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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ
MARCELO JOSÉ WESSELING
A EMERGÊNCIA DA EPISTEMOLOGIA NATURALIZADA EM DECORRÊNCIA
DAS TESES FILOSÓFICAS DE WILLARD QUINE
CURITIBA
2006
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MARCELO JOSÉ WESSELING
A EMERGÊNCIA DA EPISTEMOLOGIA NATURALIZADA EM DECORRÊNCIA
DAS TESES FILOSÓFICAS DE WILLARD QUINE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Filosofia, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, como
requisito parcial à obtenção ao título de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Inês Lacerda Araújo
CURITIBA
2006
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ii
“A resposta é o Naturalismo: o
reconhecimento de que é dentro da
ciência mesma, e não em uma filosofia
primeira, que a realidade de ser
identificada e descrita.”
Quine
“Nós somos como marinheiros, que
precisamos consertar nosso barco em alto
mar, sem jamais poder desmontá-lo
completamente em um estaleiro para
reconstruí-lo com as melhores peças.”
Neurath
“Mutação é a chave para nossa evolução.
Foi como evoluímos de organismos
celulares simples para a espécie
dominante deste planeta. O processo é
lento. Leva naturalmente milhões de anos,
mas a cada período de tempo a evolução
dá um salto.“
X-man 2
iii
RESUMO
Willard Quine constrói um sistema filosófico dentro do qual cada uma de suas teses
tem um papel e tomam certo sentido. São essas principais teses que dão
sustentação à epistemologia naturalizada, que se apresenta central na obra do
autor. Em sua motivação filosófica, que é epistemológica, Quine investiga a relação
entre evidência e teoria, sendo que esta transcende aquela. Na revisão crítica do
empirismo configura-se o holismo epistemológico, no qual não são os enunciados
individuais, mas a rede de crenças como um todo que deve ser considerada. (A
experiência não exerce mais o papel decisivo como na ótica neopositivista). A
ciência é concebida como um esquema conceitual constituído de supostos culturais:
subdeterminação das teorias pela experiência. Em Quine configura-se a tese da
extensionalidade. uma recusa em aceitar noções intensionais uma vez que não
como identificar e isolar o significado de palavras ou frases. O significado é
construído empiricamente pela observação do uso de sentenças em determinadas
situações. Este fato bem pode ser elucidado pela teoria do aprendizado lingüístico.
Pelas teses da indeterminação das traduções e da inescrutabilidade da referência
chega-se à relatividade ontológica na qual não se busca uma interpretação definitiva
da teoria. As teorias são incomensuráveis, o que compromete a correlação de
culturas. Na busca de compreender como o conhecimento é obtido, abandona-se o
projeto fundacionista, negando-se a possibilidade de haver conhecimento a priori;
tão pouco se deduz a ciência de observações. Tanto os corpos quanto o próprio
sujeito humano que os estuda, estão em mesma situação no mundo. Tudo é
construção ou projeção a partir das estimulações. uma magra entrada no
mecanismo cognitivo e uma saída torrencial. Para melhor descrever este processo, a
epistemologia deve imbricar-se às ciências naturais, sendo que a ciência é o melhor
instrumento para prever e predizer. A atitude deve ser pragmática. Configura-se o
naturalismo epistemológico como melhor empreendimento científico e filosófico. A
epistemologia não é mais a rainha das ciências. É dentro da ciência mesma que a
realidade há de ser identificada e descrita.
Palavras-chave: pragmatismo, Quine, epistemologia naturalizada, holismo.
iv
ABSTRACT
Willard Quine constructs a philosophical system inside of which each one of its
theses has a role and get a meaning. These main theses give support to the
naturalized epistemology, that is central in the author’s work. In his philosophical
motivation, that is epistemological, Quine investigates the relation between evidence
and theory, once theory goes beyond evidence. In the critical revision of the
empiricism, the epistemological holism is configured, in which not the individual
statements, but the net of beliefs as a whole must be considered. (The experience
does not play the decisive paper anymore, as in the neopositivist optics). Science is
conceived as a conceptual project consisting of cultural presumptions: there is a
subdetermination of the theories by the experience. The thesis of extensionality is
configured in Quine. Intentional notions are not accepted since the meaning of words
or phrases can’t be isolated nor identified. The meaning is constructed empirically by
the observation of the use of sentences in determined situations, fact that can be well
elucidated by the theory of the linguistic learning. For the theses of the
indetermination of the translations and the inscrutability of reference we come to the
ontological relativity in which a definitive interpretation of the theory is not looked for.
The theories are incommensurable, what compromises the correlation of cultures. In
the search to understand how knowledge is achieved, the fundacionist project is
abandoned, refusing the possibility to have a priori knowledge; not even science is
deduced through observations. Both the bodies and the human being that studies
them, are in the same situation in the world. Everything is construction or projection
from the stimulations. There is a narrow entrance in the cognitive mechanism as well
as a torrential exit. To describe this process, epistemology and natural science had
better work together, since science is the best instrument to foresee and to predict.
The attitude must be pragmatic. The epistemological naturalism stands as a better
scientific and philosophical enterprise. Epistemology is not the queen of sciences
anymore. It is inside science itself that the reality has to be described and identified.
Key words: pragmatism, Quine, naturalized epistemology, holism.
v
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................1
1 A REVISÃO CRÍTICA DO EMPIRISMO.....................................................................4
1.1 Influências......................................................................................................4
1.2 O Círculo de Viena.........................................................................................7
1.3 A influência da filosofia analítica: Quine e a difusão das idéias de
Carnap...................................................................................................................12
1.4 Dois dogmas do empirismo: o ponto de partida à crítica a Carnap .......15
1.5 A crítica à analiticidade...............................................................................17
1.6 Uma tentativa de resolver a analiticidade através da definição..............19
1.7 Sinonímia cognitiva e a permutabilidade..................................................21
1.8 Regras semânticas......................................................................................23
1.9 A teoria verificacional e o reducionismo (O segundo dogma)................24
1.10 Empirismo sem dogmas.............................................................................28
1.11 A repercussão da crítica ao empirismo dogmático..................................31
2 AS TESES CENTRAIS DO SISTEMA FILOSÓFICO QUINIANO .........................33
2.1 O ataque às noções intensionais e a configuração da tese da
extensionalidade ..................................................................................................33
2.2 Ontologia relativa: a indeterminação da tradução e a inescrutabilidade
da referência.........................................................................................................35
2.3 O problema da significação e da referência .............................................42
2.4 Relatividade ontológica e inescrutabilidade da referência......................50
2.5 Os esquemas conceituais ..........................................................................53
2.6 A significação e a sinonímia de um ponto de vista lingüístico...............58
2.7 O aprendizado lingüístico e a construção de uma linguagem para falar
de objetos .............................................................................................................61
3 A EPISTEMOLOGIA NATURALIZADA COMO MELHOR
EMPREENDIMENTO CIENTÍFICO E FILOSÓFICO....................................................69
3.1 Willard Quine: por uma epistemologia naturalizada ................................69
3.2 A naturalização epistemológica advogada por Quine .............................72
vi
3.3 Uma aplicação da epistemologia naturalizada .........................................82
3.4 O naturalismo como resposta ao projeto epistemológico quiniano.......86
3.5 A persistência de Quine em prol de um naturalismo forte......................88
CONCLUSÃO.........................................................................................................................94
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................106
ANEXOS ...............................................................................................................................112
Breve biografia ................................................................................................112
Obras................................................................................................................113
INTRODUÇÃO
O naturalismo em epistemologia recebeu grande atenção dos filósofos
contemporâneos; muito se discutiu e ainda se discute neste domínio.
Fato é que a ciência progride, mas como se este processo? A ciência
constrói/constitui conhecimento e a epistemologia tem neste campo um de seus
focos de estudo. O ser humano é um sujeito físico que habita um mundo também
físico e desta relação provém o conhecimento. Conhecimento produzido pelo ser
que extrapola enormemente o contato deste com a experiência sensível, com o
mundo. O estudo desta relação, entre input output, entre evidência e teoria, tem
sido a grande motivação de epistemólogos. Embora haja diferenças internas entre
as perspectivas, a naturalista, em linhas gerais, reivindica que a filosofia dispense o
conhecimento a priori e se imbrique às ciências naturais para fazer uso de seus
conhecimentos empíricos. A epistemologia, no quadro naturalista, contribuiu muito
para as reflexões filosóficas e científicas.
A epistemologia que se pratica nos dias de hoje é grande devedora dos
pressupostos e das propostas de Quine. Pode-se até dizer que a filosofia que hoje
se pratica emergiu, em certa escala, graças às reflexões naturalistas... Neste
sentido, propõe-se investigar o programa do naturalismo epistemológico de Willard
Quine, compreendido como um processo que faz parte de seu sistema filosófico, que
se integra e é peça essencial do pensamento quiniano.
A investigação toma corpo ao se pesquisar as instanciações de Quine e os
pressupostos do neopositivismo para analisar a crítica do autor ao programa
neopositivista. Além do mais, faz-se interessante uma análise do conjunto das
principais teses de Quine que culminam e propiciam uma postura naturalista em
relação à epistemologia. Por fim, objetiva-se caracterizar o naturalismo
epistemológico de Quine, seu papel e sua influência para a epistemologia.
Num primeiro capítulo, tem-se por objetivo apresentar as raízes históricas da
filosofia de Quine bem como sua crítica aos dois dogmas do empirismo; chama-se a
atenção para o gosto pela lógica que motivou o autor em seu contato com o Círculo
de Viena. As influências deste período configuram o ‘destino’ da filosofia quiniana.
Mas Quine não foi um seguidor fiel daqueles pressupostos; ao perceber os limites do
programa neopositivista não hesita em posicionar-se de tal forma a abalar certos
fundamentos doutrinais, fato este que representa um salto na história da filosofia.
2
Defendendo em seu empirismo que os princípios lógicos e matemáticos, tanto
quanto quaisquer enunciados factuais, estão abertos à revisão à luz da experiência,
Quine já apresenta suas características epistemológicas centrais que receberão
futuramente, em sua obra, a terminologia naturalista. Neste empirismo, configura-se
o holismo epistemológico, no qual não são os enunciados individuais, mas a rede de
crenças como um todo que deve ser considerada; concebe-se a ciência como um
esquema conceitual constituído de supostos culturais em que objetos físicos e
entidades abstratas são postulados, donde se conclui que a ciência é
subdeterminada pela experiência.
A escolha do esquema conceitual deve ser pragmática, sendo que é
internamente ao sistema que tanto as questões de fato quanto as hipóteses
científicas são abordadas. É a orientação pragmática, também, que deve conciliar a
herança científica com a estimulação sensorial a que cada um está submetido.
Destaca-se, assim, neste capítulo, a retomada e reorientação ao pragmatismo
realizada por Quine.
No segundo capítulo, serão abordadas as principais e centrais questões
epistemológicas de Quine que culminam na epistemologia naturalizada, que é o
objeto específico do último capítulo do trabalho. No desenvolvimento deste capítulo
intermediário pretende-se elucidar como o autor privilegia o modo como se o
aprendizado lingüístico da criança e o modo como o lingüista procede em contexto
de tradução radical. O aprendizado lingüístico exerce papel de motivador das
questões epistemológicas e também ontológicas na obra de Quine. O autor
demonstra um interesse especial para a questão do significado e, sua solução, é a
de que simplesmente não se aceite significados como entidades e ainda assim
se pode conceber enunciados e palavras significativas no uso, no comportamento
aberto em situações publicamente reconhecíveis, ou seja, o uso pragmático.
Quine trata de questões epistemológicas, mas que estão relacionadas com a
ontologia. O autor transparece o naturalismo firmando a necessidade de se fazer um
estudo empírico de questões como conhecimento, mente e significado, uma vez que
elas são partes deste mundo físico. Da concepção naturalista do significado, que
renuncia a representação, concebe-se que os significados da linguagem não são
determinados pela mente pensante, nem pela relação referência a um objeto no
mundo externo. Concebendo o significado como uma propriedade do
3
comportamento, não como determinar as traduções; as palavras ou sentenças
não têm o significado determinado e, além do mais, a referência é inescrutável.
Para abordar a relação entre linguagem e mundo, entre palavras e coisas,
firma-se um critério de compromisso ontológico e mostra-se que a ontologia é
relativa. Neste sentido, se configura a epistemologia com as noções de esquemas
conceituais e a tese da subdeterminação das teorias pela experiência.
Por fim, é no último capítulo, que se configura, a nosso ver, a maior
contribuição de Quine, onde se apresenta a reivindicação de Quine por uma
epistemologia naturalizada. Esta proposta emerge em resposta ao fracasso do
projeto neopositivista que buscava validar a ciência com base na experiência
sensível. Considerando a indeterminação das teorias, é impossível validar a ciência.
Quine defende um forte envolvimento entre a ciência e a epistemologia, em que a
esta caberia descrever o processo de teorização, uma vez que são as teorias que
dizem o mundo, ou seja, caberia à epistemologia, concebida no quadro das ciências
naturais, descrever a relação entre a evidência e a teoria. Neste processo as teorias
não são estáticas, estão em contínua construção e são os princípios pragmáticos
que guiam o cientista no contínuo e gradativo trabalho de ‘engenharia’ que visa o fim
último de previsão e predição. Para Quine o empreendimento naturalista seria o
mais produtivo em epistemologia.
Quine constrói um sistema filosófico, como sustenta Vidal, e sua importância
é tamanha tanto pelas profundas e complexas teses, que caracterizam sua ousadia
e os saltos proporcionados à filosofia, quanto pelas querelas que produziu.
4
1 A REVISÃO CRÍTICA DO EMPIRISMO
1.1 Influências
No cenário filosófico, o interesse pela lógica havia sido retomado por Frege e
por Cantor, após um longo tempo em que ficou à margem. Foram Russell e
Whitehead que lhe deram um novo alento com a publicação dos Principia
Mathematica entre 1910 e 1913. Quine demonstra consideração para com Gödel, ao
revelá-lo como o grande responsável pela difusão desta disciplina, que novamente a
prestigiava. Quine considera a Alemanha e a Polônia e em parte a Áustria os
epicentros da lógica e da lógica matemática. Por outro lado, nos Estados Unidos, a
difusão da lógica matemática se deve a Church e em seguida ao seu próprio
proselitismo, após o retorno da Europa
1
.
O interesse de Quine pela lógica, ou mais precisamente pela lógica
matemática, aflora graças à influência de Russell
2
. Foi após a leitura de
Mathematical Philosophy que Quine decide graduar-se em Matemática, mas
podendo satisfazer também seus outros dois interesses: a filosofia e a lingüística.
Mas ao lado de Russell havia a influência de Boole e de Peano. Defende, em
Harvard, onde estudou sob a orientação de Whitehead e Lewis, a tese de doutorado,
em que analisa os Principia Mathemática. No princípio de sua carreira, inclusive, era
a lógica tudo o que o interessava mesmo quando estudava outras temáticas: “Eu,
por outro lado, via apenas a lógica matemática...” (BORRADORI, 2003, p. 49).
Sobre seu pragmatismo, que veio à tona em uma fase madura do autor,
destaca-se como maior influência a posição de um ramo da tradição clássica do
empirismo. Quine caracteriza a influência de um pragmatismo internacionalista e não
apenas americano que mais contribui para sua formação: “Na verdade, foram
Whitehead, Rudolf Carnap, C.I. Lewis e entre os poloneses Tarski que mais me
influenciaram. Eu penso na filosofia mais em sentido horizontal do que vertical”
(BORRADORI, 2003, p. 48).
Quanto ao behaviorismo, Quine não hesita: “O behaviorismo me acompanhou
1
Conferir a entrevista de Borradori com Quine: (BORRADORI, 2003, p. 47).
2
Embora a influência de Russell sobre Quine seja muito mais direta no campo da lógica, por causa
de seus freqüentes debates sobre o tema, ela vai além disso. Quine sempre considerou Russell muito
aberto e por isso freqüentemente discutiam filosofia, ao ponto de reconhecer: “Sinto que devo muito a
Russell, tanto no que diz respeito à lógica quanto à filosofia.” (BORRADORI, 2003, p. 52).
5
desde o início” (BORRADORI, 2003, p. 53). Mas Quine acredita que é na neurologia,
e não no comportamento, que se deve identificar a razão principal.
O comportamentalismo é indispensável no sentido metodológico, porque
fornece critérios. Se quisermos isolar o mecanismo neurológico, ou então o
dos estados ou dos processos mentais do tipo introspectivo, são
necessários pontos de partida sólidos, verificáveis objetivamente: nesse
sentido os critérios comportamentais estabelecem os próprios termos do
problema, cuja solução está na neurologia. (BORRADORI, 2003, p. 54)
Um ponto de vista fundamental, que Quine compartilha com Skinner, é o de
que “grande parte da pesquisa, não do tipo mais profundo, mas daquele mais
epidérmico, é praticável a partir do plano puramente comportamental; trata-se de
descobrir simples recorrências de comportamento” (BORRADORI, 2003, p. 54).
Outra característica de Quine é a defesa do holismo, noção crucial: Holismo
significa para mim a convergência de várias hipóteses, teorias, crenças, verdades,
por isso se nos concentrarmos apenas em uma, as outras sobrevêm, como
conseqüência e em auxílio” (BORRADORI, 2003, p. 55). Carnap, ao contrário,
embora também tivesse apreço pelo holismo e admirasse Duhem, não teria feito uso
proveitoso do holismo, como aconteceu com outros filósofos do Círculo de Viena. É
ponto comum o apreço por hipóteses ulteriores que possam servir de apoio à tese. O
fato é que quando essas hipóteses são exploradas seriamente, são densas de
conseqüências empíricas. Falando de matemática, aritmética e análises diferencial
aplicada, por exemplo, Quine afirma: “todas as leis fazem parte do mesmo
emaranhado holístico, que implica, desde o início, os resultados experimentais e
as previsões” (BORRADORI, 2003, p. 55). Esta concepção evitaria a noção
complicada, como faz Carnap, de que a matemática teria um significado mesmo
sendo privada de conteúdo e que isso ajudaria ainda a compreender a necessidade
da verdade matemática. A perspectiva holística assinalou decisivamente a
separação de Quine com Carnap. Mas Quine atenua seu holismo inicial. Uma das
conclusões finais a que Quine chega, e defende com afinco, pode ser resumida
nessas suas palavras:
Hoje parece-me que não existe uma ciência só, mas um emaranhado de
leis, tão grande e complexo que não pode ser compreendido por uma única
lei, e que implica condições de observação (observational conditions), isto é,
categorias de definições de situações observáveis. O vínculo entre a ciência
e a observação experimental é estabelecido por esses condicionais ou
‘categóricos’. O holismo é necessário apenas na medida em que, com ele,
obtém-se uma combinação mais ampla dessas categorias sujeitas a
experimentação e controle. (BORRADORI, 2003, p. 56)
6
De qualquer modo, a noção de holismo pode ser caracterizada como uma das
grandes contribuições de Quine. Devido à sua relevância na compreensão da
ciência, alguns aspectos ainda serão abordados mais adiante mostrando como essa
noção se manteve viva na concepção filosófica do autor, na qual desempenhou um
papel central.
Numa observação de algumas características históricas com relação ao
contexto filosófico, pode-se observar que Quine, em 1932, migra para a Europa, com
o principal interesse de estudar a lógica matemática, ou mais precisamente, para
estudar com os positivistas lógicos, que evidenciaram a importância de se
concentrar nesses estudos e se preocupavam com o estudo da lógica e seu papel
na fundamentação da matemática.
O período que Quine passa em Viena e em Praga, com uma bolsa de
estudos, lhe permite o contato com os grandes mestres do Círculo de Viena: Carnap,
Reichenbach, Schlick, Tarski.
Quine tem Carnap como um grande mestre. Assistia a suas aulas, lia seus
manuscritos e os debatia pessoalmente nos mínimos detalhes. Mas como Quine
mesmo afirma, “naqueles anos tornei-me uma espécie de ‘devoto’ da sua filosofia,
da qual em seguida senti a necessidade de separar-me. Ele mesmo depois se
afastou das suas posições iniciais, mas nos separamos de maneira e em direções
diferentes” (BORRADORI, 2003, p. 49).
Quine reconhece Carnap como um mestre. Suas discussões são bastante
amplas, inclusive por correspondência.
3
Uma das dificuldades de Quine era a língua
alemã, principalmente seu uso na filosofia. O que muito o ajudou neste ponto foi a
influência de um outro integrante do Círculo: Schlick. Quine acompanhava seus
cursos, embora o se interessasse diretamente pelo conteúdo, teoria do
conhecimento, mas o curso lhe era muito útil principalmente porque permitia refinar
seu vocabulário alemão que lhe seria fundamental com Carnap, por exemplo.
Pode-se dizer que o contato com os pensadores do Círculo de Viena vai
exercer grande influência sobre Quine, haja vista o grande interesse do autor pelas
suas temáticas. É inevitável que se investigue algumas de suas assunções para
melhor compreender a adesão e críticas de Quine à suas reflexões.
3
Conferir: QUINE, Willard van Orman. Dear Carnap, Dear Van: The Quine Carnap Correspondence
and Related Work. (with Rudolf Carnap, Richard Creath - editor): University of California Press, 1991.
7
1.2 O Círculo de Viena
Um dos filósofos mais influentes do movimento denominado ‘Círculo de Viena’
e também autor que exerceu profundas influências sobre Willard Quine foi Rudolf
Carnap
4
. A defesa de uma sintaxe lógica na linguagem é um ponto defendido por
Carnap, como afirma Franca D’Agostini: “Carnap (1934) retinha que existiria uma
‘sintaxe lógica’ da linguagem, definida pelas técnicas adotadas por Frege e Russell,
e que o desconhecimento delas seria a causa dos erros e problemas filosóficos” (D’
AGOSTINI, 2002, p. 285).
O Círculo de Viena surge na Áustria, nas duas primeiras décadas do século
XX e é responsável pela criação da corrente de pensamento intitulada positivismo
lógico. É constituído por diversos filósofos da ciência que, como ressalta Araújo
(2003, p. 39), tinham o propósito de analisar, fundamentar e classificar as ciências.
Buscava-se nas ciências a base de fundamentação de conhecimentos verdadeiros.
O conhecimento, para ter valor de verdade, deve estar vinculado ao aspecto
empírico; é a relação com a experiência que proporciona o caráter de conhecimento
verdadeiro. Mas não o aspecto empírico importa; a lógica e a matemática não
devem ser abandonadas.
Do grupo formador do Círculo de Viena destacam-se filósofos como Philipp
Frank, Rudolf Carnap, Hans Hahn, Otto Neurath, Hebert Feigl, Kurt Gödel, Karl
Menger, Moritz Schlick, entre outros. Também faziam parte deste grupo cientistas,
economistas e juristas. Suas reuniões, realizadas nas décadas de 20 e 30, resultam
em um livro: Ciência Unificada. Schilick e Carnap são considerados os membros
mais ativos. Carnap, inclusive, juntamente com Hahn e Neurath, em 1929, publicou o
manifesto intitulado ‘A concepção científica do mundo: o Círculo de Viena’.
Fato trágico é que M. Schlick, considerado um dos principais fundadores do
Círculo, é assassinado por um estudante nazista nas escadarias da Universidade de
Viena, em 1936. E, devido às perseguições nazistas, outros integrantes migram para
outros países, principalmente para os Estados Unidos. Todos estes fatos contribuem
para a dispersão do grupo. Contudo, suas idéias, são muito aceitas e começam a
ser difundidas com as noções de logicismo e empiricidade.
4
Carnap nasceu em Rondsdorf, na Alemanha, em 1891 e faleceu na Califórnia, em 1970. Estudou
física, matemática e filosofia. Tem Frege e Russell como suas maiores influências. Foi professor
assistente na Universidade de Viena através de um convite de Schlick, mas logo foi lecionar em
Praga. Foi, juntamente com Reichenbach, editor da revista Erkenntnis. Entre suas obras destacam-se
A construção lógica do mundo, de 1928, e Sintaxe Lógica da Linguagem, de 1934.
8
Uma forte influência sobre o empirismo lógico exerceu a obra Tractatus
Lógico-Philosophicus de Wittgenstein. Para Wittgenstein, nesta obra, o mundo
consta de todos os fatos que ocorrem e tais podem ser ditos por proposições. Caso
as proposições retratem os fatos, são consideradas verdadeiras e são falsas se não
o fizerem. Para se falar acerca do mundo a necessidade da linguagem, que tem
neste propósito sua função: representar o mundo. E o critério de significado de uma
proposição é empírico: deve-se poder verificar os fatos que a proposição
representa
5
. A leitura do Tractatus”, como também outras obras, influenciaram o
grupo do Círculo. O Tractatus”, em especial, ajudou na compreensão da lógica e
conseqüentemente, na interpretação empírica dos fundamentos do conhecimento.
Uma característica do empirismo lógico é, como o próprio nome diz, sua
exigência empírica. Como afirma Araújo (2003, p. 40) os empiristas criticam o a priori
e a metafísica, pois o conhecimento precisa de linguagem empirista e ainda da
lógica e da matemática:
As estruturas do mundo não podem ser conhecidas através do puro uso a
priori da razão; a metafísica, ao invés de estar no ápice do conhecimento
como ocorre na perspectiva filosófica tradicional, quando indaga a respeito
das causas e princípios primeiros, passa a ser considerada como
desprovida de sentido por faltar-lhe consistência empírica. (ARAÚJO, 2003,
p. 40)
À filosofia, neste cenário, são impostos certos limites. Ela deve restringir-se às
questões lógicas e epistemológicas. Não é mais de sua incumbência pensar os
fundamentos; ela depende dos conhecimentos científicos. Interesse especial, para
os neopositivistas, adquire a análise lógica da linguagem artificial, linguagem esta
ideal para a construção das ciências. A linguagem natural, descartada neste
empreendimento, levaria a equívocos.
O conhecimento, portanto, deve ter base empírica, deve poder ser
confrontado com os fatos
6
. É a possibilidade de teste que produz objetividade. As
afirmações são validadas através de critérios e testes de verificação, que garantem
que se esteja falando de real conhecimento e não de mera especulação metafísica.
Com esta doutrina, foi-se criando progressivamente uma separação entre a
ciência e a filosofia. Como ressalva Araújo (2003, p. 41), a ciência, por ter
5
O próprio critério empírico de significado, que tanto influenciou os autores do Círculo, foi
abandonado por Wittgenstein em obras posteriores.
6
O conhecimento das ciências exatas em princípio não era considerado empírico pelos
neoempiristas, embora não deixasse de ser um tipo de conhecimento.
9
exclusivamente a capacidade de exercer o controle sobre seus juízos e proposições,
estaria em constante progresso, ao passo que a filosofia dos valores e a metafísica,
por não possuírem um método de verificação, não estariam progredindo.
Para os neopositivistas, a filosofia não é passível de ser testada nem por teste
lógico, nem por teste empírico. Esta seria uma exigência para se poder exercer o
controle sobre seus próprios juízos e proposições, capacidade que se restringe,
agora, apenas à ciência. Araújo enfatiza: “Sem o controle experimental não se aceita
uma teoria. Esta deve permitir a previsão da ocorrência de certos fenômenos, do
contrário a teoria precisa ser revista ou abandonada (ARAÚJO, 2003, p. 42).
A
exigência de controle para se fazer predições elimina os conceitos filosóficos, pois
estes não cumprem nenhuma condição observável. Este é o caso dos enunciados
metafísicos que carecem de sentido. Em suma, para que as proposições sejam
verdadeiras, deve-se poder verificá-las.
Carnap, um dos filósofos mais influentes do Círculo, apresenta algumas
características peculiares. Uma das preocupações centrais de Carnap fora a
investigação dos critérios de verdade do conhecimento científico. Pelo critério de
verificação empírica dos empiristas lógicos, somente as proposições que podem ser
observadas fatualmente podem ser consideradas verdadeiras. As proposições
epistemológicas que não se referem aos fatos ficariam por este critério destituídas
de verdade, não seriam autênticas proposições. Para Carnap, por isso, as
proposições epistemológicas são aquelas dotadas de significado por constituírem-se
de linguagem (proposições) que vão, por sua vez, referir-se aos fatos. A linguagem
científica tem imprecisões e a filosofia tem como tarefa depurar tal linguagem. Como
resultado ter-se-ia a construção de uma linguagem que segue o rigor de uma sintaxe
lógica.
Carnap defendia a linguagem formal, que evitaria as imprecisões da
linguagem natural e reduziria a questão filosófica a problemas epistemológicos. A
epistemologia teria a tarefa de justificar como o conhecimento é um conhecimento
autêntico. Não esquecendo que a metafísica é desprovida de sentido, por não
obedecer ao critério empírico.
A importância que Carnap à linguagem formal liga-se diretamente à
questão do conhecimento. Deve-se ter como referência um sistema lingüístico que
represente a questão da existência no interior do sistema da entidade. Discutir sobre
a existência do sistema é tarefa dos filósofos, mas “reconhecer algo como coisa ou
10
evento real, significa ter sucesso em incorporá-la ao sistema das coisas, em uma
posição-espaço temporal particular, de tal forma que ela se acomode às outras
coisas reconhecidas como reais, segundo as regras do sistema de referência”
(CARNAP, 1980, p. 121). Carnap procura evitar as questões externas; evita as
questões sobre a realidade ou existência do sistema de entidades. Ser real, afirma
Carnap, é ser um elemento do sistema. Logo este conceito não pode ser aplicado ao
próprio sistema. As questões da realidade remetem a uma decisão prática
concernente à estrutura da linguagem; depende de se aceitar ou não as formas de
expressão do sistema de referência de que se esta falando. No entanto, para
Carnap, não se pode formular a tese da realidade do mundo em linguagem teórica.
Os enunciados, para terem significado, afirma Carnap, devem expressar um
estado de coisas. Para Carnap, para toda teoria científica, deve poder-se indicar as
condições de testabilidade, quer dizer, deve ser possível, pela experiência ou pela
observação, confirmar ou refutar a teoria. O enunciado necessariamente deve ter
conteúdo factual para ser testado, o que possibilita dizer se ele é verdadeiro ou
falso. Tal é a importância das condições empíricas de teste que são responsáveis
pelo significado do enunciado. Caso não sejam encontradas tais condições, quando
não se pode indicar experiências confirmando ou refutando, tem-se apenas um
‘amontoado de sons’, ele é apenas um pseudo-enunciado.
Carnap critica, neste sentido, severamente a metafísica. Suas afirmações são
desprovidas de significado, pois seus termos não são verificáveis. Araújo ressalta a
posição de Carnap: “A metafísica sequer possui sentenças, pois não dispõe de um
critério para elaborá-las significativamente” (2003, p. 46). Para Carnap, não há como
decidir pela verdade ou falsidade das teses filosóficas do realismo e do idealismo.
Elas são sem significado porque não possuem conteúdo factual.
Em Testabilidade e Significado (1936/1937), a possibilidade de verificação
completa é substituída pela possibilidade de teste ou de confirmação (CARNAP,
1980, p. 10). Na perspectiva do empirismo, a questão do significado e da verificação
da verdade ou falsidade de um enunciado sempre estiveram ligadas, um dependia
do outro. No entanto, não se pode chegar a uma posição definitiva para os
enunciados empíricos sintéticos. Poderá haver uma condição empírica que os refute.
Ainda assim, os enunciados podem ser testados e, na medida em que resistirem aos
testes, eles serão confirmáveis. Carnap ainda refere-se a graus de confirmação visto
que já conhecia a crítica de Popper à indução.
11
São as condições gicas e/ou empíricas que determinam a confirmação e a
testabilidade. figura claramente, na filosofia de Carnap, a distinção entre
enunciados analíticos e enunciados sintéticos que será o grande alvo da crítica de
Quine no seu artigo Dois dogmas do empirismo’, publicado em seu livro From a
logical point of view em 1953. Assim, para Carnap, a verdade de certos enunciados
depende unicamente dos conceitos analíticos da linguagem-sistema da lógica.
Quando, por outro lado, a verdade ou falsidade dos enunciados depender da
referência aos fatos, exteriores à linguagem, então os enunciados serão sintéticos.
Outra tese radical que Carnap defende é a tese do fisicalismo, afirmando que
a linguagem da física é uma linguagem universal, uma vez que abrange os
conteúdos de todas as outras linguagens científicas, e conclui: “todo termo da
linguagem da ciência (...) é redutível aos termos da física” (CARNAP, 1980, p. 194).
Contudo, esta tese, como ocorreu com outras, como a da verificabilidade, foi
bastante atenuada. Para serem testados, os enunciados da linguagem científica
deveriam ser reduzidos a predicados observáveis. Mas o teste dos enunciados,
havia sido substituído pela tese da confirmabilidade. O que entra em questão é que
a redutibilidade continua sendo válida, mas não se pode conceber a definibilidade
dos termos e, portanto, a tradutibilidade das sentenças. Carnap percebeu que o
método de definição não é suficiente para a introdução de novos termos.
Uma tese que se aproxima muito à do fisicalismo é a da ciência unificada.
Araújo explica que nesta tese ele
defendia a adoção de uma linguagem unitária em que cada asserção da
ciência pudesse ser enunciada garantindo a compreensão intersubjetiva.
Todos devem poder compreender os enunciados do mesmo modo e todo e
qualquer fato ou situação deve poder ser enunciado em uma linguagem
empírica e fisicalista. Nesta linguagem, os conceitos não precisariam ser
exclusivamente quantitativos, porém permaneceria a exigência de que todos
os termos pudessem ser relacionados a coisas, suas propriedades e
interligações entre elas. (2003, p. 49)
A dificuldade em se traduzir todos os enunciados em termos puramente
observacionais acarreta a crítica ao fisicalismo. O próprio critério de confirmabilidade
atenua a exigência empírico-fisicalista. Mas a insistência de Carnap em exigir a
redução dos termos a predicados observacionais, para serem confirmáveis, implica
em uma nova compreensão de significado para os enunciados, deve-se saber como
usá-los ao falar acerca dos fatos empíricos reais ou possíveis; quer dizer, deve-se
poder verificá-lo, confirmá-lo ou testá-lo. Para Carnap, conclui-se, como ressalta
12
Araújo, que “todos os enunciados da ciência devem ser sintéticos, devem ter relação
com observações possíveis” (2003, p. 50).
O critério empírico de significado é que
caracteriza a demarcação entre ciência e não-ciência.
1.3 A influência da filosofia analítica: Quine e a difusão das idéias de Carnap
Em 1933, após 2 anos na Europa, Quine retorna para os Estados Unidos
7
,
onde vai dedicar seu tempo aos estudos, principalmente em Harvard. Este curto,
mas ao mesmo tempo intenso período que Quine passa na Europa o influenciou
bastante. Por um lado, pelo contato com a filosofia dos pensadores do Círculo que
tanto lhe interessava, mas também pela triste e grave situação por que passava a
Alemanha com o nazismo. Interessante, também, que, devido às perseguições
políticas e raciais do nazismo, após a Guerra, Quine é o filósofo que vai intermediar
a migração de muitos filósofos do positivismo lógico para o seu país e os ajuda a se
firmarem em universidades como Harvard e Princeton. De fato, esta migração de
autores como Carnap, Reichenbach, Hempel, Neurath, Feigl, entre outros, vai
caracterizar a orientação analítica em filosofia, um estudo sobretudo lógico e
lingüístico. Fato curioso é que essas Universidades, ao lado de outras duas,
Berkeley e Pittsburgh, ainda hoje são os centros propulsores da filosofia de
orientação analítica.
As idéias de pensadores de orientação neopositivista, alguns dos quais
integrantes também do Círculo de Viena, vieram a se integrar, de forma mais
acentuada no aspecto lógico, ao pragmatismo norte-americando. Após a morte de
James e Peirce, seus fundadores, foram filósofos como Lewis que propiciaram um
intercâmbio entre essas duas áreas que doravante vão configurando uma nova
orientação pragmatista. Também Dewey, mesmo pertencente à geração anterior,
contribui decisivamente para o pragmatismo. Abrantes revela também o caráter do
naturalismo daquele autor: “O naturalismo de Dewey revela-se numa visão do sujeito
em interação ativa com o meio-ambiente, respondendo adaptativamente a este
último, e numa concepção da mente como uma emergência de processos naturais”
(ABRANTES, 1998, p. 9).
7
Toda a situação que Quine vivera o impele a uma atitude política. Por não ter sido inscrito nas
tropas regulares, decide, inclusive, alistar-se voluntariamente como oficial da Marinha. “Pensava que
a cultura ocidental estava à beira de um colapso, e que meu interesse principal, a filosofia da lógica,
podia ser deixado de lado. Durante três anos de fato não li nenhuma única linha de filosofia nem de
lógica.” (BORRADORI, 2003, p. 51).
13
De fato esse intercâmbio entre idéias de filósofos vindos da Europa com os
americanos, representa uma pequena parcela de conversação de uma filosofia que
ainda era tida como oposta, uma em relação à outra: a filosofia analítica, de um lado,
e a filosofia continental de outro
8
.
De acordo com D’ Agostini (D’ AGOSTINI, 2002, p. 90-91) a diferença entre
analíticos e continentais, dos anos trinta a sessenta, pode ser evidenciada por uma
‘divisão’ territorial. Ao primeiro grupo pertencem filósofos pertencentes à filosofia
analítica, defendendo uma relação privilegiada da filosofia para com as ciências
naturais e exatas. Caracteriza-se pelo formalismo e possibilidade de controle e
interessa-se pelos conceitos e temas. Foi difundida principalmente nos Estados
Unidos, Grã-Bretanha, Holanda e Escandinávia. o segundo grupo, segundo a
autora, é integrado por filósofos próximos às disciplinas humanísticas, que
dispensam linguagens formalizadas mas interessam-se por cortes históricos usando-
se de autores, textos e fases da história, concentrou-se predominantemente na
Europa. D’ Agostini (2002, p. 280-281) apresenta como decisivo na filosofia analítica
o papel da linguagem e sua relação com o pensamento. Este horizonte emerge
principalmente da virada lingüística, que, segundo a autora, encontra em Heidegger
o autor mais radical:
Neste horizonte histórico-existencial, que segundo Heidegger é o terreno
apropriado da ontologia, emerge o primado da linguagem, entendida não
como veículo da expressão humana, nem somente como condição de
‘inteligibilidade’ dos fenômenos, mas como sede do manifestar-se do próprio
ser, como ‘apelo’ que o ser dirige ao homem. (D’ AGOSTINI, 2002, p. 185)
O grande sonho dos positivistas lógicos era o de fundar a filosofia em bases
estritamente científicas, afastando-a, assim, da metafísica. Para os fins a que
aspiravam, propunham-se a construir uma linguagem universal da ciência, uma
linguagem que fosse logicamente perfeita. Um dos principais papéis dessa
linguagem universal era o de evitar as ambigüidades da linguagem comum, e
também os pseudo enunciados da metafísica. Como resultado do intenso trabalho
desses filósofos, nos fins dos anos 30, organizado por Carnap e Neurath, havia o
projeto da International Encyclopedia of Unified Sciences, que visava, sobretudo, a
integração dos métodos e dos conteúdos das ciências particulares.
O obsessivo trabalho lógico garantia aos neopositivistas a certeza de operar
8
Tão nítida se faz esta separação que em 2002, surge uma publicação de Franca D’ Agostini
explorando o tema, sob o título ‘Analíticos e continentais’ (D’AGOSTINI, 2002).
14
sobre um campo estável e bem delineável, com a conseqüência de enfocar o
esclarecimento lógico da ciência, mais do que de promover visões mais amplas de
mundo, como nos afirma Borradori: “O uso de técnicas rigorosas de exposição e
argumentação, de uma escrita estilisticamente asséptica e o mais objetiva possível,
pôs fim à era pública da filosofia americana,...” (BORRADORI, 2003, p. 21). Esta
nova era contrapunha-se ou ao menos privava o intercâmbio, inclusive, à filosofia de
Dewey, ao seu pragmatismo, que foi de grande significância no início do século XX.
A filosofia afastou-se continuamente da reflexão humanística ao mesmo tempo em
que se despertou o interesse filosófico por novas disciplinas. Borradori caracteriza
esta mudança como a herança de dois fenômenos especulares:
primeiro, um irreversível processo de profissionalização científica da
filosofia, que se tornou esquiva ao debate público e, mais geralmente, às
emergências da história intelectual; segundo, uma progressiva alfabetização
filosófica das humanities, que levou ao florescimento de novas disciplinas de
alta densidade teórica, tornando porém mais literárias as temáticas
filosóficas por elas tratadas. (BORRADORI, 2003, p. 22)
Reduziu-se, também, o diálogo com o pensamento europeu, de orientação
não analítica, que sobreviveu, principalmente graças à persistência de estudiosos de
formação literária.
Para Reichenbach, a filosofia era pura epistemologia: buscava-se os
princípios do conhecimento científico por meio da análise lógica; para Carnap, o
significado da filosofia se reduzia à pura análise lógica do discurso científico.
Borradori assim resume: “Instrumento conceitual tanto objetivo quanto meta-
histórico, o plano de reflexão analítico arrancou a filosofia da consumação do tempo.
Protegeu-a da degradação que fatalmente provoca o espetáculo da aurora e do
crepúsculo das visões do mundo” (BORRADORI, 2003, p. 25).
Foi preciso uma nova corrente que atuasse como um detonador, para mudar
o quadro da filosofia analítica. É o caso de Rorty e Kuhn, por exemplo. A
apropriação filosófica por parte das humanities, vai recaracterizar a filosofia
americana num quadro de gênero literário: quebra-se, aos poucos, novamente, a
resistência em se colocar a filosofia numa perspectiva história. É o início do
movimento pós-analítico, como o caracteriza Borradori: “É de fato a Quine que se
deve a iniciativa da primeira grande etapa do pensamento pós-analítico: uma
releitura do positivismo lógico à base de instâncias americanas de matriz
pragmatista e behaviorista” (BORRADORI, 2003, p. 27). Embora Quine assuma
15
características behavioristas (RORTY, 1988), é na atitude pragmática que sua
filosofia ganha corpo. Nos estudos da linguagem, por exemplo, a hipótese de Vidal é
a de que
a análise do aprendizado da linguagem é o que evidencia que Quine é
plenamente consciente dos limites do esquema behaviorista para dar conta
do estudo da linguagem e que revela sua postura pragmática de apelar para
a observação do falante, para o diálogo intersubjetivo e para a noção de
empatia como um dos recursos mais eficazes para sustentar os estudos da
linguagem. (VIDAL, 2003, p. 226-227)
A filosofia esteve isolada pelos muros da análise. Foi Quine quem ousou
interrogar seu isolamento. Inicialmente, presenciava o cenário filosófico de formação
humanística de Dewey. Não esperava, certamente, que aquela série de eventos
imprevisíveis, que presenciara na Viena de 1932, fossem mudar o curso da história
das idéias. E fora esse o início da filosofia analítica na América. Embora a pesquisa
lógica o fascinasse, Quine mostrou seu interesse pelo pragmatismo que explorava a
contraprova experimental.
Sua dedicação em analisar o papel da lógica na fundação da matemática,
cede lugar a uma crítica devastadora, um grande ataque ao positivismo lógico. O
conteúdo desse ataque fica registrado em um de seus ensaios mais conhecidos e
muito discutido, intitulado “Os dois dogmas do empirismo”, de 1951. Neste texto,
Quine refuta a nítida distinção entre juízo analítico e juízo sintético (distinção
herdada pelos positivistas lógicos dos empiristas modernos, entre outros). Este é um
dos argumentos centrais dos positivistas lógicos sobre o qual se concentra o
primado epistemológico da análise lógica.
Por mais importante que seja esta derrota da analiticidade, é a conclusão do
ensaio que vai dar as diretrizes sobre as quais irá emergir um novo enfoque da
filosofia de Willard Quine. É o argumento chave de um empirismo sem dogmas,
firmado na orientação pragmática, o qual vai propiciar a construção de um sistema
filosófico que vai abrir campos de exploração filosófica. Isso fica claro nas principais
teses do autor, que permanecem atuais e produtivas.
1.4 Dois dogmas do empirismo: o ponto de partida à crítica a Carnap
O artigo Dois dogmas do empirismo representa significativamente a entrada
de Quine nas discussões filosóficas. É o artigo que lhe garante inicialmente o mérito
de ser lido e debatido nos grandes centros filosóficos, e que difundiu seu
16
pensamento.
O texto surgiu após Quine ter servido voluntariamente na Marinha, período de
três anos em que ficou sem ler uma única linha de filosofia. O texto surge já em
1951, mas é novamente publicado como capítulo de livro em 1953 em “From a
logical point of view”. As discussões com Nelson Goodman são importantes para o
nascimento do texto.
“Os dois dogmas do empirismo” é um grande ataque ao positivismo lógico,
como dissemos. Consiste em refutar a distinção nítida entre verdades sintéticas e
verdades analíticas. A distinção é o argumento crucial do discurso vienense sobre o
qual se concentra o primado epistemológico da análise lógica.
Os enunciados analíticos, para o positivismo lógico, eram os únicos
enunciados necessários e verdadeiros apenas em função do significado. O que lhes
garantia tal condição seria o fato de serem privados de conteúdo empírico. Os
enunciados sintéticos, por sua vez, além de dependerem de fatores lingüísticos, para
caracterizarem a verdade, estão em relação com a realidade externa a que se
referem. Quine vai minar esta distinção e todas as conseqüências que daí
provinham.
O que Quine faz é questionar o conceito de verdade analítica, que o
empirismo lógico identifica como a priori. A verdade analítica se basearia em
propriedades sintático-semânticas da linguagem e não diria nada sobre a realidade.
Quine inicia seu texto afirmando a existência de dois dogmas que
condicionaram grande parte do empirismo moderno. O primeiro dogma é a divisão
fundamental entre verdades analíticas, cujos significados não dependem dos fatos, e
verdades sintéticas, que dependem dos fatos para serem enunciadas. O segundo
dogma é o do reducionismo, ou seja, “a crença de que todo enunciado significativo é
equivalente a algum constructo lógico sobre termos que se referem à experiência
imediata.” (QUINE, 1980a [1953], p. 231). Para Quine, estas duas convicções dos
empiristas não possuem fundamento e devem ser abandonadas. De fato trata-se de
dois conceitos que são de grande influência sobre o campo filosófico e a clareza de
se bem concebê-las importa em muito para o desenvolvimento subseqüente. E é por
isso que Quine advoga, em seu artigo, o abandono dos dois dogmas. Tal atitude
teria como efeito uma aproximação entre dois amplos campos de investigação, tidos
pela tradição como incomunicáveis, a saber, a metafísica especulativa e a ciência
natural. Uma segunda conseqüência seria a reorientação rumo ao pragmatismo.
17
Hoje sabe-se pela observação da prática filosófica, que a crítica de Quine aos dois
dogmas do empirismo teve grande repercussão na filosofia como se nota claramente
nos filósofos que tratam desses temas. Seus ensinamentos ainda não cessaram de
produzir frutos. Mas o que se pode ressaltar neste texto de Quine é que, além de
uma severa crítica ao empirismo, também, e ao mesmo tempo, uma real defesa
deste mesmo empirismo, agora sem dogmas, de acordo com novos moldes que
Quine lhe confere.
1.5 A crítica à analiticidade
Quine identifica Kant como o responsável pela divisão entre verdades
analíticas e verdades sintéticas, embora ela quase já transparecesse em Hume e
Leibniz. O grande problema está nos enunciados analíticos que, caso fossem
negados, se estaria caindo em autocontradição. Para Quine a própria noção de
autocontradição é dúbia e necessita elucidação tal qual a analiticidade.
De acordo com Quine, a formulação de Kant de que o enunciado analítico
atribui ao sujeito somente o que está conceitualmente nele contido tem a
deficiência de limitar-se a enunciados sujeito-predicado e usa da noção metafórica
de estar contido. Tal noção permite ser reformulada levando-se em conta o uso que
Kant faz da noção analiticidade: “um enunciado é analítico quando verdadeiro em
virtude de significados e independente de fatos” (QUINE, 1980a [1953], p. 231).
Levando em conta esta concepção de enunciado analítico, Quine parte para o
exame do conceito de significado que ela pressupõe. Ele mesmo defendera em seu
artigo Sobre o que há’ (1948) a importância de se distinguir o significar do nomear,
mostrando ‘o abismo’ que há entre estas duas ordens epistemológicas.
Os termos singulares concretos e abstratos pretendem nomear uma entidade.
Os termos gerais, no entanto, pretendem ser verdadeiros de uma ou muitas
entidades. A esta classe de entidades das quais o termo geral é verdadeiro chama-
se extensão do termo. Neste ponto está o paralelo entre o significar e o nomear dos
termos singulares. Com os termos gerais deve-se preocupar novamente com o
significado e agora, ao invés do nome, com a extensão deste termo. Quine ressalta
que a tradição filosófica já se encarregou de opor intensão a extensão, o que o
termo conota ou denota. Um exemplo elucida bem a possibilidade de termos gerais
terem a mesma extensão e diferirem em significados; basta analisar ‘criaturas com
coração’ e ‘criaturas com rins’. Da mesma forma o exemplo de Frege ilustrava o fato
18
de termos singulares poderem nomear a mesma coisa e diferirem em significado;
era o caso de ‘Estrela Vespertina’ e ‘Estrela Matutina’.
Quine afirma que a noção aristotélica de essência é a precursora da noção de
significado (intensão). “As coisas, para Aristóteles, tinham essências, mas apenas as
formas lingüísticas possuem significados. O significado é aquilo no que a essência
se transforma quando, divorciada do objeto é vinculada a palavra” (QUINE, 1980a
[1953], p. 232). Quine, no entanto, não aceita o pressuposto básico de Aristóteles de
buscar o ‘essencial’ e o ‘acidental’.
E uma questão com a qual Quine muito se importa, e que é de interesse da
teoria do significado, é a de esclarecer que tipo de coisas são os significados. Quine
deixa claro, em sua afirmação, que não existem entidades significadas, como
pressupõe a filosofia tradicional:
Uma vez que a teoria do significado esteja nitidamente separada da teoria
da referência, necessita-se apenas de um pequeno passo para reconhecer
como primeiro objeto da teoria do significado simplesmente a sinonímia das
formas lingüísticas e a analiticidade dos enunciados; os próprios
significados, como obscuras entidades intermediárias, podem bem ser
abandonadas. (QUINE, 1980a [1953], p. 232)
Fatalmente a teoria do significado se defronta com o problema da
analiticidade. Os enunciados analíticos, ‘por aclamação filosófica geral’, são
distribuídos em duas classes: os que o logicamente verdadeiros e os que podem
ser transformados em verdade lógica por meio da substituição de sinônimos. Quine
examina estas duas classes de enunciados elucidando-os com exemplos. Assim, um
enunciado típico da classe de enunciados logicamente verdadeiros seria: ‘nenhum
homem que não casou é casado.’ Da forma como o enunciado se apresenta, ele é
verdadeiro e mesmo que ‘homem’ e ‘casado’ sejam reinterpretados, ele
permanecerá verdadeiro. Surge a definição: “Em geral, uma verdade lógica é um
enunciado que é verdadeiro e permanece verdadeiro sob todas as reinterpretações
de seus outros componentes que não as partículas lógicas” (QUINE, 1980a [1953],
p. 233). Um enunciado típico para exemplificar a segunda classe de enunciados, os
que podem ser convertidos em verdade lógica pela substituição de sinônimos é:
‘Nenhum solteiro é casado’. Substituindo-se ‘solteiro’ pelo sinônimo ‘homem que não
casou’, têm-se, de igual forma, a verdade lógica.
O que está em jogo nesta caracterização é a verdade analítica. O conceito de
verdade lógica é aceito por Quine que inclusive pretende ter uma definição rigorosa
19
dele. Mas o conceito de verdade analítica, que inclui, além das verdades lógicas, as
verdades obtidas mediante substituição de sinônimos ainda é problemático,
carecendo de confiabilidade, uma vez que o empirismo lógico atribuiu a esta classe
mais ampla de verdades a característica de serem ‘a priori’.
É a partir desta dificuldade que Quine vai em busca de uma ‘caracterização
apropriada’ da analiticidade, visto que o segundo exemplo não o convence. Não se
tem, para esta segunda classe de enunciados analíticos, uma caracterização
apropriada, pois basear-se na noção de sinonímia, que também precisa ser
elucidada, nada acrescenta.
Carnap em suas descrições de estado tentou uma explicação da
analiticidade. No entanto, o critério de Carnap não passa de uma reconstrução da
verdade gica e não atinge seu objetivo, que é a analiticidade. As descrições de
estado atribuíram valores de verdade a todos os ‘não compostos da linguagem’
(enunciados atômicos). Os demais enunciados seriam construídos por meio de
expedientes lógicos familiares. Para cada enunciado seria fixado um valor de
verdade por meio de leis lógicas para contemplar uma descrição de estado. Se o
enunciado resultasse verdadeiro para qualquer descrição de estado, então ele é
analítico.
Com esta linguagem-modelo, o propósito de Carnap era o de classificar a
probabilidade e a indução, ao passo que Quine está preocupado com a classe de
enunciados analíticos que dependem da noção de sinonímia. Como os autores
buscassem diferentes propósitos, Quine abre mão dos esforços de Carnap e parte
para possíveis formas de resolver seu problema.
1.6 Uma tentativa de resolver a analiticidade através da definição
A definição é tida como uma possível resposta à dificuldade de reduzir a
segunda classe de enunciados aos da primeira; definir ‘solteiro’ como ‘homem que
não casou’, por exemplo. A questão que o autor levanta, então, é a de como se
chegou à conclusão de que tal coisa se define de tal maneira. Supondo que seja o
lexicógrafo quem define uma palavra, e que para fazê-lo apóia-se na crença de que
entre as duas formas haja uma relação de sinonímia, Quine conclui: “Certamente, a
‘definição’, que consiste no relato do lexicógrafo de uma sinonímia observada, não
pode ser tomada como fundamento da sinonímia” (QUINE, 1980a [1953], p. 234).
De fato a definição pode ser apresentada também por cientistas que queiram
20
parafrasear um termo obscuro em um vocabulário mais familiar; mas essa definição
não seria mais do que lexicografia, que afirmaria uma relação de sinonímia anterior a
essa exposição.
A sinonímia, embora sua definição não esteja clara, é uma interconexão entre
formas lingüísticas que se baseia no uso. As definições, que relatam exemplos de
sinonímia são, portanto, informes sobre o uso.
Mas também uma outra forma de definição, à qual Carnap chamou de
explicação. Na explicação, ao invés de meramente parafrasear, procura-se
aperfeiçoar a forma lingüística que está sendo explicada de maneira a refinar seu
significado. No entanto, mesmo a explicação seria dependente de outras sinonímias
pré-existentes.
A única definição que não se baseia em sinonímias anteriores é a definição
que cria a sinonímia: introduz-se, convencionalmente, novos termos para fins de
abreviação. Este caso extremo de definição é o único que realmente é transparente.
Resta saber porque uma noção de definição passou a ser tão empregada. A
definição realmente ocorre com muita freqüência nos trabalhos formais,
principalmente nos escritos lógicos e matemáticos.
Quine explora a noção de definição e sua conclusão é que ela depende das
relações de sinonímia anteriores” (QUINE, 1980a [1953], p. 236). A definição, por ser
muito usada nos escritos lógicos e matemáticos, acaba por atrair o interesse do
filósofo. Tanto é que o autor não deixa de atentar para o importante papel desta, a
definição, tanto na economia quanto na utilidade prática destas notações. Os
enunciados podem ser econômicos nas expressões práticas, trabalhando várias
relações de forma facilitada e breve; para isso deve ter notações concisas e distintas
para os muitos conceitos. Em oposição a esses, os enunciados que buscam a
economia em gramática e vocabulário; trabalha com um grupo de conceitos básicos
e sua principal ajuda está em simplificar o discurso teórico sobre a linguagem. Cada
tipo de economia é importante a seu modo e embora incompatíveis, são, na prática,
combinados os dois tipos um como parte do outro. As, agora assim chamadas,
linguagem inclusiva e notação primitiva, relacionam-se por regras de tradução. As
definições são essas regras de tradução e aparecem em sistemas formalizados.
Quine completa: "são mais bem consideradas não como adjuntos a uma linguagem,
mas como correlações entre duas linguagens, sendo uma parte da outra” (QUINE,
1980a [1953], p. 235). As correlações mostram como as notações primitivas realizam
21
os propósitos da linguagem redundante; pode-se ter uma paráfrase em notação
reduzida (preservando uma sinonímia direta); pode-se, pela explicação, aperfeiçoar
o uso; ou ainda pode ser criada uma notação que recebe significado. Embora
consciente da importância da definição nos estudos formalizados, Quine conclui
definitivamente que ela não possui a chave da sinonímia, nem tampouco da
analiticidade.
1.7 Sinonímia cognitiva e a permutabilidade
O passo subseqüente de Quine na busca de um esclarecimento da
analiticidade é o de, abandonando a definição, examinar a própria sinonímia. Neste
ponto Quine recorre aos textos de Lewis, que foi seu mestre em Harvard e se
autodefinia um pragmatista. O próprio autor reconhece a influência de Lewis sobre
sua filosofia, especialmente sobre seu pragmatismo. O texto de Clarence I. Lewis
que Quine menciona, um livro de lógica simbólica, trata da permutabilidade; da
permutabilidade salva veritate. (O texto de Lewis A survey of simbolic logic’, trata da
permutabilidade, mas a expressão salva veritate é de Leibniz). Segundo este autor,
“a sinonímia de duas formas lingüísticas consiste simplesmente na sua
permutabilidade em todos os contextos sem mudança de valor de verdade” (QUINE,
1980a [1953], p. 236).
Quine discorda desta tese. O autor aceita a permutabilidade para palavras
com a mesma extensão, não porém para palavras sinônimas. Permutáveis
quaisquer que sejam as formas e para todos os contextos, inclusive para sinônimos
vagos desde que se equiparem, é muito amplo. Quine não concorda que ‘solteiro’ e
‘homem que não casou’ possam ser assim permutados. Caso se aplique a
permutabilidade salva veritate a palavras isoladas, tem-se contra exemplos para
mostrar a transformação de verdades em falsidades. Mas se ela for concebida como
a pedra de toque da sinonímia, e não sendo aplicável a ocorrências isoladas no
interior de palavras, embora ela possa ter a desvantagem de sofrer com problemas
de formulação por depender de concepções anteriores de ‘palavra’, terá conseguido
progresso por se reduzir o problema da sinonímia relativamente ao problema da
‘palavreidade’.
Embora Quine não esteja certo de que a permutabilidade salva veritate seja
condição suficiente de sinonímia, tenta, por meio dela, esclarecer o conceito de
sinonímia cognitiva, que é o tipo de sinonímia que interessa para a questão. Ficou
22
subentendido na questão de analiticidade que se precisaria, através da substituição
sinônimo por sinônimo, que as verdades analíticas se transformassem numa
verdade lógica. Esse tipo de sinonímia resolveria a questão, mas o fato é que a
questão da sinonímia não está resolvida.
Na tentativa de explicar a sinonímia cognitiva, Quine assume a analiticidade e
exemplifica tomando ‘solteiro’ e ‘homem que não casou’ como sinônimos cognitivos.
‘Todos e apenas os solteiros são homens que não casaram é um enunciado
analítico’. Com este exemplo e com o enunciado ‘Necessariamente todos e apenas
os solteiros são solteiros’. Quine aceita a permutabilidade salva veritate como
condição suficiente da sinonímia cognitiva. Se as expressões são permutáveis,
então: ‘Necessariamente todos e apenas os solteiros são homens que não casaram’.
O grande problema que permanece é que, para se explicar a analiticidade
com a ajuda da sinonímia cognitiva, o conceito de sinonímia cognitiva não pode
pressupor em si a analiticidade.
Quanto à permutabilidade salva veritate, Quine lhe atribui significado
quando relativizada a uma linguagem ampla. A linguagem pode ser extensional:
predicados verdadeiros de um objeto são permutáveis salva veritate. Mas na
linguagem extensional a sinonímia cognitiva não é garantida pela permutabilidade
salva veritate. Neste caso o acordo extensional não garante que o significado
baseia-se em questões de fato. Mas para Quine, na linguagem extensional, não se
consegue chegar mais próximo da sinonímia do que o acordo extensional, embora
esta seja a preocupação que se deve ter.
Decidido está, entretanto, “que a permutabilidade salva veritate, se construída
em relação a uma linguagem extensional, não é uma condição suficiente de
sinonímia cognitiva no sentido necessário para dela derivar a analiticidade” (QUINE,
1980a [1953], p. 238).
Quine conclui que buscar a explicação da sinonímia cognitiva para dela
derivar a analiticidade é uma abordagem inadequada:
Deveríamos, ao invés, tentar de algum modo explicar a analiticidade sem
apelar à sinonímia cognitiva. Posteriormente poderíamos, sem dúvida,
derivar a sinonímia cognitiva da analiticidade de modo suficientemente
satisfatório, se desejado. (QUINE, 1980a [1953], p. 238-239)
Deixando de lado o problema da sinonímia, Quine retoma sua direção rumo
ao problema da analiticidade.
23
1.8 Regras semânticas
a idéia de que uma linguagem artificial com ‘regras semânticas’ explícitas
traz clareza à distinção entre enunciados analíticos e sintéticos que a linguagem
comum não consegue fazer por ser classificada como vaga. Quine percebe que o
é esta situação que resolve a analiticidade:
A noção de analiticidade com a qual nos preocupamos é uma pretendida
relação entre enunciados e linguagens: um enunciado E é dito analítico para
uma linguagem L, e o problema é dar um sentido geral para esta relação,
isto é, para variáveis ‘E’ e ‘L’. A gravidade deste problema não é
sensivelmente menor para as linguagens artificiais do que para as
linguagens naturais. O problema de dar sentido ao idiomatismo ‘E é
analítico para L’, como variáveis ‘E’ e ‘L’, continua recalcitrante, mesmo se
limitarmos o âmbito da variável ‘L’, às linguagens artificiais. (QUINE, 1980a
[1953], p. 239)
A linguagem artificial, como explica Quine, está muito presente no discurso de
Carnap e suas regras semânticas tomam variadas formas. Uma destas formas, por
exemplo, vai determinar alguns enunciados específicos que são analíticos para tal
linguagem. As regras atribuem a analiticidade a determinadas expressões, mas não
se sabe o que elas atribuem. Tal é a dificuldade: não se compreende a palavra
‘analítico’ contido nas regras. Este seria, então, o primeiro passo: esclarecer o termo
geral ‘analítico para’. Mas com as regras, mesmo se somente analisadas em
linguagens artificiais, não se explicaria o termo ‘analítico’.
Um segundo tipo de regra que não contém a palavra ‘analítico’ diz apenas
quais enunciados são verdadeiros. Esta regra supõe todas as verdades da
linguagem, mas estipula certos enunciados, que tomados com outros, devem ser
considerados verdadeiros. Tal regra seria clara, se fosse possível demarcar quais
enunciados seriam analíticos se verdadeiros para a regra semântica. Mas se
apelaria, desta vez, a uma inexplicada palavra ‘analítico’. Para Quine, ainda assim,
não há progresso. No fundo isto ainda criaria um problema, afinal,
Nem todo enunciado verdadeiro que afirma serem verdadeiros os
enunciados de certa classe pode ser considerado regra semântica de
outro modo todas as verdades seriam ‘analíticas’ no sentido de serem
verdadeiras segundo regras semânticas. Aparentemente as regras
semânticas apenas são reconhecíveis pelo fato de aparecerem numa
página sob o título ‘Regras semânticas’; e este título então é, ele mesmo,
sem significado. (QUINE, 1980a [1953], p. 240)
Portanto, ou as regras semânticas são sem significado ou acabam caindo na
mesma necessidade de clarificação que o termo ‘analítico’. Conclui Quine: “Regras
24
semânticas determinando os enunciados analíticos de uma linguagem artificial são
de interesse apenas na medida em que já compreendemos a noção de analiticidade:
não nos ajudam a obter esta compreensão” (QUINE, 1980a [1953], p. 242).
Após analisar estas tentativas de resolver o problema da analiticidade e
concluir o fracasso de todas elas para tal empreendimento, Quine ainda chega a
cogitar uma possível utilidade, a de que as linguagens hipotéticas artificiais simples
poderiam ajudar na clarificação da analiticidade se quaisquer fatores importantes
para a analiticidade participassem do modelo simplificado no período preliminar. Mas
a explicação da analiticidade é mais complexa e apenas um modelo em que a
analiticidade seria uma característica irredutível, provavelmente seria de pouca
utilidade.
Como desfecho da crítica ao primeiro dogma dos empiristas, consciente da
importância dos fatores lingüísticos para a verdade, Quine alerta que a confusão de
que a verdade dos enunciados pode ser decomposta em componente lingüístico e
fatual deve ser evitada. Caso não se proceda assim, será fácil supor a nulidade do
componente fatual de alguns enunciados e caracterizá-los como analíticos, ou seja,
sendo dependentes apenas do componente lingüístico. E, assim, Quine finalmente
conclui: “Mas, por razoável que seja a priori, uma fronteira entre os enunciados
analíticos e sintéticos não foi ainda traçada. Que tal distinção deva ser feita, afinal, é
um dogma dos empiristas, sem qualquer base empírica, um metafísico artigo de fé”
(QUINE, 1980a [1953], p. 242).
1.9 A teoria verificacional e o reducionismo (O segundo dogma)
Quine, em seus artigos, quando trata de questões ontológicas, evita usar o
termo ‘significado’, para que este não seja aceito como uma entidade. Em “Dois
Dogmas do Empirismo” ao tratar da crítica à teoria verificacional do significado, o
termo ‘significado’ como tal também não aparece no subtítulo. Ao que tudo indica,
Quine, ao tratar desta questão epistemológica, não quer favorecer a hipótese de que
‘significado’ venha a ser confundido como uma entidade.
Em seu texto, Quine investiga a teoria verificacional do significado que, desde
longa data já está presente na literatura filosófica. Tratando-se de uma expressão
que se tornou divisa do empirismo, Quine considera pertinente investigar tal termo
como uma possível chave do próprio problema do significado.
A teoria afirma que “o significado de um enunciado é o método de infirmá-lo
25
ou confirmá-lo empiricamente. Um enunciado analítico é aquele caso-limite que é
confirmado em qualquer circunstância” (QUINE, 1980a [1953], p. 242). Pode-se
observar nesta afirmação a proximidade desta questão com a da analiticidade. Caso
se estivesse tratando de expressões com mesmo significado ou da sinonímia,
evitando também o problema dos significados como entidades, então a teoria
verificacional diz que enunciados são sinônimos se e somente se são semelhantes
no que diz respeito ao método de infirmação ou confirmação empírica” (QUINE,
1980a [1953], p. 242).
Conseguindo dessa forma uma explicação da sinonímia cognitiva, ou seja,
dos enunciados, e com esta buscar uma explicação das formas lingüísticas em
geral, vê-se surgir uma luz para a questão da analiticidade. Conseguindo-se derivar
o conceito de sinonímia para outras formas lingüísticas, a analiticidade pode ser
definida em termos de sinonímia e verdade lógica. As únicas formas lingüísticas
necessárias para esta definição da analiticidade seriam os enunciados, visto que
“um enunciado pode ser descrito como analítico simplesmente quando é sinônimo
de um enunciado logicamente verdadeiro” (QUINE, 1980a [1953], p. 243).
Muitos filósofos certamente se dariam por satisfeitos se a analiticidade fosse
salva com a explicação da sinonímia dos enunciados feita de modo tal que
resultasse em proveito da teoria verificacional. Mas aí é que está a questão. Se para
a sinonímia dos enunciados importa a semelhança de método de infirmação ou
confirmação empírica, então Quine pergunta por estes métodos: “Qual é, em outras
palavras, a natureza da relação entre um enunciado e as experiências que
contribuem para sua confirmação ou que a prejudicam?” (QUINE, 1980a [1953], p.
243).
O reducionismo radical é a concepção mais ingênua de tal relação. É o relato
direto, em que “todo enunciado significativo é considerado como traduzível em um
enunciado (verdadeiro ou falso) sobre a experiência imediata” (QUINE, 1980a
[1953], p. 243). Quine anuncia que de certa forma o reducionismo radical antecedeu
a teoria verificacional do significado. Para Locke e Hume a idéia deveria se originar
na experiência sensível, para Tooke, o termo deve ser o nome de um dado sensível
para ser significante. Há uma ambigüidade quanto aos dados sensíveis serem
eventos ou qualidades sensoriais e vagueza quanto aos modos admissíveis de
sua composição. Mas o pior, ao que parece, é sua restrição a impor uma crítica
termo por termo. Deveria-se tomar, no mínimo, os enunciados completos como as
26
unidades significantes. Assim, os enunciados como um todo, seriam traduzíveis na
linguagem dos dados sensíveis. Esta fundamental ‘reorientação na semântica’ deve-
se a Bentham e a Frege, em que o enunciado passou a ser visto como veículo
primário do significado; na teoria verificacional do significado os enunciados também
já são os objetos de verificação.
Quando o reducionismo radical passa a aceitar os enunciados como
entidades de significância, especifica uma linguagem dos dados sensíveis e trata de
traduzir nesta linguagem o discurso significante. Procede-se através desse
engenhoso projeto de traduzir enunciado por enunciado. Um dos autores do
empirismo lógico que deu grandes passos nesse sentido foi Carnap, especialmente
em seu livro de 1928, Der logische Aufbau der welt’ (A construção lógica do mundo).
Carnap não se sentiu satisfeito em afirmar a redução da ciência a termos da
experiência imediata; mas de fato empenhou-se na realização desta redução. Quine
reconhece a engenhosidade e prodigalidade das primeiras etapas do projeto de
Carnap. Carnap adotou uma linguagem que não se baseava apenas em dados
sensíveis, e também explorou os recursos da lógica moderna. O ponto de partida de
Carnap, em que ele se usa de notações da lógica, servindo-se da teoria dos
conjuntos e da própria matemática, abarcando como valores de variáveis, eventos
sensoriais, classes, classes de classes, chama a atenção de Quine, visto sua
formação matemática e seu interesse pela lógica. E Carnap, neste sentido,
conseguiu definir importantes conceitos sensoriais adicionais. No entanto, este seria
apenas o princípio de toda uma construção, como o próprio Carnap faz questão de
deixar claro. A própria construção dos enunciados sobre o mundo físico teria sido
deixada em estado de esboço, embora fosse muito sugestiva. Quine resume a
intenção do autor: “O princípio de ação mínima deveria ser nosso guia na construção
de um mundo a partir da experiência” (QUINE, 1980a [1953], p. 244).
Embora haja toda uma prodigalidade no trabalho de Carnap, Quine percebe
que “seu tratamento dos objetos físicos não chegava a ser uma redução, não
apenas por ter um caráter de esboço, mas em princípio” (QUINE, 1980a [1953], p.
244). Mesmo Carnap teria abandonado posteriormente o reducionismo radical, ou
seja, a tentativa de traduzir enunciados sobre o mundo físico em enunciados sobre a
experiência imediata.
Quine percebeu o problema desta redução porque suas realizações não
acompanhariam o desenvolvimento da ciência. Maximizando ou minimizando as
27
características globais, através da distribuição dos valores verdade aos enunciados,
diz Quine, tais valores deveriam ser progressivamente revistos com o
desenvolvimento da ciência. E isto não acontecia.
Talvez não mais na filosofia de Carnap,
Mas o dogma do reducionismo tem continuado, de modos mais sutis e mais
tênues, a influenciar o pensamento dos empiristas. Persiste a noção de que,
associado a cada enunciado ou a cada enunciado sintético, existe um
domínio único de eventos sensoriais possíveis, tais que a ocorrência de
qualquer um deles contribuiria para a probabilidade da verdade do
enunciado, e de que associado a cada um deles existe também outro
domínio único de possibilidades de eventos sensoriais cuja ocorrência
prejudicaria aquela probabilidade. Esta noção está implícita evidentemente
na teoria verificacional do significado. O dogma do reducionismo sobrevive
na suposição de que cada enunciado, tomado isoladamente de seus
companheiros, pode admitir confirmação ou infirmação de algum modo.
(QUINE, 1980a [1953], p.
244-245)
Influenciado pela doutrina do mundo físico de Carnap e pela teoria de Pierre
Duhem, Quine está convicto de que “nossos enunciados sobre o mundo exterior
enfrentam o tribunal da experiência sensível não individualmente, mas apenas como
corpo organizado” (QUINE, 1980a [1953], p. 245). Essa é a conclusão após a
análise destes dois dogmas, a de que devem ser abandonados. Afinal, os dois
dogmas estariam ainda ligados; um suporta o outro, afirma o autor. Pela teoria
verificacional do significado se fala em confirmar um enunciado (primeiro dogma) e a
partir disso parece ser possível confirmar enunciados a qualquer prova (segundo
dogma).
Afirmando que os dois dogmas repousam sobre as mesmas concepções,
Quine se preocupa em mostrar que os enunciados não podem ser examinados
separadamente em um componente lingüístico e num componente fatual e vai muito
além: “Minha proposta atual diz que é um disparate, e origem de muitos outros
disparates, falar de um componente lingüístico e de um componente fatual da
verdade de qualquer enunciado particular. Tomada globalmente, a ciência tem sua
dupla dependência para com a linguagem e a experiência. Mas esta dualidade não é
significantemente delineável em termos dos enunciados da ciência tomados um por
um” (QUINE, 1980a [1953], p. 245).
Esta proposta de Quine significa que “O todo da ciência é a unidade de
significância empírica” (QUINE, 1980a [1953], p. 245). Esta afirmação deve
ultrapassar os progressos obtidos ao longo do desenvolvimento do campo empirista
que passou do termo por termo para a definição do símbolo no uso; e mais tarde ao
28
invés do termo veio a considerar-se o enunciado.
Quine não abandona o empirismo, porém descarta suposições inconsistentes
que geram seus dogmas. E faz mais do que isso: partilha suas interessantes
convicções para contribuir com a reflexão acerca dos pontos centrais das discussões
filosóficas contemporâneas, como a do holismo epistemológico e a de uma filosofia
pragmática, por exemplo, como se verá no próximo item.
1.10 Empirismo sem dogmas
Uma das mais brilhantes e interessantes passagens de Quine encontra-se no
final de ‘Dois dogmas do empirismo’ em que Quine afirma sua posição de empirista,
advogando um empirismo agora sem dogmas opondo-se ao empirismo radical dos
autores do positivismo lógico. Neste empirismo sem dogmas ganha corpo o holismo,
que nega serem objeto primeiro de justificação epistêmica as crenças individuais,
mas sim, a completa teoria de mundo, ou seja, a rede de crenças como um todo é
que deve ser considerada. Para se conceber o todo da ciência, esta engenhosa
construção humana, não como não dispor da experiência que é uma condição de
contorno. O contorno, constituído pela experiência, que possibilita ou não a
reavaliação de fatores internos a este sistema, que se constitui a ciência mesma.
Quine compara o todo da ciência a um campo de forças em que a experiência
seria o contorno, ou melhor, a ciência seria o contato do contorno com o mundo,
com o entorno. Tudo o que se denomina conhecimento ou crença somente em suas
extremidades toma contato com a experiência; sendo que é a experiência a
responsável por reajustamentos deste conhecimento. Os reajustes, que surgem de
conflitos na periferia, vão redistribuindo os valores de verdade entre alguns
enunciados. Os enunciados, por sua vez, estão interligados por interconexões
lógicas. As próprias leis lógicas são alguns enunciados adicionais deste sistema. A
possibilidade de escolha sobre qual enunciado deve ser reavaliado é bastante ampla
devido à organização em que se dispõe a experiência que contorna o sistema. Além
do mais, não são experiências particulares que dão o curso das coisas, embora haja
situações particulares, e que afetam o todo, mas somente em função do equilíbrio
que produzem no todo.
Este argumento derruba tanto a afirmação de que enunciados tomados
individualmente teriam seu conteúdo empírico quanto a idéia de que alguns
enunciados se baseiam na experiência e outros não e estes seriam válidos para
29
qualquer situação. Para Quine todo e qualquer enunciado pode ser revisado; da
mesma forma também como, escolhendo um enunciado qualquer do sistema,
reajustar o restante do sistema de modo a parecer o enunciado em questão
verdadeiro sem que se tenha nele tocado. Vale a ressalva de que os enunciados
observacionais, como será visto no terceiro capítulo, têm um conteúdo empírico
próprio e que independe do conteúdo do sistema.
A questão que se põe é a de como os enunciados se relacionam com a
experiência; como se a noção de uma periferia sensorial. Certos enunciados
estão próximos à periferia sensorial; são geminados com a experiência sensível; são
os enunciados sobre os objetos físicos, cada qual com sua experiência. Esta relação
favorece na escolha de quais enunciados devem ser revisados no caso de
experiência recalcitrante. Na verdade um leque de escolha sobre quais
reavaliações podem ser realizadas. No entanto, busca-se perturbar o mínimo o
sistema total, reavaliando somente o enunciado que sofreu modificações pela
experiência recalcitrante e os enunciados a ele relacionados.
Enunciados sobre objetos físicos, como ‘existem casas de alvenaria em Elm
Street’ e ‘não existem centauros’, para preservar os exemplos do autor, “possuem
uma mais nítida referência empírica do que os enunciados altamente teóricos da
física, da lógica, ou da ontologia” (QUINE, 1980a [1953], p. 247). Esses últimos, por
seu turno, são enunciados centrais do sistema e possuem pouca conexão com os
dados sensíveis.
Uma das passagens centrais da defesa do empirismo sem dogmas é aquela
em que Quine afirma a existência de um esquema conceitual da ciência que visa
prever as experiências futuras. Neste esquema conceitual só existem supostos
culturais:
Como empirista, continuo a pensar no esquema conceitual da ciência como
uma ferramenta, em última instância, para prever a futura experiência à luz
da experiência passada. Os objetos físicos são introduzidos
conceitualmente na situação como intermediários convenientes não pela
definição em termos de experiência, mas simplesmente como supostos
irredutíveis, comparáveis, epistemologicamente, aos deuses de Homero.
Por minha parte, entretanto, como físico leigo que sou, acredito nos objetos
físicos e não nos deuses de Homero; e considero um erro científico
acreditar diversamente. Mas na questão do embasamento epistemológico,
os objetos físicos e os deuses diferem apenas em grau, não em espécie.
Ambos os tipos de entidade integram nossa concepção apenas como
supostos culturais. O mito dos objetos físicos é epistemologicamente
superior à maior parte dos outros mitos porque provou ser mais eficiente
que os demais como expediente para introduzir uma estrutura manipulável
30
no fluxo da experiência. (QUINE, 1980a [1953], p. 247)
Constituída de supostos culturais, a ciência aproxima-se da experiência
através da postulação de objetos físicos que possibilitam uma estrutura manipulável.
E a postulação de objetos físicos expande-se a todos os níveis, do macroscópico ao
microscópico, e nem sempre se consegue definir todas as entidades de que a
ciência faz uso; nem mesmo os objetos macroscópicos são completamente
definíveis em termos de dados sensíveis. No entanto, esta expansão da ontologia
facilita a teoria. Afirma Quine: “A ciência é uma continuação do senso comum, e ela
continua a utilizar o recurso do senso comum de expandir a ontologia para simplificar
a teoria” (QUINE, 1980a [1953], p. 247).
Quine faz questão de mostrar que não os objetos físicos são supostos,
mas as forças, as entidades abstratas, substância da matemática, entre outras, são
todos mitos com o mesmo embasamento epistemológico; a única diferença entre
todos estes mitos está no grau em que favorecem o manuseio da experiência
sensível.
Constitui-se assim uma das teses do autor, a saber, a tese da
subdeterminação da ciência pela experiência:
A ciência total, matemática e natural e humana, é de modo similar, porém
mais extremo, subdeterminada pela experiência. As extremidades do
sistema devem ser ajustadas à experiência; o restante, com todos os seus
elaborados mitos e ficções, tem como objetivo a simplicidade das leis.
(QUINE, 1980a [1953], p. 247)
Neste sentido, afirma Quine, questões ontológicas e questões da ciência
natural estariam no mesmo pé. Carnap, ao contrário, preservou um critério para
questões ontológicas e outro critério para as hipóteses científicas, devido à sua
concordância com a divisão absoluta entre analítico e sintético. Quine, rejeitando a
distinção analítico/sintético, enfoca a idéia de que para todas as situações, questões
de fato e hipóteses científicas, que são parte da mesma ciência, as questões são
tratadas de acordo com a escolha de um ‘esquema conceitual conveniente’. A
orientação que deve guiar a escolha deste esquema conceitual e o seu
desenvolvimento “baseia-se em nossa inclinação vagamente pragmática para ajustar
uma fibra do tecido da ciência ao invés de outra, ao acomodar alguma particular
experiência recalcitrante. Em tais decisões, têm seu papel o conservadorismo e
igualmente a busca da simplicidade” (QUINE, 1980a [1953], p. 248).
A opção pragmática, para Quine, deve ser ampla, ultrapassando, inclusive, a
31
imaginada fronteira entre o analítico e o sintético. Critica-se, entre outros, Carnap e
Lewis, filósofos que influenciaram Quine, mas que com seu pragmatismo não
conseguiram superar a última questão, embora tenham feito escolhas pragmáticas
ao optar por determinadas formas lingüísticas e por certas estruturas científicas. Mas
isto não basta; Quine é mais radical:
Repudiando tal fronteira, esposo um pragmatismo mais completo. A cada
homem é dada uma herança científica mais um contínuo fogo de barragem
de estimulação sensorial; e as considerações que o guiam na urdidura de
sua herança científica para ajustar suas contínuas incitações sensoriais são,
quando racionais, pragmáticas. (QUINE, 1980a [1953], p. 248)
1.11 A repercussão da crítica ao empirismo dogmático
O objetivo de Quine em ‘From a logical point of view’
9
é abordar dois temas
principais: o problema da significação ou sentido; e a noção de compromisso
ontológico. O autor afirma que essa temática deve ser estudada com a ajuda
‘crescente de procedimentos técnicos da lógica’.
O percurso biográfico e intelectual de Quine, bem como o tema explorado no
artigo ‘Dois dogmas do empirismo’, cujos frutos ainda se colhem, principalmente pela
desconstrução dos pilares do positivismo lógico, têm como consequência, a
retomada do pragmatismo, que tem hoje grande repercussão.
Para D’ Agostini, por causa da crítica aos dois dogmas do empirismo, Quine é
o responsável por mudar o sentido do conceito de análise:
a análise não é mais o atingir de alguma verdade ‘última’, por consistir na
descrição de uma experiência observável ou por coincidir com certas
verdades intuitivas oferecidas pelo senso comum; não é também a simples
decomposição em átomos lingüísticos, aos quais se atribui os valores
‘verdadeiro’ ou ‘falso’, mas é um trabalho de tradução, e como tal tem limites
precisos em termos de universalidade e objetividade. (DAGOSTINI, 2002,
p. 325)
Além disso, D’Agostini afirma que a tese do holismo se tornou central depois
de Quine em toda reflexão epistemológica no campo da filosofia analítica. A tese do
holismo, segundo a autora, deriva da convicção de que a experiência não exerce
mais aquele papel decisivo que possuía na ótica neopositivista (D’ AGOSTINI, 2002,
p. 607).
9
Em 1980 [1953] já é publicada a segunda edição traduzida para o português na coleção ‘Os
pensadores’ da Editora Abril Cultural. No entanto, apenas três artigos desta obra são traduzidos:
‘Sobre o que há’; ‘Dois dogmas do empirismo’ e ‘Identidade, ostensão e hipóstase’. uma tradução
da obra completa em espanhol, ‘Desde un punto de vista lógico’, publicado em 1962.
32
No próximo capítulo analisar-se-á questões relacionadas à significação, que
ocupam lugar central na filosofia do autor, aparecendo no desenvolver de suas
principais teses. São questões ontológicas e epistemológicas (problema da
linguagem) que ocupam toda a trajetória de vida do autor. São questões complexas,
das quais Quine, ao longo de sua produção filosófica, resolve pontos centrais.
33
2 AS TESES CENTRAIS DO SISTEMA FILOSÓFICO QUINIANO
2.1 O ataque às noções intensionais e a configuração da tese da
extensionalidade
Um dos méritos de Quine se pelo efetivo ataque às noções intensionais.
Talvez a crítica à analiticidade tenha sido a mais importante e a mais difundida, mas
sua trajetória não parou aí. A noção de intensão sempre foi repudiada por Quine,
visto que tais noções supõem objetos que nem sequer possuem critério aceitável de
identidade. Nestes empreendimentos surgem algumas teses centrais de sua filosofia
bem como alguns lemas que serão desenvolvidos neste capítulo. Um aspecto
curioso que se pode observar no percurso deste sistema filosófico que Quine vai
construindo
10
, é que as teses negativas, as desconstruções, os ataques, vêm
sempre seguidos de propostas alternativas de cunho positivo. Importante ainda é
que esta alternativa às noções intensionais não vai infirmar nenhum novo paradoxo,
o que seria problemático, tendo em vista o objetivo do autor em criticar certas
concepções ‘paradoxais’ arraigadas na cultura.
As contribuições de Quine ainda não foram totalmente exploradas e também
não se tem a pretensão de fazê-lo neste texto. No entanto, acredita-se que as
críticas do autor desmontam uma série de suposições que são entraves para o
desenvolvimento do pensamento filosófico, especificamente este para o qual se
direciona o autor, a saber, o naturalista-pragmático, para o qual se mostra muito
fértil.
A explicação da linguagem é naturalista-behaviorista, donde resultam as
teses da indeterminação da tradução, inescrutabilidade da referência e relatividade
ontológica. Essas teses fortificam a tese da extensionalidade, como se pode
observar na análise de Sofia Stein:
A defesa da tese da extensionalidade passa, na obra de Quine, pela crítica
aos termos que tratam, na semântica, das intensões de enunciados e
expressões, como ‘significado’, ‘sinonímia’ e ‘analítico’. Essa crítica está
baseada na afirmação de que as suas definições, apresentadas por
diversos autores na história da filosofia, não apresentam um critério de
identidade satisfatório para as intensões. (STEIN, 2002, p. 308)
10
Vidal defende explicitamente que Quine constrói um sistema filosófico e que, dentro deste, suas
teses epistemológicas adquirem sentido.
34
Ao passo que os termos extensionais não carecem de critério de identidade:
É possível alcançar um critério comportamental (behaviorista), a partir da
observação do uso de expressões lingüísticas, que permita a utilização
‘objetiva’ (intersubjetiva) desses termos semânticos, ou seja, que permita
aos filósofos da linguagem ou aos lingüistas entrarem em um acordo sobre
se duas expressões, em um determinado sistema lingüístico, têm, por
exemplo, a mesma extensão, e podem ser permutadas sem que o valor de
verdade da sentença resultante seja alterado. (STEIN, 2002, p. 308)
Stein argumenta que uma relação direta entre a questão da analiticidade e
a do significado. A noção de analiticidade é insatisfatória por não se poder definir o
que é uma ‘igualdade de significado’, e a noção de significado para uma palavra ou
frase é muito vaga, não se conseguindo uma definição. Assim, para Quine, não
como identificar e isolar o significado de palavras ou frases uma vez que elas
adquirem significado em conjunto. Stein esclarece que por meio da análise da noção
imperfeita de ‘significado’, Quine constata que existe a possibilidade de se falar
do significado de ‘totalidades lingüísticas’. A análise filosófica do significado o leva
ao fato lingüístico: o holismo.
A teoria do aprendizado lingüístico desenvolvida por Quine é central na
filosofia do autor. Ao criticar as noções intensionais, afirmando que estas são
dispensáveis, ou seja, de que se pode falar significativamente sem falar em
‘intensões’ ou ‘significados’, Quine propõe uma linguagem significativa em que só
tem valor o ‘significado extensional’. Stein diria que para se falar na filosofia de
Quine em significado, deve-se compreendê-lo como ‘significado extensional’, ou
seja, como a extensão das sentenças, o conjunto de fatos aos quais as sentenças
podem ser aplicadas, e que é determinado empiricamente pela observação do uso
de sentenças em determinadas situações.
Portanto, a preocupação quiniana com questões ontológicas e
epistemológicas, nos termos que se apresentam acima, remete à uma teoria da
extensionalidade. O autor passou a maior parte de sua vida investigando tais
questões e rica é sua produção; de tal forma que se faz necessário olhar mais de
perto sobre esta contribuição ímpar para o cenário filosófico.
Nota-se que as teses de Quine vão se encaixando e tomam corpo,
constituindo-se na filosofia que o autor pretende construir, uma filosofia desprendida
de dogmas arraigados na tradição filosófica, que pode fazer bom uso das questões
lingüísticas (linguagem) e de suas significações; uma linguagem aprendida com
35
outros falantes, aprimorada com as capacidades subjetivas e aplicada
pragmaticamente no meio social de onde proveio.
Os enunciados da linguagem não têm informações próprias, por isso as
mesmas coisas podem ser ditas, em teorias, em traduções ou na simples
comunicação, de formas variadas. Não se pode determinar ou se precisar qual seja
a mais correta, assim como não se pode reduzir toda a ciência a termos lógicos e
matemáticos, como se verá no próximo capítulo.
Quine defende uma estruturação da linguagem, baseada na noção de
sentença observacional, provinda da análise do próprio aprendizado lingüístico e do
contexto da tradução radical, e relaciona, devido a essa compreensão da linguagem,
a filosofia com as demais ciências naturais que deverão juntas buscar compreender
o conhecimento humano e descrever esse processo de aquisição que ultrapassa os
dados oferecidos pelos fatos, pelo mundo. Mas isso será objeto para um terceiro
capítulo.
2.2 Ontologia relativa: a indeterminação da tradução e a inescrutabilidade da
referência
A respeito de questões ontológicas, Quine apresenta um ataque à noção de
semelhança de significado apresentado em duas de suas muito discutidas teses, a
saber, a da indeterminação das traduções de teorias - e a da inescrutabilidade da
referência. Analisadas no interior do sistema filosófico do autor, essas teses são
base para se chegar à uma Epistemologia Naturalizada, que parece caracterizar o
grande mérito de Quine. Uma das melhores elaborações destas teses encontram-se
no artigo A Relatividade Ontológica (1980d [1969]). no início do texto percebe-se
uma breve contextualização do autor e sua ligação ao tema a ser desenvolvido; ele
explicita à qual vertente filosófica se liga:
Filosoficamente estou ligado a Dewey pelo naturalismo que dominou suas
três últimas décadas. Com Dewey, eu sustento que conhecimento, mente e
significado são parte do mesmo mundo com que eles têm a ver e que eles
têm de ser estudados com o mesmo espírito empírico que anima a ciência
natural. Não há lugar algum para uma filosofia a priori.
(QUINE, 1980d
[1969], p. 133)
É interessante observar a proximidade de Quine com Dewey e sua satisfação
em dizê-lo; no tema deste item, é possível notar que são filósofos muito próximos.
36
No fundo, Quine foi um filósofo que soube explorar bem Dewey e retomou seu
naturalismo e, consequentemente, seu pragmatismo, expandindo-o a seu modo.
Quine não hesita em afirmar seu naturalismo. A linguagem deve ser
necessariamente concebida como uma arte social adquirida através do
comportamento aberto das pessoas. Não pode haver, neste sentido, uma linguagem
privada. O aprendizado lingüístico se baseia no mecanismo de estímulo resposta.
É um modo social de aprendizado. A linguagem concebida como arte social
11
garante a intersubjetividade. O significado é uma disposição para responder
abertamente às estimulações socialmente observáveis. Para Quine, a experiência
imediata não é um dado coerente pertencente a um domínio autônomo. As coisas
são meios para ultrapassar os dados dos sentidos em si mesmos. Assim, não são
mais as sensações passadas, mas a conceitualização ou a verbalização passadas
que se constituem na memória da estimulação sensorial. E para conceitualizar
depende-se da linguagem, especialmente da linguagem ordinária de coisas físicas e
por ela se vai adiante. Quine não concebe a linguagem como ‘sacrossanta’, o que
é a linguagem tentando entender as coisas. A conceitualização é um processo; a
introdução de todos os objetos ocorre “a meio caminho da evolução cultural da raça”
(QUINE, 1960, p. 5). Observe-se que ainda nesta obra Quine afirma: “termos de
objetos simples pertencem a um estágio mais básico de nossa aquisição da
linguagem do que os termos abstratos” (QUINE, 1960, p. 234).
O uso da linguagem é inculcada por treino social. O treino social se em
resposta a estímulos que a sociedade não pode detectar. Há interanimação de
sentenças tal que a “linguagem transcende os limites de relatos essencialmente
fenomênicos.” (QUINE, 1960, p. 10). As sentenças estão associadas entre si de
modos variados, por conexões lógicas e causais, e assim compõem uma teoria. “A
teoria como um todo (...) é uma fábrica de sentenças associadas de modos diversos
entre si e com estímulos não verbais pelo mecanismo de resposta condicionada”
(QUINE, 1960, p. 11). Esta associação de sentenças culmina no holismo, ou seja,
constitui-se uma vasta estrutura verbal conectada de várias formas a estimulação
não verbal, que forma um todo: tanto as verdades lógicas quanto as do senso
comum estão interligadas, são tópicos conectados.
12
11
Cf. Word and Object, 1960, p. ix. “Linguagem é uma arte social”. Esta é a primeira frase, carregada
de sentido, enunciada por Quine naquele livro tão inovador.
12
Cf. Vidal, 1989, p. 49 e ss.
37
Em ‘A relatividade ontológica’, Quine vai afirmar que os significados são
significados da linguagem e são os fatos sobre os significados que devem ser
interpretados em termos de comportamento e não as entidades significadas. Dito de
outra forma, a ontologia, para Quine, não diz o que há, mas refere-se ao que o
discurso afirma existir.
Esta concepção naturalista do significado renuncia à representação,
pretensão da velha semântica mentalista. A linguagem não tem seus significados
determinados nem pela mente pensante, nem pela relação de referência a um objeto
no mundo externo. O significado não é uma entidade mental, mas é uma
propriedade do comportamento, como se faz claro nas palavras do autor: ... não há
significado algum, nem semelhança nem distinção de significado, além dos que
estão implícitos nas disposições das pessoas ao comportamento aberto” (QUINE,
1980d [1969], p. 134).
É com esta posição em relação ao ‘significado’ que Quine enuncia uma das
mais recorrentes teses do movimento ‘pós-analítico’, a saber, a da indeterminação
das traduções, provinda da reconstrução de um horizonte ontológico em que faz
uma releitura do positivismo lógico. Sua tese afirma não haver uma garantia na
tradução radical ou, posto de outra forma, o significado não pode ser determinado
pela pura observação do comportamento dos locutores.
Quine parte de situações hipotéticas para tentar explicar sua afirmação de
que também não um significado determinado para cada palavra ou sentença.
Primeiramente imagine-se que se poderia traduzir de dois modos distintos uma
expressão de uma linguagem remota apenas fazendo ajustamentos compensatórios
de algumas palavras. As duas traduções poderiam se acomodar bem ao
comportamento observável de ambos os locutores.
A crítica de Quine, no contexto da tradução, é a de que se podem produzir
vários manuais de tradução distintos e incompatíveis entre si, mas ao mesmo tempo
oferecendo equivalências no âmbito empírico. Há uma relativa facilidade em se
construir tais manuais distintos. Basta que dois lingüistas, sem que tenham contato
entre si, se interessem em traduzir algo ou alguma expressão de uma língua de
algum povo desconhecido. Embora devam ficar atentos ao máximo ao
comportamento dos falantes, como bem nos lembra Vidal (1989, p. 56-58), deverão
extrapolar os dados de observação (visto que o significado lingüístico não é revelado
unicamente pela observação do comportamento dos falantes) construindo hipóteses
38
analíticas na tentativa de estabelecer paralelos entre a língua estudada e sua própria
a fim de chegar à comunicação. No caso deste último passo ser atingido com
sucesso, o manual também pode ser considerado satisfatório. A ressalva de Quine é
a de os dois lingüistas podem atingir os mesmos resultados a comunicação com o
povo em questão, por exemplo construindo manuais distintos. E não como
estabelecer um critério para saber qual o manual mais correto, visto que não fato
objetivo que justifique a escolha por um ao invés do outro.
E para o filósofo pragmatista são justamente estas situações úteis que se
deve buscar. Escolhas sistemáticas que são feitas pelo tradutor são bem aceitas
desde que estejam em conformidade com as disposições ao comportamento dos
interessados. É preciso abandonar a tentativa inútil de se descobrir a tradução,
aquela marcada por significados de palavras determinados na mente, que pode
ser feita, para quem quer que traduza, de maneira única e fixa. O significado não
pode ser determinado pela observação, conclui Quine, por não ser uma entidade. E
por não repousar numa base empírica, a significatividade de uma expressão
depende da totalidade da rede teórica a que pertence.
em 1960, em ‘Palavra e Objeto’, Quine afirma: “manuais de tradução de
uma língua para outra podem ser montados de maneiras diferentes, todos eles
compatíveis com a totalidade das disposições de fala, entretanto incompatíveis entre
si” (QUINE, 1960, p. 27). Sentenças mais diretamente relacionadas a estímulos não
verbais diferem menos. Esta é a tese da indeterminação da tradução amplamente
discutida naquela obra. O processo de aquisição da linguagem varia. São os
estímulos passados, presentes e diversos episódios que treinam o falante para o uso
de palavras. No entanto, “O complexo de disposições verbais para o comportamento
verbal, para falantes da mesma linguagem, tem que forçosamente vir a assemelhar-
se um com o outro” (QUINE, 1960, p. 27).
Nas elocuções sobre eventos presentes comuns a um lingüista e a um nativo,
observa-se que: “O significado por estímulo de uma sentença para um tema é a
soma de suas disposições para concordar ou discordar da sentença em resposta a
um estímulo presente” (QUINE, 1960, p. 34). indeterminação da tradução porque
resta muito pouco de objetivo a ser considerado: “O que se tem objetivamente é
um ajustamento de disposições progressivo que são acionados por estímulos para
assumir ou discordar de sentenças” (QUINE, 1960, p. 38-39). A semelhança de
estímulo verbal é insuficiente para relacionar a sentença do nativo com sua
39
tradução. Mas o estímulo verbal (stimulus meaning) é o que o lingüista tem como
realidade objetiva para lidar quando ele faz tradução radical. O lingüista possui a
reação do nativo diante de um estímulo verbal. O lingüista desconsidera as
discrepâncias e fica com as coincidências. Faz revisões depois e seu pressuposto
forte é o de que o nativo tem uma expressão singular para ‘coelho’, por exemplo. “...
o propósito não é a tradução de palavras ou construções mas tradução de um
discurso coerente; palavras isoladas e construções são representados como meios
para aquele fim” (QUINE, 1960, p. 70). Afirmando a radicalidade da indeterminação
da tradução Quine afirma: “Ocorre que os sistemas rivais de hipóteses analíticas
podem ser conformes a toda disposição de fala de cada uma das línguas em foco e
ainda assim, ditarem, em inúmeros casos, traduções completamente disparatadas”
(QUINE, 1960, p. 73).
Na obra de 1960, Quine se aproxima à posição de Wittgenstein em ‘Blue and
Brown Books’. Quine cita o autor: “Compreender uma sentença significa
compreender uma linguagem.” E complementa: “Tais sentenças e infinitas outras
que ficam na posição intermediária entre os dois extremos não possuem significado
linguisticamente neutros” (QUINE, 1960, p. 77).
Um dos maiores objetivos daquela obra é mostrar “a frouxidão empírica de
nossas próprias crenças” (QUINE, 1960, p. 78). A tradução radical é subdeterminada
pela totalidade de disposições ao comportamento verbal, assim também as teorias e
crenças são “subdeterminadas pela totalidade da evidência sensorial possível para
todo o sempre” (QUINE, 1960, p. 78).
No artigo de 1980, Quine detalha novamente a questão da indeterminação da
tradução, mostrando como ela leva à inescrutabilidade da referência. O termo nativo
gavagai, por exemplo, não pode ser decidido, para Quine, entre se traduzir por
‘coelho’, ‘parte não destacada de coelho’ ou ‘fase de coelho’. Por se tratar de um
termo de referência dividida, precisa-se dominar o princípio de individuação: onde
cessa um coelho e começa outro? Como não se conhece a linguagem do nativo,
uma primeira tentativa para se resolver a indecisão seria fazendo uso da ostensão,
ou seja, apontando. Para ilustrar a impossibilidade de tal apelo Quine comenta:
O que estorva é que, sempre que apontamos para diferentes partes do
coelho, mesmo encobrindo algumas vezes o resto do coelho, também
estamos apontando a cada vez para o coelho. Inversamente, quando
indicamos o coelho inteiro com um gesto amplo, estamos ainda assim
40
apontando para uma multidão de partes de coelho. (QUINE, 1980d [1969],
p. 136)
Não se resolvendo a questão por ostensão, Quine examina uma segunda
tentativa: fazer uso de terminações plurais, pronomes, o é de identidade e suas
adaptações mesmo e outro. Desenvolvendo-se um sistema de tradução no contexto
do idioma nativo, por abstração e hipótese, chega-se à hipóteses de tradução. O
fracasso do método se deve ao fato de que um sistema pode levantar hipóteses de
tradução que por sua vez podem ser distintas mas equivalentes de um segundo
sistema, provando novamente ser incapaz de se decidir entre uma e a outra
tradução para o termo gavagai.
A preocupação de Quine é de que não haja imposição pessoal de alguma
máxima, pois que isso estaria fixando o que é objetivamente indeterminado. Mas não
o significado é indeterminado. O que é interessante quanto aos termos ‘coelho’,
‘parte não destacada de coelho’ e ‘fases de coelho’ é o fato de que eles não diferem
apenas em significados, “eles são verdadeiros de coisas diferentes” (QUINE, 1980d
[1969], p. 138) . O que mostra, comportamentalmente a inescrutabilidade da
referência. O autor usa também de outros exemplos, como a palavra ‘verde’, entre
outras, para mostrar que embora se faça uso de um mesmo termo, haverá diferença
nos objetos a que se faz referência. Somente ouvindo a pronúncia da palavra
‘verde’, ou seja, pela observação do comportamento do falante, não se sabe se ele
está fazendo uso de um termo geral concreto para mencionar, por exemplo, a
grama, que é verde, ou se ele está usando o termo como singular abstrato para
mencionar a cor verde.
A inescrutabilidade da referência também é caracterizada pelo que Quine
chama de “indistinguibilidade ostensiva”. É por demais esperançoso, mesmo que
fixando hipóteses analíticas de tradução recobrindo a identidade e o problema da
individuação resolver os problemas provindos de questões ostensivas ou da
indecisão entre geral concreto e singular abstrato. Pois, como diz o autor:
A inescrutabilidade da referência se dá em profundidade e ela persiste
numa forma sutil, mesmo se aceitamos a identidade e o resto do aparato de
individuação como fixados e estabelecidos; mesmo, em verdade, se
abandonamos a tradução radical e pensamos apenas no português.
(QUINE, 1980d [1969], p. 141)
41
Quine assegura que a inescrutabilidade da referência não se somente no
contexto da tradução radical ou na tradução de uma língua remota; mas pode
ocorrer “em casa”, ou seja, na linguagem do dia-a-dia.
O modo social do aprendizado lingüístico que também se baseia na imitação
dos mais velhos quanto ao uso das palavras junto ao contexto e circunstâncias às
quais as palavras se aplicam, emprega a regra homofônica que é também nossa
regra usual de tradução; e, embora funcione bem, possibilita, segundo Quine, uma
vasta região intermediária em que o método homofônico é indiferente, podendo-se
compensar a mudança de ontologia. Pode-se conceber uma referência a coelhos
quando na verdade se estaria referindo a fases de coelhos.
A inescrutabilidade da referência, salienta Quine (1980d [1969], p. 144) “não é
a inescrutabilidade de um fato; não há fato algum nesse domínio”.
Em ‘Palavra e objeto’ se afirmava que “a referência objetiva específica de
termos estrangeiros é inescrutável pelo estímulo de significados (stimulus meaning)
ou outras disposições correntes de fala” (QUINE, 1960, p. 80). A referência de um
termo a um objeto é feita com todo um aparato de artigos, plurais, ... e não é
tradutível a não ser de modo tradicional ou arbitrário que não é determinado pelas
disposições da fala. O que se pode é analisar ambos os aparatos em relação um
com o outro e “na perspectiva do desenvolvimento individual ou da raça” (QUINE,
1960, p. 80). Pode-se ver como estes recursos funcionam nos hábitos de fala da
criança em que um reforço dos pais aos estímulos que a criança recebe. Neste
aspecto Quine é seguidor de Skinner, apesar de conhecer as críticas de Chomsky a
este.
Para se livrar do absurdo de que não diferença entre quaisquer termos,
referência a coelhos ou a partes ou fases de coelho, enfim, de tornar a referência
sem sentido, Quine menciona nosso quadro de referência, composto por uma rede
de termos e predicados e expedientes auxiliares. Com tal sistema coordenado pode-
se falar significativa e distintivamente de coelhos e partes, por exemplo. Pode-se
construir denotações alternativas para termos familiares; pode-se considerar que a
permutação destas, juntamente com ajustamentos compensatórios nas partículas
auxiliares poderiam acomodar todas as disposições ao discurso existente
inescrutabilidade da referência tornando a referência sem sentido. No entanto, agora
para Quine (1980d [1969], p. 145), “a referência é sem sentido exceto em relação a
um sistema coordenado.” Este é o princípio de relatividade a que Quine chega para
42
solucionar sua dificuldade com a referência que parecia fadada a ser algo sem
função. E o autor completa: “O que faz sentido é dizer, não o que são os objetos de
uma teoria, falando de um modo absoluto, mas como uma teoria de objetos é
interpretável ou reinterpretável em outra” (QUINE, 1980d [1969], p. 146). Quine não
busca uma interpretação definitiva da teoria. Stein, em ‘Empirismo e fisicalismo:
características do holismo epistemológico de Willard Quine’, comenta:
Ao simplesmente reinterpretarmos a ontologia de um outro falante, ou
traduzi-la para uma ontologia alternativa, não estamos falando de mudanças
em estados físicos, não estamos falando sobre fatos materiais, estamos
apenas elaborando uma nova construção significativa possível acerca dos
mesmos fatos materiais. (STEIN, 2003, p. 76)
Quine afirma: “O sistema científico, a ontologia e tudo, é uma ponte
conceptual construída por nós próprios, ligando a estimulação sensorial à
estimulação sensorial” (QUINE, 1981, p. 20 apud STEIN, 2003, p. 76).
O autor é explícito: “Não há nenhum sentido absoluto em falar da ontologia de
uma teoria” (QUINE, 1980d [1969], p. 146). As questões ontológicas são sem
significado quando tomadas em sentido absoluto, e o são, por causa da
circularidade.
A dupla relatividade da ontologia a que Quine chega é esta: “Especificar o
universo de uma teoria somente faz sentido com relação a alguma teoria de fundo e
somente com relação a alguma escolha de um manual de tradução de uma teoria na
outra” (QUINE, 1980d [1969], p. 148). Quando não relacionada à teoria de fundo, a
ontologia se faz aparentemente pertencente à metafísica transcendental.
2.3 O problema da significação e da referência
Em ‘Palavra e Objeto’, Quine questiona sobre a realidade, sobre a nossa
ontologia e afirma ser um negócio de cientistas” e acrescenta dando importância ao
método: “A questão de saber o que é simplesmente parte da questão (...) da
evidência para verdade acerca do mundo. O último árbitro é o assim chamado
método científico, embora amorfo” (QUINE, 1960, p. 22-23).
Ao tratar da questão da verdade desponta a tese da subdeterminação. Para
Quine não uma teoria mais apropriada e nem como saber se o ideal final foi
atingido, pois não como saber se aquelas irritações de superfície são melhores
ou mais simples do que outras: incontáveis teorias alternativas seriam a elas
conectadas. Quine afirma: “O método científico é o caminho para a verdade, mas ele
43
não provê nem em princípio nenhuma definição única da verdade” (QUINE, 1960, p.
23). Para o autor, até mesmo as definições pragmáticas de verdade falham. Uma
sentença é verdadeira no âmbito de uma teoria aceita, mas Quine não é cético:
possuímos e usamos crenças do momento mesmo que elas sejam mudadas a fim
de serem melhoradas. A verdade é levada a sério, mas claro que é sujeita a
correções.
“Irritações de superfície geram, através da linguagem, nosso conhecimento do
mundo” (QUINE, 1960, p. 26). Palavras são associadas a palavras e outros
estímulos e disso resulta o falar das coisas, a verdade sobre mundo. A fala e toda
sua estrutura não tem relação direta com toda a bagagem de estímulos sensoriais,
mas são elas que produzem conteúdo empírico e este conteúdo não varia com a
linguagem, mesmo que a disposição para o comportamento verbal não mude. O
autor afirma que “o mapeamento não é uma mera correlação de sentenças com
sentenças equivalentes” (QUINE, 1960, p. 27). Esse tema fora trabalhado por
Quine em 1948.
O problema da significação lingüística foi uma das questões mais debatidas
por Quine. Prova disso são os inúmeros textos produzidos pelo autor ao longo de
sua produção intelectual. A significação e a relação às questões ontológicas assume
uma amplitude e complexidade que foi bastante criticada pelos filósofos adeptos da
intensionalidade. De forma bem diferente que ‘Dois dogmas do empirismo’, alguns
textos voltados à significação nem sempre foram bem compreendidos e nem
tampouco aceitos sem questionamentos ou críticas. O próprio Quine afirma ser
necessário responder a seus críticos que por vezes interpretaram erroneamente
seus textos. Tanto é que em alguns textos o autor retoma suas temáticas ampliando
e expandindo suas teses.
A primeira grande focalização de Quine ao problema da significação
lingüística e questões a ela relacionadas se dá com a publicação de ‘Sobre o que há’
em 1948
13
. Neste texto, Quine, consciente da existência do mundo, dos seres, dos
objetos, pergunta pelos compromissos que se assume no discurso com relação às
coisas. A ciência descreve ou explica os fenômenos, visando prever e predizer,
assim, várias ontologias podem ser produzidas, mas, em cada discurso, os
compromissos ontológicos dependem de recursos específicos do sistema lingüístico.
13
O título oringinal é ‘On what there is’. Uma grande difusão deste texto se em 1953 com sua
republicação em ‘From a logical point of view’.
44
A questão da ontologia é uma questão de escolha de esquema conceitual. Escolhido
o esquema, a ontologia fica determinada.
Quine inicia o texto “Sobre o que há” mostrando a complexidade do problema
ontológico e ironiza afirmando a simplicidade de sua formulação: “O que há?” ao que
se responde: “Tudo”. Evitando a ingenuidade de simplesmente afirmar, como uma
resposta completa à questão, de que o que há, o autor faz questão de afirmar,
lembrando as possibilidades de desacordo em situações particulares que: “a
questão permaneceu de pelos séculos” (QUINE, 1980c [1953], p. 217). Por muito
tempo sustentou-se que em um desacordo em relação à ontologia, alguém que
sustenta haver algo e outra pessoa que afirme não haver tal coisa, a parte que nega
a existência de algo estaria em desvantagem ao defender sua posição.
‘Tal linha de raciocínio, que Quine julga perigosa e incorreta, leva certos
filósofos a afirmarem ser onde não nada, como por exemplo a afirmação sobre
Pégaso: sustenta-se, enganosamente, que a negação de Pégaso não pode ser
coerentemente mantida e por isso Pégaso é.
Para facilitar a compreensão o autor exemplifica: Se o ‘Mcx’ não consegue
encontrar no espaço-tempo Pégaso, vai afirmar que ele seja apenas uma idéia na
mente. Isto evidenciaria uma confusão. Não é da idéia-mental de Pégaso que se fala
ao negar Pégaso. Em Partenon (físico, visível) x idéia-Partenon (mental, invisível)
não há confusão. Em Pégaso, a fraude se instala por não se achar possível afirmar o
não-ser de Pégaso. Quine chama de fraude grosseira e evidente a esta linha de
raciocínio. Pégaso não precisa ser para que se afirme que Pégaso não é.
Mas esta seria apenas uma das dificuldades com Pégaso. outras teorias,
com defeitos menos patentes, que, por sua vez, são mais difíceis de erradicar. Um
caso destes seria, por exemplo, que Pégaso ‘possui ser na qualidade de possível
não-realizado’. Falar de gaso e dizer que não tal coisa, é dizer que Pégaso
não possui o atributo específico da realidade.
Quine ironiza ainda mais esta tentativa: “O super-habitado universo do sr. Y é,
por muitos aspectos, desagradável. Ele ofende os senso estético dos que, como
nós, têm uma queda por paisagens desertas, mas isso não é o pior. O cortiço de
possíveis do sr. Y é um terreno propício à proliferação de elementos desordeiros”
(QUINE, 1980c [1953], p. 218-219). E assim aniquila o ‘cortiço’ do Sr. Y.
Para derrubar o argumento do Sr. Y, Quine muda de exemplo. Ao invés de
Pégaso, usa-se o exemplo da frase ‘A cúpula redonda e quadrada do Berkeley
45
College’. Esta frase não pode ser admitida como um possível não realizado. Haveria,
então, também ‘um reino de impossíveis não-realizados?’. O Sr. Y foge do jogo e
afirma que a expressão ‘cúpula redonda e quadrada’ é assignificativa.
É precisa a afirmação de Quine de que “A doutrina da assignificatividade das
contradições remonta ao passado” (QUINE, 1980c [1953], p. 219). Quine classifica
ironicamente tais posições como absurdas, ‘quixotescas’ e que mesmo assim
conseguem seguidores. A doutrina da assignificabilidade das contradições ainda
apresenta a impossibilidade de se elaborar um teste efetivo de significatividade. A
barba de Platão, como é conhecido o problema, é emaranhada. Definitivamente,
para Quine, é inconveniente sustentá-la.
Pensando em medidas positivas, o autor busca soluções para o problema da
ontologia. A primeira é a de Russell, com sua hipótese das descrições singulares.
Pode-se empregar significativamente nomes aparentes sem supor que haja as
entidades supostamente nomeadas. Tais nomes seriam os nomes descritivos
complexos; as expressões seriam analisadas sistematicamente como fragmentos
das sentenças globais onde ocorrem. No exemplo ‘O autor de Waverley foi um
poeta’, tem-se que ‘Alguém (ou melhor: algo) escreveu Waverley e foi um poeta, e
nada mais escreveu Waverley.’ A oração adicional tem o objetivo de afirmar a
unicidade que está implícita na palavra ‘o’. Quine assim resume a prodigalidade de
Russell: A virtude dessa análise consiste em que o nome aparente é parafraseado
no contexto, como um chamado símbolo incompleto. Nenhuma expressão
independente se oferece como uma análise de expressão descritiva, mas o
enunciado como um todo, que era o contexto dessa expressão, mantém ainda sua
cota integral de significado seja ele verdadeiro ou falso” (QUINE, 1980c [1953], p.
220).
Não se precisa mais exigir referência objetiva ao enunciado para que ele
tenha significado. “O fardo da referência objetiva, que se havia posto sobre a
expressão descritiva, é agora assumido por palavras do tipo daquelas que os
lógicos chamam de variáveis ligadas, variáveis de quantificação, a saber palavras
como ‘algo’, ‘nada’, ‘tudo’. Essas palavras, (...), não pretendem absolutamente ser
nomes; referem-se a entidades em geral com uma espécie de ambigüidade
intencional que lhes é peculiar” (QUINE, 1980c [1953], p. 220). Sua significatividade
apresenta-se no ‘contexto’. “Mas sua significatividade de modo algum pressupõe
haver ou o autor de Waverley, ou a redonda cúpula quadrada do Berkeley College,
46
ou quaisquer outros objetos especificamente predeterminados” (QUINE, 1980c
[1953], p. 220-221). E o autor ainda conclui: “No que diz respeito a descrições não
mais qualquer diferença em afirmar ou negar ser (...) Arruína-se assim a velha
idéia de que enunciados de não ser se autordestroem” (QUINE, 1980c [1953], p.
221).
A significatividade de um enunciado não depende mais de conter ou
pressupor uma entidade enunciada mas depende do uso de certos recursos lógicos
lingüísticos. No caso de Pégaso, por ser uma palavra e não uma expressão
descritiva, pode-se transformá-la nesta segunda a fim de se aplicar o argumento de
Russell. Pégaso deve ser reescrito como uma descrição, por exemplo ‘pégaso é’.
Pode-se, então, dizer que Pégaso não é, sem pressupor que Pégaso seja.
E quanto ao ser ou não-ser dos universais? Neste ponto, Quine responde
com uma de suas contribuições mais conhecidas, ao afirmar que se compromete
com uma ontologia sobre a qual se afirma que algo tem tais ou tais características.
Não precisamos mais trabalhar sob o peso da ilusão de que a
significatividade de um enunciado que contém um termo singular pressupõe
uma entidade nomeada pelo termo. Um termo singular não precisa nomear
para ser significante. (...) um abismo entre significar e nomear, mesmo
no caso de um termo singular que é genuinamente nome de um objeto.”
(QUINE, 1980, p. 222)
Este abismo havia sido mencionado por Frege, que com seu exemplo de
‘Estrela da Manhã’ e ‘Estrela da tarde’, mostra que as duas expressões nomeiam a
mesma coisa, mas diferem em significado.
“Os significados, nesse caso, sendo diferentes um do outro, devem ser
distintos do objeto nomeado, que é um e o mesmo em ambos os casos” (QUINE,
1980c [1953], p. 222).
Quine nomeia duas principais conseqüências negativas decorrentes da
confusão entre significar e nomear: poderia-se, no caso dos exemplos dados,
repudiar o significado de ‘Pégaso’; mas o pior é que se poderia engendrar a idéia
absurda de que Pégaso seja uma idéia, uma entidade mental. Rorty usa com
proveito esta conclusão de Quine em seu livro ‘A filosofia e o espelho da natureza’
(1988), dedicando um capítulo para esta discussão. A saída para Rorty seria o
holismo, em que a justificação não é uma relação especial entre idéias ou palavras e
objetos, mas uma questão de conversação, de prática social. O holismo consistente
dispensa a tarefa fundadora; emerge em Quine com a concepção de filosofia que
47
nada tem a ver com a busca de certeza. Perdem-se as esperanças turvas de se
buscar por um conhecimento que seja encarado como exatidão de representação.
14
Mas Rorty afirma que Quine, embora renunciasse às distinções
analítico/sintético, linguagem/fato, conceitual/empírico, não consegue ultrapassar a
distinção dado/postulado. O holismo de Quine não teria, assim, sido completo. Quine
se manteria preso a alguma forma de empirismo, preso a Russell, ou a Carnap, ou a
lógica como essência da filosofia. Rorty expande a crítica para a filosofia analítica
que de uma forma ou outra se prenderia a alguma das distinções kantianas.
Mas Rorty sabe aproveitar certas consequências extremamente proveitosas
vindas das teses de Quine: não algo interno; conceitos e significados são livres
de intensões e Quine os dispensa. Para Rorty, é imprescindível que os fundamentos
kantianos da filosofia analítica, as noções de intensão e conceito sejam reavaliadas.
Quine foi quem desafiou tal distinção, a saber, entre ‘verdade em virtude da
significação’ e ‘verdade em virtude da experiência’, como se observou no início
deste trabalho.
Daí a importância da separação entre dois tipos de filosofia da linguagem: a
pura e a impura. Segundo Rorty, Quine as distingue; apenas a filosofia pura da
linguagem, justamente a que separa a significação da nomeação. Numa confusão
entre significar e nomear, pelo fato de se confundir o suposto objeto nomeado
Pégaso como o significado da palavra ‘Pégaso’, se é levado a concluir que Pégaso
deve ser a fim de que a palavra tenha significado. Quine chega então ao ponto da
disputa: ‘Mas que espécie de coisas são os significados?’ O autor relaciona essa
questão com o problema ontológico dos universais. Se enunciados fossem idéias,
idéias na mente, ‘Pégaso’ acabaria como idéia na mente; mas, no mínimo, deveria-
se evitar a bobagem de afirmar possíveis não realizados. Mas não se precisa
trabalhar com tais suposições sabendo que Quine repudia a idéia de idéias na
mente.
A questão é que se sabe que entidades nomeados por ‘casas vermelhas’,
‘rosas vermelhas’, etc. Essa interpretação se deve à ontologia; mas Quine alerta: os
enunciados dessa disciplina podem ser tomados como verdadeiros, mas devem ser
considerados trivialmente verdadeiros. E tal é a importância da ontologia que está na
base do esquema conceitual. O esquema conceitual é quem propicia a interpretação
de cada experiência.
14
Cf. RORTY, 1988, p. 139.
48
As palavras ‘casas’, ‘rosas’ e ‘ocasos’ são verdadeiras de diversas
entidades individuais que são casas e rosas e ocasos, e a palavra
‘vermelho’ ou ‘objeto vermelho’, é verdadeira de cada uma das diversas
entidades individuais que são casas vermelhas, rosas vermelhas, ocasos
vermelhos; mas não além disso, qualquer entidade, individual ou não,
nomeada pela palavra ‘vermelhidão’ nem, do mesmo modo, pela palavra
‘casidade’, ‘rosidade’, ‘ocasidade’. (QUINE, 1980c [1953], p. 223)
O fato do nome de algo ser um traço muito mais específico do que ser
significativo comprova o engano que alguns predicados devem ser nomes de uma
única entidade universal para serem significativos.
Quando se afirma, neste sentido, que algo possui significado e que estes
significados são universais, Quine radicaliza: para resolver de uma vez por todas o
problema dos ‘significados’ ele simplesmente recusa-se a aceitar significados. Nem
por isso opõe-se ao fato de que palavras e enunciados sejam significativos.
O fato de uma emissão lingüística ser significativa, ou melhor, significante, é
uma realidade fundamental e irredutível. Portanto:
Reduzem-se a duas as maneiras úteis como as pessoas ordinariamente
falam de significados: o ter significado, que é a significância, e a identidade
de significado, ou sinonímia. O que chamamos dar o significado de uma
emissão consiste simplesmente em emitir um sinônimo, freqüentemente
formulado numa linguagem mais clara. Se formos alérgicos aos significados
enquanto tais, poderemos falar diretamente de emissões como sendo
significantes ou não significantes, e como sinônimas ou heterônimas uma
em relação à outra. O problema de explicar esses adjetivos ‘significante’ e
‘sinônimo’ com algum grau de clareza e rigor de preferência, a meu modo
de ver, em termos de comportamento é tão difícil quanto importante. Mas
o valor explicativo de entidades intermediárias específicas e irredutíveis,
chamadas de significados, é certamente ilusório. (QUINE, 1980c [1953], p.
224)
Os argumentos de Quine de que se pode empregar termos singulares
significativamente em sentenças, sem pressupor haver as entidades que esses
termos pretendem nomear; de que se pode empregar termos gerais sem reconhecê-
los como nomes de entidades abstratas; de que se pode encarar emissões como
significantes, e sinônimas ou heteronômias uma em relação à outra, sem admitir um
reino de entidades chamadas significados; todos esses argumentos levam à
pergunta sobre se ‘algum tipo de limite para nossa imunidade ontológica’. A
conclusão de Quine no artigo ‘Sobre o que há’, é a de que ‘Ser é ser o valor de uma
variável’; um dos mais conhecidos lemas do autor. O fato de dizer algo não gera
compromisso com os universais ou outras entidades. São as variáveis de
quantificação, juntamente com a teoria das descrições de Russell que assumem tal
compromisso. Ao afirmar que algo, se está envolvendo em compromisso
49
ontológico. Mas este ‘algo’ é uma variável ligada, logo o único compromisso
ontológico é através das variáveis ligadas. “Essa é a maneira de nos envolvermos
em compromissos ontológicos: pelo nosso uso de variáveis ligadas” (QUINE, 1980c
[1953], p. 224).
Quine provou que nem mesmo os nomes são critério para envolvimentos
ontológicos; eles são irrelevantes para esse problema, uma vez que podem ser
convertidos em descrições e assim serem eliminados tal como fez Russell.
Tudo quanto dizemos com o auxílio de nomes pode ser dito numa
linguagem que os dispense totalmente. Ser assumido como entidade é,
pura e simplesmente, ser reconhecido como o valor de uma variável. Em
termos das categorias da gramática tradicional, isso equivale
aproximadamente a dizer que ser é estar no domínio de referência de um
pronome. Pronomes são os meios básicos de referência; os substantivos,
melhor seria chamá-los de propronomes. As variáveis de quantificação,
‘algo’, ‘nada’, ‘tudo’, percorrem toda a nossa ontologia, qualquer que seja
ela; e ficamos atados a uma pressuposição ontológica particular se e
somente se o pretenso pressuposto tiver que ser reconhecido entre as
entidades que nossas variáveis percorrem a fim de tornar uma de nossas
afirmações verdadeiras. (QUINE, 1980c [1953], p. 224-225)
Quanto à matemática, por exemplo, haveria envolvimento ou compromissos
com uma ontologia de entidades abstratas? Quine responde que: “uma teoria está
comprometida com aquelas e apenas com aquelas entidades a que as variáveis
ligadas da teoria devem ser capazes de se referir a fim de que as afirmações feitas
na teoria sejam verdadeiras” (QUINE, 1980c [1953], p. 225).
O critério ‘Ser é ser o valor de uma variável’ não serve para decidir entre
ontologias rivais. Entretanto, como diz Quine,
Essa fórmula serve antes para testar a conformidade de uma certa
afirmação ou doutrina com respeito a um critério ontológico prévio.
Atentamos a variáveis ligadas no contexto da ontologia não a fim de saber o
que há, mas a fim de saber o que uma certa afirmação ou doutrina, nossa
ou de outrem, diz que há. Enquanto tal, esse é propriamente um problema
que diz respeito à linguagem. Mas o que é uma outra questão. (QUINE,
1980c [1953], p. 226)
Assim, o problema ontológico, a discussão acerca do que há, fornece razões
para se operar num plano semântico, afirma Quine
15
. Uma primeira razão seria a de
escapar dos embaraços tratados anteriormente, ou seja, o fato de se escolher uma
ontologia e se poder referir variáveis ligadas à entidades desta ontologia.
15
Conferir também: STEIN, Sofia Inês Albornoz. Objetos abstratos e objetos concretos: Aspectos da
ontologia de Willard Quine. In: Finitude e transcendência. DE BONI, Luis A. (org.). Festschrift em
homenagem a Ernildo J. Stein. Petrópolis, RJ: Vozes; Rio grande do Sul: PUCRS, 1995, p. 733, sobre
a ascensão semântica.
50
Semanticamente não se poderia admitir entidades que pertencessem à outra
ontologia, mas se poderia, por outro lado, descrever tal divergência caracterizando
os enunciados desta ontologia oposta. É necessário que esta primeira ontologia
admita formas lingüísticas para que se possa falar sobre as sentenças desta
segunda ontologia.
Uma outra boa razão para se tratar de questões acerca do que em nível
semântico é encontrar terreno comum para argumentar. Afirma Quine:
Divergências quanto à ontologia envolvem divergências básicas, quanto a
esquemas conceituais (...) Na medida em que nossa controvérsia básica
sobre ontologia puder ser transformada numa controvérsia semântica
acerca de palavras e do que fazer com elas, a degeneração da controvérsia
em petições de princípios poderá ser adiada. (QUINE, 1980c [1953], p. 227)
E ressalva:
Não é de admirar, pois, que controvérsias ontológicas devam levar a
controvérsias sobre linguagem. Mas não devemos saltar à conclusão de que
o que há depende de palavras. A tradutibilidade de uma questão em termos
semânticos não é uma indicação de que a questão seja lingüística. Ver
Nápoles é carregar um nome que, anteposto às palavras ‘vê Nápoles’,
produz uma sentença verdadeira; ainda assim, não nada de lingüístico
em ver Nápoles. (QUINE, 1980c [1953], p. 227)
2.4 Relatividade ontológica e inescrutabilidade da referência
A referência a objetos é inescrutável e gera a indeterminação da tradução.
Mas é no aprendizado lingüístico que a criança progressivamente vai aprendendo
termos e construindo seu universo ontológico. Tal ontologia não cai na
correspondência de palavras a objetos, mas, como afirma Stein: “é a referência a
estímulos sensoriais que garante a intersubjetividade” (STEIN, 1995, p. 729). Stein
ainda mostra que é o uso freqüente das palavras em diferentes contextos que molda
a referência: “Há, portanto, uma interação entre experiências ou estímulos
sensoriais, e a enunciação da palavra, que irá moldar o comportamento futuro da
criança com relação à palavra” (STEIN, 1995, p. 729).
Como se pode notar, as questões de referência e da significação mostraram a
originalidade e a importância da abordagem quiniana. Como ressalta Stein, é
imprescindível compreender o modo como Quine entende a linguagem. Em seu
texto ‘Aspectos convencionalistas da filosofia de Willard Quine’, de 2003, a autora
destaca:
51
A linguagem é um conjunto de símbolos que esquematizam fatos ou
acontecimentos, não os reproduzem fielmente. Há um tipo de limitação
essencial à linguagem enquanto universo simbólico de representação em
relação à realidade. Essa limitação faz com que toda descrição ou
explicação de fatos seja apenas ‘aproximada’. A linguagem esquematiza a
realidade. (STEIN, 2003, p. 188-189)
E ainda prossegue: “A dependência teórica de toda experiência faz com que
fique constatado de que a sica não lida com fatos brutos, mas com observação e
‘interpretações de fenômenos’” (STEIN, 2003, p. 189).
Em seu outro texto, “Empirismo e fisicalismo: características do holismo
epistemológico de Quine”, também de 2003, Stein afirma que a grande pretensão de
Quine é a de explicar o funcionamento interno da linguagem significativa. O
empirismo que Quine tanto critica não será por ele abandonado. Este empirismo se
torna um empirismo sem dogmas, um empirismo robusto
16
e que repercute no
fisicalismo do autor. Mas o empirismo não basta. Quine não defende uma
exclusividade de ontologia fisicalista, mesmo os corpos podem ser entidades
teóricas: A propósito, Quine considera corpos como entidades teóricas, construídas
no interior de um sistema lingüístico que procura referir o mundo exterior da melhor
maneira possível” (STEIN, 2003, p. 75).
Assim, se reconhece que os compromissos ontológicos são firmados, e estes
estão no nível dos pronomes. Quine trata de um problema existente longa data
na tradição filosófica, o que ele chama de compromisso ontológico. A solução
apresentada a esta questão resume-se no seu lema: ‘Ser é ser o valor de uma
variável’. De acordo com esta proposta, comprometimento com aqueles
objetos que se afirma existir, objetos estes que são considerados valores possíveis
de variáveis de quantificações existenciais. Assim pode-se afirmar com Araújo
(2004, p. 150), que é pelo uso de variáveis ligadas que se a única forma de
significar que depende da existência de um referente na realidade sem que a
sentença perca sua significação. Para as outras formas linguísticas, ter significação
é algo independente da existência ou não de entidades.
Fazendo uso da teoria das descrições definidas de Russell, Quine desmonta
a exigência de um compromisso ontológico advindo do uso dos nomes. Os nomes
não têm a função de apontar a existência de nada, eles são apenas descrições.
16
Conferir: LAUGIER, Sandra. Du réel à l’ordinaire quelle philosophie du langage aujourd’hui?
Problémes & Controverses. Librairie philosophique J. Vrin, 1999. (Do real ao ordinário: Qual a filosofia
da linguagem de hoje?).
52
Assim sendo, os seres não passam de valores de uma variável, e ficam no domínio
de referência de pronomes. Dessa forma, têm-se que “o compromisso ontológico
advindo da linguagem decorre apenas de certa entidade pertencer ao domínio que a
variável abarca, o que confere valor de verdade à afirmação” (ARAÚJO, 2004, p.
153).
Para afirmar a negativa de Pégaso, por exemplo, o é preciso pressupor a
existência de Pégaso ou que o próprio significado tenha consistência ontológica.
Afirmando-se que ‘Pégaso não é’, apenas se está afirmando que não um x que
tem tais e tais propriedades. Como bem sintetiza Araújo:
Algo, ou melhor, a variável ligada, não é um nome com função de afirmar ou
negar seres e sim uma descrição definida, cuja capacidade de referência ou
denotação não implica a existência de entidades, mas afirma que entre os
seres do universo um x tal que tem determinadas propriedades.
(ARAUJO, 2004, p. 153)
Ou como afirma Quine:
Os nomes são de fato, totalmente irrelevantes para o problema ontológico.
(...) Tudo quanto dizemos com o auxílio de nomes pode ser dito numa
linguagem que os dispense totalmente. Ser assumido como entidade é,
pura e simplesmente, ser reconhecido como o valor de uma variável.
(QUINE, 1980c [1953], p. 224)
Neste sentido, podem ser exploradas as contribuições quinianas da tese da
inescrutabilidade da referência, ou seja, “O que é está no domínio de referência de
um pronome. Importa saber ou poder saber o que uma afirmação ou teoria diz que
há” (ARAÚJO, 2004, p. 154). Estas contribuições mostram-se diretamente influentes
na linguagem, como sintetiza Araújo:
A linguagem funciona através de regras sintáticas e semânticas que
possibilitam que emissões significativas tais como ‘Pégaso não existe’
possam ser compreendidas e que disputas ontológicas sejam travadas a
contento sem precisar supor que o uso de nomes implica a existência do ser
nomeado, que o uso de adjetivos implica a existência de atributos.
Aceitamos esquemas conceptuais como aceitamos teorias científicas. Eles
têm um propósito instrumental, seja para a compreensão entre seres
humanos, seja para a explicação científica. No esquema conceptual da
ciência os objetos suscetíveis de observação têm um papel que Pégaso, por
exemplo, não poderia ter. Postular objetos físicos ajuda na ciência, em
termos de manipulação da experiência, de verificação. Entidades não
decorrem de certos usos lingüísticos, mas, por outro lado, sem o emprego
de certos artifícios lingüísticos, não se pode levar a cabo discussões
ontológicas, pois não se saberá acerca de que se discute. (ARAÚJO, 2004,
p. 154)
53
Neste sentido, as disputas ontológicas não passam de questões sobre o
acordo ou desacordo quanto aquilo que o uso de uma variável implica.
Quine ressalta a necessidade de se bem compreender a linguagem e, embora
conheça as limitações da ciência, não dispensa suas contribuições. É o que se pode
concluir na análise de Araújo:
No universo do discurso, ser valor de uma variável faz sentido quando se
trata das proposições de uma teoria, a fim de avaliar sua consistência. A
questão sobre o que existe é relativa ao domínio de valores, provém do uso
de quantificadores. (...) Em suma, falar acerca de algo não acarreta
compromisso ontológico (a não ser pela variável ligada). Porém, para falar
acerca de algo, necessidade da linguagem e experiência que constituem
um mundo suscetível de ser explorado pelo conhecimento ou pela ciência.
(ARAÚJO, 2004, p. 155)
Como bem nos mostra Araújo (2004, p. 163), Quine consegue ultrapassar
com suas teses a idéia, de certa forma ingênua e de senso comum, de que a relação
entre mente e coisa pensada seja uma representação direta, em que o objeto seja
algo em si e o nome uma etiqueta deste, ou seja, ele pratica uma filosofia pura da
linguagem, no sentido que Rorty dá a esse conceito.
Os significados não estão na mente, nem tão pouco são algo como entidades.
O significado depende da disposição das pessoas para o discurso. A referência é
inescrutável. Por isso a tradução, que pode invariavelmente implicar em mudança de
ontologia, não impede a comunicação.
2.5 Os esquemas conceituais
Quine reafirma a importância de que a adoção de uma ontologia é uma
questão de linguagem. Aceita-se um esquema conceitual que se mostre mais
simples, tal qual a aceitação de uma teoria científica. Uma vez fixado o esquema
conceitual global, no qual a ciência no sentido mais amplo destina-se a se
acomodar, a ontologia fica determinada.
O que se deve levar em conta para a construção de parte do esquema
conceitual são considerações de mesma espécie que as considerações que
determinam a construção do todo. O autor alerta: o princípio de simplicidade,
orientador na construção de esquemas conceituais, não é idéia clara e despida de
ambigüidade. Quine exemplifica:
Imaginem, por exemplo, que tenhamos arquitetado o conjunto de conceitos
mais econômico e adequado ao relato ponto-por-ponto da experiência
imediata. As entidades determinadas por esse esquema os valores das
54
variáveis ligadas são, suponhamos, eventos subjetivos individuais de
sensação e reflexo. Ainda assim, concluiríamos, sem vida nenhuma, que
um esquema conceitual fisicalista, que pretende falar de objetos externos,
oferece muitas vantagens ao simplificar nossos relatos globais. Reunindo os
eventos sensíveis dispersos e tratando-os como percepções de um objeto,
reduzimos a complexidade de nosso fluxo de experiência a uma
simplicidade conceitual manipulável. A regra da simplicidade é, na verdade,
a máxima que nos orienta na atribuição de dados sensíveis a objetos:
associamos uma sensação anterior de redondo e uma sensação posterior
de redondo à mesma assim chamada moeda, ou a duas assim chamadas
moedas diferentes, obedecendo às exigências de simplicidade máxima para
nosso quadro global do mundo. (QUINE, 1980c [1953], p. 227)
Tendo-se dois esquemas conceituais rivais, um fenomenalista e outro
fisicalista, como decidir sobre qual deles deve prevalecer? Cada um tem suas
vantagens e também sua simplicidade específica. Ambos merecem ser
desenvolvidos; são fundamentais, embora em sentidos diferentes: um
epistemologicamente, outro fisicamente fundamental.
A virtude do esquema conceitual físico é a de simplificar as considerações
sobre a experiência, fazendo com que inúmeros eventos sensíveis dispersos
acabem como objetos singulares. Quine ressalta: “Não é nada verossímil que toda
sentença a respeito de objetos físicos possa efetivamente ser traduzida, nem mesmo
de modo tortuoso e complexo, na linguagem fenomenalista. Objetos físicos são
entidades postuladas que uniformizam e simplificam nossa consideração do fluxo da
experiência” (QUINE, 1980c [1953], p. 228).
Nesse ponto, Quine insiste sobre a necessidade de definir bem o esquema
conceitual que se está adotando, e se firmar nele, pois, por exemplo, quando se está
no esquema conceitual fenomenalista, o esquema conceitual fisicalista, mesmo com
todas as suas virtudes, parecerá um mito. E o inverso também é verdadeiro. Mesmo
sendo mito, alguns esquemas conceituais opostos podem ser convenientes para o
esquema conceitual que se adota, por simplificar, por exemplo, as considerações da
física.
Alguns mitos podem ter nculos estreitos como é o caso do mito da
matemática e o mito da sica. Com todas essas considerações Quine aponta para
uma importante conclusão: tudo é uma questão de qual esquema conceitual adotar.
A questão sobre qual ontologia adotar deve seguir o princípio de “tolerância e
espírito experimental” (QUINE, 1980c [1953], p. 228).
A orientação do trabalho não deve partir em direção à tentativa de reduzir o
esquema conceitual fisicalista ao fenomenalista, mas se o for, ainda assim a física
55
deve ser levada adiante. No entanto, deve-se tentar tomar a ciência natural
independente da matemática; mas mesmo assim a matemática deve ser levada
adiante. Em filosofia pode-se ter vários interesses; Quine conclui:
Dentre os vários esquemas conceituais mais apropriados a essas várias
empresas, um deles o fenomenalista reivindica prioridade
epistemológica. Encaradas do interior do esquema conceitual
fenomenalista, as ontologias dos objetos físicos e dos objetos matemáticos
são mitos. A qualidade de mito, no entanto, é relativa; relativa, nesse caso,
ao ponto de vista epistemológico. Esse ponto de vista é um entre vários,
correspondendo a um entre vários de nossos interesses e propósitos.
(QUINE, 1980c [1953], p. 228-229)
Após o texto de 1948, surgiram outros, como ‘Identidade, ostensão,
hipóstase’, ampliando sua discussão epistemológica, dando corpo às suas teorias e
teses que se conjugam na constituição de um verdadeiro sistema filosófico.
Veja-se a preocupação de Quine com a identidade dos objetos: casos em
que “a atribuição de identidade é essencial para determinar a referência da
ostensão” (QUINE, 1980b [1953], p. 250). A importância de tal atribuição o
esconde, no entanto, o problema histórico da questão: “A identidade é bem
conhecida como fonte de perplexidade filosófica” (QUINE, 1980b [1953], p. 249).
A identificação de entidades singulares como processos ou objetos que se
constituem com o fator “tempo”, remete à dificuldade que se tem com a ostensão, ou
seja, ao fato de apontar, que é ambíguo quanto à amplitude temporal do objeto
indicado. Para não ser ambíguo, precisaria-se apontar e falar sobre o objeto, o rio,
por exemplo, ou ainda, usar um conceito anterior de rio, um tipo definido de
processo consumidor de tempo. Com relação aos termos gerais, os argumentos são
mais naturais, aprendidos por indução. Diz Quine:
Assim, vemos que o conceito de identidade desempenha uma função
central na especificação por ostensão de objetos espaço-temporalmente
extensos. Sem identidade, n atos de ostensão limitar-se-iam a especificar
até n objetos, cada um deles de amplitude espaço-temporal indeterminado.
Mas, quando afirmamos a identidade de um objeto, de ostensão em
ostensão, fazemos que nossas n ostensões se refiram ao mesmo objeto
extenso, fornecendo assim a nosso ouvinte um fundamento indutivo a partir
do qual ele pode adivinhar o pretendido alcance desse objeto. A pura
ostensão mais a identificação transmitem, com a ajuda de um pouco de
indução, a amplitude espaço-temporal. (QUINE, 1980b [1953], p. 251)
Assim surge a questão que, na verdade é um equívoco, de se equiparar o
universal com o particular. A dificuldade reside no domínio da relação espaço-
temporal dos objetos concretos e da conceitualização dos mesmos em que a
56
identidade e a ostensão trabalham juntas. Deve-se, assim analisar a natureza dos
universais: vermelho – as partes são todas as coisas vermelhas. Afirma Quine:
é possível imaginar que os universais em geral, enquanto entidades, se
insinuaram em nossa ontologia da maneira seguinte. Primeiro adquirimos o
hábito de introduzir coisas concretas espaço-temporalmente extensas (...)
vermelho entrou juntamente com Caístro e os outros, como coisa concreta.
E, finalmente, quadrado e outros universais foram introduzidos com base
numa analogia defeituosa com vermelho e outros do mesmo gênero.
(QUINE, 1980b [1953], p. 254)
E, em seguida, complementa:
Atribuo muita importância à distinção tradicional entre termos gerais e
termos singulares abstratos, ‘quadrado’ oposto a ‘quadradidade’, por causa
de uma questão ontológica: o uso do termo geral não nos obriga por si a
admitir em nossa ontologia uma entidade abstrata correspondente; por outro
lado, o uso de um termo singular abstrato, sujeito ao comportamento típico
dos termos singulares, como a lei de substituir iguais por iguais, obriga-nos
diretamente a admitir uma entidade abstrata nomeada pelo termo. (QUINE,
1980b [1953], p. 256)
Por não se ter observado essa distinção, as entidades abstratas adquiriram o
domínio que exercem sobre nossa imaginação. Muitos termos gerais são explicados
ostensivamente de forma semelhante à explicação ostensiva de termos singulares
concretos. “Daí a tendência natural não apenas para introduzir termos gerais
juntamente com termos singulares, mas também para tratá-los no mesmo pé, uns e
outros tomados como nomes de entidades singulares” (QUINE, 1980b [1953], p.
256). Esse fato é estimulado por que muitas vezes um termo geral é tratado como
nome próprio.
A evolução imprime sua marca mesmo que ela seja de difícil compreensão.
Diz o autor: “O esquema conceitual em que fomos educados é uma herança eclética,
e as forças que condicionaram sua evolução desde os dias do Homem de Java em
diante são matéria de conjetura” (QUINE, 1980b [1953], p. 257).
Decidido está para Quine de que cada um possui um esquema conceitual e
que este sofre mudanças e não acordo geral sobre como e porque estas
mudanças ocorrem. Quine supõe que dentro de um esquema conceitual os objetos
físicos são importantes por fornecerem referência relativamente fixa. Se este for um
aspecto comum entre os esquemas conceituais, seria também um fator a favor e de
ajuda para a linguagem como processo social. O surgimento de termos gerais
também é remoto e sabe-se como a indução ajudou neste ponto. Basicamente os
termos gerais são adquiridos ostensivamente tal qual os termos singulares
57
concretos. Além disso, ainda surgem os termos singulares abstratos que supõem
entidades abstratas.
Cada um desses passos enriquece o esquema conceitual. Embora nem
sempre se saiba porque cada uma dessas questões estejam presentes no esquema
conceitual, como os termos gerais, por exemplo, ou mesmo que se tenha juízos
divergentes em alguns casos, como quanto à admissão de entidades abstratas, por
exemplo, o fato é que cada fator na evolução, cada passo que se é um aspecto
positivo. E uma vez que o processo ostensivo não é a única maneira de introduzir
termos, singulares ou gerais, depois de admitidas as entidades abstratas, outras
tantas surgirão. Para Quine, essa introdução é fundamental; é importante que os
primeiros termos sejam ostensivamente adquiridos, os demais podem ser explicados
discursivamente, “mediante a paráfrase em complexos de termos disponíveis”
(QUINE, 1980b [1953], p. 257).
Nesse ponto, Quine chega a questionar sobre a aparentemente fundamental
pergunta filosófica: ‘quanto de nossa ciência é mera construção da linguagem e
quanto é genuíno reflexo da realidade?’ (QUINE, 1980b [1953], p. 258). A noção de
esquema conceitual de Quine classifica a pergunta como espúria. Talvez ela brote
de uma linguagem particular. Ao tentar respondê-la encontram-se dificuldades, pois
se precisaria falar sobre o mundo e sobre a linguagem; e para se falar do mundo
se estaria impondo um esquema conceitual da própria linguagem, salienta Quine.
No entanto, o esquema conceitual pode ser alterado aos poucos, mas não
nada além dele que se possa levar adiante. Tal qual em outras passagens de textos
quinianos, Neurath é citado para afirmar que a tarefa do filósofo deve ser comparada
à de um marinheiro que tem de reconstruir seu navio em alto mar. Assim também
deve ser em relação ao esquema conceitual. Mas esta evolução do esquema
conceitual deve ocorrer segundo um critério pragmático. O esquema realista de
correspondência com a realidade não serve, segundo Quine, para tal finalidade. O
autor afirma:
Podemos ir melhorando nosso esquema conceitual, nossa filosofia, pouco a
pouco, ao mesmo tempo que continuamos a depender de seu apoio; mas
não podemos afastar-nos dela e compará-la objetivamente com uma
realidade ainda não conceitualizada. Por isso não tem qualquer sentido,
sugiro eu, perguntar sobre a absoluta correção de um esquema conceitual
enquanto espelho da realidade. Nosso critério para avaliar mudanças
básicas do esquema conceitual não pode ser um esquema realista de
correspondência com a realidade, tem que ser um critério pragmático. Os
conceitos são linguagem, e a finalidade dos conceitos e da linguagem é a
58
eficácia da comunicação e da predição. É esse o dever último da linguagem,
da ciência e da filosofia, e é em relação com esse dever que, em última
instância, se deve avaliar um esquema conceitual. (QUINE, 1980b [1953], p.
258)
O esquema conceitual é a base e o norte de toda a atividade. A linguagem
tem uma finalidade definida: ‘eficácia da comunicação e predição’. Essa finalidade é
comum para a ciência e para a filosofia. É visando essa finalidade que se avalia o
esquema conceitual. Quine ainda comenta a elegância, a economia conceitual,
como um objetivo secundário, mas que também pode e deve ser visado desde que
não constitua obstáculo para a realização do objetivo primário.
A linguagem é central para a ciência prever, para o homem se comunicar.
Quine investiga como se o aprendizado da linguagem de uma criança e de um
lingüista que faz pesquisa de campo. Este aprendizado pode revelar como se
desenvolve e como se aprende a ciência que é, afinal, o modo mais “firme” de dizer
o que “existe”. Veja-se a reflexão de Quine quanto à significação e em seguida
quanto à linguagem.
2.6 A significação e a sinonímia de um ponto de vista lingüístico
A questão da significação toma corpo desde cedo na filosofia de Quine. Além
de ‘Sobre o que há’, em 1951, com ‘El problema de la significacion linguistica’
(QUINE, 1962 [1953], p. 83-104), Quine afirma a necessidade de desvincular a
noção de significado da existência de entidades.
Quine reclama a falta de uma explicação satisfatória da noção de significação.
Os lingüistas podem ser flagrados a não saber de que estão efetivamente falando,
ou seja, podem conhecer a situação, mas não saber que classe de coisas são. O
autor viu que a confusão entre significação e referência favorecia a noção de
significação como dada e segura. Mas o que ele agora quer mostrar é que
Na realidade, pode-se admitir um mundo de objetos e fazer com que os
termos singulares e gerais se refiram a eles de modos diversos e com
‘satisfação’, sem que para isso se tenha tocado no tema da significação.
Qualquer coisa (abaixo do Sol) pode ser um objeto sobre o qual se refira um
termo singular ou a que se nomeie um termo geral. As significações, no
entanto, pretendem ser entidades de um tipo especial: a significação de
uma expressão é a idéia expressada. (QUINE, 1962 [1953], p. 84)
Mas certamente Quine não está a falar de uma idéia ‘idéia’, como entidade
mental, de uma forma lingüística, fato que seria inútil para esta ciência e inclusive
para a psicologia. A dificuldade com o uso de uma idéia ‘idéia’, é que ela aparenta
59
ter explicado algo. A ilusão de tal explicação aumenta porque no fim não se
consegue afirmar estabilidade alguma sobre as coisas. Cria-se uma situação vaga
que impede uma possibilidade de progresso. De fato, uma idéia ‘idéia’ teria muitas
implicações negativas
17
.
Para Quine a questão da significação é primordial. No estudo das formas
lingüísticas, o lexicógrafo, correlaciona formas unindo sinônimos com sinônimos.
Descobre-se que as partes semânticas da lingüística não apelam a significações,
mas trabalham com a sinonímia. Com isso, o autor mantém seu propósito de fixar-se
no contexto da palavra ‘significação’ idêntico em significação e tratá-la como se
fosse uma palavra, um sinônimo. Embora a palavra ‘significação’ tenha outros
contextos que interessam à lingüística, como ser significante, tratando-a como
sinônimo, estaria-se elucidando o fato de não haver significações como entidades
intermediárias e mediadoras.
Gramática e sinonímia se fundem na questão da significação estudando,
respectivamente, a noção de seqüência significante e a noção de sinonímia. Nesse
estudo eles não podem se basear em noções prévias de significação. O maior
problema parece estar no conceito de sinonímia em uma linguagem, principalmente
no que diz respeito à substituição e intercambialidade. Nesses termos,
A intercambialidade que o lexicógrafo busca não deve garantir que
enunciados verdadeiros continuarão a ser verdadeiros depois da
substituição, e que os enunciados falsos vão seguir sendo, uma vez
substituído sinônimo por sinônimo; essa intercambialidade deve garantir
também que uns enunciados se convertam em outros que, como
totalidades, são sinônimos de um certo modo determinado. (QUINE, 1962
[1953], p. 96)
Embora Quine reconheça a circularidade de sua definição de
intercambialidade, ela teria o mérito de sugerir que a substituição não é o ponto
principal da problemática da significação, uma vez que antes de tudo, precise-se de
uma noção de sinonímia aplicável a segmentos amplos do discurso. Três razões
favoráveis à aproximação da sinonímia aos segmentos largos do discurso são
propostas: a sinonímia interlingüística deve relacionar-se com elementos do discurso
que sejam suficientemente amplos; se a atenção fica reduzida a elementos do
discurso de certa amplitude, pode surgir a dificuldade de ambigüidade ou da
homonímia; e, por fim, ao se traduzir uma palavra ela pode resultar em sinônimo
17
Rorty, 1988, salienta a importância da análise de Quine para desmontar o mito do espelho da
natureza e o mito do empirismo que inicia com Locke e sua idéia de ‘idéia’.
60
parcial e insatisfatório se comparado ao vel lexicográfico. Os sinônimos parciais e
as orientações lexicográficas têm a tarefa primeira de explicar como se traduzem ou
parafraseiam amplos discursos. Realizar esta tarefa é condição suficiente.
Costuma-se dizer que a sinonímia de duas formas consiste na igualdade das
situações evocadas e pela igualdade dos efeitos produzidos. Mas Quine sustenta
que não duas situações que sejam exatamente iguais. Usa-se, com muita
freqüência, a mesma forma em situações diversas. O que importa, destaca, “é a
igualdade em aspectos relevantes” (QUINE, 1962 [1953], p. 100). Falar em aspectos
relevantes é um problema científico empírico. Quine usa o exemplo de uma pessoa
que fala kalaba e outra que fala castelhano para explicar as correlações.
Na fala, por exemplo, embora o locutor, ao expressar-se, retenha em si
alguns traços relevantes, consegue entender-se bastante bem, na mesma situação
externa, com um interlocutor da outra língua, por exemplo. A linguagem não é
subjetiva. Assim, em mesma situação externa, os locutores diferem no ‘como’
dizem as coisas e não no ‘que’ dizem. Nesta fala em contexto externo a sinonímia
não seria nenhum problema no entendimento dos dois locutores. A dificuldade é que
cada locutor traz como herança mais do que hábitos lingüísticos de vocabulário e
sintaxe. Não uma clara separação entre a linguagem e o mundo do locutor.
Muitas das diferenças básicas da linguagem estão em como os locutores falam
sobre as coisas.
Nem sequer em principio está claro que tenha sentido pensar que as
palavras e a sintaxe variam de linguagem para linguagem mesmo que o
contexto permaneça fixo; porém precisamente esta ficção está suposta ao
falar de sinonímia, pelo menos quando se trata de sinonímia entre
expressões de linguagens totalmente diferentes. (QUINE, 1962 [1953], p.
101)
No entanto, levando-se em consideração que existem situações no ambiente
externo que fazem parte de uma conceitualização comum para todos os homens,
pode-se dizer que dois falantes, um kalaba e um português, nestas mesmas
situações externas, “não diferem mais que no modo como dizem as coisas, e não no
que dizem” (QUINE, 1962 [1953], p. 102). Quine alerta que mesmo nessa situação
em que as palavras se constroem mediante indicação material do objeto atendido,
não se deve confundir significação com referência.
O percurso inicial do lexicógrafo ao estabelecer o vocabulário kalaba é uma
superposição de outra cultura. Depois ele deve trabalhar na ‘periferia’ fazendo
61
correlações entre enunciados e sentenças de outra língua. Deve, então, arriscar
hipóteses de tradução e supri-las de acordo com os conflitos que surgem. Com o
passar do tempo, conseguindo fazer observações comuns entre as duas línguas,
pode deter-se cada vez mais no interior de seu próprio sistema.
No entanto, o processo do lexicógrafo de projetar este novo vocabulário pode
levar a erro ou a acerto. A noção de sinonímia permanece sendo uma relação de
grau: a é mais sinônimo de b do que c de d(QUINE, 1962 [1953], p. 103). Não se
chega a uma definição, mas pode-se seguir critérios para uma definição nessa
relação tetrádica.
Tratando da relação diádica de sinonímia absoluta quanto da relação tetrádica
de sinonímia comparativa, a maior dificuldade na busca de uma definição, diz Quine,
“é a de pormos em claro acerca do que exatamente pretendemos fazer quando
traduzimos um enunciado kalaba que não é mera relação da situação externa que
seja segura e diretamente observável” (QUINE, 1962 [1953], p. 104).
E Quine ainda conclui: “No caso da sinonímia é ainda mais considerável a
tirania do processo de desenrolar o sistema, com sua escassez de explícitos
controles objetivos” (QUINE, 1962 [1953], p. 104).
A crítica de Quine à sinonímia está no conjunto das críticas à existência de
entidades mentais, que vai demonstrando uma preocupação do autor com a
identidade dos objetos e vai certificando-se de que se está a falar sob um esquema
conceitual.
2.7 O aprendizado lingüístico e a construção de uma linguagem para falar de
objetos
Uma posição decisiva de Quine sobre sua crítica às noções intensionais
aparece em seu ‘Relatividade Ontológica e outros ensaios’ (1980 [1969]), em que
são estreitados alguns temas e teses. Muitas das questões centrais da filosofia do
autor são retomadas nesta obra para receberem um melhor tratamento. Mais visível
vai ficando com este estudo a noção de que a epistemologia precisa despir-se de
algumas de suas velhas pretensões e abordar de forma diferente as questões que
lhe são próprias, se tais existirem, bem como de buscar um novo tipo de
relacionamento com a ciência.
Quine está pensando em medidas positivas, o que se percebe, por exemplo,
em sua fundamental atenção para com a linguagem, o aprendizado lingüístico, seu
62
uso para com a ciência, a abordagem do mundo que não pode se dar sem a
linguagem... A centralidade da noção de esquema conceitual na filosofia do autor é
explícita, como já se viu anteriormente. Mas o que faz esta noção tão importante?
O autor inicia seu artigo ‘Falando de Objetos’ afirmando que “somos
propensos a falar e pensar de objetos” (QUINE, 1980h [1969], p. 117). Abordar a
realidade através do uso de objetos seria uma questão básica. Haveria uma
propensão em se identificar e discriminar a realidade em objetos, tanto em físicos
quanto em abstratos. Para se referir a estes objetos emprega-se o uso de termos
singulares e gerais. Parece que esta questão de se referir à realidade por meio da
menção de objetos é tão básica que ela seria a única maneira de fazê-lo.
Se este ponto é comum, ou seja, a fala sobre objetos como expressão por
excelência da linguagem, outra questão se interpõe, a de se saber em qual padrão
se está falando, a quais objetos se está apelando.
Uma das questões centrais para Quine é a da tradução, cada ser tende a
adaptar ou mesmo impor seu próprio padrão ao traduzir ou até no entendimento de
elocuções alheias. Neste sentido, o autor usa o caso do lingüista que está
aprendendo uma linguagem diretamente. O primeiro passo da tradução pode ser
objetivo, por exemplo, quando o nativo usa uma expressão para anunciar coelhos.
Mas no segundo passo da tradução o lingüista já impõe seu padrão: ele equaciona a
expressão do nativo ao termo ‘coelho’. Esta imposição de padrão é um apelo a
uma categoria de objetos que não está garantida, afirma o autor.
Quine afirma que as “irritações de superfície geram, por meio da linguagem,
nosso conhecimento do mundo” (QUINE, 1960, p. 26). Palavras associadas a
palavras e outros estímulos disso resulta o falar das coisas, a verdade sobre o
mundo. A fala e toda sua estrutura não tem relação direta com toda a barragem de
estímulos sensoriais, mas são eles que produzem conteúdo empírico e esse
conteúdo não varia com a linguagem. Mesmo que a disposição para o
comportamento verbal não mude, “o comportamento não é uma mera correlação de
sentenças com sentenças equivalentes” (QUINE, 1960, p. 27). Com a tradução
ocorre o mesmo: “manuais de tradução de uma língua para outra podem ser
montados de maneiras diferentes, todos eles compatíveis com a totalidade das
disposições da fala, entretanto, incompatíveis entre si” (QUINE, 1960, p. 27). As
sentenças diretamente relacionadas a estímulos não verbais diferem menos; tal é a
tese da indeterminação da tradução.
63
A linguagem é “o complexo de disposições atuais para o comportamento
verbal, no qual falantes da mesma linguagem têm que forçosamente vir a
assemelhar-se um com o outro” (QUINE, 1960, p. 27). Mas o processo de aquisição
pode variar. São estímulos passados, presentes e diversos episódios que treinam o
falante para o uso das palavras. Como um lingüista, sem a ajuda de um intérprete,
traduz uma língua desconhecida?
O lingüista deve se empenhar muito para atingir o propósito de cada sentença
nativa. Seu trabalho consiste em ler seu ponto de vista ontológico na linguagem
nativa. Ele precisa decidir quais expressões devem se referir a quais objetos e ainda
terá de decidir como acomodar expressões idiomáticas de identidade e
quantificação. O lingüista terá poucos dados, pouca evidência; seu trabalho de
decidir ‘arbitrariamente’, deve contar muito com sua criatividade; criatividade no
sentido de “atribuir funções especiais e distintivas a palavras componentes, ou a
fragmentos notavelmente recorrentes, das sentenças registradas” (QUINE, 1980h
[1969], p. 118). O modo de se julgar a atividade do lingüista será pela simplicidade e
naturalidade pelas quais as sentenças se apresentam para o interlocutor. Quando o
lingüista suas objetivações no discurso gentílico, o faz com tal arbitrariedade que
revela, como diz Quine, “o fato de que não nada a escrutar” (QUINE, 1980h
[1969], p. 119).
Para Quine, está certo que nós falamos de modo semelhante “porque a
sociedade nos treinou de modo semelhante num padrão de resposta verbal a
indicações exteriormente observáveis. Fomos modelados numa conformidade
externa a um padrão externo” (QUINE, 1980h [1969], p. 119). Compartilhamos de
uma mesma espécie de esquema conceitual; não o que escrutar. Por este motivo
tanto mais difícil será para o lingüista, em contexto de tradução radical, correlacionar
suas sentenças com as sentenças dos gentios, uma vez que as situações em que
convivem são diferentes. Ele não terá o que escrutar na mente do nativo. Terá de
basear-se em situações públicas.
Ao se comparar culturas ou teorias, especulando as espécies de objetos de
cada qual, a comparação faz sentido “na medida em que nossos esforços para
traduzir nossas expressões idiomáticas de identidade e quantificação trazem um
encorajamento na direção de uma correspondência simples e que pareça natural”
(QUINE, 1980h [1969], p. 120). ‘não nenhum pou sto.’ Não nenhum mirante
externo para certificar o modo definitivo da correlação de culturas. Ela pode ocorrer
64
desde que a naturalidade e a simplicidade sejam seu guia. Não como determiná-
la.
Neste sentido, Quine chama a atenção para a dificuldade em se transcender
o padrão de pensamento dirigido a objetos. Não como se desvincular do mundo
ou do pensamento para examiná-lo de fora. Não há um mirante externo, nem
posição privilegiada para fazê-lo. Estas afirmações parecem rebater a pretensão de
uma epistemologia que se auto outorgava o título de tribunal das ciências.
Parece que para Quine o exame do pensamento pode bem ser feito em seu
próprio interior, não precisando buscar um recurso externo inexistente. O exemplo
do aprendizado lingüístico pela criança elucida esta possibilidade, ou seja, o fato
dela chegar a um mesmo esquema conceitual devido ao desenvolvimento de um
padrão de comportamento verbal que se aproxima muito dos demais.
O aprendizado de termos pela criança é de certa forma semelhante ao
lingüista que aprende os termos na linguagem do gentio. Mas as primeiras
proferições da criança, mesmo em situações apropriadas, não revela que ela esteja
usando termos para coisas. A criança copia o comportamento verbal dos outros
falantes, mas a questão de usar termos para objetos, ou seja, o uso do aparato
objetivante, exige um envolvimento ontológico profundo. O uso de alguns termos
individuadores, o plural, etc, é um pouco mais complexo, mas Quine está certo que a
criança os aprende contextualmente. Um padrão coerente de uso é desenvolvido
gradualmente. Completada essa fase na aquisição do esquema conceitual, fará
sentido um discurso geral sobre objetos como tais. Aprendendo com a individuação
termos como mesmo, um outro, aquele, o aquele, a criança terá adquirido termos
gerais e singulares.
Uma questão central na filosofia de Quine é a questão da referência objetiva.
Para Quine, mesmo que se conheça as condições estimulatórias das proferições em
uma língua estrangeira não como determinar os objetos de que os locutores
falam. A referência objetiva é inacessível à observação. A questão que se apresenta
é a de como decidir se a crença em tais ou tais objetos está certa ou errada? Ou
posto de outra forma, como poderá alguma vez haver evidência empírica contra
enunciados existenciais?
A resposta de Quine é a de que o conhecimento das condições estimulatórias
não estabelece como interpelar a sentença em termos de existência de objetos. Mas
tal conhecimento tende a estabelecer o que conta como evidência empírica a favor
65
ou contra a verdade da sentença. Neste sentido, a mesma evidência empírica vem a
contar a favor ou contra a existência de objetos. Por isso Quine adverte: “A
oportunidade de erro em enunciados existenciais aumenta com o domínio que se
tenha do aparato verbal de referência objetiva” (QUINE, 1980h [1969], p. 123).
A analogia desempenha um papel central no aprendizado de palavras. As
palavras são apreendidas no contexto de uma sentença. Aprende-se a usar uma
sentença reunindo partes, abstraindo palavras. Os objetos físicos, por outro lado,
não são aprendidos por analogia. Aprende-se o que o objeto é e o que uma teoria
diz que ele é. Quine marca o fato de que há diferentes modos de aprender palavras.
Em seu texto Quine enuncia detalhadamente as fases do aprendizado de
palavras
18
. Numa primeira fase, aprendem-se termos que são nomes de objetos
observados através de um processo de reforço e extinção. O termo vai sendo
aplicado ao objeto observado à medida em que se é mais estimulado a usar tal
termo para tal objeto.
A noção própria de objeto, no entanto, emerge na segunda fase do
aprendizado de palavras, com os termos individuadores, que por conseguinte,
também são aprendidos por reforço e extinção.
Numa terceira fase, pode-se, por erro, com o emprego de termos singulares,
deixar de nomear. Mas ainda se está num campo de objetos espacio-temporais
observáveis.
Na quarta fase pode-se ter termos gerais que não o verdadeiros de nada.
Ela provém da junção de termos gerais em posição atributiva.
É apenas na quinta fase do aprendizado de palavras que se tem acesso a
uma nova espécie de objetos. Este novo modo de compreensão capacita pela
primeira vez, segundo Quine “a formar termos cujos referenciais se pode admitir que
são para sempre inobserváveis, sem que sejam todavia repudiadas como
inexistentes, tal como maçãs azuis” (QUINE, 1980h [1969], p. 123).
O fato de se poder nomear inobserváveis é um grande avanço no
aprendizado, mas ainda uma sexta fase que introduz entidades abstratas. Na
quinta fase, com a nomeação de inobserváveis se tinha uma diferença que era ainda
apenas de grau. Mas nesta sexta fase, a introdução de entidades abstratas se
pela infusão de singularidade no geral concreto, que gera o singular abstrato. Por
18
Conferir ‘Falando de objetos’, (QUINE, 1980h [1969], p. 123 e 124).
66
analogia outros termos gerais produzem singulares abstratos.
Com esta apresentação das fases do aprendizado de palavras, Quine não
quer somente apresentar o aprendizado lingüístico da criança, embora isso seria
um grande feito, ao revelar o aspecto social da linguagem. No entanto, com esse
fato Quine visa enfocar a relação da linguagem, desde o seu aprendizado, com o
seu uso, ou seja, a relação linguagem, teoria e mundo.
A idéia que prevalece é a de que quanto mais se desenvolve a linguagem,
melhor será o seu aproveitamento em teorias científicas, por exemplo, mas é preciso
que a linguagem se desenvolva e se compreenda bem esse desenvolvimento, que
acaba se constituindo parte do esquema conceitual. A linguagem é decisiva, mas ela
não mais representa o mundo, ela é parte deste mundo.
Uma das fases que Quine mais explora é a sexta fase, devido à introdução
dos objetos abstratos. A criança introduz o singular abstrato por meio de um ‘ar
híbrido’ presente no termo de massa ou por meio de uma infusão a partir de palavras
para cores. Por causa dessa dificuldade especial com as cores, por analogia, a
criança remete tal infusão a outros termos gerais que passam a produzir também os
singulares abstratos.
Mas esse seria apenas um exemplo da introdução dos objetos abstratos. Ela
poderia surgir ainda de outras maneiras, como, por exemplo, da remissão abreviada
provinda de uma confusão entre signo e objeto. Mas de qualquer forma, a avaliação
de Quine sobre este esquema conceitual de objetos abstratos, pode ser, ainda que
um acidente, um acidente feliz. E conclui, novamente usando-se da imagem de Otto
Neurath, dizendo que este esquema conceitual é uma construção e pode ser
melhorada: “...a analogia de objetos abstratos é parte do navio que, na imagem de
Neurath, estamos reconstruindo no mar. Podemos rever o esquema, mas somente a
favor de alguma explicação geral mais clara ou mais simples e não menos adequada
do que vai pelo mundo” (QUINE, 1980h [1969], p. 125).
Sendo as estimulações não verbais as responsáveis por instigar o
assentimento a enunciados existenciais, pode-se estabelecer o que conta como
evidência em relação à existência de objetos. Mas Quine insiste que muitos
enunciados variam de acordo com o modo pelo qual estão condicionados à
estimulação. O enunciado pode ser uma fibra na rede verbal de uma teoria
complexa. “A maioria de nossos enunciados correspondem assim a reverberações
através do tecido de associações intralingüísticas” (QUINE, 1980h [1969], p. 125).
67
Nos enunciados teóricos, a estimulação reflete nas reverberações através do tecido.
Assim também ocorre com enunciados de existência sobre objetos abstratos. Tais
enunciados, afastados da experiência, devem ser julgados, afirma Quine, “pela
coerência, ou por considerações sobre a simplicidade geral de uma teoria” (QUINE,
1980h [1969], p. 126). Ainda assim enunciados que podem sucumbir. Quine cita
o paradoxo das classes como exemplo e conclui que se deve apertar o cinto
ontológico em alguns furos. A questão está em torno da identidade quando se usa
termos para fazer referência; tal qual era com o lingüista ao aprender a linguagem do
gentílico, ao identificar suas palavras como termos e a que objetos se referiam,
como o era para a criança que usava termos e falava de objetos. Portanto, sempre
que se usa termos para fazer referência, a identidade se impõe.
Quine alega, já em seu texto de 1960, a duplicidade de uso de muitas
palavras, como acredita’; ‘duvida’, ‘deseja’, ‘esforça-se’,... Quando em estado
natural não se tem consciência da duplicidade desses usos e as conseqüências
paradoxais que acarretam. O mesmo ocorre com a individuação dos atributos, para
qual Quine alega a falta de um conceito apropriado de identidade que deve ser
suprido, embora tivessem havido tentativas, como a de Carnap, mas que cai na
dependência da noção de mesmidade de significado, que Quine não aceita.
Uma questão está certa: “Não como negar o acréscimo de potência que
sobrevém a nosso esquema conceitual através da postulação de objetos abstratos”
(QUINE, 1980h [1969], p. 128). Há um enriquecimento no esquema conceitual com a
postulação de objetos abstratos, mas ainda assim, há uma margem de escolha
sobre quais objetos abstratos postular. As classes seriam privilegiadas em relação
aos atributos e também às proposições por causa de seu conceito cristalino de
identidade. Os atributos e proposições poderiam ser conservados mas não se
poderia enfrentar o problema de sua individuação. O preceito ‘Nenhuma entidade
sem identidade’ deveria ser relaxado. Eles entrariam no esquema conceitual como
meias-entidades, embora isso exigisse um ajustamento da lógica.
Quine não está seguro de que meias-entidades pudessem ser um bom
empreendimento para questões científicas. O fato é que nunca se aceitou tal
inclusão. Mas elas se arranjam bem num discurso cotidiano e por isso uma sugestão
de Quine é a de que elas passem a integrar um sistema científico de segundo grau.
Em todo caso pode-se perceber um princípio de evolução para o esquema
conceitual individuador.
68
Uma hipótese de Quine é a de que possa emergir um novo padrão, para além
da individuação, que seja ainda desconhecido, como resultado de uma combinação
de dois elementos, ontogenéticos ou filogenéticos. Tudo isso para mostrar que
“Nossos padrões de pensamento ou linguagem têm estado a evoluir, sob pressão de
inadequações inerentes e necessidades em mudança, desde a aurora da
linguagem” (QUINE, 1980h [1969], p. 130). E tal processo há de repetir-se...
Assim, Quine conclui, refletindo sobre a evolução do esquema conceitual e
sobre os diferentes discursos apresentados, que as traduções são projeções tênues
e arbitrárias: “as traduções não vêm suavemente” (QUINE, 1980h [1969], p. 130). A
evolução está garantida, mas estas etapas não se podem fixar por sob o fluxo da
linguagem. Quine enfatiza:
Pois o obstáculo para correlacionar esquemas conceituais não é que haja
algo de inefável acerca da linguagem ou da cultura, próximas ou remotas.
(...) O obstáculo é apenas que qualquer correlação intercultural de palavras
e frases, portanto de teorias, será somente uma dentre várias correlações
empiricamente admissíveis. (...) não há coisa alguma a respeito de que uma
tal correlação possa ser a única certa ou errada. (QUINE, 1980h [1969], p.
130-131)
A verdade sobre o comportamento lingüístico é conhecida dentro do esquema
conceitual, mas quando correlacionado com outra cultura, podem aparecer várias
alternativas e nenhuma delas pode ser fixada. Não há como sair do esquema
conceitual que se está para avaliar outro. Trata-se da tese da incomensurabilidade
das teorias, que inspirou Kuhn. Este tema não será desenvolvido neste trabalho pois
o foco é a epistemologia naturalizada. A noção de esquema conceitual vale,
portanto, e é sustentada pela naturalização da epistemologia, tema esse do próximo
capítulo.
69
3 A EPISTEMOLOGIA NATURALIZADA COMO MELHOR EMPREENDIMENTO
CIENTÍFICO E FILOSÓFICO
3.1 Willard Quine: por uma epistemologia naturalizada
A influência do Círculo de Viena sobre a epistemologia expressa-se de forma
mais acentuada na tentativa de fundamentar as ciências pela lógica matemática.
Mas Kurt Goedel, mostrando a complexidade dos fundamentos matemáticos,
mostrou ser impossível a busca da certeza de uma redução da epistemologia á
matemática. Mesmo assim, o sonho de uma redução persistiu. Tentou-se então
reduzir o conhecimento às experiênciassensíveis; efetuou-se a tentativa de uma
construção lógica dos dados dos sentidos (das vivências).
Quine contestou a possibilidade de uma tal reconstrução. As reduções o
chegavam a uma equivalência total, forçando a criação uma estrutura fictícia. Para o
autor, melhor seria descobrir como a ciência se desenvolve e é aprendida.
Quine chega à essa conclusão em virtude de sua preocupação com a recusa
das noções intensionais, focalizada nos capítulos anteriores. Não acesso ao
significado de enunciados. Para se saber o que uma sentença quer dizer, um
conjunto de enunciados deve ser observado além de suas evidências, mas a
linguagem é social.
O uso das diversas ciências naturais, especialmente a psicologia,
enriqueceria a epistemologia. Buscar as causas dos acontecimentos e do
conhecimento seria mais prudente do que fixar um significado lingüístico. A ciência é
processo no mundo; está em constante transformação. O estudo deve ser sobre um
sujeito humano em condição natural, submetido aos estímulos do mundo externo e
sua história.
A verdade da sentença observacional repousa na concordância intersubjetiva
provinda de estímulos atuais. Para se comparar sentenças entre línguas precisa ser
levado em conta uma generalização empírica e um acordo comum sobre os
estímulos das sentenças.
A epistemologia, para seu enriquecimento, pode deixar de limitar-se a um
domínio específico e imbricar-se junto às ciências naturais, naturalizando-se.
Para chegar a esta postura naturalista Quine, muito percorreu. Teve de
desconstruir dogmas do empirismo, por exemplo, como se pode observar no
70
primeiro e segundo capítulos. Para Vidal (1989), é a teoria do aprendizado da
linguagem que justifica a crítica à dicotomia analítico-sintético. Na fase da
interanimação dos enunciados não mais como separar qual enunciado “deriva de
resposta direta a estímulos físicos e qual é resposta a outros enunciados onde os
componentes ‘relato’ e ‘invenção’ se tornaram indiscerníveis” (VIDAL, 1989, p. 52).
Abrantes (1994) afirma que a epistemologia se mantinha presa ao fundacionismo.
Com a possibilidade de se rever as teorias, ou seja, no âmbito da epistemologia
naturalizada, ganha-se em conhecimento.
O abandono do projeto fundacionista (a priori) fora de grande valia para as
ciências bem como para a epistemologia. Da crítica ao a priori kantiano realizada por
Quine, Kitcher conclui que “O nosso conhecimento está inserido na história do
conhecimento humano e é inseparável dela” (KITCHER, 1998, p. 52). Quine jamais
deixaria de afirmar-se empirista. O estudo empírico constitui-se uma das principais
características dos autores naturalistas em epistemologia. A lógica perde lugar para
a psicologia na discussão epistemológica. Kitcher afirma que “os naturalistas
compreendem os membros da nossa espécie como sistemas cognitivos altamente
falíveis, produtos de um longo processo evolutivo” (KITCHER, 1998, p. 52). Para
Kitcher, a naturalização epistemológica seria a ‘reforma da epistemologia pós-
fregeana’ em que três elementos principais devem ser empreendidos: a recusa do
apsicologismo, o projeto epistemológico deve firmar-se na descrição de processos
confiáveis e, a negação da possibilidade do conhecimento a priori. Kitcher ainda
advoga que devam ser preservados os valores normativos da epistemologia
tradicional além das contínuas reflexões sobre o método dos cientistas. Ele estaria
particularmente interessado em investigar como o desempenho cognitivo dos
sujeitos epistêmicos pode ser aperfeiçoado, ou seja, num projeto epistemológico
melhorativo. Este naturalismo epistemológico mais brando não seria tão radical
quanto os que advogam a função descritiva das disciplinas epistemológicas
concebidas no interior da psicologia. Quine é por vezes considerado neste segundo
grupo como um autor eliminativista.
Outra questão fundamental para Quine desembocar numa epistemologia
naturalizada, termo por ele forjado
19
, fora a análise do aprendizado lingüístico. Para
Vidal, a teoria do aprendizado lingüístico serve de sustentação para as teses
19
Conferir ABRANTES, 1998, p. 12.
71
filosóficas: “Nossa leitura da filosofia de Quine nos induz à convicção de que é sua
teoria do aprendizado da linguagem que fundamenta o conjunto de suas teses
filosóficas...” (VIDAL, 1989, p. 52). Para Vidal, é de fundamental importância
compreender que Quine desenvolve um sistema filosófico e somente no interior
deste sistema é que suas teses se explicam e adquirem sentido
20
. O projeto
epistemológico de Quine é, para Vidal, o grande motivador de suas investigações.
Tal projeto pode ser esboçado na pergunta ‘Dada somente a evidência de nossos
sentidos, como chegar a nossa teoria de mundo?’
21
.
De fato, a teoria do aprendizado lingüístico serve como estrutura para instigar
as questões epistemológicas; constitui-se uma ponte entre as teses. Vidal resume:
O processo de aprendizado da linguagem exige que sejamos capazes de
utilizar estruturas lógicas, referenciais, lingüísticas e culturais, que
ultrapassam enormemente as estimulações sensoriais que desencadearam
esse processo. Nossas convenções, nosso poder de ‘invenção’, completa
as lacunas deixadas pelos dados objetivos. (VIDAL, 1989, p. 51)
A teoria do aprendizado lingüístico comporta fases com graus diferentes de
sofisticação. A fase da interanimação das sentenças é uma das mais importantes
fases do processo que, além de expandir as primeiras etapas, é vital para o
discurso, ampliando e tornando-o mais complexo.
A consciência de que o discurso extrapola os dados sensíveis leva Quine a
sugerir uma nova abordagem da epistemologia que empreenderia melhores
resultados contribuindo para o avanço em suas investigações. Esta nova abordagem
é a epistemologia naturalizada que pretende responder à questão epistemológica
fundamental do autor, a saber, a da magra entrada e a saída torrencial.
Muitos pensadores refletiram sobre a naturalização epistemológica. Há os que
criticam tal abordagem e expressam-se contra tal processo
22
. Mas, a maior parte dos
autores é favorável à tal procedimento
23
. A postura naturalista também comporta
graus; há muita divergência na perspectiva naturalista
24
.
A Epistemologia Naturalizada pode ser considerada uma nova abordagem
para a filosofia, e ela se deve em grande parte a Quine. Sua reivindicação é de que
20
Cf. Vidal, 1989, p. 41.
21
Cf. Quine, 1974, p. 1.
22
Conferir BONJOUR, L. Contra a Epistemologia Naturalizada, 1998, p. 171-202.
23
Conferir, por exemplo, KITCHER, P. O retorno dos Naturalistas, 1998, p. 27-108.
24
Para um melhor desenvolvimento deste tema conferir: ABRANTES, P. Epistemologia e Cognição,
1994; ABRANTES, P. Naturalismo Epistemológico, 1998; KORNBLITH, H. Naturalismo: Metafísico e
Epistemológico, 1998.
72
a única ‘função’ da epistemologia é descrever o modo como o conhecimento é
atualmente obtido, dito de outro modo, a função da epistemologia é descrever como
a presente ciência chega às teorias aceitas pela comunidade científica.
Willard Quine foi um filósofo que professou ao longo de sua obra uma defesa
da naturalização epistemológica. Para este autor, esta postura enriquece os
empreendimentos científicos e filosóficos. Passemos a analisar essa importante
contribuição de Quine.
3.2 A naturalização epistemológica advogada por Quine
A partir da análise do artigo ‘Epistemologia Naturalizada’ (1980e [1969]) é
possível se chegar aos principais argumentos favoráveis à naturalização
epistemológica advogada por Quine e mostrar porque ela é uma das mais
importantes contribuições do autor.
A preocupação da epistemologia naturalizada é descrever como se chega às
teorias que são aceitas pela comunidade científica. Quine inicia seu artigo
afirmando: “A epistemologia se interessa pelos fundamentos da ciência” (QUINE,
1980e [1969], p. 157). Se assim se concebe a epistemologia ela tem um campo
bastante amplo de investigação; a ciência é ampla, seus fundamentos talvez sejam
os grandes responsáveis pelas ‘teorias aceitas’.
O estudo dos fundamentos da matemática foi um dos ramos da ciência
bastante estudado e se pensou poder reduzir a matemática à lógica. No entanto,
conseguiu-se reduzi-la apenas à teoria dos conjuntos que não tem a mesma certeza
que os teoremas da matemática possuem. Tal prodigalidade com a matemática
poderia trazer luzes para outras partes da epistemologia, afirma Quine.
No estudo dos fundamentos da matemática detinha-se sobre os aspectos
conceituais, voltados ao significado; e os doutrinais, que respondiam pela verdade.
Pretendia-se gerar certezas nas idéias, e teoremas verdadeiros. As definições
gerariam conceitos claros e distintos e os teoremas tomariam por base verdades
evidentes.
Quine, com sua formação de lógico, sustenta a obviedade das verdades
lógicas e a possibilidade de se afirmar as verdades da matemática em verdades
lógicas se a matemática fosse redutível em todo somente à lógica.
É justamente esse ponto que Quine vai questionar. Não como aceitar,
nessa redução, a clareza, a certeza e a obviedade porque a matemática não se
73
reduz inteiramente e apenas à lógica. Sua redução também à teoria dos conjuntos
não garante a segurança esperada; não revela a certeza matemática. Kurt Goedel,
matemático e lógico, provou que nenhum sistema axiomático poderia cobrir a
matemática.
Impossibilitados de chegar aos fundamentos da matemática, também deve
desabar o interesse da epistemologia em fundar as ciências pela lógica matemática.
Analisando o fracasso do projeto reducionista da matemática, Quine compara
esse estudo que pode ser aplicados à epistemologia do conhecimento natural. Quine
afirma a existência de um paralelo entre a bifurcação dos fundamentos da
matemática (teoria dos conceitos ou do significado e teoria da doutrina ou da
verdade) com o conhecimento natural que se baseia na experiência sensível: “Isto
significa explicar a noção de corpo em termos sensoriais; eis o aspecto conceitual. E
significa justificar o nosso conhecimento de verdades da natureza também em
termos sensoriais; eis o aspecto doutrinal da bifurcação” (QUINE, 1980e [1969], p.
158).
Hume haveria examinado os dois lados da bifurcação, mas somente
prosperou quanto ao aspecto conceitual ao identificar os corpos diretamente às
impressões sensoriais.
25
Quanto ao aspecto doutrinal Quine afirma: “O impasse
humiano é o impasse humano” (QUINE, 1980e [1969], p. 158). Ainda não se
conseguiu ir além de Hume, isto é, enunciados sobre impressões dos sentidos não
podem prover conhecimento. No entanto, no lado conceitual houve progresso. Com
o trabalho de Hume, enunciados singulares sobre corpos já permitiam que a verdade
fosse aparentemente conhecida diretamente, mas o mesmo não ocorria com
enunciados gerais e enunciados singulares sobre o futuro.
Bentham marcou decisivamente um ponto com a definição contextual, a que
chamou de paráfrase. Explica Quine: “Ele reconheceu que para explicar um termo
não é preciso especificar um objeto para o termo referir, nem mesmo especificar
uma palavra ou frase sinônima; basta apenas mostrar, por um meio qualquer, como
traduzir cada uma das sentenças inteiras em que o termo pode ser empregado”
(QUINE, 1980e [1969], p. 158). Com este passo, ou seja, com o reconhecimento da
sentença como veículo primário de significado, não mais apenas um modo de se
25
Quine faz uma interessante observação em seu texto ao relatar que somente depois de um século
do Tratado de Hume um americano esposou esta concepção a respeito dos corpos serem
identificados às impressões sensoriais.
74
falar sobre corpos identificando-os às impressões, além do mais, tal feito fora
indispensável para futuros desenvolvimentos dos fundamentos da matemática,
empregados por Frege e Russell, por exemplo. É a sentença e não a relação de
referência entre nome e objeto, a portadora de justificação.
Quine destaca que a definição contextual e a teoria dos conjuntos são os dois
triunfos que se esperava atingir em relação ao aspecto conceitual da epistemologia
do conhecimento natural. No entanto, ainda afirma o autor, divergências quanto
ao status epistemológico dos dois recursos. A definição contextual parece ser mais
segura; a sentença como um todo que recebe significado também o repassa aos
seus termos, mesmo que tomados isoladamente. A teoria dos conjuntos, embora
não se tenha certeza, parece invocar a inteira ontologia abstrata da matemática.
Fazendo uso de tal recurso, no entanto, um enriquecimento, desde que se esteja
disposto a correr o risco de dispensar a firmeza da ontologia austera das
impressões.
Russell usou tanto da teoria dos conjuntos quanto da definição contextual:
“Dar conta do mundo exterior como um constructo lógico a partir de sense data
esse era o programa, em termos russellianos. Foi Carnap, no seu Der logische
Aufbau der Welt de 1928, quem chegou mais perto de sua execução” (QUINE,
1980e [1969], p. 159).
No lado doutrinal nada se alterou. O ponto em questão é que mesmo se
conseguindo traduzir as sentenças do mundo em termos de observação, não
garantia de que se possa provar esta sentença nesses termos: “A generalização
mais modesta acerca de traços observáveis cobrirá casos em maior número do que
aqueles que poderão vir a ser observados efetivamente por quem a profere”
(QUINE, 1980e [1969], p. 159-160). A ciência natural não pode ser fundamentada
sobre a experiência imediata. Desaba de vez a busca da certeza cartesiana visada
por aquela epistemologia. Este argumento de Quine é a base da enunciação da tese
da subdeterminação da teoria em relação à experiência que será melhor
desenvolvida adiante.
Restaram, ainda assim, porém, no lado conceitual, dois motivos pelos quais
Carnap persistiu em seu projeto: esclarecer a evidência sensorial para a ciência; e
aprofundar o conhecimento do discurso sobre o mundo.
Carnap buscou reconstrução racional que visava exibir o conteúdo sensorial
do discurso, ou seja, construir um discurso fenomenalista em termos de experiência
75
sensível, lógica e teoria dos conjuntos.
Os desenvolvimentos na epistemologia fizeram cair o empirismo ingênuo.
Percebeu-se que a ciência não é derivada do mundo exterior pela evidência
sensorial. Mas Quine afirma que duas teses do empirismo se mantiveram: 1. em
termos de evidência, a ciência dispõe de evidência sensorial. 2. o processo de
inculcar significados deve repousar na evidência sensorial. Quine usa esta segunda
tese ao desenvolver sua noção de sentença observacional, que será tratada ainda
neste tópico.
Para se chegar à imagem de mundo, a única evidência é a estimulação dos
receptores sensoriais. Segundo Quine, para ver como esta construção se processa,
a psicologia daria conta, ainda mais agora que não mais se pretende validar os
fundamentos da ciência empírica, tarefa esta que a psicologia não poderia realizar.
Mas Quine não afirma sua restrição à psicologia, nem sugere a substituição da
epistemologia por esta: visto que não mais se sonha em deduzir a ciência a partir de
observações, mas apenas observar o elo entre as duas, a observação e a ciência,
para tal, qualquer informação disponível pode ser empregada inclusive a informação
da própria ciência que se está estudando, diz Quine.
Uma razão para favorecer a reconstrução criativa, ao invés da psicologia,
seria a possibilidade de traduzir a ciência em lógica, termos observacionais e teoria
dos conjuntos. Se tal passo fosse possível seria, afirma Quine, um grande feito
epistemológico, pois, em teoria, os outros conceitos da ciência mostrariam-se
secundários. A lógica, termos observacionais e teoria dos conjuntos seriam
legitimados ao passo que os conceitos físicos poderiam ser dispensados.
Mas Carnap, que esboçou uma construção lógica no Aufbau (1929), como se
observou na crítica de Quine, não ofereceu nenhuma chave para esta redução
tradutiva. Ele mesmo perdeu as esperanças de realizar tal processo ao preferir as
formas redutivas que, ao ver de Quine, não oferecem equivalências, apenas
implicações. Pelo lado doutrinal, o Aufbau acaba num impasse: não é possível obter
certeza pelas experiências imediatas. Pelo lado conceitual permanecem duas teses:
a da evidência sensorial e a de que o significado depende de alguma forma daquela
evidência. Permanece o problema em Carnap de como traduzir as sentenças da
ciência através de observação, lógica e teoria dos conjuntos e nem a definição
contextual resolve esse problema.
Quine descarta as formas redutivas de Carnap e afirma a impossibilidade de
76
se chegar à reconstrução racional que, através da definição, ofereceria uma redução
por tradução, uma legitimação por eliminação. Se somente se espera ver como a
teoria se relaciona com a observação, se o único apoio da ciência é o observacional,
então melhor ficar com a psicologia, mas a psicologia não pode fundar a
epistemologia: “É melhor descobrir como de fato a ciência se desenvolve e é
aprendida, do que fabricar uma estrutura fictícia para efeitos similares” (QUINE,
1980e [1969], p. 162).
O empirismo vai perdendo sua ingenuidade para se robustecer: as verdades
da natureza não são deduzidas à evidência sensorial e tais verdades tampouco são
traduzidas em termos de observação e auxiliares lógico-matemáticos. No ver de
Quine, abandonar essa tradução é fazer uma importante concessão: “os significados
empíricos dos enunciados típicos sobre o mundo externo são inacessíveis e
inefáveis” (QUINE, 1980e [1969], p. 162). Além do mais,
o enunciado típico sobre corpos não dispõe de nenhum cabedal de
implicações ao nível da experiência que possa ser dito próprio a ele. Uma
massa substancial da teoria, tomada em conjunto, terá comumente
implicações no domínio da experiência; é assim que fazemos predições
verificáveis. É possível que não sejamos capazes de explicar por que
chegamos a teorias que fazem predições bem sucedidas, mas o fato é que
chegamos a tais teorias. (QUINE, 1980e [1969], p. 162)
Talvez esta seja a grande questão epistemológica do autor: compreender
como a ciência pode explicar ou descrever o mundo. Esta atitude deve passar pela
análise semântica. O argumento acima, de Quine, é o principal em favor de sua
crítica às noções intensionais detalhadas nos capítulos I e II.
O ponto que Quine quer marcar é que os enunciados de uma teoria tomados
um a um não tem significados empíricos. O todo ou ao menos uma porção
abrangente da teoria é que pode reivindicar por um significado (holismo semântico).
Pode haver enunciado(s) falso(s) numa teoria, difícil é descobrir qual seja, uma vez
que um conjunto de enunciados é responsável por prever as experiências (holismo
epistemológico). Para se chegar a uma construção lógica do mundo seria necessário
traduzir em termos observacionais e lógico-matemáticos o todo sem que as partes
fossem examinadas, ou seja, as sentenças ou os termos. Entretanto, ao invés de
arriscar uma tal tradução, Quine prefere falar em evidência observacional para
teorias, uma vez que isto ainda seria possível de ser classificado como significado
empírico das teorias.
E, nesse caso, como traduzir o todo de uma língua para outra? Não seria
77
possível a tradução de sentença a sentença, se cada uma não forme
correspondência com o todo. A tradução pode ser considerada quando se
mantém, no todo de que se está traduzindo, o saldo de implicações empíricas. Difícil
seria equiparar apenas as sentenças. O ponto marcado pelo autor é que se poderá
traduzir de diferentes maneiras de uma língua para outra uma teoria, por exemplo, e
não se saberá ao fim qual delas é a mais correta. Há desvios na tradução de
sentenças que compõem uma teoria. Cada desvio pode ser compensado
diferentemente nas diversas traduções.
O mentalista que concebe termos ou sentenças como rótulos ligados a idéias
estocadas na mente, diz Quine, não se ameaçado por tal espécie de
indeterminação. Mas a indeterminação da tradução de sentenças teóricas é uma
conseqüência natural se a teoria verificacional do significado for concebida com a
contribuição de Peirce de que ‘o significado de uma sentença depende puramente
do que vier a ser considerado como evidência para a sua verdade’ e com Duhem de
que ‘as sentenças teóricas possuem evidência, não enquanto sentenças isoladas,
mas enquanto grandes blocos de teorias.’ Além disso, a maioria das sentenças
são teóricas; as sentenças observacionais são umas das poucas que não se
encaixam nesta definição. Se é assim, então toda noção geral de significado
proposicional deve ser ligada a estado de coisas.
Quine está certo de que quando se trata das questões do significado
lingüístico deve-se ser empirista. Isto está explícito na tradução e na aprendizagem
da língua em que o que conta é o significado empírico. “A linguagem é socialmente
inculcada e controlada. Inculcar e controlar dependem estritamente da ajustagem
das sentenças aos estímulos externos” (QUINE, 1980e [1969], p. 163).
Na análise da linguagem, duas situações sempre são levadas em conta para
Quine: o aprendizado da criança e o aprendizado de um lingüista em contexto de
tradução. Tanto num quanto noutro, os estímulos externos são imprescindíveis para
haver significado. Quine mostra a importância de se marcar o fato de haver
indeterminação da tradução, principalmente nos contextos de tradução radical, mas
nem por isso ela deixa de servir às diversas situações.
A consideração de Quine de que ‘um enunciado sobre o mundo não tem
sempre ou não tem freqüentemente um cabedal de conseqüências empíricas que
possa ser isolado e dito próprio a ele’ (QUINE, 1980e [1969], p. 164), serviu para
argumentar em favor da indeterminação da tradução bem como da impossibilidade
78
de se reduzir as sentenças a sentenças em termos observacionais e lógico-
matemáticos. A redução epistemológica, afirma Quine, era a última vantagem que a
reconstrução racional poderia ter sobre a psicologia. Essa redução exige que para
cada sentença deva se encontrar uma equivalência em termos observacionais e
lógico matemáticos. E, como isso não era possível, esse seria o fim desta visão da
epistemologia e o começo do triunfo da psicologia.
Wittgenstein, como o próprio Quine descreve, foi um filósofo que não pensou
no fim da epistemologia. Sua filosofia repousa na terapia, ou seja, no trabalho de
desconstruir os ‘problemas filosóficos’. Nas palavras de Rorty, Wittgenstein é um
filósofo edificante em oposição aos filósofos sistemáticos.
A posição de Quine, diferente ainda da de Wittgenstein, é também positiva:
Acho, entretanto, que nesse ponto seria talvez mais útil dizer, em vez disso,
que a epistemologia continua a avançar ainda, embora num novo quadro e
com um status clarificado. A epistemologia, ou algo que a ela se assemelhe,
encontra seu lugar simplesmente como um capítulo da psicologia e,
portanto, da ciência natural. Ela estuda um fenômeno natural, a saber, um
sujeito humano físico. Concede-se que esse sujeito humano recebe uma
certa entrada experimentalmente controlada certos padrões de irradiação
em variadas freqüências, por exemplo – e no devido tempo o sujeito fornece
como saída uma descrição do mundo externo tridimensional e sua história.
A relação entre a magra entrada e a saída torrencial é a relação que nos
sentimos estimulados a estudar um tanto pelas mesmas razões que sempre
serviram de estímulo para a epistemologia; ou seja, a fim de ver como a
evidência se relaciona à teoria e de quais maneiras as nossas teorias da
natureza transcendem qualquer evidência disponível. (QUINE, 1980e
[1969], p. 164)
Quine realiza uma guinada da epistemologia em direção à psicologia. O faz
para marcar que o estudo da epistemologia se faz sobre um sujeito humano físico,
um fenômeno natural, que está em um mundo também físico e natural. A
epistemologia deve ser concebida sob um novo quadro e com status clarificado. Mas
as razões que motivam seu estudo são semelhantes às da epistemologia tradicional,
a saber, a relação entre evidência e teoria e como as teorias transcendem a
evidência, como já se frisou no início do capítulo.
A epistemologia deve imbricar-se às ciências naturais, especialmente à
psicologia empírica. O método da epistemologia deve ser o método da psicologia, ou
seja, estudar empiricamente como o ser humano transforma seu input sensorial em
um output teórico.
O conhecimento, nesta aproximação, é um fenômeno natural, que procede da
conexão entre estimulações e teorias, mas pode ser estudado cientificamente. A
79
grande questão para Quine é que esta transição não precisa ser reconstruída, basta
compreender como ela ocorre, basta descrevê-la.
Uma das grandes influências do naturalismo de Quine é o desprendimento da
epistemologia do projeto fundacionista, ou seja, a epistemologia não é mais a
rainhas das ciências, ao contrário, a epistemologia e a ciência podem cooperar
mutuamente.
Quine descarta a reconstrução racional do empirismo lógico, mas
reconstruções praticáveis podem ser estudadas, mesmo as imagináveis, desde que
se fique com os processos psicológicos efetivos. Talvez o principal ganho com este
novo empreendimento epistemológico é que se pode fazer uso da psicologia
empírica.
A pretensão da epistemologia havia sido a de conter a ciência natural,
construindo-a a partir dos sentidos. Mas, para Quine, um envolvimento recíproco
entre a ciência natural e a epistemologia e a epistemologia deve utilizar-se dos
conhecimentos da psicologia empírica que é uma das ciências naturais. Tanto os
corpos quanto o próprio sujeito humano que os estuda, estão em mesma situação
no mundo. Tudo o que há no mundo, a epistemologia, a psicologia, a ciência natural,
é construção ou projeção a partir das estimulações. Porém, não se espera mais
deduzir a ciência aos sense data. Afirma Quine:
Estamos em busca de uma compreensão da ciência enquanto instituição ou
processo no mundo, e não pretendemos que essa compreensão seja
melhor do que a ciência que é seu objeto. Essa é, na verdade, uma atitude
que Neurath preconizava nos tempos do Círculo de Viena, com a sua
parábola do marinheiro que tinha que reconstruir seu barco enquanto nele
navegava. (QUINE, 1980e [1969], p. 165)
Para marcar o ponto de que a ciência é processo no mundo, Quine cita várias
vezes em seus textos a parábola de Neurath. E de fato, essa menção ao barco,
serve para marcar o fato de que a ciência é construída por seus diferentes aspectos
constituintes. Não nenhum mirante externo para se fazer essa reconstrução. A
ciência também não estaciona para a reforma; ela está em ajuste contínuo. E
mesmo enquanto se está a ajustá-la, é essa ciência que suporte, e é essa a
ciência à qual se pode apegar e fazer uso até que surja outra melhor.
Com a epistemologia, num quadro psicológico, resolve-se uma questão de
prioridade epistemológica. A consciência perde seu status de fonte do
conhecimento. Toda a observação que se pode ter agora é provinda da estimulação
80
dos receptores sensoriais. A consciência perde sua prioridade nesta porta de
entrada do mecanismo cognitivo. Quine descreve:
Agora que nos é permitido apelar para estimulações físicas, o problema se
dissolve; A tem prioridade epistemológica em relação a B, se A estiver
causalmente mais próximo dos receptores sensoriais do que B. Ou, o que
sob alguns aspectos é melhor, falemos apenas e explicitamente em termos
de prioridade causal, e não falemos mais em prioridade epistemológica.
(QUINE, 1980e [1969], p. 165)
Esta prioridade causal permitiu resolver outra grande questão, a saber, a das
sentenças observacionais, das quais se esperava a maior proximidade causal com
os receptores sensoriais. A questão deveria ser encarada, para Quine, em pleno
contexto do mundo externo. As sentenças observacionais são condicionadas por
estímulos, são as que, pelo aprendizado de uma língua, permitem localizar e
reconhecer o estímulo daquele momento. Esse é que leva à compreensão da
sentença. A estimulação presente é o principal fator, mas não se pode dispensar a
informação estocada. O significado pode depender de informações que vão além
daquela produzida pela sentença, mas isso não apoia a distinção analítico/sintético.
A aceitação de uma sentença da comunidade lingüística é aquela que é aceita pelo
exame do significado. O autor assim a definiu: uma sentença observacional é uma
sentença sobre a qual todos os que falam a língua pronunciam o mesmo veredito,
quando lhes é dada a mesma estimulação concomitante” (QUINE, 1980e [1969], p.
166-167).
As sentenças observacionais serão o tribunal intersubjetivo das hipóteses
científicas. Por dependerem da comunidade científica e da comunicação
intersubjetiva, as sentenças observacionais serão sobre corpos.
O fato de não mais se conceber a epistemologia como uma filosofia primeira,
reflete o fato de que a ciência não precisa mais ser baseada em algo mais firme e
anterior, como reivindicam as filosofias fundacionistas. Embora essa situação tenha
sido considerada muito negativa por muitos epistemólogos que até chegaram a
desacreditar da disciplina, Quine, ao contrário, concebe esse passo como grande
avanço. O esclarecimento da noção de sentença observacional, por exemplo, é
básica para os dois empreendimentos, a saber, o conceitual e o doutrinal das
sentenças, afirma o autor.
Com relação ao aspecto doutrinal, ou seja, em relação ao que é verdadeiro de
nosso conhecimento, que na história do desenvolvimento epistemológico foi o
81
aspecto menos privilegiado, a sentença observacional terá o envolvimento
significativo, mas que não deixa de ser o tradicional: “sentenças observacionais são
o repositório de evidência para as hipóteses científicas” (QUINE, 1980e [1969], p.
168).
o envolvimento das sentenças observacionais em relação ao aspecto
conceitual, que trata do significado, será também fundamental. Quine constata: “Elas
são a única via de acesso à língua” (QUINE, 1980e [1969], p. 168). As sentenças
observacionais serão básicas para a semântica; para o aprendizado do significado.
Diferente das outras sentenças, elas estão na periferia sensorial com um conteúdo
próprio. Elas são o agregado verificável mínimo. A própria indeterminação da
tradução não assombra as sentenças observacionais
26
.
O critério para decidir o que é uma comunidade lingüística, é o de haver
comunicação, diálogo, intersubjetividade. O que uma comunidade considera como
observacional pode variar. O discurso de especialistas difere do discurso de senso
comum.
Para Quine a sentença observacional tem validade, que essa validade
varia, mas nem por isso a epistemologia precisa ser rejeitada. Enfim, elementos
estáveis, isso porque há estímulos estáveis.
Uma conclusão central de Quine com relação à epistemologia naturalizada é
a de que a epistemologia se converte em semântica, ou seja, a epistemologia
centra-se na questão da evidência e o significado na verificação. E o autor completa:
“evidência é verificação” (QUINE, 1980e [1969], p. 168). Mas talvez a maior
implicação de uma epistemologia naturalizada, diz Quine, é o fato de o significado
deixar de se aplicar a sentenças singulares, uma vez que se tenha concebido as
sentenças observacionais e a fusão da epistemologia à psicologia e à lingüística.
As conseqüências da naturalização epistemológica assumem tamanha
importância na filosofia de Quine que ela constitui uma ‘eliminação de fronteiras’ que
vai contribuir “para o processo de investigações de natureza científica
filosoficamente interessantes” (QUINE, 1980e [1969], p. 168).
O próprio autor lança sua confiança sobre algumas áreas que podem ganhar
impulso com essa nova concepção; seriam elas as normas perceptuais, a
epistemologia evolucionista e a própria indução.
26
Cf. QUINE, 1960, p. 31-46.
82
O tópico da indução ganha a atenção de Quine especialmente por ser de
relevância psicológica e por poder contar agora epistemologicamente com os
recursos da ciência natural. O desenvolvimento desse tema pode ser acompanhado
em ‘Espécies Naturais’ (1980f [1969]) e conta como um dos desdobramentos da
concepção epistemológica naturalista de Quine. Na verdade, tal tema pode ser
considerado como uma aplicação da epistemologia naturalizada. Essa questão
recebe um desenvolvimento detalhado no próximo tópico.
As propostas de Quine em ‘Epistemologia Naturalizada’ explicam a
necessidade, para chegar à naturalização da epistemologia, de suas críticas às
noções intensionais e também o rompimento com os dogmas do empirismo, a
adoção das teses da indeterminação da tradução e da inescrutabilidade da
referência. É essencial o modo como Quine compreende e usa a teoria do
aprendizado lingüístico, teoria essa que acompanha a trajetória filosófica do autor.
Esse ponto é amplamente defendido por Vera Vidal, que demonstra haver um
sistema filosófico completo em Quine, e nele suas teses ganham sentido
27
. Outra
posição dessa autora consagrada pelos seus estudos acerca do autor, é a de que a
teoria do aprendizado lingüístico de Quine fundamenta seu projeto epistemológico:
“Nossa leitura da filosofia de Quine nos induz à convicção de que é sua teoria do
aprendizado da linguagem que fundamenta o conjunto de suas teses filosóficas...
(VIDAL, 1989, p. 52). Além do mais, para Vidal, o conhecimento está enclausurado à
rede verbal, sendo que o critério de certeza são as evidências sensíveis (sentenças
de observação) às quais a comunidade linguística tem acesso. Nesse sentido, Vidal
conclui que a tarefa principal do epistemólogo é a de investigar as relações entre
nosso discurso e a realidade, entre palavra e objeto” (VIDAL, 1989, p. 44).
3.3 Uma aplicação da epistemologia naturalizada
Pode-se afirmar que uma das mais explícitas aplicações da epistemologia
naturalizada, um tópico de relevância psicológica abordado por Quine no novo
quadro, ou seja, com a epistemologia fazendo uso das ciências naturais, é o da
indução. A evolução ajudaria no seu esclarecimento, afirma o autor. Esta questão é
tratada em ‘Espécies Naturais’, em que o autor defende um ‘faro inato’ que o ser
humano teria pelas espécies naturais: “Um padrão de similaridade é, num certo
27
Cf. VIDAL, 1989, p. 41.
83
sentido, inato. Isso não vai contra o empirismo; trata-se de um lugar-comum da
psicologia comportamental” (QUINE, 1980f [1969], p. 190). Quine afirma que um
espaçamento prévio de qualidades que possibilitam o hábito. Para o autor, é preciso,
para explicar isso, investigar a natureza da noção de espécie natural e observar sua
relação com a ciência.
A noção de espécie, ou de similaridade, é uma noção dúbia, e o senso de
similaridade, diz Quine, é a noção mais básica para o pensamento e para a
linguagem. Quando se aprende a empregar uma palavra, observa-se uma dupla
semelhança: “primeiramente, numa semelhança entre as circunstâncias presentes e
passadas em que a palavra foi empregada, e, em segundo lugar, numa semelhança
fonética entre a presente elocução da palavra e as suas elocuções passadas. E toda
expectativa razoável se apóia numa semelhança de circunstâncias e ao mesmo
tempo na nossa tendência de esperar que causas semelhantes tenham efeitos
semelhantes” (QUINE, 1980f [1969], p. 186).
No entanto, a noção de similaridade não pode ser relacionada com termos
lógicos, mas é um passo de maturidade quando a noção de espécie ou similaridade
se dissolve, ou seja, quando pode ser analisada nos termos específicos da ciência e
da lógica. Este seria um marco: a passagem para a ciência e para a lógica.
Quine sublinha o fato de a noção de similaridade ser fundamental,
especialmente no aprendizado lingüístico, principalmente o aprendizado por
ostensão. A maior parte do processo, afirma Quine é inconsciente; são respostas a
estímulos recebidos. O aprendizado se por ensaio e erro, uma vez que a
similaridade comporta graus. Mas outros modos de aprendizado lingüístico mais
complexos em que a dispersão e a individuação são relevantes que, no entanto, não
são focos deste nosso atual estudo.
um padrão inato de similaridade e esse gera expectativas, como a
indução, que nada mais é do que expectativa animal ou formação de hábitos, diz
Quine. A indução funciona bem no aprendizado ostensivo de palavras porque o
espaço qualitativo dos seres falantes é muito próximo. Mas a indução merece
confiança ao tratar de questões mais amplas da natureza das quais diverge o
espaço qualitativo humano? Fato é que regularidades na natureza, mas porque?
Darwin é defensor da teoria da seleção natural e, se o espaço qualitativo está ligado
aos genes, então predominaram as induções provindas de espaçamentos
qualitativos de seres humanos e da natureza que concordam muito umas com as
84
outras. E de fato parecem estar muito próximas.
Nesse ponto, Quine resiste na defesa do naturalismo. Ele crédito a um
padrão inato de similaridade que nem sequer dispõe de justificativas científicas. O
importante é que com tal padrão inato dando suporte à indução se tem melhores
chances de fazer boas previsões. Ele funciona pelo espaçamento (para cores, por
exemplo), e permite a formação de hábitos.
O bom funcionamento da indução no aprendizado não se estende com o
mesmo sucesso para a solução do problema filosófico da indução. De qualquer
modo é fato que regularidades e os padrões inatos caminham juntos com a
evolução da espécie.
O que Quine quer deixar claro é que a filosofia e a ciência são atividades em
continuidade uma com a outra. A filosofia, esposando o naturalismo epistemológico,
não tem pretensão de fundar as ciências. Diz Quine: “todas as descobertas
científicas, todas as conjecturas científicas presentemente plausíveis podem prestar-
se a usos filosóficos, como a outros quaisquer” (QUINE, 1980f [1969], p. 192).
Portanto, é possível notar que tanto o padrão de similaridade que não comporta
explicações científicas quanto à indução por ele gerado que também não recebe
explicação científica satisfatória, não devem por esse motivo serem
desconsiderados. O argumento de raciocínio circular não é mais ameaça, uma vez
que se esteja esposando o naturalismo. Quine usa novamente a comparação de
Neurath do marinheiro que conserta seu navio em alto mar e conclui referindo-se à
indução: “A seleção natural de Darwin é uma explicação parcial plausível” (QUINE,
1980f [1969], p. 193). Nesse sentido, também Quine parece apelar ao darwinismo
para responder ao ceticismo e ao problema da indução. A teoria da evolução é uma
forte referência para os naturalistas.
Quine não é ingênuo a ponto de apostar todas as fichas na indução e
reconhece que a indução tem falhas patentes. O próprio padrão de similaridade
pode prestar-se melhor para alguns usos do que para outros: “Vivendo como vive,
tanto de ciência básica como de pão, o homem se dilacerado. Coisas relativas a
seu senso inato de similaridade, que numa esfera são úteis, podem ser um estorvo,
na outra” (QUINE, 1980f [1969], p. 193). Mas mais adiante o autor afirma que a
seleção natural dotou o homem de dois recursos: o do espaçamento para perceber
cores e o de agrupar espécies por acerto e erro. Os padrões de similaridade seriam
progressivamente modificados para fins científicos: “Pelo processo de teorizar por
85
ensaio e erro, reagrupou as coisas em espécies novas que se mostraram mais
convenientes do que as antigas, para muitas induções” (QUINE, 1980f [1969], p.
193). Pela afirmação do autor, entende-se que a noção de similaridade é inata mas
pode ser desenvolvida. No entanto, pode haver aquela que surja de teorias maduras
e já seja uma espécie teórica sem precisar ser a modificação de uma espécie
intuitiva a ponto de ele afirmar que: “Entre uma noção inata de similaridade ou
espaçamento de qualidades e uma outra, cientificamente sofisticada, toda sorte
de graus” Há uma justificação para tal que Quine apresenta logo em seguida: “Afinal,
a ciência difere do senso comum quanto ao grau de sofisticação metodológica”
(QUINE, 1980f [1969], p. 194). Esse argumento será retomado adiante. Para Quine,
o espaçamento qualitativo inato é preservado no ser humano ao mesmo tempo em
que, pela experiência, surgem reagrupamentos mais sofisticados em âmbito
científico, que facilitam, por sua vez, a indução. De tal modo que se está apto a usar
os padrões em diferentes contextos.
Ressaltando a importância do senso de similaridade ou de espécies tanto
para o aprendizado da linguagem, quanto para a indução e expectativa, e afirmando
que desta noção dependem outras, Quine conclui que a noção de indução e
expectativa são essenciais para a ciência: “A ciência parece enlodada desde o seu
âmago” (QUINE, 1980f [1969], p. 196). Mas Quine vai dizer que o lodo é fecundo e
reflete no progresso humano que resultou no desenvolvimento da ciência.
Quine ressalta dois pontos: o senso de similaridade evoluiu de acordo com a
seleção natural; e esse senso está em desenvolvimento e se reflete em melhores
predições. Essa dinâmica gera a crença de que o senso de similaridade, inicialmente
produto animal, inato, chega a engendrar-se na própria ciência, refletindo
maturidade. Embora com todo este avanço, Quine faz notar que não uma
definição científica da noção de similaridade, caracterizando-a como uma noção
turva. O que se tem é uma definição comportamental, mas em nível individual, de
que um objeto é mais similar do que outro: a é mais similar a b do que a c(QUINE,
1980f [1969], p. 197).
Quine quer marcar o fato de que a similaridade não depende da teoria, uma
vez que ela pretende ser uma relação objetiva no mundo. E, nesse sentido, alguns
ramos da ciência vão construindo seu conceito de similaridade alcançando sua
maturidade. Talvez até cada ciência possa ter uma definição própria de similaridade.
Chegando a tal, essa noção se torna supérflua, como conclui Quine:
86
Em geral, o fato de que um certo ramo da ciência não mais precise de uma
noção irredutível de similaridade e de espécie pode ser considerado como
um marco muito peculiar de sua maturidade. Esse é o estágio final, onde o
resquício animal é totalmente absorvido dentro da teoria. Na carreira da
noção de similaridade, começando na sua fase inata, desenvolvendo-se ao
longo dos anos à luz da experiência acumulada, passando em seguida da
fase intuitiva para a similaridade teórica, para enfim desaparecer
completamente, temos assim um paradigma da evolução da não-razão até a
ciência. (QUINE, 1980f [1969], p. 199)
Estas análises de Quine são coerentes e essenciais para apoiar suas teses
do naturalismo epistemológico. A preocupação epistemológica de Quine é
compreender como se dá a evolução do conhecimento, uma vez que se pode
constatá-la pela ciência. De outro lado, a própria ciência é resultado de uma
evolução, especialmente a psicologia, uma ciência tão gida quanto a física ou a
química. Nesse sentido, Quine contribui com uma série de posturas inéditas que se
traduzem em uma contribuição ímpar tanto para a filosofia quanto para a ciência.
Conservando a hipótese de que a epistemologia naturalizada está no centro dos
maiores empreendimentos filosóficos do autor, pretende-se destacar alguns desses
pontos.
3.4 O naturalismo como resposta ao projeto epistemológico quiniano
Nossa fala sobre coisas externas, nossa noção mesma de coisas, é apenas
um aparato conceitual que nos ajuda a antecipar e controlar as provocações
de nossos receptores sensoriais à luz de prévias provocações dos nossos
receptores sensoriais. As provocações, de início e por fim, são tudo o que
temos para seguir adiante. (QUINE, 1981, p. 1)
Quine está falando de coisas externas, pessoas e suas terminações
nervosas. E antecipa que a ciência é uma ponte conceptual que cada um constrói,
ligando a estimulação sensorial à estimulação sensorial.
A ponte conceptual é construída ao assumir objetos externos; consiste de um
ato mental, difícil de explicar comenta o autor. É preciso que o pensamento seja
expresso em palavras para se poder especificá-lo. Mas as palavras, alerta Quine,
assumem objetos somente enquanto uma questão de referência verbal a objetos.
As palavras, relembra Quine, são aprendidas pela associação das
estimulações com os receptores sensoriais, em outras palavras, trata-se de um
mecanismo de estímulo e resposta. A associação é direta nos casos em que a
palavra é aprendida por ostensão, mas ainda assim, não se deve considerar esta
87
questão como referência objetiva. A referência começa a emergir em degraus,
apenas com a predicação dos termos individuadores.
Quine reconhece que a visão de que a sentença é a noção primária em
semântica e de que tanto nomes quanto palavras dependem da sentença para
serem significadas se deve a Bentham. Esta visão propicia uma melhor
compreensão de como a linguagem é aprendida.
O que Bentham observou foi que você terá explicado alguns termos
adequadamente se você tiver mostrado como todos os contextos nos quais
você propõe a usá-los podem ser parafraseados em uma linguagem
antecedentemente inteligível. Quando isso é reconhecido, a análise
filosófica de conceitos ou explicações de termos cai em si. Sentenças vêm a
ser como o repositório primário do significado, e palavras parecem estar
absorvendo seu significado através de seu uso em sentenças. (QUINE,
1981, p. 3)
No caso da referência objetiva, a resposta de Quine é a cláusula relativa. Na
cláusula relativa o canal de referência passa a ser o pronome relativo. Os pronomes
relativos conseguem restringir-se a variáveis de quantificação. O autor conclui: “As
variáveis alcançam, como dissemos, sobre todos os objetos; elas admitem todos os
objetos como valores. Assumir objetos de toda sorte é contar esses objetos entre os
valores de nossas variáveis” (QUINE, 1981, p. 8).
Para Quine, os objetos que se assumem são corpos. A emergência da
referência dotou as sentenças ocasionais com o status de termos gerais que
denotam corpos e termos singulares que designam corpos. Os corpos assumidos
são, antes de mais nada, coisas. Tudo o que esta expansão da ontologia abarca,
neste estágio primitivo e mal definido da categoria de corpos, é chamado de objetos
físicos.
Além dos objetos físicos que se assume, também os objetos abstratos que
são assumidos. A resposta de Quine para esta ontologia imersa na epistemologia é
a inescrutabilidade da referência: “Dizer sobre quais objetos alguém está falando é
dizer não mais do que como nos propomos a traduzir seus termos para nosso
termos” (QUINE, 1981, p. 20).
A inescrutabilidade da referência perpassa as teorias. Para Quine é a
estrutura que importa à teoria e não a escolha de seus objetos. Todos os objetos,
inclusive os corpos, são objetos teóricos. Não são os termos, mas as sentenças
ocasionais que são condicionadas pelas estimulações:
88
São as sentenças ocasionais que reportam às observações nas quais a
ciência repousa. A produção científica é também sentencial: sentenças
verdadeiras, nós aguardamos, sejam verdades sobre a natureza. Os
objetos, ou valores de variáveis, servem meramente como indícios ao longo
do caminho, e nós podemos permutá-los ou suplantá-los como nos agradar
enquanto a estrutura sentença-por-sentença for preservada. O sistema
científico, ontologia e tudo, é uma ponte conceitual de nossa própria
produção, ligando estimulação sensorial a estimulação sensorial. (QUINE,
1981, p. 20)
Mas Quine também afirma sua crença em um ‘realismo robusto’, ou seja, sua
crença em coisas externas. A chave para conciliar estas posições está no
naturalismo, ou seja, no reconhecimento de que é dentro da ciência mesma e não
em uma filosofia primeira que a realidade há de ser identificada e descrita.
As considerações semânticas que estão por trás do naturalismo não buscam
acessar a realidade, mas analisar método e evidência, diz Quine. Portanto, as
considerações semânticas do naturalismo não pertencem à ontologia, mas à
metodologia da ontologia e, assim, à epistemologia.
3.5 A persistência de Quine em prol de um naturalismo forte
Para Quine não pode haver a idéia de uma linguagem sensorial auto
suficiente como fundação para a ciência. Antes, deveria-se refletir que a
sistematização das entradas sensoriais é o melhor empreendimento a que a ciência
está atrelada. A entrada sensorial é a resposta de Quine para a ciência. Note-se,
entretanto, que esta concepção de entrada sensorial não é ingênua; ela deve ser
concebida racionalmente. O segredo da ciência é a sistematização que se faz das
entradas sensoriais. Neste sentido, para Quine, as memórias que ligam experiências
passadas com presentes e induzem expectativas são, em sua maioria, memórias
não de entradas sensoriais, mas postulados científicos, coisas nomeadas e eventos
do mundo físico.
O naturalismo de Quine é a reconstrução racional da atual aquisição de uma
teoria responsável, acerca do mundo externo, independente de ela ser individual ou
da raça. O naturalismo epistemológico de Quine trata da questão de como nós,
habitantes físicos do mundo físico, podemos projetar nossa teoria científica sobre
aquele complexo mundo diante de nossos magros contatos com ele.
Quine reclama poucos impactos de superfície para as complexas teorias de
mundo que se produzem. A resposta de Quine é uma mudança radical de orientação
e de objetivo. O objetivo de Quine é tratar da ciência empírica mesma, com a
89
reconstrução racional intrometendo-se apenas nos interstícios conjecturais ou onde
complexidades de acidentes históricos escureceram a compreensão semântica que
se está buscando. A motivação ainda é filosófica, tal qual a motivação na ciência
natural tende a ser, e o inquérito procede fazendo pouco caso dos limites das
disciplinas, ao contrário, com respeito para com essas disciplinas e com desejo de
que elas estejam incluídas nas investigações. Não buscando, como a antiga
epistemologia, bases firmes para a ciência, leva à vantagem de se ter a liberdade de
usar todos os frutos da ciência nas investigações sobre as bases, raízes. Sintetiza
Quine: “É uma questão de, como sempre na ciência, de enfrentar um problema com
a ajuda de nossas respostas para outras” (QUINE, 1995, p. 16).
Tal qual os fundamentos de Carnap em seu ‘Aufbau’, Quine considera
experiências elementares, mas em sua analogia física é a classe temporalmente
ordenada de receptores ajustados durante aquele momento que recebe
consideração. O input é processado no cérebro, mas o que distingue um input de
outro é justamente o ajuste e a ordem em que estão os receptores. Este é para
Quine o ajuste físico correlato da experiência sensorial global de um momento, que é
chamada de estímulo global (global stimulus).
O estímulo global é fisicamente análogo com as experiências elementares de
Carnap. Quine considera a similaridade existente entre a relação de duas
experiências elementares em que uma se pareça com a outra. O autor qualifica a
analogia física como uma similaridade perceptual, que seja vista tal qual a relação
entre estímulos globais.
Por fim ainda uma similaridade receptual estreitamente relacionada às
terminações nervosas. Deve-se à similaridade a que as terminações nervosas irão
incluir frente à mesma situação.
A similaridade perceptual, por sua vez, é mais uma questão de efeito no
sujeito; uma questão de reação, afirma Quine. Tanto recepções similares quanto
desiguais podem ser perceptivamente similares. Muitas vezes esta questão é
indiferente.
O propósito de Quine em focar as terminações nervosas é o de compreender
a relação entre os contatos físicos limitados nos quais a teoria de mundo está
baseada.
Quine afirma que é a similaridade perceptual e receptual dos estímulos
globais que constituem a saliência. A saliência, por sua vez, é o fator operativo da
90
definição ostensiva. É a saliência ainda que permite a escolha das modalidades
sensitivas.
Os estímulos globais são, para Quine, os responsáveis pelas modalidades de
acordo com a saliência. Ao receber e perceber os estímulos, uma propensão,
aprendida ou intuitiva, a associar perspectivas. A base de toda expectativa, de todo
aprendizado e de toda formação de hábito repousa sobre a similaridade perceptiva.
Quine crê numa indução primitiva. Se aprendizado pela similaridade perceptiva,
esta não pode de todo ser aprendida; uma parte dela deve ser inata. Mas o autor
afirma que os critérios perceptivos de uma pessoa podem mudar radicalmente e até
rapidamente, dependendo da experiência e do aprendizado. E a respeito do valor
sobrevivente da indução primitiva Quine comenta:
Desse modo foi a seleção natural quem nos favoreceu com padrões de
similaridade perceptiva que se combina muito bem com a tendência natural,
fornecendo-nos sucesso melhor que ao acaso em nossas expectativas.
Assim é que a indução tão bem tem nos servido e a outros animais. O futuro
não se sabe como pode ser, mas nós persistimos cheios de esperança.
(QUINE, 1995, p. 19-20)
Quine advoga que a evolução favoreceu os seres humanos e inclusive alguns
animais. Através do fato de poder compartilhar informação a possibilidade de
ampliar os horizontes. Embora haja este envolvimento o autor ressalta o fato de que
tanto os estímulos globais quanto a similaridade perceptual, em parte inata e em
parte moldada pela experiência, são privados. Ainda assim uma preestabelecida
harmonia nos critérios da similaridade perceptual que Quine julga provenientes da
seleção natural. Confirma-se assim uma harmonia blica de critérios privados da
similaridade perceptual.
As mudanças subsequentes nos critérios tendem a se harmonizar devido ao
envolvimento e participação na sociedade. Um elemento muito importante que
desponta é a organização dos símbolos vocais e mais tarde a própria linguagem.
Quine afirma sermos dispostos a emitir sinais em situações apropriadas; e a
disposição é uma propriedade física.
É neste sentido que se configura a sentença observacional para Quine. Ela é,
num sentido primitivo, imitação de comportamento dos animais; são sentenças
ocasionais que se fazem verdadeiras em algumas ocasiões e falsas em outras.
Ademais, elas reportam intersubjetivamente situações observáveis, observáveis
naquele momento. Ou seja, é o mesmo que dizer que todos os membros da
91
comunidade lingüística estão dispostos a concordar com a verdade ou falsidade de
tal sentença imediatamente, uma vez que eles tenham percepção normal e
presenciem a ocasião.
Para estabelecer o parâmetro da linguagem pertinente à comunidade deve-se
observar o propósito do estudo. possibilidade de ajuste, ampliando-a ou não, de
acordo com a situação.
No sentido individual a sentença observacional é posta na linha da percepção
muito próxima ao estímulo global. Novamente é a harmonia preestabelecida que
garante a comunidade científica qualificar a sentença observacional. Quine
caracteriza esta harmonia como a responsável por toda a linguagem e por seus
precursores:
Nossas sentenças observacionais não são somente nossas reproduções
daquelas pré-humanas precursoras de linguagem, elas são o princípio da
linguagem. Elas são seu princípio não apenas pre-historicamente, como eu
presumo que sejam, mas também atualmente com o recrutamento de cada
nova criança na comunidade lingüística. Elas são o calço para a entrada da
criança na linguagem cognitiva, para elas são as expressões que podem ser
condicionas a estímulos globais sem a ajuda de linguagem a priori. (QUINE,
1995, p. 22-23)
As primeiras sentenças observacionais são aprendidas pela criança por
ostensão. Os primeiros termos aprendidos pela criança não denotam nada; são
apenas palavras para serem ditas em diferentes circunstâncias. No início do
aprendizado lingüístico a reificação e referência não entram em questão para a
criança.
Estando sob estimulação global, afirma Quine, a criança terá as
características principais apropriadas; características estas que não são verbais. E
mesmo que ainda muito nova a criança terá acumulado rapidamente um repertório
de sentenças observacionais. Ela tem uma agilidade inata para aprender novas
sentenças observacionais por ostensão e além disso logo aprende conectivos com
os quais pode compor novas sentenças observacionais a partir das que ela sabe.
Ao aprender ‘não’ e ‘e’, ela internaliza um pouco de lógica. Ela domina mais adiante
os conectivos ‘acima’, ‘antes’, ‘depois’, ‘dentro’, ‘ao lado de’ com os quais pode
entender as sentenças observacionais compostas. Ao aprender o truque, ela mesma
passa a aplicar os conectivos por analogia.
É significativo para Quine que nesta construção gramatical primitiva a criança
o primeiro passo em direção à reificação de corpos. Atenta a sentenças
92
observacionais como ‘preto’ ou ‘aquilo é preto’ e ‘cachorro’ ou ‘aquilo é um cachorro’,
a criança forma o composto ‘cachorro preto’ ou ‘o cachorro é preto’. Desde que os
termos não sejam reconhecidos como denotando algo, esta sentença observacional
pode ser parafraseada em qualquer um dos modos. Esta construção gramatical
primitiva é chamada por Quine de predicação observacional.
Neste estágio, afirma o autor, ‘cachorro preto’ e ‘o cachorro é preto’ não são
distinguidos, sendo que a predicação observacional é uma mera conjunção de
‘preto’ e ‘cachorro’. A predicação expressa o agrupamento compacto das qualidades
visuais que são características dos corpos.
Os primeiros objetos que são tomados como objetos são os corpos: “Corpos
são nossas primeiras reificações” (QUINE, 1995, p. 24). É em analogia à reificação
dos corpos que as futuras postulações de objetos ganham espaço. Os corpos são
distinguidos por características pessoais. O passo em direção à reificação dos
corpos, em seu esforço de agrupamento espacial é dado pela predicação, este
modo de compor sentenças observacionais. Mas neste ponto a reificação ainda não
está completa.
Mas o que Quine quer enfatizar é o primeiro passo que está por detrás das
sentenças observacionais ordinárias: uma generalizada expressão de expectativa.
Este é um modo de unir duas sentenças observacionais para expressar a
expectativa geral de que qualquer que seja a primeira sentença observacional, a
segunda também será completada; por exemplo: ‘Quando neva, está frio.’ Estas são
para Quine as primeiras leis científicas, pronunciadas com dificuldade, a que ele
chama de observações categóricas:
Na evolução da linguagem, e também no aprendizado dela da criança, o
salto das sentenças observacionais ordinárias para as observações
categóricas foi gigante. Eu gostaria de saber como isto acontece e como
elas são aprendidas. Este foi um desenvolvimento vital, para as
observações categóricas é a expressão direta da expectativa indutiva que
suporta todo o aprendizado. (QUINE, 1995, p. 25)
As sentenças observacionais ordinárias dependem puramente da observação:
aprende-se o que se pode ver de onde se está, afirma Quine. Mas as observações
categóricas avançam mais; elas propiciam o hábito e a indução que beneficiam o ser
humano com as expectativas generalizadas.
Quine ressalva que mesmo neste estágio não denotação, ou seja,
referência a corpos ou a objetos. A observação categórica somente afirma
93
concomitâncias ou sucessões próximas de específicos fenômenos separados.
Qualquer diferença em afirmativas de uma criança neste estágio seria meramente
qualitativa e não ontológica.
Ainda assim, conclui Quine, sob este ponto a modesta simulação naturalista
de uma velha investigação epistemológica está realizada em um estágio primitivo:
“Tem um esboço de uma cadeia causal dos impactos de raios e partículas em
nossos receptores para uma teoria rudimentar do mundo externo.” (QUINE, 1995, p.
26). Para a observação categórica há, na verdade, uma teoria de mundo sujeita ao
método experimental. Ela é uma mini teoria científica que pode ser testada
experimentalmente. É o preenchimento dos componentes de um categórico, em uma
dada ocasião, que definem se a teoria é refutada ou se ela é levada a ulteriores
considerações.
94
CONCLUSÃO
As teorias filosóficas são compatíveis com a ciência, mas o ponto que a
epistemologia naturalizada quer reivindicar é que haja um envolvimento maior entre
ambas; ela propõe que a ciência estabeleça uma regra positiva mais forte para a
epistemologia. É difícil saber qual seria esta posição. Quine, grosso modo, sugere a
epistemologia como um capítulo da psicologia, ou seja, o papel da epistemologia
daria-se descrevendo a relação entre a entrada sensorial e a saída das teorias.
Nesta relação as questões de justificação não caberiam; bastaria descrever a
teorização (theoretical output) (FOLEY, 1994, p. 246).
A ciência, que diz o mundo por meio de suas teorias, busca também predizer.
A generalização das teorias que busca predizer de modo mais preciso e seguro
deve, para Quine, ser guiada pelo método naturalista.
Neste processo de teorizar o mundo, de modo naturalista, não lugar para
uma realidade a priori; a construção teórica se a partir da informação empírica,
além de se contar com uma vasta teoria de fundo. Mas a observação não dá suporte
último às teorias, embora possa refutá-las; as teorias são testadas pela observação,
ou seja, afirma Foley, fazendo ciência, deve-se fazer predições que sejam
suscetíveis de teste. Ocorre, naturalmente, que muitas teorias possam ser revisadas.
Assim também pode ocorrer com as normas epistêmicas: elas estão em
continuidade com a ciência e, por isso, são também revisáveis.
Foley interessa-se especialmente pelo caráter das normas epistêmicas na
epistemologia naturalizada de Quine. Como conclusão, reconhece que no sistema
filosófico do autor as normas mais fundamentais são idênticas às normas da ciência
natural. Além disso, e principalmente, com a rejeição de Quine da distinção analítico-
sintético, a priori - a posteriori, necessário-contingente, em relação à verdade,
concebe-se que as normas epistemológicas mais fundamentais não podem ser
conhecidas a priori e nem são necessárias. Por isso afirma-se que elas formam uma
continuidade com a ciência; são parte do todo da teoria sobre o mundo e, portanto,
também revisáveis.
É, além disso, é a rejeição analítico-sintético que leva Quine a endossar o
holismo, no qual a justificação epistêmica dos primeiros objetos não são as crenças
individuais, mas antes, a completa teoria de mundo, ou seja, a completa teia rede
95
de crenças. A conclusão de Foley é a de que Quine não está fazendo epistemologia
em um modo fundamentalmente novo.
Peter Hylton, por sua vez, investiga como o naturalismo epistemológico de
Quine pode conciliar sua convicção de que as teorias são subdeterminadas pela
experiência com o seu realismo robusto de ‘Things and their place in theories’
(1981). Estão em jogo o problema da evidência x teoria; de reconciliar a
epistemologia com a ontologia. O projeto epistemológico de Quine, como se pode
ver em ‘The roots of reference’ (1974) e também em ‘Word and Object’ (1960) é o de
investigar o que, na ciência, é criação humana e o que é relato. Este projeto só pode
ser levado a cabo pelo naturalismo que nega a existência de uma filosofia primeira a
priori para a ciência. O naturalismo concentra o realismo que expressa a existência
do mundo exterior, do qual não se pode sair. Essa pode ser considerada uma
posição central no naturalismo quiniano, qual seja, a de que sempre se está a falar
dentro de uma teoria científica, de um sistema de mundo. Toda e qualquer tomada
de partido no campo epistemológico é feito internamente à uma teoria (interna à
ciência).
Portanto, para Quine, a melhor busca da verdade sobre o mundo é realizada
na ciência, sendo que a ciência é também o melhor método para prever a
experiência futura.
Davidson não aceita que a ontologia seja relativa. Quine afirma que não se
pode saber, pela observação do comportamento, a que termos singulares se referem
e nem tampouco sobre o que um predicado é verdadeiro. Davidson propõe um outro
projeto. Para Quine a relação entre objetos e palavras se pelo esquema
referencial em que emerge a tradução com os problemas da indeterminação e da
inescrutabilidade da referência. Davidson aceita as teses mas afirma que a
referência é relativa e não a ontologia. se pode explicar a verdade de sentenças
dentro de uma ontologia fixa na qual faz sentido a conexão entre palavras e objetos.
Segundo Davidson, nas teorias de verdade, entra em jogo o princípio de
caridade, que satisfaz as condições de verdade e faz com que cada sentença da
linguagem seja verdadeira ou falsa. Quando duas teorias satisfatórias diferem
quanto a termos singulares, o predicado ou o quantificador deve trabalhar. Davidson
afirma que a referência deve ser trabalhada em um contexto de teoria verdadeira;
para se assinalar a extensão de termos e predicados é necessário funções e
quantificadores. Referência está no campo de satisfação que requer uma definição
96
de verdade para sentenças próximas.
Nesse sentido, o falante tem uma atitude frente a situações ou eventos
objetivos e responde dando atenção para a elocução das sentenças, de modo que a
referência seja relativa à situação, mas não é da ontologia que se trata. Para
Davidson, a necessidade de se reportar à ocasião e para o objeto, ao passo que
Quine relativiza tudo a uma linguagem de fundo que é constituída pelo
comportamento como resposta a estímulos. Para Davidson, a referência se
apresenta na linguagem em relação aos pontos que demandam um entendimento da
elocução. A referência é maleável e inescrutável, o que não demanda, porém, a
relatividade ontológica.
A verdade das teorias depende, nesta concepção, da estrutura das sentenças
e são elas, com sua verdade, que se conectam com o mundo e não a relação
palavra-objeto (como defende Quine). Mesmo que haja relação causal entre
palavras e objetos, a teoria pode ser testada simplesmente ao nível da sentença.
A referência é feita pelo que o locutor quer dizer ou referir quando ele usa
uma palavra ou uma sentença. Este esquema referencial não diz nada sobre a
ontologia, ou seja, sobre o que certo objeto é, diferentemente da proposta de Quine.
Assim, é a interpretação que diz quais são as palavras que estão sendo usadas para
referir em um certo modo e com certa linguagem. A verdade e a referência são
relativas à linguagem na qual as sentenças são verdadeiras e as palavras podem
referir. Estas características de Davidson configuram um holismo no qual a
linguagem é parte das atividades humanas, do comportamento com o mundo e com
os outros.
De fato certas críticas ao pensamento de Quine. Talvez seja necessário
que cada uma seja analisada dentro do sistema filosófico do autor, como defende
Vidal (1989, p. 41), pois que fora deste sistema não se pode compreender
plenamente a completude e complexidade das convicções de Quine. No entanto,
para se questionar se o sistema como um todo é ou não coerente seria necessário
ampliar ainda mais nossos estudos investigando-o profundamente como um todo. O
que se pode afirmar e defender, por ora, é que no pensamento de Quine mais
luzes, mais contribuições, mais méritos do que problemas ou equívocos do que
esses mencionados. Contribuições que serviram, inclusive, para os autores que
criticaram Quine. Davidson bebeu nessa fonte.
Um dos méritos de Quine, diferente do que afirma Davidsom, como ressalva
97
Laugier (1999) é a explosão dos esquemas conceituais. Em Quine análise da
linguagem, mas sem o pressuposto de que os problemas filosóficos são problemas
exclusivos da linguagem, pois há a questão de seu realismo (realismo robusto).
Davidson critica Quine justamente quanto a sua posição com respeito à
linguagem. Davidson não aceita na filosofia de Quine a idéia mesma de que a
própria linguagem seja uma elaboração a partir da experiência. Davidson questiona
a indeterminação da tradução em que o real é definido internamente pela linguagem.
A critica de Davidson se ao que ele chama de terceiro dogma do empirismo, ao
fato de Quine correlacionar esquema/conteúdo.
Laugier afirma que o naturalismo não é um mito. Rorty (1988) concorda que
Quine não criou nenhum novo paradoxo. Para Laugier, o realismo de Quine é a
chave: não dependência do ser com relação à linguagem, o que é mostrado
em ‘Sobre o que há’ (1948). O que há não depende do uso que se faz da linguagem.
Mas o que se diz depende da linguagem. Tudo existe, e daí? O fato de que tudo
existe é uma evidência e é uma indeterminação radical, mas saber isso não nos
leva a nada. Nesse sentido, pode-se dizer que Quine vence a Metafísica. O que o
autor discute não é o estado de coisas ontológico, mas os compromissos ontológicos
de um discurso. Há um real independente e cognoscível.
O que é cognoscível pode ser dito pela ciência. É a ciência que diz o que
existe. São as teorias que traduzem a realidade. As teorias formam um esquema
conceitual e conseqüentemente uma ontologia. Nesse ponto entra em jogo a
Epistemologia Naturalizada. Há um problema: o que são os objetos da ciência.
Quine vai dizer que várias ontologias possíveis para dar conta de um mesmo
dado empírico. Além da inescrutabilidade da referência, na ontologia, surge a
indeterminação da referência também na própria epistemologia.
Por isso, afirma Laugier, deve-se chegar num realismo, mas um realismo que
evite o empirismo ingênuo, evite arbitrariedade, evite que a ciência seja uma
construção estapafúrdia, evite o relativismo cético radical. Nossa ontologia é
imanente à linguagem. E por isso a linguagem é a chave. O mito dos objetos é
produto da cultura que é aplicada eficazmente ao fluxo da experiência. Daí é que
surge a idéia de esquema conceptual e de indeterminação da referência.
Por isso não faz sentido querer chegar à ontologia de uma teoria científica. A
teoria científica não nos revela uma ontologia. A ontologia científica é tão
indeterminada quanto a ontologia da língua de um povo primitivo. As questões
98
ontológicas tomadas num sentido estrito levam a uma circularidade. A ontologia de
uma teoria científica pode ser determinada no quadro de uma outra teoria, dita
‘backgroud theory’. É contra isto que Davidson reage com sua teoria semântica da
verdade.
Laugier diz que falamos sempre a partir do interior de uma teoria, do mesmo
modo a tradução radical mostra que falamos em nossa linguagem. Dependemos de
uma teoria, falamos no interior de uma teoria e dependemos da linguagem e a
linguagem é aprendida. E ela é aprendida com relação ao mundo que nossas
terminações nervosas tocam. A Indeterminação da referência aparece em nossas
objetivações que são relativas, arbitrárias. A leitura feita por nosso aparelho
conceitual na língua indígena mostra a tradução radical. Pode-se fazer uma leitura,
mas essa leitura nunca será igual à leitura daquele povo. Assim se revela o
problema ontológico da natureza dos objetos na ciência: o que é objeto, o que é o
átomo? indeterminação porque o objeto é projetado e construído, não é
descoberto. Os objetos não estão prontos. Precisa-se de uma linguagem, precisa-
se de uma teoria. A indeterminação está ligada ao ponto de vista lógico e ao status
da notação: que notação se está usando e em que sentido se usa a notação? Na
verdade, esquema conceitual é esquema notacional. E é preciso persistir em colocar
o status da lógica no centro do sistema filosófico quiniano, como se fez notar no
primeiro capítulo. A linguagem é concebida biologicamente por Quine, mas ela é
sistematizada na notação canônica. Nesse percurso ganha força a lógica. Franca D
Agostini critica Quine alegando sua ligação a instâncias positivista típicas, quais
sejam, a busca da linguagem ideal, que seja transparente e controlada. Franca D’
Agostini afirma que Quine buscaria também a tradução da linguagem natural para a
linguagem formal. Esse talvez também seja o principal aspecto da crítica de
Davidson a Quine. Davidson, discípulo de Quine, contrapôs-se à tradição analítica
em virtude de sua concepção de linguagem. Mas Quine é pós-analítico. Não é
preciso o mundo, como diz Rorty. O realismo de Quine não está mais na
independência do suposto real como dado à linguagem. Outra grande síntese que
Rorty faz é que a filosofia não se limita à filosofia da linguagem. A filosofia não se
atém ao estudo da linguagem, mas o dizer da linguagem. Franca D’ Agostini
explica a virada pragmática que ocorre no interior da virada lingüística:
Significa deslocamento de interesse da análise da linguagem como
estrutura lógica e como faculdade prevalentemente assertiva (capaz de
99
produzir enunciados descritivos e estados de coisas e caracterizados como
sendo verdadeiros ou falsos) à análise da linguagem como faculdade
comunicativa e como conjunto de atividades multiformes, ligadas a outras
atividades de tipo social; deslocamento de interesse de uma visão
‘correspondentista’ do significado e da verdade a uma visão do significado
como entidade regulada por estimulações e interações. (D’AGOSTINI, 2002,
p. 294)
Não há, no entanto, como fechar os olhos para questões da linguagem que
nem Quine nem Davidsom levaram em conta. Basta ver os jogos da linguagem de
Wittgenstein e os atos de fala de um Austin, por exemplo. Mas essas são diferentes
perspectivas.
Laugier reflete sobre o esquema objetual de Quine classificando-o como
paroquial, local.
Nosso esquema objetual é paroquial, local. Se for examinado no exterior, ele
é inescrutável, pois é preciso entrar no esquema para se saber de que ele fala. O
realismo de Quine se encontra aí nesse esquema paroquial. Não há como sair desse
esquema conceitual provincial e da nossa época científica. E o realismo de Quine
quanto ao esquema conceitual, paroquial, social, aprendido, etc, nos leva a rejeitar
um relativismo cético absoluto, porque a verdade dos enunciados pode ser julgada
com base na teoria e inclusive pode ser melhorada, pode ser corrigida.
Essas considerações nos levam a afirmar que é justamente quanto ao
realismo que se tem um efetivo ganho ao aceitar o naturalismo de Quine. Laugier
chama este realismo de ‘realismo robusto’. De fato, o realismo robusto seria uma
decorrência do naturalismo de Quine, pois que é na ciência e não na filosofia que a
realidade deve ser descrita e identificada. Assim, Laugier defende que o realismo é
imanente à linguagem e à nossa aceitação da ciência. Se a teoria diz que há
átomos, aceita-se esses átomos e disso tira-se conseqüências. Além do mais, a
necessidade de justificação não cria mais dificuldades, uma vez que estamos num
quadro de uma epistemologia naturalizada. Portanto, robusta é toda tese que não
procura se justificar a não ser pelo naturalismo. Quine, em “Epistemologia
Naturalizada” (1980e [1969]), diz que nosso conhecimento, nosso esquema
conceitual, não tem necessidade de uma justificação prévia e não faz sentido
procurá-la uma vez que eles constituem um meio de predição e conceitualização
satisfatória. Dentro do próprio esquema conceitual pode-se formular conceitos e
predizer devido à crença de que o futuro é semelhante ao passado.
100
Uma crítica que se pode remeter a Quine diz respeito a essa questão de que
o conhecimento é justificado como algo feito naturalmente. Mas essa seria uma
outra perspectiva. Quine adota o naturalismo e com ele justifica o realismo: “O
conteúdo que damos ao termo realidade é produzido pelo discurso científico e
integrado a uma epistemologia imanente. Pela epistemologia imanente, a questão
transcendental acerca da realidade do mundo existir é desalojada.” (QUINE, 1981, p.
22). Quine fica com a ontologia, mas dispensa a questão geral da realidade exterior
do mundo.
um outro grande ganho que provém do naturalismo epistemológico de
Quine, em relação à questão da verdade, com a noção de verdade imanente, o
‘desquotation’, o holismo, ... Quine quer, ao afirmar um predicado de verdade, tomar
a linguagem pelo seu “valor de face” sem envolver a questão ontológica. Toda
definição de verdade passa a ser trivial para o autor. O predicado de verdade não
assinala um valor de verdade aos enunciados. O enunciado ‘a grama é verde é
verdadeiro’ não define uma qualidade. A verdade não é como um predicado; a
verdade define uma qualidade, pois ela tem força de anulação, ela pode retirar as
aspas. Dizer que o enunciado é verdadeiro é reafirmar esse enunciado. Falar a
verdade de um enunciado é simplesmente dizer o enunciado. Assim estamos
falando do mundo e não da linguagem. Esse aspecto reflete diretamente sobre a
relação linguagem e mundo que configura um grande interesse do autor, a saber,
como se a relação palavra e objeto, a questão de referência. Com o
‘desquotation’, com o tirar as aspas, cai o mistério desta relação. Assim, quando se
assume o enunciado, se está dizendo que ele é verdadeiro. Com esta trivialização
da verdade Quine está dizendo que a verdade é imanente. Portanto, saber se ‘a
neve é branca’ é verdadeiro é a mesma questão de saber se a neve é branca. Esse
ponto foi inspirador para Davidson.
Laugier, em seu trabalho sobre Quine, afirma que a resposta à questão da
verdade está na ciência. A ciência diz o real. O predicado de verdade serve para
mostrar a realidade, mostra já a realidade por meio do enunciado. Mesmo quando se
menciona o enunciado, quer dizer, estou falando disso e se fala, é da realidade que
se está falando. É o tirar as aspas que caracteriza a fuga semântica.
Na crítica de Quine à analiticidade, como se detalhou no primeiro capítulo, o
autor derrota a verdade analítica. Essa crítica parece culminar na descitação, em
que os enunciados da lógica servem para falar do mundo e não da linguagem.
101
Desde seu ‘Dois dogmas do empirismo’ (1951), Quine defende o holismo, no qual
não se pode tomar o enunciado individualmente, pois não se poderia determinar sua
significação empírica; É o todo da ciência que entra em jogo.
Pode-se considerar novamente um ganho em Quine o modo como ele
sustenta que se pode dispensar tanto a ‘significação’ como o ‘fato’ no sentido
filosófico de ambos. Com a derrota dos dois dogmas empiristas passa a não haver
em Quine distinção entre verdade lógica e verdade factual. A distinção entre
questões de significação e questões de fato, como se viu anteriormente é ilusória.
A verdade dos enunciados depende ao mesmo tempo da linguagem e da realidade
extralingüística.
Essa questão desemboca na tese da subdeterminação das teorias pela
experiência, conhecida como a tese Duhem-Quine. Segundo essa tese não se pode
conceber fatos sem uma conceptualização. Para cada observação empírica pode
haver inúmeras teorias correspondentes, provando a impossibilidade de se deduzir
leis a partir de uma série de observações. Embora se acreditasse ser possível
determinar as teorias científicas a proposições empíricas das quais foram extraídas,
uma vez firmada a tese da subdeterminação, cai a epistemologia ingênua e se
descarta aquela antiga pretensão
28
.
Um desenvolvimento da definição da tese da subdeterminação em Quine
pode ser apreciada em seu ‘On empirically equivalent systems of the world’ (1975),
Sofia Stein, explorando o texto de Quine, enuncia a definição de subdeterminação
de Quine:
Isto, evidentemente, é a natureza da subdeterminação. Existe um lote
infinito de condicionais de observação que queremos capturar em uma
formulação finita. Por causa da complexidade da variedade, nós não
podemos produzir uma formulação finita que fosse equivalente meramente à
sua conjunção finita. Qualquer formulação finita que for implicá-los, também
terá que implicar alguma matéria forjada, ou recheio, cujo único benefício é
o de completar a formulação. alguma liberdade de escolha em como
rechear, e nisto consiste a subdeterminação. (STEIN, 1997, p. 216 apud
QUINE, 1975, p. 324)
Stein, fazendo a leitura de Quine, afirma que o fato de uma formulação de
teoria ser limitada com relação à infinitas observações possíveis conta em favor da
subdeterminação. A tese da subdeterminação pode ser dita como uma decorrência
do avanço de Quine com relação aos ‘dogmas do empirismo’, em que não mais se
28
Conferir FOUREZ, Gérard. A construção das ciência, 1995, p. 64-65.
102
precisa determinar, ou fixar o significado, e por causa do holismo semântico, em que
não mais se precisa verificar as teorias.
Para Stein, Quine não cai no relativismo ao afirmar a existência de fatos
materiais no âmbito da ciência. Embora a teoria científica não precise ser verificada,
é imprescindível que ela seja testada, precisa resistir aos testes dos categóricos de
observação.
Embora possa se dizer que um dos principais pontos de discordância entre
Davidson e Quine seja quanto à linguagem, Vidal reconhece que a análise do
processo da aquisição lingüística é o motor do projeto epistemológico de Quine.
Quine é movido pelo interesse em compreender como se têm tantas crenças,
tantos conhecimentos, uma vez que a única evidência de que se dispõe é a
evidência dos sentidos. Quine procura compreender como se chegou às crenças e o
que delas é relato objetivo e o que é invenção.
Para otimizar este empreendimento é imprescindível que a epistemologia se
naturalize, tendo em vista que ela trata do conhecimento físico que é produzido pelo
sujeito humano também físico. A psicologia pode auxiliar na compreensão do
processo pelo qual o ser humano recebe estímulos físicos e responde com um
discurso que ultrapassa a estimulação recebida. Trata-se da questão input-output. O
que se produziu nas ciências não mais se reduz a enunciados sobre a evidência
sensível. Para se compreender este discurso sobre o mundo, Quine opta pelo
estudo da aquisição da linguagem. Borradori identifica a observação do
comportamento como o ponto de partida sobre a indagação do aprendizado, bem
como na compreensão do significado, questão que logo desponta
29
. Mas é nas
palavras de Quine, quando interrogado sobre o behaviorismo, que o processo
parece mais complexo e Quine o expande em seu naturalismo: “O Behaviorismo me
acompanhou desde o início (...) Creio porém que é na neurologia, e não no
comportamento, que se deve identificar a razão última” (BORRADORI, 2003, p. 53-
54).
É desde o aprendizado lingüístico que se pode detectar que a construção do
conhecimento não se esgota na observação. Embora inicialmente os termos se
relacionem aos objetos físicos, o aparato lógico logo é envolvido no processo,
29
Conferir BORRADORI, 2003, p. 327 e ss.
103
caracterizando-o como um aprendizado cultural e não apenas uma relação entre
signo e objeto.
A aquisição da competência lingüística é envolvida por um longo processo.
condicionamento direto, em que os estímulos físicos geram respostas, e
sínteses analógicas. Mas talvez a fase da ‘interanimação das sentenças’ seja o
grande passo responsável ao se provocar respostas à estímulos verbais
(embasamento teórico) e não mais unicamente a estímulos físicos (observação
direta). Vidal conclui:
Compreende-se, então, que a parte preponderante de nosso aprendizado
lingüístico consiste num longo treinamento social por um processo de
interanimação de sentenças, o qual é regido por leis lógicas e causais – que
também são sentenças e que permitem realizar e classificar certos tipos
de interconexões. (VIDAL, 1982, p. 98-99)
O processo do aprendizado da linguagem é expandido por Quine para as
teorias, ao afirmar que elas são uma vasta rede verbal de sentenças interligadas, e
de várias maneiras, que como um todo constituem uma unidade
30
. Além do mais são
tais teorias que incluem tudo o que se pode conhecer do mundo. Assim cada ser
constitui sua própria visão de mundo: “a meio caminho da evolução da raça.” A visão
de mundo de cada ser, para Quine, decorre de certas condições de possibilidade
31
.
As teorias de mundo são subjetivas, mas diálogo intersubjetivo em virtude das
interconexões entre as teorias; que, por sua vez, provêm das crenças comuns
devido às estruturas lógicas, lingüísticas e sociais que se englobam sob os
esquemas conceituais.
Tanto o senso comum quanto a ciência postulam inobserváveis que
transcendem os dados. O caráter conjectural do senso comum é espontâneo ao
passo que o da ciência é derivado de um sistema de hipóteses complexo, mas o
objetivo de ambos é a simplificação.
Para Quine, a noção de que nossas crenças provêm de um fenômeno cultural
é muito forte. As crenças surgem da comunicação intersubjetiva. A ciência surge de
um esforço comum da humanidade. Os postulados que se introduzem na linguagem
permitem o falar sobre objetos. Pode-se concordar com Vidal (VIDAL, 1982, p. 104)
de que o lema de Quine não conduz a um idealismo, visto que os critérios de
referência são relativos ao domínio da teoria, mas o discurso é sobre objetos e não
30
Conferir QUINE, 1974.
31
Conferir QUINE, 1960, p. 37.
104
sobre as palavras. Como se viu anteriormente, para se falar dos objetos, entretanto,
necessita-se de categorias culturais. Talvez a linguagem, adquirida culturalmente,
seja relativa, mas o saber não é absolutamente relativo tendo em vista a ciência
presente, mesmo sendo falível. Contra qualquer possibilidade de tal relativismo
argumenta Quine: “Dentro de nossa doutrina total submetida à evolução, podemos
julgar sobre a verdade com a maior seriedade e do modo mais absoluto
considerando-a, sem dúvida, como submetida a retificações” (QUINE, 1968 [1960],
p.1).
Vale afirmar com Vidal que “em seu esforço de compreensão dos fenômenos
que se dão à evidência sensível, o homem postula inobserváveis que, por
transcenderem os dados tão radicalmente, são tributários das crenças fundamentais
da nossa raça” (VIDAL, 1982, p. 105). Em ‘The Ways of paradox’ Quine já afirmava:
“Com o leite de nossa mãe bebemos uma arcaica filosofia natural” (QUINE, 1966, p.
229). O peso da tradição cultural é tamanho para Quine que até a crença no mundo
exterior é fruto desta assunção. O maior exemplo do autor sobre essa presunção é o
do aprendizado lingüístico como se acabou de ver. Na base da tradição cultural está
o senso comum, que é conjectural, e o saber científico, que é hipotético. Ambos
estão juntos neste processo que vai pelo mundo, o que varia é o grau de
complexidade.
Analisando este percurso filosófico de Willard Quine que um sentido
integrador às idéias e conceitos de modo coerente e articulado, que constitui um
verdadeiro sistema filosófico, resta-nos concluir que a contribuição de Quine é de
valor extraordinário, mesmo que haja pontos de controvérsia. Muito do seu
pensamento ainda pode ser aproveitado devido ao cunho inovador de sua filosofia.
Destaque especial deve ser dado para a Epistemologia Naturalizada que se abre
para o empreendimento imbricado entre a filosofia e as ciências.
Parece que a afirmação de Sellars ainda é atual:
... nós somos (agora) todos naturalistas. Mas, mesmo assim, esse
naturalismo comum é uma espécie muito vaga e geral, capaz de cobrir uma
diversidade imensa de opiniões. É muito mais a admissão de uma direção
do que uma crença claramente formulada. É menos um sistema filosófico
que um reconhecimento das implicações impressionantes das ciências
físicas e biológicas. E, para não ficar ultrapassada, a psicologia juntou-se ao
coro...” (KORNBLITH, 1998, p. 148 apud SELLARS, 1922, i)
O naturalismo trouxe novo alento à perspectiva epistemológica. No entanto, o
diálogo não se encerra nisso. ainda muitas questões que precisam ser tratadas
105
internamente ao naturalismo em epistemologia se se está à procura de uma sintonia
fina, mas talvez esse nem seja o caso. O fato é que questões de normatividade, por
exemplo, podem chamar a atenção; mas no que concerne às epistemologias
evolucionistas, por seu turno, a conversação pode ser ainda maior. E assim
prosseguem as investigações científicas e filosóficas.
106
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110
SALAS, Mario. Quine y los ‘dogmas del empirismo’. Rev filosofía Univ. Costa Rica,
XL (101), 27-40, Juio-diciembre 2002.
SANTOS. Antonio R.; Metodologia Científica: a construção do conhecimento. ed.
Ed. DP&A. RJ, 1999.
STEIN, Sofia Inês Albornoz. Objetos abstratos e objetos concretos: Aspectos da
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Festschrift em homenagem a Ernildo J. Stein. Petrópolis, RJ: Vozes; Rio grande do
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_____. Os pressupostos da visão eliminativista de Quine. Manuscrito, 2002. XXV
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Principia. CUPANI, A. O., MORTARI, C. A. Florianópolis: UFSC – NEL, 2002.
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Florianópolis: NEL/UFSC, 2003.
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111
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_____. Empatia e transcendência: reflexões sobre o sistema filosófico de Quine. In:
Principia, Revista de filosofia - Quine symposium. vol. 7, 1-2, junho/dezembro
2003. Florianópolis: NEL/UFSC, 2003.
112
ANEXOS
Breve biografia
Quine nasceu aos 25 de Junho de 1908, em Akron, Ohio, USA. Veio a falecer
aos 25 de dezembro de 2000, in Boston, Massachusetts, USA. Era o filho mais novo
de Cloyd Robert Quine (1881 - 1967) e de Harriet Ellis Van Orman Quine (1874 -
1970). Seu pai, logo que pode deixou a universidade. Era engenheiro, tinha seu
próprio negócio, trabalhava com equipamentos e máquinas pesadas. Teve grande
influência da língua alemã, por causa da colonização alemã de sua vizinhança.
Aprendeu, inclusive a falar superficialmente a língua e brincava com W. V. Quine por
causa desta sua facilidade. Sua mãe estudou no núcleo da Universidade de Akron e
lecionou durante anos para as séries iniciais numa escola pública de Akron. Fazia-o
com grande prazer e orgulho. O irmão de Harriet se chamava Willard. Era muito
admirado pela mãe de Quine, lecionava matemática, era bonito e brilhante. Daí o
nome Willard Van Orman Quine que, em sua juventude, recebia o tratamento
carinhoso de Van.
Ganhou de seu irmão o livro de W. James ‘Pragmatismo’ pelo qual ficou
fascinado. Casou-se pela primeira vez com Naomi Clayton e teve duas filhas. Após
três anos de separação e divorciado, Quine casa-se novamente em 1948 com
Marjorie Boynton que havia conhecido enquanto servia as forças armadas. Teve
com sua segunda mulher uma filha e um filho. Antes de trabalhar como voluntário na
Segunda Guerra Mundial, seus estudos direcionavam-se especificamente para a
lógica, embora sempre com motivação filosófica. Sua preferência sempre fora a
Matemática e a Filosofia.
Iniciou seus estudos no Oberlin College, em seu estado natal. Em seguida foi
para Harvard, onde estudou e depois lecionou filosofia. Conquisto tamanha
admiração que se tornou ‘Edgar Pierce’ professor de filosofia de Harvard em 1956,
posto que manteve até se aposentar, em 1978.
Um ponto curioso, inclusive, é o fato de que Quine tenha, durante sua vida,
viajado pelos seis continentes, por mais de 100 países. Viajar sempre fora muito
atrativo para o autor e lhe significava ultrapassar os limites mentais e culturais.
113
Obras
32
Douglas Boynton Quine, filho do segundo casamento, mantém uma página na
internet dedicada exclusivamente à filosofia de seu pai. Nesta página pode-se
encontrar a ordem cronológica das publicações do filósofo.
- 1934. A System of Logistic. Cambridge: Harvard, xii + 204 pp.
33
- 1940. Mathematical Logic. New York: Norton, xii + 344 pp.
- 1941. Elementary Logic. Boston: Ginn, vi + 170 pp.
- 1944. O Sentido da Nova Lógica. (Portuguese) São Paulo: Martins, xii + 190
pp.
34
- 1950. Methods of Logic. New York: Holt, xxii + 272 pp.
- 1953. From a Logical Point of View (9 Logico-Philosophical Essays).
Cambridge: Harvard, vii + 184 pp.
35
- 1960. Word and Object. New York: John Wiley and Sons, Cambridge: MIT, xvi
+ 294 pp.
36
- 1963. Set Theory and Its Logic. Cambridge: Harvard, xvi + 359 pp.
- 1966. The Ways of Paradox and Other Essays. New York: Random House, x
+ 257 pp.
37
- 1966. Selected Logic Papers. New York: Random House, x + 250 pp.
- 1969. Ontological Relativity and Other Essays. New York: Columbia, x + 165
pp.
38
- 1970. The Web of Belief (with J.S. Ullian). New York: Random House, v + 95
pp.
- 1970. Philosophy of Logic. Englewood: Prentice Hall, xv + 109 pp.
32
http://www.wvquine.org/wvq-book.html
33
Primeira publicação de Quine: consiste de sua tese de doutorado.
34
Esta publicação, o quarto livro de Quine, é o resultado de uma série de palestras ministradas pelo
autor em sua estada no Brasil, na USP, em 1942. Impresso em português, o livro trata
substancialmente de lógica moderna, suas técnicas e sua filosofia. A segunda edição desta obra foi
impressa pela Editora da UFPR, em 1996, com novo prefácio.
35
É o livro que traz Quine ao cenário das discussões da filosofia analítica. Sua rejeição da metafísica
mostra conseqüências nem mesmo imaginadas pelos positivistas lógicos. Seu texto muda os rumos
da epistemologia.
36
Considerado, por vários autores, como o principal livro de Quine e também um dos mais lidos em
filosofia analítica, no qual o autor defende, como principal idéia, a proposta de uma indeterminação
nas traduções radicais.
37
É composto por vários ‘ensaios’ de Quine sobre questões epistemológicas recorrentes (questões
filosóficas não resolvidas).
38
Trata das questões filosóficas que Quine propõe, em que se destacam: a natureza do significado,
significado e existência e a natureza do conhecimento natural. Destaca-se ainda, nesta obra, o bom
uso que Quine faz de Dewey.
114
- 1971. Algebraic Logic and Predicate Functors. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 25
pp.
- 1974. The Roots of Reference. La Salle, Ill: Open Court, xii + 151 pp.
39
- 1981 Theories and Things. Cambridge: Harvard, xii + 219.
40
- 1981 Saggi Filosofici 1970 - 1981, M. Leonelli (editor), Roma: Armando, 238
pp.
- 1985 The Time of My Life: An Autobiography. Cambridge: MIT, xii + 539 pp.
- 1987 Quiddities: An Intermittently Philosophical Dictionary. Cambridge:
Harvard, x + 249 pp.
- 1987 La Scienza e i Dati di Senso (Italian). Rome: Armando, 140 pp.
- 1990 Pursuit of Truth. Cambridge: Harvard, xii + 113 pp.
41
- 1990 The Logic of Sequences: A Generalization of Principia Mathematica
(Harvard Dissertations in Philosophy): Garland, x + 290 pp.
- 1991 Dear Carnap, Dear Van: The Quine Carnap Correspondence and
Related Work. (with Rudolf Carnap, Richard Creath - editor): University of
California Press.
42
- 1995 From Stimulus to Science. Cambridge: Harvard, x + 114 pp.
43
Observa-se que além desta vasta produção bibliográfica ainda trabalhos
que foram publicados como artigos, notas em jornais, entrevistas, entre outros.
Muitos dos quais após publicação prévia foram ainda incluídos em seus livros, como
capítulos ou mesmo apenas exploradas as idéias principais.
39
Quine aborda diretamente sua preocupação com a magra entrada do aparelho cognitivo e a saída
torrencial que se pronunciada pela ciência. A busca da resposta a esta questão científica se
com o uso das próprias teorias (epistemologia naturalizada). A obra cai no domínio da epistemologia
naturalizada investigando no que consiste a referência e como se chega a ela.
40
Um livro clássico da filosofia analítica; trata de questões dos positivismo lógico sobre o qual Quine
está reagindo contra. A questão motivadora do livro é como as palavras podem referir a objetos ou
ser usadas para escolher um objeto.
41
Nesta obra Quine sumariza e clarifica sua vasta e sistêmica visão filosófica. Aborda questões de
significado cognitivo, referência objetiva e as bases do conhecimento. Sua orientação empirista
confirma sua posição de uma epistemologia naturalizada.
42
Um texto que mostra as cartas, na íntegra, dos dois filósofos amigos que tratam, entre outros
assuntos, dos consensos e discordâncias das questões centrais da filosofia contemporânea. Embora
em sua juventude Quine fosse admirador da escola do positivismo lógico, da qual Carnap é também
fundador e líder, o autor discorda das questões que se referem à análise do significado e a
justificação das crenças defendidas per seu amigo.
43
Livro que engloba todo o interesse filosófico do autor nas áreas da epistemologia, com destaque
para a lógica e matemática.
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