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Maria da Graça Souza
Desafios no processo de constituição da Escola Oziel Alves
Pereira - Canguçu – RS: Amarrando as pontas entre
conhecimento e produção
Pelotas, maio de 2008.
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Ministério da Educação e do Desporto
Fae - Universidade Federal de Pelotas -
PPGE - Curso de Mestrado em Educação
Desafios no processo de constituição da Escola Oziel Alves
Pereira - Canguçu – RS: Amarrando as pontas entre
conhecimento e produção
Dissertação apresentada ao PPGE,
Mestrado em Educação, como quesito
parcial para a obtenção do título de
mestre.
Linha de Pesquisa: Filosofia, Educação e
Sociedade
Mestranda: Maria da Graça Souza
Orientador: Prof. Dr. José Fernando
Kieling
Pelotas, maio de 2008.
3
Banca Examinadora
__________________________________________
Prof. Dr. José Fernando Kieling – UFPEL - presidente
__________________________________________
Prof. Gomercindo Ghiggi - UFPel
__________________________________________
Prof. Dr. Rosalvo Schütz - UNIOESTE
__________________________________________
Profª Drª Marlene Ribeiro - UFRGS
__________________________________________
Prof. Dr. Jorge Luis Cammarano González - UNISO
4
“A EDUCAÇÃO PRECISA IR AONDE VAI A VIDA.
É INSENSATO QUE A EDUCAÇÃO OCUPE O
ÚNICO TEMPO DE PREPARAÇÃO QUE TEM O
HOMEM EM NÃO PREPARÁ-LO”.
“NÃO SE ILUDAM. A EDUCAÇÃO PRIMÁRIA
PRECISA SER CIENTÍFICA”.
José Martí
5
agradecimentos
À Vó Joana, agricultora, parteira, símbolo da resistência na terra.
Ao meu pai Higinio José Souza, agricultor, que me ensinou o amor pela
terra.
À minha mãe Nadir Furtado Souza, cuja sabedoria divide com uma
grande descendência.
Às minhas irmãs: Helena, Nádia, Cecília e Rossana com as quais
aprendi a partilha da vida.
Aos meus filhos Clarissa, Lucas e Andressa, Cláudio (Caco) pela
exigência do exemplo, paciência e colaboração.
Aos professores da banca, pelo reconhecimento da experiência
e pelas sugestões de encaminhamento dadas por ocasião da
qualificação.
A José Fernando Kieling, meu orientador, com quem tenho a
oportunidade de construir parcerias por um mundo melhor e
radicalmente humano.
6
7
Resumo:
O presente trabalho analisa o processo inicial de constituição de uma
escola rural no município de Canguçu a partir da demanda do
assentamento Renascer. Destaca a integração escola-comunidade como
essencial para a democratização do processo escolar e desenvolvimento do
assentamento. Analisa, ainda, o processo atual da escola, tomando como
referência o projeto pedagógico revolucionário que foi debatido a partir
das premissas freireanas e dialogicamente orientou as tomadas de decisão
no momento de implantação da escola Oziel Alves Pereira. O desafio é
constituir um fórum permanente de debates e planejamento sobre as
questões da construção do conhecimento, em uma escola do e no campo
que se quer enraizada no vir-a-ser do assentamento, capaz de constituir um
trabalho que vincule a construção curricular aos processos de organização
política, produção e comercialização dos assentados e, especificamente, à
atuação da Cooperativa Terra Nova.
Palavras-Chave: educação - escola do campo - campesinato
Abstract:
This report comprises the initial steps for the creation of a country school in
the town of “Canguçu”, RGS State, southern Brazil, following the rules
presented by the “Renascer” settlement group. It emphasizes the school.
Community Integration as essential for the democratization of this
educational process and its future development settlement. It also comprises
the present situation of the school, accepting as reference point the
revolutionary-pedagogic project that was subjected to discussion following
the “freireanas” point of view that showed the way for the creation of the
“Oziel Alves Pereira” school. The challenge is to materialize a permanent
discussion and development forum covering the questions of
knowledgement a school of and in the countryside that we want to have
roots in the daily life of the settlement, able to perform a mission connecting
the curricular build up to the political organizing process, rural production
and commercialized goods of the established people and, specifically, the
“Terra Nova” new land cooperative action and development.
Key-words: education – country school - peasantry
8
Sumário
Resumo: ....................................................................................................................... 8
introdução – propondo uma trajetória ......................................................................... 11
Colocação do problema.....................................................................................11
Dos objetivos e relação com a prática social ....................................................12
Das estratégias de ação......................................................................................13
Primeiro Porto. ...................................................................................................... 15
A experiência familiar. .....................................................................................15
Segundo Porto. ...................................................................................................... 16
A chegada à escola. ..........................................................................................16
Terceiro Porto. ....................................................................................................... 17
Admissão ao Ginásio. .......................................................................................17
Quarto Porto. ......................................................................................................... 17
Ingresso na Escola de 2o Grau, no curso Redator Auxiliar. .............................17
Quinto Porto. ......................................................................................................... 18
O curso “superior” ............................................................................................18
Sexto Porto ............................................................................................................. 19
Assumindo uma Turma de Pré-Escolar.............................................................19
Sétimo Porto. ........................................................................................................ 20
Mudança para Jaguarão ....................................................................................20
Oitavo Porto. ......................................................................................................... 22
Magistério público estadual ..............................................................................22
Nono Porto ............................................................................................................ 22
no colégio Espírito Santo...................................................................................22
Décimo Porto ........................................................................................................ 24
limites para exoneração do economicismo .......................................................24
Décimo Primeiro Porto .......................................................................................... 27
A frente popular.................................................................................................27
Breve aportagem para entender o papel do Estado no desenvolvimento da
educação............................................................................................................27
Concepção de Estado e de políticas públicas no governo Olívio Dutra ...........29
Décimo Segundo Porto .......................................................................................... 45
Constituinte escolar: a pedagogia da participação ............................................45
Décimo Terceiro Porto. ......................................................................................... 48
Aportando na escola..........................................................................................48
Décimo Quarto Porto ............................................................................................ 50
Buscando apagar o círculo de giz economicista - por uma intervenção mais
qualificada.........................................................................................................50
Papel revolucionário da vanguarda...................................................................51
Décimo Quinto Porto ........................................................................................... 58
Pesquisa - Identificando cenários .....................................................................58
Um lugar chamado Renascer: O reencontro......................................................59
Articulação colaborativa da pesquisa................................................................65
Décimo Sexto Porto ............................................................................................... 77
Oziel Alves : Uma escola forjada na luta..........................................................77
9
projeto pedagógico............................................................................................79
Décimo Sétimo Porto ............................................................................................ 93
As Festas: uma aportagem obrigatória..............................................................93
Décimo Oitavo Porto .............................................................................................. 95
Construindo mapas e percorrendo caminhos.....................................................95
Décimo Nono Porto .............................................................................................. 102
Constituição de um fórum de debates.............................................................102
Vigésimo Porto ..................................................................................................... 110
Amadurecimento e conclusões possíveis neste tempo da pesquisa.................110
BIBLIOGRAFIA: ..................................................................................................... 118
Anexo - Caderno de Fotos .................................................................................... 128
10
introdução – propondo uma trajetória
“Digo - o real não está na
partida nem na chegada,
ele se dispõe para nós no
meio da travessia”
(João Guimarães
Rosa em Grande
Sertão: Veredas)
Ao exercitar o esforço de articular estratégias de conhecimento sobre a
constituição da escola e sobre o processo progressivo de elaboração da política
pedagógica, lembrei da citação de Guimarães Rosa em Grandes Sertões Veredas: “O real
não está na saída nem na chegada ele se dispõe para a gente no meio da travessia”. É
assim que progressivamente se constituiu a trama de relações que, aos poucos, foram
dando condições de articular pessoas de diferentes lugares, movidas por diferentes
intencionalidades, num projeto que se queria inovador e radicalmente vinculado à s
pessoas e coisas do campo: o projeto e a possibilidade de funcionamento da escola Oziel
Alves Pereira.
O objeto desta busca, portanto, une duas pontas: uma centrada na experiência
do governo democrático e popular no que diz respeito à educação pública; e a outra no
trabalho colaborativo de pesquisa junto às pessoas sujeitos dos processos sociais e
educativos do assentamento Renascer que vimos desenvolvendo nesta localidade e na
Escola Oziel Alves Pereira.
Colocação do problema
Segundo o próprio Freire, a busca autêntica implica em uma relação indissociável
entre teoria e prática, pensamento e ação, o que constrói a possibilidade de transformação
concreta da realidade.
Acreditamos que quanto mais conhecermos criticamente uma realidade, a ação
histórica dos sujeitos desta realidade e suas formas de pensar o que fazem, maior é o
comprometimento e o empenho para transformar o que necessita ser transformado e
reafirmar as ações que primam pela humanização das relações.
Ao resgatar esta história recente da educação no Rio Grande do Sul em
especial o movimento da 5ª Coordenadoria de Educação ao qual estive vinculada –, no
11
que diz respeito à educação do campo, apontamos para onde se dirigiu originariamente a
luta pela implantação da Escola Estadual de Ensino Fundamental Oziel Alves Pereira,
onde buscamos investigar o seguinte problema: é possível, em um Estado de tradição
patrimonialista e antidemocrático, a permanência de políticas e práticas emancipatórias? O
fato é que a escola se constituiu na briga com a Prefeitura Municipal que quis impor um
tipo de escola que atropelava toda a trajetória política do grupo. Perguntava-me:
subsistem, nas contingências atuais, as intenções originais de luta
pela escola pública e
estadual no assentamento? Que modificações estavam ocorrendo, ou, em termos
positivos: que relações e intenções constituem a escola hoje e que abrangências alcançam
em termos de configuração de uma escola enraizada na comunidade?
Dos objetivos e relação com a prática social
Mantivemos o objetivo de recuperar, na memória dos colonos do Renascer, a
proposta de escola rural ali nascida e a implementação de ações pedagógicas posteriores.
Procurei entender, nas atividades colaborativas com os colonos e com a escola, a
manutenção ou não dos propósitos emancipatórios originais e as mediações concretas e
constitutivas vividas pelas pessoas da escola e do assentamento no processo recente de
fazer educação.
Como objetivos especí ficos, foram mais evidenciados, de um lado, os desafios
para sistematizar a experiência educacional desenvolvida entre 1999-2003, analisando as
diferentes políticas construídas no período ligadas ao processo da Constituinte Escolar, do
Orçamento Participativo e da implantação de novas escolas; e, de outro, o trabalho
mostrou o acerto em fazer um estudo da realidade concreta na Escola Estadual de Ensino
Fundamental Oziel Alves no Assentamento Renascer, 2° Distrito de Canguçu. Além disso,
fomos constituindo o panorama atual do trabalho ao
Buscar elementos remanescentes das políticas do governo popular
que orientavam a construção do projeto político pedagógico, dos planos
de estudos e do regimento;
Especificar como a escola articulava e articula os planos de estudos ao
seu entorno, na perspectiva da construção curricular;
12
Entender como a escola discute e concebe as possibilidades
econômicas individuais e coletivas de organização econômica dos
assentados, via cooperativa ou não;
Entender como os professores conseguem incorporar ao currículo da
escola, com legitimidade, os problemas que o vir-a-ser do assentamento
colocam concretamente às pessoas do lugar;
Perceber as possibilidades e o modo da pesquisa interferir
colaborativamente nos processos de qualificação do modo de vida do
assentamento e das famílias dos assentados, numa perspectiva
socializante e emancipatória.
Das estratégias de ação
As idas a Porto Alegre, no período de julho de 2006 a dezembro de 2007,
possibilitaram-me manusear os documentos relacionados com a construção e
sistematização das políticas públicas para a educação, bem como realizar as entrevistas
com dirigentes estaduais que participaram do governo popular.
As idas ao assentamento, entre 2006 e 2008, têm me permitido conhecer aquela
realidade e interagir com ela através dos grupos e fóruns que criamos, do estreitamento
das articulações com as lideranças do Renascer e com a organização voluntária de um
grupo de adolescentes que se constituíram numa equipe de pesquisadores que discutiam
as tarefas comigo e com o professor Arlei
1
.
A revisão e aprofundamento teórico avançou nas discussões tanto com os
assentados quanto com os colegas e professores do mestrado na FaE e mantiveram o
caráter essencial para criar estratégias colaborativas significativas para mim e para as
pessoas do lugar.
Na estruturação final desta dissertação, começo, pois, recuperando a trama a
partir da minha constituição enquanto sujeito de um processo que veio sendo, sem um
esboço ou croquis pré-definido, e neste movimento vieram se constituindo algumas
1
Professor Arlei é líder no movimento, educador com formação no Iterra, escola de formação de
educadores do MST localizada na cidade de Veranópolis no Rio Grande so Sul; veio para Canguçu,
sendo também assentado no Renascer.
13
alternativas e diretrizes de ação progressivamente mais afinadas com uma classe social e
com uma proposta de sociedade que as integra numa perspectiva radicalmente
democrática e participativa.
Para não trair Guimarães Rosa, nesta profunda possibilidade dialética que se
constitui a partir da leitura do real como possibilidade histórica, optei por estruturar todo o
trabalho como tempos de chegada e de partida. As aportagens nos permitem “fazer
suspensão teórica”, consolidando uma compreensão melhor, com uma crítica mais
consistente aos processos de ideologização que nos impedem de construir estratégias que
possam consolidar nossa opção de classe. Neste sentido, no primeiro porto, ao falar sobre
a vida familiar, pensando as vivências próprias deste período, me permito uma
aproximação com práticas pedagógicas que possibilitam compreender a Educação no e do
Campo.
Os portos alcançam abrangências diferentes de minha trajetória, avançando
pelos movimentos de escolarização e docência, de vivência de processos educacionais a
partir da administração estadual, de vivência sindical, até aportar no assentamento
Renascer e, a partir de instâncias diferentes, entender o projeto próprio de educação
cultivado por eles e do sentido desse projeto no conjunto das lutas e enfrentamentos que
as pessoas da comunidade fazem para organizar seu modo de viver e produzir.
Ao desenvolver as entrevistas tínhamos a intenção de, com os professores,
discutir o perfil de um educador comprometido com conhecimentos enraizados na luta
cotidiana do movimento pela terra. Com as lideranças, buscamos compreender sua
concepção de desenvolvimento e, de forma especial, como estavam articulando a
cooperativa. Interessava também entender como eles efetivamente criavam as condições
para que todos com voz e vez, participassem da construção dos processos que
intencionavam ser participativos, inovadores e anti-capitalistas. Por outro lado, os diálogos
estabelecidos com figuras públicas que foram protagonistas do projeto popular
implementado no Estado do Rio Grande no período 1999-2002 têm, como centralidade,
aprofundar a análise dos pressupostos teóricos da condução complexa, conflitiva e
contraditória das políticas públicas levadas a efeito e que ampliaram limites e
aprofundaram contradições inerentes à democracia representativa, dentro de um estado de
direito predominantemente liberal, e que estraté gias práticas efetivas foram possíveis
constituir como alternativas de classe na problematização das crises e numa perspectiva
de possibilidades socializadoras das relaçõ es vigentes.
14
Primeiro Porto.
A experiência familiar.
Filha de agricultores, a vida ligada à terra, a aprendizagem de arar, pôr a
semente, cuidar para que a água chegue na plantação no tempo certo, a armazenagem e
posterior comercialização, o cuidado com as aves, o manejo dos animais, tudo faz parte de
tempos de construções. Vivemos isto, respiramos isto e fizemos desta experiência,
sobrevivência, sonho, expectativa e prazer.
Tivemos momentos difíceis onde a família numerosa quase não conseguia se
manter. Tudo era racionado desde a alimentação até o vestuário; os vestidos subiam e
desciam bainha conforme o tamanho da sua dona.
Os domingos eram marcados por passeios no modelo A com todos juntos.
Visitá vamos a Vó Joana: era personagem inesquecível. Agricultora, parteira, atendeu
todas as mulheres das Bretanhas (costa do Arroio Grande); tinha um cavalo reservado
para essas ocasiões. Mudava-se uma semana ou mais para a casa da parturiente.
Magrela, gritona, foi exemplo para mim de resistência
, plantou e colheu frutas e cereais,
fez doces e partejou até seus 82 anos, quando foi obrigada pela vida a deixar a terra. Sem
saber da dimensão da sua ação, enquanto mulher, diante de seu tempo criou os filhos
sozinha, pois não se curvou à dominação e à discriminação. É aquilo que chamamos de
“pedagoga do exemplo” e aprendi com ela pelas bordas
Nossa família foi herdeira de um pampa pobre, metade sul do Estado, onde
predominava a estância e a criação de gado, com grande parte das terras marcadas pelas
granjas de arroz e soja. Esta realidade colocava em condição marginal os pequenos
produtores rurais. As famílias com pequenas propriedades, originadas nos
desmembramentos de heranças, ou eram expulsas da terra, porque a pequena porção
impedia a manutenção de um padrão econômico decente, ou ficavam na condiçã o de
dependência dos grandes proprietários e/ou dos grandes produtores e orizicultores. Estes
auferiam créditos subsidiados dos governos federal e estadual, possuíam maquinários
modernos, investiam na construção de canais que lhes garantiam uma espécie de
monopólio na captação de água: tudo isso lhes possibilitava condições vantajosas para
fazer barganhas pelas terras mais férteis. As técnicas agrícolas utilizadas nas granjas
destruíam a fertilidade dos solos e acarretava o barateamento do preço do hectare, mais
15
motivo de barganha por parte dos grandes proprietários, que adquiriam cada vez mais
terras, expropriando as famílias com dificuldade de equilibrar sua situação econômica.
Esta questão marcou profundamente a nossa vida. Quando, cerceada pelo
latifúndio com a dependência da compra da água para poder plantar –, nossa famí lia foi
obrigada a vender a terra. Nesta condição, não encontrando estratégia que lhe permitisse
dar a volta por cima e nem meios de resistência, vi nosso Pai perder a terra, a esperança e
envelhecer. O preço irrisório pago pela terra, por outro lado, não facilitou a reorganização
econô mica na cidade. Isto vai ser decisivo nas escolhas que fiz e faço como educadora e
militante de esquerda.
A partir dessas raízes, eu entendo como a luta pela Reforma Agrária veio
ganhando centralidade nas minhas práticas. Esse tipo de experiência é um dos vieses que
articulam tantos setores da sociedade em estratégias de resistência contra quatro séculos
de dominação tradicional e espoliadora, legitimada pelo Estado brasileiro ao longo do
tempo através da regulamentação e da ação unilateral das suas instituições e completada
com subsídios, incentivos fiscais e empréstimos agrícolas generosos, desproporcionais à
participação dos beneficiários na produção nacional, mas exatamente proporcional às
articulações políticas e à dominação social que exerciam.
Segundo Porto.
A chegada à escola.
Primário na Escola Vinte de Setembro: a primeira
professora marcou a minha
vida. A sala era dividida em grupos. A alfabetização, o coral, a cartilha “Mara e Fábio” que
recebíamos página por página... todo o trabalho da professora, enfim, foi significativo
como, por exemplo, no dia em que os personagens de uma lição do livro receberam um
presente de um tio que vinha visitá-los, e a professora Enilda Canhada trouxe um cesto de
vime para a sala de aula e ali o deixou por alguns dias. “O cordeirinho
”, presente recebido
pelas crianças da cartilha, naquele momento se fez presente na sala de aula, dentro do
cesto. A criançada foi à loucura. Tocar na lã que cobria o bichinho, pegá-lo no colo, para
mim era como estar a caminho do campo. Lembrava dos guachos que criávamos com
mamadeiras como a Mariquita, que mesmo depois de adulta, convivendo com o rebanho e
tendo suas próprias crias, não perdia as características adquiridas com a convivência com
a gurizada. Esta travessia da vida na cidade foi permeada pelos finais de semana no
campo.
16
Na escola éramos crianças alegres, a escola era festiva. Tínhamos muito tempo
para recreação. Lembro das “cantigas de roda”, do enorme quintal, das balanças, das
hortas e jardins.
Algo que marcou apreensivamente a minha vida, neste período, foram as
avaliações através de prestação de leitura. Numa ocasião, por exemplo, deram-me um
texto sobre Brasília. Decorei o texto. Lembro, até hoje, dele e do medo de errar, não saber
ler, ser reprovada. Ainda mais que a leitura era numa sala pequena onde ficava um outro
professor que nã o era o da turma. Primeira marca da fragmentação do conhecimento,
presente na minha formação.
Terceiro Porto.
Admissão ao Ginásio.
A professora que ministrava a aula no 5
o
ano primário, preparou, no turno
inverso, um atendimento particular às estudantes para o exame de admissão. Fui
aprovada.
No curso ginasial a organização era bastante hierarquizada, as professoras
mostravam sua superioridade nos conhecimentos diante dos alunos, com uma disciplina
muito mais repressora que a experiência vivida na escola primária.
Fui uma estudante com muitas dificuldades, desorganizada, com grandes grupos
de amigas. No entanto, fui criando hábitos de estudar coletivamente e conclui o ginásio
sendo aprovada por média.
Quarto Porto.
Ingresso na Escola de 2
o
Grau, no curso Redator Auxiliar.
17
Formação difícil. Organização curricular e espaços e tempos da
escola com dificuldades do período 74 a 76. Direção autoritária, preparação
para um “mercado de trabalho” que não existia. A proposta presente na
5692-71 foi de uma reforma na educação com forte ênfase na formação
técnica. No entanto se aplica a nova legislação, sem conhecimento
suficiente das necessidades reais envolvidas na formação.
O curso no qual ingressei, Redator Auxiliar, era um curso ministrado por pessoal
contratado, professores e estudantes do curso de Comunicação Social da UCPEL. Em
Arroio Grande, existia naquele período um único jornal, mantido por uma família de negros,
ofício que eles aprenderam em casa. Não havia, pela condição da economia, ligada às
peculiaridades sociais próprias da agricultura e da pecuária locais, necessidade de
manutenção de um curso que, de fato, encaminhava para um espaço inexistente.
Alguns colegas daquele período formaram-se e permaneceram no trabalho
doméstico, nos engenhos de beneficiamento de arroz ou no comércio local; alguns poucos
saíram para continuar seus estudos na universidade.
Quinto Porto.
O curso “superior”
Estamos no ano de 1977, segue a travessia: aprovação no vestibular, ingresso
na Universidade, Curso de Filosofia, UCPel.
O curso era extremamente deficitário, com uma educação bancária, livresca,
onde os professores eram trabalhadores árduos da retórica. Uma Faculdade onde a
Biblioteca não oferecia sequer uma bibliografia qualificada.
A estrutura e os programas do curso não permitiam uma formação
adequada a um tempo do país onde grandes grupos de cidadãos se
agitavam exigindo a abertura. Trabalhadores clamavam por justiça e por
explicações pelos desaparecidos. No curso, entretanto, ficávamos à parte
desses debates. A disciplina de EPB (Estudos dos Problemas Brasileiros),
longe de ser um espaço de problematização da realidade brasileira, servia
ao sistema para controlar e apanhar aqueles que se manifestavam contra o
18
regime, reprovando e enviando listas, com nomes daqueles estudantes
suspeitos de participar de movimentos contrários à ordem vigente, ao
DOPS (Departamento de ordem política e social). Muitos dos professores
desta disciplina haviam passado pela Academia das Agulhas Negras,
escola do exército situada no Rio de janeiro onde, naquele período ocorreu
um processo de formação de oficiais cujo mote era reprimir qualquer
suspeita de levante.
As outras disciplinas se atinham aos conhecimentos dos filósofos e, quando
muito, do seu tempo. Não fazíamos pontes com a história das Américas, do Brasil e, em
especial, com a exploração e miséria do povo. Tamanho desperdício de tempo e recursos!
Mas algunslibertadores críticos” despontaram nessa tragédia: foi nas aulas de Teoria do
Conhecimento, História da Filosofia, TCC, Filosofia Social, com Jandir Zanotelli, Cláudio
Neutzling, Circe Cunha e Osmar Schaeffer que percebi essa dimensão histó rica e
contraditória da sociedade e conheci as obras de Paulo Freire, HenriqueDussel, Wagner
Rossi e Karl Marx.
Com esses teóricos e com essa realidade e experiência acadêmicas montei o
meu caminho de monografia. Na banca, fui inquirida a prestar esclarecimentos sobre a
afirmação de que os professores eram trabalhadores árduos da retórica... Mas, com
ressalvas fui, enfim, aprovada.
Neste período nasceu minha primeira filha, Clarissa. Dei início a um novo
aprendizado e vim me tornando um ser humano muito mais encantado com a
responsabilidade por alguém cheio de vida.
Sexto Porto
Assumindo uma Turma de Pré-Escolar
Sem um curso preparatório, assumi em 1981, uma turma de pré-escolar em um
bairro na cidade de Arroio Grande. Não tinha idéia clara do meu trabalho, não sabia o que
devia atingir. As crianças eram de famílias de um bairro extremamente pobre, com todas
as dificuldades, econômicas e sociais.
19
Comecei a discutir com uma Psicóloga e uma Professora aquela realidade.
Conseguimos mobilizar as mães da comunidade para que viessem para dentro da escola,
a fim de discutir a formação das crianças. Tí nhamos vontade, mas não tínhamos clareza
sobre as estratégias de enfrentamento para a construção do ser genérico daquelas
famílias, cujos processos emancipatórios estavam ligados, no seu impulso inicial, à falta de
alimento diário. Não conseguimos, portanto, avançar muito.
Sétimo Porto.
Mudança para Jaguarão
Mudei-me para Jaguarão em 1985. Após aprovação em um concurso público
para o magistério e tendo sido classificada, enfrentei a primeira discriminação: a então
Secretária de Educação me afirmou que eu não poderia assumir de imediato, por estar
grávida do meu segundo filho, Lucas, que nasceu no meio da disputa por um direito que é
negado a muitas mulheres neste Brasil afora. Na fala da Secretária ela colocava que não
poderiam me nomear e em seguida contratar alguém para ficar no meu lugar. Na iniciativa
privada, hipocritamente, existe normas de “qualificação” para mascarar a exclusão; no
serviço público isto fica mais explícito. Travei uma briga pela nomeação e obtive êxito.
Ingressei no magistério municipal, atuando como professora na Escola Municipal Padre
Pagliani. Nessa Escola, a partir das discussões sobre as condições físicas dos prédios
trabalhávamos em salas insalubres, lugares sem cor e mal cheirosos, atendendo meninos
e meninas dos lugares mais empobrecidos –, passamos a debater também as condições
salariais e o projeto político pedagó gico das escolas. Reivindicávamos um Plano de
Carreira e a Eleição para Diretores de Escola. A pauta era longa. As articulações que
fizemos resultaram numa greve e na iniciativa de fundação do Sindicato dos Professores
Municipais como forma de organização e resistência
a uma realidade de subserviência e
muita dominação. Ainda tínhamos então o último interventor municipal, em função da área
de fronteira.
No baú das boas lembranças está a chegada da terceira filha, Andressa, que
exige a reorganização da nossa vida. O que podemos produzir neste período deixou
marcas: os filhos mais velhos cuidaram da menor, permitindo o aumento de carga horária,
criando as condições de melhoria da renda familiar. Isto aguçou meu olhar para refletir as
condições de trabalho e da forma como as famílias organizavam as suas casas, o cuidado
20
com as crianças, o que, com certeza, possibilitou humanizar o meu olhar e pensar nas
condições da infância, muitas vezes submetida à barbárie.
Participamos ativamente da campanha do Partido dos Trabalhadores em 1992.
Em 1993, me filiei ao PT. Em 1996, na campanha de abrangência municipal, concorri à
vereadora e fiquei como suplente até 2000.
Minha formação veio se dando desta forma: com chuva, com sol, ao som das
sinetas, empunhando bandeiras pelas praças e em cada esquina onde os trabalhadores e
trabalhadores gritavam por justiça e “tremiam de indignação”. Foram tantos os
movimentos, tantas manifestações, tantos comandos de greve. Engrossamos as fileiras
daqueles educadores que ocuparam a mídia, incomodaram os governantes e denunciaram
a falta de seriedade com a coisa pública. Ao fazer esta opção ficou identificado a favor de
que fazíamos educação e contra o que nos organizamos para fazer oposiçã o, por isso não
foram poucas as vezes que a elite, ou seus representantes, buscou rotular a luta
identificando os lutadores sociais como “baderneiros”. Podemos, por exemplo, resgatar a
citação de Arroio “Nos confrontos recentes entre os professores, governantes e tropas de
choque nas avenidas e praças paulistas, uma das primeiras damas comentou: em
realidade lá não tinha professoras, se fossem educadoras não teriam esse
comportamento” (Arroyo, 2000, p. 11).
Foram muitas as vezes que nos reunimos, professores de Jaguarão, e
construímos pautas de reunião e negociação com a Prefeitura, a Secretaria de Educação,
a Secretaria de Administração e a Assessoria Jurídica do Município.
Penso que o processo que vivemos e a proposta de um pensar pedagógico dos
educadores estiveram ligados aos movimentos que fazíamos para discutir a valorização,
as condições de trabalho, a democratização da gestão.
Nos tensionamentos e conflitos, e nas articulações que conseguimos fazer
diretamente com todos os professores, adquirimos credibilidade. Fui eleita a primeira
presidente do Sindicato dos Professores Municipais de Jaguarão. Primeira paralisação:
conseguimos a alteração na lei orgânica, introduzindo, no capítulo sobre educação, a
eleição de diretores. O executivo municipal teve de aceitar. Discutimos o Plano de
Carreira, difícil acesso, etc..
21
Oitavo Porto.
Magistério público estadual
Em 1988, ingressei no Magistério Público Estadual: mais conflitos, mais
tensões...
A militância se dividiu entre as lutas do Centro de Professores do Estado do Rio
Grande do Sul (CPERS) e as do (Sindicato do Professores Municipais de Jaguarão
(SPMJ). No CPERS discutimos o ingresso na CUT, enfrentamento aos governos Simon /
Collares / Britto. Veio o 2
o
Congresso do CPERS, em 1998, com a opção por um governo
de esquerda. As caravanas, neste período, atravessaram o Estado, discutimos habitação,
saúde, educação etc. Participei ativamente deste processo,pois nas eleições para compor
as instâncias do sindicato, onde além dos diretores de núcleos e representantes 1/1000,
cada município elege um representante, desta forma Assumi como Representante
Municipal do CPERS em Jaguarão.
Penso ser importante registrar que uma categoria majoritariamente feminina, saiu
às ruas: enfrentamos os cavalos, os cachorros e o cacetete da brigada que escorregava,
no asfalto, sobre o nosso “lombo”.Ocupamos em vá rios momentos a capital, Porto Alegre.
Resgato, a propósito, do livro de Miguel Arroyo (2000, p. 11), a poesia da Adélia Prado que
faz uma leitura incrivelmente poética da condição da mulher que não capitula às
imposições da sociedade que a querem dócil e “rainha do lar”.
“quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Carga muito pesada pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada” (p.11).
Nono Porto
no colégio Espírito Santo
22
Como professora, trabalhei com a formação de educadores no Curso Normal da
Escola Estadual de Ensino Médio Espírito Santo, hoje Instituto de Educação. Participava
na coordenação de estágio: foi um tempo extremamente rico, onde comecei a rever o meu
referencial sobre as “teorias da aprendizagem”. Discutíamos a desvinculação entre teoria e
prática. O processo foi doloroso: percebíamos as fragilidades do curso Normal e da
formação que não dava conta de preparar as educadoras para o período de estágio. As
dificuldades de trabalhar coletivamente e a fragmentaçã o das disciplinas agravavam as
“situações limites” que viviam tanto os educadores quanto os educandos que não
conseguiam interagir qualificadamente na sua práxis em estágio.
Por outro lado, discutíamos as relações de poder na Escola Espírito Santo e
decidimos disputar as eleições da escola. Assumimos a direção num período que foi de
janeiro de 1997 até dezembro de 1998. Uma gestão onde pensávamos que os projetos
resolveriam as questões pedagógicas. Podemos admitir, apesar disso, que houve um salto
de qualidade, pois o planejamento e as decisões passavam a ser mais coletivas; houve um
processo de valorização das experiências das educandas e dos educandos.
Ainda não pensávamos, no entanto, em como interagir nas relações sociais que
configuravam a realidade local evidentemente contraditória, diversa, conflituosa, desigual
para ter uma intervenção mais qualificada na prática. A intenção, entretanto já era a de
pesquisar a realidade para construir um currículo vivo, dinâmico e flexível, e que
respondesse ao novo tipo de sujeito que queríamos formar para aquela realidade
específica e diversa, marcada pelo latifúndio, pelos cinturões de miséria nas vilas, pelos
lugares de vida difícil e de onde provinha parte dos nossos estudantes: essa intenção
estava muito presente nas nossas discussões, nos levava aos enfrentamentos ideológicos
e ao aprofundamento das especificidades do “campo de esquerda”. Mas não
conseguíamos atingir o nível da prática, das mediaçõ es e dos enfrentamentos de
contingência necessários para efetivar os projetos em ação polí tico-pedagógica.
Conseguimos trabalhar visões alternativas das disciplinas, sem conseguir ter fôlego para
organizar os programas de ensino efetivamente a partir da sociedade. Estávamos,
entretanto, no caminho.
23
Décimo Porto
limites para exoneração do economicismo
Na década de 80, a globalização se acentuou, paralelamente à
crise do chamado socialismo real e do chamado estado do bem estar
social
2
. O capitalismo, em suas contradições próprias, se reproduziu e
expandiu sob novas condições. Acentuava-se, então, o predomínio
norteamericano com a consolidação do NAFTA (acordo econômico
entre Estados Unidos, Canadá e México), bem como afirmavam-se a
União Européia e o Mercosul. O conjunto de idéias que orientavam essa
política estava embasada no (neo) liberalismo, marcado pelo
individualismo, a centralidade do mercado, a abertura comercial e
financeira e a visão de que o Estado realizava gastos sem critérios, daí a
justificativa ideológica que se apresentava como necessidade de
diminuir a sua participação na sociedade através da privatização dos
serviços públicos e da restrição aos direitos sociais. Como conseqüência
nós tivemos: o desemprego, diminuição geral de salários, aumento de
lucros dos grupos econômicos que se beneficiaram das estratégias de
então, queda do Produto Interno Bruto (PIB) de países pobres em favor
do crescimento do capital financeiro e especulativo. No Brasil,
aprofundou-se a crise social e econômica com a agressividade que se
segue a esse receituário neoliberal . As disputas no mercado mundial
deram destaque à Organização Mundial do Comércio (OMC) com o
objetivo de, em tese, fazer valer o livre comércio internacional e a livre
concorrência, e, de fato, ser outro forum para resolver os problemas
2
Trazemos aqui algumas considerações retiradas das discussões no congresso estadual de uma das
tendências marxistas do PT (T M), registradas nos Cadernos de circulação interna, Florestan
Fernandes, César Benjamin, Marx, Engels e Lênis foram leituras de base para a organização dos
Cadernos e que, por sua vez, ajudaram a amadurecer as análises e pesquisas feitas no Estado pelos
próprios participantes da TM.
24
existentes no enfrentamento dos países membros entre si e com os
grandes monopólios mundiais.
Penso que não podemos compreender o desdobramento da política
de globalização no Brasil se não refletirmos um pouco sobre o Plano Real,
que tem seu início em 1994, quando FHC era Ministro da Fazenda e que
consolida um plano que tem características e intencionalidades próprias
como:
Equiparação da moeda ao dólar através das reservas cambiais
(dinheiro que o país tinha em dólares, fruto das exportações) somada
à entrada de capital estrangeiro especulativo para conter a inflação (a
taxa de juros estava fora de controle, em 40% ao mês; para 1 milhão
de cruzeiros que o especulador investia, ele levava 1,4 milhão no
espaço de apenas 1 mês)
Crescimento acelerado das importações, pois com o real equiparado
ao dólar e queda nas exportações, os produtos brasileiros se
tornaram muito caros no exterior. Com a intencionalidade de passar a
idéia de prosperidade, o país é assoalhado de lojas R$1,99 com
quinquilharias da China e dos Estados Unidos. No entanto, a balança
comercial brasileira sofria uma situação de desequilíbrio, ou seja, se
gastava mais do que era permitido ou era deixado como sobra da
especulação financeira.
A atração de capital não investido na produção, ou seja, Capital
Especulativo (dinheiro para gerar dinheiro), através da remuneração
com altas taxas de juros. Dos US$12,3 bilhões que entraram nos pais
entre janeiro de 1996 e março de 1997, US$ 4,6 bilhões foram
destinados a processo de fusão e aquisição de empresas e quase
US$ 2 bilhões aplicados em privatizações. Só para termos uma idéia
apenas US$ 6,3 bilhões foram investimentos produtivos. Como
conseqüência, ocorre um endividamento interno e externo e a
25
privatização em massa para pagar os altos juros da especulação. O
déficit interno pulou de 0,3% do PIB, em 1994, para 4,2% em 1997.
Aqui no Estado, o governador Antônio Britto se antecipou ao cenário
nacional no que diz respeito à aplicação do receituário ditado pelo FMI e
pelo Banco Mundial. O programa de governo de Britto tinha as mesmas
bases e pressupostos do programa de FHC, ou seja, colocar o Rio Grande
na disputa global, seja em termos nacionais, seja em termos internacionais.
Os resultados, no entanto, foram desastrosos para a economia gaúcha e para a
vida da população. Podemos lembrar que a participação relativa do Estado no total do
ICMS, principal imposto estadual, caiu de 8,3% em 1994 para 6,75% em 1997, diminuindo
a participação do Estado no bolo nacional. Diminuiu a produção gaúcha em áreas-chaves,
caíram as exportações gaúchas de modo especial os produtos agrícolas e calçados de
14,8% para 6,4% do PIB em 1997. Vivíamos em um Estado falido: a dívida pública que era
de R$ 5 bilhões em 1994, subiu para cerca de R$ 15 bilhões em 1998. A indústria gaúcha
teve um decréscimo de 5% em 1998 em relação 1997, principalmente em setores chaves
para economia gaúcha como o setor metal-mecânico (com uma queda de 30,8%) e o setor
alimentício (com uma queda de 6,1%), ambos setores econômicos fundamentais no
Estado.
Como conseqüência disto, o desemprego aumentou e atingiu 850 mil
trabalhadores no final de 1998, num universo de população de 10 milhões
Para sanar as finanças e buscar recursos para fazer caixa, foram privatizadas a
Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), a Companhia Riograndense de
Telecomunicações (CRT), A Cia. União de Seguros Gerais, a Caixa Econômica Estadual.
Receberam injeção de capital estrangeiro majoritá rio as seguintes empresas gaúchas,
Frangosul, Renner, Menno, Maxxion, SLC, Isabela, Lacesa, Cooperativa Languiru, DHB,
Neugebauer, redes de supermercados Real, Extra e Nacional. A aposta em empresas
âncoras - FORD, GM, Pirelli, Brahma, Souza Cruzque iriam gerar milhares de empregos
e desenvolver o Rio Grande teve resultado desastroso pois houve estagnação da
economia, pressão e prejuízo à agricultura familiar, crise nas empresas locais e desmonte
das políticas públicas em geral. I
A palavra de ordem para entrar no primeiro mundo globalizar nã o se
concretizou, e o povo fez opção por um outro projeto com prioridades diferentes.
26
Décimo Primeiro Porto
A frente popular
Outubro de 1998 carregava a síntese de toda essa trajetória liberal: os ventos
que sopram no pampa reagem e carregam a esquerda para dentro das estruturas do
Estado, vencemos as eleições do Rio Grande do Sul. No processo de composição do Novo
Governo fiz parte da equipe da Coordenadoria Regional de Educação (5ª CRE). Passei a
perceber a importância do trabalho pedagógico. Iniciamos um novo processo: aquilo que
afirmávamos nas caravanas, na opção de projeto, nos congressos, enquanto sindicalistas,
se tornava possibilidade de construir políticas públicas pela educação de qualidade social.
Tarefa nada fácil, pois era preciso construir as condições materiais que
restabelecessem ou constituíssem o fluxo de qualificação dos espaços pedagógicos,
bibliotecas, laboratórios, salas de aulas e etc., até a realização de concursos; tudo era
desafio naquele presente. Isto quer dizer que nas escolas era preciso construir uma nova
concepção, tudo deveria ocorrer concomitantemente pois a tarefa dirigente era criar
movimento de homens e mulheres atuando no mundo real da escola, e que, enquanto
sujeitos, percebessem a dimensão histórica da sua prática na vida real com os outros.
Para tanto, era preciso pensar a escola naquilo que a fazia parte visceral da
população e igualmente em todos os muros historicamente erguidos, onde meninos e
meninas ficavam refugiados do mundo, apartados da vida, sem gosto, sem cheiro, sem
prazer. Era preciso disposição para analisar e trabalhar a escola com seus espaços
contraditórios e, ao afirmar a realidade histórica, não agir reproduzindo a prática de
ajustamento, reforçando paradoxalmente as condições de exclusão.
Tivemos virtudes que se expressaram de forma concreta através dos serviços e
obras estruturais, algumas delas decididas e ordenadas no Orçamento participativo–OP. A
democratização dos investimentos públicos transformou-se em materialidade objetiva
mudando a vida real da população historicamente marginalizada. É importante registrar
que dirigíamos em torno de trinta prefeituras, mas articulamos neste período com 497
municí pios. Articulamo-nos também com sindicatos, ONGs, movimentos sociais, igrejas.
Em escala estadual, o OP atingiu em torno de 10 milhões de pessoas.
Breve aportagem para entender o papel do Estado no
desenvolvimento da educação
27
O Estado surge com a necessidade de conter os conflitos e os antagonismos na
sociedade, na perspectiva da classe economicamente mais poderosa; logo ele tem sua
origem na própria sociedade. Em outras palavras, os interesses econômicos de classe
exigem um poder que recoloque a ordem, rompida na própria diferenciação de classe e
nas contradições aí enraizadas (Cf. MÉSZÁROS, 2006, p. 32-36). Cada vez mais os
mecanismos de dominação exercidos pela força coercitiva do Estado se colocam na
defesa de uma das classes. Procuro situar essa dimensão nas contradições que
historicamente são postas pelos interesses de diferentes classes sociais e incidem como
causalidade posta para as ações do Estado do RS.
Assim sendo, como muito bem coloca VIEIRA (2006, p. 63-79), o ideal de Estado
que se concretiza na noção de Estado de direito, vai sendo constituí do pelo liberalismo e
se coaduna com as formas de reprodução econômica e social do capitalismo. Ao mesmo
tempo em que se reconhece o avanço das forças produtivas e a crescente industrialização,
se consolida uma sociedade mundial marcada pelos problemas sociais como a miséria, o
desemprego, a marginalização e a degradação de milhões de seres humanos. Essa forma
de organização não deu conta de garantir aos trabalhadores o acesso aos bens que eles
mesmo produzem. Como conseqüência drástica, podemos apontar as manifestações da
auto alienação no trabalho assalariado, na propriedade privada, no dinheiro, na renda, no
lucro e no salário.
Entendemos que a atividade produtiva pode ser uma atividade alienada quando
não consegue humanizar a relação entre sujeito e objeto, homem e natureza e muito
menos a relação do homem com os outros homens, coisificando-o, encaminhando-o para
uma situação de inconsciência natural diante do capitalismo. As considerações feitas por
Mészá ros na Teoria da Alienação em Marx, neste sentido, são fundamentais para que nos
seja permitido debulhar melhor esta questão.ele aponta que as mediações de primeira
ordem se expressam na atividade humana que constitui o real ou, inversamente, esse
nível de determinação dá conta da realidade como realidade que sempre,
independentemente do momento histórico, é constituída pelas pessoas. As mediações de
segunda ordem, por sua vez, permitem perceber as determinações históricas conjunturais
a um sistema ou modo de produção como o capitalismo, por exemplo –, e que se
institucionalizam com a divisão do trabalho, a propriedade privada, etc.. Essas
determinações do capitalismo, por exemplo, subordinam a atividade produtiva,
condicionando o sujeito à reprodução de mercadorias de forma isolada e reificada. Neste
sentido, a realização do homem como tal é truncada. Como afirma Mészáros (2006, p.
81-2):
28
“A atividade produtiva do homem não pode lhe trazer realização
porque as mediações de segunda ordem institucionalizadas se
interpõem entre o homem e sua atividade, entre o homem e a
natureza, e entre o homem e o homem” (...) o homem é
confrontado pela natureza de uma maneira hostil, sob o império
de uma “lei natural” que domina cegamente por meio do
mecanismo do mercado (intercâmbio) e, do outro lado, o homem
é confrontado pelo homem de uma maneira hostil, no
antagonismo entre capital e trabalho. A inter-relação original do
homem com a natureza é transformada em trabalho assalariado e
capital”.
As relações de trabalho, tais como estão institucionalmente regulamentadas sob
determinações dessa segunda ordem, não contemplam a dimensão humana
emancipatória, mas o enquadramento dos trabalhadores no quadro vigente de relações
sob hegemonia – mas não controle absoluto – do capital.
As práticas dos sujeitos que tendem a romper com os limites do capital numa
perspectiva de realização humana são um avanço, não um recuo para posições tipo
paraíso primitivo. As relações emancipatórias têm que ser criadas, inventadas, a partir das
condições históricas atuais e rompendo com práticas não emancipatórias que, de uma
forma ou de outra, são chanceladas pelas escolas ou pelo sistema educacional. Esse é o
desafio para os professores no quadro atual: abrir espaços que desconstituam como
limites postos para as pessoas, o caráter subordinado e alienado das pessoas sob o
horizonte da sociabilidade capitalista. E se criem dimensões de vivência humana mais
abrangentes e com maiores possibilidades de realização emancipatória do homem.
Concepção de Estado e de políticas públicas no governo Olívio
Dutra
Neste sentido, destacamos aqui partes da entrevista do ex-governador do RS,
Olívio Dutra, onde ele reflete sobre as intenções e a amplitude das contingências de um
governo popular na consolidação das políticas propostas na campanha e o próprio conflito
que se mantinha entre movimentos e Estado. Ele expõe, explicitamente ou nas entrelinhas,
uma concepção de Estado e de sua relação com a sociedade civil, que é coerente com as
29
teses de boa parte dos militantes da frente popular e dos socialistas, e as contradições que
a prática aí fundada gerou em termos de enfrentamento de classe e de setores do Estado
ocupado por representantes de outras classes.
Olívio começa asseverando que
“a proposta que nos elegeu colocou prioridades diferentes dentro
do papel do Estado do Rio Grande do Sul como ente federado.
Uma delas foi ir adiante numa política de reforma agrária, mesmo
sabendo que é um tema nacional e que a regulação desse tema,
a legislação principal, é da constituição federal, da competência
maior do governo federal”.
A dificuldade prática de Estado brasileiro nas dimensões municipal, estadual e
federal, entretanto, nã o demoveu o governo de suas intenções:
Mas nós já dizíamos, em plena campanha, que nós não iríamos
nos contentar apenas em transferir para o governo federal a
questão da reforma agrária E nós iríamos ver o que tinha no
Estado de possibilidades para que o governo do Estado, o nosso
governo, pudesse também fazer avançar a luta pela posse e bom
uso da terra para conquistar dignidade das pessoas e até produzir
mais e melhor a satisfação dessa dignidade na colocação de
alimentos sadios para nossa população.
Então nós fomos percebendo que não tínhamos todas as
ferramentas para fazer o que nos propomos fazer e as que
tínhamos ou estavam enferrujadas ou desacreditadas.
Nós estávamos entrando, então, num processo em que tínhamos
muito ainda o que aprender.
O próprio movimento tinha até então trabalhado contra governos
antagônicos defendendo a idéia de uma reforma agrária como
uma necessidade econômica, social, política e cultural. E agora o
movimento se defrontava com um governo que surgiu de dentro
dos movimentos com esse compromisso, mas com enormes
limitações. Então, tanto por dentro do governo quanto no
30
movimento, havia uma situação de certa perplexidade diante do
quadro recebido, de uma necessidade de se apropriar bem dele
para operar uma direção que não é a tradicional a direção dos
interesses mais poderosos que sempre se incrustaram na
máquina pública e fizeram funcionar a lógica dos seus interesses.
Como quebrar essa lógica? Sempre achamos que não era só
sabendo os números, os dados, as pesquisas, a estatística, a
localização, a geografia... Os elementos técnicos das diferentes
ciências que nos falam sobre a terra, o seu aproveitamento, as
sementes, enfim a agricultura, a veterinária, a biologia, essas
coisas que são da ciência e que têm também que ser trabalhadas
através da própria EMATER, da FEPRAGO, das relações com as
universidades, com os centros de pesquisa.
Mas era muito mais que isso: era nos apropriar de elementos da
política do funcionamento do Estado, dos seus organismos, da
secretaria da agricultura mais tudo que ela carrega, o quadro de
pessoal, os técnicos... – uma estrutura pesada mas necessária.
Enfim, como atuar para que isso fosse sendo sacudido pelo
processo novo que vivemos?
Então não tinha outra coisa se não manter o povo mobilizado,
organizado, instigado para estar atuante e inclusive demandando
sobre nós coisas que não podíamos atender de imediato, mas
que ele, povo, não podia deixar de demandar, de cobrar. Não
pedimos para o povo se conter, fazer um arreglo, nos dar um
tempo, não. Nós continuamos com a idéia de que o povo em
movimento buscando se organizar fortalecer as suas entidades,
suas organizações, iriam fazer, inclusive, todos avançarmos (...).
Olívio resgata o papel do Estado e a dimensão em que foi colocada
a relação do braço armado com os movimentos sociais e com a sociedade
em geral:
31
“(...) qual era o papel do Estado e o seu braço armado, as
polícias, a brigada militar, a polícia civil, essa idéia da segurança
da propriedade das invasões, dos assentamentos, dos
acampamentos, das caminhadas, nós retiramos de pano da
polícia, das instituições de segurança do estado, a definição de
políticas para o setor primário para a agricultura, em especial para
reforma agrária. Não é uma questão de polícia resolver a questão
da reforma agrária. A polícia não tem o papel preponderante,
principal, nem tem que ser chamada a qualquer momento para
arbitrar ou reprimir movimentos. Então essa idéia chave fez com
que nós passássemos a ser vistos como um governo perigoso
para os grandes proprietários de terra e seus aliados, para os
seus quadros com representação legislativa nas câmaras de
vereadores, na assembléia, no congresso nacional, no senado,
nos executivos municipais inclusive (...).
O Estado Democrático e Popular assumiu para si uma relação pedagógica com
os movimentos sociais.
Mantivemos - fala Olívio Dutra - uma postura clara do governo
que entendia que a questão agrária não era uma questão de
solução fácil, nem solução mágica. Mas também não caia na
conversa fiada de que a repressão, o controle do Estado sobre a
sociedade, ia resolver; não caímos nisso.
Continuamos com uma visão de que os movimentos sociais e a
luta é que iriam nos fazer caminhar melhor na construção de
soluções dos problemas e que todos sabem dos enfrentamentos
que fizemos e eu acho que tivemos resultados bastante
significativos.
Em números redondos, que eu me lembro, nós assentamos em
torno de 6.000 mil famílias e trabalhamos os assentamentos
anteriores, feitos por governos anteriores, desde o Brizola,
assentamentos com o mínimo de infra-estrutura, de assistência
técnica. Inclusive antes do governo do Brizola já havia ocupações
32
de terras ou cedências de terras para agricultores sem terra ou
com pouca terra, em cima de terras dos povos indígenas, por
exemplo. Não teve em governos anteriores nenhuma
preocupação com os quilombolas, com os indígenas, nem com os
atingidos pelas barragens. Nós passamos a incorporar a
preocupação de como resolver essa questão, preocupando-nos
com a situação dos pequenos agricultores, dos povos indígenas,
dos quilombolas.
Então nós trouxemos mais problemas ainda para uma questão
que já era problemática se fosse vista só do ponto de vista da
reforma agrária para os lutadores do MST: tinha mais elementos e
mais sujeitos sociais também envolvidos no processo.
Chegamos em um tempo que nós vimos que a estrutura da
secretaria da agricultura não era suficiente ou era operada ou era
pesada demais e por pressão dos movimentos nós encaramos
que era preciso criar o gabinete da reforma agrária. Isso foi se
dando em um processo, nós não chegamos com essa idéia na
cabeça. Nós fomos verificando o processo de afirmação, de
exigência da coisa trabalhada de forma mais efetiva, e tivemos
que ter o gabinete da reforma agrária. A figura do Hoffmann, as
figuras do Antonio Marangon, Frei Sérgio, do Marcon, do Adão
Preto, do Ivar Pavan, Elvino Bohngass e outras lideranças do
próprio movimento ou dos movimentos foram importantes. E aí
também, claro, não trabalharmos só para garantir a posse da
terra. Tem que garantir a possibilidade de trabalhar a terra para
nela produzir mais e melhor. Então investimos em pesquisa, no
IRGA, na EMATER, em implementação de lavouras, como no
financiamento do trigo na pequena propriedade, coisa que não
tinha há mais de 10 anos.
No tocante à educação, Olívio comentou sobre a escola itinerante, a instalação
das escolas de assentamento, a escola dos povos indígenas e o processo de formação de
professores em sintonia com a cultura indígena. Lembrou a luta pela UERGS. Todas
33
faziam parte da constituição de um processo de lutas por uma estrutura social mais justa.
Procurou-se construir uma rede de escolas públicas de boa qualidade, desde o ensino
básico, o ensino técnico e de terceiro grau,
de forma a garantir o desenvolvimento sustentável,
desconcentrado, descentralizado, valorizando as vocações locais
regionais, e afirmando a idéia de que nós não temos que atrair
grandes empreendimentos de fora dessas regiões ou de fora do
Estado ou de fora do país para as desenvolver, mas que nós
podemos estimular as vocações locais e regionais e os
empreendedores dali e os trabalhadores no sentido de que a terra
produzisse mais e melhor. (...) e com isso desenvolvesse também
a agroindústria, o comércio, o setor de serviços. Que essas
regiões fossem sendo interligadas através de uma infra-estrutura
de melhores estradas e de comunicação e nós pudéssemos,
assim, estar desencadeando uma dinâmica diferente, valorizando
as vocações locais, os sistemas locais de produção (“...)”.
No arrepio dos adversários,
“(...) não tínhamos um governo federal com esta visão. Ao
contrário, o governo federal procurava, de todas as formas,
trabalhar ao contrário dessa visão, no arrepio constante ao nosso
projeto aqui e estimulando os nossos adversários que sempre
foram maioria na assembléia legislativa e que também tinham
presença e estrutura na sociedade poderosa, como a FARSUL a
FIERGS a FEDERASUL e até alguns setores do próprio
movimento dos trabalhadores rurais – para que esses setores não
possibilitassem o processo, aqui no Rio Grande, de mudança da
estrutura fundiária. ... Nós tínhamos um governo federal que se
opunha ao nosso projeto e nem por isso deixamos de ir lá e
trabalhar tanto com o INCRA, como outras áreas. O que era de
direito nosso, porque nós tínhamos um projeto com os
movimentos e propúnhamos acesso a recursos e financiamentos
34
do Banco do Brasil do próprio BNDES e a Caixa Econômica
Federal.
Quanto à habitação, falou Olívio,
“nós criamos junto com os movimentos e as suas cooperativas um
programa de moradia digna não só para área urbana, para as
famílias mais modestas, mas fundamentalmente estendemos o
programa na área rural”.
O panorama complexo de enfrentamentos foi assim avaliado por
Olívio Dutra:
São interligações que foram sendo construídas em um processo
que não foi um processo de forma alguma fácil e nem exitoso por
completo. Foi desafiador sempre e raiz de novos enfrentamentos.
Pagamos um preço por isso.
E evidentemente que nós não tínhamos toda a habilidade política,
talvez, para enfrentar tudo isto; mas nós não queríamos aprender
essa habilidade política com os nossos adversários. Eles tinham
muito pouco a nos ensinar.
Mas eu penso que a política é uma fé e também uma arte; é um
processo de construção do bem comum e por isso nós não
podíamos, e não devemos em nenhum momento, fazer da política
um jogo de toma lá da cá, é dando que se recebe, e aplacar
indisposições oferecendo um favorzinho aqui outro ali, ajeitando
um cargo pro fulano, pro beltrano, fazendo concessões para o
adversário. Não.
Nós achamos que têm situações que um governo como o nosso,
com a origem e com a concepção do Estado sobre o controle
público efetivo, vai ser sempre um governo que vai ter adversários
ferozes, vai ter conflitos. Nós nunca buscamos conflitos gratuitos,
nem inventamos conflitos. No entanto, tivemos conflitos sérios”.
35
Como não poderia deixar de ser, uma das falas mais indicativas
sobre a concepção de Estado foi a que girou em torno do orçamento
participativo e dos enfrentamentos que ocorreram a partir deste espaço.
O partido tinha alguma experiência na realização de discussão
orçamentária na dimensão do poder local e estava amadurecendo a
discussão teórica e prática sobre o assunto. Era uma forma de afirmação
da radical idade democrática a nível local.
Ao assumirmos o governo do Estado, tivemos a tarefa de levar
essa experiência, ainda a um processo de maturação, para a
dimensão estadual 496 municípios, a maioria deles governado
por partidos e prefeitos e prefeitas contrários ao projeto do
governo estadual. Mas nem por isso deixamos de nos comunicar
com a população de todos esses municípios, na idéia de que o
orçamento público não é do governador, do prefeito ou de outra
autoridade, do empresário, do comunicador com promoção
cotidiana na mídia.
Quer dizer, o orçamento é uma peça importante do ponto de vista
de se organizar receita, despesas e investimentos que venham a
atender demandas das comunidades nas três dimensões:
municipais, estaduais e federais: é um processo.
Esse processo foi levado para todos os municípios. O orçamento,
por outro lado, abriu uma discussão, nunca dantes havida,
sobre o que é o orçamento,
a quem ele deve servir e
como ele deve ser constituído,
quem define prioridades,
de onde vem a receita,
como é que o poder público gasta, com que critérios,
36
como deve-se criar formas de uma participação direta da
população
Através do orç amento participativo encaminharam-se demandas
que, se não fosse por ali, não seriam encaminhadas. A reestruturação
física das escolas, por exemplo, que chegaram a ser demandas mais
votadas em vários lugares, talvez não teriam condições de concorrer com
outros setores da economia. Em compensação, dificilmente uma
assembléia de orçamento votaria recursos para privatizar a CEEE, a CEE,
ou para financiar a instalação de uma multinacional automobilística.
Paradoxalmente talvez não tanto , Olívio se referiu às resistências
ocorridas dentro do próprio movimento social sobre o orçamento
participativo, umas reconhece ele justificadas, outras não, e que tinham
que ir sendo trabalhadas,
“(...) pois o OP não é um espaço partidário, ideológico,
propriedade do governante ou dos partidos que governam, o OP é
um espaço conquistado pela cidadania, uma apropriação pública
do espaço público e uma definição de prioridades a ser feita não
pelo poder de quem está no governo ou pela vaidade do
governante, ou pelo interesse dos grupos econômicos mais
poderosos ou mais projetados na mídia.
Então eu penso que essa experiência do governo da frente
popular: PT, PC do B, PSB, aqui no Rio Grande, de 1999 a 2002,
foi uma rica e desafiadora experiência. Longe da gente querer
idealizá-la, porque nós ficamos aquém das próprias expectativas
que geramos, nós fomos além do que os adversários esperavam
que nós fizéssemos de bom para esse Estado, tanto que o Estado
cresceu acima da média nacional em todos os quesitos, em todas
as áreas e em todas as pontas. Mas cresceu aquém ainda das
necessidades do nosso povo e das potencialidades do nosso
capital maior que é o humano, as pessoas, o povo gaúcho”..
37
Quando o Partido dos Trabalhadores conseguiu acumular forças
suficientes e se apresentar como portador de um projeto alternativo das
forças democráticas e populares, aqui no Estado, acreditávamos que estava
resolvida a questão do poder, e seria possível constituir uma experiência
mais permanente e inovadora. O processo somató rio de várias experiências
municipais consolidadas pelo país afora era, no nosso entendimento, aval e
cruzeiro apontando rotas.
No entanto, face à enorme fragilidade nas reflexões sobre as nossas
experiências e de como potencializar os espaços institucionais como
alavanca para a organização das lutas dos movimentos populares, fomos
amarrados pelos aparelhos burocráticos e pela estrutura jurídica que
cerceava as políticas mais inovadoras.
Cabe registrar o papel dos meios de comunicação que
insistentemente fizeram as vezes de um partido de oposição como bem
lembra Lúcia Camine:
”um dos aspectos, ao analisar a nossa gestão, é com relação à
comunicação, com a desinformação da grande mídia, porque ela
exercia um papel de enfrentamento e ataque como se ela
pudesse estar num lugar de um partido político. E
sistematicamente ela atacou o governo Olívio, independente de
uma ação mais ou menos produtiva. Sempre e sistematicamente.
E, em relação à educação, ela entrou na disputa ideológica,
inclusive, porque todas as vezes que éramos chamados pela
imprensa, era para discutir uma determinada palavra usada num
documento, os autores, a bibliografia dos concursos públicos, etc..
Todavia, nunca havia acontecido isso no Estado. Nem depois
seguiu a preocupação sistemática em controlar tudo o que se
fazia. A mídia transformava a denúncia sistemática sobre
qualquer funcionário em ilustração do geral, e ganhávamos
manchete especial como se toda a rede estivesse desassistida. E
quando as coisas boas aconteciam, não eram divulgadas.
38
Então nós passamos mais respondendo às adversidades do que
propriamente conseguimos dar publicidade ao movimento
vigoroso que estava acontecendo no Estado”.
É importante apontar situações concretas vividas pelo governo da
frente popular porque justamente acenam com a demarcação de território
em relação à concepção de Estado que estava colocada nos
tensionamentos com setores conservadores da sociedade. Assim relata
Lúcia Camine:
Um outro tensionamento muito forte que nós vivenciamos também
em relação ao projeto político pedagógico era a relação das
escolas itinerantes pertencentes ao MST, porque a política do
governo Olívio era, tão logo iniciado o assentamento, nós já
oferecermos todo material necessário, desde a lona para fazer a
escola até as carteiras, o material didático, pedagógico, todo
material necessário, porque entendíamos que essas crianças têm
o direito de continuar a sua escolaridade, independente de onde
ela se encontre, pois isso é papel do Estado, diferentemente do
que ocorreu antes do governo Olívio e o que ocorreu no governo
Rigotto em que os assentados, acampados ficaram sem nenhuma
assistência, as crianças perambulando, os profissionais não
tiveram nenhum tipo de formação mais e nem os recursos
mínimos para a manutenção, nesse período de quatro anos (...)
Segundo Lúcia, a opção política era para assumir de imediato as reivindicaçõ es
postas pelos movimentos, não criando clivagens ao priorizar o urbano em detrimento do
rural como historicamente foi realizado. Neste sentido Lúcia fala do diálogo com os
movimentos:
Então quando nós tiramos essa política, e havia já essa
orientação pra todo Estado as coordenadorias imediatamente
faziam esse diálogo com os movimentos dentro, evidentemente
de alguns limites, mas sempre era disponibilizado essas
condições mínimas para o funcionamento da escola itinerante.
39
Então a visão do governo Olívio era completamente diferente e
hoje o MST tem esse reconhecimento, qualquer pessoa da
coordenação que fala eles estabelecem esse paralelo a diferença,
e por isso a gente escuta muito e na semana passada eu trabalhei
com a política da EJA em Veranópolis e lá estavam muitos
assentados que estão fazendo o curso de pedagogia e eles em
determinado momento falavam “no nosso governo” e aí alguém
perguntou: mas vocês trabalharam no governo, participaram do
governo, e eles diziam: mas nós éramos governo, por que nós
estávamos lá o assentamento e lotávamos o ônibus para ir para o
orçamento participativo, onde a gente conquistava a escola, nós
lotávamos o ônibus para participar do MOVA, a gente visitava as
pessoas e convidava para participar porque havia cursos de
formação para os professores, para a comunidade e havia esse
envolvimento social no sentido de construir a política.
Lúcia faz o registro do tensionamento com os setores conservadores pela disputa
na concepção da obrigação do Estado com povos que vivem na itinerância:
Então esse é um registro importante de ser feito de que foi causa
de muitos
tensionamentos com os setores conservadores da sociedade
porque entendiam que não cabia ao Estado o papel de imediato
assegurar o direito à educação a esses povos que estão na
itinerância, no caso dos acampados. Então nós entendemos ser
muito importante, assim como já entrando na questão da
educação no campo ela também teve um processo diferenciado
neste governo, porque ela foi tratada com respeito e porque havia
o entendimento de que nós podemos continuar privilegiando a
escola urbana, por que historicamente, a história mostra que nós
sempre tivemos uma educação urbana, nunca nós tivemos uma
política de educação que privilegiasse de fato as populações do
campo.
40
A concretização desta opção se dá justamente com a consolidação de um fórum
colegiado onde os movimentos construíram a Conferência Estadual do Campo. Lúcia vai
reafirmar isto dizendo que:
“E no nosso governo o processo de constituinte levou em conta
essa especificidade e discutimos num fórum colegiado onde todas
as representações dos movimentos do campo contribuíram na
construção, onde culminou com uma conferência estadual da
educação do campo, onde nós tiramos as linhas gerais traduzidas
numa carta em que diziam quais eram as responsabilidades do
Estado, das comunidades, mas sobretudo afirmando o projeto
político pedagógico que respeitasse essa cultura e que
qualificasse no sentido de nós tivéssemos desenvolvimento no
campo sem que as pessoas precisassem migrar para buscar as
condições mínimas; que a escola seria parte de toda uma infra-
estrutura necessária de comunicação e transporte, enfim, aquilo
que as pessoas precisam para sobreviver no campo, sem que
elas de lá tenham que se deslocar com objetivo de atender essa
expectativa de obter essas condições, e aí claro, uma escola
qualificada com livros técnicos, equipamentos e recursos
humanos, não se trabalha com essa idéia de que na escola do
campo qualquer coisa serve, pelo contrário a gente entende que
ela tem que ter as mesmas condições e que o profissional que vai
trabalhar na educação do campo também tem que ter formação
adequada e formação continuada e isso é responsabilidade do
Estado”.
A luta pela consolidação de um projeto que rompe com as estruturas juridificadas
do Estado punem o governo que não tem aprovado as suas contas. Lúcia relata:
“Essa é a diferença, e tanto é que nessa questão da educação no
campo, inclusive nós fizemos um encontro dos professores da
EJA de Santa Maria, e o tribunal de contas até hoje está nos
cobrando a devolução dos recursos, porque eles tem o
entendimento de que nós fizemos um encontro que no seu
41
conjunto é considerado falho em função de que algumas das
licitações dos ônibus, que conduziram o pessoal do movimento
não teve a licitação adequada, de preço, margem de preço, na
verdade eles pegaram os ônibus mais baratos, as empresas que
fizeram mais barato, por que é a forma que eles tem para se
organizar. E eles consideram que aqueles comprovantes não são
suficientes, e que nós teríamos que devolver mais de
R$300.000,00 reais desse encontro da EJA que aconteceu lá em
Itaara, perto de Santa Maria, inclusive ele foi realizado lá pois era
mais central, tornava-se mais barato e o lugar onde nós
conseguimos mais em conta, digamos assim; aquilo que se
pagaria por uma viagem até Porto Alegre, ficava duas ou três
pessoas lá hospedadas, era uma coisa assim bem mais em conta,
e, sem contar com o deslocamento, facilitava acesso de todo o
estado, até Santa Maria”.
Procurando entender as contingências próprias das decisões
políticas tomadas pela administração popular no Estado, buscamos
referências de autores que nos ajudam a entender as orientações numa
dimensão de transformação social e de poder.
Neste sentido, convém trazer para dialogar um pensador importante,
Emir Sader, autor de O poder, cadê o poder? (2001), que acentua a
dimensão política do processo a partir do local. Observa ele o quanto nos
enganamos ao pensar que para ganhar o poder basta ocuparmos os
espaços institucionais e as mudanças favoráveis à consolidação de uma
sociedade mais justa estarão garantidas. Cabe citar análise feita por Sader
ao abordar a concepção equivocada de querer sustentar as estratégias para
fazer aliança com o povo e, paradoxalmente, manter a unidade, numa visão
economicista e aparelhista do poder:
“... Acreditava-se que, pela determinação em última instância das
questões econômicas (os partidos socialista e comunista eram
marxistas), ao alterar-se radicalmente as bases materiais do
42
poder político, este tenderia a expressar aquelas modificações.
Por outro lado, a estratégia de poder se voltava para o aparelho
de Estado. Primeiro seria conquistado o governo e se faria da
instância executiva o trampolim para ir, pouco a pouco,
estendendo o novo poder, até se modificar globalmente a sua
natureza de classe.” (SADER, 2001, p.11-12)
Ao não se conceber o poder como um conjunto de relações e sim
como algo a ser conquistado, acabamos errando nas estratégias visto que o
capital é uma relação social e não se limita a propriedades a serem
apropriadas. Neste sentido, conceber o poder como algo presente em todos
os espaços da sociedade pode nos ajudar a entender o poder como algo
não restrito ao aparelho estatal. E ir percebendo que o aparelho estatal tem
um outro papel que é de articulador, no plano econômico, social, militar e
ideológico (incluindo os meios de comunicação). Com este conjunto de
relações bem articuladas é que a classe dominante mantêm o controle
hegemônico da sociedade. Cabe a pergunta: quais são as estratégias que
nos colocam numa posição de garantir avanços quando ocupamos os
aparelhos institucionais
Esta questão é atual. Passamos por esses limites quando éramos
governo aqui no Estado. A grande maioria dos quadros que assumiram
espaços no aparelho estatal tinha sua origem nos movimentos sociais,
carregando uma bagagem histórica de enfrentamento direto e explícito com
os dirigentes de governo, com o Estado. Esse viés acarretou, em muitos
casos, confusã o sobre a constituição do poder na sociedade como um todo,
não redutível unicamente ao Estado.
Ao problematizar essas questões vamos percebendo que não
podemos nos limitar às estruturas de Estado, nem enxergar só os limites do
Estado desacreditando que, neste momento, dada as contingências
históricas, o estado cumpre um papel de implementar políticas sociais que
são mediadoras para construções futuras, como por exemplo ações que
43
possibilitem o empoderamento popular. A emancipação humana e política
passa necessariamente, segundo Rosalvo Schütz, pela superação do estado
burguês ao afirmar que:
É interessante notar que a emancipação humana dar-se-á no
momento em que o indivíduo particular assumir no seu dia-a-dia a
generalidade hipostasiada e alienada no Estado. O que significa
dizer que a emancipação humana exige a supressão do Estado
na forma como ele se constituiu a partir da Modernidade. Nesse
sentido, a emancipação provavelmente se daria a partir dos
próprios espaços da sociedade civil, à medida que ali se
consigam gestar espaços públicos e comunitários que não sejam
estatais” (SCHÜTZ, 2001, p.99-100)
Desta maneira, são acertadas as conclusões feitas por Carlos
Nélson Coutinho quando se refere a trabalhar a necessidade da “ampliação”
do conceito de estado vinculando, dialeticamente, os momentos abstratos na
análise do modo de produção com as determinações mais concretas
resultantes do exame da formação econômica e social. A totalidade da
sociedade não é constituída por dois estados: um do proletariado e outro da
burguesia. A disputa hegemônica, ao contrário, passa pelos mesmos
espaços e articulação política, às vezes, até dos mesmos grupos sociais. O
movimento de ampliação do poder passa radicalmente pela ampliação da
esfera de ação dos grupos sociais concreta e contingencialmente
constituídos (COUTINHO, 1987, p. 35). Essa idéia é forte, e preciso
entendê-la mais consistentemente para discuti-la, a partir das condições do
Renascer, com os próprios colonos.
Portanto é possível afirmar que, nos processos que foram se
consolidando aqui no Estado, a questão da não permanência de um projeto
que se queria inovador, seja a dificuldade de, em fazendo uma opção de
classe, garantir, num curto espaço de tempo, a constituição de um processo
de consciência de classe para si que sustentasse um projeto alicerçado em
bases populares. Por outro lado, essa angústia gerada pelo dilema de
44
colocar em pauta no governo orientações de tomadas de decisão que
exigiam, em certo sentido, uma consciência de classe constituída mais
maduramente, colocou em primeiro plano orientações mais imediatas e
sustentadas por uma concepção de tática talvez não tão bem fundamentada
numa visão de transformação social como se imaginava no período.
Décimo Segundo Porto
Constituinte escolar: a pedagogia da participação
Em 1999, procuramos estabelecer um diálogo com a comunidade
gaúcha através da Constituinte Escolar. No primeiro momento, chamamos
os vários segmentos da comunidade escolar à participação. Vivenciamos,
posteriormente, o Estudo da Realidade e o Resgate de Práticas
Pedagógicas. O 3
º
momento foi de aprofundamento das temáticas e de
devolução e problematização das contribuições trazidas das diferentes
escolas e municípios de cada uma das coordenadorias do estado, o que foi
feito e ficou marcado por 31 seminários regionais de sistematização.
A Constituinte Escolar (CE), neste sentido, tornou-se um espaço de
problematização dos rumos da educação do RS, tanto em termos de projeto
pedagógico, quanto de concepções de conhecimento em voga e de
articulações das escolas com seu entorno social e com o conjunto da
sociedade hegemonizada, mas não absolutizada, pelo capitalismo. O
aprofundamento dos Temas e Temáticas, neste sentido, abarcava toda a
complexidade das relações das escolas com as comunidades onde estavam
inseridas, desde o reconhecimento do modo próprio das pessoas viverem
em sua relações mais imediatas até as articulações que se estabeleciam
com o conjunto da sociedade. Isso exigiu um grande aprofundamento teórico
de todos os envolvidos na CE, o que não era tradição na rede de docentes
da secretaria de educação. O grupo de professores do Departamento
Pedagógico da Coordenadoria de Educação de Pelotas, onde estive
45
vinculada com um grupo muito especial de colegas tais como Isabel Cristino,
Raquel Moreira, Luciana Panatieri, Salete Aldrighi, Alexandre Canibal, Sara
Vasconcelos, Avili,Torquato, se organizou num processo próprio de
formação e articulação com os professores das escolas. Os temas que eram
programados para as discussões em Porto Alegre eram cuidadosa e
demoradamente preparados por nós. No retorno, reuníamos quase toda a
equipe da CRE e fazíamos a socialização dos debates ocorridos nos
encontros gerais da capital. O mesmo movimento era realizado quando nos
preparávamos para os encontros com as escolas da região. No retorno,
voltávamos a reunir o pessoal da CRE e rediscutir as demandas originárias
das escolas.
Nas questões mais complexas, a SE se assessorava de intelectuais
como Gaudêncio Frigotto, Miguel Arroyo, César Benjamim, Carlos Rodrigues
Brandão, Marta Pernambuco, entre outros. O IPF também interagiu
constantemente conosco. Estudávamos rigorosamente, tensionadas pela
empreitada em que nos colocáramos, obras de Freire, Marx, Santomé,
Giroux, Gramsci, entre outros autores, como os acima citados.
Tínhamos clareza da dimensão das ações que necessitávamos
construir para problematizar e criar condições para romper com uma visão
bancária da educação que se traduz pelo ato de transmitir valores e
conhecimentos, numa lógica que nega ao homem sua dimensão ontológica
e sua vocação de ser mais (Cf. FREIRE, 1987, p. 61). Acreditávamos no
comprometimento como algo que se cultiva e aprende a fazer; e que o
ensinar não pode ser desvinculado de uma opção de sociedade e
conseqüentemente de uma intervenção no mundo.
A preparação teórica de professores, enfim, foi realizada nas
contingências próprias de um movimento histórico, por um grupo não
insignificante de professores na nossa região. Questões postas a partir das
pessoas, comunidades e movimentos sociais nos colocavam
constantemente em limites de açã o e compreensão da realidade e,
46
recorrentemente, buscávamos a reflexão teórica para orientar politicamente
nossas práticas.
O 4
º
Momento da CE, em função de tudo isso, foi das definições dos
princípios e diretrizes. Fizemos, de 10 a 27 de julho de 2000, as
conferências municipais/microrregionais e, de 07 a 12 de agosto, as
Conferências Regionais, totalizando 190 pré-conferências preparatórias da
Conferência Estadual. Debatidos os princípios e diretrizes, foram eleitos
delegados para dar continuidade aos debates.
Assim, vieram a primeiro plano as quatro grandes temáticas:
Educação e Participação Popular, Políticas Públicas, Construção do
Conhecimento e, por fim, Educação e Desenvolvimento.
O recuo do CPERS e a decisão em Assembléia de não participação
constituíram um grande desafio para a condução da constituinte escolar.
Paradoxalmente, entretanto, possibilitou que, no processo iniciado por nós
em 1999 da construção dos princípios e diretrizes da Escola Democrática
e Popular –, tivesse uma qualidade diferente, com a abertura de maior
espaço para os pais e os estudantes que, em alguns momentos, assumiram
para si e fortemente essa tarefa.
O 4
º
momento culminou com a realização da I Conferência Estadual
de Educação, em agosto de 2000, e podemos contar com a participação de
3500 sujeitos do processo, eleitos nas suas comunidades: entre eles vieram
educadores, pais, mães, estudantes, entidades da sociedade civil
organizada, órgãos públicos, movimentos sociais, via campesina, conselhos
de direitos, etc..
Em 2001, restabelecemos o 5º momento marcado pela construção e
implementação dos (Projetos político-pedagógicos (PPPs), Regimento e
Reorganização Curricular à luz das definições dos Princípios e Diretrizes. A
intenção era que essa reconstrução curricular fosse feita a partir da
realidade contextualizada historicamente, valorizando os saberes populares,
47
articulando-o ao saber científico e possibilitando a socialização de
experiências. Pretendia-se oportunizar uma forma iné dita de participação da
comunidade na vida da escola pública. As contingências específicas de cada
região e escola fizeram as idéias se projetarem mais como força de
construção e aglutinação democrática ou mais como simulacro de
construção e participação.
Nesta conjuntura e embasados na temática Concepção de
Educação e Desenvolvimento, no princípio 5 que aponta a escola como
espaço de reflexão e construção do significado da apropriação e do uso da
terra no projeto de desenvolvimento social –, abraçamos a reivindicação
da comunidade do Assentamento Renascer.
Décimo Terceiro Porto.
Aportando na escola
Retorno à Escola em 2003. Atuo na disciplina de Filosofia na Escola
Estadual de Ensino Médio Nossa Senhora de Lourdes Nesta Escola,
atuando na disciplina de Filosofia, fui construindo com os estudantes um
espaço de debate e resistência ao modelo sucateado da Educação,
aguçando os olhares para a ideologia controlada pelos meios de
comunicação que sustentam um projeto de uma sociedade excludente.
A relação com a direção foi conflituosa, visto que existia um
sentimento de ameaça da perda de poder. Isto se materializava em questões
concretas como o impedimento de organização do Grêmio Estudantil,
organização de calendários alternativos para professores que desejavam
“furar” as greves, determinações aos professores sobre suas cargas horárias
e alunos em sala de aula, sem diálogo com os educadores.
48
Na Escola Estadual de Ensino Fundamental Nossa Senhora das
Graças, atuei na coordenação pedagógica. Esta última escola se
caracterizava, por buscar estabelecer uma gestão participativa, onde as
decisões eram tomadas coletivamente. Possuíamos, na escola, estudantes
que viviam na sua grande maioria na ocupação da várzea adjacente ao
Canal Santa Bárbara, filhos e filhas de catadores de papéis vivendo abaixo
da linha da pobreza.
Assim de novo fortemente tenho pensado no poder da autoridade,
no poder pedagógico de quem dirige um grupo, um coletivo que se
compromete, ou não, com uma realidade tão dura. Como construir
conhecimentos? Quais conhecimentos fariam a diferença para aquela
comunidade? Este era o novo desafio.
Na Escola Estadual Nossa Senhora das Graças vivi o processo de
eleição para equipe diretiva em 2003, onde o grupo do qual fazia parte
perdeu a eleição. Foi quando ficou suspensa a implantação do projeto
participativo que vínhamos desenvolvendo com a comunidade, o que nos
obrigou a buscar outro espaço para atuação.
Hoje tenho atuado como professora de filosofia e como
coordenadora pedagógica no colégio estadual Cassiano do Nascimento,
uma escola que se caracteriza por receber estudantes de vários bairros da
cidade e de diferentes classes sociais com um corpo docente grande,
portando uma diversidade de pensamentos e projetos, o que desafia a
necessidade de qualificação permanente. Tenho me perguntado como
colaborar com os educadores para que eles repensem sua prática no
processo de construção do conhecimento, no processo de avaliação, na
construção de regras de convivência e no relacionamento com a diversidade
da comunidade. Junto aos estudantes do ensino noturno vimos realizando
pesquisa do entorno, nos diferentes bairros em Pelotas, de onde eles são
oriundos.
49
Décimo Quarto Porto
Buscando apagar o círculo de giz economicista - por uma
intervenção mais qualificada
Os primeiros dias de 2005 foram duros para o Movimento Social e
Sindical. No CPERS, não conseguimos articular nenhuma ação que
rompesse a blindagem do governo Rigotto, marcado pela política de
financiar grandes empreendimentos privados com dinheiro público. Em abril,
nós gaúchos passamos a pagar o aumento de 28% nas alíquotas de ICMS,
de energia elétrica, telefonia e combustível. A soma de três elementos:
crescimento negativo, queda da receita e aumento de impostos mostra um
governo sem projeto de desenvolvimento e sem gestão financeira. Com a
prática de renúncia fiscal, por outro lado, agrava-se a situação financeira do
Estado. Como conseqüência desta política são investidos parcos recursos
em Saúde, Educação e Segurança.
Engajada na luta, vivendo a crise da esquerda na conjuntura
mundial e no governo Lula, avaliei, em conjunto com outros educadores, que
deveríamos disputar a direção no 24º Núcleo, para construir uma ação mais
consistente na região. Não vencemos, mas o resultado foi favorável à
medida que estivemos em todos os municípios e escolas da região, e
fizemos um debate, em todas as escolas, sobre as questões sindicais e
sobre o Projeto Político Pedagógico das escolas e do sindicato. Ao
reapresentarmos a nossa chapa, num segundo momento das eleições
gerais, fui eleita Conselheira 1/1000 para o Conselho Geral do CPERS. No
conselho, venho tentando introduzir um debate sobre o processo de
burocratização nas relações, o fechamento dos espaços de discussão
política da sociedade e da educação e de construção de vinculo com os
demais trabalhadores, bem como o esvaziamento da participação e da sua
promoção em decorrência do acirramento das disputas internas para
ocupação dos espaços institucionais e sua redução ao “círculo de giz
50
economicista” (redução da luta e da organização à questão salarial) no qual
o sindicato enveredou. Quais são, de fato, os enfrentamentos e as
contingências históricas que devemos considerar para ter uma intervenção
mais qualificada.
Papel revolucionário da vanguarda
Em primeiro lugar, é honesto apontar algumas referências com as
quais nos movimentamos no dia a dia das nossas intervenções: acreditamos
no caráter político da educação e que o atendimento ou não das
necessidades de educação está relacionado ao problema de classes sociais
e à luta de classes.
A pedagogia revolucionária só terá valor com uma práxis
revolucionária. De nada adianta, portanto, palestras bem formuladas,
Encontros de Educadores com eventos pomposos, onde muitas vezes são
cobradas verdadeiras fortunas para dizer aos educadores o que fazer tudo
isto com recursos da classe –, se os espaços de formação não estiverem
comprometidos com a cotidianidade da luta dos trabalhadores em educação
e tenderem a cair na ideologização da realidade.
Freire se referiu a estas condições quando fez uma autocrítica
afirmando que embora na Pedagogia do Oprimido, ao propor a dialética
opressor-oprimido, já deixasse implícito a questão de classe social em
seus primeiros escritos não percebia esta dimensão porque estava
ideologizada. O desafio é pensar, como Freire, a nossa prática e partir da
perspectiva realmente dialética, atenta criticamente à consciência dual que
ora afirma a condição histórica fundamental do sujeito e, paradoxalmente,
afirma no momento seguinte a primazia do capital e a degradação dos
sujeitos –, e ir constituindo um movimento que se enraíze na relação entre
subjetividade e objetividade, e recuse compactuar com qualquer tipo de
mecanicismo.
51
Uma práxis revolucionária, no sentido de ação e consciência de
classe, precisa ser uma construção permanente, para que um sujeito seja
capaz de assumir historicamente os interesses dessa classe acima de outros
interesses que reforcem o poder de outras classes.
É nesse contexto que queremos buscar o papel histórico e
revolucionário da atuação de pessoas de uma classe que, numa perspectiva
freireana, exercem função de vanguarda. Freire, comentando essa questão
em conversa com Carlos Alberto Torres, afirma:
“Eu encaro esta relação dialética “vanguarda-massa” exatamente
como Marx encarou a relação dialética “pensamento–ser;
subjetividade–objetividade; teoria–prática”. Em Marx, esta relação
se dá como uma unidade dialética e não como um dualismo. Ao
dualizar, caio, de um lado, no subjetivismo e, de outro, no
objetivismo-mecanicismo. Para mim, a relação vanguarda-massa
está no mesmo nível das outras, em unidade dialética” (Cf.
TORRES, 1979, p. 49).
Freire vai mais adiante e critica, como Marx, o aburguesamento da
vanguarda, que assume para si o papel que é dos trabalhadores, faz invasão
cultural e, mesmo pertencendo à mesma categoria, diz a ela o que tem que
fazer, quando fazer e como fazer, impedindo a ação criativa na busca de
estratégias de enfrentamento mais adequadas
“De modo geral a vanguarda é da pequena burguesia e da
burguesia; Marx já sublinhou isto também. A transição da
consciência da classe trabalhadora faz-se de fora para dentro.
Não se constitui espontaneamente, mas parte daqueles que foram
capazes de teorizar. Mas, acontece que, no momento que uma
vanguarda sente-se possuidora da consciência de classe que não
é a sua, pode-se cair em uma metafísica, ao conceber a classe
proletária como uma classe sem consciência, uma classe
inconsciente. Ou, então, aceitar que sua consciência existe, mas
como uma consciência vazia de si mesma enquanto lhe falte
52
consciência de si. Em qualquer das hipóteses a relação entre
vanguarda e massa proletária torna-se uma relação bancária (...)
em que a classe operária se vê transformada em recipiente para
conteúdos da própria vanguarda” (IDEM, p.49-50).
Assim sendo nossa preocupação é fazer uma reflexão a partir da
atuação do CPERS–Sindicato e do quanto a disputa interna tem sectarizado
as relações entre as pessoas, comprometendo um avanço mais significativo
nas estratégias de enfrentamento e na criação de espaços de construção da
consciência de classe.
Estamos passando pelo projeto de governo mais agressivo às
políticas públicas construídas e identificadas, com luta, pelas classes
populares, ferindo o caráter político e popular da educação no RS. O
governo Yeda busca enxugar a máquina pública através de demissões e
fechamentos de escolas. Está fazendo economia com a educação e
comprometendo o aprendizado de milhares de educandos.
Segue a pauta de São Paulo, onde o governo de seu partido, o
PSDB, demitiu 45 mil servidores, entre professores e funcionários de escola,
reduziu em 4 bilhões o orçamento da educação e instituiu avaliações de
desempenho e o fim da isonomia salarial (os melhores “avaliados” receberão
bonificações) para legitimar as medidas adotadas, culpabilizando os
funcionários pelas mesmas.
Na mesma direção, o Governo Yeda tomou as seguintes medidas:
Cortou 30% dos recursos da Educação, a partir de um
patamar já diminuído no período anterior de governo;
suspendeu as licitações e reformas nas escolas, ponto chave
na manutenção da estrutura do ensino público;
fechou bibliotecas, laboratórios e setores pedagógicos;
53
enturmou (reuniu turmas) e multisseriou escolas (séries
diferentes na mesma sala) com um critério meramente
burocrático, em escolas urbanas e inclusive no 2º grau.
criou a Lei das OSCIP’s (Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público), que poderão receber dinheiro público para
atuar na educação.
implantou o SAERS (sistema de avaliação da educação no
RS) para “avaliar” o desempenho escolar dos alunos; o
sistema será implementado com provas gerais e de conteúdo
universal, independente dos movimentos das escolas que
buscaram progressivamente enraizar suas práticas nas
condições históricas das localidades em que se situam.
Há, nisto, um retrocesso em termos teórico-pedagógicos. Muitos
cursos de formação docente e os movimentos de um número crescente de
professores afirmavam, nos seus embates e tomadas de decisão, o que
teoricamente, na pedagogia, já vem sendo pautado há muito tempo: o
caráter histórico do conhecimento escolar e a necessidade de seu
enraizamento histórico e político no entorno social das escolas.
Para a secretária de educação, entretanto, isto é um retorno aos
grandes tempos da educação pública, localizados nos anos 50 e 60, antes
da democratização do ensino que, segundo a mesma secretária, significou
perda de qualidade para o sistema estadual em função da entrada maciça
de alunos provenientes das famílias de trabalhadores.
Além disso, o setor militar do mesmo governo, através de seu oficial
mais cotado pelas elites, em resposta à reclamação dos movimentos sociais
sobre a forma truculenta e provocadora com que a Brigada Militar os tem
tratado, respondeu de forma muito semelhante à da secretária de educação,
desfiando a posição extremamente fascista de governo, estado e ordem
pública. O sub-comandante da Brigada Militar (BM), coronel Paulo Roberto
Mendes, deixou claro que a BM continuará agindo assim para manter a
54
ordem pública (Correio do Povo, sábado, 3 de maio de 2008, p. 7): esses
movimentos são anti-sociais”.
Segue a reportagem:
“Mendes disse ainda que tais movimentos querem que a BM seja
omissa, mas garantiu que isso não irá acontecer. Para o oficial, o
que ocorre é muito mais baderna” do que manifestação de fato.
“Onde houver baderna a BM irá intervir”, observou, dizendo que a
Brigada cumprirá sua função constitucional. “Eles (sindicalistas)
fazem isso para nos intimidar, mas isso não acontecerá”,
completou” (idem; grifos nossos).
Com os termos função, ordem, intimidação, baderna, manifestação,
intervenção, articulados a seu bel prazer, o oficial justifica a truculência da
ação da BM e da classe representada majoritariamente no governo.
Pode-se descolar essa concepção das lutas pela educação popular,
quando também os professores têm sido ameaçados? Há aí um
enfrentamento de perspectivas e de classe que teima em se esconder no
cotidiano das escolas e de seu entorno, imergindo as lutas político-sindicais
numa nebulosidade que cega para as relações em seu vir-a-ser histórico.
Não conseguimos, de um lado, vencer o sectarismo que anda de braços
dados com o dogmatismo. E, por outro lado, a falsa interpretação do
marxismo implantada no seio da categoria, concretizada com a não
valorização da consciência efetiva dos educadores. Assim quando os
dirigentes acreditam que basta constituir uma ideologia, desconsiderando o
nível de compreensão em que se encontram os professores na sua atuação
docente empírica, criam clivagem entre a ação dos dirigentes e o conjunto
da categoria. Neste sentido, Lenine aponta para o limite do espontaneismo
do operariado, e, na mesma medida, o perigo do vanguardismo, ou seja, a
possibilidade que se constitui de se negar a opinião dos outros, o que
significa rejeitar a própria realidade. Este estado da luta muitas vezes é
55
marcado por retrocessos no movimento. Desta forma, analisamos a citação
de Schaff (1973, p. 26) que nos ajuda a compreender esta condição:
“Ao analisarmos as causas deste estado de coisas, chega-se
habitualmente à conclusão (tantas vezes formulada expressis
verbis nos documentos oficiais do movimento operário
revolucionário) que o erro cabe a um falso vanguardismo, ao
desconhecimento das opiniões e atitudes reais das classes
trabalhadoras, ao voluntarismo subjetivista da vanguarda
revolucionária. Até porque sectarismo e voluntarismo são os dois
aspectos indissociáveis de um único e mesmo problema.”
Por sua vez Lenine recoloca duas questões fundamentais sobre o
quanto era preciso combater o espontaneísmo no movimento operário.
Penso ser importante esta análise, visto que quando da última assembléia
de 2007 os trabalhadores se definiram pelo estado de greve, fazendo o
indicativo de que era necessário e urgente construir a greve, a direção
entrou de férias, iniciando o ano letivo em março com uma posição de
neutralidade frente às decisões dos trabalhadores, ou seja, jogando toda a
responsabilidade das decisões para uma categoria frágil, porque
amedrontada. E alertava para o perigo do vanguardismo, ou seja, se
destacar das massas, quando esta ainda não tinha ainda evoluído aos
modelos da ideologia revolucionária (Cf. SCHAFF, 1973, p.24).
Vamos cercando algumas definições que consideramos chaves para
contribuir com aquilo que o próprio Lukács afirmou em 1923: que o acerto na
ação política dos trabalhadores tem relação direta de proporcionalidade com
a consciência de classe e que esse movimento de apropriação da
concretude do real é que garante uma ação mais efetiva, mais contundente.
Lukács contribui para o entendimento dessa complexidade, ao distinguir
duas definições para a expressão “consciência de classe”: consciência
psicológica dos indivíduos de uma classe e consciência atribuída, a
consciência da classe propriamente dita, como expressão de uma
possibilidade objetiva e social. A questão que nos interessa é entender as
56
possibilidades de aproximação entre a percepção de realidade dos sujeitos
de uma classe, e a construção de uma percepção coletiva objetiva do
conjunto das relações implicadas no vir-a-ser da própria classe, que não se
constitui espontaneamente, mas pela mediação de sujeitos que percebam a
realidade nesta dimensão mais complexa e, simultaneamente, pela ação
política dos sujeitos da classe. A consciência de classe, neste sentido, é
uma concepção de conjunto sobre as condições históricas da classe na
relação com outras classes e na totalidade da sociedade.
A construção da consciência de classe, nesta perspectiva, é um
projeto de organização das pessoas da classe, articulado com elas por
pessoas que percebam as possibilidades objetivas de cada momento. Essas
lideranças - a vanguarda - entretanto, não se constituem metafisicamente,
mas na tensão histórica entre as ações que decorrem da percepção das
possibilidades objetivas da classe e acompanham essa percepção e agem
no sentido de realizar estratégias de avanço histórico. Os sujeitos em
situação contingente de vanguarda, efetivamente, se formam e amadurecem
progressivamente com os demais sujeitos da classe e com o avanço
histórico da classe. E essa tensão se constitui exatamente no limite da
formação da vanguarda: se projeta na liderança à medida que interpreta
acertadamente a perspectiva da classe na totalidade de relações sociais, e
se mantém na liderança à medida que sua percepção passe a se constituir
também a direção de percepção de grandes grupos dentro da classe; e se
destitui ou formaliza, à medida que prescinde dos sujeitos de sua classe e
deles se isola. A vanguarda se mantém quando consegue generalizar a
opção de educação dos membros de uma classe que se coloca nos
seguintes termos: afinal, com quem eu quero me educar: com o meu dono
ou com os meus companheiros de classe?
57
Décimo Quinto Porto
Pesquisa - Identificando cenários
Estou vinculada ao Mestrado da UFPEL de forma regular desde
2006 e ao GAPE
3
, desde 2005. Fortalecida por esses vínculos realizo
pesquisa na Escola Estadual de Ensino Fundamental Oziel Alves, no
Assentamento Renascer no 2º distrito de Canguçu.
Instalada em 1857, Canguçu conta hoje com uma população de
57.924 habitantes e área de 23.525 km², próxima ao eixo econômico de
Pelotas/Rio Grande com uma localização central no âmbito geográfico da
Zona Sul do Estado, fazendo divisa com oito municípios (Encruzilhada do
Sul, Amaral Ferrador, Cristal, Cerrito, Morro Redondo, Pelotas, São
Lourenço e Piratini), com a proximidade a quatro Universidades e diversas
instituições com potencialidade para fazer formação como Embrapa e o
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica.
É ligada pela BR-392 a Pelotas, fronteira oeste, centro do estado e
ao Super Porto em Rio Grande, além da finalização das obras da RS-265
que ligará o município a São Lourenço e da RST-471 que fará ligação com o
Vale do Rio Pardo até a região de Passo Fundo, sendo também mais uma
estrada alternativa para a Região Metropolitana de Porto Alegre. Os dados
com os quais podemos caracterizar o município são os seguintes: um
município de porte médio, com altitude de 386m, longitude - 52.676, latitude
- 31,395. Fazendo parte da Microrregião Pelotas e Mesorregião Sudeste Rio-
Grandense, o município hoje, com a vinda dos Assentamentos, é o que
acolhe o maior número de minifúndios da América Latina.
3
O GAPE – Grupo de Pesquisa em Educação Popular – é um grupo que vem se constituído como uma
estratégia de fortalecimento e ação colaborativa de pesquisadores que estão envolvidos em
investigações sobre formação de professores e relações sociais de regiões camponesas. Embora ainda
congregue pessoas vinculadas à alfabetização e pós-alfabetização de adultos (EJA e NEJA), e à
pesquisa sobre entorno de escolas de periferia urbana, o eixo do grupo centra-se cada vez mais na
complexidade de relações sociais sintetizadas nas escolas do campo.
58
O financiamento à agricultura cresceu 75% nos últimos seis anos. O
Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar (Pronaf) liberou somente
para a safra 2003/2004, um total de 11.047 milhões de reais, somando 6.973
operações no município.
Dentro desta realidade geográfica que se encontra o Renascer. Com
a desapropriação da fazenda de 3.300 hectares, 92 famílias foram
assentadas, podendo usufruir da maior floresta de angicos da América
Latina. É para esta terra que me encaminho.
Um lugar chamado Renascer: O reencontro
Algumas preocupações começaram a me assaltar desde o primeiro
dia em que retornei ao Renascer, agora como pesquisadora. Uma delas era
como escapar de uma visão romântica do mundo rural, tratando de forma
exótica os assentados. Outra era como reatar a credibilidade e a confiança
interrompidas por aproximadamente 4 anos.
Já no ônibus, releio o método de pesquisa de Freire, repasso todos
os passos da epistemologia da pesquisa.
Penso como o camarada Freire dialogava nos manguezais no
nordeste e com o povo oprimido da África. Comungo com Freire quando ele
vai falar do que é realmente conhecer uma realidade e do quanto esta
concepção de realidade é determinante para a relação respeitosa com os
sujeitos do local.
Neste sentido, a exposição de Freire para os universitários da
Tanzânia tem nos possibilitado refletir sobre a escolha dos caminhos da
pesquisa identificando aquilo que nos permite experimentar, com
59
radicalidade, o processo de construção do conhecimento da realidade do
Renascer. Assim fala Freire:
“Um destes problemas com que primeiro nos confrontamos
quando nos obrigamos a conhecer uma dada realidade, seja a de
uma área rural ou de uma área urbana, enquanto nela atuamos
ou para nela atuar, é saber em que realmente consiste a realidade
concreta”.
(...) Para mim a realidade concreta é algo mais que fatos ou
dados tomados mais ou menos em si mesmos. Ela é todos esses
fatos e todos esses dados e mais a percepção que deles esteja
tendo a população neles envolvida. Assim, a realidade concreta
se dá a mim na relação dialética entre objetividade e
subjetividade. Se me preocupa, por exemplo, numa zona rural, o
problema da erosão, não o compreenderei, profundamente, se
não percebo, criticamente, a percepção que dele estejam tendo
os camponeses da zona afetada. A minha ação técnica sobre a
erosão demanda de mim a compreensão que dela estejam tendo
os camponeses da área. A minha compreensão e o meu respeito”
(FREIRE apud BRANDÃO, 2001, p. 34-5).
Pergunto ao motorista se ele pode me avisar quando chegar no
assentamento. Ele pergunta:
Na casa de quem?
Percebo que devo dizer na casa da professora Eliane, ao que ele
responde:
Ah bem! Pois que o assentamento é grande... Pausa. Depois me
mostra um senhor que sobe apressado no ônibus, e grita:
Sr. Valter, ela quer ir à casa da professora Eliane!
60
Estendi a mão para o Sr. Valter que, ao me cumprimentar, sentou-se
do outro lado do corredor e me perguntou:
Conhece a Professora Eliane?
Ao que falei afirmativamente:
Sim, desde que fazíamos parte da Coordenadoria de Educação do
Governo Olívio. Tenho vindo ao assentamento desde quando ainda não
havia as casas, vocês estavam organizados em barracas no entorno da
sede. Foi naquelas reuniões de planejamento junto com o GRA - Gabinete
da Reforma Agrária -, Emater, Coordenadoria Regional da Agricultura e a
Coordenadoria de Educação. Isso ocorreu por uma articulação de vocês que
não queriam a escola municipal, que estava funcionando há um mês na
sede, e não respeitava as propostas de escola que vocês sonhavam.
Lembra disso?
Sim, foi uma luta que fizemos, pois nem as místicas eles não
queriam.
O Sr. Walter me apresenta uma outra moça que está no ônibus, diz
ele:
Esta aqui é a Nice que trabalha com a Professora Eliane. É vizinha
da Eliane e do Batista.
E completa se dirigindo a Nice:
Esta Senhora vai para a casa da Eliane e tu leva ela lá.
A Nice senta do meu lado e me conta que o marido teve um
derrame, mas está bem, mas não pode fazer esforço e que desde então ela
trabalha com a Eliane cuidando dos filhos dela, melhorando a renda da
família.
61
Descemos juntas, a Nice me levou até a porta da casa da Eliane. Na
casa estavam a Eliane, a Miriam (sua irmã), as crianças (Ritinha de 3 anos e
Natanael de 1 ano). Chegaram depois o marido da Miriam, o César, e por
último o Batista, que ficou surpreso com a minha presença, mas se mostrava
muito curioso com o que eu vinha fazer ali depois de algum tempo.
Batista fez um chimarrão, sentamos para conversar à beira do fogão
a lenha.
Falei da pesquisa e da necessidade de parceria com as pessoas do
local para o tipo de projeto em vista. Sem aceitar serem sujeitos do
processo, não teríamos como desenvolver o projeto que, por toda a
condição histórica do assentamento e da escola, não poderia deixar de ser
participativo. Batista me conta que alguns pesquisadores de Santa Maria
estiveram no assentamento, fizeram pesquisa e nunca mais retornaram.
Acaba dizendo que entende a proposta de intervenção através de um projeto
colaborativo e o quanto isto pode ser rico para evitar que eles sejam usados.
Já é noite escura, com certeza hoje não terei a possibilidade de
conhecer mais algum espaço. Continuamos na prosa, O Batista diz:
Graça, muita coisa mudou por aqui, as casas foram todas
construídas com ligação direta para a estrada principal. Não ficaram todas
as famílias, das 120 que tu conheceu, ficaram 92. Isto deu muita briga com o
GRA, tanto que entre 2000 e 2002, três mapas foram feitos até a definição
final dos lotes. Cada casa ficou com 4 hectares no entorno.
Pergunto:
E o restante?
Batista:
O restante ficou em outros pontos do assentamento até chegar a
20 hectares.
62
Graça:
Lembro que já havia grupos com trabalho coletivo. Como vocês
estão hoje?
Batista:
O grupo que existia em 2002, adquiriram uma colheitadeira, um
trator e outros maquinários. Eram treze no grupo. Foi para 5 e hoje não
existe mais.
Graça:
Sabes o porquê disso?
Batista:
Ora, não existe trabalho semi-coletivo. Se o cara vai cuidar do seu
chiqueiro, da sua horta, perto das casas, já não dá certo. Tem que ter um
planejamento do trabalho, de naquele dia atender só a lavoura do grupo.
Graça:
E as estradas e o transporte como estão?
Batista:
As estradas, desde que foram construídas, nunca mais foram
mexidas. Quando teve um grande temporal e um período de muita chuva
que arrastou bueiros, isto mostrou bem quais eram os problemas e nós
apontamos pros construtores. A estrada assim ficou bem construída. Hoje
quando aparece um buraco a gente pega a pá e tapa e tudo se resolve. Já o
ônibus faz a volta em todo o assentamento. É claro que a empresa não é
boba; pagamos um pouco mais, mas quando chove temos o ônibus na porta
da casa.
Batista fica pensativo, e continua:
63
Graça, o nosso povo não investiu, como em outros
assentamentos, nesses cacarecos, carros velhos, moto ou coisa parecida, e
a empresa sabe disso e por isso atende bem o assentamento.
Graça:
O que o assentamento tem produzido?
Batista:
Praticamente a plantação é de subsistência: milho, feijão, arroz
(um pouco, pois é uma lavoura muito cara), batata.
Graça:
E da produção de leite?
Batista:
O assentamento fornecia leite para a COOPAL. A COSULATI
entrou e propôs a compra a R$ 0,45 centavos e foi criado uma
COOPERATIVA DOS ASSENTADOS e hoje estão entregando o leite para
os caras. Acho que foi uma decisão precipitada. Fui a São Paulo com o
Dário e a COOPAL: tem recurso do governo e oferece mais incentivo para
nós.
Graça:
Todo o assentamento está iluminado?
Batista:
Chegou o Luz para Todos em dezembro de 2005. Ainda no
governo Olívio, foi feito um projeto que custou R$ 5.400,00 e depois de
pronto foi visto que não dava, pois não tinha força suficiente para alimentar
esta região.
64
Articulação colaborativa da pesquisa
Com o compromisso de respeitar os sujeitos da realidade que
propúnhamos para ser investigada, fomos conversando com estudantes,
professores e lideranças do assentamento, para discutir com eles a
possibilidade, as intenções e as estratégias da investigação. O aceite da
proposta para o trabalho colaborativo reduziu um dos focos de ansiedade na
preparação do trabalho. Conseguimos, inclusive, dar início a organização de
pequenos grupos de investigação com alunos, pais e professores.
Nos grupos, a pesquisa tem gerado diferentes expectativas, uma
delas é a de que ela aponte as reais causas da pouca participação dos pais
nas questões da escola (a partir da escola) e a outra diz respeito às
“situações limites” vividas por homens e mulheres nos processos sociais
próprios do Renascer (a partir do entorno, da comunidade local). É difícil
para os colonos manter uma pequena propriedade com cultura de
subsistência de maneira que esta garanta o sustento da família e o acesso a
outros bens necessários à vida. Naquele lugar, isto está se tornando muito
difícil.
A partir dessa intenção de chegar às questões que constituem os
problemas que se revelam no local, eles sugeriram organizar grupos para
cobrirem os três bolsões do assentamento – espécie de distrito de referência
para localização interna deles. Nas três áreas eles estiveram atrá s dos
temas mais importantes e que mereciam ser destacados como ponto de
partida gerador de conhecimento. Seguimos, mais uma vez, a indicação de
Paulo Freire, quando, na Pedagogia do Oprimido, aponta a importância do
tema gerador enquanto possibilidade de compreensão crítica da realidade,
pois que obriga o conhecimento ser proposto e elaborado a partir da
inserção dos sujeitos nas relações históricas locais.
65
“Investigar o tema gerador, é investigar, repitamos, o pensar dos
homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a
realidade, que é sua práxis".
“A metodologia que defendemos exige, por isto mesmo, que no
fluxo de investigação, se façam ambos os sujeitos da mesma – os
investigadores e os homens do povo que, aparentemente, seriam
seu objeto” (FREIRE, 1987, p. 98).
Fincamos nossas ações referenciando-as novamente em Freire,
quando ele afirma, como uma exigência num processo participativo e
dialógico, a presença das pessoas como sujeitos da pesquisa:
Em o Caminho se faz Caminhando, a riqueza do diálogo entre
Freire e Horton me permite ir amadurecendo algumas questões que
considero indispensáveis na complexidade dos processos educativos:
em favor de quem eu quero trabalhar
contra quem e contra o que planejamos nossa ação pedagógica.
Neste sentido, Paulo Freire afirma que:
”A humanidade para mim é Maria, Pedro, João, muito concreto.
Depois preciso saber em beneficio de quem estou tentando
trabalhar. Significa a claridade política que o educador tem que
ter. Respeitar o conhecimento do povo para mim é uma atitude
política consistente com a escolha política do educador, se ele ou
ela pensa um tipo diferente de sociedade. Em outras palavras, eu
não posso lutar por uma sociedade mais livre se, ao mesmo
tempo, não respeitar o conhecimento do povo. Repetindo o que
eu já disse, eu diria que nós temos que ir mais além do senso
comum do povo, com o povo. Meu objetivo não é ir sozinho, mas
sim ir com o povo. Depois, tendo um certo entendimento científico
de como as estruturas da sociedade funcionam, posso ir além do
entendimento do senso comum de como a sociedade funciona
66
portanto, não é ficar nesse nível e sim, começando nele, ir mais
além. A teoria faz isso”.(FREIRE e HORTON, 2003, p. 114).
O fechamento do raciocínio de Freire é dado brilhantemente por
Horton:
A teoria só faz isso se for autêntica (idem).
Essa teoria autêntica, por certo, é capaz de contribuir para
revolucionar a prática.
Tínhamos como elementos aquilo que apareceu nos grupos: a
questão da participação das famílias na escola, que na avaliação deles era
preciso qualificar; a questão central do trabalho na produção,
comercialização; e, em outra ponta, a construção do conhecimento. Como
vincular isso, como amarrar essas duas pontas”? se perguntava o Arlei, um
dos professores da escola Oziel Alves. Há compreensão de que a produção,
através do trabalho, modifica as relações que as pessoas estabelecem; e de
que os camponeses do Renascer, ao proverem a sua sobrevivência, eles
são capazes de criar e recriar as suas próprias condições de reprodução.
Hoje, essas reflexões sustentam a idéia de que ao experimentar
junto com as pessoas do Renascer, essa apropriação do real nos permite
orientar as discussões, problematizando e discutindo diferentes formas de
construção do ser genérico, indispensáveis para uma fundamentação não
idealista do movimento social que acompanha a pesquisa, evitando a
invasão cultural. Neste sentido, a Pesquisa Participante, na forma de
entendimento de Carlos Rodrigues Brandão (2006, p. 46), integra quatro
propósitos, a saber:
“ela responde de maneira direta à finalidade prática a que se destina, como um
meio de conhecimento de questões a serem participativamente trabalhadas;
67
ela é um instrumento do diálogo de aprendizado partilhado e, portanto, como
vimos, já possui organicamente uma vocação educativa e, como tal,
politicamente formadora;
ela participa de processos mais amplos e contínuos de construção progressiva
de um saber popular e, no limite, poderia ser um meio a mais na criação de
uma ciência popular;
ela partilha, com a educação popular, de toda uma ampla e complexa trajetória
de empoderamento dos movimentos populares e de seus integrantes [o formato
de esquema é meu].
A força guia da reflexão teórica a partir do espaço micro de uma
totalidade, no caso o próprio assentamento, é fundamental. A complexidade
da realidade vai exigindo, numa outra direção também fundamental, a
compreensão de abrangências maiores da sociedade sem perder o
enraizamento das pessoas do local, suas especificidades.
Fazer pesquisa em espaços tão complexos exige uma postura ética
e uma amorosidade, no dizer de Freire, no sentido de considerar o homem
por inteiro.
Tal pensamento coaduna com Kosik que nos alerta para que não
caiamos no fisicalismo que o positivismo moderno aponta como única
realidade. Em Dialética do Concreto, ele vai afirmando que o fisicalismo
positivista.
“empobreceu o mundo humano, por ter reduzido a um único modo
de apropriação da realidade a riqueza da subjetividade humana,
que se efetiva historicamente na práxis objetiva da humanidade”
(KOSIK, 1976, p. 25).
No caso da pesquisa no Renascer, que apenas tem oito anos de
existência, perderíamos toda a vitalidade do processo educativo ocorrido,
mantendo-nos restritos a essa dimensão criticada por Kosik. Onde dar
importância ao fato da diretora da escola não dormir à noite em função da
68
preocupação com a entrada da gurizada de 6 anos na 1ª série, e da
responsabilidade educacional da escola por estar lidando com crianças que
eram os primeiros filhos do Renascer? Ela se sentia compromissada com
esta realidade e se indagava angustiada: que tipo de meninos a escola irá
formar? Numa pesquisa positivista não teria espaço para essas coisas
radicalmente humanas e que, provavelmente, seriam consideradas uma
ficção.
Com certeza, o Renascer é uma realidade com múltiplas
determinações, que estão se constituindo a partir da teleologia dos
assentados e das contingências de relações mais abrangentes com as quais
se defrontam, além dos próprios ‘fantasmas’ que se firmaram subjetivamente
no decorrer de experiências e enfrentamentos anteriores, distintos das
relações vivenciadas por eles no contexto do assentamento. Essa
complexidade desafia nossa capacidade de compreender e nos cobra
referências mais ousadas para romper com os limites de compreensão
nossos e dos colonos e professores do Renascer. Para entender essa
complexidade, recorremos a leituras mais sistemáticas de Marx, Gramsci,
Lukács e Mészáros, partindo das provocações do trabalho do João dos Reis
e do Jorge Cammarano (SILVA JR. e GONZÁLES, 2001) que tem
possibilitado compreender categorias importantes a partir de uma concepção
marxiana da categoria - trabalho - que altera a natureza e o próprio homem,
mas não o reduz. Estudar estes autores é ir em busca de um entendimento
dialético da realidade social tal como ela se apresenta diante da brutal força
que o capital exerce sobre o trabalho. O enfrentamento das concepções
destes autores possibilitou-me avançar significativamente a pesquisa no
assentamento e a dissertação, mas continua e está sendo para mim um
programa de estudo que divido com os colegas do GAPE e da disciplina
Fundamentos da Educação Popular, e que precisa avançar mais.
Através dos fóruns criados com professores, estudantes, lideranças
venho realizando uma aproximação cada vez maior com esta realidade rural,
69
visto que, embora seja filha de agricultores, existe uma novidade que precisa
ser apreendida por mim que é esta especificidade própria de assentamentos
e de assentados e do lugar chamado Pantanoso, dentro do qual está o
Renascer. Conhecer, acompanhar e ser propositivo - no sentido de construir
um pequeno projeto de intervenção - exige leitura e trabalho colaborativo.
Coloca também na pauta as discussões com o grupo de rural do GAPE,
onde procuramos, coletivamente, qualificar a compreensão das leituras no
nosso contexto regional. Outro ponto que considero importante é estar
vinculado ao grupo, tendo a certeza de que não dá para fazer um trabalho
permanente, e com a envergadura das questões postas por um
assentamento, de maneira solitária. Portanto, lá no Renascer a realidade,
síntese de múltiplas determinações, está se constituindo pelo trabalho na
terra e pelas relações que os sujeitos estabelecem a partir dela. Esta
historicidade produzida coletivamente exige de nós categorias de análise
que nos permitam uma intervenção mais qualificada.
Mesmo sendo um pouco longo, quero mostrar um rol de referências
que está balizando os componentes do GAPE nas iniciativas de pesquisa e
ação junto aos colonos da região. Procuram ajudar a abordar melhor a
realidade e oportunizar melhores chances de êxito nas ações que nos
propomos com os colonos. Foram elaboradas, nesta versão abaixo, em
1999, no contexto das iniciativas junto ao governo popular no âmbito das
políticas do campo. São as seguintes:
1. Identidade: temos claro que os colonos, nas atuais políticas
econômicas, estão relegados, prática, operacional e
funcionalmente, a posições degradantes na sociedade atual, em
favor dos grupos financeiros, comerciais e industriais. Essa é a
base do desânimo dos colonos: perderam sua identidade social,
ou se reconhecem apenas como marginais, sem valor para a
sociedade. A esperança que se vê procede de alguns grupos que,
de uma forma ou outra, têm perseguido soluções alternativas para
uma retomada de projeto social em que se integrem como gente,
70
através de sua atividade social básica: atividade de produção
rural. As formas mais promissoras estão fundadas na
redescoberta e na criação de formas associativas de produção
mais radicalmente democráticas e não subordinadas a vivaldinos
populistas ou açambarcadores do esforço coletivo. No conjunto
das atividades do partido dos trabalhadores está este horizonte a
ser perseguido: criar formas de atividade que possibilitem a
integração ativa dos colonos e demais trabalhadores na
sociedade, como sujeitos sociais e não meramente como
capachos das elites.
2. diferença entre a concepção dos trabalhadores e a da
burguesia Um dos problemas mais complicados é
negligenciarmos a raíz social (de identidade social) das teorias e
dos conhecimentos que produzimos. A economia política
burguesa, por exemplo, interpreta todo o fluxo das atividades
econômicas na perspectiva que lhe interessa: como, no acontecer
e no final dos processos econômicos eles podem se apropriar de
fatia maior da riqueza social produzida pelo conjunto da
sociedade. Para eles, portanto, é natural (não-histórico) que os
trabalhadores disputem, como os cachorros disputam um osso
descarnado, a parcela da riqueza social relativa aos salários. É
normal para eles que eles tenham lucro e renda e que suas fatias
sejam as mais polpudas. A economia política se subordina a esse
fim, e só interessa às elites aquele tipo de conhecimento que
explique funcionalmente como evitar que seus ganhos
parasitários cessem. Mas essa não é a perspectiva dos
trabalhadores. Para nós interessa conhecer todo o conjunto das
atividades sociais, porque interessa que fiquem bem claras as
relações sociais de produção da riqueza, onde a atividade
produtiva - o trabalho - é fundamental. Os sujeitos da atividade
produtiva são fundamentalmente os trabalhadores. A prática e a
concepção de realidade e de sociedade desses trabalhadores, por
71
isso mesmo, divergem das formas de pensamento e de práticas
dos burgueses e dos latifundiários.
3. Precisamos entender como essas diferenças aparecem no
processo político regional, especialmente na área agrária.
Tomemos o caso da irrigação. Sempre se fala nela como natural
para o cultivo do arroz, principalmente porque essa atividade é
dirigida (não necessariamente executada) na sua maior parte por
grandes empresários. Com a irrigação se quadriplica a
produtividade dos arrozais. Isto é, com financiamento público
promove-se um ganho de produtividade para atividade controlada
por empresários, e isto parece natural. Não falamos, no entanto,
em irrigação do milho ou da soja dos colonos; soa como artificial,
como fora da realidade”. No entanto, se destinássemos para os
colonos que plantam milho, soja, trigo, batata, hortaliças, frutas,
etc. o mesmo volume de recursos enviados anualmente para os
negociadores do arroz, certamente teríamos modificado
substancialmente as condições de produção de nossos colonos.
Se os maiores têm direito a esse benefício tecnológico, por que os
trabalhadores camponeses também não podem usufruir dele?!
4. A empresa rural, por outro lado, é tocada a capital,
financiamento, juros e lucro. A unidade de produção camponesa é
tocada diretamente por trabalho do responsável pela posse e pela
sua família. Esporadicamente absorve trabalho de terceiros. O
trunfo dos camponeses é que eles são donos do seu trabalho.
Os empresários precisam contratar trabalhadores. Nas formas
atuais de distribuição isso é pouco significativo, mas numa
perspectiva de reconstrução democrática da sociedade, a
atividade produtiva social é a raíz social fundamental.
5. O valor dos produtos e das mercadorias está diretamente
relacionado com a atividade produtiva neles incorporada. Quando,
entretanto, um colono recebe R$0,02 por um pé de alface, que no
mesmo dia vai ser vendido a R$0,30 pelo comerciante, fica claro
72
para qualquer trabalhador que os dois centavos não traduzem em
preço o valor da atividade produtiva gasta para a produção
daquele pé de alface. Para os empresários, entretanto, interessa
apenas o preço das mercadorias. Para nós, ao contrário, é
fundamental sabermos a atividade produtiva que esteve na
origem da mercadoria, como forma de entendermos o valor da
mesma. Precisamos, na análise da agropecuária regional, termos
presente, portanto, que os preços nem sempre - poucas vezes,
inclusive - expressam o valor real dos produtos e mercadorias.
6. Pelo fato de sintonizarmos com “os de baixo”, é comum
cairmos na compaixão quando analisamos a produção de
algumas mercadorias. Produzir 1 litro de leite por vaca, hoje, com
o avanço da produtividade do leite que já temos, pode causar
pena, mas é uma relação produtiva onde o colono não tem como
receber da sociedade o valor pelo tempo de trabalho que ele
dedica a esta atividade. Nas indústrias de leite gerenciadas
exclusivamente na perspectiva do lucro, o empresário
simplesmente “corta” os produtores que não atendem um mínimo
de produtividade. Na perspectiva da administração popular, no
entanto, nos deparamos com uma situação que precisa ser
mudada, mas que não precisa, necessariamente, excluir ninguém.
Para nós se coloca a tarefa de discutirmos, com esses colonos,
alternativas de melhorar a produção, sob pena de os
condenarmos à miséria, mesmo que nos compadeçamos por eles.
O que está em jogo, e que é uma referência fundamental para
avaliarmos a atividade agropecuária regional, é o que chamamos
de custos socialmente necessários. A defasagem tecnológica
é facilmente entendida quando lembramos a discriminação sofrida
pelos colonos no recebimento de preços mais justos para os
produtos, e no recebimento de créditos para melhorar
tecnologicamente sua produção. Não tendo lhes deixado sobras
de ganho que pudessem ser aplicadas em tecnologia, o que
temos generalizadamente no Rio Grande do Sul e, especialmente
73
na nossa região, é um descompasso com melhores padrões de
produtividade para vários produtos que são oriundos quase que
exclusivamente das propriedades camponesas. Mesmo com
reclamações, os produtos das empresas rurais recebem muito
mais do que os nossos produtos coloniais.
7. A discussão sobre tecnologias apropriadas para os colonos,
e necessárias na perspectiva de resgate social do campesinato, é
fundamental num projeto de administração popular. Os padrões
de produção vigentes, por conseguinte, precisam ser muito bem
observados e analisados, e, finalmente, comparados com padrões
de custos e de produtividade ocorrentes em outras regiões e
áreas do país. Tome-se o exemplo da cebola produzida em SC.
8. Paralelamente, precisamos espraiar o crédito rural para os
pequenos e médios produtores rurais. O crédito rural, no entanto,
não pode ser entendido simplesmente sob a ótica dos banqueiros
ou da burocracia dos bancos estatais. Há muitas formas
diferentes de representação do dinheiro: ele pode significar, para
o empresário rural, salários que ele vai pagar para trabalhadores
como meio de se apoderar do trabalho deles e explorá-los. Para
um colono, pode significar simplesmente custeio para pagar a
subsistência dos trabalhadores de uma unidade de produção.
Pode também significar investimento em tecnologias que
possibilitam maior produção social: redes de irrigação, por
exemplo. Cada situação diferente exige que se avalie de forma
também diferente a forma de empréstimo, de parcelamento, de
retorno do dinheiro público (em dinheiro, em infra-estrutura de
produção mais qualificada, etc.). Sobre isso pouco se discute. A
clareza sobre o dinheiro público e sua destinação produtiva deve
embasar políticas mais adequadas de financiamento
agropecuário. Qual o retorno social que se espera num projeto de
desenvolvimento agropecuário? Pode ser retorno em dinheiro,
mas pode ser também na dotação de uma área coletiva com infra-
estrutura de produção mais desenvolvida.
74
9. Na análise da agropecuária regional, há uma particularidade da
agropecuária camponesa que se faz presente e que precisa ser
bem entendida, sob pena de compreendermos apenas
superficialmente a produção colonial. Numa empresa, todos os
passos da produção são mediados pelo dinheiro. Os salários, os
equipamentos, os insumos, os impostos, etc., tudo é pago com
dinheiro. Na unidade de produção camponesa, os colonos
convertem monetariamente apenas parte da produção. Isso é
fonte de fragilidade social, mas também de resistência maior do
colono frente aos comerciantes, industriais e o próprio governo.
Como é que os colonos conseguem continuar vendendo leite,
quando tantos tambos bem organizados estão indo à falência?
Uma das respostas está no fato de que, no tambo empresarial,
tudo é pago a dinheiro e, o dinheiro provém da venda do leite. Se
diminuir o preço do leite ou aumentar o preço dos insumos,
portanto, pode levar à falta de dinheiro para pagar trabalhadores,
insumos, equipamentos, matéria-prima, etc.. No caso dos
colonos, mesmo que ocorra a diminuição da entrada do dinheiro,
eles podem resistir produzindo porque uma parte importante do
custo do leite é gasta em trabalho do próprio colono: ele ou
alguém da família produz a comida para si, planta pasto ou
forragem para as vacas, constrói e conserta a estrebaria. Isso
custa trabalho, não diretamente dinheiro. Como o colono tem
trabalho, ele apenas gasta mais trabalho, pode ser mais
explorado até, mas não vai à falência tão facilmente como o
empresário. Essa particularidade dos colonos nos leva a observar
melhor as diferenças entre custos monetários e não-monetários
de produção.
10. Essas reflexões sobre as particularidades da atividade
camponesa e suas relações com custos sociais, tecnologia,
financiamento, abastecimento, etc., nos colocam uma outra
referência importante para avaliar a agropecuária colonial: não
podemos partir dos produtos isoladamente, mas da unidade de
75
produção e da dinâmica interna do trabalho familiar. A unidade de
produção, por outro lado, pode corresponder às dimensões da
propriedade. Mas quando os colonos optam por socializar a
produção de alguns produtos - aumentar a escala da área de soja
para mecanizar plantio e colheita; juntar as vacas de vários
colonos para viabilizar uma ordenhadeira ou resfriador de leite,
etc. - a unidade de produção precisa ser definida
apropriadamente. Como muitas vezes se socializa algumas
atividades e outras são desenvolvidas individualmente por cada
família, temos que prestar mais atenção para não generalizarmos
áreas de abrangência às vezes muito diferentes.
11. Procurando terminar essas observações, provocações para
discussão com o grupo, precisamos analisar as estatísticas
oficiais tais como são: indicativos de relações sociais, apontam a
realidade e não são a realidade. Nesse sentido, as informações
que tivermos sobre a agropecuária regional precisam ser tratadas
como representações e indicações de relações sociais e humanas
que precisam ser observadas e explicadas, porque é pela
atividade humana que se entende como a realidade social é
construída, e às vezes, para alguns grupos e para os
trabalhadores em especial, equivocada ou sacanamente
construídas. O eixo da economia é, principalmente na perspectiva
dos trabalhadores, a atividade produtiva, e, mais detidamente,
são as relações de trabalho, relações sociais de trabalho,
relações humanas de produção, relações sociais dos homens
entre si.
Entender os homens pelas formas que pensam-o-que-fazem, pelo
que fazem e comparando socialmente o que particularmente fazem. Essa
pode ser uma diretriz para não nos perdermos na análise da agropecuária
regional”. (texto elaborado por KIELING, J.F., para o seminário regional de
articulação das políticas agrárias e agrícolas do governo do Estado, no início
da administração popular, em Pelotas, 10.04.1999).
76
Décimo Sexto Porto
Oziel Alves : Uma escola forjada na luta
Registrado no livro da história da Escola, encontramos um pequeno
resgate da organização do povo para que tivessem uma escola voltada para
a realidade que começava a nascer ali no distrito e que, além disso,
respeitasse os símbolos, as místicas, as músicas e a ideologia do próprio
movimento. A escola que se instalara ali sob a administração municipal
desconsiderava os valores e a cultura dos assentados. Foi assim que
algumas lideranças do local buscaram, junto à CRE, acertos para que o
Estado assumisse a manutenção da escola.
Embasados na temática Concepção de Educação e
Desenvolvimento, no princípio 5, que aponta a escola como espaço de
reflexão e construção do significado da apropriação e uso da terra no projeto
de desenvolvimento social, abraçamos a reivindicação da comunidade do
Assentamento Renascer.
Não foi uma tarefa fácil, apesar de o governo ter como uma
prioridade a educação do campo. Não havia parceria com o município para
manter o transporte escolar, nem tínhamos educadores e funcionários com
formação e ligação para assumir aquela realidade.. Houve momentos de
bastante tensão para que o Estado resolvesse os limites legais como, por
exemplo, o do banco de recursos humanos com inscrição específica para a
educação do campo, o do difícil acesso para os educadores, os do
mobiliário, recursos materiais, estrutura física. Coordenadores da CRE
ficaram “retidos” no assentamento até que a Secretaria do Interior,
juntamente com a Secretaria de Educação, encaminhasse as soluções para
os limites legais de um Estado que apenas de longe com a estrutura
herdada poderia atender as reais necessidades do povo. Com tal
77
mobilização o MST conduziu a SE a criar um banco de recursos humanos,
cujas inscrições possibilitavam uma seleção que desse conta de um perfil de
educadores comprometidos com a realidade rural.
A escola vingou.
Participou em vários momentos da etapa da Constituinte Escolar
onde, junto com a comunidade, foi construído, um Regulamento Interno. Deu
testemunho da sua organização e luta nas várias Conferências Regionais de
Escola do Campo que realizamos na região escolar. Em 2002 foram
construídas quatro salas de aula, atendendo uma necessidade de espaço
físico, visto que a escola funcionava somente na casa principal da antiga
fazenda, hoje uma das sedes do assentamento.
No Projeto Político Pedagógico é possível perceber toda uma
condição de consciência dos sujeitos que o elaboraram. Eles encaram e
assumem a educação como uma atividade política que tem que qualificar o
modo das pessoas do local conhecer e organizar seu modo de vida. Essa
radicalidade, é posta nos mínimos detalhes do documento ela está
presente na Apresentação e Caracterização da Escola, quando se refere à
forma de organização da comunidade; está no parágrafo principal da
Justificativa; transparece em todo o movimento de Diagnóstico da realidade;
explicita-se diretamente no item 5, discorrendo sobre a Visão de Educação,
Escola e Sociedade; define claramente as Tendências Pedagógicas a que
se filia, bem como a Filosofia da Escola, tudo sintetizado no Objetivo Geral e
nos Objetivos dos níveis de ensino e na Proposta Metodológica e na
Avaliação. As Metas e Ações, bem como os tópicos finais do regimento,
consubtanciam a proposta diferente e a legalidade singular desta escola
rural que se produz na relação intensa da escola com seu entorno social, se
enraizando e espraiando ao conjunto da comunidade. Isto tudo nos convida
a transcrevê-lo na íntegra. Este regimento é diferente da quase totalidade de
regimentos de escolas da região. O regimento da escola expressa essa
78
amarração entre educação e política e garante o rumo democrático da
mesma, como lemos nos objetivos aí colocados:
“respeitar e valorizar as experiências de vida dos educandos e de
suas famílias, fortalecer nos educandos, a postura humana e os
valores aprendidos: o inconformismo, a sensibilidade, a
indignação diante das injustiças, a contestação social, a
criatividade diante das situações difíceis, a esperança. Queremos
deste modo formar seres humanos com dignidade, identidade e
projeto de futuro”.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
projeto pedagógico
ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL OZIEL ALVES PEREIRA
PANTANOSO - DISTRITO CANGUÇU - DEZEMBRO DE 2006.
1. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO:
1.1 Escola: Estadual de Ensino Fundamental Oziel Alves Pereira
1.2 Entidade Mantenedora: Secretaria Estadual de Educação
1.3 Grau de Ensino: Ensino Fundamental
1.4 Endereço: Pantanoso - 2° Distrito
1.5 Município: Canguçu - RS
1.6 Ano de Exercício: 2007 a 2010
2 APRESENTAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA
A Escola Estadual de Ensino Fundamental Oziel Alves Pereira
encontra-se situada no Assentamento Renascer, uma distância de
setenta quilômetros da sede municipal da cidade de Canguçu.
O Assentamento Renascer é constituído por noventa
cadastrantes, isto é, noventa famílias, aproximadamente 450
(quatrocentos e cinqüenta) pessoas ligadas ao "MST" (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra), constituído cerca de sete anos por
provenientes de diferentes regiões dos estados do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina. São pessoas diferentes, com jeitos diferentes e
diferentes princípios religiosos, sendo membros de várias igrejas:
Católica Apostólica Romana, Evangélica Quadrangular, Assembléia de
Deus e Igreja Pentecostal, todos convivendo de forma respeitosa.
Pertencem às seguintes raças: 10% (dez por cento) a raça branca, 10%
79
(dez por cento) a raça negra e 80% (oitenta por cento) a raça amarela.
Cerca de 95% (noventa e cinco por cento) são alfabetizados, sendo que
destes 25% (vinte e cinco por cento) tem o Ensino Fundamental
Completo.
São famílias de baixa renda, vivendo predominantemente da
agricultura familiar. Produzem leite, milho, feijão, soja, mandioca,
morango, batata-doce, amendoim, mel para o comércio e criam gado
leiteiro e de corte. uma grande preocupação com a subsistência
familiar, cerca de 98% (noventa e oito por cento) das famílias possui
horta e pomar. Criando também aves e porcos para o consumo familiar.
É importante salientar que as famílias são organizadas em
núcleos, que se reúnem periodicamente para discussão de assuntos
relativos a organização do assentamento.
problemas com relação à manutenção das estradas por
parte do poder público municipal e o difícil acesso a recursos médicos,
no caso de doença.
Inserida neste contexto encontra-se nossa escola, com 83
(oitenta e trio alunos matriculados, cursando o Ensino Fundamental, no
ano de dois mil e seis. Funciona nos turnos da manhã e tarde.
Nossa história, enquanto escola começa em sete de maio de
dois mil e um. Poucos móveis, pouco espaço físico, a água era puxada
de balde de um poço antigo, construído por escravos, alunos sem
transporte escolar, chegando molhados, porque passavam por trilhos e
campos, uma vez que não haviam estradas.
Com o passar dos anos, fruto da construção coletiva,
começamos a deslumbrar novos caminhos, conquistando vitórias:
cercamento do pátio, parque infantil, transporte escolar, salas de aulas,
computador para uso da secretaria.
Muito ainda almejamos, em termos de equipamentos,
qualificação profissional, em busca de educação de qualidade, como
um processo permanente de formação de crianças e jovens mais
preparados para a vida.
3. JUSTIFICATIVA
A Escola Estadual de Ensino Fundamental Oziel Alves Pereira
têm como função principal respeitar e valorizar as experiências de vida
dos educandos e de suas famílias. Temos como propósito fortalecer nos
educandos, a postura humana e os valores aprendidos: o
inconformismo, a sensibilidade, a indignação diante das injustiças, a
contestação social, a criatividade diante das situações difíceis, a
esperança...
Queremos deste modo formar seres humanos com dignidade,
identidade e projeto de futuro.
4 . DIAGNÓSTICO DA REALIDADE
Vivemos num mundo capitalista, onde se procura obter
conhecimentos com o objetivo de conseguir posição social e retorno
financeiro, uma sociedade que usa a guerra como argumento e faz dela
meios para defender interesses políticos e religiosos. Um mundo
conturbado, onde a família, eixo central da sociedade, perde sua
identidade, gerando filhos sem valores, sem princípios.
80
As conseqüências da crise global interferem na situação
brasileira: menores abandonados, pais desempregados, baixo poder
aquisitivo, famílias desestruturadas, agricultura prejudicada por anos
consecutivos de secas.
Nossa comunidade escolar é afetada pelos fatores
anteriormente mencionados. Sendo uma comunidade recém formada,
passa por dificuldades com infra-estrutura. Tentando a organização
financeira, já tentaram várias opções de cultura, tendo em alguns casos
resultados poucos rentosos e de certa forma um desestímulo, e agora,
tentam na produção de leite, a aquisição de uma renda mensal para
custear os gastos mínimos como: energia elétrica, alimentação e
vestuário.
Quanto à educação, nossa escola tem a missão de
compartilhar o conhecimento e estimular o jovem a permanecer no
campo, desenvolvendo consciência crítica, de forma que seja capaz de
analisar as realidades rural e urbana, a fim de procurar novas técnicas
de produção, de respeito ao meio ambiente em busca de uma
agricultura ecológica auto-sustentável. Também desejamos que nossa
clientela interfira na sua comunidade, participando das decisões,
buscado soluções, mantendo boa convivência, tendo presente em sua
vida a religiosidade e os valores morais e éticos.
5 VISÃO DE EDUCAÇÃO, ESCOLA E SOCIEDADE
5.1 VISÃO DE EDUCAÇÃO
Educação é um dos processos de formação da pessoa humana.
Processo através do qual as pessoas se inserem na sociedade,
transformando-se e transformando a sua realidade.
VISÃO DE ESCOLA
Ambiente que leva em conta o conjunto das dimensões da
formação humana, onde o conhecimento é compartilhado e
sistematizado, tendo a tarefa de formar seres humanos com
consciência de seus direitos e deveres.
5.3 VISÃO DE SOCIEDADE
Ambiente no qual o indivíduo está integrado, produzindo e
reproduzindo relações sociais, problemas e propondo valores, alterando
comportamentos, desconstruindo e construindo concepções, costumes
e idéias. Onde o natural seja pensar no bem de todos e não apenas em
si mesmo.
6 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS
A escola segue algumas matrizes pedagógicas que norteiam
nossa prática e vivências fundamentais neste processo de humanização
das pessoas, que também chamamos de educação.
6 1 PEDAGOGIA DA ORGANIZAÇÃO COLETIVA
Nossa escola tem como desafio permanente difundir novas
relações de trabalho, pelo jeito de dividir tarefas e pensar no bem estar
81
do conjunto Cia comunidade escolar, e não de cada indivíduo em si.
A escola se organiza coletivamente através de novas relações
sociais que produz e reproduz valores, alternando comportamentos,
desconstruindo e reconstruindo concepções, costumes e idéias.
Construindo a aprendizagem organicamente coletiva torna o espaço
escolar uma janela aberta para a visão de um mundo novo, e de uma
cultura de pensar no bem de todos e não apenas de si mesmo.
6.2 PEDAGOGIA DO TRABALHO
Pelo trabalho nossa escola acredita que o educando
compartilha conhecimentos, cria habilidades e forma consciência. Em si
o trabalho é uma potencialidade pedagógica, e a escola torna-o mais
plenamente educativo, à medida que ajudamos nossos educandos a
perceber o seu vínculo com as demais dimensões da vida humana.
No cotidiano os educandos desenvolvem trabalhos na horta
escolar à fim de vivenciarem os conhecimentos na área da agricultura e
ajudarem no auto sustento da merenda escolar, cuidam da conservação
do ambiente mantendo o espaço da escola limpo, o lixo reciclado,
conservação do patrimônio escolar.
6.3 PEDAGOGIA DA ESCOLHA
Dizemos que uma pedagogia da escolha á medida que
reconhecemos que a comunidade escolar se educa, se humaniza mais
quando exercita a possibilidade de fazer escolhas e refletir sobre elas.
Ao ter que assumir a responsabilidade pelas próprias decisões os
indivíduos do processo educativo aprendem a dominar impulsos,
influências, e aprendem também que a coerência entre valores que
defende com as palavras e os valores que efetivamente se vive, é um
desafio sempre em construção vivido na escola.
6.4 PEDAGOGIA DA HISTÓRIA
A escola acredita que cultivar a memória é mais do que
compreender friamente o próprio passado. A pedagogia da história se
baseia em nuão ver a história somente como uma disciplina e passe a
trabalhá-la como uma dimensão importante de todo o processo
educativo.
A comunidade tem uma história que desencadeou-se em
movimento, pois todos as famílias vieram de diferentes comunidades e
passaram por diversos conflitos sociais até chegarem neste lugar,
sendo assim a escola tem o papel fundamental de manter viva e
sempre em pleno resgate esse processo vivido pela comunidade.
7 FILOSOFIA DA ESCOLA
Educar partindo do principio: Prática-teoria-prática, em busca
da construção de uma sociedade justa, igualitária, vivenciadora de
valores e conhecimentos socialmente úteis, almejando o
desenvolvimento integral do ser humano, sujeitos do contexto social e
capazes de transformar o ambiente em que vivem.
8. OBJETIVO GERAL
82
Ser espaço físico, pedagógico, político e cultural de formação
de sujeitos de plena cidadania e de consciência crítica, capazes de
produzir e compartilhar os conhecimentos, transformando-os em
aprendizagem concreta e viabilizadora. que venha a favorecer o
crescimento social da comunidade Assentamento Renascer, como
participar ativamente do desenvolvimento da região; contribuindo na
luta pela Reforma Agrária e na construção de um projeto popular.
8.1 OBJETIVOS DOS NÍVEIS DE ENSINO
8.1.1 ENSINO FUNDAMENTAL
Desenvolver a capacidade de aprendizagem, postura
pesquisadora, auto estima, valorização da terra para formação de
valores, fortalecimento dos vínculos familiares e convivência
comunitária, através de conhecimentos socialmente úteis, a fim de
exercer sua cidadania.
8.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
-Desenvolver a capacidade de organização dos educandos quanto à
preservação e limpeza do ambiente educativo, pontualidade, horários
da escola e o zelo ao patrimônio escolar,
-Vivenciar juntamente com a comunidade escolar, atitudes como
humildade, respeito, postura, disciplina, solidariedade e amor a terra;
-Buscar conhecimentos técnicos e científicos que possibilitem a
substituição dos agrotóxicos por uma agricultura familiar agroecológica
e auto-sustentável;
-Construir um ambiente educativo que vincule com a comunidade
através dos processos econômicos, políticos e culturais;
-Cultivar a memória coletiva do povo brasileiro, valorizando a dimensão
pedagógica da história da classe trabalhadora;
-Oferecer a comunidade escolar, momentos de estudo, a fim de
qualificar a atuação junto à comunidade escolar;
-Buscar a combinação entre teoria e trabalhos práticos como
instrumentos para desenvolvermos habilidades e conhecimentos
socialmente úteis á comunidade escolar.
9. PROPOSTA METODOLÓGICA
Queremos que os educandos possam ser mais gente e o
apenas sabedores de competências e habilidades cnicas. Eles
precisam aprender a falar, a ler, a calcular, confrontar, dialogar, debater,
dialogar, sentir, analisar, relacionar, celebrar, saber articular o
pensamento e o seu próprio sentimento, sintonizados, com a sua
história da luta pela terra, ou seja, cidadãos conscientes e capazes de
interagir na sociedade.
A proposta de educação de nossa escola tem ênfase em três
aspectos importantes na questão da metodologia de ensino: temas
geradores; prática-teoria-prática; e participação coletiva.
O estudo a partir de Temas Geradores como forma de tomar da
realidade concreta o ponto de partida do ensino, de superar uma
83
abordagem estanque e desatualizada do ensino/aprendizagem mais
atraente e significativo para os educandos. Sendo assim; esse método
de ensino torna o processo ensino-aprendizagem mais voltado às
necessidades e aos interesses populares.
Em linhas gerais podemos dizer que Temas Geradores são
assuntos ou questões extraídas da realidade. Em torno destas questões
são desenvolvidos os conteúdos e práticas no conjunto da escola. A
partir disso desejamos intervir concretamente na realidade.
Através da relação entre prática-teoria-prática, temos como
objetivo garantir que os educandos sejam estimulados a perceber como
se utilizam na prática social os conhecimentos que vão produzindo na
escola. Temos uma grande preocupação com a aprendizagem de
habilidades, conhecimentos práticos, que somente ações concretas
podem proporcionar.
Queremos um método que ensine não a dizer, mas também
a fazer, nas varias dimensões da vida humana.
A participação coletiva provoca os educandos a vivências e
assegura aos mesmos o direito de ter vez e voz no cotidiano educativo.
Os métodos de ensino ou a didática utilizada pelos educadores devem
incentivar os educandos a se assumirem como sujeitos do processo
ensino-aprendizagem: que têm opiniões, posições contestações,
questionamentos, dúvidas..., entre si, com os educadores, pais e
outros.
O dia-a-dia escolar deve ser espaço de concentração para o
estudo (silêncio fecundo), mas também da fala, da discussão, da
expressão de sentimentos.
A educação não é obra apenas da inteligência, do pensamento,
é também da afetividade, do sentimento. E é esta combinação que
precisa estar tanto no ato de educar, como no de ser educado e deve
ser o pilar da relação educador-educando, sustentado pelo
companheirismo e pelo respeito no sentido n profundo e libertador da
palavra.
10. PERFIL DO EDUCANDO QUE PRETENDE FORMAR
Queremos que o nosso educando seja capaz de:
sentir indignação diante de injustiças e de perda da dignidade
humana,
apresentar companheirismo e solidariedade nas relações entre as
pessoas; bem como respeito às diferenças culturais, raciais e estilos
pessoais;
planejar atividades e dividir tarefas, tendo disciplina no trabalho e
no estudo;
demonstrar sensibilidade ecológica e respeito ao meio ambiente;
praticar o exercício permanente da crítica e da autocrítica, bem
como a criatividade e o espírito de iniciativa diante dos problemas;
sonhar, de partilhar o sonho e as ações de realizá-la;
demonstrar atitude de humildade, mas também de auto-confiança.
11. METAS E AÇÕES
84
11.1 METAS
-Construir ambiente educativo onde todos os segmentos da comunidade
escolar sintam-se responsáveis pelo processo educativo e pela
conservação do patrimônio escolar;
-Conscientizar da importância do estudo, como fonte de conhecimento e
apta-afirmação;
-Estimular a participação da comunidade nas ações da escola;
-Ser espaço de interação e discussão conduzindo na busca de
alternativas;
-Ter todos os jovens em idade escolar, freqüentando a escola;
11.2 AÇÕES
-Realização de reuniões com todos os segmentos da comunidade
escolar para organização das atividades escolares;
-Coleta e seleção de lixo realizada pelas turmas;
-Realização de momentos cívicos semanalmente para entoação dos
hinos Nacional, do Estado, do Município e da Escola;
-Limpeza semanal no pátio da escola;
-Mutirão de limpeza no início do ano letivo;
-Disponibilização do prédio escolar para a realização de missas,
encontros religiosos, reuniões;
-Realização de oficinas de aprendizagem e capacitação, sobre
artesanato e agricultura ecológica;
-Realização de reuniões com o Conselho Escolar;
-Realização de reuniões com o Circulo de Pais e Mestres;
-Realização de palestras com o Conselho Tutelar, psicológicos e
pessoas da comunidade;
-Realização de visitas às residências;
-Coleta de doações para Entidades Assistenciais.
-Realização de eventos para a aquisição de recursos, a fim de realizar
passeios educativos;
-Organização de prestações de contas à comunidade escolar.
12 AVALIAÇÃO
Entendemos a avaliação como um processo contínuo e
cumulativo, contextualizado por toda a comunidade escolar. São
realizadas práticas avaliativas diagnósticas, investigativas,
participativas, levando em consideração o aluno como um todo, sua
85
bagagem cultural e as diferenças individuais.
12.1 EXPRESSÃO DOS RESULTADOS DA AVALIAÇÃO
A comunidade escolar optou pela avaliação somativa, sendo
que o ano letivo, tendo duzentos dias letivos e no mínimo oitocentas
horas, é dividido em três trimestres, ao primeiro trimestre é atribuído a
nota trinta, ao segundo trimestre a nota trinta, ao terceiro trimestre a
nota quarenta. Ao final do ano letivo, os educandos deverão atingir
como somatório 60 (sessenta), no mínimo.
12.2 EXPRESSÃO DO RESULTADO DA AVALIAÇÃO DE ALUNOS
TRANSFERIDOS
No caso de transferência recebida, a escola oferecerá
instrumento de avaliação (prova), com conteúdos referentes a série em
que se encontra, relativo ao período letivo transcorrido. Ao aluno
recém chegado, caberá conseguir sessenta por cento de
aproveitamento.
Será reclassificado de acordo com o aproveitamento
demonstrada.
12.3 ESTUDOS DE RECUPERAÇÃO
A avaliação como já descrevemos é processo continuo,
devendo prevalecer os aspectos qualitativos sobre os quantificativos.
Com base neste pensamento o estudo de recuperação é oferecido a
todos os educandos, sempre que o educador notar deficiências no
processo, é paralelo.
Se ao realizarem o instrumento de avaliação proposto pelo
educador, um dos educandos não conseguir 60% (sessenta por cento)
de aproveitamento ou a turma de educandos demonstrar interesse em
rever as dificuldades verificadas através do instrumento de avaliação
utilizado pelo educador, o mesmo oferecerá aos educandos atividades
diferenciadas sobre os conteúdos estudados anteriormente, após este
estudo de recuperação, oferecerá novamente outro instrumento de
avaliação tendo o mesmo valor do anterior (nota), prevalecendo a nota
maior.
12.4 CLASSIFICAÇÃO DOS ALUNOS
12.4.1 PROMOÇÃO
Ao final do ano letivo, os educandos que cursarem, com
aproveitamento de sessenta por cento e apresentando a freqüência
mínima de setenta e cinco por cento do total de horas letivas, serão
promovidos a série seguinte.
12.4.2 INDEPENDENTE DE ESCOLARIZAÇÃO ANTERIOR
Quando o educando chegar a escola sem nenhuma
documentação, a mesma utilizará como instrumento de avaliação,
entrevista com os pais ou responsáveis pelo educando e com o mesmo;
utilizará como instrumento de avaliação, provas com conteúdos
referentes a série, ano ou etapa, que diz se encontrar, relativo ao
86
período letivo já transcorrido.
O educando deverá ter aproveitamento de sessenta por cento
e será classificado de acordo com o seu estágio de conhecimento e
suas possibilidades de crescimento.
12.4.3 POR TRANSFERÊNCIA
A partir do artigo número vinte e três, parágrafo primeiro da
Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional, a escola tem
autonomia para utilizar mecanismo de avaliação para situar o
educando que chega a escola sem documentação. Sendo utilizados
pelo estabelecimento de ensino os mesmos recursos descritos no item
1-2.4,
12.4.4 RECLASSIFICAÇÃO
Entendemos a escola como uma instituição de povo e para o
povo, cuja principal meta é incluir. Com base neste pilar de
sustentação, a escola toma como princípio a reclassificação, ou seja,
poderemos usar esta possibilidade para situar o educando recebido por
transferência, visando integrá-lo no espaço - tempo adequado ao seu
estágio de desenvolvimento e as suas possibilidades de crescimento.
Será realizado o mesmo procedimento previsto no item 6.4.2.
12.4.5 APROVEITAMENTO DE ESTUDOS
Caso algum educando procure a escola trazendo comprovante
de estudos concluídos com êxito, em uma ou mais disciplinas do ensino
fundamental, a ~a aproveitará esses estudos e dispensará o mesmo da
freqüência a estas aulas.
12.4.6 ESTUDOS DE ADAPTAÇÃO CURRICULAR
Quando o estabelecimento de ensino for procurado por um
educando (a), constatando em sua documentação, o estudo de Língua
Estrangeira Moderna diferente daquela oferecida pela escola, ou a falta
de um componente curricular, o nosso estabelecimento oferecerá
estudos compensatórios, em turno inverso ao que o educando
freqüenta á aulas, a fim de que o mesmo tenha condições de
acompanhar o desenvolvimento da disciplina, junto aos colegas.
12.4.7 AVANÇOS NAS SERIES E CURSOS
Se o educando(a) apresentar desempenho superior ao
esperado para a série que freqüenta, superando todos os objetivos
propostos pelo(s) educador(ES), ao mesmo se oferecida a
possibilidade de avanço para outra série, mediante verificação de
aprendizagem, através de realização de entrevista e aproveitamento
superior a sessenta por cento (60%) no instrumento de avaliação
(prova) ub7i , Será desenvolvido com o educando (a) provas de todas
as disciplinas da série que esteja cursando, contendo conteúdos
estudados durante todo o ano letivo.
87
12.4.8 CONTROLE DE FREQÜÊNCIA
Um educando será promovido para a série seguinte se tiver
freqüência igual ou superior a setenta e cinco por cento da carga
horária anual. 0 controle de freqüência é registrado em livros de
registro, de uso dos educadores, os quais ficam arquivados ao final do
ano letivo, na Secretaria da escola.
Quando as faltas do educando gerarem perigo de reprovação,
os pais serão convocados para reunião na escola e serão comunicados
do perigo de reprovação do(a) filho(a). Caso as faltas continuem, o caso
é encaminhado ao Conselho Escolar. Se assim mesmo o problema
continuar, será encaminhado ao
Conselho Tutelar, a fim de que o mesmo tome as providências
de acordo com a lei vigente.
12.4.9 ESTUDOS COMPENSATÓRIOS DE INFREQÜÊNCIA
Para os educandos infreqüentes, será oferecido atividades
compensa~ presenciais em turno inverso ao seu horário de aula.
Será elaborado um projeto como planejamento das atividades
para cada caso de infreqüência.
12.4.10 DOCUMENTAÇÃO ESCOLAR
Ao término do ensino fundamental a escola conferirá
certificado de conclusão do ensino fundamental, como também
histórico escolar em duas vias.
12.4.10 TRANSFERÊNCIA ESCOLAR
12:4.10:1:1 TRANSFERÊNCIA EXPEDIDA PELA ESCOLA
Será concedida a transferência do educando em qualquer
época do ano letivo, mediante solicitação escrita do responsável pelo
educando, ou do próprio educando, quando o mesmo for maior de
dezoito anos de idade. Quando o educando for menor de dezoito anos,
os pais ou responsáveis devem apresentar documento que comprove
que o referido educando continuará estudando, devendo apresentar
atestado de vaga do estabelecimento onde o educando prosseguirá
seus estudos.
A escola fornecerá Histórico Escolar das séries concluídas e
cópia da ficha individual do aluno, contendo o aproveitamento e a
freqüência do educando até o fechamento do último trimestre que
freqüentou no estabelecimento de ensino.
12.4.10.1.2 TRANSFERÊNCIA RECEBIDA DE ESCOLA.
A escola segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, e entendendo a educação inserida num projeto popular,
receberá transferências de educandos de outros estabelecimentos de
ensino, em qualquer período do ano letivo.
13 CONCLUSÃO
88
Ao concluir este trabalho, afirmamos que nossa escola precisa
ser um espaço aberto onde todos os sujeitos sejam estimulados ao
exercício da escolha, mas pequenas e nas grandes coisas, de modo que
assim aprendam a cultivar valores e a refletir sobre eles, o tempo todo.
Somente assim seremos a escola que somos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARROYO, Miguel Gonzáles. A educação básica e o movimento
social do campo. Belo Horizonte, 1999.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar. Petrópolis: Vozes, 1999.
FREIRE, Paulo, Pedagogia da Autonomia. 2a ed. São Paulo: Paz e Terra,
1997.
MST. O que queremos com as Escolas dos Assentamentos. Cadernos de
Formação, n. 18, São Paulo, 1993.
MST. Princípios da educação no MST. Caderno de Educação n° 8. São
Paulo. 31 edição: janeiro de 1999.
MST. Como fazemos a Escola de Educação Fundamental. Caderno de
Educação n° 09. São Paulo: novembro de 1999.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Nos diferentes espaços com os quais mantive vínculo, um deles na
própria Coordenadoria de Educação tive oportunidade de visitar diferentes
escolas com propostas pedagógicas diversas. No entanto, é comum na
escrita serem colocadas propostas muitas vezes até para contemplar
exigências da mantenedora que, na realidade, não se concretizam. No
caso da Oziel, ao contrário, há explicitação de um projeto político
pedagógico efetivo. O desencadeamento das ações propostas, de certo
modo, já colocam o PPP aquém do que o grupo vem realizando. Hoje os
limites postos estão vinculados a falta de estrutura em decorrência do que
vem se processando no resto do Estado.
Considero importante observar os dados que seguem, no período
que compreende 2001 a 2008, para analisar as condições de trabalho dos
professores e funcionários da escola bem como os limites da ação
89
pedagógica mais qualificada tendo em vista o desatendimento das reais
necessidades :
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Número de
Educandos
73 75 87 76 80 77 82 *80
Número de
funcionários
02 02 02 03 02 02 02 *01
Número de
professores
07 08 06 05 06 05 *05 *05
* Os dados coletados correspondem ao período dos meses de março e abril de 2008.
A relação com os sujeitos do Renascer foi se fortalecendo com as
idas ao assentamento.
Em outubro de 2007, faleceu o Professor Nataliever que veio a ser
substituído pela professora Cleci, as idas até a coordenadoria fez com que
outras reivindicações fossem colocadas em pauta, pois. neste mesmo
período foram enviados a escola funcionários, uma para atuar na secretaria
e outra para a merenda, o que demonstra que somente quando faltavam um
mês e meio para findar o ano letivo a escola teve o atendimento do poder
público, no caso a 5º CRE.
As turmas funcionaram com multisseriação, visto que o número de
professores era insuficiente para atender oito adiantamentos o que
comprometeu a qualidade do ensino, pois o tempo para estudar, planejar e
pesquisar os conteúdos ficou curto, comprometendo a qualidade no
desenvolvimento de tais atividades.
A pesquisa foi se consolidando, reforçando uma opção inicial de
trabalhar inicialmente com grupos focais, mantendo fóruns permanentes de
debates com estudantes, professores e lideranças. Foi com os estudantes,
inclusive com alunos que hoje estão estudando fora do assentamento, que
mais fortemente consolidamos esse processo de participação na pesquisa
do entorno. Nas reuniões, os estudantes relatavam as dificuldades, por não
90
terem professores e funcionários suficientes. Devido à falta de recursos, as
tarefas como "carpir" a horta ou o entorno da escola, limpar os banheiros,
salas de aula e demais dependências da escola, bem como a feitura da
merenda eram realizadas por eles. Mesmo que realizassem essas atividades
com certo entusiasmo, tinham a consciência do direito que lhes era negado.
Essas percepções estão em relatos como o que é destacado abaixo.
91
92
Décimo Sétimo Porto
As Festas: uma aportagem obrigatória
Encontro dos sem terrinha.
Em três momentos significativos acompanhamos a comunidade
Renascer em diferentes celebrações: a primeira foi no encontro dos sem
terrinhas, onde consegui trabalhar com a dimensão do que efetivamente
representava a escola Oziel Alves na vida das crianças e das famílias, toda
a organização do encontro ficou sobre a responsabilidade da gurizada, ou
seja eles acolheram as crianças dos outros assentamentos em suas casas,
organizaram o cardápio e serviram os diferentes grupos. Os alunos da
série propuseram, junto com os professores, as atividades de construção
dos conhecimentos, como a dramatização da ocupação de uma fazenda
onde muitos meninos e meninas reviveram situações de sua vida real,
dramatizaram as estratégias de enfrentamento destas experiências, com um
diferencial, revendo aquilo que não foi satisfatório para a luta e aquilo que
consideravam fundamental para a consolidação do movimento, construindo
com os sem terrinhas as alternativas para superação de situações
desfavoráveis ao movimento. Existe uma consciência de que em um
determinado momento eles também irão para os acampamentos, como os
seus pais, lutar por um pedaço de terra, portanto deverão estar preparados
quando esse momento chegar. Durante o encontro as crianças junto com o
Professor Arlei construíram uma pracinha com piques, pneus, pregos e
parafusos, tinta, furadeira, cerrotes e pás. É incrível descrever tal atividade o
grupo pegou o material dirigindo-se ao local onde hoje se encontra a praça,
lá chegando pareciam um bando de gralhas, no entanto até o final do
encontro estava de pé as balanças, gangorras, escorregadores, brinquedos
para desenvolver o equilíbrio e tudo muito colorido, eles trabalharam com
vontade, voltavam para as refeições animados e as mãos manchadas de
93
tinta. Outra atividade que vale a pena destacar foi as discussões nos grupos
com temas por eles escolhidos e a criatividade dos grupos de trabalho ao
escolherem a forma de apresentação do debate para o grande grupo.
A formatura
Uma segunda celebração a qual tive a oportunidade de acompanhar
foi em dezembro de 2007 na formatura da série, foi um grande
acontecimento para toda comunidade que ocupou a sala de entrada da
escola. Cheguei no assentamento por volta das 8 horas da manhã , os
estudantes organizados se responsabilizavam por diferentes atividades,
alguns enchiam os balões e ornamentavam o salão da entrada onde seria a
celebração, outros pintavam um enorme painel com o lema que a turma
havia escolhido: -Somos sementes que a Oziel Alves plantou-, indagados
pela diretora sobre o sentido desta afirmação eles respondiam: -aqui nós
aprendemos valores como solidariedade, responsabilidade, respeito,
colaboração, esperança, aprendemos nos organizar na luta- Eram meninos
e meninas encharcados daquela realidade e de vida. Não era uma mera
formalidade o que ocorria naquela noite. As homenagens ao Professor
Nataliever , que havia deixado o assentamento após um violento acidente,
emocionava a todos, compuseram poesias e músicas, cantaram a dor da
ausência. Os formandos foram homenageados por todos, mas de modo
especial pelo Professor Arlei que compôs uma música para eles.
Reafirmaram os compromissos da luta pela terra e entoaram “Para não dizer
que não falei das flores”, o canto ecoava fora do salão onde a comunidade
se acotovelava na porta, para participar da celebração.
O Futebol
Na casa do Professor Arlei foi construído um campo de futebol, em
vários momentos a meninada dizia que não havia muita coisa para fazer no
assentamento, mas costumavam se reunir na casa do Professor. Os times
se organizam cedo, times femininos e masculinos e principalmente aos
94
domingos é organizado os campeonatos, é sempre uma mostra, de vários
pontos do assentamento as pessoas participam, trazem cadeiras e
chimarrão As conversas não giram somente em torno do jogo, mas se
discute sobre a escola, o aprendizado da criançada, a produção, ocorre
trocas de sementes e mudas, negocia-se o trabalho com o trator e o arado,
visto que nem todas as famílias possuem as ferramentas necessárias para
arar e plantar na terra.
Décimo Oitavo Porto
Construindo mapas e percorrendo caminhos
Refletindo sobre como poderíamos conduzir o trabalho, nos damos
conta de um grande mapa do projeto, pendurado na sala de entrada da
escola. Algumas colegas do GAPE utilizaram com proveito a estratégia de
registro da diversidade do local e da forma própria como as pessoas a
percebem. Conversamos com os nossos pesquisadores e eles bancaram a
idéia. Construímos outros mapas, privilegiando os conhecimentos que os
meninos e as meninas tinham do assentamento.
O primeiro dos mapas abaixo é o que situa os visitantes da escola
no contexto do assentamento. Os demais foram escolhidos a partir da
produção dos alunos.
95
96
O processo foi rico, pois no lugar dos números nos lotes eles
identificavam as casa, indicavam as famílias, o que produziam e como cada
membro das famílias se envolviam no trabalho coletivo no lote. Os limites
foram aparecendo. O sentimento era de como era importante essa pesquisa
para desvendar a forma comprometedora com que as famílias estavam se
envolvendo com programas e telenovelas, enxergando situações e
necessidades de construir estratégias para enfrentar a influência da
televisão, pois a presença do projeto luz para todos, na avaliação dos grupos
focais trouxe a possibilidade da ordenha, dos tanques de resfriamento do
leite, da conservação do abate, dos estudos na noite, mas também trouxe
junto a invasão da televisão.
“O trabalho nos lotes depende da organização familiar, é preciso
manter um certo ritual, na hora do entardecer quando os animais
se aquerenciam as famílias tem que cuidar da ração para o
bicharedo do quintal, prover a última refeição para que todos
recuperem as energias, colocar a prosa em dia e ganhar o rumo
da cama. Esta disciplina garante maior quantidade de leite, a roça
fica melhor cuidada, enfim o lote tem condições de produzir mais”.
(Rivail, um dos coordenadores no Renascer)
Após uma primeira discussão com os grupos focais e resgatando os
temas que foram apontados na pesquisa, aprofundamos o debate,
construímos as redes.
97
Em janeiro de 2008, se consolidou um grupo de pesquisas formado
por professores e estudantes. Buscamos referências no ABC do método
Paulo Freire, relatado por Brandão (2004, p. 21-113). O texto é simples e
orienta a pesquisa participante enquanto um movimento que relativiza
questionários prévios e aponta a necessidade de, isto sim, ter "caderno de
campo na mão, olhos e ouvidos atentos, se possível (se adequado)
gravador em punho. As pessoas do programa de educação misturam-se
com as da comunidade. Se for viável habitam sem molestar o seu cotidiano".
No assentamento Renascer, dividimo-nos em grupos e percorremos
os três bolsões (uma forma de divisão do assentamento como se fossem
distritos). Entrevistamos as 92 famílias assentadas (depois disso, houve a
perda de duas famílias) seguindo alguns temas-guia como: a produção, a
educação, o trabalho, a saúde e o meio ambiente, a organização familiar, a
religião, a cooperativa. A partir deles, o movimento das perguntas e dos
debates alcançaram outras dimensões da vida: os casos e acontecimentos
do lugar, o jeito de viver e compreender o mundo, etc..
Na entrevista com o Lúcio, um dos coordenadores da Cooperativa
Terra Nova, ele reforça as questões que vimos levantando da solidariedade
para superar o capitalismo, vencendo a propaganda enganosa do
agronegócio, criando alternativas desde a produção e comercialização de
uma economia sustentável. E diz:
“A criação da cooperativa surgiu com as instâncias do movimento,
representação por assentamento que nós criamos para discutir, a
linha de produção, a organicidade dos assentamentos e neste
contexto que nós vínhamos discutindo a organicidade dos
assentamentos, nós temos o setor de produção, e aí incluindo
nele as linhas de produção de sobrevivência das famílias
assentadas. E as linhas de produção que nós batalhamos e
lutamos são para produzir o alimento, em primeiro lugar
procuramos produzir um alimento limpo, puro, para não incentivar
que tenham agrotóxicos, nem sementes crioulas. Nesse sentido
98
nos viemos debatendo na região de Canguçu, com 463 famílias
assentadas e num período já de seis anos, as linhas de produção,
as alternativas para poder enfrentar o grande agronegócio que
vem nos empurrando com propagandas enganosas e muitos
agricultores caem nessa lábia deles e nós vínhamos fazendo esse
debate. As famílias produzindo feijão, milho, mel, leite, açúcar, da
cana sai o melado e uma das preocupações nossas com as
famílias todas produzindo, mas estamos vendendo para o
primeiro que chega ao assentamento e ai a pessoa tem comprado
a preço de banana explorando as famílias e nós vamos fazendo
esse debate, incentivar a produção, mas buscando também a
comercialização”.
Lúcio discute um pouco das contingências que os trabalhadores se
defrontam para manter o trabalho da cooperativa e poder avançar:
De inicio não foi fácil porque nós tínhamos que iniciar com um
produto então começamos com o leite, procuramos a COSULAT
que é uma parceira nossa para entregarmos a produção,
começamos com quatrocentas e poucas famílias 43 delas
entregando o leite porque digamos aqui em Canguçu para quem
conhece a realidade a extensão dele é bastante grande pegamos
o quinto distrito aqui que dá 90 quilômetros da cidade e para as
famílias era difícil ter uma cooperativa que fizesse esta cota lá
pela precariedade das estradas, então nós tivemos a ousadia e
coragem de criar uma rota para fazer com que essas famílias que
se encontram assentadas lá a essa distância da cidade ou seja 90
quilômetros pudesse produzir e que chegasse o caminhão lá para
recolher essa produção, iniciamos com 43 famílias entregando 12
mil litros de leite hoje após um ano de cooperativa nós já estamos
com duzentas famílias produzindo 100 mil litros de leite, estamos
no caminho certo porque as famílias estão vindo, estão
produzindo mas ainda queremos alcançar o nosso objetivo que é
maior,estamos na conquista, estamos trabalhando para
99
isso;então, no inicio dessa parceria com a COSULATI eles
disponibilizaram caminhão pra fazermos a rota até nós podermos
adquirir um caminhão,nós conseguimos comprar um caminhão
através da nossa Cooperativa, nós estamos hoje fazendo a rota
com o nosso caminhão com as nossas estruturas e temos mais
um outro caminhão que está chegando para nós que foi
conseguido através de uma emenda do deputado Adão Preto”,
Na entrevista conversamos sobre se todas as famílias estavam
produzindo, qual a abrangência da ação da cooperativa. Lúcio afirma que:
“Nós temos algumas famílias que ainda não estão produzindo
devido a nós termos acessado o crédito e algumas famílias terem
investido em outras linhas de produção que não o leite, então hoje
para você investir no leite deveria ter um crédito e aí está difícil de
acessar hoje, nós pegamos o PRONAF-A, mas quando pegamos
uns fizeram o galpão, outros investiram em gado de corte, na
lavoura, no açude, e assim por diante. Então agora nós estamos
trabalhando junto com a companheirada, com os nossos
cooperados, assentados, que o crédito que nós conseguimos
pegar, aquelas famílias que querem começar a produzir leite,
comprar vaca de leite, começar se estruturando nessa linha; e a
nossa cooperativa buscou, também nesses últimos anos um
crédito para construirmos um moinho, que nós temos no
Distrito, e que agora nesse ano recebemos a verba de
aproximadamente R$ 100.000,00 reais para terminarmos a
construção que até o momento nós estávamos secando e fazendo
a limpeza, limpava e secava a produção. Nós queremos ainda
fazer mais, fazer farinha, quebrar os produtos, queremos
aumentar a nossa atividade lá na microrregião. Agora no início do
ano a empresa já entrou numa licitação e ganhou e vai iniciar a
obra para concluirmos o moinho ainda este ano. Juntamente
apresentamos também este ano para o governo federal o projeto
da casa do mel que está sendo construída no Renascer,
100
A escola ocupa um lugar fundamental na organização da
comunidade o desafio é formar gente, sabedores de conhecimentos
acumulados pela humanidade, capazes de empoderar os sujeitos para ler e
escrever, duvidar sentir analisar, formar um sem terrinha com pensamento e
sentimento próprio. Os estudantes e os professores levantavam uma
preocupação com a pouca participação da comunidade nas reuniões e
atividades da escola
Por outro lado as famílias tem um profundo respeito pelo que a
escola já desenvolveu como quando a dona Eva afirma: "o meu menino
tinha dificuldade de aprender, mas ele foi indo e a professora pegava ele no
colo, hoje ele já sabe ler e escrever, vai bem". Percebem a necessidade da
implantação de uma escola de ensino básico completa como afirma o senhor
Adão: " tem que botar mais para adiante por que muitos não tem como ir
para a cidade". Outros apontavam que os estudantes que iam para outro
lugar estudar não retornavam para o assentamento, pois buscavam novos
meios de trabalhar.
Um dos grandes problemas enfrentados foi a falta de água, a
produção ficou comprometida, havia necessidade de carregar água para os
animais e mesmo a água para beber era de aspecto duvidoso. É importante
ressaltar a fala dos assentados, pois revela que as fontes de água são
suficientes, mas não existe sistema de irrigação. Na seqüência desta
pesquisa construímos as redes temáticas as quais serão debatidas em
assembléia realizadas na Escola Oziel Alves e retirados os temas geradores
para serem trabalhados durante o ano letivo de 2008., esta atividade ainda
não se concretizou por que o poder público não resolveu o impasse na
obrigatoriedade da oferta de transporte escolar na zona rural.
101
Décimo Nono Porto
Constituição de um fórum de debates
Após uma primeira discussão com os grupos focais e resgatando os
temas que foram apontados na pesquisa, aprofundamos o debate,
construímos as redes.
No dia 14 de abril de 2008, discutimos e aprofundamos temas
previamente determinados com a participação da comunidade em uma
grande Assembléia. A metodologia utilizada naquela manhã foi de, ao
resgatar a investigação com as falas das famílias, indicar o caminho
percorrido pelos pesquisadores até a escolha dos temas que deram origem
às redes temáticas.
Apontando o Renascer como uma totalidade que é constituída por
várias abrangências diferentes, com destaque entre elas para
Produção/Cooperativa, Unidades Familiares, a Saúde através da Farmácia
Alternativa, Rede de Bacias de Captação da Água e, não menos importante,
Escola e Educação. Todas essas abrangências tinham a possibilidades de
serem articuladas com os processos de ensino aprendizagem desenvolvidos
no trabalho educativo da Oziel Alves. A assembléia decidiu-se pela
constituição de um Fórum permanente para democratizar as decisões, a fim
de que os assentados pudessem aprofundar as questões do seu modo de
vida cabocla, do seu agir, e pensando o já vivido, criar as possibilidades de
enfrentamento dos limites postos no seu vir-a-ser histórico, de qualificação e
participação nas decisões da Escola tendo em vista uma perspectiva bem
própria do assentamento: amarrar as duas pontas: conhecimento e
produção, conforme já registramos antes.
Das entrevistas nas unidades familiares pinçamos algumas falas que
consideramos uma verdadeira síntese das preocupações do grupo como um
todo.
102
“Na Escola eu pouco vou, mas o piá aprendeu a tratar com as
pessoas e a ser gente, a ter obrigações como cuidar da limpeza e
a não fazer queimadas” (Elisabeth - assentada)
“A Escola que foi colocada através do Olívio foi uma mão na roda,
porque se não o filho de assentado é reservado à exclusão”
(Élson - assentado)
“A Escola está bem, mas os pais têm que participar mais das
reuniões para ficar sabendo dos assuntos e decidir; a pouca
participação pode ser pelo horário “(Benjamin - assentado)
“A proposta da Escola é um grande avanço, mas pode melhorar,
se nos lotes tem experiências de plantações, inclusive com agro
ecologia, é preciso que essa criançada acompanhe esse trabalho
levando outras idéias para a horta na escola e para o trabalho no
seu lote” (Edgar – assentado)
“A Escola enfrenta alguns probleminhas como a pouca
participação, as vezes é por causa do horário das reuniões,
também por falta de vontade.O que mais me preocupa é a falta de
professores e a necessidade do grau os pia tem que ir para a
cidade e não volta mais ou então fica sem estudar como
acontece com muitos por aqui” (Jucele - Assentada)
“O que precisa na Escola é investir, plantar árvores, fazer horta de
chás para ter como tocar a Farmacinha, pois o médico e o
dentista só vem aqui se a farmácia abrir” .(Manoel - assentado)
Considero significativo resgatar a fala da Dona Sueli, analfabeta,
relata que freqüentou as turmas de alfabetização mas não conseguiu
aprender a ler, ela diz:
“Agora com a luz fico com inveja da minha nora que todos os dias
de noite pega um livro para ler, mas eu gostaria e é muito
aprender a ler”
103
Discutimos os dados da pesquisa que apontaram em torno de 23
analfabetos. A proposta que começou a nascer ali é ir consolidando um
projeto de Alfabetização de Adultos, semelhante ao processo levado a feito
pela equipe do Serviço de Extensã o Cultural da Universidade do Recife,
coordenada por Paulo Freire, e que foram utilizados no conhecido projeto de
alfabetização na cidade de Angicos, Rio Grande do Norte, em 1962. Isto é,
quer-se um processo rigoroso de pesquisa e familiarização sobre o contexto
de vivência, incluindo a pesquisa do universo vocabular e da semântica
própria dessas pessoas e do lugar, bem como o reconhecimento da
compreensão de mundo e da sintaxe própria desses potenciais
alfabetizandos.
A demanda educacional dos adultos, entretanto, pode se desdobrar
num processo de pós alfabetização que deveria ser planejado com as
próprias pessoas e preparado com o mesmo rigor da preparação da
alfabetização, embora com exigências próprias que levam adiante o
movimento de formação.
Coloco isso para mostrar que o processo colaborativo com as
pessoas do Renascer nã o se esgota nos limites desse tempo da
dissertação. A investigação-ação implica no estabelecimento de um
compromisso com aquela comunidade, de ombrear com eles nas demandas
que lhes são colocadas pela realidade do Renascer.
Após a apresentação das questões trazidas pela pesquisa, dividimos
a Comunidade em pequenos grupos para fazer uma discussão com as
questões levantadas, oportunizando o surgimento de outras questões. O
trabalho nos pequenos grupos apontou para o diagnóstico dos pontos fortes
e dos pontos fracos que teríamos que enfrentar para dar conta de
encaminharmos as ações seguintes.
Cada grupo tirou um redator e um relator. Posteriormente
reinstalamos a plenária. Os relatos dos grupos indicavam como pontos fortes
do assentamento a Escola, a Cooperativa, o Trabalho nos Lotes. Seguiram-
se alguns encaminhamentos de organização que poderiam potencializar o
104
papel da Escola como espaço para discutir, recuperar e sistematizar o
trabalho e demais práticas desenvolvidas pelas famílias nos lotes como o
cuidado com os animais, o abate, ...; com pomares; com culturas de
subsistência e que isto poderia se concretizar com a participação do
técnico que poderia ministrar as oficinas para grupos, agendar
acompanhamento direto com as diferentes famílias, oportunizando, com
isso, uma itinerância que garantisse vincular os conhecimentos populares
com os saberes científicos.
O funcionamento da Farmácia Alternativa ficou vinculada à Escola e
à horta da própria escola, com a função de fornecer chás para a fabricação
de remédios, pomadas, e extender e aproveitar a experiência já
desenvolvida pela professora Isabel, continuando com a produção de xarope
de angico, etc.. É importante registrar que o material e os instrumentos para
o trabalho na elaboração dos remédios já existe, mas está desativado na
Casa Sede do bolsão 2. A mudança, acredita-se que irá dar certo, pois
existe credibilidade em relação ao trabalho da escola. Como o projeto tem
vínculos com a Secretaria Municipal de Saúde, a reativação garantirá o
atendimento médico e de um dentista, no próprio local da farmácia.
Em algumas entrevistas apareceu a questão ambiental - o problema
das queimadas, por exemplo - como algo que preocupa mas que o
fundamental em relação a esta questão diz respeito a existência de uma
área considerada a maior da América Latina, que é a Reserva de Angicos.
Assim diz o professor Arlei: “Existe essa área e o pouco que é retirado da
madeira, é retirado para lenha”. Mas nunca o Ibama veio aqui, não existe
nenhum tipo de política pública de preservação desse tipo único de recursos.
A preservação se dá pela consciência das pessoas, mas a nível de
instituição pública; nada, nenhum centavo veio para a preservação”, afirma o
Arlei
Uma alternativa levantada no fórum foi se não é possível contar
com os órgãos públicos –, a da possibilidade de fazer algo preventivo, ir
105
plantando mudas, deixando pegar corpo antes de usar economicamente e
como matéria prima medicinal.
Outro indicativo é continuar discutindo as possibilidades criadas com a formação
das cooperativas no / do campo. Elas vêem se consolidando como uma ferramenta de
defesa dos agricultores contra o comerciante, que, de modo um pouco dissimulado, se
atravessa como comprador e vendedor, explorando os camponeses, comprando a preço
irrisório o fruto do seu Trabalho e fornecendo produtos consumidos no assentamento com
margem bem polpuda de intermediação.
Hoje a Terra Nova tem o potencial de ampliar compra/venda num nível que vai
consolidando o camponês, permitindo o sonho de uma vida digna, criando barreiras para
os tensionamentos das constantes ameaças de proletarização que estão historicamente
submetido o camponês e seus descendentes.
Toda a riqueza do debate do fórum servirá para estabelecer um diálogo com as
diferentes linguagens que estão postas na proposta curricular da Oziel Alves, reorientando
as escolhas de conhecimentos acumulados pela humanidade.. Neste sentido dialogamos
com uma das categorias apontadas por Kieling (1999), ao indicar os processos de resgate
da identidade como construtor das nossas alternativas revolucionárias. Ele diz:
A esperança que se vê procede de alguns grupos que, de uma
forma ou outra, têm perseguido soluções alternativas para uma
retomada de projeto social em que se integrem como gente,
através de sua atividade social básica: atividade de produção
rural. As formas mais promissoras estão fundadas na
redescoberta e na criação de formas associativas de produção
mais radicalmente democráticas e não subordinadas a vivaldinos
populistas ou açambarcadores do esforço coletivo. este horizonte
a ser perseguido: criar formas de atividade que possibilitem a
integração ativa dos colonos e demais trabalhadores na
sociedade, como sujeitos sociais e não meramente como
capachos das elites.
Para criar as condições de dar conta e de contribuir com esse
debate e ter uma intervenção mais qualificada, recorremos a Ariovaldo
Umbelino de Oliveira .(Cf. OLIVEIRA, 1986, p. 59-83)
106
Embora as relações camponesas ocorram em uma sociedade capitalista,
consideramos importante a distinção que o autor faz entre a produção camponesa e a
produção capitalista.
Na produção capitalista, temos o movimento de circulação do capital expresso
nas fórmulas: D - M D na sua versão simples, e D - M - D' na sua versã o ampliada,
enquanto na produção do campesinato a fórmula: M - D - M, ou seja, a forma simples
de circulação das mercadorias, onde a conversão de mercadorias em dinheiro se faz
com o objetivo dos trabalhadores, no caso os camponeses, adquirirem novas
mercadorias. Parte da produção agrícola entra no consumo direto do produtor, como meio
de subsistência imediata, e a outra parte, o excedente, sob a forma de mercadoria, é
comercializada (Cf. IDEM, p. 69).
As relações camponesas possuem características que vão criando as
condições de possibilidade de romper com o estranhamento do trabalhador em
relação ao fruto do seu próprio trabalho, rompendo também com a ideologia capitalista
que reafirma o sujeito como mercadoria que faz parte dos meios de produção pagos
pelos capitalistas, o que acaba legitimando a necessidade do capitalista ficar com o
lucro, permitindo ampliar o capital e garantir o trabalho.
Vamos recuperar com Ariovaldo Umbelino de Oliveira (Cf. p.69-71) alguns dos
elementos estruturais que consideramos importantes para referenciar o diálogo com os
assentados do Renascer.
A força do trabalho familiar é o motor do processo de trabalho na
unidade camponesa; a família camponesa é um verdadeiro trabalhador
coletivo. A ajuda mútua entre os camponeses é a prática que eles
empregam para suprir, em determinados momentos, a força de trabalho
familiar; entre essas práticas está o mutirão ou a troca pura e simples
de dias de trabalho entre eles; esse processo aparece em função de os
camponeses não disporem de rendimentos monetários necessários para
pagar trabalhadores assalariados;
A parceria é outro elemento da produção camponesa decorrente da ausência
de condições financeiras do camponês para assalariar trabalhadores em sua
propriedade; assim o camponês, ao contratar um parceiro, divide com ele custos e
ganhos; é comum essa relação de trabalho aparecer articulada na produção capitalista
como estratégia do capital para reduzir os custos com a remuneração dos
trabalhadores; da mesma maneira, a parceria pode ser a estratégia que os pequenos
107
camponeses utilizam para ampliar a sua área de cultivo e conseqüentemente aumentar
suas rendas. Assim, a colaboração mútua é fundamental. É necessário como afirma
Rivailresgatar o puxerão, que garante o aproveitamento do trabalho, dispensando o uso
do dinheiro, possibilitando o aligeiramento dos processos, na roça, que dependem do
aproveitamento rápido das condições do solo ou das condições do clima.
A força de trabalho assalariada aparece na unidade de produção camponesa
como complemento da força de trabalho familiar em momentos críticos do ciclo
agrícola, nos quais as tarefas exigem rapidez e muitos braços; essa força de trabalho
assalariada na unidade camponesa pode, em determinados momentos, começar a ser
permanente, e o camponês passa, então, a combinar as duas forças de trabalho, a
familiar e a assalariada;
A socialização do camponês é importante elemento da produção camponesa,
pois é através dela que as crianças são iniciadas, desde pequenas, como personagens
da divisão social do trabalho no interior da unidade produtiva; quando criança
pequena, o camponês brinca com miniaturas de instrumentos de trabalho; quando
criança crescida, já trabalha com esses instrumentos;
A propriedade da terra é, na unidade camponesa, propriedade familiar, privada para
muitos, porém diversa da propriedade privada capitalista (a que serve para explorar o
trabalho alheio); na propriedade familiar estamos diante da propriedade direta de
instrumentos de trabalho que pertencem ao próprio trabalhador, é terra de trabalho, é
propriedade do trabalhador, não é, portanto, instrumento de exploração; nesse particular,
três situações podem-se colocar para o camponês: ele ser camponês-proprietário, ser
camponês-rendeiro (pagar renda para poder ter acesso à terra), ou ser camponês-
posseiro (recusar-se a pagar a renda e apossar-se da terra). Penso ser importante
registrar que as crianças, desde cedo, vão se tornando importantes para a produção
camponesa. Acompanhei a família de Sancristo, onde meninos e meninas vão para
a roça, tornando-se personagens na divisão do trabalho, no interior da unidade
produtiva. No caso do pequeno Daniel, ele acompanhava a família, brincava com a
terra, mas alcançava as sementes a serem plantadas. Vivenciava a pedagogia do
aprender pelas bordas.
A propriedade dos meios de produção - exceto a terra, na maioria dos casos os
meios de produção são em parte adquiridos, portanto mercadorias, e em parte
produzidos pelos próprios camponeses; como consumidor de mercadorias (instrumentos
de trabalho, por exemplo), o camponês se vê subordinado ao capital, que lhe vende
produtos caros e lhe paga preço baixo pelos produtos agrícolas;
108
A jornada de trabalho é outro elemento da produção camponesa a ser
distinguido, pois nesse caso não há rigidez de horário diário, como na produção
capitalista; a jornada de trabalho do camponês varia conforme a época do ano e
segundo os produtos cultivados. Assim, combinam-se períodos de pouco trabalho
(muito tempo livre, quando então o camponês pode desempenhar um trabalho
acessório ou produzir instrumentos de trabalho) e períodos de trabalho intenso (quando
muitas vezes nem mesmo o nascer e o pôr-do-sol funcionam como limites naturais
da jornada de trabalho).
O caminho para entendermos essa presença significativa de
camponeses na agricultura dos países capitalistas é pela via de que tais
relações não-capitalistas são produto do próprio desenvolvimento
contraditório do capital. A expansão do modo capitalista de produção, além
de redefinir antigas relações, subordinando-as à sua produção, engendra
relações não-capitalistas igual e contraditoriamente necessárias à sua
reprodução.
O segundo componente que atravessa esse processo de reprodução
é o Estado, que atua como agente distribuidor de terras em projetos de
colonização, e, ao fixar preços mínimos agrícolas, ou cotas de produção,
garante condições mínimas contraditórias para que o camponês se
reproduza.
E o terceiro, que nasce no seio do próprio campesinato e é
incorporado pelo Estado, diz respeito à formação das cooperativas no
campo. Estas nasceram no século passado, como instrumento de defesa
dos agricultores contra o comerciante, que, de certo modo atuando como
comprador e usuário, explorava os camponeses, levando-os "à
proletarização. Foi por isso que as cooperativas nasceram no campo
operando no setor do crédito e da comercialização. Assim, elas se
tornaram um instrumento de defesa tanto do pequeno como do grande
agricultor.
Desse modo, as cooperativas ofereciam as vantagens da compra/venda em
escala, consolidando e fortificando o camponês, e permitindo, assim, a sua reprodução, em
oposição à crescente proletarização a que está historicamente submetido.
109
Vigésimo Porto
Amadurecimento e conclusões possíveis neste tempo da
pesquisa
A travessia percorrida neste trabalho é processo marcado por todas
as contingências profissionais e de existência, de um tempo que resgatei na
saga da família Souza. Pareceu-me oportuno apontar algumas referências
com as quais dialoguei na trajetória e nos meus estudos. Neste sentido,
busco pelo sujeito que quero afirmar nos portos por onde passei. As
considerações de Marx sobre o processo histórico e a base histórica de
constituição dos processos emancipatórios foram motivos mais do que
suficientes para eu ir cercando essa referê ncia da historicidade, chave para
quem se propõe ser um educador intencionado (intensionado) pela
emancipação efetiva e revolucionária dos trabalhadores. Marx, na
Contribuição à Crítica da Economia Política, cujo excerto é colocado abaixo,
afirma positivamente a concepção dialética da história e a contrapõe à
idealização do passado operada pelos economistas como uma espécie de
causa motora dos desenvolvimentos. Diz:
“Trata-se ao contrário, de uma antecipação da "sociedade civil",
que se preparava desde o século XVI e que no século XVIII deu
larguíssimos passos em direção à sua maturidade. Nessa
sociedade de livre concorrência, o indivíduo aparece desprendido
dos laços naturais que, em épocas históricas remotas, fizeram
dele um acessório de um conglomerado humano limitado e
determinado. Os profetas do século XVIII, sobre cujos ombros se
apóiam ainda totalmente Smith e Ricardo imaginam esse
indivíduo do século XVI- produto, por um lado, da decomposição
das formas feudais de sociedade e, por outro, das novas forças
de produção que se desenvolvem a partir do século XVI - como
110
um ideal que teria existido no passado. Vêem-no não como um
resultado histórico, mas como ponto de partida da história.
(MARX, 1982, p. 3-4).
E que, segundo a concepção que tinham da natureza humana, o
indivíduo não aparece como produto histórico, mas sim como um dado da
natureza pois, assim, está de acordo com a sua concepção da natureza
humana. Até hoje, esta mistificação tem sido própria de todas as épocas
novas. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida
social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que
determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a
sua consciência (cf.).
Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças
produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção
existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações
de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de
desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em
obstáculos a elas. “E se abre, assim, uma época de revolução social.”
Tenho a clareza que as problematizações mais singelas são difíceis
de concretizar, em uma ação que rompe com o conservadorismo e afirma o
novo...
Percebo que permanecem algumas metodologias, iniciadas lá no
processo da Constituinte Escolar. A própria Oziel Alves, entre tantas outras
escolas, tirou uma radiografia da realidade do entorno e buscou entender a
complexidade das relações que aí se enraizavam à medida que a
comunidade Renascer foi se consolidando.
Quanto à articulação entre os planos de estudos e o entorno, a
escola mantêm isto como fundamental. A própria forma de organização dos
colonos coloca em destaque o papel social da escola baseado na
construção do conhecimento e do currículo, fundamentada na produção
111
econômica, política e cultural das famílias. É possível dizer que as políticas
gestadas na atual administração do Estado encaminham para uma realidade
de desmonte da Escola Pública no Rio Grande do Sul: basta atentar para os
dados da tabela da página 82 onde os recursos humanos chegaram só no
final do ano de 2008.
A clareza da proposta pedagógica, em bases freireanas, mantém a
escola, apesar do estudo, em relação dialógica com as expectativas, sonhos
e necessidades do assentamento e num crescente da luta pela terra do MST
como um todo.
As dificuldades oriundas das contingências da prática das pessoas
da escola e do assentamento recolocam questões que desafiam as
pessoas nos seus limites, a partir dos quais eles buscam ajuda. Esse é um
espaço que a universidade poderia se fazer mais presente: ajudar as
pessoas a repensar suas práticas e buscar referências que potenciem sua
percepção e capacidade de ação.
Toda a pesquisa encaminha para uma compreensão de porque a
prática de professores rurais da Escola Oziel Alves Pereira, localizada no
interior de Canguçu, possui uma densidade própria numa dimensão que
ultrapassa as formas daquela grandiosidade teatralidade revolucionária, mas
compatível com as contingências das suas práticas emancipatórias.
Podemos afirmar isto porque ela é uma prática onde os sujeitos estão
investindo numa perspectiva de tomar pé das relações em que estão se
envolvendo, tomando consciência do seu lugar, da sua importância nesses
movimentos, não se alienam nas relações em que vivem, se opondo como
algo estranho. Ao contrário os sujeitos no Renascer se apropriam dessas
relações e vão buscando dimensões progressivamente mais complexas, não
só como conhecimento, como consciência, mas como prática, como
enfrentamento prático da alienação daquelas dimensões que tentam fazer
do seu mundo e da sua prática uma coisa que seja estranha a ele. Fazendo
com que o seu modo de vida seja colocado para ele como outro mundo.
Essa condição assumida pelos sujeitos favorece um trabalho colaborativo.
112
Visto que eles percebem os limites da sua prática, conseguem visualizar em
que sentido essa prática poderia ser diferente e se abrem para outras
possibilidades que a pesquisa vem trazendo e para os investimentos deste
processo, Basta revisitar as decisões tomadas no Fó rum onde comparamos
que no Projeto Político Pedagógico foi dada ênfase para a Pedagogia da
Terra, Pedagogia do Trabalho, Pedagogia da História, Pedagogia da
Organização Coletiva, mas que a prática ainda não traduz efetivamente em
todo o seu potencial essas opções políticas, mas que se quer conquistar.
Nas entrevistas com as famílias e posteriormente no próprio fórum foi
reforçado a necessidade de amarrar as duas pontas conhecimento escolar e
produção, ou seja, planejar ações enraizadas no vir a ser do assentamento,
vinculando construção curricular e os processos de produção e
comercialização que podem ser implementados a partir da atuação da
cooperativa Terra Nova. Ora, se estas percepções brotam nos próprios
trabalhadores é porque o nível de consciência permite diagnosticar quais as
estratégias que podemos construir para dar conta de contribuir com um
processo que todos desejam seja inovador. Neste sentido e com os temas
apontados na pesquisa ficou orientado para que nós sejamos capazes
consolidar a Escola como um pólo aglutinador e descentralizador das
experiências de produção que iremos desenvolver. A horta alternativa será
assumida por todos criando matéria prima para a Farmácia Alternativa. As
oficinas ministradas pelos técnicos não será mais apenas para os
estudantes da Escola, mas a comunidade irá participar. Elas ocorrerão
obedecendo a uma itinerância nos diferentes unidades familiares conforme a
necessidade do conhecimento e da rotação das culturas desenvolvidas.
Também neste trabalho buscamos ir cercando qual é mesmo o
papel de uma vanguarda que se quer revolucionária? Tentamos amarrar
várias pontas analisando o CPERS e seus limites, a e ação docente; como
fazer esses processos avançarem? E mais como conduzir a pesquisa para
que não caia na mera constatação dos fatos, mas efetivamente se
encharque de realidade tornando-se se legitima, construindo junto com os
113
assentados alternativas de superação dos problemas. Em tempos de
transição, analisarmos como o papel revolucionário da vanguarda é
condição sine qua non para que a organização da luta da classe
trabalhadora avance da condição de classe em si para a classe para si,
ganhando um caráter estratégico na transição para uma sociedade mais
humana. Com este sentido, buscamos um estudo sobre as relações que
vêm se estabelecendo no CPERS/sindicato, apontando as dificuldades para
exorcizar o circulo de giz economicista. E apontamos também para os
embretamentos da luta interna, agravados com as clivagens impostas pelo
Estado com um projeto antidemocrático que vem desmontando a escola
pública no RS. É preciso resgatar que a Escola Oziel Alves é estadual,
portanto os professores têm vínculo com o Estado e com o sindicato. Neste
sentido o CPERS não estabelece uma definição clara em termos de classe
social e a produção do professorado é colocado como uma idéia geral , os
professores sã o os civilizadores, fica nas entrelinhas a questão da
neutralidade ou da negociabilidade do trabalho docente, então não pode ir
contra o Estado. Assim sendo os professores estaduais não tem claro para
si o valor social do seu trabalho, esta é uma problematização central que
diferencia o grupo de professores da Oziel Alves. A prática testemunhal
desenvolvida lá revela que onde existe opção de classe esta tomada a
decisão sobre o que queremos com a educação num determinado tempo e
lugar. Lá no distrito de Canguçu existe um embrião revolucionário que
precisa ser mantido vivo sem invasão cultural, no sentido de que é
necessário ombrear com a comunidade e, de forma colaborativa, construir
espaços de permanente debate e estudo da realidade e construção de
estratégias de enfrentamento das dificuldades para que eles sejam capazes
de exercer seu protagonismo e dizer a sua palavra.
O camponês é sujeito na sociedade capitalista, pois produz
mercadorias, mas é produto de todas as transformações históricas ocorridas
no campo. A produção camponesa se processa pautada pela sobrevivência,
recolocando permanentemente os processos contrários as relações
114
capitalistas. Ora o Estado burguês ao consolidar políticas públicas, recursos
e estabelecer os preços para os produtos agrícolas, possibilita o surgimento
de espaços de resistência como as cooperativas, que tem se tornado
importante ferramenta de articulação da produção camponesa e da busca de
espaços urbanos capazes de possibilitar a comercialização de forma mais
permanente.Logo se a cooperativa cria alternativas de resistência possibilita
o rompimento com o estado de proletarização de homens e mulheres do
campo.
Assim, ao se falar sobre a produção, tentou-se discutir a Cooperativa
Terra Nova que foi criada como estratégia de enfrentamento ao capital e
discutir também o processo de produção induzido por ela. No início, os
cooperativados preocuparam-se com a produção do leite; atualmente a
cooperativa busca expandir a abrangência da sua ação a tudo aquilo que é
produzido nos 16 assentamentos da região. Em relação à ação da
Cooperativa, os colonos, e nó s com eles, estamos estudando possibilidades
alternativas ao mercado que tragam mais garantias, ou seja, que aquilo que
está sendo produzido seja comercializado na cidade sem a mediação dos
açambarcadores.
Por outro lado, estamos centralizando a nossa discussão no Fórum
de Debates. Algumas inquietações ocorrem pela ansiedade frente ao fato de
que a grande maioria das cooperativas ligadas aos agricultores tendem e
podem cair no engodo da proposta de que é preciso “modernizar” ou
“industrializar” o campo, quando, então, elas passam a desempenhar a
função de veículo de desenvolvimento do setor primário como um tipo de
empreendimento econômico capaz de realizar a expropriação dos pequenos
agricultores ao mesmo tempo em que os mantém no mercado, não
permitindo sua destruição. O discurso relativiza o enfrentamento dos colonos
com a burguesia e a ação organiza a cooperativa como sociedade de capital
e não de trabalho, incluindo os colonos como um setor subordinado e
estratégico no modo capitalista de produção. As tensões são dramáticas
pois que, o cooperativismo agrícola com esta opção inaugura o
115
desenvolvimento do capitalismo no campo não apenas como um processo
exclusivo de proletarização ou assalariamento crescente de trabalhadores,
mas também como processo de subordinação crescente de pequenos
agricultores camponeses ao capital industrial e financeiro.
A Terra Nova, na sua constituição recente, tem por princípio uma
inspiração socialista. Isto implica no fato da questão econômica não poder
ser vista somente como um fim, mas também como um meio para a
sobrevivência da cooperativa, num mercado que, na sua maior parte, é
capitalista. Atualmente, nichos de mercado solidários que valorizam o
esforço de uma produção coletiva, como a do Renascer, e que os colonos
entendem que precisam ser consolidados em Canguçu e na região estão
sustentando o escoamento da produção do assentamento. Mas são
instáveis e insuficientes para projetos de envergadura maior que dêem conta
das necessidades deste e do conjunto dos assentamentos e da agricultura
camponesa da região. Neste sentido a cooperativa em questão foi criada
pelos colonos para dar respostas aos problemas provocados pelo
capitalismo.
Os assentados se acercam da idéia de que, através da cooperativa,
criou-se uma outra possibilidade de relações que mantêm o equilíbrio entre o
social e o econômico.
É neste sentido que Paul Singer fala da Economia Solidária, como
estratégia para vencer o desemprego, propondo novas formas de
organização da produção. Não existe modelo, mas a finalidade posta pelos
trabalhadores pressupõe o controle coletivo dos meios de produção por eles.
Assim, tem valor os processos educacionais que criam um debate
permanente empoderando os trabalhadores para essa proposta de gestão
social.
Fica a tarefa de encontrar um número suficiente de trabalhadores
capazes de compreender esta proposta, discutir e dominar alternativas de
organização da produção e, por conseguinte, constituindo um bom processo
116
de trabalho para os próprios trabalhadores, permitindo maior participação e
mais espaço de trabalho (Cf. SINGER, 1998, 126-138).
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126
anexo
Caderno de Fotos
127
128
Foto de Sebastião Salgado,
registrando a mãe de Oziel Alves Pereira sendo consolada pela
morte do filho, ocorrida no massacre de Eldorado dos Carajás, em
1996.
129
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132
133
Livros Grátis
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