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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
Museu Nacional
Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Brasil:
Aloísio Magalhães e o Centro Nacional de Referência Cultural
Zoy Anastassakis
2007
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Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Brasil:
Aloísio Magalhães e o Centro Nacional de Referência Cultural
Zoy Anastassakis
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Antropologia Social,
Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Antropologia
Social.
Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte
Rio de Janeiro
Janeiro de 2007
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Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Brasil:
Aloísio Magalhães e o Centro Nacional de Referência Cultural
Zoy Anastassakis
Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Antropologia Social.
Aprovada por:
_________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte
_________________________________________
Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho
_________________________________________
Prof. Dra. Regina Maria do Rego Monteiro Abreu
Rio de Janeiro
Janeiro de 2007
Anastassakis, Zoy.
Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no
Brasil: Aloísio Magalhães e o Centro Nacional de Referência Cultural / Zoy
Anastassakis. – Rio de Janeiro: UFRJ, Museu Nacional, PPGAS, 2007.
xiv, 156f.
Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte
Dissertação (Mestrado) UFRJ/Museu Nacional/Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social, 2007.
Referências Bibliográficas: f. 144-156.
1. Centro Nacional de Referência Cultural 2. Aloísio Magalhães
3. patrimônio cultural. 4. anos 1970.
(Mestre, UFRJ/PPGAS)
1. Título.
À memória das minhas avós
Zoy Tinika e Jovelina de Jesus Malheiros,
que não estando e estando
tão presentes
sempre foram.
Ao futuro, que é todo da Mina.
Resumo
Na presente dissertação, proponho uma revisão do lugar atribuído pela
literatura que trata do patrimônio cultural ao Centro Nacional de Referência Cultural. Se
tais estudos inserem o CNRC dentro da trajetória das políticas oficiais de preservação do
patrimônio cultural no Brasil, sugiro que uma leitura articulada dos textos que analisam o
Centro com os documentos produzidos pelo órgão a fim de definir sua proposta apontam
para a necessidade de compreendermos a experiência do CNRC que funcionou de
maneira autônoma entre 1975 e 1979 no contexto mais amplo dos anos 1970. Assim,
como dispositivo analítico, proponho o deslocamento do Centro do âmbito restrito do
‘patrimônio cultural’, através de uma análise das categorias que informavam a sua proposta.
Acredito que tais categorias iluminem melhor o entendimento do que tenha sido a
experiência do Centro Nacional de Referência Cultural.
Palavras-chave: Centro Nacional de Referência Cultural, Aloísio Magalhães, patrimônio
cultural, anos 1970.
Abstract
In the present essay I propose a revision of the place Brazilian literature on ‘cultural
heritage’ attributes to the National Centre for Cultural Reference (Centro Nacional de
Referência Cultural/CNRC). These studies analyze the CNRC as a part of the official
policies on the conservation of Brazilian ‘cultural heritage’. I suggest, rather, that a
comparison between the texts that analyze the Centre and the documents which were
produced by the institution with the aim of defining its identity point to the necessity of
understanding the experience of the CNRC which functioned autonomously between
1975 and 1979 in the broader context of the 1970’s. Therefore, as an analytical device, I
propose to displace the Centre from the ‘cultural heritage’ label and to analyze the very
categories which informed its institutional program. The analysis of these categories throw
a new light upon the experience and the role of the National Centre for Cultural Reference.
Keywords: Centro Nacional de Referência Cultural, Aloísio Magalhães, cultural heritage,
1970’s.
Agradecimentos
Ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ, pela
acolhida, e por tudo o que aprendi nos cursos de Teoria Antropológia I e II (Prof. Federico
Neiburg e Prof. Antonádia Borges), Antropologia das Sociedades Complexas (Prof.
Gilberto Velho), Antropologia dos Rituais (Prof. Antonádia Borges), Antropologia do
Corpo (Prof. Aparecida Vilaça), Pensamento Social Brasileiro (Prof. Giralda Seyferth),
Minicurso “Nós e as coisas” (Prof. Joaquim Pais de Brito) e no Grupo de Estudo sobre
Religiões Africanas (Prof. Marcio Goldman).
Ao Professor orientador desta tese, Luiz Fernando Dias Duarte, que sempre acreditou no
trabalho.
À Professora Silvia Steinberg, da ESDI-UERJ, minha orientadora na graduação, e na vida,
agradeço por tudo e, ainda mais, por ela ter me indicado o PPGAS.
Ao Professor Gilberto Velho, que com suas aulas mostrou que a Antropologia era algo
possível para mim.
Aos Professores Eduardo Viveiros de Castro e Carlos Fausto, que me honraram com o
convite para desenvolver o logotipo e o site do Nuti, trabalho que antecipou minha
convivência com o Programa.
À Prof. Giralda Seyferth, pelo que pude aprender sobre o pensamento social brasileiro.
Às Professoras Aparecida Vilaça e Antonádia Borges, pela amizade, pela atenção, pelo
incentivo constante e pelas aulas maravilhosas.
Ao Professor Marcio Goldman, minha admiração.
Ao Professor Joaquim Pais de Brito, que me mostrou um caminho em Antropologia.
A João de Souza Leite, que me sugeriu o CNRC.
A Maria Cecília Londres Fonseca, autora do livro que me fez querer pesquisar sobre este
tema, e que esteve presente todo o tempo durante o desenvolvimento deste trabalho.
A Henrique Oswald de Andrade, pela ajuda internética.
Aos Profs. Regina Abreu (UNIRIO) e Manuel Ferreira Lima Filho (UCG), que organizaram
o Colóquio “Patrimônio, Cidadania e Direitos Culturais”, em Goiás Velho, onde foram
discutidas muitas das questões que informam esta pesquisa.
A Teresa Sá, Barrão, Kiti Duarte e Elianne Jobim, mestres que, com sutileza e inteligência,
contribuíram imensamente para minha formação profissional.
A todos os professores da ESDI, e também a Szymon Bojko e Fayga Ostrower.
Ao DEMU do IPHAN, pela “Semana de Museus”, onde pude aprender mais um pouco
sobre o patrimônio.
A Letícia Carvalho, pela presença tão estimulante e encantadora, e, além de tudo isso, pela
paciência e pela leitura.
A Clara Flaksman, pela amizade que tanto prezo, e por que ela me trouxe para o PPGAS.
A Marina Vanzolini, pela dissertação, e pela defesa de sua dissertação, com as quais eu
aprendi muito.
A Soledad Castro, pela acolhida em Brasília, e pelas conversas divertidíssimas.
A todos os colegas do Programa, pessoas incríveis que me mostraram um mundo novo.
A Monica Neves, que ajudou a fazer de 2006 um ano possível.
A Marina Sartier, que me disse que ia dar tudo certo.
Aos meus pais, que sempre me incentivaram a fazer o que eu acreditava.
A minha mãe, especialmente, pela paciência em ler e revisar meus textos.
Aos meus irmãos, à Ana Paula (também pela tradução), ao Waguinho e à Luana.
Ao Ivor e à Marcia, por terem sido sempre tão presentes. Ao Alvinho e ao João.
Ao Domenico e à Mina, pelo amor, pela casa, pelo estímulo, pela paciência e pelo
investimento conjunto.
Ao IPHAN, ao COPEDOC e à Sheila (chefe do setor), pela disponibilidade que
demonstraram em viabilizar minha pesquisa nos arquivos.
Aos funcionários do PPGAS: Tania e Beth, da Secretaria; Carla e todas as funcionárias da
Biblioteca.
À CAPES e à FAPERJ, que me concederam bolsas, sem as quais teria sido impossível
desenvolver esta pesquisa.
Índice
Introdução .......................................................................................................................... 01
Capítulo 1: Da biblioteca .................................................................................................. 12
1.1 Breve apresentação dos textos relacionados............................................................ 16
1.2 O Centro Nacional de Referência Cultural .............................................................. 27
1.2.1 Projeto pessoal ou o resultado de um encontro ....................................................... 27
1.2.2 Uma experiência pioneira e ambiciosa ................................................................... 30
1.2.3 Trabalhando com os contextos ................................................................................ 32
1.2.4 O conceito de ‘referência cultural’ .......................................................................... 33
1.3 Cultura, antropologia e desenvolvimento ............................................................... 35
1.3.1 Politizando uma concepção antropológica de cultura e sociedade ......................... 35
1.3.2 Conceito de cultura ................................................................................................. 36
1.3.3 Outras matrizes de racionalidade ............................................................................ 38
1.3.4 Antropologia por não-antropólogos......................................................................... 39
1.3.5 Cultura e desenvolvimento....................................................................................... 40
1.4 CNRC, Iphan, MEC, Governo Geisel ..................................................................... 42
1.4.1 Antecedentes: uma dupla crise de legitimidade ...................................................... 42
1.4.2 O CNRC como alternativa ao Iphan ....................................................................... 45
1.4.3 Organismo autônomo .............................................................................................. 46
1.4.4 O lugar do MEC no Governo Geisel ...................................................................... 48
1.5 Aloísio Magalhães, o design e a cultura .................................................................. 50
1.5.1 Um líder diferente: a contribuição pessoal de Aloísio Magalhães........................... 50
1.5.2 Em Brasília, encontro com o projeto ....................................................................... 55
1.5.3 O papel do Design ................................................................................................... 57
1.6 Entre o ‘heróico’ e o ‘moderno’: tecendo algumas comparações............................ 59
1.6.1 Aloísio x Rodrigo .................................................................................................... 59
1.6.2 Quem usa e quem é usado: Rodrigo e Aloísio em meio a regimes militares de
governo ................................................................................................................... 60
1.7 Os legados do CNRC .............................................................................................. 62
Capítulo 2: Do arquivo ..................................................................................................... 63
2.1 Quatro anos de trabalho ........................................................................................... 69
2.2 Princípios ................................................................................................................ 75
2.2.1 A cultura brasileira e o achatamento do mundo ...................................................... 76
2.2.2 O relacionamento entre cultura e desenvolvimento ................................................ 78
2.2.3 Dinâmica cultural e tecnologia patrimonial ............................................................ 82
2.2.4 A cultura e seu contexto .......................................................................................... 83
2.2.5 Ciência e Trópico .................................................................................................... 85
2.2.6 O design como responsabilidade social .................................................................. 87
2.2.7 Por que Brasília? ..................................................................................................... 89
2.3 Metodologia ............................................................................................................ 90
2.3.1 Pesquisa + ação = participação ............................................................................... 92
2.3.2 O CNRC como um sistema de informações ........................................................... 93
2.3.3 Inteligência artificial ............................................................................................... 94
2.3.4 Aplicações da Antropologia .................................................................................... 96
2.4 Quadro sinótico dos projetos ................................................................................... 97
2.4.1 Mapeamento do artesanato brasileiro .................................................................... 100
2.4.2 Levantamentos sócio-culturais .............................................................................. 104
2.4.3 História da tecnologia e da ciência no Brasil ........................................................ 107
2.4.4 Levantamentos de documentação sobre o Brasil .................................................. 109
Capítulo 3: Do contexto .................................................................................................. 113
3.1 Política .................................................................................................................. 115
3.1.1 O contexto sócio-político brasileiro da segunda metade do século 20 ................. 115
3.1.2 O Governo Geisel (1974-1979) ............................................................................ 120
3.1.3 A política nacional de cultura e o ano de 1975 ..................................................... 123
3.2 Arte e cultura sob a tempestade dos anos setenta ................................................. 125
3.3 Caminhos e descaminhos da Antropologia ........................................................... 129
3.3.1 Aloísio Magalhães e Claude Lévi-Strauss através do espelho............................... 134
Considerações finais ........................................................................................................ 139
Referências Bibliográficas .............................................................................................. 144
Anexos .............................................................................................................................. 157
Lista de Siglas
CFC – Conselho Federal de Cultura
CNRC – Centro Nacional de Referência Cultural
CONDEPE - Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco
COPEDOC – Coordenação de Pesquisa e Documentação
CPDOC/FGV - Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas
EMPETUR - Empresa Pernambucana de Turismo
ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial
FCB – Fundação Cinemateca Brasileira
FIAM - Fundação do Interior de Pernambuco
FUNARTE – Fundação Nacional de Arte
FUNDARPE - Fundação do Patrimônio Histórico de Pernambuco
GT – Grupo de Trabalho
IDESP - Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo
IJNPS - Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais
INIDEF - Instituto Interamericano de Etnomuseologia y Folclore
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MIC – Ministério da Indústria e Comércio
PAC – Plano de Ação Cultural
PCH - Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas
PNC – Política Nacional de Cultura
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEPLAN – Secretaria de Planejamento da Presidência da República
SEPLAN/AL – Secretaria de Planejamento de Alagoas
SEPLAN/PE – Secretaria de Planejamento de Pernambuco
SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SPHAN/PRO-MEMÓRIA – Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional/Fundação Pró-Memória
STAS/PE - Secretaria de Trabalho e Ação Social de Pernambuco
SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UA – unidades de arquivo
UnB – Universidade de Brasília
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Se tomamos como exemplo o intestino verificamos que, segundo os
processos de distribuição topológicos, o interior do intestino é, de fato,
exterior ao organismo. Trata-se de um espaço exterior anexado, fruto de
um longo processo de dobras do organismo. Mas de um outro modo, as
cavidades digestivas são exteriores ao sangue, que por sua vez é exterior
às glândulas que nele fazem jorrar suas secreções. O que temos, então, é
esta atividade transdutiva que faz propagar níveis relativos de interior e
exterior.
Topologia e Memória, Rogério da Costa.
1
Todo caso vem do acaso e se repete
E a verdade sempre tem os dois lados da gilete!!!
Jorge Mautner
Introdução
As políticas públicas de preservação do patrimônio cultural têm sido
objeto de diversos estudos no âmbito das Ciências Sociais, durante as últimas décadas. No
Brasil, assim como em todo o mundo, uma proliferação de teses, dissertações e artigos
que tratam do tema. Sem dúvida, é possível afirmar que o patrimônio configura-se hoje
como um campo específico dentro das Ciências Sociais. Interessada em articular, no âmbito
da minha pesquisa para a dissertação de mestrado, questões vinculadas à Antropologia com
a área do design, onde iniciei minha formação profissional, encontrei no campo do
patrimônio uma via possível de diálogo entre as duas disciplinas o Design e a
Antropologia.
No Brasil, desde a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN), em 1937, a preservação do patrimônio cultural é uma prática
institucionalizada pelo poder público. Com a abertura desse campo de ação, surge a figura
dos agentes oficiais de preservação. Esses agentes são intelectuais, pessoas ligadas às Artes,
à Arquitetura, à História, e, mais tarde, ao Design e à Antropologia - muitos deles
vinculados à Academia. Assim, a partir do momento em que o patrimônio surge como um
campo de ação no âmbito das políticas públicas, ele sugere também um campo de estudos
para as disciplinas das quais ele se aproxima. Dessa forma, a partir dos anos 30 do século
20, o patrimônio, se configura, no Brasil, tanto como uma forma de ação quanto como um
campo de reflexão.
2
Dentre aqueles que refletiram sobre as questões pertinentes ao
patrimônio, os antropólogos têm destaque
1
, “na medida em que se interessam pelos
processos de construção de identidades culturais diferenciadas” (Fonseca, 2005: 27). Nesse
sentido, podemos citar os trabalhos de Abreu (1996), Cavalcanti (1995), Garcia (2004),
Gonçalves (2002), Rubino (1991), Santos (1992), entre outros. Vale destacar que o campo
do patrimônio também suscitou debates inter-disciplinares, gerando algumas coletâneas
organizadas por autores vinculados às diversas disciplinas dentro das chamadas Ciências
Sociais. Nesse grupo, destacam-se Abreu e Chagas (orgs.) (2003), Arantes (org.) (1984),
IBPC (1991), Chuva (org.) (1995), Revista Tempo Brasileiro (2001).
Contudo, o patrimônio não se basta como um campo de produção
intelectual e de ação governamental. Principalmente a partir da segunda metade do século
20, ele se configura, também, como uma importante arena de debate e de ação para a
sociedade civil, na medida em que os sujeitos ligados aos bens culturais considerados (ou
desconsiderados) como dignos de preservação apropriam-se de sua construção, assim como
já haviam feito o governo e alguns intelectuais. Nesse sentido, é fundamental a
compreensão do contexto dos anos 70 do século passado, pois foi a partir da segunda
metade dessa década, momento em que se ‘distendia’ o regime militar, e que a sociedade
1
Gonçalves (2003) propõe o estudo do patrimônio como uma categoria de pensamento. Para o autor, o estudo
das categorias de pensamento, que é uma ‘contribuição original da tradição antropológica’ (Gonçalves, 2003:
21), encontra no patrimônio uma categoria “não exótica, mas bastante familiar ao moderno pensamento
ocidental” (2003: idem). Gonçalves complementa essa colocação, lembrando que Marcel Mauss (1974: 205)
dirigia aos antropólogos a famosa recomendação:
“antes de tudo, necessário] formar o maior catálogo possível de categorias, é preciso partir de
todas aquelas das quais é possível saber que os homens se serviram. Ver-se-á então que ainda
existem muitas luas mortas, ou pálidas, ou obscuras no firmamento da razão”. Estamos certamente
diante de uma dessas categorias (2003, 28) [...] O que estou argumentando é que estamos diante de
uma categoria de pensamento extremamente importante para a vida social e mental de qualquer
coletividade humana (2003: 22).
Ainda no que tange a relações possíveis entre a disciplina antropológica e o campo do patrimônio, Gilberto
Velho (1984) entende que “existe uma perspectiva relativizadora, característica do pensamento
antropológico, que talvez ajude a pensar algumas questões que, se não são novas, pelo menos têm se
apresentado com maior agudeza” (Velho, 1984: 37-38).
3
civil reinvindicava seu papel na definição dos rumos a serem tomados pelo país, que o
patrimônio surge como uma possibilidade de contestação e de afirmação política para os
grupos que se consideravam excluídos dos processos decisórios nacionais. Em tal contexto,
o Centro Nacional de Referência Cultural merece destaque, na medida em que foi a
experiência embrionária a partir da qual se propôs, em 1979, a ampliação do conceito de
patrimônio cultural, o que, efetivamente foi ensaiado, em âmbito oficial, no momento em
que o órgão foi fundido ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
As primeiras referências que encontrei sobre o CNRC constavam em
livros e documentos que tratam da trajetória das políticas públicas de preservação no Brasil
(Fonseca, 2005), em estudos sobre os discursos vinculados a tais políticas (Gonçalves,
2002) e em documentos produzidos pelo órgão federal de preservação (MEC/SPHAN/Pró-
Memória, 1980; Andrade, 1997). Os estudos sobre o patrimônio cultural nacional, tanto os
constituídos em meio acadêmico quanto aqueles produzidos dentro do órgão federal de
preservação (Iphan), são unânimes em dividir a trajetória da política oficial de preservação
do patrimônio em duas fases. A primeira seria a ‘fase heróica’, que se inicia em 1937, com
a criação do Sphan (depois Iphan) e termina em 1967, com a aposentadoria de Rodrigo de
Mello Franco de Andrade. A segunda seria a ‘fase moderna’, que se inicia em paralelo à
gestão de Aloísio Magalhães, no ano de 1979.
A ‘fase heróica’ ou de ‘pedra e cal’ caracterizar-se-ia pela hegemonia do
pensamento associado ao Movimento Modernista de 1922 e à arquitetura vinculada aos
nomes de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Além deles e de Rodrigo, Carlos Drummond de
Andrade e Mário de Andrade também tiveram ligação direta com o Sphan. Entre as gestões
de Rodrigo e Aloísio houve a de Renato Soeiro, que, para alguns, é considerada como uma
4
fase intermediária entre as duas. Apesar de Soeiro ser um discípulo de Rodrigo, alguns
estudos apontam para o fato de que, durante a sua gestão, o novo contexto político-cultural
e as diretrizes da Unesco para as políticas de patrimônio explicitadas pelas Normas de
Quito, em 1967, fizeram com que o modelo praticado até então se encontrasse
enfraquecido. Assim, a situação do órgão oficial de preservação se modificou, de fato,
após a saída de Renato Soeiro. Em 1979, com a nomeação de Aloísio Magalhães para a
presidência do Iphan, tem início a ‘fase moderna’. Nessa gestão, realiza-se a reforma
institucional do Instituto. O Iphan funde-se ao PCH (Programa Integrado de Reconstrução
das Cidades Históricas) e ao CNRC (Centro Nacional de Referência Cultural),
desdobrando-se em duas instituições, a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Sphan) e a Fundação Pró-Memória, que passam a operar sob a sigla de
Sphan/Pro-Memória.
Dentre as narrativas sobre a trajetória das políticas de preservação no
Brasil, se destaca o ano de 1979. Afinal, esse foi um ano de ruptura. Nele se inaugurou a
segunda fase do órgão federal de patrimônio, com a nomeação de Aloísio Magalhães para a
presidência do Iphan. José Reginaldo Gonçalves comenta que entre seus informantes
identificados com o discurso de Aloísio Magalhães a unanimidade de que a partir de
1979 ano em que ele assume o cargo no Instituto “a política de patrimônio cultural no
Brasil sofre ‘profundas mudanças’” (Gonçalves, 2002: 71). Segundo este autor, tais pessoas
consideram a entrada de Aloísio no Iphan um ‘marco’ decisivo para a trajetória das
políticas públicas de patrimônio no Brasil.
Entretanto, apesar de ter ingressado oficialmente na política de
preservação em 1979, o nome de Aloísio Magalhães aparece nas narrativas sobre o
5
patrimônio no Brasil um pouco antes, em 1975. Nesse ano é criado o Centro Nacional de
Referência Cultural (CNRC), considerado, por alguns autores, como o ‘tubo de ensaio’ em
que Aloísio teria experimentado as idéias que veio a propor como políticas públicas de
preservação patrimonial, a partir de 1979. Todavia, apesar de o órgão estar vinculado à
trajetória das políticas públicas de preservação na medida em que a partir de um certo
momento foi assimilado pela estrutura governamental, enquanto funcionava de 1975 a
1979 - o CNRC não se definia como um órgão ligado ao patrimônio. Ele tampouco estava
vinculado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), do qual o Iphan fazia parte. O
CNRC teve seu funcionamento viabilizado por um convênio multi-institucional, organizado
em torno do Ministério da Indústria e Comércio (MIC). O objetivo do Centro, como
definido por seus integrantes, era “traçar um sistema referencial básico para a descrição e
análise da dinâmica cultural brasileira, tal como é caracterizada na prática das diversas
artes, ciências e tecnologias” (Magalhães, 1997: 42).
Não obstante, o CNRC é inserido na bibliografia sobre o patrimônio no
Brasil, na medida em que, a posteriori, se compreendeu a importância de suas propostas
para as políticas oficiais a partir dos anos 1980. No entanto, como já disse, essa é uma visão
retrospectiva, que olha para o Centro com olhos que olham o passado - o que aconteceu,
o que já frutificou (ou não). Claro que não é sem razão o fato de tantos autores inserirem o
CNRC na trajetória das políticas públicas de preservação do patrimônio cultural, pois, de
fato, a partir de 1979, sua equipe e seus projetos foram assimilados pelo Iphan. Mas isso
aconteceu em 1979. Em 1975, quando surgiu a idéia de um centro que pesquisasse sobre a
natureza do bem cultural brasileiro, não se falava em patrimônio e em preservação, nem
tampouco em políticas públicas. As categorias e os conceitos que balizavam a proposta do
6
Centro tinham outras afiliações, que não eram necessariamante as correntes no campo do
patrimônio.
Assim, nesta dissertação, proponho um exercício de estranhamento, em
que se desnaturalize o lugar ‘oficial’ conferido pela literatura existente à experiência do
CNRC. Nesse sentido, ensaio uma revisão da versão consagrada. Na tentativa de
compreender quais eram os conceitos e as categorias que sedimentavam a proposta do
Centro, confronto-os com o quadro contextual no qual ele se inseria, e dialogo com a
bibliografia que o insere na trajetória das políticas de patrimônio no país.
Se, como afirmam alguns autores, houve uma mudança de paradigmas
nas políticas públicas de patrimônio no Brasil a partir da entrada de Aloísio Magalhães em
campo, e se essa mudança foi conceituada e experimentada pelo CNRC, no período entre
1975 e 1979, então, acredito que o CNRC seja ‘bom para pensar’ sobre o contexto
brasileiro nos anos 70 do século 20, sobre as mudanças apontadas acima, sobre o campo do
patrimônio, e, ainda, sobre as possíveis articulações entre Design e Antropologia.
Fui levada à Antropologia pela pesquisa desenvolvida para o projeto de
graduação, realizado na ESDI/UERJ. Naquela pesquisa, buscava recriar graficamente
imagens da memória dos primeiros momentos passados na cidade do Rio de Janeiro por
estrangeiros que haviam chegado, tendo utilizado o navio como meio de transporte. Através
das imagens encontradas nos depoimentos colhidos, contava reconstituir uma cidade vista
por um primeiríssimo olhar - o olhar estrangeiro: um outro modo de ver e andar pelo Rio de
Janeiro. No âmbito de tal pesquisa, entrevistei alguns imigrantes, além de ter utilizado os
depoimentos recolhidos pela Prof. Suzanne Worcman, da ECO-UFRJ, durante pesquisa
feita por ela com as comunidades judias e árabes nessa cidade.
7
Buscando aprofundar a pesquisa com os imigrantes, iniciada naquela
época, me decidi pelo Mestrado em Antropologia Social. Acreditava no âmbito de um
Programa de Antropologia, pudesse desenvolver questões que foram esboçadas em meu
projeto de graduação. Retomei o tema em um trabalho de conclusão de curso, no primeiro
semestre de 2005, mas ao travar contato com a literatura que se refere ao patrimônio,
concluí que este seria um campo mais profícuo para a articulação de meus diferentes
interesses de pesquisa.
Foi lendo sobre Lúcio Costa [Cavalcanti, 1995a e 1995b; Wisnik (org.),
2003], que reencontrei Aloísio Magalhães. Eu havia lido o livro “E Triunfo?”
[Magalhães, 1997 (1985)], em um curso ministrado pelo Prof. João de Souza Leite, na
ESDI, mas tinha deixado o assunto de lado. A partir do interesse surgido pela ligação do
arquiteto Lúcio Costa com as políticas públicas de patrimônio, iniciei uma série de leituras
que progressivamente descortinaram um vasto campo de estudos em torno do tema da
preservação do patrimônio cultural. A partir de tais leituras, ressurgiu o interesse pela
figura de Aloísio Magalhães, um designer de fundamental importância para a consolidação
de sua profissão como campo específico de trabalho no Brasil
2
. Uma pesquisa em torno da
figura de Aloísio me pareceu uma possibilidade interessante, no sentido de que
proporcionaria trazer para o campo das reflexões antropológicas questões que se vinculam
ao design, minha profissão de formação.
Uma questão se colocou, então: em que implicaria desenvolver uma
pesquisa antropológica sobre um ‘objeto’ tão próximo? Conseguiria eu, designer, me
transformar em antropóloga, me aventurando em uma investigação sobre um designer que
2
“Aloísio Magalhães foi um dentre cinco ou seis indivíduos que, ao final dos anos 1950 e início dos anos
1960, contribuíram decisivamente para a institucionalização do design moderno no Brasil” (Leite, 2006: 29).
8
em um dado momento se ‘converte’ em ‘homem de cultura’? Encontro alento em alguns
autores que esclarecem os desafios de uma tal proposta, me preparando para as possíveis
dificuldades, mas, também, confirmando sua viabilidade.
No artigo “Antropologia no Brasil (alteridade contextualizada)”, Mariza
Peirano focaliza a ‘produção da comunidade brasileira de antropólogos’, classificando-a em
função de sua maior ou menor proximidade com a alteridade. Peirano declara que se
inicialmente a Antropologia era definida como a ciência que estuda o exótico distante, hoje
a situação é diferente. Em suas palavras, “a diferença cultural pode assumir, para os
próprios antropólogos, uma pluralidade de noções” (Peirano, 1999: 226). A alteridade não
desapareceu, ela apenas mudou de lugar. Se, de início, encontrava-se longe, ela vem
deslizando, aproximando-se - o que, para a autora, não é aceitável, quanto desejável
(1999: 225). Nesse sentido, Peirano identifica quatro distâncias que definem eixos
temáticos existentes, no Brasil, entre os antropólogos e a alteridade por eles estudada:
‘alteridade radical’, ‘contato com a alteridade’, ‘alteridade próxima’ e ‘alteridade mínima’.
No primeiro eixo, estuda-se o distante em termos geográficos ou ideológicos (estudos das
populações indígenas e estudos que ultrapassem os limites territoriais do país); em segundo
lugar, estariam os estudos que têm como foco o contato entre os grupos indígenas e a
sociedade nacional; em terceiro, encontram-se as pesquisas feitas em grandes cidades; e por
fim, estudos sobre as Ciências Sociais no país.
A questão dos múltiplos sentidos que a alteridade assume frente aos
antropólogos já havia sido discutida por Gilberto Velho, no artigo “Observando o familiar.”
Nesse texto, Velho examina as categorias ‘familiar’ e ‘exótico’, afirmando que, nos dias de
9
hoje, faz-se necessária a reconsideração dessas noções, não no sentido de sua negação, mas
com o propósito de tornar consciente o seu caráter ‘fabricado’. Assim,
o familiar, com todas essas necessárias relativizações, é cada vez mais
objeto relevante de investigação para uma Antropologia preocupada em
perceber a mudança social não apenas a nível das grandes transformações
históricas mas como resultado acumulado e progressivo de decisões e
interações cotidianas (Velho, 2004: 132).
Pesquisando sobre Aloísio Magalhães, reencontrei o designer João Leite,
meu professor na graduação. João terminava uma tese em Ciências Sociais (PPCIS/UERJ)
que versa sobre a trajetória de Aloísio enquanto designer. A partir de nossas conversas e
das leituras que vinha fazendo, vislumbrei a possibilidade de pesquisar, mais
especificamente, sobre o Centro Nacional de Referência Cultural, experiência que marcou a
derradeira transformação profissional porque passou a trajetória de Aloísio Magalhães.
Através do orientador desta dissertação, travei contato com Maria Cecília Londres Fonseca,
autora de “Patrimônio em processo” (2005), estudo que trata com profundidade a
experiência do Centro Nacional de Referência Cultural. Cecília, que trabalhou com Aloísio
Magalhães, de 1976 até a sua morte, e permaneceu ainda por muito tempo ligada ao Iphan,
tendo se tornado a principal especialista sobre o CNRC no país, foi uma interlocutora
presente e atenta ao desenvolvimento desta pesquisa. Nos encontramos algumas vezes, e
trocamos e-mails, onde ela esclareceu diversas dúvidas que surgiam, enquanto eu
pesquisava. Henrique Oswaldo de Andrade (que foi coordenador do PCH a partir de 1973)
foi outro interlocutor importante, uma vez que me ajudou a localizar os ex-integrantes do
CNRC, além de disponibilizar as transcrições do Simpósio Aloísio Magalhães sobre
Política Cultural, organizado por ele, em 2002.
A partir do trajeto de pesquisa supra-citado, decidi lançar um olhar sobre
a experiência do Centro Nacional de Referência Cultural. Assim, esta dissertação se
constrói através de uma leitura crítica da bibliografia que comenta ou cita a experiência do
CNRC, e dos documentos produzidos pelo Centro. Como dispositivo analítico, proponho
10
retirar o CNRC da trajetória das políticas públicas de patrimônio no Brasil e observá-lo
enquanto uma experiência em si. Entretanto, este estudo não pretende dar conta de toda a
história do órgão, nem tampouco de todas as questões que a observação de sua história
levanta. No âmbito de uma dissertação de mestrado, acredito que isso seria por demais
pretensioso. Basicamente, reúno a bibliografia sobre o tema, e realizo uma leitura inicial
dos documentos produzidos pelo CNRC, articulando os discursos sobre o Centro e o
discurso produzido pelo órgão. Nesse sentido, não se trata de um estudo sobre o CNRC,
mas sobre o que se fala sobre ele, e sobre o que o Centro utiliza como discurso definidor de
seu projeto.
O primeiro capítulo, resultado da pesquisa realizada em bibliotecas e
afins, trata dos discursos de fora. Nele, analiso a bibliografia que menciona ou comenta o
Centro Nacional de Referência Cultural - estudos acadêmicos, textos produzidos dentro do
Iphan e artigos publicados em revistas e livros especializados - buscando compreender
como o CNRC é visto por aqueles que refletem sobre o patrimônio cultural no Brasil.
O segundo capítulo da dissertação trata do discurso produzido de dentro.
Nele, a partir da pesquisa realizada nos arquivos do Iphan, realizo uma leitura dos
documentos produzidos pelo órgão. Tive acesso a esse material em duas visitas que fiz à
sede do Instituto do Patrimônio, em Brasília - mais especificamente ao COPEDOC, setor
responsável pelos arquivos do Instituto. A partir da leitura de tais documentos, busco
avaliar quais conceitos sedimentavam a proposta do Centro Nacional de Referência
Cultural.
A dissertação conta ainda com um terceiro capítulo, que trata do contexto
em que o CNRC se inseriu. Nesse capítulo, esboço montar um breve quadro histórico do
11
momento em que surge o órgão. Dentro de tal quadro, discuto alguns caminhos porque
passou a disciplina antropológica na década de 70 do século 20, associando-os à proposta
do Centro.
***
Concluindo, se vejo o CNRC como um organismo que esteve dentro e
fora da política oficial de patrimônio cultural no Brasil, organizo a dissertação utilizando-
me das mesmas categorias. No primeiro capítulo, analiso o discurso sobre o CNRC
produzido de fora, seja por intelectuais desvinculados da experiência do órgão, seja por
membros de sua equipe que posteriormente refletiram sobre as questões levantadas pelo
trabalho do Centro. No segundo capítulo, analiso o discurso formulador das propostas do
CNRC, ou seja, aquele produzido de dentro. Por fim, no terceiro capítulo, esboço um breve
quadro do contexto em que o Centro se inseria. Assim, propondo uma “estratégica
desnaturalização perceptiva produzida pela contextualização e pelo senso de historicidade”,
tal como sugere Luiz Fernando Dias Duarte (1999: 56), em vez de contrastar o CNRC
apenas com a trajetória das políticas oficiais de patrimônio, escolho confrontá-lo, também,
e ainda, com o quadro sócio-político-cultural da época em que ele funcionou - a segunda
metade dos anos 1970. Dessa forma, ensaiando retirar o Centro do campo do patrimônio,
arrisco colocá-lo no mundo.
12
Capítulo 1: Da biblioteca
quem fala que sou esquisito hermético
é porque não dou sopa estou sempre elétrico
nada que se aproxima nada me é estranho
fulando sicrano beltrano
seja pedra seja planta seja bicho seja humano
quando quero saber o que ocorre à minha volta
ligo a tomada abro a janela escancaro a porta
experimento invento tudo nunca jamais me iludo
quero crer no que vem por aí beco escuro
me iludo passado presente futuro
urro arre i uuro
viro balanço reviro na palma da mão o dado
futuro presente passado
tudo sentir total é chave de ouro do meu jogo
é fósforo que acende o fogo da minha mais alta
[razão
e na sequência de diferentes naipes
quem fala de mim tem paixão
Olho de Lince, Wally Salomão.
Neste capítulo, analiso a bibliografia que menciona ou comenta o Centro
Nacional de Referência Cultural: estudos acadêmicos, textos produzidos dentro do Iphan e
artigos publicados em revistas e livros especializados. Trata-se de discursos de fora,
construídos posteriormente à experiência do CNRC. Alguns dos textos comentados neste
capítulo mencionam diretamente o Centro, outros citam exclusivamente a pessoa de Aloísio
Magalhães. Dentre esse último grupo, considero alguns que mesmo não tratando da
experiência do CNRC, citam a figura de Aloísio, pois acredito que eles contribuem para o
debate. De fato, uma das primeiras coisas que percebi durante a pesquisa é que o Centro
está intimamente vinculado à pessoa de seu criador e coordenador. Muitos textos,
confundindo o ‘personagem’ com a ‘obra’, tratam do CNRC como sendo Aloísio, e de
Aloísio como sendo o CNRC.
Nem todos os textos analisados foram produzidos em contexto
acadêmico, mas, devido a uma característica do próprio campo do patrimônio, de ser ao
13
mesmo tempo lócus de práticas políticas e campo para a reflexão acadêmica, onde, muitas
vezes, aqueles que ‘pensam’ são também aqueles que ‘agem’, acredito que todos os textos
encontrados devem ser igualmente considerados. Afinal, nesse campo, as fronteiras entre a
prática e a reflexão são tênues, e esse parece ser um dos pontos cruciais para o interesse que
o patrimônio pode despertar: sua ambivalência enquanto campo de prática e de reflexão.
Desse modo, o patrimônio, além de se configurar como um objeto para os cientistas sociais,
torna-se também um seu campo de trabalho, na medida em que precisa de especialistas que
‘pensem’ e ‘formulem’ as práticas a serem adotadas.
Inicialmente, percebo duas categorias de textos existentes na bibliografia
analisada, categorias que me servem como dispositivo analítico. A primeira categoria seria
a de textos produzidos por pessoas que em algum momento de sua trajetória profissional
estiveram vinculadas a Aloísio Magalhães, trabalhando com ele em seu escritório, no
CNRC, no Sphan/Pró-Memória ou na Secretaria de Cultura do MEC. Esses autores se
identificam com o discurso e as práticas de Aloísio. A segunda categoria é a de textos
acadêmicos produzidos por cientistas sociais que não tiveram ligação profissional com o
Centro, ou com seu coordenador-geral. Apesar de esses autores não formarem um grupo
entre si, por oposição à primeira categoria de textos, eles esboçam um conjunto.
Nesse sentido, foi possível perceber, durante o desenvolvimento deste
trabalho, que as fronteiras entre os que fizeram parte da experiência do CNRC e os que
refletiram (a posteriori) sobre essa experiência são quase inexistentes. Portanto, neste
estudo, praticamente não distinção entre as categorias observador (capítulo 1) e
observado (capítulo 2). Muitos dos autores que constam do primeiro capítulo discutindo,
14
inclusive em âmbito acadêmico, a experiência do Centro, figuram no capítulo seguinte
como ‘personagens’ do órgão.
A propósito, no artigo “O antropólogo como cidadão”, Mariza Peirano
analisa os caminhos pelos quais se desenvolveram as Ciências Sociais no Brasil, colocando
a questão de que, no país, o antropólogo – e, por similaridade, todo cientista social – estuda
um “‘outro’ que não é próximo, mas parte do nós, que é, claramente, o país como
Estado-nação” (Peirano, 1991: 99). Nesse sentido, Peirano propõe discutirmos os sentidos
sociais e históricos de certas categorias que usualmente tomamos por universais, tais como
‘nação’, ‘antropologia’, ‘cientista social’, ‘intelectual’. Comparando o caso brasileiro com o
dos cientistas sociais franceses, a autora sugere que o intelectual brasileiro está sempre
dividido entre o ‘universalismo da ciência’ e o ‘holismo da cidadania’, e mais, que “no
Brasil, a definição de ‘intelectual’ inclui um compromisso com problemas políticos”
(1991: 95).
O que pretendo colocar, com essa discussão, é que, como sugere Peirano,
“o ‘nativo’ perdeu o seu caráter passivo” (1991: 85). Neste estudo, o ‘nativo’ e o cientista
social são, por muitas vezes, a mesma pessoa. Esse é o caso dos autores que incluio na
categoria de dentro, aqueles que tendo estado vinculados a Aloísio Magalhães e ao CNRC,
foram, eles mesmos, os criadores da maior parte da massa crítica de textos produzidos
sobre o Centro, posteriormente.
Concluindo, o que se coloca neste estudo é que as categorias que separam
os comentadores e os observados não são de fácil definição, assim como a minha própria
posição pode ser tomada como similar à de alguns autores (Leite, Campos), que a partir de
15
uma prática na área do design
1
voltam-se para a pesquisa no campo das Ciências Sociais,
como o intuito de conjugar reflexões das duas áreas.
Outra diferenciação existente entre os textos analisados neste capítulo diz
respeito à sua vinculação com a disciplina antropológica. Os únicos três autores que
declaram explicitamente estarem fazendo ‘antropologia’ [(Garcia, 2004), (Gonçalves, 2002:
08) (Ortiz, 1985: 09)] diferenciam-se dos demais em algo que defino como sua ‘crença na
invenção’. Ortiz afirma: “Creio que é o momento de reconhecermos que toda identidade é
uma construção simbólica” (Ortiz, 1985: 08). Gonçalves, por sua vez, declara:
Em filosofia, em história da ciência, assim como em antropologia, e em
outras disciplinas, o ‘objeto’ científico é cada vez mais entendido como
um artefato ou ‘invenção’ (para usar a metáfora sugerida por Wagner para
o objeto privilegiado dos antropólogos: a cultura), em vez de uma
entidade existente em si mesma (Gonçalves, 2002: 16).
Ortiz procura ler a ‘cultura brasileira’ e a ‘identidade nacional’ como
Lévi-Strauss leu os mitos primitivos (Ortiz, 1985: 09). Para Gonçalves, “as narrativas
nacionais estão sendo sempre contadas e re-contadas, assim como ocorre com os mitos”
(Gonçalves, 2002: 21). Desse modo, se os demais autores parecem tomar a realidade como
fato, Garcia, Gonçalves e Ortiz assumem uma posição diferente, na medida em que
discutem o que é dado como ‘real’ ou ‘histórico’. Em Garcia e em Gonçalves, essa
assunção está diretamente vinculada à leitura de “The invention of culture”, de Roy Wagner
[1981 (1975)], que, ao renunciar à idéia de cultura como um todo, sugere que ela deve ser
considerada como invenção. Para este autor, a cultura não existe em si mesma, ela é uma
1
“Design é uma palavra inglesa originária de designo (as-are-av-atum), que em latim significa designar,
indicar, representar, marcar, ordenar. O sentido de design lembra o mesmo que, em português, tem desígnio:
projeto, plano, propósito (Hollanda, 1975) – com a diferença de que desígnio denota uma intenção, enquanto
design faz uma aproximação maior com a noção de uma configuração palpável (ou seja, projeto). Há, assim,
uma diferença entre design e o também inglês drawing este, sim, o correspondente ao sentido que tem o
termo desenho (Villas-Boas, 1997: 45).
16
‘construção explanatória’ ou um ‘suporte’ que viabiliza a percepção das diferenças e a
comparação.
Cumpre ressaltar que esta pesquisa não localizou nenhum estudo
dedicado integralmente ao CNRC, o que foi confirmado por pesquisadores ligados ao tema,
com quem tive contato (Leite, Fonseca). Alguns autores tratam do assunto com maior
profundidade, mas somente enquanto parte de uma questão mais ampla (Fonseca,
Gonçalves, Leite, Lopes, Souza), alguns outros fazem breves comentários sobre o CNRC
(Falcão, Garcia, Miceli), alguns citam apenas Aloísio Magalhães. (Campos, Ortiz). De
qualquer modo, em todos os textos o CNRC é considerado como uma parte de algo maior,
seja a história do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, seja o quadro das
políticas culturais dos anos 1970, seja a trajetória profissional de Aloísio Magalhães.
Aceitando o desafio lançado por Gilberto Velho, de que “o processo de
estranhar o familiar torna-se possível quando somos capazes de confrontar
intelectualmente, e mesmo emocionalmente, diferentes versões e interpretações existentes a
respeito dos fatos e situações” (Velho, 2004: 131), passo agora à análise contrastiva dos
textos que se referem ao Centro Nacional de Referência Cultural.
1.1 Breve apresentação dos textos relacionados
toda sorte de textos sendo tratados neste capítulo desde artigos, até
teses de doutorado. Nenhum deles, entretanto, trata exclusivamente do CNRC. Como
comentei anteriormente, o Centro é citado sempre como parte de algo maior. O que
distingue tais textos é tanto sua orientação disciplinar e teórica, quanto o tipo de relação que
17
os autores mantiveram com o órgão e/ou com seu criador (proximidade, crítica ou
neutralidade), uma vez que, entre os autores que constam deste capítulo, alguns nutriram
estreitas relações de trabalho e/ou amizade com Aloísio Magalhães (Botelho, Campos,
Duarte, Falcão, Fonseca, Leite, Melo, Quintas, Souza).
***
Entre os documentos que o Iphan produziu no sentido de dar conta de sua
trajetória, dois que mencionam a experiência do CNRC. Em 1980, a então Sphan/Pró-
Memória edita o documento “Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil:
uma trajetória.” Naquele momento, Aloísio e a equipe do Centro estavam à frente do
complexo Sphan/Pró-Memória. Assim, esse é um documento escrito por antigos
pesquisadores do CNRC. Seu texto reproduz vários trechos de documentos produzidos pelo
órgão. Logo, trata-se da ‘história oficial’ do Iphan contada a partir do ponto de vista dos
criadores do Centro. Dessa forma, pode ser considerado um documento de transição entre
aqueles que discutirei no segundo capítulo e os que relaciono na primeira parte do trabalho.
O texto “História do Iphan”, escrito em 1997 por um arquiteto do
Instituto, comenta rapidamente o CNRC. Nesse documento, Antônio Luiz Dias de Andrade
define o órgão como um ‘programa’ a partir de onde Aloísio Magalhães retirou a
experiência que veio a caracterizar a nova fase da trajetória do Iphan, iniciada com a gestão
do designer, a partir de 1979.
Em âmbito acadêmico, três teses (Gonçalves, Fonseca, Leite), uma
dissertação (Garcia) e uma monografia (Lopes), que tratam mais ou menos diretamente do
CNRC. A primeira das três teses foi escrita por Maria Cecília Londres Fonseca, e publicada
em 1997. O trabalho de Fonseca é o que mais detalhadamente se concentra no Centro.
18
“Patrimônio em processo” teve sua origem como tese de doutorado em Sociologia
apresentada pela autora na Universidade de Brasília. No livro, Fonseca discorre sobre a
trajetória da política federal de preservação no Brasil, ou seja, sobre “o processo de
construção do patrimônio histórico e artístico no Brasil, considerado enquanto uma prática
social produtiva, criadora de valor em diferentes direções” [Fonseca, 2005 (1997): 27].
Apesar de abranger a trajetória das políticas públicas de patrimônio no Brasil desde a
criação do Sphan até a fase moderna, o trabalho privilegia os anos 1970 e 1980. Analisando
o reposicionamento ideológico-administrativo ocorrido dentro do Iphan no decorrer dessas
duas décadas, reconstrói também a história do Centro Nacional de Referência Cultural,
fundado em 1975, e analisa o discurso de Aloísio Magalhães, coordenador do Centro (e,
posteriormente, diretor do Iphan e Secretário de Cultura do MEC).
A experiência do CNRC é inserida pela autora no contexto oficial do
patrimônio e da preservação, vista como um ‘tubo de ensaio’ para a futura prática
institucional de Aloísio e de seu grupo de colaboradores. Dessa forma, o Centro é analisado
na medida em que serve como base de explicação para as premissas que teriam orientado as
modificações administrativas e conceituais ocorridas no Iphan a partir da gestão de Aloísio
Magalhães. O novo modo como se organizaram as estruturas e o funcionamento da política
de preservação na década de 70 do século 20 é explicado por Fonseca a partir da
aposentadoria de Rodrigo de Mello Franco de Andrade. Ao lado do PCH, o CNRC teria
surgido como alternativa ao Iphan, que desde a saída de Rodrigo, em 1967, encontrava-se
enfraquecido e desgastado. Para a autora, esse desgaste, as novas propostas apresentadas
por Aloísio Magalhães no Centro, e o quadro de abertura política do regime militar teriam
19
propiciado a ascensão de Aloísio à direção do órgão oficial de preservação e sua posterior
nomeação como Secretário de Cultura do MEC.
A segunda tese analisada neste capítulo originou o livro “Retórica da perda”, de
José Reginaldo Gonçalves [2002 (1996)]. Nele, o autor faz um estudo sobre os discursos do
patrimônio cultural no Brasil, interpretando-os como ‘narrativas nacionais’. Em sua análise,
Gonçalves identifica duas importantes narrativas que guiaram as políticas públicas de
preservação no país. A primeira associa-se a Rodrigo de Mello Franco de Andrade, que
presidiu o Sphan (depois Iphan) desde a sua criação até 1967; a segunda está associada a
Aloísio Magalhães, que na segunda metade da década de 1970, liderou a renovação
ideológica e institucional por que passou o órgão federal de preservação.
Nesse estudo, o patrimônio não é tratado como um dado histórico ou cultural, mas
como uma ‘categoria de pensamento’. Os discursos dos intelectuais ligados às políticas
oficiais de patrimônio são analisados por Gonçalves como ‘narrativas nacionais’, ou seja,
modalidades de invenção discursiva que visam a construir uma identidade e uma memória
para o país. Essas narrativas seriam ‘estórias de apropriação’, formuladas a fim de dar cabo
a situações de perda, com o objetivo constante de re-construir a nação. “Nesse sentido, a
nação, ou seu patrimônio cultural, é construída por oposição a seu próprio processo de
destruição” (Gonçalves, 2002: 31). Assim, a nação, que nessas narrativas estaria em
constante ameaça de dissolução, deve ser redimida pela proteção e preservação de seu
patrimônio. Para garantir a sua sobrevivência, a nação teria que identificar e apropriar-se do
que é seu o patrimônio cultural. Para Gonçalves, segundo essa lógica, preservar o
patrimônio seria o equivalente a preservar a nação. Nesse processo, os “intelectuais, por
meio de narrativas diversas, inventam o patrimônio cultural, a nação brasileira e a eles
próprios, como guardiões desse patrimônio” (2002: 33).
A terceira tese que comento é a de João de Souza Leite, designer que
iniciou sua carreira como estagiário no escritório de Aloísio Magalhães. A tese, intitulada
20
“Aloísio Magalhães, aventura paradoxal no design brasileiro. Ou o design como
instrumento civilizador?”, associa o design a uma dimensão sociológica, na medida em que
percorre a trajetória profissional de Aloísio Magalhães enquanto designer
2
, discutindo,
através dela, o cenário e as condições em que a profissão se instaurou no Brasil. Assim, em
sua tese, João Leite utiliza a trajetória profissional de Aloísio como um eixo sobre o qual
ele articula idéias específicas do campo do design com questões da sociedade brasileira.
Tendo o trabalho de Norbert Elias como referência, Leite propõe uma sociologia em torno
do personagem Aloísio Magalhães (Leite, 2006: 15). Para o autor, essa escolha implica em
discutir, por conseqüência, sobre a consolidação do campo profissional do design no Brasil.
Dessa forma, ele desenvolve a proposta de relacionar fatos diversos que contribuam para a
compreensão “de que o design no Brasil integra uma vertente do moderno que se estabelece
como tradição brasileira” (2006: 22).
Leite parte da constatação de um paradoxo: Aloísio Magalhães é um
grande mito do design brasileiro, mas um mito ‘estranho’ ao campo em que ele se inseria,
que se contrapunha aos cânones estabelecidos pela profissão no país. Na pesquisa, o autor
buscou compreender em que termos teria se estabelecido tal ‘paradoxo’ assim, entre as
perguntas fundamentais que a tese coloca destaca-se a seguinte: em que e por que Aloísio
Magalhães é estranho ao mundo do design brasileiro? As respostas, Leite encontra na
formação pessoal ‘peculiar’ de Aloísio, formação essa que, para ele, teria alcançado um
momento de síntese quando o então artista-plástico conhece Brasília. A partir da visita à
capital-federal, Aloísio teria compreendido que o design lhe permitiria conciliar ‘projeto’,
artes e cultura brasileira. Nesse momento, então, ele teria se decidido pela profissão de
2
Antes de decidir-se pela profissão, Aloísio estabeleceu ligacões com diversas áreas de trabalho: graduou-
sem em Direito, trabalho em teatro, foi artista plástico, e participou, como gravurista, de um atelier
experimental de edição de livros.
21
designer. No entanto, algum tempo depois de ter se estabelecido como um designer de
renome, Aloísio ‘transitou’ para a área de cultura. Para o autor, nesse segundo momento, o
designer explicitou que seu objetivo de vida não era o design, mas, sim, a ‘atividade
projetiva’, que podia ser aplicada também a projetos de cultura, o que ele realizou com a
criação do CNRC.
Em sua Dissertação de Mestrado em Antropologia, Marcus Vinícius
Carvalho Garcia (2004) realiza uma investigação sobre a ‘nova vertente’ pela qual o campo
do patrimônio tem se expandido - o chamado patrimônio imaterial. Nesse sentido, o autor
discute a influência que a noção antropológica de cultura vem exercendo sobre o campo do
patrimônio cultural, analisando de que modo essa influência ressoou na sociedade
brasileira, na medida em que ela teria inspirado a implantação da nova modalidade de
classificação e preservação do patrimônio a vertente imaterial. Nesse âmbito, Garcia
comenta as propostas do CNRC e de Aloísio Magalhães, destacando a influência que
exerceram no designer as figuras de Mário de Andrade e Gilberto Freyre.
Na monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação lato sensu em
História da Arte e da Arquitetura no Brasil (PUC-RJ, 2003), a designer - formada pela
ESDI - Ana Luiza Silveira Lopes estuda as relações de Aloísio Magalhães com o design
nacional, observando a mútua influência estabelecida entre as atividades de Aloísio
Magalhães no campo do design e no campo das ‘políticas culturais’.
Além de tais trabalhos, neste capítulo, me sirvo também de alguns artigos
do livro “Estado e cultura no Brasil”, organizado por Sérgio Miceli, em 1984. Dentre eles,
alguns citam diretamente Aloísio Magalhães e o CNRC, outros tratam mais amplamente
das relações Estado-cultura nos anos 1970.
22
No artigo “Notas sobre política cultural no Brasil”. Mario Brockmann
Machado discute alguns dos problemas que, em sua opinião, se apresentam à política
cultural no início dos anos 1980. Inicialmente, o autor questiona a própria existência de
uma política cultural no país. Para ele, a situação seria melhor definida com a utilização do
plural políticas culturais. Não obstante, Machado afirma que negar a existência de uma
política cultural substantiva não é o mesmo que afirmar a inexistência de tentativas nesse
sentido. Simplesmente é constatar que se elas existiram, não chegaram a se consolidar no
tempo. O autor destaca, como a mais importante dessas tentativas, a política de preservação
do patrimônio histórico e artístico nacional. Nesse campo, Machado acredita que tenham
acontecido algumas medidas de ‘renovação’ e ‘arejamento’ durante o período em que
Aloísio Magalhães esteve à frente da Secretaria de Cultura do MEC.
Em “Política cultural e democracia: a preservação do patrimônio histórico
e artístico nacional”, Joaquim Falcão trata das relações entre política cultural e democracia
no Brasil. Assim como Machado, Falcão não acredita ser possível afirmar a existência de
uma política cultural desenvolvida pelo Estado brasileiro. A exceção estaria justamente no
campo da preservação histórica e artística, uma vez que, em 1937, o Iphan estaria
inserido em um “processo de legalização, institucionalização e sistematização da presença
do Estado na vida política e cultural do país” (Falcão, 1984a: 26). O autor demonstra como
surgiram, no início dos anos 1970, novas possibilidades de políticas culturais. Para Falcão,
a consideração desse contexto é fundamental para que se compreenda a experiência do
CNRC, que é definido por ele como “o embrião da nova política de preservação cultural do
Estado” (1984a: 31). Este autor acredita que somente a partir do contexto político da época
seria possível entendermos o fato de o CNRC ter nascido fora da burocracia estatal.
23
No artigo “O processo de construção institucional na área de cultura
federal (anos 70)”, Sérgio Miceli trata do arranjo institucional que se configurou durante a
gestão Ney Braga no Ministério de Educação e Cultura (Governo Geisel). Nessa gestão, foi
formalizado o primeiro plano oficial para a área de cultura, a “Política Nacional de
Cultura”. Para o autor, essa política foi importante no sentido em que conseguiu vincular a
cultura às metas da política de desenvolvimento social. Dentro da cronologia dessa política
cultural oficial, Miceli insere o CNRC, assinalando que o órgão contribuiu ativamente para
apressar as transformações por que passou a vertente patrimonial das políticas públicas na
área de cultura nos anos 1970. Segundo Miceli, os ministros Severo Gomes e Golbery do
Couto e Silva foram agentes ativos na transformação sofrida por essa vertente: Severo
viabilizou a criação do Centro, “dando assim alento às pretensões de reforma da vertente
patrimonial em seguida formuladas pelo CNRC” (Miceli, 1984: 67); Golbery, sendo
simpático ao projeto de Aloísio Magalhães, teria colaborado em sua indicação para a
presidência do Iphan.
O livro “Herança do olhar”, organizado por João de Souza Leite, contém
artigos sobre o período em que Aloísio Magalhães esteve ligado ao CNRC e ao Iphan. Em
“A cultura e o caráter do desenvolvimento econômico”, Paulo Sergio Duarte discorre sobre
alguns conceitos que teriam balizado a atuação político-cultural de Aloísio, que, em seu
ver, foi o “articulador da mais consistente e abrangente política cultural até agora formulada
no Brasil” (Duarte, 2003: 222). Para Duarte, Aloísio teria questionado, em sua proposta
política, as variáveis quantitativas que serviam à elaboração de modelos de
desenvolvimento, propondo sua substituição por uma ‘visão antropológica e moderna’ de
cultura, que abarcaria um número muito mais vasto de manifestações culturais que as
24
consideradas pelo Iphan desde a sua criação. Para o autor, essa nova visão do patrimônio,
mais ampliada, teria sido resgatada e aprofundada por Aloísio a partir do anteprojeto de
Mário de Andrade para a criação do Sphan.
Maria Cecília Londres Fonseca é a autora de “O Centro Nacional de
Referência Cultural: a contemporaneidade do pensamento de Aloísio Magalhães”, artigo
em que ela revê e complementa alguns temas abordados em sua tese de doutorado. Fonseca
aponta, assim como fez João Leite, para o que ela considera ser a base de conduta de
Aloísio como homem público: a liminaridade da ligação de Aloísio Magalhães com a
produção cultural. Algo que faria parte da identidade pernambucana de Aloísio, que, como
tal, esteve desde sempre em contato com as culturas populares de Pernambuco. Tal ligação
teria se adensado com sua passagem pelo Teatro, pelas Artes Plásticas, pelas Artes
Gráficas e pelo Design. Assim, o ‘contato profundo e variado’ com a questão cultural teria
informado o modo inovador com que Aloísio cuidou da cultura, e também o ‘sentido de
compromisso com o desenvolvimento’ que guardariam as suas propostas para a área
cultural. Propostas essas que tinham como diferencial a compreensão da cultura como fator
decisivo para o desenvolvimento. Para a autora, Aloísio se destaca pelo fato de ele ter, antes
de todos, percebido o potencial brasileiro de gerar alternativas ao modelo de
desenvolvimento hegemônico dos Estados Unidos.
Ao final desse artigo, Fonseca comenta a experiência de ter trabalhado no
CNRC, algo que ela não faz diretamente em sua tese de doutorado, assumindo também a
permanente ligação do grupo que fez parte do CNRC com as propostas experimentadas
então. Nesse sentido, a autora menciona a marca que a experiência no Centro teria deixado
25
nas pessoas ligadas que formaram a equipe do órgão. Esse grupo teria continuado crédulo à
validade daquelas propostas, participando de projetos de interesse público.
Em “Um líder e seu projeto”, Joaquim Falcão avalia os antecedentes, o
conteúdo e as conseqüências das propostas de Aloísio Magalhães para a área cultural.
Segundo o autor, havia um ‘problema gerador’ que Aloísio tomou como desafio pessoal.
Esse problema consistia em que, em função das mudanças porque passava o país, com o
desgaste do modelo implementado pelo regime militar e a re-mobilização da sociedade
civil, mudavam também as necessidades do campo do patrimônio. Aloísio teria captado
esse clima de mudança e a partir do que ele demandava, formulou um projeto para
concretizar as mudanças necessárias. Nas palavras de Falcão, “seu projeto foi moldado por
uma compreensão sistêmica de cultura, aberta e não dogmática, capaz de integrar, somar,
incorporar sem eliminar divergências, conservar mudando” (Falcão, 2003: 259).
Em “Aloísio Magalhães: uma idéia viva”, Joaquim Redig de Campos -
designer que também trabalhou no escritório de Aloísio - comenta algumas características
da personalidade e da trajetória de Aloísio Magalhães. Para Campos, na vida de Aloísio,
seriam identificáveis dois grandes estágios: um plástico e um político. Cada um desses
estágios estaria ligado a um tempo definido; o primeiro iria desde o início de sua
experiência com a pintura e a gravura até a sua prática como designer. O CNRC e a política
cultural no MEC constituiriam o segundo estágio.
As colocações de Redig são bastante similares às de João Leite. Assim
como este, Redig entende o CNRC como uma conseqüência da prática do design, na
trajetória de Aloísio. Todo o potencial desenvolvido por Aloísio a partir da criação do
26
CNRC estaria esboçado primeiramente em sua atuação no campo do design, pois, segundo
Redig, para Aloísio tudo era uma coisa só.
No livro “Esdi: biografia de uma idéia”, o designer Pedro Luiz Pereira de
Souza levanta a história da Escola Superior de Desenho Industrial, onde se graduou e é
professor. Apesar de recriar minuciosamente a trajetória da escola, mais do que se
preocupar com a sucessão dos fatos, o autor discute as idéias e concepções que guiaram as
atividades da ESDI, a partir de 1963. Aloísio Magalhães esteve presente na escola desde a
sua fundação, ocupando lugar de destaque entre os professores, uma vez que, devido ao seu
posicionamento atípico no quadro docente “mais próximo a uma tendência empírica e
formal, ele foi, na verdade, uma escola fora da ESDI” (Souza, 1996: 154). Para este autor, o
que veio a se tornar o Centro Nacional de Referência Cultural era, na verdade, um projeto
de design nacional, cultivado por Aloísio ao longo dos anos de sua prática profissional.
Neste capítulo, analiso, ainda, o conjunto de depoimentos gravados (ainda
não editados) durante o “Simpósio Aloísio Magalhães sobre política cultural”, realizado em
Brasília no ano de 2002. Por ocasião do aniversário de vinte anos de morte de Aloísio
Magalhães, reuniram-se, em sua homenagem, pessoas que trabalharam com ele durante a
fase de sua vida dedicada às políticas culturais. Entre os palestrantes estavam: Octavio
Elísio Alves de Brito (representando o Ministro da Cultura), João de Souza Leite, Roberto
Cavalcanti de Albuquerque, Antonio Augusto Arantes, Jurema de Souza Machado, Roberto
Sabato Moreira, José Silva Quintas, Carlos Rodrigues Brandão, Luiz Felipe Perret Serpa,
Lauro Cavalcanti, Bárbara Freitag Rouanet, Briane Bicca, Joel Rufino dos Santos, Olympio
Serra, José Carlos Levinho, Maria Cecília Londres Fonseca, Augusto Carlos da Silva
27
Telles, Henrique Oswaldo de Andrade, José Reginaldo Gonçalves, Célia Corsino, Isaura
Botelho, Paulo Sérgio Duarte e Tereza Carolina Abreu.
A pesquisa localizou também alguns textos esparsos que fazem referência
ao CNRC. Tanto de pessoas ligadas a Aloísio, tais como Italo Campofiorito, Paulo Sergio
Duarte, Joaquim Falcão, José Laurêncio de Melo, José Silva Quintas, quanto de autores que
não tiveram vinculação direta com ele, como, por exemplo, Renato Ortiz.
Além disso, vale destacar a influência que exercem os trabalhos de
Fonseca (2005) e Gonçalves (2002) sobre a compreensão geral do que tenha sido o CNRC.
A maioria dos textos produzidos posteriormente a essas publicações, assume e repete o
modo como o CNRC e o discurso de Aloísio Magalhães foram entendidos por esses
autores. Não é sem motivo: Fonseca e Gonçalves realizaram trabalhos importantíssimos,
que aprofundam as discussões sobre o segundo momento da trajetória das políticas públicas
de patrimônio no Brasil, o que até então não havia sido feito. Seguindo seus passos,
foram realizados alguns trabalhos. Entre eles, cumpre destacar as dissertações de Garcia
(2004) e Mariani (1996).
1.2 O Centro Nacional de Referência Cultural
1.2.1 Projeto pessoal ou o resultado de um encontro
Os autores se dividem quando se trata de explicar a criação do Centro
Nacional de Referência Cultural. Para uns, o CNRC era um projeto pessoal que Aloísio
Magalhães vinha elaborando muito tempo, em função da experiência acumulada em sua
28
prática no campo do design; para outros, é do encontro entre Aloísio Magalhães, Severo
Gomes e Vladimir Murtinho que nasce o projeto de um centro que associasse a pesquisa em
cultura a uma proposta de desenvolvimento para o país.
João de Souza Leite é um dos que acreditam que o projeto do CNRC foi
moldado gradativamente na cabeça de Aloísio Magalhães, a partir do momento em que ele
se decide pelo design enquanto profissão. Para Leite, essa decisão teria se dado em função
do encontro de Aloísio com a ‘idéia de projeto’
3
, uma decorrência de sua visita à Brasília.
A nova capital federal, que, para Leite, seria a concretização da atitude projetual no país,
teria despertado Aloísio para a possibilidade de atuação no campo do design. Segundo este
autor, depois da visita a Brasília, Aloísio se decidiu efetivamente pela profissão que veio a
exercer nos vinte anos seguintes. Nesse mesmo momento, teria surgido em Aloísio o
interesse pelas questões culturais. A partir de tal perspectiva, o CNRC seria apenas um
desdobramento (quase como uma conseqüência) na área cultural de posicionamentos
assumidos por Aloísio enquanto designer.
Pedro Luiz Pereira de Souza cita um depoimento de Aloísio, em que ele
propõe algo que poderia ser caracterizado como um pré-projeto do CNRC, e onde ele
também sugere que ‘designers’ e ‘sociólogos’ deveriam se unir na busca pela viabilização
de um produto industrial com características nacionais. Nas palavras de Souza,
3
“A noção de projeto é uma das mais caras ao conceito de design palavra inglesa cuja melhor definição
seria, justamente, projeto (e não desenho). O Conselho Federal de Educação, no parecer 62/87, de 29 de
janeiro de 1987, prioriza a atividade projetual na própria definição de desenhista industrial: “O desenhista
industrial é o profissional que participa de projetos de processos industriais, atuando nas fases de definição de
necessidades, concepção e desenvolvimento do projeto, objetivando a adequação destes às necessidades do
usuário e às possibilidades de produção” (Villas-Boas, 1997: 20). Segundo o designer André Villas-Boas,
para que se exerça o design, é necessário que haja projeto. Em suas palavras, “É através da atividade projetual
que “o desenhista industrial coteja requisitos e restrições, gera e seleciona alternativas, define e hierarquiza
critérios de avaliação e engendra um produto que é a materialização da satisfação de necessidades humanas,
através de uma configuração e de uma conformação palpável” (Moraes, 1993)” (1997: idem).
29
em 31 de março de 1973, no Jornal do Brasil ele declarou: “Eu sugiro a
criação de um grupo independente de política e de grupos econômicos para
pesquisa de produtos novos e levantamentos de viabilidades de mercado.
Esse grupo teria elementos governamentais e designers também, deveria
contar com pessoas ligadas aos aspectos sócio-econômicos e culturais do
país, como sociólogos, por exemplo. Essa associação me parece
imprescindível se vai-se querer criar produtos com características nacionais
e uma política nacional de design (Souza, 1996: 272).
Assim como Leite e Souza, Octavio Elísio Alves de Brito (2002) acredita
que o interesse de Aloísio Magalhães pela política cultural nasce em função de uma
indagação feita a partir de sua perspectiva profissional. A preocupação com a fragilidade do
produto brasileiro teria levado Aloísio a criar o CNRC.
Deixando o design, e vinculando o Centro ao campo das políticas
públicas de patrimônio, José Reginaldo Gonçalves vincula a criação do CNRC ao desejo
particular de Aloísio Magalhães de “estudar e propor uma política alternativa de patrimônio
cultural que o novo contexto histórico por que passava a sociedade brasileira estava a
exigir” (Gonçalves, 2002: 74).
Se para Brito, Leite e Souza, o CNRC era uma idéia que Aloísio trazia
em mente quando encontra Severo e Murtinho em 1975, para Maria Cecília Londres
Fonseca, assim como para Sérgio Miceli, o CNRC surge a partir do encontro de Aloísio
Magalhães com Severo Gomes e Vladimir Murtinho. Para Miceli, o Ministro Severo teria
se mostrado sensível ao projeto de Aloísio de realizar essa “espécie de levantamento
arqueológico multidisciplinar, visando o resgate dos traços e raízes culturais a serem
utilizados como matéria-prima de um desenho caracteristicamente ‘nacional’ dos produtos
industriais” (Miceli, 1984: 79). Fonseca acredita que O CNRC teria surgido a partir de
conversas entre Aloísio designer e artista plástico, Severo então Ministro da Indústria e
Comércio, e Vladimir diplomata e Secretário de Educação e Cultura do DF. Situado em
Brasília, o grupo debatia sobre o produto brasileiro, questionando porque esse produto não
havia ainda encontrado uma fisionomia própria.
30
Ana Luiza Silveira Lopes assinala que
Joaquim Reidg (que trabalhava com Aloísio na época) narra um episódio
que ilustra bem essa passagem (em que Aloísio começa a se desvincular de
sua atividade como designer e passa a se dedicar cada vez mais a uma
atividade no âmbito cultural). Segundo o depoimento de Redig, por volta
de 1972, alguns anos antes de Aloísio Magalhães assumir publicamente sua
atividade na política cultural, ele foi convocado pelo Ministro da Indústria
e Comércio e seu amigo pessoal, Severo Gomes, para uma consultoria
sobre o produto brasileiro de exportação. Teria sido nessa reunião que, ao
se deparar com o problema da definição de um produto brasileiro (ou a
falta dela), Aloísio Magalhães teria colocado a questão de que para definir,
conhecer e criar o produto brasileiro seria preciso antes conhecer a cultura
brasileira (Lopes, 2003: 33).
1.2.2 Uma experiência pioneira e ambiciosa
O Centro Nacional de Referência Cultural é definido pelos autores como
uma ‘atividade’ (Falcão, 1984), uma ‘experiência pioneira’ (Arantes, 2002), uma ‘base
experimental’ (Gonçalves, 2002), um ‘espaço de experimentação’ e um ‘celeiro de idéias e
experiências’ (Fonseca, 2002), um ‘berço’ (Leite, 2002), uma ‘espécie de levantamento
arqueológico multidisciplinar’ (Miceli, 1984). Essas definições denotam a ênfase dada por
esses autores ao caráter experimental e embrionário do trabalho desenvolvido pelo CNRC,
que é visto pela maioria deles como a base de onde teriam se desenvolvido as idéias que
nortearam as políticas públicas de preservação de patrimônio a partir de 1979, quando
Aloísio Magalhães foi nomeado presidente do Iphan.
João de Souza Leite acredita que o CNRC teria sido “o berço das ações que Aloísio
Magalhães viria a traçar no quadro institucional, no âmbito federal, no trato dos bens
culturais” (Leite, 2002: 04). Joaquim Falcão define o CNRC como “o embrião da nova
política de preservação cultural do Estado” (Falcão, 1984a: 31). Para este autor, o CNRC
nem chega a se concretizar como uma instituição, ele seria simplesmente “uma atividade
apoiada por um convênio” (Falcão, 1984a: 32). Maria Cecília Londres Fonseca (2002)
reforça o argumento de Falcão, afirmando que, ao contrário do que pode parecer, o CNRC
31
não era uma instituição de pesquisa, mas, sim, um espaço de experimentação, um celeiro de
idéias e experiências onde se adotava uma perspectiva interdisciplinar, caracterizada por
uma prática plástica e informal. Assim como Fonseca e Brito, José Reginaldo Gonçalves
define o CNRC como a ‘base experimental’ para a nova política oficial de patrimônio
implementada em 1979. Em suas palavras, o Centro era um “programa interministerial de
trabalho que desenvolveu diversos projetos culturais que exemplificavam a nova concepção
de ‘patrimônio cultural’ defendida por Aloísio Magalhães” (Gonçalves, 2002: 74).
Indo além, Octavio Elísio Alves de Brito define o CNRC como “um laboratório de
experiências e projetos culturais que levaram a questionamentos sobre a cultura brasileira,
que se ampliavam, em muito, ao alcance das políticas culturais” (Brito, 2002: 02).
Gonçalves e Fonseca destacam o caráter ambicioso da proposta do
CNRC. Para Gonçalves, os projetos do Centro não teriam por objetivo a simples
identificação e preservação dos ‘bens culturais’, mas, mais do que disso, estariam
preocupados com o retorno dos resultados às populações ligadas aos bens culturais
pesquisados. Fonseca divide as atividades do CNRC em duas fases, a primeira, com uma
proposta mais restrita, e a segunda, com objetivos mais ‘ambiciosos’. A autora afirma que,
a princípio, o Centro se propunha a criar um banco de dados sobre a cultura brasileira, que
tinha por fim gerar referências que fossem úteis ao planejamento social e econômico do
país. Referenciando e identificando os produtos culturais brasileiros, o grupo do CNRC
acreditava ser possível viabilizar um maior acesso aos produtos, que, até então,
encontravam-se desconhecidos da sociedade e privados, assim, de contribuir para o
desenvolvimento nacional. Segundo Fonseca, com o passar do tempo, essa concepção teria
sido re-elaborada a ampliada, e o projeto do Centro teria tomado um vulto mais ambicioso,
buscando não reunir indicadores para a elaboração de um modelo de desenvolvimento
32
que se encaixasse nas necessidades brasileiras, mas, também, considerar as questões de
responsabilidade social para com os interesses dos grupos pesquisados.
1.2.3 Trabalhando com os contextos
Para Gonçalves, a proposta do CNRC seria elaborar um novo modo de
tratar os bens culturais enquanto patrimônio: um modo que considerasse os contextos em
que vivem as populações associadas a um dado ‘bem cultural’, que levasse em conta as
peculiaridades de cada cultura. Nesse discurso, autonomia se associa a diversidade, pois,
como afirma o autor, para Aloísio Magalhães a diversidade cultural da sociedade brasileira
seria o elemento definidor de sua singularidade, tanto a nível nacional quanto internacional.
Para Aloísio, os ‘bens culturais’ seriam ‘indicadores’ de um ‘caráter’ brasileiro, e esse
‘caráter’ somente se revelaria através do estudo das trajetórias dos ‘bens culturais’. Isso
seria possível se a pesquisa acessasse o ‘ponto de vista nativo’. Logo, o conjunto
heterogêneo de ‘bens culturais’ que caracterizaria a cultura brasileira faria sentido se
cotejado com o contexto ao qual se vinculava. Para Gonçalves, esse “discurso ecoa uma
visão antropológica ou etnográfica da cultura, incluindo como ‘patrimônio’ diversas
espécies de objetos e práticas que integram o cotidiano de diferentes segmentos sociais”
(Gonçalves, 2002: 82).
José da Silva Quintas concorda que a proposta inicial do Centro seria
trabalhar com os contextos culturais, não partindo de modelos, mas travando contato com
os indivíduos ligados aos processos culturais observados os ‘produtores da cultura’. Para
Quintas, o contato com os diversos contextos culturais teria levado o CNRC à compreensão
de que existem no país diversas visões de mundo e inúmeras explicações para a realidade.
33
Desse modo, o Centro teria optado por trabalhar “mais a cultura enquanto processo do que
enquanto produto” (Quintas, 2004: 08).
Indo na mesma direção, Antonio Augusto Arantes (2002), afirma que a
grande preocupação do CNRC seria reintegrar no universo de sua produção as referências
produzidas pelas pesquisas. O referenciamento deveria contribuir para o fortalecimento das
experiências pesquisadas, a nível local, mas também, em um âmbito mais geral, para o
desenvolvimento do país a nível global.
1.2.4 O conceito de ‘referência cultural’
No “Dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho
Patrimônio Imaterial”, de 2000, Maria Cecília Londres Fonseca assina um artigo intitulado
“Referências culturais: base para novas políticas de patrimônio”. Nesse texto, Fonseca
retoma a história do CNRC, revisando a noção de ‘referência cultural’, que naquele
momento, era a base para as considerações sobre a criação de um novo instrumento legal de
preservação, no que tange ao patrimônio de natureza imaterial. A autora esclarece que essa
noção entrou em cena no campo do patrimônio através do Centro. O termo ‘referência’,
estrategicamente escolhido, evidenciava uma crítica dos pesquisadores ligados ao órgão às
tradicionais noções utilizadas no campo da preservação.
A expressão ‘referência cultural’ estaria, mesmo que de modo indireto,
vinculada a uma concepção antropológica de cultura. Algo que para Fonseca, se
caracterizaria por uma perspectiva plural que descentraliza os critérios tidos como
objetivos, enfatizando a “diversidade não da produção material, como também nos
sentidos e valores atribuídos pelos diferentes sujeitos a bens e práticas sociais.” (Fonseca,
34
2000: 62) Assim, falar em ‘referências culturais’ seria chamar a atenção para a questão da
identidade dos grupos ligados a um dado bem cultural. Portanto, apreender ‘referências’
implicaria em lidar não só com as representações simbólicas, mas, também com as relações
existentes entre elas.
Orientar um trabalho de preservação a partir da noção de ‘referência
cultural’ significa buscar formas de se aproximar do ponto-de-vista dos
sujeitos diretamente envolvidos com a dinâmica da produção, circulação e
consumo dos bens culturais (2000: 68).
Segundo Fonseca, nos termos do trabalho desenvolvido pelo CNRC, os
sujeitos ligados a um dado contexto cultural deixam de ser meros informantes, para se
transformarem em intérpretes de seu patrimônio cultural. E assim “o eixo do problema da
preservação se desloca de uma esfera eminentemente técnica para um campo em que a
negociação política tem reconhecido o seu papel” (2000: 64). Dessa forma, transferindo a
atenção dos objetos para os sujeitos, o CNRC teria contribuído para a desmaterialização e
politização da preservação.
A autora acredita que os instrumentos encontrados pelo Centro para
realizar tal tarefa foram tomados emprestados do ‘saber consolidado pelas Ciências Sociais,
que estariam disseminando a idéia de ‘bem-cultural’. Joel Rufino dos Santos acrescenta que
a idéia de bem-cultural ‘andava no ar tempo’. Para este autor, o mérito de Aloísio
Magalhães foi “convertê-la em diretriz política e ‘vendê-la’ com sucesso ao último governo
militar, conseguindo dele os meios institucionais que o viabilizaram” (Santos, 2002: 64).
35
1.3 Cultura, antropologia e desenvolvimento
1.3.1 Politizando uma concepção antropológica de cultura e sociedade
Muitos dos autores (Botelho, Duarte, Fonseca, Garcia, Gonçalves)
associam o trabalho do CNRC a uma inspiração antropológica. Para eles, o Centro teria
operado com um conceito de cultura diferente do que até então fundamentava a prática do
Instituto do Patrimônio. Fonseca (2005) afirma que a nova concepção de cultura utilizada
pelo CNRC estaria em consonância tanto com as diretrizes da Unesco, quanto com
mudanças por que passavam as próprias Ciências Sociais. José Reginaldo Gonçalves afirma
que a narrativa de Aloísio Magalhães estaria vinculada a uma visão projetiva da história, ou
melhor, a uma concepção antropológica de cultura e sociedade. Esse autor associa o
discurso de Aloísio Magalhães a uma
tendência ideológica manifesta em parte da literatura etnográfica do
século XX, onde ganha destaque uma visão das chamadas ‘culturas
primitivas’, ou das ‘culturas populares’, que aparecem sob o impacto
irreversível de um processo global de homogeneização, descaracterização
e perda (Gonçalves, 2002: 100).
Para Gonçalves, a narrativa de Aloísio Magalhães reeditaria antigas estratégias
utilizadas pela História e pela Antropologia, “onde a história é concebida como um
processo ininterrupto de destruição, e onde os valores associados a determinada ‘cultura’, a
determinada ‘tradição’ ou ‘identidade’ tendem a ser irremediavelmente perdidos”
(Gonçalves, 1991: 73). A diferença entre o discurso de Aloísio Magalhães e essa literatura
antropológica estaria em seus propósitos: o discurso de Aloísio não se limitava à descrição
e à análise de culturas - além disso, ele tinha objetivos políticos e ideológicos.
A politização da questão cultural surge, nesses textos, como uma
conseqüência da ‘antropologização’ da cultura. Segundo Maria Cecília Londres Fonseca, a
36
partir da experiência do CNRC a preservação passaria a assumir novas funções para além
da estritamente cultural, politizando-se. Roberto Sábato Moreira afirma que Aloísio
Magalhães teria superado “uma idéia predominante na ação do Estado quando se tratava de
política cultural” (Moreira, 2002: 26), aquela que entendia cultura como arte, para substituí-
la por um conceito de cultura “que incorporava a esfera do simbólico, dos valores, do saber,
do conhecimento, da expressão, dos fazeres cotidianos” (2002: idem).
1.3.2 Conceito de cultura
Isaura Botelho discute a adoção, por Aloísio Magalhães, do que ela
denomina de ‘conceito antropológico de cultura’, algo que, segundo a autora, a Unesco
vinha pregando desde o início dos anos 1970. Botelho afirma que a questão do conceito de
cultura foi fundamental na época. Para ela, “é o grau de abrangência dos termos da
definição de cultura que estabelece parâmetros para a determinação das estratégias
possíveis tendo em vista os objetivos de uma política cultural” (Botelho, 2002: 98). A
autora aponta para as diferenças existentes entre uma dimensão antropológica e uma
dimensão sociológica da cultura. Segundo ela, Aloísio teria adotado a primeira perspectiva,
a da Antropologia. Nesse plano, Botelho define cultura como sendo o fruto da interação
social dos indivíduos, ou como sendo o lugar onde esses indivíduos elaborariam seus
valores e construiriam suas identidades.
Logo, segundo essa visão, para que uma política atinja a cultura tomada
sob tal perspectiva, seria necessário que ela incluísse em seu projeto a reorganização das
estruturas sociais e a redistribuição dos recursos econômicos. Ou seja, tomar a cultura nesse
sentido implicaria, no nível das políticas públicas, em mudanças radicais na organização de
37
uma sociedade. “Assim sendo, a adoção de um conceito antropológico de cultura exige a
participação de todas as áreas da gestão pública devendo, portanto, ser assumido como um
pressuposto geral de governo e não exclusivo do setor de cultura” (2002: 99). Desse modo,
“o problema, ao se assumir uma perspectiva antropológica de cultura, não é expandir a área
da cultura, mas sim expandir a cultura para as outras áreas do governo” (2002: 100).
Para Botelho, Aloísio Magalhães tinha consciência da necessidade de
articulação política entre os vários setores do governo quando criou o CNRC como um
órgão multi-institucional, pois, com a criação do Centro, ele não retirou a cultura do
ambiente restrito onde ela era habitualmente tratada (o MEC), como conclamou outros
setores do governo a incluírem as questões culturais entre as suas preocupações, realizando,
assim, um trabalho de alargamento do espectro de possibilidades para o trato da questão
cultural dentro e fora do governo.
Para Paulo Sergio Duarte (2003), Aloísio Magalhães teria questionado,
em sua proposta política, as variáveis quantitativas que serviam à elaboração de modelos de
desenvolvimento, propondo sua substituição por uma ‘visão antropológica e moderna’, que
abarcaria um número muito mais vasto de manifestações culturais que as consideradas pelo
Iphan desde a sua criação. Dessa forma, o CNRC associava a cultura a novas áreas dentro
do governo, áreas mais fortes que aquelas às quais ela era usualmente identificada. Antonio
Augusto Arantes chega a afirmar que essa foi a principal contribuição de Aloísio para o
campo do patrimônio: a inserção da cultura no âmbito das políticas sociais.
38
1.3.3 Outras matrizes de racionalidade
Segundo Maria Cecília Londres Fonseca (2005), o CNRC trazia para o
campo do patrimônio uma ‘visão ampla de cultura’, que questionava e re-elaborava, entre
outras coisas, as noções de autenticidade, artesanato e o par dicotômico cultura
erudita/cultura popular. Práticas e saberes que até os anos 1970 eram de interesse restrito
dos folcloristas e etnógrafos, passaram a ser objeto de preservação. José Silva Quintas
também comenta a especificidade do trato do CNRC com a questão da cultura. Para ele, o
Centro buscaria “entender a cultura como um objeto de muitas relações, multifacetado”
(Quintas, 2002: 29). Segundo esse autor, o CNRC operaria com ‘outra’ concepção de
cultura, que consideraria não apenas a cultura erudita, mas, também, ‘outras matrizes de
racionalidade’. O saber popular, que, até então, era objeto de estudo restrito dos folcloristas,
nessa visão, não era tomado como um elemento de produção de identidade cultural, mas,
sim, como um elemento do espaço de reprodução social.
Quintas também destaca no trabalho do Centro o reconhecimento da
pluralidade cultural. Para o CNRC, a identidade brasileira seria resultado de uma ‘unidade
na diversidade’. “Tratava-se da interação de diferentes culturas. Assumia-se que o país tem
diferentes contextos culturais. A política cultural deveria fazer a inter-relação entre as
culturas” (2002: idem). O autor aponta para o conceito de devolução que era utilizado no
Centro, sublinhando que devolução não significava simplesmente devolver à população
algo que havia sido retirado dela, mas, sim, implicava em se trabalhar, juntamente com os
contextos, a dinâmica cultural.
39
Quintas considera que o inédito no trabalho do Centro foi o fato de que
ele trouxe para o âmbito oficial algo até então inimaginável: uma visão interdisciplinar da
questão cultural que a considerava em sua diversidade e pluralidade. Joaquim Falcão
complementa, ao afirmar que, na concepção do órgão, a cultura era somatória, pensada
enquanto processo, logo, fundamentada por três elementos: ‘continuidade’,
‘heterogeneidade’ e ‘complexidade’. “Assim, a cultura é processo, é processo histórico,
contínuo, heterogêneo e complexo” (Falcão, 1984a: 33).
Para Antonio Augusto Arantes, o trabalho do CNRC não seria inédito
somente pelo seu entendimento da cultura, mas também pelas ferramentas de que se
utilizava para aplicar às pesquisas essa nova concepção de cultura. O Centro utilizava
técnicas de informática e de matemática, e segundo Arantes, tinha sua atenção voltada
principalmente para a área de tecnologia, com a pesquisa dos ‘saberes populares’. Para este
autor, os projetos do CNRC seriam fruto de um “esforço importante no sentido de
sistematizar e sedimentar informações etnográficas, segundo matriz lógica complexa e
especialmente concebida.” (Arantes, 2002: 13) Arantes complementa, apontando para o
fato de que, naquela época, “o uso de modelos matemáticos nos estudos culturais
encontrava respaldo e estímulo na semiologia e mesmo na antropologia estrutural lévi-
straussiana” (2002: idem).
1.3.4 Antropologia por não-antropólogos
Além de ter objetivos políticos e ideológicos, como afirmou Gonçalves, a
‘concepção antropológica de cultura’ de que se utilizava o CNRC não surgia entre
cientistas sociais, mas em meio a agentes vinculados a outras áreas (design, informática,
40
indústria) (Fonseca, 2005). “Ainda que não seja ele próprio um antropólogo, sua política
cultural [a de Aloísio Magalhães] está orientada por alguns valores presentes, de forma
distinta, em teorias que informam a moderna antropologia” (Gonçalves, 2002: 50). Segundo
Fonseca, a ‘forte inspiração antropológica’ nunca teria sido explicitada no discurso do
Centro. Pelo contrário, em seu discurso, o CNRC faria questão de afirmar o distanciamento
em relação às disciplinas acadêmicas, tanto em termos teóricos quanto práticos e
metodológicos. Nos termos utilizados na época, buscava-se apenas o ‘contato com a
realidade’.
O que essas afirmações parecem sugerir é que, naquele momento, no
meio dos anos 1970, uma ‘inspiração antropológica’ atingia tanto as instituições
internacionais (Unesco) quanto os intelectuais brasileiros (pelo menos aqueles que fizeram
parte do CNRC), como algo que estava ‘há muito tempo no ar’ (Brito, 2002). A
Antropologia de que falam esses autores parece definir-se em função de uma ‘visão
projetiva’, ‘ampla’, ‘plural’, que considera o ‘ponto de vista nativo’ etc. Trata-se de uma
‘antropologia espontânea’? Os designers João de Souza Leite e Joaquim Redig de Campos
acreditam que Aloísio Magalhães teria elaborado essa ‘nova concepção’ de cultura a partir
de sua prática no campo do design. A tese de Leite, que analisaremos à frente, sugere que o
design foi e, por conseqüência, pode ser a base para uma compreensão mais ampla de
cultura.
1.3.5 Cultura e desenvolvimento
Na versão de Maria Cecília Londres Fonseca, o Centro Nacional de
Referência Cultural teria surgido a partir de conversas entre Aloísio Magalhães, Severo
Gomes e Vladimir Murtinho. Nessas discussões, vinculava-se a cultura ao
desenvolvimento. Segundo a autora, o objetivo do CNRC seria buscar por modelos de
41
desenvolvimento que se adequassem tanto ao contexto de produção e consumo local quanto
às condições culturais nacionais. Em vez de coletar para guardar, propunha-se o
conhecimento para dinamização. Desse modo, o passado se articularia ao presente e ao
futuro, tendo em vista a elaboração de uma ação projetiva. “O objetivo, nesse caso, passava
a ser o de conhecer, referenciar e compreender essas manifestações, visando a preservar sua
memória e a fornecer elementos para o apoio a seu desenvolvimento” (Fonseca, 2005: 148).
Assim, a proposta do CNRC seria instrumentalizar a área da cultura a fim de que ela
pudesse ser um elemento ativo no processo de desenvolvimento.
Fonseca comenta o modo crítico com que Aloísio Magalhães enxergava a
importação de modelos de desenvolvimento estrangeiros. Indo na direção contrária à
corrente que defendia um desenvolvimento dependente, Aloísio defendia para o país um
modelo de desenvolvimento endógeno e a busca de soluções autóctones (Fonseca, 2005).
Segundo a autora, essa postura vinha de encontro à orientação da Unesco para o terceiro-
mundo: o que se considerava como sinais de carência convertia-se em fatores propiciadores
de um desenvolvimento. Sobre esse tópico, Garcia afirma que
em Aloísio Magalhães, uma recusa à importação de idéias,
principalmente as que aterrissavam no Brasil sobre a rubrica do
‘desenvolvimento’ e da ‘modernização’, sem passar por um crivo crítico
que partisse de nossa realidade. Em vez de propor a coletivização do
saber culto, propõe a culturalização dos saberes coletivos. Ou seja, os
modelos de desenvolvimento e de trato com a cultura – indissociáveis em
seu discurso deveriam florescer tendo como insumo os aspectos que a
realidade brasileira ofereceria naquilo que ela possuísse de mais
autêntico, ligando a questão cultural não somente ao desenvolvimento,
mas, também, à cidadania (Garcia, 2004: 66).
Roberto Cavalcanti de Albuquerque (2002) sublinha que, para Aloísio, o
desenvolvimento deveria ser resultado da evolução da cultura do país. Na mesma direção
que Fonseca e Albuquerque, José Reginaldo Gonçalves (2002) destaca que, para Aloísio, os
42
‘bens culturais’ teriam o potencial para garantir a preservação do ‘caráter’ nacional no
processo de desenvolvimento econômico e tecnológico. Desse modo, eles seriam
ferramentas úteis para a realização de um ‘desenvolvimento autônomo’. Assim, a visão
‘pluralista’ da cultura nutrida por Aloísio Magalhães estaria assentada em “uma consciência
muito aguçada sobre o papel do patrimônio cultural como recurso estratégico, tanto interna,
quanto externamente” (Garcia, 2004: 63).
1.4 CNRC, Iphan, MEC, Governo Geisel
1.4.1 Antecedentes: uma dupla crise de legitimidade
Para Joaquim Falcão (2003), Aloísio considerava as mudanças que
começavam a se ensaiar no país, a partir do desgaste do modelo implementado pelo regime
militar e da re-mobilização da sociedade civil, quando propôs a reformulação da política
oficial de preservação, em 1979. Em suas palavras, “novas demandas sociais pressionavam
por políticas governamentais diferentes” (Falcão, 2003: 248). Falcão acredita que o mérito
de Aloísio foi que ele teve a sensibilidade de captar, antes dos demais, o clima de mudança,
e a partir do que o momento demandava, formular um projeto que permitisse a
concretização das mudanças necessárias.
Para Maria Cecília Londres Fonseca, vários fatores contribuíram para as
modificações acontecidas no campo das políticas de preservação durante os anos 1970,
tanto no Brasil quanto no mundo. Primeiramente, Fonseca destaca algumas transformações
ocorridas nas disciplinas que fundamentavam a seleção dos bens considerados dignos de
preservação. A História e a Antropologia sofreram mudanças de orientação no que tange a
43
seus objetos e perspectivas. Essa mudança no campo acadêmico teria acontecido em
paralelo a uma difusão da democracia em outros campos. Corria pelo mundo o processo de
descolonização e o surgimento de novos Estados-nação. Era a época da reivindicação de
direitos de identidades coletivas particulares. Veio à tona a consciência da dominação
cultural das ex-colônias e dos grupos denominados ‘minoritários’. A cultura surgia, nesse
contexto, como uma via possível de libertação da dominação e de elaboração de novas
identidades coletivas. Ainda a nível mundial, a autora enfatiza que, a partir da década de
1960 e na década seguinte, o modernismo passa a ser contestado e criticado, o que culmina
com o surgimento do ‘pós-modernismo’. No Brasil, Fonseca destaca a consagração do
modelo desenvolvimentista e industrial, durante o governo de Juscelino Kubitschek, e a
hegemonia da arquitetura modernista, fato consagrado pela construção de Brasília. Nos
anos 1960 - a partir do governo de João Goulart, cresce a politização da atividade cultural.
Há também o surgimento de manifestações da sociedade através de movimentos populares,
artísticos e estudantis.
A autora afirma que “foi com o início da ‘distensão’, no Governo Geisel,
que o Estado passou a atuar na área cultural, não apenas como repressor, mas também
como organizador da cultura” (Fonseca, 2005: 134). Ela ressalta que a ‘distensão’ vinha
acompanhada de uma crise econômica internacional, o que teria tornado mais nítidas as
contradições do modelo econômico adotado pelo regime militar. A partir dessa crise, o
regime teria passado também a enfrentar uma crise de legitimidade.
Assim como o regime de governo, o modelo de preservação utilizado pelo
Iphan desde 1937 enfrentava uma crise de legitimidade. Tal crise, decorrente do desgaste
do modelo utilizado por este órgão na ‘fase heróica’, deveu-se, segundo Fonseca, a alguns
44
fatores: primeiro, apesar de ter alcançado, em seus primeiros trinta anos de existência, um
avanço na preservação de bens históricos e artísticos e um rigor ético no trato dos bens
culturais, a instituição teria falhado em mobilizar a sociedade e o governo para a causa da
preservação; segundo, com a aposentadoria de Rodrigo de Mello Franco de Andrade, em
1967, evidenciara-se a fraca autonomia do Instituto; terceiro, nos anos 1950 e 1960, firmou-
se um novo modelo de desenvolvimento no país: a ideologia do desenvolvimento teria
atrelado o nacionalismo aos valores da modernização. As mudanças nesse modelo teriam
sido responsáveis, nas palavras da autora, “pelos impasses com que a política de
preservação do Sphan foi confrontada, levando a instituição, e outros setores da
administração pública que passaram a se interessar pela questão, a recorrer a novas
alternativas de atuação” (2005: 141).
Assim como Fonseca, Joaquim Falcão credita o “gradativo estreitamento
político-burocrático, social e cultural do Iphan” (Falcão, 1984a: 29) ao exclusivismo com
que durante as primeiras décadas de sua existência o Instituto voltara sua prática quase que
exclusivamente para a preservação de edificações da ‘valor histórico’, A esse desgaste das
políticas utilizadas pelo Iphan se somaria, em 1970, a crise de legitimidade em que se
encontrava o regime político autoritário. Essa dupla crise teria acentuado o desgaste social
das políticas públicas em geral. Em tal contexto, surgiam alternativas de políticas mais
abrangentes e eficazes. Segundo Falcão, para que isso acontecesse foi preciso que houvesse
uma liberalização do ‘controle político’ e do ‘compromisso ideológico’ que o regime
exercia sobre a sociedade civil. Ou seja, por diversas razões surgiram, naquele momento
inicial dos anos 1970, novas possibilidades de políticas culturais. Para o autor, a
consideração desse contexto é fundamental para a compreensão da experiência do CNRC,
45
que é definido por ele como “o embrião da nova política de preservação cultural do Estado”
(Falcão, 1984a: 31).
Para dissolver os impasses surgidos a partir dos anos 1960, o Sphan teria
recorrido à Unesco, que o auxiliou a reformular a sua atuação, compatibilizando-a com o
novo modelo de desenvolvimento nacional (Fonseca, 2005). Segundo as diretrizes da
Unesco, o Iphan deveria se transformar em um negociador e um conciliador de interesses,
ou seja, um órgão que conseguisse demonstrar à sociedade que é viável a compatibilização
entre preservação e desenvolvimento, valor cultural e valor econômico. As novas diretrizes
explicitadas pela Unesco nas Normas de Quito (1967) teriam contribuído, indiretamente, à
criação do Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas (1973) e do Centro
Nacional de Referência Cultural (1975). Para Fonseca, o desgaste da política de
preservação do Iphan, as novas propostas apresentadas no CNRC, e o quadro de abertura
política do regime militar teriam propiciado a ascensão de Aloísio à direção do órgão
oficial de preservação e sua posterior nomeação como Secretário de Cultura do MEC.
1.4.2 O CNRC como alternativa ao Iphan
Maria Cecília Londres Fonseca acredita que o CNRC - assim como o
PCH - surge como uma alternativa ao Iphan. CNRC e PCH fariam parte de um movimento
de descentralização ocorrido no campo do patrimônio nos anos 1970, movimento esse que
tinha por objetivo suprir as lacunas que a atuação do Iphan vinha apresentando. Para
Fonseca, essas lacunas não seriam somente de ordem operacional: em termos conceituais o
órgão também era alvo de críticas.
46
Para setores modernos e nacionalistas do governo, era necessário não
modernizar a administração dos bens tombados, como também atualizar a
própria composição do patrimônio, considerada limitada a uma vertente
formadora da nacionalidade, a luso-brasileira, a determinados períodos
históricos, e elitista na seleção e no trato dos bens culturais, praticamente
excluindo as manifestações culturais mais recentes, a partir da segunda
metade do século 20, e também a cultura popular (Fonseca, 2005: 143).
No entanto, esta autora acrescenta que, se o CNRC surge como uma
alternativa ao Iphan, ele não se propunha como tal. A possibilidade de fusão e de integração
ao MEC teria surgido somente entre 1978 e 1979, quando o Centro começa a discutir a sua
continuidade institucional.
1.4.3 Organismo autônomo
Apesar de não estar diretamente vinculado a um órgão governamental, o
CNRC foi viabilizado graças a um convênio multi-institucional
4
que incluía diversos órgãos
e instituições, mais ou menos ligados ao governo. Sérgio Miceli (1984) afirma que a
diversidade de patronos e de frentes de investigação foi possível porque o Centro não
estava inicialmente vinculado ao MEC. Com esse desprendimento, o CNRC pôde dedicar-
se ao mapeamento de ‘áreas virgens de produção cultural’. Para Joaquim Falcão, assim
como para Miceli, é justamente o caráter para-institucional do CNRC que garante sua
sobrevivência ao governo Geisel (Falcão, 1984a; Miceli, 1984). Falcão afirma que esse
formato deixou o Centro de certa forma menos dependente da estrutura do Executivo: se
4
Entre as instituições que integraram o convênio estavam a Secretaria de Planejamento da Presidência da
República, a Caixa Econômica Federal, o Ministério da Indústria e do Comércio, o Ministério da Educação e
Cultura, o Ministério do Interior, o Ministério das Relações Exteriores, a Fundação Universidade de Brasília e
a Fundação Cultural do Distrito Federal. Em outubro de 1978 foi assinado um Termo Aditivo ao Convênio
inicial, em que se integravam o Banco do Brasil e o Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e
Tecnológico.
47
sua autonomia era efêmera, ela ao menos era real. No entanto, mesmo sendo independente,
o CNRC estava mais próximo do Ministério da Indústria e Comércio do que do MEC. Se
sua independência lhe conferia um perfil ágil, o que o viabilizava como um lugar de
experimentação, para Fonseca (2005), ela teria, por um lado - positivo, possibilitado a
elaboração de conceitos que vieram a fundamentar, mais tarde, a política da Secretaria de
Cultura do MEC e a Constituição de 1988; por outro - negativo, levado à dispersão e ao
descompromisso com a finalização dos projetos.
Se Fonseca declara que a posição atípica e instável do CNRC foi
fundamental para a sua implantação, ela acrescenta que depois de algum tempo a
autonomia se transformou em uma ameaça à continuidade dos trabalhos. Afinal, os projetos
tinham mostrado a Aloísio e sua equipe a necessidade de criação de novos instrumentos de
proteção do bem cultural. Algo que seria possível em estando essa equipe trabalhando
em âmbito oficial. Em função dessa constatação, Aloísio teria buscado um novo modelo
institucional para o CNRC. Uma alternativa levantada seria sua incorporação ao Iphan;
outra seria a sua transformação em uma secretaria especial, que seria vinculada à
Presidência da República. Esta seria, segundo Fonseca, mais adequada aos objetivos do
Centro, embora fosse mais instável e complexa. A primeira, mais segura e com maior
garantia de continuidade, foi a que se confirmou. Em 1979, Aloísio Magalhães foi nomeado
diretor do Iphan. Nesse momento, houve a fusão do Iphan, do PCH e do CNRC e o
surgimento de uma nova estrutura: a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Sphan) seria um órgão normativo, a Fundação Nacional Pró-Memória (FnpM)
seria o órgão executivo. Posteriormente foi criada e Secretaria de Cultura do MEC, e
Aloísio foi nomeado secretário. Assim, se o CNRC nasce fora do MEC, é dentro deste
48
Ministério que ele consegue transformar em política pública o que havia ensaiado, de forma
experimental, entre 1975 e 1979.
Sérgio Miceli define a adesão do CNRC ao MEC como o resultado de um
trabalho de ‘ampliação política’, e de revisão da proposta inicial de Mário de Andrade para
o patrimônio. Em suas palavras, “os cálculos de sobrevivência, ou melhor, a urgência de
encontrar um abrigo institucional estável, de assegurar dotação própria e de regularizar a
situação funcional da equipe parecem indissociáveis da ‘guinada’ doutrinária que culminará
com a incorporação do CNRC ao Iphan” (Miceli, 1984: 82). Para Miceli, o sucesso dessa
transição teria sido possível também graças ao respaldo político conquistado pela figura de
Aloísio Magalhães, que havia formado aliados importantes dentro do governo. Miceli
destaca, entre os aliados de Aloísio, Golbery do Couto e Silva, que teria viabilizado a
nomeação do designer para o Iphan.
Sintetizando, e recuando um pouco mais na trajetória de Aloísio
Magalhães, Pedro Luiz Pereira de Souza complementa que ‘Aloísio criou o dinheiro novo
[1966] e, provavelmente, foi esse o projeto que lhe abriu o caminho para sua atividade
cultural, principalmente no Governo Geisel” (Souza, 1996: 273).
1.4.4 O lugar do MEC no Governo Geisel
Fonseca (2005) argumenta que para haver uma melhor compreensão da
tardia assimilação do CNRC pelo MEC, é necessário se entender o lugar ocupado por esse
Ministério no governo Geisel. A explicação que Ortiz fornece para a ampliação do
envolvimento do Estado com a cultura ter se dado principalmente em 1975 é a de que o
49
presidente Geisel estaria tentando concretizar algo que existiu apenas como discurso desde
o ‘milagre econômico’, acontecido no início da década: a distribuição de renda e de
oportunidades. Em conseqüência de políticas de distribuição implementadas em seu
governo, a cultura teria recebido mais incentivos financeiros, oriundos daquele ‘otimismo
econômico’ pós-‘milagre’. Assim, “o período do ‘milagre’ teria aberto novas possibilidades
para as realizações e os empreendimentos culturais.” (Ortiz, 1985: 87) Além do aumento de
insumos financeiros para a área da cultura, o regime militar instaurado a partir de 1964 teria
dado início a um processo de normatização da cultura, criando uma série de leis que
organizam a produção cultural.
Para Joaquim Falcão (1984a), a vinculação do CNRC ao MIC e a outros
órgãos que não estavam vinculados ao MEC indica a fragilidade do MEC, no sentido de
que, naquele momento, ele não fornecia nem os recursos nem a abertura necessária às
modificações que o Centro intentava fazer no campo da preservação. No entanto, Fonseca
ressalta que, durante o Governo Geisel, o MEC se convertera no espaço escolhido pelo
governo para a vinculação de uma imagem de abertura. Assim, o discurso de Aloísio
Magalhães, não exatamente novo, mas elaborado de um modo inusitado e propondo um
projeto para a nação, convergia com o momento de abertura do regime militar (Fonseca,
2005).
Isaura Botelho (2002) acredita que a rapidez com que Aloísio montou o
convênio que possibilitou a criação do CNRC se deve a dois fatores: de um lado, evidencia
sua capacidade de agregação política; de outro, denota que ele sabia da fragilidade e da
marginalidade do setor cultural dentro do governo. Daí sua busca em envolver organismos
tão diversos na composição do convênio. Para a autora, essa variedade de instituições
50
ligadas ao CNRC teria garantido a sobrevivência do projeto, a despeito de todas as
turbulências políticas e mudanças ministeriais.
1.5 Aloísio Magalhães, o design e a cultura
1.5.1 Um líder diferente: a contribuição pessoal de Aloísio Magalhães
Lauro Cavalcanti define o pernambucano como “o último pensador
consistente da cultura brasileira e de políticas culturais que o país teve” (Cavalcanti,
2002: 44). Angelo Oswaldo de Araújo Santos cita Aloísio como o “culto e sofisticado
formulador da nova política de patrimônio que o regime autoritário adotara como um dos
emblemas expressivos da distensão prometida” (Santos, 2001: 16). Para Paulo Sergio
Duarte, Aloísio Magalhães foi o “articulador da mais consistente e abrangente política
cultural até agora formulada no Brasil” (Duarte, 2003: 222). Assim como Duarte,
Cavalcanti, Leite, Santos e outros, Sérgio Miceli (1984) credita as inovações aplicadas às
políticas públicas de preservação a partir dos anos 70 do século passado à contribuição
pessoal de Aloísio Magalhães. Para o autor, a vinculação do designer com novas linguagens
e teorias de comunicação visual exigidas pela produção industrial e pelas técnicas de
propaganda teria fundamentado as experimentações que tiveram lugar no CNRC. Nas
palavras de Miceli,
as inovações doutrinárias da vertente patrimonial via CNRC associam-se,
sem dúvida, à presença e à contribuição de Aloísio Magalhães. Após a
conclusão do curso jurídico em Recife, obtém uma bolsa do governo
francês para estudar museologia em Paris. De volta ao país, tem a
oportunidade de ir aos Estados Unidos, onde entra em contato com o
artista e desenhista industrial Eugene Feldman; logo em seguida, aceita o
convite para um estágio mais prolongado, familiarizando-se com as
51
novas linguagens gráficas de comunicações e com os novos paradigmas
de análise (teoria da informação etc). É a conjunção do treinamento
‘museológico’ na Europa com a iniciação às novas linguagens e teorias
da comunicação visual exigidas pela produção industrial e pelas técnicas
de propaganda, que está na raiz dos experimentos levados a cabo no
âmbito do CNRC. Tendo firmado primeiro sua reputação como artista
plástico, Aloísio Magalhães consegue se profissionalizar através de um
escritório particular de desenho industrial no Rio de Janeiro, onde
também participa ativamente da fundação da Escola Superior de Desenho
Industrial. Sua aproximação dos círculos governamentais ocorre durante
os anos em que trabalhou para o Banco Central, como responsável pelo
design do novo papel-moeda e, em seguida, como consultor de
programação visual da reforma dos Correios e Telégrafos (Miceli, 1984:
80-81).
Para Maria Cecília Londres Fonseca (2005), Aloísio Magalhães teria
trazido para o campo do patrimônio um novo discurso e uma nova visão da cultura, que
pareciam se encaixar no projeto do regime militar de utilizar o MEC como vitrine para a
nova imagem que pretendia apresentar à sociedade, no momento em que optara pela
‘distensão’. Se essa autora não entende a criação do CNRC como um projeto pessoal
acalentado por Aloísio Magalhães, ela afirma (2002) que se ele se tornou um homem
público, isso foi o resultado de sua experiência no campo do design e, ainda, e mais
profundamente, de sua convivência, enquanto pernambucano, com o que chamava de
‘cultura viva’. Segundo Fonseca, a conseqüência de sua experiência de trabalho com o
produto no Brasil não foi o Centro, em si, mas, sim, a indagação que, a partir do encontro
com Severo Gomes e Vladimir Murtinho, levou Aloísio Magalhães à criação do CNRC.
A partir da indagação sobre as possibilidades de desenvolvimento do
produto brasileiro, Aloísio Magalhães teria assumido a posição de líder e partido para a
viabilização de seu projeto (Falcão, 2003). Para Joaquim Falcão, com a criação do CNRC
Aloísio se metamorfoseia de ‘cidadão espectador’ em ‘cidadão agente’. O autor
complementa que, naquele momento, ao optar por uma atuação pública, dentro do governo,
Aloísio teria se deparado com um sério problema: para agir dentro da máquina pública,
52
seria preciso reinventá-la, pois, se por um lado o regime autoritário estava diante de uma
possibilidade de abertura, por outro, ele tinha como característica marcante a incapacidade
de se reinventar. Mesmo vislumbrando as dificuldades, Aloísio Magalhães se decide pela
atuação na área de cultura, e monta um projeto para a reestruturação do órgão federal de
preservação. Segundo Falcão, um projeto de desenvolvimento cultural, baseado em
‘referenciais nacionais includentes’, que não propunha uma ruptura, mas buscava o tempo
todo negociar com o passado e com o futuro.
Para este autor, Aloísio Magalhães era um líder diferente, “que, ao
contrário da maioria dos intelectuais, não era um dogmático. Antes, era um pragmático,
voltado para a ação” (Falcão, 2003: 258). Para Falcão, a legitimidade de Aloísio como líder
advinha de sua credibilidade como designer de sucesso, da consistência de sua proposta e,
principalmente, de seu carisma. Ele não representava ninguém, apenas a sua capacidade de
convencer os seus interlocutores da validade de seu projeto. Colocava-se como um mero
intermediador. Além disso, Aloísio teria contado com forte apoio de duas figuras do
governo: o Ministro Eduardo Portella, da pasta da Educação e Cultura, e o general Golbery
do Couto e Silva, então Ministro da Casa Civil. Falcão justifica, acrescentando que se, em
1975, Severo Gomes levou Aloísio para a área cultural, em 1979, foi Portella quem colocou
Aloísio no plano real da ação.
Comentando algumas das influências que teriam moldado a personalidade
de Aloísio Magalhães, Pedro Luiz Pereira de Souza nota que, “verificadas suas origens
mais remotas, todas essas idéias [as de Aloísio] aproximam-se do positivismo” (Souza,
1996: 273); o autor percebe também a ‘influência visível’ de Gilberto Freyre; e acrescenta
que, “se se procurasse também um exemplo de pessoa para comprovar a tese de Sérgio
53
Buarque de Hollanda sobre o brasileiro como um homem cordial, não se encontraria
ninguém mais adequado” (1996: 270).
Renato Ortiz não é tão otimista. Para ele, Aloísio Magalhães apenas
reedita, de um modo mais moderno, a visão de Brasil formulada pela intelectualidade
‘conservadora’ que compunha o Conselho Federal de Cultura. Quando desenvolve uma
análise de discurso do Estado pós-64 sobre a produção e organização da cultura (Ortiz,
1985: 79), o autor faz referência direta a Aloísio e ao CNRC. Nesse texto, Ortiz analisa a
atuação do Conselho Federal de Cultura (CFC), que teria por objetivo coordenar e articular
um projeto cultural em consonância com o regime autoritário então vigente no país (1985:
90). Esse Conselho, composto por intelectuais que o autor denomina de ‘tradicionais’,
‘conservadores’ e ‘representantes de uma ordem passada’ (1985: 91), teria definido as
diretrizes da Política Nacional de Cultura, aprovada em 1975. O que Ortiz afirma, afinal, é
que esses eram os únicos intelectuais dispostos a representar o projeto autoritário face aos
produtores de cultura no país.
Em continuidade com a visão de cultura oficial pré-regime, o Brasil do
CFC seria o ‘Brasil mestiço’, ‘plural’ e ‘variado’ de Gilberto Freyre. Para Ortiz, esse ideal
de pluralidade expresso no pensamento de Gilberto Freyre encobria uma ‘ideologia de
harmonia’, que, ao definir a identidade brasileira como ‘diversidade’, “elimina a priori os
aspectos de antagonismos e de conflito da sociedade. As partes são distintas, mas se
encontram harmonicamente unidas pelo discurso que as engloba” (1985: 94). Outra diretriz
do discurso do CFC seria a da ‘tradição’. A cultura brasileira, além de diversa em sua
unidade, seria entendida pelo Conselho como um patrimônio, logo, merecedora de
preservação. O tema da preservação de valores tradicionais seria, segundo o autor, uma
54
preocupação constante dos membros do Conselho, que teria incentivado, nessa direção,
uma série de políticas de preservação e defesa dos bens culturais. O Estado, segundo o
CFC, deveria se proteger e resguardar algo que estaria definido historicamente a
identidade nacional, entendida enquanto memória. Uma terceira característica da visão de
cultura do CFC seria a crença na imbricação entre cultura e desenvolvimento. “A cultura é,
neste sentido, considerada como complemento ao desenvolvimento tecnológico, o que
significa que uma nação, para se tornar potência, deveria levar em consideração os valores
“espirituais” que a definiriam como civilização” (1985: 101). Resumindo, para o CFC, a
cultura seria definida como ‘tradição’, ‘identidade’ e ‘complementar ao desenvolvimento’
(1985: 105).
Para Ortiz, é esse discurso do CFC que legitima as políticas do regime
militar para a área da cultura, uma vez que sua função é definida, basicamente, como a de
elaboração de uma ‘ideologia de reserva’, que serviria, exclusivamente, como elemento
legitimador; a prática administrativa, que definia as políticas que deveriam ser aplicadas à
‘realidade da sociedade’, era executada por outras pessoas, os ‘administradores’ que
formavam um ‘novo tipo de intelectual’ (1985: 108). Essa ‘nova intelectualidade’, que
transitava mais facilmente dentro da ideologia do capitalismo moderno diferentemente
dos tradicionalistas do CFC - é que teria viabilizado uma ação orgânica no campo da
cultura. Todavia, apesar de haver dois grupos diferentes estabelecendo parâmetros para a
formulação de políticas públicas de cultura a nível federal, não haveria, segundo Ortiz, dois
discursos oficiais para a cultura, mas “um único que re-arranjava e reinterpretava as peças
relativas à sociedade brasileira” (1985: 124).
55
Aloísio Magalhães faria parte desse segundo grupo, o da ‘nova
intelectualidade’. “Aloísio Magalhães é uma figura típica deste empreendimento atual;
empresário, dinâmico, ele procura se ocupar do que existe de mais tradicional na história
das idéias: a memória do homem brasileiro” (1985: idem). Não é à toa que o ‘discurso
sofisticado da memória’ (1985: idem) que o CNRC constrói pretende aplicar à memória a
“técnica mais avançada de que dispomos: o computador” (1985: idem). Assim, na visão de
Ortiz, Aloísio e o CNRC apenas reeditariam uma velha compreensão do Brasil, não
trazendo nenhuma novidade consistente para as políticas públicas de preservação do
patrimônio cultural no país.
1.5.2 Em Brasília, encontro com o projeto
Uma hipótese levantada por João de Souza Leite em sua tese é a de que o
‘encontro’ de Aloísio Magalhães com a ‘idéia de projeto’ é o momento-chave para a
compreensão de sua transformação em designer e, em conseqüência, de sua opção por lidar
com as políticas culturais em âmbito oficial. O ‘encontro’ de Aloísio com o ‘projeto’ teria
se dado quando este visitou Brasília, ainda em construção. Voltando de uma temporada nos
EUA, onde expôs numa coletiva de brasileiros e trabalhou como professor visitante no
Philadelphia Museum College of Art, o, até então artista plástico e impressor/gravurista
5
,
visitou Brasília em companhia do designer americano Eugene Feldman, com quem projetou
o livro sobre a construção da capital-federal - “Doorway to Brasília” (1959). Nessa
viagem, Aloísio teria ‘encontrado a idéia de projeto’ - algo com que ele havia travado
contato, a partir da breve experiência em um departamento de design americano
5
Para maiores detalhes sobre a trajetória profissional de Aloísio Magalhães ver o Anexo “Resumos
biográficos”.
56
acontecendo no Brasil. Assim, a visita a Brasília teria permitido a Aloísio vislumbrar no
design a síntese do que ele desejava exercitar a nível profissional, algo, que teria sido
realizado plenamente com a criação do CNRC.
Em seu texto, Leite demonstra como a construção da nova capital federal
representa também para o país o ‘encontro com a idéia de projeto’. Para o autor assim
como para Aloísio Magalhães, a cidade seria o signo maior do projeto no Brasil: “Brasília é
o fato que marca, que sinaliza uma mudança no país” (Leite, 2006: 235). Se a nova capital
era a realização do projeto no país, conhecer Brasília, ainda em construção, foi, para
Aloísio, a realização da possibilidade de uma carreira que tivesse como eixo fundamental o
projeto. A atuação no campo da cultura seria o desdobramento natural dessa descoberta.
É no Planalto Central, sobre aquele espaço vazio, que Kubitschek realiza
sua experiência modelar, indicada como meta-síntese, do Programa de
Metas. O papel de síntese presente na construção de Brasília se em
diferentes níveis síntese da idéia de planejamento e projeto, síntese da
comunhão entre as diferentes artes, arquitetura e urbanismo, em uma
configuração gestáltica, e, por fim, para o que diretamente nos interessa
aqui, síntese para Aloísio Magalhães, pois nela se realiza uma espécie de
revelação – o encontro das artes com o social, não artificialmente, mas no
sentido mais real possível. Brasília é a realização concreta de uma
representação do Brasil, para o todo da população. E Aloísio percebe isso.
(2006: 236)
A partir da visita a Brasília, Aloísio Magalhães adota o design como
profissão. Leite acredita que foi sua aproximação com o design que lhe permitiu estabelecer
um gradual relacionamento com as questões de cultura. Assim, este autor não a
passagem de Aloísio do escritório de design para o CNRC como uma ruptura; ao contrário,
haveria entre as duas fases uma relação de conseqüência direta. Aloísio tinha muitos
projetos sendo desenvolvidos em Brasília. Em uma de suas constantes visitas à cidade, ele
teria encontrado com Severo Gomes, então Ministro da Indústria e Comércio. Discutindo
assuntos ‘ainda caracterizados no âmbito do desenho industrial’, os dois elaboraram um
57
projeto que veio a ser denominado de Centro Nacional de Referência Cultural. Assim, para
João Leite, Brasília teria sido o ponto de ‘convergência’ na trajetória de Aloísio Magalhães.
1.5.3 O papel do Design
“O design teria sido, na vida de Aloísio, uma passagem.” (Leite, 2006:
17), teria servido “não como um fim em si mesmo, mas como processo de intervenção
social, daí poder ser considerado como dimensão sociológica: o design como metáfora de
uma ação conseqüente, pragmática” (2006: 19). Nesse sentido, Ana Luiza Silveira Lopes
afirma que “quando Aloísio Magalhães decide atuar profissionalmente como designer,
abandonando a sua atividade como pintor, essa opção estava bastante relacionada à
possibilidade de atuação na sociedade” (Lopes, 2003: 08).
Segundo Leite, o compromisso de Aloísio era com a ‘idéia de projeto’,
qualquer que fosse o seu campo de atuação. Assim, seu caminho no campo do patrimônio
teria sido construído a partir da utilização instrumental da idéia central do design, que é o
projeto - algo que para Aloísio, teria uma dimensão civilizatória. Aqui, acredito ser
necessário abrirmos um parêntese, a fim de explicitar em que termos João Leite utiliza a
noção de ‘projeto’. Em suas palavras,
assim, nos afastando do domínio mais exclusivo do design como a usual
atividade profissional, é possível assumir que projeto deva ser apreendido
como metáfora. Em diferentes contextos, a palavra adquire significados os
mais variados, ora fazendo prevalecer, como seus elementos constitutivos,
determinados fatores sobre outros, e vice-versa, em uma multiplicada
possibilidade. Compreendido como determinante para a realização de algo
em momento futuro, a ação de projeto está sempre ancorada em algum
tipo de intencionalidade; em última análise, projetar implica em planejar e
definir com orientação ao futuro. Segundo Gui Bonsiepe, importante
teórico alemão no campo do design, esta é uma característica básica da
ação de projeto empreendida pelo design, por ele definido como “um
domínio que pode se manifestar em qualquer área do conhecimento e da
práxis humana”. Projetar portanto revela um conceito que não se limita a
um determinado território de ação e que, de certo modo, tende a um certo
grau de abstração devido à variabilidade de seu objeto. Assim, projetar
58
não se confunde automaticamente com a ação de projeto em design,
embora se apresente como sua característica essencial (2006: 310).
Assim como Leite, Redig (2003) entende o CNRC como uma
conseqüência da prática do design, na trajetória de Aloísio. A passagem do design para a
pesquisa e ação culturais teria se dado em um momento de exacerbação da busca pela
identidade do produto brasileiro, mas era algo que fazia parte de sua prática projetual,
pois, para Aloísio, tudo seria uma coisa só. E tudo teria surgido do design. Ou seja, todo o
potencial desenvolvido por Aloísio a partir da criação do CNRC estaria esboçado,
primeiramente, em sua atuação no campo do design. Para Redig, o desafio de Aloísio
Magalhães era a busca do novo. As etapas aparentemente diversificadas de sua trajetória
teriam, para o autor, uma estrutura “única, lógica, natural, pertinente e perceptível como um
todo” (Redig, 2003: 142). Afinal, o ímpeto motivador de toda a sua trajetória seria o desafio
de buscar o novo (2003: 143).
Em “Lembrança de amigo”, José Laurênio de Melo parece concordar com
Redig e Leite. Para Melo, o design foi o motor propulsor do desejo que surgiu em Aloísio
de mobilizar todo seu potencial de criação e reflexão no sentido da ação. Assim, o design
lhe teria permitido realizar uma nova ‘descoberta do Brasil’, o que, por fim, teria resultado
em sua passagem para o campo das políticas públicas na área da cultura, e na formulação,
por sua parte, de um projeto de política cultural para o país (Melo, 1997: 32). As etapas da
trajetória de Aloísio, que poderiam parecer sucessivas, são, segundo o autor, faces
simultâneas. Nesse sentido, Ana Luiza Silveira Lopes afirma que o progressivo ‘abandono’
da atividade de Aloísio no escritório
não significou um rompimento ou uma negação do design. Ao contrário,
pode-se perceber uma continuação, um desdobramento. Tanto Rafael
Rodrigues, que trabalhou com Aloísio em seu escritório, quanto Laurênio
de Melo, seu amigo desde o Recife, se referem a essa passagem para a
59
política cultural como um prolongamento de seu trabalho como designer
o primeiro fala em ‘design da cultura’ e o segundo em ‘expansão e
extensão do design’ (Lopes, 2003: 34).
Pedro Luiz Pereira de Souza aponta para o fato de que Aloísio formulara,
em um artigo de 1977 (ver Magalhães, 1998), uma proposta de ‘design nacional’, algo até
então inédito no país. Segundo Souza, no artigo intitulado “O que o desenho industrial pode
fazer pelo país”, Aloísio pregava a necessidade de “continuidade da tarefa de estabelecer
um design para o Brasil” (Souza, 1996: 298). Para o autor, “esse pequeno texto representou
a formulação coerente e consistente da linha de um design nacional, até à época, não
precisada. As claras ligações assumidas com o positivismo indicavam também um
aprofundamento das noções de raízes, sem o folclorismo e superficialidades habituais”
(1996: idem). Citando o mesmo texto, Ana Luiza Silveira Lopes coloca que
vale comentar que Aloísio Magalhães pouco se refere ao design em seus
pronunciamentos relativos à política cultural. Mas há duas palestras suas de
1976 e 1977 “O que o desenho industrial pode fazer pelo país” e
“Diagnóstico do desenho industrial” em que fala para designers e como
designer com idéias explicitamente ligadas à sua atividade cultural. As
idéias que ele apresenta nesses dois pronunciamentos indicam que além de
sua política cultural ter sido influenciada por questões do design, a sua
visão do design também acabou sendo influenciada pelas idéias
desenvolvidas em sua política cultural (Lopes, 2003: 37).
1.6 Entre o ‘heróico’ e o ‘moderno’: tecendo algumas comparações
1.6.1 Aloísio X Rodrigo
Em Fonseca e em Gonçalves, Aloísio Magalhães é constantemente
comparado a Rodrigo de Mello Franco de Andrade. Os dois estiveram a frente de períodos
importantes para as políticas públicas de preservação no Brasil. Se Rodrigo iniciou os
trabalhos no Iphan, Aloísio reformulou a prática instaurada por Rodrigo. Em sua análise
60
sobre os discursos do patrimônio no país, José Reginaldo Gonçalves (2002) identifica duas
importantes narrativas–chave, ligadas cada uma a um desses dois personagens. Para
Gonçalves, Aloísio Magalhães aparece como alguém que autentica sua posição desafiando
a de Rodrigo, no momento em que propõe uma alternativa para as políticas públicas de
preservação do patrimônio. A fim de realizar seu objetivo, Aloísio teria se utilizado de uma
estratégia discursiva que propunha uma nova concepção de patrimônio e de identidade
nacional, menos vinculada à memória
6
e mais ligada aos processos e dinâmicas dos fazeres.
Ou seja, em que o presente e o futuro seriam mais importantes que o passado.
Segundo Maria Cecília Londres Fonseca, os interesses do grupo do
CNRC eram, em princípio, similares às questões dos modernistas de 1922 ambos os
grupos buscavam “atualizar a reflexão sobre a realidade brasileira e buscar formulações
adequadas para a compreensão da cultura no contexto brasileiro contemporâneo” (Fonseca,
2005: 144). A valorização das raízes populares na construção da identidade nacional era
algo que Mário de Andrade havia proposto no Anteprojeto do Sphan, em 1936. Para
Fonseca, Aloísio Magalhães apenas retoma algumas das propostas de Mário de Andrade. O
que diferenciaria a sua proposta da modernista é que ela vincula o bem cultural a um valor
econômico, apresentando, assim, através da cultura, alternativas ao desenvolvimento do
país.
1.6.2 Quem usa e quem é usado: Rodrigo e Aloísio em meio a regimes militares de governo
Fonseca tece mais comparações entre os dois personagens. Em sua tese,
Aloísio também é comparado a Rodrigo no sentido em que seus papéis haviam sido
fundamentais durante o período final de um regime militar, oferecendo às políticas culturais
de sua época fisionomias próprias, que acabaram transcendendo os limites do regime em
6
Sobre as diferentes abordagens que informam a construção da noção de ‘memória coletiva’, ver Santos,
2003.
61
que foram implementadas. Segundo esta autora, na década de 1970, assim como ocorrera
no fim da década de 1930, essas novas propostas de trabalho na área da preservação do
patrimônio serviram a interesses de atualização do Estado autoritário vigente. Essa
atualização fora conduzida, em ambas as fases, por agentes que não se identificavam
necessariamente com a ideologia do regime militar, mas que tinham um projeto para
modernizar o Brasil (Fonseca, 2005: 175). A pesquisa indicou à autora que “mesmo em
períodos autoritários, a política estatal de patrimônio nunca se reduziu a um recurso
ideológico do Estado” (2005: 219). O ideal desses agentes seria criar um campo próprio e
implementar um projeto para a cultura brasileira. Na ‘fase heróica’, o objetivo era a
construção de uma tradição cultural universal e autenticamente nacional; na década de
1970, visava-se a ampliação e a atualização das representações da cultura brasileira.
Para Fonseca, se esses agentes foram usados pelo regime militar, eles
também souberam como se utilizar da máquina do Estado. Assim, tanto na ‘fase heróica’
quanto na ‘fase moderna’, teriam ocorrido movimentos de mão dupla entre o Estado e os
agentes que conduziram diretamente as políticas públicas de preservação. A autora salienta
que, apesar de seu carisma e de sua contribuição para a transformação das práticas de
preservação no país, esses agentes encontravam-se relativamente isolados, tanto do
aparelho estatal quanto da sociedade. Incomodando a alguns e agradando a outros, sua
posição foi mantida em parte pela fraca consideração que tanto o governo quanto a
sociedade tinham pelo campo do patrimônio.
Uma diferença apontada pela autora entre Rodrigo e Aloísio seria que
este último teria percebido a fraqueza das políticas de preservação. E para resolver esse
dilema, teria buscado vincular a questão da cultura a áreas politicamente fortes do governo,
62
explorando o potencial econômico dos bens culturais. Assim, se, nos anos 1970 e 1980, os
instrumentos de preservação se mantiveram os mesmos da ‘fase heróica’, ao menos,
surgiram formas alternativas para a proteção de bens de valor histórico e artístico.
1.7 Os legados do CNRC
Para Maria Cecília Londres Fonseca (2005), as inovações surgidas no
CNRC foram incorporadas enquanto discurso nos setores oficiais responsáveis pelas
políticas de preservação do patrimônio, além de terem fundamentado a Constituição de
1988, no que tange às leis de preservação patrimonial. Apesar disso, a autora destaca que,
se foi agregado à máquina estatal, o novo discurso proposto por Aloísio Magalhães e pelo
CNRC não teria, até a data de publicação da primeira edição de seu livro (1997),
transformado efetivamente as políticas de preservação. O tombamento continuou a ser, nos
anos 1980, o principal instrumento utilizado pelo Iphan.
Contudo, ao esboçar um quadro dos rumos tomados pelas questões do
patrimônio no final dos anos noventa do século 20 e início do século 21, Fonseca afirma
que, nos últimos anos da década de 1990 foram retomadas as idéias e propostas de Aloísio
Magalhães, sobretudo a partir do Seminário Internacional, realizado pelo Iphan em
Fortaleza, que visava iniciar uma discussão sobre o patrimônio imaterial. Dois anos depois
da Carta de Fortaleza, foi editado o decreto-lei n. 3.551/2000, que institui o registro dos
bens culturais. Na mesma direção que Fonseca, Garcia (2004) afirma que Aloísio
Magalhães teria sido o precursor do ‘esforço de desmaterialização do patrimônio’, algo que
veio a se concretizar, enquanto dispositivo legal, somente no ano de 2000.
63
Capítulo 2: Do arquivo
“Toda a minha vida foi um caminho na direção deste lugar.”
Aloísio Magalhães
Neste capítulo, trato do discurso produzido de dentro. Nele, realizo uma
leitura dos documentos do CNRC, incluindo tanto os de circulação interna (memorandos e
relatórios) quanto palestras e seminários realizados pelos pesquisadores do Centro. Além
dos documentos, utilizo depoimentos de membros da equipe do órgão, encontrados na
imprensa. Tive acesso a esse material em duas visitas (de uma semana, cada) que fiz à sede
do Iphan, em Brasília. O arquivo do CNRC encontra-se no subsolo da sede do Instituto do
Patrimônio, onde ficam também a Biblioteca Aloísio Magalhães e a garagem do prédio.
A primeira das minhas visitas aconteceu em junho de 2006, a segunda
em setembro do mesmo ano. Na primeira visita, fui instalada em uma mesa no andar em
cima do arquivo, no setor onde trabalham os ‘arquivistas’ do COPEDOC (Coordenação de
Pesquisa e Documentação). Nessa primeira viagem, a pessoa a quem me remetia
diretamente era a secretária do setor, Carolina. Quando cheguei a Brasília, nós nos
conhecíamos ‘por e-mail’, pois foi com ela que tratei o tempo todo, enquanto organizava a
viagem. Carolina parecia conhecer um pouco do material arquivado. Sabia em que estante
estava cada grupo de caixas, sabia o que era o CNRC etc. Algumas vezes por dia, nós
descíamos ao arquivo, ela abria as estantes deslizantes, pegava um grupo de caixas que
colocávamos em um carrinho de supermercado, subíamos e eu iniciava a pesquisa com os
documentos.
64
Na segunda viagem, fui instalada na própria sala do arquivo. Carolina,
que era terceirizada, não trabalhava mais no Iphan. Eu mesma acessava as estantes, retirava
e devolvia as caixas. Uma funcionária que trabalha naquela sala foi minha única
companhia. Apesar de ela e o arquivo estarem na mesma sala, ela é de outro setor, não
conhece nem lida com o material arquivado. No entanto, por não haver no setor um
funcionário que atendesse os pesquisadores externos, a chefe do arquivo pediu à minha
colega de sala que listasse os documentos que eu queria tomar emprestados. A chefe do
arquivo, por sua vez, fica no andar de cima, e, ela sim, parece conhecer profundamente o
conteúdo do andar de baixo, mas eu a encontrava quando chegava e quando deixava o
arquivo – momento em ela separava entre os documentos selecionados o que eu poderia ou
não tomar emprestado.
Quando cheguei ao arquivo pela segunda vez, a Biblioteca Aloísio
Magalhães, que estava fechada quatro ou cinco anos, acabara de ser reaberta, porque
finalmente havia uma bibliotecária contratada. Como ela estava localizada ao lado da sala
do arquivo, acompanhei os primeiros dias de trabalho da funcionária, e pude pesquisar nas
estantes ainda cobertas de poeira.
Antes de ir a Brasília, recebi por e-mail uma listagem do que haveria no
arquivo. Essa listagem era ininteligível para mim. Nela estavam enumeradas todas as caixas
que constavam do arquivo - cada uma com um título que lhe correspondia, divididas em
dois grupos ‘atividade-meio’ e ‘atividade-fim’. No primeiro grupo, vim a descobrir
depois, estavam os documentos mais genéricos, no segundo havia material relativo aos
projetos. No decorrer da pesquisa, muitos dos títulos daquela lista continuaram a não fazer
sentido para mim, pois eles não se tornavam mais inteligíveis quando eu estudava seu
65
conteúdo. Assim, decidi abrir todas as caixas – na ordem em que elas apareciam na lista - e
listar o que havia dentro de cada uma delas, anotando quais documentos apresentavam
interesse para a minha pesquisa, pois dentro dessas caixas havia não material do CNRC,
mas documentos do Iphan em geral.
Uma das características do CNRC é que cada documento produzido
devia circular, obrigatoriamente, entre todos os pesquisadores. Em um de nossos encontros,
Cecília Londres comentou que apesar do Centro estar organizado em coordenadorias, todos
os integrantes ‘deveriam’ estar cientes de tudo o que se pesquisava, e que, para isso, havia
reuniões em que se discutia em âmbito geral tudo o que ali acontecia, em termos de
pesquisa e de organização. Como resquício dessa característica, no COPEDOC existem
diversas cópias de cada documento, e essas cópias encontram-se espalhadas por todo o
arquivo. Apesar das inúmeras tentativas do Iphan em organizar os documentos existentes
1
,
o que acontece é que os mesmos documentos podem constar em sessões distintas. Quando
percebi isso, me certifiquei da necessidade de abrir todas as caixas e listar o que existia em
cada uma delas, no que se refere ao CNRC. Mesmo agindo desse modo, a lógica em que o
arquivo do CNRC está organizado não fazia sentido para mim. Então, só me restou a opção
de montar o meu arquivo dentro do arquivo
2
.
Como sabia das limitações temporais de minha pesquisa, passei a
selecionar como sendo de meu interesse documentos que tratavam da criação e das
definições dos propósitos do Centro - palestras, artigos, relatórios técnicos e publicações.
Com pesar, passei ao largo das correspondências trocadas entre os pesquisadores e de
1
Pelo que pude averiguar, uma primeira triagem do material do CNRC foi feita por estagiárias do
COPEDOC, no início dos anos 80. Nos anos 90, uma firma terceirizada foi contratada para sistematizar o
arquivo. Os arquivistas do COPEDOC estão neste momento re-organizando uma parte dos documentos.
Assim, não há um padrão único de organização das pastas, mas vários.
2
Sobre as relações entre a sociedade e os arquivos ver: ARTIÈRES, 2006.
66
documentos mais específicos relativos aos projetos. Outro critério que marcou a seleção do
material que analiso neste capítulo foi definido pela chefe do COPEDOC: ela me autorizou
a levar emprestados os documentos que tivessem uma duplicata. Então, quando eu
encontrava algum documento duplicado, mostrava a ela, que o checava e liberava (ou não)
para o empréstimo. Alguns documentos que não tinham duplicata foram fotocopiados.
Mesmo assim, distraidamente, eu reuni muito material repetido, pois há várias versões para
um mesmo texto, pedaços de um texto repetidos em mais de um documento, textos
idênticos com títulos diferentes etc... Detalhes que pude perceber ao fazer uma leitura
mais atenta, em casa. Quando voltei de Brasília, separei o material em grupos, tais como
‘documentos iniciais do CNRC’, ‘palestras e discursos’, ‘publicações’, ‘projetos’, ‘textos
de Aloísio Magalhães’, ‘textos de Fausto Alvim Jr.’, ‘imprensa’ etc, e passei um tempo
lendo e organizando a informação encontrada nos documentos - o ‘meu’ arquivo do CNRC.
Um órgão que visava documentar e divulgar a produção dos bens
culturais nacionais não poderia se esquivar das questões referentes ao arquivamento, à
indexação e à circulação de documentos. Um memorando interno, intitulado “O arquivo do
CNRC problemas e sugestões” [s/d (c)] discute o que deveria ser o arquivo do Centro,
quais os critérios que norteavam sua organização, os problemas que surgiam, apresentando
algumas propostas para a resolução de tais problemas. Apesar de utilizar uma linguagem
técnica, esse documento coloca algumas questões que têm profunda ligação com os
propósitos mais gerais do Centro e, ao que me parece, com o estado do arquivo hoje.
O CNRC dividia os documentos arquivados em 3 grupos, denominados
‘unidades de arquivo’. No primeiro desses grupos eram reunidos os documentos que se
referem ao Centro, material relativo aos contatos com órgãos externos e aos membros de
67
sua equipe. Na segunda ‘unidade de arquivo’ ficava a correspondência enviada e recebida
pelo CNRC; no terceiro grupo havia o material de apoio às pesquisas, impressos, além de
‘material especial’ (fitas gravadas, discos, fotos etc). A cada uma dessas unidades
correspondia uma localização física. Segundo o documento, haveria alguns impedimentos
para que se arquivasse decentemente o material existente no Centro: a separação física das
UAs, o sistema de recebimento e circulação de materiais, a falta de pessoal dedicado
exclusivamente ao arquivo e a própria diversidade de materiais a arquivar [s/d (c): 02].
A circulação intensa de documentos acabava por impedir que eles
chegassem ao arquivo. Além disso, não havia no CNRC um procedimento que desse conta
de que tudo que estivesse circulando fosse copiado e arquivado. O material que o pessoal
do arquivo conseguia reunir chegava de modo descentralizado: os documentos de
circulação interna, produzidos e recebidos pelas coordenadorias eram entregues à secretaria
da área, que os encaminhava; os documentos produzidos para circularem externamente
eram enviados ao arquivo pelo ‘controle de saída de correspondência’. Não havia uma
discriminação de que unidade de arquivo deveria guardar cada tipo de documento, pois “o
responsável por uma UA pode ignorar o material de outra, e não providenciar cópias, ou
arquivar material que não corresponde à sua UA” [s/d (c): 03]. A indexação dos
documentos registrados no arquivo também era tida como precária. Para tentar solucionar
todos esses problemas, o texto propõe um novo sistema para o funcionamento do arquivo
do CNRC - algo que foi uma questão constante para o órgão: “Face ao acúmulo
diversificado de dados, coletados na execução dos diferentes projetos, acentuou-se a
preocupação inicial de se implantar um sistema de informação, que não só englobasse esses
dados, como também todo o trabalho já elaborado” [CNRC, s/d (c): 02].
68
Lendo esse documento, percebo como a ‘desordem’ que notei nos
arquivos armazenados na sede do Iphan talvez seja o resquício de uma característica do
tempo em que o Centro ainda funcionava em sua sede na UnB. A circulação excessiva, que
prejudicava o arquivamento, é algo perceptível ainda hoje, mesmo estando os documentos
quietos, repousando nas caixas de papelão, no subsolo do prédio do Instituto do Patrimônio.
Desse modo, se o arquivo do CNRC mudou de sede, se o CNRC se fundiu com o PCH e
com o IPHAN, se tantas mudanças já aconteceram no próprio Instituto, as características do
arquivo original do Centro ainda não se perderam a ‘desordem’, a repetição e o acúmulo
seriam propriedades originais daquele arquivo que estariam vivas ainda hoje?
***
Retomando, se na primeira parte da dissertação, eu analisei os discursos
produzidos de fora a posteriori, agora parto para a análise dos documentos de dentro: é
com base no material que pude reunir nas duas visitas a Brasília que construo este capítulo.
Como explicitei acima, me limito a alguns grupos de documentos recolhidos nos arquivos
do COPEDOC/IPHAN, aqueles que se referem às proposições do CNRC. Trata-se,
portanto, neste capítulo, da realização de uma primeira leitura do material que forma o meu
arquivo do Centro Nacional de Referência Cultural. Ou seja, este não é um capítulo
dedicado à re-construção da história do órgão, ou a uma tentativa de cotejar todas as
questões que a experiência do CNRC pode levantar, mas, sim, à leitura de um grupo de
documentos - grupo este montado segundo os critérios expostos acima. Assim, se não cubro
o que foi o CNRC, em sua ‘trajetória’, investigo o que ele pretendia ser, em sua ‘proposta’.
69
2.1 Quatro anos de trabalho
No ano de 1975, foi criado em Brasília o Centro Nacional de Referência
Cultural. Entre seus idealizadores estavam Aloísio Magalhães, designer que projetou as
notas do cruzeiro, a logomarca da Petrobrás, além da identidade visual de bancos e
empresas públicas; Severo Gomes, então Ministro da Indústria e Comércio; e Vladimir
Murtinho, diplomata e então Secretário de Cultura do Distrito Federal.
Aloísio Magalhães tinha muitos projetos sediados em Brasília. Assim,
apesar de o seu escritório estar localizado no Rio de Janeiro, periodicamente ele visitava a
capital-federal, onde se reunia com clientes para discutir os projetos em andamento. Tinha
vários amigos na cidade, entre intelectuais e políticos. Segundo o designer, em um dos
encontros onde ele, Severo e Vladimir informalmente discutiam sobre o país, o Ministro
teria lançado a questão: ‘Por que o produto brasileiro não tinha força própria?’
Bem, tudo começou quando o Ministro Severo Gomes me perguntou o
que poderia ser feito para dar uma maior identidade ao produto brasileiro.
Ora, uma pergunta assim poderia dar ensejo a uma investigação
cuidadosa. E da investigação à constatação de que não se conhecia esse
produto cultural brasileiro foi um passo. E passo óbvio pois se você
observar bem verá que não uma maneira sistemática de se conhecer
esse produto cultural. Não existem indicadores catalogados e
sistematizados. E os indicadores são peculiares a qualquer realidade
cultural. Precisam, portanto, ser conhecidos (Magalhães, 1976a: 02).
Desse modo, as inquietações de ambos a respeito do caráter do produto
nacional teriam sido o mote para a criação do CNRC. Inspirado pelas discussões sobre o
‘fazer’ brasileiro, o grupo levou tais questões adiante, e em função do posicionamento
político no governo de Severo Gomes e Vladimir Murtinho, foi possível a viabilização do
Centro.
70
Aloísio Magalhães afirma que o projeto do CNRC nasceu de uma
intuição (Magalhães, 1997: 64) e de um consenso que apontavam para o fato de que o “país
perde em autenticidade na medida em que importa tecnologia” (1997: 224). Seguindo esse
‘caminho intuitivo’, o Centro partia de uma idéia, a fim de atingir uma ‘trama de
compreensão’ (1997: 227) que iluminasse a realidade cultural brasileira. “Nosso objetivo é
estudar as formas de vida e atividades pré-industriais brasileiras que estão desaparecendo,
documentá-las e, numa outra fase, tentar influir sobre elas, ajudando-as a dinamizar-se”
(1997: 117).
Inicialmente, a proposta de criação do Centro estava vinculada ao projeto
que Vladimir Murtinho desenvolvia para a implantação de uma infra-estrutura cultural em
Brasília. Esse projeto previa uma biblioteca central, um museu da civilização brasileira e
um organismo dedicado ao estudo dos problemas da cultura nacional (CNRC, 1975b: 02).
Em fevereiro de 1975, a comissão interministerial responsável pela implementação dessa
infra-estrutura estabeleceu um grupo de trabalho GT que tinha por objetivo averiguar a
viabilidade de criação de “um organismo capaz de estabelecer um sistema referencial
básico, a ser empregado na descrição e na análise da dinâmica cultural brasileira” (CNRC,
1976b: 01). Financiado pela Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria
e do Comércio, instalado em um espaço cedido pela Universidade de Brasília e sob
coordenação de Aloísio Magalhães, o grupo iniciou suas atividades em 01 de junho de
1975. Fausto Alvim Jr. assumiu a função de coordenador setorial na área de Ciências
Exatas. Além dele, estavam previstos dois outros coordenadores setoriais um para a área
de Ciências Humanas e outro para a área de Documentação. Esta última foi assumida, em
agosto de 1975, por Cordélia Robalinho Cavalcanti. A área de Ciências Sociais ficou sob
71
responsabilidade de Bárbara Freitag, que, logo em seguida, foi substituída por Georges
Zarur.
Nesse primeiro momento, o CNRC propunha-se a desenvolver um banco
de dados ou sistema de indexação - sobre a cultura brasileira. Diferentemente de um
museu, o Centro não colecionaria objetos, mas, sim, ‘peculiaridades relevantes’ do que
estivesse sendo produzido em termos de cultura no país - não o objeto, mas a referência a
ele. Assim, o produto cultural seria apreciado em seu processo, ou seja, em sua relação com
o contexto de produção em que ele surgia, e em suas inter-relações com outras atividades e
produtos de cultura. Para o Centro, referenciar significava considerar o produto focalizado
enquanto processo (CNRC, 1979a: 12) - em sua dinâmica de produção e de inter-relação
com os contextos local e nacional.
Depois de um ano de trabalho, o GT formalizou uma proposta para o
Centro Nacional de Referência Cultural. Esse documento estabelecia cinco metas que
deveriam nortear, dali em diante, o trabalho do Centro.
1) que se comece a distinguir algumas dimensões básicas da dinâmica
cultural do país; 2) que, dentro do espaço limitado por tais dimensões,
possa ser estabelecido um sistema referencial flexível e abrangente; 3) que
tal sistema não surja também como único, mas sim como membro de uma
ampla família, com membros apresentando significantes diferenças entre
si; 4) que o estudo de tais diferentes sistemas, e das relações entre os
mesmos, se revele frutífero para a compreensão da cultura brasileira e de
suas peculiaridades; 5) que essa compreensão, por sua vez, se reflita
positivamente sobre o processo de desenvolvimento sócio-econômico-
cultural do país (CNRC, 1976b: 13).
Em 01 de agosto de 1976, foi assinado um convênio multi-institucional
3
,
viabilizando a estruturação definitiva e a institucionalização do Centro. Entre as instituições
3
De acordo com o documento “Estudo da dinâmica de atuação do CNRC no biênio 1976/77 e proposta de
uma política global para 1978/79”, os proventos advindos do convênio no período 1976/77 foram gastos na
72
que integraram o convênio estavam a Secretaria de Planejamento da Presidência da
República, a Caixa Econômica Federal, o Ministério da Indústria e do Comércio, o
Ministério da Educação e Cultura, o Ministério do Interior, o Ministério das Relações
Exteriores, a Fundação Universidade de Brasília e a Fundação Cultural do Distrito Federal.
Em outubro de 1978 foi assinado um Termo Aditivo ao Convênio inicial, em que se
integravam o Banco do Brasil e o Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e
Tecnológico. Além dos recursos advindos do convênio, o CNRC intermediava a
disponibilização de recursos de outras fontes para os projetos. Desse modo, não
administrava todos os recursos que os projetos movimentavam, pois uma parte desses
recursos era transferida diretamente das instituições para os projetos que elas financiavam.
O Centro poderia agir, então, como financiador de alguns projetos, se fosse necessário, mas
pretendia agir, basicamente, como um mediador entre os projetos e seus possíveis
financiadores.
Para dar início aos projetos, foi montada uma equipe multidisciplinar
4
.
Aloísio Magalhães veio a ocupar o cargo de coordenador-geral do Centro, que se
organizou, em um primeiro momento, em quatro áreas: Ciências Humanas, coordenada por
Barbara Freitag e, posteriormente, por Georges Zarur, ela socióloga e ele antropólogo;
Ciências Exatas, coordenada por Fausto Alvim Jr., matemático; Documentação, coordenada
seguinte proporção: 40% para projetos, 35% para pessoal e 25% para recursos materiais de infra-estrutura do
Centro (Tapajós, Serpa, Horta, 1977: 57).
4
“Enfrentando o problema da compreensão do contexto cultural como um todo, o CNRC teve que partir de
uma abordagem multidisciplinar. Para tanto, ele tinha no seu corpo técnico pessoas de variadas formações e
experiências. Aliás, o Aloísio Magalhães dava mais valor à experiência. Lembro que, quando o conheci, ele
me perguntou: Qual a sua trajetória, Quintas? Ele não perguntou qual era o meu diploma, a minha formação
acadêmica” (Quintas, 1994: 09).
“O CNRC não precisa ser grande, basta possuir uma equipe harmoniosa de diversos saberes em ciências,
exatas e humanas, documentação e sistemática. Nós vamos ao encontro de várias pessoas, inclusive nas
universidades, que detêm conhecimentos de especificidades e essas pessoas são convocadas para
projetos”(Magalhães, 1976b).
73
por Cordélia Robalinho biblioteconomista; e Artes e Literatura, coordenada por Clara de
Andrade Alvim, filha de Rodrigo de Mello Franco de Andrade e professora de crítica
literária. Em um segundo momento, esta organização foi revista, e o Centro passou a se
estruturar de uma nova forma, em quatro programas de estudo: Mapeamento do Artesanato
Brasileiro; Levantamentos Sócio-culturais; História da Ciência e da Tecnologia no Brasil e
Levantamento da Documentação sobre o Brasil.
O objetivo do Centro era desenvolver projetos em diversas regiões do
país, cobrindo uma vasta gama de processos culturais, com maior e menor grau de
complexidade, a fim de levantar uma amostragem que fosse representativa da produção
cultural brasileira. Assim, cada uma dos quatro programas ficaria responsável pelo
desenvolvimento de um grupo de projetos. Tais projetos poderiam surgir a partir de idéias
do grupo, mas também, e preferencialmente, deveriam vir de fora. Afinal, para a equipe do
CNRC, o ideal seria que os projetos fossem propostos pelos próprios produtores de cultura.
Segundo Luiz Felipe Perret Serpa (1979), somente dessa forma se alcançaria uma
amostragem razoável e espontânea do ‘fazer brasileiro’. Para receber os projetos externos, o
Centro tinha em suas instalações um guichê, onde tais projetos poderiam ser depositados
para avaliação; uma vez demonstrado seu interesse, o pesquisador depositante do projeto
era convidado a desenvolvê-lo em parceria com a equipe do Centro.
Considerava-se importante que os projetos fossem multidisciplinares e
multiinstitucionais. Além disso, os projetos e programas eram objeto de constantes
reconsiderações e re-planejamentos. Segundo afirma um dos documentos fundadores do
CNRC, as metodologias adotadas em cada projeto deveriam ser “sugeridas pelos próprios
fenômenos da realidade cultural pesquisada” (CNRC, 1979c: 01). Idealmente, o trabalho se
74
daria em quatro etapas: captação, memorização, referenciamento e devolução. No entanto,
nem todos os projetos lograram cumprir todas as etapas referidas acima, mas isso também
fazia parte do processo de trabalho no Centro, uma vez que tais etapas não eram vistas
como sucessivas, mas, sim, como linhas de atuação que poderiam existir em
simultaneidade. Um projeto poderia ser interrompido se fosse “em benefício do
adensamento de outros, ou ainda ser complementado através da absorção de novas linhas de
pesquisa” (1979: 04). Em quatro anos de trabalho o CNRC desenvolveu 27 projetos, dentro
de seus quatro programas de estudo. Uns obtiveram mais êxito que outros, alguns duraram
pouco tempo, outros tiveram continuidade, transferindo-se para outras instituições.
Em 1978, em função da proximidade do fim do Termo Aditivo ao
Convênio de 1976, a equipe passou a discutir as possibilidades de institucionalização
definitiva do Centro. Dentre as alternativas levantadas, surgiu a idéia de fusão com o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão oficial de preservação do
patrimônio no país, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Essa opção consolidou-
se como a definitiva quando Aloísio Magalhães foi convidado a presidir o Iphan, em 1979.
Os pesquisadores e projetos do CNRC foram transferidos para o Instituto.
Entre 1975 e 1979, nos quatro anos em que funcionou como um
organismo autônomo, as atividades do CNRC se dividiram em duas fases (CNRC, 1979a:
02): a primeira delas vai de 1975 até a assinatura do Termo Aditivo ao Convênio de 1976.
Nessa fase, o Centro teria se desenvolvido a partir das quatro linhas de atuação: captação,
memorização, referenciamento e devolução. A segunda fase corresponde ao momento em
que o CNRC começa a discutir as possibilidades de continuidade para o trabalho, momento
em que é assinado o Termo Aditivo ao Convênio de 1976. Nesse momento, o Centro pôde
75
formular mais aprofundadamente os princípios que seriam indispensáveis ao
desenvolvimento dos projetos: 1) a vinculação dos estudos e das documentações realizados
a uma compreensão mais específica da produção cultural brasileira; 2) a compreensão em
profundidade dos processos e produtos da cultura nacional, apreendidos em relação com o
seu contexto local e com as circunstâncias que o transformam; 3) o desenvolvimento de
uma metodologia de referenciamento capaz de dar conta dessas inter-relações, ou seja, da
especificidade do objeto de registro (1979a: 03). Assim, ao longo do período do Termo
Aditivo, o CNRC buscou “concentrar suas atividades no sentido de aprofundar a apreensão
da especificidade dos processos e produtos culturais pesquisados, e respectivo
referenciamento” (1979a: 04).
2.2 Princípios
Entre os documentos a que tive acesso, abundam definições do que seria
o CNRC e de quais seriam seus propósitos. Por ser um projeto experimental, em que tanto
o objeto, quanto a metodologia de trabalho e a organização institucional eram ‘novos’,
talvez a reiterada ênfase em buscar definir e esclarecer seus objetivos fosse uma questão
não de explicar para os outros, mas, também, de demarcar internamente quais eram as
características fundamentais de sua proposta. Assim, acredito que, por princípio, o Centro
Nacional de Referência Cultural era um organismo que, além de pensar sobre as questões
do trato do bem cultural, pensava-se a si mesmo enquanto um organismo que pensava o
bem-cultural, numa atitude ao mesmo tempo reflexiva e auto-reflexiva, que o colocava
entre pesquisa, reflexão e prática, transitando sempre de um pólo a outro.
76
Desse modo, o trabalho do Centro consistia em pesquisar para agir,
referenciar para devolver, indexar para colocar em circulação, conhecer para dinamizar,
tudo isso fazendo parte de um processo em que os projetos não seguiam uma trajetória
linear, mas, ao contrário, participavam todos de uma rede, onde um alimentava o outro,
infinitamente. Nesse sentido, Aloísio Magalhães afirma que,
em termos estritos, um projeto do CNRC não terá uma conclusão no
sentido verdadeiro da palavra. A fase de coleta estando terminada por
exemplo – mesmo assim terá um papel importante na dinâmica do registro
ou da devolução, embora se tenham concluído esforços específicos para
sua concretização (Magalhães, 1978a: 10).
Assim, por princípio, os projetos do CNRC não tinham um fim. Alguns
foram concluídos, outros interrompidos, e alguns tantos tiveram continuidade no âmbito da
Sphan/Pró-Memória. Mais importante que o desenvolvimento dos projetos em sua
especificidade, era o adensamento das reflexões sobre o bem cultural que o corpo de
projetos do CNRC trazia, em seu conjunto.
2.2.1 A cultura brasileira e o achatamento do mundo
Para Aloísio Magalhães, o processo acelerado de industrialização por que
o mundo ocidental passava, principalmente a partir dos anos 50 e 60 do século 20, produzia
um efeito que ele denominava como ‘achatamento do mundo’ - “uma espécie de fastio,
monotonia, achatamento de valores causado pelo próprio processo de industrialização
muito acelerado e sofisticado. Enfim, o mundo começou a ficar chato” (Magalhães, 1997:
115). Segundo Aloísio, esse processo de achatamento por que passava o mundo ocidental
levava as culturas locais a perderem suas características próprias. Assim, sua maior
“preocupação é que determinados ingredientes vivos, dinâmicos, que você observa dentro
77
do processo histórico, possam ser abafados pela presença atuante de outro enfoque”
(Magalhães, 1976c: 05).
Para o designer, a posição peculiar do Brasil um país jovem com uma
cultura nova - lhe trazia vantagens e desvantagens no sentido de enfrentar tal processo de
achatamento cultural. Como o Brasil era uma ‘cultura nova’, que estaria passando por um
processo de definição e alteração dos próprios traços, ainda haveria tempo de reverter tal
processo, evitando que as culturas locais nascentes entrassem em extinção precoce. Mas, ao
mesmo tempo, a cultura brasileira, por ser nova, seria ‘especialmente frágil’, não
oferecendo, assim, suficiente resistência à invasão de modelos importados do ‘mundo
desenvolvido’. Nas palavras de Aloísio Magalhães,
todo fenômeno tem seu lado positivo e negativo. Nesse sentido, a posição
brasileira é bastante peculiar. Se por um lado somos um país já
suficientemente desenvolvido, com o domínio de certas tecnologias, por
outro lado temos um universo subdesenvolvido muito grande. Então,
podemos transitar nestas duas áreas. Isto permite que se possa fazer aqui
um trabalho não possível num país mais atrasado e nem num país
superdesenvolvido, onde já seria tarde demais (Magalhães, 1977a: 41).
Por essas razões, Aloísio investiu na criação de um Centro que teria por
objetivo último produzir, no Brasil, alternativas para o processo de achatamento por que
passava o mundo ocidental. Tais alternativas surgiriam a partir da consideração e da
dinamização das peculiaridades criativas de cada cultura. Ou seja, o que usualmente se via
como um impedimento ao desenvolvimento universal, no projeto do Centro transformava-
se na força motriz de um desenvolvimento real, tanto para os pequenos contextos locais
quanto a nível nacional e global. A partir de tais constatações, o CNRC pretendia ‘captar a
dinâmica do processo cultural’ (CNRC, 1976a: 01) para disseminá-la pelo país como um
todo, fazendo, dessa forma, com que um processo cultural alimentasse outro, e assim por
diante. Para o Centro, somente desse modo criando-se uma ‘rede de referências’ da
78
cultura brasileira - seria possível evitar a descaracterização e extinção das ‘sub-culturas’
locais. Nas palavras de Barbara Freitag,
se é válido dizer, recorrendo a uma colocação de Gilberto Freyre, que a
‘cultura brasileira’ se caracterizaria pela pluralidade e diversidade
(regional e local) na unidade (nacional), então a ‘cultura brasileira em
processo de descaracterização’ pode ser definida como essa pluralidade e
diversidade, ameaçadas pela homogeneização e unidimensionalização
através do desenvolvimento sócio-econômico e dos processos de
comunicação de massa que se impõem em nível nacional e internacional
(1976a: 02).
2.2.2 O relacionamento entre cultura e desenvolvimento
“Sem respeito à cultura, não se cria desenvolvimento” (Magalhães,
1978b). A partir de uma tal constatação, o CNRC vinculava a idéia de indexar e referenciar
a cultura brasileira ao desenvolvimento. A questão que se colocava como premissa para a
criação do Centro era: se o Brasil é um país com uma cultura nascente, em que medida
diante “da aceleração do processo de desenvolvimento e do crescimento dos meios de
comunicação de massa” (CNRC, 1975b: 03) – estariam sendo criadas ‘condições adequadas
para a sua evolução’? Os criadores do Centro teriam ‘diagnosticado’ uma ameaça à
sobrevivência do ‘meio cultural brasileiro’, e, em conseqüência, se propunham a preservar
as áreas da cultura nacional que, em sua opinião, estavam mais expostas à
descaracterização e à homogeneização impostas pelo ‘acelerado’ processo de
desenvolvimento sócio-econômico. Desse modo, acreditava-se que conhecendo a dinâmica
das práticas culturais seria possível intervir positiva e adequadamente na realidade
brasileira, incentivando um desenvolvimento baseado em elementos da própria cultura, em
vez de um formado por modelos impostos externamente. Para Aloísio Magalhães e os
pesquisadores do Centro, não bastava
79
relacionar a cultura apenas com as artes e humanidades ou ligar o termo
desenvolvimento unicamente a questões econômicas e sociais. No mundo
real ambos os conceitos estão inter-relacionados, pois a cultura representa
um dado indispensável na busca de soluções para os dilemas políticos,
econômicos e sociais (CNRC, 1979b: 03).
Segundo essa visão, o desenvolvimento acelerado estaria destruindo as
culturas locais, através de um processo denominado de ‘erosão cultural’. Em nome da
produtividade, as pequenas comunidades estariam se afastando de suas bases culturais, o
que, em vez de servir ao seu desenvolvimento, as estaria impedindo de alcançar um
desenvolvimento pleno e verdadeiro. A saída para tal dilema estaria na cultura ‘a força
coesiva básica de uma nação’ (1979b: idem). Somente um projeto de desenvolvimento que
levasse em conta a dinâmica de produção e reprodução cultural local poderia impedir a
‘erosão’ das culturas. Ou seja, para Aloísio e o CNRC, o desenvolvimento aconteceria
de fato se estivesse atrelado à cultura.
Em função de tais considerações, o Centro pregava o ‘desenvolvimento
autóctone’, que deveria acontecer não ‘de cima para baixo’, mas ‘de baixo para cima’. Nas
palavras de Aloísio Magalhães, “acreditamos que as políticas econômica e tecnológica do
país necessitam re-inserir os bens culturais nacionais para concretizarmos um
desenvolvimento autônomo” (Magalhães, 1997: 60). O CNRC deveria, então, trabalhar no
sentido de criar alternativas para que os bens culturais nacionais pudessem participar como
instrumentos no processo de desenvolvimento.
Em 1976, o CNRC organizou um Simpósio sobre Cultura Brasileira no
âmbito da XXVIII Reunião Anual da SBPC. Nesse simpósio, o físico José Zatz, da
Universidade de São Paulo, apresentou um artigo que elabora o termo ‘desenvolvimento
cultural-ecológico’. Assim, “concebemos desenvolvimento cultural-ecológico como um
processo global onde a experiência acumulada pelo homem seja utilizada em seu favor,
80
sem, no entanto, danificar irreversivelmente o ecossistema do qual ele faz parte” (Zatz,
1976: 07). Nesse artigo, Zatz critica o modo como os países ‘atrasados no desenvolvimento
industrial’ (1976: 03) importam modelos de desenvolvimento elaborados nos países
desenvolvidos. Para este autor, importar ciência e tecnologia como se fossem mercadoria só
leva os países que copiam a um falso desenvolvimento, que termina por agravar ainda mais
a dependência em que eles se encontram. Diferentemente daqueles ‘importadores’, o físico
acredita que ciência e tecnologia são ‘bens culturais’, e que, sendo assim, uma importação
de modelos de desenvolvimento que não considere o fator cultural da ciência e da
tecnologia poderia levar a um agravamento da situação de dependência no Hemisfério
Sul. A partir de tais considerações, Zatz propõe uma revisão de tais mecanismos de
importação de modelos, acreditando que somente em se revendo tais práticas seria possível
encontrar uma solução efetiva para os problemas que afligiriam o país (1976: 04). Eliminar
as ‘raízes naturais do homem’ (1976: 07), aquelas que teriam permitido sua sobrevivência,
seria torná-lo vulnerável e impotente frente à natureza e às culturas alheias. Para Zatz,
qualquer plano de desenvolvimento que não considerasse as peculiaridades regionais seria
mais uma ameaça que uma possibilidade para sua sobrevivência das culturas nacionais.
Complementando tais afirmações, Fausto Alvim Jr. e Claudio Weber
Abramo declaram que “o planejamento do desenvolvimento cultural, como é usualmente
feito, serve inadequadamente aos objetivos que explicitamente tenciona ajudar a alcançar
objetivos que supostamente têm como base uma compreensão abrangente do que é cultura”
(Alvim Jr. e Abramo, 1976: 05). Assim, “um conceito de desenvolvimento cultural
adequado para o Terceiro Mundo somente pode surgir a partir de alternativas para os
instrumentos e metodologias ortodoxas de planejamento” (30/09/1976: idem).
81
Severo Gomes parecia coadunar com os princípios adotados pelo CNRC.
Para ele, a preservação ‘das nossas referências culturais’ é um dos principais problemas a
serem enfrentados “quando se atravessa um período de rápido crescimento econômico”
(Gomes, 1982: 02), uma vez que a transferência de um modelo estrangeiro de
desenvolvimento de um país para outro implicaria necessariamente em graves
desequilíbrios culturais. Severo não rejeita a idéia de interdependência entre os países, mas
afirma que é preciso compatibilizar uma estratégia global de desenvolvimento com os
interesses nacionais (1982: idem), através do estabelecimento de uma ‘interdependência
horizontal’. Para ele, é preciso que as políticas de desenvolvimento estejam vinculadas não
somente às referências do crescimento da economia, mas, também, aos aspectos
qualitativos da vida de uma cultura. Afinal, “uma política de desenvolvimento econômico
não pode ser pensada isoladamente. Não pode ser separada de uma política cultural e social,
da compreensão de todo o universo cultural e humanístico da nação” (1982: 01).
Assim, o CNRC teria um “papel ativo no sentido de coordenar esforços
na obtenção dos indicadores culturais e ecológicos de uma dada região a fim de melhor
caracterizá-la e definir o sentido de sua evolução num certo momento” (CNRC, 1976a: 08),
na medida em que a atuação do Centro contribuiria para impedir a aculturação e a
descaracterização das culturas regionais, apontando para a possibilidade de um
desenvolvimento ‘mais de acordo’ com as características próprias de cada região.
Confirmando essa posição, no Relatório Técnico n. 10, afirma-se que “uma das funções
precípuas do CNRC é exatamente a do exame de condições adequadas para o acoplamento
fértil das bases culturais do país com seu desenvolvimento científico e tecnológico” (1976a:
09).
82
2.2.3 Dinâmica cultural e tecnologia patrimonial
Como se pode notar no ponto acima, o CNRC lidava não com cultura, mas,
também, com tecnologia. A questão que se colocava era: que tecnologia? Se, como afirma
Aloísio Magalhães, “em todos os projetos do CNRC tecnologia” (Magalhães, 1997:
232), e se, nas palavras do designer, “a tecnologia em si não é danosa. A tecnologia em si
mesma é maravilhosa” (1997: 98), a questão residia no fato de que “o mal é quando essa
tecnologia, que em si mesma é neutra, está a serviço de uma persuasão, de uma insinuação
negativa” (1997: idem). Assim, o CNRC parte para a investigação sobre outros modos de se
construir tecnologia – algo que foi chamado de ‘tecnologia patrimonial’.
Fausto Alvim Jr. afirma que ‘tecnologia patrimonial’, como era entendida pelo
CNRC, remete ao ‘sentido amplo do termo’, tal como fora proposto por Bell (1979)
5
:
‘indigenous technical knowledge’, ou, como traduzido por Alvim Jr., ‘conhecimento
técnico imerso e enraizado em grupos sociais específicos’ (Alvim Jr, 1979a: 01), algo que
Aloísio Magalhães caracterizava como ‘tecnologia de sobrevivência’ (Magalhães, 1997:
232). Para o designer, os ‘homens do interior’ teriam encontrado, ‘intuitivamente’, soluções
de tecnologias alternativas inconvencionais, que não estariam sendo consideradas pelo país.
Esses seriam “outros valores que, na proposta do CNRC, poderiam ser manipulados,
trazidos à tona e adaptados a um novo comportamento industrial” (Magalhães, 1975).
Tratava-se, assim, de uma vasta gama de processos de produção cultural que “por estarem
inseridos na dinâmica viva do cotidiano não são considerados como (produtores de) bens
culturais nem utilizados na formulação das políticas econômica e tecnológica” (Magalhães,
5
Sobre o conceito de ‘indigenous technical knowledge’ (ITK) ver BELL, M. The exploitation of indigenous
knowledge, or the indigenous exploitation of knowledge: whose use of what for what? In: IDS Bulletin, v. 10,
n. 2, janeiro de 1979: 44-50.
83
s/d: 05). Algo que Aloísio Magalhães também definiu como ‘prototecnologia’ (Magalhães,
1976b), ou ‘pré-design’. “Diria, de início, que, na realidade, dentro dos padrões ortodoxos,
não existe artesanato no Brasil. O que existe é uma disponibilidade imensa para o fazer. É
possível, até, caracterizar-se essa alta inventividade como uma atitude que se poderia
chamar de pré-design” (Magalhães, 1977b: 131).
No CNRC, as ditas ‘tecnologias patrimoniais’ eram tomadas como
elementos das estruturas vivas de cultura das comunidades (Alvim Jr, 1979a: 02). Logo,
não poderiam ser consideradas desvinculadas do seu contexto de produção para
compreender o enraizamento de uma técnica, processo ou saber dentro de uma cultura
específica, seria necessário, então, que fosse destrinchado o contexto sócio-cultural em que
tal processo ocorre.
2.2.4 A cultura e seu contexto
Quanto ao entendimento do que era cultura, o CNRC adotou três
princípios que deveriam nortear as suas atividades: primeiro, “que cultura (qualquer que
seja ela) não pode ser entendida como fenômeno isolado, devendo ser considerada em sua
interação com outras áreas da atividade humana” (CNRC, 1979c: 03). Em segundo lugar, se
deveria “enfatizar os aspectos dinâmicos do processo cultural, distinguindo não seus
fatores dominantes no presente e no passado, como também suas eventuais projeções no
futuro” (1979c: idem). A terceira suposição consiste em que, a partir de uma compreensão
de cultura como algo que está em contínuo desenvolvimento, crer que “seus componentes
se explicitarão de modo espontâneo” (1979c: idem).
84
O entendimento de que a cultura pode ser apreendida se cotejada com
o contexto sócio-econômico-cultural no qual ela se insere, é algo que Fausto Alvim Jr.
denomina de uma ‘visão gestáltica’ (Alvim Jr., 1979b: 03) ou ‘ecológica’ (1979b: 06) dos
fenômenos culturais’. Nessa visão, que considera todo o processo de produção cultural, e
não só os seus produtos, o contexto que envolve a dinâmica cultural é um fator fundamental
para o entendimento das trajetórias dos saberes e fazeres locais - objeto de interesse dos
projetos do CNRC. Assim, “atributos como originalidade, tipicidade ou o artístico da arte
popular constituem-se em reflexos da relação íntima dos processos e dos produtos
artesanais com os peculiares contextos culturais em que se desenvolvem (CNRC, 1979b:
05). Dessa forma, se o Centro buscava encontrar alternativas para o desenvolvimento do
produto cultural brasileiro, respeitando suas peculiaridades, acreditava que tal feito só seria
possível se houvesse um conhecimento profundo da realidade cultural do país. Então,
realizar uma pesquisa sobre algum saber específico implicava, necessariamente, em
observar e compreender todo o ambiente que circundava a produção e a reprodução de tal
fazer.
Ou seja, para o CNRC, conhecer os processos culturais implicaria
necessariamente em conhecer as comunidades (Alvim Jr., 1979b: 06). Aliás, não
conhecê-las, mas trabalhar com elas, considerando os produtores de cultura como sujeitos
que tinham o que ensinar, tanto aos pesquisadores, quanto ao país. Assim, os produtores
culturais locais, que no modelo ortodoxo de desenvolvimento eram desvalorizados e
forçados a abandonarem os saberes de que eram herdeiros ou criadores, na dinâmica de
trabalho do CNRC, eram tratados de uma nova forma, chamados a contribuir, exatamente
porque detinham um saber ‘enraizado’ só conhecido por eles.
85
Segundo os documentos, no CNRC, a compreensão da importância de se
trabalhar com os contextos foi algo que surgiu não de uma perspectiva teórica adotada a
priori, mas, sim, o resultado do próprio processo de investigação dos porquês da fragilidade
do produto nacional. Alvim Jr. explica que foi a partir das experiências vividas no CNRC
que se pôde entender porque os ‘critérios finalistas do planejamento econômico ortodoxo
são inadequados’ (1979b: 08) para o domínio dos bens culturais. O matemático afirma que,
observando-se os processos culturais em sua dinâmica, foi fácil constatar que “grande parte
do proveito advindo da aplicação de tecnologias patrimoniais decorre não dos
correspondentes produtos finais mas sim de toda a execução do processo produtivo”
(1979b: idem). Fato que, sem um convívio atento com as comunidades e seus processos de
produção cultural, seria de difícil apreciação, uma vez que muitos desses ‘proveitos’
poderiam facilmente passar desapercebidos por olhares ‘menos atentos’. Assim, para
Fausto Alvim Jr., a partir do trabalho com as comunidades emergeria uma compreensão da
incapacidade do modelo de desenvolvimento econômico ortodoxo de dar conta de
potencializar as ‘tecnologias patrimoniais vivas’.
2.2.5 Ciência e Trópico
A compreensão ‘ecológica’ da cultura aproximava-se do que Alvim Jr.
denominava de ‘um holismo saudável’, algo oposto à ‘estrutura analítica e fragmentada da
ciência moderna’ (1979b: 07), que, com seus ‘prismas rígidos de análise e especialização’
(1979b: 06) somente empobreceria e deformaria a compreensão do fato cultural. Assim,
para evitar análises atrofiadas é que o CNRC teria sempre procurado estabelecer, “em seus
86
projetos-piloto, processos favoráveis à integração das diferentes interpretações setoriais
ensejadas pela fenomenologia em pauta” (1979b: idem).
Dessa forma, nota-se como a observação dos contextos e a busca por
novos modelos de desenvolvimento para a produção cultural nacional levaram os
pesquisadores do Centro a questionar a própria ciência de que eles eram fruto. A ciência
passou a ser considerada como um ‘elemento crítico desaculturante por excelência’
(D’Ambrosio, 1976: 04). Nas palavras de Aloísio Magalhães,
creio que se poderia dizer que nossa época se caracteriza por inúmeras
mudanças. Talvez o aspecto mais precioso e mais válido dessa mutação
seja o fim do pensamento linear, o declínio das ciências separadas e
estanques e o advento do pensamento globalizador. Nenhum
conhecimento poderá permanecer isolado na medida em que depende e se
alimenta de uma forma de compreensão dinâmica e globalizante. Algumas
tecnologias já nasceram em conseqüência disso (Magalhães, 1982: 22).
Essa constatação assume um ar mais grave pois a ela se associa o fato de
que o grupo do CNRC passou a considerar que a ciência, ‘herdeira da tradição racionalista
grega’ (D’Ambrosio, 1976: 04), foi imposta às nações menos desenvolvidas, para quem ela
não seria necessariamente natural, nem adequada. Desse modo, “a posição da ciência, como
possivelmente o mais estranho dos fatores desaculturadores, é crítica nessa competição e na
luta das nações menos desenvolvidas para atingir uma posição de dignidade no seu
relacionamento com as nações poderosas, desenvolvidas e industrializadas “ (1976: idem).
Assim, a ‘tecnologia de sobrevivência’ (Magalhães, 1997: 232) que os
‘homens do interior’ encontravam ‘intuitivamente’ - soluções de tecnologias alternativas
inconvencionais, não eram desconsideradas, como reprimidas por uma “imposição da
estrutura científica que nos é em grande parte estranha” (D’Ambrosio, 1976: 04). O que o
CNRC propõe, então, é que as ‘tecnologias de sobrevivência’ e os modos inventivos não
87
hegemônicos sejam considerados e utilizados como instrumentos aptos a capacitar o país a
propor novos padrões de desenvolvimento. Magalhães ironiza: “Evidente que elas [as
tecnologias de sobrevivência] não vão resolver o balanço de pagamentos nacional, mas que
vão melhorar o sujeito de baixo, quer dizer, as bases, vão” (Magalhães, 1997: 233).
Afinal,
o processo criativo é contínuo, e inserido em um contexto cultural no qual
a tradição gera o ambiente. Sem esse componente, dificilmente a
produção intelectual poderá se revestir do componente de originalidade,
autenticidade e relevância que lhe permitirá passar da produtividade à
criatividade. E sem a passagem à criatividade, dificilmente nossa
produção intelectual será mais que marginal ou trivial e certamente não
encontrará o caminho que a transformará num instrumento efetivo para a
melhoria da qualidade global de vida do nosso povo (D’Ambrosio, 1976:
04-05).
2.2.6 O design como responsabilidade social
Como foi colocado acima, em suas pesquisas, o CNRC buscava investigar
e dinamizar a ‘inventiva brasileira’, que traria, em seu modo peculiar de ser, alternativas
para o processo de achatamento cultural que o mundo ocidental sofria. Tal ‘inventiva’
estaria depositada no ‘homem do interior’, o chamado artesão caracterização discutida
por Aloísio Magalhães quando se trata de sua aplicação à realidade brasileira. Afinal, ele
acreditava que “o artesão brasileiro é basicamente um designer em potencial, muito mais do
que propriamente um artesão no sentido clássico” (Magalhães, 1997: 181). Dessa forma,
considerando os produtores dos saberes locais específicos como ‘designers’ criadores, e
valorizando as soluções criativas de que eles se valiam para desenvolver as tais ‘tecnologias
de sobrevivência’ ou ‘pré-design’, o CNRC não deixava de lidar com questões da área de
88
origem de Aloísio Magalhães o design. Afinal, o que seria a proposta do Centro se não a
pesquisa por soluções originais para o problema da fragilidade do produto brasileiro?
Aloísio, Severo Gomes e Vladimir Murtinho partiram da constatação que
a mera importação de modelos tecnológicos oriundos do Hemisfério Norte não estaria
levando o Brasil a se desenvolver com autonomia ao contrário, o desenvolvimento que
aparentemente acontecera, a partir da segunda metade do século 20, era um
desenvolvimento dependente. Esse modelo não satisfazia os ideais do grupo, que com a
criação do CNRC, buscava intervir em tal processo, encontrando nas raízes dos fazeres
próprios ao Brasil saídas para o impasse nacional no que se referia ao seu desenvolvimento.
Nesse sentido, Aloísio Magalhães confessa: “não é sem razão que, depois de 15 anos de
trabalho como designer no Brasil, eu tenha me voltado para o projeto do CNRC, que
considero como projeto de design. Pois se conseguirmos detectar, ao longo do espaço
brasileiro, as atividades artesanais e influenciá-las, estaremos criando um design novo, o
design brasileiro” (Magalhães, 1977a).
Se o objetivo do Centro era ‘construir um desenho projetivo para o
Brasil’, o modo como Aloísio Magalhães entendia a profissão
6
era algo vital para o
estabelecimento dos princípios de atuação do CNRC. Afinal, “o trabalho do design visa a
compatibilizar duas áreas de atuação. Uma é o conhecimento tecnológico, extremamente
racional. A outra é a criação. De um lado você tem a razão, do outro a intuição. No
momento em que harmoniza estes dois pólos, você caminha no sentido de uma boa solução.
Em outras palavras, não há bom design só com a metodologia, como não há bom design
com intuição. É preciso a junção das duas” (Magalhães, 1977a). Assim como a ‘boa
6
Sobre o posicionamento de Aloísio Magalhães no campo do design brasileiro, ver Leite, 2006, Lopes, 2003
e Souza, 1996.
89
solução’ em design surgiria da compatibilização entre metodologia e intuição, então a ‘boa
solução’ para o país deveria vir no mesmo caminho, ou seja, sempre considerando as
soluções peculiares que o ‘fazer’ nacional desenvolvia.
2.2.7 Por que Brasília?
Brasília seria uma dessas soluções para Aloísio, a capital-federal era a
‘síntese da compreensão brasileira’ (Magalhães, 1997: 166), construída com ‘grande
sentido de invenção’ (1997: 167), enfim, o gesto que significou o “momento decisivo da
ação cultural no país. Dentro da concepção de que nos trópicos convivem pólos opostos,
podemos dizer que Brasília tenta unificar o cartesiano e o barroco, isto é, o espontâneo ou
natural” (1997: 107). Desse modo, Brasília representaria para o Brasil o momento de
introdução do método, da atitude projetiva que Aloísio adotara como profissão (não por
acaso, logo após visitar as obras da capital). Aloísio entendia a construção da cidade como
o momento em que o país teria assumido a sua necessidade de interiorização. Assim,
Brasília seria a convergência do processo histórico do país. Por conseqüência, o único lugar
possível para o desenvolvimento de um projeto como o do CNRC. Para ele,
esse projeto deveria ser feito aqui (em Brasília), porque por tentar refletir
sobre peculiaridades e realidades brasileiras autênticas, deveria ser feito
em contato com essa realidade, mas num lugar onde se pudesse ter um
pensamento neutro, onde se pudesse fazer convergir. Em Brasília, pode-se
ter bastante isenção ou distância para uma visão de conjunto e, ao mesmo
tempo, ter contato com a realidade, o que é ao meu ver uma
complementação da própria idéia do plano político de Brasília e da
interiorização nacional” (Magalhães, 1976b: 05).
90
Sintetizando tais idéias, Vladimir Murtinho teria dito para Aloísio
Magalhães que o CNRC deveria ser “um equivalente cultural do conceito de Brasília”
(Magalhães, 1976a).
2.3 Metodologia
A metodologia de trabalho era uma questão central para o CNRC, tão
importante, talvez, quanto o conteúdo dos projetos desenvolvidos. Em uma entrevista,
Aloísio Magalhães define o Centro como ‘uma atividade experimental de metodologia e
atuação’ (1976b: idem), e coloca que, entre seus projetos, havia duas naturezas possíveis -
se em uns, o mais importante era a substância; em outros, era a metodologia que importava.
Não uma metodologia fechada, mas, sim, uma que se explicitasse, à medida que os projetos
avançavam.
Aprofundando a questão, Fausto Alvim Jr. enumera ‘algumas amplas
regras metodológicas’ que foram adotadas pelo CNRC: “1) atuação integrada e
interdisciplinar, 2) elaboração de interpretações pessoais, 3) autogênese de interpretações,
4) inter-relacionamento de interpretações diversas, 5) abertura de interpretações, 6)
avaliação crítica do instrumental teórico disponível, 7) avaliação crítica do apoio
administrativo e de sua influência sobre o desenvolvimento dos projetos e pesquisas
(Alvim, Jr. 1979b: 06). Partindo desses princípios gerais, os projetos se desenvolviam a
partir de ‘quatro fases de trabalho e reflexão’: captação, referenciamento, memorização e
devolução. Em um primeiro momento, os dados deveriam ser observados e captados a
partir de técnicas como a observação participante. Uma vez efetuada a captação, partia-se
91
para o registro ou memorização - do material captado. Nesse estágio, se acumulava um
vasto e variado estoque de dados, que poderiam ser usados “tanto como fonte de referência
quanto de aprendizado” (Magalhães, 1978a: 10). Na fase de referenciamento, os dados
captados e registrados eram sistematizados e indexados, em uma ‘contínua atividade de
geração de modelos’ de compreensão das realidades culturais pesquisadas, o que, por sua
vez, implicava na adoção de ‘referenciais específicos’ (sistemas de escalas) (CNRC, 1977b:
03). Tais etapas do que o CNRC considerava ser a sua ‘tarefa’ fariam sentido se fossem
suplementadas por uma atividade de devolução (1977b: idem) desse “sistema ao processo
cultural, incorporando-o e tornando-o culturalmente ativo” (Magalhães, 1976a). Assim,
através da devolução, “o CNRC devolve ao público em um contexto sócio-cultural ao
qual pertencem e de onde se originam – os resultados de suas pesquisas e de seus registros”
(Magalhães, 1978a: 03).
Nesse sentido, Aloísio Magalhães acrescenta que
as quatro fases das atividades do CNRC acima citadas não são inflexíveis.
Ao contrário, o trabalho efetuado em cada uma tem forte influência sobre
o desenvolvimento de cada uma das outras. Dessa forma, uma coleta de
eventos pode ser usada para registro assimilados segundo um
determinado modelo de referência e este, por sua vez, pode, finalmente,
produzir uma devolução (o que poderá, depois, produzir novos estímulos
a serem coletados...) Assim, um determinado projeto pode ser classificado
de uma (ou mais) formas diferentes em qualquer (combinação) das
quatro fases acima descritas dependendo do curso de seu
desenvolvimento no âmbito do CNRC (1978a: idem).
Por adotar tal visão aberta dos projetos, o CNRC pagou o preço de deixar
muitas pesquisas sem fechamento. Poucos projetos chegaram ao estágio da devolução, e
esse parece ter sido um dos motivos que levaram o Centro, em 1979, a buscar uma nova
forma institucional. Afinal, pela experiência acumulada, a equipe do CNRC pôde
92
compreender que só poderia modificar a realidade, se tivesse acesso a instrumentos legais e
poderes efetivos.
2.3.1 Pesquisa + ação = participação
No que tange ao trato do bem cultural, Maria Cecília Londres Fonseca,
Clara Andrade Alvim e Roberto Sábato Moreira postularam a necessidade de que pesquisa
e ação deveriam ser realizadas de forma conjugada (Fonseca, Alvim, Moreira, 1979: 01).
Analisando o caso do artesanato no Brasil, eles apontam para um problema, que seria a
existência de uma barreira que separaria as instituições que se voltam para a ação e as que
se voltam para a pesquisa de artesanato. As instituições voltadas para a pesquisa, limitadas
ao universo acadêmico, estariam sofrendo um processo de especialização e
compartimentação, importando modelos; as instituições voltadas para a ação, por sua vez,
estariam tomando resoluções sem um mínimo de conhecimento prévio das realidades que
circunscrevem os fazeres artesanais no país. Assim, estariam adotando orientações
limitadas, imediatistas e até equivocadas (1979: 02). Para esses autores, tal separação é
prejudicial: a pesquisa ficaria restrita, e a ação se daria com pouco conhecimento de causa.
Assim, o grupo do CNRC propunha a ‘participação’, que seria a união
entre pesquisa e ação. Acreditando que somente desse modo seria possível apreender toda a
dinâmica de produção do bem cultural, o Centro propunha que o desenvolvimento de
propostas de intervenção nos processos culturais não fosse baseado em modelos pré-
existentes, mas na participação que aconteceria quando se considera a pesquisa mais
como ‘auscultação’ do que como ‘dissecação’ (Alvim Jr. e Abramo, 1976: 14).
93
De uma tal auscultação, processada no Terceiro Mundo, acreditamos que
emergirão diferentes alternativas para o desenvolvimento cultural, mais
adequadas às nossas condições e com contribuições as mais amplas
possíveis. Devemos cultivar tais alternativas, não planejando em demasia,
com a ajuda de instrumentos de adequação devidos, mas, preferivelmente,
tentando criar metodologias adequadas e não-deformantes para o estímulo
de novas dinâmicas culturais (1976: 15).
A partir dessas colocações, podemos entender a multidisciplinaridade da
proposta do CNRC: ele atuava entre a pesquisa e a ação, mediando relações entre as
comunidades e os possíveis patrocinadores dos projetos, e estabelecendo pontes entre
contextos de produção cultural que se encontravam isolados em suas regiões de origem.
Nesse sentido, poder-se-ia definir o Centro, como fez Aloísio Magalhães, como um ‘projeto
elástico’ (Magalhães, 1997: 116), que se estabeleceu entre dois extremos: nem um órgão de
pesquisa, nem de ação, mas, sim, um terceiro tipo de entidade.
2.3.2 O CNRC como um sistema de informações
O Centro Nacional de Referência Cultural surgiu como um organismo
autônomo que pretendia criar “o traçado de um sistema referencial básico para a descrição e
análise da dinâmica cultural brasileira” (CNRC, 1979d: 01). A partir de tal colocação,
pretendia “tornar-se a fonte capaz de fornecer, às entidades públicas e privadas, os dados
necessários aos estudos e projetos” (CNRC, 1975b: 03) que atuem no sentido de evitar a
homogeneização e a unidimensionalização dos processos culturais, preservando, assim, a
‘memória do plural e do diverso’ e estabelecendo a unidade, através do sistema de
indexação, ou seja, da interligação entre as diversas ‘sub-culturas’ regionais e a
comunicação delas a nível nacional. Assim, o Centro seria ao mesmo tempo ‘memória
94
nacional’ e “agente de divulgação das informações memorizadas” (CNRC, 1976a: 02).
Enfim, um organismo de
integração, em unidade nacional, da existente ‘pluralidade’ cultural
(setorial e regional), lançando o que é localmente produzido em um
processo de circulação e consumo mais amplo, talvez até mesmo
internacional. Com isso, a ‘cultura brasileira’ poderia tornar-se mais
resistente aos processos de deterioração e descaracterização provocados
pela produção, circulação e consumo de objetos de massa
unidimensionalizados (1976a: 03).
Um tal sistema de engenharia de informações deveria ser construído em
adequação às condições peculiares do país (CNRC, 1975b: 05). Para o CNRC, tal sistema
não deveria ser construído sobre uma base apenas teórica, mas, sim, a partir de ‘reflexões
cuidadosas’ e ‘relevantes pesquisas de campo’. Afinal, o objetivo da rede não seria semear
saberes e fazeres, mas, principalmente, fazer circular as informações referentes aos
processos culturais que até então se encontravam isolados e, por conseqüência, ameaçados
pela ‘erosão cultural’. Nas palavras de Aloísio Magalhães,
esse é o grande desafio do projeto do Centro Nacional de Referência
Cultural. Vai receber informações para responder a pedidos de uma
realidade imediata. Mas, na medida em que as receber, as informações
serão incorporadas à memória central. A tarefa do Centro não terá fim.
Afinal, sempre haverá novas informações a recolher e novas maneiras de
combinar essas informações (Magalhães, 1982: 25-26).
2.3.3 Inteligência artificial
Em 1975, quando foi criado o Grupo de Trabalho para a Implantação do
CNRC, já havia, por parte de seus membros, uma preocupação no sentido de se estabelecer
um sistema de informação para o Centro. Para isso,
partia-se do pressuposto que esforços nesse sentido deveriam seguir
paralelamente às pesquisas sobre modelos alternativos para nosso
panorama cultural brasileiro e aos estudos desenvolvidos na execução de
95
projetos em diferentes áreas relevantes neste panorama. Considerava-se,
no entanto, como fundamental, o exame de uma variedade de sistemas
amplos de processamentos de dados, com vistas a sua futura possível
implantação [CNRC, s/d (a): 04].
Apesar de pesquisas terem sido realizadas no sentido de viabilizar a
utilização de recursos computacionais nos projetos desenvolvidos pelo Centro, a
informática era um campo ainda incipiente na década de 1970. Por conseqüência, era rara
sua aplicação em pesquisas na área social. O CNRC tinha consciência desse fato, mas
estava muito interessado em utilizar os ‘recursos computacionais’ em suas pesquisas.
Assim, a fim de estabelecer contato com as poucas experiências que estavam sendo
desenvolvidas nesse sentido, os pesquisadores do Centro fizeram viagens à Alemanha e aos
Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, por saber que a informática era algo não tão facilmente
acessível, o Centro firmou como um critério-base que a adoção dos ‘recursos
computacionais’ deveria ocorrer quando fosse indispensável. Como alternativa à
impossibilidade de utilização da informática em todos os projetos, deveriam ser
pesquisadas soluções originais para a manipulação de dados e indexação [s/d (a): 01].
A utilização de processos computacionais, desde que feita
criteriosamente, possibilita um tipo de reflexão conveniente aos
propósitos de construção de sistemas referenciais. Estes sistemas,
contudo, serão mais próprios aos nossos fins, quanto mais próxima a
reflexão estiver dos processos de apreensão da dinâmica cultural a ser
referenciada [s/d (a): 03].
O projeto “Tecelagem popular no Triângulo Mineiro” foi o que utilizou,
de modo mais sistemático, a informática. Nesse projeto, elaborou-se um programa
computacional para imprimir os padrões originados da técnica de ‘repasso’ utilizadas pelas
tecedeiras. Os ‘repassos’ criados por cada uma das tecedeiras foram recolhidos pelos
pesquisadores do Centro, que os indexaram e imprimiram, montando uma cartilha onde
96
constavam os ‘repassos’ de todas as tecedeiras participantes do projeto. Tal cartilha foi
distribuída entre todas as tecedeiras da região, que tiveram, assim, multiplicadas as suas
possibilidades de criação de padrões.
2.3.4 Aplicações da Antropologia
Nos documentos encontrados no arquivo, não aparecem muitas
referências à Antropologia. No entanto, analisando o trabalho realizado pelo CNRC, nota-
se que termos e princípios próprios da disciplina circulavam entre os pesquisadores, sendo
aplicados, de modo informal, nos projetos. Os documentos do Centro mencionam ‘pesquisa
de campo’, ‘observação participante’, ‘contexto’, conceitos que fazem parte do vocabulário
antropológico.
Apesar de tais conceitos inspirarem o trabalho do Centro, dos documentos
encontrados no arquivo, apenas um faz referência direta à Antropologia. No Relatório
Técnico n. 20, o antropólogo George de Cerqueira Leite Zarur sugere algumas possíveis
“aplicações da antropologia no caso de SUAPE em Pernambuco”. Nesse texto, o
pesquisador introduz algumas “temáticas antropológicas que poderão servir de amarras
teóricas no pensar sobre o problema” (Zarur, 1977: 01). Desse modo, Zarur propõe
explicitamente o desenvolvimento de aplicações da Antropologia no contexto brasileiro
(1977: 12), por considerar que a utilização de ‘temáticas antropológicas’ com um ‘interesse
aplicado’ enriqueceriam tanto a disciplina quanto os projetos onde tais ‘temáticas’ se
aplicassem.
97
Se a Antropologia não é mencionada, isso se deve ao posicionamento
assumido pelo CNRC, no que se refere à aplicação de metodologias prévias em suas
pesquisas. No entanto, como foi discutido no primeiro capítulo, acredito que havia uma
inspiração antropológica, que, mesmo não assumida, balizava muitos dos princípios
orientadores do trabalho no Centro. Trata-se, então, de uma Antropologia aplicada a um
projeto de desenvolvimento
7
- em que a atitude projetiva, característica do design, subjaz às
experiências e propostas? Se o CNRC propositadamente se distancia de qualquer disciplina,
não podemos deixar de observar, no entanto, a proximidade de suas propostas com a
atividade projetiva própria do design, e com a perspectiva antropológica. Assim, ao meu
ver, estamos lidando com um projeto de Antropologia aplicada à investigação de
alternativas projetivas para a cultura brasileira.
2.4 Quadro sinótico dos projetos
Observando rapidamente o que pretendiam os projetos do Centro,
podemos notar as aproximações da proposta do órgão às disciplinas acima citadas. Em
quatro anos de trabalho o CNRC desenvolveu 27 projetos, classificados dentro de seus
quatro programas de estudo ‘Mapeamento do Artesanato Brasileiro’, ‘Levantamentos
Sócio-Culturais’, ‘História da Tecnologia e Ciência no Brasil’ e ‘Levantamentos de
Documentação sobre o Brasil’. Através dos projetos, o Centro visava aprofundar “os
estudos e a compreensão das circunstâncias da presente produção cultural brasileira, a partir
7
No artigo “A Antropologia do desenvolvimento: é possível falar de uma subdisciplina verdadeira?”, Peter
Schroder (1997) discute a existência de uma subdisciplina antropológica a Antropologia do
Desenvolvimento. Para o autor, esse tipo de Antropologia aplicada não chega a se caracterizar como uma
subdisciplina, no entanto, enquanto campo de práticas aplicadas da disciplina, agrupa antropólogos que fazem
qualquer trabalho ligado às questões do desenvolvimento.
98
de sua própria realidade” [CNRC, s/d (b)]. Para isso, Aloísio Magalhães afirma que o
CNRC “decidiu evitar modelos puramente teóricos e pré-determinados e concentrar-se no
uso de projetos que expressariam a coleta de certas tendências culturais, atuais ou
relevantes no cenário sócio-cultural de hoje em dia no Brasil (Magalhães, 1978a: 10).
Contudo, apesar de o CNRC buscar desenvolver pesquisas com diferentes
complexidades, natureza e dimensão (Magalhães, 1997: 65), em 1977, percebia-se uma
tendência do Centro a concentrar sua atuação nos programas ‘Mapeamento do Artesanato
Brasileiro’ e ‘Levantamentos Sócio-Culturais’. Os programas ‘História da Tecnologia e da
Ciência no Brasil’ e ‘Levantamentos de Documentação sobre o Brasil’ iniciaram suas
atividades em meados de 1976
8
. Os projetos do programa ‘Levantamentos Sócio-Culturais’
envolviam mais pesquisadores, instituições e recursos (Tapajós, Serpa, Horta, 1977: 57-58).
Além disso, notou-se que o conteúdo dos projetos desenvolvidos nas duas áreas em que se
concentrava a atuação do Centro era relacionado, quase que na totalidade dos casos, à
‘cultura não-elitista’
9
(1977: 58). Em oposição, nos ‘Levantamentos de Documentação
sobre o Brasil’, a maioria dos projetos tinha por conteúdo a ‘cultura elitista’ (1977: idem).
Analisando-se a relação entre o número de projetos e o número de pessoas envolvidas,
percebia-se uma tendência clara para a região Nordeste. Em seguida, vinha a área central do
Brasil e projetos que eram classificados como ‘não-regionais’. As demais áreas do país não
teriam apresentado uma ‘dinâmica significativa’ (1977: idem). Não obstante, apesar de não
haver muitos projetos sendo desenvolvidos na região Sudeste, proporcionalmente, havia um
número significativo de recursos do Centro direcionados para os projetos desenvolvidos na
8
Com exceção do projeto “Pedro II e seu tempo”, desenvolvido em 1975.
9
Sobre a dicotomia entre cultura ‘elitista’ e ‘não-elitista’, ao que indica esse trecho, Aloísio Magalhães
pretendia ultrapassá-la. Em suas palavras, “o conceito de bem cultural extrapola a dimensão elitista, de ‘o belo
e o velho’, e entra numa faixa mais importante da compreensão como manifestação geral de uma cultura
(Magalhães, 1997: 72).
99
região. Havia também, entre os pesquisadores do CNRC, muitas pessoas oriundas da
região.
Resumindo,
a região Nordeste possibilita uma atuação do CNRC em níveis técnico e
financeiro, com predominância do primeiro nível, tendo em vista que
nessa região o CNRC conseguiu atrair grandes recursos para seus
projetos. A região Centro não apresenta as mesmas características do
Nordeste. A atuação do CNRC, nesse caso, é basicamente em nível
financeiro, apesar de haver também apoio técnico. No caso da região
Sudeste, os gastos do CNRC por projeto são altos em relação às duas
regiões anteriores, caracterizando-se a figura de organismo financiador.
Os casos dos projetos classificados ‘como não-regional’ caracterizam-se,
em sua maioria, por serem desenvolvidos pelo próprio CNRC (organismo
de pesquisa) (1977: 59).
No período de 1976/77, havia 10 instituições envolvidas em projetos do
Centro. Esse número foi crescente desde a criação do CNRC. No período do primeiro
convênio, poucas instituições se envolveram com o Centro; somente a partir do segundo
convênio, teria aumentado o número de instituições vinculadas aos projetos. O número de
pessoas envolvidas com o CNRC também cresceu progressivamente com o tempo. Em
1977, havia cerca de 50 pessoas trabalhando nos projetos do Centro.
Além disso, notou-se que “a relação entre recursos e período de tempo de
convênio ou contrato de trabalho com o processo real de desenvolvimento de projetos é
inexistente, o que mostra a ausência de controle sobre a execução de projetos por parte do
CNRC” (1977: 57). Segundo Aloísio Magalhães,
dos estágios pelos quais a atuação do CNRC se manifesta no que se refere
à identificação e indexação, foi possível colher expressivos resultados.
Quanto ao estágio de devolução, o mais importante e o que configura a
finalidade principal do projeto, é o que representa a razão de ser deste
documento. De fato, é chegado o momento de constatar que uma ação
efetiva dos resultados obtidos pode ser realizada tendo o CNRC uma
posição claramente definida dentro do quadro geral do sistema
administrativo e dele fazendo parte como instrumento auxiliar válido
(Magalhães, s/d: 08).
100
2.4.1 Mapeamento do Artesanato Brasileiro
Esse programa buscava aprofundar o “conhecimento dos processos de
produção, comercialização e consumo; das matérias primas e técnicas artesanais;
experiências de indexação, de cinema e de fotografia como recursos documentais” (CNRC,
s/d (b)). Ao longo dos quatro anos em que funcionou o Centro, desenvolveram-se 07
projetos no âmbito desse programa.
O Projeto “Cerâmica de Amaro de Tracunhaém” foi a primeira
experiência do CNRC em termos de referenciação da dinâmica cultural, tendo início em
1975 e conclusão em 1978. Como resultado da pesquisa, o Centro publicou a ‘monografia’
“Amaro de Tracunhaém” (CNRC, 1977a). Esse projeto teve lugar na cidade de
Tracunhaém, Pernambuco, onde viviam e trabalhavam o artesão Amaro e sua mulher,
Berenice. Entre outubro de 1975 e janeiro de 1976, documentou-se, através de fotos e
gravação de depoimentos, o trabalho do casal de artesãos. Em seguida, os pesquisadores do
Centro selecionaram e organizaram o material recolhido,
de modo a oferecer uma descrição coerente do processo de produção e dos
produtos dele resultantes. Neste sentido, todo o material documentário
considerado foi submetido a uma experiência de indexação, que gerou um
universo de indicações, classificadas em um quadro, um jogo de módulos
e um índice em forma de matriz (CNRC, 1979a: 18).
Tal projeto teve como desdobramento uma pesquisa mais abrangente
sobre a cidade de Tracunhaém, cujo objetivo era apresentar à comunidade alternativas para
“a melhoria de suas condições de vida e preservação de sua cultura” (1979a: idem). Nesse
desdobramento, intitulado “Tracunhaém – Estudo sócio-econômico-cultural para a
melhoria da qualidade de vida da comunidade”, envolveram-se diversas entidades
101
governamentais, tais como a Fundação do Interior de Pernambuco (FIAM), a
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o Instituto de
Desenvolvimento do Estado de Pernambuco (CONDEPE), a Secretaria de Trabalho e Ação
Social (STAS), a Empresa Pernambucana de Turismo (EMPETUR) e a Fundação do
Patrimônio Histórico de Pernambuco (FUNDARPE).
“Tecelagem popular no Triângulo Mineiro” teve início em 1977, e
consistia no levantamento e documentação da dinâmica do processo de tecelagem manual,
além da listagem e classificação dos produtos resultantes desse processo, e do estudo da
evolução da técnica de tecelagem manual de quatro pedais, que fora introduzida no Brasil
durante a Colônia, mas que subsistira somente no Triângulo Mineiro. Nesse projeto, o
CNRC buscava apreender a dinâmica da atividade de tecelagem, tanto em suas
configurações internas, quanto em suas relações com o contexto (1979a: 17). “Espera-se
com este projeto não referenciar uma atividade tradicional importante e que tende ao
desaparecimento, como também recolher subsídios para uma melhor compreensão da
situação atual do artesanato no Brasil em suas diferentes manifestações” (1979a: idem).
Dele resultou a publicação de uma cartilha, onde os padrões utilizados
pelas diversas tecedeiras da região foram compilados através do uso de um programa de
computador. Essa cartilha foi distribuída entre as tecedeiras, que tiveram, assim,
multiplicadas as possibilidades de arranjos dos padrões com que trabalhavam. Nesse
sentido, o projeto da Tecelagem foi um dos poucos que completaram as quatros etapas de
trabalho que o CNRC pretendia desenvolver, oferecendo à população local a ‘devolução’
dos resultados da pesquisa. Além disso, esse talvez tenha sido o projeto onde o Centro mais
eficazmente conseguiu utilizar os recursos computacionais que tanto desejava.
102
Com o projeto “Artesanato Indígena no Centro-Oeste” o CNRC pretendia
estudar as relações entre meio-ambiente, organização social e tecnologia indígena (1979a:
idem). Em 1977, os pesquisadores do CNRC realizaram pesquisas de campo entre os
Krahos, os Bororos, os Kadiweus e os Xavantes. Dessas viagens, resultaram cinco
relatórios em que se descreve a relação do modo de vida das tribos com a atividade
artesanal, e um acervo de fotografias e peças etnográficas. A pesquisa também buscava
apreender as formas em que se organizava a vida social das tribos pesquisadas, assim como
as conseqüências dos contatos inter-tribais e interétnicos para a organização dessas
comunidades. Foi desenvolvida com a participação de pesquisadores do Museu Nacional e
de colaboradores contratados.
Em 1978, a partir de um estudo realizado pela Universidade Federal da
Paraíba, o CNRC pesquisou em 16 cidades dos Estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará
sobre a natureza do processo de fabricação de depósitos de lixo e outros produtos a partir da
utilização de borracha reciclada de pneus velhos. Para tanto, documentou-se o processo de
fabricação dos produtos que dele resultam. Abordou-se também a comercialização dos
produtos, a utilização que as populações faziam dos objetos resultantes desse artesanato e o
contexto sócio-cultural-econômico em que viviam os artesãos (1979a: 16). Em um nível
mais geral, o projeto “Fabricação e comercialização de lixeiras um artesanato em
transformação” “procurava contribuir para a reflexão sobre um ‘artesanato de
transformação’ em seus múltiplos aspectos, bem como pesquisar uma tecnologia incipiente
que amplas parcelas da população desenvolvem para garantir sua sobrevivência” (s/d:
idem).
103
Iniciado em 1977, se prolongando até 1979, o projeto “Artesanato como
referência cultural” tinha por objetivo traçar uma ‘ampla sistemática’ que mapeasse a
atividade artesanal no Brasil, considerando as diversas vinculações que ela estabelecia com
as circunstâncias históricas, sócio-culturais e econômicas brasileiras [CNRC, s/d (b)].
A exposição sobre o rio e as carrancas do São Francisco foi a primeira
experiência que o CNRC realizou no sentido de exibir e comunicar ao público o andamento
de suas pesquisas e estudos (CNRC, 1975a: 05). O projeto “Artesanato do Médio São
Francisco”, que gerou a exposição, buscava registrar os aspectos da vida, tradições e
costumes na região, coleta de peças artesanais (CNRC, 1979a). No catálogo da exposição,
coloca-se a questão de que “além de nos trazer objetos e sinais importantes da vida à
margem do rio, a própria exposição se torna, por sua vez, uma matéria de estudo e um
marco significante na estruturação do Centro” (CNRC, 1975a: 05). Como em quase todos
os projetos do CNRC, as questões levantadas pela pesquisa deveria oferecer pistas para a
elaboração de uma metodologia de abordagem da cultura brasileira. Assim,
é natural indagarmos em que medida ocorre, em outros setores de nossa
cultura popular, o fenômeno que se diz estar ocorrendo com as carrancas –
ou seja, o desaparecimento das figuras ‘genuínas’, que hoje nasceriam das
mãos de apenas um escultor. Mesmo como símbolo anacrônico,
vincula-se a carranca a um passado intenso e a uma vida atual, às margens
da corrente que, por alguma razão, é conhecida como de unidade nacional,
e, portanto, torna-se objeto adequado para as atenções do CNRC, focadas
não meramente em antigas e pitorescas tradições regionais, mas na fusão
daquilo que representam com o presente e a identidade do país (1975a:
idem).
Em 1977, o CNRC realizou o documentário cinematográfico “Brinquedos
populares do Nordeste”, sobre a fabricação e comercialização de brinquedos populares nas
feiras de cidades do Nordeste” [CNRC, s/d (b)]. O projeto foi proposto ao Centro pelo Prof.
Pedro Jorge Pinto de Castro, cineasta e professor da UnB. O CNRC viu interesse nessa
104
proposta no sentido de que a pesquisa a ser realizada poderia representar mais uma fonte de
‘apreensão do perfil cultural do Nordeste (CNRC, 1977b: 09). Assim, o CNRC financiou o
filme, que tinha 20 minutos de duração, nos quais registrava o brinquedo enquanto produto
artesanal, acompanhando a sua trajetória desde a produção até a comercialização. Com esse
projeto, o Centro buscava não acrescentar novos elementos para as pesquisas sobre
artesanato, quanto levantar a questão do uso do filme como forma de registro de dinâmicas
culturais específicas.
2.4.2 Levantamentos Sócio-Culturais
Nesse programa, que desenvolveu seis projetos, pesquisava-se sobre os
processos de transformação sócio-cultural, a fim de que, a partir da análise dos contextos
analisados, surgissem modelos alternativos de desenvolvimento [CNRC, s/d (b)].
O “Programa ecológico e cultural do Complexo Industrial-Portuário de
Suape”, iniciado em 1977, em parceria com a Secretaria de Planejamento de Pernambuco
(SEPLAN/PE), e executado pelo Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco
(CONDEPE), objetivava estabelecer parâmetros para a “preservação e o aproveitamento
das características ambientais e culturais da região, do seu patrimônio paisagístico e
arquitetônico” (s/d), a fim de diminuir os impactos negativos da instalação de um novo
complexo portuário para o Estado de Pernambuco. O projeto deveria trazer soluções não-
convencionais para a manutenção das características ecológicas, urbanísticas e culturais da
área a ser atingida pela instalação do Complexo (CNRC, 1979a: 21), assim como promover
a adaptação das populações locais à nova realidade a ser gerada pelo Complexo. O projeto
105
para o Porto de SUAPE deveria transformar-se em uma experiência-piloto que pudesse
sugerir, posteriormente, modelos alternativos que fossem úteis em situações similares.
O “Projeto de levantamento ecológico e cultural das Lagoas Mundaú e
Manguaba” teve curta duração menos um ano, e foi desenvolvido em parceria com a
Secretaria de Planejamento de Alagoas (SEPLAN/AL) e com a Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Através dele, as três instituições buscavam
avaliar quais efeitos a instalação de um pólo cloro-químico teria sobre a ecologia, a cultura
e a qualidade de vida da população da região vizinha a Maceió. A iniciativa do projeto
surgiu na SEPLAN/AL, que suspeitava que a implantação do pólo cloro-químico fosse
trazer um desequilíbrio da dinâmica sócio-econômico-cultural para as populações da
região, e, assim, propôs a parceria ao CNRC. Para sua realização, montou-se uma equipe
inter-disciplinar, em que atuavam pesquisadores do Centro, moradores da região das
Lagoas e técnicos das outras instituições ligadas ao projeto. O trabalho levantou uma
documentação sobre as condições ecológicas das cercanias, assim como as estatísticas
sobre as populações que habitavam a área a ser atingida pela instalação do pólo.
Tendo acontecido entre 1976 e 1977, e desenvolvido em parceria com o
Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS) e o Instituto Interamericano de
etnomuseologia y Folclore (INIDEF), da Venezuela, o projeto “Etnomuseologia na Área
Nordestina” coletou “música folclórica e religiosa, documentação fotográfica e
cinematográfica dos ritos correspondentes, com subsídios para rever-se a classificação da
música tradicional brasileira” [CNRC: s/d (b)]. Além de ter gravado em áudio as
manifestações musicais da região, o projeto documentou - através de registro fotográfico e
cinematográfico, as técnicas de fabricação de instrumentos, realizando, ainda, entrevistas
106
com músicos e artesãos. Assim, além de coletar documentação sonora e visual com o fim
de discutir as classificações correntes da música tradicional produzida no país, o projeto
pretendia fornecer subsídios para “o estudo da tecnologia de fabricação de instrumentos
musicais, além de contribuir para ampliar o quadro de gravações existentes” (CNRC,
1979a: 16).
O projeto “Cultura paulistana e renovação urbana” visava aprofundar o
“conhecimento das dinâmicas culturais de diversas correntes migratórias na antiga e na
nova industrialização paulista, tomando-se um dos bairros da cidade (o Brás) como foco de
estudo” [CNRC, s/d (b)].
“Tesauro” tinha por objetivo processar informações sobre a cultura
brasileira, e iniciou-se com a seleção e análise de termos referentes à cultura ‘lato sensu’.
Utilizou, como fonte, diversos tesauros existente, além de uma listagem que a UNESCO
publicara. Analisou também índices e sumários de obras que se referiam ao Brasil, além de
dicionários especializados, a fim de complementar a coleta de ‘termos brasileiros
específicos’. Intentava acrescentar a essas fontes o material produzido pelo próprio CNRC
(memorando de projetos, relatórios técnicos etc).
O “Estudo da polêmica relativa à cultura brasileira instaurada pelo
Modernismo” buscava reavaliar as pesquisas que se desenvolveram entre 1922 e 1945,
como conseqüência do Movimento Modernista. Entre seus objetivos, pretendia “analisar as
relações entre o pensamento de parte significativa da intelectualidade brasileira daquele
momento com as iniciativas governamentais no campo da educação e da cultura, sobretudo
durante a vigência do Ministério Capanema” (CNRC, 1979a: 23), partindo daí para
repensar, mais abrangentemente, a cultura brasileira, encaminhando-a, dessa forma, para a
107
‘independência, autenticidade e atualização’ (s/d: idem). No âmbito desse projeto, iniciou-
se um exame do arquivo Capanema, depositado no Centro de Pesquisa e Documentação da
Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV).
2.4.3 História da Tecnologia e da Ciência no Brasil
Através desse programa, o CNRC buscava aprofundar o “conhecimento das
técnicas e do saber tradicional artesanais, a compreensão das economias pré-mercado e o
estímulo à descoberta de tecnologias alternativas nas atividades de transformação do País”
[CNRC, s/d (b)].
Menina dos olhos de Aloísio Magalhães, o projeto “Estudo
multidisciplinar do caju” contou com a participação de Gilberto Freyre que redigiu o
documento “O caju, o Brasil e o homem” (Freyre, s/d). “Tendo como objetivo geral o
estudo multidisciplinar do caju (fruta nativa), através da captação de informações sobre a
realidade sócio-econômica-cultural que envolve o plantio, a colheita e a industrialização
deste produto, a pesquisa procura inicialmente detectar sua função em diferentes contextos
antropológico, químico, nutricional, artístico etc” (CNRC, 1979a: 24). Desse modo, o
projeto levantou a bibliografia existente sobre o tema, e organizou seminários
interdisciplinares, onde se discutia as diversas implicações e aplicações do caju para a
cultura e economia brasileiras. Além de pesquisar sobre a fruta e suas possibilidades
produtivas, o projeto buscava “conjugar o levantamento de dados a uma prática efetiva no
sentido de chamar a atenção para o potencial de utilização do caju” (1979a: idem). Aloísio
Magalhães discorre sobre a exemplaridade desse projeto para o CNRC:
108
Bom, o projeto do caju tem, a meu ver, um grande valor exemplar. Porque
o caju, em primeiro lugar, sendo um produto natural do Brasil, tem três
grandes predicados para ser uma análise exemplar. Primeiro, o predicado
de consciência histórica, ou seja, ele é conhecido desde o descobrimento e
usado até hoje. Você tem, então, um tempo importantíssimo e com
informações e os registros, os documentos que formam essa trajetória no
tempo. O segundo predicado é o do espaço. Quer dizer, o caju cobre um
contexto brasileiro de uma imensa abrangência. Ele é conhecido desde
Santa Catarina até o Pará, sem falar nas formas, nas subespécies do
Planalto, o cajuí. Cobre praticamente a maior parte do espaço territorial. E
o terceiro é a diversidade de usos e produtos que derivam daquele produto
natural, certo? Esses três componentes configuram um caso exemplar,
absolutamente exemplar, para um estudo do universo do produto e da
cultura. Bem, em segundo lugar, o interesse do produto do caju é que, pela
reiteração, a presença dele é tão intensa que já transcende o próprio uso no
sentido de fruto alimentício. Quer dizer, ele transpõe a barreira do cultural
na medida em que é objeto de uso coletivo em outros valores como a
contagem do tempo... A diversidade de usos é tal que ele saltou para
fora do uso direto e tem usos simbólicos, né?... Enfim, ele entra numa
penetração multifacetada na comunidade que o configura como objeto
cultural (Magalhães, 1997: 227-228).
O projeto “A marca estampada em folha de flandres, em Juiz de Fora”
desenvolveu-se a partir de pesquisa de campo realizada por uma pesquisadora local. Nessa
pesquisa, reuniu-se uma “vasta documentação litográfica relativa a rótulos impressos em
embalagens de lata (folhas de flandres) destinadas a laticínios, fumo, doces e outros
produtos da região” [CNRC, s/d (d): 06]. A partir da análise do material levantado, o
projeto buscava referenciar as marcas litográficas da região e perceber as mudanças
sofridas pelo contexto em que as marcas eram produzidas, “efetuando, assim, a apreensão
do sistema de mútua influência entre o desenho do rótulo e seu mundo contemporâneo”
(s/d: idem). Como resultado da pesquisa, previa-se a elaboração de um álbum contendo um
resumo da história da indústria litográfica na região de Juiz de Fora/MG, assim como a
descrição das etapas desse processo industrial. Com a publicação, o Centro visava efetivar a
devolução de tal conhecimento à comunidade, e, além disso, estimular a continuidade de tal
processo industrial.
109
Um dos projetos mais importantes do CNRC, “Indústrias familiares dos
imigrantes em Orleans, Santa Catarina” propunha-se a criação de um Museu ao Ar Livre
que documentava o modo de vida e de produção dos imigrantes europeus que haviam se
radicado na região no século 19. O acervo do Museu foi adquirido entre colonos da região,
e consistia em maquinário produzido e utilizado pelos imigrantes desde sua chegada ao
Brasil. As máquinas – já sem uso efetivo pela comunidade – foram restauradas, remontadas
e postas a funcionar em um terreno de 20.000 m
2
, onde foi instalado o Museu. Nesse
espaço, pretendia-se estimular a utilização do maquinário pela comunidade local,
reavivando o entrosamento entre a população e as técnicas em desuso. O projeto foi
proposto ao CNRC por um padre da região, que temia que tais técnicas e saberes, oriundos
da cultura dos imigrantes, desaparecesse.
2.4.4 Levantamentos de Documentação sobre o Brasil
No âmbito desse programa, o CNRC propunha-se a levantar, referenciar e
preservar a difusão da documentação existente sobre o Brasil. Nesse sentido, os projetos
realizaram experiências de adequação ao usuário de sistemas de arquivamento e informação
[CNRC, s/d (b)].
O objetivo do “Levantamento bibliográfico de documentação estrangeira
sobre o Brasil” era sistematizar e disponibilizar a bibliografia estrangeira referente ao
Brasil, com o propósito de torná-la acessível aos pesquisadores brasileiros [s/d (b)].
O projeto “Documentação do patrimônio cultural brasileiro” buscava
listar e classificar os acervos dos museus brasileiros, assim como os dos organismos
110
responsáveis pelo registro de bens gerando, como conseqüência, subsídios para a definição
do bem cultural no Brasil [s/d (b)]. Solicitado pelo Iphan, o projeto buscava preparar uma
‘base de reflexão’ para a visita de um perito da Unesco, que vinha ao Brasil analisar o
‘problema’ do cadastramento dos bens culturais no país. Nesse sentido, os pesquisadores do
CNRC elaboraram uma ‘classificação experimental’ dos acervos depositados nos museus
brasileiros, assim como uma análise dos modos de cadastramento realizados no Brasil. Em
um nível mais amplo, o projeto visava “fornecer subsídios para uma revisão do conceito de
bem cultural, procurando sobrepor às definições pré-estabelecidas – geralmente importadas
de outras realidades uma análise do que é, no Brasil, considerado e valorizado como tal
em diferentes comunidades, nas várias regiões do país” (CNRC, 1979a: 23).
“Recuperação e preservação de filmes do acervo da Fundação Cinemateca
Brasileira” foi um projeto que pretendia restaurar e indexar um lote de filmes
documentários realizados no período do Estado Novo, e desenvolver, a partir do material
reunido, um sistema de fichamento de documentários cinematográficos [CNRC, s/d (b)].
Além disso, o projeto serviria para que CNRC e FCB pudessem, em conjunto, desenvolver
um sistema de indexação de áudio-visuais.
“Indexação e microfilmagem da documentação em depósito no Museu do
Índio” foi o “resultado de um convênio assinado entre o CNRC e o Museu do Índio, que
propuseram-se a organizar e preservar por meio de indexação e microfilmagem a
documentação indigenista brasileira, ora em depósito no Centro de Documentação do
referido Museu” (CNRC, 1979a: 20).
O objetivo do projeto “Condições de vida no Rio Antigo” era aprofundar
o conhecimento das condições de vida e as relações sociais existentes no Rio de Janeiro da
111
Primeira República, o que se daria através de pesquisa iconográfica sobre a época. O
material iconográfico pesquisado estava depositado no Arquivo Municipal da Cidade, e era,
em sua maioria, resultado do trabalho do fotógrafo Augusto Malta, que entre 1906 e 1936
fora contratado da prefeitura da cidade para registrar as atividades realizadas pela
prefeitura. As fotos de Malta foram selecionadas e organizadas em oito grupos,
relacionados aos temas: 1) cidade, 2) indústria e comércio, 3) serviços, 4) população e
trabalho, 5) moradia, 6) saúde, 7) educação, 8) lazer e cultura. O material compilado
deveria servir para eventuais pesquisas (CNRC, 1979a: 19).
Sendo um projeto voltado mais especificamente para a área de editoração,
a “análise e publicação do mapa etno-historiográfico de Curt Nimuendaju”, que editaria o
mapa e o guia que o acompanha, pretendia efetuar um “re-exame e divulgação de uma obra
essencial para o conhecimento das populações indígenas brasileiras” [CNRC, s/d (b)].
“Brasil Holandês” buscava aprofundar o “conhecimento da presença
holandesa no Brasil colônia, enfatizando suas vinculações com a influência holandesa na
América Latina e Caribe” [CNRC, s/d (b)].
O projeto “Documentação sobre as viagens de G. I. Langsdorff no Brasil”
realizou a “tradução para o português e resumo do catálogo descritivo do material coletado
pela expedição, ora em depósito na URSS, e organização da bibliografia crítica sobre o
assunto” [s/d (b)].
Um dos primeiros projetos desenvolvidos pelo CNRC, a exposição “D.
Pedro II e seu tempo”, encomendada pela Caixa Econômica federal, aconteceu ainda no
ano de 1975. A exposição volante, que teve tiragem de 3000 coleções de 10 cartazes cada,
comemorava o sesquicentenário do nascimento de D. Pedro II. Além de homenagear o
112
monarca, apresentava a um grande público, espalhado pelo país, diversas informações sobre
o período do seu reinado. Para isso, o CNRC reuniu material iconográfico de diversas
coleções.
“Documentação cinematográfica sobre a construção de Brasília” consistiu
na montagem de um documentário sobre a construção de Brasília, a partir da recuperação
de material áudio-visual produzido na cidade, no ano de 1959 [s/d (b)] Produzido em
convênio com a Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria de Educação e
Cultura do Distrito Federal.
“Levantamento e microfilmagem da documentação brasileira no exterior”
visava realizar uma “sistematização das informações contidas nos documentos relativos ao
Brasil que se encontram no exterior, com vista a torná-los acessíveis aos estudiosos no
país” [s/d (b)].
113
Capítulo 3: Do contexto
Ontens e hoje, amores e ódio,
adianta consultar o relógio?
Nada poderia ter sido feito,
a não ser no tempo em que foi lógico.
Ninguém nunca chegou atrasado.
Bençãos e desgraças
vêm sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.
Acaso é este encontro
entre o tempo e o espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que eu faço?
O atraso pontual, Paulo Leminski.
Se na introdução desta dissertação propus o exercício de uma revisão da
versão consagrada da experiência do CNRC, o fiz com o intuito de viabilizar uma melhor
compreensão dos conceitos que balizaram tal experiência. Assim, não busquei contrastar o
Centro com o quadro maior da trajetória das políticas públicas de preservação do
patrimônio cultural no Brasil. Mas sugeri que, uma vez analisados, em si, as categorias e
conceitos manipulados nos textos formuladores da proposta do CNRC, estes trariam, por si,
pistas de quais seriam as bases de interlocução dessa proposta.
A partir de tal perspectiva, creio ser fundamental considerar o diálogo
estabelecido pelo Centro com o contexto histórico ao qual ele estava vinculado. Assim, se,
anteriormente, propus a retirada do CNRC do contexto das políticas públicas de patrimônio,
ensaio, neste capítulo, uma análise do contexto da situação
1
mais geral em que se inseriu o
1
Apesar de não estar utilizando diretamente as colocações de Malinowski, acredito ser fundamental
considerar as definições de ‘contexto’, tal como elas aparecem em “Coral Gardens and their magic” (1935:
22). Para Malinowski, o significado de uma experiência seria acessível através da análise do ‘contexto da
situação’ ou ‘pano de fundo estrutural’ em que ela se dava. Se, como acredita o autor, a palavra, em si, não
leva à compreensão de uma situação, uma vez que nem sempre o que as pessoas dizem é equivalente às suas
114
Centro. Dessa forma, proponho olharmos para o CNRC não como um ponto sobre uma
linha, mas como uma trama de relações dentro de um quadro que se espalha por diversos
eixos e dimensões. De todo modo, como afirma Luiz Fernando Dias Duarte,
o que é importante, enquanto método, na utilização da comparação
sincrônica ou diacrônica é a contextualização implicada nesse processo,
ou seja, a compreensão de que os eventos sobre os quais nos debruçamos,
sejam eles contemporâneos ou sejam eles passados e, portanto,
‘históricos’ podem fazer sentido na medida em que são
compreendidos ‘em contexto’, de um modo não anacrônico, nos termos de
seu sistema de sentido original e não como costuma ser feito a partir
da visão que prevalece hoje a respeito de seu significado (Duarte, 1999:
53-54).
Seguindo essa sugestão, nesta seção destaco alguns pontos que considero
importantes para a compreensão do quadro maior do qual o CNRC fazia parte. Assim, se
não pretendo esgotar nenhuma das questões levantadas, organizo uma cronologia
2
com
elementos que ajudam a contextualizar o objeto da pesquisa. Ao mesmo tempo, menos
preocupada com a cronologia, sigo algumas pistas que podem esclarecer qual era o pano de
fundo contra o qual se lançava a proposta do Centro.
Em um primeiro momento, esboço um quadro da situação política da
segunda metade do século 20, destacando fatos que considero que tenham influenciado a
proposta do CNRC. Em seguida, observo o cenário montado pela arte e pela cultura (em
um sentido mais amplo) no Brasil, na década de 1970. Por fim, apresento um panorama do
estado da arte da disciplina antropológica na segunda metade do século passado. A fim de
ilustrar, rapidamente, o ‘espírito do tempo’, contrasto alguns textos de Claude Lévi-Strauss
e Aloísio Magalhães.
crenças ou às suas ações, então a observação do contexto seria a única saída possível para a compreensão de
uma dada situação.
2
Sigo também a indicação de Luiz de Casto Faria, que afirma: “Organizei uma cronologia plena de
referências pessoais com elementos para o que chamamos de contextualização, de modo a escapar de um
tipo de estudo, ainda prevalecente no Brasil, capaz de isolar dos seus contextos as instituições e as pessoas,
perdendo completamente a noção de situação” (Faria, 1995: 29).
115
O material utilizado como referência para este capítulo é vasto e
multidisciplinar, como pede o tópico. Nesse sentido, consultei tanto livros de História
[Fausto, 2002 (1995); Koshiba e Pereira, 1984], quanto coletâneas de artigos sobre a década
de 1970 [Bahiana, 2006; Miceli (org.), 1984; Novaes (org.), 2005; Vários autores, 2005]
textos específicos sobre a década (Hollanda, 2004), e sobre o estado da arte da
Antropologia na segunda metade do século passado (Garcia, 2004; Ortner, 1984; Velho e
Viveiros de Castro, 1980).
3.1 Política
3.1.1 O contexto sócio-político brasileiro da segunda metade do século 20
Com o início do Governo de Juscelino Kubitschek, em 1956, implanta-se,
no Brasil, um modelo de desenvolvimento baseado na industrialização e associado ao
capital internacional. Através do Plano de Metas um programa destinado a promover
mudanças importantes na estrutura econômica, investiu-se pesadamente no setor industrial,
que, tendo recebido grandes quantidades de capital estrangeiro, rapidamente se tornou o
setor mais dinâmico da economia. Dentro de tal Plano, se ao capital estrangeiro cabia
investir, ao governo, caberia viabilizar a infra-estrutura para que as indústrias pudessem
funcionar. O recurso financeiro para as reformas necessárias para a implantação da infra-
estrutura industrial foi obtido graças a uma política fiscal específica, mas também através
de emissões. Assim, uma das conseqüências da industrialização foi a inflação, que, se, por
um lado estimulava os investimentos, por outro, prejudicava os assalariados.
116
Como decorrência do modelo de desenvolvimento proposto por
Kubitschek, agravaram-se as tendências a uma forte diferenciação social no país. Por fim,
tal modelo resultou em um entrecruzamento entre os desequilíbrios sociais e econômicos.
Além dos problemas internos gerados pelo modelo de industrialização adotado, sucedeu a
penetração maciça de empresas multinacionais, que foram progressivamente assumindo o
controle de grande parte da economia nacional. Como resultado dessa conjuntura, a
burguesia também saiu enfraquecida. Desse modo,
as contradições engendradas pelo modelo de desenvolvimento da
industrialização que se adota na década de 1950 expressam-se através do
aguçamento das lutas sociais e políticas. A presença do capitalismo
internacional e o seu papel cada vez mais decisivo no controle de nossa
economia têm, por seu turno, uma importância certamente não desprezível
no desfecho da luta. O movimento militar de 1964 tem suas raízes e as
suas razões (Koshiba, Pereira, 1984: 292).
Brasília tem um papel fundamental na proposta de JK, na medida em que
sua construção era justificada como algo inadiavelmente necessário à integração nacional
defendida pelo presidente. Nas palavras de Lauro Cavalcanti, “esperava-se desenvolver o
interior do país dando-lhe importância política” (Cavalcanti, 1998: 51). Em suma, a cidade
serviu como principal elemento da ‘estratégia de marketing’ montada pelo presidente
(1998: 57) a meta-síntese de seu Plano de Metas (Ribeiro, s/d: 01). Se, do ponto de vista
econômico, Brasília foi uma catástrofe, pois o governo teve que direcionar montantes
elevados de seu orçamento para a rápida construção da capital, como elemento catalisador
da proposta desenvolvimentista de Juscelino, ela teve bastante sucesso. Segundo
Cavalcanti, a nova capital-federal teria conseguido entusiasmar a maioria dos brasileiros,
principalmente suas camadas populares.
Houve recrutamento de operários por todo o país, principalmente no
Nordeste, que havia sofrido uma grande seca. O governo lança uma
campanha associando a ida para o Oeste à epopéia do far-west norte-
117
americano do século anterior. A nova capital era associada a uma
oportunidade para os mais pobres e a um marco do futuro brasileiro mais
rico e mais justo. A correlação de uma ‘griffe’ arquitetônico-urbanística
ao projeto político provou-se eficaz: apoiar a construção de Brasília era
considerado um gesto progressista abraçado por fração significativa dos
intelectuais e da classe estudantil e os oponentes da empreitada
ganhavam a pecha de conservadores (Cavalcanti, 1998: 58).
Após três anos de obras, em 21 de abril de 1960, é inaugurada a capital-federal.
Em 1964, culmina uma crise, que fora aparentemente desencadeada a
partir da renúncia de Jânio Quadros, em 1961. A crise política se expandiu durante o
governo de João Goulart, deposto em 1
0
abril de 1964. A partir dessa data, instaura-se no
país um regime autoritário de origem militar que, apesar de ter durado quase vinte anos,
não chegou a se configurar como um sistema autoritário, pois, periodicamente, mudavam as
formas que ele assumia (Cruz e Martins, 1983: 13). Alternando-se entre mandatos
presidenciais que tendiam mais ou menos ao estado de exceção, perdurou no poder a
coalizão que assumiu, em 1964, o controle do Estado. Entretanto, transitaram no comando
diferentes tendências dentro das Forças Armadas
3
. Nesse sentido, Castro, D’Araujo e
Soares afirmam que “os governos militares, no Brasil, sempre foram de composição:
nenhum grupo governou absoluto, mas sempre com representação dos demais grupos. Não
houve alternância dos grupos no poder; houve alternância dos grupos dominantes” (Castro,
D’Araujo e Soares, 1995: 31-32).
Dessa forma, revezaram-se no poder Castelo Branco - pertencente ao
grupo dos ‘sorbonistas’, que visava instituir uma ‘democracia restringida’ (Fausto, 2002:
470), e “promover, via integração institucional, o modelo de civilização realizado pelos
países centrais do sistema capitalista” (Cruz e Martins, 1983: 18); Costa e Silva cujo
3
Para observações mais específicas sobre as relações estabelecidas pelos militares com a política e o poder no
Brasil, ver Stepan, 1971.
118
estilo um misto de linha dura e nacionalismo que não coincidia com o de Castelo,
“concentrava as esperanças da linha-dura e dos nacionalistas autoritários das Forças
Armadas, que estavam descontentes com a política castelista de aproximação com os
Estados Unidos e as facilidades concedidas aos capitais estrangeiros” (Fausto, 2002: 476); a
junta militar que substituiu Costa e Silva, quando este sofreu um derrame que o deixou
paralisado, foi sucedida por Médici amigo íntimo do presidente afastado, que consolidou
a repressão e promoveu a idéia de Brasil como uma ‘grande potência’ através do que foi
denominado de ‘milagre econômico’- uma combinação de crescimento econômico com
baixa inflação. Nesse período de aparente euforia, o governo desenvolveu projetos de porte
gigantesco, que contribuíram para o avanço econômico, desconsiderando, no entanto, as
condições sociais e ambientais onde se instalavam (2002: 487); Geisel, que governou entre
1974 e 1979, representou o retorno do grupo castelista ao poder, e o conseqüente declínio
da linha-dura. Segundo Boris Fausto, esse governo “se associa ao início da abertura política
que o general-presidente definiu como lenta, gradual e segura” (2002: 489). A estratégia de
distensão teria sido montada pelo presidente e pelo general Golbery do Couto e Silva, então
chefe do gabinete-civil da Presidência; por fim, Figueiredo, que consolidou a abertura do
regime militar, preparando a entrega do poder aos civis.
Sobre a influência do regime autoritário na área de cultura, Ruben Oliven
afirma que “depois de 1964 o panorama cultural se alterou substancialmente” (Oliven,
1984: 48). Durante tal regime, o Estado estabeleceu duas relações contraditórias, mas
complementares em relação à cultura. De um lado, censurava o que considerava como
‘prejudicial à imagem séria’ do país (1984: 50), de outro, promovia ‘a imagem sui generis
de nossa cultura’ (1984: idem). Ao mesmo tempo repressor e estimulador da cultura,
119
naquele período, o Estado brasileiro preocupava-se, principalmente, em criar uma ‘imagem
integrada do Brasil’, o que buscava alcançar na medida em que assumia “a cultura como
um espaço para a construção de um projeto de hegemonia” (1984: idem). O fato de o
Estado ter, naquele momento, tomado para si a tarefa de incentivador da cultura nacional,
ao mesmo tempo em que capitaneava a desnacionalização da economia, não foi assumido
pelo regime como algo contraditório, pois, as duas questões eram propostas desvinculadas
uma da outra, ou seja, não se confrontavam, eram desenvolvidas separadamente.
O projeto do Estado de manipular os símbolos nacionais a fim de
conseguir a hegemonia desejada pelo regime autoritário encontrou um obstáculo no que
tange à questão econômica. Nas palavras de Oliven,
o grande obstáculo a este projeto de hegemonia é que ele está
desvinculado da questão sócio-econômica. À medida que a ordem
burguesa se consolida no Brasil, o Estado tenta criar um projeto que
privilegia o cultural, sem querer alterar fundamentalmente as regras da
ordem econômica e política. Assim, através de uma abertura restrita, do
afrouxamento da censura e de uma reforma partidária que visa à
reordenação do poder pelo alto se pretende soldar a sociedade sem
modificar substancialmente questões-chave como a legislação trabalhista,
a distribuição de renda, a posse da terra etc. O projeto obviamente é tão
precário que o próprio crescimento da inflação coloca em questão a sua
viabilidade (1984: 51).
Assim, no início da década de 1970, o regime começa a deixar aparentes
as contradições sobre as quais se articulava. O ‘milagre econômico’ do Governo Médici
desacelerou seu ritmo, e a sociedade civil começou a perceber os desequilíbrios e as
incoerências do regime. Mesmo dentro da corporação militar, a situação começou a se
tornar instável. Dessa forma, gradualmente, o regime autoritário passa a enfrentar uma
‘crise de legitimidade’, que está em seu auge quando Ernesto Geisel assume o cargo da
Presidência da República, em 1974.
120
3.1.2 O Governo Geisel (1974-1979)
Sobre o processo de abertura política, iniciado no Governo Geisel, Castro,
D’Araujo e Soares afirmam que
podemos caracterizar a abertura como um projeto que se iniciou com
autonomia pelo alto, com importantes passos liberalizantes, mas que logo
virou processo, cujo rumo foi determinado por muitas forças.
Concordamos também com a tese difundida de que a “abertura iniciada
em 1974 não foi baseada num plano amplo e bem pensado (Castro,
D’Araujo e Soares, 1995: 39).
Ao contrário, a crise de legitimidade gerada em função do esgotamento
do ‘milagre econômico’ teria sido percebida pelo presidente Geisel
4
, que, convencido da
necessidade de recuo, traçou metas para um governo de transição, iniciando, assim, um
projeto de abertura política. Nas palavras de Hélio Jaguaribe (apud Aquino, 2005),
foi a construção dessa crise de legitimidade do regime de exceção que
levou o presidente Geisel a compreender que, se não tomasse a iniciativa
de recuar, a desorganização do sistema se faria por dentro e este seria
destroçado pelo esgarçamento do seu próprio tecido militar (Jaguaribe,
1985, apud Aquino, 2005: 99).
Segundo Aquino, “a decisão de Geisel de re-encaminhar o Brasil a um regime democrático
de forma gradual foi se configurando aos poucos, com reflexos também na política
cultural” (Aquino, 2005: 99).
Ney Braga foi o Ministro da Educação e Cultura durante o Governo
Geisel. Durante sua gestão, intensificou-se o movimento de ‘construção institucional’ da
área cultural, iniciado durante o Governo Médici. O instrumento principal desse
movimento, articulado na gestão de Jarbas Passarinho, foi o Plano de Ação Cultural (PAC),
lançado em 1973, e que “não era apenas uma abertura de crédito, financeiro e político, a
4
Nas palavras do próprio Geisel: “No final do Governo Médici, houve o primeiro choque do petróleo, e os
preços do óleo cru quadruplicaram. Mas quem foi sentir as conseqüências foi o meu governo” (Castro e
D’Araujo (orgs.), 1997: 288).
121
algumas áreas da produção cultural até então desassistidas pelos demais órgãos oficiais,
mas também uma tentativa oficial de ‘degelo’ em relação aos meios artísticos e
intelectuais” (Miceli, 1984: 55). Segundo Roberto Parreira, é “com Ney Braga que surge
uma política. Antes houve planos. Os objetivos agora são claros: a cultura se liga à
identidade nacional e à preservação de valores. As raízes culturais são vistas como questão
de ‘segurança nacional’, no sentido em que essa controvertida expressão significa
‘preservação da nacionalidade’” (Parreira, 1984: 236). Assim, Ney Braga expandiu a
proposta do PAC, implantando a Política Nacional de Cultura (PNC), “o primeiro plano
oficial abrangente em condições de nortear a presença governamental na área cultural”
(Miceli, 1984: 57). Miceli afirma que “a importância político-institucional desse ‘ideário de
uma conduta’ consistiu sobretudo no fato de haver logrado inserir o domínio da cultura
entre as metas da política de desenvolvimento social do Governo Geisel” (1984: idem).
Entre as ‘iniciativas relevantes’ do governo para a área cultural nos anos
1970, Miceli destaca a implantação do Programa Integrado de Reconstrução das Cidades
Históricas (PCH) (1973) e do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) (1975) e,
posteriormente, a criação da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e da
Fundacão Pró-Memória (SPHAN/Pró-Memória) (1979). “Tais fatos confirmam uma
política de ‘abertura’ estendendo sua vigência à área cultural pública, ou, ao menos, o que é
tanto mais plausível, o empenho em incorporar ao legado da gestão Geisel as realizações
em prol de setores intelectuais e artísticos que pareciam arredios ao regime” (1984: 65).
Diversos setores da intelectualidade reagiram positivamente às propostas do governo,
122
aderindo ao ‘projeto geiselista de ‘abertura’ (1984: 66). Entre eles, os cineastas ligados ao
Cinema Novo
5
e o próprio Aloísio Magalhães.
Miceli destaca a importância da contribuição de outros agentes, que não o
MEC, dentro do governo, para a consolidação do projeto de ‘abertura’ dentro da área
cultural. João Paulo dos Reis Velloso, Ministro do Planejamento, viabilizou a ampliação do
capital da Embrafilme e assegurou ao PCH os recursos necessários à sua implantação; o
Banco Central apoiou o CNRC;
os ministros Severo Gomes e Golbery do Couto e Silva participaram
direta e ativamente do processo de mudança. O primeiro garantiu recursos
e proteção institucional em favor da criação do Centro Nacional de
Referência Cultural no âmbito do Ministério da Indústria e Comércio. O
segundo acolheu com simpatia o projeto inovador de Aloísio Magalhães,
afiançando seu nome para substituir Renato Soeiro à testa do IPHAN
desde o início da gestão Portella (1984: 67).
Não foi só isso: as mudanças institucionais e doutrinárias motivadas tanto
pela criação do PCH quanto do CNRC foram avalizadas, quase que exclusivamente, por
órgãos oficiais externos ao MEC. O PCH contou com o apoio do Ministério do
Planejamento, da Secretaria de Planejamento da Presidência da República (SEPLAN), do
Ministério do Interior (através da SUDENE) e do Ministério da Indústria e Comércio
5
Sobre a adesão de Glauber Rocha ao projeto de abertura do Governo Geisel, Pedro Luiz Pereira de Souza
comenta que “Glauber Rocha, em depoimento à Visão, declarou: “Acho que Geisel tem tudo na mão para
fazer do Brasil um país forte, justo e livre. Estou certo inclusive de que os militares são os legítimos
representantes do povo”. Contraditórias, suas palavras indicavam, no entanto, que algo começara a se mover
e, por isso mesmo, todos teriam de tomar um partido. Geisel não tornou o país mais justo e nem mais livre.
Porém, as expectativas de abertura não se frustraram de todo, como nas promessas anteriores. O que se
constatou em 1974 foi o equívoco, alimentado durante muito tempo na República, sobre o fato de os militares
serem algo mais que legítimos representantes de si mesmos. As declarações de Glauber Rocha à Visão, uma
confusa elegia ao que de mais reacionário e retrógrado existia na política nacional e internacional (Alvarado e
Kadafi), eram o prenúncio do esgotamento delirante do regime político estabelecido em 1964, que,
moralmente baseado na infalibilidade do planejamento calculado, via-se defrontado com problemas para os
quais não tinha resposta. O aparente delírio de Glauber Rocha, apoiando o racionalismo de Geisel, não foi
simples excentricidade. Representou uma convergência de interesses e pontos de vista entre o velho
positivismo republicano e setores da intelectualidade burguesa brasileira, ligados às manifestações nacionais
grandiloqüentes e populistas, que já prosperara durante o Estado Novos com Villa-Lobos, Portinari, moderna
arquitetura etc...” (Souza, 1996: 248).
123
(através da Embratur). O CNRC foi viabilizado por um convênio multi-institucional
capitaneado pelo Ministério da Indústria e Comércio e pelo Governo do Distrito Federal.
Ainda nas palavras de Miceli,
essas duas experiências redundaram numa ampliação considerável do
montante de recursos disponíveis para o trabalho de conservação do
patrimônio, numa redefinição dos conteúdos e diretrizes da política
patrimonial, e na formação de quadros técnicos e de uma nova liderança
para a gestão da vertente patrimonial. Ao fim da década de 70, esse
conjunto de mudanças, afetando o montante de recursos disponível, o teor
doutrinário da política patrimonial e a composição profissional e
intelectual do pessoal envolvido no trabalho patrimonial e a composição
profissional e intelectual do pessoal envolvido no trabalho patrimonial,
deitaram os alicerces de uma nova moldura institucional, mediante a
criação da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e da
Fundação Pró-Memória, no interior do MEC (1984: 77).
Desse modo, podemos notar como as mudanças que vieram a se
institucionalizar dentro do MEC, no fim da década de 1970, surgiram, ainda na primeira
metade da década, fora do âmbito daquele Ministério. Os motivos para que tal fato tenha se
dado dessa maneira são vários. Dentre eles a própria fragilidade do MEC, na época.
3.1.3 A política nacional de cultura e o ano de 1975
Na tentativa de definir o que teria conduzido a ação política no campo
cultural durante a década de setenta do século passado, Gabriel Cohn aponta para dois
momentos:
a primeira metade da década seria caracterizada pela elaboração de
propostas programáticas mais abrangentes, mas com escassos efeitos, e o
período subseqüente se caracterizaria pela diversificação e redefinição dos
temas relevantes, numa ótica mais operacional e cada vez mais
propriamente política, e pela renovação institucional, iniciada pela criação
da Funarte em 1975 (Cohn, 1984: 87).
124
Além disso, Cohn coloca que o divisor de águas dessas duas fases seria a
Política Nacional de Cultura (PNC) ponto culminante de um processo iniciado nos
primeiros anos da década, e que visava equacionar ‘a cultura ao regime político que se
procurava consolidar’ (1984: idem). Para esse autor, os dois modos, aparentemente
contraditórios, com o quais o Estado se relacionou com a cultura nos anos 1970 ao
mesmo tempo repressor e incentivador estavam sendo formulados em instâncias
diferentes e dissociadas uma da outra. O esforço de equacionamento da cultura à doutrina
do regime,
representava uma espécie de ação de retaguarda daquilo que, em
linguagem ao gosto da época, se poderia chamar de operação do Estado na
área cultural, enquanto na linha de frente se travava uma batalha mais
árdua para desbaratar as forças adversárias e neutralizar a sua produção,
com vistas a assumir o controle do processo cultural no passo seguinte
(1984: 87).
Assim, segundo Cohn, todo o movimento de ‘abertura’ e dinamização
institucional na área da cultura velava o desejo do regime autoritário de viabilizar uma
‘codificação do controle sobre o processo cultural’ (1984: 88) controle esse que era
constantemente ameaçado pela posição de desvantagem em que o regime se encontrava
nesse terreno (1984: idem).
O documento “Política Nacional de Cultura” (PNC) tinha como
argumento básico a constatação de que o desenvolvimento não deve ser apenas econômico,
mas, sobretudo, social. E dentro do social, a cultura teria um lugar de destaque. A cultura
em benefício da qual se argumentava, mesmo que de modo instrumental, era a ‘não-elitista’
(1984: 92). Segundo Roberto Parreira,
se relermos hoje o documento “Política Nacional de Cultura”, veremos
que, em seu princípio maior, ele obriga o Estado a respeitar a liberdade de
criação. É o princípio da não-intervenção do Estado na atividade cultural
contemporânea, que fica assim resguardada de orientações e dirigismos.
125
Esse primeiro princípio é seguido de outros: a garantia da generalização
do acesso à cultura por parte de todos os brasileiros e o respeito às
diferenciações regionais de nossa cultura (Parreira, 1984: 236).
O documento, preparado sob a coordenação de Afonso Arinos de Melo
Franco, propunha como deveres de uma política cultural “a promoção e o incremento da
participação no processo cultural, o incentivo à produção e à generalização do consumo e o
estímulo às ‘concorrências qualitativas entre as fontes de produção’, sempre considerando a
cultura ‘não em abstrato mas em sua caracterização brasileira’” (Cohn, 1984: 93). Assim,
entre os temas recorrentes nas formulações oficiais que marcaram a década de 1970, muitos
deles constando da PNC, estão o anti-elitismo e as questões da identidade do povo
brasileiro e da espontaneidade do processo cultural. Resumindo o quadro das mudanças
sofridas pelas políticas oficiais de cultura naquela década, nas palavras de Gabriel Cohn,
mudanças reais podem ser detectadas ao longo da década. Da
subordinação do processo cultural a outros passa-se para a consideração
da sua dimensão social, e chega-se à idéia de que, para fazer frente à sua
dimensão propriamente cultural, cumpre considerar a política cultural
naquilo que na maior parte da década de setenta era inexeqüível:
precisamente a sua dimensão política (1984: 96).
3.2 Arte e cultura sob a tempestade dos anos setenta
Pude perceber que muitos autores consideram que a década de 1970 teria
começado um pouco antes, ou seja, mais especificamente, no ano de 1968. Nesse ano,
estouraram protestos contra a ordem vigente, mundo afora. No Brasil, não foi diferente.
Nesse sentido, Paulo Sergio Duarte afirma que
no Brasil, do ponto de vista político, os ‘anos 70’ começaram em 13 de
dezembro de 1968, com a assinatura do Ato Institucional n. 5, que
aprofundava o arbítrio da ditadura militar que assaltou o poder em abril de
1964. Era a resposta que se dava à organização e ao recrudescimento das
lutas das oposições e às manifestações estudantis e populares contra o
regime que ganharam as ruas (Duarte, 2005: 141).
126
Se nos anos sessenta do século passado, uma onda revisionista parece ter
tomado conta de uma grande parte das manifestações sociais, artísticas e culturais, criando
uma série de utopias revolucionárias, na década seguinte, tais utopias foram
progressivamente abandonadas, e novas possibilidades, mais viáveis, surgiram, no sentido
de efetuar na prática os questionamentos surgidos na década anterior. Nesse sentido, Pedro
Luiz Pereira de Souza define a segunda metade da década de 1970 como “um tempo de
diluição das tendências ideológicas mais radicais. O início dos grandes consensos e das
tentativas de ‘conciliação nacional’, eram as novas palavras de ordem. O movimento de 68
passou a ser visto, contrariamente ao que se pensara, como uma rebeldia mitificada”
(Souza, 1996: 301). Segundo Carlos Alberto Messeder Pereira,
a década de setenta foi um momento crucial de passagem de um
paradigma político-cultural a outro, enfim, um verdadeiro divisor de
águas. Descobriram-se novas formas de atuação político-cultural crítica,
novas formas de engajamento, cujo ponto central era constituído por
dimensões até então não necessariamente encaradas como passíveis de
permitir uma postura crítica voltada para transformações sociais ... Mas a
década de 1970 também teve, no Brasil, um caráter no mínimo duplo.
Aberta com a marca da mais intensa censura e repressão representando
o auge da ditadura militar que então vivíamos ela foi fechada sob o
signo da ‘abertura ampla, geral e irrestrita’, tendo passado pela ‘distensão
lenta, gradual e segura’. No fim dos anos 70, com a queda do AI-5, da
censura, a volta dos exilados e assim por diante, iniciava-se um período
novo na vida política e cultural brasileira, marcado por outras formas de
mobilização e de organização políticas, pelo surgimento de partidos. A
‘distensão’ iniciada com a posse do general Ernesto Geisel, em 1974,
evoluiu na direção da conhecida ‘abertura’ levada a efeito pelo general
João Baptista Figueiredo, que assumiu em 1979 (Pereira, 2005: 89-90).
Como colocado por esses autores, nos anos 1970, a contestação dos anos
1960 mais explosão que proposição, canalizou sua energia no sentido de criar meios
alternativos de expressão. Nesse sentido, Hollanda e Gonçalves comentam que
em fevereiro de 1970, na revista Visão, o jornalista Paulo Francis
arriscava, para a década que se abria, alguns palpites. O artigo, chamado
“Um balaio de nacionalismo e experimentalismo”, fazia referência às duas
tendências básicas e antagônicas das artes brasileiras nos anos 60 e
127
mencionava uma terceira, em cujo balaio caberiam ambas, e que tenderia
a predominar nos próximos anos. Seria superado, portanto, segundo Paulo
Francis, o ‘extraordinário reacionarismo’ das correntes nacionalistas e o
‘estéril alheamento face à sensibilidade nacional’ das experiências
vanguardistas. Esse novo balaio, na certa mais lógico e mais realista, seria
ainda sensível às contingências de modernização e universalização
exigidas num país onde ‘o transistor acabou com o folclore (Hollanda,
Gonçalves, 2005: 97).
Dessa forma, na década de 1970, dentro do processo de revisão dos
cânones vigentes iniciado na década anterior, surgiram possibilidades viáveis. Algumas
sob a forma de novas teorias, colocando-se como originais, não deixavam de resgatar
propostas lançadas no início do século. Nesse sentido, Nicolau Sevcenko declara que
no caso do extraordinário florescimento cultural dos anos 60 e 70, o que
se observa é o retorno ao debate público, e mais exatamente ao espaço
público, de uma série de experiências estéticas que tinham tido sua
primeira manifestação em escala revolucionária na passagem do século
XIX para o XX, mas que foram atrozmente abortadas sob o contexto
reacionário instaurado pela irrupção da Primeira Guerra Mundial
(Sevcenko, 2005: 13).
A partir dessas colocações, justifica-se a retomada que o grupo do CNRC
faz das propostas que Mário de Andrade havia formulado em 1936, no Anteprojeto para a
criação do Sphan. Essa retomada fazia parte de um projeto maior de revisão do
modernismo
6
, fenômeno que acontecia em escala mundial, e que, conseqüentemente, teve
desdobramentos múltiplos também dentro do Brasil.
Comentando a situação do design nos anos 1970, Pedro Luiz Pereira de
Souza afirma que “a partir da segunda metade da década de 1970, o problema da identidade
6
Sobre as relações entre a ‘modernidade’ dos anos setenta com o passado, Marshal Berman afirma que “o que
ocorreu na década de 70 foi que, justamente quando os gigantescos motores do crescimento e da expansão
estacaram e o tráfego quase parou, as sociedades modernas perderam abruptamente sua capacidade de banir
para longe o passado. Durante toda a década de 60, a questão que se colocava era se deveriam ou não fazê-lo;
agora, nos anos 70, a resposta era que simplesmente não poderiam. A modernidade não mais podia se permitir
lançar-se “à ação aliviada de toda experiência prévia” (na expressão de De Man) para “varrer tudo o que veio
antes na esperança de atingir pelo menos um passado verdadeiro... um novo ponto de partida”. Os modernos
da década de 70 não podiam se permitir a aniquilação do passado e do presente com o intuito de criar um
novo mundo ex-nihilo; eles tiveram de chegar a um acordo com o mundo que tinham que trabalhar a partir daí
(Berman, 1986: 315).
128
nacional ocupou um dos primeiros planos nas preocupações dos designers. Esse tipo de
pensamento, do qual Aloísio foi o expoente, implicava na análise do que fosse nacional e,
também, do que fosse popular” (Souza, 1996: 277). Souza acrescenta que “a discussão do
modelo nacional atingiu seu maior volume sonoro na fase áurea do regime autoritário,
quando uma verdadeira febre nacional de memória assolou um país curiosamente presidido
por um general luterano de sobrenome Geisel. O problema das ‘raízes’ foi discutido a
qualquer pretexto” (Souza, 1996: 278).
Assim, a partir da segunda metade dos anos sessenta do século passado, e,
mais precisamente, em decorrência da ‘agitação’ que perpassou o ano de 1968, surgiram
diversas manifestações de reconsideração dos cânones vigentes, seja na arte, na cultura ou
na sociedade, manifestações essas, que a partir dos anos 1970, buscavam não só contestar a
ordem estabelecida, mas, também, criar novos meios de expressão.
A grande novidade dos anos 70, pelo menos no campo das artes e da
cultura, parece ter sido mesmo a busca, em vários campos, de meios
alternativos de expressão. Diante do ‘sufoco’, promovido pela repressão
da ditadura, nas artes e no debate cultural em geral, a saída alternativa
aparecia, para muitos, como a única viável (Pereira, 2005: 92).
Nesse sentido, Antonio Risério comenta a “‘maré neo-romântica da
contracultura’, que teria se espalhado pelo mundo, gerando o pacifismo, o movimento
feminista, a ecologia, o pansexualismo, o novo discurso amoroso etc (Risério, 2005: 26).
Em termos gerais, a contracultura, negando a racionalidade (enquanto racionalização
autoritária) (Coelho, 2005: 41), procurava “romper com a modernização da sociedade
brasileira posta em prática de forma autoritária pela ditadura militar” (2005: 39), propondo
uma nova forma de pensar o mundo, que considerava como perspectiva possível, inclusive
a loucura (2005: 41). Assim, complementando, Antonio Risério afirma que
129
a disposição contraculturalista foi acabar desembocando no processo de
desrecalque das múltiplas personalidades que nos compõem e no
reconhecimento pleno da pluralidade cultural brasileira. É assim que
podemos falar da contribuição da contracultura para o alargamento e o
aprofundamento da consciência e da sensibilidade antropológicas no
Brasil, produzindo rachaduras irreparáveis no superego europeu de nossa
cultura (Risério, 2005: 30).
Esboçando o quadro percorrido pela música no Brasil nos anos 1970,
Luiz Tatit comenta que
qualquer década que viesse depois dos anos 60 ficaria atônita diante dos
desafios propostos pelo período. A década de 70, bem menos ‘nervosa’
que a anterior e mais preparada para dar vazão às tensões que, de modo
implacável, vinham então se acumulando. De fato, uma das formas de
compreensão dos anos 70 é vê-los como fase de distensão, desdobramento
e re-acomodação dos impactos criados dez anos antes (Tatit, 2005: 119).
Se, para Paulo Sergio Duarte, a década de setenta começa em 13 de
setembro de 1968, ela termina em 28 de agosto de 1979, com a aprovação da Lei de
Anistia. Dessa forma, observando alguns fatos ocorridos entre 1968 e 1979, podemos mais
facilmente localizar a experiência do CNRC dentro do quadro histórico de sua época.
Retomar os anos 1970 mostra-se, assim, um recurso proveitoso para aprofundarmos a
compreensão dos sentidos do Centro naquele momento, e, também, seus legados para a
posteridade.
3.3 Caminhos e descaminhos da Antropologia
Nesta seção, a partir de algumas sugestões encontradas em Garcia (2004),
Ortner (1984), Velho e Viveiros de Castro (1980), aponto alguns caminhos trilhados pela
disciplina antropológica na segunda metade do século vinte. Em um segundo momento, a
partir de uma provocação de Garcia (2004), sugiro que um exercício comparativo entre
130
trechos de textos de Lévi-Strauss e Aloísio Magalhães fornece pistas interessantes sobre a
conexão do argumento propositivo do CNRC com a chamada ‘disseminação’ da
Antropologia - ocorrida na segunda metade do século passado, e, mais ainda, sobre o
‘espírito do tempo’ que envolvia os dois personagens e seus posicionamentos.
Gilberto Velho e Eduardo Viveiros de Castro (1980) apontam para o
papel estratégico que o conceito de cultura ocupa na constituição da Antropologia. Segundo
esses autores, “originalmente a idéia de Cultura era resultado de um esforço de
conscientização de diferenças dentro da Civilização Ocidental” (Velho e Viveiros de
Castro, 1980: 14). Assim, em um primeiro momento, a disciplina esteve empenhada em
‘um esforço de redução da diferença cultural’ (1980: 15), algo que é resumido pelos autores
“na idéia de uma crescente percepção da especificidade das diferenças culturais em si; o
que melhor caracterizaria a posição antropológica é o esforço de reconstruir os critérios
internos que cada cultura utiliza para sua auto-reflexão” (1980: idem).
Essa “abordagem da diferença cultural como um dado irredutível” (1980:
idem), teria se firmado na disciplina a partir utilização da ‘pesquisa etnográfica detalhada’,
que punha em cheque os ‘esquemas apriorísticos de interpretação das culturas (1980: 16).
Dessa forma, “a Antropologia inscreve-se definitivamente no movimento geral de auto-
questionamento da civilização ocidental” (1980: idem) que tomou o século passado. Para
estes autores, a Antropologia teria, sim, influenciado e fornecido ferramentas para muitos
dos movimentos culturais do século vinte, que foram, quase todos, “marcados pela negação
dos ‘centrismos’ narcísicos que dominaram o Ocidente” (1980: idem).
No artigo “Theory in Anthropology since the sixties”, Sherry Ortner
mapeia alguns dos caminhos percorridos pela disciplina antropológica a partir da segunda
131
metade do século 20. Para a autora, no começo dos anos 1960 teria acontecido, em termos
gerais, um ‘boom’ de agressividade e combate às idéias estabelecidas. Em Antropologia,
esse movimento teria se materializado como uma resistência aos paradigmas vigentes
(Estrutural-Funcionalismo, Antropologia Cultural e Antropologia Evolucionista). O clima
de agressividade, combinado à busca por novas idéias, teria gerado os movimentos que
vieram a dominar a década seguinte: Antropologia Simbólica, Ecologia Cultural e
Estruturalismo.
Segundo Ortner, a Antropologia Simbólica se dividia em duas vertentes, a
geertziana e aquela ligada a Victor Turner. Acreditando que o estudo da cultura poderia
se dar a partir do ponto de vista dos atores sociais, e acreditando que os símbolos
funcionam como veículos da cultura, Geertz se propunha a investigar de que modo os
símbolos moldam a percepção que tais atores têm do mundo que os rodeia. Indo em outra
direção, Turner não via os símbolos como veículos, nem como brechas analíticas para a
cultura, mas, sim, como forças ativas que operam no processo social. Ou seja, seu interesse
era investigar a eficácia dos símbolos enquanto parte ativa do processo de transformação
social. A Ecologia Cultural, por sua vez, investigava a ‘evolução geral’ ou a ‘evolução da
cultura em geral’, em termos de sua relação com os estágios de complexidade social e
avanço tecnológico. O Estruturalismo, que, para Ortner, é uma invenção de Lévi-Strauss
(Ortner, 1984: 135), estaria baseado na Lingüística e na Teoria da Comunicação, e teria
sofrido influência de pensadores como Marx e Freud. Ortner define que, no Estruturalismo,
Lévi-Strauss argumentava que as variedades dos fenômenos sócio-culturais considerados
‘selvagens’ ou ‘primitivos’, classicamente considerados como ilógicos, poderiam se tornar
132
inteligíveis na medida que se demonstrasse que eles partilhavam de princípios básicos
comuns a todos os homens.
Passando aos anos 1970, Ortner comenta que, nessa década, muito mais
que na anterior, as questões formuladas lograram estabelecer conexões com os eventos do
mundo real. No fim dos anos 1960 emergiram diversos movimentos sociais, em escala
mundial: despontavam a contracultura, os movimentos pacifista e feminista, entre outros.
Enfim, tudo o que fazia parte da ordem vigente passou a ser contestado. Segundo a autora,
dentro desse quadro, as primeiras críticas que surgiram no campo da Antropologia
apontavam para as controversas relações da disciplina com o colonialismo e com o
imperialismo. Rapidamente, a partir desse primeiro momento de crise, o questionamento
teria se alastrado para a reavaliação da natureza dos quadros teóricos utilizados pela
disciplina, especialmente em função de que se suspeitava que eles estariam servindo como
transmissores, a nível mundial, de princípios da cultura ocidental burguesa. A partir de tais
questionamentos, as propostas do Marxismo teriam surgido, entre os que pensavam a
cultura, como uma alternativa interessante.
Para Ortner, o Estruturalismo de Lévi-Strauss teria servido de base a uma
das tendências dominantes dos anos 1970 – o Estrutural-Marxismo, que enfatizava a análise
das estruturas das relações sociais, considerando os aspectos sociais e políticos da
organização da produção. Para essa vertente, a cultura se transformava em ideologia (1984:
140), ou seja, sendo considerada em função de seu papel na reprodução social. Segundo a
autora, essa tendência, de base não-histórica, teria injetado uma dose de sociologia na
disciplina antropológica.
133
Além do Estrutural-Marxismo, nos anos 1970 teria se desenvolvido outra
tendência: a Economia Política, que tinha como influência as teorias desenvolvidas pela
Sociologia Política. Diferentemente do Estrutural-Marxismo, que focava sua atenção em
culturas e sociedades ‘relativamente discretas’ (1984: 141), os economistas políticos
concentraram suas atenções em sistemas político-econômicos de larga-escala, dando ênfase
ao impacto que a penetração do capitalismo gerava em comunidades regionais, e aos
caminhos pelos quais as sociedades se transformam e se envolvem umas com as outras.
Desse modo, é que a discutida (e discutível) ‘crise’ da Antropologia
coincidiu com o sucesso da disciplina e de seus conceitos para além do mundo acadêmico,
talvez porque os seus conceitos e métodos tivessem uma força e pertinência que os estariam
capacitando a serem aplicados a outros campos do conhecimento e de práticas sociais.
Assim, ao mesmo tempo em que a diversidade se incorporou e reproduziu no interior das
sociedades complexas, o conceito antropológico de cultura deixou de ser um instrumento
nas mãos de especialistas e se difundiu por outros setores da sociedade contemporânea
dando origem a um fenômeno que poderíamos denominar como a ‘disseminação do
conceito antropológico de cultura’ - que teria transbordado de seu nicho acadêmico, se
propagando por outros meios sociais (Garcia, 2004: 38). Esse ‘transbordamento’ (ou
disseminação) teria se dado no mesmo momento em que a diversidade cultural se tornava
uma questão para o mundo (e para a própria disciplina antropológica). Entre os motivos
para que essa influência tenha se dado de forma tão avassaladora, Garcia destaca que
fazendo coro a uma tradição que incorpora nomes como Clifford Geertz e
Claude Lévi-Strauss, a antropologia traz em seu projeto disciplinar essa
dimensão do encontro com os modos singulares de viver em sociedade e
constituir uma cultura, sabendo que lidar com esse universo da
diversidade significa cogitar que sempre haverá algo novo a apreender e
que possa contribuir tanto para a criatividade humana global quanto para a
relativização das verdades do mundo (2004: 44).
134
No Brasil, não foi diferente: talvez essa tendência tenha se fortificado até,
em função da situação política por que passava o país - nos anos 1960 e 1970, se vivia sob
um regime autoritário e militar. Assim, a Antropologia, que “era vista por muitos como
uma alternativa aos desafios (marxistas) vindos da Sociologia” (Peirano, 1999: 241), em
uma tendência não brasileira, mas, mundial, estaria espalhando seus legados para outros
campos (Garcia, 2004: 31), não por seus ‘aspectos qualitativos’, mas, também “pelo
desafio de compreender aspectos do ethos nacional” (Peirano, 1999: idem).
3.3.1 Aloísio Magalhães e Claude Lévi-Strauss através do espelho
A partir das considerações feitas por Marcus Vinícius Garcia (2004) sobre
as relações do Ocidente com a diversidade cultural, observadas a partir do campo da
Antropologia, podemos ensaiar algumas comparações entre o posicionamento de um dos
ícones da disciplina Claude Lévi-Strauss, e a proposta de Aloísio Magalhães para o
CNRC. Segundo Garcia, a partir dos anos 1950, o antropólogo francês “se posiciona em
vários de seus textos e declarações a favor das políticas específicas de proteção da
diversidade cultural no planeta” (Garcia, 2004: 32), influenciando, inclusive, as orientações
tomadas pela Unesco em relação a tal matéria. Assim, acompanhando os discursos de Lévi-
Strauss, o autor sugere que seria possível “recuperar o ambiente reflexivo por que passava a
Antropologia perante as relações do pós-guerra e, com isso, uma certa aproximação entre a
questão do patrimônio com a diversidade cultural” (2004: 32).
Utilizando as colocações de Garcia, e aplicando-as ao objeto de estudo
desta pesquisa, proponho irmos um pouco além na busca pelo ‘espírito’ da época,
135
comparando o discurso de Lévi-Strauss às falas de Aloísio Magalhães. A partir de uma tal
observação, sugiro que tanto o CNRC quanto a Antropologia sofreram influência do
movimento de contestação do Modernismo que eclodiu entre os anos 1960 e 1970, mas
também, e paralelamente, acredito que a proposta do Centro era – mesmo que
indiretamente - informada por uma ‘atitude antropológica’. Ora, se a Antropologia “é um
campo de conhecimento cuja vocação principal no mundo é realizar a mediação, em duplo
sentido, dos valores entre as sociedades não-ocidentais e a ideologia ocidental moderna”
(Garcia, 2004: 30), então, essa proposta é muito próxima à do CNRC. Por esse viés,
poderíamos concluir que o Centro tinha, sim, uma proposta antropológica, a saber, a de
uma Antropologia aplicada (ou seja, com fins políticos) a um projeto de desenvolvimento.
Garcia afirma que o ‘projeto teórico levistraussiano’ é fruto de seu
engajamento em favor da diversidade cultural (2004: 33). Através da teoria estruturalista,
Lévi-Strauss estaria procurando demonstrar
o quão complexas e, por isso, humanamente inteligíveis e dignas de
respeito, são as sociedades ditas ‘primitivas’. [O antropólogo] entende ser
um compromisso ético das sociedades industrializadas favorecer a
sobrevivência e o respeito às sociedades nativas não-ocidentais, não
somente como questão de direitos humanos, mas também como questão
estratégica. Ademais, essas sociedades são depositárias de recursos,
saberes e modos de vida potencialmente valiosos para o próprio projeto
ocidental de crescimento via conhecimento científico (2004: idem).
Ora, as idéias de Aloísio são bastante similares ao que Garcia aponta
como sendo a proposta teórica de Lévi-Strauss. Nas palavras de Aloísio Magalhães,
acredito que cabe a nós, a nós que detemos a reflexão e um possível
conhecimento específico de competência na área do bem cultural, mostrar
que os bens culturais são os únicos valores estáveis com que a Nação pode
contar. É preciso que se sinta, mais devidamente, que os modelos e
fórmulas de desenvolvimento, concebidos em resposta aos grandes
desafios econômicos, não terão sentido ou serão deficientes, capengas, se
não forem elaborados com base no que foi recolhido, identificado,
estudado e reiterado no nosso processo histórico, no nosso tempo
pretérito, quando se forjaram as grandes definições de uma nação. Ou
136
incorporamos esses valores, fazendo-os permear o desenho projetivo, ou
nos arriscamos a ser no futuro uma nação rica e sem caráter, uma nação
poderosa e sem alma (Magalhães, 2003b: 245).
Nas palavras de Garcia, “Lévi-Strauss mostra que salto qualitativo
no desenvolvimento da humanidade quando diversidade, pois “a humanidade é rica de
soluções imprevistas, e cada uma das quais, quando aparecer, sempre encherá os homens de
assombro” (Lévi-Strauss, 1970: 268)” apud (Garcia, 2004: 34).
Segundo o autor, “na “Introdução à obra de Marcel Mauss”, publicada
originalmente em 1950, Lévi-Strauss faz uma sugestão à Unesco que poderia ser
naturalmente entendida, em termos atuais, como uma proposta de salvaguarda do
patrimônio imaterial” (Garcia, 2004: 34). Nesse texto, o antropólogo francês teria
mencionado a necessidade de se realizar um inventário de técnicas corporais, algo bastante
similar à proposta do CNRC, que buscava criar um inventário de técnicas e saberes
populares. Vejamos a íntegra do texto de Lévi-Strauss:
uns Arquivos Internacionais das Técnicas Corporais, fazendo o inventário
de todas as possibilidades do corpo humano, dos métodos de
aprendizagem e dos exercícios adequados à composição de cada técnica,
representariam uma obra verdadeiramente internacional, pois não existe
no mundo um único grupo humano que não poderia dar à empresa uma
contribuição original. Ademais, trata-se de um patrimônio comum e
imediatamente acessível a toda a humanidade, de um patrimônio cuja
origem repousa no fundo dos milênios, cujo valor prático permanece e
permanecerá sempre atual e cuja disposição geral, mais do que outros
meios, por ter a forma de experiências vividas, permitirá que cada homem
se torne sensível à solidariedade, ao mesmo tempo intelectual e física, que
o une a toda a humanidade... Ela traria informações de uma riqueza
insuspeitável sobre migrações, contatos culturais, ou empréstimos que se
situam em um passado remoto e sobre os quais os gestos, em sua
aparência insignificantes, transmitidos de geração a geração, protegidos
por sua própria insignificância, freqüentemente testemunham muito mais
do que jazidas arqueológicas ou monumentos figurados ... tantos
exemplos dos hábitos corporais que, na Europa Moderna (e com maior
razão alhures), forneceriam aos historiadores das culturas conhecimentos
tão preciosos quanto a pré-história ou a filologia [Lévi-Strauss, 1974
(1950): 05].
137
Assim como alguns autores (no primeiro capítulo desta dissertação)
apontaram para o caráter ambicioso da proposta do CNRC, Garcia menciona a
grandiloqüência da sugestão de Lévi-Strauss. Para o autor, dessa proposta subentende-se
que “a cultura é um processo de troca em que técnicas, tecnologias, significados e
entendimentos vão sendo partilhados/negociados entre os povos, de geração em geração;
cultura como significação e condição singular adquirida, negociada, maleável e abrangente”
(Garcia, 2004: 35), algo similar aos textos analisados na segunda parte deste trabalho.
Além disso tudo, a proposta de Lévi-Strauss, assim como a de Aloísio,
evidenciaria seu ceticismo em relação à sobrevivência das diferenças culturais face ao
‘processo de integração mundial das culturas’,
o que anuncia também um repensar de métodos, objetos e objetivos da
ciência antropológica. Este quadro se agudiza ainda mais no momento em
que a crença no progresso infinito passa a ser questionada, tendo em vista
as limitações de recursos naturais e, por isso, o fato de o Ocidente ter
deixado de ser, ao menos num plano ideal, o padrão de medida para todas
as outras sociedades (Garcia, 2004: 35).
***
Neste capítulo, vimos como, a partir da segunda metade da década de
1960, houve uma reação, em nível mundial, à ordem vigente no mundo: com o fim das
colônias, a revolução da tecnologia da informação, a crise econômica do capitalismo e o
surgimento de movimentos sociais, propôs-se, a partir dos anos 1970, novos meios de
expressão cultural. Questionava-se a modernidade, e também refletia-se sobre as questões
de identidade e de dependência cultural (Hollanda, 2004: 100).
No Brasil, essa situação ganha contornos mais delicados, devido à
situação política complicada, ensejada a partir do golpe militar que tomou o poder em 1964.
138
Dentro desse quadro de revisão do Modernismo
7
, mudam a arte, a cultura e a própria
Antropologia. Nesse sentido, a comparação entre os textos de Aloísio Magalhães e de
Claude Lévi-Strauss nos ajuda a elucidar o ‘espírito do tempo’ que inspirava a ambos.
Com os ‘novos’ paradigmas surgidos a partir do fim dos anos 1960, a
proposta do CNRC coloca-se como um ponto-focal importante, a partir do qual se pode
melhor vislumbrar o que tenha sido a década de setenta do século vinte.
Se o caso é comparar a experiência do CNRC e a ascensão de Aloísio
Magalhães como liderança no campo do patrimônio no final da década de 1970 com a
primeira ‘fase’ do patrimônio no Brasil, dominada pelos ‘modernistas’, acredito que o
resultado de tal confrontamento nos leva mais uma vez ao contexto da situação em que tais
experiências se deram. Se o patrimônio foi dominado, na primeira metade do século vinte,
por arquitetos ligados à arquitetura ‘modernista’, que, por sua vez, se utilizaram de
paradigmas históricos para eleger o que era e o que não era digno de preservação, é curioso,
que, a partir do fim dos anos 1970, o paradigma histórico sendo progressivamente
substituído pelo antropológico, e a liderança das políticas públicas de preservação
patrimonial passe às mãos de um designer. Noto que essa ‘substituição’ do Design pela
Arquitetura, e da História pela Antropologia, nos diz algo sobre as transformações por que
passou o século passado.
7
É importante não substancializar essa ‘revisão do Modernismo’. Movimentos de mesma natureza são
reincidentes na história ocidental. Luiz Fernando Dias Duarte nos alerta para a origem de tal movimento na
Civilização Ocidental, quando afirma que “hoje em dia temos evidentemente à disposição, no campo
intelectual, uma série de retomadas, nas diversas teorias ditas ‘pós-modernas’ que prefiro chamar de
‘neoromânticas’ – das tentativas de resistir ao cientificismo (chamado então de positivismo), de modo a mais
uma vez reavivar o sentimento da experiência abrangente, a preeminência da totalidade, o sentimento da
configuração. que isso vem sendo feito regularmente desde o final do século XVIII em nossa cultura
(Duarte, 1999: 63).
139
Considerações finais
como é que é meu caro ezra pound? vou acender um
cigarro para ver se consigo lhe dizer isto. andei
fazendo um pouco de tudo aquilo que você aconselhou
para desenvolver a capacidade de bem escrever.
estudei Homero; li o livro de Fenollosa sobre o
ideograma chinês, tornei-me capaz de dedilhar um
alaúde; todos os meus amigos agora são pessoas que
têm o hábito de fazer boa música; pratiquei diversos
exercícios de melopéia, fanopéia e logopéia, analisei
criações de vários dos integrantes do seu paideuma.
continuo, no entanto, a sentir a mesma dificuldade do
início, uma grande confusão na cabeça tão
infinitamente grande confusão um vasto emaranhado
de pensamentos misturados com as possíveis variantes
que se completam antiteticamente.
Carnaval 74, Rogério Duarte.
Tendo iniciado esta pesquisa a partir de um interesse específico pelo
‘personagem’ Aloísio Magalhães, a partir de um primeiro levantamento bibliográfico e de
conversas com pessoas ligadas ao designer pernambucano, pude perceber a complexidade e
amplitude da presença de Aloísio no campo do patrimônio. Buscando aprofundar a
pesquisa, deparei-me com o Centro Nacional de Referência Cultural, lócus de
experimentação das propostas que Aloísio levou para a esfera oficial, em 1979. Partindo da
observação da reincidência da classificação das políticas públicas de preservação do
patrimônio no Brasil em duas fases, a ‘heróica’ e a ‘moderna’, e da afirmação reiterada e
unânime de que o ano de 1979 seria o marco divisor entre as duas fases, questionei o que
teria feito desse ano ‘O Ano’.
Ora, nas narrativas sobre a trajetória das políticas públicas de patrimônio
no Brasil tanto as oficiais, quanto as produzidas pela Academia 1979 consta como o
momento em que o CNRC foi fundido ao Iphan, que, em seguida, foi desmembrado em
140
Sphan e Fundação Pró-Memória. Assim, nas narrativas supra-citadas, o CNRC surge como
mais um episódio da trajetória das políticas oficiais de patrimônio, vinculadas, desde 1936,
ao Sphan (depois Iphan) e, consequentemente, ao MEC.
Contudo, conforme aprofundava as leituras sobre o tema, tal inserção do
CNRC na trajetória do órgão oficial de preservação soava como uma indexação não
errônea, mas forçada, feita a posteriori. Em sua tese, Marcia Chuva parece ter sentido um
incômodo do mesmo tipo:
Os trabalhos que proliferaram ao longo da década de 90, advindos, em sua
totalidade, das Ciências Sociais, em especial da Antropologia, vêm
introduzindo a temática patrimonial nos meios acadêmicos. A maioria
deles, contudo, ao definirem um recorte temporal, caem nas malhas
tecidas pela própria instituição, demarcando, recorrentemente, a gestão de
Rodrigo de Mello Franco de Andrade, 1937 a 1967, à frente do Serviço,
ou, ainda, fazendo um contraponto dessa com a de Aloísio Magalhães, em
fins da década de 70 e começo dos anos 80. Desconsideram, contudo, as
transformações que se processavam, mundialmente, sobre a temática
patrimonial e, mais uma vez, prendem-se a recortes ditados por uma
história institucional (Chuva, 1998: 19).
Quando tive acesso aos documentos produzidos pelo Centro, percebi que
a proposta do órgão era outra, desvinculada, a princípio, das questões que regiam o campo
do patrimônio. A partir de tal constatação, decidi ensaiar um movimento diverso do seguido
por aqueles autores, no que tange à reflexão sobre o Centro Nacional de Referência
Cultural. Considerei retirá-lo do quadro das políticas públicas de preservação patrimonial, e
pesquisar, dentro do material produzido pelo CNRC, as bases propositivas daquela
‘experiência’. Uma vez levantadas as questões que balizavam a sua proposta, busquei
contrastá-las com o quadro maior da época em que o Centro funcionou, a saber, a segunda
metade da década de setenta do século vinte.
Dessa forma, o que propus nesta pesquisa foi uma revisão da versão
consagrada, ou seja, uma desnaturalização do local já ‘cativo’ onde o CNRC foi ‘colocado’.
141
Fiz isso não como negação do que foi estabelecido anteriormente, mas, sim, a título de
dispositivo analítico ou recurso metodológico, que me permitiu estabelecer uma
aproximação mais direta com a experiência do Centro Nacional de Referência Cultural. O
que questionei, então, foi o modo apriorístico como alguns autores colocaram o CNRC
dentro das políticas oficiais de preservação do patrimônio cultural no Brasil. Se ele foi
‘catalogado’ como pertencente a essa política, uma vez que, efetivamente, foi incorporado
por ela em 1979, sendo definido, então, como de dentro, sugiro que ele não se propunha
como tal, e, portanto, observei como ele se constituiu, de fora da esfera oficial de
preservação.
Acredito que o CNRC estabeleceu vinculações mais íntimas com outras
áreas, tanto políticas quanto teóricas. Sua fusão com o Iphan, que veio a modificar, de fato,
o modo como se pensava e se praticava a preservação a nível oficial, no Brasil, parece ter
sido mais uma saída política circunstancial encontrada pelo grupo, que estava confrontado
com a necessidade de institucionalização definitiva, do que um planejamento cultivado e
realizado em função de estritas afinidades temáticas.
***
Retomando, no primeiro capítulo desta dissertação, li criticamente o que
foi escrito sobre o Centro, contrastando versões que, apesar de terem sido produzidas em
diversos ambientes, são bastante próximas. Entre os textos que compõem o corpo do
primeiro capítulo, constam algumas versões oficiais – textos produzidos dentro do Instituto
do Patrimônio; alguns estudos acadêmicos – a maioria publicada pelo mesmo Instituto, que,
assim, avaliza tais versões; e alguns textos produzidos esparsamente, todos distinguíveis
entre: 1) os produzidos por pessoas que tiveram ligação com a experiência do CNRC ou,
142
mais especificamente, com a figura de Aloísio Magalhães, e 2) outros autores, não
necessariamente identificados com a proposta, que se posicionam de modo neutro ou crítico
em relação àquele órgão e/ou à figura de seu coordenador.
No segundo capítulo, analisei os documentos encontrados no arquivo do
CNRC, situado na sede do Iphan, em Brasília. A partir da observação mais geral do
conteúdo arquivado, decidi por me concentrar nos documentos que tratavam mais
explicitamente das propostas para o Centro Nacional de Referência Cultural. Essa decisão
se deu na medida em que ficou evidente, para mim, o caráter experimental da proposta do
Centro, e a necessidade que o grupo tinha de definir e demarcar reiteradamente os limites
propositivos do órgão que estava sendo criado. Isso é algo facilmente perceptível nos textos
originais do CNRC, que repetem, incontáveis vezes, trechos que apresentam quais seriam
as diretrizes norteadoras das atividades a serem implementadas, num exercício incansável
de auto-definição e auto-questionamento.
No terceiro capítulo, esbocei recriar, de forma sucinta, o quadro
contextual da segunda metade do século vinte, enfatizando alguns fatos e configurações que
considero serem importantes para a compreensão do pano de fundo contra o qual se montou
o Centro. Comentei alguns aspectos da política, da arte, da cultura e do estado da arte da
disciplina antropológica, na época. Com o objetivo de demonstrar, mais explicitamente, o
‘espírito do tempo’, teci algumas comparações entre o discurso de Aloísio Magalhães e o
de um dos ícones da Antropologia, Claude Lévi-Strauss.
Concluindo, noto que, se Aloísio Magalhães me levou até o Centro
Nacional de Referência Cultural, a trajetória do Instituto do Patrimônio me conduziu aos
anos setenta do século passado; se a partir do nome de Aloísio Magalhães, descortinou-se
143
todo um projeto de desenvolvimento associado à cultura, assim, também, a partir de uma
trajetória de longo percurso (de 1936 até os dias de hoje), fui levada a focar minha atenção
em um período específico dentro de uma década.
Assim, se no segundo capítulo observei os discursos construídos durante
o tempo em que funcionou o CNRC, tanto os de dentro para dentro, quanto os de dentro
para fora; no primeiro capítulo, articulei os discursos que, em um momento posterior à
experiência do Centro, tendo sido produzidos, na maioria das vezes, por pessoas que
estiveram dentro, trouxeram para fora o que dentro estava; e, ainda, aqueles produzidos
por pessoas que não tendo estado dentro, de fora, lançaram um olhar para dentro daquela
experiência.
Se o grupo de textos analisado no primeiro capítulo tenta trazer para
dentro da trajetória das políticas públicas de preservação no Brasil a experiência do CNRC,
nesta dissertação, ensaio o exercício contrário. Tentando seguir a pista encontrada nos
documentos de dentro, analisados no segundo capítulo, retirei o CNRC da trajetória maior
do patrimônio no Brasil, buscando lançar um olhar sobre a sua experiência enquanto algo
que teve início, meio e fim, e uma inserção específica em um dado contexto histórico. Para
isso, recorri aos textos de dentro produzidos na época. Em ambos os casos, seja analisando
os discursos de dentro, seja os de fora, procurei recortar dos discursos ‘o que fala’ e ‘o que
se fala sobre’ o Centro Nacional de Referência Cultural.
144
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Anexos
Resumos Biográficos
Afonso Arinos de Melo Franco
Nascido em Minas Gerais, em 1905. Jurista, político e historiador; foi Chanceler no
Governo Jânio Quadros. Foi um dos fundadores da Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), partido político de sustentação ao regime militar instaurado em 1964.
Coordenou a preparação do documento “Política Nacional de Cultura”, de 1973.
Aloísio Magalhães
“Aloisio Magalhães foi um criador múltiplo. Pintor, pioneiro do design
gráfico no Brasil, administrador cultural, incansável defensor do
patrimônio histórico e artístico. Por não distinguir fronteiras rígidas entre
tantas e várias atividades, fez de cada uma delas a extensão das outras,
dando curso a um processo de hibridismo e contaminação entre áreas
criativas comumente separadas.
Nascido no Recife, em 1927, ingressou na Faculdade de Direito desta
cidade em 1946. A partir de 1950, participa do Teatro do Estudante de
Pernambuco, dirigindo o seu Departamento de Teatro de Bonecos e é um
dos fundadores das Edições TEP, embrião do Gráfico Amador. Em 1949,
participa do IV Salão de Arte Moderna do Recife. Dois anos mais tarde,
recebe bolsa do governo francês para curso de museologia no Louvre. Em
1953, de volta de Paris, participa da II Bienal de São Paulo com duas
pinturas.
Em 1954, funda, no Recife, o Gráfico Amador, mistura de atelier gráfico e
editora, com Gastão de Hollanda, Orlando da Costa Ferreira e José
Laurênio de Mello. Expõe no Museu de Arte Moderna de São Paulo e no
Ministério da Educação e Cultura. No ano seguinte, participa da III Bienal
de São Paulo.
Em 1956, realiza nova exposição individual no Museu de Arte Moderna
de São Paulo. Ainda nesse ano, viaja para os Estados Unidos onde, ao
estagiar com Eugene Feldman, da Falcon Press na Philadelphia,
familiariza-se com a técnica de impressão off-set. Participa do "Annual
Christmas Show" do Print Club, Philadelphia. Publica, em 1957, ainda
com Eugene Feldman, o livro DOORWAY TO PORTUGUESE, com
tiragem de 750 exemplares. Por este trabalho ganha três medalhas de ouro
do Art Directors Club de Philadelphia. Expõe em Nova York, na Roland
de Aenlle Gallery. O Museu de Arte Moderna de Nova York adquire seu
quadro PAISAGEM, 1956, feito com gouache e nanquim.
No ano seguinte, expõe no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Exerce a cátedra de cenografia no curso de arte dramática da Universidade
do Recife. Publica ANIKI BOBÓ, "ilustrado" por João Cabral de Melo
Neto e IMPROVISAÇÂO GRÁFICA, onde interpreta tipograficamente
textos de autores diversos. Em 1959, expõe nos Estados Unidos
(Philadelphia, San Francisco e Nova York). Publica e lança, no Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro, mais um livro publicado com Eugene
Feldman - DOORWAY TO BRASILIA. Em 1960, integra a representação
brasileira na XXX Bienal de Veneza e inicial atividade de designer,
fundando o que, dentro de poucos anos, se tornaria o mais importante
escritório de design do país.
Em 1961, expõe quinze pinturas a óleo na Petite Galerie. Esta seria, por
muito tempo, sua última exposição como pintor. Daí por diante, iria se
dedicar integralmente ao design, criando inúmeros símbolos e
diversificadas peças gráficas para os mais variados fins. Integra, em 1963,
o grupo criado pelo governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda,
para organizar a Escola Superior de Desenho Industrial - ESDI, então a
primeira escola de design na América Latina.
Em 1964, ganha o concurso para criação do símbolo do IV Centenário da
Cidade do Rio de Janeiro. Como designer, este será seu primeiro trabalho
de grande repercussão pública. O símbolo surge é reproduzido nos
contextos mais variados da sociedade. Max Bense, filósofo alemão,
dedica a este trabalho um extenso estudo. No ano seguinte, elabora
projetos de identidade visual para a Light S.A. e para a Bienal de São
Paulo, ambos os projetos resultados de concursos fechados a profissionais
convidados. Projeta o Museu do Açúcar e do Álcool em Pernambuco,
desenvolvendo novas técnicas museográficas.
No biênio que se segue, ganha concurso para o design de um novo padrão
monetário brasileiro. A partir daí se torna consultor da Casa da Moeda e
do Banco Central do Brasil para o desenvolvimento de novos desenhos
para notas e moedas brasileiras. Expõe na Universidade de Stuttgart seu
trabalho para o IV Centenário do Rio de Janeiro. Em 1970, desenvolve o
primeiro grande projeto de design no país, para a Petrobrás. O projeto
abrange desde a criação de um símbolo às embalagens de óleo, aos
elementos de identidade visual nos postos de distribuição e à bomba de
gasolina. No ano seguinte, publica mais um livro experimental, A
informação esquartejada.
Em 1972, expõe seus Cartemas, título aplicado por Antônio Houaiss às
suas imagens multiplicadas feitas com cartões postais. Expõe no Rio de
Janeiro, em São Paulo, em Brasília, em Amsterdan e em Nova York.
Retoma a atividade pictórica, realizando, em Olinda, uma série de
aquarelas. Realiza, em 1973, uma série de litografias em preto e branco,
homenageando o artista holandês E. M. Escher.
Publica, em 1974, TOPOGRAPHICANALYSIS OF A PRINTED
SURFACE, da série Quadrat Print editada por Steendruckkerij de Jong &
Co, Holanda. Dando continuidade a seu trabalho de designer, seu
escritório desenvolve sistemas de identidade visual para grandes empresas
nacionais, privadas e estatais - Banco Central do Brasil, Caixa Econômica
Federal, Complexo Petroquímico de Camaçari, Furnas Centrais Elétricas,
Banco Nacional, Companhia de Gás de São Paulo, Itaipu Binacional,
Comlurb - Companhia Municipal de Limpeza Urbana, Grupo Peixoto de
Castro, Companhia União dos Refinadores de Açúcar e Café, Companhia
Souza Cruz, entre outros.
Em 1975, coordena e implanta uma instituição dedicada à analise da
cultura brasileira - o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC).
Trata-se de sua primeira investida no território das ações de Estado em
relação à cultura, É a partir daí que traça o que pode ser considerado como
sua última e definitiva intervenção no cotidiano da vida brasileira.
No ano seguinte, é instado, pelo Banco Central do Brasil, a contribuir,
mais uma vez, para a remodelação do padrão monetário brasileiro, sendo
desta vez necessário estabelecer um sistema complexo de criação,
englobando desde a escolha do temário a ser utilizado a definições
importantes quanto ao uso da tecnologia disponível, visando conquistar
para o país a autonomia na produção de cédulas e de moedas.
Em 1979, assume a direção do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional - IPHAN. Suas propostas de revisitação a conceitos
enunciados por Mário de Andrade 50 anos antes o levam, nessa
circunstância, a promover uma revolução nos valores àquela época
cristalizados no IPHAN. Seu conceito amplo de bem cultural e sua
formulação de que o melhor guardião do patrimônio é a comunidade que
com ele mais de perto se relaciona estabelecem novos tempos para o trato
com a memória nacional. É nessa ocasião que Aloísio, se valendo se sua
habilidade como designer, começa a traçar um novo desenho para o
quadro institucional relacionado com a questão cultural no Brasil. Em
janeiro de 1980, fruto de intensa atividadede convencimento político, o
IPHAN é alçado à categoria de Secretaria do MEC e é criada a Fundação
Nacional Pró-Memória.
Em 1981, viaja pelo país fazendo conferências, participando de debates,
reuniões, simpósios e seminários. Coloca a questão da recuperação da
memória em pauta na grande imprensa do país e discute constantemente,
com todo tipo de interlocutor, a busca de referências para o
desenvolvimento brasileiro levando-se em conta nossas características
culturais. Prosseguindo em seu projeto de reorganização do aparato estatal
para o trato das questões relativas à cultura, assume a Presidência da
Fundação Nacional de Arte e é conduzido ao cargo de Secretário da
Cultura.
Em 1982, realiza sua última série de desenhos - um conjunto de litografias
em preto e branco retratando Olinda, enquanto se prepara para defender a
inscrição da cidade na lista do Patrimônio Mundial da UNESCO, em
Paris. Participa, em junho, de uma reunião de Ministros da Cultura dos
países de língua latina em Veneza. Após ser eleito presidente do encontro,
Aloísio faz seu último pronunciamento - uma defesa apaixonada e
veemente das questões prementes da nossa sociedade em oposição àqueles
habituados a tratar a cultura exclusivamente por sua vertente culta. Logo
após, sofre violento derrame cerebral. Às pressas, é conduzido para
Pádua, onde vem a falecer na madrugada de 13 de junho.”
(site do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM), Recife-PE,
consultado em dezembro de 2006)
“Da mesma forma que Lúcio Costa, com elegância e civilidade, através
também de uma bem sucedida atividade prática, ele consegui delinear as
formas, sendo portanto um designer na estrita acepção do arquiteto, de um
design menos vinculado à ortodoxia de Ulm (escola alemã de design, que
serviu de inspiração para a criação da ESDI). Sua trajetória profissional
foi pouco linear. Não tinha formação específica. Advogado, não se teve
notícia de que tenha exercido a profissão. em 1960 mantinha um ativo
escritório de comunicação visual no Rio de Janeiro. Participou da
estruturação da ESDI como um profissional convidado, defendendo então
um design mais comprometido com uma identidade nacional. Era um
homem avesso a posturas radicais, jamais se negando a incorporar
conceitos que julgasse interessantes ou úteis a seu próprio ideário. Em
certo sentido, poderia ser considerado um eclético.
Antecipou uma atitude mais característica dos anos 80, quando propôs um
inclusivismo que operasse livremente com aquilo que julgasse necessário
à superação de um problema, sem as limitações do ortodoxismo europeu
ou dos nacionalismos populistas. Provavelmente, mais que uma
identidade nacional, desmedida ambição para o design, buscava uma
identidade também pessoal diante dos problemas da cultura brasileira.
Seus projetos refletiram a evolucão de um indivíduo que intuiu as
contradições do país em que vivia e buscou todo o tempo, uma ordem
possível. Gilberto Freyre era uma visível influência em seu pensamento.
Curiosamente, se se procurasse também um exemplo de pessoa para
também comprovar a tese de Sérgio Buarque de Hollanda sobre o
brasileiro como um homem cordial, não se encontraria ninguém mais
adequado. Conviver com as divergências foi um estímulo para seu
trabalho. Grande conciliador, sempre soube usar com prazer essa
característica nos momentos e nas circunstâncias precisas.
As primeiras notícias sobre o trabalho de Aloísio, sobre seu sucesso
profissional, datam de 7 de fevereiro de 1962, quando o Globo publicou o
resultado do concurso do símbolo comemorativo do IV
o
Centenário da
Cidade do Rio de Janeiro. Mas foi a partir de 1973, quando do início das
manifestações de interesse governamental pelo design, que Aloísio
começou a expor de forma mais definida e decidida, suas idéias sobre o
problema de uma identidade cultural, com uma progressiva consistência
que as diferenciavam do populismo que caracterizava o nacionalismo do
design. Não era mais apenas o dono de um bem sucedido escritório e sei
trabalho mais famoso também não era, algum tempo, o símbolo do
IV
o
Centenário do Rio. A identidade visual da Petrobrás, dos Correios, e,
principalmente, o desenho do novo padrão monetário brasileiro, haviam-
no tornado não apenas um designer conhecido nacionalmente, como uma
voz respeitada, capaz, finalmente, de se fazer ouvida isolada.
O pensamento de Aloísio não permaneceu limitado a uma atitude
meramente receptiva e ordenadora do que fosse uma cultura nacional e
sua imediata transformação em ‘fonte de inspiração’ para um design
nacional. Isso seria muito pouco e, acima de tudo, um caminho que se
tentara percorres, comprovadamente sem resultados concretos. Propôs a
criação do CNRC, Centro Nacional de Referência Cultural, embrião do
Pró-Memória, seu instrumento de ação quando, mais tarde, foi Secretário
de Cultural do Ministério da Educação e Cultura.
O grande ‘delineador de formas’ morreu em Veneza, em 1982,
partcipando de uma reunião da UNESCO. Com sua morte todos
perderam, porém, sem seu brilho e vivacidade, perdeu mais ainda a idéia
de um design ligado a uma identidade cultural brasileira, que na confusão
política dos anos seguintes, aparentemente foi condenado à mediocridade
do populismo, sempre de plantão, ao mau humor dos frustrados e ao
simplismo dos burocratas” (Souza, 1996: 270-273).”
(Pedro Luiz Pereira de Souza, 1996)
Ana Maria Tapajós
Biblioteconomista e economista, foi pesquisadora do CNRC. Trabalhou na Fundação
Nacional Pró-Memória e no MinC, de 1980 a 1990. Hoje trabalha no Ministério da Saúde.
Antonio Augusto Arantes
Professor de Antropologia da UNICAMP e consultor de políticas culturais. Estudou nas
Universidades de São Paulo e de Cambridge. Foi presidente do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional no começo dos anos 2000.
Antônio Luiz Dias de Andrade
Arquiteto, formado em 1972 pela FAU-USP, foi professor-doutor do Deparatamento de
História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU-USP e arquiteto do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Faleceu em 1997.
Bárbara Freitag Rouanet
Socióloga, professora da Universidade de Brasília e Livre-Docente da Universidade de
Berlim. Foi a primeira coordenadora da Área de Ciências Humanas do CNRC.
Carlos Drummond de Andrade
Poeta mineiro, trabalhou no Sphan durante a administração de Rodrigo de Mello Franco de
Andrade.
Carlos Rodrigues Brandão
Antropólogo, professor da UNICAMP. Colaborou com o CNRC no projeto “Integração
entre Educação Básica e Contextos Culturais Específicos”.
Claudio Weber Abramo
Matemático formado pela USP, Mestre em Filosofia da Ciência pela UNICAMP.
Secretário-geral da ONG Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à
corrupação no país.
Clara de Andrade Alvim
Professora de crítica literária na PUC-RJ, foi Coordenadora da Área de Artes e Literatura
do CNRC. Filha de Rodrigo de Mello Franco de Andrade, foi casada com Francisco Alvim,
irmão de Fausto Alvim Jr.
Cordélia Robalinho Cavalcanti
Biblioteconomista. Professora da Universidade de Brasília, foi Coordenadora de
Documentação no CNRC.
Eduardo Portella
Escritor, Professor Emérito da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Letras, foi
Ministro da Educação durante o Governo Figueiredo e Diretor da Biblioteca Nacional.
Eugene Feldman
Nascido nos Estados Unidos, em 1921. Designer, artista e impressor, tinha uma gráfica
experimental, a Falcon Press, na Philadelphia.
Fausto Alvim Jr.
Matemático, professor da Universidade de Brasília. Foi um dos idealizadores do CNRC.
Coordenou a Área de Ciências Exatas do Centro.
George de Cerqueira Leite Zarur
Antropólogo e economista, foi pesquisador do CNRC. É consultor legislativo da Câmara
dos Deputados e professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.
Golbery do Couto e Silva
General de grande influência política durante o Regime Militar que se iniciou em 1964. Foi
Chefe do Gabinete Civil durante o Governo Geisel.
Henrique Oswaldo de Andrade
Economista, trabalhou no Ministério do Planejamento na gestão de João Paulo dos Reis
Velloso, durante o Governo Médici. Foi diretor do Programa de Reconstrução das Cidades
Históricas (PCH), a partir de 1973. É membro do Conselho Fiscal da Fundação Centro
Brasileiro de Referência e Apoio Cultural (CEBRAC).
Italo Campofiorito
Arquiteto e urbanista, trabalhou no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Novacap
e chefiou o Serviço de Urbanismo de Brasília de 1961 a 1963. Foi diretor do Instituto
Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) e diretor do Departamento de Cultura da
Secretaria de Ciência e Cultura do Rio de Janeiro. Foi diretor do MAC-Niterói e Secretário
de Cultura de Niterói.
Isaura Botelho
Doutora em Ciência da Comunicação pela USP, possui mestrado profissionalizante em
Politiques Culturelles et Action Artistique pela Université de Bourgogne. É analista
executiva da Fundação Memorial da América Latina e pesquisadora do Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento.
Jarbas Passarinho
Ministro do Governo Médici que articulou o Plano de Ação Cultural (PAC), lançado em
1973.
João de Souza Leite **
Designer formado pela ESDI/UERJ. Iniciou sua vida profissional como assistente de
Aloísio Magalhães em 1966/67. A partir de 1973 retorna à sua equipe como diretor de
projetos. Atuou no CNRC, na Fundação Nacional Pró-Memória e no Iphan. Professor da
ESDI (desde 1977) e da PUC-RJ, obteve o título de doutor pelo PPCIS/UERJ, em 2006,
com a tese intitulada “Aloísio Magalhães, aventura paradoxal no design brasileiro. Ou, o
design como instrumento civilizador?”.
João Paulo dos Reis Velloso
Economista, foi Ministro do Planejamento durante o regime militar. Professor da Fundação
Getúlio Vargas, diretor do Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE).
Joaquim Falcão **
Doutor em Direito Constitucional. Professor da Fundação Getúlio Vargas e da UFRJ,
membro do Conselho Consultivo do Iphan e do Conselho da Comunidade Solidária, vice-
presidente do Instituto Cultural Itaú. Foi presidente da Fundação Nacional Pró-Memória.
Autor de diversos livros sobre cultura, patrimônio e direito. Amigo e vizinho de Aloísio
Magalhães em Olinda/PE.
Joaquim Redig de Campos **
Designer formado pela ESDI/UERJ, iniciou sua vida profissional com Aloísio Magalhães,
em 1966. Em 1976, tornou-se sócio do escritório de Aloísio. Professor da PUC-RJ.
Desenvolve dissertação de mestrado na ESDI/UERJ sobre um dos projetos de design
gráfico de Aloísio Magalhães.
Joel Rufino dos Santos
Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ, onde leciona Literatura. Historiador e
romancista.
José Laurêncio de Melo **
Poeta e tradutor. Amigo de Aloísio Magalhães desde a Faculdade de Direito do Recife.
Integrou o Teatro do Estudante de Pernambuco e o Gráfico Amador. Em 1979, iniciou
intensa colaboração com Aloísio, a quem acompanhou durante o tempo em que este esteve
ligado aos órgãos federais de administração da cultura. Nesse contexto, atuou tanto como
consultor como redator de documentos essenciais à realização das mudanças propostas pelo
amigo.
José Silva Quintas
Coordenador do Projeto Integração no CNRC. Trabalha no IBAMA.
José Zatz
Físico, especialista em conservação de energia.
Lúcio Costa *
Nascido em 1902. Formado pela Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, em
1922. Entre 1930 e 1931, foi diretor da mesma Escola. Em 1936, desenvolve, a pedido do
Ministro Gustavo Capanema, o projeto para a Sede do Ministério da Educação e Saúde.
Para dar o traço inicial deste projeto, convida o arquiteto francês Le Corbusier. O edifício
construído torna-se o marco da arquitetura modernista no Brasil. Desenvolve, em parceria
com Oscar Niemeyer, o projeto de Brasília.
Luiz Felipe Perret Serpa
Foi pesquisador do CNRC. Posteriormente, foi Reitor da UFBA.
Maria Cecília Londres Fonseca
Mestre em Teoria da Literatura pela UFRJ, Doutora em Sociologia pela Universidade de
Brasília, Consultora do MinC. Foi coordenadora de projetos no CNRC entre 1976 e 1979,
quando passou a trabalhar no âmbito da Sphan/Pró-Memória. Autora de “Patrimônio em
processo”. Representou o governo brasileiro na Unesco durante a preparação de convenção
internacional para o patrimônio imaterial. Organizou o n
o
147 da Revista Tempo Brasileiro,
dedicado ao patrimônio imaterial.
Mário de Andrade
Escritor, fez o Anteprojeto para a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, em 1936.
Ney Braga
Foi Ministro da Educação e Cultura durante o Governo Geisel.
Newton de Goés Horta
Matemático, trabalhou no CNRC, ligado diretamente a Fausto Alvim Jr., na classificação
de padrões de tecelagem no Projeto “Tecelagem popular no Triângulo Mineiro”.
Octavio Elísio Alves de Brito
Engenheiro, foi Deputado Federal Constituinte e Secretário de Patrimônio, Museus e Artes
Plásticas, do Ministério da Cultura do Governo Fernando Henrique Cardoso. Presidente do
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.
Olympio Serra
Antropólogo, professor da UFBA, foi pesquisador do CNRC.
Oscar Niemeyer *
Nascido no Rio de Janeiro, em 1907. Formado na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de
Janeiro, em 1934. Arquiteto que desenvolveu principalmente projetos para o setor público.
Ainda em Minas Gerais, desenvolveu parceria com Juscelino Kubitschek, para quem
projetou muitas obras, inclusive a cidade de Brasília.
Paulo Sergio Duarte
Crítico, professor de história e teoria da arte, e pesquisador do Centro de Estudos Sociais
Aplicados (Cesap), da Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro. Foi diretor do Paço
Imperial. Amigo íntimo de Aloísio Magalhães.
Pedro Luiz Pereira de Souza
Designer formado pela ESDI/UERJ em 1971. Desde 1972 é professor de projeto na escola.
Foi seu vice-diretor e diretor de 1986 a 1992. Trabalhou como coordenador associado no
ID/MAM (Instituto de Desenho Industrial do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro).
Autor de “ESDI-biografia de uma idéia”.
Renato Soeiro
Arquiteto, trabalhou no Iphan por 41 anos. Foi presidente do Instituto de 1967 a 1979,
quando foi substituído no cargo por Aloísio Magalhães.
Roberto Cavalcanti de Albuquerque
Pernambucano, advogado pós-graduado em Economia, foi Secretário de Planejamento da
Secretaria de Planejamento da Presidência da República durante o governo Geisel.
Roberto Sábato Moreira
Sociólogo, professor aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de
Brasília. Foi assessor de Aloísio Magalhães no CNRC.
Rodrigo de Mello Franco de Andrade *
Nascido em Belo Horizonte/MG, em 1898. Formado em Direito, em 1919. Em 1921, inicia
atividades jornalísticas paralelamente à advocacia, praticada no escritório de seus tios
Afrânio e João de Melo Franco. Em 1930, é convidado por Francisco Campos, então
Ministro de Educação e Saúde, para a chefia do seu gabinete. Em 1936, é nomeado por
Gustavo Capanema para a diretoria do Sphan, função que exerce até 1967.
Severo Gomes
Nascido em São Paulo, em 1924. Foi Diretor do Banco do Brasil, Ministro da Agricultura
no Governo Castelo Branco, e da Indústria e Comércio no governo Geisel. Um dos
idealizadores do CNRC.
Ubiratan D’Ambrosio
Professor emérito de Matemática da UNICAMP. Professor do Pprograma de Estudos Pós-
Graduados de História da Ciência da PUC-SP. Criador, a partir de 1975, do “Movimento de
Etnomatemática” – que se define por uma proposta de “nova matemática, de embasamento
etnoantropológico”.
Vladimir Murtinho
Diplomata, foi Secretário de Cultura do Governo do Distrito Federal, nos anos 1970. Um
dos idealizadores do CNRC.
* Dados retirados de Cavacanti, 1995.
** Dados retirados de Leite (org.), 2003.
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