alunos”. Entretanto, considerava “má
vontade para com o nascente estabelecimento a atitude do reclamante, pois inferia: “já é
muito salutar benefício para a população ter conseguido atrair à rigorosa disciplina do
trabalho e do estudo 150 crianças, geralmente mal encaminhadas; e exigir-se que no curto
período de dois meses, com os únicos meios permitidos em regulamento, que são os
conselhos e persuasão, se pudesse transformar radicalmente seus hábito e costumes (...)
(OFÍCIOS, 1 de abril de 1910)
Mas, parece que a terminologia “crianças mal encaminhadas” não pode ser entendida
somente como sinônimo de delinqüentes. Possivelmente fosse expressão usada também
para aquelas que se encontravam na ociosidade, ou por não receberem amparo oficial. Ao
43
O modelo de grupo escolar ou escola graduada foi a grande inovação republicana no ramo do ensino
elementar. Caracterizado por construções vistosas de prédios especialmente projetados para servirem à
instituição escolar, centravam-se na oferta de instrução primária. Sobre eles consultar o trabalho pioneiro de
SOUZA, 1998. Posteriormente trataremos do modelo de grupo escolar dentro da EAAPR.
44
Entre os anos 1910 e 1920, João Candido da Silva Muricy, atuou no Serviço de Inspeção e Defesa Agrícola, do
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, ao qual subordinavam-se as Escolas Federais de Aprendizes Artífices.
47
direcionar as crianças ao estudo e ao trabalho, “arrancar das garras da indolência e do
vício”, seria possível desempenhar a dupla tarefa de proteção à infância e de profilaxia
social, como apontaria Vital Brasil, de passagem por Curitiba:
A Escola de Aprendizes Artífices de Curitiba é um estabelecimento de alto valor como meio
educativo, de proteção à infância e de profilaxia social. A boa ordem que notamos por ocasião
de nossa rápida visita, a disciplina dos alunos e as informações que nos foram gentilmente
ministradas atestam o carinho com que é dirigida e fazem honra ao seu diretor e aos seus
dignos auxiliares. Curitiba, 11 de maio de 1911. ( A REPÚBLICA, 18 de julho de 1911)
Nos arquivos da instituição, foram levantados documentos comprovando a situação
de pobreza dos pais, a viuvez da mãe, a orfandade de crianças. Era notória também a
presença de menores delinqüentes encaminhados à EAAPR pelo juiz, delegado ou
autoridades locais. (QUELUZ, 2000, p.51)
A análise das listas de matrículas demonstrou a existência de vários menores citados em
relatórios da polícia do estado como envolvidos em pequenos crimes e delinqüências.(...)
[porém] Não encontramos nenhuma referência a admoestações coercitivas em relação a estes
alunos, inclusive porque não era uma prática habitual na instituição. Como sabemos que
alguns destes menores acabaram, mais tarde, sendo enviados pelas autoridades policiais
para outras instituições, como a Escola de Aprendizes Marinheiros, o Patronato Agrícola, ou
mesmo a penitenciária do Ahú (...) podemos aventar a hipótese de que a Escola de
Aprendizes Artífices compunha com as mesmas uma rede disciplinar. Contudo, na Escola de
Aprendizes Artífices, o desempenho de seu papel classificatório e disciplinador era voltado
para a dignificação do trabalho, livre da internação e de qualquer compulsoriedade. (QUELUZ,
2000, p. 52)
Apesar de menores citados em relatórios da polícia do estado, culpados ou
acusados de envolvimento em pequenos crimes e delinqüência, também adentrarem os
espaços da Escola; a maioria dos meninos que a freqüentava não poderia ser enquadrada
na mesma categoria dos menores remetidos àquelas instituições cujo modelo era o de
internato e tinham caráter mais corretivo/punitivo do que a Escola de Aprendizes Artífices.
Afinal, os alunos da EAAPR geralmente eram encaminhados por espontânea vontade, logo
não poderiam ser estigmatizados como massa homogênea formada por abandonados,
vadios ou delinqüentes que precisassem ficar retidos, daí o internato tantas vezes defendido
por Paulo Ildefonso não ter existido (QUELUZ, 2000, p.84). Se dentre o corpo de
aprendizes havia uma porcentagem de menores “infratores”, não parecem ter sido a maioria
e misturavam-se aos provenientes de famílias pobres e/ou imigrantes.
Exemplos da pobreza dos alunos podem ser depreendidos de algumas
correspondências remetidas à EAAPR. Justificando as faltas do menor Agostinho
Massucheto, Atílio Pilati, possivelmente o responsável pelo menor, afirmava que o mesmo
48
era de físico fraco não podendo agüentar muitas horas sem um alimento confortante,
resolvi colocá-lo em outra escola nesta vizinhança.” (Minutas de Oficio, 14/02/1917)
Pedidos para ingressar na escola vinham, por vezes de outras cidades do estado,
como a solicitação de matrícula para Estphano Pereira, órfão de pais e proveniente de Porto
União (OFÍCIOS, 28/01/1919 remetido por Antiocho Pereira) ou eram justificadas pela
orfandade da criança ou pobreza dos pais, como a carta de apresentação de uma “viúva,
pobre”, que deseja matricular seu filho menor” (OFÍCIOS Diversos, 17/1/1923), enviada
pela Sociedade de Socorro aos necessitados, em 1923.
Outro filho de mãe paupérrima, Julio Cezar Prema - ex-aluno diplomado, requeria
junto ao Secretário Geral de Estado um prêmio em dinheiro ao qual fizera jus, mas não
recebera quando saíra da Escola. A solicitação fora encaminhada à Escola e Paulo
Ildefonso assim respondera:
(...) tenho a declarar que o requerente, depois de realizar, nesta escola, um curso brilhante,
não no oficio em que se dedicou como no acessório de instrução e desenho, filho de mãe
paupérrima, conseguiu pelo próprio esforço e trabalho uma posição condigna na sociedade,
estando hoje estabelecido, nesta capital, com uma alfaiataria, apesar se sua pouca idade.
Nestas condições julgo ser de justiça o que pede o requerente. (Ofícios, 25 de abril de 1921)
João Candido da Silva Muricy dirigia elogios à atuação do Diretor Paulo Ildefonso
d’Assumpção e de seus auxiliares, esses últimos categorizados como: “eficazes e
dedicados colaboradores nessa grandiosa tarefa de transformação dos caracteres dessa
infância até bem pouco tempo desamparada pela pobreza dos seus bons e honrados pais.”
(OFÍCIO do Serviço de Inspeção e Defesa Agrícola, João Candido da Silva Muricy, 13 de
setembro de 1911)
Em outro ofício, dirigido aos “Dedicados Aprendizes Artífices”, o Inspetor da EAAPR
relembrava-os das finalidades da criação da Escola e rememorava suas próprias palavras à
época da fundação:
Eu disse, então, por uma feliz visão do futuro, baseado no conhecimento do meio em que
vivemos e da destacada pessoa de vosso ilustrado Diretor, que a Escola de Artifeces (sic)
vinha ao encontro da mais palpitante aspiração das classes mais pobres da nossa sociedade,
porque colocavam-se assim ao alcance de todos, os meios de educar os seus filhos, vinha-se
realizar o ideal dos vossos bons e honrados pais, que é ver-vos, no futuro, homens úteis e
honrados; vinha-se vos arrancar das garras da indolência e do vício a que a incompetência
podia vos arrastar. (OFÍCIO do Serviço de Inspeção e Defesa Agrícola, João Candido da
Silva Muricy, 7 de setembro de 1911)
As vantagens advindas da criação da EAAPR, e das demais Escolas Federais de
Aprendizes Artífices, e a prosperidade admirável alcançada ao longo dos três primeiros
49
anos de funcionamento, foram apregoadas pela revista carioca “Illustração Brazileira”. A
prerrogativa de “aprender a amar o trabalho” e fazer dele o único instrumento de sucesso, a
possibilidade de enriquecer, de contribuir para a grandeza da pátria, ditavam o tom do
artigo:
Por elas vão passando gerações que aprendem a amar o trabalho e a dele fazerem o único
instrumento de seu sucesso na vida. Daqui a alguns anos, serão muitos milhares de
brasileiros a enriquecerem, como unidades econômicas positivas, a sua pátria: contribuindo
para populações indolentes de agora, se transformarem em verdadeiras colméias humanas.
Ver-se-á então o milagre de um Brasil em plena e vitoriosa expansão industrial, a repetir na
América do Sul o exemplo sugestivo e empolgante dos Estados Unidos, na primeira América.
Para isso, bastará que os governos dispensem sempre ao ensino profissional todo o apoio
que ele requer. O fato das escolas instaladas no Estados apresentarem, no pequeno decurso
de três anos, resultados que surpreendem as expectativas mais otimistas, é de natureza a
fomentar a criação de novas escolas, modeladas pelas primeiras e que, como elas, venham
preparar a redenção de um oprobrioso passado da indiferença e desídia pelos interesses
reais do país.” (REVISTA “Illustração Brazileira”, n.83, 1 de novembro de 1912)
O discurso de João Candido da Silva Muricy e o apresentado na Revista “Illustração
Brazileira” tratam de um tema caro ao que se entendia ser o propósito da educação dos
aprendizes, conforme sugeria o próprio decreto de criação das EAA: operar neles a
transformação dos caracteres de uma infância que se encontrava perdida na indolência.
Urgia redimi-la e assim preparar a redenção dos aprendizes e também de um passado
abjeto ao país. Se Muricy dizia traduzir o desejo dos “bons e honrados pais” dos aprendizes
em vê-los homens úteis e honrados, certamente isso coincidia com os “interesses reais do
país” apontados pela Revista: transformar a massa indolente em bons trabalhadores.
Reafirmando suas convicções e aspirações quanto aos destinos e propósitos da
EAAPR, João Candido da Silva Muricy ao enaltecer a Escola dizia tentar “interpretar os
sentimentos das nossas classes proletárias e lisonjeava-se por ver concretizadas as
previsões que fizera quando da fundação da EAAPR. Os resultados alcançados ficavam
acima das expectativas, “para a maior felicidade da classe laboriosa e pobre e para o
Paraná”(OFÍCIO do Serviço de Inspeção e Defesa Agrícola, João Candido da Silva Muricy,
10 de julho de 1911).
Em 1916, Paulo Ildefonso d’Assumpção é designado para visitar as EAA do norte do
país. Substitui-o na direção da EAAPR, o Inspetor Agrícola João Candido da Silva Muricy.
Em “Memorandum” dirigido aos Professores, Mestres e Funcionários, atribuía aos esforços
dos mesmos, juntamente com o Diretor, o “conceito honroso” do qual a escola gozava.
Elogiava-os também por “despertar no espírito da nossa infância pobre o gosto pelos
50
estudos e pelo trabalho profissional (MEMORANDUM aos “Snrs Professores, mestres e
mais funcionários”, do Diretor Interino João Candido da Silva Muricy, de 1 de julho de 1916).
Nomeava a atuação dos professores como “inteligente e patriótica colaboração
profissional e moral” e a tarefa a ser realizada como “gigantesca obra da formação do
espírito e do caráter dos vossos discípulos”. A educação e o ensino profissional eram vistos
como constituintes da Pátria e de um ideal de Brasil a ser alcançado.
Em 1911, na primeira Exposição Anual dos artigos produzidos pela EAAPR,
Chichorro Junior - Secretário de Finanças, Comércio e Indústria do Estado do Paraná-
realizou longo discurso, explicitando algumas das concepções e tendências que norteavam
o ensino profissional naquele momento. Boa parte do discurso prestava-se a esclarecer qual
seria o lugar do trabalho manual na formação das novas gerações.
Tecendo longa crítica aos métodos em voga, que segundo ele resultavam em uma
“instrução abstrata”, propugnava que a reforma dos programas e também dos professores;
“sem a qual não reformas de programas que produza bons resultados”, era necessidade
inadiável. Criticava o anacronismo do método mnemônico e sua pouca ou nenhuma relação
com as necessidades da vida prática.
A feição característica desse método anacrônico é a sobrecarga da memória, a recitação
mecânica de manuais, o espírito dogmático. Nada de prático nessas escolas. Desde o
antiquado e pedantesco modo usual de ensino da gramática, condenada por pedagogos
contemporâneos da maior nomeada, como Spencer, até as operações elementares do
cálculo -, tudo nelas se ensina teoricamente, abstratamente, obrigando-se os alunos a
decorar regras que não compreendem, que não podem compreender, porque como ensina a
psicologia, o espírito da criança, no seu desenvolvimento caminha do concreto para o
abstrato e não do abstrato para o concreto.
Os resultados desse ensino puramente teórico são deploráveis: os meninos deixam a escola
sem nela terem adquirido a menor noção prática das coisas, sem capacidade nenhuma para
os trabalhos da vida, sem preparo algum, para as lutas da existência. E melhor resultado não
produzem as escolas de ensino secundário e superior, onde se aplica o mesmo método
puramente abstrato, o ensino exclusivo de manuais, as preleções sábias da velha retórica
acadêmica e onde os alunos, pelos conhecidos processos mnemônicos, bebem as noções de
todas as ciências, mas nada aprendem de útil para a vida prática.” (CONFERÊNCIA de
Chichorro Junior - Secretário de Finanças, Comércio e Indústria do Estado do Paraná, 3 de
maio de 1911)
A defesa do ensino profissional de caráter prático apareceria também nos artigos de
jornais. A vinculação entre formação profissional e a possibilidade de ascensão social era
estabelecida. Por ocasião da Exposição da EAAPR afirmava-se: “A escola preenche
perfeitamente os fins a que se destina; as crianças sem fortuna ou mesmo as que a
possuam, mas queiram premunir-se com um meio seguro de subsistência para o futuro, ali
51
encontram variados e lucrativos ofícios, dos quais, sem sacrifício, poderão se tornar
perfeitos artífices (Diário da Tarde, 1 de dezembro de 1910).”
Era idéia sonante a necessidade de instaurar o “amor ao preparo profissional”. Mas
tais destinos da educação o se voltavam para todas as classes da sociedade. O ensino
profissional focava-se principalmente, para não dizer exclusivamente, na infância
“desprotegida da fortuna”. As iniciativas nesse campo de ensino tinham alvo bastante
específico: a EAAPR era caracterizada
45
como “tábua de salvação para a infância pobre” e
dizia ir de encontro às aspirações da “classe laboriosa”. Tal afirmação parecia inverter a
ordem dos fatos, afinal a proposição e sistematização do ensino profissional foi movimento
imputado às classes proletárias pelas elites, a fim de atender suas próprias demandas por
operários mais qualificados e disciplinados e conter a procura pelo ensino secundário e não
para atender os anseios da classe trabalhadora.
Essa utilíssima instituição, que agora surge como uma tábua de salvação para a infância
pobre, que até hoje se achava, em grande parte, sacrificada pela indolência e pelo vício, como
natural conseqüência da falta de um estabelecimento nessas condições, onde o proletariado
pudesse dar um aprendizado, ao mesmo tempo teórico e prático, aos seus filhos, veio, nessa
classe mais protegida, despertar o mais justo entusiasmo por essa risonha perspectiva de um
futuro feliz.
A escola de artífices veio, pois realizar a mais ardente aspiração do pobre chefe de família, a
cujo alcance ficaram meios de dirigir seus filhos, pela senda do trabalho honesto e produtivo.
(“A República”, 02 de fevereiro de 1910)
Nos anos anteriores à instalação da Escola de Aprendizes Artífices do Paraná
circulavam idéias acerca da necessidade da implantação do ensino profissional. Em 1907,
reportando-se à autorização de subvenção oficial à Escola de Comércio que se criasse em
Ponta Grossa, Sebastião Paraná, aproveita para fazer a apologia do ensino profissional:
O Brasil não se lembrava de organizar o ensino profissional. Seu anelo era aumentar o
número de bacharéis, aumentando, portanto, o número de obcecados pelo emprego público –
mania.
Tal obcecação não deveria mais permanecer, por honra da pátria e a bem da República.
45
A matéria esclarecia que os Inspetores Agrícolas nos Estados foram designados pelo Governo Federal a
atuarem como inspetores fiscais das Escolas Profissionais recentemente criadas, daí a incumbência de
elaborarem descrições das EAA que visitavam. “Nestas condições e no desempenho de suas funções o Sr.
Tenente João Candido da Silva Muricy, Inspetor Agrícola nos estados do Paraná e Santa Catarina dirigiu ao
Exmo. Sr. Dr. Rodolpho Miranda, Ministro da Agricultura, o seguinte relatório com relação a escola de Artífices
que acaba de ser inaugurada nesta capital graças a iniciativa patriótica do Governo da União.” (“A República”,
02 de fevereiro de 1910)
52
Basta de formar candidatos destinados a viver das migalhas da mesa do orçamento, bando
de enfatuados, gamenhos que nada produzem, vivendo por conseqüência, à custa das
classes que orvalham a fronte com o suor bendito do trabalho.
Eia! Que as gerações vindouras colham os frutos da educação profissional da mocidade de
hoje.
Em Barcelona, Pelotas, Rio de janeiro, S.Paulo e outras cidades foi soltado o grito,
chamando a postos os cruzados do trabalho. Nos aludidos centros da população laboriosa
funcionam institutos comerciais (...) ( SEBASTIÃO PARANÁ In: A REPÚBLICA, 15 de março
de 1907)
O ensino profissional, gradativamente, tomava ares de “orgulho paranaense”. Era
necessário atribuir-lhe uma nova valorização, substituir a mania do bacharelismo e
emancipar a população da “idéia fixa do emprego público”.
É motivo de desvanecimento para os paranaenses, o fato, característico do espírito
progressista da nossa população, de virem-se bem acolhidas todas as instituições que
colimam o preparo de nossa infância, principalmente as desprotegidas da fortuna, para as
lutas conseqüentes do nosso avançar contínuo na trilha da civilização.
A Escola de Aprendizes Marinheiros foi das que primeiro viram engrossarem suas colunas
por sua vez foi das que primeiro forneceram a Marinha nacional um grupo numeroso de
marujos.
A escola de Artífices agora, vem atestar ainda o mesmo espírito de amor pelo preparo
profissional de uma população que vai pouco a pouco se emancipando da idéia fixa do
emprego público, dos diplomas científicos e do viver confiante na proteção dos poderosos.
(Diário da Tarde, 20 de junho de 1910)
É notório que os estudos secundários constituíam-se no Brasil de então a
possibilidade de alcançar um emprego público, o que implicava em rendimentos razoáveis e
estabilidade, além da possibilidade de acesso à continuidade da formação escolar.
Entretanto, poucos chegavam aos níveis mais avançados de ensino. Por mais que o
bacharelismo fosse “mania”, para muitos ele não passava de uma aspiração ou possibilidade
remota de ascensão social. Se a população emancipava-se pouco a pouco da “idéia fixa do
emprego público”, era porque esta possibilidade distanciava-se mais a cada dia e ao
imenso contingente de filhos da classe proletária reservavam-se os espaços da escola
profissional. De qualquer maneira, o ensino profissional era indicado como elemento de
enriquecimento, de possibilidade de ascensão social.
Uma concepção idealista de escola primária única foi defendida pelos educadores
paulistas e por Fernando de Azevedo, quando presidiu a reforma educacional do Distrito
Federal entre 1927 e 1930. Idealizavam uma escola freqüentada por todos os brasileiros,
53
representativa da preparação para um sistema social sem conflito, embora não negassem a
manutenção da estrutura de classes.
46
(...) A harmonia e a conciliação entre as classes sociais estariam garantidas através das
concepções difundidas pela escola, sendo o trabalho concebido como esforço de todos para
construir a riqueza da nação, omitindo o enriquecimento de indivíduos ou classes sociais. Não
seria também pelo trabalho que haveria diferenciações na sociedade, porque a unidade dos
cidadãos seria mantida em torno dos interesses do Estado e estariam os cidadãos
promovendo a unidade nacional. (BITTENCOURT, 1990, p.103-4)
Mesmo nas escolas primárias, o trabalho era encarado como elemento construtor de
riquezas para a Nação e difundido como valor positivo. Na EAAPR, justamente por não
contemplar exclusivamente a modalidade de instrução elementar, caso da escola única ou
das escolas primárias, o trabalho era ainda mais enfatizado. Entretanto, já estava
estabelecida a contraposição entre um trabalho atrelado à burocracia estatal - o
bacharelismo- e outro prático, de caráter manual, executado nos diferentes ofícios
manufatureiros e na indústria. Ao longo do período imperial instauraram-se os privilégios do
bacharelismo que adentraram a República e muitos dos diplomados não necessariamente
exerceriam esta ou aquela profissão para a qual haviam estudado, mas, uma vez formados,
usariam seus diplomas para avançar socialmente.
47
Se compararmos essa preocupação paranaense ao caso paulista, veremos que
a questão do funcionalismo público também estava presente no discurso oficial. Havia
(...) um acirrado combate à aversão à ‘profissões manuais’. Com freqüência aparece nos
documentos a assertiva de que: trabalho manual não constitui desdouro nem baixeza’. A
inatividade, o empreguismo no aparelho do estado tornou-se a alternativa brasileira, sugere o
discurso, frente aos desprezos aos trabalhos manuais. A instalação das escolas profissionais
a disseminação do ensino de profissões manuais aparece então, vinculada à valorização
destas profissões, como objetivo de esvaziar o empreguismo estatal. Mais do que aversão às
profissões manuais, uma clara opção por um determinado regime de trabalho. Esta é a
diferença indiscutível entre o ser assalariado do Estado e o ser assalariado do capital.
Repousa tal escolha na diferença de regime de trabalho que tem lugar em cada um destes
locais. Mesmo para as camadas mais pobres da população, sem instrução, mal e mal
alfabetizados o emprego no Estado de contínuo, servente, funcionário de limpeza pública etc,
parece ser preferível a ser assalariado do capital. (RIBEIRO, 1986, p. 125-6)
Nos currículos das escolas de instrução primária a temática do trabalho apareceria
vinculada à área de história. No caso da EAAPR, possivelmente isso também acontecesse.
De todo modo, a pedagogia do trabalho permeava todo o ideário de formação dos menores
46
Sobre a concepção idealista de escola primária única, confira BITTENCOURT, 1990.
47
Durante o século XIX, os estudos de medicina e direito serviram como os equivalentes latino-americanos de graduação
em artes liberais. Assim, muitos dos estudantes que freqüentavam a escola médica, por exemplo, abandonavam os estudos
antes de concluí-los ou usavam seus diplomas para avançar socialmente, não para praticar a medicina. (STEPAN, 2005, p.50)
54
aprendizes/trabalhadores: nas exposições, nos discursos, nas festividades e premiações
organizadas pela Escola. De maneira que no Paraná, como no Brasil:
Formação do povo brasileiro e trabalho articulavam-se para atingir uma meta comum: a
criação de um mercado de trabalho produtivo, e , para neutralizar possibilidades de conflitos
sociais. Diferentemente da escola secundária, produzida pra preparar as futuras elites e
viabilizar a criação de setores médios, com garantias de status na ordem capitalista, o ensino
primário voltado para uma educação de massa” tinha como finalidade assegurar a difusão de
uma cultura única que permitisse formar um cidadão apto para o trabalho, a serviço do
“progresso da nação”. (BITTENCOURT, 1990, p.136)
Por ocasião da conquista dos prêmios na Exposição de 1910, a revista brasileira
“Brasilianishce Rundaschau”, publicada no Rio de Janeiro em idioma alemão e português,
“sob os auspícios do Ministro da Agricultura e destinado à propaganda do Brasil na Europa”,
noticiava a atuação das EAA do país, juntamente com dados oficiais fornecidos pelo próprio
Ministério sobre a Exposição.
A EAAPR ocupou o lugar dentre as 19 escolas de artífices existentes no país.
Notícia que o jornal paranaense A República” reproduzia, por considerar “mui grato ao
nosso orgulho paranaense, bem como ao nosso patriotismo de brasileiros” o destaque dado
ao estabelecimento paranaense pelo “testemunho valioso de um órgão de publicidade” da
amplitude da mencionada revista. Traçando um quadro comparativo entre as Escolas de
Artífices brasileiras, a matéria emenda as seguintes conclusões:
(...) o Brasil, pode-se dizer, possui escolas profissionais apreciáveis e dignas de menção pelo
que nelas se faz, destacando-se em primeiro lugar, com a direção brilhante, a do Paraná,
seguindo-se as de São Paulo, Rio de Janeiro e outras.
Não mentimos dizendo que o decreto n: 7566 foi o mais patriótico da administração
passada, a sua importância social é tão grande, que não provoca dúvidas em discussões a
respeito; e ninguém melhor a caracterizou do que o ilustre Sr. Dr. Pedro de Toledo com a sua
frase feliz: “o Brasil futuro sairá das Escolas de Aprendizes artífices. (A REPÚBLICA, 3 de
novembro de 1911)
Delineando-se como portadora do futuro, a EAAPR habilitava seus aprendizes a
serem os “artistas do futuro”, os “operários laboriosos” que construiriam o país do por vir. Ao
formar trabalhadores o Paraná poderia figurar como o estado do futuro, assegurando para si
uma identidade ainda faltante. A Escola representava também a formação dos bons
“cidadãos do futuro”, preparados para um amanhã grandioso - passível de conquista por
meio da preparação para a profissão que desempenhariam.
Se um futuro grandioso os esperava, no presente restavam-lhes as obrigações
cotidianas do trabalho nas oficinas, e eram contados por centenas os alunos que se
empregavam nos estabelecimentos industriais e comerciais de Curitiba. A preparação para o
55
trabalho constituía-se como o meio de subsistência de muitos menores que adentravam os
espaços da EAAPR, para os quais nenhuma outra possibilidade de subsistência apontava no
presente. E, mais uma vez, lemos:
Um ano apenas tinha-se decorrido e entretanto já os vossos trabalhos esboçavam os artistas
do futuro. Hoje de novo estais sendo admirados, ainda com maior entusiasmo, porque nesse
momento já vos estais revelando mais do que o simples artista do futuro, estais sendo
admirados também como bons cidadãos (...)(OFÍCIO do Serviço de Inspeção e Defesa
Agrícola, João Candido da Silva Muricy, 7 de setembro de 1911)
O discurso em torno da possibilidade de ascensão social, que poderia ser atingida
por meio da educação e do trabalho, também participava das defesas da EAAPR feitas por
Paulo Ildefonso d’Assumpção. Distinguindo os novos países americanos dos europeus,
procura ressaltar as benesses do trabalho e da educação, ocultando assim os privilégios dos
Bacharéis e das profissões mais valorizadas naquele período. Esses profissionais que
poderiam alcançar bons ganhos, certamente não eram os menores “desfavorecidos da
fortuna” que freqüentavam a Escola e recebiam ensino profissional, ainda portador do
estigma da exclusão social e do preconceito. Embora o ensino profissional estivesse
ganhando relevo e recebendo atenções da parte dos governos, parece-nos um pouco
anacrônico afirmar que a “auspiciosa e simpática corrente em prol do ensino profissional”,
que Paulo Ildefonso d’ Assumpção dizia ter sido formada, fosse realmente capaz de vencer
“velhos preconceitos e prejuízos arraigados pela rotina no espírito público” (RELATÓRIOS,
1914, p. 112.), conforme parecia ser sua própria expectativa.
Contrapondo os países americanos aos europeus, procurava explicitar as amplas
possibilidades de progresso e igualdade de condições existentes no Brasil. Enquanto a
posição social era passada através de “seculares gerações”, aqui as classes laboriosas,
desamparadas da fortuna, contavam com a vantagem de poder construí-la.
Exemplos da presença da classe proletária e pobre se repetem. Em carta de
agradecimento, dirigida ao diretor da Escola, o pai do aprendiz deixa indícios dos alunos
atendidos:
Cumpre o grato dever agradecer do íntimo do meu coração a Vª. Exª pelo zelo aptidão que
haveis demonstrado nestes últimos quatro anos que meu filho menor João Felix Maria Bianco
freqüentou a escola que em boa hora fostes nomeado Diretor por aquele nobre e distinto
Ministro Brasileiro que teve a bendita e louvável lembrança de transformar os nossos
mancebos sem recursos em verdadeiros artistas que tornar-se-ão a esta Grande Pátria.
(CORRESPONDÊNCIA de Pedro José Maria Bianco. Curitiba: 30 de novembro de 1915)
(grifos meus)
56
1.4 A Escola de Aprendizes Artífices do Paraná como réplica do modelo de escola
graduada
A Escola de Aprendizes Artífices do Paraná seguia a perspectiva dos grupos
escolares, implantados a partir da última década do século XIX pioneiramente em São
Paulo e depois instalados no Paraná e em outros estados do país. Em um contexto de
consolidação do Regime Republicano, a escola graduada representou não a
possibilidade de difundir os ideais republicanos, mas um conjunto de elementos capazes de
operar mudanças e assegurar a metamorfose da sociedade brasileira em nação evoluída e
civilizada. À educação atribuiu-se poder redentor, capaz de (con)formar e regenerar os
indivíduos.
Um amplo projeto civilizador foi gestado nessa época e nele a educação popular foi ressaltada
como uma necessidade política e social. A exigência de alfabetização para a participação
política (eleições diretas), tornava a instrução primária indispensável para a consolidação do
regime republicano. Além disso, a educação popular passa ser considerada um elemento
propulsor, um instrumento importante no projeto prometéico de civilização da nação
brasileira. Neste sentido, ela se articula com o processo de evolução da sociedade rumo aos
avanços econômico, tecnológico, científico, social, moral e político alcançados pelas nações
mais adiantadas, tornando-se um dos elementos dinamizadores dessa evolução. Por outro
lado, responsabilizada pela formação intelectual e moral do povo, a educação popular foi
associada ao projeto de controle da ordem social, a civilização vista da perspectiva da
suavização das maneiras, da polidez, da civilidade e da dulcificação dos costumes. ( SOUZA,
1998, p.27)
As representações sobre o lugar reservado à educação vigentes no Brasil no fim do
século XIX e início do XX são amplas: “Vitória das luzes e da razão sobre as trevas e a
ignorância. ‘Alicerce das sociedades modernas, garantia de paz, de liberdade, de ordem e do
progresso social’; elemento de regeneração da nação. Instrumento de moralização e
civilização do povo” (SOUZA, 1998, p.26). Além disso, um conjunto de elementos articulava-
se para compor o novo projeto político de disseminação da educação popular no interior dos
grupos escolares: os ideais de renovação do ensino como aliado, acrescidos de vantagens
econômicas, já que agrupavam centenas de crianças em um mesmo espaço.
A escola primária ou escola graduada, outras designações para os grupos escolares,
representava ainda a racionalização dos custos, o controle sobre o tempo e a aplicação dos
princípios da divisão do trabalho e dos critérios da administração científica. Além disso, a
imponência e localização estratégica dos edifícios-escola no espaço urbano pretendiam dar
57
notoriedade ao Novo Regime e as suas propostas de difusão da instrução popular como
estratégia de civilidade e cidadania.
48
A adoção do modelo do grupo escolar pela EAAPR ocorreu concomitantemente a
sua fundação, pois o regulamento de criação definia as Escolas de Aprendizes Artífices
como de nível primário. Por ser o modelo republicano de educação popular, a escola
graduada contava com ampla disseminação e prestígio ao passo que as EAA ainda
figuravam como novidade e careciam legitimar-se.
Com número de professores do curso de instrução elementar e de desenho
“deficiente para corresponder a avultada freqüência escolar”, o novo Regulamento permitiu
a criação de novos lugares de professores adjuntos, proporcionalmente ao número de
alunos. Segundo Paulo Ildefonso d’ Assumpção, essa medida possibilitaria a “distribuição
das matérias por séries constituindo verdadeira e fácil gradação do ensino entre os
aprendizes, facilitando a criação de um bem organizado grupo escolar.” (RELATÓRIOS,
1911, p.27)
49
A feição de grupo escolar percebia-se também pela vinculação entre a Escola e o
Estado, pois a professora normalista - responsável pela instrução primária- era mantida
pelo mesmo. A distribuição das classes escolares fazia-se à maneira da escola graduada,
utilizava-se do método intuitivo/simultâneo e do sistema de rotação. A distribuição de tempo
e a organização escolar proposta por Paulo Ildefonso d’ Assumpção são perceptíveis na
transcrição abaixo:
(...) sendo assim, buscamos chegar a um sistema que realizasse esse duplo resultado com o
menor esforço para o aprendiz e maior aproveitamento do tempo escolar (...) de começo
assentamos, desde 1910, um programa para o ensino de Instrução primária e desenho, cujo
alcance (...) resulta cada vez mais evidente na prática e na aplicação. A sub-divisão dos
alunos por quatro classes; a reprodução progressiva das matérias em séries de gradual e
metódico desenvolvimento; a especialização dos professores por matérias de ensino,
lecionando, cada um, do primeiro ao último ano, em harmonia com o programa geral do
ensino, constituem a benéfica orientação, cujos resultados não nos cansamos de exaltar
(RELATÓRIOS, 1917, s.p.).
A EAAPR e Paulo Ildefonso d’ Assumpção não estiveram alheios aos ideais
republicanos de educação. As expectativas nutridas pelo Diretor em torno da escola
48
Para maior aprofundamento acerca da implantação dos grupos escolares em Curitiba ver: BENCOSTTA, M.
L. A ., Arquitetura Escolar: reflexões acerca do processo de implantação dos primeiros grupos escolares de
Curitiba, (1903-1928). Bastante esclarecedor sobre as características do mesmo no estado de São Paulo, onde
primeiro é implementado este modelo ver SOUZA, Rosa Fátima. Templos de civilização: a implantação da
Escola Primária Graduada no Estado de São Paulo. (1890-1910). São Paulo: Ed. da Unicamp, 1998.
49
De acordo com autorização contida no Aviso Ministerial de 8 de Agosto de 1910. RELATÓRIOS, 1911, p.27.
58
denotam o seu compromisso com o Regime Republicano: “do ensino profissional é que
depende em grande parte o futuro do Brasil”, e por meio das Escolas de Aprendizes Artífices
“o governo auxilia indiretamente a instrução primária nos Estados, sem acarretar ônus para o
Tesouro Público.” (RELATÓRIOS, 1910, p.66).
A possibilidade que as EAA representavam em termos de ampliação da
escolarização primária sem gerar mais gastos para o Governo Federal viabilizava-se porque
embora as EAA fossem mantidas pelo Governo Federal, recebendo verba fixa para tal;
cada EAA angariava verbas complementares do próprio estado, conforme articulações
engendradas pelo diretor junto aos representantes políticos. Paulo Ildefonso d’ Assumpção
vinculou a estrutura organizacional de grupo escolar na Escola de Aprendizes Artífices do
Paraná, e assim o Estado contratava e pagava os professores que atuavam nas classes de
instrução elementar.
50
A escola graduada pressupunha a utilização de um conjunto de orientações que lhe
eram peculiares. A graduação do ensino por séries; o ensino simultâneo substituindo o
individual, o método intuitivo substituindo o método tradicional, a organização do programa de
ensino, a instituição de um horário escolar e a fragmentação do ensino em diversas matérias.
O ensino elementar contava com orientação específica, determinada pelo próprio Decreto de
criação das Escolas de Aprendizes Artífices. Diferentemente das oficinas, cuja orientação,
formulação de métodos e estratégias para realizar a profissionalização dos alunos, cabia ao
Diretor de cada EAA.
51
Quanto à organização do ensino elementar, a Escola de Aprendizes Artífices serviu-
se do método intuitivo, peça central nas estratégias republicanas de constituição de um
sistema de educação pública modelar em São Paulo.
52
O Método de Ensino Intuitivo, também
denominado de “Lições de Coisas”, pode ser sintetizado da seguinte maneira:
50
Oriundo de família com posição social de destaque, Paulo Ildefonso d’ Assumpção servia-se desse prestígio
para conseguir algumas vantagens e apoios financeiros para a manutenção e funcionamento da EAAPR.
51
A unidade na organização do Ensino Industrial em todo o território nacional seria alcançada somente em
1942 com a Lei Orgânica do Ensino Industrial, sob o decreto-lei nº4.073, de 30 de janeiro daquele ano. Até então
“O ensino profissional não dispunha de preceitos gerais uniformes para todo o país. A União se limitara, apenas,
a regulamentar as escolas federais. Os estabelecimentos estaduais, municipais ou particulares regiam-se pelas
próprias normas ou, conforme os casos, obedeciam a uma regulamentação de caráter regional.” FONSECA,
História do Ensino Industrial no Brasil. Vol 2., 1986, p.9) Embora pertencente ao âmbito federal, as Escolas de
Aprendizes Artífices dispunham de regulamentações concernentes à organização da escola, não dispunham,
entretanto, de regulamentação comum quando ao ensino profissional e sua sistematização.
52
No Brasil, o método intuitivo aportou através de alguns compêndios de "Lições de Coisas", pautados em
modelos franceses ("Leçon de Choses"). Rui Barbosa traduziu e adaptou as “Primeiras Lições de Coisas” do
americano Norman Allison Calkins, então publicadas pela Tipografia Nacional em 1886. Adotada pelo
Governo Imperial, a publicação é marco oficial da introdução do método intuitivo nas Escolas Normais e entre
os professores primários. Difusão que influenciaria desde cartilhas de alfabetização até livros didáticos de várias
59
O ato de conhecer tem início nas operações dos sentidos sobre o mundo exterior, a partir das
quais são produzidas sensações e percepções sobre os fatos e objetos que constituem a
matéria-prima das idéias. (...) devido ao uso dos objetos, à observação e ao resultado
projetado, este método é considerado por seus propositores como sendo concreto, racional e
ativo. Nessa proposição, o processo de ensino deve desenvolver-se do simples para o
complexo, do que se sabe para o que se ignora, dos fatos para as causas, das coisas para os
nomes, das idéias para as palavras, dos princípios para as regras, ou seja, do que pode ser
observado para a abstração. Assim sendo, observar é progredir das percepções dos sentidos
para as idéias, do concreto para o abstrato, dos sentidos para a inteligência, dos dados para o
julgamento, por meio de atividades concretas que são, ao mesmo tempo, expressão do
pensamento e da experiência. Dada a proposição de que os sentidos são os instrumentos
determinantes para a aquisição do conhecimento, os objetos a serem utilizados no ensino, isto
é, postos para serem observados, assumem papel fundamental, pois são a garantia de que o
conhecimento o seja meramente transmitido, mas gerado com base no contato com o
objeto. (VALDEMARIN, 2000).
Longe de receber aplicações unívocas, o Método de Ensino Intuitivo recebeu uma
diversidade de abordagens e contemplou “prescrições de conteúdos e de procedimentos
didáticos que variam da coerência com a concepção epistemológica, até a sua contradição”
(VALDEMARIN, 2000). Tais variações se devem ao fato de que os autores dos manuais de
“Lições de Coisas” utilizados nas escolas, embora adotassem os mesmos princípios
epistemológicos, davam ênfase diferenciada à observação, à experimentação e ao uso dos
sentidos.
Nos manuais Jules Paroz, Saffray e Norman Allison Calkins, VALDEMARIN (2000)
localizou a introdução de novos conteúdos no currículo escolar e observou que:
(...) do mesmo modo que o trabalho torna-se categoria operacionalizadora da aprendizagem,
são acrescentadas ao programa escolar, nesse período, áreas do conhecimento relacionadas
às atividades produtivas. A valorização do saber vinculado a resultados práticos e concretos
evidencia-se no grande número de atividades escolares a elas relacionadas, apresentadas nos
manuais. Em alguns deles o trabalho priorizado é o dos adultos, em outros, o trabalho das
crianças, embora seja constante o enaltecimento da divisão social do trabalho.
(VALDEMARIN, 2000)
A fim de assegurar a aplicação do método de Lições de Coisa, que preconizava a
intuição, a observação, e as experiências através dos sentidos, no ano de 1926, O Art. 37º,
da Consolidação dos Dispositivos Concernentes às Escolas de Aprendizes Artífices”,
determinava: Se organizado em cada escola um museu escolar, destinado a facilitar ao
aluno o estudo de lição de coisas e desenvolver-lhe a faculdade de observação”
(“Consolidação dos Dispositivos Concernentes às Escolas de Aprendizes Artífices”,1926.
Apud. FONSECA, 1986, p.262)
matérias e na própria organização de algumas escolas profissionais, como é o caso da Escola de Aprendizes
Artífices do Paraná. Sobre a entrada do método intuitivo no Brasil confira:
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ acesso em 20 de maio de 2005.
60
Nos itens relativos à organização da Instrução Primária, constantes em cada
relatório anual, podemos encontrar elementos acerca da aplicação do método intuitivo na
Escola de Aprendizes Artífices do Paraná. Paulo Ildefonso d’ Assumpção esclarecia a
maneira como desenvolvia e aplicava-o nas aulas de instrução primária e de desenho,
vinculando-o aos conteúdos estudados à aprendizagem necessária das oficinas.
Ao descrever o andamento dos trabalhos em 1912, faz elogios ao sistema adotado e
aos bons resultados obtidos, afirmando terem sido neles “empregados os processos mais em
uso nos modernos estabelecimentos de ensino”, e extraindo da divisão dos alunos em série,
“resultado compensador”, tornando o ensino primário e de desenho mais proveitosos e “o
estabelecimento digno da distinção que é tido pelo público.” (RELATÓRIOS, 1912, p.103)
Em 1913, justificaria a eficácia dos resultados que conseguira pela “organização de
um aparelho escolar”. Aplicando o ensino por séries e conciliando a “educação intelectual
dos alunos a profissão por eles escolhida”, afirmava conseguir obter, junto aos alunos
aprendizes que cursavam as oficinas e aulas da instrução elementar e de desenho, “um
grau de conhecimento muito mais elevado, do que seria de esperar da limitação dos
programas destas escolas.” O ideal almejado por Paulo Ildefonso d’ Assumpção era que os
benefícios da educação pudessem ser notados não unicamente no indivíduo, mas também
na coletividade nacional.
Numa Escola como esta, onde se conjugam tantas centenas de crianças de todas as idades
e educação, formando uma aglomeração heterogênea, bem difícil é para o professor escolher
este ou aquele método de ensino. É preciso que ele, recorrendo-se dos processos que a
psicologia oferece, vença as dificuldade que encontrar. Mas como muito bem compreende,
este recurso da pedagogia científica mais depende da qualidade de observação dos
professores, que, da investigação direta da aula, tiram os métodos de ensino particulares a
cada classe ou a cada grupo de alunos, conforme o seu adiantamento e as suas condições
morais. Foi o que procurei fazer. E nesse sentido distribui a Escola em séries diversas que
recebem a instrução gradativamente.
Também para melhor orientar e firmar os alunos no seu preparo profissional designei que
cada professor e adjunto de professor ministrasse em aula essa matéria, completando os
conhecimentos que materialmente recebem nas oficinas. Muitas vezes o aprendiz sabe
preparar um objeto, mas se encontra na impossibilidade de dizer porque e como fez. As aulas
de ensino profissional dadas pelos professores adjuntos, já vão em parte fazendo desaparecer
esses inconveniente.
Para melhor aplicar no curso elementar e de desenho o ensino direto e prático, fiz ainda
aquisição de inúmeros modelos, quadros, cubos, mapas geográficos, numéricos, anatômicos,
etc. cm os quais os ensino torna-se mais fácil e os resultados mais úteis.
O corpo de professores a adjuntos de professores que trabalham nesta Escola está
completamente aparelhado de elementos aptos e inteligentes que implantam no espírito dos
alunos conhecimentos sólidos e consoantes com o espírito da época. São moços de preparo
moderno que bem compreendem a feição que deve ser dada à educação atual de maneira a
esta reverter , não unicamente em beneficio do individuo, mas igualmente no da coletividade
nacional. (RELATÓRIOS, 1913, p. 99.)
61
Os aparelhos a serem aplicados no ensino elementar e de desenho eram aqueles
designados para serem adotados no método de Lições de Coisas. Na tentativa de aplicar o
“ensino direto e prático”, e viabilizar os preceitos do método intuitivo afirmava ter adquirido
inúmeros modelos; quadros; cubos e mapas geográficos, numéricos, anatômicos.
A fim de preparar os alunos para o trabalho e também ofertar instrução elementar,
Paulo Ildefonso d’Assumpção busca implementar um modelo de funcionamento, capaz de
(...) dar ao aprendiz artífice, em quatro anos, o perfeito conhecimento de um ofício e, ao
mesmo tempo, a instrução elementar capaz de guiá-lo na vida, fazendo-o apto para o
trabalho”. E o método que adotava, dizia ele, bem merece a atenção da alta administração
do ministério, que no seio dos que professam a educação da infância, pela imprensa e
pelos órgãos mais autorizados do ensino de muitos Estados foi considerado com admiração
e aplauso. Quisera, mesmo, ver bem compreendido e examinado a seu alcance, por nos
parecer que sobreleva vantagem a todos os métodos pedagógicos até agora aplicados no
País. (RELATÓRIOS, 1917, s.p.)
A seriação do ensino e a instauração do método intuitivo seguia o modelo de
organização do ensino elementar no Paraná daquele período. Conforme determinava a lei de
1895:
O processo de ensino deve ser intuitivo, visando desenvolver nos alunos a faculdade de
observação, habituando-os a pensar por si mesmos. Exercitando-se-lhe a memória, cumpre
evitar que ele decore automaticamente, como papagaio; transmita-se-lhe a idéia, para ele
reproduzir pelas suas próprias palavras, quando possível, sem se escravizar às palavras do
livro. As lições devem ser mais práticas e concretas que teóricas e abstratas, promovendo-se
gradualmente o desenvolvimento das faculdades infantis. Nas vésperas das datas célebres da
nossa história, o professor explicará o fato histórico que se comemorar, procurando despertar
nos alunos, a par dos sentimentos humanitários, o amor da pátria e os sentimentos cívicos.
(...)
Para evitar a fadiga de estar muito tempo sentado e para repousar um pouco o espírito,
poderão os professores, no fim de cada hora, fazer os alunos marcharem ordenadamente na
própria sala de aula, sem grande ruído, e executar alguns exercícios de ginástica no salão,
com levantamento e abaixamento de braços, entremeiados de cânticos escolares, quando
possível. (...) A disciplina escolar deverá assentar essencialmente na afeição do professor
para com os alunos, de modo a serem estes dirigidos não pelo medo, mas pelos conselhos e
persuasão amistosa. É expressamente proibido nas escolas o uso de castigos corporais.
(PILOTTO, 1954, p.61)
Pilotto, reproduzindo a lei de 15 de janeiro de 1914 informa-nos sobre a seriação do
ensino, a qual representava a :
Realização das leis econômicas de divisão do trabalho e do maior resultado com o menor
esforço. (...) Lucra o ensino, porque o professor exercerá a sua atividade só com uma classe
ou duas, quando muito; lucra a disciplina, porque todas as lições interessando ao mesmo
tempo a todos os alunos, entre estes não haverá ociosos ou desocupados, nem tempo para
traquinices. Lucra o professor, cujo trabalho é mais suave; lucra o aluno, cujo proveito é maior.
62
É provável que houvesse um pouco de exagero da parte de Paulo Ildefonso
d’Assumpção quanto às peculiaridades e inovações realizadas por ele na implantação do
método de ensino, mas certamente havia diferenças entre o método que desenvolvera e os
usados no restante do país; vide o prestígio que desfrutava junto ao Ministério e sua escolha
para inspecionar as EAA do norte do país, no ano de 1916. Desejando ver seu método
espargir-se pelos outros estados do Brasil, para as outras escolas de aprendizes artífices e
até mesmo para as escolas de instrução primária, dadas as vantagens que se poderia obter
do mesmo; inferia
(...) conviria iniciar-se a confecção e impressão das lições que convém ser aplicadas neste
sistema, tendo muito em consideração ao preparo profissional dos aprendizes, do qual elas
são o essencial elemento.Uma vez confeccionado esse trabalho, poderia ser distribuído por
todas as escolas congêneres, sendo aqui certo que a instrução primária do Brasil, dentro em
breve, terá como complemento necessário e geral, o ensino profissional, pois que, temos
demonstrado, dos doze aos dezesseis anos, pode-se dar instrução e um ofício.
(RELATÓRIOS, 1916, p. 80-81).
Objetava que o método de rotação, por ele pioneiramente introduzido e aplicado no
ensino primário no Brasil, impressionava os próprios governos locais, sendo em alguns
Estados objeto de estudo das repartições de ensino”. Tal método consistia em:
“Classificados por quatro séries graduais, o ensino de todas as matérias dos cursos é
distribuído pelo corpo de professores e adjuntos, que as sucedem diariamente nas diversas
classes, dentro dos horários regulamentares. (RELATÓRIOS, 1916, p. 80-81).”
Os elogios à Escola de Aprendizes Artífices do Paraná e, por tabela, a si próprio,
perpassam os relatórios escritos por Paulo Ildefonso. No que concerne ao método
empregado na Escola, os mesmos ficam candentes em muitas passagens, onde reconhece
transgredir os preceitos regulamentares, em prol da ultrapassagem daqueles que seriam os
limites esperados para os resultados do ensino nas Escolas de Aprendizes Artífices:
Apraz-me, ainda uma vez, assinalar o grande desenvolvimento que tem tido neste
estabelecimento os cursos que completam o programa de ensino das escolas de aprendizes
artífices.
Se em alguma coisa temos transgredido os preceitos regulamentares eu confesso que tem
sido na amplitude que temos dado ao programa de instrução primária, alargando-o além dos
limites traçados, e isto porque quase todos os alunos aqui matriculados, dada a idade de
admissão, já trazem um certo grau de desenvolvimento e forçoso é torná-los do ponto em que
encontram e, satisfazendo aos justos pedidos dos interessados, elevar os seus
conhecimentos enquanto permanecem na escola. (...)
No ano que findou, entre os 315 alunos, somente recebemos 10 completamente
analfabetos. Por isso, temos vistos os cursos desta escola freqüentado por alunos das mais
elevadas classes sociais, ao lado de multidões, de meninos pertencentes ao proletariado
estabelecendo-se assim auspiciosa e simpática corrente em prol do ensino profissional,
63
vencidos como foram velhos preconceitos e prejuízos arraigados pela rotina no espírito
público. (RELATÓRIOS, 1914, p. 112.)
A maioria dos alunos chegava alfabetizada, muito provavelmente porque a idade
de admissão era 12 anos e talvez já haviam freqüentado a escola antes. Restava relacionar
a feição prática do ensino ao método intuitivo. Ao descrever os programas de ensino em
1915, menciona que os mesmo encerravam uma feição prática coerente ao caráter da
Escola, ou seja, voltada à formação profissional. Tal programa fornecia “aos alunos o saber
suficiente e útil para completar a educação visada pelo estabelecimento” e poderia formar
convenientemente aqueles que trabalhariam na elaboração do progresso nacional, ou seja,
os aprendizes transformados em operários.
O ensino assim orientado, praticamente de posse do material indispensável para o trabalho,
transforma-se numa célula preciosa, num fator econômico apreciável que, concorrerá para o
benefício coletivo. É essa orientação prática do ensino que se adapta as condições atuais de
vida. A instrução não deve ser somente um ornamento social, mas principalmente a vestidura
intelectual que transforma, em organismo proveitoso o indivíduo dela destituído. E, a pátria
brasileira o que necessita, é de elementos que favoreçam a sua expansão econômica, de
seres que trabalhem conscientemente e que produzam qualquer coisa na elaboração do
progresso nacional. Assim pensando, foi que adotei o ensino aqui ministrado aos fins gerias
do Estabelecimento, concentrando as disciplinas transmitidas, num círculo de orientação
prática, modificando anualmente as disposições internas das aulas, de conformidade com as
vantagens e resultados colhidos no tirocínio escolar. Nessas condições, as aulas de ensino
elementar e de desenho desta Escola, funcionam com evidente utilidade, sendo que também
os frutos colhidos na sua marcha, são em grande parte, conseqüência do preparo e aptidão
do pessoal a que esta entregue tão delicada tarefa. (RELATÓRIOS, 1915, p.79)
Paulo Ildefonso pretendia formar um operário habilitado às lides do trabalho manual e
artesanal e posicionava-se contrariamente aos preceitos de racionalização do trabalho.
Pela relação dos artefatos produzidos nas oficinas desta Escola será fácil verificar a variedade
de objetos e a multiplicidade dos modelos adotados. Sendo quase todo o trabalho manual,
daí provem um exercício contínuo para todos os aprendizes que se habilitam nos mínimos
detalhes do oficio, sem risco de se encontrarem, um dia, desprevenidos à falta de
maquinismos. (...) (RELATÓRIOS, 1917, p.56)
Para Queluz (2000), a proposta de escola industrial defendida por Paulo Ildefonso
equilibrava-se entre a apologia da modernidade e a nostalgia da formação de operários
artesãos.
64
O aluno poderia ser aliviado do trabalho braçal pela máquina, mas deveria ter conhecimento
do processo de produção do objeto, sendo dado a ele, e não à máquina a possibilidade de
concretizar o sublime artístico na mercadoria. Paulo Ildefonso marcou sua escola pela
ambivalência em relação ao moderno. Nesse sentido, a sua instituição procurou acomodar
elementos aparentemente contraditórios, como artesanato e industrialização, arte e
padronização industrial, estética e mecânica, procurando alcançar um tênue equilíbrio entre
modernidade e nostalgia na formação do seu operário artesão.
Para exemplificar o programa que Paulo Ildefonso d’Assumpção instituíra e o
propósito de unir instrução elementar e preparação para o trabalho, segue abaixo alguns
“Memorandos aos Professores”, cujas sugestões de lições a serem dadas no correr do
ano de 1917 são esclarecedoras da forma utilizada para aproximar tais temáticas,
servindo-se do método intuitivo. Nas suas próprias palavras: “A obrigação de preparar os
menores pobres dentro de um determinado prazo, dando-lhes aptidão nos ofícios e instrução
correlativa, originou uma série de esforços e tentativas, de observação e experiência, que
trouxeram ensinamentos satisfatórios e resultados definitivos.( RELATÓRIOS, 1917, s.p)”
Os dados constantes no quadro que segue encontram-se no Relatório de 1917.
Memorando aos Srs Professores
Tema da Lição para o dia 25 de Maio de 1917
O globo terrestre
* Aula de prosódia e explicação de vocábulos
A terra do sistema planetário
* Aula de gramática e composição da linguagem
O mundo habitado, raças e povos.
*Aula de cálculo mental e medidas das grandezas
Os arcos da Terra, latitude e longitude, o ano e o dia
*Aula de desenho
a Terra no espaço, movimento de translação,
circulação e meridianos e círculos planetários
O Diretor / Paulo d’Assumpção
Memorando aos Srs Professores
Tema da Lição para o dia 01 de junho de 1917
O pinheiro brasileiro
* Aula de prosódia e explicação de vocábulos
A floresta, a arvore, o lenho (trechos para leitura)
* Aula de gramática e composição da linguagem
A árvore, o lenho, sua nomenclatura industrial
*Aula de cálculo mental e medidas das grandezas
A árvore, o lenho, sua grandeza, resistência e peso.
*Aula de desenho
A floresta, a árvore, o lenho, e suas formas industriais,
medidas habituais.
O Diretor / Paulo d’Assumpção
Memorando aos Srs Professores
Tema da Lição para o dia 8 de junho de 1917
O Frio
* Aula de prosódia e explicação de vocábulos
O frio, trecho oral; significação dos vocábulos; gelo
geada, saraiva, neve.
* Aula de gramática e composição da linguagem
Climas, estações, temperaturas, frio industrial
*Aula de cálculo mental e medidas das grandezas
Graduações termoestáticas (centígrada e calor
humano. Máximas (Reamur e mínimas de nosso clima,
médias.
*Aula de desenho
Representação do gelo, geada, saraiva, neve
Representação do termômetro (construção rigorosa
para as 3ª e 4ª séries.
O Diretor / Paulo d’Assumpção
Memorando aos Srs Professores
Tema da Lição para o dia 27 de julho de 1917
As batatas
* Aula de prosódia e explicação de vocábulos
Origem e caráter das plantas; sua aplicação na
economia doméstica.
* Aula de gramática e composição da linguagem
Cultura da planta e comércio mundial, sua importância
como elemento nutritivo.
*Aula de cálculo mental e medidas das grandezas
1ª Série- exemplos sobre o peso e prazos usais.
2ª Série exemplos sobre medida e preços industriais
3ª Série cálculo da produção por hectares
Série rendimento econômico de uma cultura,
estatística mundial da produção.
*Aula de desenho
a planta e o fruto.
O Diretor / Paulo d’Assumpção
65
Memorando aos Srs Professores
Tema da Lição para o dia 20 de julho de 1917
Céu e Mar
* Aula de prosódia e explicação de vocábulos
Navegação e rotas marítimas; calma e tempestade; as
marés.
* Aula de gramática e composição da linguagem
Erros históricos sobre o Céu e o Mar, Camões e o Mar.
*Aula de cálculo mental e medidas das grandezas
distancias celestes distancias geográficas
1ª Série- Explicação do Metro.
Série Medidas itinerárias usadas e suas relações
com o metro, cálculos adequados.
Série Traduzir as grandezas lineares de uma
escala de 1/30.000 , 1/100.00 e exemplos de
distancias siderais.
Série Distancias das estrelas pelo calculo da
velocidade da luz; calculo do movimente estelar.
*Aula de desenho
Horizonte. Traçado do horizonte racional e do horizonte
visual; planos infinitos. Demonstrações gráficas da
redondeza da Terra.
O Diretor / Paulo d’Assumpção
Memorando aos Srs Professores
Tema da Lição para o dia 4 de agosto de 1917
Metais
* Aula de prosódia e explicação de vocábulos
Nomenclatura geral dos metais (1ª série)
Emprego genérico dos metais (2ª série)
Metais industriais, metais preciosos (3ª série)
O trabalho metalúrgico (4ª série)
* Aula de gramática e composição da linguagem
Os metais nas artes mecânicas, nas artes liberais e nas
belas-artes. Armas e meio circulante.
*Aula de calculo mental e medidas das grandezas
Aplicação das unidades de grandeza continuas e
descontinuas (1ª Série)
Cálculo de preço em relação ao peso da obra (2ª
Série)
Cubagem das bitolas vulgares - OTL- (3ª Série )
Valor comparativo das moedas metálicas (4ª Série)
*Aula de desenho
bitolas usais do ferro forjado (1ª Série)
escalas e medidas usuais ( 2ª Série)
os metais das artes liberais ( 3ª Série)
os metais nas belas artes ( 4ª Série)
O Diretor / Paulo d’Assumpção
Para o Diretor o método empregado na EAAPR apresentava vantagens frente a
todos os outros já aplicados no país, especialmente
Para as nossas escolas, então, reveste um caráter precioso, pela generalidade dos
conhecimentos que desenvolve no ensino do aluno, pela constante aplicação das lições às
noções das coisas, pela facilidade com que os cursos didáticos aprendem e desenvolvem o
ensino de ofícios, explicando-lhes a tecnologia, a essência da forma, na matéria empregada
e na transformação adquirida (RELATÓRIOS, 1917, s.p).
Valorizando as condições de aproveitamento dos alunos que freqüentavam os cursos
de instrução primária e de desenho da Escola, em 1925, Paulo Ildefonso d’ Assumpção
menciona que o ensino propedêutico ocupava o centro do interesse dos pais que
matriculavam seus filhos na Escola:
São as mais lisonjeiras as condições de aproveitamento dos alunos que freqüentam os
cursos de instrução primária e de desenho desta Escola. Como tenho sempre acentuado em
meus anteriores relatórios e esta circunstância mais estimula a freqüência escolar,
interessados mais pelo ensino propedêutico que pela educação profissional, os pais dos
menores aqui matriculados reconhecem os reais progressos nessas matérias atingidos com
os métodos em prática. (RELATÓRIOS, 1925, s.p.)
Mas, se a EAAPR buscava o modelo da escola graduada e procurava notabilizar-se
inclusive pela organização de seu vasto edifício escolar, não era sem dificuldades que
conseguia viabilizá-los. Em muitos momentos nem mesmo as necessidades básicas
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relativas aos espaços e maquinários estavam resolvidos. Em 1912 a sede escolar precisou
ser ampliada em função do aumento de alunos. O governo municipal cedeu gratuitamente
o terreno, e o do estadual auxiliou na construção de um novo pavilhão com cinco salões para
aulas e oficinas.
As reclamações acerca das condições do edifício sede da escola iniciam-se no ano
de 1913 e se estenderão até meados de 1930, quando finalmente é construído um amplo e
espaçoso edifício, embora este também não tenha saído isento das queixas do diretor
Rubens Klier d’ Assumpção, que reclamava a ausência de banheiros em espaço coberto.
Pedidos de verbas ou descrições em torno da necessidade de melhorias e benfeitorias na
Escola eram freqüentes.
(...) si bem que amplo e otimamente situado o atual edifício da atual EAAPR, a capacidade
geral de suas repartições torna-se cada dia mais acanhada para o bom funcionamento dos
diversos serviços e por isso difícil a boa ordem e arranjamento das instalações. (...) ainda
assim, orgulho-me de ver mantido o bom crédito que os visitantes costumam exprimir em
relação ao asseio das instalações desta escola, conceito equilibrado com uma certa dose de
esforço (Relatórios, 1913, p. 29).
Em 1914, segundo Paulo Ildefonso, a EAAPR prosseguia sendo um dos melhores
prédios desta capital, a escola tem as suas instalações perfeitamente distribuídas, estando
quase todas as oficinas e aulas dispostas em amplas salas bem iluminadas e ventiladas”.
Por outro lado “a freqüência escolar sempre mais acentuada está exigindo o aumento dos
móveis escolares e acomodação para o trabalho, medida que não se pode conter dentro dos
recursos orçamentário distribuídos a esta repartição.” (RELATÓRIOS, 1914, p.28)
Frente à restrição dos recursos orçamentário imposta pelas parcas verbas
destinadas ao custeio das escolas de aprendizes artífices, Paulo Ildefonso d’Assumpção dizia
opor
(...) o máximo esforço para que, longe de retrogradar na marcha progressiva de seu
desenvolvimento, continue esta escola a desempenhar com eficácia sua alta missão
educadora. Não tendo até hoje recebido esta escola outro auxílio para as instalações, além
das verbas ordinárias do orçamento, é natural que seu material usado por seis anos de
trabalho, mereça uma remodelação, de acordo com o progresso de suas aulas e oficinas.
(RELATÓRIOS, 1915, p.2)
Mas logo procurava justificar-se dizendo das boas impressões manifestadas pelos
visitantes em relação às condições de ordem e asseio da instituição a qualquer hora em que
ali chegassem. A cada relatório anual o diretor esforçava-se para descrever as condições
precárias de funcionamento, na esperança de ver seus pedidos de verbas serem atendidos.
67
Na década de 1920 as instalações da EAAPR continuam superlotadas e padecem pela falta
de conservação, o que comprometia o andamento das aulas.
(...) como sempre tive ocasião de repetir-vos, o desenvolvimento progressivo destes
estabelecimentos dependem do constante melhoramento nos seus elementos de trabalho, de
novos maquinismos e de novas instalações. E não são os minguados recursos votados
anualmente para a aquisição de material que poderão suprir as necessidades apontadas; a
Escola de Aprendizes Artífices nunca recebeu, depois de sua instalação no ano de 1910,
qualquer recurso extraordinário (Relatórios, 1920 sem paginação).
As condições físicas da sede escolar estavam na contra-mão dos ideais almejados e
do determinado pela lei, especialmente no que se referia aos espaços destinados à
organização das oficinas. Quanto à higiene da Escola as Consolidações dos Dispositivos
Concernentes às Escolas de Aprendizes Artífices determinavam :
Art. 29º - O local destinado às oficinas, nas escolas, deverá ser suficientemente espaçoso e
sua ventilação o mais possível franca, de modo a fazer uma completa renovação de ar.
Art. 30º - As oficinas deverão receber bastante luz solar e as máquinas e aparelhos serão
dispostos de modo a ficarem completamente iluminados.
Art. 31º - O solo dos compartimentos destinados aos trabalhos das oficinas será rigorosamente
seco e o mais possível impermeável
Art.32º - As escolas deverão ser dotadas de aparelhos sanitários, água potável em quantidade
suficiente e outros meios que garantam o mais completo asseio e higiene. (Consolidação dos
Dispositivos Concernentes às Escolas de Aprendizes Artífices”. 1926. Apud. FONSECA, 1986,
p.262).
Paulo Ildefonso d’ Assumpção descreve as salas como bem ventiladas e iluminadas e
procura reiterar nos relatórios anuais a descrição positiva no que concernia às condições de
higiene e asseio do edifício escolar. Solicitava verbas para executar as despesas mensais
referentes
(...) ao asseio e boa ordem deste estabelecimento de ensino, e umas são impostas pelas
necessidades higiênicas e outras pela contingência em que se esta diretoria de,
constantemente recebendo visitas oficiais e de pessoas ilustres que passam por esta capital,
manter o bom aspecto, sempre observado. [pois] (...)as vastas proporções do edifício escolar
e a extraordinária freqüência de alunos forçavam-no a observar a ordem e escrupuloso asseio
da escola. (AVISO-CIRCULAR, 15 de setembro de 1914)
A presença de ideais de higiene também podia ser notada nos critérios de ingresso
dos menores na Escola. As sucessivas regulamentações acerca do funcionamento das
Escolas de Aprendizes Artífices implantaram modificações na idade de ingresso dos alunos,
no funcionamento dos cursos, nas atribuições do Diretor. Permanecia, entretanto, a
recomendação de priorizar os “desfavorecidos da fortuna”. Em 1918 foi estabelecido um novo
regulamento e a escola passa a atender alunos entre 10 e 16 anos.
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O Art.6º do Decreto 7566 de 1909 determinava:
(...) serão admitidos os indivíduos que o requererem dentro do prazo marcado para a matrícula
e que possuírem os seguintes requisitos, preferidos os desfavorecidos da fortuna: a) idade de
10 anos no mínimo e de 13 anos no máximo, b) não sofrer o candidato moléstia infecto-
contagiosa, nem ter defeitos que o impossibilitem para o aprendizado do ofício. (Decreto 7566,
de 23 de Setembro de 1909. Apud FONSECA, 1986, p. 178-179).
A comprovação dos requisitos para ingressar na Escola deveria ser feita por certidão
ou atestado dado por autoridade competente. Possivelmente, os atestados de ausência de
moléstias ou problemas físicos deveriam ser emitidos por médicos. Quanto à prova “de ser o
candidato destituído de recursos será feita por atestação de pessoas idôneas, a juízo do
diretor, que poderá dispensá-la quando conhecer pessoalmente as condições do requerente
à matrícula.” (Consolidação dos Dispositivos Concernentes às Escolas de Aprendizes
Artífices”. 1926. Apud. FONSECA, 1986, p.262).
Conforme esclarecemos anteriormente, documentos noticiando a pobreza dos pais
ou a orfandade de crianças eram remetidos à Escola pelos pais ou tutores, bem como
cartas provenientes de outras localidades solicitando a matrícula de menores. Para os
meninos atendidos na EAAPR a educação ministrada refletia, embora não materializasse, a
noção republicana de instrumento de igualdade e/ou ascensão social.
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CAPÍTULO II: O FUTURO PARANÁ; A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E
O TRABALHO CONSTRUINDO UMA IDENTIDADE PARANAENSE.
“A escola é o ponto de partida para a Cruzada que nos dará uma Pátria unida e feliz.”
(Enéas Marques, Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública do Paraná)
2.1 Forjando a identidade paranaense:
Diversas imagens são construídas acerca da EAAPR e do estado do Paraná como
partícipes de um ideal de identidade nacional. Procurava-se forjar uma identidade de
trabalhador nacional, elemento nacional, povo brasileiro, nação, operando a transformação
dos aprendizes em todas essas representações.
O ensino profissional servia de metáfora para uma série de anseios: ascensão
social, formação de bons cidadãos, propiciar meios de subsistência, construir um futuro
grandioso. Mas também deveria ser visto como portador de uma identidade e caráter de
paranaense que se pretendia construir: “O Paraná tem traços excepcionais que
caracterizam sua individualidade no seio da federação, precisa avigorar mais esse, de ser
uma terra onde os outros Estados venham buscar os operários hábeis e os mestres de
oficinas competentes. (Diário da Tarde, 20 de junho de 1910)
Nas primeiras décadas do Novecentos houve no Paraná um importante movimento
de construção de identidade paranaense, chamado “Movimento Paranista”, que contou com
a participação de políticos, historiadores, poetas e artistas plásticos embrenhados na tarefa
de estabelecer uma identidade paranaense, tanto para o cidadão deste estado, quanto de
invenção de tradições para o Paraná - que fora Comarca de São Paulo e durante longo
tempo considerado local de entreposto, caminho de passagem entre o Sul e o Sudeste. Ao
Paraná faltavam, mesmo meio século após a emancipação política, elementos que o
definissem como dotado de características próprias. Carecia ter suas virtudes e valores
enaltecidos, já que estava distante do centro político e administrativo da República. Ademais
o Paraná não tomou parte das oligarquias que ocupavam a presidência nas primeiras
décadas republicanas, pela baixa densidade demográfica e inócua representação no
governo republicano.
53
53
Os elementos referentes ao Movimento Paranista apresentados neste e nos próximos parágrafos encontram-se
apontados e discutidos em PEREIRA, F.L. Paranismo: Cultura e imaginário no Paraná da I República.
Universidade Federal do Paraná: Dissertação de Mestrado em História, 1996.
70
Movidos pelos pendores de criar na população um sentimento de pertencimento a
um local e de características que pudessem ser nomeadas como próprias, exclusivas; os
expoentes do Movimento Paranista direcionariam suas ações para diversas esferas. Fosse
na elaboração de um discurso histórico, de forte apelo positivista, produzindo heróis
regionais e cultuando os nacionais; na produção literária, especialmente resgatando e
apropriando-se de mitos indígenas a fim de instituir uma identidade regional; bem como
através das artes plásticas e da implantação de inúmeras estátuas dos heróis paranaenses e
republicanos.
As identidades nacional e regionais são todas impregnadas por uma visão positivista,
anticlerical e de elogio à técnica, de onde é possível se retirar a idéia de modernidade da
sociedade. No caso paranaense tal idéia es intimamente relacionada a uma construção de
uma sociedade supostamente industrial e projetada para um futuro idílico, onde o estado
mostraria a sua força; em relação a sociedade esta passa a respeitar os padrões europeus de
civilidade, tentando de todas as formas construir uma modernidade nos trópicos, ou mais
precisamente uma idéia de modernidade que se ligara de maneira exemplar ao contexto da
época quando a República prometia avanços técnicos e científicos jamais vistos e uma
prosperidade até então impossível pelos vícios da Monarquia.(PEREIRA, 1996, p.52).
Estava em voga, especialmente, a construção de uma identidade cultural do Paraná,
que não possuía traços específicos, pois o Norte paranaense era prolongamento de São
Paulo; inexistiam uma história vigorosa e uma natureza característica ou lendas de
primitivismo próprias; mal tinha suas fronteiras definidas e boa parte de seu território era
desabitado.
Assim, os Paranistas lançam-se à tarefa de construir uma idéia de Estado, partindo
da criação de uma história regional, lendas de primitivismo e até mesmo uma natureza
característica. Além de suprir a carência de uma identidade paranaense, intentavam
remediar a precariedade da vida cultural, política e social da capital. E, “para tanto valer-se-
ão até mesmo de suas ligações com as instituições governamentais na medida em que o
próprio governo paranaense terá interesse em forjar tal identidade.” Em 1911 o Executivo do
Estado concede 3:600$000 ao Instituto Histórico e Geográfico do Paraná para “manutenção
e publicação de sua revista, para preencher a lacuna da inexistência de uma história
vigorosa.”(PEREIRA, 1996, p.71)
A arena de debates acerca da definição do termo paranista”, inicia-se no ano de
1906, mas o Movimento Paranista seria formalizado somente em 1927. Paralelamente às
discussões empreendidas pelos participantes do Movimento Paranista, surgiam outros
71
“aparelhos culturais”
54
como o Centro de Letras do Paraná criado em 1912, a Academia
Paranaense de Letras de 1923 e as ações do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná,
criado em 1900 por iniciativa de Romário Martins, que prosseguia como seu presidente.
Romário Martins também era o principal líder do Movimento Paranista e foi precursor de
uma história regional. No centro de suas preocupações estava a tentativa de aglutinar as
diferentes etnias presentes no estado em torno da construção de uma identidade regional
para os paranaenses.
Essa construção de uma imagem que pudesse substituir a idéia do Paraná como “um
Estado típico desses que não tem um traço que faça dele alguma coisa notável (...)”
55
era
perpassada pelos ideais de progresso, civilização, ordem, trabalho e crença na ciência e no
desenvolvimento das máquinas. E a cidade já vislumbrava alguns avanços. As modificações
urbanas impingidas à Curitiba em prol de seu melhoramento e urbanização eram vistas
nas ruas - renomeadas com datas e heróis republicanos- onde aportavam novos meios
de transportes como os bondes; notava-se a presença da imagem trazida pela fotografia e
pelo cinematógrafo, além da chegada da iluminação elétrica dos teatros e de algumas ruas.
Entretanto, além de construir, ou inventar tradições que fossem peculiares ao Paraná,
carecia dar a conhecer tais idéias junto à população, que poderia contribuir para divulgá-las
ao máximo. Em 1912, o Governo Estadual prosseguia liberando verbas para a propaganda,
na imprensa diária, dos progressos do Paraná (PEREIRA, 1996, p.71.). Afinal, “construir a
imagem de um Paraná progressista seria, portanto, contribuir para a construção da idéia
positivista de Nação”. (PEREIRA, 1996, p.86)
A expectativa de construir o futuro Paraná passava, necessariamente, pelo âmbito da
formação para o trabalho. A Escola de Artífices poderia prestar um “serviço relevante não
a infância a que dará uma profissão, mas ao Estado e a Nação”. (Diário da Tarde, 20 de
junho de 1910). À data de abertura da EAAPR, noticiavam-se os fins a que se destinaria:
Amanhã abrir-se-ão à infância paranaense as portas de mais um importante
estabelecimento de ensino, reunindo a instrução literária as vantagens da aprendizagem
profissional, cuja falta em o nosso meio tanto se fazia sentir em proveito do enorme
contingente de meninos pobres e carecidos de habilitação prática para no futuro atenderem
as múltiplas exigências da vida social. (“A República”, 14 de janeiro de 1910)
54
Aexpressão é usada por Oliveira, 2001, p.181.
55
MACHADO, Brasil Pinheiro, Instantâneos Paranaenses. A Ordem. Rio de Janeiro: fev.1930, p.9; apud
PEREIRA, 1996, p.70.
72
Enaltecendo as vantagens advindas da criação das Escolas de Aprendizes Artífices
como medidas tendentes à “reformar os costumes nacionais” e destacando o “largo benefício
que no sentido de melhorar as condições de trabalho vem trazer às escolas profissionais
estabelecidas no território da Republica”, noticiava-se que o Paraná empregava “avultado
quinhão de suas rendas, com professores disseminados por todos os recantos em que
uma população escolar (“A República”, 15 de outubro de 1909). Contudo, o ensino
profissional estava descuidado antes da criação das Escolas de Artífices dando margem
para que anualmente fossem lançados aos espaços de trabalho, jovens sem o indispensável
preparo prático.
Anualmente saem milhares de jovens que vão, com seus exames finais de primeiras letras,
enfrentar com as rudezas dos trabalhos de oficio, sem outra orientação a não serem as
reminiscências de uma rudimentar instrução, que se desvanece e logo se reduz a mecânica
leitura e a prática da escrita.
Na profissão, que então abraça, com imediato intuito especulativo, entram às cegas,
guiados apenas pela natural inteligência e eventual inclinação. Se na lavora, prosseguem nos
rotineiros exemplos que se lhes deparam, se nos ofícios obedecem e imitam a maneira
primitiva que vem de gerações passadas. (“A República”, 15 de outubro de 1909)
Caberia ao ensino profissional suprir esta lacuna. E, uma vez mais, os modelos
adotados por outros países serviriam de justificativa ao que se pretendia instalar aqui:
(...) As escolas práticas para o trabalho suprem esta lacuna. Elas são hoje de todos os
países, para todas as idades, sexos, condições sociais, morais e físicas.
métodos especiais a seguir e todos podem trabalhar. Os cegos trabalham, os aleijados
trabalham, os velhos trabalham, e os próprios vagabundos trabalham, decaídos do alto da
sociedade, trabalham! Até para criancinhas da tenra infância criou os Estados Unidos, nas
suas admiráveis escolas maternais o pequenino e útil trabalho, caracterizado pela inocente
ocupação de desembaraçar da película as batatas que servem diariamente de alimento aos
pobres dos dispensatórios de New York!
por toda parte o encaminhamento racional das profissões de que nosso país até agora
descurou.
A forma do trabalho, além disso, avança e progride. A facilitação dos processos é a vitória na
concorrência.
As escolas profissionais, assim encaradas, são a verdadeira base do progresso industrial.
Entre nós a deficiência desse percurso, em parte, tem sido suprimida pela forte corrente
imigratória que nos trouxe braços e trabalhos com todos os aperfeiçoamentos.
E por isso nossa indústria apresenta-se moderna e adiantada. Mas na lavoura o exemplo
indígena prevaleceu sobre uma grande massa dos imigrantes, e o ferro e o fogo tornou-se
também um hábito para eles.
Aqueles mesmos que hoje são mestres de ofícios e oficinas amanhã estarão em atraso se
outros mestres não vierem, portadores de novos processos e recursos.
As escolas profissionais desempenham essa salutar função. Abrem o espírito da mocidade
operária à indagação, emprestam elementos à sua capacidade inventiva, animam-lhe o braço
para o trabalho. (“A República”, 15 de outubro de 1909)
73
Da passagem acima alguns elementos merecem ser depurados: a utilidade do
trabalho dirigido a todas as idades e pessoas, inclusive os acometidos por alguma doença
ou deficiência; assim como aos vagabundos e decaídos e até mesmo às criancinhas.
Observava-se também a presença dos imigrantes remodelando a configuração do Paraná à
medida que traziam os conhecimentos relativos aos ofícios.
Mas, observemos especialmente o seguinte: embora pretendessem fazer crer que o
ensino profissional pudesse trazer a mobilidade social desejada ou a possibilidade de
progresso pelo trabalho, são flagrantes outras expressões denotativas do oposto disso: ao
sair da escola, fosse ela elementar ou de caráter profissional, os alunos, diligentes
aspirantes ao operariado (“A REPÚBLICA”, 31 de agosto de 1910.) encontrariam a “rudeza
do trabalho de ofícios” (“A REPÚBLICA”, 15 de outubro de 1909). Portanto seria um público
bastante específico o alvo das escolas de artífices e dos postos de trabalho manufatureiro
ou fabril. A vinculação entre o ensino profissional e a possibilidade de ascensão social soa,
portanto, como pouco provável. Afinal, os alunos formados eram de classes proletárias,
em uma sociedade onde havia pouca mobilidade.
A genealogia, história e desdobramentos da classe dominante paranaense mostram-
nos que a posse de capitais, terras e propriedades vinculam-se primordialmente às
estruturas familiares, de parentesco ou casamentos dentro desses grupos familiares do que
exclusivamente à posse individual. Dessa maneira,
A fração ervateira da classe dominante paranaense foi aquela que durante mais tempo
organizou a hegemonia dentro de um bloco no poder regional na periodização estudada 1853-
1930. A legislação ervateira aponta a sua égide no aparelho do Estado durante vários
momentos. A força da fração dos grandes proprietários de terra ligados ao tropeirismo e à
pecuária também conheceu momentos de poder. [portanto] (...) a classe dominante é visível a
partir dos detentores de grandes fortunas, dos ocupantes dos mais elevados cargos políticos
e dos gestores da cultura e ideologia oficial (OLIVEIRA, 2001, p.267).
O ensino profissional relacionava-se a uma concepção do trabalho como elaborador
do progresso nacional. Essa modalidade de ensino era necessidade intrínseca também ao
desenvolvimento da industrialização e consolidava-se como viveiros de homens aptos e
úteis que vão formar o futuro operariado nacional (“A REPÚBLICA”, 31 de agosto de
1910) Ao formar o operário nacional as escolas de artífices pretendiam suprir a demanda
por mão-de-obra para as indústrias que se multiplicavam. Paralelamente, intentava formar o
homem brasileiro, os futuros chefes de família - responsáveis, laboriosos, disciplinados,
pacíficos.
74
O ensino profissional como sinônimo e futuro da nacionalidade era ideal recorrente.
“Saudando nos pequenos artífices o Brasil do amanhã”, Ernesto de Oliveira, secretário da
Agricultura, seria mais uma voz na defesa desse ramo de ensino. Na data da distribuição
de prêmios aos alunos, ele
(...)discorreu longamente sobre ao alcance da educação profissional no Brasil, no qual diz
concretar-se todo o futuro da nossa nacionalidade que só será grande, forte, verdadeiramente
independente sob o ponto de vista econômico, quando o povo estiver apto a produzir
intensamente por si, emancipando o país das indústrias estrangeiras, e mais ainda, fazendo o
Brasil a forja e o celeiro do mundo onde todos os povos venham comprar o que necessitarem.
Não é uma conjetura hipotética e sim um fato rigorosamente previsto que se efetivará dentro
de alguns séculos quando a Europa completamente esgotada pela sua super-população e
pelo imenso consumo de materiais de que dependem a indústria, não mais puder produzir.
(RELATÓRIOS da Escola de Aprendizes Artífices do Paraná, 1912, p.81)
As festas ocorridas no espaço da Escola de Aprendizes ou as quais organizava,
como esta da exposição dos trabalhos dos alunos e distribuição de prêmios, dão mostras de
como o discurso de seus idealizadores procurava ressaltar a aproximação entre as
classes naqueles momentos, aproximação notoriamente irreal
56
. Paulo Ildefonso
d’Assumpção reportava-se as “festas ao trabalho” e a “convivência harmoniosa entre as
classes” propiciadas pelas mesmas, mas ocultava que, desfeito o palco, a hierarquia e os
embates permaneciam.
No nosso país em que brilham as maiores mentalidades saídas ao acaso de berços os mais
humildes e ignorados é bem outra a condição da infância, do que nos países em que a
organização das famílias não evolui, nem progride, sendo as profissões e a condição social
uma herança que se transmite através de seculares gerações. Nos novos países
americanos o exemplo histórico é bem outro e não há alturas que não possa atingir o valor e a
capacidade das forças intelectuais. O problema resume-se na educação da infância pela
intervenção enérgica dos governos. (RELATÓRIOS, 1913, p.76-77).
No caso paranaense a possibilidade de os alunos empregarem-se nas pequenas
indústrias apareceu nos anos iniciais. A tentativa de cristalizar uma identidade ao jovem
estado apareceria também vinculada ao ensino profissional, pois aventava-se a
possibilidade de o Paraná fornecer operários a outros estados e marcar esse feito como
mais uma característica peculiar.
56
Conferir LOUREGA, 1991, que tratou brevemente da Escola de Aprendizes Artífices, das festas organizadas
pela Escola e as representações construídas em torno das mesmas.
75
Paulo Ildefonso d’Assumpção divulgaria, com desagrado e orgulho simultaneamente,
o fato de tão logo os menores cumprirem um curto período no interior da escola
57
, deixarem
as aulas das oficinas para inserirem-se em ocupação remunerada nos estabelecimentos
industriais e comerciais da cidade. Os menores eram enviados aos locais de trabalho pelos
próprios pais e/ou responsáveis, ávidos de ganhos” nas palavras do Diretor, ou então eram
seduzidos pelas parcas remunerações oferecidas pelos contratantes - ainda assim eram
maiores que as gratificações recebidas pelos artigos produzidos nas oficinas no interior da
Escola de Aprendizes Artífices.
Logo, os benefícios da implantação dos estabelecimentos de Instrução Profissional,
poderiam ser...
(...) atestados pelo contingente numeroso de novos operários que as indústrias locais já tem
fornecido a Escola do Paraná, contribuindo, assim, para que um núcleo valioso de jovens
operários nacionais se incorporarem a atividade das fábricas e oficinas deste estado. Poderia
levantar uma estatística, a mais animadora possível relacionando os aprendizes e salários
que os mesmos percebem, após um tirocínio escolar de pouco mais de dois anos, se não
prevalecesse sobre o animo do diretor desta escola o pesar de ver esses discípulos longe do
estabelecimento antes de completarem o curso regular. (...) a responsabilidade desse fato
deve pesar, sobretudo, sobre a consciência dos pais interessados, ávidos de ganho,
inconstantes no esforço que lhes impõe o dever de zelarem pela completa educação
profissional destes menores (RELATÓRIOS, 1913, p.1).
A atuação profissional de Paulo Ildefonso d’Assumpção, dentro da escola e em
muitos espaços fora dela, como os jornais, as viagens a outros estados e as cerimônias
cívicas representam seu ótimo trânsito por vários grupos políticos e intelectuais
paranaenses, como sua vinculação com os membros do Movimento Paranista.
58
57
A grande defasagem entre o número de alunos matriculados nas escolas profissionais e aqueles que chegavam
a diplomar-se parece ser comum no Brasil naquele período. MORAES, 2003, p.403, estudando os dados
referentes ao estado de São Paulo apresenta resultados similares aos apontados aqui.
58
Paulo Ildefonso d’Assumpção criou os escudos representativos do Estado do Paraná e da Universidade
Federal do Paraná. (QUELUZ, 2000, p.42) Em matérias publicadas no jornal A REPÚBLICA, durante o ano de
1916/1917 em que esteve em viagem ao Norte do país visitando as EAA, Paulo Ildefonso aproveita para
descrever as condições industriais de cada estado e as possibilidades de comércio que se reservavam aos
industriais paranaenses, a fim de comercializarem produtos específicos do Paraná. Dessa maneira, traçava um
perfil das peculiaridades paranaenses. Elementos mais expressivos da vinculação de Paulo Ildefonso com o
Movimento Paranista merecem ser investigados com mais vagar, pois infelizmente, encontramos não mais que
indícios de uma ligação importante entre ele e os demais membros, bem como seu transito pelos círculos culturais
curitibanos.
76
No primeiro ano de funcionamento da EAAPR remeteu fotografias ao Presidente da
República a fim de divulgar a escola
59
. A propaganda do desempenho de suas funções como
diretor também era feita nos artigos de jornal que produzia. Em contrapartida, os jornais
também jogavam louros sobre sua atuação dando ampla cobertura às feiras e exposições
que organizava.
Notícias vindas do jornal carioca “O Paiz”, davam mostras do que se realizara na
escola de artífices paranaense. Fotografias da EAAPR, diz o artigo, forneciam a “(...)
imagem nítida do trabalho oficial, da aplicação de um grande número de rapazes aos
serviços práticos que lhes hão de garantir, depois de algum tempo de aprendizagem, os
meios de uma honesta, digna e frutuosa subsistência”. A formatura dos alunos em Batalhão
(...) simpático, forte, de aspecto risonho, batalhão pacífico, de aspirantes diligentes a um
posto do operariado nacional. Depois veml-os (sic) divididos pelas diversas secções do
instituto, manejando os instrumentos do trabalho, adestrando-se nos mecanismos, recrutas
ágeis do nosso incipiente exército industrial. Dão fisionomias atraentes, sãs, reveladoras de
decisão.
aprendizes de todas as raças. E vai se acompanhando, fotografia por fotografia, a
atividade da escola, o desenvolvimento dos exercícios. Todo esse modesto, mas intenso
trabalho, em que se educa uma legião de moços que há pouco tempo nada tinham que fazer,
nem sabiam como utilizar o seu tempo, condenados pelo abandono oficial a parasitagem
tristemente quando chegassem a idade de ação, e compreendessem as suas
responsabilidades de famílias. O que se faz no Paraná realiza-se em Pernambuco, executa-
se em Alagoas, leva-se a cabo no Rio de Janeiro, opera-se enfim por quase todo o território
da união. À exceção da Bahia, parece, todos os Estados possuem hoje uma escola onde se
aprende a ganhar a vida, pela aquisição de um oficio, onde se aprende se formam operários
hábeis, onde se prepara pelo conhecimento sólido de uma profissão um número largo de
braços genéricos, de vontades úteis, de aptidões lucrativas. Estamos ainda na primeira fase
dessa campanha, mas já se pode, felizmente, avaliar a grandeza do esforço a excelência dos
resultados. ( “A República”, 31 de agosto de 1910)
A criação de espaços destinados ao ensino profissional representava, portanto, a
reparação de “erro”, pois o ensino oficial não contemplava tal modalidade de instrução. Os
menores estavam condenados, pelo abandono oficial, à ociosidade e à falta de ocupação o
que implicaria em falta de responsabilidade na condução de suas futuras famílias, ou
poderiam se entregar a parasitagem e mendicância quando chegassem à idade da ação. Por
meio da educação era preciso fazer de suas vontades, vontades úteis e desenvolver suas
aptidões tornando-as lucrativas. Outras vezes a inexistência de ensino profissional também
59
Paulo Ildefonso d’Assumpção descreve em seu relatório, em seção intitulada “Fatos Notáveis”, o
encaminhamento ao Presidente da República de um álbum contendo 30 fotografias sobre a Escola.
Posteriormente, o Presidente publicaria, em “O País”, elogios à Escola. “Photogravuras” remetidas seriam
publicadas naquele ano na revista “A ilustração brasileira” e nos jornais “A República” e “Gazeta de Notícias”.
(RELATÓRIOS, 1910. p.64)
77
era entendida como responsável por encaminhar as crianças à aprendizagem rudimentar e
rotineira das oficinas.
Em artigo que anunciava a Exposição da Escola de Aprendizes Artífices do Paraná
do ano de 1910, relatava-se a qualidade dos produtos que seriam expostos. A realização de
exposição tomava ares de “verdadeiro acontecimento por ser a primeira e grata afirmação do
trabalho de 200 crianças ainda ontem condenadas pela falta de um instituto profissional a
vegetarem, ou na ociosidade das ruas ou no trato martirizante de oficinas onde seriam
exploradas a troco de um aprendizado defeituoso superficial e rotineiro.” E arriscava
anunciar que, estando os alunos no espaço da EAAPR, bem outra seria a realidade que
conheceriam: “Na escola de artífices outros são processos de ensino suave metódico e
profícuo sem excluir a disciplina a que o aluno se submete de bom grado (“A REPÚBLICA”,
18 de novembro de 1910).”
Mas se os alunos freqüentavam os locais de trabalho e se preparavam para o
exercício de uma profissão, aprendendo de modo bastante rudimentar; com o surgimento
das EAA, passaram a adquirir uma formação mais especializada, o que não era sinônimo de
deixar de freqüentar os postos de trabalho. Pelo contrário, isso acelerava, ou pelo menos
facilitava o ingresso nos mesmos. Além disso, o trabalho dos menores era necessário à
sobrevivência das famílias, impedindo-os de freqüentarem a escola regularmente; conforme
informava o diretor: a “condição de vida das classes proletárias torna sempre mais e mais
difícil intensificar-se a freqüência escolar (RELATÓRIOS, 1924, s.p.).”
2.2 Guiando a juventude na estrada dignificadora do trabalho: o tríplice caráter
do trabalho e o ensino profissional
A ausência de legislação nacional e de diretrizes para o ensino nas oficinas permitia
a Paulo Ildefonso d’ Assumpção implementar um modelo bastante peculiar de direção da
Escola, baseado em suas experiências e formulações de métodos e estratégias para
conduzir o ensino ministrado nas aulas do curso primário e também das oficinas.
Além de preconizar um método próprio para o ensino profissional, Paulo Ildefonso
d’ Assumpção manteve-se em permanente diálogo com o modelo educacional republicano e,
por vezes, transformou-o a fim de adaptá-lo aos seus anseios de divulgar a sua escola do
trabalho e conciliar o modelo liberal de ensino republicano com o utilitarismo do ensino
78
profissional. Paulo Ildefonso d’ Assumpção procurou conciliar o método intuitivo e o método
sloydal
60
:
(...) sua proposta era de um ensino elementar do ofício de caráter essencialmente
demonstrativo. Com este intuito defendia a integração do ensino analítico” e do “trabalho
sloydal”. A união entre o método intuitivo e o sloyd tinha sua coerência em sua origem comum
no pensamento de Pestalozzi. Em sua ênfase no aprendizado através do saber, da
experiência prática, Pestalozzi advogava o treinamento industrial e agrícola para as crianças
pobres que estavam sob o seu cuidado. Porém o treinamento industrial não deveria ser o
objetivo único, o coração e a mente deveriam ser cuidados de forma igual e simultânea, sob a
pena de o indivíduo ser reduzido a ‘alguém treinado subservientemente para ganhar a vida.’
(QUELUZ, 2000, p. 74)
QUELUZ (2000) aponta que apesar da inexistência de elementos suficientes para
apurar a real dimensão da aplicação do método sloydal na Escola, os indícios dão mostras
de uma aplicação bastante desigual. Mas,
Independente da eficiência ou o da aplicação do método sloyd na Escola de Aprendizes
Artífices do Paraná, a defesa e a tentativa de implantação do mesmo têm um grande
significado. A mesma ambivalência em relação à modernidade que Paulo Ildefonso d’
Assumpção apresentara em seus textos de viagem, na exaltação da tradição e no elogio às
indústrias, durante o inquérito sobre a contratação de seus alunos por indústrias e oficinas o
que os incentivava a desistir dos estudos, está presente na adoção do sloyd e na ideologia dos
trabalhos manuais. Os dois movimentos ligados entre si tiveram sua origem numa reação
aparentemente anti-moderna, contrários a degradação do trabalho, procurando preservar os
valores tradicionais e a ordem social, especialmente na valorização da nobreza do trabalho.
(...)
60
“O sloyd era a produção de objetos de uso doméstico pelas famílias camponesas durante os longos invernos
na Escandinávia. Com a introdução de máquinas, a tradição do sloyd entrou em processo de desagregação.
Procurando minimizar as conseqüências sociais deste processo e formar a caráter dos jovens, os governos da
região procuraram estabelecer escolas de sloyd. A institucionalização conduziu a uma reflexão pedagógica sobre
o sloyd. A princípio, as escolas procuravam, apenas através da utilização de instrumentos manuais, fazer com
que os aprendizes produzissem objetos que o mercado pudesse absorver, sem preocupação com o cunho
educacional. Os mestres auxiliavam os aprendizes e até terminavam as peças para transformá-las em aceitáveis
para o comprador.” (QUELUZ, 2000, p. 75) Posteriormente, Uno Cygnaeus, na Finlândia, “procurou introduzir
nas escolas primárias o sistema pestalozziano-froebeliano de atividades manuais”, sem contudo conduzir os
alunos a escola técnica ou profissional. Na Suécia, Otto Salomon desenvolveu “sua teoria sobre o sloyd
educacional”, introduzindo o sloyd no ensino elementar, centrando-se na organização pedagógica e ( não mais
nos resultados econômicos. “manteve a característica da confecção de objetos úteis e a tradição do sloyd, mas
desenvolveu a idéia de analise cientifica do processo de confecção dos objetos. (...) a preocupação básica de seu
método era seguir a regra básica pestalozziana, fazer com que a instrução fosse organizada com referencia às
dificuldades crescentes no trabalho, sendo que o desconhecido deveria ligar-se ao conhecido e o desenho deveria
acompanhar ou preceder o trabalho no sloyd. Dividia seus objetivos com o sloyd em formativos e utilitários. Os
formativos eram: incentivar o gosto e o amor ao trabalho em geral; instar respeito pelo trabalho honesto e
braçal; desenvolver independência e autoconfiança; treinar hábitos de ordem, exatidão, limpeza e capricho;
treinar o olho e o senso de forma; cultivar hábitos de atenção, industria, perseverança e paciência; promover o
desenvolvimento potencial físico. Os objetivos utilitários eram: desenvolver a destreza no uso de ferramentas;
executar trabalho exatos.” (QUELUZ, 2000, p.75-6) Para divulgar o as técnicas do sloyd para todo o mundo,
Salomon organizou um centro de formação de professores e serviu-se da participação em exposições
internacionais. A respeito do sloyd e das concepções de ensino técnico, consultar QUELUZ (2000).
79
Na implantação do sloyd, mesmo que imperfeita, encontramos o desejo de padronização do
trabalho, a valorização incontinente de qualquer tipo de tarefa, a ênfase na utilização
consciente do tempo e das ferramentas, que prepara o operário para qualquer função na
fábrica. A reação inicial contra a degradação do trabalho artesanal no método sloyd é
dissolvida na escola profissional, através de diversos aspectos padronizantes e
disciplinadores da organização e do método escolar, transformando-se, contraditoriamente, em
um modo quase artesanal de preparo do trabalhador para seu lugar na fábrica. (QUELUZ,
2000, p.78).
Embora meu objeto de pesquisa não sejam os padrões de formação seguidos na
educação profissional ofertada pela EAAPR, é importante entender como a mesma
acontecia, quais relações estabelecia com as idéias de formação do trabalhador nacional, ou
de uma identidade nacional, e suas articulações com a educação elementar. O trabalho
manual era o objetivo da EAAPR e servia de preparo para as atividades que os menores
aprendizes deveriam desempenhar no futuro ou preterindo a Escola começavam
desenvolvê-las.
Como raras vezes aconteceria no repertório de notícias veiculadas sobre a EAAPR,
dentre as consultadas para esta dissertação, o jornal “Diário da Tarde” faria algumas
ponderações “sobre a maneira de preparar a mocidade para a luta do operariado moderno”
e desferia críticas a alguns encaminhamentos e posturas adotadas pela EAAPR:
Antes de tudo, do ponto de vista profissional, parece-nos, os meninos deveriam ser
habituados com as máquinas que substituem o homem com vantagens excepcionais.
A sapataria, a marcenaria, acham nas máquinas modernas elementos excepcionais de
concorrência que aniquila por completo o trabalho manual.
Os jovens operários, que se preparam para o futuro e não para o passado, nem para o
presente, deviam se habituar a ver a aplicação e o uso das máquinas, seu resultado
econômico, influência na manufatura. (Diário da Tarde, 20 de junho de 1910) (grifos meus)
Mas a EAAPR não ignorava a necessidade de máquinas e muitas vezes reclamava
a carência das mesmas para incrementar suas oficinas, sua produção e a aprendizagem
dos artífices. em 1912 realizam-se reformas e ampliação dos espaços da escola. A
construção do novo pavilhão para as aulas e oficinas foi completada pela Secretaria de
Obras Públicas do Estado, pois as verbas repassadas pelo Governo Federal não eram
suficientes para atender todas as demandas da Escola, a começar pelo grande contingente
de alunos. Possivelmente, a compra de máquinas, sugerida pelo Jornal Diário da Tarde,
acabava relegada a último plano entre tantas necessidades elementares, a começar pela
construção do espaço que as abrigasse.
80
O aumento das acomodações escolares, o desdobramento das oficinas, a distribuição das
aulas, o incremento do trabalho e o desenvolvimento geral do ensino, exigem agora a
aquisição de novos mobiliários, ferramentas e utensílio de trabalho, despesas essas que não
se comportam dentro das verbas orçamentárias distribuídas à cada escola, e que são as
mesmas tanto para esta escola com uma matrícula de 300, como para aquelas que não
passam de 60 alunos. (Oficio do Diretor da Escola de Aprendizes Artífices do Paraná à
diretoria de Indústria e Comércio, Curitiba: 22 de outubro de 1912).
Ou, segundo informa em relatório referente ao ano de 1914:
Os recursos ordinários de que dispôs este instituto não permitiram, entretanto, que maior
elasticidade se pudesse dar ao trabalho alargando sua produção pelos processos mecânicos,
quando nosso empenho tem sido utilizar a capacidade individual de cada aluno, apurando a
aptidão do trabalho manual e a perfeição individual nos conhecimentos adquiridos.
Os progressos, porém, alcançados poderiam equilibrar-se por uma mais vasta produção, se
cada oficina pudesse ser montada com as máquinas auxiliares e a força mecânica necessária
para cujas instalações já por vezes tenho solicitado recurso extraordinários.
Tendo, pois, desde a sua fundação se mantido esta escola com os recursos exclusivos da
dotação orçamentária, alargando suas instalações e ampliando seu material somente quanto
comportam as verbas determinadas nos créditos ordinários, não me foi possível dar ao
trabalho das oficinas toda a amplitude de que seriam elas capazes e para cujo fim, é
verdade, não pequena importância deveria ser dispendida.
Tenho porém esperança de que melhores dias voltando para o País, esta escola possa
alcançar aquele grau de desenvolvimento a que ela pode atingir, quando possuir um edifício
de mais vastas proporções e instalações completas, uma vez que de seu pessoal docente
tudo se pode esperar, selecionado como foi ele com rara felicidade.
Continuarei afirmando e V. Excia. poderá ter a prova de se dignar examinar o quadro dos
alunos inscritos nesta escola, que esta instituição continua a ser considerada nas camadas
populares como um dos mais úteis e diretos serviços prestados pelo Governo do País em
prol do proletariado e da educação em geral da infância. (RELATÓRIOS, 1914, p..2)
Por outro lado, Paulo Ildefonso d’Assumpção defendia a formação manual porque
muitos artífices poderiam se encaminhar para o interior do estado ou mesmo para pequenas
indústrias da capital e não encontrariam os maquinismos, daí a relevância de aprenderem
as habilidades manuais necessárias e a totalidade do processo, desde o desenho até as
etapas de realização das peças.
A dificuldade de conseguir máquinas modernas também era empecilho para destinar
formação mais coerente com aquilo que seria o futuro da industrializão. Paulo Ildefonso
d’Assumpção reclama que as verbas orçamentárias para a manutenção da Escola eram
parcas e não eram alteradas em função do número de alunos. Tivesse 60 ou 300 alunos, a
Escola de Artífices de cada Estado receberia do Governo Federal a mesma quantidade de
recursos.
À frente das restrições financeiras encontramos a supremacia da crença nos efeitos
do trabalho na vida dos aprendizes e na sociedade. A educação profissional subsidiaria a
81
ocupação de um lugar no mundo do trabalho. Afinal, por meio da instauração de hábitos de
trabalho e preparo do corpo pretendia-se formar também indivíduos mais aptos para a vida
social. Em discurso sobre as vantagens do trabalho manual, Chichorro Junior reportava-se
aos aspectos da educação física, da educação intelectual e da educação moral e social
implementadas pelo mesmo.O trabalho era entendido como um dos aspectos da educação
física e como salutar ao aprimoramento do indivíduo e da raça humana, além de ser
portador de efeito higiênico:
A introdução do trabalho manual nas escolas, como parte importante da educação física,
obedece essa corrente dessas novas idéias, porque a educação física é a condição sine qua
non da educação intelectual e moral, - a base da regeneração e sobretudo do melhoramento
da raça humana.
Harmonizando as formas e as forças do corpo, ela exerce uma reação salutar nas faculdades
intelectuais e morais. Ela fortalece o caráter ao mesmo tempo que enrijece os músculos.
Assim, não há povo sadio e principalmente não há povo forte sem uma boa educação física.
A educação física, repito, é a condição primária de toda a educação, porque o
desenvolvimento do corpo é essencial ao desenvolvimento do espírito, porque a vida superior
deste não é possível senão tendo por esteio uma vida física robusta e sadia.[ G. Compayré.
Cours de Pedagogie] O efeito higiênico geral do exercício opera-se no cérebro e nos outros
órgãos pelo fato da subordinação das funções entre si. O exercício aumenta as permutas
nutritivas, influi na vitalidade dos tecidos e ativa todas as funções. Assim, a nossa felicidade
depende em grande parte do nosso vigor físico, da quantidade de atividade de que somos
capazes e da direção dessa atividade. Nós somos infelizes por que somos fracos e nos
entregamos aos nossos caprichos e a nossas paixões. A ociosidade engendra a excitabilidade,
fonte de dispersão e indecisão. Os maiores prazeres, ao contrário, resultam da vida moral e da
saúde. Nem os sermões, nem as punições com que nos atormentam na escola podem nos
convencer da verdade: para isso é necessário criar novos hábitos, estabelecer novos
costumes.
Mas o é somente do ponto de vista da felicidade individual que aparece a importância, a
necessidade da educação física; no ponto de vista social ela também se manifesta evidente. A
sociedade, a nação compõem-se de indivíduos; e não sociedade, não há nação forte,
composta de indivíduos fracos. É esse o pensamento que Spencer resumiu com admirável
vigor de frase, dizendo: “como observa um pensador, a primeira condição de sucesso no
mundo é ser bom animal; e a primeira condição de prosperidade nacional, é que a nação se
componha de bons animais. Não é na guerra que a vitória depende ordinariamente da
força e da bravura dos soldados: nas lutas industriais também ela pertence ao vigor físico
dos produtores” (CONFERÊNCIA de Chichorro Junior - Secretário de Finanças, Comércio e
Indústria do Estado do Paraná, em 3 de maio de 1911).
O trabalho manual nas escolas poderia congregar todas as virtudes e efetivar a
finalidade da educação, que seria “desenvolver o ser humano, de modo a torná-lo
fisicamente robusto, intelectual, perspicaz e instruído e moralmente bom, enérgico e
devotado. (...) o seu objetivo supremo consiste em pôr de acordo a vida individual mais
intensa com a vida social mais extensa” (CONFERÊNCIA de Chichorro Junior - Secretário
de Finanças, Comércio e Indústria do Estado do Paraná, em 3 de maio de 1911).
Do ponto de vista da educação física o trabalho exerceria
82
(...) uma influência salutar na vida orgânica do indivíduo, contribui para a regularidade das
funções nutritivas, desenvolve o corpo, no seu todo e nas suas partes e torna-se assim um
poderoso auxiliar da robustez e da saúde. Os efeitos gerais do trabalho, diz um fisiologista
[Fernand Lagrange. Phisiologie dês exercices du corp], tendem a modificar todos os
temperamentos num sentido favorável a esse perfeito equilíbrio das funções que constitui a
saúde. Pelo fato da adaptação dos órgãos às exigências do exercício muscular, as
irregularidades da nutrição tendem a desaparecer. E pelo fato mesmo de seu funcionamento
regular a máquina humana torna-se mais apta a bem funcionar e adquire conformação que
mais se adapta a execução do trabalho. Ora, acontece que essa conformação é assaz
favorável a execução regular dos atos vitais.
O trabalho manual é assim da maior utilidade para a saúde das crianças. Ele tem um
resultado higiênico e serve para fortificar a raça no indivíduo.[ M Guyau. Education et.
Heredité] (CONFERÊNCIA de Chichorro Junior - Secretário de Finanças, Comércio e
Indústria do Estado do Paraná, em 3 de maio de 1911)
Mas é necessário lembrar que os propósitos de melhoria do indivíduo e da raça era
idealizado/concretizado na figura dos menores que procuravam a EAAPR, às vezes contando
apenas 10 anos de idade. Sobre esses infantes recaía o pesado fardo de remodelarem-se
para construir o futuro.
O Decreto 7566 de 1909 estabelecia para o ingresso a idade mínima de 10 e
máxima de 13 anos. Este limite seria modificado em 1911 com o Decreto 9070 (ou
Regulamento Pedro de Toledo): a idade mínima em 12 anos e determinaria a idade de 16
anos como máxima. Em 1918, a idade de ingresso seria novamente alterada para a idade
mínima de 10 anos.
A EAAPR nobilitava-se pelo seu “magnífico efeito moral”, por ofertar preparo
intelectual e técnico para o encaminhamento da vida”, por conceder o amparo à infância
pobre” e por proporcionar a “dignificação pelo trabalho”.
A benemérita instituição de ensino das artes, criada pelo governo federal e instalada em
nosso estado, pouco mais de um ano, vai comemorar a data de hoje com um festival todo
ele dignificador e que será de magnífico efeito moral pra o espírito da juventude que ali
recebe o preparo intelectual e técnico para o encaminhamento da vida.
A Escola Federal de Aprendizes Artífices, teve no Paraná a melhor consagração desde os
primeiros dias de funcionamento, a matrícula de aprendizes, que nos primeiros dias de
chamada contava apenas três dezenas, foi crescendo, multiplicando-se, e quando as aulas e
as oficinas foram abertas, a presença desses alunos dava a melhor esperança e perfeita idéia
das simpatias que ela conquistara da população curitibana.
Organizado com o mais seguro método, estabelecidos todos os serviços dos departamentos
de ensino, a escola reuniu o maior número de aprendizes que os esforços do seu diretor
conseguira aliciar e desde então o ensino de artes foi ali uma realidade.
Das oficinas de marceneiro e carpinteiro, ferreiro e serralheiro, seleiro e sapateiro e de alfaiate
saíram obras que atestam os bons resultados advindos desse útil estabelecimento, hoje
real amparo da infância pobre, guia da juventude na estrada dignificadora do trabalho. (A
REPÚBLICA, 03 de maio de 1911)
Esse anseio de oferecer formação profissional parecia inerente àquela sociedade
que buscava implementar o trabalho como o articulador de uma identidade regional e
83
também nacional. Daí a defesa feita por Chichorro Junior em prol do trabalho manual como
portador de grandes virtudes. Tecendo críticas ao ensino pouco prático; amplamente
prescrito nas escolas primárias, secundárias, profissionais ou no ensino superior, afirmava:
A instrução tem assim o concurso da inoculação educativa, não é simplesmente o ensino
teórico, superficial, pedantesco, ministrado do alto de uma cadeira pelo mestre-escola que nos
veio da idade média (sic); mas um trabalho inteligente de modificação, de adaptação do ser
humano ao meio em que tem de desenvolver a sua existência. É assim que se de ir
convertendo a escola de molde antigo na moderna escola para a vida, na escola do trabalho.”
(CONFERÊNCIA de Chichorro Junior - Secretário de Finanças, Comércio e Indústria do
Estado do Paraná, em 3 de maio de 1911)
Esses preceitos de uma educação moral ampliando a possibilidade de formação, ou
como foco objetivo da educação dos aprendizes, merecem ser destacados como fruto de
um entendimento do que seria adequado ao Brasil do período. A formação moral era
coincidente aos preceitos de educação física portadora de efeito higiênico, com os
propósitos de fortificar a raça no indivíduo, com o objetivo de regeneração e melhoramento.
ELIAS (1994) descreve o modo como o processo civilizador instaurou mudanças
nos padrões de comportamento. Tais transformações, longe de serem vistas como
originadas no indivíduo ou ocorridas de uma geração para outra, devem ser reconhecidas
como fruto de modificações a longo prazo empreendidas junto à sociedade e respaldadas
pela ambientação cultural. Interessado em desnaturalizar as atitudes humanas, Norbert
Elias refaz o percurso dos padrões de sentimento e atitudes hoje consideradas civilizadas,
educadas; cujas mudanças graduais e lentas prescrevem o que contemporaneamente
usamos considerar de bom tom.
A obra de Elias
(...) constitui uma análise da passagem de um padrão de comportamento medieval, expresso
pelo conceito de cortesia, para outro que ele rotula de civilidade, coincidente com o
Renascimento e o surgimento dos tempos modernos. Essa mudança, ao mesmo tempo
reflexo e mola propulsora de novas aspirações e costumes, esteve confinada de início às
classes privilegiadas, espraiando-se, pouco a pouco, para círculos sociais mais amplos.
(FAUSTO, 2005, p. 6 )
As premissas de Norbert Elias acerca da educação moral e do processo civilizador
responsável por instaurar padrões de civilidade, urbanidade e racionalidade, ocorrido no
período medieval, podem ajudar-nos a olhar com mais vagar o anseio por uma formação
moral, pelo caráter social e moral do trabalho, como centrais à educação dada aos
aprendizes artífices.
84
Norbert Elias entende o processo civilizador como instauração de hábitos, padrões
particulares de comportamento e do modo de expressar emoções, a fim de que se
transformem em hábitos.
Justamente com essa crescente divisão do comportamento no que é e não é publicamente
permitido a estrutura da personalidade também se transforma. As proibições apoiadas em
sanções sociais reproduzem-se no indivíduo como formas de autocontrole. A pressão para
restringir seus impulsos e a vergonha sociogenética que os cerca estes são transformados
o completamente em hábitos que não podemos resistir a eles mesmo quando estamos
sozinhos na esfera privada. (...) mas como quer que seja expresso, o código social de
conduta grava-se de tal forma no ser humano, desta ou daquela forma, que se torna elemento
constituinte do indivíduo. (ELIAS, 1994, p.189)
As assertivas acerca dos padrões de formação a serem utilizados com os aprendizes
parecem dividir-se em duas formas de enquadrá-los: uma delas era formar-lhes o espírito,
preenchê-los, como se estivessem esvaziados de qualquer tipo de formação ou educação.
Outra premissa era a transformação daquilo que possuíam, regenerando seus vícios e
costumes, fazendo-os abandonarem suas paixões e impondo-lhes exclusivamente o prazer
de uma vida virtuosa na estrada da moral. Afinal “tanto mais ameaçado fica, em sua
existência social, aquele que cede espontaneamente aos impulsos e às paixões, e está tanto
mais em vantagem aquele que consegue moderar os seus afetos.” (ELIAS, 1990, p. 192)
E aí se juntavam os três valores do trabalho manual: o físico, o intelectual e o moral e
social. Agregar saúde, fortificando a raça no indivíduo, aproximando normalidade física
com moral. Instaurar por meio do trabalho uma formação que se incrustasse no indivíduo,
regenerando seus hábitos, desfazendo-o de seus vícios e enquadrando-o nos padrões
ditados pela sociedade.
Como tornar massa homogênea indivíduos tão diferentes? A resposta viria através
da inculcação de padrões de civilidade. A homogeneização dos aprendizes se daria pela
homogeneização de seus hábitos. Transformá-los de tal maneira que neles pudessem ser
reconhecidos os “cruzados do trabalho”.
Tais mudanças seriam operadas naqueles alunos, conforme advertia Chichorro
Junior, não pelos sermões ou punições, mas pela criação de novos hábitos e costumes. O
próprio diretor ao relatar seus êxitos junto aos menores afirmava servir-se dos “únicos
meios permitidos em regulamento”, os conselhos e a persuasão para transformar
radicalmente seus hábitos e costumes. Como se criariam tais hábitos? As aulas de Prosódia
e Explicação de Vocábulos nos fornecem elementos para observar a presença da moral
“tanto nos conteúdos das disciplinas, quanto nas técnicas disciplinares e no método
pedagógico” (QUELUZ, 2000, p. 69)
85
Conforme esclarece Queluz, as aulas de Prosódia e Explicação de Vocábulos
baseavam-se na recapitulação constante, partindo do simples para o complexo, em clara
aplicação do método intuitivo. Fosse nas disciplinas de matemática, português, desenho,
história ou nas noções de higiene transmitidas, figuraria a temática da moral, que era
afinal o núcleo da formação dos aprendizes.
Transcrevemos abaixo três trechos dos Esboços de Ensino da Escola de Aprendizes
Artífices do ano de 1924. O primeiro deles diz respeito aos hábitos a serem adquiridos pelos
aprendizes, e a temática da higiene era presente em vários vocábulos, como na palavra
“banhos”.
A limpeza é a principal condição de saúde. A pele é a sede de uma transpiração continua que
deposita no orifício de seus inúmeros poros uma matéria viscosa que se dissolve n’água.
Quando aquela se evapora, o princípio que se contém em dissolução fica na superfície da
pele onde forma uma espécie de vernis gomoso ao qual se prende o pó. Daí resulta uma
espécie de crosta que irrita a pele e produz borbulhas, etc.. além disso impede a transpiração
e por isso mesmo a operação que depura o corpo de princípios nocivos, daqui a utilidade de
banhos freqüente. (Esboços de Ensino da Escola de Aprendizes Artífices no ano de
1924, apud QUELUZ, 2000, p.70).
Quanto aos ditados feitos na disciplina de Português, os programas de ensino
esclareciam:
Os ditados serão retirados de bons autores, referindo-se de preferência, aos assuntos que
interessam aos fins sociais destas instituições. Os exercícios de redação devem ter lugar todo
o ano; simples e graduados terão a princípio por objeto a composição de pequenas frases
sobre os assuntos conhecidos das crianças; depois compreenderiam a narração de um fato
da vida social e da existência operária. (Esboços de Ensino da Escola de Aprendizes
Artífices no ano de 1924, apud QUELUZ, 2000, p.71).
Quanto ao ensino de história, afirmavam os programas:
... o professor não deve esquecer que nenhuma outra disciplina é tão própria para fazer amar
a pátria e que o patriotismo carece e muito de ser cultivado. Ensino moral e patriótico, tal deve
ser a história [...] Ensine-se a história com esmero e entusiasmo, de forma que o aluno saia
da Escola com viva recordação das nossas glórias nacionais e resolvido a ser um cidadão
compenetrado de seus deveres e um soldado dedicado a sua bandeira. (Esboços de Ensino
da Escola de Aprendizes Artífices no ano de 1924, apud QUELUZ, 2000, p.71).
Importante é reconhecermos, nos discursos aqui reunidos, a centralidade da palavra
“moral”, cujo significado parece ser justamente a apreensão de padrões de atitude e
comportamento que não causassem ameaças à ordem social. Ao constituírem família ou
86
enquadrarem-se nos espaços de trabalho os aprendizes deveriam ser capazes de
reproduzir a aprendizagem recebida, de fazer bom uso do tempo e que suas vontades
fossem úteis. Corroborando as afirmações de Elias (1991), os aprendizes eram compelidos a
regular seus comportamentos.
Cada vez é maior o número de pessoas que têm de sintonizar o comportamento pelo das
outras, cada vez é preciso organizar a rede de ões com maior exatidão e rigidez, para que
cada ação possa se realizar a sua função social. O indivíduo é compelido a regular o
comportamento de uma forma cada vez mais diferenciada, mais uniforme e mais estável.
Como salientamos, essa regulação não é necessariamente consciente. É mesmo
característico da mudança operada no aparelho psíquico com a civilização que a regulação,
mais diferenciada e mais estável, do comportamento seja cultivada em cada pessoa, desde
tenra idade, cada vez mais como automatismo, como auto-coação, que ela não consegue
evitar, mesmo que conscientemente o deseje. A rede de ações torna-se tão complicada a
extensa, o esforço exigido pelo comportamento correto é tão grande que, a par do
autocontrole consciente, se consolida ao mesmo tempo no indivíduo um sistema de
autocontrole automático e cego, que procura impedir, através de um muro de medos
profundos, as infrações ao comportamento socialmente aceitável, embora, precisamente
porque opera de maneira cega e por hábito, leve, muitas vezes, por via indireta, a essas
transgressões contra a realidade social. (ELIAS, 1990, p.190)
Esses padrões de civilidade apontados por Elias e reconhecíveis na educação moral
dada aos aprendizes exerciam forte controle sobre os alunos e pretendiam civilizá-los
usando mecanismos variados.
Chichorro Junior enaltecia as vantagens oriundas do trabalho manual e reportava-se
às novas correntes da moderna pedagogia e da psicologia para defender um ensino
pautado na própria vida, na experiência, no pensamento, na ação pessoal; “as fontes
originais e reais do conhecimento”. Almejava um tipo de educação que atendesse às
necessidades do meio, reforçando o argumento da educação profissional para a classe
proletária, pois esta se encontrava acostumada ao trabalho. E prosseguia:
A introdução do trabalho manual nas escolas, o ensino profissional, o ensino prático e os
conhecimentos técnicos, por meio das oficinas de trabalho manual ou mecânico, obedecem a
essa orientação científica na educação da infância e da mocidade. Assim compreendem as
nações que vem prosperar a sua agricultura, o seu comércio, as suas indústrias e as suas
artes. Na Alemanha o ensino profissional alastra-se por toda a parte (...) o mesmo sucede na
Bélgica, dos Estados Unidos, na Suíssa, na Dinamarca, na Áustria. Por toda a parte a
educação técnica progride, a introdução do trabalho manual generaliza-se, desempenhando
papel importante na educação.
A criação, no nosso país, de Escolas de Aprendizes Artífices, obedece a essa corrente da
opinião, é o início da reforma da educação, entre nós, e coloca-nos assim no trilho das nações
mais adiantadas em matéria de ensino. É preciso, porém, não parar na vereda encetada. É
mister multiplicar essas escolas por toda parte, não só nas capitais dos Estados, mas também
nas cidades do interior, nos centros agrícolas e industriais; adaptando-se sempre as
necessidades do meio. (...)
87
O problema da educação, diz o escritor que a pouco citei [Gustave Le Bon], é muito mais
importante que o da instrução. O caráter dos homens muito mais do que o seu saber, é que
determina o seu sucesso na vida. E o dr. Corre, estudando esse problema no seu belo livro
sobre a etiologia do crime e do suicídio, lembra que os Espartanos, que recebiam uma
educação viril e uma instrução medíocre, foram mais capazes de esforços perseverantes que
os Atenienses, que recebiam uma instrução acuradíssima, mas uma instrução efeminada.
(CONFERÊNCIA de Chichorro Junior - Secretário de Finanças, Comércio e Indústria do
Estado do Paraná, em 3 de maio de 1911)
Buscava exemplo nos espartanos, que privilegiavam a educação em detrimento da
instrução, para advogar a urgência de se viabilizar uma educação voltada às virtudes morais
e físicas, as quais, permeadas pelo trabalho, seriam capazes de implantar o “automatismo
dos bons hábitos”. Paralelamente, o trabalho manual nas escolas profissionais apareceria
como dotado de tríplice caráter: o físico, o intelectual e o moral e social. E o conferencista
segue esmiuçando cada uma dessas benesses. Mencionando o caráter moral e social diz:
(...) a educação é mais importante que a instrução, pois é pela educação que se forma o
automatismo dos bons hábitos. Ora o trabalho cria esse automatismo e contribui
poderosamente para formar o caráter do pequeno trabalhador, apurando-lhe o espírito de
observação, de ordem e de método, e fortalecendo-lhe a vontade. Assim é que ele aprenderá
a ter coragem para suportar as fadigas e a dor do esforço físico; perseverança e paciência,
para prosseguir na realização de uma obra difícil e vasta; exatidão, para chegar a execução
pontual dos trabalhos, temperança e economia para fazer servir seu trabalho ao levantamento
de sua posição social. (CONFERÊNCIA de Chichorro Junior - Secretário de Finanças,
Comércio e Indústria do Estado do Paraná, realizada em 3 de maio de 1911)
Note-se o contraponto entre uma escola para o povo, a profissional, e a escola
voltada para a formação de bacharéis. A primeira deveria estar de acordo com o meio em
que tais indivíduos viviam e ao mesmo tempo fazê-los acreditar em uma possibilidade de
ascensão social. O trabalho, sinônimo de formação do automatismo dos bons hábitos,
deveria ser inculcado até o aluno se tornar convicto da sua utilidade. As escolas
profissionais, afirmava, mencionando os casos da Alemanha e da Áustria, são o
“fundamento da sociedade atual” e seriam também “a base dos estudos e da educação
populares”. E citando o autor Ledent, defende a importância de
(...) desenvolver nas crianças o amor e o respeito ao trabalho, resultado que se obterá dando
a este o devido atrativo, inculcando na mente do aluno a convicção de sua utilidade, de seu
papel indispensável na sociedade, mostrando enfim que a sua execução perfeita requer
também um esforço mental inteligente. É portanto, desde a idade mais tenra que se deve dar
tal orientação à educação aos filhos do povo trabalhador. (...) É palpitante a necessidade de
por a educação de acordo com o meio em que o indivíduo vai exercer a sua atividade. É
necessário fundar a educação em bases que estabeleçam a harmonia entre a vida individual
88
e a vida social. (CONFERÊNCIA proferida por Chichorro Junior - Secretário de Finanças,
Comércio e Indústria do Estado do Paraná, em 3 de maio de 1911)
A necessidade de preparo profissional se dava porque as crianças, saídas das
escolas, iriam enfrentar a dureza das atividades diárias. Daí novamente a crítica à instrução
abstrata ministrada nas escolas primárias em função da
(...) desproporção grotesca em que ela se encontra em relação aos fatos da vida real, que
tem de ser enfrentado pela imensa maioria das crianças saídas dessas escolas. O contraste
entre uma educação escolar que não cogita de instrução manual, e a perspectiva de uma
vida de trabalho quase exclusivamente manual, é tão flagrante que, a priori, é possível afirmar
que o efeito social do sistema não pode deixar de ser desastroso (CONFERENCIA proferida
por Chichorro Junior - Secretário de Finanças, Comércio e Indústria do Estado do Paraná,
em 3 de maio de 1911).
Ressaltando que o trabalho manual propicia o desenvolvimento das faculdades
intelectuais, estéticas e físicas das crianças além de contribuir para a aplicação do método
experimental, com o concreto precedendo o abstrato, aproveita para destacar seus aspectos
sociais e políticos, pois o trabalho manual seria “um preparo para as lutas futuras da
existência”, constituindo-se como “um remédio preventivo para as misérias sociais”.
Norbert Elias defende que um processo de civilização individual considerado bem
sucedido é aquele que: “após todos os labores e conflitos do processo, acabam por
desenvolver-se, no enquadramento das funções sociais dos adultos, formas de
comportamento bem adaptadas, um sistema de hábitos com um funcionamento ajustado(...)
(ELIAS, 1990, p.199). Se a escola recebia alunos variados; aqueles que buscavam a
possibilidade de formação profissional e também alguns menores que haviam incorrido na
criminalidade, especialmente enquanto não havia outras instâncias de reclusão
61
, notaremos
o anseio por uma educação moral capaz de implantar o “automatismo dos bons hábitos”.
Hábitos instaurados representavam a garantia de moldagem e/ou correção do mal pela raiz.
Daí o desejo de Paulo Ildefonso de transformar a escola em internato, conforme discutirei no
item a seguir, seqüestrando os meninos do meio que os corrompia e instaurando neles
novos hábitos.
61
Até a criação do Patronato Agrícola em 1918 Curitiba dispunha apenas do Orfanato Cajuru, para meninas e do
Orfanato São Luiz para meninos. A polícia “utilizava-se do expediente de prisões correcionais para os menores,
como forma de intimidação (...) Para os menores reincidente havia a possibilidade de internamento na escola de
Aprendizes Marinheiros (...)” (QUELUZ, 2000, p.37). Sendo que a Escola de Aprendizes Marinheiros localizava
em Paranaguá.
89
Advogavam a formação moral não pelas punições ou sermões, mas pela formação
de hábitos. Hábitos que cotidianamente eram introjetados, acompanhados de “conselhos e
persuasão” em perspectiva de alerta e reforço dos padrões comportamentais, por meio dos
quais transformariam radicalmente seus costumes.
2.3 As caixas de mutualidade e a reivindicação do regime de internato
O Decreto 9070, de 25 de outubro de 1911, estabeleceu um novo regulamento com
o propósito de ampliar o número de freqüência dos alunos à Escola; combater as
desistências e elevar a produção das oficinas. As “Instruções relativas às Associações
Cooperativas e de Mutualidade entre os alunos das Escolas de Aprendizes Artífices”, foram
organizadas com diversos propósitos, conforme podemos observar na transcrição do
Art.13º:
a) promover e auxiliar todas as medidas tendentes a facilitar a produção das oficinas e
aumentar-lhes a renda, sem prejuízo do ensino;
b) promover aperfeiçoamento dos produtos;
c) promover a defesa dos direitos e interesses dos alunos associados;
d) desenvolver, por todos os modos, os pendores altruísticos dos sócios, estimulando-lhes o
sentimento de solidariedade humana;
e) socorrer os sócios nos casos de acidentes e moléstias, até seis meses em cada ano;
f) prover às despesas de enterramentos modestos, mas decentes, dos sócios que falecem
durante o período escolar;
g) entregar aos sócios, que completarem o curso da escola, um pecúlio em dinheiro, o
excedendo de 50% das contribuições feitas em todos os anos do curso escolar, e ferramentas e
utensílios indispensáveis para o seu oficio. (“Instruções relativas às Associações Cooperativas e
de Mutualidade entre os alunos das Escolas de Aprendizes Artífices, organizadas de acordo
com o Art. 27º do Regulamento aprovado pelo Decreto 9070, de 25 de outubro de 1911.” Apud
FONSECA,1986, p.269).
O estabelecimento do pagamento de diárias aos alunos e a criação das Caixas de
Mutualidade assegurariam a assistência médica, compra de remédios, ferramentas aos
formandos e auxílio aos funerais dos alunos associados
62
. As Caixas de Mutualidade eram
constituídas em parte com as diárias pagas aos alunos; com percentagem da renda líquida
proveniente das oficinas; com as multas cominadas aos alunos e também com doações
particulares ou auxílios governamentais.
62
O funcionamento da Caixa de Mutualidade teve atuações diferentes ao longo do funcionamento da EAAPR e,
por vezes, chegou a suprir demandas que não eram da sua competência como o fornecimento de merendas, no
ano de 1929, mas foi ressarcida posteriormente.
90
Na EAAPR a Caixa de Mutualidade foi instalada em 30 de novembro de 1912. (Livro
de Actas para a Escola Federal de Aprendizes Artífices, 30 de novembro de 1912). Paulo
Ildefonso afirmara que confiança depositada na Escola pela classe proletária fora acrescida
pelos benefícios do funcionamento da caixa de mutualidade, que ofertaria, por exemplo,
recursos médicos. E concluía “foram vencidas as dúvidas ou desconfianças quanto ao intuito
desta instituição” (RELATÓRIOS, 1913, p.3) A preocupação do diretor em diluir a
desconfiança que a classe proletária nutria pela Escola também pode ser depreendida do
anúncio publicado no jornal, na seção de propagandas:
Os alunos matriculados na Escola de Aprendizes Artífices assumem compromisso com o
estabelecimento por 4 anos, findo os quais recebem um título de contra-mestre, sendo
inteiramente livres de procurarem seu destino. Os alunos portadores de seu cartão de
matrícula, terão sempre a proteção da Escola em qualquer circunstância, ou sofrendo
constrangimento independente da vontade paterna. (DIÁRIO DA TARDE, 26 de janeiro 1911)
Em 1915 o pagamento das diárias aos alunos foi suspenso em função da Guerra
Mundial e em 1918 tal pagamento foi definitivamente cancelado; o que gerou
enfraquecimento das caixas de mutualidade.
De encontro aos propósitos de educação moral, cívica e disciplinar das EAA, o
regulamento da Associação Cooperativa determinava que os sócios da mesma deveriam
cumprir rigorosamente as determinações, as quais eram: pagar regularmente as
contribuições, comportar-se honestamente na escola e fora dela. O Art.18º do Regulamento
determinava que: “são passíveis de multa, no valor de uma, ou cinco diárias, a juízo da
diretoria da associação, os alunos que promoverem rixas, danificarem o material da escola,
andarem armados, faltarem com respeito aos seus superiores ou de qualquer modo,
infringirem a disciplina e a moralidade escolar.” Os reincidentes deveriam pagar as multas
em dobro. Os valores arrecadados com a aplicação das multas eram remetidos em favor da
Associação (“Instruções relativas às Associações Cooperativas e de Mutualidade entre os
alunos das Escolas de Aprendizes Artífices, organizadas de acordo com o Art. 27º do
Regulamento aprovado pelo Decreto 9070, de 25 de outubro de 1911.” Apud
FONSECA,1986, p.270)
Entretanto, o pagamento de diárias acabou por constituir-se em um problema. O governo
previa o pagamento de uma diária de 100 rs aos alunos do 1º ano, 200 rs para os alunos do 2º
ano, 400 rs para os alunos do ano e 600 rs para os alunos do 4º ano. As instruções do
Regulamento Pedro de Toledo estabeleciam que as diárias dos alunos de e anos
deveriam ser depositadas em uma caderneta da caixa de mutualidade que deveria ser
91
obrigatoriamente criada em cada escola. O mesmo regulamento previa que os sócios da caixa
de mutualidade deveriam estabelecer em assembléia o valor a ser retido para os alunos de
e anos, o que no caso da escola paranaense foi definido em uma colaboração de 250 rs
das diárias dos alunos do e 400 dos alunos do ano, valores que só poderiam ser
resgatados pelos alunos que concluíssem o curso. As despesas para pagamento de diárias
alcançaram, por exemplo, para o ano de 1912 o valor de 12:040$000. Para um governo que
gastara aproximadamente 10 contos de is com as despesas de instalações das oficinas e
que a partir de então não disponibilizara mais verbas para esse fim, evidentemente estas eram
quantias elevadíssimas (QUELUZ, 2000, p. 48).
Após dois anos de funcionamento da EAAPR, Paulo Ildefonso d’ Assumpção
mostrava-se desapontado com as queixas emitidas pelos alunos e pais referentes à
retenção dos salários que lhes eram atribuídos para formação das Cadernetas e Caixas de
Mutualidade e nomeava a atitude dos mesmos como “descabida ambição”, pois estariam
deixando de considerar os “já enormes benefícios recebidos da nação.” Paulo Ildefonso d’
Assumpção descreve os responsáveis pelos menores que freqüentavam a Escola como:
(...) formados, desgraçadamente, em sua maioria, de elementos falhos de qualquer educação
cívica ou instituição social como não se daria nos países em que o valor individual reside na
consciência da própria energia e na solidariedade das classes, os responsáveis perceberam
no benefício concedido pela nação uma possibilidade de ganho imediato, não o princípio, a
base primeira da economia na vida laboriosa, mas educativa, dessas crianças.
(RELATÓRIOS, 1913, p.76-7).
Possivelmente, os pais estavam a reivindicar o pagamento de seus filhos conforme
havia sido acordado e porque contavam com aquele rendimento. Mas a Escola procurava
reforçar os ideais de trabalho e abnegação. A premiação dos que demonstravam maior
aproveitamento indica a busca pela valorização do trabalho e da aprendizagem e não da
remuneração. Comparavam ou tomavam o trabalho do aluno como uma obra artística,
procurando criar um vínculo com o artigo produzido; prática respaldada pela entrega de
prêmios em cerimônias anuais.
63
O pagamento desses trabalhadores-mirins se dava através de uma Caixa de Mutualidade, isto
é, a Escola comercializava a produção e enviava o obtido para esta Caixa, sem passar pelas
mãos dos menores a receita que seu trabalho gerava, era toda canalizado [sic] para uma
poupança obrigatória. Com três anos de Escola, o aluno cumpria todo o programa curricular,
mas sua remuneração só lhe era entregue após um ano, ficando toda a importância
acumulada. Esse sistema disciplinar e de remuneração em seu todo tinha como propósito a
valorização unicamente do trabalho, deixando a questão salarial num nível de
incompatibilidade com a dedicação do aluno (LOUREGA, 1991, p. 76).
63
LOUREGA, 1991, ver item relativo à Escola de Aprendizes Artífices.
92
E, mobilizado pela “ambição de ganho” dos pais dos aprendizes, Paulo Ildefonso
aproveita para reforçar seu desejo de criar um estabelecimento de internamento, à maneira
das instituições totais, para recolher os menores a fim de melhor educá-los:
(...) por isso, respeitando embora a bela teoria que aconselha que os menores devem
desenvolver o caráter ao ambiente das condições em que nascem, eu, com assombro
continuo a clamar pela necessidade de ir a nação ao encontro da miséria da infância
desvalida, criando internamento (...), seqüestrando-os ao pernicioso ambiente em que
estiolam o sentimento e a razão, crestados pelo vício. É necessário salvar, desde a infância,
os pendores generosos que é o apanágio do sentimento nacional e a intelectualidade inata
que é a glória do povo brasileiro, dando a intensa camada popular, à infância pobre, o
conforto físico que robustece a raça e a educação moral que é a disciplina da vida, extinguindo
também a classe numerosa dos tutelados que não são mais que pobres continuadores do
elemento servil. No nosso país em que brilham as maiores mentalidades saídas ao acaso de
berços os mais humildes e ignorados é bem outra a condição da infância, do que nos países
em que a organização das famílias não evolui, nem progride, sendo as profissões e a
condições social uma herança que se transmite através de seculares gerações.
(RELATÓRIOS, 1913, p.76-7).
Amplas eram as tentativas de instituições como a escola, a polícia e os médicos, para
afastar os menores de seus familiares, pois consideravam potencialmente degenerativo o
convívio com as classes populares. Desde o primeiro ano de funcionamento da EAAPR,
Paulo Ildefonso d’Assumpção reporta-se às observações que fazia de seus alunos para
reafirmar a convicção de que o estabelecimento do internato “(...)seria a solução mais útil ao
importante problema a que estão afeitas as experiências profissionais.” Os discursos sobre a
necessidade de “seqüestrar os filhos de seus pais”, pois em algumas horas de convivência
poderiam perder os ensinamentos que a escola demoradamente lhes havia incutido,
sucediam-se nos relatórios escritos pelo Diretor.
O regime de internato completaria a grande obra construída pelas Escolas de Aprendizes
Artífices (...) nele os alunos não receberiam o ensino elementar e o ensino profissional:
tenham também, a sua educação moral orientada. A maior parte dos que freqüentam os
estabelecimentos como este, são filhos de lares miseráveis e viciados, o encontrando na
educação paterna essa firmeza e essa linha tão necessária ao homem. Muitas vezes, em
seus próprios lares eles perdem aquele coeficiente da educação que receberam durante as
horas escolares. Na, por conseqüência, essa luta entre a escola que educa e ensina e o lar
decomposto pelas misérias da vida. A escola combate e procura vencer. Mas, os seus
esforços esboroam-se do encontro à influência que o meio exerce sobre o indivíduo. A
criança permanecendo mais longo tempo no lar infiltrado de más normas de conduta ou
vagando a esmo pelas ruas, recebendo, assim, os efeitos maus que prevalecem nesses
meios, naturalmente que se deixa arrastar por eles; perdendo (...) os salutares ensinamentos
que lhe foram inspirados pelos seus professores. Seria necessário, portanto, que a escola
seqüestrasse inteiramente o aluno durante um certo tempo até ela lhe formar, não o
cérebro, com o coração, revestindo-o de uma couraça de ensinamentos que o tornassem
invulnerável a ação perniciosa do meio em que fosse labutar.” Bastariam dois ou três anos em
93
regime de internato, aproveitando para a manutenção os salários e a venda de produtos. O
estabelecimento do internato viria de encontro aos desejos não dos alunos como viria
também satisfazer uma grande aspiração dos pais dos mesmos, e, ainda mais, viria de
encontro aos interesses da pátria que nele encontraria uma casa onde se formassem
cidadãos conscientes e úteis. (RELATÓRIOS, 1912, p.9-20).
Entretanto, o desejo de Paulo Ildefonso d’ Assumpção de ver concretizado o internato
jamais seria viabilizado, possivelmente pela própria natureza das instituições de Aprendizes
Artífices, que adotava o regime de externato.
Além de representar a tentativa do governo federal de vincular as EAA ao trabalho
livre e distanciar os alunos da compulsoriedade do trabalho, como acontecia nas instituições
de internato; bem como o esforço em estabelecer classificações dos menores desvalidos,
conforme sugere QUELUZ (2000); outros elementos podem ter contribuído para que o
modelo de internamento não se realizasse: a falta de verbas e de apoio financeiro, vide as
freqüentes reclamações quanto à escassez de recursos para realizar a manutenção dos
espaços e máquinas da escola; o funcionamento ou a criação de outras instituições nos
moldes de internato ao longo da década de 1910 no Paraná, e ainda pela própria clientela
de alunos que recebia, a maioria configurada como aprendizes e não correcionais.
Embora houvesse distinções entre os alunos, ao mencionar a proposta de internato
Paulo Ildefonso não alude aos menores delinqüentes como mais uma categoria a qual se
destinaria modelo especial. Transparece, sobretudo, a situação de pobreza e abandono.
(...) a necessidade ou ambição do ganho é o que mais desvia os alunos de suas obrigações
escolares, uns influenciados pelos próprios pais, outros desejosos de auferirem pequenas
gorjetas, prejudicando a regularidade dos próprios estudos em detrimento dos progressos da
escola. O ideal deste estabelecimento seria (...) em vez de instituir-lhes salários mais ou
menos remuneradores, criar-lhes regime de internato aproveitando o salário para a
sustentação diária de cada aprendiz. (RELATORIOS, 1911, p.13)
Paulo Ildefonso d’Assumpção sugeria ainda a proporção das matrículas, conforme a
seguinte distribuição:
(...) um terço dos alunos matriculados como internos, um terço como semi-internos e um terço
como externos.
Internos: seriam admitidos os órfãos, sem arrimo algum, procedentes de qualquer localidade
do Estado, e os filhos de mães viúvas ou de pais miseráveis.
Semi-internos: aqueles que, tendo teto, sendo filhos de mães viúvas ou de pais miseráveis
tivessem suas mães empregadas em ocupações externas.
Externos: os menores aspirantes ao ensino profissionais que estivessem nas condições
regulamentares.
94
(...) seriam ainda admitidos nos dois primeiros os menores cujos pais ou responsáveis
quisessem fazer uma contribuição de acordo com as respectivas despesas. (...) na
organização do internato trabalho seria distribuído entre os próprios beneficiados, criando
espírito de economia, revesando-os na direção interna e ocupações inerentes à esta casa de
pequenos operários. [grifo no original] ...onde até a alimentação pudesse ser provida com o
auxílio do trabalho dos menores complementando-se deste modo a educação do homem
moderno, afeito e preparado para todas as vicissitudes da vida. (RELATORIOS, 1911, p.13-4)
Empecilhos para que a idéia de internamento desses menores se concretizasse
também podem ser aludidas à necessidade de trabalharem para a subsistência da família.
Paulo Ildefonso revela que as faltas eram freqüentes; às vezes porque os alunos
empregavam-se nas indústrias, outras vezes porque deveriam colaborar nas tarefas
domésticas. Ao tratar do uso do tempo na Escola, dizia ser necessário liberar os alunos da
necessidade do estudo em casa, pois neste espaço e tempo as famílias não poderiam
prescindir da ajuda dos mesmos.
O caráter ritualístico e (con)formador das celebrações e tempos escolares serão
objeto do próximo capítulo.
95
CAPÍTULO III: TEMPOS E RITUAIS DE (CON) FORMAÇÃO; UM
CONTRAPONTO À “INDISCIPLINA DOS COSTUMES”
“O tempo faz pesar sobre nós um forte constrangimento, seja porque consideramos
muito longo um tempo curto, ainda quando nos impacientamos, ou nos
aborrecemos, ou tínhamos pressa de ter acabado uma tarefa ingrata, de ter passado
por alguma prova física ou moral; seja porque, ao contrário, nos pareça muito curto
um período relativamente longo, quando nos sentimos apressados e pressionados,
quer se trate de um trabalho, de um prazer, ou simplesmente da passagem da infância
à velhice, do nascimento à morte. Gostaríamos que ora o tempo corresse mais
rápido, ora que se arrastasse ou se imobilizasse. Se, entretanto, nós devemos nos
resignar, é sem dúvida, em primeiro lugar, porque a sucessão do tempo, sua rapidez e
seu ritmo, é apenas a ordem necessária segundo a qual se encadeiam os
fenômenos da natureza material e do organismo. Mas é também, e talvez sobretudo,
porque as divisões do tempo, a duração das partes assim fixadas, resultam de
convenções e costumes, e porque exprimem também a ordem, inelutável, segundo a
qual se sucedem as diversas etapas da vida social” (HALBWACHS, 1990, p.90).
3.1 O controle sobre os tempos: “combatendo o ócio, a negação da disciplina e a
repugnância dos horários”
Portador de um caráter poliédrico, o tempo pode receber adjetivos diversos de acordo
com o contexto onde é discutido: desde a esfera acadêmica, econômica, comercial, religiosa
e escolar ou participar em tom informal das conversas cotidianas. Assim, “nos diferentes
ambientes não experimentamos a necessidade de medir o tempo com a mesma exatidão,
logo a correspondência entre os diferentes tipos de tempos está fixada dentro de limites
bastante amplos”. (HALBWACHS, 1990, p. 111)
Diferentes historiadores dedicaram-se à discussão da temática do tempo, suas
conceituações, medições e usos ao longo da história humana. Norbert ELIAS (1998),
contrariando as concepções de Kant e Descartes para os quais o tempo deveria ser
entendido como subjetivo e natural do ser humano, teoriza que o tempo deve ser entendido
e debatido numa perspectiva cultural. Portanto, culturalmente aprendido, construído,
acumulado à maneira de outros saberes. A discussão acerca da temporalidade implica a
abordagem da relação entre o tempo e o espaço/sociedade, tomado como ponto de
referência para demarcar o lugar e a concepção de tempo envolvida, dependente dos
96
povos e da cultura. Se ainda medimos o tempo seguindo fenômenos naturais, o tempo
deixou de ser natural para ser entendido como culturalmente determinado, fruto de
convenções sociais ligadas a grupos sociais específicos. Portanto, que se buscar a
relação natural-cultural dos tempos presentes em cada sociedade.
As revoluções industriais e a expansão do capitalismo acentuaram a
disciplinarização do tempo do trabalho e dentro das instituições educativas tal
disciplinarização ganha força como meio de construir a noção de temporalidade e incutir
hábitos racionais no emprego do tempo.
O tempo escolar, uma das modalidades do tempo, pode ser encarado como instituidor
de determinados padrões de comportamento e, em dados períodos da história, como
responsável por impingir mudanças na rotina e na organização da vida coletiva da sociedade
e dos seus grupos componentes. Carrega em si o paradoxo de ordenar e condicionar os
outros tempos e ritmos sociais e ser, paralelamente, ritmado e condicionado por eles. Tal
como outros elementos partícipes da cultura escolar são sociais e historicamente
determinados, o tempo também o é.
O caráter multifacetado do tempo que compõe a escola fez com que VIÑAO FRAGO
(1995) apontasse a impossibilidade de mencioná-lo no singular e a exigência de ser tratado
no plural. Devemos falar, nesse caso, de tempos escolares, pois o tempo escolar é
particular e subjetivo enquanto é também institucional, organizativo, disciplinador e capaz de
implementar toda uma arquitetura temporal. Logo, dentro da escola encontramos tal
pluralidade: o tempo/duração do ano letivo, o tempo do calendário escolar, dos semestres e
bimestres, o tempo do currículo, o tempo do professor, o tempo do aluno, o tempo das
tarefas, o tempo de descanso e lazer e ainda o tempo semanal, diário e o tempo de duração
de cada atividade.(VIÑAO FRAGO, 1995).
O caráter imperativo do tempo, que a todo instante pode nos arrebatar e nos fazer
querer aprisionar o tempo para não desperdiçá-lo; a lutar contra o tempo para cumprir
prazos e horários, foi discutido por ELIAS (1998). Esta onipresença do tempo é amplamente
notada no contexto escolar, cujo tempo (o escolar) deve ser regulado e ocupado
integralmente. VIÑAO FRAGO (1995) a localiza no processo de escolarização, responsável
por substituir uma determinada concepção de espaço e tempo global, não segmentada nem
linear por outra linear, da cultura escrita e da cultura escolar. Nessa perspectiva, para se
considerar alguém alfabetizado à maneira da escola é indispensável a interiorização linear e
imperativa do tempo.
97
Para observar alguns exemplos desses tempos escolares e dos seus usos na
Escola de Aprendizes Artífices, lançaremos mão desses referenciais teóricos a fim de refletir
acerca dos diferentes tempos que identificamos: o tempo da ginástica sueca, os tempos
de trabalho, a freqüência às aulas, o tempo dos desfiles do batalhão infantil, o tempo dos
exercícios de formatura, o tempo das comemorações e exposições, o tempo das
simbolizações. E, a partir de tais orientações, indagarmos acerca da possibilidade de
relacionar os moldes da EAAPR e a presença da racionalização do tempo no início do
século XX, refletindo acerca dos ideais de trabalho e de organização/ordenamento da
nação. Procuraremos enfocá-lo na perspectiva dada por VIÑAO FRAGO (1995), para quem
o tempo escolar e a distribuição do trabalho escolar devem ser entendidos como dotados
de uma tripla natureza: como meio disciplinar, como mecanismo de organização e
racionalidade curricular e ainda como instrumento de controle externo, condicionado por e
condicionante da cultura escolar (VIÑAO FRAGO, 1995). Portanto, se o controle sobre o
tempo procurava condicionar a rotina e as atividades de alunos e professores, também
recebia coações e condicionamentos por parte dos mesmos.
Os usos do tempo escolar implicam em construção de significações em que se
articulam a capacidade inventiva dos sujeitos envolvidos e os constrangimentos, normas,
convenções que os limitam. Assim as práticas escolares são criadas, vividas e inventadas
limitadas pelas múltiplas determinações que as cerceiam. É a partir dessas noções que se
pretende analisar aqui as relações entre os tempos escolares existentes na Escola de
Aprendizes Artífices do Paraná e as maneiras que os sujeitos se apropriaram e se
relacionaram com o mesmo.
64
Exemplificando as formas de medição do tempo, criadas pelas comunidades de
pequenos agricultores, pescadores ou artesãos, Thompson (1998) assinala o caráter
arbitrário das mesmas e exemplifica as medições utilizadas antes da disseminação da
produção e uso dos relógios. Tal notação do tempo foi denominada “orientação por tarefa”.
64
Mudanças ocorridas com a instauração dos grupos escolares em Minas Gerais são discutidas por FARIA
FILHO & VAGO (2001). Os grupos escolares redesenharam o ordenamento espacial da escola e substituíram
as escolas isoladas cujos espaços e horários de funcionamento eram demarcados pela conveniência para a
professora, grupo de alunos e costumes regionais por novas referências espaciais e temporais e pela
construção e legitimação de novos ritmos para se organizar e utilizar os tempos escolares. Nesse sentido, esses
autores contrapõem a afirmação de ELIAS acerca da coação social do tempo - que, convertida em alto grau de
auto-coação, manifesta-se como um tipo paradigmático de coações civilizatórias encontradas nas sociedade
mais desenvolvidas - à ão dos sujeitos partícipes da escola como insubmissos à ordem escolar que se impunha
a partir da reforma, no início do século XX. Professores e alunos se apropriaram e conformaram os tempos
escolares em um movimento de tensão permanente entre suas ações e a coação social posta.
98
Ou seja, o tempo era medido de acordo com as tarefas/trabalhos a serem realizados no
período de um dia, considerando as variáveis climáticas das estações, os “ritmos naturais” e
as peculiaridades de cada trabalho. Mas, em dado momento do século XVII, a medição
pautada na “orientação por tarefas” gera impasses quando se trata de empregar mão-de-
obra. Pois “o cálculo é difícil, depende de muitas variáveis. Sem dúvida, uma medição direta
do tempo era mais conveniente.” (THOMPSON, 1998, p.272)
Os artesãos relojoeiros operaram grande inovação técnica durante a Revolução
Industrial. THOMPSON (1998) reitera que as mudanças na esfera econômica são dotadas
de raízes cravadas no âmbito cultural. Assim, o relógio foi da categoria objeto de “luxo” para
“conveniência” e teve sua disseminação ampliada com a necessidade de sincronização do
trabalho trazida pela industrialização. De maneira que a própria percepção da passagem do
tempo, e seu uso mais sistemático, acabou enormemente influenciada pela presença da
máquina dividindo espaço com o trabalhador e impondo-lhes seu tempo próprio. O trabalho
na manufatura também orientava-se por tarefas, portanto não havia cronogramas precisos
e a irregularidade era típica aos padrões de trabalho anteriores à indústria movida a
máquinas. “O pequeno instrumento que regulava os novos ritmos da vida industrial era ao
mesmo tempo uma das mais urgentes dentre as novas necessidades que o capitalismo
industrial exigia para impulsionar seu avanço.” (THOMPSON, 1998, p.279)
Se antes da industrialização o padrão de trabalho alternava momentos de atividade
intensa com outros de ociosidade e o trabalhador detinha o controle de sua vida produtiva,
estas características tenderam a modificar-se sobremaneira quando os proprietários das
indústrias e suas máquinas passam a controlar o tempo de cada trabalhador. Entretanto,
apesar da perspicácia com que tentavam inculcar o hábito de trabalho e de cálculo do
trabalho, no século XX ainda reclamações sobre os ritmos irregulares de trabalho nas
fábricas. Afinal, antes da Revolução Industrial as pessoas preenchiam o interstício de seus
dias com relações sociais, pessoais e de trabalho. Não havia a larga barreira que hoje
separa o trabalho e a vida. O trabalho compunha mais uma parcela da própria vida diária,
daí a dificuldade de aceitação de novos padrões.
A Escola de Aprendizes Artífices guardava íntima relação com o trabalho e eram
marcantes as suas tentativas de instituir tempos e disciplina próprios. Reportando-se à
escola, THOMPSON (1998) a nomeia como instituição não industrial também usada para
inculcar o uso-econômico-do-tempo”. No século XVIII inglês os reverendos das igrejas e os
fabricantes pronunciavam suas idéias acerca das crianças, escola e o hábito de trabalho.
Reclamando dos infantes vadios e esfarrapados, que desperdiçavam seu tempo, elogiavam
99
as escolas de caridade por ensinarem o trabalho, a frugalidade, a ordem e a regularidade.
Havia os que advogavam que aos 4 anos as crianças pobres fossem remetidas ao asilo de
pobres, onde seriam empregadas na manufaturas e teriam duas horas de aula por dia.
Maneira de treiná-las para que adquirissem hábito de trabalho e, aos 6 ou 7 anos, estarem
“habituadas, para não dizer familiarizada, com a fadiga” (THOMPSON, 1998, p.292).
Se “a resistência à mudança e sua aceitação nascem de toda a cultura”
(THOMPSON, 1998, p.288), e portanto é denotativa dos sistemas de poder, das relações de
propriedade, das instituições religiosas, e dos hábitos disseminados em dada comunidade;
urge observarmos o embate entre a tentativa de imposição de um “uso-econômico-do-
tempo” e as ações da vida social e doméstica que se contrapõem a mesma, bem como as
contestações dos trabalhadores. Se os proprietários das indústrias e oficinas inglesas do
século XIX investiam em muitas direções contra os antigos hábitos de trabalho, os
empregados reagiam, inicialmente resistindo, depois lutando, não contra o tempo, mas sobre
o tempo. E, à medida que as gerações de trabalhadores se sucediam, surgiram formas mais
sistemáticas de revidar as imposições que se colocavam. Aprenderam sobre a importância
do tempo, depois organizaram comitês em prol de menor jornada de trabalho e,
posteriormente, reivindicaram pagamento adicional pelas horas trabalhadas fora do
expediente.
As ações em torno do controle e disciplinamento do tempo do trabalhador também
aconteceram, e ainda acontecem, nos países que tiveram industrialização posterior ao caso
europeu descrito por Thompson. E é nesse sentido que podemos recuperar algumas das
assertivas desse autor em torno dos enfrentamentos entre a imposição de um tempo
controlado e a aceitação, interiorização, por parte de quem deveria adquirir tal disciplina.
Na Escola de Aprendizes Artífices do Paraná a racionalidade trazida pela
organização dos tempos escolares não raro sofria embates com a insubordinação dos
professores e alunos. Portanto será que a medição do tempo harmoniza ou disciplina
comportamentos? Os relógios e calendários permitem comparar durações e velocidades
das sociedades? A mecanização e disciplinarização imposta pelo tempo social é aceita
pelo homem? Tais perguntas podem ser transpostas para a esfera escolar para indagarmos
a incorporação/negação de padrões de horários e trabalhos e aulas pelos alunos e mestres
da Escola, conforme desejava o diretor da Escola.
Os embates diagnosticados por Thompson (1998) ao observar o processo de controle
e disciplinamento do tempo dos trabalhadores, servem de subsídio para pensarmos os
100
enfrentamentos entre o tempo da escola, organizado e controlado, e a insubmissão de
professores, mestre e alunos.
As reclamações quanto ao corpo de professores são recorrentes nos relatórios
elaborados por Paulo Ildefonso d’ Assumpção. As mesmas tinham naturezas diversas, mas
diziam respeito, especialmente, à carência de mestres e contra-mestres para assegurar o
andamento regular das oficinas e a sobrecarga a que estavam sujeitos os professores pelo
excesso de alunos e, conseqüentemente, de trabalhos.
As queixas de Paulo Ildefonso d’ Assumpção também incorriam sobre a negligência
diante do trabalho manifestada pelos mestres. No Relatório de 1917 afirmava:
(...) as garantias de posse do cargo, vão inevitavelmente criando-lhes a negligência para o
trabalho, o pretexto para o repouso, a indiferença pela obrigação, a irritabilidade contra
qualquer inovação (...) desse modo torna-se necessária a vigilância constante do diretor, único
sob quem pesam as responsabilidades para que não faleça o persistente estímulo
(RELATÓRIOS, 1917, s.p.).
Ainda quanto ao quadro de mestres e contra-mestres das oficinas, o diretor
comentava a falta de esforços contínuos por parte dos mesmos que
(...) apenas encaminhados para um dado ponto de especial melhoramento, logo estacionam
como si cansado ou amolentados de primitivo entusiasmo, atingidos alguns pelo declínio das
energias, outros pela invalidez das moléstias. Cada ano que passa, mais terrível se torna o
encargo do dirigente que deseja ver evoluir a forma do ensino, se de imensa fadiga é
manter os serviços em atividade constante. (RELATÓRIOS, 1917, s.p.)
A falta de mestres e contra-mestres de ensino perpassa todo o período estudado e
permite supor a dificuldade de levar a cabo os trabalhos e a aprendizagem nas oficinas.
Seguidamente a Escola reivindicava a necessidade de um maior número deles a fim de
facilitar o desenvolvimento das atividades, pois não raro estava com excesso de aprendizes
para o corpo docente que dispunha.
Descrições das dificuldades dos mestres em acompanhar o desenvolvimento da
escola faziam-se presentes: “o Srs mestre tem desempenhado satisfatoriamente suas
funções, embora a capacidade de alguns deles ficasse aquém do desenvolvimento da
escola. Para diminuir e neutralizar os defeitos desse fato consegui colocar a seu lado contra-
mestres de elevado compromisso profissional.” (RELATÓRIOS, 1913, p.49)
Embora os pedidos de licença e punições impingidas aos professores e mestres
não constem explicitamente nos relatórios elaborados por Paulo Ildefonso d’ Assumpção; há
101
pedidos de licença entre os ofícios expedidos além de punições por insubmissão aos seus
superiores hierárquicos.
A instauração de um controle sobre o tempo era perpassada por recorrentes
pedidos de licença e afastamento por parte do corpo docente, mestre e contra-mestres que
se ausentavam da escola; professores que se apresentavam embriagados diante dos
alunos e a advertência ou suspensão dos professores por falta disciplinar. O mestre da
oficina de marceneiro, Paschoal Rispoli foi advertido “por negligencia, desobediência e
desrespeito as ordens de seus superiores hierárquicos” (PORTARIA de 9 de setembro de
1919) e Carlos Gaertener, mestre da oficina de seleiro e tapeceiro, recebeu suspensão de
8 dias por falta disciplinar. (PORTARIA DE 15 de setembro de 1921).
No ano de 1919, o professor Cyro Silva, encontrando-se em estado anormal”
teria urinado no saguão do edifício dos Correios “com público desrespeito a ordem.” (Ofícios
Diversos, 19/09/1919 Administração dos Correios do Paraná).Naquele mesmo ano solicitaria
a nomeação de Ernesto Emanuel Gloger, como contra-mestre interino da oficina de Seleiro
e Tapeceiro, bem como a autorização para concurso de um substituto do mestre da oficina
de Seleiro e Tapeceiro, “pois o atual após 9 anos de apreciáveis serviços, ultimamente
mantém uma conduta precária, pelo abuso que faz do álcool, suscitando constante
admoestações desta diretoria. (MINUTAS DE OFÍCIOS, de 27/02/1919 435 - Diretor
Geral da Diretoria Indústria e Comércio).
Tais situações somadas a carência/ausência de auxiliares, adjuntos de
professores e contra-mestres trazia problemas ao ensino primário e também aos trabalhos
das oficinas e representava um tempo roubado da escola. A passagem/transição de um
tempo “mais natural” para uma dinâmica de tempo mais racionalizada dentro da escola,
cuja centralidade residia na produção de um novo homem e de uma nova ordem social,
esteve intimamente ligada à materialização dos tempos escolares e de outros dispositivos
(FARIA FILHO & VAGO, 2001).
A Escola de Aprendizes Artífices do Paraná nasce portadora de determinados
preceitos reguladores e disciplinares e dentre eles o ordenamento temporal certamente
tinha papel de relevo. A estruturação do tempo escolar atendia as exigências determinadas
pelo ideal de educação e de sociedade em constituição no início do Novecentos. Mas não
era sem dificuldades que conseguia regular os tempos escolares.
As relações estabelecidas entre os professores e a Escola, e a presença da
questão do tempo interferindo no cotidiano, podem ser percebidas na reclamação de Paulo
Ildefonso frente a deliberação da Delegacia Fiscal do Tesouro Federal do Paraná de exigir
102
que o pagamento do pessoal fosse realizado na própria delegacia, prejudicando
“grandemente o serviço desta Escola, pois uma vez por mês todo o pessoal tendo ao mesmo
tempo de procurar receber seus honorários, (...) vejo-me na contingência de suspender os
trabalhos das oficinas, não podendo deixar os alunos sem a vigilância de seus mestres ou
de outros funcionários, também impedidos.” ( OFÍCIOS, 17 de maio de 1911, 312, Ao
Diretor Geral de Contabilidade do Ministério da Agricultura Indústria e Comércio)
Na década de 1920 o Diretor reclamava das faltas dos professores, pois
encontrava-os em locais comerciais em pleno horário de trabalho. A Portaria esclarecia que
não aceitaria mais como falta justificada quando não fosse por estarem doentes: “Tendo
observado muitas vezes que a falta de comparecimento à Repartição não é sempre
motivada por moléstia, por isso que tem acontecido encontra os mesmos funcionários em
lugares diversos, à hora do trabalho, resolvo não dar como justificadas, senão as faltas
estritamente por motivo comprovado de doenças. (PORTARIAS, 16 de março de 1921
Em aparente enfrentamento à reclamação do Diretor os professores reivindicavam
um dia na semana para resolverem seus afazeres e sugeriam o sábado, dia em que muitos
aprendizes não freqüentavam a escola. (PORTARIAS, Requerimento de 5 de Abril de 1921
- Professores da escola).
Em contrapartida ao descrever o ensino elementar e de desenho, aponta o
aperfeiçoamento dos professores trazido pelo exercício diário das suas funções na escola:
“tem funcionado com toda regularidade (...) como uma natural seqüência do ensino cada vez
mais consolidado, ano a ano, os resultados efetivos da instrução aqui dados são sempre
mais apreciáveis, tanto mais quanto o pessoal docente se habilita nos seus misteres pelo
traquejo da função” (RELATÓRIOS, 1915, p.79.).
Pode-se inferir que o maior preparo dos professores da instrução elementar se
deva ao fato de os mesmos serem oriundos da escola normal, enquanto que os mestres e
contra-mestres não contavam com formação específica, pois eram recrutados entre
operários hábeis ou, após alguns anos de funcionamento da escola, entre seus ex-alunos.
Essas dificuldades quanto ao número insuficientes de professores frente ao
contingente de alunos certamente contrastavam com os anseios de Paulo Ildefonso d’
Assumpção em estabelecer um método eficaz de ensino e regular o tempo destinado a cada
aprendiz.
Atribuições especificamente humanas, a percepção e consciência do tempo não
habilitam o indivíduo a ser capaz de, por si só, elaborar o conceito de tempo.O conceito de
tempo, indissociável da instituição social, é absorvido pela criança como representante de
103
um poder coercitivo que lhe é imposto desde cedo. “A transformação da coerção exercida
de fora para dentro pela instituição social do tempo num sistema de autodisciplina que
abarque toda a existência do indivíduo ilustra, explicitamente, a maneira como o processo
civilizador contribui para formar os habitus sociais que são parte integrante de qualquer
estrutura de personalidade.” (ELIAS, 1998, p.14).
A idéia de uma demarcação dos tempos de aprendizagens, no interior da EAAPR,
e do seu bom aproveitamento, tanto nas aulas do curso elementar como no trabalho no
interior das oficinas era um ideal bastante visado por Paulo Ildefonso d’ Assumpção. O
anseio de conciliar a formação elementar e a preparação para o trabalho fica evidente no
método empregado pela escola, seguindo as determinações de Paulo Ildefonso: conciliar
instrução elementar e alfabetismo técnico
65
.
A racionalização do tempo era uma necessidade que se impunha à escassez do
tempo livre, pois em casa precisavam ocupar-se de outros afazeres. Leia-se o exemplo a
seguir, onde descreve o “Curso de Instrução Elementar e de Desenho” no ano de 1917:
(...) tornar o tempo consagrado a escola mais aproveitável tanto no trabalho das oficinas,
como no ensino das aulas, desobrigando quanto possível o aluno do estudo em casa, quando
são ajutórios dos serviços domésticos, dar ao aprendiz artífice, em quatro anos, o perfeito
conhecimento de um ofício e, ao mesmo tempo, a instrução elementar capaz de guiá-lo na
vida, fazendo-o apto para o trabalho (...) (RELATÓRIOS, 1917, s.p.)
O tempo vivido fora da escola, também era objeto de preocupação do diretor que
idealizava aproveitar ao máximo as horas empregadas na escola, pois em casa deveriam
auxiliar nas tarefas domésticas como a colheita, por exemplo. Outro aspecto desta
racionalidade do tempo pode ser interpretada como enfrentamento e contraponto a
ociosidade e “vadiagem” das ruas. Ao referir-se a freqüência escolar, no ano de fundação
da escola, e nos anos subseqüentes, Paulo Ildefonso d’ Assumpção queixava-se reiteradas
vezes da dificuldade em estabelecer a constância às aulas e ao trabalho das oficinas,
afirmando não haver “(...) corretivo bastante, dentro das linhas regulamentares, para trazer
os aprendizes à desejada assiduidade no trabalho, das oficinas e assistência aos cursos
noturnos.” (RELATÓRIOS, 1911, p.13). Apresentava, então, o que julgava serem as causas
motivadoras das faltas e implicavam a dificuldade de subordinar os alunos à assiduidade
almejada. Categorizava-as como:
65
Paulo Ildefonso propunha a organização do alfabetismo técnico através da vinculação entre o método
intuitivo e o sloyd. Esta temática encontra-se discutida em QUELUZ, 2000.
104
(...) exteriores, alheias aos remédios escolares, a distância, os trabalhos industriais caseiros,
as doenças e a falta de vigilância paterna. De outro lado é o ócio, a negação a disciplina
escolar a repugnância dos horários. Entre os mais devotados ao trabalho, alunos que
fazem percursos de 3 a 5 km quatro vezes em um único dia; dificuldade nas estações de
chuva em que as estradas vicinais viram atoleiros de lama. (...) as famílias pobres, dedicadas
ao trabalho dos campos e pequenas indústrias domésticas, furtam horas e dias ao trabalho
dos menores (...) faina das plantações e colheitas, podas e vindimas.(...) epidemia de varicela
e escarlatina, [quando] 50% dos alunos foram afastados, mais prejudicial que outras causas é
a falta de vigilância paterna e de polícia nas ruas acoroçoa o menor a gazear a escola,
vagabundeando na mais deplorável ociosidade (RELATÓRIOS, 1910, p.12-14).
Se a coerção impingida pelo tempo é de natureza social, por ser exercida pela
multidão sobre o indivíduo e também repousa sobre dados naturais, como o
envelhecimento (ELIAS, 1998), podemos notar outros elementos sociais/naturais afetando
os tempos escolares como o caso das epidemias que alteravam completamente a
organização temporal e o funcionamento da escola.
Enquanto em 1910 vemos 50 % dos alunos afastados em função das epidemias de
varicela e escarlatina, em 1917 observamos o fechamento da escola em função da
“epidemia de febre tifóide” que tomara caráter de calamidade pública.( RELATÓRIOS, 1917,
s.p.) Em 1918 ocorreu a epidemia de gripe que assolou o país inteiro e, à maneira da
epidemia do ano anterior, inviabilizou o tempo escolar, causando perturbação dos
trabalhos escolares, quase completamente paralisados nos últimos meses do ano
(RELATÓRIOS, 1918, p.1.) e impedindo “a regular realização dos exames que deveriam
começar nos primeiros dias do próximo mês de Novembro” , cujas provas precisaram ser
adiadas para o no início do próximo ano letivo.( MINUTAS DE OFÍCIOS, Diretor Geral da
Indústria e Comércio, 30/10/1918, Nº 398 ).
Embora reconhecesse os problemas sanitários e de saúde, vide as epidemias; a
labuta no campo e nas tarefas domésticas e a existência dos mais devotados que percorriam
longos quilômetros de estradas embarradas, sua crítica mais feroz contra a perda de tempo
é desferida aos pais que deixavam os filhos a vagabundear na ociosidade. A falta de
vigilância paterna era adjetivada como o grande mal a que estavam sujeitos os aprendizes,
juntamente com o ócio e da negação da disciplina escolar.
Os textos de Paulo Ildefonso denotam seu anseio pela afirmação de um tempo
escolar dotado de especificidade e regularidade. Tentava impor aos pais a consciência da
relevância da escola e dos objetivos a que se prestava, desejando que os mesmos, e até a
polícia, lhe ajudassem a instaurar um tempo escolar que, embora dialogasse com os outros
tempos sociais como o trabalho e a família, fosse reconhecido como central na vida dos
105
aprendizes. Logo, concomitantemente ao controle sobre o tempo desenhava um controle
sobre os comportamentos dos aprendizes.
Paulo Ildefonso d’ Assumpção enumera os esforços que despendia para
combater a ociosidade. Salientando lançar mão do “incitamento da emulação e amor ao
trabalho infantil que lhes prepara a facilidade da resistência, tudo tenho empenhado para
dirimir o grande mal.” (RELATÓRIOS, 1910, p.12-14). E em anos posteriores afirmaria: “(...)
são constante e ininterruptos os esforços em vigiar individualmente a presença dos alunos,
desviados por insignificantes serviços, pelos múltiplos feriados religiosos, motivos esses que
influem especialmente sobre as classes operárias.” (RELATÓRIOS, 1913, p.17)
Para obter a assiduidade desejada assegurava ainda a ausência de castigos
corporais. Ao invés disso buscava servir-se de outras estratégias como: permitir que as
crianças pudessem “recrear-se no amplo e belo pátio da escola nos intervalos de trabalho”;
permitir a confecção de pequenas obras que necessitassem para o seu uso e para sua
casa. Por outro lado havia o estabelecimento de correspondência diária com os
responsáveis para averiguarem a freqüência dos filhos nas aulas e oficinas; as revistas
diárias, as pequenas penas; as restrições nas horas de recreio; os exercícios prolongados
de formatura e as multas e descontos no recebimento das diárias. (RELATÓRIOS: 1910,
p.12-14; 1913, p.17).
Retratando a relação dos aprendizes com a Escola, afirma:
(...). eles amam e tem entusiasmo pela escola, o mais absoluto respeito e estima manifestam
pelos seus dirigentes. Como não castigos aviltante de espécie alguma, buscam com
prazer o estabelecimento, aborrecem a vadiagem, mantém ótima camaradagem e
exemplarissima(sic) conduta fora da escola como, será supérfluo afirmar, dentro do
estabelecimento. (RELATÓRIO, 1914, p. 3)
Embora não sejam expostas com muita periodicidade podemos inferir a presença
de questões relativas aos comportamentos julgados inadequados e, ignorados pelo Diretor.
À idéia de conduta exemplar pode-se contrapor os relatos abaixo:
Tendo verificado pelas indagações sumárias a que mandei proceder e pelas informações
escritas dos Srs. Professores das aulas primárias e desenho que os alunos Lourenço Neves e
João Innocencio de Miranda no dia 4 do corrente, travaram luta corporal no pavimento
ocupado pelas mesmas aulas e durante as horas de seu funcionamento, resultando
danificarem peças do respectivo edifício, determino que seja contra os mesmos instaurado
processo disciplinar, para aplicação das penas em que tiverem incorrido, de acordo com os
arts. 12, parágrafo 1 e 28 do Regulamento em vigor. (PORTARIA, 5 de setembro de 1912)
106
Em 1918, os professores também requeriam providencias contra os alunos Paulo
Hungerfuss e José Jacheski da oficina de seleiro por “perturbarem o silêncio das aulas de
Instrução Elementar com assuado, além de que desobedecem aos professores e adjuntos
quando por eles são chamados à ordem.” ( Ofícios do Sr. Ministro e Diretor do Ministério da
Agricultura e Telegramas - 1918)
Embora Paulo Ildefonso reporte-se ao regulamento para enfatizar que a EAAPR
fazia uso exclusivamente dos conselhos e da persuasão para operar a reforma dos hábitos
de seus alunos e por vezes seu discurso soar como lamento, vide sua afirmação: não
corretivo bastante, dentro das linhas regulamentares, para trazer os aprendizes à desejada
assiduidade no trabalho”; encontramos correspondências de pais reclamando dos maus
tratos recebidos pelos filhos nas oficinas e uma punição ao mestre que feriu o aluno durante
os trabalhos. Em oficio à Diretoria da Escola, Francisco Antonio Tavares, responsável
pelo menor Heráclito Peduso, protesta contra o tratamento dado ao seu pupilo nos
seguintes termos:
O mestre da oficina referida trata seus alunos com grosserias, fora das instituições
democráticas hoje usadas nos estabelecimentos de ensino da República, aplicando socos e
maus tratos resultantes aos seus alunos a par de nenhum ensino ministrado na seção a seu
cargo; resolvi que o meu tutelado freqüentasse somente a aula de instrução primária.”
PASTA: Portarias e Memorandum da Diretoria da Escola, de 24/5/1917.
Nos meses de fevereiro e dezembro de 1926, os ofícios da Diretoria Geral de
Indústria e Comércio comunicava que “o ministro recomenda seja evitada, quanto possível,
a aplicação da pena de suspensão de aprendizes”. (Oficio Circular 11 da Secção da
Diretoria Geral de Indústria e Comércio, 25 de fevereiro de 1926)
A recomendação de se evitar a pena de suspensão, configurava como mais um
indício da aplicação da mesma. Se não podemos precisar a existência de castigos físicos
dentro da Escola, as pequenas penas como o exercício prolongado de formatura, as
restrições nas horas de recreio eram indicativos dos castigos e incidiam sobre o corpo dos
meninos.
Os exercícios, a alternância de atividades e os minutos de recreio participavam
dos tempos escolares porque o pensamento pedagógico apropriara-se das teorias
higienistas, que os entendiam como momentos (tempos) de descanso, de repouso da
mente, pois a preocupação com a fadiga escolar afetara a concepção e a distribuição do
tempo e do trabalho escolar nas três primeiras décadas do século XX (FARIA FILHO &
VAGO, 2001).
107
A EAAPR incorporara a idéia dos exercícios e minutos de recreação como forma
de repouso, descanso físico e mental do trabalho, mas em contrapartida havia um uso dos
mesmos para impor a ordem e a punição ao forçá-los a permanecerem imóveis em
prolongados exercícios de formatura.
Mas se os pendores em prol de uma utilização racional e produtiva do tempo na
escola, culminando em aprendizagem a ser reproduzida no uso sistemático do tempo em
outros espaços da sociedade, iniciavam-se no século XIX, conforme apontam FARIA
FILHO & VAGO (2001), é nas primeiras décadas do século XX que um uso mais racional
do tempo irá se implementar. Afinal as transformações culturais e a apropriação de novas
formas de produção industrial, requeriam novos comportamentos; frente às máquinas, por
exemplo. Essas novidades que se impunham foram recepcionadas pela República, ávida por
construir um novo protótipo do Brasil agora mais próximo dos países desenvolvidos e
civilizados, pois já incorporara algumas transformações e almejava civilizar-se ainda mais.
Queixas quanto à dificuldade de imprimir regularidade e assiduidade na freqüência
às aulas eram recorrentes no discurso de Paulo Ildefonso d’ Assumpção e os tempos
escolares nem sempre podiam seguir a racionalidade concedida-lhes a priori, pois eram
perpassados por elementos e acontecimentos da vida cotidiana que faziam irromper uma
nova distribuição e um rearranjo dos mesmos.
Inúmeras são as menções à composição do corpo discente da escola, como
oriundos exclusivamente da classe proletária e pobre. Logo, era percurso comum os alunos
inserirem-se em postos de trabalho e buscar remuneração.
Os comentários do diretor acerca da saída massiva de alunos, que deixavam a
escola para empregarem-se nos estabelecimentos da cidade, divergiam entre si. Se ora
desejava enaltecer a escola e o papel desempenhado na formação de mão-de-obra,
afirmando ser possível “contar por centenas o número de aprendizes desta escola que
encontraram ocupação remunerada nos estabelecimentos industriais deste Estado,
contando-se mesmo alguns como chefes e proprietários de oficinas, em diversas cidades”;
paralelamente, lamentava que os alunos abandonassem o curso antes de concluí-lo
impondo à escola a necessidade de praticamente recomeçar a cada ano porque saiam “os
melhores aprendizes aqueles que já podem empreender a luta pela vida”. ( RELATÓRIOS,
1917, s.p.)
Embora o objetivo fosse formar trabalhadores, o fato de os aprendizes não
concluírem o ensino profissional não era visto com bons olhos. Clamava, então, por
mudanças na disposição do tempo para os anos finais da formação, pois acreditava que
108
enquanto não fosse “modificado o regime do trabalho das oficinas de modo a criar-se nas
escolas horário especial para os alunos do terceiro e quarto anos facultando-lhes
executarem encomendas por tarefa (...) não ficarão até o final do curso.” (RELATÓRIOS,
1917, s.p.)
O tempo escolar sedimentava-se como um “tempo artificial”, apropriado e
ordenado pela razão humana; deslocamento simultâneo ao movimento social de
racionalização do tempo trazida pelas relações capitalistas. Logo, a demanda por
estabelecer e disciplinar o tempo diário, delimitar o horário da jornada e buscar a
assiduidade; a construção da especificidade da forma escolar (seus tempos, espaços,
sujeitos, modos de organização) contrapunha-se ao “tempo necessário” às classes
trabalhadoras para ocuparem-se em seus diferentes misteres. (FARIA FILHO & VAGO,
2001). As tentativas de racionalização do tempo por parte da escola sofriam a oposição
dos alunos em função de outros tempos sociais aos quais estavam vinculados.
3.2 Os rituais de conformação: “apoio patriótico em bem da educação dos menores”
Os rituais, associados ao caráter disciplinador dos tempos escolares,
configuravam diferentes recursos e métodos utilizados para tentar assegurar os bons
resultados da EAAPR. Paulo Ildefonso d’Assumpção afirmara que recebia os alunos em
“condições de completa ignorância dos ofícios” e identificava neles a “indisciplina de
costumes”. Logo, a doutrinação dos corpos e o delineamento de um operário útil careciam de
determinados recursos. Assim, os tempos da ginástica e dos exercícios militares no
programa escolar constituíam-se em recursos higiênicos e eugênicos, à maneira das teorias
vigentes no início do Novecentos.
Os rituais organizados pela escola eram os batalhões infantis, os exercícios de
formatura e formações patrióticas, as exposição em exames públicos, a festas de
encerramento do ano escolar e participação em feiras e exposições locais, nacionais e
internacionais.
Tais rituais constantes no calendário da EAAPR, ocorridos na própria escola, por
ela organizados ou dos quais participava nos permitem designar-lhes, a um só tempo, duas
perspectivas de abordagem. Uma delas refere-se a caráter disciplinador dos mesmos, pois
configuram um conjunto de práticas de amoldamento dos corpos e atitudes, concernentes às
tentativas de disciplinamento e moralização da infância vigentes no início do século XX. A
109
outra, refere-se à possibilidade de construção de um lugar simbólico, uma identidade
brasileira intimamente vinculada à instituição de memória nacional, pois pensadas em
conjunto, podem ser consideradas responsáveis por incrustar um conjunto de práticas,
hábitos e lugares vivificadores de determinadas memórias.
Nos relatórios encontramos indícios da presença das aulas de ginástica sueca,
formações militares, batalhões, exercícios de formatura, contudo não podemos precisar a
regularidade dos mesmos ao longo do período estudado.
No ano de criação da EAAPR o Capitão Dr. Maximiniano Barreto ofereceu-se para
ensinar Ginástica Sueca gratuitamente aos alunos da escola. Segundo o diretor, as aulas de
ginástica sueca
66
e os exercícios de formatura, contribuíam para a boa ordem e disciplina
interna do estabelecimento e no avigoramento físico dos alunos e preparo para o serviço
militar” (RELATÓRIOS, 1910, p.51).
O método de ginástica sueca englobava um conjunto de temas que se
aproximavam sobremaneira dos propósitos da Escola de Aprendizes Artífices. SOARES
(2002), ao tratar especificamente dos múltiplos significados e abordagens recebidas pelos
exercícios ginásticos, demonstra como os mesmos foram retirados da esfera circense e do
repertório das festas populares para serem transformados em exercícios úteis ao corpo,
capaz de moldar física e moralmente o indivíduo, que assim seria capaz de contribuir pelo
trabalho e por ações ao progresso da pátria. Afinal,
Vivia-se um momento no qual se desejava criar um corpo civilizado, um corpo em que não
existissem excessos, no qual os gestos fossem comedidos e, sobretudo, econômicos e úteis a
finalidades precisas. O corpo como espetáculo estava fora do receituário de “vida saudável”
construído pela sociedade oitocentista, sobretudo pelo discurso médico. (SOARES, 2002, p.
58)
66
O método Alemão de ginástica, cujas características eram o militarismo e autoritarismo, foi introduzido no
Brasil em 1852. Posteriormente, Rui Barbosa aconselhou sua substituição pelo todo Sueco “por entendê-lo
mais adequado a realidade da escola, sustentando a opinião de que não se objetivava a formação de acrobatas,
mas sim o desenvolvimento nas crianças do vigor físico necessário ao equilíbrio da vida, preservação da pátria e
da saúde.” SANTOS, Edmar Joaquim dos & SÁ, Nicanor Palhares. Eugenia à ginástica: do séc. XIX à reforma
educacional de 1910 em Mato Grosso. Disponível em:
http://www.ufmt.br/revista/arquivo/rev14/daeugenia.html. Acessado em 03 de setembro de 2004.
Os suecos foram precursores do movimento de elaborar formas gímnicas para a população civil. “Da idéia
predominante de modelagem do corpo, caminha-se para a idéia de adestramento do corpo”. Confira SOARES,
2002, p. 79.
110
Na França a apologia aos exercícios ginásticos fora bastante divulgada ao longo do
século XIX pelo espanhol Amoros
67
que além da ginástica defendia também os jogos, pois
entendia que
(...) os jogos deveriam estar a serviço da formação do caráter; deviam ser parte da educação
física e moral do homem novo que a sociedade burguesa exigia. Portanto, integrados na
cultura utilitária. Este contexto também o levou a enveredar por discussões em torno de uma
moral do trabalho. Se os jogos podiam educar para o trabalho, certamente, os trabalhos
manuais potencializavam esta educação. Desse modo, compreendeu-os como parte da
ginástica e afirmou-os como o meio mais adequado para ocupar o tempo das crianças.
(SOARES, 2002, p. 72)
Note-se que o pensamento de Amoros em torno da ginástica envolvia o caráter
utilitário da mesma: agir em momentos de salvamento quando alguém estivesse em perigo,
o treinamento para a vida militar, o treinamento para o trabalho, a formação do caráter a fim
de educar o indivíduo para servir ao Estado. “Respondiam, assim, aos apelos de ordem,
disciplina, de fixidez. Atuavam no corpo e pretendiam, a partir dele, pela autodisciplina, a
extensão desta ordem à sociedade” (SOARES, 2002, p. 69).
Aproximações entre a educação moral e a ginástica e os exercícios físicos são
comumente feitos quando o tema é a formação dos aprendizes. E esse caráter utilitário da
educação que lhes era ministrada permitem-nos aludir a semelhança de abordagens.
As faculdades puramente físicas eram delimitadas em torno da força, agilidade, velocidades,
destreza e resistência. As faculdades físicas e morais eram a regularidade, a graciosidade, o
zelo, a energia e, finalmente, a perseverança. Por fim, Amoros destaca as faculdades
puramente morais: a sabedoria, a precisão, a temperança, a bondade, a generosidade e o
amor ao bem. (SOARES, 2002, p. 74)
Em 1919, Paulo Ildefonso d’ Assumpção escreve ao Tenente Djalma Polli Coelho
Auxiliar no Paraná do Inspetor Regional do Tiro de Guerra, agradecendo a nomeação do
instrutor militar Ernesto Tiradentes de Souza, pois o mesmo com apenas 3 dias de exercícios
com alunos inteiramente bisonhos conseguiu o novo instrutor apresentar brilhante
formatura, por ocasião da visita a esta escola do Exmo Sr. Embaixador da Itália”. (OFÍCIOS,
25/03/1919)
67
A ginástica pensada por Amoros insere-se no conjunto das normas de conduta moral e de pedagogias que se
elaboram para formar e reformar o corpo, regulando corretamente suas manifestações e educando a vontade. É o
corpo que objetiva a ação educativa e moral por excelência (...) Amoros vislumbrou uma educacao integral
baseando-a sobretudo, no exercicio físico. Havia em sua obra uma clara percepção das relações existentes entre
o físico e o moral e entre normalidade física e moral. Ele antecipou em algumas décadaws enunciados clássicos
pronunciados no fim do século XIX pelo sociólogo E. Durkheim, para quem educar era moralizar.” (SOARES,
2002, p. 37)
111
Em 1926 a Escola contava apenas 4 alunos acima de 16 anos e estava sem as aulas
de instrução militar. Diante disso Paulo Ildefonso solicita ao Capitão da Inspetoria
Regional do Tiro de Guerra a volta da instrução militar antigamente ministrada na escola e
diz: nessa condição ousaria solicitar o vosso apoio patriótico, em bem da educação dos
menores que, em deixando esta escola, vão logo se entregar aos trabalhos árduos das
oficinas.” (Minutas de Oficio, 5/05/1926, Nº 2006)
Disseminadoras e afirmativas de um ideal de nação, civilização e progresso,
instituidoras de preceitos morais, ordenadores e disciplinares; propagadoras de um forte
apelo nacionalista que permeava os primeiros anos da República, as festas de encerramento
do ano letivo, as comemorações públicas e desfiles em datas vicas, as Exposições
escolares, a organização de batalhões infantis, a uniformização dos alunos materializavam
mais uma tentativa de formar a mente e conformar o corpo.
A EAAPR servia-se de um modelo de militarização dos corpos infantis alcançado
por meio de diferentes rituais e práticas escolares acima mencionadas. Para muitos
educadores desse período, a educação militar envolvia o sentimento de patriotismo, as
virtudes cívicas, a moralização dos hábitos, a eugenia e a disciplina corporal. Logo,
À semelhança das organizações militares, os batalhões infantis, reunindo pequenos soldados,
simbolizavam uma das finalidades primordiais da escola pública: a celebração cívica. Nesse
sentido, eles contribuíram não apenas para a ‘invenção das tradições’ conforme sugerem
Hobsbawm e Ranger(1997), participando das comemorações cívicas- as festas nacionais
instituidoras de uma memória nacional -, como ajudaram a reforçar o imaginário sociopolítico
da República. Entende-se dessa forma, o encantamento que tais agremiações provocavam na
sociedade da época ao oferecerem a representação de um corpo unido e harmônico, como
deveria ser a pátria e a nova ordem. Ao desfilarem pelas ruas da cidade, manifestavam todo o
sentido simbólico da escola no meio social (Souza, 2000, p.108).
As Escolas de Aprendizes Artífices ocuparam lugar estratégico na tentativa de
controlar as classes operárias, disciplinar e definir o lugar do menor na sociedade. Por serem
grandes difusoras dos ideais republicanos, quais sejam: romper com o Império e construir a
“Nação”
68
, relacionavam-se intrinsecamente à moral do trabalho, da disciplina, da
civilização, da eugenização e regeneração da raça.
Partilhando desses propósitos, a EAAPR servia-se ainda da organização de rituais
cívicos e da organização de feiras e eventos que contribuíam para a formação moral, física e
68
Para maiores esclarecimentos acerca dos usos e modificações do conceito conferir: p HOBSBAWN, Eric J.
Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
112
cívica de seus alunos, para a divulgação da escola e dos ideais republicanos e agiam em
prol do almejado intuito de amoldamento do sentimento patriótico de nação. Transcendendo
o espaço escolar, pois ocorriam em praças públicas, em teatros, ou percorrendo diferentes
lugares de poder; estes rituais tinham um caráter bastante peculiar naquilo que se entendia
ser a efetiva formação dos alunos.
Pelas seis e meia da tarde os alunos, depois de organização em formatura do parque interno
do edifício escolar na Praça Carlos Gomes, precedidos excelente banda militar de 4.0 de
infanteria (sic), transpunham o portão do jardim, formando em dupla fila, com lanternas verdes
e amarelas.
Belíssimo o aspecto desta infância garrida, marchando garbosa, na alegria cantante duma
festa toda sua, toda dedicada ao seu labor e ao seu sucesso. O garrido, indo até a frente do
palácio da presidência, onde fez curta parada, sendo erguidos vivas ao Exmo. Sr. Dr. Xavier
da Silva e ao Estado do Paraná. Dali tomou a direção da rua 15 de Novembro, cujo percurso
fez sob alas de povo que se aglomerava dos dois lados do passeio, e, tomando a rua Dr.
Muricy, encaminhando-se pra o Teatro Guaíra, onde ia ter lugar a distribuição de prêmios.
(RELATÓRIOS, 1911, p.82)
Em período coincidente à instalação das Escolas de Aprendizes Artífices floresceu
a poesia carregada de ideais de civismo e enaltecedora da pátria-nação de Olavo Bilac,
cujas obras voltadas ao público infantil, davam a tônica da formação das crianças
pretendida pelas escolas e pensadores brasileiros. A poesia de Olavo Bilac
69
é ilustrativa do
lugar ocupado pelo trabalho na formação do ideário de nação civilizada, tão apregoado no
início do Novecentos, que poderia ser adivinhada e instaurada a partir da infância,
conforme desejava Paulo Ildefonso, uma vez que “a pátria brasileira” carecia de elementos
que favorecessem a expansão econômica, de seres que trabalhassem conscientemente e
produzissem “qualquer coisa na elaboração do progresso nacional (RELATÓRIOS, 1915,
p.79).
Consoante a ênfase dada à instrução elementar, à profissional e ao ensino do
civismo e da moral na Escola de Aprendizes Artífices, as obras do paranaense Rocha
Pombo
70
, de Afranio Peixoto e de Olavo Bilac explicitam que a preocupação com estas
temáticas participava do cotidiano educacional brasileiro nas primeiras décadas da
República. Tais obras refletiam o incitamento da Pátria por meio dos seus símbolos,
encorajamento e a valorização do trabalho e a primazia da formação do caráter para o
progresso da nação brasileira que se constituía.
69
Acerca da poesia infantil de Olavo Bilac como representativa das idéias pedagógicas à época da implantação
do regime republicano no Brasil, consultar o trabalho de CORDEIRO, A. B. Dando vida a uma raiz: o ideário
pedagógico da Primeira República na poesia infantil de Olavo Bilac. Curitiba, UFPR: 2005.
70
Sobre a presença e uso das obras de Rocha Pombo nas aulas de história ver SANTO (2005).
113
Para que haja pátria, é necessário que haja consciência, coesão e disciplina. Mas, para que
isto exista, é necessário que haja instrução, intensa e extensamente disseminada, fácil e
gratuitamente distribuída, constante e sabiamente dirigida. Não trato da educação secundária
e superior. Trato apenas da instrução elementar, daquela que se deve dar a todo os homens
do povo, com a higiene do corpo, a instrução primária, cívica, e militar; com a capacidade
para o trabalho, a instrução profissional. (BILAC, 1996, p. 968)
Embora não tenhamos encontrado dados que permitem afirmar o uso de tais obras
na EAAPR, encontramos a Ata da visita do “notável poeta brasileiro, Olavo Bilac” (LIVRO
DE ACTAS DA ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES DO PARANÁ, s.p., referente aos
anos de 1910 a 1919)
71
à Escola, no dia da Bandeira do ano de 1916, por ocasião do
encerramento do ano escolar e abertura da Exposição Anual dos artefatos e trabalhos ali
produzidos. A formação cívica participava do cotidiano da escola, por meio dos rituais que
destacamos e pode ser observada também no “Memorandum aos Srs. Professores”, com
orientações para o “Thema da Lição para o dia 16 de junho de 1917” escritas pelo Diretor,
Paulo d’Assumpção:
Pátria
* Aula de prosódia e explicação de vocábulos
Formação da nacionalidade brasileira, até a Independência. Significação dos vocábulos:
Nação e Pátria.
* Aula de gramática e composição da linguagem
O Descobrimento, a Independência, as diversas fases do governo. A nossa linguagem.
*Aula de cálculo mental e medidas das grandezas
A população global do Brasil, a descriminação de seus elementos. Soma aritmética das
populações dos Estados. Coeficiente da população por quilômetros e por Estados.
*Aula de desenho
Representação cartográfica do território brasileiro (Somente contorno para as e 2ª séries)
(RELATÓRIOS, 1917, s.p.)
O escotismo, o patriotismo e a alfabetização participariam intimamente do
processo de construção da Nação, da formação do trabalhador, pois era premente a
necessidade de civilizar as massas e acionar práticas de ordenação, disciplinamento e
controle da força de trabalho. Em um momento marcado pela insatisfação com o modo pelo
qual as oligarquias vinham conduzindo os anseios republicanos; diante da insatisfação com
a massa de analfabetos que aniquilava o país”; frente à multiplicidade da sociedade
brasileira, composta pela classe operária e suas mobilizações, pela variedade de raças e
imigrantes pouco instalados e ainda pela multiplicidade regional; a educação ocupava
lugar estratégico “na grande obra de homogeneização e conformação das massas à ordem
71
A mesma ata encontra-se transcrita no RELATÓRIO referente ao ano de 1916, p.78.
114
social burguesa pois, tantas diferenças eram prejudiciais ao projeto de construção do Estado
Nacional.” (SOUZA, 1998, p. 29).
Era fundamental esclarecer as crianças quanto ao significado de termos como
Nação; Pátria; Descobrimento, Independência, e as diversas formas de governo pelas quais
havíamos passado. Era necessário instruí-las acerca da nossa ngua - pois havia
significativo número de filhos de imigrantes-, da população global do Brasil e a
discriminação de seus elementos. Imprescindível também tomar notas das dimensões do
país, dos seus habitantes e apreender a representação cartográfica do território brasileiro,
configuração recente que precisava ser matizada na memória dos seus futuros cidadãos. A
cada data cívica aconteciam preleções sobre os heróis da República e seus grandes feitos
para que servissem de exemplo aos aprendizes.
O hino e a bandeira eram os símbolos nacionais mais evidentes
72
, pois faziam-se
presentes no repertório de comemorações oficiais, fossem em âmbito escolar ou não. Na
EAAPR as preleções sobre os heróis republicanos ou batalhas notáveis são encontradas
reiteradamente:
Em obediência às instruções ministeriais teve lugar ontem, neste estabelecimento de
educação profissional, estando presentes todos os alunos, a preleção cívica sobre o fato
histórico que a nação comemorou, dissertando o diretor da escola sobre Tiradentes e os
precursores da liberdade. (“A REPÚBLICA”, 22 de ABRIL de 1910 nº 92 p.1ª)
Do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio recebeu a Escola de Aprendizes Artífices
10 exemplares do novo Atlas do Brasil do Dr. Theodoro Sampaio.
- De acordo com as instruções ministeriais o Sr. Diretor da escola de aprendizes realizou
ontem uma exposição oral sobre a batalha de Tuyuty, na presença de todos os alunos da
Escola e com a assistência do corpo docente da escola fazendo acompanhar a preleção de
uma demonstração gráfica, representando o campo de batalha e a disposição dos exércitos
combatentes, de acordo com a carta topográfica de Greem. Ao rememorar a ação heróica de
Osório e das forcas brasileiras salvando a situação das tropas aliadas ao mando do chefe de
Mitre, os alunos proromperam (sic) em palmas e vivas ao Brasil e ao exército brasileiro. (“A
REPÚBLICA”,25 de maio de 1910 nº120 p. 1ª)
No memorando de 1917, consta: “Os Srs. Professores se ocuparão hoje
exclusivamente do fato histórico da Batalha de 24 de Maio” (Portarias e Memorandum da
Diretoria da Escola, 24 de maio de 1917). Certamente estavam se referindo às
comemorações alusiva à Batalha de Tuyuty. No dia seguinte, o jornal “A REPÚBLICA
afirmaria que apesar de apanhados de surpresa, os professores deram “conta do recado” e
72
Acerca da simbologia da bandeira e do hino, confira CARVALHO (1998), especialmente o capítulo 5:
“Bandeira e Hino: o Peso da Tradição”.
115
“o resultado desta comemoração foram as excelentes provas que os alunos fizeram”. (“A
REPÚBLICA”, 25/5/1917 p. 2ª)
A comemoração de uma data não perturba a marcha do ensino consoante ao método de
ensino adotado nas Escolas de Artífices do Ministério da Agricultura, introduzido pela primeira
vez do Paraná, os cursos de Instrução Primária e de Desenho obedecem ao Sistema de
Rotação dos respectivos professores por todas as quatro séries em que estão classificados
os alunos. Ao comparecerem ontem os professores para as aulas diárias encontraram o
“memorandum da Diretoria recomendando que deverá ser o Thema das Lições para todas
as classes a comemoração do fato heróico da Batalha do Tuyuty, assim distribuído: Os
professores de “Prosódia e explicação de vocábulos” ocupar-se-iam da narração episódica do
grande feito militar. Os professores de “Gramática e construção da linguagem traçariam o
perfil dos chefes militares que dirigiam a batalha; os professores de “Cálculo Mental e
Medidas das Grandezas” tratariam da enumeração quantitativa dos exercícios combatentes,
das forças aliadas e inimiga, dos mortos e ferido; os professores de desenho, fariam a
representação esquemática do campo da batalha, com os detalhes topográficos, acidentes do
terreno e disposição dos exércitos, tudo com a representação gráfica do quadro negro, como
é praxe na Escola de Artífices. ( A REPÚBLICA”, “A Batalha de Tuyuty na Escola de
Artífices”, 25/5/1917 p. 2ª)
As comemorações alusivas ao dia da Bandeira de 1920 envolviam as seguintes
recomendações:
Amanhã, dia consagrado a Bandeira, os senhores professores deverão se ocupar em suas
aulas do assento patriótico, bem como os senhores mestres em suas oficinas no que
respeita a ão do trabalho em face da nação. Ao meio dia será hasteada a Bandeira na
presença de todo o pessoal desta escola. Os alunos deverão ser prevenidos hoje, para que se
apresentem convenientemente vestidos.” (Portarias e Memorandum da Diretoria da Escola 18
de novembro de 1920).
Em 1920, no feriado de 14 de setembro em comemoração do Centenário de Dante,
solicitava a Portaria que “os professores façam compreender aos alunos a razão dessa
homenagem”. (PORTARIAS 1921).
no ano de 1926 o Ministro recomendava: “façam os professores desta Escola
aos respectivos alunos, todos os sábados, sistematicamente, preleções sobre a educação
moral, cívica e social”. (Ofício-circular nº3, da Seção da Diretoria Geral de Indústria e
Comércio, 16 de Dezembro de 1926). Nesse mesmo ano de 1926 o Relatório da Inspetoria
Geral da Educação atestava que Paulo Ildefonso de Assumpção
(...) não poupa esforços em bem servir à nobre causa do ensino às classes pobres e procura
conservar o instituto a seu cargo à altura da admiração da sociedade paranaense. A Escola
presta a pobreza os maiores benefícios educativos e instrutivos, pelo perfeito ambiente
profissional que nela tem sabido criar o seu esforçado diretor, e pela cultura cívica e moral
que nela se ministra. (Relatório da Inspetoria Geral da Educação, 1926)
116
Juntamente com as preleções sobre a Pátria, seus heróis e feitos, indícios da
instrução cívica aparecem nas fotografias que retratam as comemorações do Dia da
Bandeira, desfiles de 7 de setembro e outras cerimônias organizadas pela escola onde são
homenageados os ídolos da República e constrói-se o seu panteão cívico.
A simbologia dos heróis punha-se à disposição dos preceitos morais e cívicos
intencionados pela Escola junto ao grupo de aprendizes e validava o regime republicano.
Heróis são símbolos poderosos, encarnações de idéias e aspirações, pontos de referência,
fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o
coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. o regime que não
promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. Em alguns, os heróis
surgiram quase espontaneamente das lutas que precederam a nova ordem das coisas. Em
outros, de menor profundidade popular, foi necessário maior esforço na escolha e na
promoção da figura do herói. É exatamente nesses últimos casos que a o herói é mais
importante. A falta de envolvimento real do povo na implantação do regime leva à tentativa de
compensação, por meio da mobilização simbólica. Mas, como a criação de símbolos não é
arbitrária, não se faz no vazio social, é também que se colocam as maiores dificuldades na
construção do panteão cívico. Herói que se preze tem de ter, de algum modo, a cara da
nação. Tem de responder a alguma necessidade ou aspiração coletiva, refletir algum tipo de
personalidade ou de comportamento que corresponda a um modelo coletivamente valorizado
na ausência de tal sintonia, o esforço de mitificação de figuras políticas resultará vão. Os
pretendidos heróis serão, na melhor das hipóteses, ignorados pela maioria e, na pior,
ridicularizados. (CARVALHO, 1990, p.55-6)
A tentativa de homogeneizar a massa de alunos pobres que aportava à Escola de
Aprendizes, estava explícita nos textos de Paulo Ildefonso d’ Assumpção no primeiro ano
de funcionamento da escola, acerca da necessidade de dotar os aprendizes de
vestimentas, porque muitos deles eram pobres. No ano de 1910, Paulo Ildefonso d’
Assumpção solicitara verbas para uniformizar os aprendizes, a fim de que pudessem se
apresentar em certos atos oficiais, como a recepção do presidente da República e Ministros
de Estado.
Desde o primeiro dia de funcionamento da Escola, uma das minhas maiores preocupações foi
a necessidade de dar vestimentas aos alunos pobres muitos dos quais, privados dos
menores recursos, apresentam-se andrajosos causando desagradável impressão ao -los
em tão deplorável aspecto. (…)As condições de pobreza dos menores que freqüentam esta
escola me impõe o dever de solicitar (...) os recursos precisos para dotá-lo de vestimenta
uniforme com que possam se apresentar em certos atos oficiais. Os alunos, saídos na sua
totalidade da classe mais pobre da população, apresentam-se as vezes andrajosos e andam
quase sempre descalços. Uma vestimenta modesta daria melhor aspecto a essas crianças
sadias, vivazes e animadas para o trabalho, sendo, ainda mais natural incentivo para atrair os
que vivem na ociosidade e por enquanto afastadas da escola.
Aproximando-se a vinda a esta capital do Exmo. Srs. Presidente da República e Ministros de
Estado, desejaria poder exibir os alunos convenientemente trajados. (RELATÓRIOS, 1910,
p.51-2)
117
Paulo Ildefonso d’Assumpção pleiteou verbas junto ao Ministro da Agricultura,
Indústria e Comércio, Dr. Rodolpho Miranda, que declarou: “o pedido de auxílio para dotar
os alunos da Escola de um modesto uniforme, não pode ser atendido por não haver verba no
orçamento para ocorrer tais despesas” mas considerando que “os benefícios resultantes
das Escolas se refletem diretamente sobre os estados em que elas funcionam, seria justo
que estes concorressem com uma quota destinada a esse fim.” (RELATÓRIOS, 1936, p.36.
Correspondência 310 de 27 de setembro de 1910. Aviso do Sr. Ministro da Agricultura,
Indústria e Comércio Dr. Rodolpho Miranda)
Nas fotografias que retratam o cotidiano da escola [anexadas ao final dessa
dissertação] podem ser notados inúmeros aprendizes descalços realizando as aulas de
ginástica ou os exercícios de formatura, nas quais se crianças pobres, mirradas, de
físico fraco que constavam nos textos dos relatórios de Paulo Ildefonso, nos artigos dos
jornais, nos discursos proferidos sobre a Escola e também das correspondências
encaminhadas pelos pais, justificando a saída do filho ou ambicionando a entrada do mesmo
na escola.
Tentando remediar a situação dos alunos pobres que adentravam a Escola, Paulo
Ildefonso sugeria o uso de um uniforme pelos aprendizes. Composto de blusa, calça,
cinturão de couro, boné, camisa de malha e sapato atacado (RELATÓRIOS, 1910, p.51-2), o
uniforme foi proposto pelo Diretor da Escola que, apos várias solicitações de verbas, foi
atendido pelo “ato benemérito do Exmo Sr. Dr. Francisco Xavier da Silva, presidente do
Estado do Paraná.” A “vestimenta modesta porém decente” para os alunos da escola era
vista pelo Diretor como mais um benefício prestado à infância pobre que a freqüentava e,
especialmente, poderia participar da composição de uma imagem mais conveniente à
Escola, quando da exibição de seus alunos nos atos oficiais.
Em 1911, a produção das oficinas concentrou esforços quase “unicamente em
dotar os aprendizes artífices de uma vestimenta singela, porém decente, com a qual
pudessem se apresentar em público”. O desfile dos alunos corretamente constituídos em
batalhão escolar e trazendo roupas, armas, viaturas e equipamentos como: carabinas,
mochilas, correiames, viaturas, tambores, arreios de montaria para uso escolar,
confeccionados no próprio estabelecimento, segundo relato de Paulo Ildefonso,
“impressionou a população” (RELATÓRIOS, 1911, p. 62).
Reportando-se à apresentação do batalhão infantil, João Candido da Silva Muricy,
Inspetor das Escolas de Aprendizes Artífices, remeteu à EAAPR uma carta bastante
118
lisonjeira ao Batalhão Infantil e aos resultados alcançados por Paulo Ildefonso d’
Assumpção e seus auxiliares na formação moral, física e militar dos alunos.
Illmº Snr. Major Paulo Ildefonso d’ Assumpção M. D. Diretor da Escola de Aprendizes do
Paraná.
Peço-vos aceitar minhas congratulações pelo modo correto porque se apresentaram os
vossos aprendizes artífices na formatura do batalhão infantil, no dia 7 de Setembro. Nada
de malhor (sic) se poderia desejar na ordem, na pose e na observância das regras de
continência militares.
A resistência que revelaram na longa marcha que fizeram sem quebra dos alinhamentos,
bem evidenciaram o bom regime da sua educação física, por meio de constantes
exercícios militares e metódicos trabalhos de operários nas oficinas da Escola.
Não seria preciso também grande atilamento para se perceber na disciplina revelada pelos
vossos admiráveis artífices a salutarissma (sic) educação moral, que vão dia a dia
recebendo. Quem como eu pode ver o que eram os meninos ao fundar-se a Escola e hoje
de novo os observa, não poderá deixar de admirar o vosso incansável esforço, como se
poderia admirar o trabalho do artista transformando a substância bruta em uma obra
belamente esculturada, e se é certo que o fim coroa o trabalho, as palmas que recebeste
são os louros dessa gloriosa exibição do dia 7.
Não seria justo deixar de neste momento mencionar, com igual firmeza, os nomes de todos
os vossos auxiliares nessa casa, como eficazes e dedicados colaboradores nessa
grandiosa tarefa de transformação dos caracteres dessa infância até bem pouco tempo
desamparada, pela pobreza dos seus bons e honrados pais. Bem diz o adágio que pala
(sic) obra se conhece o artista.
Não sou levado por entusiasmo de qualquer que seja a natureza, a vos dirigir estas
expressões, mesmo porque como fiscal desta Escola, preciso sempre ver e falar com toda a
imparcialidade, porque também tenho contas a prestar, faço-vos apenas justiça, apelando
para o testemunho dos vossos próprios dirigidos, dos pais que os confiaram e também da
população desta já bem extensa cidade.
Eu vos felicito Sr. Diretor por mais essa vitória por vós e pelos vossos incansáveis
auxiliares alcançada, e dirijo palavras de animação aos vossos aprendizes, para que levem
a sua nobre tarefa até o fim do seu aprendizado fazendo-se realmente bons artistas, e
quem poderá dizer que não industriais muitos deles, para que se conduzam sempre dignos
da admiração dos seus conterrâneos, do amor de seus pais e cheguem como eles a serem
bons cidadãos e exemplares chefes de família, guiados sempre pelas mãos dos mestres e
bons amigos.
(João Candido da Silva Muricy. Ofício do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio
Serviço de Inspeção e Defesa Agrícolas, Inspetoria Agrícola do 15º Distrito, 13 de setembro
de 1911)
Encerrando a carta reporta-se ao ato simbólico de entrega da Bandeira Nacional ao
“bem organizado batalhão infantil”, dando prova do interesse pela educação cívica que
perpassava a formação dada aos alunos. A atuação da Escola e dos professores é vista
como grandiosa tarefa de transformação dos caracteres dessa infância até bem pouco
tempo desamparada, pela pobreza dos seus bons e honrados pais.”
O discurso de Muricy denota a confluência da disciplina militar e o trabalho
operário nas oficinas, bem como a presença de idéias eugênicas e ordenadoras
119
perpassando a formação dos aprendizes a fim de que repetissem em suas futuras famílias
as orientações que receberam ao longo da formação na Escola.
A organização do batalhão escolar, apresentação e desfile dos alunos
devidamente fardados e constituídos em formações militares contemplavam diferentes
objetivos, conforme esclarece o Relatório do Diretor: realizar a propaganda e divulgar a
Escola levando a público a eficiência das oficinas pois os aprendizes desfilavam os
artigos que produziam; promover a demonstração da disciplina interna e da concepção
pedagógica voltada ao trabalho a que estavam sujeitos os alunos, dar comprovação da
eficácia dos métodos empregados pela Escola nos ensinamentos cívicos e morais e
assegurar a visibilidade do papel da mesma na sociedade curitibana e nacional.
Na esteira das análises realizadas por MARQUES (1994) acerca dos “Pelotões
de Saúde”, organizados especialmente no Rio de Janeiro e em o Paulo; apontamos
aproximações possíveis entre os mesmos e o Batalhão Infantil existente na EAAPR. O
próprio termo batalhão e seu modelo de organização inevitavelmente nos reportam às
instituições militares. Embora dotados de características diferentes, os Pelotões da Saúde
voltados às questões de higiene, saúde e disciplina do corpo e das ações das crianças e
os Batalhões Infantis voltados às cerimônias cívicas, atos solenes e públicos, as
concepções que perpassam os mesmos resultam em maiores aproximações que
distanciamentos.
Intentando disciplinar o tempo e a ação dos educandos e transpor práticas de
higiene para o cotidiano, os Pelotões de Saúde”, prescreviam e disseminavam regras a
serem repetidas diariamente pelas crianças. No comando dos “pelotões de Saúde”, criados
no Rio de Janeiro e difundidos para outros estados do país, o higienista Carlos servia-se
de algumas das metáforas de guerra no intuito de despertar o interesse das crianças:
(...) Assim, os pelotões de saúde possuíam uma caderneta ‘como a do reservista’ em que
eram anotados os deveres cumpridos, as promoções e os prêmios recebidos ao conseguir
bons resultados, no peso, na altura, na correção dos defeitos físicos. Só entendia que, em vez
de adestrar os rapazes para a guerra, valia mais a pena fortalecer as crianças para evitar a
guerra e, ‘si a loucura viesse, para vencer a guerra’. (...) A prática de premiações, seja nos
pelotões, nos concursos ou competições públicas, tornara-se corrente nos ‘espetáculos
saudáveis’ que a escola propiciava às populações que se viam contempladas com exemplos
vivos de ‘comportamentos exemplares’ obtidos graças a ‘disciplina do corpo e do espírito’. O
poder normativo insidia de forma normativa e insidiosa comparando, classificando,
hierarquizando os ‘melhores’, delineando comportamentos disciplinados e produtivos, tão
necessários às cidades que se viam invadidas pelas fábricas com escassa forca de trabalho
apta para o processo produtivo que o capital engendrava.” (MARQUES, 1994, p.108-109)
120
O Batalhão Infantil existente na EAAPR também se voltava para o disciplinamento
do corpo, pretendia instituir tempos ritmados e controlados e almejava a conformação moral
dos aprendizes. À moda da prática de distribuição de prêmios às crianças que
participavam dos Pelotões de Saúde, tidos como - espetáculos saudáveis”
73
, a
participação dos alunos no Batalhão Infantil e nos desfiles também era valorizado. Em um
período marcado pela Primeira Guerra Mundial a organização desses grupos, concursos e
cerimônias para as crianças participarem eram recorrentes. Idealizados por médicos
sanitaristas (pelotões de saúde e concursos de robustez) e por professores e diretores
respaldados pelo Exército, que em dados momentos cedia seus quadros para instruir os
alunos (Batalhões escolares), materializariam a união da formação física, higiênica, militar e
laboral. (veja fotos em anexo no Caderno Iconográfico)
Presentes nos relatórios de Paulo Ildefonso, acerca das atividades de ensino da
escola, estavam expressões como “marcha do ensino”, boa marcha”, “marcha
ascensional”, “marcha dos trabalhos desta Escola”, o quais são representativos da
apropriação de terminologia militar em uma clara alusão do quanto a disciplina militar
participava da escola.
3.3 A EAAPR nas feiras e exposições
Em 1911, segundo ano de funcionamento da escola, foram enviadas peças ao
Museu Comercial do Rio de Janeiro para serem destinados à Exposição de Turim. Os
diversos artefatos produzidos nas oficinas e que foram enviados “obtiveram boa
classificação”. Entretanto o diretor advertia para a necessidade de apresentar a
organização completa da escola, a fim de que o Brasil não saísse em desvantagem frente
aos outros centros e países:
(...) não me parece acertado enviar esta escola um ou outro artefato que figurar
disperso pelos sessões de várias indústrias, pouco adiantando assim para a apreciação do
Estado de desenvolvimento do país, e sofrendo prejudicial confronto com obras
provenientes de indústrias perfeitas. (...) apresentar a escola em sua organização completa
de instituto profissional como exige o ‘Programa Explicativo’ das Instruções do Ministério
para a organização da sessão brasileira na exposição de Turim. Expor fotografias,
prospectos, plantas, notas ilustrativas do edifício, seu valor didático, disciplinas e higiênico,
instalações, locais de trabalho, materiais, exercícios preparatórios; cada sessão
73
MARQUES, 1994, p. 109.
121
acompanhada de uma coleção de matéria prima, organizada com metodologia pedagógica,
escolhido a riqueza vegetal, mineral e animal do território do estado. O desenho seria
representado abrangendo o ornamental, arquitetural.(RELATÓRIOS, 1911, p.58)
A passagem acima reflete a preocupação de Paulo Ildefonso d’ Assumpção com a
imagem que se formava da Escola e do próprio país na Exposição Internacional. Desejando
expor o maior número de elementos e/ou matérias-primas além de fotos e prospectos a fim
de bem representar as riquezas naturais, o desenvolvimento e progresso no qual embebia-
se o país. Na organização das exposições cada país participava com suas particularidades,
fossem potências industriais, como a Alemanha, ou as colônias e seus artigos exóticos.
Afinal:
(...) cada país, ao sediar uma Exposição, mostrava aquilo que seria a prova de seu lugar no
‘concerto das nações’ civilizadas. Demonstração tanto à sua própria população quanto aos
visitantes dos demais paises, que também ali compareciam para exibir seus produtos e
atributos de modernidade e buscar o referendo das premiações. Cada um deles contribuía
com suas peculiaridades, desde as potencias industriais (como a Alemanha, destaque em
vários eventos) até as colônias ultramarinas, que adornavam os espetáculos com seus toques
exóticos. Nesse processo comparativo entre as nações, as comissões organizadoras das
Exposições elaboraram classificações minuciosas dos produtos exibidos, visando abarcar o
universo produtivo e a totalidade da vida social (KUHLMANN JR., 2001, p.233).
O intuito de adequar-se aos padrões da Exposição Internacional, presente no
relato de Paulo Ildefonso, coincide com a existência de comissões organizadoras das
Exposições e com participação do Estado na organização e divulgação de critérios para
regular a participação dos envolvidos:
Uma série de procedimentos foram adotados para organizar tanto a participação brasileira
nos eventos internacionais quanto a realização dos nacionais, demonstrando o esforço em
apresentar o país como civilizado, parte desse mundo moderno, científico, industrial. O Estado
sempre subsidiava, e até se fazia representar diretamente nas comissões organizadoras.
Estas solicitavam às províncias amostras de materiais para serem enviados e promoviam a
seleção dos mesmos por meio das exposições regionais e nacionais que julgavam os objetos
expostos. Alem disso, as comissões promoviam a produção de publicações: regulamentos,
catálogos, revistas, livros sobre o país, álbuns e edições comemorativas e relatórios. Os
jornais e revistas dedicavam espaço considerável aos acontecimentos (KUHLMANN JR.,
2001, p.27).
Ainda em 1911, cumprindo o regulamento de 15 de janeiro de 1910 que previa a
organização de feiras e exposições pelas EAA, efetuou-se a primeira distribuição de
prêmios aos alunos. A festa de premiação ocorrida no Teatro Guaíra apregoava a harmonia
e convivência entre as classes sociais, por ter envolvido “desde o mais simples operário até
122
os mais altos representantes do poder público”, foi comentada pelos diferentes jornais
locais. As reportagens publicadas foram transcritas por Paulo Ildefonso d’Assumpção ao
seu Relatório anual da Escola. “O Paraná Moderno”, de 07/05/1911, escreveu sobre a
cerimônia: “A Escola de Aprendizes: aliando a necessidade de estimular o ânimo de seus
juvenis alunos e falar-lhes ao coração, o competente diretor da escola, promoveu uma festa
belíssima (...) (RELATÓRIOS, 1911, p.86).”
A distribuição dos prêmios repetiu-se em 1912 e assim descreve-a Paulo
Ildefonso: “estavam a platéia e os camarotes literalmente cheios de familiares que apreciam
sempre essas festas de estímulo à infância que estuda e se aparelha para os nobres
prélios da vida.” Descreveu também a marcha que os aprendizes fizeram da escola até lá;
a disposição no palco do teatro, a banda de música do Regimento de Segurança do Estado,
da ornamentação e o troféu em forma de águia.( RELATÓRIOS, 1912, p.80).
Anualmente, coincidiam o encerramento das aulas e a abertura da exposição no
interior da escola, onde figuravam Obras e Estudos dos aprendizes e conferiam-se prêmios
aos alunos das aulas de Instrução Elementar e para o curso de desenho. Os prêmios eram
respectivamente: – livros e um estojo de desenho. Em 1912, Paulo Ildefonso d’ Assumpção
assegurava o sucesso daquela “Exposição; longamente comentado pela imprensa local, [e
os] progressos apresentados em confronto com anos anteriores e pela abundância e
variedade de artigos.” (RELATÓRIOS 1912 ,p.91)
Semelhante relato encontra-se no ano de 1915: “(...) a última exposição escolar
assinalou verdadeiro progresso na manufatura de artefatos apresentados e na variedade dos
produtos exibidos (...)” (RELATÓRIOS, 1915, p.53). Na Escola, as exposições eram anuais
e ocorreram ao longo de todo o período estudado. Contavam sempre com a participação de
pessoas ilustres da sociedade, autoridades civis e militares, além do pessoal da escola,
alunos aprendizes e familiares.
No ano de 1916, regressando da viagem de inspeção às demais EAA do norte do
país, Paulo Ildefonso escreveu: “Tendo percorrido diversas escolas do norte do País posso
assegurar que nenhuma delas possui um mostruário permanente de artigos que são, como
aqui, procurados constantemente pelos consumidores”. (RELATÓRIOS, 1916, p.56)
Conquanto o diretor insistisse em dar “demonstrações públicas e solenes” do
quanto a Escola teria “feito na obra de remodelação dos costumes nacionais”
(RELATÓRIOS, 1918, p.3.), na Exposição do Centenário
74
, parte das comemorações
74
A Exposição era enorme para os padrões brasileiros. O visitante percorria 2.500 metros entre pavilhões descritos
pela imprensa como "deslumbrantes monumentos arquitetônicos". A entrada principal ficava na avenida Rio Branco.
123
alusivas ao Centenário da Independência, os objetos remetidos pela Escola de Aprendizes
Artífices não receberam menção ou recompensa e foram extraviados no Rio de Janeiro, o
que ocasionou protestos por parte de Paulo Ildefonso:
Vindo do ano de 1922 em que a maior atividade foi desenvolvida na produção das oficinas e
na atividade do ensino, todo esse grande estimulo viu-se (...) prejudicado, não pelo
insucesso do destino que coube ao trabalho dedicado de professores e alunos, que se
esforçaram pela boa representação deste estabelecimento na Exposição do Centenário, não
merecendo esses trabalhos a menção ou recompensa; como pela depreciação de seu justo
valor a que pela primeira vez foram expostos os artefatos desta escola, desde a sua fundação.
(RELATÓRIOS, 1923, s.p.)
A escolha da data para a abertura da exposição escolar e festa de encerramento
do ano letivo, certamente nada aleatória, foi o Dia da Bandeira. Conforme almejavam os
educadores, urgia despertar o “interesse e o sentimento pátrio” (BITENCOURT, 1927/1997).
Assim, mais uma vez, confluíam o ritual da afirmação do valor social da instituição e o ritual
de afirmação da República através da exaltação de seus símbolos. (QUELUZ, 2000, p.87)
Aproximação também defendida por Rocha Pombo em “Nossa Pátria”,
75
onde propunha
nutrir e firmar na criança e no homem simples do povo aquilo que entendia serem os
símbolos de nação e civilidade, porque cultuar os símbolos da Pátria significava cultuar a
própria Pátria e seus feitos. Anseios bastante pertinentes e similares às idéias circulantes à
época, quando o Brasil, jovem República, almejava e carecia configurar-se como nação
dotada de identidade própria, embora referenciada nos padrões de civilidade europeus.
Mas,
Se não nhamos ainda atingido a modernidade, embora estivéssemos para seguindo, isto
seria em virtude de não se ter generalizado pelo país a educação: esta era representada
como fator propulsor de desenvolvimento e não como sua conseqüência. A responsabilidade
por esta defasagem era atribuída aos próprios excluídos e não ao governo (...) Os discursos
povoavam-se de ambigüidades: por um lado eram proclamadas iniciativas no campo
educacional, enquanto por outro se lamentava a situação real do ensino. (KUHLMANN JR.,
2001, p.233).
Foi construída uma "porta monumental" de 33 metros de altura. Na avenida das Nações se alinhavam os palácios e
representações estrangeiras. Mais adiante, avistava-se a praça na qual se erigiam os palácios brasileiros, considerados
"monumentos majestosos de nossa riqueza e de nossa capacidade de trabalho".Foram erguidos 15 pavilhões
estrangeiros. Na área nacional havia os palácios de festas, dos estados, da música, das diversões, da caça e pesca e
muitos outros. Alguns desses prédios ainda podem ser vistos nos dias de hoje. A Exposição Universal durou até abril de
1923, e o número de expositores chegou a dez mil.” Disponível em
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos20/ev_centindep_expuniversalrj.htm , acessado em 06/09/2004.
75
ROCHA POMBO, José Francisco da. Nossa Pátria: narração dos fatos da História do Brasil, através da sua evolução
com muitas gravuras explicativas. São Paulo Caieiras – Rio de Janeiro: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 79ª
edição, 1917.
124
As Exposições Internacionais, das quais participava a Escola de Aprendizes
Artífices do Paraná e outras cerimônias, exposições e celebrações organizadas não
pela EAAPR, mas que aconteciam em âmbito nacional e internacionais no início do século
XX, assumiam múltiplos papéis. KUHLMANN JR(2001) serviu-se de diferentes metáforas
para localizá-los: Vitrines, ou “vitrines do progresso”,
76
pelo caráter ordenado e o modo de
organizar os materiais das exposições, “boa parte deles no interior de móveis
envidraçados”. Palcos ou Teatros: pois nelas encenava-se a moral do progresso em que
pretendiam inserir-se todos países. Templos, que a instrução e educação popular
poderiam restaurar princípios morais e religiosos, elementos constituintes da ordem social.
E ainda, Escola, dadas as dimensões educativas assumidas pelas mesmas.
Os diversos significados que as exposições de trabalhos dos alunos podiam
assumir, diante da sociedade nos permitem reafirmar as proposições de KUHLMANN
JR(2001). A organização de um mostruário com vitrine iluminada à noite para que pudesse
ser apreciada pelos transeuntes, foi instalada na EAAPR já no ano de 1910:
(...) acabo de instalar nesta escola um mostruário permanente de artefatos produzidos
pelos respectivos aprendizes nas diversas oficinas. Esse mostruário, convenientemente
decorado pela secção de tapeçaria da própria escola e fartamente iluminado durante a
noite, está franqueado à visitação de público, sendo ainda dotado de vitrines que o para o
exterior do edifício. (Ofício ao Sr. Dr. Diretor Geral da Diretoria de Industria e Comércio, 16
de agosto de 1910)
O ritual de afirmação do valor social da Escola de Aprendizes Artífices e o ritual de
afirmação da República através do culto de seus símbolos remetem-nos à discussão acerca
da problemática dos “lugares de memória”, investigados por NORA (1993) e POLLAK (1992),
bem como às proposições de HALBWACHS (1990) acerca da memória coletiva e suas
aproximações e distanciamentos com a história.
Tratando das relações entre memória e história, Pierre Nora construiu ampla
discussão acerca da problemática dos lugares reservados a cada uma delas. No intuito de
estabelecer uma distinção entre as mesmas, NORA (1993) defende que a memória é a vida,
carregada por grupos vivos, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento e, portanto
vulnerável. Ao passo que a história é a representação do passado, uma reconstrução
sempre problemática do que não existe mais. A necessidade de memória é, portanto, uma
necessidade de História.
76
Na expressão de NEVES, Margarida de Souza. As vitrines do progresso: o conceito de trabalho na sociedade
brasileira na passagem do século XIX ao XX; a formação do mercado de trabalho na cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 1986. [Relatório de Pesquisa, Depto de História, PUC-RJ.] apud KUHLMANN, 2001, p.24-5.
125
A memória pode ser vista sob duas perspectivas: uma “memória verdadeira”
pautada no gesto, no hábito, nos saberes do corpo e uma “memória transformada” por sua
passagem em história e por isso voluntária, deliberada e não mais espontânea. É na
construção dessa memória não espontânea que Pierre Nora insere a construção do
conceito de “lugares de memória”, os quais nascem do sentimento de impossibilidade de
memória espontânea. Logo, emerge a necessidade de se criar arquivos e organizar
celebrações. Estas operações de constituição de arquivo e de lugares de memória não são
ações naturais, são voluntariamente criadas pela história.
Os lugares de memória pertencem a dois domínios, que a tornam interessante, mas também
complexa: simples e ambíguos, naturais e artificiais , imediatamente oferecidos à mais
sensível experiência e, ao mesmo tempo, sobressaindo da mais abstrata elaboração. São
lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional,
simultaneamente, somente em graus diversos. Mesmo um lugar de aparência puramente
material, como um depósito de arquivos, só é um lugar de memória se a imaginação o investe
de aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um
testamento, uma associação de antigos combatentes, entra na categoria se for um objeto
de um ritual. (NORA, 1993, p.21).
Servindo-se dessa construção feita por NORA (1993) acerca dos efeitos de sentido
para a expressão “lugares de memória”: o material, o simbólico e o funcional, podemos
transportá-los para os rituais que a EAAPR organizava na tentativa de empreender a
construção de lugares de memória e de celebração de nação. Para tanto, os símbolos da
pátria como a bandeira, o hino, o brasão, os monumentos; eram revestidos de aura
simbólica. Não que hoje não o sejam, mas dadas as condições do período, momento em
que o regime republicano precisava consolidar-se e os anseios em torno dos ideais de
identidade nacional figuravam indispensáveis na constituição de uma identidade paranaense
e brasileira, cultuar os símbolos era imprescindível. Era por meio desses rituais de culto a
pátria, rememorando suas datas cívicas como: o dia da Independência, o dia da
Proclamação da República, o dia da Bandeira que se intentava produzir nos alunos e,
conseqüentemente na sociedade, um conjunto de lugares de memória que de outra forma
não participariam do repertório de comemorações da população.
As celebrações ligadas aos rituais religiosos eram recorrentes desde o Brasil
colônia em função da presença do catolicismo, mas a República, seus símbolos, heróis e
realizações ainda careciam de lugar na memória coletiva. E é por meio da escola que estes
lugares de memória, identificados na Pátria, no Regime Republicano e nos seus símbolos: a
126
bandeira nacional, o hino nacional e o escudo, que as crianças aprenderiam a cultuá-los e,
almejava-se, ensinariam seus pais a fazê-lo. Além da novidade do Regime Republicano,
na EAAPR era grande o número de filhos de imigrantes recebidos, os quais compunham
mais uma parcela da população que deveria aprender a amar e celebrar a Pátria brasileira.
A EAAPR atuava na construção de uma memória nacional não voluntária,
artificial, e pretendia forjar nos indivíduos um tipo de memória acerca na nação e de
símbolos que ainda não estava dada, fosse pela novidade da República, fosse pela ausência
de escolarização - pois tais preceitos eram inculcados especialmente pela escola- ou pela
própria chegada de grande número de imigrantes que careciam adequar-se aos padrões de
identidade em construção.
Utilizando-nos do repertório de elementos que atuam na constituição da memória:
acontecimentos, personagens e lugares
77
; podemos nos reportar ao início do século XX
quando a EAAPR e os idealizadores da República empenhavam-se em construir uma
memória nacional e, por suposto, uma identidade nacional. Se concordarmos que na
constituição da identidade a memória participa amplamente, entenderemos que as muitas
celebrações organizadas pela EAAPR marcavam a tentativa de incrustar na memória
coletiva personagens e acontecimentos que não participavam diretamente da vida das
pessoas. Nesta constituição da memória, a presença de lugares que a demarcassem
também era fundamental: vide a escolha do Dia da Bandeira para abrir a exposição escolar
e encerrar o ano letivo, as festas e comemorações públicas, os desfiles dos meninos
uniformizados nas datas cívicas; o trajeto percorrido pelos alunos do batalhão da escola
anteriormente mencionados ou ainda as aulas e preleções sobre heróis e batalhas.
À Escola de Aprendizes Artífices do Paraná pode ser atribuído um projeto de
identidade paranaense e de trabalhador, corolário de um projeto de nação. As festas, feiras,
exposições e desfiles escolares constituíram-se em práticas simbólicas capazes de
77
Ao desenvolver estudos sobre as relações entre memória e identidade social, POLLAK (1992) aponta a
memória como elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva. Para o autor
na construção da memória participam três elementos constitutivos: os acontecimentos, os personagens e os
lugares. Os acontecimentos podem ser: vividos pessoalmente ou aqueles denominados “vividos por tabela”,
estes últimos correspondentes aos “acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa
pertencer” e não pelo indivíduo propriamente. Quanto à constituição da memória por pessoas ou personagens,
Pollak aplica a mesma idéia de acontecimento vivido por tabela. Logo, personagens que de fato foram
encontradas no decorrer da vida de alguém e outros que participaram apenas indiretamente ou “por tabela”. Os
lugares de memória podem ligar-se a uma lembrança dita pessoal, ou podem não ter apoio no tempo
cronológico e pautarem-se em uma memória afetiva. Quanto aos lugares, podemos pensar em lugares da infância
que permanecem muito marcantes na memória de uma pessoa independente da data real em que a vivência
ocorreu. E, quanto à memória mais pública, podemos encontrar lugares de apoio da memória, que são os lugares
de comemoração, como os monumentos.
127
articular cotidiano educacional e imaginário sócio-político republicano, conforme aponta
SCHENA (2002). Tais acontecimentos eram privilegiados no cotidiano da Escola e
repercutiam nos espaços sociais externos, contando com a presença de autoridades
políticas, imprensa e familiares dos aprendizes. Portanto, o calendário escolar colaborava
na fixação das datas comemorativas, instaurando temporalidades cíclicas e um repertório
ritualístico dotado de significações cívicas, morais, educativas e políticas.
O escotismo, o patriotismo e a alfabetização, marcaram presença no ideal de
construção da Nação. Os dois primeiros podem ser entendidos como “rituais de
comemoração”
78
. Recriando o passado e constituindo-se em atos de memória,
representavam também tentativas de impor determinadas interpretações do passado, para
moldar a recordação, persuadir a memória a ser formada e construir representações
coletivas. Na transmissão da recordação, o espaço desempenha papel importante: funciona
como “enquadramento social da memória”
79
.
Ao refazer o percurso dos alunos em formação militar, percorrendo os principais
pontos do poder constituído da cidade até chegar ao palco do Teatro, anteriormente
descrito, podemos reconhecer aqueles espaços como lugares onde uma memória se
construía.
Esta construção de uma memória e de “lugares de memória” (NORA, 1993 e
POLLAK, 1992), é absolutamente artificial e se esparge sobre a coletividade de forma
intencional, quase que por imposição. Pautava-se, conforme procurei explicitar acima, em
um conjunto de elementos revestidos de aura simbólica e em rituais de comemorações
alusivos à Pátria.
78
Conforme Peter BURKE nomeou. A história como memória social.
79
Expressão cunhada por HALBWACHS , 1990, que elaborou várias discussões acerca das relações entre
memória individual e memória coletiva e destas com o espaço, o tempo e a história. Interessa-nos aqui a
discussão acerca da história e da idéia de memória coletiva. Para o autor, a memória coletiva apesar de envolver
as memórias individuais de cada um dos elementos do grupo não se confunde com elas. Logo, cada pessoa para
evocar seu passado faz apelo à lembrança dos outros, reportando-se a pontos de referências fora de si próprio.
Na construção de um memória própria, reintegramos freqüentemente nossa memória a um tempo e a um espaço.
Se as lembranças pessoais são inteiramente pertencentes a cada indivíduo; a memória coletiva empresta de todos
os participantes do grupo dados para poder constituir-se como total. Quando HALBWACHS trata do conceito
de memória coletiva e reporta-se a ela como não artificial, devemos entendê-la como a memória constituída pelo
grupo, baseado nas prioridades e rememorações estabelecidas pelo mesmo. Um exemplo possível seria a
memória coletiva trazida de além-mar pelos distintos grupos de imigrantes. De outra forma, entretanto, é
preciso entender a memória coletiva que a história e a escola tentavam criar acerca da identidade brasileira, uma
memória nacional em construção, portanto, enquadrada, artificial.
128
À GUISA DE CONCLUSÃO
Este trabalho pretendeu investigar a formação de menores paranaenses no interior na
Escola de Aprendizes Artífices do Paraná, entre os anos 1910-1928. Diferentemente do
projeto inicial de fazer uma história da instituição, as peculiaridades do percurso investigativo
levaram-me a optar por centrar a pesquisa nos ideais de educação escolar, moral e cívica
perpassadas pelo trabalho, ofertados aos alunos ali atendidos. Portanto os métodos e
concepções de ensino técnico apenas tangenciam minha abordagem, mas não foram meus
objetos.
A despeito das pretensões de Paulo Ildefonso d’Assumpção, a Escola de Aprendizes
Artífices do Paraná não era para todas as crianças. Nela ingressava a infância pobre, os
ditos menores. Embora entre eles figurassem meninos que haviam incorrido em pequenos
crimes, a maioria dos alunos era oriunda de famílias despossuídas e ou imigrantes. Logo, os
aprendizes que adentravam a Escola compunham um corpus diferenciado das outras
categorizações de menores presentes na sociedade curitibana de então, não sendo possível
afirmar igualdades de tratamento e conceituação entre as mesmas.
O principal foco da educação para os pobres situava-se na educação moral e
profissional. Criada com o fim de atender a infância proletária, a EAAPR recebia aqueles
menores vistos pelas autoridades como oriundos dos ambientes perniciosos e
degenerados e buscava assegurar o distanciamento da delinqüência, criminalidade ou
ociosidade, que supunham ser o destino natural da infância carente, e oferecer-lhes
educação formal e profissional concedendo-lhes a possibilidade de “ganhar a vida pelo
trabalho”. À massa heterogênea de menores aprendizes pretendia-se aplicar educação e
disciplinamento capazes de homogeneizá-los, transformando-os em hábeis operários aptos
a construir o Paraná do futuro, constituir família disciplinada e engrandecer a pátria. Para
tanto, propunham reeducá-los.
Anseios de instaurar uma identidade paranaense que se revelasse peculiar frente
aos demais estados brasileiros perpassavam a formação elementar e profissional ali
ofertada. Os discursos do diretor da escola e demais autoridades, veiculados pelos jornais,
denotavam a expectativa de fazer do Paraná o celeiro de homens laboriosos onde os outros
estados pudessem buscar mão-de-obra qualificada. A formação profissional, idealizada
pelas elites e destinadas às classes pobres justificava-se em âmbito nacional pelo
movimento crescente de implantação das indústrias. A capital paranaense também
participava desse processo. Afinal, na Curitiba do início do Novecentos, a presença de
129
crianças trabalhadoras era notória no comércio ambulante e no setor industrial, compondo
parcela significativa dos operários empregados.
Em viagens de inspeção às escolas de artífices do Norte do país, Paulo Ildefonso
d’Assumpção apontava as possibilidades de inserção dos produtos das fábricas paranaenses
no demais estados. E aqui resta um aspecto a ser investigado: a relação estabelecida entre
Paulo Ildefonso e o Movimento Paranista. Pois, conforme apontamos no corpo do texto,
indícios de tal vinculação que merecem pesquisas futuras.
Os anseios de se constituir uma identidade ao Paraná e a idealização da figura dos
menores como futuros trabalhadores abnegados, disciplinados, ordeiros e cujo caráter seria
restabelecido parece ter se concretizado na aposta de modelo de formação ambicionada por
Paulo Ildefonso, no papel de Diretor da Instituição. Embora raramente concluíssem os anos
de formação previstos, justamente por empregarem-se nas pequenas fábricas e
estabelecimentos comerciais locais, o tempo que passavam na escola era todo voltado para
um protótipo de formação que correspondesse aos anseios de ordenamento social trazido
pela república e pelas próprias mudanças instauradas com o fim oficioso do trabalho escravo.
A formação da identidade de paranaense e de trabalhador estava estreitamente
vinculada à educação moral dos menores aprendizes. Para tanto, concorriam as aulas de
história, as preleções cívicas, o culto à bandeira, os rituais e celebrações implementadas pela
escola, bem como o controle sobre os tempos no intuito de formar a memória/identidade
nacional e instaurar hábitos morais e cívicos desejados. Afinal o nacionalismo continha a
idéia de ser paranaense, e englobava todos esses ritos e alegorias republicanas. Procurei
clarificar como a idéia de ser brasileiro se traduzia no Paraná e dentro da escola. Ou seja,
era a partir da remodelação dos hábitos degenerados dos aprendizes, aprendidos no meio
vicioso em que viviam, da instauração do ideal de trabalhador e da educação moral que a
identidade nacional seria matizada.
Vigorava o desejo de controle dos tempos dos aprendizes e a iteração das
preocupações com disciplinar os seus usos, justamente para livrá-los” da ociosidade e
combater-lhes os vícios. Por outro lado, o diagnóstico das faltas dos alunos porque
ajudavam os pais nas lides domésticas ou começavam a trabalhar para auxiliar no sustento
da casa tão logo aprendessem as primeiras lições de um ofício, nos fazem ver com
ressalvas a apregoada ociosidade dos mesmos.
Os dirigentes da escola advogavam uma reeducação dos menores ali chegados e tal
desejo é notório nos discursos dos responsáveis pela instituição. Nas argumentações de
Paulo Ildefonso d’ Assumpção transparece o propósito de reeducação pela retirada do meio
130
vicioso que os corromperia. Tal reeducação seria idealmente realizada se a escola adotasse
o modelo de internato, projeto que nunca seria concretizado.
Junto com a tarefa de formá-los para o trabalho estava a proposta de conceder-lhes
instrução elementar, realizada sob os auspícios do modelo de escola graduada, em franca
expansão na transição do século XIX para XX. O modelo do grupo escolar refletia-se na
adoção da seriação do ensino, no uso do método intuitivo segundo as prescrições legais
para o Estado do Paraná. A aplicação do método intuitivo na Escola de Aprendizes
distinguia-se pelos elos que estabelecia com os preceitos da formação prática voltada à
aprendizagem profissional e nesse aspecto Paulo Ildefonso d’Assumpção defendia a
singularidade do emprego do mesmo na escola sob sua direção. À moda da visibilidade
ambicionada pelos grupos escolares paranaenses, a Escola de Aprendizes Artífices também
se preocupava com a visibilidade e suntuosidade de suas instalações, o que nem sempre
conseguia assegurar.
À maneira de outras instituições escolares do período, a Escola de Aprendizes
Artífices do Paraná, serviu-se da criação de Batalhões Infantis em prol do almejado intuito de
moldar o sentimento patriótico de nação. A organização de festas de encerramento, os
desfiles e comemorações cívicas, as exposições anuais, fossem no interior da escola ou em
outros espaços públicos, as feiras nacionais e internacionais combinavam-se em prol da
divulgação da presença da escola na sociedade e do o incitamento ao trabalho e à
disciplina por parte dos alunos. As festas cívicas também promoviam o enquadramento da
memória em torno dos heróis e datas cívicas brasileiras.
A história da formação destinada aos menores, alunos da Escola de Aprendizes
Artífices, aqui relatada fez-se com a intenção de apreender as diversas vozes que
discursavam sobre os menores, e/ou para eles. Para tanto, contei com os discursos de
múltiplos atores que desferiam suas críticas à ociosidade, teciam elogios ao trabalho e
faziam a apologia do ensino profissional como redentor dos aprendizes, mas obtive poucos
indícios de dados deixados pelos próprios alunos, os quais certamente revelariam outros
elementos e possibilidades de abordagem.
Interessante relembrar as escolhas dos materiais constituintes do acervo dos
arquivos dentre os quais destacam-se: os relatórios do diretor, o discurso de autoridades,
atas de visitas à Escola, mas poucos documentos produzidos por professores e alunos. O
cotidiano dos mesmos foi refeito aqui a partir de indícios, como ofícios e memorandos que
pretendiam guiar a ação de professores junto aos alunos. Outros dados foram
depreendidos das minutas e ofícios consultados, quase sempre reproduzindo a voz do
131
diretor, do inspetor agrícola, dos visitantes “ilustres” e dos que publicavam seus textos nos
jornais.
Os dados veiculados sobre EAAPR disseminavam a idéia da premência do trabalho
na constituição do país e a possibilidade de ascensão social por meio dele. Repudiava-se a
procura pelo ensino secundário, o bacharelismo, ao qual aportavam sobremaneira os ricos,
aspirantes aos cargos públicos e rendimentos fáceis. Os porta-vozes da classe dominante
estabeleciam críticas à mania do bacharelismo cultivada entre a população e intentavam
solidificar a idéia do trabalho manual como verdadeira arma de redenção das mazelas
sociais e passaporte para o enriquecimento próprio de cada trabalhador e do país.
Esqueciam-se, porém, que ao ensino profissional, especialmente os ligados aos ofícios,
aportavam quase exclusivamente os pobres e abandonados da fortuna, que muito
dificilmente poderiam alcançar escalas hierárquicas diferente daquelas as quais pertenciam.
A presença das crianças nos locais de trabalho delineava-se, pois ocupá-las era
sinônimo de afastá-las da “ociosidade” e dos males que poderiam vir a cometer. Ademais,
era pelo viés da formação profissional que se instaurariam hábitos saudáveis de trabalho,
abnegação e moralidade. A criação das Escolas de Aprendizes Artífices atendia aos
propósitos de formação de mão-de-obra para as indústrias, contribuía para a manutenção da
ordem urbana e idealizava disciplinar e redimir os menores pobres tornando-os aptos para
uma vida produtiva, evitando que se entregassem a “parasitagem” quando chegassem à
“idade da ação”. A singularidade da Escola de Aprendizes aqui instalada era construir uma
identidade peculiar ao Estado do Paraná, há pouco emancipado.
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Pasta de Ofícios Diversos
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Portarias
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143
CADERNO ICONOGRÁFICO
144
Foto 1: Batalhão infantil em uniforme de gala portando armas em frente à Escola.
Fonte: NUDHI/CEFET-PR.
Foto 2: Escola de Aprendizes Artífices do Paraná. 1913. Fonte: NUDHI/CEFET-PR.
145
Foto 3: Cotidiano na década de 1910. Fonte: NUDHI/CEFET-PR.
Foto 4: Exercícios de formatura.Fonte: NUDHI/CEFET-PR.
146
Foto 5: Aula de ginástica. Fonte: NUDHI/CEFET-PR.
Foto 6: Alunos em frente à Escola. Fonte: NUDHI/CEFET-PR.
147
Foto 7: Alunos Uniformizados. Fonte: NUDHI/CEFET-PR.
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